Isolamento, desemprego e baixa escolaridade

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Isolamento, desemprego e baixa escolaridade
O GLOBO
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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
PÁGINA 5 - Edição: 11/09/2011 - Impresso: 9/09/2011 — 22: 11 h
Domingo, 11 de setembro de 2011
ESPECIAL
O GLOBO
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Fotos de Fernando Eichenberg
Fernando Eichenberg
[email protected]
Correspondente
Correspondente • MINNEAPOLIS,
• MINNEAPOLIS, Minnesota
Celeiro de radicais
nos EUA
2,8 milhões de
muçulmanos vivem nos EUA
52% deles acreditam que as
políticas antiterror se
concentram em islâmicos
55% acham que é mais difícil
ser muçulmano após o 11/9
PERFIL DO
MUÇULMANO NOS EUA
Negros
nascidos
no país
Imigrantes
do Sul da Ásia
Árabes
250 mesquitas e grupos de
estudantes islâmicos foram
vigiados pela polícia de NY
Há dois meses, Farah Beledi,
outro somali-americano de Minneapolis, morreu num atentado
suicida em Mogadíscio. A lista
de jovens que deixaram os EUA
para aderir à jihad inclui Burhan
Hassan, de 17 anos, sobrinho de
Abdirizak Bihi, filho caçula de
sua irmã. Sua ausência foi notada em 4 de novembro de 2008.
Quatro meses depois, foi morto
em um combate na Somália.
Mas mesmo antes desse drama
familiar, o líder comunitário já
havia se imposto como missão
impedir que os jovens locais fossem tentados a abraçar o radicalismo islâmico — militância
que credita ao fato de o pai, um
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AP
24% 24%
26% 26%
De Minnesota
para o al-Shabab
11/9/2001
Outros
53 mesquitas foram
consideradas motivo de
preocupação
263 “pontos quentes”
foram identificados pela polícia
de NY na cidade
ativista político, ter permanecido 17 anos preso na Somália.
Bihi aponta o isolamento, as
dificuldades de escolaridade e
o alto índice de desemprego
entre os jovens como fatores
que facilitam o recrutamento
para o terrorismo.
— Mais de 70% da comunidade vivem no limite da pobreza,
isso é o paraíso para a al-Qaeda.
AP
Isolamento, desemprego e
baixa escolaridade tornam
somalis de Minneapolis um
alvo fácil do extremismo
Os jovens, desamparados, se
tornam presa fácil. Os radicais
são muito espertos, estão organizados dentro da mesquita
Abubakar al-Saddique (a maior
do Minnesota, frequentada por
todos os jovens que partiram
para a Somália), usam a discriminação e a precariedade para
estimular a visão extremista islâmica. Beledi, o último homem-bomba americano, não ia
à escola, não tinha onde morar.
O al-Shabab levou-o para a mesquita, deu-lhe trabalho, reabilitou-o. Mas para que fim? Para,
dois meses depois, explodi-lo
na Somália — resume.
Ahmed Abdi, de 24 anos, trabalha no café da mesquita Darul-Quba, é apaixonado por futebol — joga na equipe amadora Kalsooni Team — e sonha
em atuar em computação.
— O 11 de Setembro obviamente piorou a imagem dos muçulmanos e deixou a vida mais
dura para a comunidade. Eu
nunca fui explicitamente discriminado, mas é algo que está no
ar. Nós nos acostumamos à islamofobia, mas acho que aos poucos as coisas estão melhorando;
as pessoas se dão conta de que
os atos danosos não têm a ver
com a religião em si, mas com a
ação de indivíduos. Se um cristão comete um crime, quer dizer
que todos os cristãos são criminosos? — indaga.
Recursos
chegam tarde
O jovem sorri desconcertado
ao ser questionado se, de alguma forma, se sente americano:
— É como perguntar se sou
ocidentalizado. Eu posso dizer
que me sinto como alguém de
Minnesota, gosto deste estado.
Mas a minha preocupação é
com a situação econômica, minha família e meus amigos.
Sentado no Starbucks, Omar
Jamal, primeiro-secretário da
missão somali na ONU, denuncia a marginalização da comunil
Alcir N. da Silva
11/9/2011
A COMUNIDADE
somali festeja o fim do Ramadã. Acima, o
ativista Bihi em ação: desemprego facilita recrutamento
dade no rastro dos atentados
que destruíram as Torres Gêmeas, em Nova York.
— Isso levou os jovens a formar gangues, a começar a roubar. E logo depois tivemos duas
dezenas deles partindo para integrar o al-Shabab. O FBI está
construindo uma grande sede
aqui em St. Louis Park. Minnesota se tornou alvo de uma das
maiores investigações terroristas desde o 11 de Setembro. A
grande preocupação é de que
esses jovens com passaportes
americanos sejam treinados na
Somália e retornem para cometer atentados aqui.
Jamal critica a abordagem
dos serviços de segurança e
inteligência americanos nos
inquéritos sobre a comunidade muçulmana.
— Na mente do FBI, se você
for à mesquita hoje, se tornará
um suspeito. Estabeleceu-se
uma perda de confiança na comunidade, um distanciamento.
Felizmente, desde o 11 de Setembro houve uma melhora. A
Alcir N. da Silva
UMA DÉCADA
EM NÚMEROS
O WINTER GARDEN
ATRIUM l Revestido
em vidro, o pavilhão de
dez andares na Versey
Street, no World
Financial Center, ficou
irreconhecível.
Construído em 1988
para abrigar plantas e
lojas, ele foi a primeira
grande construção a ser
reerguida na cidade,
em 2002. Para isso
foram necessários 2 mil
painéis de vidro
polícia se deu conta de que a
perseguição abusiva e o uso da
força tornam os jovens suscetíveis ao recrutamento do alShabab. Mas só agora o presidente Barack Obama anunciou
a liberação de recursos para
ajudar os jovens daqui. Talvez
um pouco tarde.
Negros, além de
muçulmanos
Este ano, um dia depois da
invasão somali no Mall of
America, a comunidade conseguiu arrecadar dinheiro para organizar um festejo de encerramento do Ramadã no
Centro Comunitário Br yan
Cole, em Little Mogadiscio.
Numa bela tarde de sol, sorridentes mulheres, cobertas
pelo hijab, o véu islâmico,
dançavam animadamente em
g r u p o , e n q u a n t o a l e g re s
crianças saltitavam em brinquedos infláveis ou passeavam no dorso de um dromedário alugado. Numa banca
improvisada, Fatuma Mohamed vendia todo tipo de objetos, a qualquer preço, como
doação para a tragédia da fome que assola a Somália.
Fugida da guerra civil em seu
país, Fatuma chegou aos EUA
em maio de 2001, pouco antes
dos atentados de setembro:
— A discriminação não é visível, mas se sente. Quando se
é de um outro país, não há como não se sentir um pouco estrangeiro, mas aqui o peso é
maior quando se é muçulmano e negro — sentencia. n
l
Fernando Eichenberg
A
maior comunidade
muçulmana somali
dos Estados Unidos, em Minnesota, costuma celebrar o Eid al-Fitr, o
fim do mês sagrado do Ramadã, no shopping
Mall of America, em Minneapolis. Este ano não foi diferente.
— Hoje, em vez de visitar os
amigos e reunir familiares em
casa, vamos ao shopping consumir e comer um hambúrguer juntos. É o Islã capitalista
— comenta, em tom irônico, o
líder comunitário Abdirizak
Bihi, de 46 anos.
Ao circular pelas ruas do
bairro conhecido como Little
Mogadiscio (Pequena Mogadíscio, alusão ao nome da capital da Somália), onde vivem
cerca de dez mil imigrantes somalis em Minneapolis, o magricela e irrequieto ativista é
cumprimentado por todos os
passantes, e chamado de uncle (tio) pelas crianças. Bihi alcançou a notoriedade ao se
destacar em meio aos depoimentos de polêmicas audiências do Congresso sobre o
“crescimento da radicalização
da comunidade muçulmana
americana”, em março.
Diretor e único funcionário
do Centro Somali de
Educação e Advocacia Social, Bihi inicia
invariavelmente seu
dia nas mesas de um
dos cafés Starbucks
das redondezas,
constantemente repleto de imigrantes
somalis a debater temas políticos de seu
país de origem.
— Sempre que me
aproximo, mudam de
assunto porque sabem que eu
os critico por não atentarem
para os problemas aqui da comunidade e por deixarem os
jovens mais vulneráveis ao extremismo — conta o ativista.
O primeiro homem-bomba
suicida americano, Shirwa Ahmed, residia em Minneapolis
antes de partir para a Somália
e participar de um atentado
que matou 21 pessoas, em outubro de 2008. Nos últimos cinco anos, mais de 20 jovens somalis deixaram a comunidade
para integrar o grupo terrorista al-Shabab, aliado da rede alQaeda, na África. Bihi acredita
que o número oficial é apenas
“a ponta do iceberg”.
— Eu mesmo sei de vários outros casos não registrados. As
mães têm medo de informar o
desaparecimento de seus filhos
ao FBI (a polícia federal americana). Uma delas chegou a me dizer, implorando para que não
alertasse os agentes: “Eles vão
vir aqui, destruir as mesquitas e
nos matar a todos” — diz Bihi.