Historia - 14.pmd

Transcrição

Historia - 14.pmd
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da
modernidade. São Paulo: Cia. das
Letras, 1986.
O livro analisa experiências, meios, autores e obras modernas do Fausto de Goethe até as artes plásticas dos anos 1970. Tem
partes primorosas, como a análise de Fausto
fomentador: o destruidor do antigo e, ao
mesmo tempo, criador do novo. No segundo capítulo, ele analisa o pensamento de
Marx, tem alguns insights interessantes, mas
é o pior capítulo da obra inteira. Berman não
atinge nesse capítulo a plasticidade e a coerência que teve nos outros capítulos. O terceiro capítulo é dos que eu mais gosto. Intitula-se “Baudelaire: o modernismo nas
ruas”. Excelente análise de como Baudelaire capta os gritos e olhos da rua, da multidão, um dos primeiros grandes efeitos perversos da urbanização e industrialização que
a Europa vivia à sua época. Baudelaire, segundo Berman, capta as fraturas e divisões
sociais que a modernização econômica e
social gerou. Depois vem o capítulo sobre
os russos que o autor chama de modelo do
subdesenvolvimento: aquelas regiões que no
processo de modernização permaneciam
subservientes à outra região. Foi o caso da
Rússia desde o século XVIII e durante o XIX
inteiro. O autor começa a tratar do que existe de moderno em Pushkin, Dostoievski,
Gogol e outros, falando na linha do subdesenvolvimento, de uma modernidade ainda
incompleta nesses autores e sua sociedade.
Esse quarto capítulo é fantástico, com as
interpretações a que Berman chega de algumas obras dos autores acima citados. E na
última parte, o modernismo norte-americano, o autor pega Nova Iorque como símbolo, tecendo comentários muito bons sobre a
via expressa como conceito condensador
desse modernismo e, também, os gritos nas
ruas como outro conceito condensador da
modernidade do século XX.
O que fica é: mesmo que tudo que é sólido se desmanche, tudo que é sagrado se
profane, a busca do homem moderno permanece sendo se encontrar, encontrar-se no
redemoinho, acalmar a confusão e velocidade permanente da modernidade. Citando Guimarães Rosa, profundo conhecedor
do misticismo brasileiro, não é o diabo no
meio do redemoinho, somos nós mesmos,
Informes
e há várias formas de se acomodar, de se
ajeitar no turbilhão. “E quanto ao dia que
virá depois do amanhã? Thab Hassan, ideólogo do pós-modernismo, lamenta a obstinada recusa da modernidade a se extinguir”. Quando terminará o período moderno?... É o que desejam os pós-modernos,
mas várias características econômicas e sociais da modernidade são onipresentes no
nosso mundo, algumas promessas da modernidade ainda não se realizaram e, apenas por isso, não é motivo para jogar o moderno, a modernidade e a modernização no
saco de lixo como teimam em fazer os pósmodernos. O que Berman quer defender
nessa linhagem da modernidade é que
aqueles que estão à espera do final da era
moderna deverão aguardar um tempo interminável. A economia moderna provavelmente continuará em expansão, embora em
novas direções, adaptando-se às crises crônicas de energia e do meio ambiente que o
seu sucesso criou.
As adaptações futuras exigirão grandes
turbulências sociais e políticas; mas a modernização sempre sobreviveu em meio a
problemas, em uma atmosfera de “incerteza e agitações constantes”, em que, como
dizem Marx e Engels no Manifesto Comunista, “todas as relações fixas e congeladas são suprimidas”. Em tal ambiente, a
cultura da modernidade continuará a desenvolver novas visões e expressões de
vida, pois as mesmas tendências econômicas e sociais que incessantemente transformam o mundo que nos rodeia, tanto para o
bem como para o mal, também transformam as vidas interiores dos homens e das
mulheres que ocupam esse mundo e o fazem caminhar. O processo de modernização, a cultura moderna e o modernismo,
ao mesmo tempo em que nos exploram e
nos atormentam, nos impelem a apreender
e a enfrentar o mundo que esse processo
constrói e a lutar por torná-lo o nosso mundo, um mundo melhorado ou, pelo menos,
sempre tentando melhorar.
O livro foi lançado em 1982, subjaz
em todo ele um conjunto pesado de críticas ao pós-modernismo e elogios ao modernismo. Vale demais a leitura.
João Ricardo Ferreira Pires
professor e coordenador do curso de
História da FUNEDI/UEMG
Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010
5
Congressos
– 26º Simpósio Nacional de História
ANPUH 50 ANOS. Data: 17 a 23 de julho de 2011. Local: USP. Inscrições: de
1º de janeiro a 21 de março (inscrições
nos Simpósios Temáticos), de 1º de janeiro a 30 de junho (inscrições prévias
nos minicursos) e de 1º de maio a 11 de
julho (inscrições de ouvintes).
– 3º Seminário Dimensões da Política na
História: Culturas Políticas, Relações Sociais e Redes de Poder. Data: de 30 de novembro a 2 de dezembro de 2010. Local:
Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Informações: http://www.ufjf.br/3dimensoes/
– 4º Simpósio de Política e Cultura: Diálogos e Interfaces. Data: de 1º a 3 de dezembro de 2010. Local: Universidade
Severino Sombra – Campus Vassouras
(USS). Informações: http://www.uss.br/
web/page/simposiopol.asp
– 6º Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão da FUNEDI/UEMG. Cidades: a
vida urbana entre 1910 e 2010. Local:
Campus da FUNEDI/UEMG Divinópolis. Data: 24 a 26 de novembro de 2010.
Informações: (37) 3229-3500 ou cepe@
funedi.edu.br
www.revistas. ufg.br/index.php/emblemas
– Revista Estudos Históricos FGV. Tema:
“Espaço. Deslocamentos” – N°47. Prazo para envio: 31/12/2010. Informações:
http://cpdoc.fgv.br/revista
Curso de História da FUNEDI/UEMG Divinópolis – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010
– Revista Antíteses. Tema: “Humor gráfico:
representações e usos”. Prazo para envio:
28/2/2011. Informações: http://www.uel.br/
revistas/uel/index.php/antiteses/index
Aproveitando o tema geral dos
nossos trabalhos interdisciplinares
– cultura material, gostaria de fazer um pequeno exercício de olhar
para as coisas que não olhamos. Meu
objetivo com isso é incentivar a todos os
alunos na feitura de seus trabalhos e defender um olhar diferente sobre as coisas
que nos rodeiam, um olhar que estranhe
essas coisas, um olhar que não as considere naturais, mas que faça perguntas, que
questione, pois essa é nossa função primeira como historiador.
Então, os objetos, as coisas que nos
cercam em todos os ambientes da nossa
vida possuem histórias. Qual é a história, por exemplo, da cadeira? Qual é a
história, por exemplo, do clip? Tentarei
apontar alguns caminhos para se chegar
à história desses objetos banais.
Primeiro ponto: o espaço sociocultural que torna possível o nascimento das
coisas, ou seja, a partir de onde nasce a
necessidade dos objetos. Podemos pensar
que as coisas são inventadas para atender
uma determinada necessidade que as pessoas se deparam num determinado momento. Essa necessidade nascerá das características socioculturais, e a invenção
de determinada coisa acompanhará essas
características.
Segundo ponto possível de se fazer
uma história: os materiais de que é composta a coisa inventada. Não é por acaso
que as coisas são feitas de barro, de ferro
ou de qualquer outro material. Isso pode
estar associado à presença ou não desses
materiais na sociedade que inventou o
objeto. Pode ser associado também às
práticas de uso desse determinado material anteriores à invenção.
Um terceiro ponto possível de se fazer uma história seria a questão da técnica e da tecnologia. Qual é a técnica
necessária à invenção das coisas? Ela
existia antes? Como essa técnica foi
aproveitada na invenção de um deter-
– Revista Tempos Históricos. Tema: “História, Cinema e Música”. Prazo para envio: 10/3/2011. Tema: “História e Natureza”. Prazo para envio: 10/8/2011. Informações: http://e-revista.unioeste.br/index.php/
temposhistoricos/announcement
– Revista História e Perspectivas. Tema:
“História e Literatura”. Prazo para envio:
14/3/2011. Informações: http://www. historiaperspectivas. inhis.ufu.br/viewi ssue.php
Lançamentos de livros
– DOMINGUES, Beatriz H.; BLASENHEIM, Peter Louis. O código Morse:
ensaios sobre Richard Morse. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
– HESPANHA,António Manuel. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010.
– 12º Seminário de Iniciação Científica e Extensão da UEMG. Local: Unidade de Frutal
da UEMG. Datas: 17, 18 e 19 de novembro de
2010. Informações: http://www.uemg.br/
noticia_detalhe.php? id=3366
– MESQUITA, Daniel. Descobrimentos
de Capistrano: a História do Brasil “a
grandes traços e largas malhas”. Rio de
Janeiro: Apicuri/Ed. PUC-RIO, 2010.
Chamadas de artigos
– Revista Emblemas. Tema: “Juventude,
História e Sociedade”. Prazo para envio:
17/12/2010. Informações: http://
– PAIVA, Adriano Toledo. Indígenas e
os processos de conquista dos sertões de
Minas Gerais (1767-1813). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010.
EXPEDIENTE
Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro
de /2010 – Editor deste número: João Ricardo Ferreira Pires (coordenador do curso de História) – Projeto gráfico/editorial e diagramação: Daniela Couto – Ilustrações: Arnaldo Pires
Bessa – Revisão: Elvis Gomes (Assessoria de Comunicação da FUNEDI/UEMG) – Contatos: (37) 3229-3569 –
[email protected] – Avenida Paraná, 3001, bairro
Jardim Belvedere, CEP 35501-170 – Divinópolis (MG)
Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010
6
Por uma história das coisas
ediotiral
resenha
Tudo que é sólido desmancha no ar
minado objeto?
Um quarto ponto seria a evolução de
seu uso, ou seja, um objeto pode ser inventado para um determinado uso e, com
o passar dos tempos, ser utilizado para
outros fins, ou mesmo seu uso permanecer o mesmo mais adaptado às transformações do meio.
Um quinto ponto possível de se produzir história seria a simbologia, a iconografia dos objetos. Estes possuem uma
forma, possuem um desenho que muitas
vezes atende à funcionalidade, mas que
também pode ter valores estéticos, valores simbólicos. Ligado a esse quinto ponto, podemos apontar a questão da história do design, área tão pouco frequentada
por nós, historiadores, mas que poderia
render bons frutos.
Um sexto ponto seria a história da circulação das coisas: aqui podemos retirar excelentes informações sobre a economia, a sociedade e a cultura das regiões onde os objetos em questão circulam. Aqui, podemos estudar o consumo
dessas coisas, que é uma forma de circulação econômica.
Acho melhor ir encerrando esses pequenos e despretensiosos comentários,
pois alongaríamos demais. Ficam como
dicas de possíveis perguntas a serem feitas às coisas. Espero que tenha contribuído para vocês pensarem os trabalhos interdisciplinares e, para finalizar, duas dicas de leitura:
PETROSKI, Henry. Evolução das coisas úteis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2007.
ROCHE, Daniel. História das coisas
banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
João Ricardo Ferreira Pires
professor e coordenador do curso de
História da FUNEDI/UEMG
“
”
Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010
2
Há algum tempo, estava eu sentada
Na trajetória da História, podemos perna sala de espera em um consultório, ceber que, em meio a lutas entre paradigquando um senhor de mais idade mas e tendências, todos procuraram e proolhou para o livro em minhas mãos e curam entender a existência humana em
me perguntou:
um tempo e espaço. Procuram encontrar
– O que você está lendo?
um caminho no qual possam ter acesso aos
Mostrei-lhe a capa do livro (Apologia homens do passado e, de certa forma, tenda História ou Ofício de Historiador de tar compreender o presente, saciar a curiMarc Bloch) e respondi:
osidade humana e encontrar meios nos
– Um livro de História.
quais possam transitar entre o passado e
De repente, ele sorriu e disse:
presente. Como disse José Carlos Reis, em
– Hummm.... História é? Por acaso História entre a Filosofia e a Ciência, “o
você faz faculdade de História?
historiador é nada mais nada menos do que
– Faço sim.
um mediador de um diálogo, de um deba– E por que você escolheu fazer His- te, entre os homens passados, cuja presentória?
ça torna-se viva, e os homens presentes,
Neste momento, o doutor me chamou que se sentem menos solitários e desproe eu apenas despedi-me daquele senhor. tegidos. Esse diálogo promovido pelo hisMas aquela conversa me fez questionar o toriador oferece aos homens do presente
porquê que eu fazia
uma interlocução, um
História. De uma coiconforto, melhor localizaEsse diálogo
sa eu tinha certeza,
ção de si no tempo, o senpromovido pelo
que eu gostava desde
tido específico da diferenhistoriador oferece
muito tempo, mas
ça, da alteridade e da
aos homens do presente uma
nunca tinha parado
identidade, aos homens
interlocução, um conforto,
para pensar qual era
do passado, esse diálogo
melhor localização
o motivo que me leoferece igualmente a esde si no tempo
vava a gostar tanto.
perança de sobreviverem
Aquela conversa desà sua finitude”.
pertou em mim uma curiosidade: quais raMichel De Certeau disse uma vez: “Eu
zões levam os homens a mergulharem no me interrogo sobre a enigmática relação
mundo da História?
que mantenho com a sociedade presente e
O homem em sua trajetória pela vida com a morte, através da mediação das ati(no espaço e no tempo) deixa vestígios, vidades técnicas”. Quando eu li esta framarcas e sinais que, ao serem encontra- se, percebi que eu sinto o mesmo e sei que
dos pelo historiador,
essa questão sempre me
se transformam em
impulsionará a buscar reso sentido específico da
verdadeiros portais.
postas. Buscando comprediferença, da alteridade e
Portais que possibiliender qual o motivo que
da
identidade,
aos
homens
tam uma viagem do
me levou a gostar de Hisdo passado, esse diálogo
presente para o passatória, deparei-me com váoferece
igualmente
a
do e do passado para
rios. Percebi também que
esperança de sobreviverem o ofício de historiador é
presente, em busca de
à sua finitude
responder a questões
mesmo o que eu quero sesurgidas em um conguir, apesar de sua comtexto no qual o historiador encontra-se in- plexidade e de seus problemas, pois a cada
serido. Ginzburg compara o historiador dia mais eu me encanto com a atividade
com um caçador que está sempre à procu- de navegar no tempo, do presente para o
ra de vestígios, sinais, marcas e rastros que passado, do passado para o presente e, se
o homem tenha deixado. Ao encontrar tais a vida permitir, do presente para o futuro.
vestígios, o historiador seleciona-os, analisa-os e parte para a escrita da História.
Carla Fonseca de Morais
Mas por que fazemos História?
4º período de História
“
”
“
”
Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010
3
artigo
A imprensa brasileira floresceu após Educação Mônica Yumi Jinzenji pesquia Independência, orientada pelas sou especialmente Mentor das Brasileiras
Luzes e pela Razão, tão difundidas – no seu livro Imprensa e Educação da
no século XVIII. Os jornais passa- Mulher no Século XIX – primeiro periódiram, a partir daí, a serem vistos como fon- co dedicado às mulheres, produzido em
tes de informação e também de conheci- Minas Gerais, mais especificamente em
mento. Muitas vezes o jornalista foi con- São João Del-Rei, lançado em 30 de nofundido com o educador, professor, por vembro de 1829 e que circularia até 1º de
promover a leitura, a reflexão. O jornal, junho de 1832. Tal periódico, redigido por
nesse contexto, atuou como um promotor José Alcibíades Carneiro, tinha o propóda educação pública, divulgando ações, sito de promover a instrução e o entretevalorizando as atividades escolares e, so- nimento das mulheres, auxiliando-as na
bretudo, destacando a profissão de profes- formação de uma boa mãe e cidadã, atributos imprescindíveis às mulheres de ensora no Brasil Império.
É preciso lembrar que, até aproxima- tão. Suas matérias, de acordo com a pesquisadora, enalteciam as
damente 1808, as mulhevirtudes, os valores mores estiveram fora das saOs costumes vão
rais apregoados à época,
las de aula, excluídas do
sendo alterados
bem como valorizava o
processo educacional, e a
paulatinamente, e a
papel de gestora da vida
única educação recebida
adesão a atitudes,
familiar e da educadora
até então era a de dentro
valores e ideário mais
fundamental das futuras
de casa, em geral, voltamodernos vai tomangerações. Por ter essa coda aos afazeres doméstido corpo na incipiente
notação social e política,
cos, como os cuidados
nação brasileira
dava menor valor à moda
com a casa, crianças, borou às coisas que ele condados, culinária. Com a
siderava futilidades do
vinda da Corte, isso muda
um pouco de figura. Os costumes vão sen- gênero. Pelo que consta, suas leitoras codo alterados paulatinamente, e a adesão a bravam notícias sobre a moda da Corte,
atitudes, valores e ideário mais modernos ao que seu redator, a contragosto, cedeu
vai tomando corpo na incipiente nação bra- às inúmeras pressões, inserindo algumas
sileira. Entre tais mudanças de atitudes, notas que se referiam aos trajes mais usainsere-se o papel da mulher na sociedade, dos no Rio de Janeiro, bem como as coa necessidade de instrução, inclusive para res, os adereços e a influência da Corte
atender às necessidades de se apresentar francesa sobre nossos costumes.
O cenário da educação brasileira deste
bem nos salões, teatros, reuniões, que então passaram a fazer parte da vida social período é restrito, mas de forma alguma
no Rio de Janeiro já nas primeiras déca- desprezível. Muitas são as mulheres que
das do século XIX. Tais alterações nos se destacaram em concursos para profespapéis com relação às figurações sociais soras em escolas, os chamados exames púestão relacionadas em grande medida à blicos, e muito provavelmente foram as
distinção entre o espaço público e o pri- primeiras a ter direito a uma profissão, a
vado, incentivadas desde o século XVIII. exercer um importante papel social no esUma releitura será feita a partir de en- paço público, antes reservado exclusivatão sobre a família, o papel feminino, a mente aos homens. Em uma sociedade
cidadania, a educação, especialmente atra- completamente patriarcal, algumas notávés da leitura de periódicos diversos e de veis figuras femininas tiveram sua chanalguns poucos destinados ao público fe- ce, oportunidade de trabalhar, se instruir,
minino. A mulher passa aos poucos a ser educar, dando impulso a uma nova cultuvista como um ser político importante, ra e sociedade em construção.
capaz de formar futuros cidadãos.
Entre alguns jornais voltados a este púKarin Amaral
blico específico, a psicóloga e doutora em
8º período de História
Deixe-os em paz
artigo
Por que
fazemos História?
artigo
A educação feminina no Brasil
no século XIX através da cultura impressa
Estavam, sentados em roda, Judas, Sade, já sei essa ladainha”, interrompeu Dimas
Rosa, Raul, Chico e Frida. Em meio ao e continuou que salvou seu povo e o encírculo, uma pequena fogueira que apla- viou para a redenção de seus pecados, cujo
cava o frio e, na mão de um deles, um sinal é a morte na cruz e blá, blá, blá. “Não
violão que alimentava a imaginação e dava o precisas repetir o que vens dizendo já há
tom das melodias nostálgicas, românticas, sa- dois mil anos. Mas está vendo no chão
tíricas, alternativas e psicodélicas. Regados à aquela poça de vômito, aquelas guimbas
cerveja, drogas, vinho e música, a noite era de cigarro, as garrafas, os preservativos?”,
interminável ao pé do calvário.
perguntou Dimas a Jesus. “Claro que esAo levantar os primeiros raios de sol tou”, respondeu. “Veja bem, isso é o símdaquela manhã, pouco após os jovens irem bolo de uma juventude perdida, sem rumo,
para suas casas, ou talvez para uma taber- sem... opa, espere aí um pouco”, interromna onde pudessem satisfazer seus desejos peu novamente Dimas, “perdida e sem
devassos, Jesus, num grande bocejar, abre rumo? Uma juventude que fez revoluções,
os olhos, remove os cravos das mãos, dos acabou com ditaduras, extinguiu as amarpés, desce da cruz e, num gesto de pregui- ras morais, cantou as mais belas músicas,
ça e de noite mal dormida, encosta-se na escreveu as mais belas poesias? O que há
cruz ao lado. Apanha
de perdido nisso? Pelo
Uma juventude que fez
um cigarro no chão e
contrário, eles se enrevoluções, acabou com
acende-o no resquícontraram como seres
cio de fogueira que ditaduras, extinguiu as amarras
humanos e estão libermorais, cantou as mais
ainda havia nos pés
tando o mundo dos enbelas músicas, escreveu as
de sua cruz. Volta a
sinamentos de seu pai,
mais belas poesias?
encostar-se na cruz
aquele velho careta, e
O que há de perdido nisso?
ao lado, olha pra
das palavras de ordem
cima, e diz: “Está
dos velhos mal amados
vendo, Dimas? Depois de tudo que eu e que comandam sua igreja”.
meu pai fizemos, ainda tenho que aguen“Mas você não entende, Dimas? Deus
tar esse tipo de pessoa. Não têm casas nem ama tantos seus filhos que lhes permitem
camas, é o que parece, já que passam as passar por sofrimentos para que possam
noites a me aborrecer. Não trabalham, não ver que a verdadeira alegria está no todo
tenho dúvidas, uma vez que vão se embo- -poderoso”. “Pois bem, Jesus”, disse Dira quando a hora é aquela em que todos já mas em tom de fim de conversa, “é por
estão a se dirigir pro trabalho”. “Mas o esse discurso fajuto que os rapazes que
que de tão bom o senhor e vosso pai fize- cá vêm para se divertirem são como são,
ram?”, pergunta Dimas. “Pelo que me cons- escolheram viver livres a sofrerem e esta, a sabedoria adquirida, vosso pai, o deus, perar por uma salvação que ninguém pode
escolheu, aleatoriamente, um povo, em de- afirmar se é verdadeira ou mentirosa. Entrimento de outros vários, prometeu a esse tão, pra fim de papo, deixe-os em paz, despovo uma terra que jorrava leite e mel, mas canse meus ouvidos, eles nem mesmo
antes o fez passar por desertos, exílios, pra- creem que tu és filho de deus. Na verdagas, sofrimentos e testou, de maneira in- de, não creem nem mesmo que o senhor
fantil, egoísta e mesquinha, a fé de um ho- vosso pai, o deus, existe. São felizes, ao
mem ordenando-o que matasse seu próprio contrário daqueles quem vêm ali à frente
filho. A seu povo dava a vitória, a outros, a para rezar, com caras de sofrimento e de
derrota sangrenta, sofrida, sem chance de desejos reprimidos. Sobe logo nessa cruz,
salvação ou arrependimento”.
faz cara de sofredor que talvez esses dei“Quer que eu continue?”, indagou Di- xem ao pé da cruz um pedaço de Big Mac,
mas a Jesus, que, nesse momento, num tra- um resto de Coca-Cola e umas moedas
go profundo, extinguia por completo o ci- pra pinga, porque também, sem a cachagarro. “Não”, disse Jesus, “sei perfeitamen- ça, ninguém aguenta essa situação”.
te essa história, mas lhe digo uma coisa,
isso tudo foi pra glória de meu pai que criou
Valter Bernardo
o céu e a terra e...”. “Pode parar por ai que
8º período de História
“
”
Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010
4

Documentos relacionados