- Conselho Nacional da Pecuária de Corte

Transcrição

- Conselho Nacional da Pecuária de Corte
Pecuária de corte
Padronização
pode garantir
mercado
A busca por um
produto diferenciado
pode render mais que
bonificação: ajuda a
assegurar mercado em
momentos estratégicos
Adilson Rodrigues
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descontos entre 2% (machos) e 5% (fêmeas)
sobre o valor da arroba. Da mesma forma,
touros de 6 anos ou novilhos de 14 arrobas
são negociados a preço de vaca. Segundo o
médico-veterinário Vasco Picchi, que presta
consultoria a frigoríficos exportadores, é o
tipo de animal que reina atualmente. “O nível de cobertura de gordura do nosso gado
é predominantemente ausente ou escasso,
além de ser muito pobre de marmoreio”, diz.
Para Pedro Eduardo de Felício, especialista em qualidade de carne da Faculdade de
Engenharia de Alimentos da Unicamp (Cam-
pinas, SP), são fatores que preocupam no médio e longo prazos. “Se continuar como está,
a tendência é vermos nosso rebanho ser nivelado por baixo”, argumenta. Felício reconhece
que padronizar não significa produzir exatamente carcaças iguais, mas, sim, com perfil
semelhante e qualidade próxima dos parâmetros exigidos pela indústria. Ele explica que
a preferência dos frigoríficos é por bovinos
com idade entre 24 e 48 meses, peso entre 16
e 18 arrobas e acabamento mediano, de 3 a 7
mm de gordura subcutânea. De acordo com
Picchi, 3 mm ainda é pouco para os padrões
atuais. “Os bois precisam ter, no mínimo, de
5 a 10 mm de cobertura na altura do contrafilé, entre 20 e 30 meses de idade, 17 ou 18
arrobas de peso (16 arrobas só se bem acabado) e rendimento de carcaça entre 53% e
56% com peso vivo na fazenda.”
Stockxpert
A
demanda por bovinos padronizados,
impulsionada especialmente pela
ampliação das exportações de carne
brasileira, é uma tendência irreversível. Entretanto, menos de 40% do rebanho apresenta características homogêneas ao abate,
o que gera dificuldade à indústria em atender à exigência dos mercados consumidores
e, por consequência, ao pecuarista, que corre o risco de ver seu produto devolvido ou
penalizado no preço. Animais sem o devido
acabamento de carcaça (com volume inadequado de gordura), por exemplo, sofrem
Demanda e remuneração – Luciano
Andrade, gerente de Projetos para Pecuária
do Frigorífico Marfrig, informa que o mínimo que a empresa necessita é um gado
zebu, ou azebuado, de 30 meses, 18 arrobas
e acabamento de 4 mm. “É diferente de um
animal de 5 anos, inteiro, de 22 arrobas, que
vai gerar uma peça exagerada. A picanha
deve pesar de 0,9 a 1,2 kg. Não conseguimos
vender corte de 1,8 kg”, relata o executivo.
Sobre possíveis bonificações a quem fornecer matéria-prima com os padrões desejados, Andrade acredita que lotes de 28 meses
com 6 mm de gordura subcutânea já poderiam merecer “tratamento diferenciado”.
Premiação por carcaça de qualidade superior
ainda não é uma realidade no Brasil, mas já
se veem frigoríficos pagando até R$ 3 a mais
por arroba, conforme Picchi. E há ocasiões
Negociação positiva
Com garantia de compra e
alianças mercadológicas,
frigoríficos incentivam
produtores a melhorarem
a qualidade do rebanho
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Para Felício, da Unicamp,
contrafilé brasileiro precisa ser
melhorado na questão da maciez
O programa Circuito Boi Verde foi criado
para mostrar o padrão demandado pela
indústria, segundo Locatelli, da ACNB
a arroba de vaca para as novilhas. Todos os
animais são criados em regime de pasto,
com suplementação mineral e terminação
em confinamento. “Uma parceria dessas é
sempre interessante, por garantir a liquidez
do produto”, assinala André Locatelli, diretor executivo da Associação dos Criadores
de Nelore do Brasil (ACNB). Ele também
informa que o Circuito Boi Verde foi criado
para mostrar o padrão demandado pela indústria, o mesmo exigido na grife de carne.
Perdas coletivas
Menos de 40% do rebanho
nacional chega homogêneo
ao abate, o que gera
riscos para a indústria
e para os pecuaristas
Seleção dos animais – Conseguir bovinos precoces e equilibrados depende de duas
variantes: a seleção genética conduzida na
propriedade e a aquisição de animais qualificados para engorda, com boa genética,
saúde e nutrição. Para a formação de bons
lotes deve-se atentar principalmente ao peso
e à idade. “Conheci um criador em São Paulo
que abatia animais perfeitos, de 19 arrobas
de carcaça e 2 a 2,5 anos. Isso porque a compra de bezerros era excepcional. Tudo aquilo
que é escolhido é mais caro, mas o retorno
compensa”, destaca Picchi. E ele tem razão
quando diz que há retorno. Que o diga o
também veterinário e criador Flávio Meirelles, produtor de bezerros na Fazenda
Brevjon, em Camapuã (MS). Nesta safra,
seus animais, com peso médio de 246,7 kg,
basicamente de cruzamentos meio-sangue Angus, 3/8 Brangus e meio-sangue
Brahman, foram vendidos por R$ 3,30/kg.
Cada unidade saiu pelo valor de R$ 814. O
indicador do Cepea, da Esalq/USP, era de
R$ 609,17/cabeça em 4 de setembro.
No trabalho de seleção da Brevjon, a
prioridade é o peso ao desmame, gerado
pelo acasalamento de touros provados, e o
descarte dos produtos ineficientes, incluindo
as vacas. Utiliza-se creep-feeding para aumentar o ganho de peso e promover o desenvolvimento precoce do rúmen, que nessa
faixa etária apresenta excelente conversão
alimentar. “Ao contrário do que se pensa, o
creep-feeding ajuda mais a vaca, que preserva a condição corporal e fica pronta para
reconceber na próxima estação de monta”,
avalia Meirelles. Na opinião do pecuarista,
os custos para produzir um animal bom ou
A escolha dos animais
Aquisição de bovinos
qualificados para engorda,
somada a boa genética,
saúde e nutrição, pode
garantir precocidade
ruim estão bastante próximos, considerando
o capital investido em terra e gado. “Uma
vaca que desmama bezerros leves e de baixa qualidade vai gerar as mesmas despesas
que uma vaca boa”, acredita. O ágio para um
bezerro qualificado existe, desde que cons-
Divulgação / Marfrig
Para ela, o sucesso de iniciativas como essas exige que os atributos desejados sejam
definidos com clareza entre as partes.
Outros exemplos práticos são o Programa Nelore Natural e o Circuito Boi Verde de
Julgamento de Carcaças. Os cortes Nelore
Natural são direcionados totalmente ao
mercado interno, aos supermercados, nos
quais a picanha custa 5% acima da média,
e algumas churrascarias. Os animais devem
ser abatidos com, no máximo, 36 meses, 17
a 19 arrobas e 3 mm de gordura na altura
do contrafilé. Como as churrascarias necessitam de peças mais robustas, a exigência
é um pouco maior: acabamento acima de
6 mm, 19 a 20 arrobas e 36 meses. Para
tanto, são pagas premiações no valor de
2% sobre a arroba de machos e 4% sobre
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em que conseguir um pouco a mais sobre o
peso do boi é o que menos importa.
“Há criador que prefere uma condição
diferenciada de negociação, como nosso
compromisso de comprar os bois dele na
safra”, diz o gerente da Marfrig. Se por um
lado a gratificação em si não é grande atrativo, por outro, o poder de negociação pode
justificar maior investimento na produção
de animais padronizados. “Não há boi ruim,
existe aquele entregue no período impróprio.
Se 10% do lote apartado não tem a termi-
nação adequada, vale a pena deixar os animais por mais 40 dias no pasto para que se
tornem parelhos na próxima escala.” Além da
garantia de compra, a indústria oferece ao
pecuarista a possibilidade de firmar alianças
mercadológicas, forma de melhorar a qualidade da produção e obter boa remuneração.
O próprio Marfrig tem um modelo que
incentiva o cruzamento industrial. O criador
que fornecer machos com no mínimo 50%
de sangue Angus, 18 arrobas e gordura uniforme recebe 5% de bonificação sobre o
indicador da Esalq/USP. Fêmeas de 13 arrobas e mesma condição de acabamento são
negociadas a valor de boi gordo. A exigência
é que os machos inteiros não possuam dentes, os castrados até dois, bem como as novilhas. Nessas condições, foram abatidos 10
mil cabeças somente no primeiro semestre.
Maria Stella Saab, coordenadora executiva dos cursos de MBA in company do
Centro de Conhecimento em Agronegócios
(PENSA/USP), aponta que as alianças são
excelente forma de assegurar remuneração
mais justa aos participantes da cadeia, especialmente o produtor, que em geral não
recebe por parâmetros de qualidade. “Isso
garante que os investimentos realizados
para buscar padrão superior valham a pena
em termos de retorno financeiro”, assinala.
Divulgação / Fábio Fatori
Divulgação / Fábio Fatori
Pecuária de corte
Andrade, do Marfrig, conta que, para
muitos pecuaristas, a garantia de compra
dos bois na safra é um diferencial
tatada sua qualidade. “Eu ganho mais com
a fidelização dos compradores que, mesmo
não ganhando mais do frigorífico, tiveram
maior eficiência com peso e padronização
dos lotes de abate”, completa. Meirelles vende cerca de mil bezerros por ano e segura as
fêmeas para reposição numa taxa de 20%.
Picchi afirma que a padronização está
chegando à pecuária de corte brasileira já
com bons exemplos de abate em Goiás e
Mato Grosso, sobretudo no rebanho Nelore.
“São Paulo encontra-se mais desorganizado,
um pouco por falta de interesse e outro tanto por falta de preparo, pois historicamente
foi um estado fornecedor de bezerros para
engorda.” Segundo ele, alguns frigoríficos
projetam elevar os abates para 3 mil ou 6 mil
cabeças/dia, algo possível de se concretizar
apenas com investimento em um novo sistema de abate e bovinos parelhos. “Precisaria
de um restrainer, modelo utilizado nos Estados Unidos que funciona com uma esteira.
Nenhuma planta conta com tal tecnologia
no Brasil e animais de diferentes tamanhos
comprometem sua eficiência”, relata.
vantagens da padronização DE BOVINOS DE CORTE
Padronização vai além de carcaças
iguais: é preciso se aproximar dos
parâmetros exigidos pela indústria
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Para a indústria frigorífica, os benefícios de bovinos padronizados são rendimento de desossa, melhor apresentação da
carne, homogeneidade dos cortes, melhor
marmoreio e espessura de gordura, economia de embalagem e atendimento à expectativa do consumidor. Na propriedade,
os ganhos são controle dos índices zootécnicos do rebanho, aumento da produtividade, economia de medicamentos como
antiparasitários, facilidade para formação
de lotes e para estimar o consumo de matéria seca e sal mineral, além de valorizar
os animais em leilões, conforme aponta
Mônica Campos, superintendente técnica
da Associação Brasileira dos Criadores de
Bonsmara. “A padronização diminui a relação de animais de cabeceira e elimina a
figura dos de fundo [muito onerosos para
a fazenda], como acontece na suinocultura e na avicultura de corte”, ressalta.
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