Ministério Público do Estado de Santa Catarina Promotora

Transcrição

Ministério Público do Estado de Santa Catarina Promotora
Agravo de Instrumento n. 2013.034695-1, de Blumenau
Agravante
: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotora
: Dra. Monika Pabst (Promotora)
Agravadas
: Teka Tecelagem Kuehnrich SA e outros
Advogados
: Drs. Eduardo Roesch (62194/RS) e outro
Relatora: Desa.Subst. Cláudia Lambert de Faria
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do
Estado de Santa Catarina contra a decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da
comarca de Blumenau que, nos autos da Recuperação Judicial n. 008.12.023674-2,
ajuizada por Teka - Tecelagem Kuehnrich S/A e outros, ora agravados, homologou o
acordo celebrado pela recuperanda com a Agência de Fomento do Estado de Santa
Catarina S.A. - BADESC, ficando a Teka autorizada a vender o imóvel matriculado
sob o n. 20.783, nas condições nele pactuadas, por preço não inferior ao mínimo ali
anunciado, estabelecendo as seguintes ressalvas: a) o montante do crédito da
BADESC, reconhecido na cláusula 2.2 do acordo acima referido, há de ser aquele
que vier a ser declarado na impugnação n. 008.13.007541-5, em tramitação neste
juízo; b) a compradora do imóvel deverá depositar em conta vinculada a este
processo R$ 2.000.000,00 da 1ª, da 2ª, da 3ª e da 4ª parcelas do preço de compra do
imóvel, totalizando R$ 8.000.000,00. Esses recursos, segundo consta do acordo e de
declaração da própria Teka, serão usados para saldar débitos para com seus
empregados. Sendo assim, o dinheiro será liberado mediante a exibição do
demonstrativo detalhado da destinação que a ele será dada (fls. 43/54).
Pugna pela concessão do efeito suspensivo e, ao final, pelo provimento
do recurso com a reforma da decisão recorrida.
É o relatório.
O recurso é tempestivo, considerando que o agravante possui o
benefício do prazo em dobro nos termos do art. 188 do CPC, e foi instruído com os
documentos indispensáveis, relacionados no art. 525, inc. I, do CPC, estando o
recorrente dispensado do recolhimento do preparo, de acordo com o § 1º do art. 511
do mesmo diploma legal.
Primeiramente, sabe-se que o agravo de instrumento presta-se ao
reexame de decisões interlocutórias e não à análise de matérias novas ou que,
apesar de submetidas à apreciação no primeiro grau, foram omissas na decisão
objurgada.
Assim, sob pena de supressão de instância, deve o juízo a quo ter a
oportunidade de analisar o fato novo e/ou rever a decisão que proferiu, atentando aos
argumentos e documentos trazidos pela parte atingida, não cabendo a este órgão
decidir questões que ainda não foram apreciadas em primeira instância.
Por esse motivo, deixo de analisar os pedidos formulados nos itens III. 5,
III.6 e III.7 das razões recursais, porquanto não foram objeto de análise pelo juízo
singular. Atento-me, destarte, apenas, ao acerto ou desacerto da decisão combatida.
O pedido de concessão do efeito suspensivo encontra amparo no
ordenamento processual civil vigente, mais precisamente nos arts. 527 e 558.
Determina o art. 527, III, do CPC:
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído
incontinenti, o relator:
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir,
em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal,
comunicando ao juiz sua decisão.
Já o art. 558, do CPC, descreve os casos em que é possível a aplicação
do referido efeito suspensivo e estabelece os requisitos para sua concessão:
Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de
prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro
sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão
grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação,
suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo
da turma ou câmara.
À luz de tais normas legais, infere-se que a ordem para suspender a
decisão de primeiro grau pressupõe a existência da relevância da motivação do
agravo (fumus boni iuris) e o receio de lesão grave e de difícil reparação (periculum in
mora).
Insurge-se o agravante contra a decisão de fls. 2365/2376 dos autos de
origem, alegando, em síntese, que a) o princípio da preservação da empresa deve ser
aplicado com bom senso e em observância ao princípio da razoabilidade, porquanto
uma empresa só cumpre sua função social, quando além de manter empregos,
cumpre com os seus deveres sociais, pois caso contrário, não passará de um peso
insuportável não só para os credores, mas para toda a sociedade; e b) inobservância
ao princípio da igualdade de credores.
Da relevância da fundamentação
Primeiramente, cumpre salientar que o plano de recuperação é, sem
dúvida, a peça mais importante do processo de recuperação judicial, porquanto
depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos associados ao
instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e cumprimento da sua
função social.
Gabinete Des. Cláudia Lambert de Faria
Nesse sentido, já se posicionou Fábio Ulhoa Coelho, na obra
Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de empresas:
A mais importante peça do processo de recuperação judicial é, sem
sombra de dúvidas, o plano de recuperação judicial (ou de
"reorganização da empresa"). Depende exclusivamente dele a
realização ou não dos objetivos associados ao instituto, quais sejam, a
preservação da atividade econômica e cumprimento da sua função
social. Se o plano de recuperação é consistente, há chances de a
empresa se reestruturar e superar a crise em que mergulhara. Terá,
nesse caso, valido a pena o sacrifício imposto diretamente aos
credores e, indiretamente, a toda a sociedade brasileira. Mas se o
plano for inconsistente, limitar-se a um papelório destinado a cumprir
mera formalidade processual, então o futuro do instituto é a completa
desmoralização.
Note-se, um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia
absoluta de reerguimento da empresa em crise. Fatores
macroeconômicos globais ou nacionais, acirramento da concorrência
no seguimento de mercado em causa ou mesmo imperícia na sua
execução podem comprometer a reorganização pretendida. Mas um
plano ruim é garantia absoluta de fracasso da recuperação judicial.
O plano de recuperação deve indicar pormenorizada e
fundamentadamente o meio ou meios pelos quais o devedor deverá
superar as dificuldades que enfrenta. A consistência econômica do
plano está diretamente relacionada ao adequado diagnóstico das
razões da crise e de sua natureza (se econômica, financeira ou
patrimonial) e à adequação dos remédios indicados para o caso. Os
órgãos da recuperação judicial, inclusive o juiz e o promotor de justiça,
devem ter particular preocupação em que se alcance um plano viável
e tecnicamente consistente, para que todos os esforços investidos,
gastos realizados e providências adotadas se justifiquem, para que a
perda de tempo e recursos caros à sociedade brasileira não frustre as
expectativas de reerguimento da atividade econômica em foco (8ª ed.
- São Paulo: Saraiva, 2011. p. 231/232 - Grifei).
Por sua vez, a Lei n. 11.101/2005 dispõe em seu art. 35, inc. I, alínea a,
que, na recuperação judicial, a Assembleia-Geral de Credores deliberará sobre a
aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado, in
verbis:
Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar
sobre:
I – na recuperação judicial:
a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação
judicial apresentado pelo devedor; (Grifei)
No caso, as recuperandas, nos autos de origem, apresentaram o plano
de recuperação judicial, no qual restou estipulado que a credora de garantia real
BADESC, em condição prioritária, iria receber 25% do seu crédito em dinheiro e o
Gabinete Des. Cláudia Lambert de Faria
restante em ações (fls. 166/172) .
Por sua vez, nas disposições finais (item f), o referido plano, também,
indica que há uma proposta para a aquisição do imóvel matriculado sob o n. 20.783 e
que, se a venda se perfectibilizar, o credor hipotecário receberá seu crédito
integralmente nas condições de 20% do valor da venda em dinheiro e o restante em
ações das recuperandas (fls. 187/188).
Entretanto, posteriormente, foi apresentado nos autos pelas
recuperandas um acordo formulado com a BADESC, no qual ela renuncia à hipoteca
e passa a receber 86% do seu crédito (R$ 19.000.000,00) em 4 parcelas, a última
com vencimento no sétimo mês após a concretização do negócio, e os 14% restantes
(R$ 3.000,000,00) serão pagos em 36 parcelas (fls. 82/87).
Logo, conforme bem asseverou o magistrado singular, não há como
negar que o acordo entabulado entre as empresas recuperandas e a credora
BADESC altera, de fato, a forma de pagamento anteriormente prevista no plano de
recuperação judicial, pois se antes o pagamento se concretizaria em dinheiro e ações
ou com dação do imóvel, agora se dará integralmente em dinheiro.
Assim, em que pese asseverar o Juízo a quo que a referida alteração
não é significativa e que não há razões para que a venda do bem imóvel matriculado
sob o n. 20.783 seja submetido à assembleia de credores, diante do acima exposto e
do dispositivo legal colacionado, que expressamente dispõe que a modificação do
plano de recuperação deverá ser deliberada em assembleia, reputo evidenciada a
relevância da motivação recursal.
Além do mais, relevantes são os argumentos do Ministério Público ao
asseverar que o acordo formulado entre as recorridas e a BADESC não observam o
Princípio de Igualdade dos Credores da mesma classe e a preferência, na distribuição
do ativo da empresa em recuperação judicial, do crédito trabalhista.
Isso porque, o pagamento privilegiado à BADESC, credora de garantia
real, fere a ordem de classificação prevista no art. 83 da Lei n. 11.101/2005, e coloca
em risco o pagamento dos valores devidos aos credores de créditos trabalhistas, que
caracterizam verba de caráter alimentar. Logo, não pode ser conferido pagamento
diferenciado à BADESC, pelo menos não antes de ser colocado em votação na
assembleia de credores.
Ainda, o risco da homologação do acordo e venda do bem objeto da
ação está claramente evidenciado no referido pacto (item 1.8), quando a própria
BADESC, para justificar a razão pela qual concordou em negociar o pagamento de
seu crédito com renúncia da hipoteca, asseverou que podem não restar valores
suficientes, em caso de quebra, para pagamento integral do seu crédito (fls. 82/83), o
que claramente frustraria o pagamento dos créditos trabalhistas, os quais como acima
exposto têm preferência na quitação do débito, em relação ao credores de garantia
real.
Ademais, reputo, também, relevante a alegação do Ministério Público no
que tange à impossibilidade de ser conferida a escritura pública de compra e venda
antes do pagamento do valor total do negócio, pois, muito embora as recuperandas
tenham acordado cláusulas restritivas em favor da BADESC, nenhum integrante do
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Grupo Savoy (promitente comprador) participou do referido acordo, o que permite
concluir que as negociações em torno da venda do imóvel em que se encontram
sediadas as empresas agravadas deverão ser reabertas.
Para corroborar, cita-se trecho da alegação do parquet nas razões
recursais:
Ademais, o próprio Diretor de Planejamento e Novos Negócios, Hugo
César Salomone (um dos herdeiros do patriarca do GRUPO SAVOY ANEXO 11), expressa conhecimento da necessidade de autorização
judicial para a venda do imóvel, assim como se coloca à disposição
para maiores esclarecimentos (ANEXO 5), o que permite concluir que
as negociações não estavam completamente fechadas.
Além do que, se o BADESC cercou-se de inúmeras exigências por
parte do GRUPO SAVOY (com quem não negociou) para garantir o
recebimento de seu crédito, entre eles exigência de oferecimento de
fiança bancária e expressa menção na escritura pública de que o
imóvel não pode ser alienado ou gravado até a quitação dos valores
devidos ao BADESC (R$ 19 milhões), prequire-se: Qual a razão pela
qual não é feita nenhuma exigência do GRUPO SAVOY para que seja
garantido não só o pagamento integral na data aprazada, bem como
penalidades em caso de não cumprimento do compromissadoCertamente, não pode o Poder Judicário correr o risco de não exigir
garantias para que também o valor da transação devido às empresas
em recuperação, até porque de interesse de toda universalidade de
credores para apenas depois autorizar a venda de tão importante bem
integrante do ativo imobilizado da empresa.
Enquanto não quitado o preço não poderia ser admitida a
transferência do bem.
Compra e venda é um negócio no qual um dos contratantes
(vendedor) se obriga a transferir o domínio de certa coisa ao outro
contratante (comprador), mediante o pagamento de certo preço em
dinheiro (art. 481 do Código Civil), sendo que a escritura pública de
compra e venda importa na transferência do bem, o que, em tese
deveria dar-se quando quitado o preço, a teor do que dispõe o art. 491
do Código Civil.
No presente caso, como não houve previsão para pagamento à vista,
deveria ter sido previsto que por ocasião da primeira parcela do
negócio correspondente a 25% do valor da transação, as partes
assinariam compromisso de compra e venda, mas jamais admitir a
transferência do domínio de tão representativo ativo das
recuperandas.
Por fim, numa análise perfunctória do caso, e levando-se em
consideração a alegação do parquet de que o referido imóvel se refere a quase a
totalidade do patrimônio das agravadas, no qual se encontra a sede e a principal
Unidade de Operação destas, é possível considerar que a venda do bem em questão
possa acarretar a decretação da quebra das empresas recuperandas, pois poderão
os credores, por deliberação, diante da situação crítica de crise econômica, financeira
Gabinete Des. Cláudia Lambert de Faria
e patrimonial, abortar o processo de recuperação judicial, de modo a convolá-lo em
falência, assim como o plano poderá restar descumprimento (art. 73, inc. I e IV, da lei
n. 11.101/2005).
Do receio de lesão grave e de difícil reparação
Igualmente, o receio de lesão grave e de difícil reparação restou
demonstrado, pois caso o efeito suspensivo seja negado, a tramitação do processo irá
prosseguir sem que ao menos a Câmara competente analise o mérito do presente
recurso. Por isso, a suspensão do decisum atacado é medida que se impõe.
Note-se que o magistrado singular já autorizou a venda do bem imóvel
matriculado sob o n. 20.783, o que torna inegável o risco iminente para a
universalidade de credores e, por via indireta, de toda a sociedade, inclusive com a
perda do objeto do presente recurso.
Ainda, cumpre salientar que a venda do bem, neste momento
processual, enseja o perigo da irreversibilidade, pois, após perfectibilizada, haverá
dificuldade em retornar ao status quo ante, caso a Câmara competente julgue
procedente o presente recurso.
Consigna-se, ademais, que o exame da matéria para o fim de
concessão do efeito suspensivo, pela celeridade que lhe é peculiar, dispensa
digressão acerca de toda a temática que envolve os fatos, a qual merecerá o devido
exame por ocasião do julgamento do mérito do recurso.
Nesse contexto, importante destacar que, nesta fase do agravo de
instrumento, a questão deve ser apreciada apenas de forma superficial, verificando
tão somente se estão presentes ou não os requisitos autorizadores da concessão da
medida liminar pleiteada, objetivando não esgotar a matéria atacada, que compete a
Câmara decidir.
Pelo exposto, nos termos do artigo 527, III, do Código de Processo Civil,
defiro o efeito suspensivo pleiteado, somente, para suspender os efeitos da
decisão recorrida, até o julgamento deste agravo pela Câmara competente.
Comunique-se ao MM. Juízo a quo.
Cumpra-se o disposto no art. 527, inc. V, do Código de Processo Civil.
Após, à redistribuição, nos termos do Ato Regimental n. 41/2000.
Publique-se.
Intime-se, inclusive acerca da petição protocolada pelas agravadas, sob
o n. 016449.
Florianópolis, 17 de junho de 2013.
Cláudia Lambert de Faria
RELATORA
Gabinete Des. Cláudia Lambert de Faria

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