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 Conversa com Adriana Calcanhotto
Adriana: Do momento em que você chegou em casa, quando acabou a turnê, e acabou aquele
negócio de viagem, de fazer mala e não sei o quê, como é que começou a semente desse disco?
Você já estava pensando em coisas ou ficou aqui zanzando?
Marisa: Quando terminou a turnê eu entrei num momento de silêncio, sabe? De esvaziamento
mesmo. Eu já tinha algumas dessas músicas feitas, prontas ou começadas durante a turnê, mas
eu precisava ficar um tempo em casa, precisava desse tempo de vida, normal, de cotidiano... Sem
tanta interrupção, sem tanta descontinuidade, sem tanta adaptação a realidades diferentes... a
cada dia um hotel, uma comida, um horário, um fuso, uma língua... Nesse momento, eu tive mais
oportunidade de encontrar os parceiros, terminar as coisas já começadas, assistir aos shows dos
outros e nutrir as relações que se transformaram nesse novo trabalho. Aí, eu fui fazendo as
músicas. Na verdade, esse disco é uma seleção de algumas músicas que eu fiz nesses últimos
três, quatros anos. Algumas até foram feitas durante o período de gravação do disco.
Adriana: Você compôs já com o disco em andamento?
Marisa: Sim, umas duas ou três aconteceram durante o disco. E algumas já tinham sido gravadas
por outras pessoas, como "Bem Aqui", pelo Dadi, “O Que Você Quer Saber De Verdade”, pelo
Arnaldo, e “Verdade, Uma Ilusão”, pelo Brown.
Adriana: Daí, quando você compôs, sendo que você já estava gravando, você compôs pela
inércia de estar mexendo com as coisas, mexendo com os instrumentos, ou você teve uma
necessidade para fazer o disco, complementar coisas?
Marisa: Não, a música que eu me lembro de ter feito durante o processo foi consequência da
minha passagem por Los Angeles, quando encontrei o Rodrigo Amarante. Eu nunca tinha feito
nada com ele, mas existia uma vontade mútua. Um dia a gente se encontrou no estúdio porque a
gente gravou uma música para o último Red Hot + Rio, “Nu com a minha música”, de Caetano
Veloso e Devendra Banhart. Durante esse tempo em que a gente estava no estúdio, pintou a ideia
de uma música. Ela já veio com algumas palavras, uma coisa que a gente fez junto na hora, já
com alguns pedacinhos de letra. Depois, ele continuou sozinho. Quando ele veio ao Rio, ele trouxe
o que ele tinha feito. Aí, demos aquela arredondada e eu achei que ela tinha a ver com o resto do
disco todo. Ela fala sobre saber o que se quer e sobre pagar o preço do que se quer, mesmo
parecendo loucura para todo mundo em volta. A música é na primeira pessoa e ela diz: “Vá, pode
falar, pode escrever, eu vou me entregar”. É sobre o reconhecimento e a conquista do desejo.
Adriana: Eu achei interessante que o disco fala dessas coisas que você está dizendo, do
imprevisível do amor e como isso é assim mesmo. E tem uma ligação muito forte dessas canções
que falam do canto, de como o canto atravessa isso, de como o canto expressa isso, e é tão
interessante porque é tão você. É o jeito que você faz a sua música. Eu queria que você falasse
disso...
Marisa: Eu sou uma cantora bem ligada à tradição da canção e do canto. Eu gosto de uma
canção com refrão, com primeira parte, com segunda parte. Eu gosto muito de melodia. A relação
do canto com o amor é ancestral. Até os passarinhos cantam quando querem atrair um parceiro.
Então, isso é uma coisa da natureza. E, na verdade, a minha preocupação ao cantar o amor hoje é
falar do amor de uma forma contemporânea, um amor que é vivido hoje. Então, têm várias
questões com as quais a minha geração e as pessoas que estão hoje vivendo a questão amorosa
se confrontam, como ter uma relação amorosa satisfatória e duradoura. Ou seja, falar do amor
como ele de fato é vivido, não um amor tão idealizado.
Adriana: Eu acho que o disco tem isso, uma coisa da imprevisibilidade do amor.
Marisa: Sim, tem uma música que fala “amar alguém não tem explicação”. Amar alguém só pode
fazer bem. O amor é uma forma de inteligência, talvez a maior delas. Estamos vivendo muitas
transformações nas relações familiares, nas relações humanas, e uma coisa certa é que os
modelos do passado não servem mais para a gente.
Adriana: Eu acho bem interessante que algumas pessoas muito jovens vão ouvir esse disco e
vão ter um toque de que o amor é assim mesmo, não é tão simples assim. É bem mais
complicado, bem mais complexo e, por isso, tão interessante...
Marisa: A questão amorosa é uma questão relevante na vida de todo mundo. Talvez um ou outro
não se importe com isso, mas a maioria se importa.
Adriana: E o que você tocou no disco? Eu vi que você tocou percussão...
Marisa: Aqui em casa tem um acervo de instrumentos que fica à nossa disposição. Como em
muitos momentos éramos só eu e o Dadi, nos desdobrávamos em várias funções, nem que fosse
para simular o que queríamos gravar depois. "Ah, podia ter um teclado". Então, a gente gravava
para ver como é que ficava. O Dadi também é um músico super versátil. Ele toca violão, toca
baixo, toca bandolim. Então a gente pôde se divertir aqui. Muitas coisas foram substituídas depois,
quando eu chamei o Daniel Jobim, o Bernie Warrel ou mesmo o Pupillo. Mas alguns instrumentos
que tocamos acabaram ficando. Em “Verdade, uma ilusão”, eu gravei só os pratos. Depois, o
Pupillo, ouvindo o que eu toquei, só fez a caixa. No final, a bateria que se ouve somos nós dois
juntos. Tentamos servir às canções de uma forma muito intuitiva, muito musical e até
despretensiosa.
Adriana: Quer dizer, você nunca pensou em uma sonoridade para o disco, você foi canção por
canção...
Marisa: É, eu fui escutando as canções e vendo o que cada uma delas ia pedindo. Essa é uma
coleção de canções, cada uma do seu jeito. A intenção foi potencializar o sentimento de cada uma
delas, o que elas queriam dizer. Eu sempre achei que eu seria o ponto de ligação entre essas
músicas e, de alguma maneira, essa diversidade sempre foi uma marca minha.
Adriana: E o nome?
Marisa: “O Que Você Quer Saber De Verdade” foi composta há algum tempo e o Arnaldo acabou
gravando em um de seus discos. A música é um convite ao silêncio necessário para se escutar as
necessidades da alma.
Adriana: Queria saber sobre aquele momento em que você chegou em casa, no final da turnê,
trouxe a bagagem, as tralhas e aí precisou de espaço, de tempo. Não estava pensando em
canção, muito menos em botar um disco na rua, falar com pessoas. Queria saber como você está
se sentindo agora...
Marisa: Eu acho que é um momento de expansão e retração natural. É um movimento de
dinâmica, um conceito altamente musical de intensidade e alívio. Eu estou feliz porque eu estou
com vontade de trazer essas músicas ao publico. Estou feliz com o resultado. De uma forma geral,
eu acho que é um momento muito bom porque as ideias dão muito trabalho. Ter uma ideia é fácil,
mas você fazê-la vir do plano do ideal para o plano do real dá muito trabalho. Elas chegarem ao
plano real para mim significa o disco ser escutado pelas pessoas. Claro que o processo agradável
e prazeroso, estar cercado de amor, de afeto e de amigos, é importante para o resultado, mas ele
se realiza mesmo é quando se encontra com o público. Agora isso é do disco.
Adriana: E o show?
Marisa: Ah, eu já tenho várias ideias interessantes para o show. De linguagem, da própria
linguagem gráfica que a gente está usando no disco, na capa, no site e de vários desdobramentos
que podem ficar interessantes. Tenho umas ideias de banda, de repertório, de cenografia, mas
isso ainda está em segundo plano para mim porque estou muito mergulhada em outras questões.
Por eu estar fazendo esse lançamento de uma forma que eu nunca fiz, muito independente,
através do meu site, em um canal de comunicação muito direto, isso faz com que eu tenha que
produzir muito mais conteúdo, como textos, respostas, vídeos. Eu acho que tudo que está sendo
feito hoje, nesse sentido, é experimental. Não existe exatamente um formato que tenha se provado
satisfatório, eficiente, até porque, se existir esse formato, ele vai se tornar insatisfatório muito
rapidamente. Exige muito envolvimento da minha parte. Não posso simplesmente delegar isso,
porque isso é muito pessoal. Eu ainda estou só sonhando com essas coisas do show. Vai ficar
para o ano que vem.
Conversa com Hermano Vianna
Hermano: Isso que está acontecendo aqui, para mim, é uma novidade, porque sempre escuto o disco
várias vezes antes de fazer uma entrevista. É a primeira vez que eu escuto alguma coisa na hora. Eu fui
anotando algumas coisas que são exatamente fruto da primeira impressão, que eu acho que era a
intenção de vocês…
Marisa: Na verdade, a intenção não era nem provocar esse desconforto de você ter que ouvir uma vez
só e vir aqui falar. A intenção era ter um interlocutor agradável e poder ter uma conversa que flui,
porque eu adoro conversar e gosto de conversa boa, sabe? A intenção não é exatamente uma
entrevista e sim uma conversa informal sobre como você ouviu o disco e que assuntos ali lhe causam
curiosidade.
Hermano: Mas eu estou achando esse desconforto bom, porque é uma experiência nova para mim.
Sou muito mais de ficar pensando numa coisa e eu só falo sobre aquilo depois de pensar bastante. Eu
tinha escutado algumas dessas canções. Você falou que eram demos e eu achei que já eram
gravações. Como foi o processo desde lá até aqui?
Marisa: A construção foi em camadas. Então, digamos que primeiro tinham as composições, uma série
de composições, todas só na memória. E aí eu e o Dadi, que mora do outro lado da rua, começamos a
nos encontrar sem horário marcado, sem compromisso, mas com muita disponibilidade de ambas as
partes. Tem esse conforto, porque ele sabe mexer no estúdio e a gente tem uma intimidade grande.
“Ah, Dadi, passa aqui?” Isso quase todos os dias, na verdade: "Vamos registrando aquelas músicas,
para pelo menos não esquecer?". Então, enquanto você faz isso, naturalmente você já vai encontrando
um andamento confortável, um tom bom para cantar, uma forma que fique simpática, legal. A gente foi
fazendo isso com todas as músicas, sem muito compromisso, durante uns bons seis meses. E, mais ou
menos nesse período em que você veio me visitar, as bases já estavam gravadas. Depois, eu comecei
a fazer mais para valer. Agora, várias coisas que eu fiz, inclusive algumas bases, foram em cima dessas
referências, desses andamentos, desses tons…
Hermano: Aquilo servia como uma coisa para os músicos escutarem ou outros instrumentos eram
colocados em cima daquilo?
Marisa: Os dois casos aconteceram. Algumas coisas foram gravadas em cima e outras, aproveitadas.
Em outros casos, só serviu de referência e foi gravado de novo. Eu comecei gravando as bases lá em
São Paulo com o power trio do Nação Zumbi - Pupillo, Dengue e Lúcio Maia - com as coisas já
começadas. Eu segui trabalhando em cima de muitas das próprias bases que a gente já tinha, que eram
bases de percussões, violões, muitas das quais eu mesma toquei com o Dadi. Depois, passei um mês
em Nova Iorque, em janeiro, levei o HD comigo, e lá eu encontrei com alguns músicos, alguns
arranjadores. Gravei algumas coisas lá com o Bernie Warrel, tecladista do Funkadelic, que já tinha
gravado comigo em alguns discos que eu fiz com o Arto. Procurei um cara que tocasse um piano com
uma linguagem pop e encontrei o Thomas Bartlett, mais conhecido como “Doveman”, que tocou com
Antony and the Johnsons, David Byrne e Yoko Ono, entre outros. Ele me foi indicado pelo Patrick Dillett,
que mixou os discos “Mais”, “Barulhinho Bom” e “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor”.
Hermano: Eu vi o Patrick no vídeo, naquele primeiro que entrou na internet…
Marisa: Foi um parceiro que eu resgatei, um engenheiro maravilhoso. No “Mais”, ele era assistente no
estúdio e acabou assumindo o disco. Ele trabalhou muito com o Arto também e já veio ao Brasil várias
vezes. Ele me ajudou a encontrar essas pessoas com quem eu fiz essas gravações em Nova York.
Depois, eu fui a Los Angeles e encontrei com o Mario (Caldato), com quem eu também tinha pensado
em fazer algumas coisas. Quando eu trabalhei com o Mario, aqui no Brasil, foi dentro de um universo de
músicos com quem eu já trabalhava, mas eu queria encontrar um pouco a turma dele. Então, ele me
apresentou o Money Mark, tecladista que tocou com o Beastie Boys, e também um arranjador
americano, o Miguel Atwood-Ferguson, um cara super jovem que toca viola, violoncelo e violino, a quem
encomendei alguns arranjos. Acabei encontrando o Rodrigo Amarante lá, quando a gente gravou uma
música pra o Red Hot + Rio 2. Também encontrei o Gustavo Santaolalla, que é um cara com quem eu já
tinha feito alguns trabalhos, por quem eu tenho a maior admiração. É um produtor argentino que já
trabalhou com muitas pessoas, fez muitas trilhas para o cinema. Ele produziu o Cafe de los Maestros, o
Bajofondo e a Julieta Venegas, por exemplo. Eu passei uns dois dias com o Gustavo, que é
multiinstrumentista e tem um estúdio com um acervo de instrumentos e sons que colocou à nossa
disposição. Ele foi se inspirando e pegava um ronroco, um violão, uma cítara, um harmônio, sei lá, um
tubo.
Na volta para Nova York eu encontrei com outro arranjador que eu adoro, o Greg Cohen, que já tinha
trabalhado comigo e com o Arto Lindsay. Ele tinha feito “Maria De Verdade”, “Magamalabares”, “Alta
Noite”, várias coisas que eu gosto. Também encomendei uns arranjos para ele. Então, deixei as coisas
apontadas, vim embora e continuei trabalhando aqui no Brasil, fazendo vozes e mais alguns overdubs.
Fiquei coordenando isso tudo e algumas coisas que foram acontecendo mais remotamente, tipo os
arranjos do Miguel. Ele foi gravando em LA e me mandando. E o Greg também estava escrevendo, em
Berlim.
Hermano: E você viajando com um HD embaixo do braço?
Marisa: Eu viajava com o HD debaixo do braço. Isso foi uma coisa muito marcante. Foi um disco que
eu fiz com gente trabalhando em Los Angeles, em Berlim, em Nova York... Me comunicava pelo Skype
e por email. Manda música, volta música. Para mim, foi uma novidade porque fiz os últimos dois discos
só no Rio e essa é uma tecnologia relativamente recente que te permite isso. Esse foi um disco muito
inserido dentro do meu cotidiano, da minha vida. Além de boa parte ter sido feito em um estúdio caseiro,
eu tive esse tempo natural, sem prazo para acabar.
Hermano: E quem assina a produção?
Marisa: A produção é minha e a coprodução é do Dadi, que foi meu companheiro nesse período todo,
meu parceiro desde o começo.
Hermano: É porque tem toda essa camada, pessoas que foram se juntando no caminho, na estrada
mesmo…
Marisa: Foi feito entre amigos. Muitas pessoas acabavam participando quando vinham me visitar. O
Domenico, por exemplo, veio aqui um dia: "Ah, deixa eu tocar isso aqui". Ele foi lá, tocou e a gravação
ficou. Eu não queria escolher a música, tipo “você tem que tocar nessa música, a ideia é essa”. Queria
que as pessoas escolhessem a música e o instrumento que tivessem vontade de tocar. A ideia era
deixar aquilo fluir na pessoa com naturalidade. Essa maneira é muito mais musical de se trabalhar.
Hermano: Você não fica em função da tecnologia, mas a tecnologia só facilita uma coisa que é…
Marisa: A tecnologia, em si, é neutra. Não ajuda nem atrapalha. Ela depende de como você usa, como
quase tudo na vida.
Hermano: E é uma união muito interessante porque tem o trio do Nação Zumbi, o Mario Caldato, o
Gustavo Santaolalla. O Gustavo é um dos mais importantes produtores da história da música pop no
mundo, o disco que ele fez com o Café Tacuba...
Marisa: Sem falar no trabalho dele para cinema.
Hermano: É legal que a tecnologia possibilite esse contato íntimo com pessoas que estão distantes e
que de outra maneira não poderiam participar, devido a suas agendas… Mas será que as pessoas
ainda escutam disco?
Marisa: É, isso é uma questão.
Hermano: Eu fiquei pensando nisso: as pessoas colocam no shuffle e você não tem mais nenhum
controle sobre o que vai vir antes e o que vai vir depois...
Marisa: Eu não sei, é verdade, as pessoas talvez não escutem mais tanto o álbum, mas mesmo assim
eu ainda estou lançando um álbum, pelo menos dessa vez. Pode ser que no futuro eu lance de duas em
duas [músicas], de três em três, de uma em uma. Eu não tenho nada contra isso, eu acho bem legal,
mas eu acho que enquanto ainda existir um produto físico, ele serve como referência de formato. Eu
acho que realmente o produto físico vai se tornar um consumo de nicho como é hoje em dia o LP. É
inevitável e eu acho muito legal, porque eu acho que é muita matéria, é muito plástico, é muito papel. Eu
acho que o mundo no futuro não precisa disso, não cabe isso. Eu acho muito legal para um consumo de
massa que isso tudo seja virtual mesmo, que possa circular, que possam caber grandes arquivos em
pequenos espaços. Eu acho que isso é muito adequado às transformações que o planeta precisa viver.
Mas eu não sou uma artista que está começando agora, estou vivendo essa transição. O meu primeiro
trabalho, de 89, foi lançado só em LP e fita cassete. Eu venho desse mundo…
Hermano: Que tinha ainda o lado A e o lado B, as pessoas ficavam pensando que música iria para o
lado A e que músicas iriam para o lado B e o CD já mudou isso. E hoje a tecnologia que possibilitou a
existência desse disco tal como ele é, da forma como você descreveu o processo de produção, também
possibilitou muitas formas de escutar...
Marisa: Sim, e eu tenho certeza de que vai provocar uma revisão no formato de negócio, no ritmo de
lançamento. Eu acho que para o artista, apesar de se falar muito em pirataria, de quanto se perde, acho
que é um grande ganho você cortar muitos intermediários na relação com o seu público e poder chegar
diretamente, tanto com a sua fala quanto com a sua música e o seu pensamento. É o que há de melhor
e é o que sempre me encantou no show. A relação que construí com o meu público foi através do meu
contato direto com eles. E a possibilidade fazer isso de tantas maneiras é um ganho enorme.
Hermano: Mas eu acho que antes dessa possibilidade mesmo você já estava experimentando uma
maneira nova de lidar, de cortar intermediários na sua música. Você foi a primeira artista brasileira a ter
controle nos fonogramas, por exemplo...
Marisa: É, eu sempre procurei ser criativa para além da própria produção musical. Como vai ser o meu
jeito enquanto artista nesse mundo em que tenho de lidar com diferentes forças: a indústria fonográfica,
a imprensa, os parceiros, os músicos, comigo mesma... Sempre procurei botar minha criatividade a
serviço disso e procurar um jeito próprio de lidar com essas coisas. Sempre busquei esse caminho de
ter a minha própria editora, o meu selo, de ter mais independência e manter a liberdade. Não tem
nenhuma maneira certa, nenhuma errada, mas eu estou sempre tentando encontrar a minha.
Hermano: Hoje é sempre um mistério quando você está lançando um disco. A gente viveu outra
história da industria fonográfica. E eu vejo aquela pessoa que se esforçou tanto para lançar um disco,
fazer aquele produto e se dedicou tanto para aquilo... E aquilo vai para onde, né? Vai ser vendido
onde? Não tem nem loja mais...
Marisa: De fato, por mais que todos esses arquivos circulem, a produção precisa ser mantida, ela não
pode se tornar uma coisa inviável. É claro que o conteúdo tem um valor enorme ainda, as pessoas são
ávidas por ler bons textos, escutar boa música, entrar em contato com o conhecimento. Isso aí é
importante para as pessoas e para nós. Então, ao mesmo tempo, os pesquisadores, os escritores, os
cientistas e os artistas precisam de subsídios para produzir e para sobreviver do que produzem. Hoje
em dia, para um artista que se apresenta, faz shows ao vivo, a coisa ainda parece salva, mas, para um
compositor que vive exclusivamente de direitos autorais, é praticamente inviável. O cara tem que ser
taxista e compositor, tem que ter outra profissão também. Eu acho que todo mundo que lida com
informação de uma forma geral está precisando repensar os seus modelos. E a música faz parte disso.
Hermano: Eu li uma entrevista com a Björk, sobre o lançamento do próximo disco dela e tem uma
coisa que eu adorei. Ela acha que as coisas estão realmente melhorando, que está tudo caminhando e
que a crise traz muitas possibilidades boas para quem souber usá-la. Ela fala que é a melhor época
para trabalhar com gravadora, porque ninguém mais ganha dinheiro com gravadora, então, quem está
na gravadora é porque gosta de música, não está lá pelo dinheiro.
Marisa: Então sobra para os idealistas, para quem realmente gosta.
Hermano: Acho que esse disco está muito bem equacionado. A sofisticação toda está em função da
simplicidade de uma...
Marisa: Comunicação…
Hermano: Comunicação! E eu me lembro de você cantando uma vez aqui na sua casa. Acho que você
tinha acabado de compor “Amor I love you” e ainda estava surpresa com aquilo. Eu sou capaz de cantar
uma coisa tão simples e tão universal, mas eu acho que nesse disco é muito explícito, muito
impressionante a qualidade pop.
Marisa: Na verdade, eu acho que essa é uma característica das canções, de se comunicar com as
pessoas.
Hermano: Mas eu acho que isso prova que para ser direto, para ser simples, você não deixa de ser
sofisticado. Essa é uma característica da poesia do Arnaldo.
Marisa: Do Brown também. Ele pega uma palavra e parece que ele vai dizer uma coisa muito simples,
mas ele transforma aquilo em outro significado através de uns jogos de palavras. O Arnaldo também.
Ele é rigoroso, dá segurança para a gente quando a gente está compondo, de que as coisas vão estar
no lugar, porque ele sabe organizar. Ele tem o costume de escrever, tem uma intimidade com a
literatura maior do que eu e o Brown. A gente é mais da rua, mais da vida mesmo. Ele é dos livros.
Hermano: E tem uma coisa que é uma evolução do seu trabalho, mas que ilumina retroativamente as
outras coisas, porque acho que antes poderia haver uma dúvida, se tinha também uma ironia de usar
determinadas formas populares de compor, mas agora eu acho que tem um distanciamento da ironia,
você gosta mesmo…
Marisa: Lógico, se eu estou aqui é porque ouvi Roberto Carlos e Tim Maia a vida inteira. Essas coisas
são muito naturais para mim. É a formação mesmo, é o que está impresso na forma de sentir a música,
de viver a música.
Hermano: O disco vai se chamar "O Que Você Quer Saber De Verdade". E não é uma pergunta, é uma
afirmação.
Marisa: Não é uma pergunta, é um objeto, um objetivo, é uma coisa que você quer saber de verdade.
Hermano: O disco é muito interessante porque por trás da aparente simplicidade de algumas canções,
a mensagem que está sendo passada é muito complexa, muito sofisticada… e não coloca as coisas de
um lado ou de outro, preto e branco... as coisas são misturadas e…
Marisa: E deixa várias questões em aberto. Não é tudo conclusivo, mas eu acho que provoca algumas
reflexões ou, pelo menos, quer provocar. Essa questão da relevância dos valores para cada um… o
disco fala sobre escolha, sobre desejo, sobre autoconhecimento e liberdade.
Hermano: Há muitas canções para o bem viver, várias canções em que você está falando consigo
mesma… e essa de certa forma é a missão da filosofia desde sempre na Grécia: ensinar a viver bem.
Acho que foi se sofisticando muito que a origem dessa procura da verdade foi desaparecendo do
palavreado difícil dos textos. Ao mesmo tempo, tem outro lado. O pop é autoajuda, o pop nos ensina.
Marisa: A gente entra em contato com muita sabedoria através das músicas.
Hermano: E ensinando que as coisas são complexas mesmo. “Vai sem direção”, “Vai ser livre”, “A
tristeza não resiste” ou, então, “A vida é curta, curta a vida”. Todas essas coisas parecem muito
simples.
Marisa: Tão largo o céu, tão curta a vida ...
Hermano: Se você parar para pensar nisso, é muito complexo…
Marisa: E é mesmo.
Conversa com Francisco Bosco
Francisco: Marisa, queria que a gente começasse conversando sobre a canção abre-alas do disco,
"Ainda Bem". Assisti ao clipe em que você dança com o Anderson Silva e queria que você falasse um
pouquinho sobre o que é a dança para você, porque a dança aparece muito no disco, em algumas
letras e, de cara, nesse clipe.
Marisa: Eu acho que a dança é uma linguagem corporal musical. Eu gosto muito de dançar e frequento
alguns bailes da cidade aqui no Rio. Me familiarizei com essa linguagem, que é de improviso, de
entrega, porque você, às vezes, dança com pessoas que nem conhece. É uma resposta física à música.
Tem músicas a que o seu corpo responde intuitivamente com um movimento... isso é a dança. No caso
da dança que está no clipe, como a música trata da celebração de um encontro (“ainda bem que eu
encontrei você”), achei que um par dançando podia representar bem essa ideia. Quis convidar o
Anderson porque já sabia que ele dançava. Já o tinha visto entrar como Michael Jackson antes de uma
luta, dançar com a filha na festa de 15 anos e o identifiquei como provável bom parceiro. Como eu tinha
que fazer o clipe, pensei em chamá-lo, mas não sabia se ele iria gostar da ideia se ele iria poder.
Felizmente tudo fluiu, ele aceitou. Não tem uma coreografia, a gente não ensaiou. Aquilo é realmente
uma conversa física, sendo a música a condutora.
Francisco: E ele se confirmou um bom dançarino?
Marisa: Ótimo dançarino. Acho que o que ele faz na luta tem um pouco a ver com isso, porque você
tem que ler o corpo do outro. A luta também é um diálogo, assim como a dança. Ele tem essa noção
muito clara, o domínio dessa linguagem, e o que eu gostei muito é que apesar de ele ser um atleta, um
campeão de um esporte de luta, o clipe mostra toda a delicadeza dele. Você vê que ele é uma pessoa
gentil, elegante, e isso é uma coisa que eu já tinha percebido através da voz dele. A primeira coisa que
eu falei para ele quando o encontrei foi: “eu adoro a sua voz”. Porque como ele é muito grande, muito
forte, tem esse contraponto com a voz. Mas eu acho que ela é a alma dele. É o que traduz o seu
espírito, aquela doçura. Então é muito legal vê-lo tão leve, tão gentil, tão doce, num mundo tão feminino,
tão livre de impacto.
Francisco: Marisa, a todo o momento me vinha à mente a frase famosa do Nietzsche: “Eu não confiaria
em um Deus que não dança”. E o seu disco tem momentos nietzschianos muito fortes: a questão da
verdade, a questão da ilusão... verdade, ilusão, mentira. Tem uma questão ética que atravessa o disco
todo que é tentar ouvir mais claramente o seu desejo e arcar com as consequências dele, sejam quais
forem essas consequências, por mais grave que elas sejam…
Marisa: É a questão do compromisso individual com a felicidade, de que só você vai ser feliz por você e
ninguém mais. Então, essa é uma responsabilidade que cabe a cada um. Existe tudo com o que a gente
tem que arcar, em consequência das escolhas, mas é muito importante que cada um consiga descobrir
o que é bom para si. Obviamente, não existe uma verdade coletiva, mas existe verdade no íntimo... A
verdade só existe no íntimo.
Francisco: Antes de te conhecer pessoalmente, eu tinha, além de uma admiração por você como
artista, uma admiração pela sua postura em relação a uma questão muito forte na nossa cultura, que é
a cultura das celebridades. Um certo culto à própria imagem que muitas vezes faz com que a pessoa
perca de vista o seu desejo, porque tem que alimentar aquilo que se espera da imagem dela. No
entanto, você sempre pareceu uma pessoa com uma capacidade rara de fazer o que é preciso para
cuidar da sua imagem, no sentido do seu trabalho atingir a maior quantidade possível de pessoas. Ao
mesmo tempo, você tem uma vida quase que secreta, low profile. Nesse disco, é como se essa sua
conduta tivesse chegado a uma radicalidade máxima, como se você não tivesse que prestar contas a
nada que não fosse a nudez do seu desejo, o que você quer para a sua vida.
Marisa: Eu acho que esse disco fala de muitos valores. Eu não confundo a minha pessoa com a minha
arte. Hoje em dia existe uma confusão muito grande entre arte e artista, como se essa linha tênue que
divide isso já não existisse mais. Mas para mim ela ainda existe. É claro que ela se confunde, é claro
que o meu trabalho é muito pessoal, claro que muito da minha vida eu trago para o meu pensamento
artístico, mas de alguma maneira eu consigo separá-las. Na verdade, eu me sinto muito confortável em
servir à música e não tenho essa vaidade pessoal de querer aparecer mais do que ela. Claro que eu
quero dar o meu melhor, que o meu trabalho esteja lindo e bem feito. A música está aí há milhões de
anos. Ela vai continuar e eu estou só de passagem, então eu estou tentando, de alguma maneira,
cumprir minha função dentro desse processo.
Francisco: Uma coisa que eu adoro em "Ainda Bem" é que ela é uma letra muito direta, muito simples
e, no entanto, tem um momento crucial que é o verso "tudo se transformou". Esse verso, da canção
clássica de alguém que você ama, o Paulinho da Viola, está ali de modo curioso, porque na canção do
Paulinho “tudo se transformou” é um amor que se tornou desencontro. Na sua, era um desencontro
íntimo que de repente vira um encontro.
Marisa: Desilusão que se iluminou...
Francisco: Então eu queria pegar esse gancho, sobre quais são os compositores brasileiros ou em
âmbito mundial que você acha que estão mais presentes na conversa musical desse disco.
Marisa: Eu não sei se tem isso... Acho que tem coisas que eu cresci ouvindo, coisas que eu nem
penso, mas que estão de alguma maneira funcionando e agindo ali, flutuando. E também não é tudo
meu. Eu tenho um grupo, um coletivo de autores, de compositores, de parceiros, que trabalharam
comigo. De alguma maneira, são acervos que se cruzam, porque muitas das situações descritas ali no
disco não são coisas que necessariamente os três parceiros estão vivendo no mesmo momento, mas,
de alguma maneira, todo mundo sabe mais ou menos como é. Por exemplo, encontrar alguém e a
sensação maravilhosa daquela descoberta. A maioria dos meus parceiros é da minha geração e a gente
cresceu ouvindo música pop brasileira e música mais tradicional brasileira, desde Dorival Caymmi, Noel
Rosa, passando por Tim Maia, Roberto Carlos... Também Los Hermanos e outros compositores
contemporâneos, passando por todos os momentos do rock, como Titãs, Renato Russo, Cazuza... São
experiências múltiplas e acho que não só a música influencia, mas o que se lê também. Pode ser sobre
a história do Brasil, pode ser ficção, pode ser romance...
Francisco: O que você gosta de ler mais?
Marisa: Eu gosto muito de literatura brasileira.
Francisco: Romance ou poesia?
Marisa: Mais romance. Leio poesia também, mas eu me apego mais ao romance. Adoro Machado,
José de Alencar, João Ubaldo... são as coisas que eu leio e releio. Às vezes aparece um livro latinoamericano e eu leio também, mas é muito legal você ler um texto que foi gerado originalmente em
português. Eu gosto mais dessa sensação do que ler traduções. Lógico que eu leio traduções também,
mas é tão bacana quando você encontra um texto que foi escrito originalmente por alguém que fala
português. É diferente. Você sabe que aquele texto do João Ubaldo em "Viva o povo brasileiro" vai ser
traduzido para o alemão, mas ele nunca vai ser lido como a gente pode ler aqui.
Francisco: Esse é um livro especialmente formidável, né? Porque ele tem várias línguas portuguesas
dentro do mesmo português, o português do século XVI...
Marisa: Eu tenho muita admiração pelo João Ubaldo, ele é incrível. Acho que é o escritor brasileiro
vivo que eu mais amo. Leio sempre a coluna dele no jornal. Enfim, leio muitos livros. Leio um pouco de
tudo: Miguel Sousa Tavares, Isabel Allende, Mario Vargas Llosa, Gabriel García Marquez, Darcy
Ribeiro...
Francisco: Tem uma parceria sua com o Amarante nesse disco, chamando mais para a jovem guarda,
e tem um compositor que você está praticamente apresentando para o público maior, que é o André
Carvalho ...
Marisa: Na verdade, a Maria Gadú gravou uma música do André que toca bastante na rádio. Ele é filho
do Dadi. Quando eu comecei a tocar com o Dadi, o André tinha 12 anos. Eu conheço o André há muito
tempo e ele está desenvolvendo uma linguagem como compositor muito interessante, muito própria.
Acho que a coisa mais difícil para um compositor é encontrar um jeito particular de se expressar. Ele fez
o primeiro disco dele recentemente e a música que eu gravei está nesse disco. Eu fiquei com essa
música na cabeça dias assim: “nada, nada, nada, tudo, tudo, tudo, tudo, nada e tudo, eu não sei mais”.
É isso, né, verdade-ilusão... Essa relativização das coisas e essa busca de uma precisão do foco num
mundo tão disperso... Eu fiquei encantada, aprendi a tocar em casa... É sempre assim que elas vão
parar nos discos. E aí, ontem, eu vi que ele foi citado na Academia Brasileira de Letras, na posse do
Merval [Pereira]. Outro acadêmico, o Marcos Vilaça, usou no discurso um trecho da música que a Maria
Gadú gravou: “todos os caminhos trilham pra gente se ver, todas as trilhas caminham pra gente se
achar”. Quer dizer, o garoto vai longe (risos).
Francisco: Uma coisa que eu achei marcante também é essa canção "Verdade, uma ilusão" que é
uma espécie de foxtrot de salão. Tem uma referência à dança também... é uma dança.
Marisa: É uma dança também, uma conversa de duas pessoas que estão dançando. Ela tem essa
linguagem...
Francisco: E tem este verso: "verdade, seu nome é mentira''. Essa canção parece um pouco
Nietzsche na (Gafieira) Estudantina... Queria que você falasse um pouquinho sobre o que você acha
dessas ideias de verdade-ilusão. O que é verdade, o que é ilusão?
Marisa: Verdade, segundo meu amigo Ernesto Neto, só existe quando não tem ninguém olhando,
porque, se tem alguém olhando, já vira versão. Então a verdade só existe de uma forma individual
mesmo. Existem várias versões, existem as verdades individuais, mas essa verdade absoluta, não. Até
as leis da física são questionáveis. Há algum tempo o mundo era quadrado, já não é mais; a coisa mais
veloz que existia era a luz, mas parece que já não é mais. Então, a verdade é algo que a gente está
sempre buscando, mas que é sempre impossível de se alcançar. No entanto, ela existe no íntimo, ela
existe dentro de cada um de nós. É como se a pessoa estivesse naquele enlevo amoroso todo, mas
soubesse que tudo é uma invenção da cabeça. A pessoa quer viver aquilo, mesmo sabendo que isso
pode ser tudo meio fantasioso e meio impalpável.
Francisco: Então, a ilusão é a única verdade. Para usar uma palavra que você usou quando gente
conversava e que eu acho uma das mais lindas da língua portuguesa, esse é um disco muito
“desencanado”. Ele tem uma coisa de liberar a si, liberar o outro. Ele não é um disco cheio de labirintos,
é todo claro, né?
Marisa: Ele fala de vários assuntos, mas sempre de uma forma que flui. Ele não é problemático, é bem
desapegado. É leve, assim, resolvido, "Seja Feliz". “Bem Aqui", "Hoje Eu Não Saio, Não", "Ainda Bem",
"Depois", "Amar Alguém”, "Aquela Velha Canção". Eu acho que tem um bem viver permeando todas
essas músicas, ou pelo menos tem uma vontade, uma busca desse bem viver, de estar bem, de gostar.
É melhor gostar do que não gostar; é melhor ser feliz do que ser triste; é melhor resolver do que viver
problemas. Porque se você briga com a vida, você perde.
Francisco: A vida gosta de quem gosta dela... Como é que você vê, dentro da sua trajetória, esse
disco novo?
Marisa: Já fiz vários discos, já tive vários parceiros. Eu vejo que tenho mais controle dos meios de
produção, tenho mais experiência e ainda tenho vontade de trabalhar. As ambições são diversas... Eu
acho que eu fiz esse disco em um momento muito legal porque eu fiquei mais em casa, tive tempo, tive
uma filha. Um momento muito tranquilo, muito gostoso, em que eu pude viver a música, viver a
criação... E ler muito, viver o afeto, viver o amor e estar nutrida. Esse distanciamento que eu dou,
quando eu fico um tempo sem viajar muito, é ótimo porque eu vejo minha vida. Sabe quando você está
fora do furacão e você consegue olhar e ter uma visão mais clara? Então, foi um momento muito bom
para mim e eu acho que ele passa uma preocupação em aproveitar a vida, ouvir meu coração e
encontrar o que é relevante para mim dentro de todas as opções que existem neste planeta. Até porque
acho que a gente vive um momento com tanta informação, que o cérebro da gente não dá conta.
Francisco: Pois é, como você lida com isso, Marisa? Porque, como você falou, a gente vive num
tempo de muita ocupação, de muita informação e a gente sabe que a história do pensamento e da arte
está ligada ao ócio, ao vazio, à preguiça. Como é que você se protege disso, desse excesso de
informação? Você tenta criar um vazio para poder criar?
Marisa: Eu tento abrir um espaço para criar no cotidiano... Surge uma ideia quando você está dirigindo
o carro, tomando banho, tocando violão sozinha... Você vai guardando aquele acervo de ideias ali e, às
vezes, quando eu encontro com um parceiro, tem coisas que eu já comecei a fazer, que vamos fazendo
juntos.
Francisco: Você ouve muita música?
Marisa: É engraçado porque tem toda uma dinâmica... Quando eu toco menos, eu escuto mais, e viceversa. Quando eu gravo muito, eu escuto menos, porque já fico o dia inteiro no estúdio e quando chego
em casa à noite não quero mais música. Quero ficar quieta, ler um livro. Mas tem sempre música
presente. Eu agora tenho escutado bastante coisa porque não estou no estúdio o dia inteiro, então
consigo ter vontade de ouvir, meu ouvido fica querendo escutar…
Francisco: Sempre canção ou jazz, música clássica...?
Marisa: Eu escuto muita música clássica. Eu gosto muito de piano solo. Chopin, Phillip Glass,
Debussy, uns concertos… E escuto música de todos os tempos, como jazz, mas eu tenho ouvido
também Melody Gardot, uma cantora americana que acho super interessante, Pink Martini, Antony &
The Johnsons, Regina Spektor, Adele... Eu vou escutando coisas diferentes. Eu compro muita música
no iTunes: Stevie Wonder, Al Green, Dusty Springfield, José Gonzales, Kings of Convenience, Mané do
Cavaco, Mina, Nat King Cole, Originais do Samba, Tom Jobim, Dona Ivone, Clementina... Para mim, é
muito legal essa facilidade de hoje em dia. Porque eu confesso que eu tinha preguiça de importar todos
os meus CDs para dentro do computador. Então, hoje em dia, se eu quero ouvir alguma coisa, eu posso
comprar na hora. É muito prático. Então, sei lá, de vez em quando eu fico com vontade de ouvir alguma
coisa que eu não escuto há muito tempo, tipo Simon e Garfunkel. Vou lá e compro, posso escutar de
novo, lembrar como é...
Francisco: Numa época, a Clarice Lispector fazia entrevistas com as pessoas e era meio sádica
porque fazia perguntas impossíveis. Eu agora vou exercer um pouco do sadismo Clariciano com você,
tá? São perguntas muito simples, mas são as mais impossíveis de todas. Então, eu queria te fazer duas
ou três. Para começar, o que é a música?
Marisa: Para mim é um meio de expressão, de comunicação, de transmissão de sabedoria, de
filosofia, de pensamento, uma forma de união das pessoas. São ondas carregadas de emoções, de
poesia. É interessante porque a matéria da música é muito abstrata. Não é como poesia escrita em
papel, uma escultura de matéria, uma pintura que é tinta numa tela, uma coisa que é palpável. Ao
mesmo tempo ela tem um poder transformador tão grande... Pelo menos na minha vida, ela é
totalmente transformadora.
Francisco: A última pergunta é da Clarice: o que é o amor?
Marisa: O amor é uma forma de inteligência.
Francisco: Andy Warhol dizia que ser pop é gostar das coisas…
Marisa: É isso! Gostar é que é bom.
Conversa com Marcos Augusto Gonçalves
Marcos Augusto: Você ficou cinco anos sem lançar um disco. Eu queria que você falasse um
pouco disso, porque é um tempo longo para o artista ficar, não distante, propriamente, mas sem
um trabalho novo. Da última vez que você lançou um disco não tinha nem o Ipad no mundo.
Marisa: Realmente, tem umas evoluções tecnológicas acontecendo. Em 2006, eu lancei os dois
discos e fiz uma turnê de dois anos. Depois, quando eu terminei essa turnê, fiz um CD ao vivo e
um DVD que mostrava o meu cotidiano de cantora contemporânea, registrada desde o momento
do lançamento do disco até o fim da turnê. Em seguida, veio o filme “O Mistério Do Samba”, que
produzi e com o qual me envolvi muito, tanto na edição como no lançamento... e tive mais uma
filha. Nesse último ano, consegui gravar sem pressa, sem pressão, num tempo bem incorporado
ao cotidiano. Pude deixar esse tempo da vida contribuir a favor do disco.
Marcos Augusto: Você tinha ideia de mais ou menos quando você faria o disco?
Marisa: Acho que isso veio naturalmente. A vontade de gravar, de registrar e botar as músicas no
mundo não é uma coisa que vem de fora. Não comecei o disco com uma data para lançar.
Marcos Augusto: Teve um momento em que você esqueceu o assunto disco, quando você teve
sua filha?
Marisa: Teve um período em que eu não estava pensando em disco, mas eu não paro de compor,
não paro de tocar violão, nem de viver a música. Isso é uma coisa que faz parte da minha vida. Se
eu não estou aqui dentro do estúdio no cotidiano, gravando, eu estou sempre fazendo música. E
muitas delas são justamente desse período em que fiquei mais calma, com mais tempo, porque eu
acho que você tem que ter o silêncio para preenchê-lo. Quando você está com a vida muito
corrida - muita zoeira, muita passagem de som, muito show - e chega no hotel, você quer ficar
quieta, não quer continuar tocando e cantando. Você já está cansada, quer ler um livro e fazer, sei
lá, tricô... uma atividade silenciosa... Eu sempre precisei dessa alternância de intensidade para a
minha criação. A única vez em que emendei um trabalho no outro foi quando eu gravei
“Barulhinho Bom”, um disco ao vivo do “Cor-De-Rosa E Carvão”. Não foi uma experiência
totalmente prazerosa e eu acho que quando eu trabalho com prazer tenho mais chances de fazer
as pessoas sentirem esse prazer me ouvindo.
Marcos Augusto: Foi bom para você ficar ligada no que está acontecendo, conhecer o trabalho
de novos cantores e cantoras?
Marisa: Vi muitas experiências que as pessoas estavam fazendo, lançamentos com a interação
do público, através da internet...não só conteúdos artísticos.
Marcos Augusto: Foi um período em que isso se intensificou muito, né?
Marisa: Eu acho que de uns cinco anos para cá...
Marcos Augusto: Porque o modo de produção e divulgação da música já vem mudando há
algum tempo, e nesse período não sei se deu uma acelerada, mas ficou clara a possibilidade de
se trabalhar com essas novas mídias. Você passou a fazer isso agora...
Marisa: As redes sociais cresceram muito nos últimos cinco anos. A internet já existia e eu
mesma já estava presente nela com o meu site, sei lá, acho que há uns dez anos. O site já teve
várias caras, vários momentos e várias reformulações. Eu tinha contato com o público através de
um fórum dentro dele, mas essa coisa de Facebook, Twitter e Orkut é mais recente, do final dessa
turnê pra cá.
Marcos Augusto: Muda a sua relação com o público, né?
Marisa: Acho que sempre houve canais em que isso acontecia, mas o canal mais direto sempre
foi o palco, porque você está ali. A minha carreira foi muito construída em cima dessa relação
direta com o público porque eu sempre fiz turnês enormes, mesmo antes do primeiro disco. Fiquei
conhecida pelo meu trabalho no palco e essa é uma relação muito direta, muito sólida.
Marcos Augusto: É o que você mais gosta de fazer?
Marisa: É uma grande motivação.
Marcos Augusto: É o que menos parece trabalho?
Marisa: Não acho que seja trabalho estar ali no palco com todo mundo cantando junto comigo. O
trabalho para mim é fazer a mala, viajar, ficar dias longe de casa, pegar um avião de doze horas
para fazer um show de duas horas. O trabalho mesmo é todo esse esforço para fazer um
pouquinho de música. É a parte que não é visível aos olhos do público.
Marcos Augusto: Poderia prescindir do disco?
Marisa: Acho que o disco é uma ferramenta complementar e acho que ele tem a função de
consolidar um repertório novo, além de ter um alcance muito maior do que o show. Só fui lançar
disco com dois anos de carreira. Começou a me incomodar não ter disco porque eu queria estar
acessível, você não consegue estar em turnê o tempo inteiro, em todos os lugares. Hoje em dia,
então, com a internet, a minha música pode chegar a lugares que eu nunca chegaria antes, nem
com CD físico. Fiz shows em vários lugares, como a Coreia, Macedônia e Macau, para públicos
grandes, e as pessoas conheciam a minha música. Se não fosse pela música gravada, eu
certamente não estaria lá.
Marcos Augusto: O disco é mais um conceito do que propriamente o disco físico...
Marisa: Ele é mais duradouro. O disco vai permanecer mesmo depois que eu não estiver mais
aqui. Por outro lado, acho que a relação direta com o público é a maneira mais sólida de se
construir uma relação. Da mesma maneira, a nossa conversa aqui está contribuindo muito mais
para a nossa relação do que se você estivesse ouvindo a minha música e eu lendo os seus
artigos. É uma coisa real, palpável, entendeu?
Marcos Augusto: Posso fazer uma pergunta sobre o disco propriamente? Por que não teve um
samba dessa vez?
Marisa: Você é a primeira pessoa que me pergunta isso. Eu sou carioca, o samba é uma
linguagem com a qual me sinto íntima, mas talvez isso tenha acontecido justamente porque o
último disco foi exclusivamente de sambas. Nos shows, porém, eles sempre terão espaço.
Marcos Augusto: O repertório tem muitas canções em parceria com o Arnaldo Antunes e com o
Carlinhos Brown. Por que não aconteceu o show do Tribalistas?
Marisa: O Tribalistas não nasceu com a intenção de se tornar um grupo. Cada um já tinha sua
história, sua carreira.
Marcos Augusto: O disco tem certas músicas que soam como Tribalistas...
Marisa: O Arnaldo, Carlinhos e eu já existíamos como núcleo de criação havia dez anos e
continuamos juntos até hoje. Somos amigos, parceiros e admiramos uns aos outros. Quando
criamos o projeto Tribalistas, a gente queria realmente apenas fazer o disco. Meu filho nasceu na
mesma época que o CD foi lançado e a repercussão do trabalho foi tão grande que precisaríamos
fazer, sei lá, duzentos shows. Eu não tinha condições de fazer a turnê com o bebê pequenininho.
O projeto já tinha sido um sucesso no Brasil e no mundo inteiro, na Itália, em Portugal, na
Espanha... Depois, quando o meu filho já estava um pouquinho maior, o Arnaldo e o Brown já
estavam mergulhados em seus novos trabalhos e não dava mais. Não descarto a possibilidade de
a gente se encontrar e fazer alguma coisa especial mais adiante. Mas, se a gente fizer só um ou
dois shows, nunca vai ser o suficiente. Tribalistas não dá para ser pouco, entendeu?
Marcos Augusto: E esse disco tem algum significado especial para você, em termos de
expectativa, porque eu imagino que num período relativamente longo, sem lançar disco, você fica
com receios. Você está segura com o disco? Acha que a sua relação com a imprensa pode ser
complicada ou não?
Marisa: Eu não tenho controle do que as pessoas vão achar, então, se eu estiver feliz e inteira, já
é bastante. Se eu me dediquei, fiz o meu melhor... não posso ser melhor do que o meu melhor
nesse momento. Acho que as pessoas vão gostar, mas não sei como vai ser a receptividade na
imprensa.
Marcos Augusto: Com o passar do tempo, e com a confirmação da qualidade do seu trabalho,
você ficou numa posição quase do que eram as grandes cantoras quando você começou. Então,
você hoje é uma Gal, uma Bethânia, uma Elis... é uma referência para as novas cantoras, não
apenas como artista, mas como uma pessoa bem sucedida. E isso cria de fato uma expectativa
quase inatingível. Você sente que o seu público está mudando, está mais amplo?
Marisa: Minha música sempre teve essa vocação popular. Antes mesmo de lançar o meu primeiro
disco, a fila para o meu show dava voltas no quarteirão do Masp. Minha linguagem sempre foi
direta, clara, simples. No primeiro disco tinha "Bem Que Se Quis", "Xote Das Meninas",
"Chocolate". No segundo, "Beija Eu", "Eu Sei", "Ainda Lembro". Claro que tem um contato com
uma poesia mais sofisticada, como em "Diariamente", "Bem Leve" ou "Maria De Verdade". E eu
gosto disso também. Grande parte dos artistas de que gosto é direta, como Roberto Carlos, Tim
Maia, Jorge Ben, Cole Porter e Beatles. Acho uma qualidade você conseguir ser simples. Você
pode abordar questões profundas de uma forma simples. Dizem que sou cult, mas eu nunca tive a
intenção de ser cult, no sentido de fazer música para poucos. Às vezes, acho que a minha música
se confunde com a minha postura reservada. E isso cria um paradoxo.
Marcos Augusto: Talvez porque você seja uma pessoa que, digamos, não vem de uma área
popular...
Marisa: Minha forma de expressão é muito natural para mim e eu acho muito legal que eu consiga
ser tão popular sem necessariamente precisar me submeter a todas as coisas que se espera de
um artista popular. Vários momentos na minha carreira são muito fora da curva. Por exemplo, o
primeiro disco foi um ao vivo, e Tribalistas, mesmo sem entrevista e turnê, vendeu três milhões de
cópias. É um dos projetos mais populares de que já participei e também foi o que ficou mais longe
de toda a exposição.
Marcos Augusto: E por que você acha que isso acontece?
Marisa: Pela força da música. Acho que o esforço que eu faço para ser clara, como estou fazendo
aqui falando com você, contribui muito também. Eu gosto da palavra bem dita e, como a voz é o
único instrumento que articula palavras, eu gosto que elas sejam entendidas. Gosto de
potencializar a palavra cantada e isso me ajuda a me comunicar com as pessoas, através das
canções. Eu gosto mais de gente que pensa bem e diz bem do que de gente que canta bem.
Gosto de gente que se faz entender.
Marcos Augusto: Porque de certa forma isso é a música popular, né?
Marisa: Eu faço a mesma coisa que você. A gente trabalha com comunicação. Você não quer que
o seu livro seja lido, que todo mundo viaje naquilo? Que as pessoas entendam e se entreguem
àquilo? Então, se você vai escrever uma coisa que é para meia dúzia, você não precisa publicar,
tá ótimo. Eu também poderia fazer música e não gravar, mas eu quero me comunicar com as
pessoas. Essa é a finalidade de se fazer uma carreira, de fazer música publicamente.
Marcos Augusto: Você tem a capacidade de fazer isso. Não basta querer, isso é uma coisa meio
inexplicável. A gente conhece pessoas de talento, enfim, que chegam num ponto e não vão mais
além. Não se sabe direito por quê.
Marisa: É porque são muitos talentos diferentes. Esse não é o único talento necessário. Tem,
claro, o talento musical, o talento para se relacionar com as pessoas com quem se trabalha, saber
articular. Enfim, tudo é comunicação.
Marcos Augusto: É, tem uma coisa pessoal, um carisma, sei lá o quê…
Marisa: Isso eu não sei, não tem explicação. É bem mais subjetivo.
Marcos Augusto: E você acha que você trabalha demais, não?
Marisa: Não, eu não acho que eu trabalhe demais, mas sou muito produtiva. Hoje eu sou uma
mãe de família, então eu tenho mais tempo e disponibilidade para outras coisas que são valorosas
para mim. Isso não é uma questão só minha, mas de muitas mulheres que entraram no mercado
de trabalho. Seja a dentista, a advogada, a secretária, a garçonete... Eu quero ter tempo para a
minha família e, ao mesmo tempo, claro, continuar tendo espaço para a minha profissão. Desde
que eu tive filhos eu tento buscar um equilíbrio. Não quero ficar dois meses na estrada, três vezes
por ano.
Marcos Augusto: Você hoje é uma pessoa mais madura do que era e, hoje, você sente essa
maturidade, como eu imagino que outras pessoas sintam também. Você acaba, de alguma
maneira, aprendendo a economizar algumas coisas, não se desgastar tanto. O pessoal de futebol
fala que o jogador mais veterano conhece os atalhos do campo, o clichê da crítica. O fulano já não
corre mais, mas ele conhece os atalhos…
Marisa: Falam muito, por exemplo, que quando comecei eu era mais visceral. Eu faço essa
analogia com o bebê vindo ao mundo: você grita e com o tempo você aprende a falar. Hoje em
dia, a minha interpretação é muito mais coloquial, como uma conversa aqui, e eu acho que isso é
uma consequência da maturidade.
Marcos Augusto: O seu primeiro cd tem coisas de virtuosismo, de canto, assim…
Marisa: É, eu estava vindo ao mundo, eu tinha dezenove anos. Mas acho que com o tempo fui
aprendendo a falar e a botar o tom mais na conversa. Outro dia vi alguém falando que se ele
soubesse que a maturidade era tão boa, ele tinha se acelerado para chegar logo. Eu concordo. Eu
acho que esse disco todo, desde o título, reflete muito um pensamento meu sobre o bem viver,
que é desfrutar mais da vida. É ter liberdade, é ter tempo, poder fazer escolhas, ouvir seu coração,
saber estar onde você se sente confortável. Essa busca individual e intransferível da felicidade...
São questões que a maturidade traz. "Seja Feliz", "Hoje Eu Não Saio Não", "O Que Se Quer", "O
Que Você Quer Saber De Verdade" e "Amar Só Pode Fazer Bem", por exemplo, falam disso.
Acho que eu não pensei nisso antes de fazer o disco, mas depois, olhando pra ele, é notória a
presença dessa vontade de bem viver. Não sei se você vive isso também, mas as urgências são
diferentes.
Marcos Augusto: E os medos, aumentam com a maturidade?
Marisa: Os medos não aumentam, eles mudam, né? Depois que você tem filho, você fica muito
responsável…
Marcos Augusto: Seu filho mais velho está com que idade?
Marisa: Meu filho mais velho tem oito e a minha filha menor vai fazer três. Você tem uma
responsabilidade enorme com aqueles seres que você botou no mundo. Você quer poder assistilos e prepará-los da melhor maneira possível para a vida adulta. Eu sempre fui muito cuidadosa.
Sempre quis me preservar, nunca tive tendência destrutiva e sempre tive noção da minha
fragilidade.
Marcos Augusto: A maneira de você se defender…
Marisa: De me preservar... Nunca tive aquele momento de me drogar e beber muito. Sempre vivi
as coisas de uma maneira bem suave. Com o tempo, os medos aumentam: o medo de ficar
doente, de se machucar, de morrer... medos que acho que todo mundo tem. Acho que nem é
medo de morrer em si, é medo do processo.
Marcos Augusto: O Gil tem uma música linda, não sei se você conhece. O José Miguel Wisnik
chamou atenção para ela num curso que ele faz sobre a canção. A música se chama “Não tenho
medo da morte” e ela fala: “Eu não tenho medo da morte, eu tenho medo de morrer”, que são
duas coisas diferentes.
Marisa: É isso.
Marcos Augusto: Mas essa ideia de finitude, enfim, também é um aspecto da maturidade. Na
juventude, a gente não tem muita.
Marisa: A gente deixa para pensar isso lá na frente. Você não sente os anos se passarem da
mesma forma quando você não tem filho. Você vê aquela criança de oito anos e o tempo está na
sua cara... A maternidade, para mim, pelo menos, divide claramente a minha vida entre o antes e
o depois.
Marcos Augusto: E você vai encarar um período grande de turnê agora ou você está pensando
que vai ser um disco diferente?
Marisa: Eu quero primeiro lançar o disco e depois parar para pensar nisso.
Marcos Augusto: Quer dizer, você quer adequar o ritmo à sua fase atual. Que bom pra você que
pode fazer isso.
Marisa: Que bom. Que bom que eu comecei cedo, que eu ralei para caramba até os 35 anos e
me adiantei. Talvez isso responda os cinco anos entre um disco e outro, talvez responda um
pouco sobre as minhas prioridades. Minha carreira faz parte da minha vida, mas não é a minha
vida. Meu objetivo de vida é ser feliz e a carreira faz parte disso.
Marcos Augusto: O que mais?
Marisa: Quando você falou da imprensa, eu não sei como é que vai ser, mas eu pretendo atender.
Na última vez que a gente se encontrou, conversamos sobre essa relação, sobre a imprensa de
cultura e sobre como era o lançamento até, sei lá, cinco, oito anos atrás. Você tem que atender
todo mundo em condições iguais, mas é muito difícil. A imprensa fica muito limitada em termos de
tempo para ouvir e apreciar o trabalho, para se preparar para uma entrevista. O cara basicamente
recebe o disco à noite e, na manhã seguinte, tem que estar às nove na redação para entregar a
crítica até a hora do almoço, senão o outro jornal fura.
Marcos Augusto: O cara é treinado para isso. Eu acho a urgência da crítica, a urgência de você
ter uma opinião sobre um trabalho, uma coisa complicada. Eu demoro a formar uma opinião. Às
vezes eu ouço um disco pela primeira vez e penso: “isso aqui é chato”, mas depois de ouvir mais
vezes, mudo de opinião.
Marisa: É muito difícil para o crítico ter que escrever uma coisa tão rápida e assinar embaixo
daquilo.
Marcos Augusto: Exato. Assim, você vai gerando um processo industrial, digamos, que deveria
ser revisto por todos. Aí, fica todo mundo ansioso, angustiado. São opiniões dadas às pressas,
que não se sustentam, e depois ninguém quer dar o braço a torcer. Ela é um produto que presta
serviço, mas ao mesmo tempo é um produto que disputa mercado.
Marisa: E nessa hora todo mundo sai perdendo: o crítico, o jornal, o leitor e o artista.
Marcos Augusto: Mas até que ponto - pensando junto um pouco - esse processo de
amplificação, de pulverização e de desconcentração da mídia, de certa forma relativiza o papel da
indústria fonográfica? Você começou naquele modelão e eu também. O artista era contratado
pela gravadora poderosa e lançavam o disco dele. O que a Folha, Veja, Estadão e O Globo
falavam era um negócio crucial. A impressão que tenho é que hoje isso não é tão importante,
nem de um lado, nem de outro...
Marisa: Até porque não se vende mais disco. Ele está acessível para quem quiser ouvir, sem
precisar nem comprar.
Marcos Augusto: Mas o modo como a mídia e o artista operam é como se ainda fosse dentro
daquele modelo antigo.
Marisa: No último lançamento que eu fiz, registramos todas as entrevistas e editamos num DVD.
Tinha uma cena de jornalistas perguntando a mesma coisa e eu respondendo a mesma coisa.
Então, não é que eu estivesse criticando a imprensa, eu estava desnudando a relação do meu
lado também. Agora a internet me possibilita dar iguais condições para todo mundo, então vou
tentar fazer uma nova experiência. Espero que seja bom para todo mundo: para a imprensa, para
mim e para o público. Passado esse primeiro momento, acho que a pressa do furo se esvazia. Aí
eu posso, aos poucos, voltar a dar entrevistas, sem essa agonia toda. Não sei como que vai ser a
reação, mas eu acho que o Chico Buarque fez uma experiência que funcionou. Acho que foi muito
positivo. Não sei como vai ser comigo, mas espero que dê certo.
Marcos Augusto: Os artistas têm feito isso. A maneira como as pessoas vão tomando contato
com o disco e com tudo já é outra. O jornal, teoricamente, tem uma função ali de orientar, de
hierarquizar de alguma maneira, de informar mesmo. Agora, a relação da imprensa cultural com
os produtores culturais e os artistas mudou. Os cadernos de cultura se transformaram. Eles são
também produtos culturais, têm seu estilo. Houve o processo de transformação do jornalismo no
estrelismo também. São atitudes quase caricatas, às vezes, por parte da imprensa com o intuito
de obter efeitos de repercussão de comentário. Às vezes, um crítico destrói uma pessoa com o
claro objetivo de se autopromover.
Marisa: Tipo Pedro de Lara (risos), mas acho que é perigoso para o crítico que faz isso. Não é
assim que se constrói uma carreira com credibilidade, o buraco é bem mais embaixo.
Marcos Augusto: Algumas pessoas da imprensa falam que você tem essa coisa de ser a
“cantorazona”, a marqueteira, de ter uma empresa que se preocupa com o seu êxito o tempo
todo...
Marisa: Praticamente a Lady Gaga (risos).
Marcos Augusto : Antes da Lady Gaga (risos). É comum falar que a Marisa é marqueteira...
Marisa: Sempre falaram isso. Antes mesmo de eu ter o meu primeiro disco, já diziam que era
uma estratégia de marketing da minha gravadora. E eu não tinha nem gravadora! É uma leitura
equivocada e simplista do sucesso.
Marcos Augusto: Essa crítica entre aspas tem, como suposto, uma pessoa que está se
preocupando com o seu trabalho de uma maneira obsessiva. Se não obsessiva, apropriada...
Marisa: Acho que apropriada. Nada de obsessão porque não é uma coisa que faz parte da minha
vida...
Marcos Augusto: De uma maneira cuidadosa, eu quis dizer, caprichosa...
Marisa: Cuidadosa. Acho que uma característica minha é ser cuidadosa.
Marcos Augusto: Uma capacidade de ter uma visão do seu próprio trabalho...
Marisa: E ser criteriosa, né? Normal, não acho nada demais, acho que você faz isso também no
seu trabalho.
Marcos Augusto: Pior do que você.
Marisa: Ah, marqueteiro! (risos). Eu acho que tudo bem, sabe? Se ser marqueteira é a minha
crítica, acho que é praticamente um elogio. Também não vou dar conta de explicar e desfazer
todos os mal-entendidos do mundo. Não há tempo, não dá. Eu procuro dar o meu melhor, estar
feliz com o que eu estou fazendo. Quem gostar, ótimo. Quem não gostar, a amizade continua a
mesma e vamos nessa. Depois, vem outro. Já levei muita paulada. Óbvio que eu não gosto,
principalmente quando o motivo não tem a ver com a qualidade do trabalho em si. Mas faz parte,
né?
Marcos Augusto: Faz, e, por outro lado, você já levou muitos elogios...
Marisa: E levo. Saio na rua e recebo muitos.
Marcos Augusto: Porque você é uma artista bem-sucedida, as pessoas gostam de você. Talvez
por isso as pessoas achem que dar paulada em você não seja tão cruel, porque, afinal de contas,
“ela já está tão bem ali... isso é para ela não ficar se achando demais.” É natural, também, na
medida em que um artista chegue a um ponto de sucesso e vai permanecendo, que haja uma
expectativa de renovação. Acho que até inconscientemente a mídia vive muito disso, né? A
novidade é uma coisa crucial para a imprensa...
Marisa: Para a imprensa, a novidade é um bem que perde totalmente o seu valor à medida que
deixa de ser novidade.
Marcos Augusto: Exatamente. Falo desses mecanismos porque são reais. Isso existe não como
uma coisa intencional que as pessoas queiram destruir, você ou quem seja, e tem uma safra de
novas cantoras surgindo...
Marisa: Nossa, eu já vivi umas três safras dessas (risos).
Conversa com Jéferson Güntzel
Jéferson: Marisa, acho que é impossível não pensar numa turnê quando se lança um cd. Tu já
pensaste na turnê que vai vir pela frente, como é que vai ser? Vai ser parecida com a outra?
Marisa: É, já estou com algumas ideias para o show novo, de como vou transpor a sonoridade desse
disco para o palco e também no que eu fiz em outros shows. Mas eu estou muito mergulhada no
lançamento do disco nesse momento, então estou deixando pra pensar em show um pouco mais para
frente. A gente ainda não tem nada marcado.
Jéferson: E agora, às vésperas do lançamento do cd, te preocupa a opinião das pessoas, a crítica
delas, ou ficas mais preocupada com a vendagem do cd?
Marisa: Eu fico curiosa em saber se as músicas vão se comunicar de uma maneira legal com as
pessoas, se vão chegar bem até elas... As músicas nascem de um âmbito muito pessoal, às vezes com
mais um ou dois parceiros. Aquilo vai envolvendo mais gente à medida que você vai gravando, vai
produzindo e vai passando por todas as fases de produção até, finalmente, chegar ao público. O
primeiro single já saiu há um mês e eu já consigo ter esse feedback através da internet, vendo pessoas
que mandam vídeos delas tocando a música. Ela está ganhando uma vida própria que vai além do que
eu posso fazer por ela. E, claro, por mais que eu faça o meu melhor, nunca vou conseguir satisfazer a
todos e ter uma noção conclusiva do que o público espera de mim. Isso só reforça a necessidade de
saber o que eu quero, de estar inteira, com as ideias do disco, as letras... Assim, talvez isso possa fazer
parte da vida das pessoas, como tantas músicas legais de outros artistas já fizeram parte da minha.
Jéferson: A Vanuza, uma de tuas fãs, falou que as redes sociais estão se tornando cada vez mais um
meio de interação, de divulgação, de vários trabalhos e empresas etc. Então, hoje se tornaram quase
fundamentais. Por que tu demoraste tanto para aderir a esse tipo de canal? Qual é a tua expectativa
com esse novo cd?
Marisa: Bom, eu queria agradecer à Vanuza, pela dedicação e por ela ter mandado essa pergunta. Eu
sempre tive o meu site, que foi evoluindo muito nos últimos dez anos. Eu, pessoalmente, nunca tive
Facebook, Orkut ou Twitter. Eu ainda uso os velhos email e telefone, não sentia falta de mais maneiras
de me comunicar no âmbito pessoal. Hoje, eu entro no Facebook, vejo os comentários das pessoas,
dou uns "likes", e acompanho um pouco algumas coisas no Twitter. É interessante a velocidade, as
ondas de resposta e como o público se manifesta. Tudo isso é fascinante, mas, ao mesmo tempo, ainda
existem pessoas que não frequentam redes sociais, o mundo que não é virtual, um mundo de pessoas
que ainda gostam de olhar no olho, que gostam de se encontrar e conversar.
Jéferson: Como é que funciona para selecionar as músicas do disco? É uma escolha totalmente tua ou
tu pedes opinião dos amigos? Tem alguma influência da gravadora? Esta pergunta foi da Manoela
Pereira.
Marisa: Manoela, obrigado pela sua pergunta. É uma escolha minha porque sou eu que vou me
relacionar com essa música durante a vida inteira. Sou eu que vou ter que cantá-la, falar sobre ela. São
músicas e assuntos de que eu gosto e vou cantando para os amigos mais próximos aqui em casa. A
gravadora não participa desse processo. Claro que existe um grupo de pessoas com quem eu tenho
vínculos afetivos, que participam indiretamente, servindo de referência para mim.
Jéferson: A Tatiane de Vasconcellos queria saber se ainda está de pé esse desejo, que tu revelaste há
algum tempo, de cantar com uma orquestra.
Marisa: Oi, Tatiane, obrigado pela pergunta. Cantar com uma orquestra é um sonho. Na verdade, existe
um projeto para uma série de shows de entrada franca, ao ar livre, com orquestra sinfônica, que
passaria por algumas cidades do Brasil. É independente da próxima turnê. Infelizmente, um projeto
como esse, gratuito, e para grandes públicos, é completamente inviável sem a parceria público-privada.
Ele foi aprovado pela Lei Rouanet, mas a gente ainda não conseguiu captar. Quem sabe um dia?
Jéferson: Nesse CD tem alguém cantando contigo em alguma faixa?
Marisa: Tem uma faixa minha e do Rodrigo Amarante chamada "O Que Se Quer", onde ele canta
comigo. Fizemos essa música durante a gravação e achei que ela tinha tudo a ver com o disco.
Jéferson: Os fãs também querem saber se tu usaste o teu lado de intérprete, se cantou músicas de
outras pessoas. No disco tu cantas uma música do Jorge Ben Jor. Como foi a escolha dela?
Marisa: Essa música se chama “Descalço No Parque”, “Ben É Samba Bom”, de 1964. A música tem
um arranjo lindo no original e eu já cantava no violão, em casa e durante as turnês. É uma música, em
três por quatro, que já esta na minha vida há um bom tempo, já cantei em alguns shows por aí. Chamei
o Miguel Atwood-Ferguson e mostrei para ele a minha base. Ele fez um arranjo lindo de cordas,
totalmente diferente e surpreendente para quem conhece a versão original do Jorge Ben. Miguel é um
arranjador de 27 anos que toca violino, violoncelo e viola. Ele escreve para outros instrumentos
também, mas o que ele escreve para cordas, ele mesmo grava. Ele é jovem, seríssimo e gostei muito
de trabalhar com ele.
Jéferson: Uma das músicas de que mais gostei foi "O Que Você Quer Saber De Verdade", a primeira
música do disco. Como foi criar essa música?
Marisa: Essa música eu fiz algum tempo atrás junto com o Arnaldo e o Brown. O Arnaldo acabou
gravando num disco dele, o “Qualquer”, de 2009, mas eu sempre pensei em gravar. Essa música e
"Verdade, uma Ilusão" que tinha sido gravada pelo Brown, ambas nossas, são bem emblemáticas
dentro do conceito do disco.
Jéferson: E essa “Lencinho Querido”? Tu já cantaste num show antes, não?
Marisa: Eu cantei na inauguração de um teatro lá em São Paulo, em que fui convidada para fazer uma
participação. Era o “Cafe de los Maestros”, com participação minha e do Gustavo Santaolalla. O “Cafe
de los Maestros” é um grupo argentino muito tradicional do tango, uma velha guarda do tango. Então eu
comecei a pesquisar o que tivesse dentro o universo brasileiro que se adequasse a essa linguagem
deles. E aí, lembrei dos tangos que tinham sido gravados no Brasil, nos anos 40 e 50. Nessa época a
música argentina e a latina eram muito mais próximas da brasileira e havia muitas versões para o
português. Algumas tinham sido gravadas por Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Orlando Silva...
Descobri dois tangos que a Dalva tinha gravado e que tinham sido sucessos na voz dela: um era
"Fumando Espero” e o outro "Lencinho Querido". Então fiz uma gravação aqui em casa, só eu e o Dadi.
Construímos uma base com violões e um pouco de percussão para ver o tom e o andamento e
mandamos como referência. O arranjador Gustavo Mozzi (do Café de los Maestros) escreveu um
arranjo e eles ensaiaram em cima dessa base. Me mandaram de volta o arranjo do ensaio deles e era
lindo. Quando eu estive com o Gustavo Santolalla, em Los Angeles, eu falei pra ele que eu queria que
essa música fizesse parte do novo disco. Aí, a gente voltou lá, falou com o Gustavo Mozzi, e ele tinha o
multitrack do ensaio. Ele nos enviou a sessão, nós mixamos e essa é a versão que está no disco.
Jéferson: "Bem Aqui" é uma música linda. Eu adorei. Como foi essa escolha?
Marisa: "Bem Aqui" é uma música do Dadi e do Arnaldo que o Dadi gravou num disco solo dele, com o
mesmo nome, que só saiu no Japão. Eu gostava de tocá-la em casa. Muito reflexiva, ela fala de estar
bem onde se está, de aceitação. É linda a música.
Jéferson: Também achei ótima “Aquela Velha Canção”, que é tua com o Brown. Fala um pouco mais
da faixa porque eu acho muito legal tu dizeres “Ah, vou te mandar para o inferno”, coisa que a gente
nunca ouviu tu falares numa música. Até me surpreendi...
Marisa: Essa música é minha. Eu e Brown fizemos a letra juntos. Geralmente, quando eu faço uma
música, já tem algumas palavras que vêm junto com a melodia. Ela fala de alguém que se rende ao
sentimento amoroso: “confesso que fiquei zangada, fiquei chateada, mas agora passou, esqueci, não
vou te mandar para o inferno, porque não quero e porque fica muito longe daqui”. Ela tem uma levada
meio folk brasileira, com violões de aço. É uma das que eu gravei com o trio básico do Nação Zumbi,
em São Paulo. Depois ela recebeu um arranjo de cordas feito pelo Greg Cohen, em Nova York. O Greg
é o mesmo cara que arranjou "Maria De Verdade", “Magamalabares", "Alta Noite"...
Jéferson: “O Que Você Quer Saber Da Verdade” me lembrou bastante de “Vilarejo”, sabia?
Marisa: Ela também é em três por quatro, como várias outras: "Beija Eu", "Velha Infância”, "Chuva No
Brejo"... Músicas em três por quatro dão uma sensação de continuidade. O discurso em si é bem
diferente de “Vilarejo”, mas musicalmente elas são da mesma família.
Jéferson: "Era Óbvio", fala um pouco mais dessa faixa...
Marisa: Eu e Arnaldo fizemos “Era Óbvio” numa viagem de férias em que compusemos muito. Duas das
que fizemos nessa viagem estão no disco. A outra é “Seja Feliz”. Mas “Era Óbvio” fala sobre um
relacionamento que fica em aberto, que continua existindo, mas só como possibilidade. E “Seja Feliz” é
só alegria, é sobre desfrutar a vida: “tão longa estrada, tão curta a vida, curta a vida”.
Jéferson: Outra que eu achei ótima é “Amar Alguém”, que fala sobre amar duas pessoas...
Marisa: "Amar alguém só pode fazer bem"... Ela fala sobre o fato de você não escolher quem você vai
amar, então, se o amor não tem explicação, se o amor não pode ser contido, por que você vai sofrer por
isso? "Amar Alguém" fala um pouco do amor não tão idealizado, mas como a gente o vive na prática,
porque ele é bem inesperado, ele é bem inexplicável e bem surpreendente. É em cima de um poema do
Arnaldo, do livro “N.D.A.”, que o Dadi começou a musicar e nós terminamos juntos.
Jéferson: E “Depois”? Como é que foi? Tu fizeste com o Carlinhos e com o Arnaldo, né?
Marisa: É, essa também. A música e melodia são minhas e na letra a gente fala sobre o fim de um
romance de uma forma progressista, evoluída, desencanada, desprendida... A pessoa quer que outro
seja feliz porque não há nada mais amoroso do que querer isso. Termina bem, sabe? Com sentimento,
mas sem ressentimento...
Jéferson: “Hoje Eu Não Saio Não” tem uma pegada mais nordestina...
Marisa: Essa é do Arnaldo, do Marcelo Jeneci, do Chico Salem e do Betão...
Jéferson: Eles não gravaram isso?
Marisa: Não gravaram. Acho que devem ter feito num momento festivo. Devem ter se divertido muito e
dado muita gargalhada fazendo. É ótima, porque é uma música animadíssima. Ela fala sobre alguém
que está em casa amarradão e não quer sair. Ele quer ficar na casa dele, mas não está deprê, triste,
desanimado. “Não troco meu sofá por nada, neném”. Ele pode até estar acompanhado, mas não tem
nada melhor para ele do que estar em casa naquele momento.
Jéferson: No disco anterior tu dedicaste “Rio” para o teu filho. Tu fizeste alguma dessas músicas
pensando em alguém ou tu crias um personagem, pra talvez imaginar a situação?
Marisa: Eu acho que é uma situação mais cinematográfica, mais assim de você imaginar uma situação.
Isso é engraçado porque quando você faz uma música, as pessoas sempre querem conectar com
alguma coisa que você está vivendo. É muito mais um acervo de situações que você tem vivido de
experiência dentro de você que você consegue acessar. Eu não preciso estar vivendo a separação para
falar sobre separação.

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