pontos-chave - RoyalCanin.br

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pontos-chave - RoyalCanin.br
CAPA_21.1:Focus 17.1 21/09/11 15:10 Página 1
#
21.1
2011 - 10 $ / 10 €
A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia
Endocrinopatias
Hipotiroidismo canino • Diabete melito felina • Epidemiologia do diabete melito felino •
Como abordar... A doença de Addison no cão • Hipercalcemia: diagnóstico e opções de
tratamento no cão e no gato • Endocrinopatias atípicas caninas e felinas • Alopecia
endócrina no cão • Guia destacável... Diagnóstico e tratamento do hipercortisolismo canino
CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 2
O grande objetivo
dos pesquisadores que
trabalham para a Royal
Canin é compartilhar nosso
conhecimento com os
nossos colegas da
comunidade veterinária,
através de variados
artigos e livros.
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MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 1
2011
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21.1
© Shutterstock
VETERINARY
A revista internacional para o Médico Veterinário de Animais de Companhia
A revista Veterinary Focus é publicada em Inglês,
Francês, Alemão, Chinês, Italiano, Polonês,
Português, Espanhol, Japonês, Grego e Russo.
EDITORIAL
A Endocrinologia representa um tema fascinante, mas que, por vezes, é sinônimo de frustração para o Médico Veterinário. As vias químicas, a interdependência dos diferentes órgãos e a miríade de efeitos hormonais constituem um desafio para todos os que trabalham
com animais domésticos. Dada a sensibilidade dos exames de que dependemos para a formulação do diagnóstico e a nova geração de
medicamentos de que dispomos para o tratamento das diversas endocrinopatias, poderíamos ser tentados a postular que o estudo de
distúrbios endócrinos é um novo ramo da Medicina, o que seria totalmente errado! Na China, essa ciência já foi reconhecida há cerca
de dois milênios; o diabete melito humano não só foi documentado, mas também tratado com certo grau de êxito no ano 1000 d.C. A
palavra hormônio remonta ao idioma grego antigo e significa impulso ou movimento.
A complexidade do sistema endócrino pode atrair tanto o cientista como o filósofo: a elegância dos mecanismos de feedback negativo
homeostático e o envolvimento interligado de hormônios neuroendócrinos e tróficos (as secreções químicas do hipotálamo e da hipófise que controlam a produção de outros hormônios em diferentes regiões do organismo) podem parecer um microcosmo do sistema de controle perfeito e
ideal. No entanto,a Endocrinologia também pode ser ilusoriamente simples: quanto mais nos aprofundamos, mais complexa ela se torna, o que é particularmente verdade quando um desses sistemas de controle estiver com problemas. A própria natureza dos hormônios, que afetam inúmeros elementos do funcionamento diário do animal, implica uma apresentação clínica frequentemente variável e enganosa, uma etiologia tipicamente obscura e difícil de decifrar;
por esse motivo, a manutenção de um tratamento bem-sucedido constitui, muitas vezes, um verdadeiro desafio.
Nas páginas seguintes, o leitor poderá encontrar um vasto leque de informações atualizadas, produzidas por alguns dos melhores autores dessa área. Se a
presente edição da revista veterinária FOCUS cumprir seus objetivos e fornecer ao leitor mais conhecimento sobre a temática “Endocrinologia”, talvez se
possa afirmar que a revista, em si, é como um hormônio que impulsiona o Médico Veterinário
Ewan McNeill
Editor-Chefe
SUMÁRIO
p. 02
Hipotiroidismo canino
Victor Castillo
p. 09
Diabete melito felino
Claudia Reusch
Epidemiologia do diabete melito felino
p. 17
Como abordar... A doença de Addison no cão
p. 19
Hipercalcemia: diagnóstico e opções de tratamento no cão e no gato
p. 27
Endocrinopatias atípicas caninas e felinas
p. 35
Alopecia endócrina no cão
p. 40
Guia destacável... Diagnóstico e tratamento do hipercortisolismo canino
p. 47
Elizabeth Lund
Catharine Scott-Moncrieff
Joao Felipe de Brito Galvao, Dennis Chew e Patricia Schenck
Ghita Benchekroun e Dan Rosenberg
Fabia Scarampella
Sara Galac
Veterinary Focus, Vol 21 n°1 - 2011
Encontre os volumes mais recentes da revista veterinária Focus no website IVIS: www.ivis.org
Consultores Editoriais:
• Dr.ª Denise A. Elliott, BVSc (Hons), PhD, Dipl.
ACVIM, Dipl. ACVN, Health and Nutritional
Sciences Director, Royal Canin, França
• Dr. Philippe Marniquet, DVM, Publishing
& Scientific Events Manager, Royal
Canin, França
• Dr.ª Pauline Devlin, BSc, PhD, Communications
and External Affairs, Royal Canin, RU
• Dr.ª Franziska Conrad, DVM, Scientific
Communications, Royal Canin,
Alemanha
• Dr.ª Laura Diana, DVM, Dipl. FCV, UBA,
Scientific Communications, Royal Canin,
Argentina
• Dr.ª María Elena Fernández, DVM,
ScientificCommunications, Royal Canin,
Espanha
• Hervé Marc, Global Corporate Affairs
Manager, Royal Canin, França
• Giulio Giannotti, BSc, Product Manager,
Royal Canin, Italia
Ilustração:
• Youri Xerri
Controle de qualidade da tradução:
• Dr.ª Imke Engelke (Alemão)
• Dr.ª Dr. Noemi Del Castillo, (Espanhol)
• Dr.ª Carla Teixeira e Dr.ª Inês Barbosa
(Português)
• Dr. Giulio Giannotti (Italiano)
• Prof. Dr. R. Moraillon (Francês)
• Dr. Matthias Ma (Chinês)
• Dr. Ben Albalas (Grego)
• Dr. Atsushi Yamamoto (Japonês)
• Dr. Boris Shulyak, PhD (Russo)
• Dr.ª Luciana D. de Oliveira (Português)
Editor:
• Ewan McNeill, BVMS, Cert VR, MRCVS
Secretário Editorial:
• Laurent Cathalan
[email protected]
• Olivia Amos
Publicado por Royal Canin
Publicado por: Buena Media Plus
CEO: Bernardo Gallitelli
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Impresso no Brasil por Intergraf
ISSN 0965-4577
Circulação: 80,000 cópias
Depósito legal: Fevereiro 2011
As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial.
Na ausência de licença específica, deve ser considerada a publicação de advertências e precauções adequadas, antes da administração de tais medicamentos
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Hipotiroidismo
canino
Victor Castillo, PhD
Clínica de Pequenos Animais,
Universidade de Buenos Aires,
Argentina
O Dr. Castillo graduou-se em Medicina
Veterinária, em 1988, na Universidade
de Buenos Aires (UBA), concluindo
Doutorado com tese sobre Doenças da
Tiroide e Desenvolvimento Ósseo. Endocrinologista
reconhecido pela Sociedade Argentina de Endocrinologia e
Metabolismo, Victor Castillo desempenha atualmente as
funções de Professor Associado de Clínica de Pequenos
Animais na UBA, onde é responsável pela Unidade de
Endocrinologia do Hospital Veterinário. Demonstra
particular interesse em adenomas produtores de ACTH,
hipercortisolismo e carcinoma da tiroide canino.
Introdução
O hipotiroidismo é o distúrbio endócrino mais comum
no cão. A maioria dos casos afeta cães com mais de 1
ano de idade, embora cerca de 10% deles se verifiquem
em animais mais jovens. Um número reduzido
(aproximadamente 3%) de casos é congênito, enquanto
os restantes estão relacionados com a doença adquirida
durante o crescimento.
A glândula tiroide canina está situada lateralmente em
relação à traqueia, na região dos anéis traqueais
proximais (1). Do ponto de vista histológico, a unidade
funcional consiste no folículo tiroidiano, constituído
PONTOS-CHAVE
O hipotiroidismo é a endocrinopatia mais comum no
cão.
São identificadas tanto a forma adulta como a forma
juvenil.
É indispensável conhecer os parâmetros endócrinos e
evolutivos para compreender essa doença.
Os sinais clínicos são variáveis e nem sempre
consistem nas manifestações típicas - obesidade,
letargia e má condição da pelagem - descritas em
diversos manuais.
2 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
pelas células foliculares (tirócitos) e pela glândula
contém folículos grandes (em repouso) e pequenos
(ativos) (Figura 1). A embriogênese e a maturação do
eixo tiroide fetal podem ser divididas em três períodos:
- O primeiro período corresponde à embriogênese da
glândula. A tiroide forma-se na terceira e quarta bolsas
faríngeas, por baixo do que virá a ser a língua. A
migração da tiroide em direção à traqueia e o início da
sua função fisiológica são regulados por fatores de
transcrição. O TSH-R (receptor do hormônio
tirostimulante - TSH) surge no final do
desenvolvimento embrionário da glândula, com o
início da absorção de iodo pela glândula tiroide fetal
(2). Durante essa fase, 100% da tiroxina (T4) têm
origem materna, sendo essencial para o
desenvolvimento correto do sistema nervoso e de
outros tecidos embrionários.
- O segundo período corresponde à maturação do eixo
tiroide fetal e começa quando a tiroide atinge sua
localização anatômica. Nessa altura, o hipotálamo
passa a liberar o hormônio liberador de tireotrofina
(TRH) e, consecutivamente, iniciam-se os processos de
síntese e liberação de TSH, absorção de iodo pela
glândula tiroide fetal e síntese de T4. Notar que uma
grande proporção de T4 sofre desiodação no feto para
a forma reversa de tri-iodotironina (rT3). Durante esse
período, 50% da T4 têm origem materna, diminuindo
gradualmente para 20% no final do período
gestacional. Essa contribuição materna é essencial
para o crescimento do feto e para a manutenção do
estado eutiroideo (normotiroideo) no cão recémnascido durante as primeiras 24h de vida.
- O terceiro período corresponde ao intervalo após o
nascimento e culmina na maturação anatômica da
glândula tiroide (2). No cão recém-nascido, os
folículos tiroidianos não se encontram ainda
totalmente desenvolvidos. Os primeiros folículos
maturos são observados 48-72h após o parto e, depois
de 1 semana, a glândula tiroide está matura em termos
histológicos e anatômicos.
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HIPOTIROIDISMO CANINO
Essa maturação, por sua vez, está correlacionada com a
ação do TSH e da T4 no animal recém-nascido: 48h
após o parto, o TSH aumenta, enquanto a T4 diminui –
isso permite a maturação dos folículos e o subsequente
aumento dos níveis de T4 (Figura 2).
a
b
A transformação de T4 em T3 é regulada pela enzima
deiodinase. Os isômeros de deiodinase são detectáveis
na corrente sanguínea e no interior das células, onde as
Figura 1.
Localização anatômica da tiroide (a) e histologia (b).
a - L: laringe, T: traqueia, MES: músculo esternocefálico.
Os lobos estão destacados com as linhas tracejadas.
b - 1: folículos em repouso (maiores e com inúmeros
vacúolos) e 2: folículos ativos (de menor dimensão).
necessidades teciduais determinam a quantidade de T4
a ser convertida em T3. Notar que os níveis de T3 e T4
variam de acordo com o tecido envolvido (2, 4). As
diferenças em termos de necessidades teciduais
induzem ao conceito de que alguns tecidos podem
revelar hipotiroidismo mais cedo do que outros apesar
de níveis adequados de hormônios tiroidianos na
corrente sanguínea (4). Esse fato pode explicar a razão
pela qual se pode observar a manifestação clínica de
hipotiroidismo apesar de níveis sanguíneos normais de
hormônios tiroidianos. As células hipofisárias
tireotróficas são consideradas as primeiras a se
tornarem hipotiróticas; a capacidade dessas células em
detectar declínios precoces nos níveis diários de T4
resulta em um aumento da secreção de TSH (4, 5).
T4 (μg/dL)
TSH (ng/mL)
6
0,6
4
0,4
2
0,2
0
NN 0d
24h 48h 72h
5d
7d
15d 30d
0
I DA D E
T4
TSH NN: Neonato
Od: 0 dias
Figura 2.
© Victor Castillo
Para o Médico Veterinário, é essencial a compreensão
dos vários hormônios tiroidianos. A tiroide produz
principalmente T4 e níveis mais baixos de T3 (1). Na
glândula, o TSH liga-se aos receptores, ativando uma
série de eventos que culminam na liberação de T3 e T4
para a corrente sanguínea. Esses hormônios ligam-se às
proteínas transportadoras plasmáticas (99,9%), que
atuam como reservatório de hormônios tiroidianos.
Apenas 0,1% corresponde à fração de T4 livre (T4l),
que representa o hormônio biodisponível (1, 3). Essa
fração determina o estado da tiroide do indivíduo, uma
vez que se trata da forma do hormônio disponível para
absorção pelas células do organismo. Em contraste com
a fração de T4 ligada às proteínas, a concentração de
T4l permanece constante (mesmo no filhote canino),
independentemente das flutuações nas proteínas
transportadoras plasmáticas. Os níveis de proteínas
podem variar por causas fisiológicas (aumento durante
o cio e a prenhez) ou patológicas (aumento devido à
obesidade e diminuição decorrente de hepatopatia,
distúrbios digestivos e doença renal) (2). No cão, a
meia-vida de T4 circulante é de 12h, embora possa se
estender para 24h no caso do hormônio intracelular (1,
3).
© Victor Castillo
Síntese e função dos
hormônios da tiroide
Maturação anatômica da tiroide no cão recém-nascido (à esquerda). As alterações podem ser observadas desde o primeiro dia,
com desenvolvimento limitado dos folículos. Após 48h, os folículos começam a se desenvolver, coincidindo com o pico do TSH e
a diminuição de T4. Ao final de 1 semana, a glândula já se encontra totalmente desenvolvida. Alterações do TSH e de T4 desde o
nascimento até os 30 dias de vida (à direita).
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Regulação do eixo da tiroide
A regulação do eixo da tiroide depende da síntese e
secreção diárias de T4. No hipotálamo e na hipófise, a
T4 inibe, respectivamente, a síntese de TRH e de TSH.
Se a síntese de T4 for reduzida, nem o hipotálamo nem
as células tireotróficas são inibidas, mas tanto o TRH
como o TSH aumentam. Em contrapartida, quando a
síntese de T4 aumenta, ocorre maior conversão de T4
em T3, com inibição de TRH e TSH (4, 5). Em contraste
ao que acontece no ser humano, os cães eutiroideos não
revelam variações diurnas acentuadas no TSH nem na
T4 (6).
Hipotiroidismo
O hipotiroidismo é definido como a ação deficiente dos
hormônios tiroidianos sobre seus órgãos-alvo,
secundária à secreção insuficiente de T4 e T3, a defeitos
de receptores nucleares (resistência ao hormônio) ou a
defeitos secretores ou moleculares de TSH (2). As
formas adulta e juvenil da doença são clínica e
etiologicamente diferentes.
Hipotiroidismo no cão adulto
A principal causa de hipotiroidismo no cão adulto
consiste em um distúrbio autoimune (60% dos casos),
que induz, com o passar do tempo, à atrofia da tiroide
— embora, inicialmente, a doença seja caracterizada
por bócio (aumento leve a significativo do volume da
glândula) (1). Dependendo da evolução e da expressão
clínica do distúrbio, o hipotiroidismo pode ser
subclínico ou clínico. Notar que o termo “subclínico”
não implica a ausência de manifestações clínicas, mas
sim a presença de sinais leves a moderados não
característicos da doença — sinais que, no entanto,
sugerem a existência de hipotiroidismo (5). Esse
distúrbio é classificado em quatro fases, de acordo com
os achados nos parâmetros bioquímicos da avaliação
endócrina (Tabela 1) (5, 7).
Hipotiroidismo subclínico
O hipotiroidismo subclínico constitui a primeira fase da
doença, representando aproximadamente 25% dos
casos (5, 7). O hipotiroidismo subclínico caracteriza-se
por aumento da concentração de TSH, com níveis de T4
(fração total ou livre) dentro da faixa de referência. À
medida que a glândula tiroide vem a ser afetada, a
secreção diária de T4 diminui, mas as concentrações
sanguíneas permanecem na faixa normal de referência,
embora próximas do limite inferior. Nessa fase, diversos
tecidos começam a sofrer insuficiência de T4. Essas
variações nos níveis de T4 são detectadas pela hipófise e
pelo hipotálamo, resultando em menor conversão de T4
em T3. O sistema responde com aumento da
sensibilidade das células tireotróficas à estimulação de
TRH. Conforme a doença evolui e a secreção de T4 fica
cada vez mais reduzida, a hipófise responde com
aumento de TSH para forçar a produção de T4 e, assim,
manter as condições eutiroideias (5, 7). As primeiras
alterações são observadas no metabolismo lipídico
(aumento na fração do colesterol LDL), nos sistemas
reprodutivo e imunológico, bem como na pele (com
infecções recorrentes). A expressão clínica ou
bioquímica dessas alterações funcionais fornecerá
indícios da existência de hipotiroidismo subclínico.
Hipotiroidismo clínico
Essa fase da doença caracteriza-se por sinais clínicos
óbvios (evidentes), que podem ser característicos de
hipotiroidismo. Nessa altura, a secreção diária de T4
está gravemente afetada.
• As manifestações dermatológicas do hipotiroidismo
são frequentemente exageradas e surgem em fases
tardias da doença. A maioria dos cães com
hipotiroidismo não exibe alopecia generalizada
(20%). Em contrapartida, é comum observar a
presença de seborreia seca ou oleosa e/ou a assimchamada “cauda de rato” ” (Figura 3).
Tabela 1.
Classificação do hipotiroidismo de acordo com suas manifestações clínicas e parâmetros bioquímicos
endócrinos (adaptada da ref. 7).
Estímulo TRH-TSH
TSH
T4 (total ou livre)
T3
Fase 1
Hiper-responsividade
Normal
Normal
Normal
Fase 2
Não possível
Aumentado
Normal
Normal
Fase 3
Não possível
Aumentado
Diminuído
Normal
Fase 4
Não possível
Aumentado
Diminuído
Diminuído
Hipotiroidismo subclínico
Hipotiroidismo clínico
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© Victor Castillo
Figura 3a.
© Victor Castillo
HIPOTIROIDISMO CANINO
Figura 3b.
Golden Retriever com hipotiroidismo: notar a escassez da
pelagem e a assim-chamada “cauda de rato”.
Boxer levado à consulta em virtude de “piodermatite facial
recorrente”. O restante da pelagem tinha aparência seca.
• O excesso de peso e a obesidade são frequentemente
observados (30%), mas muitos cães podem
apresentar peso corporal normal ou, até mesmo,
perda de peso. Isso se deve à má digestão e máassimilação de nutrientes, como resultado de
alteração da motilidade do intestino delgado e
diminuição da secreção de bile (5, 8).
• Dada a importância dos hormônios tiroidianos para o
funcionamento do sistema nervoso, observam-se
alterações a nível periférico e central (9, 10). A
diminuição do consumo de glicose produz letargia e
maior sonolência, embora alguns cães possam se
tornar agressivos (Figura 4) (11).
• A função reprodutiva é gravemente afetada (anestro
nas fêmeas e oligospermia, azoospermia ou perda de
libido nos machos). Raras vezes, pode-se observar
galactorreia, até mesmo nos machos (1, 2).
caninos portadores da mutação que dá origem ao
distúrbio da glândula. Durante a fase de crescimento,
o filhote canino pode desenvolver hipotiroidismo do
mesmo modo que o animal adulto (2, 5).
Portanto, é importante não assumir que o
hipotiroidismo se caracteriza obrigatoriamente por
obesidade, letargia e alopecia seborreica bilateral. É
necessário levar em consideração uma diversidade de
sinais clínicos, inclusive aqueles menos óbvios ou
possivelmente sugestivos da existência de algum outro
distúrbio.
No hipotiroidismo congênito, a deficiência de
hormônios tiroidianos, tanto no feto como no
animal recém-nascido, induz à falha de
desenvolvimento do sistema nervoso central
(SNC) e do esqueleto (1, 9, 11, 12). O
hipotiroidismo congênito e o hipotiroidismo
juvenil devem ser diferenciados de outros
distúrbios indutores de atrasos do crescimento,
tais como deficiência do hormônio de
crescimento,
raquitismo,
desnutrição,
cardiopatias congênitas, desvios portocavais e
megaesôfago.
Diagnóstico de hipotiroidismo
Para o diagnóstico de hipotiroidismo, em qualquer uma
de suas fases, o autor adotou três avaliações.
O hipotiroidismo no filhote canino pode ser congênito
ou juvenil, ou seja, adquirido durante o período de
crescimento (Figuras 5 e 6). O hipotiroidismo
congênito deve-se a defeitos no desenvolvimento da
glândula tiroide (falha de migração ou de crescimento
celular) ou a déficits da enzima tiroperoxidase (1, 2).
Um defeito na secreção de TSH (p. ex., devido a
hipopituitarismo) é uma causa menos comum. Em
contraste ao hipotiroidismo fetal causado pela
hipotiroxinemia materna (que afeta todos os fetos), o
hipotiroidismo congênito só é observado em filhotes
© Victor Castillo
Hipotiroidismo congênito e juvenil
Figura 4.
Husky Siberiano com hipotiroidismo clínico. Notar a perda de
pelo e o aparecimento de bócio (indicado no canto inferior
direito da figura). O comportamento agressivo concomitante
resultou na necessidade do uso de mordaça.
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 5
© Victor Castillo
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 6
Figura 5.
Filhote canino sem raça definida com 30 dias de vida (à esquerda). Além de alopecia grave, notar a aparência sonolenta. A
fontanela craniana ainda se encontrava aberta. O mesmo filhote canino, ativo e brincalhão, com seu irmão de ninhada, após 20
dias de tratamento (à direita).
• Exame clínico por palpação
Com a cabeça do animal erguida, o clínico deve
permanecer em pé atrás do cão e utilizar ambas as
mãos para palpar cuidadosamente a região da
laringe/traqueia, realizando um movimento para
cima e para baixo até detectar ambas as glândulas.
© Victor Castillo
• Diagnóstico por imagem
- A ultrassonografia da tiroide (Figura 7) é a técnica de
eleição para avaliar a morfologia da glândula. Esse
exame permite estabelecer o diagnóstico de bócio,
atrofia da glândula e suspeita de carcinoma da tiroide.
Em filhotes caninos com suspeita de hipotiroidismo
congênito, a ultrassonografia é capaz de determinar a
dimensão da glândula e a sua localização anatômica.
O volume total da tiroide também pode ser
determinado (13).
- A cintilografia tiroideia avalia a função da glândula.
Em conjunto com a ultrassonografia, a cintilografia
fica indicada para avaliação do hipotiroidismo
congênito, pois consegue detectar a presença de tecido
tiroideo ectópico ou atrófico ou a diminuição da
captação de marcadores radioativos Trata-se de um
dado importante, pois a ausência de migração da
tiroide, o desenvolvimento deficiente da glândula ou a
ausência de marcadores podem indicar alterações
genéticas herdadas dos progenitores.
• Bioquímica
- Avaliação do perfil lipídico: 30-40% dos cães com
hipotiroidismo apresentam aumento do colesterol
total (1, 14). É importante mensurar o colesterol LDL,
pois um aumento em relação ao colesterol HDL pode
indicar deficiência da tiroide (14).
- Avaliação de TSH e dos hormônios tiroidianos (T4l e
T4): O TSH constitui a melhor ferramenta de
avaliação do eixo da glândula tiroide e o marcador
mais sensível para determinar a função dessa
Figura 6.
Pastor Alemão com 7 meses de vida. Notar o crescimento deficiente dos pelos. O animal apresentava-se letárgico e com dificuldades
de locomoção (à esquerda). As radiografias demonstram atraso grave da maturação óssea, além de leve osteopenia no carpo e nas
vértebras (centro). O mesmo filhote canino depois de 1 ano de tratamento com levotiroxina (à direita).
6 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 7
HIPOTIROIDISMO CANINO
No que diz respeito aos hormônios tiroidianos, a T4l é a
fração que melhor reflete a condição periférica da
tiroide e a primeira a ser afetada (3, 5, 15, 16). Uma
diminuição na T4l é indicativa de hipotiroidismo e, de
acordo com a experiência do autor, de todos os cães
com diagnóstico de hipotiroidismo clínico, 30%
apresentavam níveis de T4 ligada a proteínas próximos
do limite inferior, com T4l diminuída e níveis de TSH
elevados, em conjunto com alterações morfológicas da
glândula e sinais clínicos. No entanto, o melhor método
para avaliar a T4l é discutível, pois, embora a diálise de
equilíbrio seja amplamente aceita como a regra de
ouro, o alto custo e a reduzida disponibilidade a tornam
praticamente
inacessível.
As
técnicas
de
radioimunoanálise
mais
modernas
e
a
quimioluminescência têm se mostrado eficazes na
mensuração da T4l sem erros e de forma confiável (16,
17).
Os filhotes caninos não apresentam variações na T4l.
Pelo contrário, os níveis de T4 ligada a proteínas são
comparativamente mais altos entre o 1º e o 6º mês de
vida (18) e, por esse motivo, a mensuração de TSH e da
T4l, juntamente com o perfil lipídico e os achados
ultrassonográficos, constituem o melhor método
diagnóstico para detecção de doença da tiroide.
Se o TSH e a T4l (ou T4 total caso se proceda à sua
mensuração) estiverem dentro da faixa de
normalidade, mas próximos aos valores de corte
(superior e inferior, respectivamente) e existir forte
suspeita da doença (imagem da tiroide alterada,
presença de, pelo menos, um sinal clínico compatível
com hipotiroidismo), a confirmação do diagnóstico da
doença é obtida pelo teste de estimulação com TRH (6,
7, 16). Não faz qualquer sentido realizar esse teste se o
TSH já estiver elevado. Esse exame envolve a obtenção
de amostra basal do TSH, injeção IV de TRH e coleta de
segunda amostra de TSH após 15 a 20 minutos. O
hipotiroidismo subclínico é confirmado quando o TSH
excede 0,50 ng/mL ou quando a alteração de seu valor
(ΔTSH: TSH 15 minutos – TSH basal) for igual ou
superior a 0,2 (7).
Na suspeita de hipotiroidismo congênito, e caso se
consiga coletar um volume de 1-2 mL de sangue entre 7
e 20 dias de vida, fica indicada a avaliação direta de
TSH e da T4l. Se a amostra obtida for insuficiente para a
1
2
Figura 7.
© Victor Castillo
glândula. A elevação de TSH, por si só, é diagnóstica
de hipotiroidismo, independentemente dos valores
de T4 (3, 5, 7).
1 – O lobo da tiroide (assinalado) em cão adulto (levado à
consulta com hipotiroidismo subclínico) demonstra margens
irregulares e características hipoecogênicas.
2 – Imagem de cão adulto com hipotiroidismo clínico; notar as
zonas hiperecogênicas (indicadas pelas setas) devido à presença
de múltiplos nódulos.
avaliação de ambos os hormônios, deve-se concentrar a
atenção na T4l (2, 5).•
Títulos de anticorpos
antitiroglobulina (AcTg) e antiTPO (AcTPO):
aproximadamente 40-50% dos cães estudados revelam
elevações nos valores desses anticorpos (19). No
entanto, a ausência desses níveis elevados não descarta
a possibilidade de tiroidite autoimune (TAI). O
aumento, por sua vez, é diagnóstico apenas de TAI, mas
os níveis de TSH e T4l podem se mostrar normais
mesmo com o teste de estimulação ou provocação. Por
esse motivo, a mensuração desses anticorpos serve
apenas para complementar o diagnóstico.
Tratamento do hipotiroidismo
O objetivo do tratamento consiste em normalizar o eixo
da tiroide e os níveis de T4 circulantes. São
recomendadas doses de reposição de levotiroxina, com
a finalidade de restabelecer o estado eutiroideo sem
suprimir o eixo. O objetivo é obter a normalização de
TSH e da T4, sendo importante que os níveis desta
última estejam próximos ao valor superior de corte, o
que evita períodos de T4 baixa entre as doses.
O autor recomenda o seguinte:
• Hipotiroidismo subclínico versus hipotiroidismo
clínico: administração de doses mais baixas em caso
de hipotiroidismo subclínico.
• Idade do cão: administração de doses inferiores a
animais geriátricos.
• Presença de insuficiência cardíaca ou doença renal:
administração de doses inferiores para não
sobrecarregar os órgãos afetados.
• Gestação ou proximidade do cruzamento/
acasalamento: administração de doses superiores
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 7
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 8
HIPOTIROIDISMO CANINO
(entre 25-50%) para garantir boa ovulação ou
espermatogênese e evitar mortes/reabsorções
embrionárias e fetais.
• Cães com doenças oncológicas ou infecções crônicas,
em que esteja indicado o repouso metabólico:
administração de doses mais baixas.
A dosagem recomendada para o hipotiroidismo clínico
é de 11-22 µg/kg, começando pela dose mais baixa e
aumentando gradativamente até alcançar a
concentração desejada. Para o hipotiroidismo
subclínico, recomenda-se uma dose inferior, entre 3 e
10 µg/kg. Alguns autores aconselham uma
administração inicial de levotiroxina a cada 12 horas,
avançando depois para uma dose diária (16, 20). No
entanto, como a meia-vida intracelular de T4 é de 24h e
os tecidos desionizam a quantidade de T4 necessária, o
tratamento pode ser iniciado com uma dose diária
única (20).
No caso do hipotiroidismo congênito, o tratamento
deve começar o mais cedo possível, de modo a evitar
danos irreversíveis ao sistema nervoso central. De fato,
é recomendável o tratamento imediato do
hipotiroidismo congênito sob suspeita clínica, sempre
que não houver possibilidade da realização de testes
diagnósticos ou se houver necessidade de adiá-los por
qualquer motivo. A dosagem para filhotes caninos com
REFERÊNCIAS
hipotiroidismo congênito ou hipotiroidismo juvenil é de
5-20 µg/kg.
A eficácia do tratamento deve ser avaliada a cada dois
meses, com coleta de amostras 3-4h após a dosagem.
Dependendo dos resultados, a dose do hormônio é
gradualmente ajustada (com aumentos de 25-50%), até
se obter o nível de T4 desejado. Na sequência, a
reavaliação pode ser efetuada a cada 6-12 meses (20).
O Médico Veterinário pode também considerar a
repetição da ultrassonografia da tiroide para
determinar se o volume da glândula voltou ao normal
(caso tenha se apresentado aumentada em exames
prévios).
Conclusão
Embora o hipotiroidismo seja a endocrinopatia mais
comum no cão, a natureza da doença e a forma
subclínica do distúrbio, bem como a variabilidade das
mensurações bioquímicas e hormonais, indicam que
seu diagnóstico pode representar um verdadeiro
desafio. A simplificação excessiva do problema pode
induzir ao erro e, por conseguinte, o Médico Veterinário
deve estar ciente de que não se trata apenas de uma
doença de cães geriátricos com apresentação uniforme.
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8 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
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Diabete melito
felino
Claudia Reusch, DVM,
Dipl. ECVIM-CA
Clínica de Medicina Interna de
Pequenos Animais, Faculdade
Vetsuisse da Universidade de
Zurique, Suíça
Após concluir a graduação na JustusLiebig University Giessen, Alemanha, a Dr.ª Reusch
trabalhou por muitos anos em clínicas particulares de
pequenos animais antes de se mudar para a Universidade
de Munique, onde concluiu sua formação em nefropatias
diabéticas caninas e felinas. Em 1993, ela foi nomeada
Professora de Medicina Interna de Pequenos Animais na
Universidade de Munique. Em 1996, Claudia Reusch
tornou-se responsável pelo departamento e pela disciplina
de Medicina Interna de Pequenos Animais na Universidade
de Zurique. Após ter recebido o diploma da Sociedade
Europeia de Medicina Interna Veterinária de Animais de
Companhia (ECVIM-CA) em 1997, ela foi Presidente dessa
Sociedade, entre 2003 e 2006. Como membro fundador da
Sociedade Europeia de Endocrinologia Veterinária (ESVE),
Dr.ª Claudia exerceu as funções de Presidente entre 20012003.
Introdução
O diabete melito é uma endocrinopatia comum no gato. A
incidência da doença está aumentando, provavelmente
PONTOS-CHAVE
A maioria dos gatos diabéticos apresenta um tipo de
diabete semelhante ao diabete Tipo 2 humano.
O diagnóstico baseia-se nos sinais clínicos e na
hiperglicemia/glicosúria persistentes. A avaliação inicial
deve não só esclarecer a gravidade da doença, mas
também buscar por quaisquer doenças concomitantes ou
outros fatores predisponentes.
O tratamento deve ser iniciado imediatamente após o
diagnóstico. A administração de insulina e o fornecimento
de dieta adequada constituem os principais pilares do
tratamento.
Na maioria dos gatos, o diabete é adequadamente
estabilizado nos 3 primeiros meses do tratamento. Se, apesar
da terapia, os sinais clínicos persistirem, é aconselhável
realizar uma avaliação diagnóstica minuciosa gradual.
em virtude do aumento da ocorrência de fatores de risco,
como obesidade, inatividade, física e idade avançada. A
coleta dos números exatos (que, certamente, são elevados)
não é uma tarefa fácil. Um estudo recente, realizado em
uma amostra da população felina do Reino Unido, revelou
prevalência de 0,43% (1).
Tipos de diabetes
Tradicionalmente, a classificação do diabete melito no gato
tem acompanhado mais ou menos o esquema utilizado em
Medicina Humana. Embora nem todos os mecanismos
etiopatogênicos sejam idênticos, essa abordagem mostrase útil para identificação e diferenciação das várias formas
da doença. O diabete humano é classificado como Tipo 1,
Tipo 2, outros tipos específicos e diabete gestacional. No
gato, o diabete Tipo 1 parece ser extremamente raro.
Atualmente, admite-se que a grande maioria (ou seja,
80%) do diabete felino seja do Tipo 2 — uma doença
heterogênea que se deve à combinação de ação reduzida
da insulina (resistência a esse hormônio) e insuficiência
das células β do pâncreas. Os fatores ambientais e
genéticos desempenham um papel importante no
desenvolvimento de ambos os defeitos. Estes últimos ainda
não foram caracterizados no gato, mas a prova mais
convincente da existência de fatores genéticos provém de
estudos realizados em gatos de raça Birmanês, nos quais a
frequência do diabete demonstrou ser várias vezes
superior à dos gatos domésticos (1, 2). Outros fatores de
risco são: avanço da idade, sexo masculino, condição de
castração/esterilização, inatividade física, administração
de glicocorticoides e progestágenos, além de obesidade.
Tal como no ser humano, o fator de risco mais importante é
a obesidade. Foi demonstrado que os gatos obesos
apresentam uma probabilidade 3,9 vezes maior de
desenvolverem diabete do que felinos com peso ideal. É
importante notar que, embora a obesidade provoque
resistência à insulina, nem todos os gatos obesos
desenvolvem diabete. Quando as células β estão saudáveis,
a resposta de adaptação à obesidade e à resistência à
insulina consiste no aumento da secreção desse hormônio
para manter a tolerância normal à glicose. No entanto, na
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 9
Figura 1.
Ilhota pancreática em gato com diabete melito; notar o
depósito moderado a intenso de substância amiloide (cor-derosa).
© Prof. Thomas Lutz, Zurich.
© Clinic of small animal internal medicine, Zurich.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:11 Página 10
Figura 2.
Gato obeso com diabete melito.
presença de disfunção das células β, existe uma tolerância
reduzida à glicose, resultando finalmente no aparecimento
de diabete do tipo 2. Até o momento, não são conhecidos
os fatores responsáveis pelo declínio da secreção de
insulina e pela evolução para o diabete; as hipóteses
sugeridas incluem depósito de substância amiloide,
glicotoxicidade e lipotoxicidade.
pancreática, hipercortisolismo (HC), hipersomatotropismo (acromegalia) e administração de
medicamentos
diabetogênicos
(progestágenos,
glicocorticoides). O diabete gestacional tem pouca
relevância em felinos.
• A substância amiloide deriva de amilina (ou polipeptídeo
amiloide das ilhotas), um hormônio secretado
concomitantemente com a insulina pelas células β. Os
gatos são uma das poucas espécies nas quais a amilina
tende a se dobrar em estruturas tipo folhas β pregueadas
que, subsequentemente, se depositam sob a forma de
substância amiloide nas ilhotas, provocando a perda de
células β (Figura 1).
• A glicotoxicidade consiste no conceito de declínio da
secreção de insulina por hiperglicemia. Isso foi
demonstrado em gatos saudáveis, em que a secreção de
insulina cessou após 3 a 5 dias de níveis séricos elevados
de glicose (3). Em princípio, a supressão da secreção de
insulina é reversível, mas o dano às células β torna-se
permanente com o passar do tempo.
• A lipotoxicidade é uma situação semelhante que envolve
níveis elevados de ácidos graxos. No entanto, os danos às
células β ainda não foram demonstrados de forma tão
convincente quanto no caso da hiperglicemia. .
O diabete ocorre tipicamente em felinos de meia-idade a
geriátricos. Há forte predileção sexual, uma vez que
aproximadamente 70% dos gatos diabéticos são machos.
Cerca de 60% dos gatos diabéticos têm peso acima do ideal
(sobrepeso), 35% possuem peso normal e 5% estão abaixo
do peso ideal (Figura 2) (4). A maioria dos felinos
diabéticos exibe os sinais clínicos clássicos de diabete, a
saber: poliúria/polidipsia (PU/PD), polifagia e perda de
peso. Em torno de 10% dos gatos diabéticos apresenta
sinais evidentes de neuropatia diabética, que se manifesta
como fraqueza dos membros posteriores, capacidade
reduzida de salto/pulo e postura plantígrada (Figura 3).
Em raras ocasiões, também se pode observar fraqueza dos
membros anteriores. Com frequência, há letargia e
pelagem seca em mau estado, embora o exame físico possa
revelar hepatomegalia. Em gatos com doença
concomitante ou subjacente, pode haver outros sinais
clínicos. Os gatos com diabete complicado (cetoacidose
diabética, síndrome hiperosmolar não cetótica)
demonstram letargia, anorexia, ingestão hídrica reduzida
e vômito.
É importante compreender esses conceitos, uma vez que o
tratamento imediato do diabete pode reverter os efeitos
negativos da glicotoxicidade e aumentar as chances de
remissão.
No gato, outros tipos específicos de diabete (outrora
denominados diabete secundário) respondem por cerca
de 20% dos casos e incluem pancreatite, neoplasia
10 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
Identificação do
manifestações clínicas
animal
e
Diagnóstico e exames
complementares
O diabete é diagnosticado com base nos sinais clínicos e na
hiperglicemia e glicosúria persistentes. A maioria dos
felinos só apresenta diabete quando as concentrações de
glicose sanguínea excedem a capacidade de reabsorção
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 11
DIABETE MELITO FELINO
Pode não ser uma tarefa fácil diferenciar entre
hiperglicemia induzida pelo estresse e hiperglicemia
diabética. O aumento da glicemia por ação do estresse é,
frequentemente, leve a moderado, embora possam ocorrer
concentrações séricas de glicose superiores a 15 mmol/L –
270 mg/dL. Neste último caso, também pode haver
glicosúria. A hiperglicemia por estresse pode ser
diagnosticada por meio de mensurações repetidas da
glicose sanguínea e demonstração de níveis glicêmicos
normais. No entanto, alguns gatos ficam sob estresse
enquanto estão hospitalizados; por esse motivo, os níveis
de glicose permanecem altos.
A mensuração da frutosamina sérica representa um meio
de diagnóstico alternativo. A concentração de frutosamina
reflete a concentração glicêmica média das últimas 1-2
semanas. As faixas de referência diferem um pouco entre
os laboratórios, mas costumam girar em torno de 200-360
µmol/L. Na grande maioria dos felinos diabéticos recémdiagnosticados, os níveis de frutosamina são superiores a
400 µmol/L, podendo chegar até 1.500 µmol/L. Como a
frutosamina não é afetada por aumentos da glicemia a
curto prazo, as concentrações costumam permanecer
normais em gatos com hiperglicemia por estresse (5). No
entanto, a frutosamina pode apresentar valores normais
em gatos com início muito recente de diabete e naqueles
com hipertiroidismo ou hipoproteinemia concomitantes.
Qualquer doença concomitante pode agravar a resistência
à insulina e dificultar o sucesso do tratamento. Em vista
disso, é recomendável a realização dos seguintes exames
de rotina: hemograma completo, perfil bioquímico sérico,
urinálise e urocultura. As potenciais anormalidades
hematológicas e bioquímicas incluem: anemia leve e
leucograma de estresse, hipercolesterolemia e FA/ALT
aumentadas. Na maioria dos gatos, a densidade urinária
específica é superior a 1,020, podendo ser observados,
esporadicamente, corpos cetônicos, até mesmo em casos
não complicados. A proteinúria está presente em cerca de
50% dos casos e costuma ser leve a moderada, com relação
proteína:creatinina urinária inferior a 2,0. Em alguns
casos, existe infecção bacteriana do trato urinário e, por
essa razão, sempre deve ser efetuado o exame de
urocultura. Podem ser indicados outros procedimentos de
diagnóstico (ou seja, radiografias, ecocardiografias ou
ultrassonografias abdominais), dependendo dos
resultados.
A pancreatite está frequentemente associada com diabete,
mas a causa e o efeito ainda permanecem desconhecidos.
O diagnóstico é complexo, uma vez que os sinais clínicos
são muitas vezes vagos e inespecíficos e os níveis séricos de
amilase e lipase são de pouco valor diagnóstico (6). A
mensuração da concentração plasmática de insulina não é
útil para identificar o tipo de diabete, nem para predizer se
a função residual das células β é suficiente para uma
possível remissão. Na suspeita de hiperadrenocorticismo
ou hipersomatotropismo, os procedimentos específicos de
diagnóstico devem ser adiados até alcançar a estabilização
do paciente através da insulinoterapia
Tratamento
O objetivo da terapia consiste em eliminar os sintomas,
prevenir as complicações a curto prazo (p. ex.,
hipoglicemia, cetoacidose) e, assim, permitir uma boa
qualidade de vida. Ao contrário dos casos caninos, os gatos
diabéticos apresentam chances relativamente altas de
remissão com o tratamento adequado. Isso é definido
como a normalização dos níveis sanguíneos de glicose e
frutosamina e a resolução dos sinais clínicos e da
glicosúria, sem a necessidade de se recorrer à terapia
antidiabética. Essa remissão pode ocorrer em até 50% dos
gatos, geralmente dentro dos 3 primeiros meses de
tratamento. O controle glicêmico satisfatório reverte o
efeito da glicotoxicidade. Se o tratamento for iniciado logo
após o diagnóstico, as chances de remissão aumentam. Os
sinais clínicos são bem controlados se as concentrações de
glicose sanguínea se mantiverem entre 5 e 15 mmol/L - 90270 mg/dL ao longo do dia. Para alguns donos pode
revelar-se difícil o tratamento dos seus gatos. Para alguns
©Clinic of small animal internal medicine, Zurich.
renal (aproximadamente 15 mmol/L – 270 mg/dL), pois,
em geral, é apenas nessa fase da doença que os sintomas se
tornam aparentes. A glicosúria, por si só, não é suficiente
para diagnosticar o diabete, pois também pode ser
observada em caso de alterações renais, estresse e
administração de determinados medicamentos.
Figura 3.
Gato com postura plantígrada causada por neuropatia
diabética.
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 11
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 12
Tabela 1.
Protocolo para o tratamento de gatos com diabete melito utilizado na Clínica de Medicina Interna de Pequenos
Animais da Universidade de Zurique
Apresentação inicial
• Diagnóstico do diabete melito (hiperglicemia, glicosúria, frutosamina aumentada)
• Avaliação laboratorial de rotina (hemograma completo, bioquímica sérica, urinálise e urocultura)
• Radiografia, ultrassonografia abdominal, insulina plasmática de jejum se indicada
• Interrupção de medicamentos diabetogênicos
• Administração de insulina de ação intermediária/prolongada (1-2 U/gato BID, dependendo do peso corporal, da gravidade dos
sinais clínicos e do grau de hiperglicemia)
• Tratamento dos problemas concomitantes (p. ex., infecção do trato urinário, estomatite)
• Prescrição de manejo nutricional: dieta rica em proteínas e pobre em carboidratos (desde que nenhuma outra doença prevaleça ou
tenha prioridade sobre o diabete melito) em uma dosagem de 45-60 kcal/kg/dia. Em caso de peso acima do ideal, ter como alvo a
perda de peso de 1-2% por semana
• Orientação ao proprietário (de, no mínimo, 1h) e fornecimento de instruções por escrito
Reavaliação 1 semana após o diagnóstico
• Administração de insulina e alimento em casa. Em seguida, levar o animal à clínica o mais rápido possível
• Anamnese, exame físico, peso corporal
• Mensuração da glicemia a cada 1 a 2h ao longo do dia, assim como mensuração de frutosamina.
• Ajuste da dosagem de insulina se necessário: 0,5-1,0 U/injeção. Em caso do efeito Somogyi ou de hipoglicemia evidente, proceder
à redução da dosagem de, no mínimo, 50%
Reavaliação 3 semanas após o diagnóstico
• Repetição de todos os procedimentos efetuados na 1ª reavaliação
• Introdução à monitorização em casa e orientação ao proprietário sobre todos os aspectos técnicos relevantes (por, pelo menos, 30
minutos)
• O proprietário deve mensurar a glicemia em jejum 2x/semana e elaborar uma curva glicêmica 1x/mês
Reavaliação 6-8 semanas após o diagnóstico
• Repetição de todos os procedimentos efetuados na 1ª reavaliação
• A curva glicêmica pode não ser necessária se o animal estiver clinicamente estável. A glicose sanguínea mensurada perto da
administração de insulina deve estar entre 10-15 mmol/L - 180-270 mg/dL e a frutosamina, 350-450 µmol/L
• Avaliação da técnica utilizada pelo proprietário, em caso de monitorização em casa. Pesquisa da presença de doença subjacente
se existirem sinais clínicos típicos
Reavaliação 10-12 semanas após o diagnóstico e, posteriormente, de 4 em 4 meses
• Repetição de todos os procedimentos efetuados 6-8 semanas após o diagnóstico
Objetivos do tratamento
• Sinais clínicos: resolução da poliúria/polidipsia e polifagia, peso corporal normal
• Concentração de glicose sanguínea: Idealmente entre 15 mmol/L - 270 mg/dL (antes da administração de insulina) e 5 mmol/L –
90 mg/dL (nadir)
• Concentração de frutosamina: Idealmente entre 350-450 µmol/L (nota: a concentração de frutosamina é a variável menos
importante para a avaliação do controle metabólico)
proprietários, o tratamento de seus gatos pode ser difícil.
Por isso, é essencial fornecer informações detalhadas sobre
todos os aspectos técnicos relevantes da doença e garantir
suporte veterinário rápido e imediato sempre que houver
necessidade. O tratamento deve seguir um protocolo
rigoroso e compreensível (Tabela 1). As instruções
apresentadas por escrito são de grande valor.
Agentes hipoglicemiantes orais
12 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
Como 80% dos gatos sofrem de diabete Tipo 2, esses
medicamentos teoricamente podem ser utilizados. Hoje
em dia, existem 7 classes distintas de hipoglicemiantes
orais disponíveis, mais tais agentes, com exceção das
sulfonilureias, não foram investigados ou demonstram
apenas eficácia limitada no gato.
As sulfonilureias, das quais a glipizida é o agente utilizado
com maior frequência em felinos, estimulam a secreção de
insulina, sendo necessária alguma função das células β
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 13
DIABETE MELITO FELINO
para a eficácia do medicamento. A glipizida só deve ser
usada em animais diabéticos com boa condição corporal,
sem cetoacidose, e sintomas de gravidade moderada. A
dose inicial preconizada é de 2,5 mg/gato BID,
aumentando para 5 mg/gato BID após 2 semanas caso não
se observem efeitos adversos e se ainda houver
hiperglicemia. O sucesso do tratamento gira em torno de
30%, mas esse agente pode afetar negativamente as ilhotas
e conduzir à perda progressiva das células β
remanescentes. Como a glipizida não oferece qualquer
vantagem médica sobre a insulina, o primeiro agente só
deverá ser utilizado nos casos em que o proprietário não
consegue administrar o segundo.
Insulinoterapia
A administração de insulina e o manejo da dieta
constituem as bases do tratamento do gato diabético. Em
felinos com diabete não complicado, as insulinas de
primeira escolha são os compostos de ação intermediária.
A disponibilidade das preparações pode variar, mas a
insulina lenta de origem suína é aprovada em muitos
países para uso em felinos. Para alguns gatos, o tempo de
ação desse tipo de insulina é inferior a 12 horas e, de fato, o
problema da ação curta é bem reconhecido nessa espécie
animal, aplicando-se não só à insulina lenta, mas também
a diversos outros tipos de insulina. Outro problema está na
inconstância da absorção de insulina, o que provoca
concentrações irregulares de glicose sanguínea. No diabete
humano, existe o mesmo problema, que acabou induzindo
ao recente desenvolvimento de análogos de insulina.
Atualmente, o composto utilizado com maior frequência é
uma substância conhecida como insulina glargina. Há
pouco tempo, esse agente conquistou bastante
popularidade entre os proprietários de gatos diabéticos,
pois possui tempo de ação mais prolongado que as
insulinas lentas (mas costuma ser inferior a 24h) e
demonstra melhor controle glicêmico quando
administrado BID em vez de SID. A glargina pode
representar uma alternativa adequada em felinos, cujo
tempo de ação da insulina lenta é demasiadamente curto
para permitir o controle metabólico. Além disso, postula-se
que a taxa de remissão seja mais alta em gatos tratados
com glargina do que com outros tipos de insulina (7). No
entanto, o número de casos publicados ainda é reduzido,
não sendo possível uma conclusão definitiva.
A autora prefere iniciar o tratamento com insulina lenta ou
glargina. A insulina zíncica protamina também pode ser
uma primeira escolha satisfatória (8); no entanto, não é
fácil obter essa preparação em muitos países. A frequência
de administração sempre deve ser BID. A dose inicial é de 1
U/gato BID em gatos com peso inferior a 4 kg, mas
costuma ser de 1,5-2,0 U/gato BID naqueles com mais de 4
kg.
Em felinos que apresentam, no momento do diagnóstico,
uma concentração de glicose sanguínea abaixo de 20
mmol/L – 360 mg/dL, não se deve administrar mais de 1
U/gato BID, independentemente do peso corporal.
Em uma fase inicial, pode haver a necessidade de internar
o gato durante 1-2 dias para concluir a avaliação
diagnóstica. Durante esse período, a concentração de
glicose sanguínea deve ser mensurada 3-4 vezes por dia,
reduzindo-se a dosagem de insulina caso seja detectada
hipoglicemia (< 5 mmol/L – 90 mg/dL). Se a glicose
sanguínea permanecer alta, a dose não deve ser ajustada
imediatamente, pois a ação completa da insulina pode
demorar alguns dias para se desenrolar (o assim-chamado
equilíbrio). Os ajustes na dosagem são efetuados em
avaliações subsequentes. A avaliação inicial do paciente e o
início do tratamento também podem ser realizados em um
esquema ambulatorial. Um dos momentos mais
importantes no cuidado de animais diabéticos é quando o
veterinário discute os aspectos técnicos do tratamento com
o dono do animal. O proprietário deve misturar a insulina
corretamente (rotacionar o frasco com cuidado, sem
agitar. Nota: a glargina é uma solução transparente que
não requer o procedimento de mistura), encher a seringa
sem bolhas de ar e administrar a insulina por via
subcutânea na parede torácica lateral. Além disso, o
proprietário deve compreender os riscos potenciais (p. ex.,
dor, sangramento, injeção na pelagem), saber lidar com
esses problemas e conhecer o momento certo de consultar
o hospital (sinais de hipoglicemia, recorrência de PU/PD,
sintomas de cetoacidose diabética). É aconselhável não
aquecer nem congelar a insulina e, apesar de não ser
inativada à temperatura ambiente, ela deve ser conservada
no refrigerador. De acordo com a experiência da autora, a
insulina mantém sua atividade durante vários meses,
desde que corretamente manipulada. Haverá necessidade
de substituição do frasco em caso de agravamento
inexplicável do controle glicêmico. O proprietário também
deve compreender as diferenças entre insulinas U-40 e U100/mL, sendo imprescindível o uso de agulhas com
tamanho adequado. É recomendável evitar o uso de
seringas não compatíveis em virtude do elevado risco de
confusão.
Manejo alimentar
O gato é um carnívoro estrito, o que o distingue claramente
do cão, que é onívoro. A alimentação natural dos felídeos
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 13
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 14
mg/dl
mmol/l
30
540
25
450
Glicose
20
D
360
C
15
270
B
A
10
180
90
5
0
12 horas
Figura 4.
Exemplos de curvas glicêmicas produzidas durante 12h em gatos
tratados com insulina de ação intermediária BID:
Zona cinzenta: Faixa-alvo da concentração de glicose sanguínea.
A: Curva ideal.
B: Curta duração do efeito da insulina.
C: Fenômeno de Somogyi com contrarregulação após rápida
diminuição da glicose sanguínea.
D: Resposta insatisfatória devido a problemas técnicos, fase
contrarreguladora do fenômeno de Somogyi, resistência à insulina
ou absorção deficiente.
selvagens (p. ex., camundongos e pássaros) contém um
teor de carboidratos abaixo de 10% com base na matéria
seca. Isso difere bastante de muitas rações comerciais para
gatos, dotadas de alta porcentagem de carboidratos. Vários
estudos indicam que uma dieta pobre em carboidratos e
rica em proteínas permite melhor controle clínico e taxas
de remissão diabética mais elevadas (9, 10). Esses achados
estão em conformidade com as diretrizes da American
Animal Hospital Association (AAHA) para o diabete melito
(11), que recomenda o fornecimento de dieta com teor
proteico elevado (> 45% proteína/energia metabolizável)
e níveis reduzidos de carboidratos. As rações úmidas
podem ser preferidas em relação às rações secas, em
virtude dos teores mais baixos de carboidratos e da
densidade reduzida de calorias; também possibilitam o
fácil controle das porções e auxiliam na ingestão adicional
de água (11). Como a resistência à insulina induzida pela
obesidade é quase totalmente reversível e até mesmo uma
leve a moderada perda de peso melhora o controle
metabólico, a redução de peso deve ser fortemente
incentivada em felinos com sobrepeso (em torno de 1%
por semana). No entanto, o Médico Veterinário sempre
deve avaliar o teor nutricional da dieta em termos calóricos
(g/1.000 kcal), pois nem todas as rações úmidas
apresentam baixo teor de carboidratos, assim como nem
todas as rações secas contêm alto teor desses nutrientes.
Além disso, alguns alimentos ricos em proteínas e pobres
14 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
em carboidratos também apresentam densidade
energética elevada, o que pode ser contraproducente para
o controle satisfatório do peso. Um estudo recente (12)
constatou que a inatividade física do animal e o
confinamento dentro de casa podem constituir fatores de
risco independentes para o desenvolvimento de diabete no
gato. O horário das refeições em relação à administração
da insulina não parece ser relevante; a qualidade do
controle metabólico em gatos que recebem as refeições
juntamente com a injeção de insulina não difere daqueles
alimentados 45 minutos depois da administração desse
hormônio (13).
As reavaliações são essenciais durante o manejo a longo
prazo. No gato, a supervisão rigorosa é de particular
importância durante os primeiros meses, em virtude da
possibilidade de remissão diabética. Se esse fato passar
despercebido e a administração de insulina for mantida,
pode ocorrer hipoglicemia grave. A maioria dos gatos
entra em remissão durante os 3 primeiros meses de
terapia; no entanto, também são possíveis remissões após
1 ano ou mais.
Tratamento a longo prazo
As reavaliações são inicialmente agendadas com intervalos
curtos (Tabela 1) e incluem a avaliação das observações
do proprietário em relação aos sinais clínicos, a
mensuração do peso corporal e a determinação dos níveis
sanguíneos de glicose e frutosamina. As concentrações de
frutosamina aumentam quando o controle glicêmico
piora, mas diminuem com o restabelecimento desse
controle. Como até mesmo os gatos diabéticos bem
controlados se encontram leve a moderadamente
hiperglicêmicos ao longo do dia, a frutosamina não
costuma ficar completamente normal durante o
tratamento. Em contraste, um nível normal de
frutosamina (especialmente na metade inferior da faixa de
referência) deve suscitar preocupação quanto aos períodos
prolongados de hipoglicemia, ou seja, devido à remissão
diabética. Os níveis de frutosamina entre 350-450 µmol/L
são geralmente sugestivos de controle satisfatório, níveis
entre 450-550 µmol/L, controle moderado, e superiores a
550-600 µmol/L, controle metabólico insatisfatório. Em
geral, as mensurações isoladas de glicose, por si só, não são
suficientes para avaliar o controle metabólico, sendo
recomendável a elaboração de curvas glicêmicas, que
permitem mensurar a glicemia de 2 em 2 horas, durante
cerca de 12h. Normalmente, a insulina e os alimentos são
administrados em casa, construindo-se a curva glicêmica
(em casa ou no hospital) o mais rápido possível. Os
parâmetros mais importantes a serem avaliados através da
curva glicêmica são a concentração mais baixa de glicose
(nadir) e a duração do efeito (Figura 4).
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 15
©Clinic of small animal internal medicine, Zurich.
Figura 5.
©Clinic of small animal internal medicine, Zurich.
DIABETE MELITO FELINO
Figura 6.
Recolha de uma amostra de sangue do pavilhão auricular,
através de um dispositivo de utilização humana.
Mensuração da glicose com aparelho portátil de medição da
glicemia previamente validado para uso em gatos.
• A concentração mais baixa de glicose deve ficar
idealmente entre 5-8 mmol/L – 90-144 mg/dL. Um nadir
inferior pode ser observado em casos de hiperdosagem
de insulina, sobreposição excessiva dos tempos de ação
desse hormônio, ausência de ingestão alimentar e
exercício físico intenso. Se a concentração for superior a 9
mmol/L, devem ser considerados os seguintes fatores:
subdosagem de insulina, estresse, fase contrarreguladora
do fenômeno de Somogyi e problemas técnicos. Se o
animal já estiver sob doses elevadas de insulina, a
resistência a esse hormônio também é uma
possibilidade. É muito importante identificar a causa
exata, pois as decisões terapêuticas variam em função da
causa.
• A duração do efeito é definida como o tempo
transcorrido desde a administração da insulina até a
glicemia exceder os 12-15 mmol/L - 216-270 mg/dL
depois de ocorrer o nadir. Se a duração do efeito for
inferior a 8-10h, os animais costumam exibir sinais
clínicos de diabete. Se for superior a 14h, o risco de
desenvolvimento de hipoglicemia ou o fenômeno de
Somogyi aumenta. A duração do efeito pode melhorar
através do manejo alimentar, mas, caso esta medida não
seja bem sucedida, fica indicada a transição para uma
insulina com modo de ação diferente.
Em um levantamento recente, todos os donos apontaram
que essa monitorização em casa havia aumentado sua
autoconfiança quanto à respectiva capacidade de lidar
com a doença dos seus animais de companhia (14).
Também se observa certa variabilidade nas curvas
glicêmicas realizadas em casa e, por isso, uma única curva
pode induzir ao erro. Em casos complicados, pode ser
realizada mais do que uma curva antes de se tomar
qualquer decisão em relação ao tratamento (15, 16).
A hiperglicemia por estresse pode dificultar a interpretação
da curva glicêmica. Esse problema pode ser superado se a
curva glicêmica for construída pelo proprietário em casa
(Figuras 5 e 6). Os proprietários são apresentados a esse
procedimento aproximadamente 3 semanas após o início
da terapia, com a determinação da glicemia em jejum duas
vezes por semana (para praticarem a coleta de amostras de
sangue, bem como a detecção de hipoglicemia) e a
construção recomendada de curva glicêmica, pelo menos,
uma vez por mês. Muitos proprietários conseguem e estão
dispostos a efetuar a monitorização em casa a longo prazo.
Dificuldades associadas ao
controle do diabete
É possível estabilizar adequadamente a maioria dos gatos
dentro dos três primeiros meses de tratamento. Contudo, é
normal que, após essa fase, haja necessidade de ajustes,
por exemplo, devido à perda adicional de células β ou
alteração na sensibilidade à insulina por doença
concomitante. Nos casos em que os sinais clínicos
persistem apesar da terapia, é recomendável uma
abordagem gradual do problema.
1. Garantir que a avaliação diagnóstica e o tratamento
prévio foram efetuados de acordo com o protocolo.
Aumentar a dose de insulina em intervalos de 5 a 7 dias
até que o gato receba uma dose de 1,0-1,5 U/kg BID
(insulina lenta).
2. Verificar se a insulina utilizada se encontra fora do prazo
de validade, foi agitada, diluída, congelada ou aquecida
e se as seringas são adequadas. Averiguar o método de
mistura, preparo e administração de insulina utilizado
pelo proprietário e rever o regime alimentar. Essa parte
do protocolo de resolução de problemas é, muitas vezes,
omitida, mas os erros técnicos são frequentemente a
causa de controle insatisfatório do diabete.
3. Efetuar as curvas glicêmicas para identificar qualquer
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 15
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 16
DIABETE MELITO FELINO
©Clinic of small animal internal medicine, Zurich.
O hipercortisolismo e o hipersomatotropismo (Figura 7)
têm o potencial de provocar a resistência mais grave à
insulina. Como os sinais clínicos podem ser leves a graves,
talvez não se suspeite da existência de doença
concomitante até ficar evidente a dificuldade de controle
do diabete.
Conclusão
Figura 7.
Gato com diabete melito e acromegalia. O prognatismo inferior
é sinal típico de acromegalia.
fenômeno de Somogyi ou curta duração do efeito da
insulina. A monitorização em casa deve ser considerada,
pois possibilita a coleta frequente de amostras sem o
estresse da consulta hospitalar.
4. Se nenhum problema for identificado, deve-se buscar
por doenças indutoras de resistência à insulina. Em
princípio, qualquer outra doença concomitante (p. ex.,
inflamatória, infecciosa, neoplásica) pode causar
resistência à insulina. Os problemas mais relevantes são:
pancreatite, neoplasia pancreática, hipercortisolismo,
hipersomatotropismo, infecção da cavidade oral ou do
trato urinário, doença renal crônica, ou obesidade.
REFERÊNCIAS
Na maioria dos felinos, o diagnóstico imediato de diabete
deve possibilitar a realização de tratamento satisfatório.
No entanto, a avaliação inicial não deve apenas esclarecer
a gravidade da doença (p. ex., cetoacidose), mas também
pesquisar por quaisquer doenças concomitantes ou outros
fatores predisponentes (p. ex., obesidade, medicamentos
diabetogênicos). É recomendável a instituição imediata do
tratamento após o diagnóstico, sendo possível a
estabilização adequada de grande parte dos gatos nos 3
primeiros meses de terapia. Entretanto, é importante
mencionar que a remissão ocorre em até 50% dos gatos. As
reavaliações periódicas são essenciais, devendo incluir a
determinação dos sinais clínicos e do peso corporal, a
elaboração de curva glicêmica e a mensuração da
frutosamina. Se os sinais clínicos persistirem apesar da
terapia, é aconselhável a realização de avaliação
diagnóstica minuciosa e gradativa.
BIBLIOGRÁFICAS
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Epidemiologia do diabete
melito felino
Elizabeth Lund,
Nota do Editor
DVM, MPH, PhD
É com todo o prazer que continuamos a apresentar uma
característica da revista veterinária FOCUS: a utilização
de informações provenientes da base de dados dos
Hospitais Veterinários Banfield. Os extensos registros
criados pelos Médicos Veterinários de Banfield podem
ser analisados para avaliar uma grande variedade de
fatores inerentes às populações de animais de
companhia. No presente artigo, apresentamos uma
breve descrição da epidemiologia dos gatos diabéticos,
bem como alguns indicadores típicos da doença.
Banfield, Hospital Veterinário,
Portland, Oregon, EUA
A Dr.ª Lund ingressou na Banfield, em
2006, na qualidade de Diretora Sênior
de Pesquisa da Equipe de Pesquisa e
Conhecimento Aplicado. Como epidemiologista, a
experiência profissional da Dr.ª Lund ao longo dos últimos
22 anos incluiu pesquisas nas áreas acadêmica, industrial e
saúde pública. Além da graduação em Medicina
Veterinária, ela possui Mestrado em Saúde Pública e
Doutorado em Epidemiologia/Informática.
O
Métodos
Nos EUA, a prevalência estimada, por ano e região,
foi calculada a partir do número de gatos levados à
consulta com diagnóstico de diabete melito (DM) ou
cetoacidose diabética (CAD), dividido pelo número
total de pacientes felinos examinados por ano ou
região. Para a análise descritiva (idade, sexo, raça),
foi selecionado o ano de 2008; os casos de diabete
felino foram identificados com base no diagnóstico
inicial de DM ou CAD, bem como nos resultados
positivos de glicosúria (presença de glicose na urina).
Para a identificação dos fatores indutores de aumento
do risco de diabete, a idade foi monitorizada como
uma potencial variável de confusão (fator de
80
Jovem adulto (1-3 anos)
70
Adulto maduro (3-10 anos)
60
Adulto geriátrico (10 anos)
50
n=321.782
n=367.714
2002
n=289.479
0
n=273.167
20
10
n=251.316
30
n=230.773
40
n=216.236
Prevalência
O manejo do diabete melito, uma
endocrinopatia comum no gato, pode se
mostrar bastante complexo. No entanto, o
diagnóstico e tratamento precoces dessa doença
permitem efetuá-lo de forma ideal. Conhecendo a
epidemiologia da doença, o Médico Veterinário
consegue identificar com maior facilidade os animais
de companhia sob risco e transmitir essa informação
aos seus clientes. Este artigo relata sobre a
epidemiologia descritiva do diabete na população
felina observada nos Hospitais Veterinários Banfield,
utilizando dados provenientes do sistema de registros
informatizados da PetWare.
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Figura 1.
Prevalência anual (por 10.000 gatos) do diabete melito felino e
da cetoacidose diabética.
Figura 2.
Diabete melito felino por faixa etária.
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 17
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EPIDEMIOLOGIA DO DIABETE MELITO FELINO
Tabela 1.
Tabela 2.
Prevalência do diabete melito e da cetoacidose
diabética – distribuição por sexo (2008).
Prevalência do diabete melito e da cetoacidose
diabética nas raças felinas comuns selecionadas
(2008).
Sexo
Gatos com
Gatos sem
diabetes (n = 604) diabetes (n = 604)
Macho castrado
Fêmea castrada
Raça
60,8%
48,7%
Maine Coon
Doméstico de Pelo Comprido
35,9%
47,2%
Macho
1,6%
1,7%
Azul da Rússia
Fêmea
1,7%
2,4%
Siamês
confundimento) através da seleção de gruposcontrole de idade compatível, recorrendo a felinos
sem diagnóstico de DM, CAD ou glicosúria
positiva.Foram selecionadas as seguintes faixas
etárias: < 1 ano, 1 a 3 anos, 3 a 10 anos e > 10 anos.
Procedeu-se, igualmente, à avaliação da idade e peso
médios. Foi utilizado um software estatístico para
estimar as frequências e as proporções (1).
Resultados
A prevalência do diabete aumentou de 40,3 para 67,8
por 10.000 gatos, entre 2002 e 2008 (Figura 1),
observando-se uma variação regional, desde um
valor reduzido a noroeste do país (63,5 por 10.000)
até um valor elevado na região centrossul (68,9 por
10.000). Em 2008, foi identificado um total de 604
gatos diabéticos, dos quais 95% receberam
diagnóstico de DM e 5%, de CAD. A idade média
(apresentada na Figura 2) era de 10,1 anos e o peso
médio de 5,6 kg. A idade média da populaçãocontrole era de 10 anos com peso médio de 4,95 kg.
Os gatos machos castrados estavam superrepresentados no grupo em comparação aos gatos-As
raças com maior prevalência de diabete melito, em
comparação com a população geral, são o Maine
Coon, o Doméstico de Pelo Comprido, o Azul da
Rússia, o Siamês e o Doméstico de Pelo Curto (Tabela
2).
Contagem da
população em
2008
Prevalência
por 10.000
4.760
123,9
36.105
82,8
1.635
73,4
14.027
72,7
Doméstico de Pelo Curto
238.577
67,0
Doméstico de Pelo Médio
47.633
63,0
4.268
60,9
Persa
6.411
42,1
Ragdoll
2.012
29,8
Bengal
1.849
21,6
Himalaia
os gatos com diabete melito são geriátricos (10 anos
ou mais), mais pesados e provavelmente machos
castrados, com predomínio de certas raças. Os
atributos da população descritos aqui são compatíveis
com os dados previamente publicados (2, 3). O
aumento da prevalência do diabete ao longo do
tempo também foi relatado em um estudo sobre a
população felina encaminhada aos Hospitais
Veterinários Universitários (2). No entanto, as taxas
analisadas são inferiores àquelas relatadas na
população de referência. Isso não é inesperado, pois
há maior probabilidade de os gatos diabéticos serem
encaminhados para uma consulta nos Hospitais
Universitários, tanto para diagnóstico da doença
como para o seu tratamento. O aumento das taxas de
prevalência na população felina de Banfield, ao longo
dos últimos anos, pode refletir o envelhecimento da
população de animais de companhia à medida que a
rede de clínicas Banfield foi crescendo, o aumento da
longevidade dos gatos com diabete, a melhoria da
condição corporal dos felinos em geral e/ou a maior
identificação da doença por parte dos clínicos.
Discussão
Houve aumento linear, de cerca de 70%, na
prevalência do diabete na população felina de
Banfield, entre 2002 e 2008. De acordo com a análise,
REFERÊNCIAS
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COMO ABORDAR...
A doença de Addison
no cão
Catharine
Scott-Moncrieff
MA, Vet MB, MS, Dipl. ACVIM,
DSAM, Dipl. ECVIM
Dep. Ciências Clínicas
Veterinárias, Escola de Medicina
Veterinária da Universidade de
Purdue, IN, EUA
A Dr.ª Scott-Moncrieff concluiu a Graduação e o
Mestrado em Medicina Veterinária na Universidade de
Cambridge, em 1985. Fez estágio em Medicina e Cirurgia
de Pequenos Animais na Universidade de Saskatchewan
(Canadá) e, mais tarde, residência e mestrado em
Medicina Interna pela Universidade de Purdue. Em 1989,
ela ingressou no corpo docente da Faculdade Veterinária
da Universidade de Purdue, onde atualmente exerce as
funções de Professora de Medicina Interna de Pequenos
Animais e Diretora de Programas Internacionais.
Introdução
A doença de Addison, ou hipoadrenocorticismo, trata-se
da deficiência de secreção de corticosteroides pelas
glândulas adrenais. Nos cães, a causa mais comum é a
insuficiência adrenal primária, que costuma provocar
uma deficiência tanto de glicocorticoides (principalmente
cortisol) como de mineralocorticoides (sobretudo
aldosterona).
Uma
causa
mais
rara
de
hipoadrenocorticismo é a disfunção da hipófise, que
resulta em secreção de ACTH diminuída ou inexistente e
insuficiência adrenal secundária.
PONTOS-CHAVE
A doença de Addison pode apresentar sinais clínicos
extremamente vagos e inespecíficos, podendo mimetizar
muitos outros distúrbios.
O diagnóstico e o tratamento rápidos dos cães afetados
são fundamentais.
O teste de estimulação com ACTH é o exame de eleição
para o diagnóstico da doença de Addison.
Com diagnóstico e tratamento adequados, os animais
afetados podem ter boa qualidade de vida e expectativa
de vida normal.
O que é necessário saber sobre a
fisiologia adrenal?
Para diagnosticar e tratar adequadamente os pacientes
com doença de Addison, é importante compreender a
fisiologia da adrenal. (Figura 1). O eixo hipotálamohipófise-adrenal regula a síntese e secreção de cortisol
pelas glândulas adrenais. A síntese e secreção de
aldosterona são reguladas pelo eixo renina-angiotensina,
pela concentração plasmática de potássio e, em menor
escala, pela concentração plasmática de sódio e de ACTH.
Os corticosteroides possuem diversos efeitos, o que os
tornam essenciais para a sobrevivência. Os
glicocorticoides estimulam os processos de
gliconeogênese e glicogênese hepáticas, potencializam o
catabolismo de proteínas e gorduras, desempenham
papel importante na manutenção da pressão arterial e
ajudam a combater os efeitos do estresse. Os
mineralocorticoides aumentam a absorção de sódio e a
secreção de potássio em diversos locais (como rins,
glândulas sudoríferas, glândulas salivares, células
epiteliais intestinais), sendo fundamentais para a
manutenção do sódio.
Quais são as causas mais comuns
da doença de Addison?
Acredita-se que a maioria dos casos de doença de Addison
na espécie canina seja atribuída à destruição
imunomediada. Este é um dado importante, pois significa
que, com diagnóstico e tratamento adequados, os cães
afetados por essa doença podem ter boa qualidade de vida
e expectativa de vida normal. Outras causas mais
incomuns de destruição das glândulas adrenais incluem
infecção fúngica, infarto hemorrágico, amiloidose,
necrose e neoplasia. A suspensão (retirada) rápida da
administração de glicocorticoides exógenos constitui a
causa mais comum de hipoadrenocorticismo secundário.
O hipoadrenocorticismo secundário espontâneo é raro,
sendo provocado por deficiência idiopática de ACTH ou
por lesões destrutivas no hipotálamo ou na hipófise.
Quais as raças caninas mais
acometidas?
A doença de Addison é transmitida por traço autossômico
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 19
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 20
COMO ABORDAR...
HIPOTÁLAMO
CRH
Feedback
negativo
HIPÓFISE
ANTERIOR
ACTH
ARTERÍOLA
Cortisol
Vasoconstrição
Córtex
adrenal
Aldosterona
Angiotensina II
Hipercalemia
Enzima
conversora de
angiotensina
Angiotensina I
Renina
Angiotensinogênio
FÍGADO
RIM
Figura 1.
Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.
Tabela 1.
Indicadores da doença de Addison canina.
Historial
Anorexia
Exame físico
Má condição corporal
Vômito/diarreia
Letargia, debilidade
Letargia/debilidade
Desidratação
Tremores/calafrios
Dor abdominal
Poliúria/polidipsia
Bradicardia
Dor abdominal
Pulso débil (fraco)
Convulsões (hipoglicêmicas) Hipotermia
Hemorragia gastrointestinal Tempo de preenchimento
capilar diminuído
Choque hipovolêmico
Choque hipovolêmico
Câimbras musculares
episódicas
Melena ou hematoquézia
recessivo nas raças Poodle standard (padrão), Cão d’Água
Português e Nova Scotia Duck Tolling Retriever, além de
ser uma doença hereditária no Collie Barbudo (1-4),
embora outras raças também possam ser predispostas (5).
Na população canina em geral, cerca de 70% dos animais
afetados são fêmeas; no entanto, nas raças Cão d’Água
20 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
Português, Poodle standard (padrão) e Collie Barbudo, a
doença atinge machos e fêmeas em proporção igual. A
doença de Addison é mais comumente diagnosticada em
cães jovens ou de meia-idade (idade média: 4 anos), mas
pode ser detectada em animais muito jovens com apenas
4 meses e naqueles bastante idosos com, por exemplo, 14
anos (6).
Quais são os sinais clínicos mais
comuns?
É importante admitir que os sinais clínicos em cães com
doença de Addison são extremamente vagos e
inespecíficos (6-8). O Médico Veterinário deve ter alto
índice de suspeita em qualquer cão que apresente sinais
vagos dessa doença. Os sinais clínicos podem ser agudos
ou gradativos em termos de aparecimento, aumentar ou
diminuir de gravidade e, às vezes, deflagrados por algum
evento estressante. Normalmente, os proprietários não
conseguem identificar há quanto tempo o animal se
encontra doente até o tratamento induzir à melhora
significativa dos níveis de atividade. A presença de
histórico de doença episódica ou desarranjo
gastrintestinal que melhora com tratamento de suporte
deve alertar o clínico para a possibilidade de doença de
Addison. A Tabela 1 exibe a ampla variedade de sinais
clínicos que podem ser observados. É importante lembrar
que a maioria dos sinais clínicos pode ser causada apenas
pela deficiência de glicocorticoides, embora normalmente
se observem choque hipovolêmico e colapso em cães com
deficiência glicocorticoide e mineralocorticoide.
Que alterações no perfil
hematológico básico constituem um
sinal de alerta?
A Tabela 2 ilustra as alterações comumente observadas
no hemograma completo, no perfil bioquímico e na
urinálise de cães com hipoadrenocorticismo. É
importante reconhecer que a ampla variedade de
alterações observadas pode mimetizar outras doenças,
tais como: insuficiência hepática, insuficiência renal,
insulinoma ou enteropatia com perda de proteínas (9,
10).
Hematologia: a alteração hematológica mais frequente
no cão é a ausência de leucograma de estresse (aumento
dos neutrófilos sem desvio à esquerda, diminuição dos
linfócitos e eosinófilos como resultado de estresse
sistêmico), um achado anormal na presença de doença
sistêmica.
Anomalias eletrolíticas séricas:
os achados mais
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 21
A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO
Em cães com hipoadrenocorticismo, a relação de
sódio/potássio é normalmente baixa (< 24), o que pode
aumentar o índice de suspeita de doença de Addison,
enquanto se aguardam os resultados definitivos dos testes
(13). Entretanto, o estabelecimento do diagnóstico de
hipoadrenocorticismo unicamente com base na
mensuração do nível de eletrólitos pode não ser uma
medida confiável, em virtude da existência de muitas
outras causas de hipercalemia e hiponatremia. Assim, o
diagnóstico sempre deverá ser confirmado por teste de
estimulação com ACTH. Em contrapartida, é importante
lembrar que as concentrações eletrolíticas (e,
consequentemente, a relação de Na:K) podem
permanecer perfeitamente normais em cães com doença
de Addison (3, 11, 12). A falha na consideração do
hipoadrenocorticismo como diagnóstico diferencial em
pacientes com sinais vagos de doença sistêmica resultará
na negligência do diagnóstico ou no estabelecimento de
diagnóstico errado, levando à frustração do proprietário
ou, até mesmo, à morte do animal.
Os resultados da imagiologia em cães com doença de
Addison revelam microcardia (Figura 2), diminuição da
artéria pulmonar lobar cranial e da veia cava posterior,
assim como micro-hepatia (14). Também já foi observado
megaesôfago reversível. A ultrassonografia pode revelar
glândulas adrenais pequenas ou indetectáveis (15), mas a
detecção de glândulas de dimensões normais não exclui a
doença de Addison em virtude da sobreposição com o
tamanho das glândulas adrenais normais. Do mesmo
modo, a presença de glândulas adrenais pequenas na
ultrassonografia, embora sustente o diagnóstico de
hipoadrenocorticismo, não é suficiente para confirmar a
doença.
Tabela 2.
Alterações clinicopatológicas observadas em cães
com doença de Addison.
Hemograma
% animais afetados
Anemia não regenerativa
27
Eosinofilia
20
Neutrofilia
32
Linfocitose
10
Ausência de leucograma de estresse
92
Painel bioquímico
Hipercalemia
95
Hiponatremia
81
Hipocloremia
42
Hipercalcemia
31
Azotemia
88
Hiperfosfatemia
68
Hipoglicemia
17
Aumento das enzimas hepáticas
Acidose metabólica
30-50
40
Hipoalbuminemia
6-39
Hipocolesterolemia
7
Urina
Densidade específica < 1,030
60
©J. Catharine R SCott Moncrieff.
comuns em um perfil bioquímico sérico são a
hipercalemia e a hiponatremia. No entanto, o equivalente
a 30% dos cães com doença de Addison não manifesta
essas anormalidades eletrolíticas clássicas (3, 11, 12). Essa
apresentação recebe o nome de doença de Addison
“atípica” ou “deficiente em glicocorticoide” e pode ser
atribuída a hipoadrenocorticismo secundário (deficiência
de ACTH), a doenças concomitantes, como
hipotiroidismo ou doença gastrintestinal, e à destruição
seletiva das zonas secretoras de cortisol (zona fasciculada
e reticular) do córtex adrenal. Alguns casos que, em
princípio, demonstram apenas deficiência glicocorticoide,
perdem a capacidade de secretar mineralocorticoides
alguns meses mais tarde. No entanto, nem todos os casos
de Addison com deficiência glicocorticoide evoluem para
uma insuficiência adrenocortical total.
Figura 2.
Radiografia torácica (projeção ventrodorsal) que revela microcardia
em Dogue Alemão (também conhecido como Dinamarquês) de 5
anos, com hipoadrenocorticismo.
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 21
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 22
©J. Catharine R Scott Moncrieff.
COMO ABORDAR...
Figura 3.
Eletrocardiografia exibindo as alterações esperadas antes e depois do tratamento da hipercalemia.
Electrocardiografia: em cães com doença de Addison e
hipercalemia, pode haver alterações eletrocardio-gráficas.
Na hipercalemia leve (> 5,5 mmol/L), observa-se pico da
onda T; com aumentos adicionais (> 6,5 mmol/L), ocorre
alargamento do complexo QRS, diminuição da amplitude
do complexo QRS, aumento de duração da onda P e
prolongamento do intervalo P-R. Se o nível de potássio
estiver acima dos 8,5 mmol/L, podem ocorrer perda total
da onda P e fibrilação ventricular ou assistolia (Figura 3).
Que teste endocrinológico deverá
ser realizado para confirmar o
diagnóstico?
O nível normal de cortisol basal é útil para excluir o
diagnóstico de hipoadrenocorticismo. Contudo, um nível
baixo não é suficiente para confirmar o diagnóstico, uma
vez que alguns cães normais apresentam níveis reduzidos
de cortisol basal apesar de uma resposta normal à
administração de ACTH (16).
O teste de estimulação com ACTH (Figura 4) sempre
deve ser realizado em pacientes com suspeita de doença
de Addison antes de iniciar o tratamento a longo prazo.
Uma vez iniciado, é impossível confirmar o diagnóstico
sem suspender a terapia durante várias semanas. O
agente de eleição para esse teste é o ACTH sintético,
administrado na dose de 5 µg/kg (dose máxima: 250
µg/cão) IV ou IM (17). As amostras sanguíneas para
mensuração do cortisol sérico devem ser coletadas
imediatamente antes e 1 hora depois da administração do
ACTH. Caso seja clinicamente necessária a administração
de corticosteroides antes de efetuar o teste de estimulação
com ACTH, a dexametasona deverá ser utilizada. Uma
única dose desse medicamento provocará certa
diminuição na intensidade da resposta ao ACTH, mas não
eliminará essa resposta. Em cães com doença de Addison
22 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
espontânea, ambas as concentrações de cortisol pré e pósACTH devem ser inferiores à faixa de referência para o
cortisol basal (28-56 nmol/L).
De fato, a maioria dos cães apresenta uma concentração
pré e pós-cortisol < 28 nmol/L. Outras causas de resposta
inadequada ou diminuída à estimulação com ACTH
incluem administração prévia de glicocorticoides,
tratamento com medicamentos (p. ex., mitotano,
trilostano ou cetoconazol), perda de potência do ACTH e
erros na sua administração.
A concentração de ACTH endógena é útil em cães com
doença de Addison e deficiência de glicocorticoide
confirmada. A mensuração de uma concentração de
ACTH acima da faixa de referência confirma o diagnóstico
de hipoadrenocorticismo primário, enquanto a detecção
de um nível dentro ou abaixo da faixa de referência é
compatível com hipoadrenocorticismo secundário. Os
cães com doença de Addison atípica primária podem
evoluir para insuficiência adrenal total, geralmente
dentro dos 12 meses de diagnóstico; por esse motivo, é
recomendável a monitorização a longo prazo das
concentrações de eletrólitos.
Mensuração da relação de cortisol: ACTH (RCA) foi
proposta como um teste diagnóstico alternativo para o
hipoadrenocorticismo primário (18). Nesse caso, a
concentração de ACTH aumenta diante de uma
concentração de cortisol inadequadamente reduzida, o
que resulta em uma relação de cortisol:ACTH muito
baixa. Há necessidade de outros estudos para avaliar a
RCA em cães acometidos por outras doenças, que podem
ser submetidos ao teste para pesquisa de
hipoadrenocorticismo.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 23
A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO
Como tratar um cão com suspeita
de doença de Addison e como
confirmar o diagnóstico?
O estudo de caso nº 1 apresenta um exemplo de
tratamento agudo de cão com suspeita de doença de
Addison. O objetivo deve ser tratar as manifestações da
doença (p. ex., choque hipovolêmico, hipoglicemia e
azotemia) e, simultaneamente, confirmar o diagnóstico. É
recomendável evitar a fluidoterapia com soluções
hipertônicas em pacientes com hiponatremia grave, já que
os aumentos rápidos do sódio sérico podem resultar em
mielinose cerebral. Se for necessária a suplementação
imediata de glicocorticoides antes do término do teste de
estimulação com ACTH, o medicamento de eleição é a
dexametasona (0,25-2,0 mg/kg). Caso o tratamento com
glicocorticoides possa ser iniciado após a conclusão do
teste de estimulação com ACTH, existem outras opções
terapêuticas: hemisuccinato de hidrocortisona, fosfato de
hidrocortisona (2-4 mg/kg IV) ou succinato sódico de
metilprednisolona (1-2 mg/kg IV). Em caso de alta
suspeita clínica de hipoadrenocorticismo, deverá ser
considerada a administração de 1 dose de algum
mineralocorticoide injetável, dependendo da resposta
inicial do paciente à fluidoterapia e do tempo previsto
para os resultados do teste de cortisol estarem disponíveis.
Talvez seja necessária uma terapia de emergência para
hipercalemia grave (se o nível de potássio estiver acima de
6,5 mmol/L). Outros tratamentos adjuvantes incluem
glicose IV para hipoglicemia, transfusão de sangue no caso
de anemia hemorrágica, suporte coloidal e correção da
acidose metabólica grave (caso o bicarbonato sérico esteja
abaixo de 12mmol/L).
Em cães com sinais menos graves da doença que não
Cortisol (nmol/l)
É fundamental proceder rapidamente ao tratamento de
cães com suspeita de doença de Addison, sobretudo se
existirem anormalidades eletrolíticas profundas. A
hipercalemia, em particular, pode ser potencialmente letal
se não for tratada de imediato. Também é muito
importante confirmar o diagnóstico da doença de
Addison e, ao mesmo tempo, iniciar o tratamento, porque
uma vez iniciada a terapia de reposição com
glicocorticoides, será muito difícil confirmar o
diagnóstico. Embora o tratamento a longo prazo do
hipoadrenocorticismo exija a administração de
glicocorticoides exógenos e, em geral, de
mineralocorticoides, a fluidoterapia rigorosa a curto
prazo constitui a base do tratamento e corrige
temporariamente a maioria das alterações eletrolíticas
letais
Teste de estimulação com ACTH
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
Cortisol pré-ACTH Cortisol pós-ACTH
Normal
Iatrogênica
Addison
Figura 4.
Teste de estimulação com ACTH. As linhas retratam uma (a)
resposta normal, (b) outra compatível com doença de Addison e
(c) outra mais consistente com exposição a corticosteroides
exógenos.
necessitem de fluidoterapia imediata, a mensuração do
cortisol basal pode constituir o teste diagnóstico inicial. Se
a concentração de cortisol for superior a 56 nmol/L, o
diagnóstico de hipoadrenocorticismo poderá ser
descartado. Assim, o teste de estimulação com ACTH
pode ser realizado em pacientes com baixas
concentrações de cortisol basal.
Qual é a melhor abordagem para
o tratamento a longo prazo da
doença?
Os cães com doença de Addison clássica necessitam de
tratamento com glicocorticoides (p. ex., prednisona) e
mineralocorticoides (p. ex., fludrocortisona ou pivalato
de desoxicorticosterona [DOCP]) durante toda a vida.
Glicocorticóides: o tratamento de manutenção com
glicocorticoides orais deve ser iniciado assim que os sinais
sistêmicos da doença responderem ao tratamento
parenteral. A prednisona é o medicamento de escolha no
cão: começando com 0,1 a 0,22 mg/kg, a dose é
gradativamente reduzida até o nível mais baixo que
controle os sinais clínicos. Uma dose excessiva pode
causar sinais clínicos de hipercortisolismo. A dose de
prednisona necessária para o tratamento de manutenção
é menor que 0,05-0,4 mg/kg (19, 20). A terapia com
prednisona pode ser totalmente interrompida em cerca de
50% dos cães submetidos a tratamento com
fludrocortisona, por causa da atividade glicocorticoide
intrínseca desse agente. Todavia, a maioria dos cães
tratados com DOCP requer a administração de, no
mínimo, uma dose reduzida de prednisona em dias
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 23
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 24
COMO ABORDAR...
alternados, uma vez que o DOCP não possui atividade
glicocorticoide.
Mineralocorticóides: os cães com hipercalemia e/ou
hiponatremia também devem ser tratados com algum
mineralocorticoide. O pivalato de desoxicorticosterona
(DOCP) é um composto de ação prolongada,
administrado inicialmente em doses de 2,2 mg/kg IM ou
SC em intervalos de 25 dias (19, 20). A dose de
manutenção final necessária para o controle clínico
satisfatório fica entre 0,8-3,4 mg/kg/dose em intervalos
de 14 a 35 dias. A maioria dos cães pode ser tratada com
injeções mensais, mas poucos pacientes necessitam de
dose superior a 2,2 mg/kg. Para contenção dos custos, a
dose de DOCP pode ser reduzida em 10% ao mês, ao
mesmo tempo em que se procede à monitorização das
concentrações de sódio e potássio até se identificar a dose
mínima de manutenção de concentrações eletrolíticas
normais. O acetato de fludrocortisona é uma opção
alternativa para a suplementação mineralocorticoide caso
se opte pela terapia oral diária. A dose inicial é de 0,02
mg/kg VO, SID ou BID. A dose de fludrocortisona
necessária para controlar os sinais clínicos fica entre 0,010,08 mg/kg/dia, mas a dose requerida costuma ser
aumentada com o tempo (19). Alguns cães tratados com
fludrocortisona desenvolvem sinais clínicos de
hipercortisolismo, tais como poliúria/polidipsia (PU/PD),
mesmo quando a suplementação adicional de
glicorticoide é interrompida. Esse fato presumivelmente
se deve à atividade glicocorticoide intrínseca das
fludrocortisonas (20). Nesses pacientes, deverá ser
considerada a mudança para o DOCP.
Notar que a hidrocortisona é uma má-escolha para o
tratamento de hipoadrenocorticismo a longo prazo, pois a
relação de atividade glicocorticoide:mineralocorticoide é
de 1:1 e implica a administração de dose excessiva de
glicocorticoide
Doença de Addison com deficiência glicocorticóide: Os
cães sem anormalidades eletrolíticas (hipoadrenocorticismo secundário ou hipoadrenocorticismo primário
atípico) não necessitam de suplementação
mineralocorticoide inicial. No entanto, os pacientes com
hipoadrenocorticismo primário atípico (ver estudo de
caso nº 2) devem ser cuidadosamente monitorizados em
virtude do risco de evolução para insuficiência adrenal
total. As concentrações eletrolíticas devem ser
monitorizadas a cada 1 a 3 meses durante, no mínimo, o
primeiro ano após o diagnóstico. Os proprietários devem
ser orientados a monitorizar os sinais clínicos de
24 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
deficiência mineralocorticoide.
Qual é o prognóstico da doença
de Addison?
Em geral, o prognóstico dos cães com doença de Addison
é excelente, embora o custo da suplementação
mineralocorticoide (especialmente em cães de grande
porte) possa levar alguns donos a optar pela eutanásia.
Em um estudo com 205 cães tratados para
hipoadrenocorticismo, o tempo médio de sobrevida foi de
4,7 anos (faixa de 7 dias - 11,8 anos) (19).
O que se deve fazer se o paciente
não responder bem ao tratamento?
Ocasionalmente, os cães com a doença de Addison não
respondem bem ao tratamento ou apresentam efeitos
adversos associados à terapia. A causa mais relevante de
resposta insatisfatória ao tratamento é a administração
de dose inadequada de mineralocorticoides. Outras
causas incluem a existência de doença concomitante não
diagnosticada, como o hipotiroidismo. A presença de
megaesôfago ou hemorragia gastrintestinal grave
também pode complicar a resposta ao tratamento. O
efeito adverso mais comum da terapia é a
poliúria/polidipsia (PU/PD), o que costuma ser atribuído
à suplementação excessiva de glicocorticoides ou à
atividade glicocorticoide intrínseca da fludrocortisona.
Em pacientes com PU/PD, é necessário, em primeiro
lugar, reduzir ou interromper a dose de glicocorticoide.
Se os problemas persistirem, deverá ser considerada a
troca para algum tratamento mineralocorticoide
alternativo (20).
Conclusão
O hipoadrenocorticismo é uma doença complexa,
corretamente rotulada como “a Grande Fingidora”. A
disfunção da glândula adrenal deve ser encarada como
um possível diagnóstico diferencial em qualquer cão com
doença sistêmica aguda ou crônica. Jamais se deve
excluir o diagnóstico de doença de Addison com base em
concentrações eletrolíticas normais. A apreciação da
miríade de formas apresentadas pelos pacientes com
hipoadrenocorticismo deve aumentar o índice de
suspeita dessa doença e diminuir a probabilidade de falha
no diagnóstico.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 25
A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO
Shelby
©J. Catharine R Scott Moncrieff.
©J. Catharine R Scott Moncrieff.
Parâmetros laboratoriais selecionados (Shelby)
Valor
Parâmetro
Charlie
Estudo de caso n.º1:
Tratamento de emergência do
hipoadrenocorticismo
(células/µL) 9.470
6.000-17.000
Neutrófilos
segmentados
(células/µL) 6.820
3.000-12.000
Linfócitos
(células/µL) 1.610
1.000-5.000
Glicose
sanguínea
(mmol/L)
5,3
3,8-7,4
(mg/dL)
94
67-132
Sódio
(mmol/L)
128
138-148
Potássio
(mmol/L)
10,5
3,5-5,0
Cloro
(mmol/L)
95
105-117
(mmol/L)
7,6
0,7-2,5
(mg/dL)
23,6
2,2-7,9
41
23-39
Fósforo
Shelby, 18 meses, Terrier Irlandês, fêmea castrada
Albumina
Histórico: 2 dias de depressão e anorexia; episódio
semelhante há 2 meses, que desapareceu com tratamento
de suporte.
Exame físico: Peso: 16 kg; Temperatura retal: 35,1ºC;
Escore de Condição Corporal: 3/5; Pulsação: 48
batimentos/minuto; Frequência respiratória: 16
ciclos/minuto; Tempo de Preenchimento Capilar > 3
segundos; Animal em decúbito lateral e irresponsivo;
Desidratação estimada em 7%; Pressão arterial muito baixa
para permitir sua mensuração.
Tratamento:
• Inserir cateter IV na veia cefálica (ou jugular)
• Iniciar fluidoterapia com soro fisiológico a 0,9% IV, 1 litro
em bólus, depois 100 mL/h durante as 2h seguintes (dose
de choque 30-80 mL/kg)
• Administrar dexametasona a 4 mg IV (dose de
glicocorticoide 0,25-2,0 mg/kg)
• Coletar amostras de sangue e urina para obtenção de
hemograma completo, perfil bioquímico (com eletrólitos),
urinálise e cortisol basal (ver resumo dos dados
laboratoriais)
• Administrar 250 μg de ACTH sintético IV (5 μg/kg até, no
máximo, 250 μg)
• Coletar segunda amostra de sangue para mensuração do
cortisol pós-ACTH, 1h mais tarde;
• Adicionar dexametasona a 0,05-0,1 mg/kg BID nos fluidos
• Administrar 64 mL de glicose lentamente por via IV (2 g
glicose/unidade de insulina com glicose a 25%)
• Aplicar 8 unidades de insulina IV (0,5 U/kg)
• Fornecer 5 mL de gliconato de cálcio (a 10%) lentamente
Intervalo de referência
Leucócitos
Colesterol
Ureia e
nitrogênio
sanguíneos
Creatinina
Cálcio
(g/L)
(mmol/L)
3,9
3,2-7,8
(mg/dL)
153
125-301
(mmol/L)
72
2,5-11,4
(mg/dL)
201
7-32
(µmol/L)
610
44-133
(mg/dL)
6,9
0,5-1,5
(mmol/L)
3,5
2,4-3,1
(mg/dL)
14,1
9,7-12,4
13-24
Dióxido de carbono
(mmol/L)
9
Diferencial aniônico
(mmol/L)
34,9
Análise de urina
9-18
Não obtida
Teste de estimulação com ACTH
Cortisol basal
(nmol/L)
<27
27-162
Cortisol pós-ACTH
(nmol/L)
<27
189-459
por via IV, durante 10 minutos (2-10 mL/cão) • Administrar
13 mEq de bicarbonato de sódio por 4h [Dose (mEq) =
peso (16 kg) x 0,4 x (bicarbonato para 12 pacientes)]
• Aplicar pivalato de desoxicorticosterona na concentração
de 32 mg por via IM (2 mg/kg)
Resultado: A cadela Shelby respondeu rapidamente à
terapia de emergência, mostrando-se responsiva e alerta no
espaço de 30 minutos após o início do tratamento. Em
virtude de hemorragia grave no trato respiratório e
gastrintestinal durante as 2h seguintes, foi necessário o
fornecimento de transfusão de 1 unidade de sangue total.
Nesse caso, havia suspeitas de que a hemorragia era
decorrente de coagulação intravascular disseminada. A
transição para os glicocorticoides orais 48h depois da
apresentação inicial foi bem-sucedida.
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 25
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 26
A DOENÇA DE ADDISON NO CÃO
Parâmetros laboratoriais selecionados (Charlie)
Estudo de caso n.º 2:
Apresentação atípica da doença de
Addison
Parâmetro
Charlie, 5 anos, Poodle, macho castrado
Histórico: : 2 dias de letargia e anorexia, que evoluíram para
decúbito. Hipoglicemia detectada pelo Médico Veterinário e
encaminhada para avaliação.
Valor
Intervalo de referência
Leucócitos
(células/µL) 19.200
6.000-17.000
Neutrófilos
segmentados
(células/µL) 14.780
3.000-12.000
Linfócitos
(células/µL) 3.460
1.000-5.000
Glicose
sanguínea
(mmol/L)
(mg/dL)
31
67-132
Sódio
(mmol/L)
140
138-148
3,6
3,5-5,0
21
23-39
1,7
3,8-7,4
Potássio
(mmol/L)
Exame físico: Peso: 4,5 kg; Temperatura/Pulso/Respiração:
normais; Escore de Condição Corporal: 3/5; Pressão arterial:
115 mmHg. O paciente encontrava-se fraco e prostrado. Foi
observado tremor muscular generalizado. A fraqueza e o
tremor muscular desapareceram com a administração de
glicose em bólus.
Albumina
(g/L)
Colesterol
(mmol/L)
3,9
3,2-7,8
Amônia
(µmol/L)
24,9
(pmol/L)
13
1-46
<36 (quando glucose
(µlU/mL)
1,8
<5
Diagnóstico diferencial para a hipoglicemia: Insulinoma,
sepse, insuficiência hepática, ingestão de toxinas, doença de
Addison.
Cortisol basal
(nmol/L)
<27
27-162
Cortisol pós-ACTH
(nmol/L)
<27
189-459
ACTH plasmática
endógena
(pmol/L)
156
4,4-11
Insulina
sérica <3,4mmol/L)
Teste de estimulação com ACTH
Diagnóstico: Hipoadrenocorticismo
deficiência glicocorticoide (atípico).
primário
com
Tratamento: Prednisona a 0,2 mg/kg, em princípio; depois
reduzir gradativamente para 0,1 mg/kg/dia.
REFERÊNCIAS
Resultado: Excelente resposta à terapia. Os eletrólitos foram
monitorizados a cada 3 meses durante os 12 meses seguintes. Charlie
desenvolveu deficiência mineralocorticoide 6 meses mais tarde e foi
tratado com êxito utilizando DOCP.
BIBLIOGRÁFICAS
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MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 27
Hipercalcemia: diagnóstico
e opções terapêuticas
no cão e no gato
Joao Felipe de Brito
Galvao, MV
Dennis Chew,
Universidade do Estado de Ohio,
Columbus, OH, EUA
Universidade do Estado de Ohio,
Columbus, OH, EUA
O Dr. Galvão graduou-se na
Universidade Federal de Minas
Gerais, no Brasil, em 2004. Após 1
ano de residência em Medicina de Pequenos Animais na
UNESP em Botucatu, concluiu o primeiro ano de prática
clínica na Universidade de Wisconsin e obteve sua licença
veterinária americana. Posteriormente, concluiu estágio em
Pequenos Animais na Universidade de Purdue e, atualmente,
busca fazer residência em Medicina Interna na Universidade
do Estado de Ohio. Tem particular interesse pelo tratamento
de distúrbios relacionados com o cálcio, como hipercalcemia
idiopática e hiperparatiroidismo primário.
O Prof. Dennis Chew graduou-se na
Universidade do Estado do Michigan,
em 1972. Realizou estágio na
South Weymouth Veterinary Associates em Massachusetts e
residência em Medicina Interna e Nefrologia no Animal
Medical Center, em Nova Iorque. Como Médico Veterinário
Assistente na Universidade do Estado de Ohio desde 1975,
ele tem particular interesse por distúrbios no metabolismo
do cálcio (hipercalcemia idiopática nos gatos), tratamento
do hiperparatiroidismo secundário renal, insuficiência renal
aguda e doenças do trato urinário inferior felino.
DVM, Dipl. ACVIM
Patricia Schenck,
DVM, PhD
Universidade do Estado de
Michigan, Lansing, MI, EUA
A Dr.ª Schenck concluiu o Mestrado
em Ciência Animal e a Graduação
em Medicina Veterinária pela
Universidade de Illinois. Concluiu o Doutorado em
Bioquímica Lipídica na Universidade da Flórida. Depois de
concluir o pós-doutorado na USDA, ela se mudou para a
Universidade do Estado de Ohio, onde começou a se
interessar por pesquisas sobre o metabolismo do cálcio. Em
2001, Patricia se associou à Seção de Diagnóstico Endócrino
no Centro de Diagnóstico para a População e Saúde Animal
na Universidade do Estado do Michigan. Seus interesses de
pesquisa incluem a utilidade crescente do diagnóstico nos
distúrbios de cálcio e lipídios, hipercalcemia idiopática no
gato e hiperlipidemias caninas.
Introdução
O cálcio é necessário para uma série de funções intra e
extracelulares, bem como para a sustentação do
esqueleto. O cálcio total (tCa) é a forma de cálcio mais
frequentemente analisada. O cálcio circulante existe em
três frações: ionizado, complexado (ligado a fosfato,
bicarbonato, etc.) e ligado a proteínas (1). Nos cães
normais, o cálcio ionizado, complexado e ligado a
proteínas responde por 55%, 10% e 35% do cálcio sérico
total, respectivamente (2). Nos gatos, os valores são
semelhantes (3). O cálcio ionizado (iCa) é a fração
biologicamente ativa sob regulação e, por isso, é essencial
para a avaliação do cálcio.
PONTOS-CHAVE
Para uma detecção precisa de hipercalcemia, é imprescindível avaliar o cálcio ionizado.
A neoplasia é a causa mais comum de hipercalcemia no cão.
É provável que um cão aparentemente saudável com hipercalcemia crônica e hipofosfatemia sofra de
hiperparatiroidismo primário.
Um gato aparentemente saudável com hipercalcemia crônica provavelmente tem hipercalcemia idiopática.
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 27
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 28
A regulação do cálcio sérico é complexa e envolve as
ações integradas do paratormônio (PTH), dos
metabólitos da vitamina D e da calcitonina (4). O PTH
está envolvido na regulação delicada da concentração
sanguínea de cálcio. Quando a concentração de cálcio
ionizado diminui, ocorre uma estimulação das células
principais da paratiroide, estimulando a produção de
PTH. O paratormônio aumenta a concentração
sanguínea de cálcio por meio de diversos mecanismos;
também provoca fosfatúria, o que diminui o fósforo
sérico. A calcitonina desempenha um papel menor
(secundário) no metabolismo do cálcio, servindo
principalmente para limitar o grau de hipercalcemia após
refeição rica nesse mineral. Na hipercalcemia, a interação
do cálcio e do fósforo é importante. Sempre que o produto
da multiplicação do tCa (mg/dL) pela concentração de
fósforo (mg/dL) excede o valor em torno de 70, é
provável a mineralização dos tecidos. Esse fato é crítico,
pois os tecidos moles que mineralizam com maior
frequência estão localizados nos rins, no estômago e no
sistema vascular.
Testes de diagnóstico para o
metabolismo do cálcio
Cálcio sérico total
O tCa faz parte das avaliações de rotina do perfil sérico. É
normalmente mensurado através do método
colorimétrico, mas pode se apresentar falsamente
aumentado na presença de hiperlipidemia ou hemólise.
Embora o cálcio ionizado seja a fração biologicamente
ativa, muitos Médicos Veterinários baseiam-se nas
concentrações séricas de tCa para predizer o valor do iCa.
Nos cães e nos gatos, não se recomendam fórmulas de
ajuste para corrigir o tCa em relação à concentração de
albumina ou proteína total. Vários estudos demonstram
que esses índices podem estar pouco correlacionados e,
até mesmo, induzir ao erro no diagnóstico (5, 6).
Cálcio sérico ionizado
O iCa é o melhor indicador de estado patológico e pode
ser mensurado no soro ou plasma heparinizado. Não se
deve utilizar plasma com EDTA, pois pode gerar
resultados falsamente reduzidos. Para a mensuração
mais exata, as amostras devem ser coletadas e
manipuladas em ambiente anaeróbico, uma vez que a
mistura de soro e ar pode diminuir o nível de iCa (7).
Alguns laboratórios desenvolveram fórmulas de ajuste do
pH específicas à espécie, permitindo a mensuração de
amostras tratadas aerobicamente.
28 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
Paratormônio
A análise do PTH total fornece a determinação precisa da
concentração desse hormônio. A análise pode ser feita em
amostras de soro ou plasma, que devem ser mantidas sob
refrigeração ou congeladas antes da realização dessa
análise. O PTH deve ser avaliado ao mesmo tempo do iCa.
Proteína relacionada ao paratormônio
A PTHrP é um hormônio secretado por algumas
neoplasias malignas. Essa proteína pode se ligar aos
receptores do PTH existentes nos rins e nos ossos,
resultando em hipercalcemia humoral da malignidade. A
PTHrP é sensível à degradação, mas parece ser mais
estável em plasma com EDTA (observação não
publicada) quando comparado com o soro. O plasma
deve ser mantido congelado antes da mensuração da
PTHrP.
Metabolitos da vitamina D
Os metabólitos da vitamina D são quimicamente
idênticos em todas as espécies. A concentração de 25hidroxivitamina D sérica é um bom indicador da ingestão
de vitamina D. A análise pode ser realizada tanto no soro
como no plasma, mas as amostras devem ser protegidas
da luz para evitar a degradação. O calcitriol (1,25-dihidroxivitamina D) é o metabolito ativo da vitamina D,
mas, infelizmente, sua análise laboratorial não está
amplamente disponível.
Sinais clínicos
Anorexia, poliúria/polidipsia (PU/PD), letargia e
fraqueza são os sinais clínicos mais comuns nos cães com
hipercalcemia. No entanto, cada animal frequentemente
exibe diferenças notáveis nos sinais clínicos apesar de
valores semelhantes de hipercalcemia. Embora os
sintomas de PU/PD sejam frequentemente descritos
como achados iniciais, isso é bem menos comum nos
gatos, pois eles parecem manter uma boa capacidade de
concentração da urina. Os distúrbios simultâneos em
outras concentrações de eletrólitos, bem como a
disfunção orgânica secundária à hipercalcemia,
contribuem para os sinais clínicos, as alterações
laboratoriais e as lesões. A gravidade dos sinais clínicos e
o desenvolvimento de lesões de hipercalcemia dependem
não só da magnitude da hipercalcemia, mas também da
sua velocidade de desenvolvimento e duração. Por
exemplo, cães com o mesmo nível de hipercalcemia
podem apresentar sinais clínicos muito diferentes. Um
cão com hiperparatiroidismo primário pode exibir apenas
PU/PD, enquanto outro com linfoma ou adenocarcinoma
da glândula anal pode apresentar vômito, anorexia e
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 29
HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO
Aumento do cálcio sérico total
Passível de repetição – obter banco de dados mínimo,
hemograma completo, bioquímica sérica, urinálise,+/- técnicas de diagnóstico por imagem
iCa normal ou baixo
• Lipemia
• Aumento da ligação a proteínas
• Aumento da ligação a complexos (insuficiência renal)
• Desidratação (subaguda /
crônica)
• Alcalose (metabólica e respiratória)
Não exclui neoplasia
iCa aumentado
Ausência de diagnóstico óbvio
após histórico (medicamentos,
dieta, ambiente, exame físico e
banco de dados mínimo)
Mensurar o cálcio ionizado (iCa)
PTH abaixo do normal ou
no terço inferior do
intervalo de referência
Efetuar
teste
à PTH
Mensurar 25 (OH)
vitamina D
Mensurar
PTH-rP
PTH aumentada ou nos 2/3
superiores
Intervalo de referência
(dependente da paratiróide)
Hiperparatiroidismo primário
ou doença renal
Normal
Elevado
Aumentado
Normal
• Toxicidade por ergo ou colecalciferol (o calcitriol pode estar
diminuído, normal ou aumentado)
Probabilidade
de neoplasia
Não exclui
Aumentado
•Idiopático (hipercalcemia idiopá-
• Sobredosagem de calcitriol
tica nos gatos)
• Associado a malignidade
• Associado a processo maligno
• Doença granulomatosa
Realizar ultrassonografia abdominal,
radiografia torácica, exame retal.
Para verificar a existência de linfoma,
adenocarcinoma do saco anal,
carcinoma, neoplasia da medula óssea.
•Toxicidade por calcipotrieno
• Plantas tóxicas
Figura 1.
© Ohio State University.
Baixo ou Normal
Mensurar calcitriol
Algoritmo para a abordagem clínica dos distúrbios caracterizados inicialmente por tCa sérico elevado.
PU/PD apesar de ter o mesmo nível de hipercalcemia.
Nos gatos, os sinais clínicos de hipercalcemia variam de
ausentes a graves, mas costumam ser insidiosos e, muitas
vezes, passam despercebidos pelos proprietários. Os
sinais clínicos diferem entre os animais e podem ser
atribuídos a um ou mais sistemas corporais. Os sinais
clínicos podem ser inespecíficos (p. ex., letargia,
anorexia) ou estar relacionados ao sistema urinário (p.
ex., PU/PD, desidratação, hematúria/polaciúria/disúria
associadas com urolitíase), trato gastrintestinal (p. ex.,
vômito, constipação), sistema neuromuscular (p. ex.,
crises convulsivas, fraqueza) ou sistema cardiovascular
(arritmias). Os gatos com hiperparatiroidismo primário
podem ter nódulos císticos palpáveis nas paratiroides.
Diagnóstico diferencial,
estudo e tratamento
A Tabela 1 fornece uma lista de causas de hipercalcemia.
A caracterização da hipercalcemia como transitória ou
persistente, patológica ou não patológica, leve ou grave,
progressiva ou estável e aguda ou crônica é útil para
determinar sua causa.A hipercalcemia patológica
persistente ocorre muito frequentemente em associação
com malignidade, sobretudo no cão (> 50% dos casos).
Antigamente, acreditava-se que a doença renal crônica
(DRC) fosse a causa mais comum de hipercalcemia nos
gatos, seguida de malignidade (8). Atualmente, parece
que a causa número 1 de hipercalcemia ionizada é
idiopática, seguida de DRC e, depois, de processos
malignos (9). Outras causas esporádicas de
hipercalcemia
incluem
hipoadrenocorticismo,
hiperparatiroidismo primário, hipervitaminose D e
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 29
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 30
Tabela 1.
Diagnósticos diferenciais de hipercalcemia (20).
Causas não patológicas
• Não está em jejum
(aumento mínimo)
• Crescimento fisiológico
• Erro laboratorial
• Falso
• Hiperlipidemia
Causas transitórias
• Hemoconcentração
• Hiperproteinemia
• Hipotermia ambiental
grave (rara)
Causas patológicas ou consequentes (persistentes)
Dependentes da paratiróide
• Hiperparatiroidismo primário
Independentes da paratiróide
• Associado a malignidade
- Linfoma (comum)
- Adenocarcinoma da glândula apócrina do saco anal
(comum)
- Mieloma múltiplo
- Tumores ósseos metastisados (raro)
- Tumores diversos
• Hipercalcemia idiopática
• Hipoadrenocorticismo
• Insuficiência renal
• Hipervitaminose D
- Iatrogênica
- Plantas domésticas (glicósidos de calcitriol - Cestrum
diurnum, Solanum malocoxylon, Triestum flavescens)
- Rodenticidas (colecalciferol)
- Cremes anti-psoríase (calcipotriol/calcipotriene)
• Doença granulomatosa
- Blastomicose, esquistossomose, paniculite, granuloma
pós-injeção, dermatite estéril
• Lesões do esqueleto (não malignas) (raras)
- Osteomielite (bacteriana ou micótica)
- Osteodistrofia hipertrófica
- Osteoporose por inatividade (imobilização)
• Excesso de quelantes intestinais de fosfato com cálcio
em seu conteúdo
• Suplementação de cálcio excessiva (carbonato de cálcio)
• Toxicidade por uvas ou uvas passas
• Dimetilsulfóxido (DMSO) – tratamento da calcinose
cutânea
distúrbios inflamatórios. A hipercalcemia independente
da paratiroide é mais comum em gatos do que em cães.
Muitas vezes, é difícil determinar a causa de
hipercalcemia em animais com essa anormalidade
bioquímica leve ou transitória. É importante garantir que
a hipercalcemia detectada inicialmente seja passível A
causa mais provável pode se tornar óbvia a partir dos
achados obtidos pelo histórico clínico ou exame físico. No
entanto, se a causa não for imediatamente diagnosticada,
30 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
recomenda-se a realização de exames complementares,
como
radiografias
torácicas
e
abdominais,
ultrassonografia abdominal e perfil da paratiroide (PTH,
PTHrp, 25-Vit D).
O primeiro passo é determinar se a hipercalcemia é
dependente da paratiroide (doença da glândula
paratiroide que provoca hipercalcemia) ou independente
da paratiroide (glândulas paratiroides normais que
suprimem a secreção do PTH devido à hipercalcemia). A
ultrassonografia da região cervical pode ser útil; no
entanto, a ausência de aumento de volume da paratiroide
não descarta a hipercalcemia dependente da paratiroide,
enfatizando a importância da mensuração do PTH. Na
hipercalcemia independente da paratiroide, as glândulas
paratiroides não estão aumentadas ou podem não ser
identificadas. Em casos crônicos de hipercalcemia
maligna ou hipervitaminose D, as glândulas podem estar
atrofiadas. Na suspeita de processo maligno, a avaliação
da PTHrP pode ser proveitosa, mas, por si só, não é
diagnóstica de malignidade. A mensuração de 25hidroxivitamina D é útil nos casos de possível ingestão
excessiva de colecalciferol ou ergocalciferol, enquanto a
mensuração de 1,25-di-hidroxivitamina D (calcitriol)
também é útil se o excesso de calcitriol for a causa da
hipercalcemia (embora isso seja raro). Os animais com
citopenias, sem diagnóstico definitivo, devem ser
submetidos à avaliação da medula óssea. O estudo
radiográfico de todos os ossos é, algumas vezes, útil para a
identificação de lesões, mesmo aquelas sem manifestação
de dor óssea (ostealgia) (p. ex., decorrente de mieloma
múltiplo).
A abordagem terapêutica depende da gravidade dos
sinais clínicos, da causa subjacente e da magnitude da
hipercalcemia. O processo de tomada de decisões será
orientado por questões, como: a rapidez de
desenvolvimento da hipercalcemia, o aumento contínuo
do nível de cálcio, a presença de hiperfosfatemia, a
existência de distúrbios acidobásicos graves, o nível de
função renal e o estado da função cerebral. Os níveis de
hipercalcemia em rápido crescimento justificam uma
intervenção mais rigorosa e são principalmente
característicos de malignidade ou hipervitaminose D.
Não existe um único protocolo de tratamento
uniformemente eficaz para todas as causas de
hipercalcemia (Tabela 2). A eliminação da causa
subjacente é o tratamento definitivo, mas isso nem
sempre é imediatamente possível. O objetivo do
tratamento de suporte é aumentar a excreção urinária de
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HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO
Tabela 2.
Tratamento da hipercalcemia (21).
Tratamento
Dosagem
Indicações
Observações
0,9% NaCl
100-125mL/kg/dia IV
Hipercalcemia moderada
a grave
Contra-indicada na insuficiência
cardíaca congestiva e hipertensão.
Furosemida
1-4mg/kg TID ou BID IV, SC, PO
taxa de infusão contínua 0,2-1mg/kg/h
Hipercalcemia moderada
a grave
Expansão de volume necessária
antes da utilização do fármaco.
Prednisona/
prednisolona
1-2,2mg/kg BID PO, SC, IV
Hipercalcemia moderada
a grave
Dexametasona
0,1-0,22mg/kg SID IV, SC
Hipercalcemia moderada a grave
Calcitonina
4-6UI/kg TID ou BID SC
Toxicidade por hipervitaminose D
5-20mg por gato/semana PO
Hipercalcemia idiopática
1-4mg/kg a cada 48-72h PO
Hiperparatiroidismo
primário resistente
Pamidronato
1,3-2,0mg/kg em 150mL de solução
salina a 0,9%, como infusão IV de
2h; pode repetir-se em 1-3 semanas
Hipercalcemia moderada
a grave
Muito caro. Segundos relatos,
pode causar insuficiência renal
aguda nos gatos.
Bicarbonato
de sódio
1mEq/kg bolus IV lento (pode
administrar até 4mEq/kg dose total)
Hipercalcemia
grave, fatal
Necessita de monitorização atenta.
Rápido início da ação.
Calcitriol
Dose inicial 15-20ng/kg BID PO
Dose de manutenção 5ng/kg BID PO
Pré-tratamento em
paratiroidectomia para evitar
hipocalcemia pós-operatória
A semi-vida biológica é de
3-5 dias. O tratamento deve iniciar
com dose de ataque; pode ser
usado 2-3 dias antes da cirurgia.
Alendronato
cálcio e evitar a reabsorção óssea desse mineral. A
primeira fase do tratamento consiste na aplicação de
fluidoterapia parenteral para corrigir a desidratação
(uma vez que a hemoconcentração contribui para o
aumento do iCa), seguida de furosemida em casos de
hipercalcemia persistente e grave.
Nota: a furosemida jamais deve ser administrada a um
animal desidratado ou antes da administração de fluidos
IV.
Os glicocorticosteroides constituem uma segunda fase de
tratamento para os casos irresponsivos à terapia inicial.
Esses agentes podem reduzir a magnitude da
hipercalcemia persistente em animais com linfoma
(citólise), mieloma múltiplo, hipoadrenocorticismo,
hipervitaminose D ou doença granulomatosa, mas
exercem efeito mínimo sobre outras causas de
hipercalcemia e não devem ser administrados até se
estabelecer o diagnóstico definitivo. A administração
crônica de esteroides pode ser necessária para controlar a
hipercalcemia na hipercalcemia idiopática felina, para a
A utilização destes fármacos antes
da identificação da etiologia pode
dificultar o diagnóstico definitivo.
A resposta pode ser curta. Pode
ocorrer vômito.
Administrar com estômago vazio e
oferecer água a seguir para evitar a
esofagite.
qual as modificações da dieta não são eficazes.
A terceira fase consiste na adição de algum bisfosfonato
para o controle da hipercalcemia. Esses medicamentos
atuam pela redução do número e da atividade dos
osteoclastos. Tais agentes podem ser considerados para o
tratamento da hipercalcemia idiopática crônica dos gatos
irresponsivos ao manejo nutricional e após reidratação
nos casos de hipercalcemia grave, especialmente quando
associada à hipervitaminose D ou processo maligno, nos
quais a cirurgia ou a quimioterapia são ineficazes.
Os
autores têm utilizado os bisfosfonatos para diminuir o
cálcio circulante nos casos inoperáveis de
adenocarcinoma do saco anal.
Hipercalcemia associada
a doença maligna
A A causa mais comum de hipercalcemia nos cães está
associada com neoplasia e pode ser atribuída à
hipercalcemia humoral maligna (HHM) ou
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 31
© Ohio State University
© Ohio State University
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 32
Figura 2.
Figura 3.
Radiografia torácica lateral direita num cão com linfoma
mediastínico das células T.
Ultrassonografia da região sublombar num cão com
adenocarcinoma metastático do saco anal.
hipercalcemia osteolítica local (HOL), devido a
mecanismos osteolíticos locais. A HOL inclui aquela que
se desenvolve após a ocorrência de metástases ósseas
provenientes de tumores maciços e neoplasias
hematológicas da medula óssea devido à produção local
de fatores de reabsorção óssea (mais frequentemente em
casos de mieloma múltiplo e linfoma). A HHM costuma
ser observada nos cães com linfoma das células T (muitas
vezes, mediastínico (Figura 2)) e adenocarcinomas
apócrinos do saco anal (Figura 3). Os sinais clínicos
deste último quadro podem estar associados com
hipercalcemia (poliúria/polidipsia, anorexia e fraqueza),
presença de massa no períneo (tenesmo, fezes em forma
de fita, odor acentuado e protrusão da massa), existência
de massa na região sublombar ou mais metástases à
distância. A HHM também ocorre em cães com timoma,
mieloma, melanoma ou carcinomas com origem em
órgãos como pulmões, pâncreas, tiroide, pele, glândula
mamária, cavidade nasal, clitóris e medula adrenal. Os
níveis da PTHrP são mais elevados nos cães com
adenocarcinomas apócrinos do saco anal e carcinomas
associados à HHM. O linfoma e o carcinoma das células
escamosas são as duas neoplasias mais comuns indutoras
de hipercalcemia em gatos (8). Notar que os tumores
ósseos primários, muitas vezes, não estão associados com
hipercalcemia nos cães ou gatos.
azotemia e, nos cães, costuma ser atribuída ao aumento
na fração de cálcio complexado, ou seja, unido sob a
forma de complexo (12). Os efeitos deletérios da
hipercalcemia ocorrem apenas se houver aumento na
concentração de iCa, ressaltando a necessidade de se
mensurar os níveis desse tipo de cálcio nos animais com
DRC.
Doença renal crônica (DRC)
Esporadicamente, ocorre hipercalcemia em cães e gatos
com DRC. Muitos animais com DRC apresentam
concentrações normais de tCa. Notar que a hipercalcemia
pode ser causa de insuficiência renal ou consequência da
DRC. Na DRC, o aumento do tCa com valores normais de
iCa ocorre em 11% dos cães (6) e de 11,5% (10) a 58%
(11) dos gatos, dependendo da população em estudo. A
incidência de tCa elevado aumenta com a gravidade da
32 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
Hipercalcemia idiopática nos gatos
(HCI)
Nos últimos 20 anos, a HCI foi identificada nos gatos
como uma das causas mais comuns de hipercalcemia. A
maioria dos gatos (talvez 50%) não apresenta sinais
clínicos, embora seja possível a observação de leve perda
de peso, enteropatia inflamatória, constipação crônica,
vômito e anorexia. Os urólitos (frequentemente de
oxalatos) são observados em cerca de 15% dos casos. A
faixa etária pode variar dos 0,5 aos 20 anos, mas os gatos
de pelo longo são super-representados. Tipicamente, o
iCa sérico apresenta-se aumentado, o PTH, normal e a
PTHrP, negativa, mas ambas as concentrações séricas de
iMg e 25-hidroxivitamina D permanecem normais. O
calcitriol sérico encontra-se geralmente dentro da faixa
de referência ou diminuído.
O tratamento específico para a HCI é impossível, uma vez
que a patogênese permanece desconhecida. Em alguns
gatos, o aumento da fibra na dieta diminui o cálcio sérico.
Dietas ricas em fibras podem reduzir a absorção intestinal
de cálcio, devido à diminuição do tempo de trânsito
intestinal; no entanto, os efeitos da fibra são complexos,
dependendo do tipo e da quantidade de fibra presente.
Essas dietas ricas em fibras são normalmente
suplementadas com cálcio e, por isso, o teor desse
mineral não explica o motivo pelo qual essas dietas são,
algumas vezes, bem sucedidas no tratamento da HCI.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 33
HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO
Como alternativa, o fornecimento de dieta renal pode
resultar em normocalcemia em alguns gatos com HCI.
Além de serem pobres em cálcio e fósforo, essas dietas são
consideradas alcalinizantes ou, pelo menos, menos
acidificantes que as dietas de manutenção. As dietas
acidificantes aumentam a disponibilidade da forma
ionizada do cálcio, facilitando a absorção intestinal; tais
dietas também aumentam a reabsorção óssea, o que pode
contribuir para a hipercalcemia. Alguns gatos que
demonstram uma queda inicial na concentração de cálcio
sérico após qualquer tipo de modificação da dieta voltam
a ter hipercalcemia ao longo do tempo.
Para os gatos irresponsivos à modificação da dieta, a
terapia com prednisolona (5-20 mg/gato/dia) pode
ajudar, embora a hipercalcemia possa regressar mais
tarde, apesar de doses máximas desse corticosteroide.
Por fim, as preparações orais de bisfosfonato, tal como o
alendronato, podem ser consideradas. Os autores
realizaram um estudo piloto sobre a utilização do
alendronato, que se mostrou promissor para o
tratamento a longo prazo da HCI (13). Com isso, esse
agente consiste na primeira escolha dos autores para o
tratamento dessa doença. Tipicamente, as doses
administradas em gatos são de 10 mg/semana, embora
alguns gatos possam necessitar de doses de até 20
mg/semana (Tabela 2). Os níveis do iCa devem ser
checados a cada 2-3 semanas, depois 1 vez por mês, 2-3
meses e, posteriormente, a cada 4-6 meses, desde que os
valores de iCa estejam dentro dos limites de normalidade.
Dado o risco associado de esofagite e estenose
(constrição) em seres humanos, recomendam-se o
umedecimento dos lábios do gato e o oferecimento de
água com seringa após a administração do medicamento
para evitar que os comprimidos fiquem retidos no
esôfago. Até o momento, não se observou esofagite em
gatos tratados com alendronato. Para maximizar a
absorção, recomenda-se a realização de jejum durante a
noite antes da administração do medicamento e
alimentação 2h depois.
Hipoadrenocorticismo
Com base na avaliação do tCa, esta é a segunda causa
mais comum de hipercalcemia canina; no entanto, o
hipoadrenocorticismo foi observado em apenas 5% dos
cães diagnosticados com hipercalcemia ionizada (14).
Raramente, é identificado em gatos. É detectada uma
correlação entre o grau de hipercalemia e a
hipercalcemia nos cães com concentração sérica de
potássio superior a 6,0-6,5 mEq/L. É mais provável que os
cães com hipoadrenocorticismo típico sofram de acidose
metabólica, azotemia e hipercalcemia, em comparação
aos casos de hipoadrenocorticismo atípico (15). A
concentração sérica de tCa volta rapidamente ao normal
após 1-2 dias de terapia corticosteroide, mas a expansão
volêmica IV pode fazer com que a concentração sérica de
cálcio volte ao normal em apenas algumas horas. O
hipoadrenocorticismo sempre deve ser incluído nos
diagnósticos diferenciais de hipercalcemia, uma vez que
os sinais clínicos do hipoadrenocorticismo e da
hipercalcemia podem ser semelhantes.
Hipervitaminose D
A hipervitaminose D decorrente do consumo de
rodenticidas com colecalciferol em seu conteúdo é,
muitas vezes, associada ao desenvolvimento de
hipercalcemia 24h após a ingestão. A magnitude da
hipercalcemia é frequentemente grave, embora também
se observe hiperfosfatemia leve a moderada; por esse
motivo, a mineralização dos tecidos moles costuma ser
mais grave nesses casos. Em princípio, não se verifica a
presença de azotemia, mas essa alteração pode se
desenvolver, em geral, após 72h, como resultado das
lesões renais causadas pela hipercalcemia. Os unguentos
de uso tópico com calcipotrieno para o tratamento da
psoríase humana podem resultar em hipercalcemia
quando os cães ou os gatos ingerem quantidades tóxicas
dessa substância. Nos casos de toxicidade causada pelo
calcipotrieno, observa-se elevação dos níveis de fósforo,
tCa e iCa; consequentemente, a maioria dos animais
desenvolve insuficiência renal aguda. A hipercalcemia
diminui depois de alguns dias, em vez de se prolongar
durante semanas a meses. A ingestão de plantas tóxicas
que contenham glicosídeos do calcitriol é uma possível
causa de hipercalcemia. A mensuração da concentração
sérica de 25-hidroxivitamina D pode fornecer indícios de
hipervitaminose
D
após
exposição
ao
colecalciferol/ergocalciferol, mas não tem utilidade
quando a hipercalcemia é provocada por outros
metabólitos da vitamina D.
Hiperparatiroidismo primário
Esta é uma causa pouco comum de hipercalcemia nos
cães e ainda mais rara nos gatos. A secreção excessiva e
inadequada de PTH pelas glândulas paratiroides
caracteriza essa doença; a hipofosfatemia também é
comum. A maioria dos casos deve-se a um único
adenoma na paratiroide (16). No entanto, relatos
recentes (17) sugerem que a hiperplasia seja uma
ocorrência frequente e pode ser difícil distingui-la de
adenoma. A realização de ultrassonografia cervical
localiza a glândula paratiroide afetada. As glândulas não
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 33
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 34
HIPERCALCEMIA: DIAGNÓSTICO E OPÇÕES DE TRATAMENTO NO CÃO E NO GATO
visíveis (podem estar atrofiadas) ou com tamanho
inferior a 2 mm são consideradas normais. As glândulas
que medem 2-4 mm estão no limite da normalidade, o
que sugere hiperplasia (especialmente se mais de 1
glândula estiver afetada). As glândulas com mais de 4
mm são características de adenoma (18). Em muitos cães
afetados, os sinais clínicos relacionados à hipercalcemia
são leves (poliúria/polidipsia, letargia, fraqueza) ou
ausentes. Os urólitos de cálcio (que podem ser palpáveis)
e as infecções do trato urinário ocorrem em cerca de 30%
dos animais com hiperparatiroidismo primário (16). A
concentração sérica de iCa apresenta-se elevada,
enquanto o PTH se mostra inadequadamente aumentado
em relação ao nível de hipercalcemia (o iCa deve fazer
com que o nível de PTH fique na metade inferior da faixa
de referência). Em um único estudo, o PTH encontrava-se
dentro dos limites de referência em 73% dos casos (16).
Nos cães com doença multiglandular, sugere-se a
remoção de 3 ou 3 glândulas e meia. No entanto, é
possível que os sinais clínicos não melhorem até a
remoção de todas as glândulas; nesses casos, os cães
podem se tornar hipocalcêmicos e hipotiroideos,
necessitando da suplementação de calcitriol e tiroxina
pelo resto da vida. A frequência de hiperplasia da
paratiroide tem se tornado cada vez mais comum
(observações não publicadas do autor). Além disso,
REFERÊNCIAS
Conclusão
O tratamento adequado e o prognóstico dependem da
causa da hipercalcemia e, por isso, é essencial buscar pela
causa da hipercalcemia persistente, utilizando uma
abordagem organizada a fim de obter o diagnóstico
correto da causa subjacente (Figura 1). A espécie, a
identificação, o histórico e os sinais clínicos
desempenham importante papel na priorização da lista
de diagnósticos diferenciais.
BIBLIOGRÁFICAS
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34 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
alguns cães podem ter tecido paratiroideo ectópico
hiperplásico não identificável, que, devido à
inoperabilidade, pode necessitar de tratamento médico
(p. ex., alendronato). Em cães com hipercalcemia préoperatória grave (tCa > 18 mg/dL), recomenda-se o prétratamento (19) com calcitriol durante 3-5 dias (Tabela
2) que, apesar de haver um agravamento temporário da
hipercalcemia, pode diminuir o grau de hipocalcemia
pós-operatória grave que necessita de cuidados
intensivos. Tem sido também sugerida a utilização de
bisfosfonatos em animais gravemente hipercalcémicos
devido à “hungry bone syndrome”, para prevenir a
hipocalcemia pós--operatória apesar da utilização de
calcitriol. A maioria dos casos de hipocalcemia ocorre 2-6
dias (12h a 20 dias) após a cirurgia (19).
12. Schenck PA, Chew DJ. Determination of calcium fractionation in dogs
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in dogs with benign naturally occurring primary hyperparathyroidism. Vet
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21. Adapted from DiBartola SP. Fluid, electrolyte, and acid-base disorders in
small animal practice. 3rd ed, St Louis, 2006, Saunders.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 35
Endocrinopatias atípicas
caninas e felinas
Ghita Benchekroun, DVM
Dan Rosenberg, DVM, PhD
Universidade of Cambridge,
Departamento de Medicina
Veterinária, Cambridge, Reino Unido
Escola Veterinária Nacional,
Alfort, França
A Dr.ª Benchekroun graduou-se na
Escola de Medicina Veterinária de
Alfort, em 2004. Mais tarde, ela
trabalhou no Departamento de Medicina Interna da
respectiva Escola, com especial interesse em Endocrinologia.
Em 2009, Ghita mudou-se para a Universidade de Cambridge,
onde atualmente está concluindo residência em Medicina
Interna.
Introdução
Certas endocrinopatias caninas e felinas raramente são
diagnosticadas — situação que talvez se deva ao fato de
serem raras, mas também ao subdiagnóstico. Os
conhecimentos existentes sobre determinada doença
exercem nítido efeito sobre a frequência do seu diagnóstico.
Neste artigo, são analisados alguns dos distúrbios hormonais
mais incomuns. Essa revisão não pretende ser uma avaliação
exaustiva, mas sim um resumo de algumas das
endocrinopatias ditas “emergentes”, concentrando-se no
hiperaldosteronismo felino, na acromegalia felina, no diabete
insípido central, no nanismo hipofisário e no
hipoparatiroidismo primário. A etiologia, a apresentação
clínica, o diagnóstico e o tratamento de cada doença serão
PONTOS-CHAVE
O diagnóstico diferencial de hipertensão arterial sistêmica
no gato deve incluir hiperaldosteronismo.
Em gatos, a acromegalia é uma causa subdiagnosticada
de diabete melito, sobretudo nos casos resistentes à
insulina.
Podem surgir problemas práticos durante a realização dos
testes diagnósticos para avaliação de diabete insípido
central.
O nanismo hipofisário canino pode ser tratado pela
administração de progestágenos.
Em animais com hipocalcemia, a presença de catarata
característica é altamente sugestiva de
hipoparatiroidismo.
O Dr. Rosenberg graduou-se na Escola
de Medicina Veterinária de Alfort em
1994 onde, atualmente, é Docente
Sênior de Medicina Interna.
Além disso, ele está particularmente envolvido nas
consultas de Endocrinologia e Medicina Interna.
igualmente abordados.
Hiperaldosteronismo primário
felino
O hiperaldosteronismo primário é uma endocrinopatia felina
emergente. Descrito, em princípio, em relatos de casos
clínicos, esse distúrbio foi recentemente alvo de estudos de
casos retrospectivos (1-2). A maioria dos casos deve-se à
existência
de
tumor
adrenal
unilateral
(adenoma/adenocarcinoma), mas também há relatos de
tumores bilaterais, tumores adrenocorticais mistos
(secretores de aldosterona e progesterona) e hiperplasia
bilateral (1). A sintomatologia apresentada pelos gatos com
hiperaldosteronismo primário pode ser frustrante, pois os
sinais clínicos mais comuns são fraqueza, ventroflexão da
cabeça e do pescoço (Figura 1), O hiperaldosteronismo
primário é uma endocrinopatia felina emergente. Descrito,
em princípio, em relatos de casos clínicos, esse distúrbio foi
recentemente alvo de estudos de casos retrospectivos (1-2). A
maioria dos casos deve-se à existência de tumor adrenal
unilateral (adenoma/adenocarcinoma), mas também há
relatos de tumores bilaterais, tumores adrenocorticais mistos
(secretores de aldosterona e progesterona) e hiperplasia
bilateral (1). A sintomatologia apresentada pelos gatos com
hiperaldosteronismo primário pode ser frustrante, pois os
sinais clínicos mais comuns são fraqueza, ventroflexão da
cabeça e do pescoço
O diagnóstico definitivo do hiperaldosteronismo primário é
estabelecido pela comparação dos níveis de aldosterona
circulante com a atividade basal da renina plasmática, através
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© National Veterinary School of Alfort.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 36
Figura 1.
Fraqueza generalizada em gato com hiperaldosteronismo
primário.
de amostra coletada durante algum episódio de hipocalemia.
O objetivo consiste em demonstrar a secreção independente
de aldosterona pela zona glomerular do córtex adrenal. A
redução intensa de atividade da renina plasmática, em
conjunto com níveis séricos de aldosterona normais ou
aumentados, confirma a presença de hiperaldosteronismo
primário (1). No hiperaldoste-ronismo secundário (p. ex.,
dieta com baixo teor de sódio [hipossódica], insuficiência
cardíaca, insuficiência renal), o aumento da aldosterona
sérica reflete o aumento da atividade da renina. Infelizmente,
a mensuração da atividade da renina não está amplamente
disponível, o que dificulta o diagnóstico das formas mais sutis
da doença.
A origem do hiperaldosteronismo primário pode ser
determinada pela obtenção de imagens das glândulas
adrenais. Caso se detecte a presença de tumor, a pesquisa
deverá ser ampliada para verificar a existência de metástases.
Glândulas adrenais simétricas, com formato normal, tendem
a indicar hiperplasia bilateral. A adrenalectomia constitui,
provavelmente, o tratamento de eleição para a maioria dos
casos de hiperaldosteronismo primário (desde que não sejam
detectadas metástases). Os tempos de sobrevida registrados
após a ressecção cirúrgica (com exceção das complicações
perioperatórias) costumam ser bons (3,4). Se os
proprietários não autorizarem a cirurgia, pode-se recorrer ao
tratamento paliativo, com dois objetivos principais: correção
da hipocalemia e controle da hipertensão arterial. A correção
da hipocalemia envolve a suplementação de potássio
(gliconato de potássio: 2-6 mmoL/gato BID VO), associada à
espironolactona em caso de tratamento prolongado (2,5 a 5
mg/gato SID ou BID VO), pois esse diurético antagoniza a
aldosterona. Em animais com hipertensão acentuada,
qualquer agente anti-hipertensivo (p. ex., anlodipino 0,125 a
0,250 mg/kg SID VO) poderá ser considerado.
Acromegalia felina
Durante muito tempo, a acromegalia felina foi considerada
36 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
extremamente rara (5). No entanto, publicações recentes
contrariam esta percepção, afirmando que a incidência da
doença é significativa entre gatos diabéticos (5, 6). É
provocada por tumor hipofisário (em geral, de grandes
dimensões) que secreta, espontaneamente, o hormônio de
crescimento (GH) (5, 6). Até o presente momento, há um
único exemplo publicado de caso semelhante no cão. A
acromegalia canina geralmente tem origem na glândula
mamária, sob regulação da progesterona (8). Não há
predisposição racial aparente, mas costuma afetar gatos
machos com idade avançada (idade média: 10 anos).
Tipicamente, a acromegalia está associada com resistência
significativa à insulina e alterações morfológicas, como
aumento de peso inexplicável, sinais cardiovasculares
(devido à miocardiopatia hipertrófica), organomegalia
abdominal (hepatomegalia, nefromegalia, esplenomegalia,
etc.), estridor laríngeo secundário à extensão
laringofaríngea, prognatismo inferior ou ampliação do
espaço interdentário (Figura 2), crescimento acelerado das
unhas (garras), espondilose, artropatias (5), etc. Por último,
pode haver distúrbios neurológicos ou comportamentais
causados por macroadenoma hipofisário. No entanto, limitar
a suspeita de acromegalia a esses contextos clínicos
específicos, provavelmente de aparecimento tardio, resulta
em subdiagnóstico da doença. As formas relativamente
assintomáticas, com expressão clínica limitada ao diabete
melito, também devem ser consideradas.
A mensuração do fator de crescimento insulina-símile (IGF1) desempenha papel fundamental no diagnóstico da
acromegalia. Mais estável que o GH e com exigências de
condições pré-analíticas menos estritas, esse teste é oferecido
por muitos laboratórios, sendo considerado um bom reflexo
da secreção de GH hipofisário durante o período de, no
mínimo, 24h. A análise de IGF-1 é um exame sensível, pois
permite excluir, de forma razoável, a acromegalia em gato
diabético se o nível sérico desse fator estiver dentro dos
limites de normalidade. Entretanto, a especificidade dessa
análise continua sendo discutível (6, 7, 9); por essa razão, o
diagnóstico deverá ser confirmado através de outros exames,
como, por exemplo, a neuroimagiologia (TC ou RM). Podem
ser consideradas duas abordagens terapêuticas: tratamento
etiológico ou controle paliativo da resistência à insulina. A
primeira opção inclui radioterapia ou cirurgia. Até o
momento, a radioterapia tem se mostrado,
indubitavelmente, a abordagem mais eficaz (10),
possibilitando, muitas vezes, a redução das necessidades de
insulina e a restrição do crescimento do tumor. A
hipofisectomia (por via convencional ou criocirurgia)
representa uma alternativa à radioterapia (11). O resultado
desse procedimento cirúrgico depende muito das
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ENDOCRINOPATIAS ATÍPICAS CANINAS E FELINAS
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habilidades do cirurgião. Se o proprietário recusar o
tratamento etiológico, será possível controlar a resistência à
insulina dos gatos com acromegalia e diabete melito pela
administração de duas doses diárias elevadas desse
hormônio (6).
Diabete insípido central
O diabete insípido central (DIC) é causado pela ausência de
secreção do hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina).
O DIC é diagnosticado com maior frequência no cão, mas
alguns casos foram registrados no gato (12). São descritas as
formas completa ou parcial, dependendo da ausência ou
presença inadequada (e, portanto, insuficiente) da secreção
de ADH. A causa mais comum de DIC é a neoplasia da região
hipotálamo-hipofisária (13). Outras causas incluem lesões
inflamatórias, infecciosas ou traumáticas. Foram observados
casos iatrogênicos após hipofisectomia para o tratamento da
doença de Cushing, assim como casos idiopáticos.
O principal sinal clínico associado ao DIC é a presença de
poliúria/polidipsia. Também pode haver sinais neurológicos.
A poliúria/polidipsia está associada com urina hipostenúrica
(< 1,010) e baixa osmolalidade urinária (Uosm < 290
mOsm/kg). A bioquímica pode revelar hipernatremia
(normalmente leve). No entanto, em caso de privação
hídrica ou adipsia por lesão no centro da sede, talvez haja
hipernatremia relevante, resultando em encefalopatia
hiperosmolar.
O exame preferido para confirmar o DIC é o teste de privação
de água. Durante a fase de preparo para o teste (realizado sob
monitorização médica em ambiente hospitalar), o consumo
de água deve ser reduzido progressivamente ao longo de
vários dias (3 a 7 dias para uma redução de 50%) de modo a
restaurar o gradiente corticomedular renal. Após 12h de
jejum, o acesso à água deve ser negado, procedendo-se à
coleta de amostras de plasma e de urina de hora em hora,
para mensuração da osmolalidade, do volume e da
densidade urinária. O animal também deve ser pesado com a
mesma periodicidade. O teste deverá ser interrompido em
caso de perda de peso corporal superior a 3-5%, aumento da
uremia ou natremia, aparecimento de sinais neurológicos ou
densidade urinária específica acima de 1,030. Se a
osmolalidade urinária (ou densidade urinária) permanecer
baixa apesar da estimulação osmótica adequada (sinais de
desidratação ou osmolalidade plasmática > 305 mOsm/kg),
o resultado será compatível com diabete insípido, devendo-se
proceder à administração do ADH para diferenciar entre as
formas central e nefrogênica. No diabete insípido central
completo, a densidade ou osmolalidade urinária
duplica após a administração do ADH, mas exibe apenas
Figura 2.
Prognatismo inferior com espaçamento interdentário em gato
com acromegalia.
aumento moderado (aproximadamente 15%) na forma
parcial. No diabete insípido nefrogênico, o aumento será
mínimo ou até mesmo inexistente. Contudo, esse teste
diagnóstico apresenta um risco: se a restrição de água
imposta durante o período preparatório do teste for
insuficiente para restaurar o gradiente corticomedular e
permitir uma resposta ao ADH, a densidade urinária
específica poderá não aumentar, independentemente da
causa da poliúria/polidipsia. Tal ausência pode induzir ao
erro no diagnóstico de diabete insípido nefrogênico.
Uma forma mais direta de diagnosticar o DIC consiste em
estimular a secreção de ADH através da perfusão de solução
salina hipertônica. Procede-se à administração de solução de
NaCl a 20% a 0,03 mL/kg/min durante 2h, mensurando-se o
ADH e a osmolalidade plasmática de 20 em 20 minutos. Esse
teste possibilita a obtenção de diagnóstico mais exato de
certos casos de DIC parcial, mas apresenta riscos mais graves.
O tratamento baseia-se na administração de algum análogo
da vasopressina (desmopressina) por via tópica ocular (1
gota no saco conjuntival TID) ou via oral (0,1 a 0,2 mg por
animal SID-TID). Na ausência de lesão hipofisária, o
prognóstico é favorável, com remissão clínica completa se o
tratamento for administrado corretamente.
Nanismo hipofisário
Qualquer organogênese anômala da hipófise pode levar ao
surgimento de defeito na secreção de um ou mais hormônios
hipofisários. O nanismo foi descrito no cão, com certa
predisposição racial e, ocasionalmente, no gato. A
transmissão autossômica recessiva associada com panhipopituitarismo, com preservação da função corticotrófica,
foi demonstrada no Pastor Alemão (14). Os animais afetados
costumam ser levados à consulta com 2 a 5 meses de vida em
virtude de crescimento proporcional (Figura 3), atraso
mental, pelagem persistente de filhote, alopecia do tronco,
hiperpigmentação cutânea, descamação, etc. O nanismo
desproporcional (cabeça e tronco normais, mas membros
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 37
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 38
curtos) é mais sugestivo de hipotiroidismo. O
criptorquidismo está, muitas vezes, presente no macho,
enquanto as fêmeas exibem anestro persistente. Em geral, os
animais permanecem bem até os 2-3 anos de idade,
momento em que os sinais sistêmicos começam a se
manifestar — sinais relacionados, algumas vezes, com
insuficiência renal. O diagnóstico pode ser presumido com
base nos níveis baixos de IGF-1 ou GH, mas o diagnóstico
definitivo requer a realização de teste de estimulação. O
GHRH (hormônio liberador do hormônio de crescimento a 1
µg/kg) ou os alfa-agonistas (clonidina a 10 µg/kg ou xilazina
a 100 µg/kg) podem ser utilizados para estimular a secreção
do GH. É necessário mensurar o GH imediatamente antes,
bem como 20 e 30 minutos depois, da administração
intravenosa. Se os níveis de GH não aumentarem, esse fato
confirmará o diagnóstico. As outras funções hipofisárias
(tirotrofina, gonadotrofina, corticotrofina e prolactina)
podem ser avaliadas por meio de teste combinado de
estimulação hipofisária (15). A obtenção de imagem da
hipófise revela, frequentemente, a presença de cistos na bolsa
de Rathke.
Embora o GH canino não esteja disponível para o tratamento
de nanismo, o GH suíno vem sendo utilizado para essa
finalidade (0,1-0,3 UI/kg SC 3 vezes por semana com
monitorização da glicemia e do GH). Ainda não há relatos
sobre o uso de GH recombinante humano. Os benefícios em
termos de crescimento dependem da fase de
desenvolvimento das cartilagens no início da terapia. No
entanto, observam-se melhorias dos sinais clínicos cutâneos
ao fim de 6-8 semanas.
Uma alternativa terapêutica consiste na utilização de
progestágenos para estimular a secreção do hormônio de
crescimento do tecido mamário (16, 17). Foi demonstrado
que o acetato de medroxiprogesterona (2,5-5 mg/kg a cada 3
semanas e, posteriormente, a cada 6 semanas SC), bem
como a proligestona (10 mg/kg SC a cada 3 semanas) induza
à melhora clínica. Nas fêmeas, é recomendável o
procedimento de ovário-histerectomia antes de iniciar o
tratamento para limitar o risco de piometra.
Por último, deve ser prescrita, paralelamente, a reposição
correta com levotiroxina, nos casos com hipotiroidismo
concomitante. O tratamento adequado melhora a qualidade
de vida dos animais afetados, desde que seja instituído
precocemente.
Hipoparatiroidismo primário
O hipoparatiroidismo primário é provocado pela pela
destruição (ou atrofia) das glândulas paratiroides. A forma
38 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
espontânea é mais comum no cão que no gato. Na maioria
dos casos, a etiologia é provavelmente imunomediada (18).
Raras vezes, pode ser secundária à destruição das glândulas
paratiroides por tumor na região cervical. O
hipoparatiroidismo iatrogênico pode ser causado por danos
cirúrgicos às paratiroides (p. ex., durante tiroidectomia). A
deficiência do paratormônio (PTH) induz a hipocalcemia e
hiperfosfatemia moderada. De modo geral, os cães afetados
têm entre 6 meses e 13 anos de idade, ocorrendo com maior
frequência nas seguintes raças: Poodle, Golden Retriever,
Schnauzer, Pastor Alemão e Terrier (18).
Os sintomas neurológicos, incluindo tetania, crises
convulsivas, fasciculações e tremores, são predominantes,
enquanto a fraqueza e a ataxia são manifestações menos
comuns. Às vezes, observam-se sinais precoces de
hipocalcemia, como ansiedade e, ocasionalmente, agressão,
provavelmente devido à dor muscular (mialgia). Também foi
descrito o comportamento de esfregar a face no solo ou com
as patas; acredita-se que isso seja atribuído à contração dos
músculos masseter e temporal. Em alguns casos, observa-se o
aparecimento de catarata típica de hipocalcemia crônica:
imatura, cortical, difusa e punctata (puntiforme) —
característica do hipoparatiroidismo associado com
hipocalcemia (Figura 4) (18, 19).
A análise concomitante dos níveis de fósforo pode fornecer
provas diagnósticas adicionais. Na verdade, a combinação de
hipocalcemia e hiperfosfatemia, além dos casos de
insuficiência renal, é muito sugestiva de hipoparatiroidismo.
Para confirmar o diagnóstico, basta demonstrar a
concentração plasmática de PTH reduzida ou indetectável
em animal hipocalcêmico (18, 20). Nas demais causas de
hipocalcemia, o circuito regulatório de feedback do cálcio é
preservado e a concentração plasmática de PTH aumenta.
Se o animal apresentar tetania ou crises convulsivas, haverá
necessidade de tratamento imediato e urgente com cálcio
intravenoso (18, 20). Assim que o ataque desaparecer, o
tratamento deverá ser mantido com cálcio e vitamina D por
via oral. Em princípio, ambos devem ser administrados
simultaneamente, pois a absorção intestinal do cálcio
depende da vitamina D e, portanto, não é muito eficaz no
início do tratamento. O cálcio administrado em grandes
quantidades possibilita uma absorção passiva, podendo ser
progressivamente reduzido até sua interrupção por
completo. O tratamento a longo prazo envolve a
administração de vitamina D, disponível em várias
preparações diferentes. É recomendável o uso da forma 1-αhidroxilada da vitamina D, pois a hidroxilação requer a
presença de PTH. O calcitriol e o alfacalcidol representam as
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 39
© National Veterinary School of Alfort.
Figura 3.
© National Veterinary School of Alfort.
ENDOCRINOPATIAS ATÍPICAS CANINAS E FELINAS
Figura 4.
Pastor Alemão fêmea de 2 anos, com atraso de crescimento e
sinais cutâneos provocados por nanismo hipofisário.
Catarata
punctata
(puntiforme)
hipoparatiroidismo primário.
melhores preparações farmacológicas; ambas são facilmente
eliminadas, permitindo a rápida alteração da dosagem. O
objetivo não é manter a concentração sanguínea normal de
cálcio, já que isso pode induzir à formação de precipitados
erráticos desse mineral na presença de hiperfosfatemia
concomitante. Portanto, é preferível uma leve hipocalcemia.
A monitorização regular é essencial durante o tratamento
para se prevenir contra hipercalcemia ou hiperfosfatemia. No
momento da redação do presente artigo, não havia dados
publicados sobre a utilização do PTH recombinante humano
no cão. O prognóstico é favorável se o tratamento for bem
ponderado. Atualmente, não existe nenhum tratamento que
possibilite a compensação total das ações do PTH; por essa
razão, o tratamento com vitamina D não pode substituir os
efeitos protetores renais do PTH contra a hipercalciúria ou
seus respectivos efeitos nos ossos.
REFERÊNCIAS
em
cão
com
Conclusão
Certas endocrinopatias são raras, mas isso não significa que
não ocorram. O conhecimento dos sinais clínicos tipicamente
apresentados e a adoção de abordagem sistemática
garantem que o Médico Veterinário não passe despercebido
por esses casos interessantes e complexos.
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Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 39
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 40
Alopecia endócrina
no cão
Fabia Scarampella,
DVM, MSc, Dipl.ECVD
Studio Dermatologico Veterinario,
Milão, Itália
A Dr.ª Scarampella recebeu o diploma
da
Sociedade
Europeia
de
Dermatologia Veterinária, em 2000.
Em 2007, concluiu o Mestrado em Medicina Baseada em
Evidências e Metodologia de Pesquisa em Cuidados de
Saúde. Como coautora do livro “Manuale pratico di
Dermatologia Veterinaria”, ela também publicou livros e
periódicos científicos. Atualmente, Fabia é Presidente da
Sociedade Italiana de Dermatologia Veterinária (SIDEV),
coordenadora científica do Currículo de Dermatologia da
Scuola di Formazione Veterinaria Post Universitaria e ainda
trabalha como profissional liberal exclusivamente na área da
dermatologia veterinária. A Dr.ª Scarampella também exerce
funções de consultora e cocriadora do website de
dermatologia veterinária www.teledermvet.com.
PONTOS-CHAVE
A alopecia simétrica não pruriginosa do cão é um
distúrbio clínico comumente associado com
endocrinopatias, neoplasia funcional das gônadas,
displasia folicular e alopecia idiopática.
Embora sejam pouco prováveis, as doenças
infecciosas capazes de afetar o folículo piloso,
particularmente a demodecose ou sarna
demodécica, também devem ser excluídas.
É aconselhável a realização de ultrassonografia em
cadelas com vulva aumentada e ginecomastia, bem
como em machos com criptorquidia ou alteração da
consistência/dimensões dos testículos.
Os exames laboratoriais iniciais devem incluir
hematologia, hemograma completo e urinálise.
Deve ser realizada a avaliação dinâmica da função
tiroideia após qualquer teste da função adrenal.
A biopsia cutânea pode ajudar a identificar a
presença de displasia folicular ou alopecia idiopática
(Alopecia X).
40 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
Introdução
O folículo piloso é influenciado de diversas formas pela
atividade hormonal, sendo capaz, por si só, de sintetizar
e converter um grande número de hormônios. No rato,
foi demonstrado que o estradiol, a testosterona e os
esteroides produzidos pelas glândulas adrenais
retardam o início da anagênese (crescimento ativo),
enquanto os hormônios tiroidianos aceleram a atividade
folicular (1). No cão, certas endocrinopatias
(hipotiroidismo, hipercortisolismo), neoplasia funcional
das gônadas (hiperestrogenismo) e determinadas
displasias foliculares (alopecia cíclica da virilha) estão
associadas com alterações do ciclo folicular,
manifestando-se sob a forma de alopecia simétrica.
O objetivo desse artigo é apresentar um resumo
atualizado sobre a patogênese e os sinais dermatológicos
das doenças hormonais responsáveis por alterações do
ciclo folicular, bem como oferecer uma abordagem
diagnóstica em cães com alopecia simétrica não
pruriginosa.
Hipotiroidismo
Os receptores dos hormônios tiroidianos estão presentes
em todos os tecidos. Na pele, os receptores são
particularmente abundantes nos sebócitos, nas células
da bainha folicular externa e na papila dérmica. Por isso,
a tiroide exerce influência significativa sobre o ciclo do
folículo piloso e a produção de sebo. Os hormônios
tiroidianos também controlam a lipogênese, bem como
os níveis séricos e cutâneos de ácidos graxos. Além disso,
tais hormônios estimulam a proliferação de fibroblastos
e a síntese de colágeno e, por meio da regulação da
síntese e do catabolismo dos glicosaminoglicanos,
influenciam a espessura da derme.
A tiroide produz tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3) na
proporção de 4:1. Na circulação, tanto a T3 como a T4
encontram-se principalmente ligadas a proteínas
plasmáticas, o que favorece o armazenamento e a
regulação da concentração sérica desses hormônios.
Menos de 0,05% de T4 e abaixo de 0,5% de T3 estão
presentes no sangue na forma livre (2). A forma livre de
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 41
ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO
O hipotiroidismo é a endocrinopatia mais comum no
cão. Essa doença pode ter origem congênita ou
adquirida. O hipotiroidismo adquirido pode ser
primário ou secundário. O hipotiroidismo primário
resulta da produção insuficiente de hormônios pela
tiroide, enquanto, na forma secundária, a disfunção
glandular decorre da produção insuficiente de TSH
hipofisário.
A tiroidite autoimune é, sem dúvida, a causa mais
comum do hipotiroidismo primário adquirido, estando
muitas vezes associada com a presença de anticorpos
antitiroglobulina (AcTG) circulantes. No entanto, a
presença de AcTG, por si só, não confirma a disfunção
da tiroide. A segunda causa mais comum de
hipotiroidismo primário adquirido é a degeneração
idiopática da tiroide, em que se observa uma
substituição gradual do parênquima glandular por
tecido adiposo/fibroso na ausência de infiltrado
inflamatório. O hipotiroidismo secundário é muito raro
e já foi observado em associação com neoplasia
hipofisária. Nesses casos, o hipotiroidismo é
acompanhado por sinais relacionados a doenças
concomitantes, como doença de Addison, diabete
insípido e disfunção reprodutiva.
Os sinais clínicos observados em pacientes com
hipotiroidismo são fundamentais para o diagnóstico,
mas o valor preditivo dos testes da função hormonal
aumenta quando combinados com os dados obtidos
pelo exame clínico. Há relatos de alterações cutâneas em
60-80% dos cães com hipotiroidismo (3-4). Tais
alterações incluem alopecia simétrica bilateral; pelagem
em mau estado, queda de pelo e repilação lenta após
tricotomia (5); pele hiperpigmentada e fria ao toque;
dermatite descamativa variavelmente associada com
sinais de queratose folicular (cilindros foliculares); e
otite externa ceruminosa.
A hipotricose e a alopecia são particularmente evidentes
nas áreas submetidas a traumas importantes, tais como
pontos de pressão: períneo, cauda, ponte nasal e
pescoço (Figura 1). Notar que os cães da raça Setter
Irlandês podem apresentar hipertricose devido à
conservação de pelos na telogênese (fase de repouso);
por esse motivo, a pelagem pode ficar mais clara nesses
animais. A perda de cor provavelmente se deve ao efeito
de fatores ambientais nos pelos retidos nos folículos
pilosos por mais tempo que o normal.
A ausência de hormônio tiroidiano também induz à
redução da atividade dos fibroblastos e à alteração do
metabolismo de colágeno. As feridas cutâneas
cicatrizam-se mais lentamente e, em áreas sujeitas a
traumatismo, pode ser observado depósito excessivo de
tecido fibroso. Em cães com hipotiroidismo, devido ao
catabolismo mais lento dos glicosaminoglicanos, o ácido
hialurônico em excesso acumula-se na derme,
promovendo a retenção de água. O mixedema
resultante confere à pele maior espessura e menor
temperatura.
Entre os sinais clínicos sistêmicos mais comuns do
hipotiroidismo, destacam-se sonolência, baixa
Figura 1.
© Fabia Scarampella.
T4 (T4l) entra nas células-alvo, local onde 80% são
convertidos para a forma livre de T3 (T3l), uma forma
biologicamente ativa.
Hipotiroidismo em cadela Golden Retriever (à esquerda). Notar a alopecia perineal (à direita).
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 41
Figura 2.
© Fabia Scarampella.
© Fabia Scarampella.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 42
Figura 3.
Alopecia simétrica bilateral em Shih Tzu de 7 anos com
hipercortisolismo.
Alopecia, comedões e adelgaçamento da pele ventral no
mesmo cão.
resistência a exercício físico e tendência dos indivíduos
afetados a sofrerem mais com o frio. A bradicardia é um
sinal clínico frequente. Também podem ser observadas
alterações oculares, como lipidose corneana,
ceratoconjuntivite seca e ulceração corneana. As cadelas
com hipotiroidismo apresentam, muitas vezes, anestro
persistente e infertilidade, enquanto os machos podem
ter problemas na espermatogênese.
intermediário da hipófise ou pela presença de tumores
adrenais. A forma hipofisária responde por 80-85% de
todos os casos de hipercortisolismo espontâneo. Nesse
caso, a hipófise produz ACTH em excesso, o que provoca
hiperplasia bilateral de ambas as glândulas adrenais,
particularmente das zonas fasciculada e reticular. Com
isso, as glândulas adrenais produzem quantidades
excessivas de cortisol.
A ginecomastia e a galactorreia são constatadas em 25%
das cadelas intactas e, ocasionalmente, em fêmeas e
machos castrados. Esse fenômeno provavelmente se
deve ao aumento dos níveis séricos de prolactina
induzido pela hiperprodução de TRH. Os animais com
hipotiroidismo exibem frequentemente anemia leve não
regenerativa e defeitos na função plaquetária. A
piodermite recorrente também é uma complicação
comum.
As neoplasias adrenais funcionais representam 15-20%
dos casos de hipercortisolismo espontâneo no cão. Essas
neoplasias (adenomas ou adenocarcinomas) costumam
ser unilaterais, irresponsivas ao mecanismo de controle
do eixo hipotálamo-hipófise e produzem de forma
autônoma grandes quantidades de cortisol. Geralmente,
ocorre atrofia da glândula adrenal contralateral.
Hipercortisolismo
Os glicocorticoides influenciam o crescimento dos pelos
e a pigmentação dos folículos por meio da ligação a
receptores intracelulares específicos existentes nas
células da epiderme interfolicular e nas células basais
dos folículos pilosos. Embora tenha sido demonstrado,
no rato, que a supressão desses hormônios exerça efeito
significativo sobre o crescimento folicular (6), ainda não
é conhecido o mecanismo molecular exato responsável
por esse efeito no cão. O hipercortisolismo pode ser
atribuído à produção excessiva de cortisol pelas
glândulas adrenais (hipercortisolismo espontâneo) ou
decorrente da administração de quantidades
exageradas de cortisol (forma iatrogênica). No
hipercortisolismo espontâneo, a doença é causada por
neoplasia do lobo frontal ou, mais raramente, do lobo
42 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
O hipercortisolismo iatrogênico, resultante da
administração oral, parenteral ou tópica prolongada de
cortisona, exibe grande parte dos sinais clínicos
observados na forma espontânea da doença, bem como
supressão das funções adrenais e elevação das enzimas
hepáticas.
O hipercortisolismo espontâneo é observado em cães
adultos, com maior incidência em animais mais idosos.
Os sinais clínicos resultam, sobretudo, de quantidades
excessivas de cortisol. Além de inúmeros, o
aparecimento desses sinais é condicionado por diversos
fatores, em particular pela localização da neoplasia
(hipófise ou adrenal), bem como pela idade e raça do
animal afetado. Nos cães acometidos por adenoma
hipofisário, os sinais clínicos tendem a se manifestar
gradualmente. Por outro lado, nos cães afetados por
carcinoma hipofisário ou neoplasia adrenal, o
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 43
© Laura Ordeix.
Figura 4.
© Fabia Scarampella.
ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO
Figura 5.
Placas ulceradas firmes no pescoço de cão com calcinose
cutânea (hipercortisolismo iatrogênico).
Alopecia e ginecomastia em cadela Buldogue com cistos
ovarianos.
aparecimento dos sinais clínicos é muito mais rápido. Os
animais de idade avançada são mais sensíveis aos efeitos
catabólicos dos glicocorticoides e, por esse motivo,
manifestam os sintomas com maior rapidez do que os
animais mais jovens. As raças de pequeno porte tendem
a manifestar a doença de forma clássica e com maior
número de sinais clínicos que aquelas de grande porte.
A presença de poliúria/polidipsia (PU/PD) constitui o
sintoma inicial mais comum e pode anteceder as
manifestações cutâneas típicas da doença em torno de 6
a 12 meses. Os sinais cutâneos, como perda de brilho da
pelagem, presença de escamas secas e hipotricose leve,
podem ser observados inicialmente. Com o tempo, são
detectadas alterações na pigmentação da pelagem e
alopecia simétrica bilateral (Figura 2). A pele dos cães
afetados por hipercortisolismo mostra-se fina, Talvez
possam se observar flebectasia, presença de equimose e
petéquias após leve traumatismo, descamação,
comedões e, especialmente na forma iatrogênica,
calcinose cutânea. A calcinose cutânea é comumente
observada no dorso do pescoço, bem como nas regiões
axilar e inguinal, manifestando-se como placas e
pápulas esbranquiçadas e duras. Com o passar do
tempo, as placas tornam-se ulceradas e muito
pruriginosas (Figura 4). A piodermite e a demodecose
são complicações habitualmente associadas com essa
doença hormonal. Nos cães com hipercortisolismo, a
piodermite tipicamente se manifesta pela presença de
pústulas alongadas não foliculares e leve inflamação. As
infecções respondem mal à antibioticoterapia.
fígado e glândulas mamárias. Os folículos pilosos, por si
só, são capazes de sintetizar estrogênios a partir dos
androgênios por ação enzimática. Os estrogênios são
potentes moduladores do crescimento folicular, adiam o
início da anagênese e tendem a manter o folículo na fase
telogênica (7-8).
Hiperestrogenismo
Os estrogênios são produzidos principalmente pelos
ovários e, em ambos os sexos, pelo córtex adrenal,
O hiperestrogenismo como causa de alopecia só foi
relatado no cão, sendo mais comumente atribuído a
cistos ovarianos. Com menor frequência, a causa
consiste em uma neoplasia ovariana ou testicular
secretora de estrogênio. O hiperestrogenismo
secundário a cistos ovarianos é mais comum no
Buldogue Inglês, manifestando-se em animais adultos
(2-7 anos). Por outro lado, o hiperestrogenismo
secundário à neoplasia ovariana não possui qualquer
predisposição racial, porém se manifesta em animais de
idade avançada.
Os sinais clínicos típicos de ambas as doenças na fêmea
são: alopecia simétrica bilateral do períneo e da região
inguinal. Nos casos crônicos, a alopecia pode afetar os
pontos de atrito (p. ex., coleira) e, finalmente, atingir
toda a região do tronco. É frequente a presença de
inúmeros comedões na pele do abdômen e da vulva,
com pelagem seca e opaca. Com frequência, as cadelas
apresentam alterações do ciclo estral, ginecomastia e
aumento de volume da vulva (Figura 5). A endometrite
e, subsequente-mente, a piometrite são comuns.
O sertolinoma (tumor das células de Sertoli nos
testículos) pode induzir ao aparecimento de alopecia e à
síndrome de feminização em cerca de 1/3 dos animais
afetados. Esses cães apresentam níveis plasmáticos
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 43
Figura 6.
© Laura Ordeix.
© Laura Ordeix.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 44
Figura 7.
Neoplasia testicular secretora de estrogênio: alopecia e
ginecomastia (aumento de volume das mamas) em cão com
Sertolinoma.
Neoplasia testicular secretora de estrogênio. Notar a dermatite
linear eritematosa ao longo do prepúcio.
elevados de estrogênios circulantes; os efeitos dessa
alteração são cutâneos, hematológicos, prostáticos e
comportamentais. Além de não haver predisposição
racial, a doença neoplásica manifesta-se na idade adulta,
geralmente em cães de idade avançada. A distribuição
da alopecia é semelhante àquela descrita para as fêmeas.
recomenda-se a realização de ultrassonografia testicular
ou abdominal com possível biopsia das gônadas.
AA pele nas áreas afetadas normalmente se apresenta
hiperpigmentada, com pelagem seca, opaca e textura
lanosa. O eritema linear ao longo do prepúcio e escroto é
um sinal cutâneo sugestivo de hiperestrogenismo
(Figuras 6 e 7). Outros sinais da doença são:
ginecomastia, prepúcio pendular, pouco interesse pelas
fêmeas no cio, hipertrofia prostática, trombocitopenia e
anemia.
Se o exame microscópico detectar alterações da haste do
pelo, como deformações do córtex e presença de
melanina (macromelanossomas), ou se a alopecia for
sazonal e localizada na região inguinal, é aconselhável
proceder à biopsia cutânea.
O exame histológico ajudará a confirmar a suspeita de
displasia folicular associada com anomalias de
pigmentação ou alopecia recorrente no flanco.
Diante de um caso de alopecia simétrica não
pruriginosa, todas as doenças bacterianas, fúngicas e
parasitárias capazes de afetar o folículo piloso devem ser
consideradas. Assim, o exame microscópico do pelo
pode ser útil na fase inicial do procedimento diagnóstico
e está resumido na Tabela 1. Se essas causas forem
excluídas, deverá ser considerada a presença de doenças
metabólicas, neoplasia funcional das gônadas
(neoplasia ovariana ou Sertolinoma), cistos ovarianos e
displasia folicular.
No entanto, se o problema persistir ou estiver associado
com sinais sistêmicos, como poliúria e/ou polifagia, ou
se, no exame microscópico, forem observados bulbos
pilosos principalmente em telogênese, deverá ser
considerada a presença de hipercortisolismo e
hipotiroidismo. O exame laboratorial inicial deve incluir
hematologia, hemograma completo e urinálise. Esses
testes podem demonstrar alterações compatíveis com
endocrinopatias e descartar outras doenças, como
doença renal crônica, diabete melito e certas
hepatopatias. Nos animais em que as alterações
clinicopatológicas são sugestivas de endocrinopatia, a
avaliação da função tiroideia sempre deve ser efetuada
após as provas de função adrenal, pois o aumento do
cortisol plasmático pode reduzir os níveis séricos de T4.
É recomendável a realização de exame físico geral; se
forem observadas alterações nas dimensões e na
consistência dos testículos no macho, ou se houver
aumento persistente nas dimensões da vulva e das
mamas, bem como alterações no ciclo estral da fêmea,
As principais alterações clinicopatológicas encontradas
em cães com hipercortisolismo e hipotiroidismo estão
expostas na Tabela 2. Na suspeita de hipercortisolismo,
deverá ser considerada a realização de testes para
triagem de distúrbios endócrinos (9-10) (consultar Guia
Protocolo de diagnóstico da
alopecia simétrica não pruriginosa
44 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 45
ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO
Tabela 1.
Papel desempenhado pelo exame microscópico do pelo no diagnóstico de alopecia simétrica.
Exame microscópico do pelo
Esporos e hifas
fúngicas
Demodex
Cultura
fúngica
Alterações de
pigmentação
Anagênese vs
telogênese
Endocrinopatias, neoplasias secretoras
de estrogênio, displasias foliculares
Testes hematoquímicos e
hormonais associados a urinálise
Ultrassonografia
abdominal/
testicular
destacável nas páginas 47-48):
Em virtude da possibilidade de obtenção de resultados
falso-positivos em cada um desses testes, é
extremamente importante interpretar esses resultados
em conjunto com o histórico e o estado clínico do
paciente.
Nos casos em que o diagnóstico não se mostre definitivo
e o Médico Veterinário queira distinguir entre
hipercortisolismo e hepatopatia primária, é aconselhável
proceder à reavaliação do paciente algumas semanas
mais tarde, antes de prescrever qualquer tratamento
específico.
A ultrassonografia abdominal pode ser útil para
visualizar e medir as glândulas adrenais. O comprimento
normal (3-7,5 mm) varia, dependendo do porte e da
raça do cão em questão. A ultrassonografia, por si só,
não é suficiente para diagnosticar o hipercortisolismo,
mas permite diferenciar entre as formas hipofisária e
adrenal. Os cães com tumor da hipófise apresentam,
normalmente, aumento bilateral simétrico das
dimensões da glândula adrenal, associado algumas
vezes com alterações do parênquima, presença de áreas
hiperecogênicas ou hipoecogênicas e perda da
delimitação entre o córtex e a medula.
Nos casos em que o hipercortisolismo foi descartado, é
recomendável a realização de testes endócrinos para
Alopecias associadas
à cor da pelagem
Biopsia
cutânea
Biopsia
cutânea
Tabela 2.
Principais alterações clinicopatológicas (por
ordem de frequência) observadas no
hipercortisolismo e hipotiroidismo canino.
Tabela elaborada com base em dados de (9) e
(10).
Hipotiroidismo
Hemograma Anemia não
regenerativa
Perfil
bioquímico
Colesterol
Triglicerídeos
Frutosamina
Fosfatase
alcalina (FAS)
Alanina aminotransferase
(ALT)
Hipercortisolismo
Leucocitose e
neutrofilia
Linfopenia
Eosinopenia
Monocitose
Trombocitose
Fosfatase alcalina
(FAS)
Colesterol
Triglicerídeos
Alanina aminotransferase (ALT)
 Nitrogênio ureico
sanguíneo
Glicose
Urinálise
Densidade específica
<1.015-1.020
Proteinúria
Glicosúria
Vol 21 No 1 / 2011 / Veterinary Focus / 45
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ALOPECIA ENDÓCRINA NO CÃO
Tabela 3.
Protocolo de diagnóstico da alopecia simétrica bilateral no cão.
Exclusão das doenças
indutoras de foliculite
• Raspados cutâneos
profundos e exame
microscópico da pele
• Exame com lâmpada
ultravioleta
• Cultura de dermatófitos
Biopsia
cutânea
• Citologia
• Hematologia,
bioquímica e análise
de urina
• Teste da função
adrenal
• Avaliação da função
tiroideia
Caso sejam observadas
alterações na pigmentação
do pêlo
• Exame
dermatopatológico
Conclusão
O algoritmo diagnóstico da alopecia simétrica canina
está resumido na Tabela 3. A alopecia simétrica não
pruriginosa é uma condição clínica comumente
observada em cães com endocrinopatias sistêmicas
(hipercortisolismo e hipotiroidismo), neoplasia
funcional das gônadas e displasia folicular.
Nesses casos, o procedimento de diagnóstico vai
depender da probabilidade de cada diagnóstico
diferencial definido durante o exame físico e
dermatológico do paciente.
BIBLIOGRÁFICAS
1. Safer JD, Fraser LM, Ray S, et al. Topical triiodothyronine stimulates
epidermal proliferation, dermal thickening, and hair growth in mice and
rats. Thyroid 2001; 11(8): 717-724.
2. Larsen PR, Berry MJ. Nutritional and hormonal regulation of thyroid
hormone deiodinases. Annu Rev Nutr 1995; 15: 323-352.
3. Panciera DL. Hypothyroidism in dogs: 66 cases (1987-1992). J Am Vet Med
Assoc 1994; 204: 761-767.
4. Dixon RM, Reid SW, Mooney CT. Epidemiological, clinical, hematological
and biochemical characteristics of canine hypothyroidism. Vet Rec 1999;
145: 481-487.
5. Credille KM, Slater MR, Moriello KA, et al. The effects of thyroid hormones
on the skin of beagle dogs. J Vet Intern Med 2001; 15(6): 539-546.
6. Paus R, Handjiski B, Czarnetzki BM, et al. A murine model for inducing and
manipulating hair follicle regression (catagen): effects of dexamethasone and
cyclosporine A. J Invest Dermatol 1994; 103(2): 143-147.
46 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
• Exame
ultrassonográfico
do abdomen e/ou
testículos
Biopsia
cutânea
Se o teste da função
adrenal e tiroideia se
situar nos limites
normais
contemplar o diagnóstico de hipotiroidismo (os
respectivos testes estão descritos em detalhes no artigo
sobre Hipotiroidismo canino com início na página 2).
Após exclusão do hipotiroidismo, é aconselhável
proceder à biopsia cutânea para definir, com maior rigor,
a existência de alterações compatíveis com displasia
folicular ou Alopecia X.
REFERÊNCIAS
Se o exame
ultrassonográfico for
negativo
7. Oh HS, Smart RC. An estrogen receptor pathway regulates the telogenanagen hair follicle transition and influences epidermal cell proliferation.
Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of
America. 1996; 93: 12525.
8. Smart RC, Oh HS, Chanda S, et al. Effects of 17-beta-estradiol and
ICI182780 on hair growth in various strains of mice. J Invest Dermatol.
Symposium Proceedings. 1999; 4: 285-289.
9. Reusch CE. Hyperadrenocorticism. In Textbook of Veterinary Internal Medicine
6th Edition. Ettinger SJ and Feldman EC. Elsevier Saunders 2005; 1592-1612.
10. Scott-Moncrieff C, Guptill-Yoran L. Hypothyroidism. In: Textbook of
Veterinary Internal Medicine. 6th ed. Ettinger SJ and Feldman EC. Elsevier
Saunders 2005; 1535-1544.
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 47
GUIA DESTACÁVEL
Diagnóstico e tratamento do
hipercortisolismo canino
Sara Galac, DVM, PhD
Teste endócrino, parte 1
Manifestação clínica
Departamento de Ciências Clínicas de Animais de Companhia, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Utrecht. Holanda
Sintomas clínicos: poliúria/polidipsia, polifagia, emaciação muscular, aumento de volume
abdominal, alopecia, pele fina, respiração ofegante em repouso, etc.
Resultados dos exames laboratoriais de rotina: fosfatase alcalina aumentada, hiperglicemia,
hipocalemia, eosinopenia, linfopenia, densidade urinária específica baixa, proteinúria, etc.
Suspeita de hipercortisolismo
Aumento da produção de cortisol
ou
Diminuição da sensibilidade ao
feedback de glicocorticoides
Relação cortisol/creatinina urinária (RCCU)
Teste de supressão pela dexametasona
em dose baixa (TSDDB)
O proprietário procede à coleta de amostra de urina
pela manhã, durante dois dias consecutivos.
Dexametasona a 0,01 mg/kg administrada por via
IV; concentração plasmática de cortisol mensurada
antes e 8h depois da injeção.
RCCU > limite superior da faixa de referência
Cortisol plasmático às 8h > 40nmol/l
ou
Hipercortisolismo
Testar a sensibilidade à supressão com glicocorticoides
Teste endócrino, parte 2
ou
ou
Teste de supressão com alta dose de dexametasona, utilizando a RCCU
Teste de supressão com dose baixa ou alta de
dexametasona, utilizando o cortisol plasmático
Após o teste de RCCU, o proprietário administra dexametasona
por via oral (0,1 mg/kg) às 12h, 18h e 24h e coleta amostra de
urina 8h depois da última administração; o resultado é comparado com o valor basal médio do teste de RCCU anterior.
Dexametasona a 0,01 mg/kg ou 0,1 mg/kg administrada
por via IV. Concentração plasmática de cortisol mensurada 4 e 8h depois da administração e comparada com
o valor basal.*
Supressão > 50%
Supressão < 50%
Hipercortisolismo dependente
da hipófise
Hipercortisolismo dependente da
adrenal ou hipófise
ACTH plasmático basal
não suprimido
✂
Técnicas de diagnóstico por imagem
suprimido
Dependente da hipófise Dependente da adrenal
*(NOTA: Caso, na parte 1, se efetue o teste de supressão com baixa dose de dexametasona, coletando-se a amostra de cortisol 4 e 8h após a administração, isso pode indicar a forma dependente da hipófise, não havendo a necessidade de outro
exame de sangue).
MIOLO_21_1_BRASIL:Focus 21/09/11 15:12 Página 48
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO HIPERCORTISOLISMO CANINO
Ultrassonografia
TAC do tumor da hipófise
Ultrassonografia de tumor adrenocortical
Hipercortisolismo dependente da hipófise
Hipercortisolismo dependente da adrenal
Diagnóstico por imagiologia
TAC/RM
Eliminar o estímulo para a
produção de cortisol.
Eliminar o excesso de
glicocorticoides.
Hipofisectomia
Tratamento médico
Tratamento
É necessária terapêutica de substituição para toda a vida com glicocorticoides e tiroxina.
Fármaco
Trilostano
Eliminar a origem da produção de
cortisol.
Adrenalectomia
Se não forem detectadas metástases
é necessária uma substituição temporária com glicocorticoides.
Mitotano
Modo
de ação
Adrenocorticostático; reduz a secreção de
cortisol.
Dosagem
inicial
2-4mg/kg/dia administrado com o ali- 1. Destruição completa: 50-75mg/kg/dia
durante 25 dias.
mento. Reavaliar e efetuar um teste de
estimulação com ACTH 14 dias após o
OU
início do tratamento (e após qualquer 2. Destruição seletiva: 50mg/kg/dia.
alteração da dosagem).
Tratamento
a longo prazo
Ajustar a dose com base nos sinais clínicos 1. Administração semanal (dose única diária).
e no teste de estimulação com ACTH a
OU
cada 3 meses. É recomendável a dosagem 2. Ajustar a dose com base nos sinais clínidiária (1 vez/dia), embora possam ser
cos e no teste de estimulação com ACTH.
necessárias 2 doses diárias se os sinais clínicos persistirem.
Observações
O hipoadrenocorticismo é uma complica- 1. A terapia de reposição crônica
ção possível.
com glico e mineralocorticoides deve
ser iniciada no terceiro dia de tratamento.
2. Em 5-6% dos casos, desenvolve-se
hipoadrenocorticismo iatrogênico.
REFERÊNCIAS
Adrenocorticolítico; destrói as células adrenocorticais.
BIBLIOGRÁFICAS
48 / Veterinary Focus / Vol 21 No 1 / 2011
✂
1. Galac S, Reusch CE, Kooistra HS, et al. Adrenals. In: Rijnberk A, Kooistra HS, eds. Clinical Endocrinology of Dogs and Cats. Hannover: Schlütersche 2010; 93-154.
CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 3
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