cobertura jornalística da corrupção política

Transcrição

cobertura jornalística da corrupção política
COBERTURA JORNALÍSTICA DA CORRUPÇÃO
POLÍTICA:
sistemas políticos
sistemas mediáticos
enquadramentos legais
Isabel Ferin Cunha e Estrela Serrano (Coordenadoras)
Livro: “Cobertura Jornalística da Corrupção Política: sistemas
políticos, sistemas mediáticos e enquadramentos legais”
Isabel Ferin Cunha e Estrela Serrano (Coords.)
Apresentação
Os cidadãos da maioria dos países acreditam que a corrupção política é um dos
principais problemas dos regimes democráticos. Os indicadores periodicamente
divulgados por agências internacionais tais como a Transparência Internacional, o
Eurobarómetro e o Banco Mundial, constatam que a perceção que os cidadãos têm da
corrupção
política
fundamenta-se
principalmente
nos
media,
o
que
torna
particularmente relevante a análise da cobertura jornalística da corrupção política. Por
outro lado, o facto de Portugal se encontrar sob um programa de assistência financeira
internacional, desde 2011, têm vindo a dar maior visibilidade aos fenómenos de
intersecção entre interesses públicos e privados, muitas vezes suspeitos de envolverem
situações menos lícitas. No Brasil, a preparação do Mundial de Futebol (2014) e dos
Jogos Olímpicos (2016) tem conferido uma nova dinâmica a estes fenómenos e à
perceção da opinião pública sobre a corrupção, dando origem a movimentos políticos
organizados, muitos deles a partir das redes sociais, como é o caso da designada Mídia
NINJA. Em Moçambique, a descoberta de jazidas de minerais e outras riquezas
naturais, bem como a entrada de grandes empresas multinacionais associadas à
exploração dessas riquezas, têm igualmente suscitado na opinião pública urbana, uma
renovada atenção a fenómenos como tráfico de influência e apropriação indevida de
recursos do Estado.
Neste contexto, em que a corrupção política é entendida como o abuso de poder
em benefício próprio de agentes políticos democraticamente eleitos — situação que
pode ocorrer durante ou após o exercício de funções públicas — identifica-se uma
articulação entre as áreas da Política, da Economia, da Justiça e dos Media. Estes
pressupostos fundamentam o projeto “Cobertura Jornalística da Corrupção Política: uma
perspectiva comparada Portugal, Brasil e Moçambique” (FCT Ref.ª : PTDC/IVC3 COM/5244/2012) que tem como objetivo analisar a cobertura jornalística da corrupção
política na imprensa e na televisão, bem como a sua repercussão na blogosfera, nos três
países referidos.
Não se conhece em Portugal e em Moçambique estudos que tenham analisado de
forma sistemática a cobertura dos fenómenos de corrupção política nos media. O Brasil
tem, há já alguns anos, grupos de pesquisadores que desenvolvem uma reflexão
pluridisciplinar, articulando Ciência Política e Estudos sobre os Media, focada nesta
temática em diversas universidades. Convém salientar que os pesquisadores envolvidos,
em qualquer um destes países, advêm de áreas disciplinares diversas, como Ciências da
Comunicação, Ciência Política, História, Jornalismo e Sociologia. Por outro lado,
lembramos que a pesquisa sobre os media, nos três países, têm genealogias particulares
e tradições teóricas e empíricas diferenciadas. Estas condicionantes têm um valor
acrescido nesta publicação, na medida em que permitem não só aferir “modos” de
“fazer pesquisa”, em cada país, como “estratégias” e “objetos” que são neles
identificados e valorizados no processo de investigação sobre a corrupção política.
Como Hallin e Mancini (2010) demonstraram, os sistemas políticos condicionam
de forma determinante os sistemas mediáticos. São os sistemas políticos que
configuram os enquadramentos jurídicos e determinam as formas em que operam os
sistemas mediáticos. Por esta razão, esta obra dá particular atenção aos sistemas
políticos e aos enquadramentos legais, bem como à intervenção do Estado como
regulador do mercado mediático. Salienta-se ainda que os trabalhos aqui apresentados,
ao terem em conta a proposta dos dois autores citados, contribuem para explorar
características comuns aos sistemas daqueles países — que integram um “Espaço” que
utiliza o português como língua oficial — determinadas por relações históricas,
culturais, políticas e económicas.
O livro, Cobertura Jornalística da Corrupção Política: sistemas políticos,
sistemas mediáticos e enquadramentos legais é constituído por duas partes. A Parte I
encontra-se organizada em duas temáticas — “Sistemas Políticos e Enquadramento
jurídico da corrupção”; “Sistemas Mediáticos” — que integram textos que abordam,
não só os sistemas políticos de cada um dos países mas também as características dos
sistemas mediáticos e os respetivos enquadramentos legais. Na Parte II, “Estudos
Empíricos”, o livro apresenta um conjunto de artigos que decorrem de análises
empíricas sobre a cobertura jornalística da corrupção política na Internet e na
4 blogosfera, assim como outros que aprofundam a interrelação entre opinião pública,
eleições, escândalos e corrupção política, nos três países.
Não se trata, ainda, de uma perspectiva comparada, no sentido de os autores, em
trabalhos conjuntos, colocarem em confronto as especificidades dos sistemas dos seus
países. Trata-se, antes, de um conjunto de textos que apresentam dados sobre realidades
nacionais, mas que a partir da sua leitura, permitem o esboço de um panorama facetado
e complexo, onde a dimensão comparativa adquire valor substancial.
A Parte I intitulada “Sistemas Políticos e Enquadramento jurídico da corrupção”
integra quatro artigos. O primeiro da autoria de Mafalda Lobo (doutoranda e
pesquisadora do Projeto) sobre “Análise do Sistema Político Português no Período
Democrático: uma breve caracterização” começa por apresentar o conceito de sistema
político e as suas dimensões, assim como os sistemas eleitorais. Tendo como foco
Portugal, a autora caracteriza o Sistema Eleitoral Português e a Eleição dos Principais
Órgãos de Poder, bem como as propostas de reforma nos programas eleitorais dos
governos, no pós 25 de Abril. Em seguida, conceitua os sistemas de governo em
democracia, regime presidencialista, parlamentarista e semipresidencialista, e tece
algumas considerações históricas sobre o regime semipresidencialista português de
1976 até à atualidade. Por fim, o artigo discute como a a opinião pública olha a reforma
do sistema político em Portugal.
O segundo texto tem como autores Fernando Filgueiras (professor do
Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e consultor
do Projeto) e Mateus Morais Araújo (doutorando em Ciência Política pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais). Os
autores têm como objetivo compreender a construção da política anticorrupção no
Brasil, e as medidas efetivamente tomadas no quadro legal para combater a corrupção, a
partir das mudanças institucionais promovidas pela Constituição da República
Federativa de 1988.
António Maia (doutorando e pesquisador do Projeto, em funções no Conselho de
Prevenção da Corrupção) e Hermenegildo Borges (pesquisador do Projeto e professor
da Universidade Nova de Lisboa) assinam o terceiro artigo “Prevenir e reprimir a
corrupção política em Portugal — evolução do quadro legal”. Neste artigo abordam a
evolução do quadro legal português a partir dos anos oitenta, debruçando-se sobre as
estratégias e políticas públicas desenhadas pelos sucessivos governos para, no contexto
das convenções internacionais, reprimirem, controlarem, investigarem e prevenirem a
5 criminalidade económica praticada contra o Estado por funcionários no exercício de
funções públicas.
O quarto e último artigo sobre a temática “Sistemas Políticos e Enquadramento
jurídico da corrupção”, da autoria de Domingos do Rosário (professor da Universidade
Eduardo Mondlane, Maputo) discorre sobre “Eleições e corrupção em Moçambique”.
Argumenta que o pluralismo instalado em Moçambique, após uma guerra civil, não
lançou as bases para o exercício de um Estado de direito nem de cidadania. Na sua
perspetiva, o actual sistema político lançou bases para procedimentos formais que
permitiram ao partido Frelimo consolidar a sua hegemonia, através de mecanismos de
corrupção política nomeadamente a fraude eleitoral.
Na segunda temática da Parte I “Sistemas Mediáticos” estão incluídos cinco
artigos. O primeiro, da autoria de Estrela Serrano (presidente do CIMJ e pesquisadora
do Projeto), intitula-se “Sistema dos Media em Portugal: os primeiros anos após a
instauração da democracia”. O artigo debruça-se sobre o sistema mediático português,
desde a instauração da democracia em Portugal, em 1974, a partir das dimensões
propostas por Hallin e Mancini (2010). A autora, partindo das dimensões propostas
pelos autores citados, aborda a propriedade dos media, a formação do mercado e a
profissionalização nos últimos trinta anos, em Portugal.
No artigo seguinte, Rita Figueiras (professora da Universidade Católica de Lisboa
e pesquisadora do Projeto) assina “O Sistema dos Media em Portugal no contexto da
globalização do século XXI” onde refere as transformações do setor da comunicação e
dos media em Portugal, decorrentes da globalização e da crise económica do início do
milénio. O texto inventaria e descreve as estratégias seguidas pelos principais grupos de
comunicação, nomeadamente a entrada de empresas e de capital angolano neste setor.
O artigo “As diferentes dinâmicas da corrupção: Mídia, perceção e instituições no
contexto brasileiro”, da autoria de Nuno Coimbra Mesquita (pesquisador do Núcleo de
Pesquisa de Políticas Públicas – NUPPs da USP/Brasil), José Álvaro Moisés (professor
de Ciência Política da USP e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas NUPPs da USP) e Bruno Rico (pesquisador associado do Núcleo de Pesquisas em
Políticas Públicas - NUPPs da USP), avalia a dinâmica do tratamento da corrupção nos
media brasileiros, ao longo dos últimos 25 anos, em comparação com outras variáveis
sobre perceção da corrupção. Os autores assumem a importância do tema corrupção
para a teoria democrática e chamam a atenção para a complexidade do seu estudo, dada
a diversidade de índices que a enquadram.
6 Marialva Barbosa (professora de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Vice-Presidente da INTERCOM) caracteriza o sistema mediático brasileiro a
partir da sua relação com o público e da sua transformação conceitual em “massas” e
“multidão”. O objetivo é mostrar como a compreensão do fenómeno histórico da
multidão está diretamente relacionada com a constituição do sistema mediático
brasileiro.
No quinto e último texto da temática “Sistemas Mediáticos”, Ernesto Nhanale
(doutorando, pesquisador do Projeto e membro do Centro de Estudos Interdisciplinares
de Comunicação de Moçambique) escreve sobre “Sistema dos Media em Moçambique:
uma breve análise do mercado da imprensa, radiofusão pública e da profissionalização
do jornalismo”. Assumindo o modelo de Hallin e Mancini (2010), o autor analisa o
sistema dos media noticiosos, em Moçambique, tendo em conta as variáveis do mercado
da imprensa escrita, o sistema da radiodifusão pública e o nível da sua
profissionalização.
Na Parte II, são apresentados estudos empíricos centrados na relação entre os
media e a corrupção política. No primeiro texto, Isabel Ferin Cunha (professora da
Universidade de Coimbra e pesquisadora principal do Projeto) discute a relação entre os
indicadores de opinião pública e a cobertura jornalística dos fenómenos de corrupção
política em Portugal de 2005 a 2012. Com este objetivo foram selecionados três casos
mediatizados de corrupção política e analisado um corpus, online. No artigo foram
utilizados os indicadores de opinião pública divulgados pelo Barómetro Político da
empresa Marktest. Entre outras questões, o artigo pretende apurar como os casos de
corrupção política, agendados pelos meios de comunicação social, se refletem na
opinião pública aferida pelas sondagens periódicas.
No artigo “Meios de Comunicação, corrupção e redes sociais nas eleições para
prefeito no Brasil”, Helcimara Telles (professora da Universidade Federal de Minas
Gerais e coordenadora do grupo de pesquisa Opinião Pública, Marketing Político e
Comportamento Eleitoral, da UFMG), Pedro Frahia (economista e pesquisador do
grupo “Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral” da UFMG) e
Nayala Lopes (pesquisadora do grupo "Opinião Pública, Marketing Político e
Comportamento Eleitoral" da UFMG) abordam como a perceção da corrupção afeta a
escolha do eleitor, na cidade de Belo Horizonte, Brasil. Partindo do princípio que os
media influenciam a opinião pública, analisam os fatores que determinam a intenção de
voto, tais como a exposição aos media, a perceção e tolerância à corrupção, a avaliação
7 da economia e do passado político dos candidatos a prefeito. Os dados resultam em
pesquisa realizada em Belo Horizonte, durante as eleições municipais de 2012.
O texto “A Corrupção Política vista através das redes sociais: metodologias para o
estudo de conteúdos Web”, de Estrela Serrano, debruça-se sobre a blogosfera tendo
como foco as metodologias de análise de conteúdo nesta rede social. O artigo toma
como corpus uma amostra de blogs que abordaram o caso Freeport, um caso
identificado como corrupção política em Portugal. No artigo “Objetividade na cobertura
do escândalo político e os novos propósitos de uma subjetividade objetivante”, Bruno
Paixão (doutorando e pesquisador do Projeto) confronta a objetividade jornalística face
ao caso “ Fátima Felgueiras”, identificado como escândalo político. O autor apresenta
ainda o resultado de um questionário dirigido aos jornalistas de política e às direcções
editoriais sobre a objetividade e o escândalo político. Por último, o texto de Egídio Vaz
Raposo (historiador e consultor internacional de comunicação em Moçambique) discute
a contribuição da Internet para a constituição e consolidação de um espaço de exercício
da cidadania em Moçambique. Partindo do conceito de ativismo digital, reflete sobre o
envolvimento dos cidadãos no espaço público virtual e na capacidade das redes sociais
mobilizarem os cidadãos para a ação política.
Como nota final desta apresentação, ressalta-se que os artigos refletem três
registos de português escrito, correspondentes às origens e nacionalidades dos autores.
A grafia e o registo foram respeitados nesta publicação.
Referência Bibliográfica
HALLIN, D. e MANCINI, P. (2010) Sistemas de Média: Estudo Comparativo três
modelos de Comunicação e Política. Colecção Média e Jornalismo. Lisboa: Livros
Horizonte.
8 1. Análise do Sistema Político Português no Período Democrático:
uma breve caracterização
Mafalda Lobo
Introdução
Os sistemas políticos modernos são fruto das Revoluções Americana (1776) e
Francesa (1789). Em Portugal podemos analisar os sistemas políticos considerando
quatro períodos históricos: A Monarquia Constitucional (1820-1910); a I República
(1910-1926), o Estado Novo (1926-1974) e o período democrático (de 1974 - até à
presente data).
Neste capítulo, começa-se por apresentar o conceito de sistema político e o seu
funcionamento sistémico, os seus componentes e as várias dimensões de análise,
partindo depois para uma análise particular dos vários sistemas que o integram no
período que vai desde a instauração do regime democrático em Portugal (após o golpe
militar de 25 de Abril de 1974), até à actualidade. Com o fim do regime autoritário e
ditatorial, instituíram-se em Portugal, eleições regulares, livres e justas para os órgãos
do poder político: Assembleia da República, Presidência da República, Autarquias
Locais, Regiões Autónomas e Parlamento Europeu. Os sistemas eleitorais, os sistemas
de governo, e os sistemas partidários são fundamentais para se perceber todo o
funcionamento do sistema político moderno, por isso, torna-se importante analisar as
suas características e inter-relações na democracia portuguesa.
Ao longo deste capítulo irão também ser abordadas algumas das propostas
apresentadas para a reforma do sistema eleitoral como forma de melhorar a
representação política e a qualidade da democracia em Portugal.
Para a elaboração deste capítulo, procedeu-se a uma análise bibliográfica
exaustiva e criteriosamente seleccionada sobre o tema de autores consagrados na área da
Ciência Política.
9 Sistema Político: Conceito e dimensões de análise
O conceito de sistema político foi introduzido por David Easton (1992, 1965, pp.
221-222), e utilizado posteriormente por outros autores no estudo da Ciência Política e
nos estudos políticos (e.g. Almond et al., 2006; Norris 2010; e Pasquino, 2005). Pode
definir-se da seguinte forma:
Pode denominar-se sistema político àquelas interações através das quais se
atribuem/se dispõem de forma vinculativa/de forma imperativa os valores
(materiais e simbólicos) em uma determinada sociedade; isto é o que distingue o
sistema político dos outros sistemas que formam o seu meio (ambiente) (Easton,
1992, 1965: 221-222).
Ainda na linha de pensamento de Easton, os sistemas políticos não existem
isolados, estão integrados e interagem em diferentes ambientes. O meio ambiente no
qual o sistema político se integra divide-se em intra-social e extra-social (Easton, 1992,
1965; Almond, et al., 2006, pp. 35-37). O intra-social refere-se aos subsistemas não
políticos pertencente à mesma sociedade (económico e o cultural, a estrutura social, as
personalidades individuais), os chamados segmentos funcionais da sociedade. O
extra-social, diz respeito a todos os sistemas que estão fora da sociedade, isto é, os
sistemas políticos de diferentes sociedades do mundo (organizações internacionais, os
movimentos sociais internacionais, etc.) e que interagem com o sistema político
nacional, influenciando-o e sendo influenciado por ele (Easton, 1992, 1965:225;
Almond, e all., 2006). O modelo simplificado de sistema político, tal como nos
apresenta Easton (1992, 1965:32), concebe a vida política como um sistema de
comportamentos, com um determinado ambiente, sujeito a várias influências (inputs), às
quais reage (outputs). Estas respostas irão provocar um efeito de feedback, sobre os
inputs, realimentando continuamente o sistema político.
Um sistema político, para além de um conjunto integrado de vários elementos
inter-relacionados, não é um sistema isolado, está integrado em diferentes ambientes –
sociais, psicológicos, biológicos, etc. – e está sujeito às várias influências dos vários
subsistemas que o rodeiam. A vida política é um sistema aberto, e por isso, gera-se um
fluxo contínuo de influências e condicionalismos à acção dos sistemas políticos.
Pasquino (2005: 12-13), por seu lado, define três componentes básicas dos sistemas
políticos: a comunidade política; o regime; e as autoridades (esquematização elaborada
10 por Pasquino mas da autoria de Easton). Na comunidade política, o autor inclui todos os
indivíduos, grupos ou organizações abrangidos pelo sistema político do seu país,
expostos às decisões das autoridades e às modalidades de funcionamento do regime, que
no caso português é uma comunidade homogénea, o que não acontece em outros países
da Europa. Em relação ao regime, como a segunda componente mais importante de um
sistema político, o autor refere:
O regime é o conjunto das regras, das normas, dos procedimentos – poder-se-ia
mais genericamente dizer a Constituição - que acautela o funcionamento das
instituições e o seu relacionamento, a actividade política da comunidade e a
escolha e os comportamentos das autoridades (Pasquino, 2005:15).
O termo “regime” serve para distinguir dentro dos vários regimes, os
democráticos e não democráticos, aqueles que são monarquias constitucionais,
parlamentares, presidenciais, semipresidenciais, directoriais etc.).
O regime político ainda pode ser subdividido em três dimensões: “princípios”,
“instituições” ”rendimento/desempenho/performance”. Os “princípios” são os valores
do regime, as normas fundamentais, o seu enquadramento constitucional, e determinam
aquilo que é a esfera dos direitos, civis, políticos e sociais, estabelecendo a diferença no
relacionamento entre o Estado e o mercado, entre o público e o privado. As
“instituições”, referem-se à existência ou não, de presidentes, governos, parlamentos,
tribunais; ao sistema eleitoral; aos sistemas de partidos; à organização territorial do
Estado etc. A última dimensão do sistema político pressupõe a análise do grau de
responsabilização política, a tomada de decisões, a estabilidade política, os níveis de
satisfação dos cidadãos; os níveis de integração dos diferentes grupos sociais no sistema
social e político do país; os níveis de igualdade e de desigualdade etc.
As autoridades, como a última componente de um sistema político, são aqueles
que desempenham cargos políticos, ou seja, que têm a capacidade de deter cargos
institucionais de representação, de governo, cargos políticos e administração da justiça.
Sistemas Eleitorais: Definição, tipologia, e alguns contributos teóricos
O sistema eleitoral está na base de todo o sistema político e constitui uma
dimensão institucional muito relevante no funcionamento do mesmo. Quando falamos
em sistemas eleitorais, falamos da forma como se convertem os votos de uma eleição
11 em mandatos, ou seja, do modo como o poder é repartido entre os diversos partidos, e
até mesmo numa eleição dentro dos partidos para um qualquer órgão. Numa definição
mais restrita, para Nohlen (2007:15) “os sistemas eleitorais determinam as regras
através das quais os eleitores expressam as suas preferências políticas, convertendo
votos em mandatos parlamentares”, no caso das eleições legislativas.
Não podemos falar de sistemas eleitorais sem equacionarmos os sistemas
partidários e os sistemas políticos. O sistema eleitoral é a base de todo o sistema político
e condiciona todo o sistema político pela influência que tem na configuração do sistema
parlamentar, no sistema de governo e na forma como molda o poder político. Podemos
definir sistema eleitoral em sentido amplo e em sentido restrito. No sentido amplo,
caracteriza-se pelo “conjunto de normas jurídicas-positivas e consuetudinárias que
regulam a eleição de representantes do povo”, ou seja, que regulam os processos
eleitorais (CNE, 2000). Em sentido restrito (Cardoso, 1993: 11), o sistema eleitoral
traduz-se na conversão de votos em mandatos nos processos de eleição de
representantes para cargos públicos, e que não pode dissociar-se de outros aspectos
como:
a) a natureza do sufrágio;
b) a dimensão ou magnitude dos círculos - quanto mais pequeno é o círculo
eleitoral, menor será o efeito proporcional do sistema eleitoral, e também a
possibilidade de pequenos partidos acederem ao Parlamento, ou seja, a
quantidade de votos que um partido necessita para obter um mandato é tanto
maior quanto menor for o número de mandatos a distribuir no círculo eleitoral.
Nos círculos uninominais (escolha de candidatos individuais), a relação eleitor e
candidato é mais estreita do que nos círculos plurinominais (lista apresentada
pelo partido);
c) a capacidade eleitoral;
d) as condições das candidaturas – candidatura individual e candidatura de lista
(fechada e bloqueada; fechada e não bloqueada; lista aberta). Na lista fechada e
bloqueada, o eleitor vota em listas de candidatos propostas pelos partidos; a
fechada e não bloqueada permite ao eleitor alterar a ordenação dos candidatos na
lista elaborada pelo partido; na lista aberta, o eleitor pode eleger candidatos de
listas diferentes (Nohlen, 2007: 18).
e) o modo como são reguladas as campanhas eleitorais e assegurada ou não,
melhor ou pior, a igualdade entre candidatos, etc.
12 Na definição mais restrita do sistema eleitoral (Cardoso, 1993: 21), podem questionar-se
ainda os seguintes elementos:
a) se estamos perante um sistema de representação por maioria ou proporcional. No
sistema de representação por maioria, é eleito o candidato (ou lista de
candidatos) que obtém o maior número de votos. Este tipo de escrutínio pode
ainda assumir a forma de: maioritário puro e simples e maioritário em duas (ou
mais) voltas;
b) quais as fórmulas utilizadas para a conversão de votos em mandatos. Aqui
importa distinguir entre as fórmulas do quociente eleitoral ou dos maiores restos:
dividir os totais de votos obtidos pelos partidos por uma quota, ou seja, a cada
um dos partidos são atribuídos tantos mandatos quanto os números inteiros
correspondentes à quota, sendo os restantes mandatos distribuídos numa
segunda contagem pelos partidos com maiores restos, e as fórmulas do divisor
ou da média mais alta, assenta na divisão do número de votos de cada partido
por determinados divisores (no caso do método de Hondt: 1,2,3,4,5, etc.);
f) qual o desenho e dimensão dos círculos eleitorais – quanto mais pequeno é o
círculo eleitoral, menor será o efeito proporcional do sistema eleitoral, e também
a possibilidade de pequenos partidos acederem ao Parlamento, ou seja, a
quantidade de votos que um partido necessita para obter um mandato é tanto
maior quanto menor for o número de mandatos a distribuir no círculo eleitoral.
Nos círculos uninominais (escolha de candidatos individuais), a relação eleitor e
candidato é mais estreita do que nos círculos plurinominais (lista apresentada
pelo partido);
c) existência ou não de cláusulas barreira legais. Fala-se em barreiras legais quando
os partidos têm necessidade de alcançar uma determinada percentagem de votos
ou um determinado número de mandatos para aceder à representação
parlamentar. Estas barreiras aplicam-se apenas aos partidos e não a um
candidato em particular que no caso de ser eleito no seu círculo eleitoral tem
sempre garantido o seu lugar independentemente de o seu partido ter superado a
barreira legal ou não;
g) tipo de sufrágio (nominal versus de lista; listas abertas versus fechadas). Aqui
torna-se importante distinguir entre candidatura individual e candidatura de lista
(fechada e bloqueada; fechada e não bloqueada; lista aberta). Na lista fechada e
bloqueada, o eleitor vota em listas de candidatos propostas pelos partidos; a
13 fechada e não bloqueada permite ao eleitor alterar a ordenação dos candidatos na
lista elaborada pelo partido; na lista aberta, o eleitor pode eleger candidatos de
listas diferentes (Nohlen, 2007: 18).
h) que procedimentos de votação: voto único; voto duplo; possibilidades de escolha
facultadas ao eleitor na escolha dos candidatos/partidos (categórico versus voto
ordinal, etc.);
d) dimensão do órgão a eleger, nomeadamente o número de representantes;
e) a influência dos sistemas presidenciais no formato e dinâmica partidária ao
nível dos órgãos legislativos;
f)
a forma de preenchimento, ou não, das vagas nos mandatos;
g) e análise integrada de todos os elementos dos sistemas eleitorais e da sua
influência no formato e dinâmica dos sistemas partidários, bem como no
funcionamento geral do sistema político (Lopes, Freire, 2002: 91-92).
A conversão de votos em mandatos, independentemente destes factores, é a que
assume maior relevância, e distingue-se entre a regra maioritária e a regra proporcional.
Na fórmula maioritária, em cada círculo eleitoral ganha o partido ou candidato que tiver
a maioria, relativa ou absoluta dos votos; no caso da regra proporcional, a distribuição
dos mandatos resulta da percentagem de votos obtidos pelos distintos partidos ou
candidatos.
O sistema eleitoral assume grande relevância no funcionamento do sistema
político, através do impacto que gera no formato e dinâmica do sistema partidário.
Contudo, será preciso ter em conta que “a análise dos efeitos dos sistemas eleitorais
deve partir das condições históricas e sociopolíticas dos países respectivos” (Nohlen,
1994:37), e os princípios de representação diferenciam-se quanto aos seus objectivos
para o conjunto do país: formação de maiorias monopartidárias ou representação fiel do
eleitorado. Em Portugal, os elementos estruturantes do sistema eleitoral relativos à
eleição da Assembleia da República não se alteraram desde que se se instituiu a
democracia (1976), e estão consagrados na Constituição que se rege pelo princípio da
representação proporcional e o recurso ao método de Hondt na conversão dos votos em
mandatos, a estrutura dos círculos e respectiva distribuição dos mandatos em cada um e
a proibição da cláusula barreira, são elementos que se têm mantido. Procurou-se assim
reforçar os partidos políticos emergentes e favorecer a consociatividade, contrariando
aquilo que foi o regime anterior assente na longa governação maioritária. O objectivo é
ultrapassar as consequências de uma constante instabilidade governativa, mas também
14 da crescente partidocracia, e afastamento dos cidadãos da política e das instituições. A
estes efeitos junta-se a baixa militância e uma menor identificação partidária, agravada
pelas altas taxas de abstenção. São estes fenómenos que têm originado as chamadas
propostas de reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República, com ênfase
na introdução de um sistema maioritário com círculos uninominais ou de um sistema
misto, que poderiam vir a garantir a proporcionalidade.
São muitos os autores que têm abordado a questão das reformas eleitorais (e.g.
Geddes, 1995; Benoit e Schiemann, 2001; Shugart e Wattenberg, 2003), na análise a
vários países. Outros têm dado contributos teóricos para melhor percebermos as
diferenças entre os vários sistemas eleitorais (e.g. Arrow, 1950; Rae, 1967, 1971;
Lijphart, 1985, 1994; Sartori, 1994, Nohlen, 2007). Para Nohlen (2007: 109-112), a
escolha de um sistema eleitoral resulta de uma escolha equilibrada entre diversos
critérios de avaliação que designou de “exigências funcionais fundamentais”:
Representação, Concentração e Eficácia; Participação; Simplicidade (ou transparência);
Legitimidade. Desenvolvendo esta ideia, as eleições têm como objectivo delegar o
poder político, e o sistema eleitoral deverá contribuir para a estruturação do sistema
partidário e do processo político de um país. Isto é, os sistemas eleitorais devem
cumprir os seguintes requisitos: representar os diferentes grupos sociais (sobretudo das
minorias e mulheres, para além de representar de forma proporcional as forças sociais e
políticas na sociedade; facilitar as decisões políticas (razão pelo qual os partidos
representados no parlamento não devem ser muito pequenos e diferentes); e ter a
participação (expressão da vontade política no âmbito da alternativa voto unipessoal
versus voto de partido ou de lista) como uma das suas funções. Os sistemas eleitorais
devem basear-se na simplicidade e na transparência para que os cidadãos percebam
como funcionam, e ter legitimidade, ou seja, os resultados eleitorais devem ser aceites
por unanimidade. É preciso, no entanto, considerar que existem vários sistemas
eleitorais, e que estes dependem de vários factores ambientais ou contextuais tal como
descrevem Maurice Duverger (1950) e outros.
Existem, hoje em dia, nos países democráticos, três tipos de sistemas eleitorais: O
sistema maioritário em uma volta, ou sistema de representação por maioria, o sistema de
Representação Proporcional (RP), e o sistema maioritário em duas voltas. O primeiro,
que foi sempre utilizado na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e outros países
anglo-saxónicos, como o Canadá, Austrália e Nova Zelândia, é o mais antigo, o mais
simples dos sistemas eleitorais, e o mais justo. Neste sistema é eleito apenas um
15 deputado em cada círculo eleitoral, isto é, vence a eleição o candidato que tiver maior
número de votos no seu círculo. Os votos dados aos candidatos derrotados, em cada
círculo, são votos perdidos, fazendo com que os governos sejam monopartidários e
maioritários no Parlamento. Este sistema assegura a estabilidade e a eficácia dos
governos.
Os sistemas eleitorais proporcionais começaram a ser utilizados no final do século
XIX e princípio do século XX, e resultaram das pressões de diferentes forças políticas
que se sentiam prejudicadas na tradução dos votos em mandatos. O princípio básico é
representar fielmente as diferentes tendências sociais e políticas do eleitorado. Neste
sistema não há círculos uninominais (eleição de apenas um deputado por círculo). Cada
círculo elege um mínimo de dois ou três deputados. Cada partido apresenta para cada
círculo eleitoral uma lista, por isso também se designa de sufrágio de lista. É o sistema
que vigora em Portugal (desde 1974), em Itália, na Bélgica, Holanda, Dinamarca.
Freitas do Amaral considera que este sistema gera instabilidade e ineficácia governativa
e, por outro, a desafeição em relação ao sistema político (Amaral, 1998: 126). Em
alguns países, como por exemplo, na Grécia, a fórmula proporcional está associada a
uma reduzida dimensão dos círculos eleitorais, e a limiares de representação muito altos
tornando o sistema deslocado dos princípios da representação proporcional. No Japão,
os sistemas de voto limitado, ou do sistema de voto único não transferível, utilizado
entre 1947-1990, visavam criar mecanismos para assegurar a representação de minorias.
É neste sentido que Nohlen (1994: 94-97) distingue entre princípios de representação e
fórmulas de conversão enquanto critérios para classificar os sistemas eleitorais,
revelando que o critério de maior relevância política não é a fórmula de conversão
(maioritária ou proporcional), mas sim o princípio de representação utilizado
(maioritário ou proporcional). As fórmulas de conversão em mandatos representam
meios que permitem atingir determinados fins (objectivos) fixados nos princípios de
representação adoptados (Nohlen, 1994: 97). De acordo com esta abordagem não
existem sistemas de representação mistos, mas sim sistemas de representação por
maioria e sistemas de representação proporcional e, “dentro destes dois tipos básicos
existem sistemas que se correspondem em maior ou menor grau com os respectivos
princípios” (Nohlen, 1994: 98).
O sistema maioritário em duas voltas, foi adoptado em França pelo General
Charles De Gaulle, a partir de 1958. A eleição faz-se em círculos uninominais: cada
círculo elege apenas um deputado. À primeira volta concorrem todos os partidos, e são
16 eleitos apenas os candidatos que obtiverem maioria absoluta. Na segunda volta, irão a
votos os candidatos que nos círculos não tenham obtido maioria absoluta à primeira
volta, e será eleito o candidato mais votado, mesmo que apenas com maioria relativa.
Não existe um sistema eleitoral modelo, antes um sistema ideal deve ser estruturado
tendo em conta as condições específicas de cada país, atendendo ao seu contexto
histórico, social e político (Sartori, 1994; Nohlen, 2007).
Resumindo esta abordagem, os princípios de representação diferenciam-se quanto
aos objectivos almejados para cada país, ou de formação de maiorias monopartidárias
ou representação fiel do eleitorado (Farrell, 1997: 6-7; Lopes, Freire, 2002: 93). Já as
fórmulas de conversão diferenciam-se pelo critério utilizado para definir quem perde ou
quem ganha a eleição em cada círculo eleitoral, e relativamente aos mandatos atribuídos
a cada um dos concorrentes. Nas fórmulas maioritárias ganha quem tiver a maioria de
votos, não cabendo nenhuma representação aos vencidos; nas fórmulas proporcionais,
os mandatos são distribuídos pelos vários concorrentes de acordo com as respectivas
percentagens de votos. Nesta última, os partidos/candidatos tendem a obter um número
de mandatos proporcional à sua percentagem de votos, pelo que os derrotados também
tenderão a obter lugares.
Na relação entre o voto e o resultado eleitoral, ela é directa e simples no caso das
fórmulas maioritárias, pois a determinação do vencedor decorre directamente dos
resultados eleitorais, enquanto, que nas fórmulas proporcionais essa relação é indirecta e
complexa, exigindo muitas vezes a formação de coligações pós-eleitorais para constituir
governo. De igual forma, nas fórmulas maioritárias, a concentração regional de voto é
muito maior, facilitando que os partidos pequenos consigam, a nível nacional, ter mais
facilidade em eleger deputados. As fórmulas maioritárias associam-se à eleição de
candidatos em círculos uninominais, ao passo que nas fórmulas proporcionais elegem-se
normalmente listas de candidatos partidários em círculos plurinominais.
São vários os debates feitos sobre os sistemas eleitorais e seus efeitos sobre os
sistemas partidários e políticos, e também sobre as vantagens e desvantagens de cada
tipo de sistema (Nohlen, 1994:112-115). Para Nohlen, são várias as vantagens teóricas
dos sistemas de representação maioritários e os sistemas de representação proporcional
(Lopes, Freire, 2002: 94-95). Outros autores, como Farrell (1997) e Shugart e
Wattenberg (2001), defendem a posição de que é possível conciliarem-se num mesmo
sistema as vantagens da estabilidade governativa e da representação dos interesses
minoritários. O sistema de representação proporcional caracteriza-se, pelo facto de o
17 número de eleitos por cada candidatura concorrente a um determinada eleição ser
proporcional ao número de eleitores que escolheram votar nessa mesma candidatura.
Ora, no âmbito deste sistema, existem várias fórmulas ou modelos matemáticos que
podem ser utilizados para transformar votos em mandatos a atribuir às candidaturas
concorrentes a certa eleição, sendo o método de Hondt um deles. Este método é
sobretudo utilizado na Europa Continental. Mas existem outras fórmulas: Saint-Lague,
por exemplo, associada a países escandinavos, onde é utilizada apenas na versão
modificada (Lijphart, 1985, 1994). De qualquer modo, em cada uma destas fórmulas, os
votos de cada partido em cada distrito eleitoral são divididos pelos vários divisores,
tantos quantos os necessários para se atribuírem os mandatos em disputa nesse círculo.
De seguida ordenam-se os resultados dos quocientes, ou seja, as médias dos vários
partidos. Os mandatos em disputa são depois distribuídos de acordo com a ordem de
cada um dos quocientes (Lopes, Freire, 2002: 116-117). O método de Hondt, integra a
categoria dos métodos de divisores – por contraposição à categoria dos métodos de
maiores restos – pois a operação matemática consiste precisamente na divisão do
número total de votos obtidos por cada candidatura por divisores previamente fixados,
no caso 1, 2, 3, 4, 5, e assim sucessivamente.
Sistema eleitoral: Eleições e Enquadramento Constitucional
As primeiras eleições em Portugal foram em 1820 e serviram para designar os
representantes às Cortes Extraordinárias e Constituintes. Até à proclamação da I
República (1910) realizaram-se em Portugal 47 eleições reguladas por 22 diplomas
constitucionais ou regulamentares (Joel Serrão, citado por Cardoso, 1993: 47).
Estabeleceram as leis regulamentares sobre o sistema de eleições, a capacidade eleitoral,
a duração da legislatura, a composição da Câmara dos Pares, entre outros princípios, a
Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 (que instituiu o sistema bicameral
– Câmara dos Pares e Câmara dos Deputados), a Constituição de 1838 (que instituiu a
Câmara dos Senadores, em substituição da Câmara dos Pares), o Acto Adicional de
1852, 1885, e 1895-1896 e o Acto adicional de 1907. Em Portugal o sistema bicameral
e o sufrágio censitário vigoraram durante quase toda a Monarquia Constitucional
(1820-1901) (Cardoso, 1993: 51-55). Quanto ao sistema eleitoral, o escrutínio
18 maioritário uninominal, em círculos plurinominais e/ou uninominais foi a regra durante
toda a Monarquia Constitucional (Cardoso, 1993: 57-61).
Durante a I República realizaram-se 7 eleições gerais e a Constituição de 1911
manteve o sistema de representação bicameral. O poder legislativo era exercido pelo
Congresso da República, formado por duas Câmaras, a Câmara dos Deputados e o
Senado, eleitas por sufrágio directo. Com a implantação da República acaba o sufrágio
censitário, embora mantendo ainda algumas excepções (analfabetos e mulheres). O
Decreto de 4 de Abril de 1911 introduziu pela primeira vez em Portugal, a eleição
proporcional pelo método de Hondt.
Durante o Estado Novo, 1934-1973, assistiu-se à vigência de um regime
autoritário, que reprimia as liberdades e garantias dos cidadãos, onde não era permitida
a existência de partidos políticos. Realizaram-se neste período 11 eleições legislativas.
A Constituição de 1933 instituiu a Assembleia Nacional como um dos quatro órgãos de
Estado entre o Chefe de Estado, o Governo e os Tribunais. O voto era censitário com
excepção dos cidadãos do sexo masculino, e das mulheres que preenchessem alguns
requisitos. Quanto ao sistema eleitoral, a eleição para a Assembleia Nacional tinha um
círculo único, por escrutínio de lista completa, com eleição numa só volta.
A Constituição de 1976 consagra o sufrágio universal, directo e secreto, e
determina que os Deputados para a Assembleia Constituinte seriam eleitos segundo o
sistema da representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt. A
eleição seria em círculos eleitorais, e o número de deputados por cada círculo do
território nacional devia ser proporcional ao número de eleitores neles inscritos. As
eleições para a Assembleia Constituinte realizaram-se a 25 de Abril de 1974, em 24
círculos eleitorais (dezoito distritos do continente, quatro das ilhas adjacentes, um de
Macau, um de Moçambique, e um da Emigração). Foram eleitos 250 deputados. Desde
a eleição da Assembleia Constituinte, e posterior promulgação da Constituição de 1976,
tiveram lugar em Portugal até ao presente, 13 eleições legislativas (1976, 1979, 1980,
1983, 1985, 1987, 1991, 1995, 1999, 2002, 2005, 2009 e 2011).
19 Caracterização do Sistema Eleitoral Português:
A Eleição dos Principais Órgãos de Poder
Em Portugal, os deputados à Assembleia da República são eleitos por 22 círculos
eleitorais, que correspondem a 18 distritos administrativos de Portugal continental, dois
círculos nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, um círculo para os cidadãos
portugueses residentes na Europa, e outro para os que residem fora da Europa (Jalali,
2007: 270). O círculo eleitoral é uma circunscrição territorial criada para fins eleitorais,
a cujos eleitores inscritos corresponde um determinado número de mandatos,
previamente definido no órgão a eleger.
O sistema eleitoral de eleição do Presidente da Republica é o sistema maioritário a
duas voltas (pelo facto de se tratar de um órgão uninominal). Será eleito o candidato que
obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se considerando como tal
os votos em branco. Exige-se maioria absoluta e, caso não seja alcançada, exige-se uma
segunda volta onde concorrem os dois candidatos mais votados, que não obtiverem
maioria absoluta na primeira volta. É o chamado sistema de ballotage ou de duas voltas.
A eleição para a Assembleia da República assenta no sistema de representação
proporcional. Os deputados à Assembleia da República são eleitos através do método de
Hondt (método da média mais alta) em circunscrições plurinominais.
A Constituição prevê a possibilidade, não concretizada em lei ordinária, de um
círculo eleitoral nacional e de círculos eleitorais uninominais, de modo a distorcer a
desproporcionalidade. A Lei eleitoral proíbe explicitamente a adopção de qualquer
cláusula de barreira, uma vez que se trata de um sistema de representação proporcional,
onde todos devem ser representados consoante a sua expressividade eleitoral.
Efectivamente, constata-se que no sistema eleitoral não existe uma cláusula de barreira
formal mas na realidade existe uma cláusula de barreira efectiva. Por exemplo, no
círculo eleitoral de Portalegre só elegem deputados os partidos que possuírem uma
expressão eleitoral superior a 25%.
Em relação ao eleitor, este quando elege os representantes para a Assembleia da
Republica, dispõe de um voto singular para votar em listas plurinominais, fechadas e
bloqueadas.
20 No que diz respeito à eleição para as ALRAA (Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores), o sistema eleitoral consagra à semelhança da Assembleia da
República,
a
representação
proporcional,
apresentando,
no
entanto
algumas
especificidades. A mais significativa prende-se com a existência de dez círculos
eleitorais, dos quais nove correspondem a cada uma das nove ilhas do arquipélago.
Cada um destes círculos elege dois deputados e mais um, por cada 6000 ou fracção
superior a 1000 eleitores, recenseados no respectivo círculo, a que se junta à totalidade
do território da região autónoma, que elege cinco deputados, no total. Esta preocupação
em consagrar um círculo regional de compensação prende-se com a necessidade de se
salvaguardar a proporcionalidade do sistema e promover a igualdade do valor de voto.
Relativamente à eleição dos deputados, aquele faz-se mediante o recurso ao
sufrágio universal, directo e secreto, tendo em conta o respeito pelo princípio da
representação proporcional e em obediência ao método de Hondt.
Por último, como se passa na eleição para a Assembleia da Republica, o eleitor dispõe
de um único voto, sendo as listas plurinominais, fechadas e bloqueadas, e apresentadas
exclusivamente por partidos ou coligações de partidos.
No que concerne à eleição para as ALRAM (Assembleia Legislativa da Região
Autónoma Madeira), procede-se mediante o respeito pelo sistema de representação
proporcional
(imposto
pela
ordem
constitucional
que
vincula
o
Estatuto
Político-administrativo da regiões autónomas). Neste caso particular aplica-se a
plenitude do princípio da representação proporcional, dado existir um círculo regional
único para a totalidade dos mandatos (47), para os quais os deputados são eleitos.
No que toca às Autarquias Locais, o seu processo de eleição está vinculado ao
princípio do sistema proporcional, optando-se pela conversão dos votos em mandatos
assente no método da média mais alta de Hondt. O eleitor, por sua vez, possui um voto
singular de lista por cada órgão autárquico a eleger (Câmara Municipal, Assembleia
Municipal e Assembleia de Freguesia), sendo as listas plurinominais, fechadas e
bloqueadas. Relativamente ao círculo eleitoral, este equivale à área territorial da
autarquia, correspondente ao órgão a eleger.
O sistema de eleição para as Autarquias Locais permite a apresentação de
candidaturas de cidadãos eleitores à eleição dos órgãos autárquicos, excluindo dessa
forma o monopólio dos partidos, verificados nas outras eleições.
Por último, no que se reporta à eleição do Parlamento Europeu, verifica-se que o
sistema eleitoral de eleição dos deputados naquele parlamento não é igual em todos os
21 27 Estados-Membros da União Europeia, (pese embora a lei estipular a uniformização
do processo eleitoral). Enquanto tal disposição não passa à prática corrente, os
Estados-Membros têm optado pela adopção do seu sistema de eleição dos parlamentos
nacionais na eleição dos seus representantes ao Parlamento Europeu (aplicação
subsidiária da legislação eleitoral).
Sistema Eleitoral Português: Propostas de Reforma nos Programas
Eleitorais dos Governos no pós-25 de Abril
Tem-se falado muito na reforma do sistema eleitoral, mas em quase 40 anos de
democracia nunca houve uma verdadeira mudança no sistema eleitoral. Entre 1976 e
2008 ocorreram diversos ciclos de debate sobre a reforma eleitoral (Freire e all. 2008)
com várias propostas de alteração, desde a mudança para um sistema maioritário a duas
voltas (Amaral, 1985), até manter o sistema actual com pequenas alterações. As
primeiras iniciativas partiram dos partidos Partido Social Democrata (PSD) e CDS Partido Popular (CDS-PP). O Partido Comunista Português (PCP), nunca esteve a favor
da alteração, e o Partido Socialista (PS), embora com alguma relutância acabou por
tomar também a iniciativa.
O sistema eleitoral vigente actualmente tem a sua origem na Lei Constitucional
3/74, de 14 de Maio, que veio mais tarde traduzir-se no decreto-lei 621-C/74 que definia
as regras para as eleições livres de 1975 da Assembleia Constituinte (Cruz, 1998: 9).
Estas regras passaram pela adopção da proporcionalidade de modo a garantir a
representatividade das várias correntes de opinião e das preferências políticas
partidárias, favorecendo soluções governativas minoritárias ou consociativas. O método
de Hondt era de todos os sistemas proporcionais o menos proporcional, que favorecia as
maiorias e prejudicava as minorias sendo, por isso, o que menos feria a necessária
governabilidade. As primeiras eleições legislativas, ocorridas a 25 de Abril de 1976,
foram realizadas ao abrigo desta Constituição. Os primeiros três anos desta legislatura
foram de grande instabilidade governativa com cinco governos constitucionais, em que
apenas um (II Governo Constitucional), fruto de uma aliança pré-eleitoral (coligação
PS/CDS), gozava de apoio maioritário parlamentar. Após a queda deste Governo,
iniciou-se um ciclo de três governos de iniciativa presidencial (III, IV e V Governos
Constitucionais) e o aparecimento da primeira coligação pré-eleitoral – A Aliança
22 Democrática (AD) de centro-direita entre o CDS, o PSD, o Partido Popular Monárquico
(PPM) e os reformadores. A lei eleitoral de 16 de Maio de 1974 (Lei nº 14/79) surge da
reanálise do sistema eleitoral, mas reconsagrou o sistema de representação proporcional
pelo método de Hondt, embora tenha feito surgir as primeiras propostas de alteração.
Em 1979, a Aliança Democrática (AD) vence as eleições e forma-se o VI Governo
Constitucional, tendo como primeiro-ministro Sá Carneiro, que tomou posse a 3 de
Janeiro de 1980. Durante este período (1979-1982), surgem vários projectos de revisão
constitucional, onde se discutiu o sistema eleitoral, a que os partidos de esquerda
sempre se opuseram.
Entre 1982-1985, com a dissolução da AD, a substituição da direcção do PSD, a
dissolução do Bloco Central e com a instabilidade governativa gerada, volta-se
novamente a discutir o problema da governabilidade e do sistema eleitoral. O PS através
de uma posição crítica de António Guterres, sugeriu os círculos uninominais. A
formação do governo do Bloco Central (PS-PSD), em Dezembro de 1984, aproximou
estes partidos na questão da reforma eleitoral, no sentido de reduzir o número de
deputados, do estabelecimento de uma relação mais estreita entre eleitores e eleitos e
reforçar a estabilidade governativa. Esta ideia foi conduzida ao fracasso pela queda do
Bloco Central.
Em 1985, nas eleições para as legislativas, o PSD defendeu no seu programa
eleitoral o abandono da representação proporcional “para favorecer a estabilidade e
pedir contas aos eleitos”, substituindo-o por um “sistema de círculos uninominais com
apuramento pelo método maioritário em duas voltas, complementado por um círculo
nacional com apuramento pelo método proporcional” (Cruz, 1998: 14). O PS propôs
alterações semelhantes às do PSD, e com base nesta proximidade de posições entre os
dois maiores partidos, o Governo eleito presidido por Cavaco Silva (6 de Outubro de
1985), nomeou em Março de 1986 uma comissão para a elaboração de uma proposta de
Código Eleitoral, que embora não tivesse seguimento em termos legislativos, contribuiu
para o alargamento do debate. As eleições presidenciais de 1985-86 também
aprofundaram o debate sobre propostas de reforma eleitoral, a mais importante
apresentada por Freitas do Amaral, ao defender a adopção do sistema maioritário a duas
voltas. Mário Soares, por seu turno, chegou a defender a substituição do sistema
proporcional por um sistema misto próximo do sistema alemão.
Em 1987, as eleições antecipadas fizeram-se com a revisão constitucional do
sistema eleitoral no horizonte. O PSD e o CDS propuseram a desconstitucionalização do
23 sistema proporcional e do método de Hondt, com vista à proposta de um círculo
nacional, e a redução do número de deputados. O PCP opunha-se à revisão
constitucional do sistema eleitoral e o PS manifestou-se receptivo a apenas algumas
alterações (Cruz, 1998: 17). O acordo político para a revisão constitucional entre o PSD
e o PS levou à redução do número de deputados e à introdução da possibilidade de
criação por lei de um círculo nacional.
Em 1990, e após a revisão constitucional de 1989, o governo apresentou à
Assembleia da República, a 16 de Maio de 1990, uma proposta de alteração da lei
eleitoral (Lei nº 151/V) com vista à bipolarização do sistema partidário e à facilidade de
obtenção de maiorias, mas respeitando a proporcionalidade. O PCP, o CDS e o Partido
Renovador Democrático (PRD) opuseram-se (Cruz, 1998: 19-21) e no PS as opiniões
divergiram. Esta proposta de lei acabou por não ser aprovada dada a não obtenção de
consenso de pelo menos dois terços dos deputados. Em 1992, e depois da obtenção da
maioria absoluta pelo PSD de Cavaco Silva em 1991, voltou-se a discutir esta proposta
que implicava alterações da Constituição e exigia o consenso com o PS, e em 1992 o
PSD voltou a apresentar um novo pacote de projectos de lei relativos à reforma
eleitoral.
Na decorrência da quase maioria absoluta obtida pelo PS em 1995, este partido
iniciou um intenso debate sobre a reforma e em 1997 sugeriu a implementação de um
Sistema de Membros Mistos inspirado no sistema alemão. Encomendou também vários
estudos junto da comunidade académica sobre o desenho dos círculos. Mais
recentemente e na sequência da maioria absoluta obtida em 2005, o PS volta a
encomendar um estudo e desta vez propõe uma mudança para um sistema de
representação proporcional de múltiplos segmentos e propôs ainda a introdução do voto
preferencial nos círculos primários (Freire e all., 2008).
Em 2008, o grupo parlamentar do Partido Socialista solicitou um novo estudo
sobre a Reforma Eleitoral, “Para uma melhoria da representação política – a reforma do
sistema eleitoral” (Freire, e all., 2008).
24 Sistemas de Governo em Democracia: Regime Presidencialista,
Parlamentarista e Semipresidencialista
Ao falarmos de sistema de governo, falamos de um conjunto de órgãos do poder
político democrático, das suas funções, estruturação e inter-relações, a forma de eleição
dos seus titulares, o estatuto, as regras e as competências que estruturam as relações
entre os diferentes órgãos. Normalmente fala-se em três formas de governo: o
presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo.
Em Portugal vigora, o sistema semipresidencialista há 38 anos (desde 1976). É um
sistema de governo meio presidencial meio parlamentar com um certo grau de reforço
dos poderes do Presidente da República (PR) eleito por sufrágio directo e universal,
conjugado com a existência de um governo responsável perante a Assembleia da
República (AR) chefiado pelo primeiro-ministro (PM). Do presidencialismo, o
semipresidencialismo vai buscar a eleição do PR por sufrágio directo e universal. Do
parlamentarismo, o semipresidencialismo, vai buscar a existência de um governo como
um órgão de soberania autónomo do Presidente, chefiado por um primeiro-ministro, e
responsável perante o parlamento. O governo pode ser derrubado pelo parlamento
através de uma moção de censura ou através da rejeição de uma moção de confiança.
No caso do sistema inglês, alemão e italiano, é isto o que caracteriza o parlamentarismo.
A rainha de Inglaterra, por exemplo, é uma figura simbólica, cumpre as suas funções
cerimoniais, mas quem governa é o governo, e quem chefia o governo é o
primeiro-ministro a partir da confiança do parlamento, que por sua vez resulta de
eleições. Aqui há uma combinação de traços característicos do sistema presidencialista e
de traços característicos do sistema parlamentar (Amaral, 2011).
A ideia base que preside a esta combinação é a de reforçar os poderes do PR, por
contraste com os poderes de um monarca constitucional, ou de um presidente eleito pelo
parlamento, com mais ou menos eleitores. Este reforço dos poderes do PR visa torná-lo
um órgão independente do parlamento (governo) mas sem fazer dele, como no sistema
presidencialista, o único chefe do poder executivo, como acontece nos Estados Unidos,
e na maior parte dos países da América Latina. Nos Estados Unidos, o parlamento
(Congresso), não pode destituir o executivo através de um voto de censura ou da recusa
de um voto de confiança, o que significa que o poder executivo não responde perante o
25 poder legislativo. No Brasil, por exemplo, o presidente não tem primeiro-ministro, e é
ele quem chefia o governo.
No sistema semipresidencialista, tal como no sistema parlamentar, o Chefe de
Estado tem o direito de dissolver o parlamento, sobretudo quando o governo perde a
confiança do parlamento, ao passo que no sistema presidencialista (caso dos EUA), nem
o presidente pode dissolver o Congresso, nem o Congresso pode destituir o governo
enquanto governo. Há um processo de “impeachment”, de destituição do Presidente,
mas só para casos de actos ilícitos de certa gravidade, não por mera desconfiança
política.
O sistema semipresidencialista é um sistema dotado de uma grande flexibilidade,
considerado por alguns autores como um sistema de geometria variável. Este sistema
funciona em países onde em certas circunstâncias seja o Presidente da República a
conduzir efectivamente a política governamental, como foi o caso da França, quando
Charles de Gaulle (1959-1969), Georges Pompidou (1969-1974) ou Valéry Giscard
d'Estaing (1974-1981), foram presidentes. Em França, sempre que a maioria
presidencial e a maioria parlamentar não coincidem, dá-se o fenómeno a que os
franceses chamam de “coabitação”, entre um presidente eleito pela maioria e um
governo escolhido na base de uma maioria diferente, normalmente oposta. Freitas do
Amaral, por exemplo, defende que um sistema semipresidencialista como o português,
com tendência parlamentar, pode converter-se num sistema de tendência presidencial à
francesa, sem alterar o texto da actual Constituição.
Regime Semipresidencialista Português de 1976 até à Actualidade:
Algumas Considerações Históricas
Os partidos políticos em 1976 com assento na Assembleia Constituinte optaram
pelo sistema semipresidencialista. Os deputados do Partido Socialista (PS) e do Partido
Social Democrata (PSD), reivindicavam ainda, desde o Estado Novo, que se regressasse
à eleição do PR, por sufrágio directo e universal, que existira até às eleições de 1958,
participadas pelo General Humberto Delgado, que pôs em perigo a sobrevivência do
regime. Por esta razão, fizera-se em 1959 uma revisão constitucional, em que a eleição
por sufrágio directo e universal passou para uma eleição de sufrágio restrito por um
26 colégio eleitoral constituído pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara
Corporativa em efectividade de funções.
Da parte do Partido Comunista Português (PCP), a ideia fundamental foi dar ao
PR, através do voto por sufrágio directo e universal, uma legitimidade directa própria,
que lhe permitisse continuar como o partido pretendido a chefiar pessoalmente as forças
armadas, mantendo-as fora da alçada do governo e do parlamento.
Quanto ao CDS-PP, a razão fundamental foi extraída da história. A história de
Portugal do séc. XX deu-nos dois modelos que funcionaram mal: um modelo do
parlamentarismo de Assembleia na Constituição de 1911, e um modelo de
presidencialismo do primeiro-ministro que funcionou na Constituição de 1933. Freitas
do Amaral fala da experiência de Sidónio Pais que foi muito curta, e infelizmente
acabou com a sua morte.
Também não foi muito discutida a questão de saber se o semipresidencialismo em
Portugal devia seguir a tendência presidencial ou quase presidencial da França, ou pelo
contrário, devia seguir a tendência parlamentar que nessa altura já existia em países
como a Áustria, Finlândia, Irlanda e outros.
Freitas do Amaral (2011) analisa o que foi a prática nestes últimos 38 anos,
estipulando as seguintes etapas:
1ª Fase (1976-1978) - corresponde aos dois primeiros governos constitucionais
presididos por Mário Soares: primeiro um governo minoritário do PS, mas beneficiando
da boa vontade inicial de todos os restantes partidos, quer à sua direita quer à sua
esquerda, e o chamado governo PS - CDS, que caiu no Verão de 1978. Nesta altura
havia uma solidariedade grande entre o PR e o primeiro-ministro (PM), que a partir de
1977 se transformou numa divergência crescente e acabou em grande inimizade. Foi um
período de experiência, em que o sistema passou por muitas subfases, mas nenhuma
delas vingou.
2ª Fase (1978-1979) – Governos de iniciativa presidencial. Era presidente da Republica
o General Ramalho Eanes, não foi por culpa dele que existiram governos de iniciativa
presidencial, foi porque os partidos lhe pediram para que fizesse isso, uma vez que não
tinham tido tempo para rever a lei eleitoral de 1975 que entretanto se tinha tornado
inconstitucional em vários preceitos, assim como a Constituição de 1976. Ora, em
1977/78, a AR não adaptou a lei eleitoral à Constituição, por isso havia vários preceitos
na lei eleitoral que se tinham tornado inconstitucionais. Não havendo tempo que de
forma tão rápida se fizesse essa adaptação, foram os próprios partidos que sugeriram ao
27 PR, que tomasse esta iniciativa, “se a lei interpretou bem ou mal, se ele foi mais longe
do que devia, admito que sim, mas na verdade, essa experiência, não vingou, nunca
mais foi repetida até hoje, não quer dizer que não possa vir a ser repetida no futuro”
(Amaral, 2011).
Em Portugal tivemos três governos de iniciativa presidencial que caíram em
circunstâncias acidentadas: Ramalho Eanes indigitou Nobre da Costa para
primeiro-ministro, mas o seu programa foi rejeitado pela maioria da AR, sendo afastado
do III Governo Constitucional; o segundo, o governo de Mota Pinto, viu rejeitada a
primeira proposta de Orçamento de Estado que apresentou. Na sequência, propõe Mota
Pinto que acaba por apresentar a demissão motivada por razões que tinham a ver com
uma fatal segunda rejeição do orçamento por parte dos partidos. Terminava assim o IV
Governo Constitucional. Ramalho Eanes, a 13 de Julho de 1979, dissolve a Assembleia
da República, marca eleições legislativas intercalares e indigita para governar o país,
Maria de Lourdes Pintassilgo, que também não cumpre o mandato até ao fim, e acaba
por apresentar a sua demissão do V Governo Constitucional, após a vitória, por maioria
absoluta, nas eleições legislativas, da Aliança Democrática (AD)
«e portanto o governo não podia continuar como tanto desejava, e terminava
assim também terminou sem querer. Com este período esteve envolvida a questão
de um eventual partido presidencial que não avançou nessa altura, e que só
avançou mais tarde» (Amaral, 2011).
Seguiram-se três governos da Aliança Democrática: o governo de Francisco Sá
Carneiro de 1980, e os dois governos de Francisco Pinto Balsemão (1981-1982).
Portugal está numa 3ª fase da experiência do semipresidencialismo em Portugal (de
Janeiro de 1980 até meados de 1983), contabilizando os 6 meses de gestão. Foi uma
fase negativa, uma fase de conflito institucional aberto entre o governo e o PR, porque o
PR não se conformou com a vitória das forças que se lhe opunham, e porque essas
forças não se conformaram com a barreira, com os ventos sistemáticos, que ora o PR,
ora o Conselho da Revolução, ora a revisão Constitucional faziam às principais
iniciativas do governo ou da maioria parlamentar para cumprirem o seu programa, e isso
traduziu-se num nível de conflito verbal de acusações, e de mentiras. Segundo Freitas
do Amaral, esta foi uma fase muito negativa. Em meados de 1982 começou-se a
dialogar com o PS, que era o principal partido da oposição. Um dos pontos do acordo
foi que era preciso limitar/reduzir os poderes do PR. Todas as intervenções que o
Presidente Ramalho Eanes fez entre 1976 e 1982, foram feitas ao abrigo de um preceito
28 constitucional decalcado da França, segundo o qual o governo era politicamente
responsável perante o presidente e perante o parlamento. Havia uma dupla
responsabilidade política, e o presidente interpretou que, se o governo era responsável
perante ele, e ele podia demiti-lo por falta de confiança política, também podia criticar,
dar instruções, etc. De 1976 a 1982, viveu-se um período de grande instabilidade
política no nosso país. A partir de 1983, quando o PR já não tem o poder de demitir o
governo por falta de confiança política e o governo não é politicamente responsável
perante o presidente, entramos num período de grande estabilidade política.
O Bloco Central apesar de constituído pelos dois partidos rivais ainda durou dois
anos completos. O Professor Cavaco Silva, como primeiro-ministro, esteve dois anos
em governo minoritário, mais dois períodos de quatro em governo maioritário, ou seja,
dez anos seguidos como primeiro-ministro, ao que se seguiram seis anos seguidos de
governo com António Guterres como primeiro-ministro. Entre 2001-2003 e 2004, dois
governos PSD-CDS não beneficiaram de grande estabilidade. No primeiro governo,
Durão Barroso, entre continuar primeiro-ministro, ou ir para Presidente da Comissão
Europeia, decidiu ir para presidente da Comissão Europeia, e apresentou a demissão do
seu Governo, e, no segundo caso, do governo presidido por Pedro Santana Lopes, foi o
presidente Jorge Sampaio que dissolveu o parlamento (quatro meses depois de Santana
Lopes ter sido eleito), convocando eleições. Uma decisão que foi controversa na altura,
e que na prática foi mais uma demissão do governo, do que a dissolução do parlamento.
Jorge Sampaio optou pela forma jurídica da dissolução. Nesta altura, José Sócrates,
secretário-geral do PS desde Setembro de 2004, veio a liderar o seu partido nas eleições
legislativas de 2005. Seguiram-se seis anos ininterruptos do governo de José Sócrates
(PS). A 22 de Março de 2011, os deputados da Assembleia da República rejeitaram o
projecto do IV Programa de Estabilidade e Crescimento proposto por José Sócrates para
combate à recessão económica, e a 23 de Março, José Sócrates pede a demissão do
cargo de primeiro-ministro. O Presidente da República, Cavaco Silva, convoca eleições
para 5 de Junho de 2011. José Sócrates foi derrotado nestas eleições e desde então,
Portugal tem um governo de coligação PSD-CDS, com Pedro Passos Coelho como
primeiro-ministro, que tomou posse a 21 de Junho de 2011.
Em suma, de 1976 a 1982, temos seis anos com um PR mais forte, com poderes
mais fortes sobre o governo, e uma instabilidade crónica. De 1982 até hoje, temos uma
estabilidade quase sempre garantida, salvo em dois casos pontuais, mas que não tiveram
a ver com a natureza do sistema semipresidencial de tendência parlamentar. Isto
29 significa que a revisão constitucional de 1982, na parte referente aos poderes do
presidente, foi um êxito. Aquilo que se pretendeu ao limitar os poderes do presidente,
evitar conflitos institucionais públicos, assegurar maior estabilidade aos governos, foi
conseguido em quase todos os casos (Amaral, 2011).
Opinião Pública e Reforma do Sistema Político em Portugal
Ao longo destes anos não foram feitas sondagens à opinião pública relativamente
à satisfação dos portugueses face ao sistema político e ao seu desejo de contar com um
sistema mais presidencialista ou mais parlamentar. Era importante perceber, se
consideram que este sistema apesar dos seus defeitos é o mais adequado, ou se pelo
contrário preferiam outro. Neste caso, só teriam duas hipóteses: ou aprofundar o sistema
tornando este ainda mais parlamentar, reduzindo mais os poderes do presidente, ou
reforçando mais os poderes do presidente, e criando condições para que o sistema
evolua no sentido de um modelo à francesa quando não há coabitação.
A opinião pública de um modo geral não tem sido sondada, mas os partidos
políticos, que de certo modo também exprimem a opinião pública, têm-se mantido fiéis
ao sistema de governo tal como ele existe desde 1982. No início da campanha eleitoral
para o seu primeiro mandato, o Professor Cavaco Silva (2006), considerou que os
poderes do PR tal como estão definidos na Constituição estão bem, e não precisavam
ser reforçados, repetindo essa opinião em Janeiro de 2011, no início da campanha
eleitoral para o seu segundo mandato. Os candidatos de esquerda, em nome pessoal ou
dos partidos que os apoiaram, não se pronunciaram sobre a evolução do sistema, quer
num sentido mais parlamentar, quer num sentido mais presidencial. É uma indicação de
que as tendências dentro dos partidos não estão tão definidas no sentido de uma
transformação. Quando hoje se fala numa transformação do sistema de governo em
Portugal, fala-se da hipótese de uma evolução para um semipresidencialismo à francesa
e não para um parlamentarismo, como acontece na Áustria, na Finlândia, ou na Irlanda
etc. Depois de 1982, após se ter entrado numa fase mais estável, Mário Soares fundador
e líder do PS, foi três vezes primeiro-ministro e fez dois mandatos como Presidente da
República. O Professor Cavaco Silva não foi o fundador do PSD mas foi o líder que até
hoje mais tempo esteve à frente do PSD, presidiu a três governos e vai no seu segundo
30 mandato como Presidente da República, ou seja, se excluirmos o caso do General
Ramalho Eanes, que foi o primeiro presidente da República, vemos que a seguir
tivemos três presidentes da República todos ex-líderes partidários (Mário Soares - PS,
Jorge Sampaio - PS, Cavaco Silva - PSD); os dois primeiros cumpriram dois mandatos
(dez anos), e o terceiro já vai no segundo mandato. Isto significa que a instituição
Presidência da República tem gozado de uma grande estabilidade, muito maior que os
governos, ou mesmo que as legislaturas parlamentares.
Um dos grandes argumentos que se invoca a favor da presidencialização do
regime, de uma evolução para um semipresidencialismo à francesa, é que os políticos e
os partidos políticos estão muito desacreditados perante a opinião pública. Será que
estão assim tão desacreditados? Será uma falsa interpretação da realidade? Freitas do
Amaral questiona ainda o seguinte: Como é que se explica que desde 1976, até agora, os
dois maiores partidos sejam exactamente os mesmos? Como é que se explica que o
terceiro e o quarto sejam exactamente os mesmos? Como é que se explica que todos os
primeiros presidentes da República, três tenham cumprido dez anos de mandato como
presidentes, tenham sido líderes dos partidos? Se estivessem desacreditados, não seriam
eleitos Presidentes da República.
Há políticos desacreditados, mas o que isso tem significado, é que perdem as
eleições e são substituídos pela oposição. Todas as tentativas de formação de novos
partidos políticos, com excepção do BE, o que ainda é cedo para saber se foi um êxito,
todas as outras tentativas foram inviáveis. O Partido Renovador Democrático (PRD),
apesar de ter sido criado com o apoio explícito do PR, foi extinto. O sistema mantém-se
praticamente idêntico ao de 1975-1976.
Freitas do Amaral não vê grande necessidade de mudar o sistema político que tem
garantido estabilidade. Há um aspecto em que o sistema semipresidencial com tendência
parlamentar é pior que o sistema semipresidencialista de tendência presidencialista.
Em Portugal, o sistema semipresidencial de tendência parlamentar tal como ficou
definido na revisão Constitucional de 1982, tem garantido estabilidade, mas não tem
dado mais eficiência e mais autoridade, porque o presidente não é o chefe do executivo.
Assim, o PR não quer ser acusado de favoritismo em relação aos governos que emanam
do seu partido, e, por isso, mantém a sua distância e faz por manter-se isento e
imparcial. O semipresidencialismo em França dá grande poderes ao presidente quando a
maioria parlamentar coincide com a maioria presidencial, mas quando não coincide fica
reduzido a pouco mais do que é o Presidente da República hoje em Portugal. Portugal
31 teve sempre um chefe de Estado e quem governa é o primeiro-ministro. Os portugueses
parecem preferir que haja um chefe de Estado que esteja acima das lutas partidárias.
Relativamente ao sistema de partidos, Portugal conheceu de 1976 a 1985,
alternadamente, o multipartidarismo imperfeito e o multipartidarismo perfeito. Ou seja,
entre um sistema com total pulverização partidária nos planos eleitorais e parlamentar,
obrigando à existência de coligações sistemáticas, e um sistema em que existe um
partido que detém uma expressão eleitoral considerável, os portugueses têm preferido o
sistema que permitiu a formação de governos monopartidários ou de coligação
assimétrica, com clara preponderância do partido dominante.
No período de 1976 a 1979 foi o partido socialista que partiu em vantagem, uma
posição que foi interrompida pelo Partido Social Democrata (PSD) em 1979. Em 1982 o
PSD perde novamente para o Partido Socialista (PS), tentando recuperar em 1985.
Depois de 1985 a matriz originária do sistema de partidos continua a perdurar, ou seja,
um número reduzido de partidos representados no parlamento, com a existência de dois
grandes partidos, o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD) e de dois
partidos médios, o Partido Comunista Português (PCP) e o CDS-PP (Centro
Democrático e Social – Partido Popular), e outro mais pequeno, o Bloco de Esquerda
(BE). No momento actual, o sistema de partidos é centralizado e não pulverizado, um
sistema multipartidário com características centrípetas.
Conclusões
Foi a partir da definição do conceito de sistema político como conjunto integrado
de vários elementos inter-relacionados que interagem entre si, que se partiu para uma
análise mais detalhada sobre o modo concreto de funcionamento da democracia
portuguesa, nomeadamente no que diz respeito aos assuntos relacionados com o
conteúdo da Constituição, a estrutura das instituições, o sistema eleitoral, o sistema de
governo e partidário. O sistema eleitoral é a base de todo o sistema político e constituiu
uma dimensão institucional da maior relevância no funcionamento do mesmo, porque
condiciona todo o sistema político pela influência que tem na configuração do sistema
parlamentar, no sistema de governo e na forma como molda o poder político. Em
Portugal, os elementos estruturantes do sistema eleitoral relativos à eleição da
Assembleia da República não se alteraram desde que se instituiu a democracia (1976), e
32 estão consagrados na Constituição que se rege pelo princípio da representação
proporcional e o recurso ao método de Hondt na conversão dos votos em mandatos, a
estrutura dos círculos e respectiva distribuição dos mandatos em cada um e a proibição
da cláusula barreira, são elementos que se têm mantido. Desde a eleição da Assembleia
Constituinte (1974), até ao presente, tiveram lugar em Portugal 13 eleições legislativas
utilizando este sistema. O sistema eleitoral de eleição do Presidente da Republica é o
sistema maioritário a duas voltas (pelo facto de se tratar de um órgão uninominal). Será
eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se
considerando como tal os votos em branco. Exige-se maioria absoluta e se não for
alcançada exige-se uma segunda volta (concorrem os dois candidatos mais votados – se
não obtiverem maioria absoluta na primeira volta).
Depois de considerar essas especificidades do sistema eleitoral, e a sua
caracterização tendo em conta as eleições dos principais órgãos de poder, reflectiu-se
sobre as várias propostas de reforma do sistema eleitoral no período pós-25 de Abril.
Em Portugal, sempre que se fala em reforma eleitoral fala-se também do problema das
instituições parlamentares e da democracia representativa. A identificação dos cidadãos
com os seus representantes passa pela organização da sociedade e pelo papel dos
partidos, a sua natureza e estrutura, e há quem considere que o problema do afastamento
dos eleitores do poder tem que ser resolvido de muitas formas diferentes, e não passa
apenas pela reforma do sistema eleitoral (Canas, 2009: 64).
Não se pode falar de sistema político sem se falar de regime político. O regime é a
segunda componente mais importante do regime político. Em Portugal vigora o sistema
semipresidencialista há 38 anos (desde 1976). É um sistema de governo meio
presidencial meio parlamentar com um certo grau de reforço os poderes do Presidente
da República (PR) eleito por sufrágio directo e universal, conjugado com a existência de
um governo responsável perante a Assembleia da República (AR) chefiado pelo
primeiro-ministro (PM), consagrado na Constituição portuguesa, mas que passou por
diferentes fases na história da política portuguesa. Na última fase da exposição
discutiu-se se se deve ou não fazer a reforma do sistema político em Portugal. Uma
questão que continua aberta ao debate, uma vez que o bom funcionamento do sistema
político é o garante da estabilidade e da eficácia política.
33 Referências Bibliográficas
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35 2. A política anticorrupção e o marco legal no Brasil
Fernando Filgueiras
Mateus Morais Araújo
Introdução
No contexto do Brasil democrático, o tema da corrupção tem assumido a posição
de um dos principais problemas públicos, tanto na dimensão do Estado, quanto na
dimensão da sociedade. Enquanto problema público, a bandeira de manifestações contra
a corrupção praticada por agentes públicos e privados no Brasil, no mês de junho de
2013, foi empunhada pela sociedade, colocando no mesmo patamar políticos,
burocratas, empresários e agentes internacionais. No contexto dessas manifestações, a
corrupção foi um lugar comum contra um sentimento de exclusão social e ineficiência
do Estado na provisão de políticas e serviços públicos. A ampla mobilização da
sociedade colocou em questão o modo de se fazer política no Brasil e o processo de
implementação de políticas públicas. Nesse lugar comum, o alvoroço social das
mobilizações clama por mais ética na política e na administração pública no Brasil.
De fato, a corrupção é um problema de primeira ordem desde o processo de
redemocratização, no caso do Brasil. Mas é importante dizer que ela não é um problema
específico do caso brasileiro. A corrupção tem sido um problema comum e recorrente
no âmbito das democracias, resultando em um profundo déficit democrático, por um
lado, e na ineficiência das políticas públicas promovidas pelos estados, por outro lado.
Assim sendo, tem sido uma preocupação muito comum dos atores internacionais a
construção
de
políticas
anticorrupção,
mobilizando
processos
de
mudanças
institucionais nas democracias e nos governos.1 A adoção dessas políticas anticorrupção
implica, nos cenários domésticos, processos de mudanças institucionais importantes,
especialmente no campo da gestão pública.
1
Rose-Ackerman, Introduction: the role of international actors in fighting corruption. In: Susan RoseAckerman, S., Carrington, P. (2013) Anti-corruption policy: can international actors play a constructive
role? Durham: Carolina Academic Press.
36 O objetivo primordial desse texto é analisar o marco legal e o processo de
construção da política anticorrupção no Brasil, observando as especificidades do caso
brasileiro e o papel da corrupção na construção de problemas públicos. Analisar o
marco legal de enfrentamento da corrupção em função da política pública de controle
implica observar o conjunto diverso e complexo das mudanças institucionais, com foco
no processo de inovação e das práticas de governança. Argumentamos que esse
processo de inovação institucional derivado de políticas anticorrupção, no caso
brasileiro, surge de um novo marco legal inaugurado com a democratização, de acordo
com o processo de crescente desvelamento da corrupção, por um lado, e o seu papel na
composição de conjunturas críticas que criam contextos favoráveis para a adoção das
mudanças.
O texto está dividido em três seções. Na primeira seção analisamos o conceito de
corrupção e o seu lugar nos regimes políticos democráticos. Na segunda seção
analisamos o processo de democratização no Brasil e o modo como a corrupção alçou o
lugar de problema de primeira ordem. Na terceira seção analisamos o marco legal de
enfrentamento da corrupção no Brasil, de acordo com as características fundamentais da
legislação brasileira. Argumentamos que o marco legal no Brasil inovou na adoção de
medidas de controle da administração pública e difusão de políticas de transparência
como elementos primordiais dessa política pública de enfrentamento da corrupção.
A corrupção e a democracia
A corrupção tem se tornado uma preocupação crescente entre agências
internacionais, think thanks e formadores de opinião, tendo em vista a atenção para os
seus efeitos sobre o mercado, a democracia e a sociedade. Neste processo, a corrupção
tem se tornado um lugar comum nas sociedades, surgindo no interior de um discurso
político marcado pela enorme desconfiança em relação às instituições, pela crítica às
organizações do capitalismo contemporâneo e pela extensão dos efeitos nocivos da
corrupção, tais como os seus efeitos para o meio ambiente, para a ampliação da pobreza
e para as desigualdades. Sendo assim, o tema da corrupção assumiu uma posição
onipresente em diversas formas de mobilização e manifestação nas democracias
contemporâneas, tais como as manifestações de junho no Brasil, o movimento Ocuppy
Wall Street, nos Estados Unidos, e os diversos movimentos no contexto da Europa. Em
37 todos eles, a corrupção apareceu como uma personagem onipresente, pautando, ao
mesmo tempo, o diagnóstico do esfacelamento do modelo representativo da democracia
e o modelo de distribuição da riqueza no âmbito das sociedades capitalistas.
Apesar dessa posição hoje onipresente e crítica do tema da corrupção, nem sempre
ela foi pensada exclusivamente no âmbito dos seus custos políticos, econômicos e
sociais. No contexto do desenvolvimentismo dos anos de 1960 e 1970, o tema da
corrupção, envolto em escassa literatura, era pensado em relação aos seus custos e
também seus benefícios para o contexto de desenvolvimento e modernização. O
problema central dessa abordagem é perquirir a relação entre corrupção e
desenvolvimento político e econômico, com o intuito de formular uma perspectiva
sistêmica da corrupção em relação aos seus custos e benefícios para a construção da
modernidade capitalista.
Nessa construção do problema, os estudos sobre corrupção teriam forte apelo
comparativo entre países do capitalismo central, tomados como desenvolvidos, e países
do capitalismo periférico, considerados subdesenvolvidos. De acordo com Samuel
Huntington, a corrupção ocorre no hiato entre modernização e institucionalização,
representando um tipo de ação aceita na sociedade.2 No contexto de transição para a
modernidade, a baixa institucionalização política promoveria a corrupção: o aumento
das clivagens sociais e a entrada de novos atores na cena política ensejariam
comportamento pouco conducente à norma, tornando a corrupção algo presente e
corriqueiro nas sociedades em processo de mudança.
A corrupção, por essa abordagem, estaria relacionada a práticas políticas típicas
de sociedades tradicionais, como o clientelismo, a patronagem, o nepotismo, o
fisiologismo. Essas práticas não necessariamente significam corrupção, mas promovem
vulnerabilidades institucionais que resultam na corrupção. Nesse sentido, ela seria uma
forma alternativa que os agentes políticos teriam para articular seus interesses na esfera
pública. Ela contribuiria para a formulação de máquinas políticas para influenciar as
decisões legislativas por meio da persuasão das elites partidárias. As máquinas políticas
contribuiriam, por sua vez, para o arrefecimento das clivagens sociais, contribuindo, por
sua vez, para o desenvolvimento político e econômico.3 O que os autores dessa
abordagem apontam é que a corrupção pode ser funcional ao desenvolvimento, por
2
Huntington. S.P. (1975) A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: EDUSP.
Scott, J. (1969) Corruption, machine politics, and political change. American Political Science Review,
v. 63, n.º 4.
3
38 poder azeitar as relações políticas entre o governo e os empresários e pacificar as
clivagens sociais, contribuindo, assim, para estabilidade política. A corrupção azeita o
desenvolvimento ao estabelecer um laço informal entre burocratas e investidores
privados, o qual favorece o desenvolvimento econômico.4 O problema com essa lógica
é que ela se centra demasiadamente em um conceito de institucionalização que é
deficiente do ponto de vista político. Supõe-se que a modernização seja um processo
paulatino de imitação institucional capaz de, ao final de um processo temporal, ter no
mundo em desenvolvimento as mesmas instituições presentes no mundo desenvolvido.
Na verdade, o problema é justamente o contrário, qual seja o de entender a
especificidade do processo de invenção institucional que passa tanto pela organização
de ações no espaço público quanto pelo arranjo organizacional das instituições.5
Ao longo dos anos de 1980, gradativamente a corrupção passou a ser pensada na
dimensão de seus custos para o desenvolvimento. Esta concepção foi ganhando força à
medida que investimentos realizados em países em desenvolvimento foram sendo
percebidos como ineficazes em função da rede de corrupção que tomava esses países.
Nesse sentido, a abordagem dos custos da corrupção foi ganhando importância à medida
da difusão de políticas de enfrentamento pautadas pelas agências multilaterais de
desenvolvimento, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. De
uma forma geral, as políticas de enfrentamento da corrupção foram se configurando por
uma forte influência das organizações internacionais, que passaram a difundir
receituários e modelos de governança global. Ao longo dos de 1990, os empréstimos de
bancos internacionais (Banco Mundial e FMI, especialmente) passaram a ser
condicionados à existência e monitoramento da corrupção nas economias domésticas.
Gradativamente, ao longo da década de 2000, estas políticas anticorrupção se tornaram
tratados internacionais, obrigando os Estados signatários a adotarem medidas de
enfrentamento, monitoramento e combate à corrupção, tal como a Convenção das
Nações Unidas Contra a Corrupção, o tratado da Organização dos Estados Americanos
(OEA) e o tratado da Organização para Cooperação para o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) com relação ao combate à corrupção de funcionários públicos
estrangeiros em transações internacionais. Esse processo de difusão de políticas
anticorrupção fomentou um processo de mudanças institucionais nos Estados, tendo em
4
Leff, N. H. (1964) Economic development through bureaucratic corruption. American Behavioral
Scientist, v. 8, n. 3.
5
Fung; A., Wright, E. O. (2003) Deepening democracy. New York: Verso Books.
39 vista a adoção de políticas para a promoção da transparência, a adoção de políticas de
acesso à informação, construção de agências anticorrupção e mudança nos marcos
legais dos países.
Nesse contexto, a ideia de custos da corrupção para o desenvolvimento se tornou
ideia força, de acordo com uma forte influência de uma concepção economicista. Para
Shleifer e Vishny, a corrupção é “a venda por funcionários públicos de propriedade do
governo para ganho pessoal”.6 Para Samuel Huntington, a corrupção é o
“comportamento de autoridades públicas que se desviam das normas aceitas a fim de
servir a interesses particulares”.7 Para Joseph Nye, a corrupção é “o comportamento
desviante dos deveres formais do cargo público para a obtenção de ganhos pecuniários
privados ou ganhos de status; ou que violam regras contra o exercício de tipos de
influência privada”.8 Estas definições de teor mais acadêmico se tornaram comuns na
compreensão pública da corrupção. De fato, os cidadãos identificam a corrupção na
dimensão do Estado e dos cargos públicos e a compreendem como um tipo de
comportamento desviante. Esse tipo de tratamento do tema da corrupção possibilitou
uma abordagem econômica preocupada, sobretudo, com as consequências da corrupção
para o desenvolvimento econômico e para os mercados, bem como com as
consequências para as instituições democráticas.9
Compreender a corrupção nessa chave conceitual pode levar a alguns tipos de
problemas. Em primeiro lugar, essa definição se concentra na ação de servidores
públicos, sem observar o papel de corruptores tanto na dimensão pública, quanto na
dimensão privada. Além disso, estas definições centradas nos cargos públicos localiza a
corrupção na dimensão do Estado, sem dar conta das relações deste com a sociedade
civil como um elemento importante para se compreender o alcance e as causas da
corrupção.10
Um aspecto deixado de lado nas considerações conceituais sobre a corrupção é
que esse tipo de comportamento tem um caráter plástico e flexível. A corrupção é um
6
Shleifer, A. e Robert Vishny, R. (1993) Corruption. The Quartely Journal of Economics, vol. 108,
número 3, p. 599.
7
Huntington, S.P. (1975). A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: EDUSP. pág. 72.
8
Nye, J. (1967). Corruption and Political Development: A Cost-Benefit Analysis. American Political
Science Review, vol. 61, nº 4.
9
Rose-Ackerman, S. (1999) Corruption and government. Causes, consequences, and reform. Cambridge:
Cambridge: Cambridge University Press. Filgueiras, F. (2008) Marcos teóricos da corrupção. In: Avritzer,
L. et alli (2008) Corrupção: ensaios e crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG.
10
Warren, M. (2004) What does corruption mean in democracy? American Journal of Political Science,
vol. 48, nº 2.
40 conjunto de ações específicas que podem ser consideradas como tal. Por exemplo, ações
como nepotismo, clientelismo, prevaricação, desvios de recursos, superfaturamento de
obras públicas, influência indevida nas decisões públicas, ou outras, podem ser
consideradas como corrupção. Dessa forma, a corrupção não pode ser compreendida
apenas como um único tipo de comportamento, porquanto ela reúne formas diversas de
ação contra o interesse público e não se resumem, simplesmente, à venda de
propriedade do governo. Não podemos, também, descartar o elemento valorativo
envolvido no conceito e na compreensão da corrupção por parte da sociedade. O desvio
de recursos públicos, por exemplo, é uma ação específica, que envolve instrumentos
contábeis e má gestão dos governos para que agentes privados maximizem benefícios
em detrimento do interesse público. Enquanto tal, os desvios de recursos públicos
representam um curso de ação específico, que pode se converter em corrupção.
Importante notar que as definições acima apontam que a corrupção é um
comportamento desviante de deveres normativos. Esse aspecto normativo tem sido
relegado a um segundo plano na compreensão da corrupção, o que torna o seu conceito
de difícil operação para pesquisas empíricas e o enfoque analítico restrito ao Estado.
Ao nosso entender, o elemento que distingue a corrupção é o fato de ela ser um
juízo moral, emitido pela sociedade contra ações específicas que degeneram o interesse
público.11 A corrupção é um conceito normativamente dependente, porquanto ela
representa juízos emitidos contra a legitimidade de atores e instituições que ultrapassam
a barreira do público. Estes juízos, por sua vez, são emitidos com base em normas
pressupostas, definidas de modo consensual. Não é possível, portanto, descartar o
elemento da moralidade pressuposta nos juízos que especificam a corrupção no âmbito
da prática dos agentes sociais, tanto em seu sentido filosófico e sociológico, quanto em
seu sentido econômico.12 O desvio de recursos públicos, por exemplo, é uma ação
específica, mas recebe o status de corrupção em função dos juízos emitidos pela
sociedade, considerando o conjunto de valores e normas pressupostas que definem o
interesse público. Nesse sentido, o desvio de recursos públicos é uma ação específica,
que tem uma natureza própria, mas que ganha o status de corrupção à medida que
subverte normas pressupostas do interesse público, tomando que estas normas
compreendem regras formais e informais, e valores.
11
Filgueiras. F. (2008) Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Euben, P. (1989). Corruption. In: Ball, T., Farr, J. e Hanson, R. L. (eds.). Political innovation and
conceptual change. Cambridge: Cambridge University Press. Della Porta, D. , Vannucci, A. (2012). The
hidden order of corruption. Na institutional approach. Surrey: Ashgate Publishing.
12
41 Sendo um conceito normativamente dependente, o juízo moral que especifica e
define a corrupção depende do processo de justificação e aplicação de normas. No plano
da moralidade, o que se espera no trato com o interesse público é que os agentes – tanto
privados quanto públicos – tenham um comportamento correto, tendo em vista o
cumprimento dos deveres, a honestidade, a confiança pública e os costumes da
comunidade.13 Uma vez que se espera, portanto, a correção no plano da ação de agentes
públicos e privados, não é possível descartamos a interface do conceito de corrupção
com o problema da justiça.
Mas qual a relação que a corrupção guarda com a justiça? Afirmamos
anteriormente que a corrupção é um conceito normativamente dependente e que sua
especificidade está no fato de ela ser um juízo emitido contra ações que degenerem o
interesse público. Como juízo moral, a corrupção ganha sua substância quando ela é
expressa no âmbito do discurso público. Essa concepção discursiva reivindica que a
corrupção é o julgamento de todo tipo de ação – praticada por agentes públicos e
privados – que fere os valores e normas do interesse público. Assim sendo, a corrupção
tem um caráter plástico e flexível e depende dos diferentes contextos sociais, normas e
valores envolvidos em sua concepção semântica. A emissão desse juízo moral reclama
para si um processo de justificação alimentado pelas normas e pelos valores. O que está
inserido nesses valores é um conjunto de princípios de justiça que orientam esse
processo de justificação do discurso e do julgamento. No caso da corrupção, estes juízos
morais observam tanto a correção das instituições quanto a correção das realizações
sociais.
Sendo assim, a corrupção é uma forma de injustiça política, que opera em duas
ordens: na ordem institucional e na ordem das realizações sociais. Nesse caso, a
corrupção guarda uma relação conceitual com o tema das desigualdades, porquanto ela
incide no mau funcionamento das instituições da democracia, bem como no
comportamento dos agentes. No caso do funcionamento das instituições, a corrupção
degenera o valor de igualdade perante a lei, provocando formas de exclusão política. O
efeito mais imediato da corrupção na democracia é provocar a exclusão de indivíduos
ou grupos dos processos de tomada de decisão por conta de interesses privados.14 A
compra de votos, por exemplo, pode representar uma forma de corrupção, a qual ganha
13
Fernando Filgueiras, idem.
Warren, M. (2005) La democracia contra la corrupción. Revista Mexicana de Ciências Políticas y
Sociales, vol. 47, nº 193.
14
42 esse status porque subverte o processo democrático em função dos interesses privados
do poder econômico. Nessa dimensão, a corrupção incide diretamente no
funcionamento das instituições, que passam a reproduzir formas de exclusão política. O
mau funcionamento das instituições implica em vieses na distribuição dos recursos
econômicos da sociedade, implicando, por sua vez, no reforço das desigualdades. Ou
seja, a corrupção afeta diretamente as realizações sociais, distribuindo de forma desigual
os recursos da sociedade. A corrupção, nesse sentido, se alimenta da injustiça, incidindo
em suas duas dimensões, e provoca mais injustiça.
Ao resultar em formas de exclusão política e social injustificada, a corrupção
corrói o império da lei. Ela proporciona um processo crescente de desigualdades que
terminam por resultar em mais corrupção. O custo moral da corrupção está no fato de as
instituições proporcionarem formas de os agentes aderirem ou não a esquemas de
corrupção, conforme a potência exercida pelo império da lei no âmbito da sociedade.15
Contudo, mesmo que ela corroa o império da lei, a corrupção proporciona uma reação
institucional ad hoc à sua extensão na esfera pública. À medida que surgem novos
escândalos, estes acontecimentos proporcionam uma maior percepção da corrupção na
esfera pública e condicionam uma reação institucional ao introduzir no cenário político
conjunturas críticas. Dessa forma, a reação à corrupção é alargar o marco legal de
controle e regulação dos interesses, de forma a impedir a sua propagação. A ligação da
corrupção com o império da lei, no âmbito das democracias, é fazer com que se constate
a fraqueza do segundo e se imponha, no debate público, conjunturas críticas que
ensejam mudanças institucionais.
Ou seja, a corrupção resulta também em processos de mudança institucional. Ela
pode tanto resultar em quebra do regime político, quanto em processos de mudança no
interior do regime vigente. Por um lado, em casos mais extremos, a corrupção pode
contribuir para o surgimento de formas autoritárias, tendo em vista o modo como ela
favorece golpes de Estado. Exemplo disso foi o Brasil em 1964 e o modo como a
permanente denúncia da corrupção teve como resultante o golpe de Estado dado pelos
militares. A corrupção e o combate ao comunismo foram os principais elementos
discursivos presentes naquele momento. Dessa maneira, o esvaecimento do império da
lei pode resultar em corrupção do Estado, representando a degeneração institucional do
político. Por outro lado, a corrupção pode resultar em mudanças institucionais
15
Donatella Della Porta, Alberto Vannucci. Op. cit..
43 importantes sem necessariamente haver a quebra do regime democrático. Nesse caso, os
escândalos de corrupção representam conjunturas críticas, as quais podem resultar em
mudanças no arcabouço institucional da democracia por meio de transformações
incrementais das organizações do Estado. Assim, a corrupção ainda não alcançou o
processo de completa degeneração institucional, mas se faz presente nas instituições, de
modo a configurar a corrupção no Estado.
De acordo com Pierson, são três os tipos de mudanças institucionais derivados de
conjunturas críticas. O primeiro tipo ocorre por superposição de instituições, em que as
conjunturas críticas introduzem novos arranjos institucionais paralelos com aqueles em
funcionamento. Superpõe-se, portanto, novas e velhas estruturas, de forma a produzir
inovação institucional sem romper com os interesses do status quo. O segundo tipo de
mudança institucional derivado das conjunturas críticas ocorre por meio da conversão
funcional. Nesse caso, as instituições são redirecionadas em suas competências, tendo
em vista a introdução de mudanças no funcionamento e nos papéis desempenhados
pelos atores em seu interior. Por fim, o terceiro tipo de mudança institucional derivado
das conjunturas críticas ocorre por difusão. Neste processo, instituições e organizações
são copiadas e transplantadas para outros ambientes ou contextos, havendo, nesse
sentido, a inovação por meio da criação ou substituição de instituições, tendo em vista
uma busca por maior legitimidade mediante a adoção da inovação.16
O fato é que as conjunturas críticas introduzidas com o tema da corrupção
proporcionam processos de inovação institucional derivados de uma reação à luta
política. Nesse caso, tem sido mais comum nesse processo de mudança institucional nas
democracias a difusão de políticas públicas para o enfrentamento da corrupção,
especialmente com a intervenção de organizações internacionais tais como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação
para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas
(ONU). A difusão tem ocorrido, sobretudo, por meio da adoção de tratados
internacionais contendo elementos centrais para a luta contra a corrupção no mundo,
partindo do diagnóstico comum de como ela prejudica o mercado e a democracia.
Mas no caso dos países, analisados domesticamente, estes processos de mudanças
institucionais derivados da corrupção ocorrem por meio das três formas de inovação
elencadas acima. Na próxima seção cuidamos de analisar o caso brasileiro. Defendemos
16
Pierson, P. (2004) Politics in time. History, institutions and social analysis. Princeton University Press.
44 que, no caso do Brasil, os escândalos de corrupção têm suscitado conjunturas críticas
que têm proporcionado, por sua vez, processos de inovação institucional dirigidos pela
busca por controle e probidade da máquina do Estado, tanto na esfera da representação
política, quanto na esfera da burocracia.
O caso do Brasil: a luta contra a corrupção e as mudanças institucionais
A transição para a democracia no Brasil nos anos de 1980 ocorreu com a
gradativa falência do regime autoritário constituído em 1964, tendo em vista a crise
econômica que inaugurou o ciclo de hiperinflação, o descontrole das contas públicas e a
crise na legitimidade do sistema autoritário. Importante observar que a transição para a
democracia foi operada no interior de um pacto no âmbito das elites políticas, de acordo
com um processo lento e gradual de distensão do regime autoritário, proporcionando a
crescente abertura política e o retorno dos direitos completos de cidadania.
Àquela altura, o processo constituinte iniciado em 1987 enfrentou o dilema de
realizar escolhas que projetassem um ordenamento institucional capaz de agregar e
processar de maneira eficiente as crescentes pressões vindas de um quadro social
extremamente heterogêneo e plural. A escolha deste quadro institucional deveria fazer
com que as instituições adquirissem legitimidade e, ao mesmo tempo, condições para
que o Estado possa intervir de forma eficaz na redução das disparidades sociais
brasileiras e na integração da ordem social. Ou seja, o dilema institucional brasileiro
estava em fazer com que o regime democrático que seria inaugurado proporcionasse
condições de governabilidade movidas pelo quadro normativo da redução das
desigualdades tanto no plano econômico, quanto no plano político.17 Estas condições de
governabilidade implicariam no fato de que o ordenamento institucional do Estado
brasileiro deveria ser suficientemente legítimo para poder construir políticas públicas
eficientes, capazes de reduzir as desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, promover
maior inclusão política da cidadania, tanto na dimensão da participação política, quanto
na dimensão da representação.
Do ponto de vista político, a governabilidade foi alcançada na original fórmula
brasileira do presidencialismo de coalizão. O presidencialismo de coalizão implica a
17
Abranches, S. H. H. (1988) Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados –
Revista de Ciências Sociais, vol. 31, nº 1. 1988.
45 fórmula de um sistema político presidencialista composto de um sistema eleitoral
proporcional, combinado com um sistema multipartidário fragmentado. A adoção do
sistema eleitoral proporcional foi fundamental para a inclusão da diversidade de
interesses que compõem a arena política brasileira, associando a possibilidade de
coligações partidárias. Do outro lado, esta pluralidade de interesses reflete em um
sistema multipartidário que promove a fragmentação dos interesses, ancorados nas
diferenças regionais e sociais do Brasil. A combinação de um sistema eleitoral
proporcional com um sistema multipartidário fragmentado no interior de um sistema de
governo presidencialista obriga que a governabilidade se constitua apenas com a
possibilidade de os presidentes formarem uma coalizão de apoio no interior do
Congresso Nacional.18
A formulação desta coalizão alcança os diversos momentos de composição do
sistema de governo, passando inicialmente pela formação de alianças eleitorais entre os
partidos, a formação do gabinete presidencial e a composição da agenda governamental,
considerando tanto os interesses regionais, quanto os interesses de diferentes setores da
sociedade. O momento eleitoral define o quadro inicial de alianças partidárias,
definindo, por sua vez, a composição do gabinete, tendo em vista negociações e trocas
de recursos entre partidos e burocracia. Neste momento de composição da coalizão, o
presidente se vê obrigado a ceder parcelas de seu controle sobre a burocracia,
transferindo este poder para os partidos da base aliada. Na composição de sua agenda, o
presidente se vê obrigado a negociar com os partidos de modo a produzir acordos
explícitos que compatibilizem as divergências na coalizão e potencialize os pontos de
consenso. Esta compatibilização envolve tanto interesses regionais, consolidados em
uma perspectiva clientelista, quanto interesses de setores e classes sociais.
A princípio, a fórmula do presidencialismo de coalizão pode significar enormes
dificuldades para os presidentes constituírem a governabilidade, especialmente em
função da fragmentação partidária. Entretanto, de acordo com Limongi, a fórmula do
presidencialismo de coalizão não cria problemas para o processo decisório, em função
de mecanismos institucionais que garantem ao presidente enorme poder de agenda. A
estrutura e o funcionamento da democracia brasileira asseguram que o processo
decisório seja fortemente influenciado pelo presidente, tendo em vista instrumentos
institucionais que asseguram que ele possa participar ativamente do processo
18
Sérgio Henrique H. Abranches, op. cit.
46 legislativo.19 O que é específico no quadro institucional do sistema político brasileiro é
o fato de os presidentes terem iniciativa de legislação, poderem editar medidas
provisórias (decretos-leis) e coordenar a agenda de votação do Congresso mediante o
pedido sistemático de urgência. A taxa de sucesso dos presidentes brasileiros no
Congresso, ou seja, o indicador que mostra que iniciativas de lei do presidente
aprovadas em seu mandato, é na ordem de 70,7%. Esta taxa de sucesso dos presidentes
é comparável aos sistemas políticos parlamentaristas.20
O que assegura, no Brasil, as condições da governabilidade é que o processo
decisório é fortemente controlado pelo Poder Executivo, fazendo com que os
presidentes consigam formar maiorias que lhe assegurem apoio aos seus projetos de
políticas públicas. Tendo em vista estes mecanismos, as condições de governabilidade,
no que tange ao processo decisório, foram plenamente atingidas no Brasil. Entretanto,
do ponto de vista das políticas públicas, não é possível afirmar que estas condições
estejam dadas, uma vez que o processo de implementação não possibilita falar em
eficiência. A outra face do governo brasileiro é que a democracia constituiu soluções
institucionais para o processo decisório, mas ainda carece de condições efetivas e
eficazes de implementação das políticas. Nesse sentido, o sistema político brasileiro
resolveu o problema da governabilidade, porém ainda há uma forte lacuna no que
corresponde às condições da governança democrática.
A partir da Constituição Federal de 1988, o tema da corrupção foi se tornando
especialmente importante no Brasil, visto que há uma profusão de escândalos que
surgem tanto na dimensão da representação política e especialmente na dimensão da
implementação das políticas públicas. Este problema se agrava se considerarmos
também o déficit de accountability no contexto das novas democracias.21 Dessa forma,
na chave do presidencialismo de coalizão brasileiro, no qual os presidentes da
República têm enormes prerrogativas no processo legislativo, o problema está não no
processo decisório das políticas de governo, mas no processo de implementação destas
políticas, sujeito a enormes desvios de recursos públicos, superfaturamento de obras e
contratos de prestação de serviços ao Estado, fraudes nas políticas, cobrança de suborno
e propinas no serviço público, dentre outras modalidades. O problema, portanto, não
19
Limongi, F. (2006) A democracia no Brasil. Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório.
Novos Estudos, nº 76..
20
Fernando Limongi, op. cit.
21
O’Donnell, G. (1996) Uma outra institucionalização: América Latina e alhures, Lua Nova – Revista de
Cultura e Política, nº 37, pp. 5-31.
47 está no processo decisório, mas na gestão pública, sujeita aos desmandos políticos e a
uma estrutura fortemente arcaica e clientelista, orquestrada pelos partidos.
Desde o processo de democratização, que reconstruiu as liberdades civis
fundamentais, os escândalos de corrupção têm se tornado frequentes na cena política
brasileira. O processo de abertura democrática, a recomposição da liberdade de impresa
e os instrumentos de controle e accountability tornaram os escândalos corrupção
comuns e com uma frequência cada vez maior ao longo dos governos, como mostra o
quadro abaixo:
Quadro 1. Os principais escândalos de corrupção no Brasil, 1987-2012
Ano
1987
1987
1988
1991
1992
1993
1993
1994
1995
1997
1997
1997
1997
1998
1998
1998
1999
1999
2000
2001
2001
2002
2003
2003
2004
2004
2004
2004
2005
2005
2005
2005
2006
2006
48 Escândalo
Governo José Sarney (1986-1990)
Ferrovia Norte-Sul
Caso Banespa
CPI da Corrupção
Governo Fernando Collor de Mello (1990-1992)
Máfia da Previdência Social
Caso PC Farias
Governo Itamar Franco (1992-1994)
Caso Paubrasil
Anões do Orçamento
Escândalo da Parabólica
Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
Escândalo da Pasta Rosa
Escândalo dos Precatórios
Frangogate
Escândalo das Privatizações
Compra de votos para a reeleição
Dossiê Cayman
Grampos no BNDES
Máfia dos Fiscais em São Paulo
Caso Marka / FonteCindam
Desvios de verbas no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo
Garotinho e a turma do chuvisco
Caso Sudam
Violação do Painel do Senado
Caso Lunus
Governo Lula (2003-2010)
CPI do Banestado
Operação Anaconda
Caso Waldomiro Diniz
Caso Banpará
Caso GTech
Superfaturamento de obras em São Paulo
CPI dos Correios
Mensalão
Dólares na cueca
República de Ribeirão
Caso Sanguessugas
Caso dos Aloprados
2007
2007
2007
2007
2007
2008
2008
2008
2009
2009
2009
2010
2010
2011
2011
2011
2011
2011
2011
2011
2012
2012
Renangate
Cheque da Gol
Renangate – caso Schincariol
Renangate – caso do laranjal
Renangate – golpe no INSS
Escândalo dos cartões corporativos
Caso Satiagraha
Caso Paulinho da Força Sindical
Atos secretos do Senado
Caso Lino Vieira
Mensalão do DEM
Caso Bancoop
Caso Erenice
Governo Dilma Roussef (2011 – 2013)
Caso Pallocci
Escândalo dos Transportes
Escândalo no Ministério da Agricultura
Escândalo no Ministério do Turismo
Escândalo no Ministério das Cidades
Escândalo no Ministério dos Esportes
Escândalo no Ministério do Trabalho e Emprego
Caso Cachoeira
Escândalo no Ministério da Pesca
Fonte: Elaboração própria
A presença destes escândalos no Brasil tornou a corrupção altamente percebida
pela opinião pública. Há algo em comum em todos esses escândalos. Em primeiro lugar,
a cobertura maciça da mídia aos escândalos, dando publicidade aos esquemas de
corrupção e de malversação de recursos públicos. Em segundo lugar, todos estes
escândalos de corrupção inserem um contexto de crítica social da política explícito,
corroborando uma visão comum de que o Estado brasileiro é o espaço natural dos
vícios, tendo em vista a máxima popular de que “todo político é ladrão”. Em terceiro
lugar, todos estes escândalos de corrupção ensejaram iniciativas ad hoc de controle
público, desencadeando um processo de mudança institucional das instituições de
accountability. As mudanças no regimento do Tribunal de Contas da União e a lei de
licitações foram desencadeados pelo escândalo do orçamento. A criação da
Controladoria Geral da União ainda no governo Fernando Henrique Cardoso foi
derivada do escândalo da Sudam e Sudene e o seu fortalecimento e autonomia
institucional, no início do governo Lula, deveu-se ao escândalo do mensalão. O
fortalecimento institucional da Polícia Federal deveu-se a escândalos tais como
Sanguessugas, observando as crescentes operações contra o crime organizado.22 Nesse
22
Filgueiras, F. (2011) Transparência e controle da corrupção no Brasil In: Avritzer, L.; Filgueiras, F
(orgs.). Corrupção e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. pp. 133161.
49 mesmo contexto, o Brasil passou a ser signatário da Convenção das Nações Unidas
Contra a Corrupção a partir de 2005.
Do ponto de vista do enfrentamento da corrupção no Brasil, constituiu-se uma
política do escândalo que tem sido permanente na agenda política. A recorrência de
comissões parlamentares de inquérito, operações da Polícia Federal e a visibilidade dos
esquemas de malversação de recursos públicos têm proporcionado uma cultura política
crítica a respeito da corrupção e seu alcance na esfera pública. A corrupção foi alçada a
tema fundamental da agenda política brasileira, representando um consenso na
sociedade de que ela é um tema grave e que vem aumentando ao longo do tempo.23
Neste sentido, o efeito imediato da corrupção é promover um custo moral associado à
sua alta percepção. A alta percepção da corrupção implica no fato de os indivíduos
promoverem escolhas em que a corrupção seja uma estratégia maximizada de relações
entre o público e o privado, fazendo com que ela seja uma prática comum e corriqueira
nas diversas transações políticas e econômicas.24 Estes custos morais implicam na
ambivalência que os cidadãos brasileiros terminam por tratar o tema da corrupção, em
que, apesar de reconhecerem os efeitos negativos da corrupção, estes mesmos cidadãos
terminam por endossar determinadas práticas que implicam em corrupção.25 O custo
moral é fazer com que a corrupção se torne uma norma informal da sociedade e da
política nas transações entre o público e o privado.
Apesar de a corrupção no Brasil implicar estes custos morais, o fato é que desde a
Constituição de 1988, esta profusão de escândalos de corrupção tem tido o efeito
paradoxal de proporcionar mudanças institucionais importantes na dimensão do controle
democrático. Estas mudanças, conforme aponta Pierson, ocorrem por superposição,
conversão e difusão, possibilitando um quadro de inovação institucional movido pela
presença de conjunturas políticas críticas. No caso do Brasil, as conjunturas críticas que
mobilizam esta inovação institucional são derivadas dos escândalos políticos e da alta
percepção da corrupção na esfera pública. A reação dos presidentes da República ao
23
José Álvaro Moisés destaca o modo como a percepção da corrupção como um tema grave impacta a
construção dos significados de democracia no Brasil. Analisada como um dos problemas mais sérios da
sociedade brasileira, a percepção da corrupção impacta em duas vezes e meia a insatisfação com a
democracia, sendo ela um dos temas mais relevantes da cultura política hoje, no Brasil. A esse respeito,
conferir José Álvaro Moisés. Os significados da democracia segundo os brasileiros. Opinião Pública, vol.
16, nº 2, 2010, pp. 269-309.
24
Donatella Della Porta, Alberto Vannucci, op. cit,. pp. 58-61.
25
Filgueiras, F. (2013) Corrupção e cultura política: a percepção da corrupção no Brasil In: Telles, H.,
Moreno, A. (2013) (Orgs.) Comportamento eleitoral e comunicação política na América Latina. Belo
Horizonte: Editora UFMG, pp. 221-258.
50 alargamento da crescente corrupção no Brasil tem sido promover iniciativas de controle
e reforma na máquina burocrática do Estado, de maneira a conter a escalada da
corrupção.
No que concerne às reformas da administração pública, é no governo Fernando
Henrique Cardoso que elas encontraram substrato político, com a implantação do
Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado em 1995, sob
comando do ministro Bresser-Pereira. A reforma administrativa conduzida pelo MARE
procurou redefinir os setores de atuação estatal, reforçando a ideia de democratização
do Estado e de mecanismos de gestão configurados em torno da adoção de modelos de
administração privada para o setor público. No que diz respeito ao modelo de
administração adotado e à diferenciação dos setores de atuação do Estado brasileiro na
sociedade e na economia, a reforma administrativa do governo Fernando Henrique
Cardoso assumiu um modelo gerencialista, cujo objetivo era adequar a administração
pública brasileira às novas necessidades advindas da globalização dos mercados, da
presença cada vez maior da legislação internacional de comércio e do aperfeiçoamento
dos mecanismos de gestão. As mudanças foram implementadas de forma que as
atividades do governo devem se basear numa gestão pública similar à gestão realizada
no mundo privado, de acordo com contratos de gestão e avaliação de resultados,
movidos pelo princípio da eficiência como guia normativo.26
O marco das reformas do Estado brasileiro procuraram integrar mecanismos de
aprimoramento da eficiência da máquina administrativa combinado com o
fortalecimento da dimensão do controle burocrático. No que tange à questão do controle
burocrático, ele foi aprimorado por meio de iniciativas de mudança na legislação, tendo
em vista o enfrentamento da corrupção. No período que compreende toda a experiência
brasileira com a democracia, desde 1988, foram 116 normas criadas, cujo tema
fundamental é o enfrentamento da corrupção. Importante observar que dadas as
características do presidencialismo de coalizão brasileiro, 83% destas normas têm
origem no Poder Executivo, 16% têm origem no Poder Legislativo e apenas 1% são leis
de iniciativa popular.27 Estas normas representam uma reação dos presidentes, no
26
Bresser-Pereira, L. C. (2001) Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado In:
Bresser-Pereira, L. C.; Spink, P. (2001) (Orgs.). Reforma do Estado e administração pública gerencial.
Rio de Janeiro: Editora da FGV.
27
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 61, parágrafo 2, prevê a possibilidade
de leis de iniciativa popular. Segundo a Constituição, “§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela
apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do
51 contexto de um presidencialismo em que o Poder Executivo tem enormes prerrogativas,
no sentido de conter os custos morais de práticas ilegais no interior de seus governos. O
gráfico 1 abaixo mostra a origem destas normas de enfrentamento da corrupção no
Brasil.
Gráfico 1. Origem da legislação para o enfrentamento da corrupção,
Brasil 1988-2013
Execu2vo Legisla2vo 16% Inicia2va popular 1% 83% Fonte: Presidência da República, Portal da Legislação Brasileira, 2013.
Depreende-se do gráfico acima que a iniciativa de enfrentamento da corrupção parte,
sobretudo, do Poder Executivo. No quadro do presidencialismo de coalizão brasileiro,
existem prerrogativas ao Congresso Nacional no que tange ao controle da administração
pública. Entretanto, como aponta José Álvaro Moisés, o Congresso brasileiro tem sido
omisso nesse tema, delegando ao Poder Executivo as prerrogativas de iniciar a
legislação no que diz respeito ao controle da administração pública.28 Tamanha
delegação fica explícita considerando que o maior volume dessa legislação compreende
decretos, que são de competência do presidente da República, e leis ordinárias, as quais,
no caso do enfrentamento da corrupção, foram de iniciativa do Poder Executivo, como
expõe o gráfico 2 abaixo.
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento
dos eleitores de cada um deles.”
28
Moisés, J. A. (2011) O desempenho do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (19952006). In: Moisés, J. A. (Org.) O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão. Rio de
Janeiro: Fundação Konrad Adenauer-Stifitung, pp. 7-29.
52 Gráfico 2. Tipo de legislação aprovada para o enfrentamento da corrupção,
Brasil 1988-2013
79 24 Lei ordinária Decreto 2 2 4 4 Emenda cons2tucional Medida provisória Lei completar Decreto legisla2vo Fonte: Presidência da República, Portal da Legislação Brasileira, 2013.
Interessante observar nesse processo de construção de leis para o enfrentamento
da corrupção no Brasil é que, conforme exposto no quadro 1, acima, à medida que
cresce o volume de escândalos de corrupção nos diferentes governos da Nova
República, maior vai sendo a reação dos presidentes por meio de iniciativas legislativas
e mudanças institucionais. Gradativamente cresce o número de proposições normativas
ao longo dos governos, como expõe o gráfico 3 abaixo.
53 Gráfico 3. Presidentes e legislação aprovada no enfrentamento da corrupção,
Brasil 1988-2013.
46 36 23 7 0 3 José Sarney Fernando Collor Itamar Franco Fernando Henrique Cardoso Luiz Inácio Lulla Dilma Roussef da Silva Fonte: Presidência da República, Portal da Legislação Brasileira, 2013.
Considerando este processo, é importante destacar as seguintes mudanças
institucionais no Brasil, ao longo dos diferentes governos da Nova República. Em
primeiro lugar, a mudança do regimento do Tribunal de Contas da União (TCU), que
enquanto órgão auxiliar do Poder Legislativo, teve suas prerrogativas aumentadas nos
processos de controle da administração pública no Brasil. Em segundo lugar, a Lei
8429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, que dispõe sobre as
sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, no governo
Collor. Em terceiro lugar, a Lei de 8666/1993, que regulamentou o processo de
licitações e contratos na administração pública, durante o governo Itamar Franco. Em
quarto lugar, o decreto 1171/1994, que aprovou o Código de Ética Profissional do
Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, durante o governo Itamar Franco.
Em quinto lugar, a emenda constitucional 19/1998, que modificou o regime e dispôs
sobre os princípios e normas da administração pública, servidores e agentes públicos,
controle de despesas e finanças públicas, no governo Fernando Henrique Cardoso. Em
sexto lugar, a lei complementar 101/2000, que dispôs sobre as normas de finança
54 pública voltadas para a responsabilidade fiscal.29 Em sétimo lugar, o Brasil se tornou
signatário da Convenção da OCDE sobre o combate da corrupção de funcionários
públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. Em oitavo lugar, a lei
10467/2002, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro. Em nono lugar, a criação da
Controladoria-Geral da União em 2003, durante o início do governo Lula. Em décimo
lugar, a lei complementar 131/2009, que instituiu os portais de transparência, com a
finalidade de fomentar a responsabilidade na gestão fiscal por meio da disponibilização
em tempo real de informações sobre a execução orçamentária e financeira da União. Em
décimo primeiro lugar, a lei 12527/2011, que regulamentou e estabeleceu o direito de
acesso à informação pública no Brasil, no governo Dilma. Em décimo segundo lugar, a
lei 12846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas
jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional e estrangeira.
No conjunto desses casos, as mudanças institucionais vieram como reação às
conjunturas críticas impostas pelos escândalos de corrupção. A reação dos presidentes
foi promover iniciativas de combate e políticas anticorrupção configuradas nos
seguintes aspectos: (1) – a difusão destas políticas mediante o fato de o Brasil ter se
tornado signatário de convenções internacionais contra a corrupção; (2) – a
superposição de novos formatos organizacionais da administração pública, como no
caso da criação da Controladoria-Geral da União e a maior autonomia da Polícia
Federal, fazendo conviver novos e velhos formatos institucionais; (3) – a conversão
funcional de instituições, como no caso do Tribunal de Contas da União, que assumiu
maiores prerrogativas e autonomia. Na próxima seção cuidamos de analisar os traços
fundamentais da legislação brasileira de enfrentamento da corrupção, mostrando que, do
ponto de vista das inovações institucionais no Brasil democrático ampliaram-se os
instrumentos de controle público, associados com a difusão de políticas de transparência
para o enfrentamento da corrupção.
29
Lei complementar, no Direito brasileiro, refere-se às leis cujo propósito é complementar e regulamentar
algo do texto constitucional. Nesse sentido, ela exige um quórum de maioria absoluta e não maioria
simples, como no caso das leis ordinárias, para a sua aprovação no Congresso Nacional.
55 Quais os traços fundamentais da legislação brasileira de combate à corrupção?
Do ponto de vista deste texto, nos ateremos à principal legislação relacionada ao
enfrentamento da corrupção observando as duas questões centrais nesse processo: a
ampliação das competências das instituições de controle e a difusão de práticas de
transparência no contexto da gestão pública brasileira. Antes de se ater a esse processo,
é importante observar o disciplinamento legal existente no Código Penal brasileiro, Lei
2848 de 1940, que definiu os crimes contra a administração pública, instituindo os
crimes de peculato, peculato culposo, peculato mediante erro de outrem, inserção de
dados falsos no sistema de informação (incluído pela Lei 9983/2000), modificação ou
alteração não autorizada de sistema de informações (incluído pela Lei 9983/2000),
extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento, emprego irregular de verbas
ou rendas públicas, concussão, excesso de exação, corrupção passiva, corrupção ativa,
facilitação de contrabando ou descaminho, prevaricação, condescendência criminosa,
violência arbitrária, violação de sigilo funcional, violação do sigilo de proposta de
concorrência. Em todos estes casos, o Código Penal brasileiro estabelece as
qualificações do crime e as penas, e reconhece que os crimes contra a administração
pública são praticados por funcionários públicos, no exercício de suas funções. Esta
legislação ainda se encontra em vigor e, durante muito tempo, foi a principal legislação
para o enfrentamento da questão da corrupção no Brasil.
Além disso, a legislação sobre a questão do controle público no Brasil surge com
o decreto-lei 200/1967, ainda em vigor, do período do regime autoritário. O decreto-lei
200 instituiu o sistema de controle interno e de controle externo. O controle externo é
aquele efetuado por uma entidade externa à administração, que exerce atividades de
vigilância, correção e orientação.30 No caso do Brasil, as atividades de controle externo
são exercidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelos Tribunais de Contas
Estaduais (TCE’s), no caso dos estados federados. De outro lado, o controle interno
refere-se às práticas que a própria organização exerce sobre seus atos, sendo entendidas
como o conjunto de ações, métodos, procedimentos e rotinas que visam a preservar a
integridade de seu patrimônio e a examinar a compatibilidade entre ações e princípios
30
Gomes, M. B., Araújo, R. de M. (2008) Controle externo In: Avritzer, L. et alli (Orgs.) Corrupção:
ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG.
56 pactuados.31 No caso do governo federal no Brasil, o controle interno é centralizado
pela Controladoria-Geral da União (CGU).
O processo de inovação institucional e a construção de uma política anticorrupção
no Brasil só foi possível com o marco legal exarado da Constituição da República de
1988, no processo de democratização. No topo da hierarquia do ordenamento jurídico
brasileiro, a Constituição da República organizou os fundamentos da administração
pública brasileira por meio do capítulo VII (“da administração pública”) do Título III
(“Da organização do Estado”) e estabeleceu como princípios fundamentais a legalidade,
que prescreve que no exercício da administração pública poderão ser realizados apenas
atos previamente autorizados pela legislação, ainda que em algumas circunstâncias a
própria legislação possa preservar alguma discricionariedade ao administrador; a
impessoalidade, pelo qual, em nome do interesse público, todos os cidadãos devem ser
tratados de forma igualitária, sendo vedado aos ocupantes de cargos públicos
privilegiarem algumas pessoas a partir de seus próprios interesses; a moralidade, que
impõe a obrigação de que a administração pública seja exercida de forma honesta e
ética, implicando na necessidade de que, para além de cumprir os requisitos legais, os
atos administrativos devem sustentar o interesse público; a publicidade, segundo o qual
todos os atos do Estado devem ser publicizados, exceto quando em circunstâncias
específicas, que envolvam alguma necessidade de sigilo, ameaças à segurança nacional
ou o direito de privacidade dos cidadãos; e a eficiência, que diz que o Estado deve
buscar atuar com presteza, racionalidade e perfeição.
Além disso, a Constituição da República dispõe normas gerais sobre o ingresso na
carreira pública e alguns direitos específicos dos servidores, como a estabilidade no
cargo após três anos de serviço e, em quais circunstâncias específicas ele poderá perder
o cargo, a exigência de lei específica para a criação de novas autarquias e empresas
públicas, a exigência de licitação para a contratação de obras, serviços, compras e
alienação envolvendo o patrimônio público e a previsão de suspensão de direitos
políticos, a perda da função pública ocupada e outras sanções administrativas para os
casos de improbidade, sem prejuízo das possíveis sanções criminais.
Os direitos e deveres dos servidores e ocupantes de funções públicas foram
regulamentados pela Lei 8.112 de 1990, durante o Governo Collor, enquanto os
31
Spinelli, M. (2008) Controle interno. In: L. Avritzer, L. e al.l (Orgs.) Corrupção: ensaios e críticas.
Belo Horizonte: Editora UFMG.
57 processos de licitações e contratos públicos foram regulamentados pela Lei 8.666 de
1993, durante o Governo do presidente Itamar Franco.
A Lei 8.112, conhecida como estatuto do servidor público, estabelece os
requisitos básicos para a investidura em cargos públicos, isto é, a nacionalidade
brasileira, o gozo dos direitos políticos, a quitação com as obrigações militares e
eleitorais, o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo, a idade mínima de
dezoito anos e a aptidão física e mental, sendo permitida a exigência de requisitos
adicionais de acordo com as atribuições do cargo.
Em linhas gerais, a Lei 8.112 regulamenta os direitos e deveres dos servidores,
previstos pela Constituição, com exceção do direito de greve, que, não tendo sido
regulado por lei específica, tem sido analisado com base na lei trabalhista, por decisão
judicial, até que se elabore lei específica. Além disso, disciplina de forma mais
específica o modo como o servidor deve se portar, além de dispor sobre as punições
administrativas (advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função
comissionada), bem como os casos em que cada uma delas é aplicável e quais as
autoridades responsáveis por essa aplicação. Por exemplo, determinando que cabe à
autoridade que fez a nomeação realizar a destituição de cargo em comissão, quando essa
penalidade for cabível (Art. 141, inciso IV).
A Lei 8.666, regulamenta o artigo 37 da Constituição instituindo normas para as
licitações e contratos da administração pública. Licitação é o nome que se dá ao
procedimento administrativo formal para a realização de contratos e a aquisição de
serviços pelo Estado. Foram previstas originalmente cinco formas de licitações, sendo,
posteriormente acrescida uma sexta forma, denominada pregão, pela Lei 10.520 de
2002, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A concorrência, a tomada de preços e o convite, destinam-se, principalmente à
aquisição de bens e serviços, sendo aplicáveis de acordo com a quantidade de recursos
envolvidos, sendo aplicável o convite para os contratos mais baratos e a concorrência
para os contratos mais valiosos, sendo permitida à administração a utilização do
procedimento mais complexo. Ou seja, para os contratos mais baratos, pode-se utilizar o
convite, a tomada de preços e a concorrência, para os medianos apenas a tomada de
preços e a concorrência e, para os mais caros, apenas a concorrência. Esses
procedimentos visam, de forma mais ou menos exigente, garantir certa igualdade de
58 chances para os diversos prestadores de serviços e fornecedores, bem como um valor
justo para a administração.
Por fim, o pregão, considerado um aperfeiçoamento do sistema, é utilizado para a
contratação de bens e serviços comuns, por um procedimento que lembra uma espécie
de leilão reverso, no qual os fornecedores oferecem seus produtos em lances sucessivos,
sendo contratado aquele que oferecer o produto ou o serviço pelo menor preço, sendo
possível também a sua realização por meio eletrônico. Além dessas disposições, a Lei
8.666 estabelece os requisitos para a habilitação para a disputa dos processos
licitatórios, sanções administrativas e dez tipos penais relacionados à irregularidades
nos processos licitatórios, de maneira a evitar a corrupção no âmbito dos processos de
compras e contratos no setor público brasileiro.
Outra lei importante no marco legal brasileiro de enfrentamento da corrupção é a
Lei de Improbidade Administrativa. Ainda no Governo Collor, a Lei 8.429 de 1992 foi
promulgada com o objetivo de prever sanções aplicáveis aos agentes públicos em casos
de enriquecimento ilícito no exercício da função. A lei de improbidade administrativa,
aplicável a todos os agentes públicos, servidores ou não, além daqueles que, mesmo não
sendo agentes públicos, induza ou concorra para a prática de atos de improbidade. Os
atos de improbidade podem ser, segundo a Lei 8.429, de três tipos: (1) - os atos de
improbidade que importam enriquecimento ilícito, definidos no artigo 9º; (2) - os atos
de improbidade que causam prejuízos ao erário, definidos no artigo 10, e; (3) - os atos
de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública definidos no
artigo 11.
Sendo assim, são atos de improbidade administrativa aqueles que importam
enriquecimento ilícito os atos pelos quais o agente público obtém um aumento de seu
patrimônio em virtude do exercício de função pública (art. 9º), não caracterizando
enriquecimento os aumentos normais do patrimônio a partir da compra e venda de bens,
bem como de sua remuneração. Em linhas gerais, os atos de improbidade administrativa
desse tipo são aqueles que se configuram pelo recebimento de vantagem econômica
para favorecer alguém que tenha algum interesse relacionado à função ocupada pelo
agente improbo, a utilização de equipamentos pertencentes ao patrimônio público para a
realização de obras ou outros serviços de interesse pessoal, bem como aceitar emprego
ou exercer atividade de consultoria para pessoas físicas ou jurídicas que possam ser
favorecidas por ações ou omissões do agente público durante sua atividade.
59 A configuração do enriquecimento ilícito não impede a configuração de crime
contra a administração pública, como o crime de peculato, previsto pelo Código Penal.
Sendo assim, o Ministério Público deverá propor tanto ação penal quanto ação baseada
na Lei de Improbidade, podendo o agente público ser punido tanto criminal quanto
administrativamente. As sanções administrativas previstas podem ser desde a perda de
valores obtidos ilicitamente, passando pela perda da função pública, suspensão dos
direitos políticos de dez a oito anos, pagamento de multa de até três vezes o valor
recebido indevidamente, até a proibição de contratar com órgãos públicos ou receber
benefícios fiscais direta ou indiretamente pelo prazo de dez anos, conforme previsto
pelo art. 12, inciso I.
Os atos de improbidade administrativa que causam prejuízos ao erário são aqueles
atos que ensejam perda patrimonial dos bens ou haveres das entidades protegidas pela
Lei de Improbidade. Sendo assim, além do erário, que é conjunto de bens e interesses de
natureza econômica, estão protegidos pelo artigo 10 também os bens de natureza moral,
artística, histórica ou turística. Pela definição do artigo 10, qualquer ação ou omissão,
dolosa ou culposa, que cause dano patrimonial, malbaratamento, desvio, apropriação ou
dilapidação do patrimônio público é caracterizada como improbidade administrativa,
ainda que não prevista no rol de atos previstos pelos incisos do mesmo artigo. Dessa
forma, são atos desse tipo, por exemplo, a facilitação para a incorporação ao patrimônio
particular de bens, rendas, verbas ou valores pertencentes às instituições públicas
protegidas pela Lei de Improbidade, a alienação de bens públicos ou a prestação de
serviços por preços inferiores aos do mercado, a atuação negligente na arrecadação de
tributos ou a liberação irregular de verbas públicas, entre outros.
Também no caso do artigo 10, as punições administrativas não impedem a
caracterização de ilícitos penais na mesma conduta e a consequente sanção criminal.
Entre as punições previstas para esse tipo de ilícito, dispostas no art. 12, inciso II,
encontram-se o ressarcimento integral do dano causado, a perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a perda da função pública, a suspensão dos
direitos políticos por cinco a oito anos, o pagamento de multa civil de até duas vezes o
valor do dano causado, além da proibição de contratar com o poder público ou receber
benefícios fiscais direta ou indiretamente pelo prazo de cinco anos.
Por fim, os atos de improbidade que atentam contra os princípios da
administração pública são aqueles que violam os princípios previstos pelo artigo 38 da
Constituição da República, bem como aqueles que violam deveres de honestidade,
60 imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, mesmo que não proporcionem
enriquecimento ilícito nem provoquem prejuízo ao patrimônio público, além daquelas
situações em que não se consegue comprovar o enriquecimento ilícito ou o prejuízo no
processo.
Entre os atos previstos, de forma não taxativa pelo artigo 11, encontram-se a
prática de ato visando fim proibido em lei ou diverso daquele previsto na regra de
competência, retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, revelar fato ou
circunstância que deveria permanecer em segredo, negar publicidade aos atos oficiais,
frustrar a licitude de concurso público, deixar de prestar contas a que esteja obrigado e
revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro teor de medida capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço antes da respectiva divulgação oficial.
Entre as punições previstas pelo artigo 12, inciso III, para os atos de improbidade
que atentem contra os princípios da administração encontram-se o ressarcimento
integral do dano, se houver, a perda da função pública, a suspensão dos direitos
políticos por três a cinco anos, o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da
remuneração percebida pelo agente e a proibição de contratar com o poder público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais diretos ou indiretos pelo prazo de três anos.
Também nesse caso, é possível que os atos de improbidade também configurem crimes,
caso em que deverão ser apurados também por ação penal cabendo os dois tipos de
punição, administrativa e criminal, quando cabível.
Por fim, a Lei de Improbidade dispõe regras específicas para a apuração dos atos
que prevê, além de regras para o processo administrativo e para o processo judicial
relativo a esses ilícitos. Nesse sentido, a lei dispõe que qualquer pessoa poderá
representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada a
investigação (artigo 14), que será processada nos termos dos artigos 148 a 182 da Lei
8.112 (estatuto do servidor), quando forem atendidos os requisitos da representação.
Caso haja indícios de responsabilidade, a comissão instituída para a apuração dos fatos
deverá representar ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão, para que requeira
ao juízo competente a decretação de sequestro dos bens do agente que tenha enriquecido
ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público (artigo 16), sem prejuízo da
possibilidade de representação direta ao Ministério Público por qualquer pessoa
interessada (parágrafo 2º do artigo 14).
Nesse contexto do processo de regulamentação do setor público no Brasil, após a
Constituição de 1988, percebe-se um processo crescente de organização da burocracia e
61 a consolidação de regras gerais do ordenamento administrativo. O conjunto dessa
legislação que trata de contratos e compras, bem como do estatuto do servidor público
no Brasil, é percebido como o marco fundamental da legislação. A partir disso, no
contexto dos anos de 1990 e 2000, os escândalos de corrupção assumiram um contexto
de sucessão cotidiana. O retorno das liberdades fundamentais nas democracias, por um
lado, e a existência de um marco legal de enfrentamento da corrupção, por outro lado,
possibilitou desvelar a corrupção existente no Estado brasileiro. Este processo implicou
um conjunto de legislação ad hoc no sentido de ampliar as formas de controle e
regulação no setor público. Conforme já foi abordado nesse texto, o Governo de
Fernando Henrique Cardoso foi marcado pela criação do MARE a partir do qual foi
realizada uma profunda reforma da administração pública brasileira que procurou
modernizá-la por meio da adoção de práticas do setor privado, ou mesmo a partir da
privatização de alguns setores da administração estatal.
Essa reforma foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 19, que produziu
alterações significativas tanto na gestão pública, quanto na regulamentação do serviço
público, a partir da identificação de quatro setores de atuação estatal: O núcleo
estratégico formado pela presidência da República, pelo Ministério Público e pelos
poderes Judiciário e Legislativo; as atividades exclusivas do Estado, por meio das quais
o Estado exerce seu poder, como a polícia, as forças armadas e os órgãos de
regulamentação e fiscalização, que permaneceriam exclusivamente estatais; os serviços
não exclusivos, setor no qual as atividades seriam exercidas tanto pelo Estado quanto
pelo setor privado, com incentivos para o desenvolvimento de iniciativas privadas,
como escolas, universidades e hospitais; e o setor de produção de bens e serviços para
o mercado, correspondente às empresas estatais competitivas no mercado, que deveriam
ser privatizadas. Além disso, a emenda constitucional nº 19 introduziu o valor da
eficiência como princípio da administração pública brasileira. A emenda nº 19 trouxe
ainda mudanças importantes na estrutura da burocracia brasileira. Alterou o regime dos
servidores públicos, modificando as regras de estabilidade, que ficaram mais flexíveis
com a adoção de novas hipóteses de perda do cargo, a partir de avaliações de
desempenho periódicas a serem regulamentadas por posterior Lei complementar e por
processos administrativos por meio dos quais seriam apuradas possíveis irregularidades
na atuação dos servidores.
A reorganização da máquina administrativa no Brasil, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, partiu do princípio que seria necessário ampliar a
62 eficiência do Estado na prestação de serviços públicos. Ao adotar o princípio da
eficiência, no enquadramento delimitado pela teoria da nova gestão pública, as reformas
administrativas pretenderam modificar os instrumentos de gestão no Brasil. Entretanto,
esbarraram em diferentes barreiras. As barreiras às reformas estão relacionadas, de
acordo com Abrucio, a uma visão economicista estreita, que barrou várias inovações
institucionais, como maior autonomia às agências reguladoras, com o medo de o Estado
perder o controle sobre o dispêndio financeiro das agências.32 Além disso, como destaca
Flávio Rezende, a reforma encontrou fortes entraves para a implementação das
mudanças, porque houve uma preponderância da questão fiscal na formação das
preferências dos atores estratégicos. O problema é que os atores estratégicos do
processo decisório perceberam as reformas como ameaça ao controle burocrático sobre
as políticas públicas, fazendo com que as mudanças parassem na questão do ajuste
fiscal.33 Ou seja, as mudanças foram implementadas, mas a construção das políticas
públicas continuaram submetidas ao monopólio burocrático, sem haver, de fato, um
processo de descentralização em direção à sociedade e a construção de mecanismos
mais efetivos de controle na dimensão da sociedade civil. Nesse sentido, continuando
sobre monopólio burocrático, a legislação do controle no Brasil encontrou um contexto
favorável para a sua expansão, tendo em vista, sobretudo, a forte presença do tema da
corrupção na esfera pública e a introdução de conjunturas críticas para a burocracia
estatal.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, criada pela Lei Complementar 101/2000,
procurou coadunar as iniciativas de ampliação da eficiência estatal em conjunção com
as iniciativas de responsabilização fiscal por meio do controle das finanças públicas. O
aspecto mais saliente da Lei de Responsabilidade Fiscal, para além da questão do ajuste
fiscal, foi estabelecer diversas iniciativas para o processo de transparência das contas
públicas, tendo em vista seu artigo 48, e de controle, tendo em vista o artigo 59,
estabelecendo as competências das instituições de controle.
No que tange à extensão do controle, a Lei de Responsabilidade Fiscal distribui as
competências de controle da administração pública ao Tribunal de Contas da União, ao
sistema de controle interno do Poder Executivo, exercido hoje pela Controladoria-Geral
32
Abrucio, F. L. (2007) Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação
da agenda de reformas. In: Revista de Administração Pública, vol. 41, edição especial comemorativa, pp.
67-86.
33
Rezende, F. da C. (2009) Desafios gerenciais para a reconfiguração da administração burocrática
brasileira. Sociologias, ano 11, nº 21,pp. 344-365.
63 da União (CGU) e ao Ministério Público, tendo em vista as metas estabelecidas na Lei
de Diretrizes Orçamentárias, o controle da despesa com pessoal e o controle da dívida
pública. Ao assegurar estas competências, a Lei de Responsabilidade Fiscal criou um
contexto institucional favorável para os instrumentos de controle, tanto externo quanto
interno, no âmbito da administração pública brasileira.
No que tange às iniciativas de transparência, na sua primeira redação, a Lei
Complementar 101 passou a disciplinar os processos de transparência, mas foi revisada
pela Lei Complementar 131/2009, que especificou os meios pelos quais o processo de
transparência das finanças públicas seria concretizada. A Lei de Responsabilidade
Fiscal passou a disciplinar os processos de transparência e gestão fiscal, de acordo com
os incisos incluídos pela Lei Complementar 131/2009, já no Governo Lula, que instruiu:
“Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla
divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis
de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o
Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões
simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: (Redação dada pela
Lei Complementar nº 131, de 2009).
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os
processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e
orçamentos; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de
informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios
eletrônicos de acesso público; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a
padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no
art. 48-A. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da
Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações
referentes a: (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da
execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos
dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço
prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao
procedimento licitatório realizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras,
inclusive referente a recursos extraordinários.”
(Lei Complementar 101 de 2000 e Lei Complementar 131 de 2009).
Na ocasião da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano de 2000, o
objetivo precípuo era ampliar a eficiência do Estado na execução orçamentária e
assegurar mecanismos de transparência. A Lei complementar 131, de 2009, surgiu na
esteira de uma série de escândalos de corrupção no Brasil, associada às diretrizes de
transparência e gestão apontadas pela Convenção das Nações Unidas Contra a
64 Corrupção, a qual estabeleceu um receituário para o enfrentamento global da corrupção.
Nesse caso, a Lei Complementar 131 representou, ao mesmo tempo, um processo de
difusão de mecanismos de transparência somados aos de conversão funcional, ao passo
que a Lei de Responsabilidade Fiscal se estende para todo o aparato do Estado
brasileiro. Importante destacar também que a Lei Complementar 131 disciplinou e
regulamentou os Portais de Transparência no Brasil, estendendo a iniciativa, de 2004,
para todos os órgãos do governo e aos Poderes Legislativo e Judiciário.
Do ponto de vista da legislação, o decreto 4177 de 2002 criou a Corregedoria
Geral da União, centralizando neste órgão as competências do controle interno do
Governo Federal, que até então eram exercidas pela Secretaria Federal de Controle do
Ministério da Fazenda e pela Ouvidoria Geral, ligada ao Ministério da Justiça. Pela Lei
10683/2003, foi criada a Controladoria-Geral da União (CGU), que assumiu e
centralizou todas as atividades de controle interno do Governo Federal e também as
iniciativas de prevenção e combate à corrupção. A CGU representou um processo de
inovação importante no Brasil, não só por centralizar a atividade de controle interno e
institucionalizar sua prática no interior da administração pública, mas também por
difundir práticas de gestão e transparência. A CGU representa, no caso do Brasil, um
processo de conversão funcional ditado pelas conjunturas críticas de escândalos de
corrupção na passagem do Governo Fernando Henrique Cardoso para o Governo Lula.
Do ponto de vista da legislação brasileira para o enfrentamento da corrupção,
outra iniciativa que veio com o processo de difusão, partindo principalmente da
Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, foi a regulamentação do acesso a
informações públicas previsto no inciso XXXIII do artigo 5o, no inciso II do § 3o do
artigo 37 e no § 2o do artigo 216 da Constituição Federal, tendo em vista a lei
12527/2011. A Lei de Acesso à Informação no Brasil vem na esteira de difusão global
desse tipo de legislação, estabelecendo o acesso à informação como um direito básico
da cidadania34 e instituindo, em seu artigo 3º, os seguintes termos:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pública.
(Lei 12527 de 2011)
34
John Ackerman, Irma E. Sandoval-Ballesteros. The global explosion of freedom of information laws.
Administrative Law Review, vol. 58, nº 1, 2006.
65 A Lei de Acesso à Informação estipulou os procedimentos de concretização da
transparência e o princípio da publicidade, tornando-a um preceito geral e as
especificidades de sigilo exceção. Estipulou também a viabilização dos Portais de
Transparência em todo o serviço público brasileiro, incluindo os órgãos dos três poderes
republicanos e de todos os entes federados (União, estados e municípios). A Lei de
Acesso à Informação também disciplinou os procedimentos de acesso à informação, o
direito de acesso à informação para a cidadania e as responsabilidades institucionais.
Associada à Lei de Acesso à Informação, uma inovação institucional importante
no marco legal brasileiro da política anticorrupção é a responsabilização administrativa
e civil de pessoas jurídicas. Do ponto de vista técnico, essa recente inovação
possibilitou a responsabilização dos corruptores e expande o foco do controle para além
do serviço público. A Lei 12846 de 2013, promulgada durante o governo de Dilma
Roussef, dispõe sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Em outras
palavras, esta lei, também chamada de Lei Anticorrupção, tem como objetivo prever
sanções aplicáveis às pessoas jurídicas, quer sejam sociedades empresárias, quer sejam
sociedades simples e também a sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou
representação no território brasileiro, ainda que temporariamente.
A responsabilização da pessoa jurídica nos termos dessa lei não exclui a
responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, nem de qualquer
pessoa natural autora, coautora ou partícipe do ato ilícito previsto pelo qual foi
responsabilizada. A Lei 12846 define como atos lesivos à administração pública todos
os atos praticados por pessoas jurídicas mencionadas pela lei, que atentem contra o
patrimônio público, contra os princípios da administração pública ou compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil, acrescentando especialmente atos que visem
utilizar-se da pessoa jurídica para ocultar ou dissimular os interesses ou a identidade dos
beneficiários dos atos ilícitos praticados, bem como dificultar a investigação ou
fiscalização de órgãos públicos ou agências reguladoras.
São previstas como sanções para os atos por essa lei apenas duas medidas, quais
sejam a aplicação de multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto das pessoas
jurídicas punidas, nunca inferior ao valor da vantagem auferida pelo ato ilícito, quando
for possível sua estimação, além da publicação extraordinária da decisão condenatória,
em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração, a
66 expensas da pessoa jurídica punida. Visando aumentar as chances de apuração dos
ilícitos, o artigo 18 traz a possibilidade de acordo de leniência, feito entre a autoridade
máxima de cada órgão ou entidade pública para as pessoas jurídicas que colaborem
efetivamente com as investigações e a identificação dos demais envolvidos na infração e
para a obtenção de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração,
sendo tal medida aplicável também aos ilícitos previstos pela Lei 8666.
Além disso, a responsabilização administrativa não afasta a possibilidade de
responsabilização judicial que poderá se dar por ação ajuizada que poderão acarretar na
perda de bens, direitos e valores que representem vantagem obtida pela infração, a
suspensão ou interdição parcial de suas atividades, a dissolução compulsória da pessoa
jurídica e a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas ou controladas pelo poder público, pelo
prazo de um até cinco anos.
Considerações finais
No âmbito da experiência brasileira, pode se perceber que existe, no contexto do
Estado, uma política pública para o enfrentamento da corrupção movida por dois
elementos primordiais: em primeiro lugar, a expansão institucional dos mecanismos de
controle da administração pública e, em segundo lugar, a difusão de uma política de
transparência das ações, programas e finanças públicas. A análise do marco legal de
enfrentamento da corrupção no Brasil aponta claramente nessas duas direções.
As conjunturas críticas ensejadas pelos escândalos de corrupção no Brasil forçou
o Estado brasileiro a constituir medidas que estipulem uma política anticorrupção. A
expansão dos mecanismos de controle ocorreu pela criação de novas instituições, como
no caso da Controladoria-Geral da União, e de novas competências a antigas
instituições, como o Tribunal de Contas da União. Some-se a isso o fato de a
Constituição Federal de 1988 ter assegurado autonomia institucional para o Ministério
Público exercer suas iniciativas de investigação e persecução criminal. A expansão dos
mecanismos de controle coadunou com a difusão de políticas de transparência, que
iniciaram seu processo com a Lei de Responsabilidade Fiscal e encontraram na Lei de
Acesso à Informação a institucionalização e regulação do princípio da publicidade no
Brasil.
67 A expansão dos mecanismos de controle e a adoção da linha da transparência
permitem concluir que inovações institucionais foram concretizadas no Brasil
democrático, tendo em vista um marco legal que inovou, principalmente, na difusão de
práticas de governança e na mudança do marco institucional do controle. Todavia, é
importante frisar, o conjunto destas inovações institucionais foi ou resposta às
conjunturas de escândalos, no caso da legislação de controle, ou por meio de difusão de
políticas, especialmente com a participação de organizações internacionais, como no
caso a ONU e a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, da qual o Brasil é
signatário.
No que tange à luta contra a corrupção no Brasil, o que se percebe é que hoje
existe uma política anticorrupção, adotando esse processo de inovação institucional no
âmbito do controle e da transparência. Contudo, existe ainda uma barreira à plena
efetividade dessa política anticorrupção que está na responsabilização dos agentes
públicos e privados pelos atos ilícitos. No caso do Brasil, hoje, as instituições de
controle são efetivas no processo de desvelamento da corrupção. Contudo, ainda não há
efetividade na aplicação de sanções aos casos de corrupção, especialmente naqueles que
envolvam altas autoridades da República e agentes privados. Não havendo uma sanção
eficiente dos atos de corrupção, eles continuam altamente percebidos pela opinião
pública, reproduzindo o contexto de escândalos e de conjunturas críticas e ferindo a
legitimidade da democracia brasileira. Ou seja, a corrupção continua altamente
percebida pela opinião pública, ensejando o custo moral de que, uma vez que ela não é
punida, a corrupção se torna uma prática relativamente aceita, apesar dos espasmos de
alvoroço social causado por ela.
A luta anticorrupção no Brasil demanda, agora, uma série de mudanças no âmbito
processual do Direito brasileiro, procurando equilibrar o garantismo necessário dos
direitos com a possibilidade de sanção aos crimes de corrupção. As mudanças no
Direito processual, entretanto, não encontram um contexto favorável no status quo,
reproduzindo uma série de chicanas jurídicas que possibilitam a impunidade da
corrupção. Nesse contexto, a corrupção reproduz, no plano da sociedade, um enorme
sentimento de injustiça, de acordo com a percepção a respeito das instituições e dos
resultados das políticas públicas no Brasil. Uma vez que a corrupção é uma forma de
injustiça política, os seus custos morais para a sociedade brasileira afetam diretamente a
legitimidade do sistema democrático, tornando a corrupção um problema de primeira
ordem no contexto da democracia. Sem mudanças no marco legal do processo,
68 mantendo a alta percepção de impunidade, ainda não se pode dizer que a política
anticorrupção no Brasil tenha alcançado um status de eficiência e completude.
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71 3. Prevenir e reprimir a corrupção política em Portugal – evolução do
quadro legal
António João Maia
Hermenegildo Borges
Breve nota introdutória de enquadramento do problema
A problemática da corrupção e das diversas vertentes que lhe estão associadas,
como sejam a ética, a cidadania, os valores morais ou mesmo a transparência na vida
pública, têm assumido nos últimos anos uma posição de grande destaque na agenda
pública das sociedades. Esta evolução tem resultado em grande medida de uma forte
mediatização que tem sido conferida a determinadas ocorrências com contornos de
suspeição, sobretudo ao nível da acção dos actores políticos nos relacionamentos que,
no âmbito das funções associadas aos cargos, por vezes estabelecem com o mundo
empresarial e dos grandes negócios.
Partindo de casos frequentemente vindos a público, na maior parte das vezes sob a
forma de escândalos associados a figuras políticas de topo, como tem sido mostrado por
autores como Giglioli (1996), Brunetti e Weder (2001), Pujas (2003), Maia (2008), ou
Poeschl e Ribeiro (2012), muito se tem dito e escrito, muitas vezes de forma puramente
especulativa, acerca dos esquemas utilizados pelos alegados corruptos, das causas
económicas, sociais e até culturais que ajudam a explicar o fenómeno, bem como dos
eventuais efeitos de distorção que ele tende a provocar no relacionamento entre o
Estado e os cidadãos, nos padrões e índices de confiança próprios das relações entre as
pessoas e as instituições, no desenvolvimento da economia, ou nas condições de acesso
aos recursos públicos35.
35
- “Ao provocar fenómenos de caciquismo e compadrio na Administração Pública, impede o princípio
da igualdade. Ao actuar no mercado com métodos ilegais e ocultos, alimenta a concorrência desleal. Ao
apresentar ao fisco rendimentos fictícios, ou subtraindo-os à partida, impede qualquer esforço de justiça
fiscal, e a justa repartição da riqueza” (Morgado & Vegar, 2003: 29). 72 Independentemente do maior ou menor grau de veracidade associado a todo este
mediatismo, a verdade é que ele é reconhecidamente um dos principais factores de
edificação da percepção que os cidadãos tendem a construir relativamente ao problema
da corrupção nos seus países. No caso de Portugal, que é o que aqui nos importa, os
estudos e análises de diagnóstico mais recentes, dos quais devem destacar-se os de
Morgado e Vegar (2003), Sousa e Triães (2007, 2008), Maia (2006, 2008), Poeschl e
Ribeiro (2012), ou mesmo os relatórios do Barómetro da Corrupção da Transparência
Internacional36, têm revelado a existência de uma percepção marcada sobretudo por um
forte sentimento de impunidade e desconfiança. Por um lado os sujeitos dizem que os
mecanismos do sistema repressivo e punitivo da Justiça se têm revelado incapazes de
exercer as suas funções de uma forma eficaz. Por outro, revelam alguma desconfiança
relativamente à capacidade e sobretudo à vontade dos decisores políticos em apostar na
definição e adopção de estratégias que tendam a melhorar a eficácia desses mesmos
mecanismos. Os cidadãos assumem ainda que o problema da corrupção tem vindo a
acentuar-se de forma permanente nos últimos anos, situação que perspetivam se
mantenha, afetando sobretudo a esfera da ação política nas suas relações de interesse
com a economia e com o mundo empresarial e dos negócios.
Porém e apesar de estarmos reconhecidamente perante um tipo de criminalidade
opaca, silenciosa, de difícil investigação, em que as cifras negras denotam ser de
dimensão considerável, como tem sido verificado por Morgado e Vegar (2003), Grilo
(2005), Maia (2004, 2008 e 2012) e Calado (2013), os dados estatísticos conhecidos
quanto ao crime de corrupção37 revelam números que, apesar de tudo, parecem mostrar
alguma eficácia na acção dos mecanismos de investigação criminal e de aplicação de
penas punitivas38.
36
- Transparency International Global Barometer Reports 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009, 1010/11 e
2013;
37
- Os dados estatísticos da Justiça encontram-se publicados no site da Direção-Geral da Política da
Justiça, em http://www.dgpj.mj.pt/sections/estatisticas-da-justica/index/;
38
- De acordo com os dados estatísticos divulgados relativamente ao crime de corrupção em Portugal,
verificamos que entre 1993 e 2010 o sistema judicial instaurou uma média anual de 154 novos processos
por suspeitas de ocorrência daquele crime, tendo conseguido deduzir acusação dos suspeitos em cerca de
1/3 deles e aplicar penas pela prática do crime a 2/3 dos 78 suspeitos que foram julgados (Maia, 2012:79);
73 Quadro 1 – A dimensão real do problema da corrupção
DIMENSÃO
REAL DO
PROBLEMA
DA
CORRUPÇÃO
Adaptado de Grilo (2005) e Maia (2008)
Dimensão conhecida do
problema – ocorrências
conhecidas e processadas pelo
sistema judicial
Dimensão desconhecida do
fenómeno, ou Cifras Negras –
ocorrências desconhecidas e
por isso não processadas pelo
sistema judicial)
Todavia os elementos que fazem parte dos procedimentos judiciais que têm sido
processados pelo sistema de justiça, não têm permitido – precisamente por se
encontrarem dispersos pelos procedimentos a que respeitam – a possibilidade de se
conhecer e traçar de forma mais concreta os padrões de contexto de ocorrência das
práticas desta natureza, nem dos perfis dos indivíduos que as praticam. O conhecimento
quer dos contextos, quer dos perfis dos indivíduos envolvidos nestas práticas,
parece-nos algo que importaria explorar futuramente com algum detalhe e rigor, na
medida em que permitem uma maior aproximação à realidade concreta e objectiva do
problema no nosso país – pelo menos relativamente aos casos que o sistema de justiça
vai conhecendo. Continuamos a afirmar, como tem sido defendido por autores como
Klitgaard (1988), Rose-Ackerman (2002) ou Cavazzini e Nevado (2013), que
“um país que leve a sério a luta contra as práticas de corrupção deverá
primeiramente conhecer os contornos do problema, ou seja proceder à
identificação dos contextos sociais, económicos e políticos em que tais práticas
ocorrem, pois só dessa forma se afigura possível o estabelecimento de ajustadas
estratégias de controlo e de combate, que ofereçam níveis de eficácia
minimamente garantidos” (Maia, 2008: 31).
Quanto ao discurso mediático que tem sido produzido em Portugal relativamente à
corrupção e de acordo com os elementos colhidos no âmbito de um estudo realizado há
poucos anos (Maia, 2006, 2008), verifica-se a existência de uma tendência para uma
maior exploração de casos relacionados com a denominada corrupção política,
sobretudo em função da posição social dos suspeitos, que verificámos ser um dos
74 principais vectores que confere valor-notícia a este tipo de eventos. Estes estudos
revelaram um conjunto de outros elementos que importa destacar, uma vez que, como já
se referiu anteriormente, eles acabam por contribuir para a edificação das percepções
sociais que os cidadãos vão construindo acerca deste problema. Um deles revelou por
exemplo que, para lá de práticas que correspondem ao conceito jurídico do crime de
corrupção, o termo corrupção surge também associado a outras práticas cujo
enquadramento legal corresponde a conceitos jurídicos de outros crimes, alguns dos
quais de natureza não económica (Maia, 2008: 168). Por outro lado, o mesmo estudo
revelou uma tendência para o crescimento exponencial no número de notícias
publicadas nos dois períodos comparados (Maia, 2008: 142). É ainda de referir que na
sua grande maioria, as situações noticiadas encontravam-se ainda numa fase inicial do
correspondente procedimento criminal, quando o Ministério Público, coadjuvado pelas
Polícias desenvolvia as diligências próprias da investigação criminal, ou seja, como
veremos adiante, quando ainda se procuravam elementos indiciadores que permitissem
sustentar a ocorrência do crime e de quem pudessem ter sido ou seus autores (Maia,
2008: 202).
O discurso mediático produzido com aqueles vectores, apresenta uma correlação
muito forte com os principais traços caracterizadores da percepção que os cidadãos
revelam possuir sobre a corrupção, nomeadamente por referirem que o problema afecta
sobretudo os políticos, que tem vindo a aumentar, que o sistema de justiça se tem
revelado ineficaz no seu controlo e repressão e que toda e qualquer prática ilícita em
que esteja em causa o acesso a valores e quantias monetárias tende a ser associada a
práticas de corrupção, como tem sido evidenciados pelos estudos realizados por Maia
(2006, 2008) e Sousa e Triães (2007, 2008).
Ora é precisamente esta questão do conceito de corrupção que nos importa
abordar de maneira mais concreta neste texto. Se é verdade que se pode falar de um
conceito alargado de corrupção, que podemos aceitar como um conceito sociológico,
que inclui as diversas vertentes sob as quais o fenómeno pode ser perspectivado,
sobretudo a percepção evidenciada pelos cidadãos, não é menos verdade que importa
conhecer o conceito jurídico, ou melhor os conceitos jurídico-legais dos crimes que,
segundo a letra da lei penal, encontram uma correspondência com aquela percepção
social. Só a partir da definição e delimitação destes conceitos é possível perceber e
analisar objetivamente o percurso que tem sido trilhado pelos decisores políticos bem
como pelas estruturas dos serviços de justiça, no seu esforço de procurar pelo menos
75 manter o problema sob controlo, quer em termos de aplicação de sanções aos autores
destas práticas, quer em termos do desenho e da adopção de estratégias preventivas.
Quanto
ao
conceito
sociológico,
parece-nos
que
possa
compreender
fundamentalmente os actos praticados de forma deliberada por funcionários dos
serviços públicos, incluindo os titulares de cargos políticos, dos quais resulte ou possa
resultar um desvirtuamento das acções próprias dos serviços, causando-lhes danos
patrimoniais, monetários ou não monetários, em benefício, não devido, do funcionário
ou de terceiras pessoas que sob qualquer forma se encontrem com ele relacionadas39.
Relativamente ao conceito jurídico de corrupção, como já fomos referindo, ele
compreenderá o conjunto de crimes praticados contra o Estado, por funcionários no
exercício das suas funções. E o propósito fundamental deste texto é precisamente a
apresentação do quadro dos principais delitos desta natureza e com este enquadramento,
previstos no ordenamento jurídico português, e de que forma tem evoluído nas últimas
décadas.
Aproveitamos a oportunidade, por nos parecer fazer todo o sentido, sobretudo por
permitir perceber de forma mais clara esse mesmo quadro de delitos e a forma como ele
funciona, para explicar, ainda que de forma necessariamente breve e muito pouco
exaustiva, os principais traços caracterizadores do modelo de organização do edifício
jurídico português, sobretudo para os procedimentos criminais e aplicação das
correspondentes penas aos autores dos crimes, quando as provas recolhidas durante a
fase de investigação criminal e produzidas no iter processual que culmina na audiência
de julgamento, o permitam sustentar.
Iniciamos o texto por uma breve descrição dos princípios constitucionais que se
associam mais diretamente ao processo penal e à aplicação de penas em Portugal.
Procuraremos depois verificar, através do Código de Processo Penal, quais os passos
que qualquer procedimento criminal tem de percorrer, desde o seu início até à aplicação
das penas, nos casos em que haja lugar a isso. Seguidamente, como dissemos,
procuraremos mostrar o quadro de crimes definido no Código Penal correspondente aos
crimes contra o Estado praticados por funcionários no exercício de funções públicas.
39
- Encontramos no mesmo sentido a definição proposta por Sousa, segundo a qual o conceito
sociológico de corrupção corresponde a um “abuso de funções por parte de eleitos, funcionários públicos
ou agentes privados, mediante promessa ou aceitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial
indevida, para si ou para terceiros, para prática de qualquer acto ou omissão contrários aos deveres,
princípios e expectativas que regem o exercício do cargo que ocupam, com o objectivo de transferir
rendimentos e bens de natureza decisória, pública ou privada, para um determinado indivíduo ou grupos
de indivíduos ligados, por quaisquer laços de interesse comum.” (Sousa, 2011: 17).
76 Finalmente mostraremos o quadro da principal legislação avulsa definidora dos
denominados crimes de corrupção política, bem assim como dos que se nos afiguram
ser os principais diplomas legais que têm sido criados para reprimir e prevenir esta
prática ilícita.
Estamos pois, se nos é permitido, em presença de um texto fundamentalmente
descritivo, no sentido em que apenas se procede a uma apresentação e descrição,
acompanhada de quadros identificativos dos diplomas, do quadro legal identificativo
dos ilícitos tipificados e dos principais contornos e momentos do modelo de
funcionamento judicial, no âmbito do qual se previnem, reprimem e punem estas
práticas.
O propósito do texto não é tecer, nem nele se encontrarão apreciações sobre o
sentido, a qualidade técnica ou a oportunidade da legislação apresentada. Todavia e
assumindo esse caráter descritivo do quadro legal, não abdicamos da possibilidade de
tecer alguns comentários finais que, fundamentalmente pela sua objectividade, nos
parecem poder ser assumidos relativamente às opções legislativas que têm sido tomadas
e à estratégia que parece estar associada a essas opções.
A Constituição da República Portuguesa – os princípios constitucionais
A Constituição da República Portuguesa (CRP)40 é, pela sua natureza, o pilar
estruturante de todo o edifício jurídico do nosso país. Todos os ramos do direito
derivam dos princípios constitucionais definidos e defendidos no texto constitucional,
que se inspira e procura traduzir, através do normativo que lhe dá forma, os valores
éticos, morais e filosóficos em que os cidadãos portugueses acreditam e com nos quais
pretendem enquadrar a sua vivência coletiva.
A identificação e análise dos principais artigos da Constituição da República
Portuguesa que foram identificados como sendo de maior importância relativamente aos
40
- A Constituição da República Portuguesa actualmente em vigor foi aprovada a 25 de Abril de 1976 e
resultou dos trabalhos da Assembleia Constituinte eleita na sequência da Revolução de 25 de Abril de
1974. Este documento sofreu entretanto sete revisões, que introduziram alterações mais ou menos
significativas, designadamente através das Leis Constitucionais nº 1/82, de 30 de Setembro, nº 1/89, de 8
de Julho, nº 1/92, de 25 de Novembro, nº 1/97, de 20 de Setembro, nº 1/2001, de 12 de Dezembro, nº
1/2004, de 24 de Julho e, por último a Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de Agosto. As alterações
introduzidas por este significativo número de revisões não terão alterado de modo significativo, do nosso
ponto de vista, a sua estrutura nem as principais linhas filosóficas.
77 propósitos deste texto, resultaram fundamentalmente de uma pesquisa efectuada sobre o
próprio quadro legal constitucional efectuado a partir de Sousa e Alexandrino (2000).
Para se alcançar os objectivos propostos para este texto, importa que do quadro
normativo constitucional se refira, logo de partida, que Portugal se assume claramente
como um Estado de direito democrático41, soberano, baseado na legalidade42 e, de entre
outras, com a tarefa fundamental de garantir o respeito pelos princípios do Estado de
direito democrático43.
De uma forma mais concreta e relativamente aos procedimentos associados à
condução de procedimentos judiciais, o texto constitucional prossegue com a definição
de garantias processuais tão importantes como sejam a protecção do segredo de justiça,
a razoabilidade dos prazos para as decisões judiciais e a defesa dos direitos liberdades e
garantias para os intervenientes em todos os processos judiciais44.
Importa igualmente destacar que a CRP garante, em todo o território português, a
universalidade do direito à liberdade e à segurança, com excepção das situações
correspondentes ao cumprimento de decisões dos Tribunais, designadamente de
sentenças condenatórias pela prática de actos criminosos ou enquanto medida de
segurança45. Complementarmente, garante que qualquer sentença criminal apenas possa
decorrer de Lei anterior que declare punível, como crime, a acção ou omissão que se
consubstancie no crime em causa, ou que defina exatamente os pressupostos de
41
- Art.º 2º (Estado de direito democrático) - A República Portuguesa é um Estado de direito
democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política
democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na
separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e
cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
42
- Art.º 3º, nº3 (Soberania e Legalidade) - A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões
autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a
Constituição.
43
- Art.º 9º, b) (Tarefas fundamentais do Estado) – São tarefas fundamentais do Estado: b) Garantir os
direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático.
44
- Art.º 20º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) – n,º 3 – A lei define e assegura a
adequada protecção do segredo de justiça; n.º 4 - Todos têm direito a que uma causa em que
intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo; n.º 5 - Para
defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra
ameaças ou violações desses direitos.
45
- Art.º 27º (Direito à liberdade e à segurança) – n.º 1 – Todos têm direito à liberdade e à segurança;
n.º2 – Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de
sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação
judicial de medida de segurança; n.º3 – Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e
nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: a) Detenção em flagrante delito; b) Detenção
ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão
cujo limite máximo seja superior a três anos;
78 aplicação de medidas de segurança46. Um outro princípio de grande importância exclui
liminarmente a possibilidade de alguém poder ser julgado mais do que uma vez pela
prática ou por suspeita da prática do mesmo crime47. Define ainda a possibilidade de
existência de procedimento de habeas corpus para as situações de abuso de poder que
resultem de prisão ilegal48.
Relativamente à duração das penas pela prática de crimes, a CRP é clara ao
impossibilitar a existência de penas perpétuas, de duração ilimitada ou indefinida. Por
outro lado dispõe igualmente que nenhuma pena tenha efeitos de perda sobre outros
quaisquer direitos fundamentais, excetuando os que derivem da exigência do
cumprimento da própria pena49.
A Constituição define igualmente, de forma muito clara, os limites em que podem
ocorrer situações de prisão preventiva, que considera ter uma natureza excepcional e
46
- Nos termos dos artigos 161º e 165º, a competência para legislar em matérias de definição dos tipos
legais de crime, da organização do processo penal e da organização dos tribunais compete à Assembleia
de República – Art.º 161º (Competência política e legislativa) Compete à Assembleia da República: c)
Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo; Art.º 165º
(Reserva relativa de competência legislativa) – n.º 1 – É da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: c) Definição dos crimes,
penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal; p) Organização e
competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das
entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;
47
- 29º (Aplicação da lei criminal) – n.º1 – Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em
virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos
pressupostos não estejam fixados em lei anterior; n.º2 – O disposto no número anterior não impede a
punição, nos limites da lei interna, por ação ou omissão que no momento da sua prática seja considerada
criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos; n.º3 – Não
podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei
anterior; n.º4 – Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no
momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se
retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido; n.º5 – Ninguém pode ser julgado
mais do que uma vez pela prática do mesmo crime; n.º6 – Os cidadãos injustamente condenados têm
direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.
48
- Art.º 31º (Habeas corpus) – n.º1 – Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de
prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente; n.º2 – A providência de habeas
corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos; n.º3
– O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.
49
- Art.º 30º (Limites das penas e das medidas de segurança) – n.º1 – Não pode haver penas nem
medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração
ilimitada ou indefinida; n.º2 – Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na
impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou
restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre
mediante decisão judicial; n.º3 – A responsabilidade penal é insuscetível de transmissão; n.º4 – Nenhuma
pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos; n.º5 –
Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a
titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às
exigências próprias da respetiva execução.
79 que, por isso mesmo, sempre que possível, deve ser preterida por outra medida menos
gravosa, nos termos da Lei50.
Por outro lado a lei constitucional garante que a aplicação de qualquer pena pela
prática de crime deve ser antecedida e só pode derivar de um processo criminal51, que
tem uma estrutura acusatória, no âmbito do qual, sob a direção do Ministério Público,
coadjuvado pelas Polícias de Investigação Criminal, se realizam as acções de recolha
dos indícios e das provas que permitam objectivamente e de forma clara sustentar a
acusação dos suspeitos da autoria da prática dos crimes correspondentes, posto o que
decorrerá o julgamento, agora já em sede de Tribunal.
A Constituição assegura, como princípios estruturantes do procedimento criminal
(processo penal) e da realização das respetivas diligências de Investigação Criminal, a
necessidade de fortes e inequívocos requisitos de fundamentação, para efeitos de aceder
legitimamente ao domicílio de um suspeito de modo a poder encontrar aí os indícios e
as provas da autoria do crime. A mesma necessidade de fundamentação é igualmente
requerida para se proceder à intercepção e conhecimento do conteúdo da
correspondência dos suspeitos52.
50
- Art.º 28º (Prisão preventiva) – n.º1 – A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito
horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada,
devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe
oportunidade de defesa; n.º 2 – A prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem
mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei; n.º 3 – A
decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo
comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este indicados; n.º4 – A prisão preventiva
está sujeita aos prazos estabelecidos na Lei.
51
- Art.º 32º (Garantias de processo criminal) – n.º 1 – O processo criminal assegura todas as garantias
de defesa, incluindo o recurso; n.º2 – Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da
sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de
defesa; n.º 3 – O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do
processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória; n.º 4 –
Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades
a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais; n.º 5 - O
processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios
que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório; n.º 6 – A lei define os casos em que,
assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos
processuais, incluindo a audiência de julgamento; n.º 7 – O ofendido tem o direito de intervir no
processo, nos termos da lei; n.º 8 – São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa
da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na
correspondência ou nas telecomunicações; nº 9 – Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja
competência esteja fixada em lei anterior; n.º 10 – Nos processos de contra-ordenação, bem como em
quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
52
- Art.º 34º (Inviolabilidade do domicilio e da correspondência) – n.º 1 – O domicílio e o sigilo da
correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis; n.º 2 – A entrada no
domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente,
nos casos e segundo as formas previstos na lei; n.º 3 – Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio
de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante
autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada,
80 Todos estes quesitos constitucionalmente definidos encontram-se concretizados
no quadro das leis do processo penal53, de organização dos tribunais54, do Ministério
Público55 e das polícias56.
O quadro legal do procedimento criminal – o Código de Processo Penal
O processo penal ou processo criminal, como é também conhecido, é, em termos
simples, o procedimento judicial no âmbito do qual se desenvolve toda a acção tendente
incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei;
n.º 4 - É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações
e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
53
- O Código de Processo Penal, que veremos um pouco mais em pormenor no próximo ponto, concretiza
de forma detalhada os princípios constitucionais relativos a esta matéria. 54
- Art.º 202.º (Função jurisdicional) – n.º 1 - Os tribunais são os órgãos de soberania com competência
para administrar a justiça em nome do povo; n.º 2 - Na administração da justiça incumbe aos tribunais
assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da
legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados; n.º 3 – No exercício das
suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades; n.º 4 - A lei poderá
institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos;
Art.º 203º (Independência) – dos tribunais – Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à
lei.
Art.º 204.º (Apreciação da inconstitucionalidade) – Nos feitos submetidos a julgamento não podem os
tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Art.º 205.º (Decisões dos tribunais) – n.º 1 – As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente
são fundamentadas na forma prevista na lei; n.º 2 – As decisões dos tribunais são obrigatórias para
todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades; n.º 3 – A
lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e
determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.
Art.º 206.º (Audiências dos tribunais) – As audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o
próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das
pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento.
55
- Art.º 219º (Funções e estatuto) – do Ministério Público – n.º1 – Ao Ministério Público compete
representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do
disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida
pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a
legalidade democrática; n.º 2 – O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos
termos da lei; n.º 3 – A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos
casos dos crimes estritamente militares; n.º 4 – Os agentes do Ministério Público são magistrados
responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou
demitidos senão nos casos previstos na lei; n.º 5 – A nomeação, colocação, transferência e promoção dos
agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da
República.
56
- Art.º 272º (Polícia) – n.º 1 – A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a
segurança interna e os direitos dos cidadãos; n.º 2 – As medidas de polícia são as previstas na lei, não
devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário; n.º 3 – A prevenção dos crimes, incluindo a
dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre
polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; n.º 4 – A lei fixa o regime das
forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional.
81 à demonstração objectiva da ocorrência de um crime (que só pode resultar da aplicação
das técnicas e estratégias de investigação criminal legalmente admissíveis), e a
aplicação das sanções penais correspondentes. O quadro legal definidor da vertente da
demonstração da ocorrência do crime e da identificação dos seus autores encontra-se
definido no Código de Processo Penal. As regras para determinação e aplicação das
penas relativamente a cada crime encontram-se previstas no Código Penal, cuja análise
mais pormenorizada será feita no próximo capítulo.
Neste capítulo apresentamos os artigos do Código de Processo Penal que importa
ter em consideração no âmbito do presente texto, e cuja identificação resultou de uma
pesquisa realizada sobre o quadro legal existente, acompanhados pela luz de leituras
como as de Albuquerque (2006), Calado (2009) e Ribeiro (2011).
O Código de processo penal actualmente em vigor em Portugal deriva de uma
formulação base que data de 1987, que se encontra concretamente estabelecida através
do Decreto-lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro e que de então para cá sofreu já um
conjunto de 25 alterações, que melhor se identificam após o final do texto, no quadro
bibliográfico correspondente.
Dessa primeira formulação, bem como das diversas alterações entretanto
introduzidas, importa salientar alguns elementos que permitam perceber de forma mais
apropriada quais são os principais passos do percurso de um qualquer processo criminal
segundo o modelo em vigor em Portugal.
Assim, os processos criminais têm início com a notícia do crime ou do suposto
crime, nos termos dos artigos 241 a 247 daquele diploma, dos quais é de destacar
particularmente o conteúdo dos artigos 24157, 24658 e 24759, por se referirem às questões
formais de abertura do procedimento, ou do Inquérito60, como é formalmente designada
57
- Art.º 241º (Aquisição da notícia do crime) – O Ministério Público adquire notícia do crime por
conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia, nos termos
dos artigos seguintes.
58
- Art.º n.º 246º (Forma e conteúdo da denúncia) – n.º1 – A denúncia pode ser feita verbalmente ou por
escrito e não está sujeita a formalidades especiais; n.º2 – A denúncia verbal é reduzida a escrito e
assinada pela entidade que a receber e pelo denunciante, devidamente identificado (…); n.º3 – A
denúncia contém, na medida do possível, a indicação do maior número de elementos circunstanciais do
crime (…).
59
- Art.º 247º (Registo e certificado da denúncia) – n.º1 – O Ministério Público procede ou manda
proceder ao registo de todas as denúncias que lhe forem transmitidas (…).
60
- Art.º. 262º (Finalidade e âmbito do inquérito) – n.º1 – O inquérito compreende o conjunto de
diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a
responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem á decisão sobre a acusação; n.º2 –
Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de
inquérito.
82 a fase de investigação criminal que se deve necessária e obrigatoriamente seguir e cuja
direção cabe ao Ministério Público61.
Seguidamente e havendo urgência na recolha de indícios e de provas da
ocorrência do crime denunciado e da identificação dos seus possíveis autores, o Código
de Processo Penal prevê, nos artigos 248 a 253, o conjunto das medidas cautelares e de
polícia, que se destinam a habilitar legalmente as polícias a desenvolverem as
diligências necessárias a acautelar as provas antes de receberem ordens da autoridade
judiciária. Destas medidas, destacam-se as que se referem no artigo 24962, relativas às
providências cautelares das provas, incluindo a possibilidade de identificar e contactar
suspeitos da prática do crime, a realização de revistas e buscas e a apreensão de
correspondência, nos termos dos artigos 250, 251 e 252, respectivamente. A realização
das medidas cautelares de prova deve dar sempre origem a um relatório que
processualmente as documente, nos termos do artigo 25363. Se no decurso destas acções
cautelares houver lugar à detenção de suspeitos, sobretudo em situações de flagrante
delito64, devem seguir-se as indicações dos artigos 254 a 261.
Relativamente aos meios de obtenção de prova, o Código de Processo Penal prevê a
prova testemunhal, que, nos termos dos artigos 128 a 139, deve ser recolhida junto das
vítimas e das testemunhas dos crimes. Prevê também a tomada de declarações aos
61
- Art.º 263º (Direcção do inquérito) – n.º1 – A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público,
assistido pelos órgãos de polícia criminal; - n.º2 – Para efeito do disposto no número anterior, os órgãos
de polícia criminal actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência
funcional.
62
- Art.º 249º (Providências cautelares quanto aos meios de prova) – n.º1 – Compete aos órgãos de
polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para
procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios
de prova; n.º2 – Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior: a) Proceder a exames
dos vestígios do crime (…), assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares; b) Colher
informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição; c)
Tomar medidas cautelares relativamente a objectos susceptíveis de apreensão; n.º3 – Mesmo após a
intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de
prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela
autoridade.
63
- Art.º253º (Relatório) – n.º1 – Os órgãos de polícia criminal que procederem a diligências referidas
nos artigos anteriores elaboram um relatório onde mencionam, de forma resumida, as investigações
levadas a cabo, os resultados das mesmas, a descrição dos factos apurados e as provas recolhidas; n.º 2
– O relatório é remetido ao Ministério Público ou ao juiz de instrução, conforme os casos.
64
- Art.º 256º (Flagrante delito) – n.º1 – É flagrante delito todo o crime que se está a cometendo ou se
acabou de cometer; n.º2 – Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o
crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente
que acabou de o cometer ou de nele participar; n.º 3 – Em caso de crime permanente, o estado de
flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser
cometido e o agente está nele a participar.
83 suspeitos, que no processo se denominam arguidos, nos termos dos artigos 5765 a 67 e
140 a 146. Todavia e contrariamente às vítimas e testemunhas, os arguidos têm, de entre
outros, o direito a não prestar esclarecimentos, tal como decorre na alínea c) do n.º1 do
artigo 6166.
O Código de Processo Penal prevê ainda a possibilidade da prova resultar de
reconhecimentos realizados sobre pessoas suspeitas da prática do crime, nos termos dos
artigos 147 a 149, da reconstituição dos factos, nos termos do artigo 150, de resultar de
perícias, nos termos dos artigos 151 a 163, e também de resultar de documentos, na
chamada prova documental, nos termos dos artigos 164 a 170.
Relativamente aos meios de obtenção da prova, está prevista a possibilidade de
serem realizados exames a pessoas e a locais, nos termos dos artigos 171 a 173, a
realização de revistas e buscas, nos termos doa artigos 174 a 177, de apreensões de
objectos, de documentos e de correspondência, nos termos dos artigos 178 a 186, e
ainda a realização de escutas telefónicas, nos termos dos artigos 187 a 190.
O Código prevê ainda a possibilidade, durante o inquérito, de aplicação aos
arguidos de medidas de coacção e de garantia patrimonial, as quais, nos termos do
artigo 204, se destinam a evitar a fuga do suspeito ou a acautelar esse risco, a evitar o
perigo de perturbação do decurso do inquérito e também, em função da sua
personalidade, para evitar a perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou a
continuação da actividade criminosa. De forma gradual, as medidas de coacção
compreendem o termo de identidade e residência (artigo 196), a caução (artigo 197), a
obrigação de apresentação periódica (artigo 198), a suspensão do exercício de funções,
de profissão e de direitos (artigo 199), a proibição de permanência, de ausência e de
contactos (artigo 200), a obrigação de permanência na habitação (artigo 201) e a prisão
preventiva (artigo 202).
No final do inquérito e em face dos indícios recolhidos, o Ministério Público
procede ao encerramento do inquérito, nos termos dos artigos 276 a 285. Determinará o
arquivamento se, após a realização de todas as diligências de investigação criminal
admissíveis, não tiver sido possível a obtenção de indícios suficientes da verificação de
65
- Art.º 57º (Qualidade de arguido) – n.º1 – Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem
for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal; n.º2 – A qualidade de arguido
conserva-se durante todo o decurso do processo.
66
- Art.º 61º (Direitos e deveres processuais) – n.º1 – O arguido goza, em especial, em qualquer fase do
processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de: c)Não responder a perguntas feitas, por qualquer
entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles
prestar. 84 crime ou de quem foram os seus autores, conforme refere o artigo 277. Ao contrário, se
durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de ter ocorrido o crime e
de terem sido identificados os suspeitos da sua autoria, o Ministério Público deduz
contra eles a correspondente acusação, nos termos do artigo 283.
Depois de notificado do despacho de acusação e do seu teor, como refere o já
mencionado artigo 283, o arguido, conjuntamente com o apoio do seu defensor, tem a
faculdade de requerer a abertura de instrução. A instrução é por isso uma fase
facultativa e, nos termos do artigo 286, visa a comprovação judicial do suporte da
acusação. Na instrução, o processo passa a ser dirigido por um juiz de instrução, que
pode ser assistido pelos órgãos de polícia criminal, nos termos do artigo 288. Nesta fase
são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, nos termos do artigo
292. A instrução culmina com o debate instrutório que, nos termos do artigo 298, visa
avaliar, através de um debate oral e contraditório, se as provas recolhidas no inquérito e
na instrução continuam a justificar a submissão do arguido a julgamento.
O juiz procede ao encerramento da instrução, através de despacho de pronúncia,
se considerar que o arguido deve ser submetido a julgamento, ou de não pronúncia, em
caso contrário, nos termos dos artigos 306 a 310.
Seguidamente, nos casos de o inquérito ter culminado com um despacho de
acusação ou de a instrução ter terminado com um despacho de pronúncia, o processo
segue para a fase de julgamento, que decorrerá em tribunal, nos termos dos artigos 311
a 380 do Código de Processo Penal. O julgamento decorre em sessões de audiência, em
regra públicas, nos termos do artigo 321. As sessões de audiência de julgamento
destinam-se à produção das provas que o tribunal considere necessárias tendo a vista a
descoberta da verdade e a boa decisão da causa, nos termos do artigo 340.
No final do julgamento e em função da avaliação e valoração que atribua às
provas apresentadas na audiência de julgamento, o tribunal determina a condenação ou
a absolvição do arguido, conforme considere que ele é o autor do crime, ou ao contrário,
que não é, nos termos dos artigos 375 e 376.
O Código de Processo Penal prevê ainda a possibilidade de as partes recorrerem
das decisões do tribunal resultantes do julgamento. Os recursos encontram-se previstos
nos artigos 399 a 466. Os recursos podem ser apresentados aos Tribunais de Relação,
nos termos dos artigos 427 a 431, ou ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos
artigos 432 a 436, fazendo-se esta segmentação sobretudo a partir do modelo de tribunal
que tenha sido utilizado na 1ª instância, e que deriva sobretudo da moldura penal que
85 em abstrato possa ser aplicada ao arguido pelo crime de cuja prática é julgado, nos
termos dos artigos 10 a 16.
Este é em traços muito gerais o percurso a que deve obedecer um qualquer
processo criminal e que, apesar das diversas e pontuais alterações que têm vindo a ser
inseridas no Código do Processo Penal têm mantido. Todavia, de tais alterações, todas
identificadas no quadro constante da bibliografia consultada, importará que se deixe
nota de duas. A da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto que, para lá de enquadrar o crime de
corrupção no conceito de criminalidade altamente organizada67, passou, de forma
inédita em Portugal, a considerar que o processo criminal na fase de inquérito é
tendencialmente público68, apesar de, a requerimento do arguido ou do Ministério
Público, poder ser secreto, conforme artigos 86 a 90 do referido diploma.
Finalmente, uma outra alteração que importa salientar, prende-se com o
reconhecimento, conferido pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, da necessidade de
os interrogatórios dos arguidos durante a fase de inquérito terem em regra de passar a
ser registados em vídeo ou em áudio, em vez de darem origem ao correspondente auto
de interrogatório de arguido, conforme nova redação conferida aos artigos 141 e 144 do
Código de Processo Penal69.
67
-­‐ Art.º 1º (Definições legais) – Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: m)
“Criminalidade altamente organizada” as condutas que integram crimes de associação criminosa,
tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas,
corrupção, tráfico de influência ou branqueamento. 68
-­‐ De acordo com os novos elementos introduzidos pela lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o artigo 86
passa a ter a seguinte reação - Art.º 86º (Publicidade do processo e segredo de justiça) – n.º1 – O
Processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei; n.º2 – O juiz
de instrução pode, mediante requerimento do arguido (…) e ouvido o Ministério Público, determinar, por
despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando
entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais; - n.º3 –
Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos
processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do
segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução.
69
- De acordo com os elementos inseridos pela lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, os artigos 141 e 144
passam a ter as seguintes alterações - Art.º 141º (Primeiro interrogatório de arguido detido) – n.º7 – O
interrogatório do arguido é efetuado em regra através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser
utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico
idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles
meios não estiverem disponíveis. – Art.º 144º (Outros interrogatórios) – n.º2 – No inquérito, os
interrogatórios (de arguido) podem ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público
tenha delegado a sua realização, obedecendo, em tudo o que for aplicável, às disposições deste capítulo. 86 Quadro 2 – As fases do percurso dos procedimentos criminais em Portugal
A finalizar importa referir que o estudo que realizámos em 2008 (Maia, 2008)
permitiu a recolha de elementos objetivos que apontam para o facto de a mediatização
de alegados casos de corrupção acontece em regra quando os processo estão ainda numa
fase inicial do inquérito, ou seja quando ainda não se encontram devidamente
esclarecidos, quando ainda não existem elementos formais que apontem no sentido de o
crime ter ocorrido nem de suspeitos se encontrarem já indiciados pela sua autoria, mas
que, muito por indução do próprio discurso mediático, contribuem, por vezes de forma
muito evidente, para o denominado julgamento da praça pública, uma vez que o sentido
do discurso tende a apontar para a suspeição, por vezes forte, sobre essas pessoas,
induzindo a construção de um juízo sobre a sua culpabilidade, que, não sendo de
excluir, muitas vezes não se dá como provada judicialmente.
87 A verdade é que os tempos da justiça são necessariamente distintos do da vida das
sociedades e, depois do mediatismo dos casos, da edificação de uma certa perspectiva
sobre as pessoas neles envolvidos, o discurso mediático parte para outro objecto e,
naturalmente, o processo criminal continua o seu percurso, dando os passos definidos
no modelo descrito, com um desfecho natural e próprio, muito vezes num tempo muito
desfasado do que é previamente imposto pelo mediatismo. Todavia, o referido estudo
também apontou, de alguma forma, neste sentido, o desfecho do processo criminal já
não tem o mesmo potencial de noticiabilidade (o valor-notícia) que teve no início. O
caso já não é novo, por assim dizer. A atenção que vai merecer, se a merecer, tende a ser
bem menor do que a inicial. Assim, a imagem que vai prevalecer na opinião pública é a
primeira. Por isso muitas vezes ouvem-se desabafos que insinuam por exemplo um
esquecimento ou desaparecimento deliberado dos procedimentos criminais, facto que na
realidade não sucede. Todos os procedimentos criminais têm o seu percurso natural, têm
também as suas vicissitudes, muitas delas resultantes das estratégias defensivas, que em
si mesmas não naturais e que resultam do cumprimento das regras próprias de
realização das tarefas de investigação criminal e das demais fases processuais que visam
a produção da verdade judiciária, numa demonstração evidente e porventura insuperável
de que o tempo do mediatismo, condicionado pela urgência e conveniência de divulgar
o que é novo e de informar em tempo útil, é claramente distinto do tempo dos
operadores da justiça. Em si mesma, esta distinção não pode ser considerada nem boa
nem má. Ela resulta, naturalmente, das diferentes lógicas de funcionamento destas duas
realidades, a comunicação social e o seu dever de informar a sociedade, e os
mecanismos judiciais e a sua função de procurar a verdade dos factos e, nos casos
objectivamente suportados, aplicar as sanções aos autores dos crimes. Importa porém
que os profissionais da comunicação social tenham consciência da sua função, da
importância de informarem de forma isenta e objectiva e de, relativamente aos alegados
casos de corrupção, evitarem a produção e divulgação de um discurso que, por vezes,
pela forma como é edificado, se consubstancia num contributo para um julgamento e
condenação públicos dos nomes e das pessoas supostamente implicadas nos factos sob
suspeita e em investigação, uma vez que, por estarem judicialmente ainda na fase de
inquérito, não é objetivamente possível fazer deles um juízo e uma leitura de tal forma
consistentes que permitam sustentar o saber fazer austero que sempre deve caracterizar
o jornalismo informativo que se deseja comprometido com a verdade e com a formação
de uma opinião pública esclarecida. Ao contrário, as situações noticiadas à margem
88 deste compromisso honesto com a verdade e a realidade dos factos traduzem-se ou
podem traduzir-se em processos irreversíveis de complicada gestão de rótulos, que
tendem a ficar associados às pessoas envolvidas e, no caso de figuras políticas, a alastrar
a todo o grupo social a que pertencem. Não é por acaso que é frequente ouvirmos a
afirmação que os políticos são todos corruptos e, bem sabemos, que ela é por certo
errada.
Os crimes do Código penal e outros previstos em legislação avulsa
O Código Penal é o documento legal onde se definem os delitos considerados
mais gravosos, cuja forma de sanção social reside precisamente na aplicação de penas,
na maior parte dos casos de penas de prisão.
Neste capítulo apresentamos o conjunto de crimes que o Código Penal Português
considera como os crimes praticados contra o Estado por funcionários no exercício de
funções públicas.
O Código Penal actualmente em vigor em Portugal tem origem no Decreto-lei n.º
400/82, de 23 de Setembro, com as sucessivas alterações que entretanto têm vindo a ser
introduzidas e que melhor se encontram identificadas no correspondente quadro de
legislação consultada.
O processo de identificação deste quadro legal bem como da legislação avulsa que
melhor define as formas mais específicas do crime de corrupção e demais criminalidade
com ele relacionado, como sejam a corrupção política, que veremos mais em pormenor
no ponto seguinte, resultou de uma pesquisa e análise do quadro legal penal efectuada
essencialmente a partir das leituras de Morgado e Vegar (2003), Gonçalves (2007),
Santos e all. (2009), Santos (2009, 2009 a), Melo (2009), Albuquerque (2010), Cunha
(2011), Lopes (2011) e Nunes (2012).
Mostramos primeiro, no ponto seguinte, o quadro de crimes previstos no Código
Penal bem como as principais alterações que lhe foram introduzidas. Depois, no ponto
subsequente, apresentamos os principais crimes mais específicos da corrupção, que,
como dissemos, se encontram definidos em legislação avulsa, a qual se encontra
também identificada no correspondente quadro de legislação consultada.
89 Os crimes previstos no Código Penal
O quadro de crimes definido no último capítulo do Código Penal, que se identifica
como os Crimes contra o Estado praticados no exercício de funções públicas, pode
considerar-se, conjuntamente com os que têm vindo a ser definidos em legislação avulsa
– que veremos no ponto seguinte – como os que apresentam uma correspondência mais
aproximada ao conceito social de corrupção, como vimos anteriormente.
Relativamente a esse conjunto concreto de crimes, cuja redacção da lei consta do
Anexo A deste texto, salientamos a corrupção passiva para acto ilícito (artigo 372), a
corrupção passiva para acto lícito (artigo 373) e a corrupção activa (artigo 374).
Relativamente a estes crimes em concreto, importa clarificar, em traços necessariamente
gerais e simples, que a lei faz questão de distinguir as práticas de corrupção que se
destinam a garantir70 uma actuação do funcionário contrária às suas funções (a
corrupção par acto ilícito) daquelas que, apesar de ilícitas, não alteram o sentido71 das
funções exercidas pelo funcionário corrompido (a corrupção para acto lícito).
Deste quadro de crimes do Código Penal importará ainda destacar o peculato (artigo
375) e o peculato de uso (artigo 376), que correspondem às situações de apropriação ou
utilização abusiva, em benefício pessoal, pelo funcionário ou por terceiras pessoas a ele
ligadas, de bens, patrimoniais ou não patrimoniais, pertencentes ao Estado ou que
estejam à guarda do funcionário em razão das suas funções.
Importa destacar ainda o crime de participação económica em negócio (artigo
377), que corresponde a situações em que as funções públicas são deliberadamente
exercidas de modo a beneficiar negócios de terceiras pessoas ligadas ao funcionário,
lesando os interesses públicos.
Deste capítulo do Código Penal é ainda importante destacar o conceito de
funcionário, que se define no artigo 386, e que de forma muito simples corresponde a
toda a pessoa que exerça funções em entidade de natureza pública ou que persiga fins
públicos – o funcionário civil e o agente administrativo, ainda que a título provisório ou
70
- De acordo com Morgado e Vegar, “numa lógica de corrupção, o poder político ou administrativo dos
titulares de cargos públicos transforma-se numa mercadoria, num objecto de negócio, orientado quase
exclusivamente para objectivos criminosos de enriquecimento ou de poder, individual ou de um grupo.
Gradualmente, vai-se instalando um desvio dos fins dos poderes públicos para fins individuais
ilegítimos.” (Morgado e Vegar, 2003: 57); 71
-­‐ A corrupção para acto lícito pode ser associada às situações em que os utentes dos serviços públicos
oferecem gratificações aos funcionários depois de eles exercerem adequadamente as suas funções. 90 temporário, remunerado ou não remunerado e exercido de forma voluntária ou não
voluntária.
O quadro seguinte identifica os principais diplomas posteriores ao Código Penal
(Decreto-lei n.º400/82, de 23 de Setembro) que apresentam alterações com interesse
para os propósitos deste texto.
Quadro 3 - Código Penal e posteriores alterações com interesse
Diploma
Súmula
Decreto-lei n.º
Define os crimes de corrupção e demais ilícitos penais
400/82, de 23 de
praticados por funcionários no exercício de funções públicas
Setembro
(artigos 372 a 386)
Estabelece o quadro de crimes praticados por funcionários em
Lei n.º 108/2001, de organizações estrangeiras e o crime de corrupção no sector
28 de Novembro
privado – decorre da aplicação da convenção anti-corrupção da
OCDE
Lei n.º 100/2003, de Altera o Código de Justiça Miliar, criando os crimes de
15 de Novembro
corrupção no âmbito da infidelidade militar
Cria o crime de branqueamento de capitais para os proveitos dos
Lei n.º 11/2004, de
crimes económicos, incluindo a corrupção, introduzindo
27 de Março
alterações ao DL nº 325/95, de 2 de Dezembro
Lei n.º 59/2007, de De entre outras componentes, altera o crime de violação de
04 de Setembro
segredo por funcionário e actualiza o conceito de funcionário
Lei n.º 32/2010, de Cria o crime de recebimento indevido de vantagem, em
02 de Setembro
complemento ao crime de corrupção
Finalmente, ainda em relação ao Código Penal, importa referir o sentido do
princípio da legalidade, expresso logo no artigo primeiro, que concorda naturalmente
com os princípios constitucionais e que refere claramente que a aplicação de uma pena
apenas pode decorrer da existência prévia de uma lei que a preveja e que, de forma
abstrata, declare como crime a atuação em causa, não sendo permitida a analogia para
enquadrar penalmente um qualquer quadro factual ocorrido72.
72
-­‐ Artigo 1º (Princípio da legalidade) – n.º1 – Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e
declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática; - n.º 2 – A medida de segurança
só pode ser aplicada a estados de perigosidade desde que os respectivos pressupostos estejam ficados em
lei anterior ao seu preenchimento; n.º 3 – Não é permitida a analogia para qualificar o facto como
crime, definir um estado de perigosidade, ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes
corresponde. 91 Os crimes previstos em legislação avulsa relativamente à corrupção política
Para lá dos crimes previstos no Código Penal, as formas mais específicas da
corrupção e de outros crimes conexos encontram-se previstas em legislação avulsa,
cujos principais diplomas e contornos procuramos apresentar agora.
Antes de mais porém apresentamos as várias convenções internacionais relativas à
corrupção que foram ratificadas e transpostas para o ordenamento jurídico português.
Grande parte destas medidas estão consubstanciadas precisamente nos diversos
diplomas legais que apresentamos, e referem-se à definição legal de algumas formas
específicas deste tipo de criminalidade, bem como a medidas tendentes a introduzir
melhorias tanto na investigação como na prevenção destes delitos.
Relativamente às convenções em concreto, que se encontram elencadas no quadro
seguinte, importa referir a convenção da OCDE contra a corrupção de agentes públicos
estrageiros nas transacções comerciais internacionais, que foi foi assinada em Paris em
Dezembro de 1997, e que Portugal transpôs para o ordenamento jurídico nacional
através da Resolução da Assembleia da República n.º 32/2000, de 31 de Março, bem
como através do Decreto do Presidente da República n.º 19/2000, também de 31 de
Março. Esta convenção tem sido a base de criação de legislação relativa a esta vertente
da corrupção, que melhor se identifica adiante.
Depois, em Abril de 1999, foi assinada em Estrasburgo a convenção penal sobre
corrupção do Conselho da Europa, que foi transposta para o ordenamento jurídico
português através da Resolução da Assembleia de República n.º 68/2001, de 26 de
Outubro e pelo Decreto do Presidente da República n.º 56/2001, da mesma data. O
controlo sobre a aplicação, pelos Estados, das medidas previstas nesta convenção,
também relacionadas com a necessidade de repressão, através da penalização e
prevenção de práticas delituosas no âmbito do comércio internacional, é feito pelo
GRECO – Grupo de Estados Contra a Corrupção – entidade do Conselho da Europa.
Em complemento, refira-se que as três avaliações realizadas por esta entidade a Portugal
têm revelado, através dos correspondentes relatórios73, que, apesar de algumas
recomendações específicas nesse sentido, o nosso país tem vindo a denotar um esforço
no sentido de adoptar estratégias e criar mecanismos legais eficazes tanto na prevenção
73
- Conforme relatórios do GRECO de avaliação a Portugal, de 2003, 2005, 2006, 2007, 2008, 2010,
2012 e 2013; 92 como no controlo e penalização relativamente à problemática da corrupção e demais
criminalidade conexa.
A Convenção Contra a Corrupção da Assembleia Geral da ONU, de Outubro de
2003, que foi transposta para o ordenamento jurídico português através da Resolução da
Assembleia da República n.º 47/2007 e pelo Decreto do Presidente da República n.º
97/2007, ambos de 21 de Setembro.
Para lá destas convenções, importa ainda acrescentar que outros documentos,
produzidos por outras organizações internacionais de que Portugal faz parte, têm sido
igualmente importantes na definição do quadro de medidas legais adotadas por
Portugal. Falamos concretamente de documentos como o Código internacional das
Nações Unidas de conduta para funcionários em funções públicas, de janeiro de 1997,
da convenção de luta contra a corrupção relativa a funcionários das instituições da
Comunidade Europeia ou dos Estados-Membros da União Europeia, de Maio de 1997, e
também da ação comum 98/742/JAI das Comunidades Europeias, de Dezembro de
1998.
Uma das medidas que resultou destas convenções consubstanciou-se na produção,
em Julho de 2002, na Carta Ética da Administração Pública, que se encontra publicada
em anexo no Boletim dos Registos e do Notariado, nº7, de Julho de 2002, que define os
dez princípios éticos da Administração Pública74.
Quadro 4 – Convenções e outros documentos internacionais sobre corrupção
Código internacional das Nações Unidas de conduta para funcionários em funções
públicas, da Assembleia Geral da ONU, de Janeiro de 1997;
Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários
das Comunidades Europeias ou dos Estados-Membros da União europeia, assinada
em Bruxelas a 26 de Maio de 1997;
Convenção OCDE contra a corrupção, assinada em Paris em 17 de Dezembro de
1997;
Acção Comum 98/742/JAI das Comunidades Europeias, relativa ao crime de
corrupção no sector privado
Convenção Penal Anti-Corrupção do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo
em 27 de Janeiro de 1999;
Convenção ONU contra a Corrupção, assinada na cidade de Mérida, no México, em
31 de Outubro de 2003;
74
- De acordo com a Carta Ética da Administração Pública, os dez princípios éticos da Administração
Pública são: o Princípio do Serviço Público; o Princípio da Legalidade; o Princípio da Justiça e da
Imparcialidade; o Princípio da Igualdade; o Princípio da Proporcionalidade; o Princípio da
Colaboração e da Boa-Fé; o Princípio da Informação e da Qualidade; o Princípio da Lealdade; o
Princípio da Integridade; e o Princípio da Competência e Responsabilidade. 93 Quanto aos crimes praticados por titulares de cargos políticos, cujo quadro legal
se apresenta no quadro seguinte, verificamos que se encontram definidos já desde 1987,
a partir da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, que entretanto já sofreu algumas alterações
muito pontuais.
De acordo com este regime legal, verificamos, como define expressamente o
artigo 3, que a lei considera que são cargos políticos: o de Presidente da República, o de
Presidente da Assembleia da República, o de deputado à Assembleia da República, o de
membro do Governo, o de deputado ao Parlamento Europeu, o de Ministro ou
representante da República para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o de
membro de órgão de governo de região autónoma, e o de membro de órgão
representativo de autarquia local.
O Anexo B apresenta os principais crimes que a lei considera poderem ser
praticados por titulares de cargos políticos.
Quadro 5 – Legislação avulsa relativa aos crimes praticados por titulares de
cargos políticos
Diploma
Súmula
Lei n.º 34/87, de
Define os crimes praticados por titulares de cargos políticos
16 de Julho
Lei n.º 108/2001, Estabelece o quadro de crimes praticados por funcionários em
de 28 de
organizações estrangeiras e a corrupção no sector privado – decorre
Novembro
da convenção da OCDE
Lei n.º 30/2008, Estende a responsabilidade dos crimes políticos aos Representantes
de 10 de Julho
da República nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira
Lei 41/2010, de 3 Altera o regime dos crimes praticados por titulares de cargos
de Setembro
políticos
Lei 4/2011, de 16
Introduz algumas alterações no regime das penas
de Fevereiro
Importa referir também a existência de um conjunto de diplomas legais que
prevêem a punibilidade das práticas de corrupção no âmbito das relações económicas e
no sector privado. Estas leis, como mostra o quadro que se segue, derivam
fundamentalmente do conteúdo da Convenção OCDE contra a corrupção de agentes
públicos estrangeiros nas transações comercias internacionais.
94 Quadro 6 – Legislação avulsa relativa à corrupção na economia e no sector
privado
Diploma
Súmula
DL n.º 28/84, de Define os crimes contra a economia e a saúde pública,
20 de Janeiro
nomeadamente a fraude na obtenção ou desvio de subsídio
Transpõe para o ordenamento jurídico português a Convenção
Lei n.º 13/2001,
OCDE contra a Corrupção de agentes públicos estrangeiros nas
de 4 de Junho
transacções comerciais internacionais
Lei n.º 108/2001, Estabelece o quadro de crimes praticados por funcionários em
de
28
de organizações estrangeiras e a corrupção no sector privado – decorre
Novembro
da convenção da OCDE
Lei n.º 20/2008,
Cria o crime de corrupção no comércio internacional privado
de 21 de Abril
O quadro seguinte identifica e sumariza a demais legislação avulsa relativa a
outras formas diversas de tipificação do crime de corrupção.
Quadro 7 – Legislação avulsa relativa a medidas de investigação
Diploma
Súmula
Criação do Gabinete de Perícia Financeiro-Contabilística (na
DL n.º 21/80, de
sequência do DL 364/77, de 2 de Setembro) (DL nº21/80, de 29 de
29 de Fevereiro
Fevereiro)
DL n.º 295-A/90, Cria, na estrutura orgânica da Polícia Judiciária, a Direcção
de 21 de
Central de Combate à Corrupção, Fraudes e Infrações Económicas
Setembro
e Financeiras
DL nº 390/91, de
Estabelece o crime de corrupção no fenómeno desportivo
10 de outubro
DL nº 196/93, de Define o regime de incompatibilidades do pessoal de livre
27 de maio
designação
Lei nº 64/93, de
Define o regime de incompatibilidades dos titulares de altos cargos
26 de agosto
públicos
Define o regime de incompatibilidades do pessoal de livre
DL nº 413/93, de
designação, introduzindo alterações ao Decreto-lei n.º 196/93, de
23 de dezembro
27 de Maio
Estabelece medidas de combate e prevenção à corrupção,
Lei n.º 36/94, de
nomeadamente a possibilidade de a Polícia Judiciária desenvolver
29 de Setembro
averiguações preventivas no âmbito da criminalidade económica
DL nº 325/95, de
Estabelece medidas de repressão ao Branqueamento de Capitais
2 de Dezembro
Define o regime jurídico das acções encobertas para fins de
Lei nº 101/2001, prevenção e investigação criminal, nomeadamente para a
de 25 de Agosto
investigação dos crimes de corrupção, peculato, participação
económica em negócio e tráfico de influências
Lei nº 5/2002, de Introduz medidas especiais de combate à criminalidade organizada
95 11 de Janeiro
DL n.º 304/2002,
de 13 de
Dezembro
Lei nº 17/2006,
de 23 de maio
Lei nº 50/2007,
de 31 de Agosto
Lei nº 19/2008,
de 21 de Abril
Lei nº 25/2008,
de 5 de Junho
Lei n.º 49/2008,
de 27 de Agosto
Lei n.º 94/2009,
de 1 de Setembro
Lei nº 36/2010,
de 2 de Setembro
Lei n.º 37/2010,
de 2 de Setembro
Lei n.º 42/2010,
de 3 de Setembro
Resolução do
Conselho de
Ministros nº
71/2010, de 10 de
Setembro
Lei n.º 45/2011,
de 24 de Junho
e económica e financeira, nomeadamente no acesso a informações
bancárias
Criação da UIF (Unidade de Informação Financeira) na estrutura
orgânica da PJ
Lei-quadro da política criminal, que determina, de entre outras
medidas, a inclusão, nos relatórios evolutivos da criminalidade
processada, de um capítulo específico acerca da corrupção e da
criminalidade económica
Atualiza o quadro de crimes de corrupção no fenómeno
desportivo, inserindo alterações ao Decreto-lei n.º 390/91,de 10 de
Outubro
Aprova medidas de combate à corrupção através da alteração da
Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro
Transpõe para a ordem jurídica nacional directivas e mecanismos
preventivos no âmbito da directiva europeia 2005/60/CE, relativa
ao crime de branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo
Lei de organização da Investigação Criminal. Estabelece que a
Polícia Judiciária tem competência reservada para a investigação
da criminalidade mais complexa, nomeadamente a corrupção
Introduz alterações no quadro de medidas de controlo do sigilo
bancário nos casos de enriquecimentos injustificado
Cria, no Banco de Portugal, uma base de dados de contas
bancárias existentes em Portugal
Introduz alterações das regras de sigilo bancário
Regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em
processo penal, alterando a Lei n.º 93/99, de 14 de Julho
Cria um grupo de trabalho para estudar e propor medidas de
reforço dos meios de coordenação na repressão e prevenção da
corrupção – na sequência do relatório da comissão eventual de
acompanhamento político do fenómeno da corrupção
Criação do Gabinete de Recuperação de Ativos
As medidas legislativas de carácter preventivo das práticas de corrupção
Relativamente às principais medidas de caracter preventivo sobre o problema,
destacamos os diplomas relativos ao controlo do financiamento dos partidos políticos e
das campanhas eleitorais, que se identificam no quadro que se segue.
96 Quadro 8 – Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais
Diploma n.º
Súmula
Lei n.º 97/88, de
Regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e
17 de Agosto
propaganda
Lei n.º 72/93, de
Regime jurídico do financiamento dos partidos políticos e das
30 de Novembro campanhas eleitorais
Lei n.º 27/95, de
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico do financiamento
18 de Agosto
dos partidos políticos e das campanhas eleitorais
Revoga as Leis n.ºs 72/93, de 30 de Novembro e 56/98, de 18 de
Lei n.º 56/98, de
Agosto, criando um novo Regime jurídico do financiamento dos
18 de Agosto
partidos políticos e das campanhas eleitorais
Lei n.º 23/2000,
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico do financiamento
de 23 de Agosto
dos partidos políticos e das campanhas eleitorais
Lei Orgânica n.º
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico do financiamento
1/2001, de 14 de
dos partidos políticos e das campanhas eleitorais
Agosto
Lei n.º 19/2003,
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico do financiamento
de 20 de Junho
dos partidos políticos e das campanhas eleitorais
Decreto-lei n.º
Introduz alterações ao regime de tributação do património imóvel
287/2003, de 12
(com referências ao financiamento dos partidos políticos)
de Novembro
Declaração de
Introduz algumas correções de gralhas ao texto do Decreto-lei n.º
retificação n.º
4/2004, de 9 de
287/2003, de 12 de Novembro
Janeiro
Lei n.º 64Lei do Orçamento de Estado – Introduz pequenas alterações ao
A/2008, de 31 de
regime jurídico de financiamento dos partidos políticos
Dezembro
Lei n.º 55/2010,
Reduz as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas
de 24 de
campanhas eleitorais
Dezembro
Nova redução na subvenção e no limite das despesas nas
Lei n.º 1/2013, de
campanhas eleitorais, limitando o montante da subvenção que
3 de Janeiro
pode ser canalizado para as despesas com outdoors
Regulamento do
Tribunal
Normalização de procedimentos relativos a contas de partidos
Constitucional n.º
políticos e de campanhas eleitorais
16/2013, de 10 de
Janeiro
Uma outra vertente importante ao nível das medidas preventivas, prende-se com
as incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos
públicos, cujos diplomas normativos se deixam identificados no quadro que se segue.
97 Quadro 9 – Regime jurídico de incompatibilidade e impedimentos dos titulares
de cargos políticos e altos cargos públicos
Identificação
Súmula
Lei n.º 9/90, de 1 Regime jurídico das incompatibilidades de titulares de cargos
de Março
políticos e altos cargos públicos
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico das
Lei n.º 56/90, de
incompatibilidades de titulares de cargos políticos e altos cargos
5 de Setembro
públicos
Novo regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos de
Lei n.º 64/93, de
titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, revogando
26 de Agosto
as Leis n.ºs 9/90, de 1 de Março e 56/90, de 5 de Setembro
Lei n.º 39-B/94,
Lei do Orçamento de Estado, que introduz pequenas alterações ao
de 27 de
regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos de titulares
Dezembro
de cargos políticos e de altos cargos públicos
Declaração de
Correcção de gralhas ao texto da Lei n.º 39-B/94, de 27 de
retificação n.º
2/95, de 15 de
Dezembro
Abril
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico das
Lei n.º 28/95, de
incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos
18 de Agosto
e altos cargos públicos
Lei n.º 12/96, de
Procede ao alargamento do regime de incompatibilidades
18 de Abril
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico das
Lei n.º 42/96 de
incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos
31 de Agosto
e de altos cargos públicos
Lei n.º 12/98, de
Regime de incompatibilidades e impedimentos dos autarcas
24 de Fevereiro
Decreto-lei n.º
Estatuto do gestor público, introduzindo alterações ao regime
71/2007, de 27 de
jurídico das incompatibilidades de altos cargos públicos
Março
Estatuto dos representantes da República nas regiões autónomas
Lei n.º 30/2008,
dos Açores e Madeira, introduzindo pequenas alterações ao regime
de 10 de Julho
jurídico das incompatibilidades e impedimentos aos representantes
da República nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira
Lei orgânica
Introduz pequenas alterações ao regime jurídico das
n.º1/2011, de 30
incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos
de Novembro
e de altos cargos públicos em resultado da transferência de
competências dos governos civis e dos governadores civis para
outras entidades da Administração Pública
Um outro conjunto de medidas de carácter preventivo da ocorrência do crime de
corrupção política relaciona-se com o controlo público da riqueza dos titulares de cargos
políticos e altos cargos públicos, que se deixam identificadas no próximo quadro.
98 Quadro 10 – Diplomas de controlo público da riqueza dos titulares de cargos
políticos e de altos cargos públicos
Diploma nº
Súmula
Define quais sãos os cargos políticos a que se destina a lei,
verificando-se que são praticamente os mesmos que se encontram
definidos do quadro legal dos crimes praticados por titulares de
Lei n.º 4/83, de 2
cargos políticos. Os seus titulares têm de apresentar, no prazo de
de Abril
30 dias após início de funções e 60 dias depois de as cessarem,
uma declaração com elementos identificativos do seu património.
Esta declaração é entregue no Tribunal Constitucional
Lei n.º 38/83, de
Reduz o prazo de entrega da declaração
15 de Outubro
Lei n.º 25/95, de
Prevê a aplicação de sanções para as situações de incumprimento
18 de Agosto
da entrega da declaração
Lei n.º 19/2008,
Determina que o M.P. proceda anualmente à análise das
de 21 de Abril
declarações apresentadas
Estende a necessidade de apresentação destas declarações aos
Lei n.º 30/2008,
representantes da República nas Regiões Autónomas dos Açores e
de 10 de Julho
Madeira
Estende o regime das declarações aos titulares de altos cargos
públicos, que considera serem os Gestores públicos, os titulares de
órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando
Lei n.º 38/2010,
designados por este, os membros de órgãos executivos das
de 2 de Setembro empresas do sector empresarial local, os membros de órgãos
directivos dos institutos públicos, os membros das entidades
públicas independentes e ainda os titulares de cargos de direcção
superior de 1º grau e equiparados
Importa referir ainda, no âmbito das medidas e dos mecanismos de prevenção da
corrupção, as entidades criadas com funções específicas de prevenção e repressão da
corrupção bem como algumas das suas decisões, que se identificam no quadro seguinte.
Quadro 11 – Outras medidas legislativas de carácter preventivo
Diploma nº
Súmula
Resolução n.º
Criação, na Presidência do Conselho de Ministros, de Assessoria
78/79, de 20 de
especializada para o combate à Fraude e à Corrupção
Março
DL n.º 369/83, de
Criação da Alta Autoridade Contra a Corrupção
6 de Outubro
DL nº 100-A/85, Extinção da Assessoria especializada para o combate à Fraude e à
de 8 de Abril
Corrupção
Lei n.º 26/92, de
Extingue a Alta Autoridade Contra a Corrupção
31 de Agosto
99 Lei nº 54/2008,
de 4 de Setembro
Recomendação
do Conselho de
Prevenção da
Corrupção nº
1/2009, de 1 de
Julho
Resolução da
Assembleia da
República n.º
1/2010, de 5 de
Janeiro
Resolução da
Assembleia da
República, n.º
2/2010, de 6 de
Janeiro
Recomendação
do Conselho de
Prevenção da
Corrupção nº
1/2010, de 7 de
Abril
Resolução da
Assembleia da
República n.º
91/2010, de 10 de
Agosto
Recomendação
do Conselho de
Prevenção da
Corrupção de 6
de Julho de 2011
Recomendação
do Conselho de
Prevenção da
Corrupção de 14
de Setembro de
2011
Recomendação
do Conselho de
Prevenção da
Corrupção n.º
5/2012, de 7 de
Novembro
100 Criação do Conselho de Prevenção da Corrupção
Necessidade de os serviços públicos terem de produzir e adoptar
Planos de Prevenção e Gestão de Riscos de Corrupção e
Infracções Conexas
Constituição, na Assembleia da República da Comissão eventual
para acompanhamento político do fenómeno da corrupção e para
análise integrada de soluções para o seu combate
Recomenda que o Ministério Público promova a redução ou
isenção de pena nas situações em que os autores de crimes de
corrupção colaborem activamente com a justiça na descoberta da
verdade
Necessidades de os serviços públicos publicitarem, através dos
sítios da internet, os seus Planos de Prevenção e Gestão de Riscos
de Corrupção e Infracções Conexas
Recomenda ao governo a necessidade de dotar os Juízes, os
Magistrados, os Polícias e os Peritos com formação específica,
nomeadamente em matérias relativas ao combate à corrupção
Necessidade de os serviços tributários promoverem estratégias
relativas à gestão dos riscos de corrupção e infracções conexas
Necessidade de definição de medidas de prevenção de riscos de
corrupção associados aos processos de privatizações
Necessidade de os serviços públicos promoverem estratégias
relativas à gestão dos riscos associados às situações de conflitos de
interesses
Conclusão
O quadro legal apresentado e sucintamente descrito corresponde aos principais
diplomas produzidos em Portugal nas últimas décadas relativamente à problemática da
corrupção, nomeadamente no que se refere aos mecanismos preventivos e repressivos
de penalização.
Aproveitámos a oportunidade, por nos parecer de todo útil, importante e até
necessário, sobretudo para quem não domina ou domine mal as questões e lógicas do
universo jurídico, para, de uma forma que consideramos simples, explicar o modelo e o
funcionamento dos mecanismos de repressão e penalização (previstos no Código do
Processo Penal e no Código Penal) dos autores dos crimes em geral, uma vez que ele é
também o que é naturalmente utilizado para proceder ao despiste, investigação e
punição dos autores da corrupção e dos demais crimes conexos.
Vimos assim os princípios constitucionais que norteiam todo o edifício jurídico
português, seguindo-se uma descrição das quatro fases que os procedimentos criminais
podem percorrer ao longo da sua existência. Relativamente a cada uma dessas fases
verificamos, na senda de outros autores, que os tempos da justiça – sobretudo da justiça
penal, que é a que tende a estar publicamente mais exposta – são natural e
necessariamente distintos dos da comunicação social, que, sobretudo nos casos de
alegada corrupção política, tende a fazer deste objecto uma mediatização muito intensa
e incisiva, por vezes quase voraz, justamente no tempo correspondente à fase inicial das
investigações judiciais, construindo por vezes um discurso que tende para a
culpabilidade dos suspeitos, a qual na realidade não está ainda nem aferida nem
esclarecida pelos operadores da justiça, e que por vezes, em momento posterior – por
vezes muito posterior –, acabam por não se confirmar.
Quanto ao quadro legal apresentado – não obstante o que por vezes se afirma,
sobretudo ao nível da opinião pública, que compreende uma percepção tendencialmente
negativa e de ineficácia – importa referir, se nos é permitido, que evidencia algum
esforço dos sucessivos líderes políticos no sentido de procurar dotar as estruturas
judiciais de instrumentos legais capazes – pelo menos em termos de potencial teórico –
101 de tornar mais eficaz o esforço de prevenção e de controlo, incluindo a perseguição e
penalização, dos autores desta tipologia de delitos penais.
Todavia, só uma análise de eficácia destes instrumentos legais, apenas possível a partir
de estudos de análise de conteúdo sobre a evolução dos próprios procedimentos
criminais deste tipo de crimes, permitirá aferir a sua utilidade e razoabilidade e até, nos
casos em que tal seja necessário, a sua melhoria. Esta é uma sugestão de trabalho que
ousamos deixar aqui e que nos parece de grande importância para melhorar a eficácia
das medidas e das estratégias de prevenção e repressão da corrupção, enquanto prática
lesiva de um bem jurídico fundamental que, de acordo com Dias (2008: 799), é a
autonomia intencional do Estado.
Numa espécie de balanço relativamente ao quadro legal existente em Portugal
para fazer face ao problema das práticas de corrupção, entendemos que não pode nem
deve deixar de se assinalar um esforço no sentido de procurar medidas legais e até um
certo sentido estratégico tendente à resolução, ou pelo menos ao controlo, do problema,
quer em termos repressivos, quer em termos preventivos. Todavia, não podemos nem
devemos simplesmente descansar nesta ideia.
Por outro lado, deparamo-nos ainda com práticas relativamente às quais se torna
impossível a aplicação de qualquer pena, apesar de poderem ser eticamente censuráveis,
uma vez que o princípio constitucional e penal da legalidade exige, para tanto, a
existência prévia de uma lei que defina tais práticas como crime. Aliás, algumas
situações de criação de novos tipos legais de crime têm decorrido de situações desta
natureza, de modo a evitar que práticas semelhantes permaneçam penalmente impunes.
Para finalizar gostaríamos de reforçar a ideia de que este mecanismo do princípio
da legalidade, associado a uma noção de tipicidade previamente definida, nos parece de
todo imprescindível, uma vez que ele é o garante de que o sistema judicial fica a salvo
de qualquer possibilidade de funcionamento sob lógicas mais próximas do livre
arbítrio, que, para lá de nefastas, representariam necessariamente um retrocesso no
processo evolutivo de uma sociedade que se afirma e se quer vanguardista na defesa e
no respeito pelos valores do humanismo e dos direitos humanos.
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Legislação consultada
Constituição da República Portuguesa
Versão Diploma
1ª
- Versão inicial aprovada a 25 de Abril 1976
2ª
- Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro
3ª
- Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho
4ª
- Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro
5ª
- Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro
6ª
- Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro
7ª
- Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho
8ª
- Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de Agosto
108 Código de Processo Penal
Versão Diploma nº
1º
- Decreto-lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro
2º
- Declaração de 31 de Março de 1987
3º
- Decreto-lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro
4º
- Decreto-lei n.º 212/89, de 30 de Junho
5º
- Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto
6º
- Decreto-lei n.º 423/91, de 30 de Outubro
7º
- Decreto-lei n.º 343/93, de 01 de Outubro
8º
- Decreto-lei n.º 317/95, de 28 de Novembro
9º
- Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto
10ª
- Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro
11ª
- Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio
12ª
- Decreto-lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro
13ª
- Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro
14ª
- Rectificação n.º 9-F/2001, de 31 de Março
15ª
- Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto
16ª
- Declaração de Rectificação n.º 16/2003, de 29 de Outubro
17ª
- Decreto-lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro
18ª
- Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto
19ª
- Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Outubro
20ª
- Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro
21ª
- Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto
22ª
- Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro
23ª
- Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto
24ª
- Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro
25ª
- Declaração de Rectificação n.º 21/2013, de 19 de Abril
Código Penal
Versão Diploma
1ª
- Decreto-lei n.º 400/82, de 23 de Setembro
2ª
- Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março
3ª
- Declaração n.º 73-A/95, de 14 de Junho
4ª
- Lei n.º 90/97, de 30 de Julho
5ª
- Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro
6ª
- Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio
7ª
- Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho
8ª
- Lei n.º 97/2001, de 25 de Agosto
9ª
- Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto
10ª
- Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto
11ª
- Lei n.º 100/2001, de 25 de Agosto
12ª
- Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro
13ª
- Decreto-lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro
14ª
- Decreto-lei n.º 38/2003, de 08 de Março
15ª
- Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto
16ª
- Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro
17ª
- Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março
109 18ª
19ª
20ª
21ª
22ª
23ª
24ª
25ª
26ª
27ª
28ª
29ª
30ª
31ª
- Lei n.º 11/2004, de 27 de Março
- Declaração de Rectificação n.º 45/2004, de 05 de Junho
- Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho
- Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro
- Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril
- Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro
- Declaração de Rectificação. N.º 102/2007, de 31 de Outubro
- Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro
- Lei n.º 32/2010, de 02 de Setembro
- Lei n.º 40/2010, de 03 de Setembro
- Lei n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro
- Lei n.º 56/2011, de 15 de Novembro
- Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro
- Lei n.º 60/2013, de 23 de Agosto
Outra legislação Consultada
- Resolução n.º 78/79, de 20 de Março
- Despacho normativo nº 154/79, de 5 de Julho
- Decreto-lei n.º 21/80, de 29 de Fevereiro
- Lei n.º 4/83, de 2 de Abril
- Decreto-lei n.º 369/83, de 6 de Outubro
- Lei n.º 38/83, de 15 de Outubro
- Decreto Regulamentar n.º 3/84, de 12 de Janeiro
- Decreto-lei nº 28/84, de 20 de Janeiro
- Decreto-lei nº 100-A/85, de 8 de Abril
- Lei n.º 45/86, de 1 de Outubro
- Lei nº 34/87, de 16 de Julho
- Lei nº 97/88, de 17 de Agosto
- Lei nº 9/90, de 1 de Março
- Lei nº 56/90, de 5 de Setembro
- Decreto-lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro
- Decreto Regulamentar n.º 52/91, de 8 de Outubro
- Decreto-lei nº 390/91, de 10 de Outubro
- Decreto-lei nº 196/93, de 27 de Maio
- Lei n.º 26/92, de 31 de Agosto
- Lei nº 64/93, de 26 de Agosto
- Lei nº 72/93, de 30 de Novembro
- Decreto-lei nº 413/93, de 23 de Dezembro
- Lei n º 36/94, de 29 de Setembro
- Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro
- Decreto-lei n.º 299/94, de 13 de Dezembro
- Declaração de rectificação nº 2/95, de 15 de Abril
- Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto
- Lei nº 27/95, de 18 de Agosto
- Lei nº 28/95, de 18 de Agosto
- Decreto-lei nº 325/95, de 2 de Dezembro
- Lei nº 12/96, de 18 de Abril
- Lei nº 42/96, de 31 de Agosto
- Lei nº 12/98, de 24 de Fevereiro
110 - Lei nº 56/98, de 18 de Agosto
- Resolução da Assembleia da República n.º 32/2000, de 31 de Março
- Decreto do Presidente da República n.º 19/2000, de 31 de Março
- Lei nº 23/2000, de 23 de Agosto
- Lei nº13/2001, de 4 de Junho
- Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto
- Lei nº 101/2001, de 25 de Agosto
- Resolução da Assembleia da República n.º 68/2001, de 26 de Outubro
- Decreto do Presidente da República n.º 56/2001, de 26 de Outubro
- Resolução da Assembleia da República n.º 72/2001, de 15 de Novembro
- Decreto do Presidente da República n.º 58/2001, de 15 de Novembro
- Lei nº 108/2001, de 28 de Novembro
- Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro
- Decreto-lei nº 304/2002, 13 de Dezembro
- Lei nº 19/2003, de 20 de Junho
- Decreto-lei nº 287/2003, de 12 de Novembro
- Declaração de rectificação nº 4/2002, de 9 de Janeiro
- Lei nº 11/2004, de 27 de Março
- Lei nº 17/2006, de 23 de Maio
- Decreto-lei nº 71/2007, de 27 de Março
- Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto
- Lei nº 51/2007, de 31 de Agosto
- Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007, de 21 de Setembro
- Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, de 21 de Setembro
- Lei nº 19/2008, de 21 de Abril
- Lei nº 20/2008, de 21 de Abril
- Lei nº 25/2008, de 5 de Junho
- Lei n.º 30/2008, de 10 de Julho
- Lei nº 49/2008, de 27 de Agosto
- Lei nº 54/2008, de 4 de Setembro
- Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro
- Recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção nº 1/2009, de 1
de Julho
- Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho
- Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro
- Resolução da Assembleia da República n.º 1/2010, de 5 de Janeiro
- Resolução da Assembleia da República, n.º 2/2010, de 6 de Janeiro
- Recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção nº 1/2010, de 7
de Abril
- Resolução da Assembleia da República n.º 91/2010, de 10 de Agosto
- Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro
- Lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro
- Lei n.º 38/2010, de 2 de Setembro
- Lei n.º 41/2010, de 3 de Setembro
- Lei n.º 42/2010, de 3 de Setembro
- Resolução do Conselho de Ministros nº 71/2010, de 10 de Setembro
- Lei nº 55/2010, de 24 de Dezembro
- Lei Orgânica nº 1/2011, de 30 de Novembro
- Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho
- Recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção de 6 de Julho de
111 2011
- Recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção de 14 de
Setembro de 2011
- Recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção nº 5/2012, de 7
de Novembro
- Lei nº 1/2013, de 3 de Janeiro
- Regulamento do Tribunal Constitucional nº 16/2013, de 10 de Janeiro
ANEXOS
Anexo A
Artigos do Código Penal, do capítulo dos crimes cometidos no exercício de funções
públicas, que tipificam os crimes cometidos no exercício de funções públicas e que
correspondem ao conceito social de corrupção
372º Corrupção passiva para acto ilícito
1 – O funcionário que por si, ou por interposta pessoal, com o seu
consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem
que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua
promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo,
ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de
prisão de 1 a 8 anos.
2 — Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o
oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratandose de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.
3 — A pena é especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na
recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros
responsáveis
373º Corrupção passiva para acto lícito
1 – O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento
ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja
devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um
qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que
anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 2
anos ou com pena de multa até 240 dias.
2 — Na mesma pena incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa,
com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para
terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de
pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão
dependente do exercício das suas funções públicas.
3 — É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º e
nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior.
374º Corrupção activa
112 1 — Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou
ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento
daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja
devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6
meses a 5 anos.
2 — Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de
prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 — É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º.
375º Peculato
1 — O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de
outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe
tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas
funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não
couber por força de outra disposição legal.
2 — Se os valores ou objectos referidos no número anterior forem de diminuto
valor, nos termos da alínea c) do artigo 202.º, o agente é punido com pena de
prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3 — Se o funcionário der de empréstimo, empenhar ou, de qualquer forma,
onerar valores ou objectos referidos no n.º 1, é punido com pena de prisão até 3
anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de
outra disposição legal.
376º Peculato de uso
1 — O funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso, para fins
alheios àqueles a que se destinem, de veículos ou de outras coisas móveis de
valor apreciável, públicos ou particulares, que lhe forem entregues, estiverem na
sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções, é punido com pena
de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 — Se o funcionário, sem que especiais razões de interesse público o
justifiquem, der a dinheiro público destino para uso público diferente daquele a
que está legalmente afectado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com
pena de multa até 120 dias.
377º Participação económica em negócio
113 1 — O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro,
participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses
patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função,
administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5
anos.
2 — O funcionário que, por qualquer forma, receber, para si ou para terceiro,
vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico—civil relativo a interesses de
que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou
parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os
lesar, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60
dias.
3 — A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que
receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por
efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das
suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer,
posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses
que lhe estão confiados.
378º Violação de domicílio por funcionário
O funcionário que, abusando dos poderes inerentes às suas funções, praticar o
crime previsto no n.º 1 do artigo 190.º, ou violar o domicílio profissional de
quem, pela natureza da sua actividade, estiver vinculado ao dever de sigilo, é
punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
379º Concussão
1 — O funcionário que, no exercício das suas funções ou de poderes de facto
delas decorrentes, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou
ratificação, receber, para si, para o Estado ou para terceiro, mediante indução
em erro ou aproveitamento de erro da vítima, vantagem patrimonial que lhe não
seja devida, ou seja superior à devida, nomeadamente contribuição, taxa,
emolumento, multa ou coima, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com
pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal.
2 — Se o facto for praticado por meio de violência ou ameaça com mal
importante, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais
grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
380º Emprego da força pública contra a execução da lei ou de ordem legítima
O funcionário que, sendo competente para requisitar ou ordenar emprego da
força pública, requisitar ou ordenar este emprego para impedir a execução de
lei, mandado regular da justiça ou ordem legítima de autoridade pública, é
punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
381º Recusa de cooperação
O funcionário que, tendo recebido requisição legal de autoridade competente
para prestar a devida cooperação à administração da justiça ou a qualquer
serviço público, se recusar a prestá-la, ou sem motivo legítimo a não prestar, é
punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
382º Abuso de poder
114 O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de
poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para
si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é
punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave
lhe não couber por força de outra disposição legal.
383º Violação de segredo por funcionário
1 — O funcionário que, sem estar devidamente autorizado, revelar segredo de
que tenha tomado conhecimento ou que lhe tenha sido confiado no exercício das
suas funções, ou cujo conhecimento lhe tenha sido facilitado pelo cargo que
exerce, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, benefício, ou com a
consciência de causar prejuízo ao interesse público ou a terceiros, é punido com
pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 — Se o funcionário praticar o facto previsto no número anterior criando
perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens
patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão de um a
cinco anos.
3 — O procedimento criminal depende de participação da entidade que
superintender no respectivo serviço ou de queixa do ofendido.
384º Violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações
O funcionário de serviços dos correios, telégrafos, telefones ou
telecomunicações que, sem estar devidamente autorizado:
a) Suprimir ou subtrair carta, encomenda, telegrama ou outra comunicação
confiada àqueles serviços e que lhe é acessível em razão das suas funções;
b) Abrir carta, encomenda ou outra comunicação que lhe é acessível em razão
das suas funções ou, sem a abrir, tomar conhecimento do seu conteúdo;
c) Revelar a terceiros comunicações entre determinadas pessoas, feitas pelo
correio, telégrafo, telefone ou outros meios de telecomunicações daqueles
serviços, de que teve conhecimento em razão das suas funções;
d) Gravar ou revelar a terceiro o conteúdo, total ou parcial, das comunicações
referidas, ou tornar-lhe possível ouvi-las ou tomar delas conhecimento; ou
e) Permitir ou promover os factos referidos nas alíneas anteriores; é punido com
pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
385º Abandono de funções
O funcionário que ilegitimamente, com intenção de impedir ou de interromper
serviço público, abandonar as suas funções ou negligenciar o seu cumprimento é
punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
386º Conceito de funcionário
115 1 — Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a
título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a
desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida
na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas
circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou
nelas participar.
2 — Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de
fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais
públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas
concessionárias de serviços públicos.
3 — São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos
372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia,
independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados—Membros da União Europeia,
quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território
português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de
qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja
membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em
território português.
d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução
extrajudicial de conflitos.
ANEXO B
Artigos previstos em legislação avulsa relativos à crimes praticados por titulares
de cargos políticos e altos cargos públicos
Previstos na lei n.º 34/87, de 16 de Julho
1º
Âmbito da presente lei
A presente lei determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos
políticos cometam no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhes
são aplicáveis e os respetivos efeitos.
2º
Definição genérica
Consideram-se praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas
funções, além dos como tais previstos na presente lei, os previstos na lei penal
geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido
praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos
inerentes deveres.
3º
Cargos políticos
116 São cargos políticos, para os efeitos da presente lei:
a) O de Presidente da República;
b) O de Presidente da Assembleia da República;
c) O de deputado à Assembleia da República;
d) O de membro do Governo;
e) O de deputado ao Parlamento Europeu;
f) O de ministro da República para região autónoma;
g) O de membro de órgão de governo próprio de região autónoma;
h) O de governador de Macau, de secretário-adjunto do Governo de Macau ou
de deputado à Assembleia Legislativa de Macau;
i) O de membro de órgão representativo de autarquia local;
j) O de governador civil.
11º
Prevaricação
O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra
direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a
intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com
prisão de dois a oito anos.
12º
Denegação de justiça
O titular de cargo político que no exercício das suas funções se negar a
administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência,
lhe cabem e lhe foram requeridos será punido com prisão até dezoito meses e
multa até 50 dias.
13º
Desacatamento ou recusa de execução de decisão do tribunal
O titular de cargo político que no exercício das suas funções recusar acatamento
ou execução que, por dever do cargo, lhe cumpram a decisão de tribunal
transitada em julgado será punido com prisão até um ano.
14º
Violação de normas de execução orçamental
O titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar
cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole:
a) Contraindo encargos não permitidos por lei;
b) Autorizando pagamentos sem o visto do Tribunal de Contas legalmente
exigido;
c) Autorizando ou promovendo operações de tesouraria ou alterações
orçamentais proibidas por lei;
d) Utilizando dotações ou fundos secretos, com violação das regras da
universalidade e especificação legalmente previstas; será punido com prisão até
um ano.
15º
Suspensão ou restituição de direitos, liberdades e garantias
117 O titular de cargo político que, com flagrante desvio das suas funções ou com
grave violação dos inerentes deveres, suspender o exercício de direitos,
liberdades e garantias não susceptíveis de suspensão, ou sem recurso legítimo
aos estados de sítio ou de emergência, ou impedir ou restringir aquele exercício,
com violação grave das regras de execução do estado declarado, será condenado
a prisão de dois a oito anos, se ao facto não corresponder pena mais grave por
força de outra disposição legal.
16º
Corrupção passiva para acto ilícito
1 - O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar
dinheiro, promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial ou não
patrimonial a que não tenha direito, para si ou para o seu cônjuge, parentes ou
afins até ao 3.º grau, para a prática de acto que implique violação dos deveres do
seu cargo ou omissão de acto que tenha o dever de praticar e que,
nomeadamente, consista:
a) Em dispensa de tratamento de favor a determinada pessoa, empresa ou
organização;
b) Em intervenção em processo, tomada ou participação em decisão que
impliquem obtenção de benefícios, recompensas, subvenções, empréstimos,
adjudicação ou celebração de contratos e, em geral, reconhecimento ou
atribuição de direitos, exclusão ou extinção de obrigações, em qualquer caso
com violação da Lei; será punido com prisão de dois a oito anos e multa de 100
a 200 dias.
2 - Se o acto não for, porém, executado ou se não se verificar a omissão, a pena
será a de prisão até dois anos e multa até 100 dias.
3 - Se, por efeito da corrupção, resultar condenação criminal em pena mais
grave do que as previstas nos nºs 1 e 2, será aquela pena aplicada à corrupção.
17º
Corrupção passiva para acto lícito
O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou interposta
pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou receber dinheiro,
promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial a
que não tenha direito, para si ou para o seu cônjuge, parentes ou afins até ao 3.º
grau, para a prática de acto ou omissão de acto não contrários aos deveres do
seu cargo e que caibam nas suas atribuições será punido com prisão até um ano
ou multa até 100 dias.
18º
Corrupção activa
O titular de cargo político que no exercício das suas funções der ou prometer a
funcionário ou a outro titular de cargo político, por si ou por interposta pessoa,
dinheiro ou outra vantagem patrimonial ou não patrimonial que a estes não
sejam devidos com os fins indicados no artigo 16.º será punido, segundo os
casos, com as penas do mesmo artigo.
19º
Isenção de pena
118 1 - O infractor que, nos casos dos artigos anteriores, voluntariamente repudiar
oferecimento ou promessa que tenha aceitado ou restituir o que indevidamente
tiver recebido antes de praticado o acto ou de consumada a omissão ficará isento
de pena.
2 - Fica igualmente isento de pena o infractor que, nos casos dos artigos 16.º e
17.º, participe o crime às autoridades competentes antes de qualquer outro co
infrator e antes de ter sido iniciado procedimento criminal pelos
correspondentes factos, sendo irrelevante a sua participação simultânea.
3 - A isenção de pena prevista no n.º 1 só aproveitará ao agente de corrupção
activa se o mesmo voluntariamente aceitar o repúdio da promessa ou a
restituição do dinheiro ou vantagem que houver feito ou dado.
20º
Peculato
1 - O titular de cargo político que no exercício das suas funções ilicitamente se
apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer outra
coisa móvel que lhe tiver sido entregue, estiver na sua posse ou lhe for acessível
em razão das suas funções será punido com prisão de três a oito anos e multa até
150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Se o infractor der de empréstimo, empenhar ou, de qualquer forma, onerar
quaisquer objectos referidos no número anterior, com a consciência de
prejudicar ou poder prejudicar o Estado ou o seu proprietário, será punido com
prisão de um a quatro anos e multa até 80 dias.
21º
Peculato de uso
1 - O titular de cargo político que fizer uso ou permitir a outrem que faça uso,
para fins alheios àqueles a que se destinam, de veículos ou outras coisas móveis
de valor apreciável que lhe tenham sido entregues, estiverem na sua posse ou
lhe forem acessíveis em razão das suas funções será punido com prisão até
dezoito meses ou multa de 20 a 50 dias.
2 - O titular de cargo político que der a dinheiro público um destino para uso
público diferente daquele a que estiver legalmente afectado será punido com
prisão até dezoito meses ou multa de 20 a 50 dias.
22º
Peculato por erro de outrem
O titular de cargo político que no exercício das suas funções, mas
aproveitando-se do erro de outrem, receber, para si ou para terceiro, taxas,
emolumentos ou outras importâncias não devidas, ou superiores às devidas, será
punido com prisão até três anos ou multa até 150 dias.
23º
Participação económica em negócio
119 1 - O titular de cargo político que, com intenção de obter para si ou para terceiro
participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses
patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpra, em razão das suas funções,
administrar, fiscalizar, defender ou realizar será punido com prisão até cinco
anos e multa de 50 a 100 dias.
2 - O titular de cargo político que, por qualquer forma, receber vantagem
patrimonial por efeito de um acto jurídico-civil relativo a interesses de que
tenha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a
disposição, a administração ou a fiscalização, ainda que sem os lesar, será
punido com multa de 50 a 150 dias.
3 - A pena prevista no número anterior é também aplicável ao titular de cargo
político que receber, por qualquer forma, vantagem económica por efeito de
cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento de que, em razão das suas
funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto
que se não verifique prejuízo económico para a Fazenda Pública ou para os
interesses que assim efetiva.
Previstos na Lei n.º 108/2001, de 28 de Novembro
3º
Cargos políticos
2 — Para efeitos do disposto nos artigos 16º a 19º, equiparam-se aos titulares de
cargos políticos nacionais os titulares de cargos políticos da União Europeia,
independentemente da nacionalidade e residência e, quando a infracção tiver
sido cometida, no todo ou em parte, em território português, os titulares de
cargos políticos de outros Estados-Membros da União Europeia.
16º
Corrupção passiva para acto ilícito
1 — O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou por
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar,
para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não
patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários
aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é
punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2 — Se, por efeito da corrupção, resultar condenação criminal em pena mais
grave do que a prevista no número anterior, será aquela pena aplicada à
corrupção.
17º
Corrupção passiva para acto lícito
1 — O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou por
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar,
para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não
patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não
contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou
aceitação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 300
dias.
2 — Na mesma pena incorre o titular de cargo político que por si, ou por
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar,
para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não
patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer
pretensão dependente de exercício das suas funções.
120 18º
Corrupção activa
1 — Quem por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou
ratificação, der ou prometer a titular de cargo político, ou a terceiro com
conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao titular
de cargo político não seja devida, com o fim indicado no artigo 16º, é punido
com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2 — Se o fim for o indicado no artigo 17º, o agente é punido com pena de prisão
até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 — O titular de cargo político que no exercício das suas funções, por si ou por
interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a
funcionário ou a outro titular de cargo político, ou a terceiro com conhecimento
destes, vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhes seja devida, com
os fins indicados no artigo 16º, é punido com a pena prevista no mesmo artigo.
Previstos na Lei n.º 30/2008, de 10 de Julho
10º Titular de cargo político
O Representante da República, como titular de cargo político, está sujeito ao
respectivo regime jurídico para efeitos de:
b) Incompatibilidades e impedimentos;
c) Controlo público de riqueza;
d) Crimes de responsabilidade.
Previstos na Lei n.º 41/2010, de 3 de Setembro
1º
Âmbito da presente lei
A presente lei determina os crimes da responsabilidade que titulares de cargos
políticos ou de altos cargos públicos cometam no exercício das suas funções,
bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos.
16º
Recebimento indevido de vantagem
1 — O titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das
suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu
consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro,
vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido
com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 — Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou
ratificação, der ou prometer a titular de cargo político ou alto cargo público, ou
a terceiro por indicação ou conhecimento deste, vantagem patrimonial ou não
patrimonial que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa
delas, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600
dias.
3 — Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e
conformes aos usos e costumes.
17º
Corrupção passiva
121 1 — O titular de cargo político ou de alto cargo público que no exercício das
suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu
consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro,
vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de
um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que
anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 2 a 8
anos.
2 — Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e
vantagem não lhe for devida, o titular de cargo político é punido com pena de
prisão de 2 a 5 anos.
18º
Corrupção activa
1 — Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou
ratificação, der ou prometer a titular de cargo político ou alto cargo público, ou
a terceiro por indicação ou com o conhecimento destes, vantagem patrimonial
ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 17º, é punido com
pena de prisão de 2 a 5 anos.
2 — Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 17º, o agente é punido com pena
de prisão até 5 anos.
3 — O titular de cargo político ou de alto cargo público que no exercício das
suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu
consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário ou a outro titular de
cargo político ou de alto cargo público, ou a terceiro com o conhecimento deste,
vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida, com os fins
indicados no artigo 17º, é punido com as penas previstas no mesmo artigo.
3a
Altos cargos públicos
Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos:
a) Gestores públicos;
b) Titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando
designados por este;
c) Membros de órgãos executivos das empresas que integram o sector
empresarial local;
d) Membros dos órgãos directivos dos institutos públicos;
e) Membros das entidades públicas independentes previstas na Constituição ou
na lei;
f) Titulares de cargos de direcção superior do 1.º grau e equiparados.
18 a
Violação de regras urbanísticas
1 — O titular de cargo político que informe ou decida favoravelmente processo
de licenciamento ou de autorização ou preste neste informação falsa sobre as
leis ou regulamentos aplicáveis, consciente da desconformidade da sua conduta
com as normas urbanísticas, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa.
2 — Se o objecto da licença ou autorização incidir sobre via pública, terreno da
Reserva Ecológica Nacional, Reserva Agrícola Nacional, bem do domínio
público ou terreno especialmente protegido por disposição legal, o agente é
punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou multa.
122 Previstos na Lei n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro
19º Agravamento da pena
2 — Se a vantagem referida nos artigos 16.º a 18.º for de valor
consideravelmente elevado, o agente é punido com a pena aplicável ao crime
respectivo agravada em um terço nos seus limites mínimo e máximo.
123 4. Eleições e corrupção em Moçambique
Domingos M. do Rosário
Introdução
Moçambique é uma democracia eleitoral situada na região Austral de África onde
a transição para a democracia é resultado de um conflito interno. Apesar da sua riqueza
em recursos naturais, o país faz parte dos 5 países mais pobres do Mundo. O Índice de
Desenvolvimento Humano continua ainda muito baixo, o que faz com que o país se
encontre na posição 185 de 187 países (PNUD, 2013). Recentemente, o país foi
considerado pelas Agências Internacionais como um exemplo de sucesso na África
contemporânea (Banco Mundial, 2010; Pitcher, 2002; Stiglitz, 2002), não só pela
positiva performance macroeconómica, caracterizada por um crescimento anual de 8%
do Produto Nacional Bruto nos últimos 10 anos, mas também devido à estabilidade
política. Esta última situação encontra-se actualmente ameaçada pelos recentes
confrontos entre as forças da RENAMO75 (antigo movimento Militar) e a Polícia da
República de Moçambique.
Em 1975 a independência de Moçambique foi proclamada pela Frelimo. Os
partidos políticos, tais como UNAMO, GUMO, Coremo, PCN, FUMO criados antes e
ou pouco depois do 25 de Abril, e que segundo a Frelimo “eram produto dos colonos e
ou dos reaccionários “ (Notícias da Beira, 21 de Dezembro de 1974) foram abolidos a
favor de um partido único. Em 1977, o Comité Central decide convocar o terceiro
congresso do partido. Este congresso marca oficialmente a passagem ao partido
Marxista-leninista e de «Vanguarda». O « Marxismo-leninismo» fornecia a legitimidade
a um regime de partido único, que concentrava o poder nas mãos da Frelimo, esmagava
os dissidentes no seio do Partido e impedia o aparecimento de outras forças dissidentes
que se tinham formado de maneira efémera nas vésperas da libertação e que estavam
75
RENAMO - Resistência Nacional Moçambicana. Foi um movimento que nasceu após a independência
de Moçambique (1975), opondo-se ao partido único FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique).
124 ligadas ao antigo colonialismo e/ou a outros interesses comunitaristas ou políticos
diferentes.
Em 1989, em plena guerra civil que exerceu um impacto devastador sobre a
economia e a sociedade, o partido convoca o IV congresso e adopta uma nova
Constituição em 1990, que consagrava o multipartidarismo. Num contexto internacional
marcado pela queda dos regimes autoritários na Europa do Leste e em África, este
período constituí um marco histórico fundamental em direcção a uma nova orientação
política no país. Não só porque conduziu o país para a instalação de procedimentos
pluralistas estáveis com um partido único, mas também porque permitiu a entrada de
outros actores no espaço politico. Com a assinatura dos acordos de Paz de Roma de
1992, estes actores iriam se opor no seio de arenas eleitorais e parlamentares, a partir de
1994 ano da realização das primeiras Eleições Gerais Multipartidárias. Mas será que o
pluralismo que foi instalado em Moçambique e lançou as bases para o exercício
completo do Estado de direito e de cidadania? Ou simplesmente optou por
procedimentos formais, que iriam permitir ao partido no poder consolidar a sua
hegemonia?
Para desenvolver esta discussão, dividiremos o artigo em três partes. Na primeira
mostra-se que, apesar do sistema político eleitoral ser de tipo proporcional, razões de
ordem estrutural e política tornam o sistema bipolarizado entre os dois antigos
beligerantes (Frelimo e Renamo). A segunda parte mostra como a fragilidade
institucional dos pequenos partidos aliado à falha do processo de institucionalização do
maior partido da oposição, a Renamo, contribui para a fraqueza do debate político e a
construção da hegemonia do partido do governo. Na terceira parte, analisamos os
diferentes processos eleitorais, a partir de 1994 e até 2009, e mostramos como é que
instituições eleitorais frágeis e sujeitas a manipulação política, jogam um papel
determinante na consolidação da hegemonia do partido no Estado através de
mecanismos de fraude.
Começamos por caracterizar o sistema político e eleitoral Moçambicano.
Sistema Político e Eleitoral
A Assembleia da República é o mais alto órgão legislativo, com autoridade para
aprovar programas e planos do Governo, produzir legislação e executar outras funções
125 no âmbito legislativo. Apesar de constitucionalmente deter este poder, os papéis
legislativos atribuídos ao Presidente da República contribuem para o enfraquecimento
do órgão legislativo. Estes poderes do Presidente incluem: o poder de veto (Art. 163 da
Constituição da República); a possibilidade de dissolução da Assembleia; (Art. 159 da
Constituição da República); e capacidade de elaborar “Decretos-Lei” (Art. 181 da
Constituição da República).
As relações entre o poder legislativo e o executivo devem ser analisadas em duas
perspectivas diferentes, dada a situação de existência de uma maioria absoluta do
partido governamental nas quatro legislaturas desde os Acordos de Paz. Por um lado, a
relação da bancada maioritária (Frelimo) deste órgão com o Governo (Frelimo) e, por
outro, a difícil relação entre as bancadas da oposição (dominadas pela Renamo) e do
partido no poder. A disciplina partidária leva a que, em geral, não haja contradições
entre o Executivo e o Legislativo. A solidariedade que prevalece entre a maioria
parlamentar e o governo tem impedido que haja um verdadeiro debate sobre as opções
políticas, pois é a linha estabelecida no programa do governo e a lógica partidária que
prevalecem, remetendo de facto o Parlamento a um papel secundário (Brito et al.,
2003). Esta é uma das principais características dos apelidados “Competitive
authoritarian regimes” (Levitsky e Way, 2002).
O facto de a oposição ser minoritária no Parlamento deixa-a sistematicamente sem
capacidade para influenciar a produção legislativa que aí se faz e muito menos a
orientação do Governo. A única arena em que há base para negociação entre as duas
forças políticas no Parlamento é em matérias relativas à revisão constitucional, que
exigem votação de uma maioria qualificada de dois terços (Brito et al., 2003). Foi com
base nesse consenso que uma nova Constituição foi aprovada em 2004. Recentemente,
têm-se vindo a revelar divergências em relação a uma nova proposta de alteração
constitucional, que se encontra em apreciação. Enquanto a Frelimo e o MDM avançam
para a mudança constitucional, a Renamo recusa apontar membros seus para fazer parte
da referida comissão, supostamente por desconhecer os pontos da Constituição que
serão objecto de revisão.
A Constituição da República de Moçambique consagra uma democracia
multipartidária alicerçada em eleições periódicas, através de sufrágio universal, directo,
secreto e igual. O Presidente e os deputados da Assembleia da República assim como os
membros das Assembleias Provinciais são eleitos para um mandato de cinco anos. O
Presidente da República é eleito através do sistema de maioria absoluta. Para as eleições
126 legislativas, vigora o sistema de representação proporcional para escolha dos 250
deputados. Em Moçambique existem 13 círculos eleitorais: onze que correspondem às
províncias, incluindo a Cidade de Maputo, e que elegem 248 deputados e dois círculos
eleitorais na diáspora, um correspondente aos moçambicanos residentes em África e
outro aos moçambicanos residentes no resto do Mundo. Estes dois círculos elegem um
deputado cada. Pela primeira vez, foram eleitas em 2009, as Assembleias provinciais
divididas em 141 círculos eleitorais, que correspondem às dez Assembleias Provinciais
elegendo 812 membros. Estas assembleias não exercem nenhum papel determinante de
natureza legislativa ao nível local.
Partidos políticos e sistema partidos
De acordo com Seiler (2000) a expressão « partido político» foi utilizada para
designar certos antagonismos sociais da antiguidade, assim como para descrever grupos
de opositores durante a Idade Média e no início da Idade Moderna Europeias. Contudo,
o tema ocupou um espaço privilegiado na teoria política moderna somente depois da
exaltação das massas, quando os modelos de acção política se transformaram
completamente, as demandas sociais cresceram e a institucionalização das relações
começou a ser pressionada a estabelecer o equilíbrio dos sistemas políticos. (Seiler,
2000). Para B. Badie e G. Hermet (1980) os partidos são considerados modalidades de
expressão política institucional. Por «política institucional » estes autores entendem
como sendo as formas, de interacção política submetidas a regras aceites pelos actores
que participam no jogo. Um partido político faz parte deste universo da política
institucionalizada, onde os procedimentos se impõem como os únicos meios de
uniformizar e assegurar o tratamento de todas as demandas políticas importantes (Seiler,
2000). Definimos partido político, assim, como sendo uma organização relativamente
estável, que mobiliza apoios com vista a participar directamente no exercício do poder
político (Braud, 2000). E sistema partidário como sendo a configuração estável formada
pelos partidos políticos nacionais. O sistema partidário é um elemento importante que
permite qualificar um regime político. Geralmente o número e o tamanho do partido,
assim como sua participação no governo, constituem critérios fundamentais para a
definição do sistema partidário em vigor nesse país: multipartidarismo, bipartismo,
multipartidarismo com partido dominante, partido único, etc. (Nay et al., 2008).
127 Em Moçambique, apesar do sistema de representação ser proporcional, a vida
política moçambicana é dominada pelos dois actores principais da guerra civil, a
Frelimo e a Renamo. O bipartidarismo produzido nas eleições de 1994, 1999 e 2004
sobrepõe-se ao desenvolvimento de outras forças políticas ou movimentos sociais, o que
faz com que os chamados partidos “não armados” não exerçam nenhum peso político. O
resultado desta excessiva concorrência e da fragilidade e do carácter artificial destes
partidos foi a exacerbação do processo de bipolarização entre os dois principais
beligerantes. A este propósito L. de Brito escreve
«No fundo, podemos dizer que a bipolarização confirmada pelas eleições reflecte
a génese do sistema dos partidos Moçambicanos, a força e a fraqueza de muitos
partidos que entraram na competição e, sobretudo, do papel estruturante da
guerra na configuração política da sociedade Moçambicana. Ao mesmo tempo, os
resultados insignificantes obtidos pelos partidos políticos não deixam prever que
estes últimos possam jogar um papel importante no futuro imediato, mesmo ao
nível local, nomeadamente nas eleições municipais (…) resta-lhes eventualmente
um papel de animação do debate político extraparlamentar, sem grande impacto
na condução dos destinos do país» (Brito, 1995)
É verdade que esta fraqueza pode ser explicada por factores estruturais e
directamente ligados ao sistema político, contudo, para alguns autores, esta fraqueza
pode estar relacionada com o facto de a maior parte dos partidos políticos africanos e
pós-comunistas serem fenómenos novos e terem aparecido durante os períodos de
transição. Acresce a estes factos o representarem uma pequena parte do eleitorado,
estarem fragmentados, serem subdesenvolvidos, e não possuírem longevidade
necessária para se cristalizar e desenvolver efeitos cumulativos necessários para criar
laços com seu eleitorado (Gosolov, 1998).
Olhando atentamente para o caso Moçambicano, vimos que a maior parte dos
partidos que participaram nas eleições de 199476 e os cerca de 50 actualmente registados
possuem as características acima descritas. Contudo, em 1994, uma pequena coligação
76
Em Moçambique, depois da abertura política surgiram a Unamo (União Nacional de Moçambique), o
PPPM (Partido para o Progresso do Povo de Moçambique), o Monamo (Movimento Nacional de
Moçambique), o PCN (Partido da Convenção Nacional), a FUMO/PMCD (Frente Unida de
Moçambique), depois o PALMO (Partido Liberal de Moçambique). A FAP (Frente de Acção Patriótica),
o Pademo (Partido Democrático de Moçambique), o SOL, (Partido Social-Liberal Democrático), o
Pacode (Partido de Convergência Democrática), o Pimo (Partido Independente de Moçambique), o PRM
(Partido Revolucionário de Moçambique), o PRD (Partido de Renovação Democrática) que concorreram
às eleições de 1994.
128 de partidos políticos, a União Democrática (UD) conseguiu ganhar mais de 5% de votos
necessários para estar representado, tendo elegido nove deputados na Assembleia da
Republica77.
A tentativa de congregar estes partidos políticos num movimento comum e
torná-los um grupo coeso e capaz de fazer face a este bipartidarismo, através do Centro
de Promoção da Democracia Multipartidária (CPDM)78 do Instituto Holandês de Apoio
à Democracia Multipartidária (INMD) redundou num autêntico fracasso, e em nada
contribuiu para o enriquecimento do debate político nacional79. Conflitos internos pela
gestão administrativa do Centro, de um lado, e a falta de vontade institucional por parte
do partido Frelimo no poder, temendo que esta força pudesse, num futuro próximo, pôr
em causa sua hegemonia, de outro, ditaram a desagregação da “coligação”. O discurso
de um dos quadros seniores da Frelimo e antigo Ministro do Interior e da Segurança,
Mariano Matsinha, sustenta esta vontade de manter a fraqueza e acabar com a oposição:
«A oposição, no nosso país, não deve desaparecer, mas o Partido Frelimo, no
poder, deve prosseguir seus esforços de forma a reduzir a posição à mais estrita
insignificância […]. Faremos tudo o que for necessário de modo que a Frelimo
continue sempre no poder e que continue a melhorar sua acção […]. Milhares de
partidos podem ser criados e participar em todas as eleições, mas a Frelimo
continuará no poder neste país […]. Queremos que dentro de alguns anos, que a
Oposição não entre mais no parlamento ; dito de outra forma, no futuro todos os
assentos no parlamento devem ser ocupados pelos nossos deputados […]. Não
sou a favor do desaparecimento da oposição, mas ele deve permanecer
insignificante» (Notícias, 28 de Abril de 2007: 4).
A Renamo tem tido dificuldade em assumir de forma responsável o seu papel de
oposição, ao que se junta a fraqueza dos pequenos partidos. A esta realidade acresce a
incapacidade demonstrada pela Renamo, ao longo dos últimos 20 anos, em se
77
Autores como Brito, L. (2000) Cartografia eleitoral de Moçambique-1994. Maputo: Livraria
Universitária; Cahen, M. (2002) Les bandits. Un historien au Mozambique en 1994. Paris : Centre
Culturel Calouste Gulbenkian, avançam algumas hipóteses em relação aos factores que permitiram esta
coligação ultrapassar esta barreira.
78
Os membros fundadores deste Centro foram o Partido Democrático e de Desenvolvimento, liderado por Raul Domingos antigo número dois da Renamo, o Partido Independente de Moçambique de Yakub Sibinde, o PARENA de Matias Balate. Posteriormente outros 10 partidos se juntaram ao Centro. 79
Os outros partidos políticos têm concorrido repetidamente nas eleições moçambicanas com um sucesso
muito limitado. Em 1994 e 1999, 12 e 10 partidos, respectivamente, concorreram para o Parlamento,
alcançando apenas cerca de 12% dos votos em cada eleição. Este resultado foi reduzido em 2004, quando
18 partidos, exceptuando a FRELIMO e a RENAMO, conseguiram apenas 8.25% dos votos.
129 transformar e a se institucionalizar de modo a assumir a representação social de partido
político de oposição (Otayek, 1998). Todos estes factos levam a considerar que a
democracia Moçambicana corre, a passos largos, para uma democracia de partido único
(Rosário, 2009).
Em 2009, durante 4.as Eleições Gerais Multipartidárias, um outro pequeno partido
político, resultante da cisão de uma pequena ala da Renamo, o Movimento Democrático
de Moçambique (MDM), conseguiu eleger 9 deputados dos 250 membros na
Assembleia da República. Era esperado que O MDM pudesse alterar a bi-partidarização
política instalada em Moçambique, contudo este movimento não representa, em termos
de discurso, de manifesto, ou de práticas políticas, uma alternativa, pois não se distingue
dos partidos políticos dominantes (Chichava, 2010).
As recentes cisões e conflitos internos pela partilha do poder, ao nível da liderança
do MDM, e a ausência de trabalho político junto do eleitorado, maioritariamente urbano
e conquistado nas últimas eleições autárquicas, sobretudo nas cidades de Maputo,
mostram a fragilidade deste movimento na arena política nacional. Para se constituir
como alternativa à Frelimo e substituir a Renamo na liderança da oposição em
Moçambique, o MDM deveria agarrar a base social da Renamo e transformar-se numa
“máquina” política bem organizada, estruturada e disciplinada. Esta máquina teria que
integrar militares bem formados que, não podendo ser pagos, deveriam ser dedicados e
capazes de resistir às benesses oferecidos por outros partidos (Chichava, 2010). Esta
situação está de longe de se concretizar. Os conflitos internos verificados nos últimos
meses ao nível do grupo parlamentar do MDM e a fraca capacidade de influenciar a
produção legislativa mostram a fraqueza deste movimento na Assembleia da República.
Primeiras eleições multipartidárias (1994) e configuração das forças políticas
As eleições de 1994 foram ganhas pela Frelimo com 44% dos votos contra 38% dos
votos da Renamo (Tabela 1).
130 Tabela 1. Resultados das eleições legislativas e presidenciais de 1994, total nacional
e provinciais
Província Dhlakam Chissan Outro Frelim Renam UD
Outro
a
o
s
o
o
s
Calvo
18.63
67.92
13.44 57.67
22.63
5.83 13.73
Delgado
Niassa
26.90
56.53
16.53 46.27
32.77
6.19 13.71
Nampula
42.80
37.15
20.05 30.55
48.42
4.49 16.52
Zambézia 47.54
38.38
14.03 31.40
51.98
4.65 11.95
Tete
42.37
40.43
17.1
30.98
49.09
5.90 14.01
Manica
50.42
33.61
15.95 27.06
57.87
4.04 11.03
Sofala
73.48
17.53
8.98
14.21
75.86
1.48 8.27
Inhamban 10.36
78.44
11.19 59.43
12.92
11.7 15.85
e
2
Gaza
1.86
94.92
3.22
81.42
2.68
6.87 9.04
M. Prov.
6.17
89.94
3.87
77.32
6.93
5.94 9.49
M. Cidade 8.74
87.10
3.98
78.60
8.98
2.81 9.31
Total
33,73
53,30
11.66 44,33
37,78
5.44 12.45
Fonte: Moçambique, dados estatísticos do processo eleitoral de 1994, Maputo
(Mazula,1998)
Dois tipos de clivagem que caracterizavam a sociedade Moçambicana se
confirmaram nestas eleições. Por um lado a clivagem rural/urbana, dado que os eleitores
das zonas urbanas tinham votado pela Frelimo, enquanto a população das zonas rurais80
tinha votado pela Renamo. A população rural, principalmente das regiões centrais e
norte do país, era constituída por grupos que, por razões sociais e históricas diversas, se
tinham sentido excluídas pela Frelimo (Cahen, 1997; Brito, 1995). Por exemplo, o
projecto socialista da Frelimo, e em particular a política de aldeias comunais e o
combate a práticas tradicionais como a poligamia e casamentos prematuros, foi mal
recebido pelas comunidades rurais.
Uma outra clivagem correspondeu à demarcação étnico-regional do eleitorado. A
Frelimo era vencedora nas zonas dos grupos étnicos Changana e Maconde e a Renamo
era mais forte nas zonas de influência Ndau-Sena, Chona e Macua. Mas, contrariamente
a muitos escritos, o eleitorado da Renamo era etnicamente menos concentrado do que o
da Frelimo (Cahen, 2000). Por exemplo, nas eleições presidenciais de 1994, Dhlakama
obteve maiorias relativas nas duas províncias mais populosas, Zambézia (47,5 %) e
Nampula (42,8 %), bem como em Manica e em Tete, e obteve uma maioria absoluta
80
De acordo com as estatísticas oficiais, em 1994, cerca de 65% da população moçambicana e 80% da
população pobre vivia nas zonas rurais.
131 estável em Sofala (73,5%). Chissano obteve maiorias nas províncias do Sul,
nomeadamente Gaza (94,9 %), província de Maputo (89,9 %), Inhambane (78,4 %) e
cidade de Maputo (87,1 %), bem como nas antigas bases das zonas libertadas da luta
anticolonial, nomeadamente Cabo Delgado (67,9 %) e Niassa (56,5 %) (Mazula, 1997).
Comunidades coesas e muito localizadas do Sul e do extremo Norte votaram
massivamente
pela
Frelimo.
É
destas
duas
regiões
que
são
oriundas,
predominantemente, as elites da Frelimo: elite urbana e intelectual do Sul e elite militar
do Norte. Mas a concentração étnica do voto era mais visível nos sectores onde a
Frelimo tinha ganho eleições e o antigo partido de todo o povo permanecia
essencialmente um partido do sul (Cahen, 2000).
A Renamo contesta os resultados do veredicto eleitoral, evocando graves
irregularidades. Entre essas irregularidades, o movimento de Afonso Dhlakama indicava
que muitos eleitores, sobretudo das zonas sob a sua antiga influência militar, tinham
sido impedidos de votar, porque a Frelimo ao nível local tinha propagado, nas vésperas
das eleições, rumores segundo os quais, no dia do voto, as pessoas seriam sequestradas
e mortas por brancos que pilotavam helicópteros (Mozambiquefile, 1994:8). A Renamo
acusava também a Frelimo de ter comprado não somente falsas urnas, mas também
cartões de eleitor de seus simpatizantes para lhes impedir de votar (Savana, 11 de
Novembro de 1994). Em simultâneo, a Renamo reivindica a nomeação de governadores
seus nas províncias onde tinha ganho as eleições.
A reacção da Frelimo não se fez esperar: Joaquim Chissano, durante uma
conferência de imprensa com jornalistas nacionais e internacionais acreditados para
cobrir o processo eleitoral de 1994, e questionado, sobre a fraude evocada pela
Renamo afirma:
«A Renamo tinha ilusões, […] Agora ela procura invenções para justificar os
maus resultados eleitorais que obteve. […] O meu partido não tem dinheiro para
comprar falsas urnas, nem cartões eleitorais […], ainda mais me sentiria muito
mal se um dia soubesse que fui eleito graças a fraude. Seria o primeiro a exigir
que as eleições fossem anuladas, por não serem legítimas.» (Mozambiquefile,
Novembro de 1994)
A Comissão Nacional de Eleições julgando este recurso incapaz de modificar
globalmente os resultados do voto, decide validar o escrutínio e proclamar a Frelimo e o
seu candidato como vencedores destas eleições. A Frelimo toma o poder e tomando em
conta a ameaça que a Renamo representava face à sua hegemonia, começa a reforçar a
132 sua posição dominante, legitimada pela maioria obtida na Assembleia da República. Em
seguida a Frelimo recusa a entrada de outras forças políticas no governo e nas
instituições do Estado. Recordemos que antes das eleições a maior parte dos partidos
políticos constituídos, incluindo a Renamo, tinham exigido, à semelhança da África do
Sul, a formação de um governo de unidade nacional.
As eleições Gerais de 1999 : a bipolarização, a consolidação do poder da
Frelimo, e a invisível subida da Renamo
As eleições municipais de 1998 tinham confirmado o poder hegemónico da
Frelimo e adiado a possibilidade da chegada da Renamo e de outras forças políticas ao
poder nas cidades e vilas, onde houve eleições autárquicas. Num país, onde houve
eleições locais um ano antes das eleições Gerais, Legislativas e Presidenciais, que
influência podiam jogar aquelas na reconfiguração do espaço político do país? Iriam
elas reforçar o poder hegemónico da Frelimo, ou produzir uma alternância política ?
As eleições Gerais e Multipartidárias de 1999 foram as segundas a realizarem-se
no país depois do fim da guerra civil, e as primeiras em que a Renamo participou como
força política institucionalizada e com base eleitoral em todo território nacional.
Tabela2. Resultados das eleições legislativas e presidenciais de 1999, total nacional
e províncias
Província
Dhlakama Chissano Frelimo Renamo UD Outros
Calvo
33.5
66.5
62.3
26.9
1.3 9.5
Delgado
Niassa
56.9
43.0
41.2
47.5
1.2 10.1
Nampula
55.8
44.2
39.2
44.0
2.0 14,8
Zambézia 70.4
29.6
26.1
59.5
1.5 12.9
Tete
59.6
40.4
37.2
49.5
1.6 11.7
Manica
66.0
34.0
32,0
56.9
1.5 9.6
Sofala
79.9
20.1
19,6
71.1
1.2 8.1
Inhambane 28.9
71.1
62,1
20.5
3.0 14.4
Gaza
4.8
95.2
87,4
3.5
0.7 8.4
M. Prov.
9.9
90.1
85.0
9.6
0.7 4.7
M. Cidade 13.3
86.7
82.7
13.5
0.5 3.3
Total
47,71
52,29
48,54
38,81
1.3 9.77
Fonte: STAE. 2002. Eleições Legislativas e Presidenciais 1999, Maputo.
133 Com uma taxa de abstenção de 30,49% (presidenciais) e 32,9% (legislativas), a
Renamo se apresentou nestas eleições em aliança com uma coligação de pequenos
partidos81, formando o bloco Renamo-União Eleitoral82. Mesmo com a coligação
formada, a única coisa que a Renamo mostrou, foi que a unidade era uma condição
necessária mas insuficiente para se impor como alternativa. Ela obteve 38,81% dos
votos contra 48,54% da Frelimo. Joaquim Chissano recolheu 52,29% dos sufrágios
expressos contra 47, 71% de Afonso Dhlakama. A Renamo e o seu candidato
aumentaram o seu score, lá onde estavam mais implantadas. Além disso, nenhum outro
partido conseguiu ultrapassar a barreira de 5%.
E, olhando para os resultados destas eleições do ponto de vista global, vimos um
crescimento exponencial da Renamo com a conquista de mais uma província, a de
Niassa, e sobretudo uma grande progressão de Afonso Dlakhama, que capta todos os
votos dos candidatos que tinham participado nas eleições de 1994 e arranca 1,01% ao
candidato da Frelimo, Joaquim Chissano (Notícias, 23 de Dezembro de 1999). Mesmo
abalada por problemas internos e organizacionais, a Renamo tinha conseguido usar as
autoridades tradicionais como intermediários na transmissão de informações políticas
junto ao eleitorado rural. Neste período, a Frelimo não tinha ainda dado passos
significativos na sua política de recuperação dos régulos (chefes tradicionais) e “abrir
socialmente o poder”, apesar de alguns esforços iniciais (Dinnerman, 1998).
Do ponto de vista de distribuição regional do voto, nada mudou. A Frelimo
continua a ser forte no sul (Maputo-Cidade, Maputo-Provincia, Gaza e Inhambane) e no
extremo norte (Cabo Delgado). A Renamo teve sempre as suas bases no centro (Sofala,
Manica, Tete), o coração de Moçambique colonial (Zambézia e Nampula), e arranca
nestas eleições das mãos da Frelimo a província de Niassa. A Renamo continua a
dominar as zonas rurais, enquanto a Frelimo, à imagem das suas elites urbanas, domina
as zonas urbanas.
Esta vitória foi contestada pela Renamo que acusava a concorrência de fraude no
voto e que por isso, não reconhecia os resultados das eleições nem o governo. Em
simultâneo, a Renamo exige a nomeação de governadores seus nas províncias onde
81
Os dados de 1994 mostraram que a maioria dos votos obtidos por este partido cerca, de 1% e 2%,
foram arbitrários, provocados pelos erros cometidos pelos eleitores.
82
A coligação RUE, constituída em 1999 era composta pelos partidos políticos seguintes: Frente
Democrática Unida (UDF), Movimento Nacional de Moçambique (MONAMO); Partido de Convenção
Nacional (PCN); Frente de Aliança Patriótica (FAP); Partido do Progresso do Povo de Moçambique
(PPM), Frente Unida de Moçambique (FUMO); Aliança Democrática de Moçambique (ALIMO), Partido
de Renovação Democrática de Moçambique (PRD) e União Nacional de Moçambique (UNAMO).
134 ganhou as eleições e caso não o fizesse exigia que o governo convocasse eleições
antecipadas (Awepa, 2001). O mesmo partido exige a recontagem dos votos, pedido que
foi recusado pelo Tribunal Supremo. Lembremos que a CNE havia prolongado estas
eleições por mais um dia, para permitir que os abstencionistas votassem. Segundo
algumas fontes, que não apresentaram provas, todos os votos deste dia foram a favor do
partido Frelimo e do seu candidato (Cahen, 2009). Os resultados do distrito de
Nacala-a-velha, próximo da Renamo, não foram contabilizados ou anulados por alegada
fraude cometida pela Renamo. Quando se olha atentamente para os dados agregados
publicados pela STAE, constata-se que os votos nulos e a abstenção penalizavam
fortemente as zonas sob forte influência da Renamo (STAE, 2002).
Em termos absolutos, apenas 224 678 votos separavam J. Chissano de A.
Dhlakama. Contudo, cerca de 550 editais, que totalizavam 377 773 eleitores, não foram
contabilizados pela CNE. Se estes votos eram a favor de Dhlakama, isto podia mudar o
resultado das eleições a favor de A. Dhlakama (Cahen, 2000). O Centro Carter, uma das
organizações credíveis de observação de Eleições em Moçambique (com observadores
de longo prazo) qualificou estas eleições como não sendo livres e justas (Carter Center,
2000). Se fraude houve, nunca se saberá se ela foi suficiente para reverter os resultados
eleitorais, mas mais importante politicamente, era compreender que uma grande parte
do eleitorado estava convencido que Dhlakama tinha ganho as eleições e o poder se
mantinha através da fraude (Cahen, 2000).
A campanha eleitoral para estas eleições se caracterizou desde o princípio por um
desequilíbrio entre os candidatos da Frelimo e outros concorrentes em termos de meios
financeiros, de organização, de quadros qualificados de intimidação e de utilização dos
meios do Estado. Compreende-se desde logo porque o financiamento constituiu o
discurso dominante durante a campanha eleitoral da Renamo e de outros pequenos
partidos da oposição. Contudo esta reivindicação esbarrava na recusa do Estado-Frelimo
que não pretendia descurar de uma das bases essenciais de sua dominação política, a
saber, o monopólio do acesso aos recursos do Estado.
A criação da hegemonia: Eleições Gerais e Multipartidárias de de 2004 e 2009
O abalo político na liderança da Frelimo, provocado pela subida galopante da
Renamo durante as eleições de 1999, provocou mudanças no seio do Partido Frelimo no
135 poder. Apesar de a taxa de abstenção ter sido superior a 50%, as Eleições Gerais de
2004, que confrontaram o candidato tradicional da Renamo e o seu partido à Frelimo de
A. Guebuza – que se tinha tornado Secretário-Geral em 2001— foram marcadas por
uma vitória significativa deste último. Armando Guebuza e a Frelimo venceram com
63% e 62% de votos, respectivamente, nas eleições Presidenciais e Legislativas. Para
M. Cahen, a vitória de Guebuza é politicamente legítima e exprime a hegemonia do seu
partido na sociedade moçambicana, mas essa legitimidade, segundo o autor, não foi
fundada sobre o reforço da sua base social (Cahen, 2009). Assim, Afonso Dhlakama e a
Renamo registaram uma queda importante tendo recolhido, 32% e 30% dos votos
respectivamente, o que representa uma queda de cerca de 50% dos votos em relação aos
obtidos nas eleições de 1999.
Estas eleições foram contestadas por irregularidaades não só durante o
recnseamento eleitoral, mas tambem durante a votação. A decisão da CNE eleitoral de
optar pela actualização do Recenseamento juntando os eleitores de 1999, 2003 e 2004,
numa situação em que não existem mecanismos de abate de eleitores mortos ou
transferidos, inflacionou a base de dados. E teve consequências no cálculo da abstenção
e dos mandatos dos círculos eleitorais. De facto, o universo eleitoral fixado pela CNE
não correspondia ao universo das pessoas que tinham capacidade eleitoral activa, o que
levou J. Hanlon a escrever que:
«O universo Eleitoral fixado pela Comissão Nacional de Eleições foi portanto de
9 142 151 (...) atendendo à taxa média de mortalidade entre estas datas e uma
estimativa dos movimentos migratórios, a população com capacidade eleitoral
activa seria em torno de 7,6 milhões de eleitores e a abstenção foi de 56,4 %.(...)
Isso é verdade... e deixa então cerca de 1.5 milhões de eleitores dispóniveis para
que haja formas de organizar a fraude.» (Awepa, 2005).
Esta fraude verificou-se em grande escala nas províncias de Tete e Gaza em que a
votação em algumas mesas de recenseamento chegou a atingir a cifra de 100% a favor
de Armando Guebuza e da Frelimo. Os efeitos desta fraude são difíceis de medir, mas
isso não invalida a análise global de que se houve fraude nestas eleições, ela foi
diferente da de 1999. A fraude nestas leições consistiu em desorganização do
recenseamento eleitoral, intimidação e uma política neopatrimonial activa (Cahen,
2009).
Para as eleições de 2004, a nota de destaque tinha sido a antecedência com que a
Frelimo, partido no poder, iniciara a campanha eleitoral. De facto, a partir de 2002,
136 quando A. Guebuza foi designado Secretário-Geral, a Frelimo começa uma campanha
de mobilização e envio de quadros para as províncias de modo a revitalizar sua base
social (Brito, 2010; Cahen, 2009). Ao longo do seu primeiro mandato, Guebuza
continuou o seu trabalho de reforço do partido e manteve a sua presença sistemática no
terreno através das chamadas “Presidências Abertas” que abrangeram quase todos os
distritos.Nestas condições, a vitória nas eleições gerais de 2009 foi uma formalidade
(Brito, 2011).
De facto, Guebuza obteve 75,01% dos votos na eleição Presidencial contra 16,41
de Afonso Dhlakama e 8,9% de Davis Simango. Quanto à eleição Legislativa, a Frelimo
obteve 74,66% dos votos (que corespondem a 191 assentos na Assembleia da
República), contra 17,69% da Renamo e 3,39% do MDM. Nova força política na arena
nacional, este pequeno partido conseguiu eleger 8 deputados e obter uma representação
na Assembleia da República. Apesar do forte investimento humano, material e
financeiro utilizado pela Frelimo durante a campanha eleitoral, a abstenção situou-se
mais uma vez acima dos 50%, o que sugere que uma grande parte da sociedade
moçambicana continua fora do sistema (Hyden, 2006) e escapa ao controle do partido
Estado-Frelimo que continua a ser um gigante com pés de barro (Brito, 2010)
Resultados eleitorais de 2009: Partidos e Candidatos
Calvo
Delgado
Niassa
Nampula
Zambézia
Tete
Manica
Sofala
Inhambae
Gaza
M. Prov.
M.Cidade
África
Europa
Total
Frelimo Renamo MDM Guebuza Dhlakama Simango
80,8
14,9
3,4
80,8
13,4
5,7
81,3
65,7
53,6
87,2
71,0
50,8
83,7
96,9
88,4
76,6
85,4
84,8
74,7
13,1
28,4
40,8
1,03
25,0
23,1
6,9
1,4
7,8
5,4
3,5
8,5
17,7
23,4
4,5
3,9
16,5
3,9
82,3
66,8
54,3
86,0
70,4
51,6
86,5
95,8
86,1
80,7
95,8
78,8
75,0
12,7
27,4
38,8
8,8
22,2
22,5
5,7
0,9
4,2
4,4
2,5
3,2
16,4
5,5
5,8
6,9
5,3
7,4
25,9
7,8
3,3
9,7
14,9
1,7
18,1
8,6
Fonte: Conselho Constitucional, 2009
A parcialidade das instituições de administração eleitoral (CNE/STAE) foi de
novo notória nestas eleições, pois posicionaram-se a favor do partido Frelimo. Quando
137 se olha atentamente para a participação nestas eleições verifica-se que a abstenção
fustigou as zonas de Nampula e Zambézia, zonas sob forte influência da Renamo. Uma
das razões desta abstenção prende-se com o facto de os eleitores terem percorrido em
média mais de 25 km para exercer seu direito de voto (Brito, 2009). E paradoxalmente,
existem algumas regiões das províncias de Gaza e Tete onde a participação está acima
dos 95% e mesas de distritos como Changara, em Tete, em que só o candidato da
Frelimo e o seu partido foram votados (Brito, 2009), tendo se contabilizado cerca de
160 mil votos a mais a favor de Armando Guebuza e Frelimo (AWEPA, 2009). Alguns
desses votos foram invalidados, o que permitiu à Renamo ganhar 2 assentos na
Assembleia da República.
As eleições locais como modo de consolidação da hegemonia da Frelimo
A Frelimo tinha saído das eleições Gerais de 1994 numa posição dominante,
devido à maioria absoluta que tinha tido no Parlamento. Mas estava também consciente
que à vantagem eleitoral que possuía era fraca e que a Renamo tinha apoios
consideráveis no seio do eleitorado do Centro e Norte do país. Lembremos que depois
da aprovação da Constituição de 1990, em Setembro de 1994, uma lei sobre a criação
dos « distritos municipais » tinha sido adoptada (Lei 3/94) pela Assembleia popular
monopartidária. Do ponto de vista constitucional, esta lei não foi reconhecida como
aceitável, pela oposição parlamentar, devido às inconsistências em termos de articulação
entre os órgãos desconcentrados e descentralizados. Ela foi posteriormente abolida e
substituída pela Lei das Autarquias Locais (Lei 2/97) que previa a realização de eleições
em 33 autarquias.
A Renamo e a maior parte dos pequenos partidos da oposição decide boicotar o
escrutínio alegando erros graves durante o recenseamento eleitoral e condicionava a sua
participação no processo com sua integração no STAE, para ajudar a corrigir os erros
por si detectados (Notícias, 18 de Março de 1998). De facto, a Comissão Nacional de
Eleições tinha reconhecido a existência de erros graves no processo de recenseamento.
De acordo com a CNE, dos 3 570 cadernos eleitorais existentes nos 33 municípios onde
haveria eleições, 280 cadernos com cerca de 14 mil eleitores estavam mal recenseados.
«Com uma correcção transparente e imparcial dos erros e irregularidades do
Recenseamento, irão ver que os mandatos publicados pela CNE para cada
138 município serão reformulados, porque existe muita gente que não foi recenseada»
(Notícias, 18 de Março de 1998).
E num outro registo, Afonso Dhlakama, acrescenta:
“Mesmo agora se não houvesse manobras da Frelimo, mostraríamos que temos
pessoas para dirigir os municípios (…) No que diz respeito ao dinheiro, todo o
mundo sabe que nenhum partido tem dinheiro: a Renamo não tem dinheiro e a
Frelimo também não tem, mas rouba o dinheiro público (…) não iremos
participar nas eleições devido às manobras da Frelimo” (Notícias, 4 de Junho de
1998).
Porque as estruturas eleitorais não atenderam a preocupação da Renamo, esta
decide boicotar as eleições. Boicotando as eleições locais, a Renamo esperava do
Governo e dos doadores o mesmo gesto de 1994 em que todos os partidos políticos
participantes tinham recebido um fundo de participação, o “trust Fund”. A Renamo, por
ser um dos grandes partidos, tinha recebido alguns milhares de dólares. A Frelimo
concorre sozinha e ou contra algumas organizações da sociedade civil, que à luz da
constituição de 1990 tinha ganho o direito constitucional de se apresentar ao nível local.
As eleições foram ganhas pela Frelimo nos 33 municípios em jogo. Do ponto de vista
político este processo foi caracterizado (i) pela falta de cadernos eleitorais nas mesas de
voto; (ii) pela intimidação aos eleitores (Serra, 1999); (iii) e pela alta taxa de abstenção
que atingiu a cifra de 85,13% (CNE, 1998). Na cidade de Nampula a taxa ultrapassava
os 91,95%.
Quarenta e cinco dias depois da publicação dos resultados oficiais pela Comissão
Nacional de Eleições e durante o processo de homologação pelo Tribunal Supremo83,
foram detectados erros considerados muito graves84. Segundo o Tribunal Supremo, em
Nacala Porto, para além das acentuadas diferenças entre votantes e os votos expressos,
os resultados de quatro mesas de voto (cerca de 2 179 eleitores) tinham sido transferidos
de um partido para o outro. De facto, os resultados intermediários, resultantes da
contagem feita ao nível local, confirmam a transposição dos votos da OCINA a favor da
Frelimo (CMCN, 1998). Ora como os votos eram da OCINA, isto podia inverter o
83
Entre os sete juízes conselheiros do Tribunal Supremo que analisaram o processo eleitoral Municipal de
1998 para sua homologação, dois se abstiveram e pediram a realização de um inquérito ao processo
eleitoral, veja Metical, 14 de Agosto de 1998: 1-7.
84
580 Eleitores em Monapo, 871 em Nampula, 847 em Pemba e 488 em Quelimane não tinham sido
contabilizados.
139 resultado das eleições e esta teria de facto algumas centenas de votos mais do que a
Frelimo, dando-lhe a maioria na Assembleia Municipal85.
Houve fraude? O importante era compreender que os dirigentes e as estruturas
eleitorais ao nível local, uma grande parte do eleitorado e alguns quadros da Frelimo ao
nível local (Matsimbe, 2004) sabiam que a OCINA eventualmente teria ganho as
eleições e a Frelimo se tinha mantido no poder em Nacala Porto através da fraude. A
Frelimo tinha-se aproveitado do seu estatuto hegemónico e da influência que exerce
sobre e nas instituições eleitorais a todos os níveis para inverter os resultados eleitorais.
A alteração dos sufrágios eleitorais constitui uma estratégia perfeitamente viável de
conquista ou de preservação de um mandato (Otayek, 2002).
As eleições municipais de 2003 marcaram uma nova era na história política de
Moçambique com a inversão da estrutura e das relações de poder nas regiões central e
setentrional do país. Num primeiro momento (1998-2003), a Frelimo tinha assegurado
uma vitória nos 33 municípios, mas num segundo (2003-2008), a Renamo, antigo
movimento rebelde, consegue ganhar alguns municípios : Angoche, Ilha de
Moçambique, Nacala Porto (Nampula), Beira e Marromeu (Sofala) e se institucionalizar
como poder político local.
Do ponto de vista político as eleições municipais de 19 de Novembro de 2003
confirmaram, apesar da taxa de abstenção de 75,84%, a hegemonia do partido Frelimo
em todo o território moçambicano. Mas em Angoche, na Ilha de Moçambique, Nacala
Porto e Beira, tanto na eleição dos presidentes quanto na eleição dos membros das
assembleias municipais, e apesar do desequilíbrio na alocação de fundos entre os
partidos políticos, a Renamo varreu literalmente o seu directo concorrente. No entanto,
o Presidente da Renamo não deixou de referir no seu discurso que em qualquer
processo eleitoral o problema dos partidos políticos na oposição era a disponibilidade
de Fundos para levar avante a sua campanha eleitoral (Notíciais, 4 de Junho de 1998).
Em Angoche, em 31 assentos que constituíam a assembleia municipal, a Renamo
obteve 17, contra 13 da Frelimo e 1 do Pimo ; na Ilha de Moçambique em 17 assentos a
Renamo teve 10, contra 6 da Frelimo e 1 da UPI ; finalmente em Nacala Porto, numa
assembleia constituída por 39 lugares, a Renamo conquistou 23, contra 15 da Frelimo,
seu principal adversário, e 1 da OCINA (STAE, 2006).
85
Segundo os resultados oficiais a Frelimo tinha obtido 6 426 votos, contra 2 605 da OCINA. Se forem
tomados em conta os 2 179 votos transferidos e se adicionarmos os 2 605 oficiais registados pela OCINA,
o resultado seria o seguinte: Frelimo 4 347 e OCINA 4 684.
140 Contudo, nos municípios em que a Renamo conquistou o poder através das urnas,
se deparava com um formidável e multifacetado inimigo, não só do ponto de vista
administrativo, mas também financeiro (Cahen, 2009). Na verdade, os administradores
dos distritos, em que estes municípios se situam, exerciam um poder administrativo
paralelo e assumiam poderes municipais de cobrança de impostos, taxas de mercado,
gestão escolar, etc, (Rosário, 2009). Com estes expedientes controlavam o exercício do
poder por parte de entidades externas ao seu meio social.
Os resultados das terceiras eleições municipais de Novembro de 2008
testemunham esta vontade do Estado-Frelimo de acabar com a oposição em todos os
escalões do Estado. Com uma taxa de participação de 46%, mais alta que a das eleições
locais de 2003 (28%) e das eleições legislativas e presidenciais de 2004 (43%), a
Frelimo ganha as eleições em quarenta e dois dos quarenta e três municípios em jogo.
Obteve a maioria relativa em quase todas as assembleias municipais e elegeu na
primeira volta quarenta e um Presidentes dos conselhos Municipais. Em Nacala Porto, o
candidato da Frelimo foi eleito na segunda volta (www.jornalnoticias.co.mz, 2009). Na
primeira volta, o candidato da Frelimo Chale Ossufo, obteve 49,84% dos votos contra
47,81% do candidato da Renamo, Manuel dos Santos. Na cidade da Beira (Sofala), foi o
antigo presidente, (ex-Renamo) que, expulso do partido86, se apresentou como
independente e ganhou o escrutínio com 61,6% dos votos expressos (Conselho
Constitucional, 2009). O candidato da Frelimo, Lourenço Bulha, obteve 33,73% dos
votos e o candidato oficial da Renamo, Manuel Pereira, 2,66%. Mais grave foi a
escandalosa derrota eleitoral da Renamo, nas 10 novas vilas, que se tinham tornado
municípios à luz do gradualismo (Lei 3/2008). Se em Municípios como Gondola
(Manica) e Alto-Molócuè (Zambézia), dentre os 13 assentos em jogo na Assembleia
Municipal, a Renamo apenas ganhou respectivamente 3 e 4 assentos, em municípios
como Marrupa (Niassa), Mueda (Cabo Delgado), Macia (Gaza) e Namaacha (MaputoProvíncia), nenhum assento foi ganho pela Renamo. No que se refere aos municípios de
86
É preocupante ver que no Município da Beira, dirigido por Daviz Simango e com uma maioria Renamo
na Assembleia Municipal, e considerado como um dos melhores municípios do país, o Presidente do
Conselho Municipal não tenha sido dada a oportunidade de se apresentar em nome do partido Renamo. A
ameaça que Daviz Simango representava contra seu líder Afonso Dhlakama, e os conflitos que opunham
o Presidente do Município da Beira, os vereadores e a Assembleia municipal Renamo, são algumas das
causas explicativas para esta exclusão. Para mais detalhes sobre os conflitos que opunham o Presidente do
Conselho Municipal, os membros da Assembleia Municipal e vereadores, veja: « Indiciados de
conspiração : Daviz Simango exonera vereadores », Notícias, 13 de Setembro de 2008 : 4 ; « Assembleia
da Beira : Renamo dividida », Notícias, 16 de Outubro de 2008 : 4 ; « Delegado da Renamo em Sofala
volta a acusar Daviz Simango », in <http://www.canalmoz.com/defaut.jsp?file, página visitada no dia 09
de Outubro de 2008.
141 Ribaué (Nampula), Ulongué (Tete), Gorongosa (Sofala) e Massinga (Inhambane), a
Renamo conquista apenas um assento, contra doze da Frelimo na assembleia municipal
local.
A Renamo acusa a Frelimo e o seu Presidente Armando Guebuza de terem
praticado um « crime eleitoral » (O País, 13 de Janeiro de 2009). Ameaça não entregar
ao Estado os municípios sob a gestão da Renamo (Notícias, 15 de Janeiro de 2009), e
exige o começo de negociações para a partilha do poder nos quarenta e dois municípios
(www. Canalmoz.com, 2008), menos em Nacala Porto, correndo o risco de incitar o
povo à desobediência civil, declara:
Para salvar a democracia e evitar violência política pós-eleitoral semelhante
àquela que teve lugar no Kenya e no Zimbabwe, a Renamo deve ignorar os
resultados oficiais e negociar com o Presidente da Frelimo, Armando Guebuza, a
partilha do poder nos municípios. […] Não queremos guerra. Condenamos estas
eleições. Foi um crime eleitoral. […]. Queremos negociar com o chefe do Estado
para preservar a democracia […]. O povo foi roubado. […] Gostaria que o
presidente Guebuza reconhecesse o crime eleitoral que foi cometido […]
Devemos negociar a partilha do poder nos municípios para evitar o que se
passou no Kenya. (www. Canalmoz.com, 2008).
E, num outro momento, em Nampula, Afonso Dhlakama acrescenta:
Vou dirigir uma campanha de instabilidade política […]. Vou dentro de alguns
dias, investir os candidatos da Renamo nos postos de Presidentes dos Conselhos
Municipais onde fomos roubados (www.opais.co.mz, 2009) pela Frelimo nas
eleições de 2008. […] Vamos instalar as administrações municipais paralelas,
onde os Presidentes da Renamo vão também nomear vereadores para gerir o
poder local.» (Notícias, 27 de Janeiro de 2009)
Estas reivindicações não eram desprovidas de sentido. De facto, o EstadoFrelimo, ao invés de decretar feriado o dia das eleições municipais apenas nos quarenta
e três municípios onde haveria votação, estende esta medida a todo o território. Segundo
a Renamo, esta medida terá permitido à Frelimo deslocar seu eleitorado, que habita nos
distritos vizinhos, para ir votar em alguns municípios87 onde a Renamo era
87
É um procedimento normal na Frelimo. Por exemplo, em 2005, aquando das eleições intercalares em
Mocímboa da Praia, convocadas devido a morte do Presidente do Conselho Municipal, pessoas vivendo
em Nampula, Pemba, Montepuez e outros distritos vizinhos foram transportados em camiões e autocarros
alugados pelo Partido Frelimo para votar no seu candidato no Município de Mocímboa. Veja
142 politicamente forte. A tese defendida pela Renamo não nos parece com muito sentido,
ainda mais porque, uma deliberação da CNE (Deliberação n° 125/CNE/2008 de 12 de
Novembro de 2008) abria a possibilidade de voto aos cidadãos que não figuravam nas
listas eleitorais (CNE, 2008). Por um lado, na Beira, segunda cidade do país, quase dez
mil votos suplementares a favor da Frelimo e do seu candidato foram descobertos.
Considerados pelo Presidente da Comissão Nacional de Eleições como votos resultantes
de uma falha técnica (www. Canalmoz.com, 2008) mas sem contudo indicar ou explicar
de que falha se tratava. Estes votos davam uma maioria absoluta ao Partido Frelimo na
assembleia municipal.
É verdade que o Estado-Frelimo recorreu a manobras eleitorais diversificadas para
ganhar as eleições municipais de Novembro de 2008. Mas reduzir a vitória da Frelimo a
estas manobras, seria ignorar todo um trabalho de mobilização e reorganização operado
desde a chegada de A. Guebuza na liderança do partido. Com Guebuza, uma atenção
especial foi prestada às células de base e aos administradores de distrito, que
constituíam historicamente um laço fundamental de controlo do território e da
população88. Em contrapartida, a Renamo, de um lado, mal organizada e abalada por
conflitos internos opondo os seus membros pela partilha dos recursos do municípios
onde exerciam o poder desde 2003, e de outro lado, sua estrutura sempre militarizada,
ainda « não civilizada » com um claro corte entre a direcção central e as bases,
encontrava dificuldades para apresentar uma alternativa credível, capaz de fazer frente
ao Estado-Frelimo, no que diz respeito à gestão municipal.
Referências Bibliográficas
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OBSERVATÓRIO ELEITORAL, Relatório preliminar do processo de observação e recolha de apuramentos
parciais. Eleição Intercalar: Mocímboa da Praia 2005, Maputo, Junho de 2005.
88
No mês de Junho de 2004 teve lugar em Nampula uma conferência nacional de quadros do partido na
qual participaram também os administradores de distritos, sem que isso levantasse um escândalo, com o
objectivo de preparar a campanha eleitoral. Nesta reunião, Armando Guebuza desenvolve um discurso
nacionalista, voluntarista e de ruptura com as antigas práticas da antiga direcção. Critica o “deixa andar”
e se engaja a combater a pobreza.
143 BRITO, L. e all. (2003) Moçambique : uma avaliação do Potencial de conflito.
Maputo: USAID.
BRITO, L. (2009) Uma análise preliminar das eleições de 2009. Maputo: IESE. Ideias,
22.
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148 5. Sistema dos media em Portugal: os primeiros anos após a
instauração da democracia
Estrela Serrano
Introdução
Uma das formas de ultrapassar a investigação fragmentada de uma determinada
realidade consiste na identificação dos factores sistémicos susceptíveis de influenciarem
essa realidade. Os benefícios deste tipo de abordagem são, segundo os investigadores
britânicos Blumler e Gurevitch (1995), de três ordens: em primeiro lugar, permitem
ligar diversos corpus numa perspectiva analítica alargada; em segundo lugar, contrariam
a tendência para sub ou sobre valorizar apenas um dos elementos do sistema; em
terceiro lugar, facilitam a investigação comparada a nível internacional.
Hallin e Mancini (2004) no livro Comparing Media Systems, debruçaram-se sobre
os sistemas mediáticos em diferentes democracias “ocidentais”, com base numa
tipologia baseada em três modelos de sistemas mediáticos. O enquadramento que os
autores usam na comparação dos modelos abrange quatro dimensões: (1) o
desenvolvimento do mercado dos media, com particular ênfase no grau de circulação da
imprensa; (2) o “paralelismo político”, isto é, o grau e a natureza das relações entre os
media e os partidos políticos, e o reflexo nos sistemas mediáticos das principais divisões
políticas existentes na sociedade; (3) o grau de “profissionalismo jornalístico”; e (4) o
grau e a natureza da intervenção do Estado no sistema mediático (Hallin e Mancini,
2004: 21). O modelo de Hallin e Mancini possui inegáveis potencialidades, permitindo
realizar análises comparativas e autónomas de cada uma das dimensões que integram o
sistema mediático em diferentes países dotados de diferentes modelos de organização
do Estado e da sociedade.
Este artigo debruça-se sobre o sistema mediático português abordando duas das
dimensões do modelo de Hallin e Mancini: o desenvolvimento do mercado dos media e
a organização do sistema mediático, nomeadamente o grau e a natureza da intervenção
149 do Estado, com particular incidência no quadro legal e regulatório e as transformações
do campo jornalístico.
Breve enquadramento histórico
O regime de censura à imprensa que vigorou em Portugal durante 48 anos até
1974, impediu que o sector da comunicação social se desenvolvesse e fosse dotado de
um quadro jurídico e regulamentar que assegurasse a liberdade de informação e de
expressão, e o direito dos cidadãos a uma informação livre e pluralista. Esta
circunstância marcou indelevelmente o sistema mediático português com consequências
nas práticas profissionais e na situação financeira das empresas de comunicação social,
agravadas por elevados graus de analfabetismo e semi-analfabetismo que se mantiveram
até recentemente.
A estagnação da imprensa portuguesa não se deveu, porém, apenas à censura mas
também ao regime de propriedade dos meios de comunicação social. Nos últimos
tempos do governo de Marcelo Caetano, que antecedeu a revolução de 1974, a imprensa
passou para as mãos de grandes monopólios, solidificando, assim, aparentemente, o
apoio do sector ao Governo de então. Quando o regime caiu, em 1974, os jornais
tornaram-se objecto de enormes pressões internas, políticas e governamentais. A esta
situação não era indiferente o facto de até aos anos sessenta a imprensa portuguesa ser
financeiramente fraca já que a publicidade não constituía uma alternativa de
financiamento dos jornais, capaz de os tornar economicamente fortes e com capacidade
de estimular uma oposição ao regime. O jornal República, o único que se assumia como
oposição ao Governo, possuía uma circulação que não ultrapassava os 20 mil leitores. A partir do final dos anos sessenta, a situação alterou-se com o desenvolvimento
de uma classe média em Lisboa e no Porto e com a erosão do apoio ao governo por
parte de largos sectores da burguesia urbana que encorajaram a oposição ao regime
através da imprensa. O aparecimento do semanário Expresso em 1973 tem sido
directamente relacionado com uma maior liberalização da classe média portuguesa,
resultado da expansão económica então verificada. Todavia, é só no final do regime
ditatorial, em 1974, que um início de pressão do mercado no sector da imprensa pode
ser verificado (Poulantzas: 1976).
150 Os investigadores norte-americanos Seaton e Pimlott (1983) afirmam que sem o
estímulo de um mercado de massas e nas condições de estagnação do Estado os “barões
da imprensa” portugueses falharam a capacidade de se estabelecerem. A maior mudança
na propriedade dos jornais ocorre quando o regime está já perto do fim. A compra de
seis jornais de Lisboa e dois do Porto pelos grupos Champalimaud, Quina e Espírito
Santo, com os seus interesses comerciais, financeiros (bancários) e industriais,
corresponde à escala portuguesa ao padrão de propriedade da imprensa nos países
desenvolvidos.
Os primeiros anos de liberdade de imprensa
O golpe militar de 25 de Abril de 1974 marcou indelevelmente a organização e o
funcionamento do sistema mediático em Portugal. O golpe militar contou, desde início,
com a colaboração de jornalistas, locutores e outros profissionais dos media. Essa
colaboração não resultou, embora se tenha verificado em muitos casos, de uma reacção
aos acontecimentos mas sim de uma ligação que vinha de trás e que unia jornalistas,
militares e políticos na oposição ao regime. Esta circunstância não é irrelevante, na
medida em que pode explicar algumas das características que marcaram o jornalismo
português no período imediatamente a seguir a 25 de Abril de 1974, dando origem a um
jornalismo comprometido politicamente.
Após a eclosão do golpe de 25 de Abril, as movimentações no seio dos principais
jornais não se fizeram esperar. A nomeação de dirigentes afectos ao movimento
triunfador para a televisão e para a rádio estatais foi uma das primeiras medidas. A luta
pelo controlo da orientação dos jornais aumentou de intensidade a partir de 11 de Março
de 75, data em que se verificou uma tentativa de golpe militar no sentido de uma maior
”esquerdização” do regime. Entre as consequências imediatas do “11 de Março”
encontra-se a nacionalização da banca e dos seguros, decretada a 14 desse mês, que
provocou a estatização dos títulos da imprensa diária pertencentes, até então, aos grupos
económicos mais poderosos.
Como reacção ao controle do Partido Comunista Português (PCP) sobre a quase
totalidade dos órgãos de comunicação social nos primeiros anos após o golpe militar,
nasceram novos jornais enquanto outros desapareceram. No sector da rádio iniciam-se
as emissões experimentais da Radiodifusão Portuguesa (RDP), empresa pública que
151 resultou da fusão da Emissora Nacional (a rádio oficial do regime anterior) com as
rádios em poder dos privados, com excepção da Rádio Renascença, propriedade do
Patriarcado português. Em Junho de 1974, a agência de notícias ANI, ligada à
propaganda do regime anterior, é substituída pela ANOP que se manteve até em 1982,
data em que é extinta sob o governo de Pinto Balsemão após intensa luta pelo seu
controle, sendo criada a nova agência Notícias de Portugal, que apesar de formalmente
privatizada dependia dos dinheiros públicos. Em 1986, o Governo de Cavaco Silva cria
a actual agência Lusa sob a forma de régie cooperativa (Serrano, 2006).
Fig. 1 A imprensa portuguesa diária em Outubro de 1975
Jornal
Propriedade
Tendência política
Circulação
Diário de Notícias
Estado
Comunista
106.000
O Século
Estado
Comunista
40.000
Comércio do Porto
Estado
Popular Democrata
95.000
Jornal de Notícias
Estado
Comunista
70.000
Primeiro de Janeiro
privado
Centro Social Democrata
70.000
Jornal de Comércio
privado
Socialista
100.000
A Capital
Estado
Comunista
60.000
Diário de Lisboa
Estado
Comunista
38.000
Diário Popular
Estado
Comunista
73.000
Jornal Novo
privado
Socialista (ala direita)
100.000
A Luta
privado
Socialista
80.000
República
privado
Comunista e extrema-esquerda
20.000
Fonte: Serrano, 2006, dados adaptados de Seaton e Pimlot (1983: 107)
Nota dos autores: Propriedade: “Estado” inclui os casos em que a maioria do capital pertence ao
Estado. “Tendência política”: a descrição representa a proximidade com o partido ou uma tendência,
não uma lealdade consistente. “Circulação”: A circulação real em termos de cópias vendidas é muito
mais baixa do que a que é indicada no quadro. A percentagem de devoluções era, geralmente de 10% a
20%, podendo ser ainda maior.
Quanto à imprensa regional e local, ressentiu-se de uma maneira ainda mais
profunda do que a de expansão nacional dos efeitos do atraso do País. Apesar da
enorme diversidade de títulos da imprensa regional e local, tratava-se de imprensa de
reduzida dimensão, dados os baixos índices de leitura, situação que ainda hoje se
mantém.
152 O papel do Estado na rádio e na televisão
Hallin e Mancini (2010: 57) afirmam que “em qualquer sociedade o Estado
desempenha um papel significativo na modelação do sistema dos media”. Para os
autores, a intervenção do Estado abrange a propriedade, o investimento e a regulação, a
mais importante dos quais é, porém, a extensão dessa intervenção no serviço público de
televisão. Portugal tem uma longa história de intervenção do Estado na rádio e
principalmente na televisão.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 estabelecia, no artigo
38.º, nº. 7, que “a televisão não pode ser objecto de propriedade privada”. Este status
quo é desafiado no princípio dos anos 80 com a erupção das rádios piratas que
explodiram de forma anárquica e, a meio dessa década, a influência das novas
tecnologias, como a televisão por cabo e por satélite, desafia o monopólio da televisão
estatal (Traquina, 1997). A revisão constitucional de 1982 nada alterou ao regime de
propriedade estatal da televisão. Porém, em 1988, uma nova lei da radiodifusão e o
novo enquadramento jurídico provocado pela revisão constitucional de 1989 criam o
quadro regulamentar que permitiu a abertura da televisão à iniciativa privada. Essa
abertura levou a RTP, sobretudo a partir de 1986, a reforçar-se consideravelmente no
domínio técnico, a aumentar substancialmente o número de horas de emissão e a
diversificar a sua programação, com a acentuação, nomeadamente numa primeira fase
(1986-1989), do perfil alternativo do segundo canal como forma de comprovar a sua
imprescindibilidade para o futuro da empresa pública de radiotelevisão (Reis, 1994:
308). A informação da RTP não perdeu, contudo, neste período, o seu carácter oficioso,
embora recorrendo a processos mais sofisticados.
No início dos anos 80 o poder político em Portugal era detido por políticos que
tinham lutado contra a ditadura através dos jornais. O repórter de televisão e
investigador Jacinto Godinho (2005) refere que a vigilância dos políticos sobre as
redacções instalou nelas um clima de desconfiança permanente. “Qualquer investigação
mais arriscada ao Governo era criticada, mesmo internamente, entre jornalistas, por
parecer fazer o jogo da Oposição e uma investigação aos políticos da Oposição era
criticada por fazer o jogo do Governo”. O alinhamento ideológico, sobretudo entre os
jornalistas da informação televisiva, muito “controlados” pelo poder político, tornava
153 quase impossível a investigação independente à política”. Godinho afirma que “o
jornalismo militante exercia a sua influência na RTP quer sob a forma despudorada de
ligações aos partidos do governo através do cartão de militante, quer de forma
dissimulada, disfarçado sob a capa dos bons princípios, fazendo a defesa das ideologias
virtuosas do 25 de Abril, tornadas verdades politicamente correctas”. Godinho refere-se
às “células partidárias” que existiam na RTP e que constituíam “uma das mais fortes
influências sobre o jornalismo porque moviam influências para a nomeação das chefias”
(2005: 820).
Os anos 90 são marcados por grandes transformações no sistema mediático
nacional, nomeadamente pela abertura da televisão à iniciativa privada. Em Outubro de
1992, a SIC inicia as suas emissões. Em Março de 1993, o Governo assina com a RTP
um Contrato de Concessão de Serviço Público que irá balizar e regular a prestação do
serviço público de televisão pela RTP.
O aparecimento dos canais privados em 1992 veio quebrar uma agenda televisiva
institucionalizada, construída por fontes oficiais que pululavam à volta do poder
instalado em Lisboa. Para além de os noticiários terem sido alvo de uma profunda
reformulação, criaram-se espaços semanais para abordagem de novas temáticas, como
refere Felisbela Lopes (1999), no seu estudo sobre a RTP.
A abertura de canais privados instalou a “ditadura de audiências”, numa lógica de
maximização de lucros na busca de maiores quotas de publicidade, o que contribuiu
para a degradação progressiva da programação, não apenas dos canais privados mas
também dos canais públicos. Seguindo uma estratégia de concorrência aberta, a RTP
lançou-se numa política que visava antecipar o aparecimento das privadas (Traquina,
1997). A desorientação nos caminhos a seguir acentuou a crise em torno do
funcionamento e da definição do próprio serviço público. A situação foi agravada pela
eliminação da taxa de televisão pelo governo de Cavaco Silva (Brandão, 2002: 181-2).
Para Cádima (1996: 161-167), a liberalização da TV, ao permitir a emergência de
operadores privados em condições concorrenciais desfavoráveis, “contribuiu para tornar
a abertura do sistema audiovisual como um novo discurso de legitimação, mantendo o
status quo, o qual viria a ser posto seriamente em causa em 2002 pelo governo
social-democrata de Durão Barroso, que se empenhou na recuperação, viabilização e
modernização da RTP.
O financiamento do serviço público passou a ser assegurado por meio da
cobrança de uma contribuição para o audiovisual (CAV) sobre o fornecimento de
154 energia eléctrica devida mensalmente pelos respectivos consumidores e por
indemnizações compensatórias, para além da publicidade no canal generalista RTP1
limitada a seis minutos por hora, metade do tempo permitido aos canais privados. As
receitas de publicidade foram afectas ao serviço da dívida consolidada e posteriormente
a novos investimentos, não sendo utilizáveis para financiar a sua exploração corrente89.
Os governos socialistas que se seguiram não alteraram o modelo de financiamento da
RTP. Em 2011 “a privatização de um dos canais públicos” é inscrita no programa do
governo de coligação PSD/CDS, ficando “o outro canal, assim como o acervo de
memória, a RTP Internacional e a RTP África, essencialmente orientados para assegurar
o serviço público”. No que respeita à rádio pública, o programa do governo90 prevê que
a Antena 1, 2 e 3 seguirá os mesmos princípios gerais a aplicar à RTP. Quanto à agência
Lusa, empresa de economia mista, o governo refere que “o Estado alienará a sua
participação no capital a operadores privados”. Estas medidas são, no programa do
governo, condicionadas à “situação do mercado” e remetidas para “tempo oportuno”.
Apesar de sucessivos anúncios sobre a alienação do canal RTP1, a RTP
mantém-se no sector público. Contudo, o governo de coligação pôs fim à indemnização
compensatória, obrigando a empresa a financiar-se apenas através da contribuição para
o audiovisual91.
Em 2011, o panorama televisivo nacional92, incluindo as Regiões Autónomas dos
Açores (RAA) e da Madeira (RAM), apresenta 50 serviços de programas, dos quais 11
são generalistas e 39 temáticos. Dos generalistas, cinco são de âmbito nacional, 4 de
âmbito internacional e dois regionais (RAA e RAM).
89
Lei n.º 30/2003 de 22 de Agosto (Alterada pelos Decretos-Leis n.ºs 169-A/2005, de 3 de Outubro,
230/2007, de 14 de Junho, e 107/2010, de 13 de Outubro)
90
http://www.portugal.gov.pt/média/130538/programa_gc19.pdf (pág. 98)
91
No momento em que este artigo é elaborado, o governo apresentou um novo estatuto para a RTP que
prevê a eleição de um Conselho Geral Independente no qual são delegadas as competências até aqui
exercidas pela tutela, à excepção da gestão financeira. O estatuto aguarda aprovação parlamentar.
92
http://www.erc.pt/documentos/Relatorios/2011_v2-erc-rr/index.html#/302/zoomed (pág. 302)
155 Fig. 2
No que se refere à exposição dos portugueses à televisão, segundo dados da
Marktest Audimetria/Kantar Media, em 2012 cada espectador viu 4h40m em média por
dia de televisão, mais 4 minutos que em 2011, o que representa uma das médias mais
altas na UE. A TVI registou uma quota de audiência de 26.7%, mais 1 ponto percentual
de share que os 25.7% obtidos em 2011. Em 2º lugar ficou a SIC com 21.8% de share,
face aos 22.7% alcançados em 2011. A RTP1 terminou o ano de 2012 com 18.5% de
share, quando em 2011 o share da estação pública tinha sido de 21.6%. Na RTP2, a
quota de share em 2012 foi de 3.4% face aos 4.5% alcançados em 2011. No total, o
Cabo registou uma quota de audiência de 24.3%, enquanto em 2011 o valor era de
21.9% de share.
Nota relevante no panorama televisivo português diz respeito à presença da
produção nos conteúdos de televisão, da produção oriunda de países lusófonos. Dados
de 201193 mostram que o Brasil ocupa a segunda posição como país de origem de
programas emitidos pelos três canais generalistas de televisão, logo a seguir aos Estados
Unidos, a grande distância dos oito restantes países que nesse ano forneceram
programas às televisões generalistas nacionais de sinal aberto, RTP1, RTP2, SIC e TVI.
Esses países são: Estados Unidos da América, (3 630 horas, número que ultrapassa o
número total dos restantes nove países que forneceram programas a Portugal),
seguindo-se o Brasil (1 052 horas), o Reino Unido (833 horas), a França (392), a
Espanha (234), o Canadá (191), o Japão (173 horas), a Itália (151 horas), a Austrália (94
93
http://www.erc.pt/documentos/Relatorios/2011_v2-erc-rr/index.html#/314/zoomed pág, 214
156 horas) e a Coreia do Norte (74 horas). Em termos de línguas estrangeiras o inglês
preenche o maior número de horas (Fig. 4).
Fig. 3
Fonte: Relatório de Regulação 2011 (http://www.erc.pt/documentos/Relatorios/2011_v2-ercrr/index.html#/314/zoomed, pág, 214)
Se considerarmos apenas programas originários dos países lusófonos emitidos nos
citados canais, o Brasil preenche 1224h22m34s (96%) dos programas emitidos e os
restantes países lusófonos em conjunto 50h55m49s (4%). Em 2011, não foram emitidos
programas originários de Angola e da Guiné Bissau.
Verifica-se, assim, que enquanto relativamente a Angola os interesses dos
investidores angolanos nos média nacionais se centram na aquisição e participação na
propriedade de empresas94, já no caso do Brasil a presença deste país abrange sobretudo
conteúdos televisivos, quer através da exportação de programas, nomeadamente
novelas, quer através da presença da rede Globo e da TV Record em Portugal.
Os dados expostos apontam, assim, para a existência de um sub-sistema lusófono
em Portugal, situação que não se verifica por exemplo com Espanha, onde a empresa
espanhola Prisa se expandiu na América-latina mas empresas dos países
latino-americanos não se instalaram em Espanha.
94
Oriundo de Angola, o grupo Newshold cujos capitais pertencem na quase totalidade à Pineview
Overseas, uma empresa de capitais sediada no off-shore da cidade do Panamá, detém desde 2008 o
semanário Sol, um dos dois semanários generalistas nacionais, além de uma participação de 15% na
Cofina, dona do Correio da Manhã, o diário de maior circulação nacional. A Newshold possui ainda uma
presença residual no grupo Impresa, o mais importante grupo português de média. Por seu turno, o
empresário angolano António Mosquito acaba de adquirir 30% de outro importante grupo português –
Controlinveste - proprietário dos diários Diário de Notícias e Jornal de Notícias, da rádio TSF, além da
Sport TV.
157 A primeira Lei de Imprensa
A primeira Lei de Imprensa do regime democrático foi promulgada a 26 de
Fevereiro de 197595, a tempo de vigorar durante o período da companha eleitoral para a
Assembleia Constituinte, em Abril seguinte. Apesar de na altura ser considerada liberal,
pela esquerda, e social, socializante ou mesmo socialista, pela direita, trata-se de uma lei
inovadora (Sousa Franco, 2002) e o primeiro diploma regulador do sector da
informação no pós-25 de Abril (Mesquita, 1994: 367). Arons de Carvalho (2002) afirma
que ela constituiu a primeira lei estruturante da comunicação social do regime
democrático. A lei foi aplicada, durante muitos anos, por analogia, aos outros meios de
comunicação social. Só alguns anos mais tarde Portugal virá a possuir uma lei da rádio
e uma lei da televisão. Contudo, apesar da sua orientação liberal e pluralista, a Lei de
Imprensa mantinha alguns resquícios próprios do contexto revolucionário em que foi
aprovada (Arons de Carvalho, 2002).
A Lei de Imprensa de 1975 regulamentou o direito de resposta, colocando os
cidadãos no mesmo plano das entidades públicas; estabeleceu os regimes de acesso às
fontes de informação, sigilo profissional e inserção de publicidade; criou o Conselho de
Imprensa sob inspiração do modelo britânico do Press Council e do modelo de
competências dos conselhos oeste-alemão e austríaco; consagrou legalmente os
conselhos de redacção - eleitos pelos jornalistas nas redacções com mais de cinco
profissionais; concedeu aos jornalistas a possibilidade de extinguirem «a relação de
trabalho por sua iniciativa unilateral, tendo direito à indemnização devida por
despedimento sem justa causa e sem aviso prévio» no caso de «se verificar uma
alteração profunda na linha de orientação de um periódico confirmada pelo Conselho de
Imprensa» («cláusula de consciência»); remeteu para «legislação especial» medidas a
«impedir a concentração de empresas jornalísticas e noticiosas» de forma a assegurar
que a Imprensa desempenhasse «uma função pública independente do poder político e
do poder económico».
A nacionalização da banca em Março de 1975 e com ela da maior parte dos
jornais de então, que determinou a mudança de propriedade dos principais jornais do
95
Decreto-Lei nº. 85-C/75 de 26 de Fevereiro
158 país ocorrida poucos dias depois da entrada em vigor da Lei de Imprensa, a 13 de Março
de 1975, criou uma situação inteiramente nova que aquela não podia prever. Num
balanço de conjunto e tendo em conta a evolução da comunicação social, sobretudo até
1976, à luz de um confronto entre duas concepções de informação – a pluralista, na
senda das democracias políticas, e a de inspiração marxista-leninista – a Lei de
Imprensa representa claramente uma expressão da primeira (Mesquita, 1994: 367).
O acesso à profissão de jornalista
A revolução de 25 de Abril veio encontrar os jornalistas bastante mal preparados
para as responsabilidades que lhes seriam cometidas (Mesquita, 1988: 94). O jornalismo
era, então, uma profissão fracamente institucionalizada, no duplo sentido da existência
de uma paleta de saberes e de uma profissão organizada por regras. Aplicando ao
jornalismo português os critérios definidos pela sociologia funcionalista sobre a noção
de profissão (Chapoulie, 1973; Neveu 2003) – condições formais de acesso à actividade
(diploma, certificação); monopólio sobre a actividade que rege; existência de uma
cultura e de uma ética que pode fazer-se respeitar por meios outorgados pelo Estado;
existência de uma comunidade real com interesses comuns – notam-se as ambiguidades
da sua “profissionalização” apesar de existir já então um estatuto legal do jornalista.
Na Lei de Imprensa de 1975 (artº. 10º.) considera-se jornalista aquele que exerce a
actividade através de uma ligação contratual com uma empresa jornalística ou noticiosa,
admitindo-se, pela primeira vez, que ela seja desempenhada em regime livre. Em ambos
os casos, impõe-se que a actividade jornalística seja a “ocupação principal, permanente
e remunerada”. São igualmente abrangidos pelo conceito de jornalista os colaboradores
directos, permanentes e remunerados da redacção, ou seja, os redactores-paginadores, os
redactores-tradutores e os repórteres fotográficos, os correspondentes no país ou no
estrangeiro, desde que tenham remuneração fixa, vínculo contratual e façam da
actividade jornalística uma ocupação principal, permanente e remunerada, e os
correspondentes da imprensa estrangeira que exerçam a actividade como ocupação
principal.
159 O estatuto do jornalista, previsto na Lei de Imprensa de 1975, só viria a ser
aprovado em 197996. Em 1999, é publicado um novo Estatuto do Jornalista97,
retomando-se aí anteriores disposições sobre a definição de jornalista “ocupação
principal, permanente e remunerada”. Segundo Arons de Carvalho et al (2003: 78),
procura-se, contudo, definir o conceito de jornalista, não apenas em função das tarefas
desempenhadas mas também da sua finalidade e dos meios utilizados: “funções de
pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto,
imagem ou som, destinadas a divulgação informativa pela imprensa, por agência
noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica” (artº. 1.º).
Esta formulação permitiu integrar o jornalista que trabalha em jornais online.
Excluem-se, contudo, do conceito de jornalista os que exercem funções ao serviço de
“publicações de natureza predominantemente promocional ou cujo objecto específico
consista em divulgar, publicitar ou por qualquer forma dar a conhecer instituições,
empresas, produtos ou serviços, segundo critérios de oportunidade comercial ou
industrial” (artigo 1, nº. 2).
O Estatuto refere (artº. 2º.) que “podem ser jornalistas os cidadãos maiores de 18
anos no pleno gozo dos seus direitos civis”. A qualidade de jornalista define-se, pois, a
partir do exercício da função, não sendo exigida, à partida, qualquer habilitação
específica.
No plano do ensino superior, só em Setembro de 1979 é criada na Universidade
Nova de Lisboa, a primeira licenciatura em Comunicação Social existente em Portugal,
seguida, no final dos anos 80, nas universidades e politécnicos privados e estatais pela
criação de um conjunto de cursos no campo da comunicação social. Desde então a área
iniciou um caminho de legitimação e de autonomização que passou pela multiplicação
dos cursos de graduação e de pós-graduação por todas as instituições de ensino superior
e pela criação e progressiva consolidação de unidades de investigação, que são
actualmente centros promotores de intensa actividade científica na área dos média e do
jornalismo.
96
97
Lei nº. 62/79, de 20 de Setembro
Lei nº. 1/99 de 13 de Janeiro 160 O primeiro Código Deontológico
Os jornalistas portugueses tiveram o seu primeiro Código Deontológico em 1976.
Marcado pelas circunstâncias históricas em que foi concebido, cedo se viu alvo de
contestação no seio dos próprios jornalistas, considerado “liberal”, “romântico” e
“distante das realidades” (Pina, 1997: 51) vindo a ser substituído em 1993. O novo
Código possui 10 pontos, nos quais se condensam um conjunto de valores considerados
centrais ao exercício do jornalismo nos países democráticos. O Código Deontológico
constitui uma “carta de deveres” a que o jornalista se obriga de “moto próprio”. A sua
violação sujeita-o (apenas) à reprovação moral dos seus pares e, eventualmente, da
sociedade, não possuindo força jurídica. A violação frequente de alguns dos seus
princípios, nomeadamente a não identificação das fontes, o sensacionalismo e o
desrespeito pela privacidade, levam a que, periodicamente, surjam discussões sobre a
necessidade de criação de uma Ordem dos Jornalistas que, contudo, até ao momento não
se concretizou.
Principais tendências do mercado dos media nos anos 80, 90 e 2000
Segundo dados da World Press Trends relativos ao ano de 2000, citados por
Hallin e Mancini (2010), a venda de jornais por 1000 habitantes da população adulta
portuguesa situava-se em 82,7, o segundo índice mais baixo a seguir à Grécia (77,5)
contra 719,7 da Noruega, país com um número de habitantes inferior em menos de
metade ao de Portugal e que ocupa o primeiro lugar na venda de jornais por mil
habitantes. Segundo dados da Pordata relativos a Portugal, a circulação total de
publicações periódicas tem vindo a decrescer em todos os indicadores – edição, tiragem,
circulação e vendas – desde 2000 a 2011. Contudo, apesar de Portugal nunca ter tido
verdadeiramente uma imprensa “de massas”, o sector não deixou de experimentar
grande dinamismo no que respeita ao aparecimento de novos títulos e desaparecimento
de outros.
A imprensa especializada e os magazines constituíram em Portugal, como em toda
a Europa, um motor de mudança na configuração do sistema mediático, no sentido de
um jornalismo de mercado. O “dilúvio comercial”, como é geralmente chamado, atingiu
161 todos os países da Europa, embora mais tardiamente em alguns deles como foi o caso de
Portugal. Esse “dilúvio” abrange a imprensa e os média electrónicos, sendo
particularmente dramático nestes últimos (Serrano, 2006).
É no início da década de 80 que, em Portugal, se afirma uma imprensa de tipo
popular-sensacionalista, através de jornais privados como o Correio da Manhã, o Tal e
Qual e o vespertino A Capital, este no sector da imprensa estatizada. O Correio da
Manhã é o primeiro projecto comercial na imprensa depois do boom político dos
primeiros anos pós-25 de Abril. O primeiro número sai para as bancas em 1979, «com a
ambição de ser o primeiro jornal do pós-25 de Abril virado para as preocupações do
"homem da rua". O Correio da Manhã cedo se revelou uma aposta ganha, tanto no
plano editorial como financeiro, tornando-se o diário português líder em tiragens e
vendas, atingindo uma quota de mercado em 2011 e 2012 superior a 50% na imprensa
diária generalista98.
Figura 4
No início dos anos 90, o jornalismo de referência vê-se enriquecido com a criação
do Público (Março de 1990) que obrigou o Diário de Notícias – seu mais directo
concorrente – a uma profunda remodelação em 1992. Por outro lado, enquanto jornais
como o Jornal de Notícias do Porto e o Correio da Manhã vêem crescer as suas
audiências, assiste-se ao declínio dos vespertinos A Capital, Diário Popular e Diário de
Lisboa que atinge o seu ponto mais baixo em 1981.
O primeiro governo maioritário de Cavaco Silva (1987-1991) marca o momento
de viragem na comunicação social portuguesa, no sentido da afirmação de concepções
98
Fonte: Associação Portuguesa de Controle de Tiragens (APCT)
162 liberais associadas aos vários sectores de actividade económica. Os avanços
tecnológicos (nomeadamente o satélite e a fibra óptica e a subsequente convergência das
tecnologias de distribuição) tornam inevitável a abertura dos sectores da comunicação à
iniciativa privada. Como resultado da mudança de propriedade, os jornais sofrem
reformulações gráficas, editoriais e comerciais e adoptam estratégias de marketing para
captação de novos leitores, através, nomeadamente, da inclusão de produtos associados,
como livros, produtos multimédia, DVDs e CDs, paralelamente a outros produtos sem
qualquer ligação ao sector. A criação de sinergias, como a promoção de concursos que
associam revistas e canais de televisão do mesmo grupo tornam-se correntes a partir de
2003. No sector dos semanários, O Independente (1988) torna-se, nos primeiros anos da
sua publicação, um dos jornais de maior influência na política portuguesa.
Para Mesquita, 1994: 38899, o desaparecimento no sector público, entre 1976 e
1986, de títulos como o Século (1977) e todas as publicações do grupo, incluindo a Vida
Mundial, e do Jornal do Comércio e, no sector privado, da revista Opção (1976-78) do
diário Luta (1975-1979) e depois, na mesma área, do Portugal Hoje (1982) e o
desaparecimento, na área da direita, do Jornal Novo, que cedeu lugar ao vespertino A
Tarde, em 1979, significa, que não era fácil viabilizar jornais opinativos de tendência, à
esquerda ou à direita.
Imprensa especializada
Entre as tendências inovadoras dos jornais portugueses nas décadas de 80 e 90,
encontram-se “a redescoberta das páginas e secções culturais, que foram algo
menosprezadas no período 1974-75; a valorização das edições dominicais; o interesse
pelas informações referentes às novas tecnologias, especialmente pela informática e, já
em 1986-87, o surto do jornalismo económico” (Mesquita, 1994: 388-9), tendo-se
generalizado a existência de jornalistas especializados em economia nas redacções da
imprensa escrita e audiovisual. O jornalismo económico virou-se, então, para o lado
empresarial, deixando a perspectiva macro-económica que nos finais dos anos 70 e
início dos anos 80 possuía algum peso, em jornais como o Diário de Notícias.
99
Numa entrevista a Maria João Avillez, publicada no jornal Público em 1994, Cunha Rego afirma que A
Tarde “não tinha grande tiragem, mas tinha influência”, acrescentando que o então primeiro-ministro,
Balsemão, “sentiu-a negativamente, uma vez que o jornal se opôs à sua maneira de conduzir o Governo”.
A Tarde encerrou em 1986, já com outra direcção.
163 O aumento da procura de informação económica está ligado à desregulamentação
e liberalização da actividade económica, verificada na segunda metade dos anos 80 com
as privatizações e a reabertura do mercado de capitais. A segunda metade dos anos
oitenta ficou assinalada por diversas iniciativas no domínio da informação económica.
Jornais diários e semanários criaram novos suplementos económicos, dando maior
desenvolvimento à informação e análise económica (caso do Diário de Notícias),
enquanto novas publicações, como o Semanário Económico, surgiram em 1987. Na
origem deste desenvolvimento estiveram, além de factores como a reabertura da banca à
iniciativa privada e a reanimação da Bolsa de Lisboa, as necessidades de informação
criadas pela adesão de Portugal à CEE (Serrano, 2006).
O desaparecimento de dois expoentes do “jornalismo de tendência” como O
Diário (comunista) e O Tempo (conservador) vem acentuar a evolução para um
jornalismo liberto de amarras ideológicas. Segundo Reis (1994: 396), nesta mesma linha
pode inserir-se a substituição do semanário O Jornal pela revista Visão (1992/3) que
adoptou um estilo politicamente menos comprometido.
Correia (1997) e Faustino, (2004) afirmam que na década de 90 se observam
tendências opostas: por um lado, o estilo tablóide e popular de alguns títulos; por outro,
o lançamento de projectos editoriais de referência. Segundo Correia (1997: 38), na
década de 90 assistiu-se à “comercialização das políticas editoriais”, através, por um
lado, do desaparecimento de jornais que correspondem “de forma mais ou menos
assumida a projectos de intervenção política e ideológica bem marcada”, como o Dia, O
País, Jornal Novo, A Tarde, A Luta, Portugal Hoje, o Diário, nascidos no período em
que devido ao facto de os custos não serem tão elevados como são hoje, era possível
“intervir activamente numa situação político-militar ainda não totalmente definida, na
sequência da Revolução de Abril”. No mesmo sentido, Paquete de Oliveira (1995: 378)
afirma que, sendo os principais agentes de exploração dos meios de comunicação social
agentes importantes e interessados da actividade económica, é estratégico para os seus
objectivos “fazer crer que a política saiu dos media”. A passagem dos média da esfera
do político para a esfera do económico, não significa, contudo, para Correia (1997: 4041) o fim da influência da política nos media, reflectindo, antes, “uma evolução
caracterizada pela crescente ligação entre o poder político e o poder económico, com a
subordinação daquele a este”. Se nos primeiros anos após a revolução se verificava a
“invasão das redacções por homens de mão impostos pelo poder político dominante,
empenhados na manipulação partidária da informação, a partir dos anos 90, o
164 “vedetismo”, a “intimidade com as fontes”, a preocupação com “o espectáculo” em vez
da procura do rigor tornam-se dominantes (Correia, 1997: 41).
Os anos 90 marcam a consolidação dos principais grupos de comunicação social,
com fenómenos de concentração, por vezes transnacional, que coexiste com a
diversificação de suportes. O sector dos media viveu em 2000 e 2001 a mais grave crise
económica desde as décadas de 80 e 90, apesar de no final dos anos 90 terem crescido
as expectativas quanto a este sector, devido ao aparecimento dos novos media, à
expansão da Internet e às expectativas da nova economia. O final do ano 2001 e 2002 é
um período pródigo em movimentações nos grupos de media portugueses quer no plano
das reestruturações internas quer das fusões, aquisições e lançamentos100.
Os anos de 2003 e 2004 confirmam a recuperação do sector, com os principais
grupos de comunicação a apresentarem receitas consolidadas. Para essa recuperação
contribuiu o aumento da publicidade provocada por eventos como o Rock in Rio e o
campeonato europeu de futebol, Euro 2004. A crise financeira de 2011 que provocou
uma enorme retracção do investimento publicitário mergulhou o sector dos media numa
profunda crise com o mercado geral da publicidade a cair 40%, em Portugal.101
A regulação dos media em Portugal
Todos os sistemas políticos adoptam princípios de regulação do papel dos media
(Blumler e Gurevitch, 1995). A maneira como essa regulação é efectuada está
intimamente ligada à influência da cultura política de cada país. A mais básica é o grau
de liberdade de expressão e a maneira como ele é assumido em termos de valor político,
ou, ao contrário, o grau de restrição dessa liberdade considerado necessário para atingir
outros objectivos políticos.
A regulação dos órgãos de comunicação social, em Portugal, foi consagrada
constitucionalmente, desde 1976, altura em que, como atrás se refere, o Estado
mantinha grande presença no sector e em que a televisão vivia ainda sob regime de
monopólio estatal. Os Conselhos de Informação surgiram no pós-revolução como fruto
da preocupação político-ideológica” (Arons de Carvalho, 1986). Integrados por
100
Em anexo apresentam-se os principais grupos de media sediados em Portugal (dados de 2013)
Declaração de Rosa Cullell, Administradora delegada do Grupo Media Capital , Lisboa, V Conferência
Internacional da ERC,6 de Junho de 2013
101
165 representantes dos partidos com representação parlamentar, tinham por missão
assegurar nos meios pertencentes ao Estado uma orientação geral que respeitasse o
pluralismo ideológico. Arons de Carvalho et al. (2003: 257) afirmam que “os objectivos
legais de garantia de independência não foram alcançados quer pelos órgãos regulados
quer pelos reguladores, cuja composição constituía um réplica comprometida do jogo de
forças parlamentar”.
A Lei de Imprensa102 previa a instituição de um Conselho de Imprensa103 (CI)
com o objectivo de salvaguardar a liberdade de expressão na imprensa escrita.
Funcionava junto da Assembleia da República e era composto por 19 membros com
mandatos renováveis por dois anos. Arons de Carvalho et al. (2003: 258) afirmam que a
independência do CI era assegurada pela “independência dos seus membros”, embora o
facto de não existir obrigatoriedade estatutária de exclusividade tenha “condicionado de
algum modo o cumprimento da sua missão”. O Conselho de Imprensa surge ligado à
tradição europeia da procura de definição de regras de conduta de jornais e jornalistas.
Segundo Arons de Carvalho (1986: 11), ”antes, a sua existência não constituía uma
reivindicação ou uma necessidade premente dos jornalistas e dos proprietários dos
jornais ou sentida, sequer, pela opinião pública”. De facto, o Conselho de Imprensa
nasce por iniciativa do poder político e permanece estruturalmente ligado à Assembleia
da República, nunca se libertando, na prática, de uma inédita participação na sua
composição de elementos dos partidos políticos (Arons de Carvalho, 1986: 13).
A revisão constitucional de 1982 criou o Conselho de Comunicação Social (CCS),
composto por 11 membros eleitos por maioria qualificada de dois terços, da Assembleia
da República, com competências alargadas à emissão de parecer prévio sobre a
nomeação e exoneração dos directores dos órgãos de comunicação social pertencentes
ao Estado. A Revisão Constitucional de 1989, pôs fim ao Conselho de Imprensa, e a
«legislação anti-monopolista» mencionada na Lei de Imprensa nunca chegou a ser
publicada, remetendo-se a regulamentação da concentração de empresas jornalísticas
para lei especial que também nunca viria a ser publicada.
A terceira revisão constitucional de 1989 criou a Alta Autoridade para a
Comunicação Social (AACS)104, cujas competências foram consideravelmente
alargadas. Eliminada a proibição de abertura da televisão ao sector privado, as suas
102
Artigo 17º. do Decreto-Lei nº. 85-C/75 de 26 de Fevereiro
Criado por Despacho do Conselho de Ministros de 22 de Abril de 1975 e posteriormente regulado pela
Lei nº. 31/78, de 20 de Junho 104
A AACS foi regulada pela Lei 23/89, de 6 de Setembro
103
166 competências estenderam-se à emissão de parecer prévio à decisão de licenciamento de
canais privados de televisão e aos órgãos de comunicação social do sector privado. A
AACS saída de terceira revisão constitucional era constituída por 13 membros, com
inclusão obrigatória de um magistrado, de 5 elementos eleitos pela Assembleia da
República, três designados pelo Governo e 4 representativos da opinião pública, da
comunicação social e da cultura. Dada a forte componente político-partidária e
governamental da AACS, a sua independência foi frequentemente questionada. Para
Carvalho et al. (2003: 260), o incumprimento das decisões da AACS, mesmo quando
tivessem natureza vinculativa permanecia isento de qualquer sanção, pelo que a AACS
pouco mais se mostrava do que um órgão de natureza consultiva.
A revisão constitucional de 1997 diminuiu a dependência da AACS perante o
Governo, reduzindo o número dos seus membros para 11, sendo que apenas um é de
nomeação governamental. Dos restantes, três são representativos da opinião pública, da
comunicação social e da cultura e um quarto cooptado por todos os membros. As
competências da AACS foram significativamente reforçadas e garantida a eficácia das
suas decisões. Entre outras competências, a AACS passou a atribuir as licenças e
autorizações para o exercício da actividade de televisão e a deliberar sobre as
respectivas renovações e cancelamentos. Por outro lado, a emissão de parecer à
nomeação dos directores de programas e informação do serviço público alargou-se aos
directores-adjuntos e subdirectores. A fiscalização do cumprimento das normas relativas
à propriedade e à publicação de dados das empresas de comunicação social passou a
constituir uma importante competência da AACS. Assim, todas as aquisições por
empresas jornalísticas ou noticiosas de quaisquer participações em entidades congéneres
ficaram sujeitas a notificação à AACS. Por seu turno, a Autoridade da Concorrência
(AdC) ficou obrigada a comunicar à AACS todas as operações de concentração
horizontal dessas empresas, para efeitos de emissão de parecer vinculativo.
A AACS foi “desconstitucionalizada” na revisão de 2004105 e, em Setembro de
2005, foi substituída por uma nova Entidade Reguladora (ERC), sob vigência do
governo socialista presidido por José Sócrates. São também criados os cargos de
provedores dos telespectadores e dos ouvintes no serviço público de rádio e de
televisão.
105
LC1/2004 de 24/07
167 A ERC foi criada em 2005 por lei da Assembleia da República,106 como
autoridade administrativa independente, sendo a única entidade reguladora portuguesa
inscrita na Constituição da República (CRP). De acordo com a CRP (n.º 1 do artigo 39º)
“deve assegurar o direito à informação e liberdade de imprensa, a independência perante
o poder (político e económico), o respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais,
o respeito pelo aparato regulador das actividades de comunicação social, a possibilidade
de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de
antena, de resposta e de réplica política”. O financiamento da ERC é assegurado por
receita proveniente do orçamento de Estado; taxas de regulação, coimas, sanções
pecuniárias e multas.
A ERC difere da AACS em vários aspectos, entre os quais na composição. Tem
apenas cinco membros, em vez dos onze da anterior entidade, dos quais quatro são
eleitos por maioria de 2/3 pela Assembleia da República, sendo o quinto cooptado por
aqueles quatro. O seu âmbito foi alargado. Estão sujeitas à supervisão e intervenção da
ERC todas as entidades que, sob jurisdição do Estado Português, prossigam actividades
de comunicação social, designadamente, as agências noticiosas; as pessoas singulares
ou colectivas que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de
distribuição que utilizem; os operadores de rádio e de televisão, relativamente aos
serviços de programas que difundam ou aos conteúdos complementares que forneçam,
sob sua responsabilidade editorial, por qualquer meio, incluindo por via electrónica; as
pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de
comunicações electrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida
em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação; as pessoas singulares ou
colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de
comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados
como um todo coerente. As suas atribuições e competências são vastas
A Autoridade Nacional das Comunicações (ICP-ANACOM)107 é a autoridade
pública reguladora das telecomunicações, comunicações postais, electrónicas e
plataformas digitais. Dotada de autonomia administrativa e financeira e de património
próprio, a ANACOM sucedeu ao Instituto das Comunicações de Portugal. A garantia de
um serviço universal de comunicações e o zelo pela correcta utilização do espectro
106
107
Lei n.º 53/2005 de 8 de Novembro Criada pelo Decreto-Lei nº. 309/2001, de 7 de Dezembro.
168 radioeléctrico e a protecção dos consumidores nestas matérias fazem parte das suas
funções.
Em suma, quanto à regulação dos media, pode dizer-se que constituiu uma
preocupação dos deputados desde os primeiros anos da instauração da democracia. Uma
análise ao texto da Constituição nas suas diversas revisões desde 1974 até hoje permite
sistematizar os antecedentes do actual órgão regulador. Ao longo dos anos de vigência
da actual Constituição da República Portuguesa a regulação dos média conheceu, pois,
os seguintes formatos108: a) Conselho de Imprensa109, a funcionar junto do Ministério da
Comunicação Social, durante o período de vigência do Governo Provisório, com
funções de regulação da política de informação e colaboração na elaboração de
legislação antimonopolista, entre outras; b) Conselhos de Informação110; c) Conselho de
Comunicação Social111; d) Alta Autoridade para a Comunicação Social; e) Entidade
Reguladora da Comunicação Social (ERC).112
108
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio. Disponível em
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e7064
47567a4c31684a5355786c5a79394551564a4a5353394551564a4a5355467963585670646d38764d693743
716955794d464e6c633350446f32386c4d6a424d5a5764706332786864476c325953395464574a7a77366c
796157556c4d6a42424c3052425569314a535331424c5441334f4335775a47593d&fich=dar-ii-a078.pdf&inline=true (acedido em 31/05/013)
109
Previsto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 27 de Fevereiro (Promulga a Lei de Imprensa),
aí determinando a constituição de um órgão independente designado por Conselho de Imprensa
110
Criados pela Lei n.º 78/77, de 25 de Outubro, que definia também a sua orgânica e competência, com
as alterações introduzidas pelas Lei n.º 67/78, de 14 de Outubro, e Lei n.º 1/81, de 18 de Fevereiro
111
Criado pela Lei n.º 23/83, de 6 de Setembro
112
Criada pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro
169 Figura 5
Fonte: Assembleia da República
A Fig 6 permite constatar a evolução de um modelo assente na escolha partidária,
para um modelo baseado na eleição parlamentar, sendo os membros nomeados ou
cooptados e sujeitos a determinados procedimentos e garantias de independência e
incompatibilidades (artigo 18.º): serem pessoas com reconhecida idoneidade,
independência e competência técnica e profissional; não terem sido, nos últimos dois
anos, membros de órgãos executivos de empresas, de sindicatos, de confederações ou
associações empresariais do sector da comunicação social; não terem sido, nos últimos
dois anos, membros do Governo, dos órgãos executivos das regiões autónomas ou das
autarquias locais.
Segundo
constitucional
Vital
e
Moreira113,
legislativa
“nesta
foram-se
história
apurando
atribulada
alguns
de
instabilidade
princípios
básicos,
designadamente a necessidade de regulação específica dos media, independente do
poder político, a existência de um órgão regulador único para todo o sector da
comunicação social (imprensa, rádio, televisão, etc.), o seu enquadramento institucional
no âmbito da Assembleia da República, as suas competências alargadas”.
113
Artigo publicado no jornal Diário Económico em 29-09-2005
170 Síntese final
Retomando a tipologia de Hallin e Mancini (2010) para análise dos sistemas
mediáticos, considerando embora as limitações de espaço inerentes a um artigo
académico, conclui-se da exposição feita que o sistema dos media em Portugal se
caracteriza por baixas taxas de circulação de jornais e revistas e ausência de uma
imprensa “de massas” em termos europeus. No que respeita ao audiovisual público,
Portugal possui um serviço público de rádio e televisão historicamente muito
dependente do Estado no que respeita ao seu financiamento, essencialmente assente em
transferências do orçamento do Estado sob a forma de indemnizações compensatórias e,
numa contribuição paga pelos cidadãos, com as receitas publicitárias. Após o anúncio
do governo de que em 2014 porá fim à indemnização compensatória, o financiamento
do serviço público de rádio e televisão assentará apenas na contribuição para o
audiovisual paga pelos cidadãos, uma vez que a publicidade comercial do primeiro
canal (RTP1), está afecta à dívida.
No que se refere à propriedade dos órgãos de comunicação social, assiste-se à
presença crescente da entrada de capitais angolanos na propriedade de órgãos de
comunicação social portugueses, quer através de aquisição de títulos, como o semanário
Sol, quer da participação em grupos portugueses (Cofina, Impresa, ZON, Controlinveste
esta última em preparação). Por outro lado, Espanha consolida posições no sistema dos
média nacionais através da Prisa, detentora do canal de televisão de maior audiência em
Portugal (TVI) e de um conjunto de estações de rádio, tendo anunciado para breve uma
edição em língua portuguesa do jornal diário El País. No que respeita à origem de
programas estrangeiros emitidos nas televisões nacionais, o Brasil consolida a sua
posição como o país lusófono que mais programas exporta e produz, sobretudo através
da Rede Globo e da TV Record, ambas com sucursais em Portugal.
Finalmente, no que se refere à regulação do sector dos media, Portugal evoluiu de
um modelo assente na escolha partidária para um modelo de uma autoridade
administrativa independente de emanação parlamentar, eleita para um mandato de cinco
anos não renováveis, em cujas atribuições se inclui emitir parece vinculativo sobre a
nomeação dos directores e directores-adjuntos da televisão pública, bem como nas
operações de concentração de órgãos de comunicação social que representem ameaça ao
pluralismo. No que refere ao enquadramento da regulação do sector, Portugal não se
afasta hoje dos países mais avançados da União Europeia.
171 Referências Bibliográficas
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TRAQUINA, N., (1997) Big Show Média. Lisboa: Editorial Notícias.
ANEXO
Breve caracterização dos principais grupos de media sediados em
Portugal114
IMPRESA
O grupo Impresa, de Francisco Pinto Balsemão, era, em 2004, o maior grupo de
média português. Teve origem na Sojornal, empresa criada em 1972, proprietária
do semanário Expresso. Reúne várias participações em vários segmentos de
negócio na área dos média. As suas áreas de actividade repartem-se por:
televisão - SIC, SIC Notícias, SIC Radical, SIC Mulher, SIC Internacional e SIC
K); publicações – Expresso, Courrier Internacional, Activa, Autosport, Blitz,
Volante, Caras, Exame, Arquitectura&construção, Telenovelas, TV Mais,
Visão, Olhares; Outros (onde inclui o digital e a VASP); produção de eventos;
comunicação e publicidade; gestão de imóveis e serviços. A Impresa detém
22,35% do capital da agência noticiosa LUSA.
MEDIA CAPITAL
O grupo Media Capital surgiu em 1988 com o nome de Soci, Sociedade de
Comunicação, com o semanário O Independente. A Média Capital é de todos os
grupos media aquele onde a presença na rádio é mais forte. Em 1997, o grupo
entra na TVI e adquire a Rádio Comercial. Em 2000, adquire um portal na
Internet – IOL que em 2004 se tornou o terceiro operador no mercado da
114
Fontes: relatórios de regulação da Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC), sítios electrónicos
dos grupos e das empresas que os constituem e, nos casos em que existem, os relatórios e contas
individuais consolidados.
173 Internet (Silva, 2004: 107). Actualmente a empresa espanhola Prisa detém 80%
do Grupo Media Capital. As áreas de actividade da Media Capital desenvolvemse em cinco segmentos de negócio: televisão - TVI, TVI 24 e TVI Internacional
teledifusão levada a cabo pela RETI; produção – programas e realização e
distribuição audiovisual e produção de séries, área de negócios desenvolvida
pela MCP; entretenimento; área de negócios desenvolvida pela empresa
MCME - gravação e venda de CD e DVD música, agenciamento de artistas e
promoção de eventos, aquisição e distribuição de direitos cinematográficos;
rádio – Rádio Cidade, Rádio Regional de Lisboa e Rádio Comercial, a Rádio
Cidade, a Rádio Clube Português e a M80, entre outras; internet – Multimédia
que detém a IOL Negócios, que explora o portal IOL que apresenta conteúdos
próprios, entre os quais o jornal desportivo online Mais Futebol.
RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA RTP
A Rádio e Televisão de Portugal, SA, é a empresa concessionária do serviço
público de rádio e de televisão. O seu objecto é a prestação dos serviços públicos
de rádio e de televisão. A RTP desenvolve a sua actividade na rádio - Antena 1,
Antena 2 e Antena 3, RDP Madeira e RDP Açores, RDP Internacional e RDP
África; na televisão - RTP1 e RTP2, RTP Madeira e RTP Açores, RTP
Internacional e RTP África, RTPN e RTP Memória e, ainda, a RTP Mobile.
COFINA
A Cofina é um grupo alicerçado na indústria que entrou no sector dos média em
1999. Em 2000, a Cofina adquire a Presslivre, editora do Correio da Manhã.
Através de empresas participadas, a Cofina Média SGPS – a sub-holding do
grupo COFINA para o sector dos média - actua em dois segmentos principais:
imprensa – jornais Correio da Manhã, Record, Jornal de Negócios e os
gratuitos Destak; Metro; revistas Sábado, Máxima, TV Guia, Flash, Vogue, GQ,
Rotas e Destinos, PC Guia, Automotor); distribuição através da VASP, em cujo
capital participa em 33,33%; televisão – já em 2013, a Cofina lança o canal
generalista de televisão por cabo CMTV transmitido em exclusivo na plataforma
MEO.
RENASCENÇA
O Grupo RENASCENÇA é detido pelo Patriarcado de Lisboa (60%) e pela
Conferência Episcopal Portuguesa (40%). Actua fundamentalmente no sector da
rádio através das marcas Rádio Renascença, RFM, Mega FM e Rádio SIM. Na
Internet possui actividade na webradio, com as rádios 80‟s RFM, a RFM Oceano
Pacífico e a RFM Clubbing; na publicidade detém ainda a totalidade do capital
da Intervoz Publicidade, a empresa que detém o exclusivo da angariação
publicitária e no entretenimento e formação.
SONAECOM
Actua em três principais segmentos de negócio: telecomunicações - Optimus e
Clix e Optimus; sistemas de informação : serviços de software e consultoria;
multimédia – imprensa (jornal Público) conteúdos na internet e radiodifusão
sonora (Rádio Nova).
174 CONTROLINVESTE
A CONTROLINVESTE desenvolve actividade na imprensa - Jornal de
Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, 24 Horas, Global Notícias, Açoriano
Oriental, Jornal do Fundão, e as revistas: Notícias Magazine, Notícias TV,
Açores Magazine, Revista J, Volta ao Mundo, Mais, Evasões, Life, Qi, In,
Zoom; na rádio - TSF; na televisão por cabo - SCN Sport TV, Sport TV2, Sport
TV3, Sport TVÁfrica, Sport TVHD; Sport TVGolf; na distribuição (Notícias
Direct e participação na Vasp); agência de viagens; agência de comunicação
empresarial e Loja do Jornal.
ZON MULTIMÉDIA
Actua em dois principais segmentos de negócios. Televisão por subscrição
(Pay-tv por cabo e satélite), banda larga e voz; audiovisuais – edição e venda de
videogramas, distribuição de filmes, exploração de salas de cinema,
aquisição/negociação de direitos para televisão por subscrição e vídeo
on-demand para o mercado português e mercados africanos de expressão
portuguesa.
IMPALA
Desenvolve actividade nas áreas de negócio de revistas, livros, viagens e
franchising. No segmento revistas edita várias publicações - Focus, Nova
Gente, Mulher, Mulher Moderna, Moderna na Cozinha, Segredos de Cozinha,
100% Jovem, Especial Crescer, Especial Boa Forma, TV 7 Dias, VIP, Maria e
Ana. No segmento livros tem presença significativa, em particular nas áreas
infantil e de culinária.
175 6. O Sistema dos Media em Portugal no Contexto da Globalização
do século XXI
Rita Figueiras
Introdução
O que os académicos ocidentais designaram por processo de globalização pós-colonial do século XX, iniciado nos anos de 1960, tem sofrido alterações profundas
desde que a crise despoletada pela queda do Lehmen Brothers em 2008 acelerou a
recessão económica, a desafeição política e o sentimento de vazio de representação
democrática no ocidente. Esta crise profunda é simultaneamente reflexo e consequência
do que Colin Crouch (2004) designou por era ‘pós-democrática’. Segundo o autor, os
estados ocidentais do século XXI estão organizados de acordo com as regras
democráticas, mas as instituições de representação democrática não estão a cumprir as
suas funções. Os governos já não têm o grau de controlo que tiveram no passado sobre o
seu próprio país devido à ingerência de instituições políticas e económicas
supranacionais, mas também por causa do crescente poder político de grandes empresas.
De acordo com Crouch (2004: ix), empresas e governos estão cada vez mais próximos,
porque os estados precisam do investimento das empresas internacionais e isso tem-lhes
permitido adquirir um crescente poder de influência junto dos decisores políticos.
No novo contexto global, os Estados Unidos da América e a Europa estão a perder
terreno no que diz respeito à sua supremacia política, económica e simbólica, enquanto
outros países fora da geografia ocidental, tal como a China ou o Brasil, estão a aumentar
a sua relevância internacional. Estes países emergentes possuem grandes economias e
estão a tornar-se líderes globais. Simultaneamente, outros estados com peso regional
estão também a adquirir relevância económica em diferentes partes do mundo, como
Angola, em África ou a Coreia do Sul, no Pacífico115. Deste modo, o novo cenário
115
No processo de afirmação global dos países acima referidos podemos incluir a organização de eventos
mediáticos globais. Os Jogos Olímpicos de 2008 na China, a Taça das Nações Africanas de 2010 em
Angola, o Campeonato Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, ambos sediados no
Brasil, devem ser perspetivados como eventos de nation branding (Bolin e Stahlberg, 2010: 82). Estes
eventos têm custos na ordem dos milhões de euros, mas são estrategicamente usados como atos de
relações públicas no relançamento internacional dos países. Os eventos referidos são projetados para e
176 global está a mudar irreversivelmente o equilíbrio de poderes institucionalizado há
muito tempo entre o ocidente e o não-ocidente, mas também entre o Norte e o Sul.
A afirmação das economias não-ocidentais no mundo global está também a ser
feita através das oportunidades de negócio que a crise económica do ocidente lhes está a
proporcionar. A recessão está a abrir-lhes caminho para entrarem em sectores
estratégicos de atividade em vários países, de entre os quais Portugal que, em Maio de
2011, iniciou um programa de resgate financeiro sob a alçada das instituições
supranacionais: Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central
Europeu. Por necessitar de liquidez, o governo iniciou um processo de venda de
empresas públicas atuantes em sectores estratégicos, como a EDP à empresa
Chinese Three Georges em 2011. Simultaneamente, tendo em conta o período de
recessão que o país atravessa e a retração no consumo, as empresas privadas mais
relevantes, incluindo as que operam no sector da comunicação e dos media, começaram
a procurar investidores internacionais.
As alterações no processo de globalização e a profunda crise económica vivida no
país são, deste modo, perspetivadas como os dois eixos centrais para se compreender as
transformações do sector da comunicação e dos media em Portugal no século XXI. O
capítulo começa com uma breve resenha histórica da formação do sector da
comunicação e dos media no Portugal democrático, para depois se debruçar sobre a sua
evolução nos anos 2000. Neste capítulo, a crise de 2008 é assumida como um momento
de viragem para a reconfiguração a que se tem assistido nos últimos anos no mercado da
comunicação e dos media nacional. O texto é ilustrado com exemplos das estratégias
seguidas pelos principais grupos que operam neste sector e cujo desenvolvimento reflete
as alterações nos fluxos de capital na indústria dos media no século XXI.
O Mercado da Comunicação em Portugal
Com o fim de mais de 40 anos de ditadura, que culminou no golpe militar do 25
de Abril de 1974, e com a censura a ser oficialmente abolida em 1975, a imprensa
portuguesa rapidamente se adaptou à nova configuração política. No entanto, e ao
vistos por audiências globais, o que lhes permite mostrar uma imagem diferente de si a audiências
externas, nomeadamente de país desenvolvido com capacidade para organizar eventos que requerem
infraestruturas modernas e complexas.
177 contrário de outros países onde a implementação do regime democrático deu lugar à
privatização dos media, como foi o caso da Espanha, em Portugal conduziu à
concentração da propriedade do sector sob a alçada do estado. No entanto, enquanto a
estatização da imprensa foi uma consequência da nacionalização do sector financeiro
em 1975, por ser o principal proprietário dos títulos de imprensa que existiam durante o
período do Estado Novo (Agee e Traquina, 1984), a nacionalização da rádio decorreu da
intenção direta de controlar as estações emissoras (Mesquita e Rebelo 1994)116. Deste
modo, na segunda metade dos anos de 1970, a paisagem mediática portuguesa
caracterizava-se por jornais e rádios na posse do estado (à exceção da Rádio Renascença
que se manteve nas mãos da igreja católica portuguesa) e pela emergência de muitos
novos títulos de imprensa ligados a partidos e a facções políticas, refletindo o turbilhão
ideológico que o país vivia à época.
Depois deste período conturbado, a partir de meados dos anos de 1980
começou-se a verificar vastas mudanças na sociedade portuguesa. A adesão de Portugal
à Comunidade Económica Europeia, em 1986, impulsionou a transformação do país,
nomeadamente em termos de progresso económico, estabilidade política (Braga da
Cruz, 1995) e modernização do sector dos media (Correia, 1997).
O crescimento económico favoreceu a constituição de um mercado dos media, o
aumento do investimento em publicidade, a privatização dos meios que haviam sido
nacionalizados na década anterior e a emergência de novos projetos. A par das pressões
europeias para a liberalização do mercado, outro factor que impulsionou a
(re)privatização da imprensa foi o elevado custo de cada publicação. Na última metade
dos anos de 1970, a imprensa orientou-se para dividendos políticos, descorando formas
viáveis de gestão. Por dependerem do orçamento de estado e não estarem inseridos
numa lógica de mercado, a maioria dos títulos chegou à década de 1980 com elevados
prejuízos financeiros acumulados. Todavia, é certo que sem a intervenção estatal, e
também por causa da queda na vertical das receitas de publicidade, muitos desses títulos
teriam acabado por falir.
Em 1982, sem qualquer moldura legal, que haveria de ser instituída apenas em
1989, começaram a emitir centenas de rádios piratas, ainda que a maioria só alcançasse
116
Nesta altura assiste-se a agudos períodos de conflito entre os poderes tradicionalmente instituídos em
Portugal e as forças revolucionárias que, entre outros casos, resultaram na disputa pela Rádio Renascença
e pelo jornal República. Após um período muito conturbado, a estação de rádio foi devolvida à igreja
católica portuguesa (Marcondes Filho, 1986; Mesquita e Rebelo, 1994; Ribeiro, 2002).
178 uma audiência local ou regional. Os novos jornais que surgiram ao longo da década
espelhavam a modernização em curso: projetos jornalísticos independentes,
comercialmente viáveis e integrados em grupos económicos fortes. De entre os novos
títulos destacam-se o Semanário em 1983, O Independente em 1988 e o diário Público
em 1990. Esta é uma imprensa claramente dirigida às elites, maioritariamente urbana,
instruída, politicamente ativa, ainda que configurasse uma audiência relativamente
pequena. Os jornais e os seus leitores estavam assim envolvidos num processo de
debate e negociação horizontal entre as várias fações que compunham a elite portuguesa
(Hallin e Mancini, 2004: 22).
Nos finais dos anos de 1980 assiste-se ainda a uma vaga de fundo para a
desestatização da televisão em Portugal que, após novo ordenamento jurídico
promulgado em 1989, culmina no lançamento dos novos canais privados de televisão no
início da década seguinte. Pela mão da Impresa e com capital brasileiro da Globo, a SIC
começa a emitir em Outubro de 1992. Sob a propriedade da Rádio Renascença e de um
vasto conjunto de investidores europeus, a TVI inicia as suas emissões em Fevereiro de
1993.
A introdução da televisão privada, e posteriormente dos canais por cabo, foi a
última fase no processo de reestruturação do sector dos media em Portugal na década de
1990, que passa a ser constituído por imprensa privada e por estações de rádio e canais
de televisão públicos e privados. A reconfiguração da paisagem mediática portuguesa
incluiu também uma alteração estrutural no mercado publicitário que conduziu a uma
nova distribuição dos investimentos por cada media. Importa ainda destacar que a
inclusão da televisão no portefólio dos grupos portugueses foi fundamental para que
estas empresas pudessem operar num mercado cada vez mais globalizado, concentrado
e competitivo, onde apenas a economia de escala e a parceria com capital internacional
oferecia garantias de sobrevivência, crescimento e expansão das empresas que operam
no sector da comunicação e dos media (Hardy, 2008).
2000-2008: Crise, Concentração e Crescimento
Tal como referido, as mudanças políticas, sociais e económicas do país criaram
condições para a transformação do sector da comunicação em Portugal, cuja integração
na CEE conduziu à harmonização da legislação entre os estados membros, à criação de
179 um mercado único, à concentração da propriedade e à internacionalização do capital das
empresas (Hallin e Mancini, 2004; Papathanassopoulos e Negrine, 2011).
Estruturada nos processos de globalização e racionalidade financeira, a formação
de conglomerados permitiu a expansão rápida, e com menos riscos, dos negócios,
devido sobretudo à possibilidade de gerar sinergias entre as várias empresas dentro dos
grupos e de disputar com outros a audiência e o investimento publicitário (Picard, 2002;
Hardy, 2008).
A análise da concentração da propriedade deve, no entanto, ser contextualizada na
dimensão do mercado onde as empresas operam (Tabernero e Carvajal, 2002). No caso
português, os grupos de comunicação tiveram que crescer muito para sobreviverem num
mercado cada vez mais globalizado, o que implicou situações de elevada concentração
de propriedade, como foi o caso da Impresa e da PT/Lusomundo que consolidaram as
suas posições no sector através de políticas de diversificação das áreas de atividade e de
internacionalização com o reforço de capitais estrangeiros de matriz ocidental (Alger,
2000).
A presença de capital internacional nas empresas portuguesas verificou-se
inicialmente na Media Capital (com interesses na imprensa, rádio e televisão) e na PT, a
maior empresa portuguesa na área das telecomunicação. Na primeira, a entrada de
capital estrangeiro ocorreu em 1999 quando o fundo de investimento Hicks, Muse, Tate
& Furst (conhecido como Hicks Muse), adquiriu 37,7% das ações da empresa por
52.500 mil dólares117. Esta capitalização ajudou o grupo Media Capital a adquirir a
empresa Azul Marinho (propriedade da Valores Baviera SA e de outros investidores
privados), uma holding que havia comprado a TVI em 1998, para assim passar a ter o
controlo total da estação de televisão.
No caso da PT, a entrada de capitais estrangeiros no seu capital ocorreu no ano
2000. Fundada como empresa pública em 1994, a PT começou a operar em regime de
monopólio (após a fusão de várias empresas estatais que operavam na área dos serviços
de telecomunicações fixa e móvel em diferentes áreas geográficas do país e no
estrangeiro), mas no ano seguinte iniciou um processo de privatização em cinco etapas
que ficou concluído em dezembro de 2000. 90% do seu capital privatizado distribuiu-se
pela branca portuguesa (o BES, o BPI e a CGD), pelas empresas de telecomunicações
inglesa e castelhana (a British Telecom e a Telefónica, respectivamente) e pelo grupo de
117
Business Wire: 14-09-1999.
180 media português, Cofina. Neste processo, o governo português foi gradualmente
abdicando do controlo da empresa, mas manteve um pacote de golden shares que lhe
garantiu direitos especiais, nomeadamente o direito de veto sobre decisões estratégicas e
de gestão (Obercom, 2003).
Por sua vez, a concentração da propriedade foi também uma resposta ao quadro da
conjuntura económica mundial que entrou num período de recessão nos primeiros anos
do novo milénio e que afetou fortemente o sector dos media. Esta crise levou a PT a
comprar a Lusomundo por 53,5 milhões de contos, juntando ao seu portefólio de
infraestruturas da comunicação, a área dos conteúdos. A aquisição permitiu-lhe passar a
ter uma posição dominante na distribuição e exibição de filmes (salas de cinema,
televisão e vídeo) e um contrato de exclusividade com os principais players
internacionais da indústria cinematográfica. No sector dos media noticiosos, passou a
deter a rádio jornal mais relevante no país (a TSF) e títulos de referência nacional
(Diário de Notícias) e local (como o Açoriano Ocidental) e jornais populares líderes do
mercado à época (como o 24H). Ainda na área da imprensa adquiriu um conjunto vasto
de revistas especializadas, bem como uma presença relevante em empresas de
impressão e distribuição de jornais. A compra da Lusomundo permitiu-lhe ainda
diversificar as suas áreas de negócio para a internet com a inclusão no seu portefólio do
maior portal português à época, o sapo, e o brasileiro zip.net. No Brasil iniciou também
uma parceria para a internet com o Unibanco - União de o banco brasileiro, através do
Banco1.net. Nesta altura, a PT já controlava o mercado da televisão por cabo em
Portugal e, por via indireta, estava também ligada ao negócio dos canais abertos através
de uma quota de 10% no grupo brasileiro Globo que, por sua vez, detinha uma
participação na estação privada de televisão SIC (Obercom, 2003).
A aquisição da Lusomundo permitiu-lhe inclusive diversificar os seus negócios
para outros sectores de atividade, como o imobiliário, parques de diversão (Oeiras
Parque em parceria com os espanhóis da Cirsa) e internacionalizar-se para outros
mercados em parceria com a Sonae, dona do jornal diário Público, com quem investiu
na área do lazer (shoppings e cinemas) em Moçambique, tendo ainda outros negócios na
África do Sul, América Latina e do Norte.
Com esta compra a PT tornou-se numa das empresas de comunicação mais
completas na Europa, com interesses de negócio numa ampla gama de áreas, sendo líder
em todas elas: infraestruturas de comunicação (provedor de rede de radiodifusão, de
cabo e via satélite, telefones fixos e móveis), portais de Internet, empresas de comércio
181 electrónico, cinemas e distribuição de filmes e videojogos, media noticiosos (jornais,
rádio, televisão e online) e parques temáticos.
Estratégias de concentração de propriedade foram igualmente verificadas na
Media Capital. Tendo em vista a consolidação do negócio da televisão em termos de
audiências e receitas, em 1999 o grupo investiu na SAD Leiriense, garantindo a
transmissão pela TVI dos jogos de futebol do clube disputados em casa e, em 2001,
adquiriu a produtora de telenovelas NBP, o que lhe permitiu o controlo da produção de
conteúdos de ficção em português. O grupo também expandiu as suas operações de
rádio (detentora da Rádio Comercial, Cidade FM e Rádio Clube Português), de
empresas de publicidade exterior e lançou-se no negócio na Internet, criando a marca
IOL em 2000. Posteriormente entrou na distribuição de filmes (atividade interrompida
no final de 2011) e, após a aquisição de Farol Música, somou ao seu portefólio uma das
principais gravadoras, produtoras e distribuidora de música e gestora de artistas em
Portugal (Relatório Anual ERC, 2007: 246).
A Impresa, liderada por Francisco Pinto Balsemão, à imagem dos outros grupos
de comunicação portugueses, também seguiu uma política de diversificação dos
negócios por forma a fortalecer a posição da empresa no mercado dos media. A Impresa
iniciou a atividade com a fundação do semanário Expresso em 1973 e títulos da
imprensa especializada, expandindo-se para o negócio da televisão no início dos anos de
1990, aproveitando a abertura do mercado audiovisual Português (Correia, 1997:
68). Como muitos donos de jornais em toda a Europa, que perceberam que precisavam
de entrar no mercado da televisão para poderem sobreviver no negócio dos media
(Hardy, 2008), a Impresa criou o primeiro canal privado de televisão em Portugal em
1992 e mais tarde expandiu-se para o cabo, com a criação de vários canais temáticos
durante a primeira década do século XXI.
Esta empresa tornou-se o principal player português na televisão por cabo devido
a um acordo estabelecido em 2000 com a TV Cabo que, na época, era a única empresa
com cobertura nacional. O acordo deu à Impresa o direito de preferência para fornecer
canais temáticos. Neste cenário privilegiado, em 2001, o grupo lançou a SIC Notícias
que foi o único canal de notícias português durante 3 anos e em pouco tempo a estação
tornou-se na mais vista no cabo. No final de 2003, o canal começou a transmitir via
satélite para Angola e Moçambique. Nesse mesmo ano, a Impresa comprou a
participação da RTP no capital do canal de cabo Sport TV. Deste modo, ao mesmo
tempo que expandia a sua oferta na televisão por cabo, verificava-se um aumento da
182 concentração da propriedade.
Dados de 2003 revelavam precisamente que quase 70% dos investimentos
publicitários no sector da comunicação e media estavam concentrados exclusivamente
nos grupos referidos: a PT/Lusomundo detinha uma quota de 25.5% e a Impresa, uma
quota de 23.7% (Faustino, 2004).
Em Portugal, a crise e a concentração da propriedade fizeram-se sentir de forma
ainda mais aguda no segmento da imprensa de referência. Dos cinco semanários de
informação geral com maior circulação média total em 2003, os dois principais,
Expresso e Visão, pertencentes ambos à Impresa, somavam uma circulação média de
213.871 exemplares por edição. Os outros três títulos que surgiam a seguir no ranking –
O Independente, o Tal & Qual e a Focus – somavam apenas 76.278 exemplares por
edição. A concentração da propriedade foi também uma reação do segmento à perda de
investimento publicitário devido à televisão privada. Entre 2001 e 2003, a imprensa
registou uma redução significativa na sua quota de investimento: 21% em 2001, 19%
em 2002 e 18.7% em 2003. No mesmo período, a televisão (incluindo a cabo)
consolidou a sua posição, elevando a quota de investimento publicitário de 64% (em
2001) para 66.4% (em 2003). Esta situação tornou-se verdadeiramente difícil para a
imprensa, porque a média de dependência da publicidade como fonte de receita
situava-se nos 60% (Obercom, 2003).
No início do milénio verificou-se também a internacionalização das empresas
portuguesas para outros mercados. Quando o governo de Angola aprovou uma nova lei
para o sector das telecomunicações, que terminou com o monopólio estatal de
telecomunicações em 2001, a PT, em parceria com outros três investidores locais, de
entre os quais Isabel dos Santos e o seu pai (o presidente do país José Eduardo dos
Santos), criaram a Unitel, que se tornou na maior empresa de comunicação móvel do
país. No ano seguinte, em 2003, em parceria com a espanhola Telefónica, a PT lançou
no Brasil a Vivo, prestadora de serviços de telefones móveis. A empresa tornou-se o
maior fornecedor do país, com mais de 60 milhões de usuários e a segunda maior
companhia de telecomunicações do Brasil118. Esta estratégia deu assim continuidade ao
primeiro investimento que a PT havia feito neste país, quando em 1998 comprou 20%
da CRT Brasil. A parceria com a Telefónica foi fundamental para a expansão
internacional da PT. Através da empresa castelhana, a PT entrou nos mercados
118
“Telefónica confirma acordo para comprar Vivo à PT” in Económico: 28-7-2010.
183 hispânicos e através da empresa portuguesa, a Telefónica acedeu aos mercados
lusófonos.
O
processo
de
expansão
e
diversificação
das
áreas
de
negócio
e
internacionalização das empresas portuguesas começou, no entanto, a ser colocado em
causa por novos diplomas europeus. Em sequência da extinção das golden shares que os
estados alemão, britânico e holandês possuíam, respectivamente, na Volkswagen, na
British Airways e na KPN, e de em Portugal se ter procedido de forma diferente em
relação à PT, em 2005 a Comissão Europeia reclamou contra o estado português no
Tribunal de Justiça da UE, argumentando que este tipo de direitos especiais violavam as
leis da livre circulação de capitais, de concorrência e de investimento na UE.
Nesse mesmo ano, a PT anunciou a sua intenção de vender a Lusomundo que, à
época e por si só, era uma das maiores empresa de media em Portugal. No entanto,
tendo em conta os grupos portugueses e espanhóis interessados na compra, a venda iria
aumentar ainda mais o nível de concentração nesta área de negócio. A Sonaecom, a
Cofina, a Media Capital e Impresa, e as espanholas Recoletos, a Vocento e a Prisa
mostraram-se interessadas na aquisição, mas a PT acabou por vender a Lusomundo à
Olivedesportos, o proprietário da SporTV e do jornal desportivo O Jogo, por 18
Milhões de euros119. Esta venda revelou bem a saturação do mercado dos media em
Portugal. Para poderem continuar a crescer, os grupos tinham de comprar títulos
existentes, uma vez que não havia possibilidades de mercado para se criar novos meios
de comunicação.
A venda do sector dos conteúdos da PT decorreu também das dificuldades da
empresa com a gestão da Vivo. A dimensão da empresa e do mercado brasileiro
absorviam praticamente todos os recursos da PT, levando-a a alterar o seu projeto de
expansão global. Para além da venda dos conteúdos de media em Portugal, a PT alienou
investimentos relevantes que havia feito no Botsuana e em Marrocos. Por sua vez,
menos sobrecarregada no negócio da Vivo, a Telefónica continuou a crescer e isso fez
com que a diferença entre a Telefónica e a PT, inicialmente de 4 para 1, aumentasse de
10 para 1120. Esta desproporção tornou a parceria inviável que, por sua vez, foi
agudizada pelo facto da empresa castelhana discordar da estratégia da empresa
portuguesa, levando-a a aliar-se à Sonae na OPA que lançou à PT.
Em 2006, a Sonaecom, apoiada pela Telefónica, lançou então uma OPA hostil à
119
120
“Controlinveste adquire Lusomundo” in Diário de Notícias: 1-03-2005.
Entrevista a Francisco Murteira Nabo, ‘O que fica do que passa’ no Canal Q: 11-10-2013.
184 PT e ofereceu 11,1 mil milhões de euros, elevando no ano seguinte a oferta para 11,8
mil milhões de euros, mas o estado português vetou a aquisição, mesmo contra a nova
recomendação do Tribunal Europeu de Justiça. Sem publicamente afirmá-lo de uma
forma direta, o fracasso da OPA acabaria por conduzir à cisão entre a PT e a PT
Multimédia, que se tornou na Zon Multimédia no início de 2008. Esta cisão decorreu
também da pressão de mais uma ação em tribunal interposta pela Comissão Europeia
contra as golden shares do estado português na PT. Ainda que a Comissão Europeia
alegasse ilegalidade face à legislação da UE, Portugal continuou a argumentar que as
ações eram de interesse público. O diferendo terminou apenas em 2011, quando a
coligação PSD-CDS assumiu a governação e extinguiu as golden shares. Esta decisão
decorreu da exigência da Comissão Europeia no âmbito do acordo de resgate a Portugal.
O contrato especial entre a Impresa e a PT, que permitiu à primeira uma elevada
concentração da propriedade no negócio da televisão em Portugal, chegou ao fim em
2006, quando foi considerado ilegal pelo Fair Trade Authority. Durante os anos em que
esteve em vigor, o contrato deu à Impresa uma vantagem significativa no cabo em
comparação com outros operadores portugueses, porque estes só conseguiram entrar
neste mercado muito mais tarde. Apesar deste revés no negócio de televisão por cabo,
nesse mesmo ano a SIC aumentou a sua assinatura nos EUA, no continente Africano
(mais de 110.000 clientes) e em Portugal (Relatório Anual ERC, 2006: 40).
No início de 2007, afirmando que o seu tripé estratégico estava em Portugal,
Brasil e África, a PT estabeleceu uma aliança com a Helios Investments, e formou a
Africatel para continuar a investir no mercado africano e mediterrânico. Após
investimentos nas telecomunicações em Guiné-Bissau e em Marrocos, a PT saiu destes
mercados, mantendo-se apenas em quatro países africanos: Namíbia, São Tomé e
Príncipe, Cabo Verde e Angola, que se tornou no mercado principal. A PT através da
Unicel atingiu um volume de negócios que lhe renderam 50 milhões de euros em
dividendos em 2012121.
Enquanto os primeiros grupos multimédia, e a presença de capital estrangeiro
nesses mesmos grupos, datam dos anos 1990, o controlo de empresas portuguesas por
capital internacional foi, todavia, mais recente. Tornou-se apenas evidente em 2007,
quando a Media Capital foi comprada pelo conglomerado espanhol Prisa, que passou a
121
“PT e Zon Optimus disputam Mercado nacional mas é fora dele que querem crescer” in Público: 3-102013.
185 deter 73,7% da empresa122. Com operações em 22 países, a Prisa até então operava
primordialmente no mercado castelhano e da América Latina, mas esta compra
permitiu-lhe consolidar sua posição de líder no mercado ibérico.
Por outro lado, se antes de 2008 o mercado castelhano era o mais influente no
país, à medida que a crise económica ocidental se agudizou conjuntamente com a
fragilidade da situação financeira de Portugal, o novo contexto criou a oportunidade
para empresas angolas assumirem posições relevantes na comunicação e nos media, mas
também em outros sectores estratégicos como a banca, a energia e a construção. De
acordo com a agência de comércio e investimento AICEP123, Angola tornou-se o maior
investidor em Portugal, cujo investimento aumentou 35 vezes ao longo da última
década. De acordo com os dados disponíveis pela agência referida, na primeira metade
de 2012, esse investimento quase duplicou em relação ao ano anterior: 126.100 milhões
de euros em relação aos 70.300 milhões de euros investidos em todo o ano de 2011.
No primeiro semestre de 2012, Isabel dos Santos investiu mais em Portugal do que
todas as empresas angolanas em conjunto em 2011. Esta empresária, a Newshold, e
mais recentemente José Mosquito, tornaram-se os principais investidores angolanos no
sector da comunicação e media em Portugal.
A crise de 2008 e a reconfiguração do sector da comunicação em Portugal
A crise de 2008 conduziu os países ocidentais a um ciclo recessivo. Em Portugal,
o efeito da crise nos indicadores macroeconómicos, particularmente no consumo
privado, foi ampliada pela dimensão reduzida do mercado português e pelo carácter
instável do negócio da comunicação. Este contexto reintroduziu problemas financeiros
no sector e intensificou a dependência das empresas no sistema bancário e no
investimento internacional, uma vez que o mercado da publicidade começou a diminuir.
Em 2010 este investimento decresceu na ordem dos 2/3% comparativamente com o ano
anterior, em 2011 diminuiu mais 12% e, em 2012, 20%124. Tendo em conta que o
investimento publicitário é a maior fonte de liquidez dos media privados, a viabilidade
económica destas empresas ficou crescentemente comprometida, o que impulsionou
122
“Prisa logra el 73,7% de la lusa Media Capital con su OPA” in El País: 6-02-2007.
“Investimento angolano em Portugal cresceu 35 vezes em 10 anos” in Económico: 22-09-2012.
124
“Que irá acontecer ao investimento publicitário” in Jornal de Negócios: 30-08-2012.
123
186 uma reconfiguração do sistema da comunicação e dos media em Portugal.
Como resposta à crise despoletada em 2008, o grupo Impresa definiu novas áreas
de atuação (Relatório Anual ERC, 2008: 68). Durante esse ano o grupo adquiriu 50% do
capital da Edimpresa (edições de publicações), 70% da Terra do Nunca (produção de
conteúdo) e 50% da Office Share (gestão de imóveis e prestadora de serviços). Esta
estratégia deu à Impresa o controlo total sobre as três empresas. Ainda em 2008, o
grupo lançou dois novos negócios: Impresa Serviços (serviços de unidade
compartilhadas) e a Impresa Produção de Eventos, em parceria com os espanhóis do
Castillo de Elsinor (empresa em que a Impresa detém 20% do capital), com vista a
trabalhar para outros clientes fora do grupo. As mudanças surgiram também da
descontinuidade de cinco atividades de negócios: as gravadoras iPlay e Som Livre, a
empresa de produções multimédia New Media e as empresas de circuito fechado de
televisão AdTech e SIC Indoor. Ainda nesse ano, o grupo reduziu em 14% o número de
trabalhadores no segmento editorial (Relatório Anual Impresa, 2008). Em 2009, a
Ongoing tornou-se o segundo maior acionista da Impresa, com 20.02% de suas ações125
(Relatório Anual Impresa, 2009) e com essa capitalização comprou os restantes 40% da
Lisboa TV, proprietária da SIC Notícias à Zon, tornando-se então o único dono do canal
de notícias (Relatório Anual ERC, 2009: 53). A mesma estratégia foi seguida em
relação ao AEIOU, ao tornar-se a única proprietária do capital da empresa. Em 2012, o
grupo fechou cinco revistas especializadas e a empresa anunciou novos investimentos
no negócio de televisão em articulação com títulos de publicações do grupo, estreitando
assim sinergias internas que potenciam a economia de escala. Em 2014, a Impresa
lançou o canal SIC Caras no principal provedor de televisão por cabo, a Zon, e anunciou
a abertura de um outro canal para a plataforma rival Meo. Com a abertura do novo
canal, o portefólio do grupo aumentou para sete canais de televisão.
A reconfiguração do sector da comunicação também ficou a dever-se ao
surgimento de uma nova empresa em 2008, a Zon Multimédia, fruto da cisão entre a PT
Multimédia e a PT, formando-se ‘com o propósito de levar a cabo a sua estratégia no
negócio multimédia' (Relatório ZON Financeiro, 2009: 15): serviços e canais de
televisão por cabo e satélite, serviços de voz e acesso à internet, edição e venda de
videojogos, publicidade em canais de TV subscritas, salas de cinema e distribuição de
125
Em 2014, a Ongoing alienou 23,13% do capital social que detinha no grupo Impresa, mantendo uma
participação abaixo dos 2%. A Ongoing vendeu a participação a um grupo de investidores institucionais,
cuja identidade não foi revelada. Público: 17-01-2014, http://www.publico.pt/economia/noticia/ongoingvende-participacao-na-impresa-por-51-milhoes-de-euros-1620120, acedido a 29 de Janeiro de 2014. 187 filmes (cinema e televisão) num volume de negócios de 710 milhões de euros (Relatório
Anual ERC de 2007: 224). Para além da sua atividade na área da comunicação, a
empresa também investiu no sector imobiliário e serviços de gestão.
Na sua constituição, os seus parceiros de negócios foram principalmente bancos –
Caixa Geral Depósitos (13,93 %), BPI (7,74%) e Banco Espírito Santo (3,97%) – e
outros grupos de comunicação, como o espanhol Telefónica (5,46%), o australiano
Teleresources (5%) e os portugueses Ongoing (3,16%), Cofina ( 2,23%) e
Controlinveste ( 1,46 %) (idem). Com esta última, a Zon passou a deter em partes iguais
a Sport TV, e com a Impresa, que tinha 60% da Lisboa TV, partilhou a SIC Notícias,
onde detinha 40% (Relatório Anual ERC, 2007: 225). No entanto, tal como referido, no
ano seguinte a Zon acabou por vender a sua parte à SIC por 20 Milhões de euros
(Relatório Anual ERC, 2008: 62).
A Zon começou por operar em Portugal, Espanha (Lusomundo España detida em
100% pela ZON Multimédia) e Moçambique (Lusomundo Cinemas detida a 100% pela
Lusomundo Moçambique). Em 2009, por forma a dar continuidade à sua estratégia de
internacionalização, comprou a holandesa Teliz Holding, que era proprietária de 30% da
angolana Finstar, cujos outros 70% eram detidos por Isabel dos Santos. Deste modo,
foi através do negócio da televisão por subscrição que a Zon entrou no mercado
angolano. Nesse ano, o volume de negócios aumentou para 818 Milhões de euros
(Relatório Anual ERC, 2009: 49).
Ainda no ano anterior, Isabel dos Santos, a parceira da Zon e da PT em
Angola, começou a investir em Portugal, tendo participações significativas nos sectores
de telecomunicações, banca e energia. Nas telecomunicações, Isabel dos Santos
tornou-se na maior acionista individual das duas empresas mais importantes do sector, a
PT e a Zon Multimédia. Em 2008 adquiriu 10% das ações da Zon por 180 milhões de
euros. No ano seguinte, a empresária angolana investiu mais 164 milhões na Zon e, a
partir de julho de 2012 passou a controlar 29% do capital social da empresa, num
negócio estimado em cerca de 38 milhões de euros, o que a tornou no maior acionista
individual do grupo. Após este investimento, a empresa estatal angolana para a
exploração de diamantes, Endima (dirigido pelo marido de Isabel dos Santos), comprou
5% da Zon Multimédia à espanhola Telefonica126.
No sector bancário, Isabel dos Santos investiu no maior banco português, a Caixa
126
“Isabel dos Santos já investiu este ano 137 milhões em Portugal” in Económico: 29-08-2012.
188 Geral de Depósitos, e em bancos privados. Detém 25% do banco angolano BIC em
Portugal, onde tem assento no Conselho de Administração. É também dona de 19,5%
do BPI e é um dos principais acionistas do BPN, depois de este banco ter sido adquirido
pelo BIC em 2011. Em conjunto com a petrolífera estatal angolana Sonangol (que
também é o principal acionista do BCP, o maior banco privado em Portugal), tem outras
participações na empresa de petróleo Galp Energia. Controla ainda 45% da Amorim
Energia, uma subsidiária da holding do Grupo Amorim (uma das maiores empresas
multinacionais portuguesas, a líder mundial na produção de cortiça). Esta empresa, tal
como Isabel dos Santos, detém 25% do BIC Portugal, que é o principal acionista da
Galp Energia. Outros interesses financeiros da empresária incluem a Mota-Engil, a
maior empresa portuguesa no sector da construção e que é também a mais
internacionalizada127.
No geral, Isabel dos Santos conduz um conglomerado multissectorial, que
combina integração vertical e horizontal em diferentes sectores estratégicos, e que opera
nos mercados angolanos e português, mas que tem crescido também para Cabo Verde e
Brasil através dos seus negócios na banca. É de ressalvar que, até à data, Isabel dos
Santos nunca investiu diretamente em empresas que atuam na produção de media,
apesar de terem sido publicadas notícias sobre o seu interesse em adquirir a RTP1,
quando o governo português anunciou a venda do canal público, antes de a privatização
ter sido suspensa.
O investimento nos media tem sido feito pela empresa angolana Newshold, que é
uma empresa de propriedade de Pineview Overseas, com sede no off-shore do Panamá.
Apesar de operar em Portugal desde 2009, foi somente em dezembro de 2012 que se
ficou a saber que esta empresa estava ligada à família Madaleno. Um dos cinco
proprietários e CEO da empresa é Álvaro Madaleno, que é também um pequeno
investidor (5%) e CEO do BESA, um banco onde Isabel dos Santos tem um
investimento significativo, tal como mencionado acima. A divulgação dos proprietários
da Newshold deveu-se ao interesse desta empresa na privatização da RTP, uma
operação que tornava obrigatória a revelação dos nomes dos investidores interessados
no negócio. Apesar da constituição portuguesa estabelecer que uma entidade
administrativa independente deve assegurar a não concentração da propriedade dos
meios de comunicação, a falta de legislação que abranja questões como a participação
127
Idem. 189 cruzada e a transparência fez com que fosse possível a esta empresa comprar media
nacionais sem precisar de revelar os nomes dos seus proprietários, verificando-se no
país a continuação do cenário de ‘desregulamentação selvagem’ do sector, tal como
Nelson Traquina (1995) havia caracterizado as décadas de 1980 e 1990, décadas da
adaptação do sector ao novo contexto de mercado.
A aquisição do semanário Sol em 2009 pela Newshold, no momento em que o
jornal tinha uma dívida muito pesada, marcou então o entrada do grupo angolano no
mercado português. No mês que se seguiu à aquisição, o Sol começou a produzir
versões angolanas e moçambicanas. Desde então, a empresa tem-se expandido para
outras empresas, ocupando cargos importantes em dois dos principais grupos de media
portugueses: na Impresa (1.05%) e na Cofina. Embora esta seja uma empresa
multimédia muito mais pequena, quando comparada com a Impresa, a Cofina é, ainda
assim, um dos quatro grandes grupos no país e proprietária, entre outros títulos, do
jornal mais lido em Portugal, o Correio da Manhã. Apesar de ter sido um grupo que se
constituiu em 1995 com o objetivo de ter participações estratégicas em várias áreas de
negócio, incluindo a dos media, ao longo dos anos transformou-se num verdadeiro
grupo de comunicação e, em 2013, entrou, inclusive, no mercado de televisão ao lançar
um canal de notícias por cabo, a CMTV, um exclusivo Meo. Em outubro de 2011, a
Newshold adquiriu 6,16% da Cofina. No mês seguinte, aumentou a sua posição para
10,55% e em Dezembro do mesmo ano, para 15,08%, tornando-se o maior acionista da
empresa (Figueiras e Ribeiro, 2013: 520). A Newshold é ainda proprietária da produtora
de televisão NBP, do grupo editorial Leya e da empresa de conserva Bom Petisco.
Os processos de concentração como resposta à crise de 2008, conduziram ainda à
fusão entre as empresas Ongoing e Vertix (conglomerado do sector da comunicação de
Singapura), com vista ao controlo conjunto do grupo Media Capital. No entanto, alguns
dias mais tarde, e à luz do facto de as atividades económicas das empresas participantes
estarem sujeitos à regulação sectorial, a Autoridade da Concorrência pediu um parecer
às entidades reguladoras do sector ERC e ANACOM. Enquanto esta última não se opôs,
a ERC considerou que tal negócio não se poderia realizar enquanto a Ongoing
mantivesse a sua participação no capital social da Impresa (para além da PT e da Zon),
o que comprometeria a diversidade e o pluralismo no sector da comunicação e media
em Portugal (Relatório Anual ERC, 2010). Face aos pareceres emitidos, a Autoridade
da Concorrência pronunciou-se contra a operação de fusão da Ongoing, Vertix e Media
190 Capital128. Em fevereiro de 2011, Miguel Pais do Amaral – um dos fundadores do
grupo, seu acionista de referência até 2005 e CEO da empresa entre 2000 e 2007 –
voltou à Media Capital depois de comprar 10% das ações da Prisa, por 35 milhões de
euros, através da PortQuay, grupo multissectorial detido por aquele investidor.
A crise de 2008 também levou as empresas portuguesas a rentabilizarem as
relações privilegiadas com os mercados de expressão portuguesa em África e no Brasil,
dando lugar à emergência de um mercado e sistema de media lusófono. Os principais
investidores angolanos em Portugal são os parceiros estratégicos nos investimentos
feitos por empresas portuguesas em Angola. Isabel dos Santos tem funcionado como um
gatekeeper estratégico na seleção dos investimentos portugueses no seu país que, por
sua vez, são feitos por empresas nas quais a Isabel dos Santos tem participações no
mercado nacional, reforçando a dinâmica de dependência das empresas portuguesas. Tal
como referido, no sector da comunicação, a filha do presidente é a maior acionista
individual da PT e Zon, empresas que também operam no mercado angolano. No sector
bancário, Isabel dos Santos tem investimentos significativos no Banco Espírito Santo
Angola (BESA) e em 2011, a empresária assinou uma parceria com o grupo Sonae para
o desenvolvimento e operação de comércio de retalho em Angola. Seria com este
mesmo grupo, através da Optimus, que a Zon acabaria por se fundir em 2013.
Em 2011, a Impresa também expandiu os seus negócios para Angola com o
lançamento de uma revista económica semanal intitulada Rumo, que foi publicado pela
empresa angolana de media Rumo, detida a 30% pela Impresa e 70% pela holding
angolana Finicapital. No entanto, após 13 edições, o grupo anunciou o fim da revista no
início de 2013.
Por sua vez, em 2008, a Media Capital, operando no seu mercado natural
hispânico, vendeu a sua unidade de negócios de imprensa à Progresa (também
propriedade do Grupo Prisa) e no final desse ano adquiriu a Espanha Plural que,
juntamente com a NBP, deu origem à Plural Entertainment, um dos principais
produtores de conteúdo em português e castelhano, reforçando assim o seu investimento
na produção e distribuição de conteúdos. No ano seguinte, o grupo expandiu os seus
negócios no segmento de internet e produção de televisão através da aquisição de 40%
do capital da produtora espanhola Tesela (Relatório Anual ERC, 2009: 57). Dando
128
http://www.concorrencia.pt/vEN/News_Events/Comunicados/Arquivo/Pages/2010_CompetitionAuthority-rules-against-Ongoing-Vertix-Media-Capital-merger-as-a-result-of-ERC-AdvisoryReport.aspx, acedido a 18-10-2013.
191 continuidade ao investimento no negócio de televisão, o grupo lançou em 2011 dois
canais por cabo, a TVI24 e a TVI Internacional, ambos distribuídos em Angola,
Moçambique, Andorra, França e Suíça. Em 2012 lançou, primeiro num exclusivo Meo,
um canal de cabo dedicado à ficção, TVI Ficção e depois um outro na plataforma Zon,
+TVI.
Com o objectivo de consolidar a sua presença no mercado lusófono, a Telefónica
tentou comprar a participação da PT na Vivo em 2010. No entanto, e apesar dos
acionistas aprovarem, o estado português vetou a venda através das golden shares, mas
a PT acabou por chegar a acordo com a Telefónica vendendo-lhe a Vivo por 7500
milhões de euros. Nesse mesmo ano, via Unitel, ou seja, em parceria com a Isabel dos
Santos, a PT perdeu a corrida à terceira licença de operador móvel em Moçambique, e
no ano seguinte, entra na brasileira Oi, a empresa que opera no sector móvel de uma
empresa de telecomunicações fixa que era, à época, a quarta maior empresa do sector no
Brasil.
Dois anos mais tarde é anunciada a fusão entre a PT e a Oi, com vista à criação do
maior operador de telecomunicações em língua portuguesa e com o objetivo de operar
no mercado da CPLP129. A nova empresa terá 100 milhões de clientes, o que a coloca
no grupo das 20 maiores mundiais. Este negócio reconfigura a PT que, enquanto tal, não
desaparece como marca, mas deixa de ter a relevância económica, fiscal e como
empregadora que teve nos últimos 20 anos para Portugal. Na nova empresa, embora
com gestão portuguesa, os acionistas da PT, ficam com pouco mais de um terço do seu
capital. No conselho de administração têm lugar Nuno Vasconcelos e Rafael Mora,
líderes da Ongoing, acionista da PT, um grupo de comunicação português, que em
poucos anos ganhou e perdeu expressão no mercado nacional, transferindo o seu
negócio, no entretanto, para o mercado brasileiro, depois de investimentos em Angola.
Corroborando as previsões dos especialistas que consideravam inviável a
existência de quatro operadores de telecomunicações num mercado maduro e a viver um
período de grande recessão como o português, no final de 2012 a Zon Multimédia e a
Sonaecom anunciaram a operação de fusão por incorporação da Optimus, empresa de
telecomunicações móveis da Sonae, na Zon. Esta fusão tornou a Zon Optimus na
segunda maior operadora do país.
As alterações no regime de propriedade nos dois maiores grupos de comunicação
129
“PT e Oi querem criar grande operador de língua portuguesa «sem passaporte» in Público: 3-10-2013.
192 portugueses – a PT e a ZON –, em 2013, ilustram bem as novas dinâmicas globais
pós-crise de 2008 e as mudanças nos fluxos de capital na indústria da comunicação e
dos media e as suas repercussões no mercado nacional.
A presença do capital angolano nas empresas portuguesas aumentou ainda mais
em 2013, com a venda de parte da Controlinveste ao empresário angolano José
Mosquito. O portefólio deste grupo inclui os diários nacionais Diário de Notícias (o
mais antigo jornal diário português fundada em 1864, o segundo diário de referência
mais vendido no país) e Jornal de Notícias (o segundo classificado na imprensa diária
tabloide), o diário desportivo O Jogo e a estação de rádio de notícias TSF e o jornal
económico digital Dinheiro Vivo. Neste mesmo ano, o empresário angolano comprou a
construtora Soares da Costa, uma das empresas portuguesas que mais negócios tem em
África, nomeadamente em Angola.
O investidor angolano ficou com cerca de 30% do capital da empresa, tal como o
seu atual proprietário, Joaquim Oliveira e Luís Montez – dono da produtora Música no
Coração, das rádios Radar e Oxigénio e do Pavilhão Atlântico – adquiriu 15% da
empresa130. O capital remanescente foi diluído entre o BCP e o BES, bancos em que
Isabel dos Santos é um dos seus principais investidores em Portugal e parceira de
negócios em Angola. Estes bancos são os principais credores da Controlinveste e que
transformam assim parte da dívida da empresa em capital. Esta participação só poderá
ser, no entanto, de curto prazo, uma vez que as mais recentes regras bancárias limitam a
detenção de posições diretas em atividades não-financeiras. Daniel Proença de
Carvalho, antigo presidente da Zon e atual presidente da Cimpor, é apontado como o
futuro CEO da empresa.
Considerações Finais
Nos primeiros anos da década de 2000, o sistema dos media em Portugal
desenvolveu-se significativamente e assistiu-se à concentração e internacionalização das
formas de propriedade assente em capital ocidental. Nestes anos, os grupos de
comunicação portugueses ganharam expressão, acumulando a posse de um conjunto
vasto de empresas que combinavam integração vertical, horizontal, multimédia,
multissectorial e internacional (Thorburn e Jenkins, 2002: 283-284).
130
Expresso, caderno de Economia: 12-10-2013.
193 A crise de 2008 introduziu, no entanto, novas dinâmicas no processo da
globalização, na economia política internacional do sector da comunicação e nos fluxos
de capital na indústria dos media. A recessão económica, juntamente com a crise
política que as democracias ocidentais atravessam, e o impacto que ambas têm tido no
sector da comunicação e dos media ocidentais, abriram um debate sobre a
‘democraticidade’ de regimes democráticos, levando autores como Jürgen Habermas
(2012) ou Colin Crouch (2004) a considerarem que os estados ocidentais do século XXI
entraram numa fase pós-democrática. Neste cenário cada vez mais moldado por
interesses de empresas globais, os governos têm vindo a perder o controlo sobre as
decisões importantes para os seus países e os direitos e as necessidades dos cidadãos
estão crescentemente comprometidos.
No que diz respeito ao sector da comunicação e dos media, a recessão veio alterar
as condições de mercado dos operadores e fez emergir novos perfis de investidores
interessados no sector. No contexto português, se, por um lado, a nova globalização tem
feito emergir um verdadeiro mercado lusófono, com a expansão de negócios a operarem
no eixo Brasil, Angola, Moçambique, e outros países dentro da comunidade de língua
portuguesa, por outro lado, no contexto da profunda recessão que Portugal atravessa, a
elevadíssima concentração da propriedade em grupos que também detêm posições fortes
em outros sectores estratégicos como a banca e a energia, coloca questões sobre as
possibilidades de pluralismo, de contraditório e de diversidade de perspectivas a
circularem no espaço público.
Deste modo, observando o contexto e as suas consequências, a relação entre os
media, nomeadamente o jornalismo, e a democracia não deve ser entendida como um
dado adquirido, na medida em que para essa aliança funcionar são necessários
determinados requisitos. Os mercados não têm um âmago democrático e se o jornalismo
pode contribuir para democratizar as sociedades – e aí reside a matriz cultural ocidental
dos media como um dos pilares da democracia –, pode também ser uma força poderosa
em processos de ‘des-democratização’ (Fenton, 2010: 43).
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195 7. As diferentes dinâmicas da corrupção: Mídia, Percepção e
Instituições no contexto Brasileiro
Nuno Coimbra Mesquita
José Álvaro Moisés
Bruno Rico
Introdução
A corrupção política é um fenômeno universal que atinge praticamente todos os
países do mundo, democráticos ou não. No caso dos países democráticos, no entanto, ela
tem efeito devastador para a legitimidade do regime e para a promessa de igualdade
política que ela supõe. Isso ocorre, por um lado, porque ela induz parcelas importantes
da opinião pública a considerar que o princípio do primado da lei não é efetivo, já que
muitas vezes nem todos os protagonistas envolvidos são igualmente atingidos pelos
efeitos punitivos das normas legais. Por outro lado, a corrupção também desequilibra os
modos pelos quais projetos de políticas públicas são escolhidos pelas instâncias de
tomada de decisões, já que alguns desses projetos são adotados através de meios
espúrios envolvendo a apropriação privada de fundos públicos. Nessas condições, ela
frauda o princípio de que na democracia a competição política entre atores diferentes se
baseia na igualdade de condições.
As implicações desse quadro para a qualidade da democracia são claras. A erosão
da legitimidade política compromete as possibilidades de cooperação das pessoas
comuns com o sistema político e torna extremamente difícil a função de coordenação
que cabe ao Estado desempenhar. Sem cooperação social a possibilidade de que
comportamentos antissociais emerjam é bastante grande, pois as pessoas perdem de
vista a perspectiva que as vincula com a sua comunidade, seja em plano local, seja em
plano nacional. Nesse contexto, comportamentos envolvendo a burla de obrigações
fiscais ou compromissos envolvendo a segurança do Estado, como o pagamento de
imposto de renda e o serviço militar, escasseiam. Mas, afora isso, a perda de
legitimidade do regime democrático também gera comportamentos antipolíticos como o
desinteresse pela vida pública, a desconfiança das instituições democráticas e o cinismo
diante de exigências cívicas como a participação política.
196 Ao mesmo tempo, a percepção ou a constatação de que as regras de competição
política podem ser fraudadas estimula alguns atores a se dissociarem das normas de
conduta definidas pelo primado da lei. Quando existem sinais de que a competição
política é ou pode estar viciada por práticas que envolvem condições privilegiadas para
alguns atores em detrimento de outros, estes tendem a adotar outros comportamentos
que, destinados a assegurar a sua continuidade na disputa eleitoral malgrado os fatores
adversos, rompem com princípios republicanos destinados a assegurar a transparência
da disputa eleitoral. O uso de “caixa dois” para o financiamento de campanhas eleitorais
no Brasil é um exemplo disso, ou seja, trata-se de um indicador de que as regras não são
iguais para todos. Alguns atores se sentem autorizados a adotar mecanismos e formas de
competir que envolvem a utilização de recursos privados à margem da legislação
vigente. A premissa desses comportamentos é que, dadas as condições efetivas da
competição política, comprometendo a igualdade política, as regras democráticas não
podem ou não devem ser cumpridas.
O comprometimento da legitimidade política e a distorção da competição eleitoral
afetam a qualidade da democracia porque, por uma parte, desmobilizam os cidadãos de
seus compromissos cívicos e de sua crença de que a democracia é o melhor regime para
que possam defender os seus interesses e preferências e para que sejam capazes de
enfrentar os seus desafios coletivos. Mas, por outra parte, comprometem a noção de que
o regime democrático assegura a todos os cidadãos – independente de sua posição
social, condição econômica, gênero, raça e crença religiosa ou ideológica – a igualdade
de condições necessária para disputarem o poder, apoiarem os partidos de sua
preferência ou mesmo se apresentarem como candidatos aos cargos públicos
preenchidos por eleições. Uma das mais sérias consequências desse quadro é a perda de
sentido dos partidos políticos e das instituições de representação que, submetidos aos
vícios da competição política desigual, se esvaziam e perdem força como canais de
intermediação dos interesses e de preferências dos eleitores. Um dos efeitos mais graves
disso é a percepção dos eleitores de que o sistema político não abre espaço para a
inclusão de suas demandas.
Em vista disso, torna-se extremamente importante examinar em que medida os
mecanismos de accountability previstos nas constituições democráticas oferecem
antídotos eficazes para o controle e a punição da corrupção e de práticas políticas
semelhantes. A teoria empírica da democracia atribuiu grande importância aos
mecanismos da accountability vertical e horizontal, mas deu menor atenção à chamada
197 accountability social ou societária. A vantagem da accountability social, ou seja, aquela
que é exercida por instituições da sociedade civil organizada e especialmente pela mídia
impressa e eletrônica, é que ela, desvinculada de organismos públicos controlados por
governos e coalizões políticas majoritárias, pode mobilizar os cidadãos para
pressionarem as instituições democráticas encarregadas de monitorar os poderes
republicanos quando esses funcionam mal ou de modo insuficiente. Nesse sentido, a
existência e a efetividade da accountability social podem ser consideradas condição
necessária ao adequado funcionamento da accountability vertical e horizontal. O
municiamento de informações sobre como o sistema político está efetivamente
funcionando é uma condição indispensável para que os eleitores façam as suas escolhas
eleitorais destinadas a premiar ou punir os governantes do dia. Do mesmo modo, a
pressão da mídia se constitui em um fator decisivo para informar, esclarecer e estimular
a investigação, avaliação e punição pelo sistema de integridade em torno de práticas
ilegais realizadas por políticos e por partidos políticos.
Este trabalho examina, então, o papel da mídia com relação à corrupção na
experiência democrática brasileira iniciada com a promulgação da Constituição de
1988. O texto aborda ainda a percepção do público com relação as práticas de
malversação de recursos públicos e, finalmente, realiza um cotejamento entre as notícias
da mídia e a resposta dos organismos do Estado em face da corrupção. Uma das
principais hipóteses do trabalho é que as denúncias da mídia estimulam as instituições
do sistema de integridade a funcionarem mais ativamente. Isso significa que a
accountability social tem um importante papel para as outras formas de accountability,
vertical e horizontal. O trabalho é exploratório e utiliza uma metodologia heterodoxa,
aproximativa e tentativa, para contribuir para o conhecimento do tema.
Mídia e Corrupção
A accountability envolve a prestação de contas e controle do exercício do poder,
aí incluído a vigilância contra o mal uso do dinheiro público. Dessa forma, um de seus
requisitos básicos é que os cidadãos estejam cientes do problema da corrupção. Neste
sentido, a mídia é um elemento a se considerar analiticamente ao fornecer informações
políticas aos eleitores para que possam controlar seus governantes através da
accountability vertical. Por outro lado, também é requisito dessa dimensão de controle
198 do poder público que aqueles envolvidos em irregularidades (no caso de corrupção)
sejam punidos e afastados da vida pública.
Não obstante, na América Latina, mecanismos horizontais e verticais de
accountability não têm sido suficientes para controlar o poder. Isso porque, por um
lado, muitas vezes o legislativo e o judiciário não são percebidos como mecanismos
legítimos de controle do executivo, mas como obstáculos à efetividade do governo e à
vontade da maioria, como propõe a literatura sobre democracias “delegativas”. Por
outro lado, o poder do voto é diluído pelo fato deste ser uma ação estratégica
descentralizada, além do problema de falta de informação adequada para efetivamente
avaliar a performance do governo (O’Donnell, 1994; Smulovitz & Peruzzotti, 2000).
Além desses aspectos, o contexto institucional brasileiro – na forma do
presidencialismo de coalizão – a despeito de apresentar um maior grau de estabilidade e
governabilidade, tem demonstrado que o parlamento tem sua função de accountability
horizontal diminuída, devido a preponderância do executivo sobre o legislativo (Moisés,
2011).
Dadas essas deficiências dos mecanismos de accountability horizontal e vertical,
a mídia aparece como instrumento alternativo de controle, que ao lado de outras
associações de cidadãos, permite monitorar o poder em situações não eleitorais. Ainda
que os meios de comunicação não possuam capacidade de fazer valer sanções legais,
sua força advém do fato de ser capaz de produzir sanções sociais derivadas da exposição
pública de atos ilícitos, que potencialmente pode afetar o capital político e a reputação
de políticos e governantes (Smulovitz & Peruzzotti, 2000). A simples exposição de
malfeitos pode forçar a derrubada de ocupantes de cargos públicos, além de dar início a
processos que podem gerar sanções legais.
Do ponto de vista normativo, portanto, uma mídia independente que cubra
assuntos de interesse público – inclusive possíveis atos ilícitos de governantes e
políticos – é imprescindível à democracia, cumprindo sua função de watchdog. Não
obstante, a literatura não é unânime quando se trata de avaliar o real papel que ela
desempenha. Uma parte da literatura, incluindo boa parte da pesquisa sobre o Brasil, vê
com preocupação um enfoque excessivo nos escândalos políticos, o que poderia gerar
insatisfação política não direcionada à reforma de instituições, e sim motivando um
maior distanciamento e apatia diante da política, em um sentimento de que “são todos
iguais”.
199 No Brasil, existe uma abordagem quase dominante que acusa os meios de
comunicação de exacerbarem seu papel de guardião da coisa pública, focando em
especial os aspectos negativos da política. Para Porto (2000), a mídia brasileira possui
um viés antipolítico e antiinstitucional. Uma cobertura essencialmente negativa,
especialmente do poder legislativo, estaria centrada em temas como a corrupção, o
nepotismo, o clientelismo e outras irregularidades. Chaia e Teixeira (2001) acreditam
que o jornalismo investigativo resultou em “escândalos midiáticos”. Analisando as
edições das revistas semanais Isto É e Veja durante o período em que ocorreram vários
escândalos políticos em 2001, concluíram que esse tipo de notícia pode ter o aspecto
positivo de provocar um aumento da fiscalização das atividades dos políticos. Mesmo
que denúncias da mídia não redundem necessariamente em punições judiciais, a
exposição de malfeitos na imprensa tem forte impacto sobre responsabilizações
políticas em períodos iniciais das coberturas jornalísticas. O aspecto negativo, não
obstante, fica por conta de o acúmulo de “maus exemplos” de políticos poder levar a
uma descrença nas instituições.
Críticas à parcialidade da mídia também são comuns, o que incluiria a de que esta
promove uma fabricação artificial de crises. Lima (2006) – em análise de conteúdo de
jornais, revistas e telejornais, durante o período do “mensalão” em 2005 – avalia que a
cobertura predominantemente negativa do governo e dos partidos políticos, durante o
período, distorceu e omitiu fatos, se caracterizando como um “escândalo político
midiático”, que só existe na e pela mídia. O autor conclui que predominou na mídia a
“presunção da culpa” dos envolvidos na crise, acarretando em um desvio das regras e
dos princípios éticos da profissão. Outra análise sobre o mesmo período avalia que a
ênfase da cobertura negativa ser em agentes políticos e não nas instituições teria
apresentado um caráter deferente ao sistema político e suas principais instituições,
falhando ao não reconhecer que parte dos problemas apontados também são fruto de um
sistema político com necessidade de reformas (Miguel e Coutinho, 2007).
Em um estudo sobre a cobertura dos editoriais de jornais paulistas sobre o Senado
entre 2003 e 2004, Chaia e Azevedo (2008) encontraram pouco espaço para a instituição
durante o período. O conteúdo que de fato foi apresentado sobre esta instituição, no
entanto, foi predominantemente negativo. Os jornais analisados compartilharam uma
visão negativa que se traduziu em críticas ao fisiologismo, ao absenteísmo, à
infidelidade partidária, ao troca-troca de legendas e a certos comportamentos morais e
éticos considerados reprováveis. Ainda que os autores avaliem que as críticas são quase
200 sempre feitas a partir de casos individuais, acreditam que o enquadramento negativo em
relação aos membros do congresso, por extensão, acaba por enquadrar negativamente a
própria instituição. Dessa forma, críticas repetidas e recorrentes formatariam de forma
mais nítida a imagem da instituição para o público.
Porto (2002), em estudo de análise de conteúdo do principal telejornal do país,
demonstra como o tema político mais frequente apresentado pelo Jornal Nacional, foi a
corrupção e escândalos políticos, ocupando quase metade de todo o tempo da cobertura
política. Apesar da ênfase nesse tema, seu tratamento teve um caráter mais descritivo,
que o autor chama de enquadramento episódico. Significa que ainda que demonstrada
uma certa influência potencial do telenoticiário, a ênfase em um uma cobertura mais
descritiva do que interpretativa representaria uma menor probabilidade de essa
influência ocorrer.
Focada principalmente em análises de conteúdo, essa literatura propõe hipóteses
dos efeitos perniciosos que essa postura antipolítica dos meios de comunicação
brasileiros poderia acarretar para a percepção do público sobre a corrupção, as
instituições democráticas ou a política como um todo. Entretanto, essas abordagens não
avançam sobre o impacto que este conteúdo de fato exerce sobre os cidadãos. A
literatura internacional avançou mais a investigação empírica sobre a associação entre
notícias negativas e focadas sobre corrupção e atitudes e opiniões dos indivíduos.
Em estudo sobre os países do sul da Europa, Morlino (1998) fez uma análise de
tendências do aumento da cobertura de casos de corrupção nos meios de comunicação e
da insatisfação política. O resultado foi uma correlação significativa entre o aumento
desse tipo de notícia e o aumento da insatisfação. Sobretudo na Grécia e na Itália, a
correlação foi mais robusta, demonstrando um maior sentimento de ineficácia política
nesses dois países. De forma semelhante, Pharr (2000) demonstra que o aumento no
número de notícias sobre corrupção em um dos principais jornais do Japão corresponde
a um aumento nos níveis de insatisfação política.
Esses resultados empíricos de fato corroboram uma associação entre maior
cobertura de corrupção e maior insatisfação política. Entretanto, esse aspecto não
significa, necessariamente, que essa insatisfação represente algo pernicioso para a
política e a democracia. Em tese, ao menos, uma maior insatisfação política poderia se
traduzir também em uma maior pressão pública sobre agentes políticos no sentido de
punir malfeitos e reformar instituições ou sistemas legais de maneira a permitir um
maior controle da corrupção. Em relação à confiança nas instituições, por exemplo,
201 mesmo em um período marcado por uma agenda extremamente negativa e focada em
corrupção (período da crise política de 2005 no Brasil), não foi encontrada associação
entre consumo do principal telejornal do país e desconfiança de nenhuma instituição
democrática. Ao contrário, testes baseados em survey nacional demonstraram que
quanto maior o consumo de notícias, maior a confiança em várias instituições (incluindo
judiciário e governo) e maior satisfação com a democracia (Mesquita, 2010).
Nesse sentido, existem outros autores que acreditam que os meios de
comunicação desempenham, de fato, ao menos dois importantes papéis no auxílio do
combate à corrupção. Por um lado eles têm a capacidade de aumentar a preocupação
pública com o tema. Mas, ao contrário de causar um distanciamento da política, essa
maior preocupação dos indivíduos se traduziria em maior pressão popular por mudanças
ou punição daqueles envolvidos com corrupção nas urnas. De outro modo, esses autores
apontam para o fato de que as denúncias de corrupção na mídia são importantes focos
de pressão sobre agentes públicos, que se veem forçados a responder às denúncias sob o
risco de terem suas reputações abaladas.
Segundo Stapenhurst (2000), a mídia é fundamental para promover a boa
governança e controlar a corrupção. O autor divide os efeitos que os meios de
comunicação podem ter sobre o controle da corrupção em tangíveis e intangíveis. Os
primeiros seriam aqueles facilmente atribuíveis a determinadas matérias ou série de
matérias veiculadas pelo jornalismo. São exemplo o desencadeamento de processos de
investigação pelas instituições responsáveis, o impeachment ou demissão forçada de um
político corrupto, etc. Além de forçarem respostas, esses efeitos tangíveis também
reforçam a legitimidade dos órgãos de accountability e reduzem a facilidade de partes
interessadas em interferir em seus trabalhos. Por outro lado, efeitos intangíveis
acontecem quando a contínua exposição da corrupção presente em diversas instituições
pelos meios de comunicação cria um clima de atenção, aumentando a pressão pública
para a reforma das mesmas. Um outro exemplo é quando a denúncia de malfeitos em
um determinado governo não leva a investigações ou punições imediatas, mas
aumentam a insatisfação da população que passa a punir os mesmos governantes em
pleitos eleitorais.
No Brasil, Ferraz e Finan (2008) analisaram as auditorias do governo sobre gastos
municipais de fundos federais. Os resultados demonstraram que munícipios onde as
rádios cobriram os resultados da auditoria, candidatos não corruptos receberam um
incremento nos votos. E ainda, quando não foi encontrado casos de corrupção em
202 municípios com rádios locais, a auditoria aumentou a probabilidade de reeleição. Isso
indica o potencial da mídia como agente que facilita a accountability vertical no país, já
que as informações nos meios de comunicação auxiliam a prestação de contas dos
governantes. Dados semelhantes para a Itália apontam para uma alteração nas taxas de
reeleição de políticos acusados de corrupção a partir de uma mudança de postura da
imprensa. Somente quando os meios de comunicação passaram a noticiar diariamente
sobre a corrupção é que caiu a taxa de reeleição de políticos envolvidos em
irregularidades (Chang, Golden e Hill, 2010).
Há ainda resultados consistentes que apontam para uma associação entre maior
liberdade de imprensa e menores níveis de corrupção. A sugestão é que uma imprensa
independente pode se traduzir em uma importante aliada contra a corrupção (Brunetti e
Weder, 2001; Odugbemi e Norris, 2009; Dahlström, 2008). Dessa forma, a cobertura da
corrupção por parte da imprensa é vista como desencadeadora de mudanças políticas e
sociais, ao influir na mudança de cultura política em direção a uma maior transparência
e accountability do sistema (Arnold e Lal, 2012).
Dessa forma, a literatura vai no sentido de apontar o potencial da mídia em
impactar dois aspectos centrais do controle do problema da corrupção. Por um lado,
aumentado a consciência do problema da corrupção (ainda que haja divergências sobre
a maneira positiva ou negativa de isso ocorrer), por outro lado impactando as
instituições ao pressionarem os atores políticos a responderem à necessidade de coibir e
punir este mal. Nesse sentido, existem três dimensões do problema que possuem
dinâmicas próprias, mas que também podem estar associadas, e portanto exigem maior
tratamento empírico.
A primeira é a dinâmica da agenda da mídia sobre a corrupção. Ao longo do
tempo, qual tem sido a cobertura dos meios de comunicação brasileiros sobre o tema?
Existe uma atenção crescente à corrupção, ela permaneceu estável ou, ainda, possui uma
característica cíclica? A segunda dinâmica identificável é a da percepção do problema
da corrupção por parte da população. Qual têm sido a importância dada ao problema ao
longo dos últimos anos no país? A terceira dinâmica é a institucional, que possui seu
próprio tempo de resposta, tanto do ponto de vista de abertura de processos
investigativos, quanto da punição propriamente dita. Existe alguma correlação entre a
primeira dinâmica e as duas últimas, ou seja, seria possível atribuir à mídia alguma
mudança na opinião das pessoas sobre a corrupção assim como respostas institucionais
ao problema?
203 A hipótese central é que a progressiva consolidação do regime democrático brasileiro
aumentou a exposição do problema da corrupção, permitindo uma maior
conscientização da população e demandando maior resposta do sistema político para a
questão. Assim:
H1: As notícias sobre corrupção na mídia ajudam a aumentar a conscientização dos
cidadãos do problema da corrupção.
H2: Essa função de watchdog da mídia ajuda a exigir respostas do sistema político
Corrupção e suas Dinâmicas
1. Mídia: Cobertura da Corrupção e Escândalos Políticos
O panorama dos meios de comunicação no Brasil é caracterizado por uma maior
prevalência de mídia eletrônica, comparável ao nível de países mais desenvolvidos. Não
obstante a difusão significativa deste meio, o país convive com baixos níveis de
escolaridade e uma alta taxa de analfabetismo, o que resulta em uma baixa taxa de
circulação de jornais (53,5 por mil habitantes)131. Apesar dessa baixa circulação, a
imprensa brasileira tem um papel ativo ao expor escândalos de corrupção e na definição
da agenda para outras mídias, como a televisão, além de ser um "nicho" de referência
para os cidadãos com maior educação formal e formadores de opinião.
Uma das hipóteses da pesquisa é que o recente período democrático brasileiro,
com uma maior abertura política, permitiu que a imprensa fosse progressivamente tendo
mais espaço para denunciar notícias de corrupção. Para testar essa hipótese, se escolheu
dois dos jornais mais importantes em termos de circulação e de impacto no meio
político, O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, além do principal
telenoticiário do país em termos de audiência, o Jornal Nacional, da Rede Globo.132 O
131
2009, ANJ (http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/leitura-de-jornais-no-mundo)
No gráfico 1, foi feita a busca pela palavra “corrupção” em todo o acervo do Estado de São Paulo
(jornal mais antigo e portanto com maiores dados longitudinais). Nos números relativos ao Estado e a
Folha e dispostos no gráfico 2 (décadas de 1990 e 2000) foi aplicado um filtro. Referem-se ao número de
páginas que contém a palavra corrupção apenas nos cadernos Geral, Política, Opinião, Cidades,
Economia, Editorial e Primeira, de modo a diminuir a probabilidade de casos em que a palavra não se
referia especificamente à corrupção política. Um residual de matérias que não se referem especificamente
ao assunto, mas que contém a palavra corrupção, não é um problema, já que a preocupação aqui é com a
evolução das notícias ao longo do tempo, e não números absolutos. Os do telejornal traduzem o número
de reportagens relativas à corrupção. A pesquisa foi feita no arquivo digitalizado dos respectivos veículos.
132
204 gráfico 1 mostra que um dos principais jornais brasileiros, O Estado de São Paulo, de
fato aumentou sua cobertura deste tipo de caso ao longo das décadas. Comparando os
dois jornais do estudo, nas duas décadas completas do novo período democrático
brasileiro (a de 1990 e de 2000), percebe-se que, apesar de o Estado usualmente ter uma
cobertura maior desse tipo de caso em comparação com a Folha, ambos os jornais
cobriram mais casos de corrupção na segunda década, em comparação à primeira, como
demonstra o gráfico 2.
Gráfico 1. Evolução de notícias sobre corrupção no Estado de São Paulo por décadas
14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Número de páginas com a palavra corrupção
Folha e Estado possuem todo o seu acervo digitalizado. Para o Jornal Nacional, somente há dados
disponíveis a partir de final de agosto 2001, a partir de quando todas as edições estão transcritas e
digitalizadas. Portanto, sendo os dados para esse primeiro ano incompleto para o Jornal Nacional,
justifica-se o baixo número de notícias sobre corrupção comparado aos da imprensa.
205 Gráfico 2. Notícias sobre corrupção (Folha de São Paulo e Estado de São Paulo) após a
transição para a democracia: 1990 – 1999 e 2000 – 2009
9000 8000 7000 6000 Folha 5000 Estado 4000 Linear(Folha) 3000 Linear(Estado) 2000 1000 0 1990 2000 Número de páginas com a palavra corrupção por veículo
A análise por décadas, permite avaliar que, de fato, o novo período democrático se
traduziu em um clima de maior liberdade, permitindo uma cobertura maior de casos de
corrupção. O próximo passo foi avaliar se essa tendência de aumento também se
verificava ao longo dos anos desse período, ou se a dinâmica apresentada correspondia à
ciclos de maior e menor exposição do tema. O gráfico 3 mostra que a dinâmica anual é
diferente da avaliada por décadas, apresentando um caráter cíclico. Uma hipótese
poderia ser uma maior atenção a casos de corrupção em anos eleitorais (no caso do
Brasil, anos pares) devido a um provável uso eleitoral da mídia, motivado pela denúncia
de casos de irregularidades a partir de adversários políticos. Os resultados, entretanto,
não corroboram essa explicação, já que os picos verificados não se encontram
necessariamente em anos eleitorais. Há altas em 1992, 1993, 1997 (somente na Folha),
2000, 2001, 2005, 2012. Se não há correspondência completa com anos eleitorais, o que
poderia ter motivado uma alta nesses anos?
206 Gráfico 3 Agregado - Páginas com palavra “Corrupção” por veículo
1600 350 1400 300 1200 250 1000 200 800 150 600 100 400 50 200 0 0 Estado Folha Jornal Nacional Analisando os anos em que houve essa maior cobertura da mídia, em todos os
casos houve algum escândalo político de grande proporção. Para corroborar se, de fato,
foram esses casos de grande repercussão nacional os responsáveis pelo aumento da
cobertura sobre corrupção, foi feita uma busca com palavras chave correspondentes a
cada caso.133 Os gráficos 4 e 5 mostram a cobertura desses casos no Estado e na Folha
respectivamente, em comparação com a cobertura sobre corrupção no geral. Em 1992,
foi um ano de alta devido ao escândalo que viria a derrubar o então Presidente da
República Fernando Collor de Mello. Em 1993, o número de notícias aumenta mais
devido a uma permanência de notícias sobre esse acontecimento, junto com outro
escândalo daquele ano, que apontou irregularidades na Comissão de Orçamento do
Congresso.
Em 1997 foi o caso da compra de votos no Congresso para a aprovação da
emenda da reeleição, que teve um tratamento maior pela Folha, porém quase ausente do
Estado. Esse ano é interessante e ajuda a corroborar a idéia de que grandes escândalos
políticos são os responsáveis pela dinâmica cíclica das reportagens sobre corrupção na
mídia. O Gráfico 3 mostra uma alta nas notícias sobre corrupção somente para a Folha
133
As palavras chave foram escolhidas como as mais representativas e que apareceram mais vezes nas
matérias. Da mesma forma que a busca pela palavra “corrupção”, existem matérias sobre esses casos que
podem não conter a palavra chave. Mas a busca intenciona verificar a dinâmica dessas notícias ao longo do tempo. Assim as palavras chave nos dão uma variável proxy representativa, e não números absolutos. 207 no ano de 1997, justamente pelo fato desse episódio ter destaque nesse jornal, ao
contrário do Estado. A ausência de tratamento do caso pelo segundo fez com que em
1997 não houvesse um aumento nas notícias sobre corrupção, como demonstram os
gráficos 4 e 5.
Em 2000, foi o episódio do desvio de recursos que seriam utilizados na construção
do Fórum Trabalhista de São Paulo, tendo como principal personagem, o Juiz Nicolau
dos Santos Neto. Em 2001, foi o caso Sudam, que revelou desvios da Superintendência
de Desenvolvimento da Amazônia, envolvendo o então presidente do Senado, Jader
Barbalho (PMDB-PA) e se desdobrando em denúncias de desvios de recursos em um
banco estadual (Banpará) e vendas irregulares de Títulos da Dívida Agrária. O maior
escândalo de corrupção brasileiro, o caso do “mensalão”, foi responsável por dois picos,
sendo um em 2005 – ano em que foi denunciado o esquema de compra de votos no
Congresso – e em 2012, quando do julgamento do ação penal pelo Supremo Tribunal
Federal, que também contou com ampla cobertura da mídia. Este caso foi atípico, tendo
uma cobertura menor, porém constante entre os dois picos verificados.
Gráfico 4. Estado – Palavras-chave por ano
1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 208 Corrupção "CPI do Orçamento" Sudam Mensalão Nicolau dos Santos Neto Compra de Votos PC Farias CPI da Corrupção Gráfico 5 Folha – Palavras-chave por ano
1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 Corrupção "CPI do Orçamento" Sudam Mensalão Nicolau dos Santos Neto Compra de votos PC Farias CPI da Corrupção Os dados corroboram um aumento da cobertura sobre casos de corrupção no
Brasil no período democrático recente. Entretanto, a dinâmica apresentada se traduziu
em ciclos de maior e menor exposição do tema, determinados pela cobertura de grande
casos de repercussão nacional. Ou seja, ainda que a mídia noticie de maneira regular o
tema, são os grandes escândalos os responsáveis pelo maior tratamento da corrupção.
2. Percepção: Mídia e a Corrupção como Problema
Uma outra dinâmica da corrupção que este capítulo se propôs a avaliar é a
percepção que se tem acerca do tema. Dados longitudinais para que se possa comparar a
evolução dessa percepção ao longo dos anos são escassos. Não são frequentes os
surveys nacionais sobre o assunto, e muitos dos disponíveis possuem variáveis com
formulações distintas, onde não é possível estabelecer comparações. Entretanto, existem
duas variáveis disponíveis que captam o fenômeno, e que traduzem percepções
distintas: O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional e
surveys do Latinobarômetro.
209 O IPC é um indicador composto, onde se compila dados referentes a opiniões de
pessoas ligadas a corporações transnacionais e especialistas. A partir dele se elabora um
ranking com notas de 0 (muito corrupto) a 10 (muito limpo). O gráfico 6 (invertido para
mostrar picos de percepção de maior corrupção) demonstra que houve uma melhora no
ranking, a partir de sua criação em 1995, até o ano de 1999. O índice se mantém
razoavelmente estável até 2006, onde apresenta uma alta. Trata-se do ano seguinte ao
escândalo do mensalão, que deve ter sido o responsável por essa alta. Entretanto, salvo
esse ano, não existem variações expressivas, que possam ser atribuídas à cobertura da
mídia.
Gráfico 6. Índice de Percepção da Corrupção (Transparência Internacional)
0 IPC 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 Escala de 0 (Altamente Corrupto) a 10 (Muito Limpo) Fonte: Elaboração própria com base dos
dados da Transparency International http://www.transparency.org
O segundo índice disponível com dados mais longitudinais, é o survey de massas
do Latinobarometro. Nas ondas anuais desde 1995 foi incluída uma questão que inquere
ao entrevistado qual problema (dentre vários), ele considera mais importante.134 A partir
do gráfico 7, verifica-se que ao contrário do IPC – composto da percepção de
134
As opções variaram um pouco ao longo das sucessivas ondas, inclusive com algumas ondas onde a
resposta era espontânea. A lista apresentada inclui temas como educação, saúde, desemprego, inflação e
violência. Para contornar o problema, se considerou sempre as 10 respostas mais citadas e se recalculou
as porcentagens. Dessa forma, a variável corresponde sempre à qual a importância relativa dada a
corrupção pelo entrevistados, levando em conta sempre os 10 temas mais citados. O ano de 1999 foi o
único que não contou com uma onda do instituto.
210 empresários, analistas e especialistas – a percepção da população acerca do fenômeno
tem uma variação bem maior.
Gráfico 7 Percepção da Corrupção como problema (Latinobarômetro)
% de corrupção como problema mais importante 25% Ranking 0 1 20% 15% 10% 5% 2 3 4 5 6 7 8 0% 9 Variável: Dos problemas que vou citar, qual você considera mais importante? Linha escura:
porcentagem das pessoas que citaram a corrupção como principal problema; linha clara: posição
que a corrupção ocupou na opinião dos entrevistados entre os 10 problemas mais citados.
Uma das hipóteses seria que a oscilação das opiniões sobre corrupção poderia se
dever, em parte, a exposição que a mídia faz do fenômeno. O gráfico 8 compara as duas
dinâmicas. Há correspondência em altas nos anos de 2001 (em que houve farta
cobertura do caso Sudam) e de 2005 (ano do escândalo do mensalão). Em 2000, houve
o caso do desvio de verbas do Tribunal Trabalhista em São Paulo. Apesar de ele ser
responsável por um aumento na cobertura de notícias sobre corrupção na mídia, foi
somente a partir de julho em que houve uma cobertura intensa sobre o caso. As
entrevistas do Latinobaromêtro foram feitas no final de janeiro e início de fevereiro,
quando as notícias sobre o assunto na mídia ainda eram incipientes, justificando a não
tradução das notícias sobre corrupção em aumento da percepção da população naquele
ano. Há, todavia, dois anos em que a corrupção atinge níveis altos de percepção sem
que, no entanto, haja correspondência com um aumento da cobertura sobre a corrupção
ou dos grandes escândalos mencionados: em 1996 e 2007. Como a corrupção é um
211 fenômeno que nem todas as pessoas tem um contato no seu dia a dia, e que presume-se
que as notícias sobre o fenômeno deem grande contribuição ao conhecimento que se
tem sobre a questão, como explicar essa alta nesses anos?
Gráfico 8. Percepção da Corrupção e cobertura da imprensa
25% 1600 1400 20% 1200 1000 15% 800 10% 600 400 5% 200 0% 0 La2nobarômetro Estadão Folha O ano de 1996 foi excepcionalmente baixo nas matérias sobre corrupção. No
entanto, no mesmo mês de junho em que se iniciam a onda de entrevistas do
Latinobarômetro, um dos principais personagens do escândalo de corrupção que veio a
derrubar o presidente Fernando Collor, o tesoureiro de sua campanha – Paulo César
Farias – foi assassinado. Houve uma grande cobertura da mídia sobre o caso, que se deu
entorno das circunstâncias de sua morte (ver gráfico 5). Faz sentido, assim, que o caso
não tenha ocasionado um aumento da palavra “corrupção” nas buscas feitas na mídia
naquele ano. Entretanto, o evento pode ter reativado a memória das pessoas sobre o
episódio, o que poderia ter se refletindo na alta na percepção daquele ano.
Já no ano de 2007 (único ano em que a corrupção foi o problema mais citado) as
entrevistas do instituto foram realizadas em setembro. Apenas um mês antes, em agosto,
o Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia contra os réus do caso do “mensalão”.
Houve uma cobertura maior por parte dos jornais desse ocorrido nesse mês, apesar de
não ser em número suficiente que representasse uma alta expressiva de matérias com a
212 palavra “corrupção” durante todo o ano. Entretanto, por tratar-se de um caso já
amplamente conhecido, o fato provavelmente também reativou a memória das pessoas
sobre o escândalo, o que pode ter se refletido na alta expressiva também do ano de
2007.
3. Instituições: A resposta do Estado frente as denúncias da mídia
Se o papel potencial de accountability exercido pela mídia foi de alguma forma
explorado pela literatura especializada, a resposta do Estado frente a essas mesmas
denúncias, não. Afinal, qual é a responsabilização objetivamente produzida por tantas
denúncias, por tamanha cobertura jornalística?
Primeiramente, o ritmo do jornalismo moderno é bastante distinto daquele
verificado nas burocracias estatais, em seus processos penais, civis ou administrativos.
É normal que a mídia e as instituições tenham tempos diferentes. Quando uma suspeita
de irregularidade é identificada, acaba sendo publicada praticamente no mesmo dia.
Naturalmente, o mesmo não ocorre com a punição do caso. Entre os princípios
fundamentais das constituições democráticas, figuram aqueles da “presunção da
inocência”, do “devido processo legal” e da “ampla defesa”, sem os quais a parte liberal
das democracias figuraria defasada (O’Donnell, 1997), o que acarreta em um processo
de tempo próprio e mais lento.
Não obstante, entre as respostas que o Estado oferece frente a denúncias de
corrupção, não figura apenas um processo judicial formalizado. Além de respostas
políticas – como a demissão de funcionários em cargos de confiança, ou a cassação de
políticos – a própria abertura de processos de investigação pelas instituições de
integridade figuram entra aquelas ações que o sistema, mediante ação dos atores
políticos, oferece com um tempo mais curto, próximo àquele dos meios de
comunicação.
Para ampliar o conhecimento sobre as relações entre mídia e punição da
corrupção, ou seja, sobre o nível de resposta dos órgãos de accountability horizontal,
realizou-se o cruzamento de dados relativos aos dois atores em dois casos diferentes, de
modo a observar se o Estado responde ou não às irregularidades relatadas pela mídia,
levando em consideração esse tipo de resposta do sistema político que corresponde aos
estágios iniciais de processos de responsabilização.
213 Em vários escândalos nacionais mencionados no item 2.1, a mídia se mostrou
importante veículo na condução de responsabilizações de corruptos. Ainda que em
vários deles a punição não tenha sido judicial, mas apenas política, as instituições
responsáveis pela accountability foram acionadas. Dois desses casos são os que
analisaremos a seguir: o Impeachment de Collor (1992) ou “Caso PC Farias” e o
“Mensalão” (2005). No primeiro, uma série de denúncias de corrupção – desencadeadas
por uma entrevista de seu irmão à Revista Veja em 1992 – desgastaram a imagem do
presidente Fernando Collor de Mello, o que levou a sua renúncia e o impeachment. No
segundo caso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva sofreu com um escândalo político
em meados de 2005, provocado pela denúncia de corrupção que envolvia o seu esquema
de apoio parlamentar – além do Partido dos Trabalhadores e principais colaboradores –
feita pelo líder de um dos principais partidos da base governista.
Mediante a análise desses casos, buscar-se-á relacionar a resposta dos órgãos de
accountability horizontal às denúncias apresentadas pela mídia. Tarefa arriscada, visto
que não há metodologia desenvolvida na área. Para isso, avançou-se um método que
deve ser compreendido antes como uma aproximação no tema do que como a palavra
final sobre o assunto.
Observamos dia a dia as notícias relacionadas aos casos nos principais jornais do
país, compondo uma linha do tempo. A partir deste material, isolamos as “novas
denúncias” das respostas institucionais, de modo a quantificar, ainda que de forma
aproximada, a resposta do Estado perante alarmes da mídia135. Para isso, adotamos uma
interpretação ampla sobre o que seja resposta do sistema, de forma a envolver desde
renúncia, cassação ou demissão de agentes públicos, passando pela saída de políticos ou
partidos da coalizão do governo, até ações formais de pedidos de abertura de inquérito,
de Comissões Parlamentares de Inquérito, de processos administrativo-disciplinares ou
de julgamentos civis e penais136. Trata-se, portanto, de um processo inicial do
135
Contou-se como denúncia, novas descobertas que saíram em qualquer um dos principais meios de
comunicação, computando-se uma única vez. Ou seja, um furo de reportagem feito pela Folha de São
Paulo que foi replicada depois pelo Jornal Nacional e pelo Estadão, foi computada uma única vez. Em
geral, as denúncias apareceram em todos os grandes veículos do país. Denúncias são entendidas como
quaisquer notícias com fatos novos relacionados a denúncias, apuração, investigação, responsabilização,
abertura de inquéritos, depoimentos etc.
136
Interpretou-se como resposta dos atores de accountability horizontal as seguintes situações: 1 - Órgãos
de accountability agem formalmente. Pedem abertura de investigações criminais ou civis, abrem
investigações criminais ou civis, pedem abertura de Comissões de Inquérito, abrem Comissões de
Inquérito, instauram processos administrativo-disciplinares, pedem cassação de mandatos dos
responsáveis, reabrem inquéritos, captam depoimentos de protagonistas dos casos, realizam auditorias,
identificam contas em paraísos fiscais, prendem acusados, pedem à justiça quebras de sigilos, quebram
214 funcionamento das instituições de accountability, prévias ao processo judicial que irá
condenar ou absolver os acusados.
Nesta interpretação, consideramos “vazamentos” de trabalhos dos órgãos de
accountability – como relatórios parciais, áudios de entrevistas, auditorias não
publicadas – também como “novas denúncias” pois, a cada nova revelação, maior
pressão acaba por se impor sobre os demais atores responsáveis pelo mecanismo de
accountability. A título de exemplo, se uma descoberta da Polícia Federal é noticiada
pele imprensa, acaba por antecipar suas conseqüências, potencialmente forçando a
abertura de uma CPI, que talvez não ocorresse se o fato não viesse a público.
Caso Impeachment de Collor
O presidente Collor foi alvo de denúncias de corrupção logo no início de seu
mandato, porém foi ao longo de 1992 que ocorreu a crise política que viria a derrubá-lo,
iniciada com uma entrevista de seu irmão à revista Veja, tecendo diversas acusações
contra o caixa de campanha do presidente, Paulo Cesar Farias (PC). O episódio acabou
por dar início a uma série de investigações e revelações por parte da imprensa e o
processo de desgaste político culminou no afastamento, renúncia e posterior
impeachment do presidente.
O gráfico 9 expressa como a cobertura foi especialmente intensa entre maio e
outubro, ou seja, entre a denúncia de seu irmão à revista Veja e a instauração no
Congresso Nacional do processo de votação de impeachment do presidente. Neste
mesmo período, vemos no gráfico abaixo que os órgãos e atores de accountability
horizontal parecem ter reagido às acusações, inclusive produzindo mais respostas até do
que “novas denúncias”:
sigilos, apresentam acusações à Justiça, entregam relatórios finais de Comissões Parlamentares de
Inquérito (CPIs), Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs), inquéritos e auditorias,
completam julgamentos; 2 - Políticos reagem às notícias através de pronunciamentos, apresentação de
documentos relevantes, renúncia de cargos, cassação de mandatos e saída de políticos ou partidos da
coalizão do governo. 215 Gráfico 9. Mídia e Respostas institucionais no caso Collor
45 120 40 100 35 30 80 25 60 20 15 40 10 20 5 0 0 Maio 1992 Junho 1992 Julho 1992 Agosto 1992 Mídia Ins2tuições Setembro Outubro 1992 1992 Nohcias Mídia: novas denúncias veiculadas na mídia sobre o caso. Instituições: número de respostas
institucionais. Notícias: dinâmica das notícias sobre o caso Collor no jornal Estado (proxy
páginas com “PC Farias”).
Durante esses seis meses, praticamente todos os principais órgãos foram
acionados: Policia Federal, Ministério Público, Banco Central, Receita Federal e
Congresso Nacional. Talvez os trabalhos da mídia não tivessem tido tanto impacto se o
presidente desfrutasse de maior apoio dentro e fora do Estado, mas é certo que teve
papel determinante para expor a crise e conduzi-la à responsabilização. Foram 85
denúncias na imprensa (apenas na primeira página de O Estado de S. Paulo) em seis
meses, número expressivo. O relato de todas elas reforça o argumento de que a mídia
trabalhou de forma investigativa – revelando irregularidades que os órgãos estatais não
haviam identificado – e de forma a tornar público os trabalhos dos organismos do
sistema de integridade, o que foi determinante para constranger os atores responsáveis
por esse controle público e para informar e (indiretamente) mobilizar os cidadãos contra
a corrupção.
Acima de tudo, vê-se que ocorreu uma intensa relação de provocação e resposta
nas duas pontas da accountability (social e institucional): revelações da mídia forçaram
respostas dos órgãos, que, por sua vez, ao gerarem respostas, produziram matéria-prima
216 para manchetes de jornal. Estas, por sua vez, pelo potencial impacto junto à opinião
pública, forçaram os políticos a agirem. Não é possível afirmar se Collor teria ou não
caído sem o trabalho da mídia. Entretanto, os dados revelam íntima relação de
complementariedade entre os trabalhos jornalísticos e estatais, expressando importante
resposta por parte do Estado frente a mídia, e protagonismo do jornalismo enquanto ator
da accountability social.
Caso “Mensalão”
O chamado escândalo do Mensalão foi como ficou conhecido o esquema de
pagamento mensal de propinas a parlamentares do Congresso Nacional em troca de
apoio ao governo federal do PT. A principal consequência foi a condenação criminal de
25 dos 38 réus acusados, incluindo altos dirigentes do PT no ano de 2012.
Assim como o caso Collor, este também foi catalisado por denúncias da mídia,
iniciadas pelo presidente do PTB – partido da coalizão do governo – Roberto Jefferson,
à época deputado federal. Da mesma forma que em outras crises políticas, como na do
caso Collor, a acusação inicial de compra de apoio político no Congresso desencadeou
uma onda de denúncias entre políticos. Como mostraram os gráficos 4 e 5, o caso
ensejou uma intensa cobertura jornalística acerca da corrupção. O gráfico 10 expressa
novamente uma relação próxima entre as respostas institucionais e as denúncias da
mídia. Mas, desta vez, as denúncias concentraram-se nos primeiros dois meses do caso,
forçando, ainda assim, respostas institucionais ao longo dos seis meses seguintes.
217 Gráfico 10. Mídia e Respostas institucionais no caso do Mensalão
20 350 18 300 16 14 250 12 200 10 8 150 6 100 4 50 2 0 0 Junho 2005 Julho 2005 Agosto 2005 Setembro 2005 Mídia Outubro Novembro Dezembro 2005 2005 2005 Ins2tuições Nohcias Mídia: novas denúncias veiculadas na mídia sobre o caso. Instituições: número de respostas
institucionais. Notícias: dinâmica das notícias sobre o mensalão no jornal Estado (proxy
páginas com “mensalão”).
Mais uma vez, a partir de denúncias externas, o Estado viu-se forçado a
movimentar sua máquina de controle e responsabilização. Além do Ministério Público,
que produziu a acusação (tornada Ação Penal 470), outros órgãos, como o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (COAF), ligado ao Banco Central, atuaram
incisivamente. Seria improvável que um órgão vinculado ao Poder Executivo
espontaneamente investigasse atores tão próximos à cúpula do partido governista. Neste
caso, então, a exposição do caso e a revelação de irregularidades por parte da mídia
forçou a ação destes órgãos, expressando que, quando os poderes figuram bem
equilibrados e há mídia independente e capacitada, o Estado pode, sim, agir de forma
responsiva e accountable.
Da mesma forma, seria improvável que deputados federais instaurassem uma
CPMI e pedissem a quebra dos sigilos bancário, postal e telefônico do ministro-chefe
da Casa Civil, do presidente da Câmara Federal, do presidente de um partido importante
(PTB) e de um líder do PT (José Dirceu, João Paulo Cunha, Roberto Jefferson e José
218 Genoíno, respectivamente). Não foi apenas a oposição que se mobilizou. Foram
também deputados da coalizão. Sem publicidade ou divulgação, mais uma vez, seria
improvável que espontaneamente agissem dessa forma.
Os dois casos apresentados certamente não representam a rotina do jornalismo.
São casos excepcionais, que redundaram nas maiores responsabilizações de políticos
por corrupção da História política brasileira. Por outro lado, revelam que a mídia
cumpriu papel catalisador de intensidade e celeridade na dinâmica de “checks and
balances” no interior do Estado.
Os casos sugerem também que a mídia tem especial importância no combate à
corrupção em casos que envolvam os altos escalões da política – mais até do que sobre
casos menores. Isso porque, pela própria proximidade entre os órgãos de accountability
horizontal e políticos governantes, é menos provável que o mesmo controle que recai
sobre os níveis médios da burocracia recaia sobre os altos escalões. Casos como o
“Mensalão”, envolvendo diretores do Banco do Brasil, o ministro-chefe da Casa Civil e
o líder do governo no Congresso Nacional, dificilmente seriam revelados por órgãos
como a Controladoria-Geral da União, os Tribunais de Contas ou mesmo a Polícia
Federal (vinculada ao Poder Executivo, através do Ministério da Justiça). A análise dos
casos expressa como a complementaridade entre mídia e as instituições de
accountability horizontal, quando garantida mínima independência jornalística,
requalifica o equilíbrio dos poderes, reforçando suas proteções anti-despóticas, e, por
extensão, melhorando a qualidade da democracia.
Conclusão
Este trabalho examinou o impacto da mídia em dois sentidos: para a informação
dos eleitores sobre as práticas de corrupção no Brasil contemporâneo e para o
desempenho das instituições encarregadas de monitorar, controlar e punir essas
distorções. A conclusão mais importante que os dados apontam se refere ao papel das
denúncias noticiadas por órgãos de imprensa como os jornais O Estado de São Paulo e
Folha de S. Paulo e o noticiário do Jornal Nacional da rede Globo.
A dinâmica das notícias sobre corrupção no período do Brasil democrático é
cíclico e determinado pelos grandes escândalos nacionais. Aparentemente, há uma
relação próxima entre essa maior ou menor exposição do tema nos meios, e a atenção
219 que a população dá ao problema. Entretanto, há que se ter cautela com a interpretação
de que essa relação pode ocasionar comportamentos antipolíticos por parte dos
cidadãos, como um distanciamento da política, ou desconfiança das instituições. Ao
contrário, esse papel de aumentar a preocupação com o tema por parte dos cidadãos
pode cumprir uma função positiva. Por um lado, pode fornecer mais informação que
auxilie os eleitores na accountability vertical. Por outro lado, também pode
potencialmente mobilizar as pessoas para pressionarem o sistema político a se
reformular e adotar mecanismos melhores de controle da corrupção. O exemplo
brasileiro de mobilização pela aprovação de uma lei que exige maior rigor em relação
ao passado criminal dos candidatos a cargos eletivos (a chamada lei da “ficha limpa”) é
um exemplo de que reações contra a corrupção podem ser ativas, e não apenas de uma
retração da vida pública.
Embora se trate de um trabalho exploratório, sem pretensões de estabelecer a
relação de causação entre mídia e corrupção, os dados são suficientemente eloquentes
para sugerir que a chamada accountability social ou societária, se não determina,
também induz fortemente os organismos do sistema de integridade a agir de modo mais
efetivo. Os gráficos apresentados anteriormente mostram que sempre que a mídia
noticiou os casos de corrupção ou denunciou práticas de malversação de fundos
públicos os mecanismos institucionais foram acionados e, em alguns casos, estimulados
a agirem de modo mais eficiente. A consequência disso é que, pela primeira vez na
história republicana brasileira, a corrupção começa a ser tratada como ameaça à
qualidade da democracia e, nesse sentido, como um fator capaz de qualificar a
percepção e a decisão de grande parte dos eleitores brasileiros quando eles têm de fazer
escolhas eleitorais.
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222 8. Sistema midiático brasileiro: multidão e expressão
de uma arena política
Marialva Barbosa
Introdução
No momento em que se vive no Brasil, como em diversas partes do mundo, a
explosão de manifestações populares e a mobilização de milhares de pessoas fazendo
uso, em várias dimensões, das conexões que a Internet e as redes sociais possibilitam,
há que referir, ao falar do sistema midiático brasileiro, a um conjunto de ações que estão
em desenvolvimento e que alguns autores chamam de “mídia da multidão” (Antou e
Malini, 2013). Essa nova forma de expressão midiática explode em megalópoles
imersas no “caos organizativo” caracterizado sob a forma de múltiplas violências em
nosso cotidiano, produzindo o que alguns denominam “guerra civil molecular”
(Enzenberger, 2001, citado por Paiva e Sodré, 2013: 45), que se espalha de maneira
aleatória pelas cidades do mundo. À violência do tráfego, à violência que depreda os
equipamentos urbanos, à violência dos gestos contemporâneos se adicionam índices
assustadores de criminalidade e os muitos problemas relacionados à mobilidade que
fazem parte da paisagem mais perversa dessas cidades.
Imóveis nos carros e ônibus presos em engarrafamentos intermináveis vive-se
paradoxalmente a possibilidade de, desde a última década do século XX e com mais
intensidade a partir do século XXI, suprimir os espaços e estar, ainda que virtualmente,
em muitos lugares ao mesmo tempo. O velho sonho de transposição do corpo
telematicamente que fez parte do imaginário durante séculos parece ser, pelo menos em
tese, possível de ser sonhado e ser vivido.
Diante desse cenário em construção observa-se em relação especificamente ao
sistema midiático brasileiro, nessa segunda década do século XXI, a convivência de
formas de expressão publicizadas via artefatos tradicionais da comunicação (os meios
massivos) e através de moléculas midiáticas que parecem ser cada vez mais o modo de
expressão da contemporaneidade, aonde cada um pode ser produtor de múltiplos
conteúdos a serem publicados nos suportes online. A emergência de um posicionamento
223 político mais ativo, advindo de um descontentamento generalizado redireciona o
conteúdo dessas publicações e faz explodir essas formas de expressão no ambiente
virtual, o que para alguns seria a “emergência de uma mídia da multidão” (Antoun e
Malini, 2013). A experiência mais emblemática, nos últimos meses, teria sido produzida
pela Mídia Ninja (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação), que “cobriu
colaborativamente as manifestações em todo o Brasil, ‘streamando’ e produzindo uma
experiência catártica de ‘estar na rua’, obtendo picos de 25 mil pessoas online” (Antoun
e Malini, 2013: 15).
Por outro lado, o desejo de expressar e se expressar constrói uma liga duradoura
entre os sujeitos que habitam esse mundo que denominamos contemporâneo. As ações
mais cotidianas se transformam em opiniões a serem partilhadas. Todos têm o que dizer
e querem publicizar o dito. A expansão da palavra pública parece ser a marca mais
visível do século.
Entretanto, no nosso entendimento, a multidão como mídia sempre existiu. Aliás,
a história dos processos comunicacionais em território brasileiro é a expressão mais
visível da desqualificação desse sujeito (multidão), sempre que tentava assumir a
expressão de suas opiniões. Tentar compreender o sistema midiático brasileiro em sua
historicidade é se referir, portanto, a dois processos que sempre estiveram em foco,
mesmo quando se tinha uma mídia da multidão apropriada como mídia de massas
(século XX) ou se procurava ampliar a cidade política através das discussões em torno
de um espaço público em formação (século XIX): a marca da multidão e a sua
apropriação pelos sistemas midiáticos com propósito de natureza política.
Nosso objetivo, portanto, é mostrar como a compreensão histórica do fenômeno
da multidão está diretamente relacionada à formação do sistema midiático brasileiro, em
três movimentos centrais: a multidão como portadora de ruídos, vozes e gritos
qualificados como brutais e bárbaros, no século XIX; o abrandamento das ações
pretensamente incivilizadas das multidões ao serem domadas pelo movimento de
constituição das mídias de massa, no século XX; e a resignificação da multidão, que na
sua virtualidade absoluta ganha nova dimensão política no século XXI, fazendo com
que se afirme que estamos diante de uma nova mídia, que tem na expressão multidão a
síntese de sua caracterização.
A voz da multidão que para alguns parece ser marca da contemporaneidade
sempre fez parte do cenário comunicacional brasileiro. Com as mídias de que
dispunham, em função das possibilidades tecnológicas, a multidão sempre ecoou seus
224 gritos e vozes pelas ruas, constituindo pelo barulho, pelos ruídos, pelos sons
ensurdecedores a marca de seu lugar no mundo de práticas de comunicação. E sempre
houve múltiplas tentativas de silenciá-la: ou difundido as opiniões de grupos isolados
como se fossem de todos; ou amalgamando-a como massa, já no século XX.
A voz do público nas ruas era percebida, no século XIX, como ruído proveniente
de atitudes incivilizadas. No século XX o caminho foi a sua apropriação, enquadrando-a
como massa, com clara intenção política. No século XXI, assiste-se a outro
redimensionamento da multidão, agora como portadora da possibilidade de ter
reconhecida sua voz, partilhando saberes e dizeres, através de novos suportes
tecnológicos. O compartilhamento das informações via Internet daria, então, outra
significação à multidão, que agora primeiro se deixa ver nas redes sociais para só então
ganhar as ruas. Essa conexão entre mundo virtual e manifestações das ruas resignificaria
as possibilidades de comunicação e permitiria, graças aos artefatos tecnológicos, que
cada um construísse imagens duradouras do tempo ultraveloz contemporâneo. Imersos
numa grande rede de protestos sociais, compartilha-se informações na Internet, pauta-se
a mídia tradicional e desmascaram-se as informações que as televisões e os jornais
insistem em apurar e divulgar. Numa sociedade que não reconhece mais as hierarquias,
saberes e dizeres individualizados seriam desqualificados em favor da voz das
multidões (Antoun e Malini, 2013). Um suporte midiático, as redes mundiais dos
computadores, amplificaria a voz da multidão. Mas o que de ruptura há nesses gestos
mais contemporâneos? A ação dos sistemas midiáticos não foi sempre a de se apropriar
das vozes das multidões? Será que estaríamos vendo surgir um mundo comum pela ação
expressiva da multidão que assumiria o seu lugar como construtora da palavra pública?
Essas são questões de fundo que perpassam esse texto que procura mostrar que a
história dos sistemas midiáticos no Brasil faz-se pela apropriação e pelos usos da
multidão como um ator, qualificado de múltiplas formas ao longo dos séculos.
Multidão “bárbara”
Muitos viajantes que passaram pelo Brasil, nos séculos XVIII e XIX, sempre
destacavam como marca mais característica das cidades o barulho ensurdecedor que
vinha das ruas. Para alguns, o Rio de Janeiro, por exemplo, era a cidade mais barulhenta
do mundo. Para outros, o espetáculo impuro dos escravos que em torno dos lugares
225 públicos gritavam e brigavam, cantavam e falavam tornava as cidades insubordinadas
também do ponto de vista do som.
«Os negros carregam todos os fardos na cabeça e enquanto estão assim ocupados
vão dando um gemido alto, monótono e compassado, que, quando estão muitos a
trabalhar juntos, se ouve bem longe e é até assustador para um estrangeiro. Esta
música tristonha combinada com o tagarelar incessante e a vociferação da
população, o barulho dos carros sobre o calçamento irregular, o horrível ranger
das rodas dos carros de boi, o latido dos cães, o toque dos sinos e as frequentes
descargas de fogos de artifício, tornam o Rio o lugar mais barulhento que
conheço. O alarido é mais desconcertante durante o dia do que nas mais
movimentadas e populosas partes de Londres (BUNBURY, Charles James Fox.
Narrativa de viagem de um naturalista inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais
(1833-1835).» In: Anais da Biblioteca Nacional, vol. 62, 1940. Grifos nossos)
Essas descrições de gritos impuros deixam ver modos de comunicação existentes
antes da eclosão da palavra impressa. A palavra oral sob a forma de gritos e protestos
era a expressão de uma multidão que fazia da voz e do corpo possibilidades de
comunicação.
As aglomerações e a presença ruidosa dos grupos se expressavam nas ruas
também para amplificar posições políticas. No período, pós-independência, sobretudo,
os quarteirões de comércio recebiam esses personagens que vociferavam opiniões. Nos
anos 1830, algumas dessas manifestações passam a ter conotação ligada nitidamente à
cidadania, à mudança de soberania, à interferência na vida pública fora da esfera de
controle das autoridades. Ou seja, começa a se esboçar uma dimensão vinculada à
modernidade política, em que as reuniões se fazem em nome da soberania popular ou
nacional e da cidadania (Morel, 2005: 161).
No caso das cidades mais importantes, essa agitação era particularmente marcante
nos quarteirões do comércio, aonde as práticas orais de comunicação se misturavam
com mais intensidade aos modos letrados. Era ali que as elites letradas, em pontos de
sociabilidade mais ou menos informais, como os locais de venda de jornais, as livrarias,
boticas e cafés reverberavam o que era lido nas dezenas de periódicos que apareciam.
Na rua, portanto, se materializavam redes de comunicação, deixando a mostra modos de
comunicação, tanto os que eram dominantes na antiga ordem, como os novos que
226 surgiam ao sabor das tecnologias que permitiam a proliferação da palavra impressa em
prensas importadas, as mais modernas de então, ou improvisadas.
«Viram-se então em vários lugares da cidade, especialmente nas ruas do corpo
do comercio alguns magotes de homens (quase todos da classe ínfima da
sociedade) armados de paus, chuços e facas, que ameaçavam tomar este fato
vingança nos europeus, e que segundo nos consta, feriram e espancaram com
efeito a algumas pessoas» (Aurora Fluminense, n. 478, 29/04/1831. Citado por
Morel, 2005: 160).
A rua ruidosa recebia, sobretudo após a Abdicação de D. Pedro I, a expressão
vociferante de outros gritos, tornando visíveis os múltiplos conflitos existentes na
sociedade. Essas “falas das ruas” se materializavam em vozes públicas em torno de três
circuitos principais: o comercial (em lojas e quarteirões); aqueles que eram decorrentes
das facções e lideranças políticas e as que se manifestavam nas vias, praças, vielas,
largos, originárias das camadas pobres urbanas (Morel, 2005: 160).
Ainda que os gritos e vozerios tenham sido desde sempre uma espécie de marca
das cidades desde que os adensamentos urbanos se constituíram, neste momento de
formação do espaço público, os gritos das ruas deixavam antever a revolta eminente,
decorrente da formação de uma opinião ruidosa em torno do momento político.
A chegada da impressão, em 1808, e a explosão da palavra impressa logo após o
abrandamento da censura, em 1821, e com ela a proliferação de jornais por diversas
cidades, não significou, portanto, o silenciamento da multidão. A formação do espaço
público brasileiro permite ver um mundo de misturas da comunicação, aonde
expressões da ordem impressa conviviam com manifestações de um mundo oral que
continuava se adensando também pelos gritos de revolta. As transformações e a
construção de uma esfera pública nacional, que se daria ao longo do século XIX, se, por
um lado, fizeram das ruas e logradouros espaços para aonde migraram as discussões
políticas, tendo na expansão da imprensa dimensão fundamental, por outro deixaram ver
a persistência de ordens comunicacionais de um mundo mais antigo.
Ainda que seja profundamente difícil captar essas vozes e esses gestos que
povoavam as ruas, construindo o que Arlette Farge (1992) chama “tramas do disseque-disse”, há que perscrutar os ecos que do passado trazem as expressões dessa
multidão.
227 «Dia 15 pela manhã, a cidade apresentou um espetáculo assustador; as lojas foram
fechadas, grupos de negros e de mulatos armados percorreram armados as ruas, tendo
os propósitos mais incendiários e cometendo desordens; os militares atiraram contra os
passantes; outros entraram nas lojas para roubar: muitas dessas lojas pertencentes aos
portugueses foram pilhadas e seus donos abatidos» (Correspondence Publique du Bresil
(CPB), vol. 1. Archives du Ministères dees Affaires Étrangères, AMAE, Paris. Despacho
de 20.7.1831, Citado por Morel, 2005: 231-32)137.
A descrição do Conde Gestas, logo após a Abdicação de D. Pedro I, além de
testemunhar a atmosfera de medo, em função dos conflitos que se generalizaram entre
brasileiros e portugueses, deixa antever as ruas, na qual a comunicação do
descontentamento se fazia mediante expressões gestuais e muitos gritos. Por outro lado,
o Conde que testemunhou a cena gravou-a na retina da memória como coisa visual e ao
transportá-la para o escrito recupera o que tinha visto como imagem duradoura: gestos
das lojas sendo fechadas, dos soldados em ação contra os grupos “de negros e mulatos”
que percorreriam a cidade armados. Grupos esses, já naquele momento, classificados
como portadores da desordem. As chamas dos incêndios, as pilhagens e as destruições
das lojas, materializariam, na opinião do Conde, a desordem. Mas podia significar tão
somente gestos do descontentamento.
A música com que os negros marcavam e distinguiam os muitos momentos do
cotidiano era a senha para a indicação de que mais um grupo expressaria o seu
descontentamento.
«Enquanto a força armada estava de prontidão em São Cristovão, vimos, em
plena luz do dia, nas ruas do Rio, um bando de negros, precedidos de uma música
bárbara, parar um instante diante de portugueses e lhes dar golpes de faca»
(Idem, Despacho de 31/12/1833, Citado por Morel, 2005: 232).
Se a fronteira entre os espaços privados e a rua é cindida, observam-se através
desses relatos que era ali que se manifestavam múltiplas ordens comunicacionais, aonde
modos antigos permaneciam como expressão privilegiada, ao lado de novas formas que
ganhavam corpo naquele momento. A música como expressão da voz e do corpo,
espécie de arauto da revolta, os corpos brandindo armas improvisadas, os gritos
acompanhando e expressando a raiva, são cenas de um mundo da comunicação que se
fazia pelos gestos e pela voz. As canções, como mostra Robert Darnton (2005), servem
137
No vigoroso e importante livro de Marco Morel (2005) tratando da formação do espaço público
durante o século XIX no Brasil, os despachos aparecem transcritos em francês. Optei por fazer uma
tradução livre do conteúdo para possibilitar melhor entendimento dos textos.
228 como artifícios mnemônicos: é meio poderoso de transmissão de mensagens, permitindo
a troca de informações, mas, sobretudo, a possibilidade de compartilhamento de um
repertório comum de melodias, fazendo com que se sentissem participante de um
mesmo e comum mundo.
Nessa sociedade tradicional e na cidade capital há também um mundo de misturas
na ordem histórica e política: as manifestações e os modos de pensar do Antigo Regime
se mesclam com as perspectivas de atuação e a concepção de uma modernidade política,
na qual se expressam liberalismos, expressões individuais e noções de soberania
nacional e popular e suas formas de representatividade. É o momento dos “primeiros
esboços de modernidade” no plano cultural e político e que precederam as
transformações urbanas que ocorreriam com intensidade, sobretudo, a partir do final do
século XIX (Morel, 2005).
A oposição Antigo/Moderno que se deixa antever nas formas como é explicitada a
lógica política da sociedade, numa época ainda marcada por práticas e valores de um
mundo antigo, num momento em que muitos se pretendiam modernos, também se
manifesta nos modos de se comunicar. O processo de comunicação se dava de distintas
maneiras e em muitos ambientes. Envolvia sempre discussão e construção de
sociabilidades, num movimento complexo de assimilação e reelaborarão de informações
em grupo, constituindo uma consciência coletiva ou opinião pública (Darton, 2005: 77).
O século XIX é marcado pelo que pode ser denominada explosão da palavra
pública, adotando como plataforma de divulgação e, sobretudo, de simbolização os
impressos: assim, há a proliferação dos jornais como rede de textos que deixava ver o
imenso território.
A Abdicação de D. Pedro I, em 1831, sua saída e o início do que ficou conhecido
como período das Regências, representou o enfraquecimento do poder centralizador
exercido por séculos, possibilitando a explosão da palavra pública de maneira intensa
(Morel, 2003: 24).
«Ao tempo em que os viajantes Spix e Martius visitaram o Brasil (1817-1820),
existiam apenas dois jornais em todo o Império; agora, só no Rio, são publicados
doze ou quatorze. Seu número, dizem-me, varia sempre: quase sempre toda a
semana algum novo órgão de partido, cheio de ódio, aparece, para morrer de
morte natural depois de uma existência de algumas semanas ou meses. A maior
parte contém mais injúrias pessoais e impropérios do que informação ou
discussões instrutivas sobre princípios políticos (...). Os melhores jornais
229 brasileiros são o Correio Oficial e o Jornal do Commercio (Bunbury, C. J. F..
Narrativa de viagem de um naturalista inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais
(1833-1835).» In: Anais da Biblioteca Nacional, vol. 62, 1940).
O viajante inglês ficara impressionado com a quantidade de periódicos, mas ele
também não conseguiu ver todas as publicações que de maneira relâmpago passaram a
aparecer. No ano que Charles Bunbury chegou ao Rio, 1833, pelo menos 72 periódicos
foram publicados, segundo a lista cronológica dos impressos guardados na Biblioteca
Nacional (Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 85, 1965). Olhando do século XXI em
direção ao século XIX há a sensação de que os letrados queriam participar diretamente
da novidade maior daqueles dias: a aventura da produção de um jornal.
A relação dos periódicos e as parcas informações que chegaram ao presente dão a
nítida sensação de que se estava experimentando uma nova forma de comunicar. Jornais
“políticos e literários”, “anônimos”, “curiosos”, “amigo da igualdade e da lei”,
“miscelânico”, “anedótico” (esses eram alguns dos seus subtítulos) experimentavam a
possibilidade de expressar juízos de valor num espaço público que era tomado pela
palavra impressa. Mesmo sem saber ao certo o que fazer e como fazer com ela,
publicavam-se jornais. A explosão da palavra pública ocorreria em diversas outras
regiões. Em Minas Gerais, por exemplo, entre 1825 e 1842, houve o surgimento de mais
de 60 periódicos (Silva, 2006: 41).
Impressionara também ao visitante inglês o teor dessas publicações que faziam
dos insultos, das calúnias e das infâmias temas para um debate em alto e bom som,
transportando práticas do mundo da comunicação face a face para os impressos. As
calúnias eram corriqueiras naquele mundo de sensações novas transmitidas pela palavra
impressa, causando “ruidosas repercussões”. A impressão que se tem é que através das
possibilidades tecnológicas de comunicação e suas novidades – no caso a difusão dos
modos de produção dos impressos – tinha-se o desejo de controlar outras. Os jornais
funcionavam como lugares simbólicos de expressão do saber daqueles que, graças ao
conhecimento privado e íntimo, podiam expressar o que pensavam como sendo
extensivo a outros grupos. A multidão silenciada se contrapunha, agora, à multiplicação
de impressos que exprimiam opiniões de muitos grupos isolados. Momentaneamente a
multidão não podia expressar sua voz.
A rede de comunicação que se estabeleceu construindo uma esfera pública política
e escriturária se dava em múltiplas dimensões: pela troca de informações e serviços
230 entre os que dominavam as técnicas impressoras; pela repetição das temáticas editadas;
pela construção de periódicos com feição gráfica semelhante que funcionavam como se
fossem uma mesma e única materialidade; e pela construção de uma rede de redatores
que assumiam a tarefa de difundir ideias, se transformando em intérpretes autorizados
das opiniões e informações que circulavam.
Como uma rede comunicacional de múltiplas dimensões, esses periódicos
explicitavam em seu conteúdo o movimento político em que estavam imersos,
citando-se mutuamente, seja como aliados ou adversários, e “apresentando-se como
arautos da mesma liberdade” (Silva, 2006: 47). Havia a certeza de que poderiam
alcançar lugares distantes, transpondo espaços e barreiras territoriais, para difundir
opiniões de maneira extensiva. Havia a convicção de que os modos de comunicação – a
palavra e a escrita tornada impresso – atingiam fins profundamente diversos. A palavra
era identificada como efêmera e, ao vir acompanhada da eloquência dos gestos em
presença, levava a tomada de decisões impensadas. A escrita, ao contrário, podia não
apenas romper distâncias, mas ao produzir gestos leitores pessoais e solitários, segundo
a concepção da época, levando quase que naturalmente à reflexão, não era “perigosa”.
E, o mais importante, a palavra impressa perdurava.
Neste momento ocorre, portanto, um movimento de ampliação do público leitor e,
paradoxalmente, de silenciamento momentâneo da multidão. A quantidade de impressos
se acentuava a diversidade de debates políticos e a sua disseminação sob outra forma de
comunicação, calava a possibilidade expressiva da maioria da população. Pelos
periódicos eram confrontados projetos diversos de Brasil, “revelando concepções
distintas sobre o que deveria ser esta nação em gestação”. Mesmo que expressassem as
rivalidades das múltiplas facções, havia acima delas “um compromisso geral com essa
nação que, afinal, todos almejavam edificar” (Basile, 2006: 619-620). Mas essa
edificação ficava a cargo dos que tinham o poder de voz nessa sociedade. Construía-se o
Brasil como nação e nesse cenário a imprensa e os grupos que se investem como seus
“arautos” tiveram papeis definitivos.
Multidão massa
O final do século XIX e início do século XX se caracterizam do ponto de vista da
constituição de um sistema midiático no Brasil por dois aspectos principais: assiste-se,
231 em primeiro lugar, a ampliação exponencial do público, na esteira de estratégias
montadas, sobretudo, pelos jornais para atingir um público mais vasto; e há a explosão
de visualidades transformando as cidades em espaços de experiências em torno de
possibilidades técnicas que se antepunham ao olho humano criando uma espécie de
nova realidade.
O final do século XIX foi o momento de dessacralização da imagem que se
industrializou. A imagem a todo o vapor, como as máquinas que construíam a nova
ordem capitalista, permitia a edição de publicações destinadas a um público até então
não imaginado. Por outro lado, incluir essas novas tecnologias era ingressar numa
atmosfera de modernidade e transformação. A imagem complementava o texto,
tornando-se possibilidade decifradora das letras impressas que passam a ser vistas como
“coisa visual”. Há no espaço urbano a coexistência de múltiplas linguagens: a
linguagem do burburinho e das vozes que continuavam ecoando nas ruas; a linguagem
dos diários que reproduziam opiniões e informações; e a linguagem visual, que se
apresentava, ao mesmo tempo, como complementar ao texto e como algo que o
substituía. Desde meados do século XIX e com mais intensidade nas duas décadas que
separaram os anos 1800 da chegada dos 1900, diversos aparelhos técnicos mudaram a
percepção dos habitantes das maiores cidades e passaram a mediar ações
comunicacionais numa atmosfera em que a tecnologia não só fascinava, mas também
criava novas formas de ver o mundo e experimentar a vida.
Se inicialmente o sentido capturado e acionado foi o olhar para ser empregado em
modos de comunicação cada vez mais complexos, nas duas primeiras décadas do século
XX as sonoridades anunciavam mediações possíveis por outros aparelhos tecnológicos.
A oralidade migraria, pela força da tecnologia, para suportes que iriam permitir, a partir
daí, a expansão exponencial do som como possibilidade de dizer e fixar algo.
O final do século XIX assiste também no Brasil a proliferação de instrumentos
que transformaram modos de comunicação e participaram da criação gradual do público
e do espectador. Se inicialmente litografias, fotografias, cosmoramas, diagramas,
estereotipias e finalmente cinematógrafos iam construindo um público capaz de
observar o mundo enquanto se percebia dentro ou fora dele, outros aparatos
tecnológicos mudavam a forma de ver este mundo e se relacionar com ele. Telégrafos e
telefones transportavam a voz e a escrita, enquanto dispositivos visuais faziam
transportar imagens.
232 As maiores cidades se transformavam: sob o grito de uma República que se
iniciava era preciso também modernizar ruas, praças, avenidas, criando uma civilização
que negava o passado e queria fazer do futuro ponto de partida e de chegada. Do ponto
de vista das visualidades, as cidades mais importantes comercial e economicamente se
transformaram num “universo audiovisual” de máquinas, veículos de transporte,
vitrinas, cartazes de propaganda, luzes e ruídos, fios elétricos, tornando-se, elas
mesmas, espetáculos para a sensibilidade (Xavier, 1978: 26).
O século XX deixará ver em função de outras tecnologias colocadas à disposição,
um público que será, além de leitor, observador e ouvinte, quando o rádio assumir a
cena pública a partir dos anos 1920. Num segundo momento, já em meados do século
XX, esse observador se juntará ao escutador de terceira natureza (criando o espectador)
e um novo meio de comunicação entrará em cena: a televisão.
A marca da modernidade conservadora que fazia do progresso mola mestra da
transformação teria ecos duradouros na República. Foi a República que introduziu em
uníssono o discurso da modernidade. Foi no início da República que se viu as
transformações das cidades, adotando-se, sobretudo, na cidade-capital, isto é, o Rio de
Janeiro, os hábitos de um mundo mais veloz e que também pelos aparatos de
comunicação ingressava numa nova era. Transformação, definitivamente, atrelava-se à
lógica da aceleração.
E durante toda a Primeira República (1889-1930) observa-se o início da
implantação da moderna comunicação de massa no país. E nesse cenário tornava-se
fundamental apropriar-se da multidão transformando-a em público amorfo desses meios
que passaram, pelos usos, a serem artefatos do cotidiano de muitos. E a multidão
transformada em público se distancia do espaço comum e passa a ser figurada e
imaginada pelos meios de comunicação.
Para isso foi fundamental uma ação política: a construção da categoria massa e
que passa a ser visada pelo discurso político. Produto direto do pensamento conservador
brasileiro, do ponto de vista ideológico, e das mudanças políticas e econômicas que
transformaram a face visível do país durante o chamado Estado Novo (1930-1945) 138, a
emergência dos grupos populares identificados simplesmente como massa fez parte do
138
Estamos considerando como Estado Novo o período de 1930 a 1945 em que houve um conjunto de
mudanças que instauraria o que passaria à história como “Era Vargas”. Nesse longo período viveu-se, do
ponto de vista político e institucional, o Governo Provisório (1930-1934), o Governo Constitucional
(1934-1937) e o Período Ditatorial (1937-1945). Esses três momentos distintos representam o
desdobramento de um processo político que se inicia com a ascensão ao poder da coligação representada
pela Aliança Liberal.
233 projeto político conservador que dominou os ideais dos grupos dominantes desde os
anos 1920.
Durante o Estado Novo o termo aparecerá com todas as tintas e cores nos
discursos dos principais ideólogos do regime. Francisco Campos falará explicitamente
das massas a quem deveriam se dirigir as elites no poder, sobretudo, utilizando as novas
potencialidades comunicacionais das tecnologias em desenvolvimento, como o rádio139.
Portanto, a percepção do público como massa e a qualificação da multidão no Brasil
seguem movimentos históricos extremamente peculiares que não guardam similaridade
com os processos que ocorreram na Europa Ocidental.
A multidão, qualificada como irracional e bárbara e frequentemente identificada
às revoltas levadas a cabo nos séculos XVIII e XIX e o medo que causava a eminência
das multidões de escravos de se rebelarem contra o sistema servil, teria sido finalmente,
na concepção dos governantes, domada. As proibições contra ajuntamento e
aglomerações de negros nos espaços públicos, referidas durante todo o século XIX,
deixavam ver o medo das “cidades negras”, como o Rio de Janeiro, da possível ação
desses grupos. A multidão era temida e contra a sua formação não se media esforços. A
emergência da República, por outro lado, significou, em certa medida, o apagamento da
multidão, como já enfatizamos. Referências à maneira apática como a população
assistiu as ações da Proclamação da República, lembradas pelos contemporâneos ou por
estudiosos do século XX140, indicam um movimento de dissolução da multidão que se
esvaziava perante o discurso do individualismo. Assim, ainda hoje levamos sustos
quando diante de fotografias da época descobrimos a multidão que seguia cortejos de
personagens então populares, como foi o caso dos enterros dos escritores Machado de
Assis e João do Rio ou do diplomata Barão do Rio Branco que fizeram transbordar de
gente as ruas do Rio de Janeiro. A multidão esteve, de fato, presente em muitas cenas. A
multidão também continuou nas ruas se rebelando contra atos considerados autoritários:
a Revolta da Vacina, as muitas depredações dos bondes em praça pública como forma
de protestar contra aumentos (do qual a Revolta do Vintém foi apenas uma delas), as
manifestações generalizadas do movimento anarquista em 1918 revelam, aqui e ali, que
apesar dos esforços a multidão apenas na aparência estava adormecida.
139
Francisco Campos foi Ministro da Justiça durante o Estado Novo (1930-1945) e um dos principais
ideólogos do regime. Para compreensão de suas ideias a respeito da multidão como massa, cf. O Estado
Nacional. Sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.
140
Ver a este respeito CARVALHO, J. M. (1987).
234 Por razões de natureza política foi se tornando cada vez mais emergente
domesticar esta multidão transformando-a em massa. E será no interior do pensamento
conservador brasileiro que essa domesticação se dará. Diante da crise institucional,
política e social dos anos 1920, caberia, na concepção da época, aos homens de Estado e
de governo mudar radicalmente o cenário. A missão, dentro dessa visão ideológica,
seria daqueles que estivessem mais bem aparelhados para desempenhar funções tão
complexas na direção intelectual e educacional do restante da população. Na construção
institucional seriam as elites que deveriam assumir o papel de guiar os que precisavam
ser guiados, o povo, que passará a ser nomeado como massa (BARBOSA, 2007, p.
104).
Considerava-se, portanto, em essência os homens diferentes: havia aqueles a
quem caberia, como missão, a tarefa de educar e de fazer as leis a serem cumpridas e os
outros, que deveriam ser educados e obedecer. Introduz-se, em consequência, a
naturalização da diferença entre os grupos sociais e da ideia de hierarquia.
Por outro lado, na noção nascente de sociedade de massas havia a presunção de
que o individuo teria um comportamento social e moral marcado pela desorientação,
formando um todo anônimo e uniforme. Caberia ao governo, através dos aparelhos
burocráticos criados e com a ação dos intelectuais orgânicos dos grupos dirigentes,
desempenhar tarefas cada vez mais complexas inclusive a de dar orientação ao povo,
massa amorfa e indiferenciada. Apresenta-se também a necessidade de difundir
conhecimentos e noções elementares e para isso era fundamental não apenas os
intelectuais, mas os veículos de difusão, a imprensa num primeiro momento e o rádio, a
partir da década de 1930.
Essas ideias, em síntese, constituem o que se denomina pensamento conservador
brasileiro, inspirado no autoritarismo europeu e ganhando aqui nuanças particulares.
Enquanto na Europa a direção ideológica fundamentava-se na tentativa de os antigos
grupos sociais manterem suas posições diante da pressão dos trabalhadores e dos grupos
populares, no Brasil o avanço das ideologias autoritárias vinculava-se à emergência de
novos grupos sociais e forças políticas, dentro de um projeto mais amplo que almejava a
modernização da sociedade. Sendo assim, era fundamental a existência de um Estado
forte que tutelaria os grupos sociais e o sistema econômico (Barbosa, 2007: 105).
Com a emergência das novas forças políticas no Brasil dos anos 1930 – getulistas,
tenentistas, integralistas, comunistas e aliancistas – no contexto de modernização da
sociedade e de reorganização do aparelho estatal, tornava-se emergente a construção de
235 um Estado forte com funções tutelares sobre toda a sociedade (Barbosa, 2007: 108).
Esse Estado se definia com um Estado das massas, ou seja, formado por um grupo que
se autodefinia como elite e a quem caberia tutelar o restante da população identificado
como massa. Um grupo amorfo, sem rosto e sem voz e que passará a ser designado, nas
décadas que se seguem, por um substantivo impessoal. Para essa tutela, será
fundamental a utilização de um meio que não distinguirá o rosto de seu público. A voz
que será audível a partir do rádio produzirá nos anos 1930/1940 um ouvinte igualado à
condição de público-massa. E quando a televisão irromper a cena, já nos anos 1950,
encontrará como auditório potencial a ser conquistado esse ator coletivo.
Domesticando a multidão: o público-audiência
A chave para a compreensão dos processos comunicacionais que se instauram
como sistema midiático brasileiro a partir de 1960 é a percepção de que os meios se
dirigem cada vez mais a uma multiplicidade de rostos, vistos como público
indiferenciado, qualificado e percebido como povo, massa, multidão. Há uma busca
pela expansão do auditório aonde múltiplos meios se movem e a presunção de que a
eficácia da comunicação se faria pela aproximação de um leitor/espectador/ouvinte sem
um rosto real, mas que assumia o seu lugar de público-audiência ao estar em contato
com as indústrias midiáticas que se consolidam.
Desde a década de 1920, o pensamento conservador brasileiro estendia suas teias
políticas a partir da adoção de ações comunicacionais para este público/massa
amorfa/gente comum que precisava ser guiada e direcionada já que era considerada,
antes de tudo, como alguém que necessitava de direção intelectual e educacional, como
vimos anteriormente. Cabiam às elites políticas e aos intelectuais a serviço desses
grupos inculcarem, via meios de comunicação privilegiados naquele instante, no caso a
imprensa e o rádio, aquilo que constituiria o pensamento dominante. Foi assim, a partir
da construção do conceito de público como massa que foi gestada a ideologia
estadonovista.
Nas duas décadas que se seguiram, há a exponencial popularização do rádio e a
proliferação de uma imprensa de massa que se moderniza e inclui em seus conteúdos o
que é reconhecido como sendo do gosto popular. Jornais, revistas e o rádio são
236 inicialmente os meios que estabelecem esse diálogo do público com o mundo, via
informação ou através de estratégias ficcionais.
A década de 1960 abre o calendário de um tempo em que o povo, a massa, a gente
comum se transforma no público almejado pelos velhos e pelos novos meios de
comunicação. Ainda que o rádio fosse, de fato, o meio por excelência dos grupos
populares, a televisão inicia um longo caminho no sentido de construir uma linguagem
que a aproximasse do seu público moldado paulatinamente nas décadas que se seguiram
(BARBOSA, 2013).
Alexandre Bergamo (2010) identifica o período inicial da televisão brasileira
como o momento em que o público é caracterizado como sendo a família, mas a partir
do início na década de 1960 a TV passa a ser dirigida a um “público” e a um “povo”
cuja imagem é essencialmente moral. A ficção produzida pela dramaturgia da televisão
se afastará do teatro consagrado e se aproximará de duas categorias essenciais que
definirão o modo de fazer TV: “povo” e “realidade” (Bergamo, 2010: 61-71). Na
mesma década, o público da televisão definitivamente se transformará em índices de
audiência, num momento em que o valor comercial do meio começa a ser
inquestionável. E público passa a ser número aferido por índices determinados a partir
da quantidade dos que estão frente aos aparelhos de TV.
Se inicialmente era preciso veicular discursos que unissem os valores dos grupos
dominantes com os da classe média em franca expansão, posteriormente seria preciso
incluir a massa amorfa, sem voz e sem rosto, que, diante dos meios, via a vida política e
cotidiana se desenrolar em capítulos nem sempre compreensíveis.
A revolução popular antevista no período pré-1964 causou pânico e medo e uniu
as forças conservadoras do país em torno de um discurso comum, veiculado pelos meios
de comunicação: opunha-se deliberadamente democracia e comunismo. O temor se
apoderava dos grupos dominantes frente à expressão de vozes populares que passavam a
ser ouvidas. Era preciso alargar o auditório da propaganda anticomunista e, mais uma
vez, os meios de comunicação foram fundamentais.
A gente modesta se emocionava ouvindo as novelas radiofônicas e ainda não
dominava completamente os códigos capazes de entender as imagens que saíam do tubo
iluminado. Mas ao final da década, quando o homem conquistasse a lua, na primeira
cerimônia da televisão brasileira, muitos assistiriam aquele feito. Ainda duvidavam das
imagens, mas já se colocavam perfilados diante da televisão.
237 Pelo menos três décadas de popularidade do rádio, já fazia dele lugar de
construção de um ambiente cultural comum para todos os que eram ouvintes. Havia um
tipo de vida composto de atos cotidianos e que respondia a situações comuns que eram
construídas por esse auditório que, assim, se transformava em público. Agora um novo
meio, a televisão, passava a tecer os hábitos desses ouvintes que serão gradualmente
transformados em telespectadores.
Há que se ter em conta também que cada época histórica está encharcada de
modos de ver: há regimes de visualidade próprios, da mesma forma que a imagem foi
percebida ao longo da história de maneiras específicas. Nesse sentido, a televisão é um
meio que exacerba o mundo visual, em função de múltiplos processos, no qual a eclosão
de aparelhos tecnológicos, que se antepõem ao olho humano, constrói uma espécie de
réplica do visível.
Trata-se de um meio de comunicação concebido como parte de um crescimento
permanente (de audiência, de expansão territorial, de difusão das fronteiras do nacional,
de consumo, de quantidade de horas de transmissão, de oferta de canais, etc.). Essas
características exigiram que fizesse do novo e do imediato seu valor mais expressivo e a
consolidação do discurso televisivo implicou na materialização de esquemas facilmente
reconhecíveis para as suas audiências e que geraram hábitos de recepção. A televisão
constrói modos de ver repetitivos e esquemáticos. Entretanto, essa repetição e a
continuidade da vida cotidiana na tela de TV não são compatíveis com a ideia de
novidade, também fundamental na construção da sua narrativa. Daí a necessidade
permanente de acontecimentos extraordinários que se constituem num dos aspectos
mais apreciados de sua formulação discursiva. O novo, o imediato colocado em cena,
graças à técnica do ao vivo, junto com as imagens extraordinárias do mundo construiu a
marca narrativa, pelo menos do ponto de vista do discurso informacional, da televisão
(Varela, 2007: 21).
O “século das massas”, no qual a imagem ocupa lugar central, significou a
proliferação do visível e a sua inscrição em outros registros de visibilidade (Arfuch e
Devale, 2009) e a televisão constitui-se num lugar relevante para mostrar como esse
substantivo fluido e indefinido (povo, massa, multidão) aparece ali representado
(Tratner, 2008). Portanto, podemos dizer que há uma história política que se representa
nas imagens de massa que os meios de comunicação, em função das possibilidades
tecnológicas de cada época, colocaram em cena. O imaginário sobre as massas no
século XX se conforma na dependência da configuração e circulação dessas imagens.
238 Desde o final do século XIX a multidão esteve presente com recorrência nos
meios visuais modernos (fotografia, cinema, etc.), estando sua emergência relacionada à
sua visibilidade nas grandes cidades (MOSCOVICI, 1985; ORTIZ, 1996) e ao próprio
conceito de massa. O público-massa torna-se ator central. A televisão deve ser vista
como o meio de comunicação, inclusive do ponto de vista narrativo, destinado a este
público massa. É aonde essa multidão foi apresentada como síntese da imagem do
século XX.
Século XXI: mídia da multidão?
Os trinta anos finais do século XX, que antecederam à entrada no Terceiro
Milênio, foram marcados por outras transformações nos modos de comunicar. A
comunicação analógica cedeu lugar ao mundo digital e com ele formas e formatos até
então impensados passaram a fazer parte do cotidiano. Além disso, a passagem do
mundo analógico ao mundo digital transformou radicalmente as noções de tempo e de
espaço.
Para que este mundo se transformasse numa velocidade estonteante uma série de
acontecimentos históricos, sobretudo a partir dos anos 1980, foi fundamental: a
transformação da configuração política do mundo pós-queda do muro de Berlim; o
reordenamento das forças políticas quando não mais se dividia o mundo em dois blocos
liderados pelo socialismo ou pelo capitalismo; a eclosão de tecnologias de comunicação
que construíram novas ordens mundiais para a informação; a transformação da
economia global do planeta, a partir das mudanças no sistema financeiro mundial,
criando uma nova fase do capitalismo, caracterizada pela imaterialidade da produção e
pela construção de grandes sistemas econômicos em termos planetários.
A virada do século, como bem remarca Muniz Sodré (2011), representa “a
passagem da comunicação de massa ao mundo das tecnologias chamadas por muitos de
pós-midiáticas”, isto é, as possibilidades trazidas pelo avanço das telecomunicações, no
que diz respeito à interatividade e à multiplicação de possibilidades midiáticas (p. 11).
Preferindo qualificar essas transformações de “mutação tecnológica”, ao invés de
afirmar a existência de uma revolução, para Sodré o fim do século XX e o início do
século XXI não representa uma ruptura tão extraordinária que possa ser classificada
como revolução. Todas essas transformações são “maturações tecnológicas do avanço
239 científico”, uma vez que a telefonia, a televisão, a computação já existiam
anteriormente, havendo tão somente no milênio que se inicia “hibridização e
rotinização” desses recursos técnicos. “Hibridizam-se igualmente as velhas formações
discursivas (texto, som, imagem), dando margem ao aparecimento do hipertexto ou
hipermídia” (Sodré, 2011: 12-13).
A partir das últimas décadas do século XX, cada vez mais se passou a definir o
momento em que se vivia como sendo o de uma “sociedade da informação”, “sociedade
da comunicação” ou “sociedade em rede”. Quebrava-se a tradicional noção de
espacialidade, removendo-se fronteiras, já que havia a possibilidade real de, via aparatos
tecnológicos, se conectar a espaços localizados há milhares de quilômetros de distância.
Como remarca Muniz Sodré o novo, neste momento, é a possibilidade de estocar
grandes volumes de dados e de transmiti-los rapidamente, acelerando o que se tornara
possível, desde o século XIX, com o telégrafo e com os transportes movidos a máquinas
a vapor que a Revolução Industrial possibilitou: ou seja, a mobilidade de coisas e
pessoas. As transformações tecnológicas do final do século XX “centra-se na virtual
anulação do espaço pelo tempo, gerando novos canais de distribuição de bens e a ilusão
da ubiquidade humana” (Sodré, 2011: 13-14).
A sensação de viver uma temporalidade permanentemente marcada pelo instante
se transforma em mediador fundamental das relações das novas gerações. Isso faz com
que transitoriedade seja a prática das suas relações sociais, intermediadas por aparatos
técnicos que primam pela possibilidade de produzir a sensação da simultaneidade
temporal. Nesse sentido, o aparato tecnológico torna-se prótese pela ação daquele que
dele faz uso, criando um novo tempo marcado pela possibilidade do eterno presente.
Essa nova experiência do tempo talvez seja a marca mais contundente das mudanças
dos processos e das práticas da comunicação nos últimos vinte anos.
Esse cenário, entretanto, não significou a quebra na supremacia econômica e
política das grandes empresas de mídia, no caso brasileiro. Ao contrário: houve uma
compressão dessas indústrias midiáticas mais tradicionais fazendo com que um grande
grupo de mídia – as Organizações Globo – passasse a ter a liderança inconteste em todo
o território nacional. Os jornais diários, por outro lado, atravessaram (e atravessam) um
processo gigantesco de concentração, com o término de numerosos títulos, o que leva o
Rio de Janeiro, por exemplo, ao monopólio de um único jornal de referência, O Globo:
não por acaso, o jornal pertencente às Empresas Globo. Observa-se, também, uma crise
generalizada no jornalismo, diante de um tempo em que não há o reconhecimento da
240 opinião dos especialistas e em que prolifera o ato de opinar. Nesse cenário, de
desqualificação cotidiana do discurso dos jornais e diante de um tempo ultraveloz que
faz da informação coisa ultrapassada no minuto seguinte, não se sabe, ao certo, qual o
caminho que deve ser seguido pelos impressos. Alguns falam que o jornal impresso vai
acabar. Outros até marcam uma data provável para o evento. Entretanto, quem se
acostumou a olhar historicamente o mundo, sabe que a emergência de novas mídias
jamais significou o término de antigos meios. Há reconfiguração, convergências,
adaptações ou permanências de restos do passado como resíduos atualizados
permanentemente.
Apesar desse momento de múltiplas rupturas, há ainda o domínio das visões de
mundo da televisão. No início da atual década (2010), 95% dos domicílios brasileiros
tinham televisão. O rádio com 81,40% assumia a terceira colocação, sendo ultrapassado
pela posse de telefones fixos e celulares (87,90%). Por outro lado, em 2010, cabia
também à televisão a supremacia absoluta em termos de faturamento com investimentos
em publicidade, com uma cifra superior a 16 bilhões de reais. Na segunda colocação
vinha o rádio, com pouco mais de 3 bilhões, seguido das revistas (1,967 bilhão). A
Internet, nesse cenário, já ocupava a quarta posição com 1, 216 bilhão de faturamento
(PNAD/IBGE, 2010).
Em 2010, havia no Brasil 652 jornais diários, que se distribuíam majoritariamente
na Região Sudeste (59,44%), tendo a supremacia numérica São Paulo, seguido de Minas
Gerais. Segundos dados do IVC, os jornais (incluindo diários, semanários e de outras
periodicidades) tinham uma circulação mensal de 8 milhões de exemplares. Apesar do
número aparentemente expressivo, registrou-se queda na venda avulsa se compararmos
os anos de 2009 e 2010. Também as assinaturas vinham sofrendo queda acentuada
desde 2003, quando eram da ordem de 60,9%, sendo de apenas 49,5%, em 2010
(Kieling, 2012).
Observa-se, portanto, que em paralelo às possibilidades criadas pelo ambiente
digital (como, por exemplo, a popularização dos smartphones, como tecnologia
dominante no sistema de aparelhos celulares, o que permitiu a divulgação de imagens e
a publicização dos fatos do cotidiano pelos que antes faziam parte da categoria público),
há a sobrevivência e, mais do que isso, ações dos grandes sistemas de mídia para manter
a sua hegemonia, reconfigurando seus produtos, criando outros tantos, mudando suas
linguagens, permitindo, inclusive, a apropriação dos novos gestos culturais do público.
Mais do que movimentos de acomodação nesse cenário de ebulição digital, observa-se a
241 ação continuada dos grandes grupos de mídia para fazer do meio digital lugar
privilegiado de sua supremacia frente ao seu público antigo, ao mesmo tempo em que
criam atrativos para fisgar parcelas ainda arredias. Se a tendência é, por exemplo, ver
televisão nesses novos suportes (ipad, tablets, iphone, etc.) oferece-se essas
possibilidades ao público. Diante da perturbação da sua supremacia econômica, não há
dúvidas de que esses sistemas midiáticos tradicionais farão ações continuadas,
planejadas, reorganizando-se para continuar detendo a hegemonia desse sistema.
Mesmo que para isso tenham que usar estratégias que parecem dúbias e descontroladas,
num primeiro momento: enquadrar no seu tradicional discurso conservador as
manifestações
continuadas
de
revolta
da
população,
qualificando
atos
de
descontentamento como ações irracionais; amalgamar os que se expressam diante de um
cenário de revolta quotidiana como sendo “bárbaros”, “vândalos”, portadores de atos
irracionais.
Ao não se ver representado por esse discurso e por ter a disposição, via aparatos
tecnológicos, a possibilidade de difundir imagens, informações, opiniões, cria-se canais
de divulgação em paralelo, que podem ser multiplicados ao infinito: desde a expressão
mais individual nas redes sociais até informações sistematizadas em mídias de
divulgação online. Mas esse movimento contra-hegemônico sempre esteve presente na
história do sistema midiático brasileiro: se os impressos do século XIX, por exemplo,
exprimiam a visão dominante de políticos desacreditados naquele momento, era preciso
fazer circular jornais manuscritos que criticavam, ironizavam, faziam oposição aos
grupos detentores da palavra impressa. Nesse sentido, os jornais manuscritos eram
midialivristas, da mesma forma que se organizavam pelo desejo de possuir o domínio
sobre a tecnologia comunicacional de ponta naquele momento: a palavra impressa.
O que mudou foi a extensão do que é comunicado. Se a circulação em função das
possibilidades tecnológicas no mundo analógico era restrita, dispendiosa, pouco
acessível, agora todos podem, em tese, se transformarem em produtores capazes de
tornar visível em grande escala o que é dado a ver.
Mas os índices avassaladores de desigualdade social que ainda existem no Brasil
dão outro rumo a essa discussão. Os grupos econômicos classificados entre os de menor
poder aquisitivo no país, hoje, por exemplo, detém apenas 3,9% de aparelhos celulares
do tipo smartphones. Enquanto 39,2% das classes A e B podem acessar a Internet de
seus smartphones ou tablets, apenas 7,3% das classes D e E podem fazê-lo (IBOPE
Media/Target Group mai-jun. 2011). Ao qualificar a possibilidade de divulgar via
242 permissividades tecnológicas o que está ao alcance do olhar (e das câmaras de vídeo e
de fotografias dos celulares) como a mídia da multidão, oferece-se essa ação como
possibilidade. O que ocorre efetivamente no Brasil permite dizer categoricamente que a
mídia da multidão continua longe da multidão.
Considerações Finais
O sistema midiático brasileiro se constitui, hoje, como sendo marcado por um
ambiente em que alguns autores denominam de convergência das mídias, no qual se
observa a existência de três dinâmicas: a da indústria cultural, com sua distribuição em
escala e massiva e seus sistemas de produção analógicos; a das chamadas “indústrias
criativas”, que as mídias digitais ajudaram a introduzir na sociedade; e a das indústrias
de conteúdos digitais nas quais produtores e receptores incorporam novos papéis aos
que existiam anteriormente. O usuário se transforma em produtor usuário, se
constituindo em agente comunicacional que também atua social e culturalmente nesses
ambientes (Kieling, 2012: 87).
Os números apresentados anteriormente que mostram o crescimento dos aparelhos
celulares (dotados de câmaras fotográficas e de vídeo, entre outras possibilidades
interativas), ainda que não atenda, sobretudo, aos mais pobres, permite refletir sobre a
ação do público munido de suas próteses comunicacionais móveis: fixando ações as
mais cotidianas, criando uma tela através da qual passam a ver o mundo, transformam
esses aparelhos em memórias, capazes de fixar instantes, antes mesmo que esses
cheguem às suas retinas. Os cliques das câmaras dos celulares passam a registrar o show
que não é visto (a não ser através da foto já feita ou do filme já produzido). Os celulares
passam a ser memória móvel de um presente que é permanentemente agora mesmo.
Essas imagens podem ter dupla circulação. Se na maioria das vezes ficam
estocadas nas memórias das próteses móveis, podem também vir a serem emblemas das
verdades que as imagens possuiriam nelas mesmas. Desmascarando flagrantes da
polícia, mostrando ações repressivas, revelando a forma como são tratados os
manifestantes, que tomam conta das ruas nestes 2013, elas passam a ser registro de um
momento que não é mostrado pela chamada grande mídia. E essas imagens –
consideradas a verdade do que foi visto e não foi mostrado, por exemplo, pela televisão
243 – circulam em canais de divulgação via Internet através da ação jornalística dos
chamados midialivristas.
Cada um pode ser o revelador do acontecimento midiático emblemático. Cada
um, munido de seus celulares, pode desvendar o instante não revelado e desmascarar,
informar, opinar, tudo ao mesmo tempo. Há a emergência de novas formas de
divulgação possível pelo indivíduo-multidão para a multidão. Daí a qualificação dessa
nova mídia como mídia da multidão.
Se a multidão pode assim amplificar seus gritos – tal como já fazia no século XIX
munida do aparelho tecnológico da fala – por outro lado a velha mídia de massa
apresenta cenas da depredação do espaço urbano, do confronto dos jovens com a
polícia, e mais uma vez amalgama a multidão sob o nome de barbárie. São vândalos,
mascarados, aqueles que não têm coragem de mostrar os rostos, que promovem sempre
a baderna no espaço público. Mas as cenas que mostram em nada se parecem com as
imagens da multidão que foram construídas durante o século XX. Agora sob o nome de
multidão figuram jovens que aqui e ali em grupo agem no espaço urbano para protestar,
quebrando e gritando, ecoando sons incompreensíveis e bradando paus e pedras como
armas da revolta.
Se não fossem os celulares que carregam nas mãos, se não fossem as imagens que
divulgam pelos canais da Internet, se não fossem pelas vestimentas que usam, talvez
achássemos que estaríamos no século XVIII, quando os gritos dos escravos nos espaços
urbanos indicavam o medo de uma multidão também composta por sujeitos esparsos.
Mais de um século se passou de uma imagem a outra, mas o medo histórico dos grupos
populares continua assombrando os que têm o poder de voz na sociedade.
Se no início do século XIX foram cartas de um conde perdido nos trópicos que
fixaram o medo da multidão, agora são as câmeras dos celulares que indicam a
existência da mesma multidão. Numa desqualificação que atravessa os séculos, mais
uma vez a multidão é a turba ignara, baderneira e próxima da barbárie.
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246 9. Sistema dos Media em Moçambique: uma breve análise
do mercado da imprensa, radiodifusão pública
e da profissionalização do jornalismo
Ernesto Nhanale
Introdução
Muitos estudos sobre os sistemas dos media em vários países têm prestado
atenção particular ao trabalho desenvolvido por Hallin e Manchini (2010). A
importância deste estudo não reside, simplesmente, no facto de os seus autores
oferecerem e inspirarem um conjunto de investigações comparativas sobre os sistemas
dos media, nos diversos países do mundo, mas também por desenharem três modelos a
partir da aplicação de um conjunto de dimensões que podem ser replicadas, em diversos
contextos, e ajudar a compreender algumas variáveis importantes dos media.
Hallin e Manchini (2010: 35) propõem quatro dimensões fundamentais para a
análise dos sistemas dos media, a saber: i) o nível de desenvolvimento do mercado dos
media, em particular para a imprensa de circulação de massas, ii) o paralelismo politico,
isto é, até que ponto o sistema dos media reflecte as principais divisões políticas da
sociedade em que pertence iii) o desenvolvimento do profissionalismo de jornalismo, e
iv) o grau e a natureza da intervenção do estado no sistema dos media.
Embora não esteja direccionado para uma análise comparativa dos indicadores
propostos por Hallin e Manchini (2010), como tem sido feito em diversos estudos, este
artigo adopta alguns dos indicadores como ponto de partida para sistematizar e orientar
alguns argumentos sobre o contexto e o cenário dos media em Moçambique. Por este
motivo, o texto não faz nenhuma discussão aprofundada sobre as dimensões de análise,
mas apresenta, em momentos relevantes, a definição de alguns conceitos.
Numa primeira parte, o texto explora a dimensão do mercado da imprensa,
destacando as questões ligadas à circulação e à sustentabilidade. Na segunda parte, o
texto procura reflectir sobre a situação da radiodifusão pública, trazendo alguns dados
247 que ilustram a sua relação com o governo, muito caracterizada pelo controlo. Na
terceira parte, o autor procura analisar a dimensão do profissionalismo dos media,
ilustrando como é que os jornais procuram cumprir com a sua responsabilidade social,
procurando mostrar até que ponto as práticas profissionais têm influenciado o
paralelismo político, embora esta dimensão não seja muito explorada na pesquisa.
O trabalho foi realizado através de pesquisa documental sobre os media em
Moçambique. Foram realizadas várias entrevistas com jornalistas e editores dos
principais órgãos de comunicação social, para além de o autor ter recolhido um conjunto
de materiais, nomeadamente em conferências e debates realizados sobre os media e
jornalismo no país.
É preciso sublinhar as dificuldades que a pesquisa sobre os media enfrenta em
Moçambique, as quais se prendem com falta de bases de dados sistematizadas e
actualizadas sobre as tiragens, mercado publicitário e distribuição, isto devido à falta de
agências de estudos especializadas na área da comunicação social. Esta situação é,
ainda, agravada pelas dificuldades que as próprias empresas jornalísticas têm de
fornecer dados sobre a sua actividade.
Embora não tenham sido analisadas todas as dimensões propostas por Hallin e
Manchini e apesar do texto não ter sido produzido com o intuito de efetuar alguma
análise comparativa, o autor procura realizar uma aproximação do sistema dos media
em Moçambique, aos três principais modelos141.
141
Resumidamente, o estudo de Hallin e Mancini (2010), permitiu traçar três modelos importante dos
sistema dos media e política. O modelo pluralista polarizado, característico dos países do sul da europa
Grécia, Itália, Portugal e Espanha, por isso o nome do modelo mediterrâneo, apresenta como principais
elementos do seu sistema de mídia jornais com baixa circulação e orientados predominantemente para a
elite política e a centralidade da rádio e televisão. A liberdade de imprensa e o desenvolvimento da mídia
comercial são relativamente tardios e recentes, e os jornais frequentemente são frágeis do ponto de vista
económico, dependentes do governo, através da publicidade do governo. Este sistema é também
caracterizado pelo alto paralelismo político, com a predominância de um jornalismo opinativo orientado
para a defesa de interesses ideológicos, políticos e económicos. O modelo corporativista-democrático,
característico dos países como Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Alemanha e Suíça, possui como
elementos característicos um desenvolvimento precoce da indústria jornalística e da liberdade de
imprensa, uma alta circulação dos jornais e uma imprensa fortemente ligada a grupos sociais organizados.
Historicamente, o jornalismo apresenta um alto grau de paralelismo político, mesmo com um jornalismo
de opinião, tem uma crescente a ênfase no jornalismo de informação. O profissionalismo no campo
jornalístico é elevado e a mídia é vista pelos cidadãos como uma instituição social importante que o
Estado deve proteger garantindo a liberdade de imprensa. O modelo liberal, característico dos Estados
Unidos, Canadá e Inglaterra, possui um desenvolvimento precoce de uma imprensa comercial e de massa
num ambiente marcado desde cedo pela liberdade de imprensa e pelo individualismo. Possui baixos
níveis de paralelismo político, aliados a um elevado grau de profissionalização do campo jornalístico. Nos
Estados Unidos predomina largamente o jornalismo orientado para a informação, mas na Inglaterra essa
orientação é marcada pelo predomínio histórico do jornalismo opinativo. A capacidade de regulação do
Estado (baseada, como no modelo corporativista europeu, em regras do tipo legal-racional) é mínima nos
248 O mercado da imprensa em Moçambique
A imprensa liberal, em Moçambique, nasce nos princípios da década de 1990, na
altura em que o País se abre ao sistema pluralista142. A primeira Constituição
multipartidária (1990) dava espaço, através do artigo 74, à liberdade de imprensa e ao
direito a informação. Foi com base nessas alterações que, em 1991, se introduz a
primeira lei de imprensa - Lei no. 18/91, de 10 de Agosto - que visa a liberalização e o
pluralismo de expressão nos meios de comunicação social.
Foi com estas transformações políticas e legais que surgiram novos órgãos de
informação com uma gestão independente do Estado, destacando-se a cooperativa de
jornalistas, a Mediacoop, que lança, em 1994, o jornal Savana. Estes novos jornais irão
juntar-se aos que já operavam no período monopartidário (como o Notícias e Domingo)
que passam a adoptar uma nova estrutura de propriedade, mais adiante discutida.
Segundos dados do GABINFO (Gabinete de Informação), entidade oficial de
registo de publicações, o País conta com cerca de 465 publicações, de carácter
generalista e especializadas, e outras pertencentes a instituições de carácter religioso,
político, empresarial e governamental143.
Devido à exiguidade de estudos, é difícil definir os principais jornais que praticam
um jornalismo profissional em Moçambique. Pode-se tomar, para o efeito, como base a
lista dos jornais analisados em alguns estudos de audiências realizados pela Intercampus
do Grupo GFK144. Segundo a pesquisa realizada em 2011, os dez jornais mais lidos em
Moçambique são os que estão representados no gráfico abaixo:
Estados Unidos, porém evidente na Inglaterra e no Canadá pelo menos no que concerne ao sistema
público de televisão que é insulado da esfera política (Azevedo, 2006: 90-91).
142
Depois da sua independência do sistema colonial português, Moçambique esteve sob o regime de
partido-único, dirigido pela FRELIMO, partido transformado do movimento que lutou e libertou o País.
Neste período, entra em vigor o sistema de controlo directo dos meios de comunicação social pelo Estado,
através do decreto presidencial de 21 de Setembro de 1975 que estabelecia que toda e qualquer
publicação só podia ser feira mediante a autorização do departamento do Trabalho Ideológico (DTI) do
Partido, através do Instituto Nacional de Livro e do Disco (INLD), incluindo publicações de cariz
religioso.
143
Estas dados foram recolhidos no GABINFO em Abril de 2013.
144
INTERCAMPUS. Anuário 2011 de Audiências Diárias de Televisão, Rádio e Jornal. MAPUTO: 2011.
Disponível em http://www.intercampus.co.mz/noticias5.htm, acessado aos 17 de Julho de 2013.
249 Fig 1 – Os dez Jornais mais lidos de Moçambique (Fonte: INTERCAMPUS)
Tendo em conta os dados disponibilizados pelo GABINFO (2013), a tiragem dos
principais jornais em Moçambique, conforme a lista acima apresentada, tem variado de
um mínimo de 5.000 exemplares a 30.000 mil exemplares. Conforme os dados
fornecidos pelos próprios jornais145, o semanário com maior tiragem é o Savana com
12.000 (doze mil) exemplares; dos diários, o Notícias com cerca de 15.000 (quinze mil)
exemplares.
A exemplo destes dois jornais (o Savana e Notícias), grande parte dos jornais
nacionais são distribuídos nos principais centros urbanos do país, com a cidade capital,
Maputo, a consumir mais de metade dos jornais distribuídos. Dos 12.000 exemplares
que produz, O jornal Savana, vende cerca de 8.000 exemplares na cidade de Maputo,
distribuindo para o resto do País, cerca de 4.000 exemplares, o correspondente a ¼ da
sua tiragem semanal.
Certamente que estes números podem ser vistos como insignificantes em um país
com cerca de 23 milhões de habitantes146. No entanto, ao olhar para os dados o OIF
(2008/9), pode-se notar que a cidade de Maputo, capital política e económica do País, é
a que possui menores índices de analfabetismo (10.9) em relação as restantes
145
Nas diversas entrevistas realizadas, somente alguns jornais aceitaram providenciais informações sobre
a tiragem, por exemplo, o Savana (12 mil exemplares); Magazine Independente (10 mil exemplares);
Zambeze (8 mil exemplares); O País (7 Sete mil exemplares).
146
Projecção da população moçambicana, em 2013, Segundo o Instituto Nacional de Estatística
(INE:2013), http://www.ine.gov.mz/pt/DataAnalysis.
250 províncias. Na província de Cabo Delgado, por exemplo, até 2008, 70,3% da população
não sabia ler nem escrever, justificando-se, por isso, a maior distribuição dos jornais em
Maputo.
Para além das questões ligadas ao analfabetismo, é preciso realçar o fraco poder
de compra, num país onde grande parte da população não é empregada e o salário
mínimo nacional, sobretudo na função pública147, não chega aos 100 dólares
americanos. Os preços dos jornais diários, em 2013, é de 15,00 (quinze) Meticais,
correspondente a meio dólar, e os semanários são, na maioria, vendidos ao preço de
30,00 (trinta meticais), o correspondente a um dólar americano. Assim, dir-se-ia que a
aposta na compra de um jornal diário por um cidadão que aufere o salário mínimo
nacional seria pouco provável, por representar o gasto de cerca de um terço dos seus
rendimentos mensais.
É preciso ainda notar, que grande parte dos jornais são vendidos a partir de
assinaturas institucionais, uma outra parte é feita a partir de vendas directas nos
quiosques e, por fim, nas ruas, através dos ardinas. Estes baixos níveis de tiragem
ilustram a sua dependência do mercado publicitário. Quase todos os gestores dos
principais meios de comunicação entrevistados afirmam que a principal fonte de
rendimentos das suas empresas é a publicidade, em alguns casos através da produção de
suplementos de notícias de actividades de instituições, sobretudo da sociedade civil.
Em relação às fontes de financiamento, é importante destacar dois pontos
fundamentais que têm sido levantados nos debates sobre a sustentabilidade dos media
em Moçambique. O facto de o Estado (através das diversas instituições públicas) ser o
maior anunciante e tender a privilegiar os jornais institucionalmente mais próximos do
controlo das estruturas governamentais, tal como os jornais Notícias e Domingo148. Por
outro lado, os jornais privados têm integrado nas suas estratégias comerciais a produção
147
O salário mínimo aprovado em 2013 para os trabalhadores da função pública, por exemplo, é de
2,699,00 meticais, ao câmbio actual, correspondente a cerca de 90 dólares americanos.
148
Depois da liberalização do mercado da imprensa, em 1991, os órgãos de comunicação criados no
contexto do partido único (o jornal Domingo e a Televisão de Moçambique) e os que passaram à tutela do
governo, logo depois da independência (o caso do jornal Notícias e a Rádio Moçambique), alguns
passaram ao estatuto de órgãos de informação públicos, o caso da Rádio Moçambique, Televisão de
Moçambique e a Agência de Informação de Moçambique. Os jornais Notícias e Domingo, pertencentes à
Sociedade Notícias, passam a jornais privados, embora numa situação muito discutida, uma vez que os
seus accionistas maioritários são instituições de carácter público, o Banco de Moçambique e a Empresa
Moçambicana de Seguros.
251 de suplementos, contendo relatórios de actividades (em muitos casos) desenvolvidos por
organizações da sociedade civil e algumas empresas privadas.
Um outro problema da imprensa, em Moçambique, está ligado aos elevados
custos da impressão que chegam a representar quase 70 por cento dos custos totais da
produção dos jornais (UNESCO: 2006). Esta questão tem afectado, sobretudo, a
sustentabilidade de grande parte dos jornais privados, que não mantém relação com as
instituições públicas, em termos da sua estrutura accionista.
A Radiofusão Pública
Moçambique possui duas empresas de radiodifusão pública, uma para os serviços
de Rádio, a Rádio Moçambique (RM) e a outra para os serviços de Televisão, a
Televisão de Moçambique (TVM)149. Sendo um país com a população maioritariamente
analfabeta e rural, a importância da rádio é evidente em Moçambique, sobretudo da
RM150 que é o meio com a maior cobertura no País. Em 2005, estimava-se que a RM
alcançasse cerca de 80% da população. Um estudo realizado sobre a formação do voto e
o comportamento eleitoral em Moçambique cita o meio Rádio como sendo uma das
principais fontes de informação eleitoral, chegando a RM a 91% dos eleitores (Brito, L.,
Pereira, J. C., Rosário, D e Manuel, S.,2005).
A TVM, em relação às outras televisões, continua a ser a que oferece a maior
abrangência de sinal aberto, sobretudo por estar presente nas principais capitais
provinciais e em algumas das principais cidades e vilas do país. A TVM tem tido, ainda,
o desafio de integrar na sua programação as línguas nacionais. A fraca cobertura da rede
eléctrica151 no país pode ser vista como um dos problemas que dificultam a expansão do
sinal e o uso dos receptores de televisão, em sinal aberto. Os dados apresentados em
2013 indicam que somente 14% da população moçambicana tem acesso à Televisão.
Grande parte desta população é residente nos principais centros urbanos do país.
Na Constituição, os parágrafos 4 e 5 do artigo 48, caracterizam como
independentes perante o governo, a administração e demais poderes políticos, bem
como os meios de comunicação públicos. No entanto, esta independência torna-se
149
Os últimos dados indicam que o sinal da Televisão é acessível para cerca de 14 por cento da população
nacional.
150
A RM e TVM são criadas meios de radiodifusão pública pelo decreto nº18 e nº19, de 16 de Junho de
1994.
151
Estima-se que, somente, cerca de 40 por cento da população em Moçambique tenha acesso à energia
eléctrica.
252 limitada pelo facto de as suas administrações serem reguladas de igual forma que outras
empresas públicas. Isto é, no processo da sua transformação em empresas estatais, o
estatuto do seu modelo de gestão teve equiparação às demais empresas públicas, através
da aplicação da Lei nº 17/91 de 3 de Agosto de 1991, na qual cabe ao Primeiro-Ministro
nomear e exonerar o presidente do Conselho de Administração das empresas públicas.
A nomeação dos Administradores das empresas públicas de radiodifusão tem sido
um dos mecanismos de dependência em relação ao poder político do momento.
Conforme ilustra o relatório da pesquisa da AFRIMAP, OSF-SA, OSIMP (2010: 84),
sobre a radiodifusão em Moçambique, “o efeito desta dependência sobre os operadores
de radiodifusão pública é tão imediato quanto inevitável, na medida em que o Conselho
de Administração não é apenas um órgão supervisor, mas também está envolvido na
gestão executiva”.
Esta situação deve-se ao facto de os membros de conselho de administração
desenvolverem funções executivas e de supervisão. Aliás, o presidente do conselho de
administração é quem preside à direcção executiva no que respeita às suas actividades
diárias, estrutura na qual se insere a Direcção Editorial (AFRIMAP, OSF-SA, OSIMP;
2010: 84). Esta estrutura tem sofrido fortes interferências dos governantes nos
conteúdos editoriais dos órgãos de informação pública, sobretudo em processos de
selecção de comentadores e de temas para determinados debates.
Estas questões têm afectado e contrariado a independência da radiodifusão pública
em Moçambique. Os orçamentos destes meios são feitos sob forma de
contrato-programa com o governo, retirando às administrações das empresas a sua
autonomia administrativa e financeira. Em simultâneo têm sido realizados debates sobre
o controlo e a independência dos meios de radiodifusão pública na Rádio Moçambique
(RM) e na Televisão de Moçambique, centrados sobretudo nas fragilidades das leis, na
regulação e nas relações com o governo.
A profissionalização dos Media em Moçambique
Um dos elementos mais discutidos na análise da profissionalização do jornalismo
é a ideia que a prática do jornalismo não depende de conhecimentos adquiridos, através
de uma formação especializada na área. Esta perspectiva observa-se na prática
profissional do jornalismo, em diversos países do mundo (Hallin e Mancini, 2010: 48).
253 No caso de Moçambique, onde a profissão não tem uma longa história, a formação de
jornalistas, sobretudo a nível superior, é muito pouco frequente, e talvez pouco
valorizada ainda no exercício da profissão.
Na verdade, a formação em jornalismo é algo que recente em Moçambique.
Embora a Escola de Jornalismo ofereça formação em cursos básicos de jornalismo,
desde a década de 1980, só na década de 1990 surgem cursos de nível médio. Deste
modo, o ensino de jornalismo nas universidades152 nacionais é muito recente, não sendo
a sua influência e importância para o desenvolvimento da profissão muito visível, dado
não estar regulada a entrada na profissão a partir de uma habilitação (formação)
específica.
O exercício da profissão do jornalismo encontra-se ainda muito pouco regulado
sobretudo na definição clara de quem pode exercer a actividade. Para esta situação
contribui a lei de imprensa que não é específica sobre a definição do jornalismo e encara
a actividade profissional numa perspectiva técnica:
“todo o profissional que se dedica à pesquisa, recolha, selecção, elaboração e
apresentação pública de acontecimentos sob a forma noticiosa, informativa ou
opinativa, através dos meios de comunicação social, e para quem esta actividade
constitua profissão principal, permanente e remunerada”, artigo 26 da Lei no.
18/91.
Embora tenha sido aprovado um código de conduta deontológico em 2012, ainda
permanecem nos órgãos de comunicação social nacionais, desafios para garantir a sua
aplicação e vinculação. Esta situação leva a uma fraca compreensão da responsabilidade
social dos jornalistas enquanto prestadores de um serviço público153. Muitas vezes, a
profissão tem vindo a ser confrontada com situações em que os seus profissionais são
influenciados por actores externos que determinam a publicação de conteúdos, levando
a situações de instrumentalização. Isto é, assiste-se ao controlo dos media por agentes
152
Embora não tenha um estudo aprofundado, mas pode se referir que o Instituto Superior Politécnico e
Universitário, hoje A Politécnica, a Universidade Católica em Nampula, foram umas das primeiras
Universidades a introduzirem cursos de licenciatura em Ciências da Comunicação. Em 2003, a
Universidade Eduardo Mondlane introduz o primeiro curso de licenciatura em Jornalismo, na Escola de
Comunicação e Artes. Hoje, assistimos a uma avalanche de Institutos, Escolas e Universidades a
leccionarem cursos na área das Ciências da Comunicação, cujas maiores opções vão para as áreas de
Relações Públicas, Publicidade e Marketing.
153
A noção da responsabilidade social dos media define os patamares que o jornalismo deveria seguir. A
responsabilidade social dos media baseia-se num conjunto de obrigações dos jornalistas com a sociedade,
sobretudo na ideia de que as notícias devem ser verdadeiras, leais, objectivas e relevantes; a necessidade
de liberdade e auto-regulação; a necessidade de os media seguirem códigos de ética e conduta profissional
e; em certas circunstâncias, a necessidade do governo poder intervir para salvaguardar o interesse público
(MacQuail, 2003: 150 – 152).
254 externos, nomeadamente por actores vinculados a interesses políticos ou económicos
(Hallin e Mancini, 2010: 51). Sobre esta questão, a discussão que permanece em
Moçambique é a existência de jornais que procura, nos seus conteúdos, traduzir visões
dos factos baseados em interesses do governo. Por outro lado, outro grupo de jornais,
sobretudo os privados, procuram veicular visões opostas ao governo. Um exemplo
recente que ilustra esta situação, ocorreu no início do ano 2013, durante uma greve dos
médicos. Neste acontecimento verificou-se um intenso uso dos meios de comunicação
social do sector público em acções de contra-informação, visando levar a opinião
pública nacional a considerar a greve dos médicos ilegal. Em simultâneo, alguns órgãos
de comunicação privados procuraram apresentar a visão dos médicos em greve e,
também, a opinião de outros actores da sociedade civil. Esta situação tornou-se mais
evidente quando os jornais O País e Canal de Moçambique, privados, publicaram um
conjunto de emails do director da Agência de Informação de Moçambique, enviados à
assessora do Primeiro Ministro. Nestas mensagens era evidente a sua colaboração na
produção de informações deliberadamente deturpadas, sobre a ilegalidade da greve dos
médicos, e posicionando-se a favor do governo154.
Estas questões mostram, não só a fragilidade do jornalismo enquanto profissão
independente, mas também a maneira como cada grupo de jornais procura reflectir
interesses diferenciados.
Ao longo da pesquisa, foram recolhidos diversos artigos publicados nos jornais
nacionais sobre a prática do jornalismo e a relação com o contexto político. Nota-se a
tendência que cada jornal tem em publicar os textos que procuram desvalorizar o
trabalho que é desenvolvido pelos outros jornais. Os jornais ligados ao partido do
governo procuram apresentar opiniões que realcem as fragilidades éticas dos jornais
privados155. Por seu turno, os jornais privados procuram denunciar contextos de
controlo e de opressão das liberdades de imprensa exercidas pelo governo, através do
uso dos órgãos públicos156. O domínio do poder político, sobretudo do partido Frelimo,
sobre os meios públicos (a Rádio Moçambique – RM, a Televisão de Moçambique –
154
No dia 14 de Fevereiro de 2013, o jornalistas, Lazaro Mabunda, do O País publica na sua página de
opinião emails trocados pelo Director da Agência de Informação de Moçambique com a assessora do
Primeiro Ministro, mostrando o seu trabalho de contra-informação na greve dos médicos em
Moçambique. In MABUNDA, Lazaro. “Os médicos e os “agitadores profissionais”. jornal O País, 14 de
Fevereiro
de
2013,
http://www.opais.co.mz/index.php/component/content/article/86-lazaromabunda/23742-os-medicos-e-os-agitadores-profissionais.html, acessado aos 15 de Abril de 2013.
155
Rafael Shikhani, Midia versus democracia, Subsídios para análise : A mídia e o cenário político.
jornal Noticias, quarta-feira, 11 de Setembro de 2013.
156
Media privados na mira da Frelimo. jornal Savana, 27 de Julho de 2013, páginas 2 a 3.
255 TVM e a Agência de Informação de Moçambique – AIM) e sobre os privados
historicamente vinculados ao Estado, como os jornais Notícias e Domingo, tem sido
uma outra questão que tem influenciado o profissionalismo. Este procedimento
observa-se, sobretudo, no desequilíbrio no tratamento de assuntos sobre os diversos
partidos e candidatos, gerando uma cobertura de informação tendenciosa nos períodos
eleitorais e uma grande limitação do acesso dos partidos da oposição aos meios de
comunicação públicos (Chichava e Pohlmann, 2010).
Por outro lado, os meios de comunicação privados, nascidos no contexto da
liberalização do mercado da imprensa e com tendência a cumprir uma função crítica em
relação ao governo, têm enfrentado diversos obstáculos nas suas actividades,
principalmente dificuldades em aceder às fontes de informação. Como se sabe,
Moçambique não possui uma lei que obrigue as entidades a publicarem ou a facilitarem
o acesso a fontes de informação.
A imprensa “independente” está associada ao cumprimento da função de
“guarda”, através das suas intervenções críticas ao governo da Frelimo157 e de denúncias
de actos de corrupção. Por esta razão, ela tem sido alvo de muitos processos judiciários
por difamação, movidos por representantes de diversas instâncias do poder político
nacional (Nhanale, 2011). É preciso salientar ainda que as fragilidades da regulação da
profissão têm tido consequências éticas. Por várias vezes, são reportadas situações de
trabalhos desenvolvidos pelos jornalistas sob forma de encomendas ou o recurso à
função de guardiões158 com vista a promoverem chantagens económicas e políticas.
Considerações finais
Conforme já foi dito, o objectivo principal deste trabalho foi fornecer uma visão
geral sobre o contexto dos media, em Moçambique, na sequência de contribuições para
o Projecto Corrupção Política nos Media: uma perspectiva comparada dirigido pelo
Centro de Investigação Media e Jornalismo. Estruturando o texto de acordo com os
157
A Frelimo é o partido no poder desde 1975, altura da independência de Moçambique. Desde a
introdução do multipartidarismo em 1990 e as primeiras eleições gerais em 1994, a Frelimo e os seus
candidatos às presidenciais têm ganho todos os pleitos eleitorais, apesar de todas as constatações que têm
sido levantadas pelo principal partido da oposição, a Renamo.
158
A documentação destes factos pode ser encontrada em diversas fontes. Pode ser visto o artigo
Denúncia secretário-geral do SNJ: Persistem atropelos à lei na comunicação social. jornal Notícias,
Segunda-feira, 15 de Abril de 2013, Maputo.
256 indicadores mercado de imprensa, radiodifusão pública e profissionalismo, apresentados
por Hallin e Mancini (2010). Os dados expostos ao longo do texto procuraram mostrar o
contexto e o papel da imprensa em Moçambique. Em primeiro
lugar, os dados
recolhidos mostram a fraca expressão da imprensa escrita, sobretudo dominada pelas
baixas tiragens, fraca distribuição e até fragilidades económicas das próprias empresas,
sobretudo as do sector privado. Do lado dos meios de radiodifusão pública, foi possível
ilustrar a situação do controlo pelo governo, devido às fragilidades da própria legislação
e às formas do seu financiamento que permitem intervenções do governo.
Nos meios de comunicação públicos são encontradas características similares às
definidas por Halin e Mancini no modelo do governo, onde há um maior controlo destes
meios de forma directa por parte do governo ou pela maioria política, através do
controlo das nomeações para o conselho de administração (2010: 22). No que diz
respeito ao profissionalismo, pode notar-se o fraco desenvolvimento do jornalismo
enquanto profissão, seja a nível dos códigos deontológicos e da carteira profissional
(que ainda não existe), bem como a permeabilidade do jornalismo a influências dos
diversos actores sociais, sobretudo dos políticos. Esta circunstância tem duas
consequências na responsabilidade social dos media em Moçambique. A primeira é a
forte instrumentalização dos órgãos públicos de comunicação social pelo poder político,
reduzindo o seu papel de guardiões e fiscalizadores dos poderes públicos. A segunda
refere-se aos meios de comunicação privados, que têm procurado cumprir a função de
guardiões, mas que por limitações e fragilidades de cariz material e profissional têm
violado os princípios éticos, caindo em muitas situações de sensacionalismo.
Embora não tenham sido analisados todos os indicadores e não se trate de
estabelecer qualquer comparação, é importante notar que algumas características
encontradas em Moçambique são similares às do modelo pluralista polarizado. Esta
aproximação deve-se à fraca circulação da imprensa, às fragilidades da imprensa
privada e ainda à centralidade e à relevância da rádio e da televisão (apesar de esta ainda
ser pouco expressiva devido aos baixos níveis de acesso à energia eléctrica). Os meios
de comunicação comerciais só são desenvolvidos a partir dos anos 1990, com a adopção
do sistema democrático, sendo a sua fragilidade económica uma das marcas mais
evidentes.
Ainda que não se tenha analisado a dimensão do paralelismo político, é preciso
salientar o facto de haver um conjunto de estudos que indicam que os meios de
comunicação públicos, e os jornais com participação de empresas públicas na sua
257 estrutura accionista (Notícias e Domingo), tenderem a reflectir posições do partido
Frelimo, no governo desde 1975. Esta situação pode ter uma relação com a história dos
meios que, de 1975 a 1990, estiveram sob controlo do mesmo partido, durante o período
do “Estado socialista”. Por outro lado, os meios de comunicação privados, nascidos no
contexto da democratização do país, demonstram ter tendência para reflectirem outras
posições, principalmente críticas, contra a governação do partido Frelimo. Seja como
for, o estudo do paralelismo político em Moçambique revela-se interessante e relevante
para testar as várias hipóteses levantadas sobre as relações entre a imprensa e os
partidos políticos.
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259 10. Visibilidade da cobertura jornalística da corrupção política e
indicadores de opinião pública
Isabel Ferin Cunha
Introdução
Nesta comunicação pretende-se expor os resultados de um estudo exploratório que
visou analisar a visibilidade conferida à cobertura jornalística da corrupção política nos
meios de comunicação social num ano marcado pelas eleições legislativas de 2009.
Salientamos que esta exposição integra uma pesquisa mais extensa sobre a cobertura da
corrupção política realizada pelos media, em Portugal, entre 2005 e 2012. Assinalamos
que neste período se realizaram três eleições legislativas, duas eleições presidenciais e
uma eleição europeia. Em 2005 e 2009, no quadro das legislativas, foi eleito
primeiro-ministro José Sócrates, secretário-geral do Partido Socialista (PS). Nas
primeiras eleições constituiu um governo maioritário159 e nas eleições de 2009160, não
obteve a maioria. Em 2011, após resgate de Portugal pelas instituições internacionais
designadas genericamente a Troika (Comissão Europeia, CE; Fundo Monetário
Internacional, FMI; e Banco Central Europeu, BCE), o primeiro-ministro socialista
demitiu-se e foram convocadas novas eleições. Estas eleições forma ganhas pelo Partido
Social Democrata (PSD), que em coligação com o terceiro partido mais votado formou
governo161. As eleições presidenciais ocorreram em 2006162 e em janeiro de 2011, sendo
nesta última reeleito o anterior presidente, do PSD, Cavaco Silva, para um segundo
159
Nas eleições legislativas de 2005, o Partido Socialista (PS) ganhou por maioria (45. 05%). O segundo
partido mais votado, o Partido Social Democrático (PSD) obteve 28.70%. Os votantes foram 65.03% e a
abstenção 34.97% (Comissão de Eleições http://www.eleicoes.mj.pt/).
160
Nas eleições legislativas de 2009, o PS obteve 36.55% dos votos, o PSD, 29.11%, dentro de 59.74%
de votantes e 39.40% de abstenção (Comissão de Eleições http://www.eleicoes.mj.pt/).
161
Nas eleições legislativas de 2011, o PSD foi eleito por 38.65% dos votos, seguiu-se o PS com 28.06%
e o Centro Democrático Social (CDS) obteve 11.70%. Foram votantes 58.07% dos eleitores e registou-se
41.10% de abstenção (Comissão de Eleições http://www.eleicoes.mj.pt/).
162
Em 2006 o candidato Cavaco Silva, membro do PSD, foi eleito presidente por 50.59% de votos. Os
votantes foram 62.60% dos eleitores e a abstenção situou-se em 38.55% (Comissão de Eleições
http://www.eleicoes.mj.pt/)
260 mandato.163 As Eleições Europeias ocorreram em 7 de Junho de 2009, com grande
abstenção (cerca de 60% dos votantes) e 31.7% votos no PSD. 164
Entre 2005 e 2011 o aumento da perceção pública, em Portugal, sobre a corrupção
tem vindo a refletir-se nas listagens divulgadas anualmente pelas organizações
internacionais.
Segundo
os
dados
da
Transparency
International,
Portugal
encontrava-se em 2006 no 26º lugar; em 2008 em 32º; em 2009 no 35º e em 2010 na 32ª
posição. Em 2011, o Eurobarómetro divulgou que 97% dos portugueses acreditavam
que a corrupção era o principal problema do país. Apesar destes valores serem comuns a
outros três países do sul da Europa, que se encontram em dificuldades financeiras
(Grécia, Espanha e Itália), convém compreender como se constrói esta perceção em
Portugal, uma vez que, conforme escreve Maia (2009: 115) a maior parte das pessoas
recolhe informação acerca das práticas de corrupção e constrói a sua perceção acerca
do problema, tendo como base os canais televisivos, bem como a imprensa.
Como é sabido, a cobertura jornalística da política sofreu grandes alterações nas
democracias ocidentais nas últimas décadas, não só devido à alteração de fatores
tecnológicos, mas sobretudo a mudanças nos sistemas económicos, financeiros e
sociais. A crescente centralidade dos media nas sociedades democráticas ocidentais teve
como consequência direta a adaptação dos sistemas políticos a novos estratégias de
comunicação política no sentido de redefinir o espaço público. Entre estas salienta-se o
recurso a profissionais de assessoria e marketing político capazes de criar campanhas e
gerir períodos de governação, com base na análise de tendências de mercado e nas
espectativas
políticas
e
económicas
dos
cidadãos.
Estes
são
entendidos
preferencialmente como audiências e consumidores de produtos políticos, sendo que as
estratégias políticas tendem a privilegiar a performance mediática e a “esperança”
vendida, que a “realidade” dos fatos. Neste contexto, a comunicação política desenhada
pelas assessorias incide preferencialmente em determinadas figuras dos partidos,
aquelas que apresentam maior potencialidade face aos media, normalmente
caracterizadas por apresentarem maior capacidade para administrar impressões e cativar
audiências. Este exercício de personalização política promove, igualmente, aqueles que
demonstram maior competência na gestão da informação mínima, seja ela sound byte ou
image byte (Grabe, 2009).
163
Em 2011 o candidato Cavaco Silva, membro do PSD e anterior presidente, foi reeleito presidente por
52.95% de votos, entre os 46.52% votantes. A abstenção registou o valor de 53.30%. (Comissão de
Eleições http://www.eleicoes.mj.pt/).
164
Cfr: http://www.eleicoes.mj.pt/Europeias2009/
261 Acresce a estas condições que uma das estratégias mais impactantes da
comunicação política é a criação de cenários e a espectacularização das ações de
governação ou de campanha (Rubim, 2009), por meio da encenação de situações
públicas — anúncios de programas eleitorais ou de medidas de governo; visitas a
mercados; inaugurações de infraestruturas, etc.— centradas nas aparições dos políticos.
Nestes rituais, altamente personalizados, a credibilidade e a persuasão dos atores
políticos está sob constante escrutínio. Enquanto a performance da credibilidade permite
ao ator político desempenhar legitimamente, e em representatividade, as funções que lhe
foram confiadas aquando de eleições, a performance da persuasão determina a
capacidade do ator político manter, em relação aos cidadãos/eleitores, a sua reputação
de credibilidade, não só como ator mas também como cumpridor de um programa
político.
Neste cenário de personalização, a descredibilização de um ator político é um
processo que o ultrapassa, atingindo uma “geração partidária”— de onde fora
escrutinado aquele que reunia melhores condições de mediatização política — e a
estratégia de comunicação política que a respaldou. A gestão deste risco constante e
fatal leva a que as assessorias de comunicação política trabalhem o líder político numa
perspetiva de “jogo de estratégia”, criando situações alternativas em diferentes frentes
de oposição, seja no interior da mesma formação partidária, seja face aos opositores de
outros partidos. No combate pela liderança, onde os media surgem ora como aliados ora
como oponentes, os rumores, as suspeições e as denúncias tornam-se matéria-prima
facilmente transacionável. Um ilícito mediatizado ao adquirir a designação de
escândalo, isto é, ao ser percecionado como uma transgressão praticada à revelia da
ética política vigente, tende a tornar-se numa mercadoria de valor acrescentado, quer
para os oponentes políticos quer para os media (Thompson, 2000:40).
Conforme escreveu Blankenburg (2002), a adesão à União Europeia de muitos
países do Sul e do Leste da Europa, e a consequente desregulamentação dos media,
originou uma maior competição pelo valor-notícia e uma nova cultura profissional dos
jornalistas, fundada simultaneamente na competição pelo mercado de audiências e nos
valores democráticos. Ao mesmo tempo, as estratégias de visibilidade dos líderes
políticos, as mudanças de tecnologia e comunicação e de vigilância, as mudanças na
cultura jornalística e na cultura política, bem como a crescente regulamentação da vida
política, favorecem o surgimento de escândalos muitas vezes associados à corrupção e
ao suborno de tal modo que esses conceitos parecem inextricavelmente ligados
262 (Thompson, 2000:55). Não sendo um fenómeno novo, como demonstra este autor, não é
por acaso que, a partir da segunda metade do século XX, o escândalo se tornou um
flagelo das democracias. Existindo muitas espécies de escândalos é em torno das
denúncias de corrupção política que determinados fenómenos adquirem essa dimensão
mediática, mobilizando recursos de diversa ordem para denunciar abusos de poder,
sobretudo de opositores, na obtenção de ganhos indevidos. Estas denúncias ocorrem
fundamentalmente em quatro situações-tipo: na competição por cargos políticos, no
exercício de cargos públicos, na ação de legislar e governar, bem como após o abandono
de
cargos
de
governação,
mantendo-se,
contudo,
determinadas
funções
político-partidárias (Heidenheimer e Johnston, 2002).
Da perceção à cobertura jornalística da corrupção política
Neste texto, tal como referimos, o nosso objetivo é refletir sobre a cobertura
jornalística da corrupção política, tendo como estudo de caso o ano de 2009. Enquanto a
cobertura jornalística da corrupção política constitui a forma como os meios de
comunicação abordam o tema da corrupção política, a perceção da corrupção política é
o ato de apreensão cognitiva individual, ou coletivo, que os cidadãos fazem daquele
fenómeno. Assume-se em concordância com Sousa e Triães (2008, 2011) e Maia (2006,
2011) que a perceção da corrupção política advém, fundamentalmente, da informação
veiculada pelos media e sobretudo, no caso português, da cobertura intensiva e
extensiva que a televisão faz de determinados casos envolvendo políticos ou
ex-políticos que desempenham, ou desempenharam, altos cargos na democracia.
Convém, neste contexto, percebermos até que ponto a perceção da corrupção política
pode ter impacto na democracia e na opinião pública dos cidadãos sobre o regime e os
seus agentes.
A partir do início do milénio, num quadro de crise económica crescente em
Portugal, acentuou-se a visibilidade das denúncias de corrupção política nos media. Para
Morgado e Vegar (2003) o aumento da corrupção deve-se por um lado ao fluxo de
verbas provenientes da União Europeia no âmbito dos Fundos Estruturais, aplicados
sem a adequada fiscalização. Os mesmos autores atribuem, ainda, o aumento da
corrupção à “ perceção de impunidade” que parece envolver os “crimes de colarinho
branco” dada a incapacidade do sistema penal se modernizar no combate a este novo
263 tipo de criminalidade. Por outro lado, como refere Maia (2006), o número de casos de
corrupção registados não tem correspondência aos processos julgados, o que facilita
uma perceção negativa, associada à impunidade, sobre a corrupção política em Portugal.
Gráfico 1— Gráfico evolutivo da relação entre processos registados e processos acusados (Fonte: Maia,
A. J., s.d. A percepção social da corrupção em Portugal www.bocc.ubi.pt , acedido em julho de 2012)
Ainda, segundo o mesmo autor, o número de arguidos acusados difere largamente
do número de arguidos condenados.
Gráfico 2— Gráfico evolutivo da relação entre arguidos acusados e arguidos condenados (Fonte: Maia,
A. J., s.d. A percepção social da corrupção em Portugal www.bocc.ubi.pt , acedido em julho de 2012)
264 Estes dois gráficos demonstram a disparidade entre acusações e condenações, o
que nos permite depreender que, tendo sido dada grande visibilidade, através do
agendamento, aos crimes de corrupção política nos media, houve, provavelmente, uma
visibilidade correspondente aos desfechos dos processos. Esta situação acarreta a
perceção de uma imagem de ineficácia do sistema judicial e, em simultâneo, da
impunidade dos políticos envolvidos, envolvendo um crescente descrédito da
democracia. A explicação para a visibilidade concedida pelos media a estes issues pode
estar quer no sistema judiciário quer no sistema mediático. Como refere Maia (2011),
parafraseando anteriores autores, o sistema judiciário parece não ter instrumentos que
permitam apreender muitos dos atuais crimes de corrupção, que não encontram na lei
uma tipificação adequada. É neste sentido que se pode compreender uma recente
declaração de uma procuradora-geral adjunta afirmando que “Portugal não é um país
corrupto” e que essa perceção da opinião pública advém da enfase dada ao tema pelos
meios de comunicação social que acabam por se refletir nos relatórios das agências
internacionais.165
Estas reflexões parecem confirmar a perceção de que os media se interessam
preferencialmente pela desocultação dos crimes, pelo registo dos processos e pela
identificação dos arguidos em detrimento da caraterização dos ilícitos, da explicação das
causas que levam à absolvição ou à punição. Estes procedimentos coadunam-se,
contudo, às exigências económicas e financeiras despoletadas pela crise e pela luta pelas
audiências, em que a utilização frequente da palavra “corrupção” associada à
165
“A procuradora-geral Adjunta Cândida Almeida afirmou sábado que "Portugal não é um país
corrupto" e que existe uma "perceção" exagerada da dimensão deste crime, sublinhando que é dos poucos
Estados europeus onde se investigam "grandes negócios do Estado". "O nosso país não é um país
corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes
corruptos. Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção obviamente, mas rejeito qualquer afirmação
simplista e generalizada, de que o país está completamente alheado dos direitos, de um comportamento
ético (...) de que é um país de corruptos", disse a diretora do Departamento Central de Investigação e
Ação Penal (DCIAP), numa conferência na Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide. Depois
de insistir várias vezes nesta ideia, a magistrada disse que, porém, não é essa a "perceção" da opinião
pública, referindo que os relatórios da organização Transparência Internacional Portugal e os meios de
comunicação social "arrasam-nos permanentemente" com a ideia de que o país "é corrupto". Cândida
Almeida sublinhou que, no caso da Transparência Internacional, os relatórios "refletem tão só a perceção"
que existem num país dois níveis de corrupção e que, no que toca aos meios de comunicação social e a
declarações públicas nesse sentido, a maioria dos casos não têm fundamento ou referem-se a outros
crimes, sendo o mais frequente a fraude fiscal. Cfr. Expresso, 02/09/2012 “Cândida Almeida: os nossos
políticos não são corruptos. Diretora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal diz que
Portugal é um dos poucos países europeus onde se investigam grandes negócios do Estado”.
( http://expresso.sapo.pt/candida-almeida-os-nossos-politicos-nao-saocorruptos=f750505#ixzz269xEGl7y) (acedido em setembro de 2012).
265 desocultação de potenciais crimes de corrupção política se torna uma matéria-prima de
valor acrescentado, sobretudo quando envolve figuras públicas destacadas (Allern e
Pollack, 2012: 9-28). No entanto, consideramos que é matéria da pesquisa confirmar se
uma maior intensidade e visibilidade da cobertura jornalística da corrupção política
interferem nos índices de audiências ou têm consequências diretas na perceção e na
opinião pública.
A perceção dos fenómenos de corrupção política nos media está vinculada às
rotinas da cobertura jornalística, nomeadamente ao agendamento, isto é, à forma como
os jornalistas, e os meios de comunicação, selecionam e dão visibilidade a determinados
temas, em detrimento de outros. Segundo McCombs e Show (1972) o agendamento
praticado pelos media tem dois resultados complementares, por um lado determina os
temas em que os cidadãos pensam, por outro, condiciona a forma como os cidadãos
pensam sobre esses temas. Em simultâneo, os issues seriam percecionados pelos
cidadãos em função da visibilidade que lhes é concedida pelos media. Por exemplo, a
maior ou menor saliência concedida pelos media a casos de corrupção teria como
consequência uma maior ou menor perceção na opinião pública deste fenómeno. Um
jornal televisivo focado maioritariamente em peças que abordam ilícitos cometidos por
atores políticos dará a perceção que estes são todos prevaricadores. No seguimento
desta afirmação, talvez seja prudente enfatizar a necessidade de entender até que ponto a
intensidade da cobertura jornalística da corrupção política se reflete na opinião pública,
distinguindo opinião pública da perceção sobre este fenómeno político.
As revisões que foram feitas às teorias do agendamento vieram complexificar esta
visão alicerçada no princípio de estímulo-resposta e introduzir o princípio de
enquadramento das agendas em função dos interesses de instituições e cidadãos
(McCombs, 2004), bem como a ideia que o agendamento seria um equilíbrio entre três
agendas paralelas, a do campo político, a dos media e a dos cidadãos (Wever,
McCombs, Show, 1998). Para estes autores a preponderância de uma das agendas
determinaria a submissão dos interesses das outras, mas ao mesmo tempo exigiria um
delicado trabalho de equilíbrio entre todos os envolvidos, o que só poderá ser atingido
com recurso a negociações entre os diversos campos. Esta hipótese sob a formulação da
agenda na cobertura jornalística permite-nos pensar que a visibilidade dada aos temas da
corrupção política poderá estar em consonância não só com a necessidade e estimular as
audiências, mas também com interesses políticos de opositores (internos e externos ao
campo político), satisfazendo, em simultâneo, expectativas dos cidadãos —
266 inconformados com os rumos da política e da economia, a sua fraca capacidade de
intervenção nos destinos coletivos ou com a lentidão da justiça — que, nos media,
buscariam encontrar justiça e “culpados”.
Na construção da perceção sobre a corrupção política é ainda importante rever os
conceitos de framing e priming (Scheufele, 2000), assim como a ideia de modelo de
agenda em cascata (Entman, 2004). Segundo Scheufele, framing (enquadramento) é um
conceito que incide sobre as formas como o jornalismo confere, de forma continuada e
persistente, atributos a determinados temas. Neste processo a opinião pública tende a
apreender os enquadramentos em função das suas disposições individuais, o que
determina a perceção e a atribuição de rótulos a cada fenómeno, ou a um conjunto de
fenómenos reportados. Partindo deste pressuposto, poder-se-ia ter como hipótese de
trabalho que o enquadramento da corrupção política, tenderá a adquirir um padrão de
enquadramento jornalístico nos media portugueses que, por sua vez, determinará as
orientações da perceção e da opinião pública.
Um outro conceito importante é o priming (que poderemos traduzir por saliência
pública) que consiste no mecanismo derivado das escolhas que os media, e os
jornalistas, realizam no momento de agendar determinados temas e identificar os
principais atores políticos. O priming decorre, deste modo, dos procedimentos de
agendamento que ao atribuir maior proeminência, destaque ou relevância a
determinados temas ou atores políticos, facilitam a interiorização pela opinião pública
da sua “saliência”, ao mesmo tempo que agregam à sua volta atributos que funcionam
como “atalhos cognitivos”. Por exemplo, a saliência (priming) conferida a um
determinado político, está sempre associada a temas e atributos específicos. A
enunciação desses temas e atributos leva à identificação, pelos cidadãos, desse político;
a nomeação nos media desse político carrega, por sua vez, o tema e o conjunto de
atributos que lhe estão associados.
O modelo proposto por Entman (2004) denominado cascading activation model
pretende explicar a atenção despendida pelo público a determinados fatos ou
acontecimentos. Para o autor, o enquadramento que os media dão aos assuntos decorre
de um processo complexo, constituído por múltiplas etapas, que tem inicio em
negociações entre atores políticos, ou grupos de interesse, e os media, antes de chegar
ao domínio público. Entman defende que as estórias e os pontos de vista em circulação
nos media são produzidos no topo da hierarquia política. Esta primeira etapa no
processo de agenda-setting é posteriormente filtrada por um segundo nível de elites
267 políticas que interage com os media, sendo que quanto maior for o consenso entre as
elites políticas, maior será a sua capacidade de definir os enquadramentos dos media;
pelo contrário, quanto maior for a indecisão ou desacordo entre as elites políticas, maior
será a influência dos media na estruturação do tema.166 Ainda que reconheça
importância à opinião pública, o autor coloca-a no fim de uma cadeia de valor, passível
de ser avaliada a partir de sondagens de opinião, votos eleitorais ou audiências dos
media.
Grabe (2009), num trabalho sobre a importância da análise da imagem das notícias
políticas na televisão, critica as teorias sobre as notícias, principalmente as que
discorrem sobre o agenda-setting e não têm em consideração a componente visual.
Apresentando inúmeros exemplos de campanhas e atos eleitorais nos Estados Unidos,
salienta que os eleitores formam a sua opinião a partir de múltiplos elementos,
sublinhando que entre estes estão os não-verbais e os visuais. A autora nota, ainda, que
na televisão as notícias são difíceis de analisar visualmente e são sistematicamente
isoladas e quantificadas, utilizando-se narrativas verbais (transcrições de áudio) ou
categorias visuais codificadas, como forma de explicitar a cobertura jornalística. Estes
recursos não permitem isolar os efeitos visuais e demonstram que as barreiras
ontológicas, teóricas e metodológicas têm dificultado os estudos visuais e contribuído
para o desconhecimento de como funcionam os media, sobretudo a televisão, em
democracia. No seguimento desta observação teremos que ter em consideração a
natureza da televisão como media de fluxo centrado preferencialmente na acumulação
de imagens e sons e não necessariamente nas palavras.
Enquanto os procedimentos de agendamento, framing e priming nos ajudam a
compreender os fenómenos de perceção da corrupção nos media, o modelo em cascata
vem alertar-nos para os potenciais interesses — dentro do campo político e mediático
— que circulam em torno da denúncia dos crimes de corrupção política. Este modelo
aponta para a capacidade dos media gerarem agendas paralelas e autónomas, com
capacidade para se retroalimentarem à revelia do sistema político e da opinião pública.
Assim, uma outra hipótese que avançamos é que a sinergia gerada pela intensidade e
pela extensividade da cobertura jornalística dos fenómenos de corrupção política, em
todos os meios de comunicação, é que determinaria a perceção e a opinião pública dos
fenómenos de corrupção política.
166
Um postulado muito pertinente quando se observa a cobertura realizada pelos media mainstream sobre
a crise na Europa nos anos de 2011-2012.
268 Como referimos anteriormente, a corrupção política é, por si só, uma
matéria-prima de valor acrescentado dentro da lógica de competição por audiências.
Ressaltamos que em alguns casos a imprensa (escrita, radiofónica e televisiva) apostou
no jornalismo de investigação, mas ou acabou por ser censurada por agentes políticos
— caso semanário O Sol, caso Jornal da sexta-feira da TVI, sobre as denúncias do
Freeport e represálias envolvendo o corte da publicidade institucional do Estado a estes
meios — ou estrangulada pelos custos da investigação.
As pressões políticas e o alastrar da crise económica e financeira, bem como a
exigência de redução de despesas fez com que as rotinas dos media se voltassem para as
fontes disponíveis e anónimas, normalmente localizadas no campo da justiça
(Ministério Público, Polícia Judiciária e Tribunais). Como refere Leblanc (1998: 60-70),
os media e a justiça têm, pelo menos, dois objetivos comuns: descobrir a verdade e fazer
com que publicamente ela seja reposta. No entanto, enquanto o juiz surge aos olhos do
cidadão comum como um justiceiro, cuja ação está travada por obrigações e códigos, o
jornalista parece estar aparentemente mais livre, movendo-se por uma representação da
justiça que transcende os limites da instituição. Esta perceção pública da justiça faz com
que os media assumam a intermediação entre poderes, exercendo ora o papel de
acusadores, ora de advogados de defesa, ora de juízes nos casos com maior potencial
mediático. Nestes caso, é também frequente a violação do segredo de justiça, promovida
pelos media através da divulgação de informações de fonte judicial, gerando um
conhecimento parcial dos factos designada “informação hipótese” e os julgamentos na
praça-pública. A televisão, por ser um meio de fluxo, tendo a consolidar os cenários e
atores envolvidos através da apresentação exaustiva de imagens (images bites) e de sons
(sound bites), ao mesmo tempo que contribui para a construção de rotulagens e atalhos
cognitivos na perspetiva que identificamos anteriormente como priming.
Os casos
A análise que apresentamos nesta comunicação incide em três casos que
perpassaram o ano de 2009: o caso Freeport; o caso BPN e o caso Face Oculta.
Teremos ainda em consideração que as eleições para a Assembleia da República, que
definem a eleição do partido que indicará o primeiro-ministro e formará governo, se
realizaram em setembro daquele ano, já num contexto de crise de dívida soberana mas,
269 ainda, sem a intervenção das três instituições internacionais que hoje tutelam Portugal
(Banco Central Europeu, BCE; Fundo Monetário Europeu, FMI e Comissão Europeia,
CE). Nas urnas os cidadão atribuíram ao PS novo mandato por minoria, permitindo,
deste modo, a nomeação pelo Presidente da República do primeiro-ministro José
Sócrates. Os estudos realizados sobre esta campanha eleitoral, que decorreu entre 13 e
25 de setembro, observaram que os temas mais focados nos canais televisivos de sinal
aberto foram, para além das “ Ações de Campanha” (42,3%), as questões referentes à
“Economia, Finanças e Crise” (19,9%) e aos “Escândalos e Processos Judiciais” (5,4%)
(Cunha, 2010; Cunha, 2012). Nos canais de acesso pago, os temas “Escândalos e
Processos Judiciais” (9,7%) e “Economia, Finanças e Crise” (4,9%) ocuparam,
respetivamente, o terceiro e quarto lugar entre os temas mais referenciados na cobertura
destas eleições. Estes exemplos ilustram que a cobertura jornalística encontra-se muito
atenta à desocultação de “casos”, identificados como corrupção política onde adquirem
grande visibilidade atores políticos, ou ex-dirigentes políticos, dos três partidos com
maior representatividade parlamentar (PS; PPD/PSD e Centro Democrático Social,
CDS).
Para melhor compreender os casos que nos propomos analisar evocamos a
tipologia avançada por Sousa (2011:40-42) que considera que a corrupção política em
Portugal, pode ser esporádica ou fragmentada; estrutural ou cultural; sistemática ou
política; metasistemática ou de “colarinho branco”. Segundo o autor a primeira forma
estende-se a todo o tipo de atividades e não sendo premeditada, tende a viver de
oportunidades e de atores circunstanciais e de baixos recursos e custos (por exemplo,
“tirar vantagens”). A corrupção estrutural ou cultural é frequente, não apresenta atores
permanentes, embora possa ter atores privilegiados, dispondo de baixos custos e sendo
transversal a todos os grupos socias, formações partidárias e governos (por exemplo, a
“cunha/pistolão”). A terceira e quarta forma de corrupção, anteriormente enunciadas,
envolvem elevados recursos e sofisticadas ferramentas tecnológicas e financeiras,
mobilizam diversos níveis de mediadores e atores circunstanciais, muitas vezes
desconhecedores dos objetivos finais, mas encarregados de operações e transações
arriscadas. O que tende a distinguir a corrupção sistemática ou política da
metasistemática é a sua dimensão internacional ou multinacional.
Os três casos que pretendemos analisar enquadram-se nestas duas últimas formas
de corrupção política. A cobertura jornalística desses casos constituiu, ainda, um tema
polémico, envolvendo acusações recíprocas entre agentes políticos, jornalistas e agentes
270 da justiça, provocadas por fugas de informação sobre elementos dos processos em
segredo de justiça, tais como transcrições de escutas telefónicas. Essas fugas de
informação deram origem a inquéritos judiciais instaurados a jornalistas e a órgãos de
comunicação social pelo Procurador-Geral da República.
Os três casos selecionados podem ser caracterizados da seguinte maneira:
1.Freeport — O “Caso Freeport”, reporta-se ao ano de 1999, quando uma multinacional
irlandesa designada McKinney, do ramo da promoção imobiliária, apresenta no Instituto
da Conservação da Natureza (ICN) um pedido de informação acerca da possibilidade de
reconversão da antiga fábrica de pneus Firestone num complexo lúdico-comercial, a que
chamaria de “Designer Village”. O local estava dentro da Zona de Protecção Especial
(ZPE) da Reserva Natural do Estuário do Tejo e, para se concretizar o empreendimento,
era necessário alterar os limites legalmente definidos dessa ZPE. Em 2000 é contratada
a empresa de consultadoria Smith&Pedro para acompanhar todas as burocracias com
vista à legalização do empreendimento em Portugal. Em Fevereiro, o advogado Manuel
Pedro, sócio da consultora, foi nomeado assessor principal para aquela Reserva Natural,
juntamente com um outro ambientalista e professor universitário. Um estudo de impacte
ambiental, contendo as recomendações anteriores, é realizado. A 10 de junho de 2000,
inicia-se o processo de avaliação, proposto pela McKinney e executado pela PlaniPlano.
Em outubro do mesmo ano, é emitida uma Declaração de Desconformidade, na qual é
expresso que o Estudo não permitia a avaliação dos eventuais impactes do projeto,
como tal, o projeto seria cancelado. A McKinney perde o interesse no investimento e
vende o terreno à Freeport Leisure (2001) uma empresa especializada em outlets. O então
secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, pede ao
ICN que reavalie os limites da ZPE do Estuário do Tejo, pois entende que não se deveria
aplicar à área em questão o estatuto de ZPE. A Freeport Leisure apresenta um novo Estudo
de Impacte Ambiental elaborado pela Mitchell MCFarlane & Partner. Surgem
movimentações na embaixada inglesa com vista a pressionar a aprovação do projeto junto
do então ministro do Ambiente, José Sócrates. É neste período que surgem as acusações de
que a Smith&Pedro terá solicitado 4 milhões de libras para desbloquear o licenciamento do
Freeport. Este dinheiro seria para os próprios, que foram constituídos arguidos e ilibados,
em julho de 2012, ou para o mencionado ministro do PS, eleito primeiro-ministro em 2005.
O caso Freeport foi despoletado nesse ano através de uma carta anónima, posteriormente
identificada como redigida por um militante do CDS, acusando o então ministro do
Ambiente de ter recebido luvas a troco da autorização para construção de um outlet
271 numa zona dita protegida situada no estuário do rio Tejo, financiado pelo consórcio
britânico Freeport. A polícia investiga as denúncias e surgem inúmeras referências às luvas
que José Socrates, ou familiares, terão recebido. A polícia inglesa, através do Serious Fraud
Office, investiga a empresa Carlyle, que se tornou dona do empreendimento em 2007. O
Eurojust, organização de Justiça que coordena atividades neste âmbito na Europa, é
coordenado por Lopes da Mota magistrado do Ministério Público de carreira (amigo do
Primeiro-Ministro) e presidente dessa instituição. Foi acusado de pressionar os
investigadores do Freeport (que eram seus colegas) a não darem seguimento ao
processo e demitiu-se depois de lhe ter sido aberto um processo disciplinar.167 Durante
o julgamento do processo foram constituídos arguidos sete cidadãos e posteriormente
todos ilibados. O primeiro-ministro, nunca viria a ser constituído arguido nem a ser
ouvido como testemunha;
2. BPN (Banco Português de Negócios): Em 1993 foi criado o BPN, vocacionado para
a banca de investimentos. Em 1998, um anterior ministro da economia do atual
presidente da República, Cavaco Silva, assumiu a liderança e criou a Sociedade Lusa de
Negócios, destinada a agregar os investimentos não financeiros do grupo. Para esta
sociedade entraram muitos ex-ministros e pessoal político do então partido da oposição,
PSD. Entre 2002 e 2008 o grupo compra alguns bancos e corretoras, nomeadamente em
Cabo-Verde e no Brasil, não tendo declarado algumas operações ao Banco de Portugal,
nem clarificado a sua estrutura acionista. Em Novembro de 2008, e após uma
investigação policial que incidiu sobre diversos agentes financeiros, o BPN foi
nacionalizado devido às perdas acumuladas de cerca de 700 milhões de euros.
Investigações levadas a cabo pela polícia levaram à suspeita de que foram praticados
crimes de burla qualificada, falsificação, fraude fiscal, corrupção e branqueamento de
capitais, no montante total de 100 milhões de euros. Entre as personalidades com
ligações aos negócios do BPN surge um conselheiro de Estado e ex-membros de
anteriores governos do PSD;
3. Face Oculta: caso noticiado em 2009 no decurso de uma investigação da Polícia
Judiciária de Aveiro desencadeou em vários pontos do país, diligências relacionadas
com alegados crimes económicos (lavagem de dinheiro, corrupção política e evasão
fiscal) de um grupo empresarial, cujo responsável montou uma rede envolvendo antigos
titulares de cargos governativos, funcionários autárquicos e de empresas públicas, e
militares, com o objetivo de obter benefícios para os negócios das suas empresas na área
167
Cfr: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1229784
272 da seleção, recolha e tratamento de resíduos. O caso conta com 36 arguidos (34 pessoas
e duas empresas) entre eles destacados membros políticos do PS, e altos funcionários de
empresas públicas. O Ministério Público acusa o dono das empresas de criar uma teia de
influências que permitia obter informação privilegiada e por conseguinte, vantagens
para o seu grupo empresarial. Nesta teia encontram-se as maiores empresas públicas
portuguesas (REN, REFER, CP e EDP) e, também, grandes empresas privadas. O
processo ganhou grande visibilidade mediática quando foi denunciada a existência de
escutas telefónicas e mensagens escritas trocadas entre o primeiro-ministro José
Sócrates e o principal político constituído arguido (Armando Vara). O caso encontra-se,
ainda, em julgamento.
As metodologias
O nosso objetivo é perceber a intensidade, destaque atribuído pelos media a estes
casos num ano de eleições legislativas, tendo em conta os estudos dos efeitos de
agendamento desenvolvidos pelos autores anteriormente citados. O trabalho é
exploratório e assenta em dados recolhidos nos sítios online dos meios de comunicação
analisados. A nossa pesquisa procura responder às seguintes perguntas: Como os meios
de comunicação social agendam o tema corrupção política? Que intensidade e
longevidade apresentam essas agendas na imprensa, na televisão e na rádio, ao longo do
ano de 2009? Em que medida os casos se sobrepõem, ou se substituem, nos media?
Quais são os protagonistas destas notícias? Ao encontrar respostas para estas perguntas
procuraremos perceber como “potencialmente” os meios de comunicação poderão
interferir na perceção da corrupção política e, por conseguinte, na intenção de voto dos
cidadãos.
A estratégia metodológica que se seguiu, na busca de resposta às perguntas atrás
enunciadas envolve uma dimensão contextual e numa dimensão analítica.
Com o objetivo de contextualizar os títulos da imprensa Diário de Notícias (DN)
e Correio da Manhã (CM) e a estação de rádio (TSF) que compõem o nosso corpus,
procedemos à identificação da propriedade. Notamos que o DN e o CM são os jornais
diários de maior circulação nacional no seu segmento, respetivamente jornal de
referência e jornal tabloide. A TSF é a maior estação de notícias privada. Estes meios de
273 comunicação têm, também, sites online onde está depositada a informação veiculada
nos anos que constituem o nosso corpus, sendo por isso de fácil acesso. 168
Na imprensa o corpus abrange meios vocacionados para públicos distintos e
pertencentes a dois proprietários distintos. O DN, um jornal de referência, é hoje
propriedade da Global Notícias, pertencente ao Grupo Controlinveste Media. Foi
fundado em 1864 e a sua história, ao longo deste século e meio, reflete as vicissitudes
políticas do país: empresa estatal no âmbito da ditadura salazarista; privatizado na
“primavera marcelista”, nacionalizado na revolução do 25 de Abril de 1974,
reprivatizado. Tem uma tiragem média de cerca de 29 mil exemplares (2011) e
circulação nacional. O CM, um tabloide, é, também, um jornal diário, do Grupo Cofina.
Trata-se do jornal com mais vendas em Portugal, atingindo 40% de cota de mercado
(2011). A TSF é uma rádio de notícias fundada em 1989, sob a forma de cooperativa,
que atualmente pertence ao Grupo Controlinveste Media. Convém ainda referir que no
período em análise os governos, tanto do PS (2005-2011) como atualmente do PSD
(2011-2012), foram acusados de tentar interferir nas coberturas noticiosas, no sentido de
controlar a “má imprensa”.
A dimensão analítica na imprensa decorre do levantamento dos conteúdos
referente a uma amostra de conveniência de notícias online de imprensa diária DN e
CM e da rádio (TSF). A identificação do universo das peças na imprensa e na rádio foi
realizada por busca por palavra-chave nas edições digitais.
Na televisão a dimensão de contextualização desenha os contornos da propriedade
e da audiência. A contextualização das estações de televisão de sinal aberto, RTP1 e
TVI, tem em conta os dados sobre propriedade e audiências de televisão de todos os
quatro canais abertos, com especial enfase nos jornais televisivos e outros programas
dedicados à campanha legislativa de 2009. Os quatro canais de acesso livre integram os
grandes grupos portugueses de comunicação que se caracterizam por apresentarem áreas
de negócios cada vez mais diversificadas. A RTP1 e a RTP2 pertencem ao grupo Rádio
Televisão de Portugal, SA (RTP), a SIC (Sociedade Independente de Comunicação) ao
grupo Impresa e a TVI (Televisão Independente) ao grupo Media Capital. A RTP detém
a RTP (televisão) que inclui os canais RTP1 e RTP2, como se referiu, bem como os
canais das regiões autónomas da Madeira e dos Açores (RTP Madeira e RTP Açores),
168
Os sites online dos meios analisados foram consultados em julho de 2012: DN online
http://www.dn.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa; CM online http://pesquisa.cmjornal.xl.pt/?; TSF online
http://www.tsf.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa, acedidos em julho de 2012).
274 os canais internacionais RTP Internacional e RTP África, bem como os canais temáticos
RTPN (notícias), a RTP Memória e a RTP Mobile. Convém assinalar que todos os
canais podem ser visualizados em online (http://www.rtp.pt/ ). A SIC (Sociedade
Independente de Comunicação) é propriedade da Impresa que desenvolve os seus
negócios em três áreas fundamentais: Televisão (cerca de 70,0%), Publishing (cerca de
27,0%) e Digital (cerca de 2,0%). Na televisão detém os canais SIC, SIC Notícias, SIC
Radical, SIC Mulher, SIC Online (http://sic.sapo.pt/online/), SIC Internacional, assim
como a Lisboa TV. A Media Capital proprietária da TVI estrutura as suas atividades nas
seguintes áreas de negócio: televisão, produção audiovisual, música, cinema, rádio e
Internet. Na televisão a Media Capital detém a TVI, a TVI 24h e TVI online
(www.tvi.iol.pt/ ).
Em 2009, os resultados finais da audiência total dos quatro canais de sinal aberto
alcançam os seguintes dados, segundo a empresa MediaMonitor/Marktest Audimetria:
27% a TVI; 26% a SIC e a RTP1 e 21% a RTP2. Os indicadores do share de audiências
registaram: TVI - 28.7%; RTP1 - 24.0%; SIC - 23.4%; RTP2 - 5.8. Salienta-se, ainda,
que os canais por cabo e pagos, onde se incluem as televisões dedicadas à informação,
obtiveram 18.2% das audiências. Notamos que o mês de janeiro foi aquele que registou
o valor mais elevado em audiência média de televisão (16.0%) e julho (mês de verão e
de férias) o valor mais baixo (13.7%). Os programas mais vistos foram os jogos de
futebol, as telenovelas e um programa de humor político que acompanhou a campanha
legislativa de 2009, intitulado “Gato fedorento esmiuça os sufrágios”, exibido na SIC. A
TVI liderou a lista dos 11 programas mais vistos do ano, seguindo-se a RTP1. Os
jornais televisivos da TVI, sobretudo o jornal de sexta-feira apresentado pela jornalista
Manuela Moura Guedes, estiveram sempre no Top dos programas de informação mais
vistos (cerca de 12% de rating e 33% de share, segundo os dados da empresa
MediaMonitor/Marktest Audimetria).Como referimos anteriormente, este programa foi
cancelado e a jornalista despedida, sendo o primeiro-ministro acusado de ter
pressionado a estação de televisão.169
169
Cfr:Informação, 03/09/2009. Jornal de Sexta suspenso: Direcção de Informação da TVI demite-se.
(http://www1.ionline.pt/conteudo/21214-jornal-sexta-suspenso-direccao-informacao-da-tvi-demite-se-)
(acedido em setembro de 2012)
275 A dimensão analítica na televisão envolve os dados recolhidos no sítio da empresa
MarktestMediaMonitor170 sobre o volume de notícias emitidos nos canais de sinal
aberto, sobre o protagonismo dos atores políticos nos noticiários, bem como os
barómetros políticos171 assentes em sondagens realizadas por esta empresa.
Salientamos que se trata de um estudo exploratório que incide na análise dos sítios
noticiosos dos canais da RTP1 e TVI172, onde os critérios de inserção não estão
publicitados. Neste perspetiva, consideramos a informação disponibilizada nestes sítios
o universo de análise e o critério de seleção é a palavra-chave correspondente ao caso:
Freeport, BPN e Face Oculta. O objetivo da análise foi aprofundar a intensidade da
cobertura jornalística referente a estes casos de corrupção política e perceber se
apresentam algum padrão de cobertura, num ano pautado por eleições e que,
simultaneamente, corresponde a um final de mandato de um primeiro-ministro. 173Com
base nos resultados pretendemos aprofundar as bases sobre as quais se constroem as
perceções dos cidadãos portugueses sobre a corrupção (Sousa e Triães, 2011).
Análise dos dados de imprensa e rádio
No ano de 2009, o DN, o CM e a TSF apresentam 4 909 peças distribuídas pelos
três casos em análise. Na leitura dos dados recolhidos assinalamos que o caso Face
Oculta chega à imprensa em outubro condicionando, dessa forma, a leitura dos dados.
Observamos, desta forma que é o DN, um diário de referência, que atribui maior
visibilidade aos referidos casos (2 859 peças), nomeadamente ao BPN (1 153). No CM
(1 246 peças), um jornal tabloide acusado frequentemente de sensacionalismo, os casos
Freeport (529 peças) e BPN (500 peças) contabilizam um número de peças muito
semelhante, com ligeira saliência do primeiro. Na TSF, esses dois casos apresentam
também uma grande saliência, mas a proeminência é do caso BPN (304 peças).
170
Cfr: (http://www.marktest.com/wap/a/n/id~1a2e.aspx)
Cfr: Barómetro político Marktest (http://www.marktest.com/wap/a/p/id~e9.aspx)
172
Cfr:RTP1: (http://pesquisa.rtp.pt/) e TVI http://www.tvi.iol.pt/pesquisa/)
173
Num trabalho anteriormente desenvolvido no CIMJ, sobre os Atos de democracia (Ferin, I., coord.,
2007), observou-se que o último ano de governo dos primeiros-ministros tende a apresentar um padrão
jornalístico de cobertura focado em aspetos “polémicos” e “negativos”.
171
276 Peças- Imprensa e Rádio
2009
1022 1200 1153 1000 684 800 529 500 600 400 217 279 304 221 200 0 DN CM Freeport BPN TSF Face Oculta Gráfico 3— Número de peças registadas na imprensa e na rádio no ano de 2009, relativas aos casos
Freeport, BPN, Face Oculta (Fonte dos dados: DN e CM online; DN online
http://www.dn.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa; CM online http://pesquisa.cmjornal.xl.pt/?; TSF online
http://www.tsf.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa, acedidos em julho de 2012)
Nos dados consultados em julho de 2012, nos sites online do corpus, a cobertura
dos casos Freeport, BPN e Face Oculta — apresentam um perfil de intensidade, que se
acentua a partir do ano de 2008, tem o seu pico em 2009, e declina em 2011. Esta leitura
deverá ter em conta que o caso Face Oculta surge em outubro de 2009.
Intensidade DN e CM- Casos Freeport, BPN, Face Oculta
2005-2012 (julho)
1200 1000 800 600 400 200 0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Face Oculta DN Freeport CM Freeport DN BPN CM BPN DN Face Oculta CM 2012 Gráfico 4— Gráfico evolutivo da intensidade dos casos Freeport, BPN, Face Oculta na imprensa (DN e
CM) (Fonte dos dados: DN online http://www.dn.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa; CM online
http://pesquisa.cmjornal.xl.pt/? , acedidos em julho de 2012).
277 A rádio TSF174 apresenta, por sua vez, um perfil muito semelhante de intensidade
de cobertura, com picos significativos dos três casos em análise entre 2009 e 2011.
Intensidade Rádio: Freeport, BPN e Face Oculta
2005-2012
304 279 168 15 3 0 2005 3 0 0 2006 8 1 0 2007 221 4 0 2008 Freeport
209 2009 BPN
155 70 39 67 4 2010 2011 79 22 9 2012 Face Oculta
Gráfico 5— Gráfico evolutivo da intensidade dos casos Freeport, BPN, Face Oculta naTSF (Fonte dos
dados: TSF online http://www.tsf.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa, acedido em julho de 2012)
Ao longo destes anos de cobertura, o Freeport tem como principal personagem o
primeiro-ministro, José Sócrates, que nunca foi constituído arguido neste processo.
Seguem-se Charles Smith e Manuel Pedro, os corretores que intermediaram o processo
e que foram constituídos arguidos mas, posteriormente, ilibados. No caso BPN, o
personagem mais nomeado ao longo destes anos é Cavaco Silva, Presidente da
República, seguindo-se José Sócrates, primeiro-ministro, e um ex-ministro de Cavaco
Silva, Duarte Lima, também envolvido num homicídio de uma herdeira de fortuna
portuguesa, ocorrido no Rio de Janeiro. A nomeação do Presidente da República neste
caso está associada ao facto dos principais envolvidos terem sido seus ministros e um
deles ter ocupado, também, um lugar de conselheiro de Estado. O presidente é,
igualmente, evocado por ter sido acionista e ter ganho avultadas somas na venda de
ações pertencentes a uma empresa do banco, que faliu. No caso Face Oculta os mais
nomeados na cobertura jornalística são Armando Vara (ex-membro da direção do PS,
amigo pessoal do primeiro-ministro e administrador do banco do Estado, Caixa Geral de
Depósitos), José Sócrates (primeiro-ministro) e José Penedos (administrador da REN,
empresa de distribuição energética, participada pelo Estado). As escutas feitas pela
polícia judiciária a Armando Vara, detetaram conversas com o primeiro-ministro, e
174
TSF online http://www.tsf.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa (acedido em julho de 2012)
278 revelaram interesses comuns no controle dos media, levantando suspeitas sobre o tráfico
de influências e financiamento ao partido socialista.
A análise detalhada nos dois títulos de imprensa (DN e CM) aponta para uma
continuidade entre os casos, a que se soma um processo em cascata. Isto é, quando a
cobertura de um caso diminui de intensidade, um outro caso o substitui e alcança maior
intensidade. Deste modo, Freeport é o caso que inicia o ano de 2009, seguindo-se o
BPN e posteriormente a cobertura do Face Oculta. A cadência da agenda de cobertura
jornalística envolve aproximadamente três meses, normalmente com um pico
acentuado. Poderemos explicar a “acalmia” da cobertura nos meses de agosto, setembro
e outubro lembrando que em agosto, a silly season portuguesa, correspondente às férias
grandes, implica as férias judiciais, tendo como consequência uma pausa dos tribunais
e, por conseguinte, ao acesso a fontes privilegiadas. Os meses de setembro e outubro,
correspondem, respetivamente, ao mês da campanha eleitoral, com maior restrições e
vigilância sobre a informação, enquanto outubro, deverá ser entendido como “estado de
graça” do candidato vencedor.
Comparado o fluxo de cobertura jornalística dos três casos nos dois jornais
diários, observamos que existe um padrão diferente. No DN notamos que há um
crescendo na cobertura de cada “nova agenda”: no caso BPN começa com uma
intensidade superior ao pico do Freeport, e em seguida, o Face Oculta, “rebenta” com o
dobro da cobertura jornalística do caso anterior. No DN o caso Freeport tem dois picos
significativos: em fevereiro (denúncia do envolvimento da família do primeiro-ministro
na receção de avultadas somas) e em abril (investigações em Inglaterra e apresentação
nesse país, por um dos arguidos ingleses, de um DVD acusando o primeiro-ministro de
ter recebido “luvas” e de ter “manipulado” a decisão do juiz português, presidente do
Eurojust, de encerrar as investigações sobre este caso). O caso BPN apresenta,
igualmente dois picos salientes: em maio (denúncia sobre os ganhos do Presidente da
República e da filha na venda de ações de uma das empresas do BPN; demissão e
audição pela segunda vez, na Assembleia da República, do conselheiro de Estado Dias
Loureiro, antigo ministro de Cavaco Silva) e em julho (denúncias sobre o envolvimento
de três ex-ministros de Cavaco Silva). O caso Face Oculta tem o seu pico, em 2009, em
novembro (inquérito a Armando Vara, administrador da Caixa Geral de Depósitos e
membro destacado do PS, seguida da denúncia de escutas entre este e o
primeiro-ministro).
279 Intensidade - Casos DN
2009
600
517
500
400
193
83
0
0
Freeport
BPN
46
0
24
1
41
0
105
56
40
23
39
110
39 30
dezembro
100
0
83
novembro
70
0
32
outubro
52
0
51
0
junho
145
setembro
185
agosto
230
maio
173
abril
136
março
0
151
fevereiro
100
104
janeiro
200
julho
300
Face Oculta
DN: Total Freeport: 1022; Total BPN:1153; Total Face Oculta: 684.
Gráfico 6— Gráfico de intensidade dos casos Freeport, BPN, Face Oculta no DN (Fonte dos dados: DN
online http://www.dn.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa, acedido em julho de 2012)
No CM, tendo em consideração que a intensidade da cobertura jornalística é
menor em todos os casos, dado tratar-se de um jornal popular e tabloide, verificamos
que, cada novo caso vem substituir o anterior. Os picos por caso são bastante
semelhantes ao DN, no entanto a diferença está no seu apelo “escandalizante”, visível
nos enquadramentos e no tom da notícia. O Freeport manifesta dois picos: em fevereiro
(denúncia do envolvimento da família do primeiro-ministro e receção de avultadas
somas no licenciamento do Freeport) e em abril (divulgação do DVD em que Charles
Smith denúncia o suborno do primeiro-ministro). O caso BPN apresenta, tal como no
DN, dois picos, um em maio e outro em julho, salientando o envolvimento de grandes
figuras políticas dos governos democráticos. O caso Face Oculta surge no CM em
novembro e centra-se no envolvimento dos gestores das empresas públicas e nas
relações entre o primeiro-ministro e o gestor da Caixa Geral de Depósitos, Armando
Vara.
280 Intensidade - Casos CM
2009
0
2
0
0
0
0
fevereiro
março
abril
maio
junho
julho
16
99
0
BPN
21
18
9
22
25
18
dezembro
0
Freeport
35
17
25
16
novembro
32
57
40
outubro
72
51
45
63
60
setembro
61
79
agosto
73
52
147
92
91
janeiro
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Face Oculta
CM: Total Freeport 529; Total BPN 500; Total Face Oculta: 221.
Gráfico 7— Gráfico de intensidade dos casos Freeport, BPN, Face Oculta no CM (Fonte dos dados: CM
online http://pesquisa.cmjornal.xl.pt/? , acedidos em julho de 2012).
A análise dos dados da rádio parece demonstrar um ritmo mais constante na
cobertura jornalística, embora se possam identificar picos, nomeadamente, quando
explode o caso Face Oculta em novembro de 2009, com especial relevância para o
envolvimento dos ex-ministros de Cavaco Silva e a ligação passada do Presidente da
República às empresas do BPN.
Intensidade - Casos TSF
2009
Freeport
BPN
Face Oculta
9
25
14
5
dezembro
0
27
novembro
7
15
7
2
outubro
13
0
13
3 0
setembro
0
5
10
agosto
18
0
181
34
julho
19
0
53
48
junho
0
38
maio
0
32
abril
35
fevereiro
28
66
44
março
62
janeiro
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
TSF: Total Freeport 279; Total BPN 304; Total Face Oculta: 217.
Gráfico 8— Gráfico de intensidade dos casos Freeport, BPN, Face Oculta na TSF (Fonte dos dados: TSF
online http://www.tsf.pt/pesquisa/default.aspx?Pesquisa, acedido em julho de 2012)
281 Nos meios analisados os picos no fluxo de notícias correspondem, de uma
maneira geral, a “revelações” associadas a três situações-tipo: envolvimento de
governantes; entrada de novos atores (familiares ou amigos próximos dos “suspeitos”
ou dos arguidos nos “casos” sob investigação) e denúncias de pressões sobre
instituições (tribunais, meios de comunicação, ministério público).
Análise dos dados de televisão
Como media de fluxo a televisão disponibiliza uma enorme quantidade de dados,
tornando a delimitação do corpus uma tarefa complexa que deve almejar ser o mais
representativo possível do universo em análise. Neste estudo exploratório a nossa
atenção recairá na análise dos conteúdos manifestos dos noticiários de televisão,
permitindo assim uma comparação entre os meios analisados. Ressaltamos que, tal
como propõem alguns autores, nomeadamente Grabe (2009), Charaudeau (2005) e
Deacon e al. (1999) a análise do fluxo noticioso televisivo é muito mais que a análise
dos conteúdos das notícias. Como refere Grabe (2009: 67-93) a alfabetização dos
espetadores faz com que reconheçam, para além dos conteúdos manifestos, outros
indicadores importantes como o som ambiente das notícias (aplausos, vaias, vivas,
murmúrios, música, som natural, etc.), os dispositivos emocionais não-verbais
(gestualidade, comunicação interpessoal e corporal, etc.), assim como os dispositivos
técnicos utilizados (close-up, grandes planos, etc.). Conscientes desta realidade, e dado
o objetivo de realizarmos uma pesquisa comparativa, deixaremos para pesquisas
posteriores a descodificação do fluxo noticioso, constituído pela sucessão e acumulação
de imagens, sons e palavras.
Assumindo estes pressupostos, analisaremos a cobertura jornalística televisiva dos
casos Freeport, BPN e Face Oculta nos canais abertos RTP1 (estação pública) e TVI
(estação privada). Em busca da intensidade da cobertura jornalística e da visibilidade
dos atores políticos iniciamos este processo apresentando dados gerais, recolhidos pela
empresa MarktestMedia/Monitor, sobre os noticiários televisivos do ano de 2009. Em
seguida, mantendo os mesmos objetivos, e tendo sempre em mente que se trata de um
trabalho exploratório, faremos uma análise dos sítios online dos dois canais com base
nas peças que disponibilizam quando se pesquisa pela palavra-chave atribuída a cada
282 caso. Também convém lembrar que não são conhecidos os critérios que presidem à
seleção e manutenção destes sítios pelas empresas, constituindo, no entanto, neste
estudo exploratório o nosso universo de referência.
Uma outra observação geral decorre do tamanho das peças — maiores na TVI e
menores na RTP1 — e dos enquadramentos. Estes, segundo Gitlin (1980:7), são
padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação utilizados pelos
construtores da informação para organizar e conhecer o mundo. Na TVI como na RTP1,
os enquadramentos são preferencialmente episódicos — centrados sobre um issue,
facto, ator político ou cenário — mas enquanto na primeira estação há uma tendência
em reforçar a política-espetáculo através de aspetos de informação-entretenimento, na
segunda prevalece o enquadramento temático, centrado na explicação do issue ou
acontecimento (Iyengar, 1991).
Dados
gerais,
recolhidos
pelo
serviço
Telenews
da
empresa
MarktestMedia/Monitor contabilizaram 2 490 horas de informação, num total de 85 303
peças noticiosas, correspondendo a uma média de 1 hora e 42 minutos diários por canal.
A RTP1, canal público, e a SIC, canal privado, apresentaram o maior número de peças,
seguidos da TVI e da RTP2. No que toca ao tempo despendido por cada canal na
emissão de notícias, a RTP1 foi o canal que mais tempo dedicou à informação, cerca de
883 horas (35%), seguido da SIC (28%, cerca de 691 horas), da TVI (27%, 679 horas) e
da RTP2 (10%, 236 horas). Neste estudo a Telenews salienta que a TVI foi o canal que,
face ao ano anterior, mais cresceu no número e na duração de peças noticiosas.175 Esta
observação e o facto de a TVI ter sido objetivamente pressionada pelo poder político,
nomeadamente na pessoa da apresentadora do jornal das sextas-feiras176 constitui uma
justificação para a análise pormenorizada que iremos empreender das notícias desta
estação.
175
Markteste
MediaMonitor.Telenews:
“85
mil
notícias
na
TV
em
2009”
(http://www.marktest.com/wap/a/n/id~14ae.aspx, acedido em julho de 2012).
176
Cfr: “Jornal de Sexta suspenso: direcção da TVI demite-se.” iInformação, 03 de setembro de 2009.
www.ionline.pt/.../21214-jornal-sexta-suspenso-direccao-informacao...
283 Número e percentagem de peças por canal: 2009 0% TVI 22264 26% SIC 27043 32% RTP1 27731 32% RTP2 8265 10% Gráfico 8 – Número e percentagem de peças por canal em 2009 (Fonte: MediaMonitor: Telenews
(http://www.marktest.com/wap/a/n/id~14ae.aspx, acedido em julho de 2012).
As análises mensais realizadas pela mesma empresa concluíram que em janeiro se
observou um maior número de notícias (7 493 peças) e uma maior audiência média
(8.8%), enquanto em junho se registaram menos notícias (6 556) mas com maior
duração média (1 minuto e 51 segundos). Ressalvamos que no início de junho se
realizaram as eleições europeias. Com base nos mesmos dados verificámos, também,
que os meses de julho e agosto cativaram menos audiências (respetivamente 6.7% e
6.5%), mantendo sensivelmente o mesmo número de peças e a mesma duração média.
Salientamos que estes meses correspondem às férias de verão e o padrão de cobertura
noticiosa política tende a adaptar-se ao vazio gerado pelo encerramento do parlamento e
pelas férias de grande parte dos políticos. Observamos, também, que tal como em junho
— mês em que ocorreram as eleições europeias — setembro, mês em que decorreu a
campanha e as eleições legislativas, é um dos meses com menor volume de notícias
(6 819) e menor audiência (6.9%). 177
A análise dos protagonistas políticos das notícias, ao longo do ano de 2009,
confirma a visibilidade do então primeiro-ministro, José Sócrates, que surge com
intervenções na primeira pessoa em 1 879 notícias (RTP1, RTP2, SIC e TVI) e em
177
A nota metodológica da empresa MediaMonitor: Telenews informa: “As audiências expressas nesta
análise referem-se apenas à audiência média obtida pelas peças jornalísticas incluídas nos programas de
informação em análise. Não inclui genéricos de abertura ou fecho e é feita com base em todas as peças
noticiosas independentemente da diferente duração dos noticiários. Esta análise considera apenas os
serviços regulares de informação dos canais em análise no período compreendido 1 de Janeiro e 31 de
Dezembro de 2009. Em análise estão os seguintes programas: Jornal da Tarde, TeleJornal e Portugal em
Directo (RTP1); Jornal 2 (RTP2); Primeiro Jornal e Jornal da Noite (SIC); Jornal Nacional e Jornal da
Uma (TVI)” (http://www.marktest.com/wap/a/n/id~135b.aspx , acedido em julho de 2012).
284 notícias com maior duração. 178 A líder do partido de oposição (PSD), Manuela Ferreira
Leite, ocupa o segundo lugar protagonizando 1 025 notícias, com 42 horas e 39 minutos
de duração. O presidente da república, Cavaco Silva, aparece em sexto lugar na lista dos
dez protagonistas políticos de 2009 com uma visibilidade de 33 horas e 36 minutos. No
entanto, esta posição do presidente da república alterou-se ao longo do ano. No primeiro
trimestre registou o segundo maior protagonismo (198 notícias, cerca de 7 horas),
depois do primeiro-ministro (437 notícias e 18 horas e 40m) e antecedendo a líder de
oposição (217 notícias e 7 horas e 31 minutos). Os dados do primeiro semestre de 2009
colocam o presidente da república em terceiro lugar (444 notícias, cerca de 16 horas),
numa ordem encimada igualmente pelo primeiro-ministro (886 notícias, 38 horas) e
pela líder da oposição (476 notícias, 18 horas).179
Evolução Opinião Pública: Presidente da República e Primeiro-­‐ministro em 2009 PM 63,2 65,8 67,5 68,3 66 63,6 58,7 59,5 58,9 novembr
o dezembr
o outubro setembr
o agosto julho junho 38,5 41,6 34,9 37,9 29,2 26,3 24,7 29,4 32,7 35,6 maio fevereiro janeiro 31,7 30,1 66,8 abril 60,8 março 64,4 PR Gráfico 9 – Avaliação da opinião pública do presidente da república e do primeiro-ministro em 2009
(Fonte: Barómetro político http://www.marktest.com/wap/a/p/m~200911/s~3/id~e9.aspx acedido
em julho de 2012; http://www.marktest.com/wap/a/p/m~200911/s~2/id~e9.aspx, acedido em julho de 2012)
A evolução deste barómetro político, recolhido pela Marktest, decorrente de
sondagens que têm como objetivo aferir a evolução da opinião pública face aos
principais representantes da democracia, demonstra as oscilações da opinião pública
face aos dois representantes máximos da democracia. 180
178
Cfr: segundo nota metodológica da Marktest MediaMonitor Telenews “Esta análise exclui eventuais
programas, debates ou entrevistas realizadas no período, considerando apenas os serviços regulares de
informação. Na contabilização do tempo, considera-se o tempo total de duração da notícia”.
(http://www.marktest.com/wap/a/n/id~14b2.aspx, acedido em julho de 2012)
179
Cfr: http://www.marktest.com/wap/a/n/id~13b3.aspx acedido em julho de 2012.
180
Cfr: http://www.marktest.com/wap/a/p/m~201001/s~5/id~e9.aspx
285 Ao cotejar os dados sobre a visibilidade dos protagonistas com os índices
recolhidos no barómetro político, e tendo em consideração os objetivos do nosso
trabalho, poderemos avançar algumas leituras: 1ª – a visibilidade do presidente da
república e do primeiro-ministro parecem estar em linha com a divulgação de notícias
sobre os casos Freeport e BPN; 2ª – a intensidade da cobertura e os issues divulgados
destes casos poderão justificar, no primeiro semestre, a queda dos índices de opinião
pública sobre as duas principais figuras da democracia; 3ª — os índices de opinião
pública mostram variações entre os 30 e os 15 pontos percentuais, sendo que em maio o
presidente da república se distancia, claramente, do primeiro-ministro vindo a
aproximar-se de forma muito significativa em outubro.
Salientamos que a cobertura noticiosa televisiva do mês de maio focou
preferencialmente as pressões sobre Lopes da Mota, presidente do Eurojust, sobre este
organismo europeu e os procuradores do caso Freeport, estabelecendo relações entre
esse magistrado e o primeiro-ministro (índice de opinião pública do primeiro-ministro
situa-se nos 24.7%). Em maio o presidente da república deixa de ser nomeado no caso
BPN (índice de 65.8%). Em outubro o primeiro-ministro acaba de ser nomeado para um
segundo mandato (índice de 41.6%) e o presidente da república recolhe o menor índice
de sempre de um presidente em exercício, após ter-se pronunciado sobre o caso das
escutas em Belém.181
Aprofundando a análise da cobertura jornalística dos casos Freeport, BPN e Face
Oculta na RTP1 e na TVI iremos procurar responder às perguntas de partida iniciais:
Como a televisão agenda o tema corrupção política? Que intensidade e longevidade
apresentam essas agendas na televisão e em que medida os casos se sobrepõem, ou se
substituem, nos media? Quais os atores com maior protagonismo?
181
Cfr: Caso das escutas em Belém em que o PR é acusado de ter incitado a divulgação da informação
através do seu assessor político. “Assessor de Cavaco Silva terá encomendado caso das escutas”
(http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=1365554&page=2) .
Publicado TSF, 19 de setembro. “No texto publicado pelo Diário de Notícias afirma-se que a iniciativa
para tornar pública a suspeita partiu do próprio chefe de Estado. É isso que diz Luciano Alvarez, editor do
Público, no e-mail que enviou a 23 de Abril de 2008 a Tolentino Nobrega, o correspondente do Jornal na
Madeira. Alvarez informa-o que se reuniu com Fernando Lima, a pedido deste, e que a conversa começou
com o assessor de Cavaco Silva a dizer que estava ali a pedido do chefe de Estado para falar de um
assunto grave. E qual era o assunto? O presidente da república acha que o gabinete do primeiro-ministro o
anda a espiar e que a maior prova disso tinha sido o facto de José Sócrates ter enviado um funcionário do
Ministério da Administração Interna à Madeira só para espiar os passos do presidente e dos homens do
seu gabinete durante uma visita ao arquipélago. Luciano Alvarez relata depois que Fernando Lima lhe
entregou um dossier sobre Rui Paulo da Silva Figueiredo, o tal elemento do MAI…”
286 Na totalidade do ano de 2009 o sítio da RTP1 apresenta 887 peças sobre os três
casos, 235 relativas ao Freeport, 452 sobre o BPN e 200 sobre o Face Oculta, que
apenas se iniciou em outubro. Os picos desta cobertura estão em consonância com
notícias que envolvem o primeiro-ministro e o presidente da república. Em maio a
RTP1 dá destaque, no caso Freeport, às pressões do presidente do Eurojust sobre os
magistrados que investigam o caso estabelecendo relações com o primeiro-ministro.
Nos meses de maio e junho as notícias sobre o caso BPN centram-se nas sessões da
Comissão de Inquérito Parlamentar e nas declarações dos dois principais implicados
(ex-ministros dos governos de Cavaco Silva), bem como nas pressões que rodearam a
saída de um desses implicados do Conselho de Estado (Dias Loureiro). Em novembro, a
RTP1 foca o caso Face Oculta revelando as escutas que ligam o principal implicado,
ex-ministro e membro destacado do PS, ao primeiro-ministro.
RTP1 2009 -­‐ Intensidade Casos Freeport, BPN e Face Oculta 154 111 43 33 0 39 33 0 37 33 0 56 20 33 0 0 Freeport 96 51 7 0 9 0 BPN 15 5 2 0 0 4 19 11 2 31 4 27 8 4 Face Oculta RTP1: Total Freeport: 235; Total BPN: 452; Total Face Oculta: 200
Gráfico 10 — Intensidade da cobertura televisiva dos casos Freeport, BPN e Face Oculta na RTP1 no
ano de 2009 (Fonte: sítio online da RTP1 (http://pesquisa.rtp.pt/ acedido em julho de 2012).
Na RTP1 o protagonista do caso Freeport é o primeiro-ministro, mencionado
como ator ativo em cerca de 48% das notícias, segue-se o presidente da república e o
presidente do Eurojust. O caso BPN tem como ator principal o conselheiro de Estado
Dias Loureiro, ex-ministro do governo de Cavaco Silva; o presidente da república e o
primeiro-ministro. No caso Face Oculta surge como protagonista Armando Vara,
destacado membro do PS e membro do conselho da CGD, e o primeiro-ministro.
287 A cobertura jornalística da TVI tem no Freeport o seu pico em abril na
sequência da apresentação de um vídeo onde Charles Smith, um dos arguidos e
mediadores do negócio, acusa o primeiro-ministro de ser corrupto e ter recebido
dinheiro para aprovar a construção do Freeport.
182
O BPN tem o seu ponto alto em
maio, tal como na RTP1, aquando do inquérito parlamentar e demissão do conselheiro
de Estado, acusado de atuação fraudulenta nas empresas associadas ao banco. No caso
Face Oculta o pico situa-se em novembro, enfatizando as escutas telefónicas realizadas
ao principal implicado que implicariam o primeiro-ministro na compra da TVI pela PT
e aludiam a financiamentos ao PS.183
TVI 2009 -­‐ Intensidade Casos Freeport, BPN e Face Oculta 31 23 2 1 0 0 0 0 14 11 1 10 0 2 0 0 Freeport 8 5 0 7 3 1 0 0 0 BPN 3 0 0 11 5 4 3 0 1 1 2 Face Oculta TVI: Total Freeport: 69; Total BPN: 36; Total Face Oculta: 44
Gráfico 11 — Intensidade da cobertura televisiva dos casos Freeport, BPN e Face Oculta na TVI no ano
de 2009 (Fonte: sítio online da TVI http://www.tvi.iol.pt/pesquisa/ acedido em julho de 2012).
Na TVI o protagonismo do caso Freeport centra-se no primeiro-ministro, mas
dispersa em seguida entre o principal arguido, o inglês Charles Smith, a
Procuradoria-Geral da República e o conjunto de magistrados. No caso BPN o
protagonismo é partilhado entre o presidente da república e os dois principais
implicados (Oliveira e Costa, banqueiro e Dias Loureiro, conselheiro de Estado). No
caso Face Oculta o protagonismo divide-se entre Armando Vara, o primeiro-ministro e
a Procuradoria-Geral da República.
182
Cfr:
Jornal
Público
“Cronologia
de
um
caso
mediático”
http://static.publico.pt/homepage/infografia/sociedade/freeport2012/.
183
Cfr: Jornal IInformação “Escutas Face Oculta: Sócrates mentiu ao parlamento sobre TVI-vídeo”, 13 de
Novembro de 2009 http://www1.ionline.pt/conteudo/32780-escutas-face-oculta-socrates-mentiu-aoparlamento-tvi-
288 RTP1 e TVI -­‐Intensidade dos casos Freeport, BPN e Face Oculta RTP1 Freeport RTP1 BPN RTP1 Face Oculta TVI Freeport TVI BPN TVI Face Oculta RTP1: Total Freeport: 235; Total BPN: 452; Total Face Oculta: 200
TVI: Total Freeport: 69; Total BPN: 36; Total Face Oculta: 44
Gráfico 12 — Intensidade da cobertura televisiva dos casos Freeport, BPN e Face Oculta na RTP1 e TVI
no ano de 2009 (Fonte: sítio online da RTP1 http://pesquisa.rtp.pt/; sítio online da TVI
http://www.tvi.iol.pt/pesquisa/, acedidos em julho de 2012).
A comparação das duas estações mostra, a partir dos dados disponibilizados nos
sítios e tomados como universo, que a RTP1 apresenta uma cobertura jornalística
televisiva mais intensa e focada nas duas figuras principais da democracia. A TVI
apresenta menos peças noticiosas mas com maior duração. Por outro lado, na TVI
observamos uma maior dispersão do protagonismo em atores de menor relevância
política. Observamos ainda que, em ambas as estações, os meses de julho e agosto são
os que apresentam menor intensidade na cobertura destes casos. Esta constatação deverá
ter em conta que não só se trata dos meses de férias — menos fontes oficiais e oficiosas
— como também corresponde ao período de campanha eleitoral para as legislativas.
Conclusão
Os dados apresentados anteriormente constituem uma abordagem exploratória à
cobertura jornalística da corrupção política, na imprensa, na rádio e na televisão, num
ano pautado por eleições. Sendo um estudo exploratório, que incide na análise de
conteúdo manifesto de notícias sobre a corrupção política nestes meios, não poderemos
generalizar as conclusões. No entanto, iremos tentar identificar algumas tendências na
cobertura jornalística e avançar alguns elementos que permitam estabelecer alguns
289 padrões de cobertura da corrupção política, tendo em consideração que se trata de um
ano de eleições e por conseguinte envolver a cobertura “tendencialmente negativa“ de
um final de mandato de um primeiro-ministro.184 Convém ainda referir que estes
fenómenos ocorrem num quadro em que a estrutura institucional governativa que rege a
interação entre atores públicos e privados parece constituir um fator decisivo para o
aumento de práticas de corrupção e a complexificação da sua natureza, bem como a
frágil identidade do Estado face aos interesses económicos instalados.
Este estudo preliminar parece apontar para uma crescente cobertura jornalística de
casos de corrupção na imprensa, na rádio e na televisão. A sucessão dos casos exige um
volume maior de peças publicadas, para que cada novo caso possa, a partir da saliência
de cobertura jornalística, “chamar” a atenção dos públicos e audiências. Neste sentido,
poderíamos avançar que há uma escandalização crescente em torno da denúncia
jornalística dos casos de corrupção onde estão envolvidos políticos. Parafraseando
Schudson (2004: 1231-2010) o escândalo parece estar no centro da ação política e
constituir, igualmente, a única preocupação política dos media na atualidade, servindo à
sociedade de massas, simultaneamente de entretenimento e de garante da moral e da
ordem.
Aprofundando as conclusões da cobertura jornalística sobre os diferentes meios
notamos que o DN e o CM, sendo vocacionados para públicos-alvo diferenciados,
conferem crescente atenção a estes fenómenos, sendo que o primeiro diário apresenta
uma cobertura mais intensa e o segundo mais picos de saliência, centrados na
escandalização. Por outro lado, a continuidade da cobertura de casos de corrupção na
TSF, uma rádio noticiosa que acompanha grande parte dos automobilistas ao longo do
país, permite como fala Maia (2006) um contínuo ruído de issues relacionados com
aquele tema.
Nos canais de televisão analisados e a partir dos dados disponibilizados nos sítios,
observamos o mesmo padrão, cada novo caso corresponde a um aumento da intensidade
da cobertura. No entanto, a televisão pública (RTP1) apresenta menos elementos de
escandalização no que toca aos enquadramentos e tom, apesar de atribuir maior
saliência à cobertura dos casos e aos atores políticos envolvidos. Apesar dos dados que
se encontravam online relativos a esta cobertura contrariarem o estudo anterior da
184
Cfr: Ferin, I. (2007) Finais de Mandato : tendências de cobertura jornalística. In: Ferin, I. (coord.)
Jornalismo e Actos de Democracia. Lisboa: Paulus, pp. 18-47.
290 ERC185, que atribuía à TVI uma maior cobertura em número de peças e duração,
observa-se que este canal apresenta indicadores (tempo, enquadramento, tom) que
apontam para aquilo que Schudson (2004: 1236) designa de “bota abaixo” do
“escândalo da política” patrocinado pelos media de massas.
Ao tentarmos estabelecer os padrões de cobertura jornalística dos três casos
analisados no ano de 2009, podemos avançar, ainda de forma preliminar, com as
seguintes regularidades: fase de denúncia/desocultação; personalização em figuras de
Estado; fase de estabelecimento do círculo de implicados, com ênfase para os atores
políticos; fase de apresentação de móbeis e motivações; estabelecimento de rotinas de
cobertura em torno dos processos em julgamento; saliência atribuída aos arguidos com
relevância política. Em todos os meios analisados a habilidade dos media em chamar a
atenção, tornam estes tópicos foco da atenção pública ou do pensamento dos cidadãos
sobre a coisa pública, determinando a formação da opinião pública e exercendo uma
indiscutível influência na perceção dos issues políticos (McCombs e Reynolds:2002).
Nos casos analisados, se tivermos em conta que a cobertura jornalística envolveu,
preferencialmente, dois atores políticos eleitos para as funções de maior prestígio na
democracia — o primeiro-ministro José Sócrates (caso Freeport e Face Oculta) e o
Presidente da República, Cavaco Silva (caso BPN) — poderemos ter a dimensão do
desgaste do regime neste ano de eleições. No entanto se compararmos a visibilidade
destes atores políticos com os casos onde estão envolvidos, percebemos que não existe
um padrão causa-efeito. Isto é, nem sempre a visibilidade atribuída a estes atores
políticos nos casos de corrupção política, estabelecendo relações com arguidos e atos
denunciados, têm correspondência nas sondagens realizadas e nos barómetros políticos.
Este facto é comprovado pelas reeleições para segundos mandatos, do primeiro-ministro
José Sócrates (27 de setembro de 2009) e do presidente da república, Cavaco Silva (23
de janeiro de 2011). Estes factos põem em causa, por um lado, a relação anteriormente
avançada sobre visibilidade e perceção da corrupção política e a deslegitimação das
principais figuras da democracia. Por outro lado, tendem a reforçar as estratégias de
comunicação política de personalização dentro do princípio popular “falem bem ou
falem mal, mas falem de mim”.
Estes fenómenos de corrupção (Blankenburg, 2002: 149-165) não são novos, mas
adequam-se às alterações do sistema económico, político e ideológico, refletindo,
185
Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) (2009)
291 nomeadamente a chegada de uma nova classe política ao poder, trazendo novas
ambições e um novo sistema de valores. Isto não quer dizer que, anteriormente não
tenha existido fenómenos de corrupção. A explicação avançada para a amplidão destes
fenómenos na Europa ocidental é que esta nova “classe dirigente”, maioritariamente de
origem rural e treinada nas juventudes partidárias, chega à governação sem ter adquirido
o sofisticado know-how das velhas elites dirigentes, sendo assim mais vulnerável às
denúncias de corrupção e ao escândalo. Por outro lado, ela está também mais próxima
das bases clientelistas e dependentes dos círculos familiares e de vizinhança, sendo
pressionadas a satisfazer necessidades reprimidas (Gambetta, 2002: 51). Ao analisarmos
a cobertura jornalística dos casos Freeport, BPN e Face Oculta, pareceu-nos que, para
além da intensidade crescente da cobertura dos fenómenos, existe uma tendência em os
desocultar dentro destes enquadramentos, chamando a atenção para práticas culturais
que novos contextos políticos, económicos e sociais põem em causa.
Acresce ainda a estes elementos o fator “internacional” dos casos de corrupção
política. Na verdade, tendemos a concluir que a internacionalização, ou melhor a
tendência da rede de corrupção ser cada vez mais global, escapa, em grande parte, à
cobertura jornalística dos casos analisados. Esta constatação decorre, no nosso entender,
das dificuldades do jornalismo de investigação, limitado por opções económicas das
empresas jornalísticas, mas também de uma nova cultura de produção da notícia. Assim,
pensamos, que a cobertura jornalística do envolvimento dos interesses internacionais
nos casos de corrupção política em Portugal estão dependentes das fontes e dos meios
institucionais públicos e dificilmente conseguem aceder a fontes internacionais e
estabelecer agendas paralelas de investigação.
A estas questões acrescem quatro outros fatores evocados na literatura
internacional, no sentido de explicar uma maior visibilidade da corrupção política na
atualidade: as mudanças na arena ideológica (a supremacia da política partidária catch
all e o nascimento dos business politicians); alterações do funcionamento da justiça e do
ministério público (independência destes órgãos face ao poder político e capacidade de
avaliação internacional); papel dos media e crescente tecnologização da comunicação
política (a corrupção e o escândalo como “armas de competição política”); pressões
internacionais no sentido de normalizar o mundo dos negócios e promover normas de
competição universais.
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294 11. Meios de Comunicação, corrupção e redes sociais nas eleições
para prefeito no Brasil
Helcimara de SouzaTelles
Pedro Soares Fraiha
Nayla Lopes
Introdução
O objetivo deste artigo é o de identificar vetores que foram preditivos da decisão
de voto nas eleições municipais de 2012, em Belo Horizonte, e, em que medida a
percepção e níveis de tolerância da corrupção por parte do eleitor foram relevantes da
decisão de voto. O artigo busca compreender quais variáveis podem explicar a decisão
de voto nestas eleições municipais , mas, sobretudo, clarificar a temática da corrupção
na opinião dos eleitores, e a maneira como foi abordada nas campanhas. Nesse sentido,
consideramos que a mediação da informação influencia o processo de escolha de
candidatos. Enfatizar o papel da mídia significa supor que a visibilidade e a vinculação
de conteúdos na mídia têm impacto na formação da opinião pública. Os conteúdos
veiculados podem gerar efeitos sobre a decisão de voto, na medida em que constroem
imagens que agregam valor aos atores da representação política e às instituições.
Entretanto, ainda assim é questionável a capacidade que os escândalos políticos
midiáticos possuem para afetar a decisão do voto.
A luz das principais vertentes que discursam sobre o comportamento eleitoral –
sociologia política, perspectiva psicológica e a escolha racional –, pretende-se verificar
os preditores da decisão de voto na capital mineira, sob os efeitos de variáveis que
expressem a exposição dos eleitores às campanhas eleitorais – temas que envolvam
diretamente os atores políticos, neste caso a corrupção –, controladas por atributos
relacionados ao auto-posicionamento ideológico, preferência partidária, aspectos
sócio-demográficos, percepção, e tolerância à corrupção, exposição aos media,
avaliação retrospectiva e outras variáveis políticas.
O artigo está dividido em cinco seções. A primeira pondera a importância da
função mediadora dada aos meios de comunicação e seus possíveis efeitos, em último
termo, sobre a formação da opinião pública e decisão de voto do eleitor. A segunda
seção discorre a respeito dos efeitos da vinculação de conteúdos, sobretudo que
295 abordem a questão da corrupção, sobre os atores e instituições políticas, destacando a
percepção e tolerância à corrupção dos eleitores de Belo Horizonte. A seguinte seção se
destina à análise das campanhas dos candidatos a prefeito, Márcio Lacerda (PSB) e
Patrus Ananias (PT), evidenciada de maneira diferente nas abordagens on-line e off-line,
além de ressaltar os principais temas que estiveram em pauta no Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral. A quarta seção retoma a discussão do comportamento eleitoral
sob a perspectiva das teorias de decisão do voto. Posteriormente são apresentadas
variáveis descritivas retiradas do survey elaborado uma modelo estatístico o qual
fornece indícios de quais seriam os principais fatores que influenciaram a decisão de
voto. Finalmente, exploramos os resultados e avaliamos a hipóteses levantadas.
Os dados foram coletados através de survey, aplicados em Belo Horizonte, em
setembro de 2013, no primeiro turno das eleições municipais de Belo Horizonte. Foram
entrevistados 803 informantes. A margem de erro foi de 3 pp, com intervalo de
confiança de 95%.
Mídia e visibilidade
A importância da função mediadora dos meios de comunicação torna a
visibilidade dos acontecimentos na arena política das sociedades democráticas liberais
disputas sobre as fontes do poder simbólico (Thompson, 2002: 139), uma vez que a
diversidade de interesses, não captada pelas instituições representativas, é orientada por
aspectos de confiabilidade e credibilidade nas instituições. A participação ocorre em
interação com os agentes, na medida em que cria uma situação social na qual os
indivíduos são conectados por meio de um processo de comunicação e de trocas
simbólicas. A demanda por informações na esfera política é atendida em grande parte
através da qualidade de elo que a mídia possui, tendo em vista que a visibilidade dos
fatos na esfera política (sobretudo dos acordos e negociações ocorridos nos bastidores) é
atribuída, sobretudo, aos meios.
A mídia é tratada pela literatura como um canal capaz de produzir efeitos
controversos. Sua ação ora é tida como um incentivo à apatia e à desmobilização
popular em relação à política (Torcal et al, 2003), ora é responsável por maiores níveis
de interesse e participação política, principalmente quando há o acesso a variadas fontes
de informação (Dalton, 1984). Na perspectiva da “democracia centrada na mídia”
296 (Chavero, 2011), na sociedade atual, os meios de comunicação se converteram em um
dos principais atores da esfera política, na medida em que se apresentam como o ponto
de encontro entre os partidos políticos e o cidadão eleitor.
O enfraquecimento dos partidos políticos como mediadores entre os eleitores e
seus representantes e, por conseguinte, à sua menor expressão na obtenção de capital
político, reforça a necessidade de estudos sobre a relação estabelecida entre os meios de
comunicação e os agentes políticos. Os partidos têm perdido espaço e não são vistos
pela maioria dos cidadãos como orientadores do voto. Na ausência de vínculos fortes
entre cidadãos e ocupantes de cargos políticos, a mídia tem sua atuação ampliada, tanto
para quem já conquistou e consolidou sua legitimidade política ao longo do tempo
(capital delegado), quanto para aqueles que, após obterem reconhecimento e
popularidade pelo trabalho exercido em outras áreas, decidem utilizar esta legitimidade
para se arriscar na política (capital convertido). É fundamental ressaltar, no entanto, que
a permeabilidade do campo da política à construção de carreiras por “celebridades”
encontra limites. Os políticos que acumulam o capital delegado tendem a resistir ao
ingresso de outsiders em seu meio, ou seja, impõem uma “taxa de conversão
particularmente desfavorável a capitais simbólicos oriundos de outros campos” (Miguel,
2003: 128), como o econômico ou o midiático, do qual nos ocupamos no momento.
A redução do controle de sua imagem pelos políticos resulta da evolução dos
aparatos de comunicação. Além de haver muitos atores (inclusive oponentes) em
disputa por uma visibilidade midiática favorável, há que se considerar o papel
desempenhado pela internet nos últimos anos. Neste meio, dada a multiplicidade de
emissores, é consideravelmente mais difícil controlar os conteúdos em circulação.
Ademais, a evolução tecnológica tornou portáteis os aparelhos de captação de imagens,
o que aumenta as possibilidades de que figuras públicas sejam flagradas em momentos
desfavoráveis à sua imagem – mesmo que tais momentos pertençam ao âmbito privado
de sua existência. Logo, o controle da imagem tornou-se difícil com os meios de
comunicação tradicionais (especialmente a televisão) e, com a expansão da internet,
parece quase impossível.
Além das gafes e revelações de aspectos íntimos da vida dos representantes
eleitos, os escândalos políticos compõem a faceta indesejada (ao menos por eles), da
visibilidade
midiática.
O
funcionamento
das
instituições
representativas
é
incompreensível para os menos interessados em política, e os próprios atores políticos
não fazem muito esforço para levar ao conhecimento geral os procedimentos e rituais
297 que se desenvolvem nos bastidores de tais instituições. Graças ao trabalho de jornalistas
investigativos e à atuação de entidades da sociedade civil (ou mesmo de cidadãos
participativos), o “véu de segredo” (Thompson, 2008) no qual estão envoltos acordos
políticos tem sido retirado em inúmeras ocasiões, com desdobramentos diversos. O
interessante é que um escândalo não é assim definido pela mídia após sua ocorrência,
mas a visibilidade através dos meios de comunicação se impõe como “parte constitutiva
do evento como escândalo (Thompson, 2008: 29). Em outras palavras, um escândalo é
assim classificado por adquirir espaço na mídia, levando à ocorrência de
desdobramentos que, possivelmente, não seriam verificados se não fosse a visibilidade
midiática.
Cabe destacar que a elevada incidência de escândalos políticos, desde meados do
século XX, não decorre necessariamente da degradação moral das novas gerações de
políticos. O que acontece é que, conforme explicitado anteriormente, aumenta-se a
observação de atitudes associadas ao caráter dos políticos, tanto no âmbito de sua vida
pública quanto da privada. Quando se tem uma pessoa (e não seu trabalho, sua atuação,
sua postura pública) em alta conta, espera-se dela a correção dos atos e a manutenção de
uma reputação imaculada, não somente no que concerne aos interesses da sociedade.
A expectativa por políticos “virtuosos”, aliada à exploração de comportamentos
reprováveis dos políticos pela mídia, acarreta a desconfiança nos políticos, de modo que
aquele que “rouba, mas faz” pode até mesmo ser legitimado pela parcela descrente de
eleitores. À primeira vista, parece incoerente que o eleitor busque candidatos que
pautem sua vida por valores socialmente aceitos e, ao mesmo tempo, que não acredite
que este perfil de político exista de fato (o que o levaria ao pragmatismo na escolha ou
de escolher o “menos pior”. Porém, o sucesso de outsiders pode ser um indicativo de
que, embora creiam na “contaminação” do campo político, os eleitores buscam
alternativas. É neste contexto de desconfiança nos representantes tradicionais da política
no que ela tem mais escuso que se fortalecem os novatos e alternativos.
Assim como na desinformação sobre o funcionamento das instituições, os
postulantes também desempenham um papel importante para que se apresente um
cenário de descrença dos cidadãos. As campanhas eleitorais de muitos deles enfocam os
episódios de desvios de conduta envolvendo oponentes, numa tentativa de desqualificálos e, naturalmente, de se colocarem como opções mais próximas do que se espera de
um representante. A confiança depositada num político adviria, ironicamente, do fato
de ele não evidenciar (ou, em casos extremos, até mesmo negar) seu pertencimento ao
298 campo da política – pelo menos no seu sentido pejorativo. Neste contexto de
centralidade das imagens públicas, é inevitável que a mídia se coloque como um ator
político de peso – o que, vale reiterar, não quer dizer que a política se submeta
completamente à sua lógica de funcionamento186.
Mídia, desconfiança e percepção da corrupção
Casos de corrupção são exibidos na mídia, tanto impressa quanto eletrônica.
Imagens registradas com câmeras escondidas e gravações de conversas telefônicas
colocam lideranças políticas em situações no mínimo embaraçosas e, em último termo,
inviabilizam a continuidade de suas carreiras. Nesta seção, pretendemos refletir sobre
causas e efeitos da divulgação midiática de episódios que se convertem, então, em
escândalos de corrupção. A desconfiança na classe política – e, de modo mais amplo, os
baixos níveis de confiança interpessoal – acabam sendo reforçados pelos escândalos,
nos quais mudam somente os personagens.
Alguns achados, como os apresentados por Casas e Rojas (2011), sugerem que,
quanto maior a percepção de corrupção, dada sua exposição na mídia, menor é a
confiança nas instituições, incluindo os partidos políticos. Canel e Sanders (2003)
argumentam que uma das fontes de poder da imprensa é a habilidade para construir
narrativas fortes, que enfocam incidentes de forma memorável e apontam para
significados mais extensos. Este poder constitui a chamada função de agenda-setting
dos meios de comunicação social (McCombs e Shaw, 1972), que reside precisamente na
capacidade que possuem para conferir visibilidade a problemas sociais que, de outra
forma, dificilmente chegariam ao conhecimento do público. Neste sentido, a notícia é
resultado da leitura efetuada pelo autor sobre a realidade que lhe é dada a observar e que
pretende mostrar.
Os efeitos deletérios que a visibilidade midiática garante sobre os acontecimentos
que envolvem práticas corruptas podem ser entendidos como a deterioração da
confiança, tanto nas instituições políticas como na própria mídia. A partir da exposição
dos escândalos de corrupção, e considerando a expectativa dos cidadãos quanto à
186
O exemplo do Mensalão, escândalo midiático de grandes proporções que envolveu políticos brasileiros
no ano de 2005, é bastante esclarecedor. Embora tenha sido reeleito em 2006, o ex-presidente Lula foi ao
segundo turno e precisou escapar ao máximo de confrontações que o obrigassem a discorrer sobre o
assunto.
299 segurança jurídica, eficácia e aplicabilidade das leis, conforme estabelecidos no Estado
Democrático de Direito, os fundamentos do sistema político podem ser mal
compreendidos segundo o “modo de produção” e difusão das mídias, possíveis
protagonistas de uma ação intencionada à mescla entre verdades e mentiras e
descontextualização de notícias e acontecimentos. Se o fato torna-se recorrente,
poderíamos questionar a percepção dos cidadãos quanto à legitimidade das ações
institucionais e midiáticas.
Nesse sentido, a opinião pública pode se aprofundar em descrédito quanto ao
sistema político, sem poupar a atuação da própria mídia do mesmo julgamento. O efeito
da desconfiança institucional ocorre no momento em que reforça a cultura de
personalização das relações políticas, sobrepondo lideranças individuais às instituições
de representação, ou descaracterizando formas tradicionais de representação. De modo
adicional e complementar, quando a opinião pública percebe que a mediação entre
instituições e sociedade é corrompida, a legitimidade do sistema político, ou do regime
democrático, pode aprofundar o descrédito (Seligson, 2002).
Power e Jamison (2005) evidenciam que a desconfiança dos cidadãos brasileiros –
e, num contexto mais amplo, latino-americanos – não tem como alvo apenas os
políticos, mas é bem
mais generalizada. Ao apresentar dados que indicam que a
confiança interpessoal é ainda menor que aquela depositada em instituições tão
desacreditadas quanto os partidos e o Congresso Nacional, os autores demonstram que,
para além do alarmismo quanto aos possíveis impactos da desconfiança em políticos e
instituições sobre os regimes democráticos, é possível encarar esta situação como
reflexo de um quadro mais amplo e não como indicativo de que as democracias – em
que políticos e instituições não são vistas com confiáveis – estão fadadas ao fracasso.
Ademais, o declínio da confiança em instituições e em políticos não é específica da
América Latina, mas representa um fenômeno de dimensões globais.
Por outro lado, isso não quer dizer que esteja “tudo bem” (Power e Jamison, 2005:
66) no Brasil. Por mais que o retorno a um regime autoritário não pareça uma ameaça
real no contexto em que vivemos, é preciso considerar o seguinte: se, para as
democracias consolidadas, o impacto da redução da confiança dos cidadãos em
instituições democráticas não abala a manutenção dos regimes democráticos em virtude
do estoque de legitimidade, qual o efeito deste declínio em sociedades que não contam
com o mesmo reservatório de legitimidade em relação à democracia? Para onde os
latino-americanos tendem a “correr” diante do descrédito que demonstram em
300 referência a partidos e outras instituições de representação? Seria o desencanto um
resultado inevitável deste cenário? Quais os desdobramentos práticos da desconfiança
nas novas democracias?
Privilegiando o estudo do contexto em que se constituem as democracias da
América Latina, Power e Jamison (2005) buscam apontar as principais causas e
consequências dos baixos índices de confiança. Como causas, temos o fraco
desempenho econômico (sobretudo na incapacidade de reduzir as desigualdades),
corrupção e uso instrumental das instituições políticas. Destas, destacamos a última, por
ter o potencial de afetar de maneira que nos parece mais acentuada a credibilidade tanto
dos políticos quanto das instituições. Casos de corrupção podem ter um impacto sobre a
reputação dos políticos (não apenas dos envolvidos nos escândalos), mas, daí a gerarem
desconfiança nas instituições, existe um caminho que passa pela sensação de
impunidade diante dos episódios. A percepção de que os governantes tratam as leis e
instituições da democracia com descaso ou de modo a atender a interesses particulares
põe em dúvida não apenas o caráter destes políticos, mas a confiabilidade nas
instituições que eles modificam a seu serviço e, no limite, da classe política como um
todo. “Constituições e leis são vistas como inconveniências, em vez de limites
institucionais à política. O resultado final é que os políticos são percebidos como
governando para eles mesmos, não para o povo” (Power e Jamison, 2005: 81).
Quanto às consequências da desconfiança política, a principal delas, ainda de
acordo com Power e Jamison (2005), é a dispensabilidade dos políticos. Esta, por sua
vez, pode gerar um fenômeno bastante interessante e que se verifica em inúmeros
processos eleitorais no Brasil: “na tentativa de escapar da identificação com a classe
política, com os partidos tradicionais ou com rótulos ideológicos, muitos políticos
escolhem atacar as instituições de representação (Power e Jamison, 2005: 85).
Neste contexto de desconfiança em pessoas e em instituições, é fundamental
refletirmos acerca da postura dos cidadãos diante das possibilidades cotidianas de
praticarem atos de corrupção. Quando se trata dos políticos, a condenação a práticas de
mau uso ou desvio de recursos públicos é corrente, bem como a crença de que a maioria
dos ocupantes de cargos públicos teria a mesma atitude diante de oportunidades de
obterem benefícios pessoais em detrimento do interesse público. Mas, quando se trata
de “pequenas” atitudes do dia a dia, os brasileiros as entendem como corrupção? São
igualmente intolerantes a estes desvios de menor porte e cometidos por cidadãos
comuns ou, ao contrário, encontram justificativas para tais atos?
De acordo com
301 pesquisas realizadas por Cervelini (2006), a corrupção encontra-se ainda presente no
cotidiano dos próprios brasileiros que, se por um lado criticam a existência dela na
esfera pública, por outro lado podem fazer uso destas mesmas práticas, se estivessem no
lugar dos políticos.
Além das questões anteriormente colocadas, o cenário de desconfiança
generalizada decorre do senso comum de que “o brasileiro comum tem um caráter
duvidoso e que, a princípio, não se nega a levar algum tipo de vantagem no âmbito das
relações sociais ordinárias” (Filgueiras, 2009: 387). Buscando rechaçar este
pressuposto, Filgueiras defende que atos de corrupção não se devem a desvios de caráter
inerentes aos brasileiros, mas à existência de regras informais que distinguem as
práticas de corrupção “toleráveis” daquelas inaceitáveis. Tal distinção reside no que ele
classifica como uma “antinomia entre o mundo moral e o mundo da prática”, ou seja, o
paradoxo entre as leis morais – que não deixam espaço para a aceitação a atos corruptos
– e o funcionamento prático das instituições e das interações sociais, onde a corrupção
ocorre e, até certo ponto, é tolerada.
Isso leva à constatação de que não podem ser considerados somente elementos de
ordem institucional para a análise da percepção e tolerância à corrupção no país. A
cultura política também precisa ser tida em conta para que se compreenda, entre outros
exemplos possíveis, a antinomia presente no fato de um mesmo indivíduo condenar
veementemente a desonestidade dos políticos e considerar aceitável vender seu voto,
sonegar impostos ou tentar subornar um guarda de trânsito para evitar uma multa. O
envolvimento de elementos da cultura política não complexifica a discussão sobre
corrupção e torna ainda mais difícil a implementação de soluções eficazes e de curto
prazo para o cenário detectado no Brasil187.
A tolerância à corrupção não é um desvio de caráter do brasileiro, uma propensão
e culto à imoralidade, nem mesmo uma situação de cordialidade, mas uma disposição
prática nascida de uma cultura em que as preferências estão circunscritas a um contexto
de necessidades, representando uma estratégia de sobrevivência que ocorre pela questão
material: “[...]. Isso implica que a corrupção represente um desafio à democratização
brasileira, não no plano formal, mas no plano da cultura política. Não se pode dizer,
portanto, que o brasileiro típico represente um caso de ausência de virtudes. As
187
Moisés (2011) também realiza pesquisas que enfatizam as variáveis de cultura política e seus efeitos
sobre a tolerância dos brasileiros à corrupção.
302 democracias não podem confiar apenas nas virtudes dos cidadãos, uma vez que é
fundamental pensar a efetividade das leis” (Filgueiras, 2009: 417).
Considerando o contexto brasileiro, é válido afirmar que a corrupção cometida por
agentes políticos chega aos cidadãos, em grande medida, através das notícias veiculadas
nos meios de comunicação. Por isso mesmo, alguns governantes defendem que não
houve o crescimento da corrupção nas últimas décadas, mas sim o aumento da
divulgação dos episódios e de sua exploração midiática. A este respeito, é interessante
observarmos, mesmo sem o embasamento de dados conclusivos, que casos em que
pessoas comuns demonstram honestidade – ao devolverem grandes quantias em
dinheiro encontradas na rua, por exemplo – ganham destaque em noticiários, como se o
pressuposto fosse de que os indivíduos não têm a mesma obrigação de serem honestos
no âmbito privado. Ao contrário, a expectativa de que figuras públicas pautem suas
ações sobre valores como a sinceridade e a integridade é reforçada pela ampla
disseminação de casos em que estes princípios são desconsiderados.
Como um dos critérios de noticiabilidade é a ocorrência do inesperado ou a
ruptura da normalidade (Traquina, 2005), é possível inferir que se espera dos agentes
públicos que se norteiem por rigorosos preceitos morais, embora se admita uma certa
inclinação “natural” dos indivíduos à desonestidade – o que eles colocariam em vigor na
vida privada. Estes limites entre público e privado se tornam ainda mais tênues e
confusos se considerarmos a grande visibilidade dada pela mídia à vida pessoal de
figuras públicas, conforme apontamos em outra seção deste mesmo artigo.
Abordamos, até o momento, as possíveis causas da percepção e tolerância à
corrupção, bem como a principal consequência da ocorrência destes dois fenômenos: a
desconfiança interpessoal e nas instituições representativas. Porém, é oportuno
colocarmos a seguinte questão: os brasileiros intolerantes à corrupção e aqueles que
notam sua incidência são a maioria ou falamos aqui sobre um grupo de pequena
expressão?
Em comparação a outros países, a percepção da corrupção pelo “brasileiro médio”
está em um patamar parecido com o constatado entre cidadãos de países como Estados
Unidos e Canadá, nos quais imaginamos que seja menor a incidência deste problema
(Rennó et al, 2011: 66). Isso nos leva a outra forma de mensuração, complementar à
percepção, que indique uma “taxa de corrupção” mais aproximada da realidade: trata-se
da vitimização por corrupção. Diferentemente da percepção, o índice de vitimização por
corrupção – construído a partir de variáveis que envolvem o pagamento de propina para
303 a obtenção ou agilização de serviços públicos ou o recebimento de ofertas de propina –,
aproxima o Brasil de países que passaram por crises democráticas recentemente, como
Equador e Venezuela. O que assemelha as duas formas de investigação do problema da
corrupção são os efeitos: Rennó et al (2001, p. 89-90), constataram que tanto a
vitimização quanto a percepção afetam negativamente a crença na aplicação universal
das leis e na capacidade de punição do sistema judiciário.
Quando a sensação de impunidade está presente, abre-se caminho para a prática
da corrupção – e a simples pressuposição de que os demais indivíduos pensarão da
mesma forma torna evidente a tendência de reforço da desconfiança interpessoal.
Voltamos, então, ao cenário inicialmente desenhado – se não um pouco pior.
Percepção e tolerância à corrupção
A sensação de que o problema está arraigado em diversas esferas da sociedade e
que se reproduz de maneira recorrente e mais visível no âmbito político, tem revelado
que a confiança da população, tanto nas instituições políticas como nas relações
interpessoais, está fragilizada. A exposição de práticas corruptas sinaliza aos agentes
que além de corromperem a ordem pública, os eleitos estão mais inclinados a
representarem o interesse privado que o público. Esta seção destina-se a apresentar a
percepção da corrupção da população belorizontina.
A frequência com que o indivíduo é exposto à mídia não pôde ser captada pela
pesquisa realizada com os eleitores. Então, foi utilizada uma variável que aproxima o
grau de inserção do cidadão no debate político, a medida de “interesse por política”.
Sobre essa variável supomos que um maior interesse conduza o indivíduo a se informar
e inserir-se mais no debate sobre as eleições. Segundo Almond e Verba (1989), a
medida de interesse por política pode representar um indicador importante da cultura
cívica da população.
304 Gráfico 1. Interesse por política em Belo Horizonte (%)
32,70
28,10
30,70
Pouco
Nada
8,60
Muito
Mais ou menos
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte – Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE. Base: 784
O baixo percentual de entrevistados que declaram se interessar muito por política,
é significativo. O fato de mais de um terço da amostra não se interessar “nada” por
política pode expressar apatia dos entrevistados, mas não podemos afirmar se ela
provém apenas de uma desconfiança generalizada do sistema político; importa
apresentá-la e relacioná-la á outras variáveis.
Tabela 1. Percepção da corrupção em Belo Horizonte (%)
Perguntas
Conhece ou ouviu falar de algum caso de corrupção nos
últimos meses
Percebe que a corrupção está presente em Belo Horizonte
Sim
Não
70,7
29,3
83,3
16,7
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte – Grupo “Opinião Pública” (UFMG) e IPESPE. Base: 625
Para verificar a percepção da corrupção na cidade de Belo Horizonte, foram
realizadas duas perguntas. A primeira questionou acerca do conhecimento, ainda que
indireto, sobre casos de corrupção, nos últimos meses que antecederam o dia da eleição,
no primeiro turno. Destaca-se que para 83,3% dos respondentes, a corrupção está
presente em Belo Horizonte. Nota-se que 70.7% dos cidadãos conheciam casos de
corrupção. Dentre os entrevistados, 75% dos homens e 67% das mulheres conhecem,
mesmo de ouvir falar, sobre casos de corrupção. Quanto ao nível de escolaridade,
nota-se que os grupos de menor escolaridade são os que menos conhecem casos de
corrupção. Na medida em que a escolaridade aumenta, o conhecimento sobre tais casos
também aumenta. 188
188
Valores: “não frequentou a escola” (58,3%) “primário completo” (49%) “ginasial completo” (36%),
“ensino médio incompleto” (32%) e “ensino médio completo” (30%). Os grupos “superior incompleto” e
305 Quadro 1. Casos de corrupção mais citados pelo eleitorado
Casos mais citados
Frequência
%
Mensalão
419
52%
Caso Cachoeira
45
6%
12
2%
6
1%
Marcos Valério
Dinheiro na cueca
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012. Belo Horizonte – Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE.
O quadro 1 mostra quais casos foram mais citados de forma espontânea entre
aqueles entrevistados que declararam conhecer casos de corrupção: no topo da lista,
nota-se que o julgamento do caso do Mensalão foi o mais lembrado pelo eleitorado,
provavelmente pela cobertura do caso nos meios de comunicação durante as eleições, já
que os supostos envolvidos estavam sendo julgados naquele momento.
O gráfico 2 apresenta a distribuição dos meios de comunicação para aqueles que
responderam ter ouvido falar de casos de corrupção nos últimos meses, questão acima.
O conhecimento dos casos de corrupção associa-se ao “interesse pela política”. Entre os
eleitores que declararam ter muito interesse pela campanha, 90% conheciam ou
ouviram falar de algum caso de corrupção nos últimos meses. Por outro lado, 40% dos
entrevistados que não tinham nenhum interesse pela política desconheciam casos de
corrupção nos últimos meses, contra apenas 10% dos que tem “muito” interesse.
A percepção da corrupção, além de outros condicionantes - participação direta em
atividades políticas, socialização e vínculos de interação pessoal –, é diretamente
influenciada pelo tipo de mídia que é utilizado para se informar.189
“de superior completo a pós-graduação” apresentaram 18% e 12% de entrevistados que não conhecem
casos de corrupção.
189
A diferença percentual entre a percepção e conhecimento de casos de corrupção pode parecer
contraditória,contudo três motivos nos servem de esclarecimento. Primeiro, o distanciamento entre
percepção de corrupção e conhecimento de casos, sendo a segunda situação mais condicionada à
exposição de casos ou escândalos na mídia, já a percepção pode incluir a experiência efetiva do
entrevistado com práticas corruptas. O segundo motivo seria conceitual e próprio da flexibilidade do
termo corrupção, não concebido somente na esfera política, mas considerado recorrente também no
cotidiano, no serviço público ou na justiça.
306 Gráfico 2. Notícias sobre corrupção nos meios de comunicação
Sim
Não
93%
41%
70%
63%
59%
37%
30%
7%
Televisão
Jornais/Revistas
Rádio
Internet
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte – Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE.
A televisão parece ser o principal divulgador dos casos de corrupção: 93% do
eleitorado soube de casos de corrupção através de informações veiculadas pela
televisão. Apesar da popularidade do rádio, somente 37% declararam ter ouvido falar de
corrupção através deste meio de comunicação.190
A significativa presença do escândalo do Mensalão como caso mais citado pode
ter sido influenciada pelo contexto em que a pesquisa foi realizada. O fato do
julgamento do caso acontecer muito próximo da data da eleição de 2012 pôde, em certa
medida, ter influenciado na percepção das pessoas quanto à corrupção. O volume de
exposição sobre o esquema de corrupção foi considerável, bem como o tom negativo
que as notícias assumiam. O julgamento do caso promoveu uma longa retrospectiva
sobre questões centrais do escândalo, da ação criminosa dos envolvidos e, sobretudo,
das evidências apontadas pela Procuradoria-Geral da República. Foi considerado o caso
mais importante da história do Supremo Tribunal Federal – STF –, desde a
redemocratização. Para muitos, o comportamento da imprensa naquele momento foi
entendido como “incendiário”.
190
Relativamente aos grupos de idade, os idosos são os que se informam mais através da televisão (98,4%
dos idosos) e rádio (41% dos idosos), já pela “internet” ou “jornais/revistas” o grupo entre 25 a 40 é o que
mais acessa, 37% e 46% respectivamente. Os meios “rádio” e “jornais/revistas” são mais acessados por
homens que mulheres. A mídia online é mais acessada por aqueles que possuem escolaridade mais alta,
35% e 43% das pessoas que possuem “superior incompleto” e “superior completo ou pós-graduação”
respectivamente declararam receber informações pela internet. Os demais níveis de escolaridade
apresentam média de 25% de acesso à rede.
307 Além da percepção à corrupção, foi verificada a tolerância da população. O Índice
de Tolerância à Corrupção Política (ITCP) foi criado a partir de um bloco de perguntas
que perguntava ao indivíduo qual seria sua atitude diante uma situação caso estivesse no
lugar de um político. A opção de resposta é ordenada na escala de 1 a 4. Sendo o valor
inferior correspondente à “nunca faria” e o último “sempre faria”. As questões
escolhidas para compor o bloco estão no quadro abaixo.
Quadro 2. Perguntas bloco de corrupção
1. Escolher familiares e/ou pessoas conhecidas para cargos de confiança
2. Mudar de partido em troca de dinheiro ou cargo/emprego para familiares / pessoas
conhecidas.
3. Aceitar convites de festas/eventos de empresas particulares que seriam beneficiadas
pela aprovação de leis a serem votadas.
4. Aproveitar viagens oficiais para lazer próprio e de familiares.
5. Receber dinheiro de empresas privadas para fazer e/ou aprovar leis que as beneficiem
6. Usar caixa 2 em campanhas eleitorais
7. Trocar o voto a favor do governo por um cargo para familiar ou amigo
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte – Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE
Aplicamos as sete questões do bloco uma análise fatorial exploratória a fim de
investigar os padrões ou relações latentes para as sete variáveis escolhidas e determinar
aquelas que apresentam características estatísticas desejáveis e comuns entre o bloco, ou
seja, que está já medindo aspectos da mesma dimensão subjacente, no caso a tolerância
à corrupção. A técnica exploratória consiste em observar uma estrutura dos dados sem
estabelecer restrições ou a estimação do número de componentes comum às variáveis.
Esperamos encontrar um índice que não seja contaminado por variabilidade de erro.
Feita a análise, dada à baixa comunialidade, optamos por retirar a primeira e terceira
questões do bloco acima. Portanto as respostas sobre o posicionamento diante do tema
nepotismo e da situação em de aceitar ou não convites para festas e eventos de empresas
particulares que seriam beneficiadas pela aprovação de leis a serem votadas foram
excluídas do índice.
O índice consiste basicamente em somar as respostas que devem estar
compreendidas entre 1 a 4. O máximo e o mínimo de pontos obtidos são 20 e 4
308 respectivamente. Através de análise de cluster (agrupamento) extraímos dois grupos de
característica similares.
abela 2. Índice de Tolerância à Corrupção ITCP
Intolerantes
84%
Tolerantes
16%
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte – Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE
Nota-se que a tolerância à corrupção é relativamente baixa na cidade. Fica
evidente que a maioria dos entrevistados esteve exposta ao tema da corrupção, e o alto
índice de respostas positivas quanto à percepção de práticas corruptas em Belo
Horizonte deixa claro que o eleitor considerava o fenômeno recorrente na capital
mineira. Cabe, portanto, perguntar em que medida o assunto foi abordado nas
campanhas e como se refletiu no momento das eleições.
A corrupção nas campanhas para prefeito
Se os escândalos de corrupção têm presença garantida nos noticiários e estão
constantemente em pauta nos grandes veículos de comunicação no Brasil, não se pode
dizer que este tema tenha recebido a mesma atenção das campanhas eleitorais de 2012,
em Belo Horizonte. A despeito do julgamento dos réus do Mensalão, ocorrido durante o
processo eleitoral deste ano, nem este nem outro episódio referente a corrupção foi
tratado nas campanhas oficiais televisivas dos dois principais candidatos da capital
mineira, Márcio Lacerda (PSB) e Patrus Ananias (PT).
Observando-se todos os programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral,
Telles e Lopes (2013), notaram que o foco dos dois candidatos foi na apresentação das
respectivas trajetórias políticas e realizações durante seus mandatos como prefeitos.
Entre os temas mais tratados, sobretudo por Lacerda, estava a saúde, que era a principal
preocupação dos belo-horizontinos à época do processo eleitoral.
E, embora não tenha abandonado a apresentação de projetos para um eventual
governo, Patrus Ananias concentrou-se em criticar duramente o adversário. Esta
estratégia não parecia a mais adequada ao contexto, tendo em vista a boa avaliação do
mandatário pelo eleitorado da capital mineira – Lacerda era o prefeito mais bem
309 avaliado entre as maiores capitais do país. O que também parece ter contribuído para
seu sucesso nas urnas foi a tática de responder aos ataques – embora não de diretamente,
mas de maneira rápida, objetiva e pragmática, no seu próprio espaço de campanha. Por
ocupar a dianteira nas pesquisas de intenção de voto, Lacerda pode se ocupar mais de
propostas e realizações, apelando ao pragmatismo do eleitorado. Por não poder se
colocar como o postulante da continuidade, Patrus investiu nos apoiadores Lula e Dilma
Rousseff e no seu “caso de amor” com Belo Horizonte. Ele até buscou exaltar suas
qualidades como gestor, mas esta imagem de “gerente eficiente” já estava muito mais
associada a Lacerda. Em suma, quem forneceu mais informações que reduzissem o grau
de incerteza dos eleitores, em virtude de sua posição privilegiada, foi o atual mandatário
(Telles e Lopes, 2013).
Já no ambiente online, onde os emissores são muitos (nem todos identificados), os
conteúdos das postagens costumam ser mais negativos e satíricos do que elogiosos e os
controles da legislação são bem menos efetivos, o leque de assuntos tratados inclui,
certamente, menções à corrupção e a assuntos convenientemente ignorados pelos
postulantes em seus espaços oficiais de campanha. Obviamente, não podemos
considerar para esta análise somente as páginas oficiais dos candidatos, visto que estas,
sim, estão sujeitas a uma fiscalização mais fácil e às possíveis penalidades decorrentes
da aplicação da legislação eleitoral. Um vídeo que circulou durante a campanha de
2008, no qual o candidato Lacerda era vinculado ao Mensalão, num suposto
depoimento do publicitário Marcos Valério (um dos personagens centrais do escândalo),
voltou a ser acessado e compartilhado na web191. Naquela campanha, o candidato
precisou se defender das acusações em seu horário eleitoral, ao contrário do que ocorreu
em 2012 – momento em que a discussão sobre a participação do candidato à reeleição
neste episódio tinha um volume consideravelmente menor que na disputa anterior.
Por ser o candidato do PT, legenda de onde veio a maior parte dos supostos
envolvidos no Mensalão, Patrus Ananias foi associado por alguns usuários da internet a
este escândalo. O foco dos vídeos mais assistidos no site YouTube a este respeito recai
sobre a amizade e o vínculo político de Patrus com o ex-ministro José Dirceu, um dos
petistas condenados no julgamento do mensalão192. No entanto, esta associação entre o
candidato do PT e o Mensalão era fraca e indireta o suficiente para também não precisar
ser respondida em sua campanha televisiva. Tudo o que Patrus se limitou a declarar a
191
192
Vídeo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qXVy4RzI7wc>. Acesso em 31 ago 2013
Vídeo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=g9AILGGycYc>. Acesso em 31 ago 2013.
310 respeito de uso dos recursos públicos é que, durante o tempo em que foi ministro de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (de 2004 a 2010), não houve nenhuma
suspeita de corrupção.
Uma particularidade das campanhas nesta eleição municipal nos induziu a
vincular variáveis sobre corrupção, especialmente aquelas que mensuram a percepção
do problema, à variáveis de exposição à mídia. Pelo acompanhamento das campanhas
no HGPE, constatamos que tanto Patrus quanto Márcio Lacerda utilizaram pouco do
tempo disponível no HGPE, na televisão ou rádio, para atacar seus adversários a
respeito do tema da corrupção. Já a internet, cuja campanha foi observada através do
Observatório das Eleições Municipais193, foi amplamente utilizada para fins de ataque
político entre os candidatos. Na mídia online foram expostos vídeos e notícias por parte
de ambos os grupos na tentativa de desmoralizar seus adversários. Os candidatos
mantiveram uma postura conservadora no HGPE, pois, os ataques baseados na
corrupção poderiam se voltar contra os próprios, uma vez que o vasto material
disponível para acusações era suficiente para insinuar a participação de Patrus e Márcio
em escândalos.
Os aspirantes à prefeitura preferiam então atacar seus adversários com base às
administrações passadas. Esta constatação interessa-nos, pois revela o conhecimento por
parte dos formuladores de campanha sobre a influência da avaliação retrospectiva na
escolha do voto por parte do eleitor.
A decisão do voto para prefeito
Os meios de comunicação são relevantes nas campanhas e nos momentos que a
antecedem, já que eles fornecem aos eleitores uma variedade de informações políticas,
muitas vezes a baixo custo e de maneira cômoda. Nesse contexto, fatores conjunturais –
entre os quais se destaca a campanha eleitoral – adquirem papel de destaque na escolha
dos candidatos. Afinal, indivíduos abertos a novas informações são alvos potenciais dos
instrumentos de persuasão inerentes às peças de campanha. Os efeitos da mídia estão,
193
Projeto do Inweb, DCC/UFMG, em parceria com o Centro de Convergência de Novas Mídias
(CNNM) e com o Grupo de Pesquisa “Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral”,
ambos da UFMG, acompanhou o debate sobre as eleições na Web., em 14 cidades, através do
monitoramento de notícias, comentários, vídeos e acompanhar a repercussão nas redes sociais dos
principais debates e da apuração dos votos.http://www.observatorio.inweb.org.br/eleicoes2012/destaques/
311 portanto, justamente no fato de que, ao refletirem sobre os problemas nacionais, os
eleitores formam impressões dos candidatos, principalmente e de maneira mais regular,
a partir dos ‘meios de comunicação de massa, especialmente a televisão e a imprensa
escrita’, que funcionam como um intermediário entre os candidatos, seus representantes
e eventos de campanha e o público. (Mundim, 2010: 358).
Cabe destacar que, nas campanhas brasileiras atuais, principalmente para cargos
majoritários, os partidos aparecem cada vez menos. A campanha geralmente se
concentra nas figuras do candidato, quando ele tem capital político acumulado, e dos
apoiadores, como pudemos observar ao longo de toda a campanha televisiva das
eleições presidenciais de 2010. Manin (1995) observa que a tendência na democracia de
público é, assim como no parlamentarismo, do voto em uma pessoa, não em um partido,
embora as siglas continuem existindo. Os atributos dos candidatos são exibidos nos
meios de comunicação, o que “aproxima” novamente estes candidatos do eleitorado.
Nesse contexto, tende a ganhar mais votos o candidato que souber trabalhar melhor sua
imagem na mídia.
A midiatização das campanhas eleitorais é apenas um dos componentes da
complexificação da vida social como um todo (Ribeiro, 2004). Não se pode esquecer o
papel destacado dos noticiários e programas televisivos não relacionados ao HGPE.
Para conquistarem visibilidade e legitimidade, os candidatos precisam aparecer não
apenas em seus programas do horário eleitoral, mas em espaços já conhecidos (e cuja
credibilidade já é reconhecida) pelo público.
A centralidade da televisão na campanha não se resume, assim, ao caráter
referencial assumido pelos programas do horário gratuito de propaganda eleitoral em
relação aos demais formatos de comunicação política. O papel central desempenhado
pelos medias na sociedade acaba, ao fim e ao cabo, por fazer com que toda a campanha
se estruture ao redor dessa arena midiática central, com a participação dos candidatos
em debates, programas populares e de entrevistas, com a influência da agenda temática
dos media sobre a agenda temática de candidatos e partidos e com a necessidade de
fabricação de fatos que sejam positivamente noticiáveis pela cobertura dos meios de
massa (Ribeiro, 2004: 38-39). Em outras palavras, os esforços de campanha não se
limitam à confecção de boas peças para o HGPE, mas, também, à produção de eventos
de campanha noticiáveis. Isso porque, “se os candidatos dispõem de mais tempo na
televisão, maior o volume de informações que poderão apresentar para o eleitor e mais
sofisticados podem ser os argumentos de persuasão” (Telles et al, 2009: 98).
312 Visitando a perspectiva de racionalidade dos agentes, no sentido de escolherem
conforme a possibilidade de ganhos futuros, a escolha do representante responsabiliza o
político em aumentar a satisfação dos eleitores, expressa materialmente em rendas. Esse
tipo de abordagem pressupõe que o eleitorado possui informação para processar dois
procedimentos cognitivos, o primeiro de carga retrospectiva e o seguinte, prospectiva.
Ambos compõem a equação dos ganhos esperados no próximo governo em relação aos
benefícios que possui atualmente.
No procedimento retrospectivo a tomada de decisão passa a ser amparada pela
proposição de que, ao avaliar o desempenho gerencial e econômico, os eleitores
estariam utilizando informação passada para aumentarem as chances de alcance de suas
expectativas futuras, ou seja, quais benefícios a escolha da nova administração traria
dado seu desempenho anterior. Pode-se tratar esse comportamento conforme é feito na
abordagem sugerida por Fiorina (1981), baseada no modelo de Downs (1957), em que o
voto retrospectivo representa uma etapa do prospectivo. Ao avaliar o aumento na
satisfação que a administração passada proporcionou, o indivíduo estaria considerando
apenas os resultados das políticas implementadas pelo governante, e não os meio
políticos empregados. Ao contrário, no voto prospectivo é necessário julgar as propostas
dos candidatos para então decidir em qual deles votar.
Daremos atenção preponderante à carga retrospectiva, pois demanda menos
informação por parte do eleitor se comparada às análises prospectivas. Essa adequação
deve-se ao fato de que o estudo se insere num contexto que predomina o perfil de um
público desatento, com pouca informação sobre os candidatos e baixo interesse político,
marcadamente próximo ao eleitor mediano. É mais provável que o eleitor , ao definir
sua escolha, se baseie nos fatos atuais em detrimento dos futuros.
Nossa base de dados fornece uma informação que corrobora com o argumento
anterior. Quando questionamos aos entrevistados sobre as principais razões de voto para
prefeito constatamos que a experiência anterior do candidato mostrou-se mais
importante que as propostas dos mesmos.
313 Gráfico 3. Razão importante para decisão de voto para prefeito.
A experiência anterior do candidato em cargos
públicos e políticos
O programa de governo do partido/candidato, ou
seja, as propostas
47,40
24,60
A ideologia do partido / candidato
10,50
A campanha eleitoral do partido / candidato
As qualidades pessoais e / ou aparência do
candidato
A opinião dos amigos / parentes / vizinhos
O apoio de outros políticos ao candidato
6,60
5,70
3,50
1,30
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte - Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE
Base: 750
Em resumo, a experiência anterior do candidato ou as propostas de governo,
principalmente tratando-se da possibilidade de reeleição de Márcio Lacerda, podem
estar mais vinculadas à decisão de voto se comparadas à questão ideológica do político
ou do partido que representa. Uma análise inicial do gráfico anterior faz-nos supor que o
voto retrospectivo econômico teve mais peso sobre o resultado das eleições que o voto
calcado em fatores ideológicos ou partidários. Um dado que corrobora o argumento é o
fato de que 21% dos entrevistados que declararam votar em Márcio Lacerda alegaram
também preferência partidária pelo Partido dos Trabalhadores, sigla do então
concorrente. O apoio político de outros partidos ao candidato teve expressão mínima
(1,3%). “Qualidades pessoais e ou aparência do candidato”, “A opinião dos amigos/
parente-vizinhos” e” campanha eleitoral do candidato” apresentaram menos
importância.
As eleições e campanhas nas capitais e grandes cidades brasileiras são realizadas
sob a mescla de práticas políticas mais tradicionais ao uso de técnicas sofisticadas de
linguagem televisivas. No tocante às campanhas o partido tem sido posicionado
marginalmente às estratégias de persuasão, sem muita importância no material de
campanha (Telles, Lourenço, Storni, 2009; Lavareda e Telles, 2011). É possível
314 observar que o declínio do voto partidário e o crescimento do voto não ideológico é
também uma realidade em diversos países.
.Ao supormos a carga retrospectiva econômica que pôde ter influenciado no voto
para prefeito, destacamos duas variáveis pertinentes à análise. A primeira diz respeito à
avaliação passada da administração de Márcio Lacerda (PSB); a segunda expressa o
grau de satisfação com a economia do país. A precisão em mensurar efeitos sobre o voto
municipal é mais característica da avaliação gerencial. De acordo com trabalhos de
Fiorina (1981) e Kinder e Kiewit (1981), consideramos a avaliação econômica
importante fator na decisão do voto, a partir do pressuposto de que os eleitores
percebem indicadores econômicos básicos, oferta de emprego e inflação, como sinais de
estabilidade ou não da economia. Portanto, não podemos estender de forma clara tal
avaliação para o âmbito municipal ou prever seu efeito sobre a decisão de voto no
mesmo âmbito sem considerar um viés regional. Tanto é assim que os diferenciais de
resposta para as perguntas sobre avaliação da economia e da administração passada são
significativos.
Gráfico 4. Avaliação da Administração do Prefeito Márcio Lacerda.
29,80 10,80 10,20 Péssimo
Ruim
37,90 11,20 Regular
Bom
Ótimo
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte - Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE
Base: 721
A predileção pelo atalho cognitivo da retrospecção não exime a necessidade em
considerar a sua multidimensionalidade. Entre outros fatores, que não os
tradicionalmente estudados – a avaliação da atuação passada dos políticos e o
desempenho no gerenciamento da economia –, deve-se considerar também aspectos que
emergem de outras esferas de atuação política, tais como a percepção de honestidade e
probidade administrativa, solidariedade social entre outros avanços que não
necessariamente representem valores materiais.
315 Tabela 3. Avaliação gerencial e desempenho da economia (escala de 1 a 5)
Média
Desvio
Padrão
Avaliação da administração do Prefeito Márcio Lacerda
3,28
1,113
Avaliação da situação Econômica do País
1,49
0,987
Fonte: Pesquisa Eleições Municipais 2012, Belo Horizonte - Grupo Opinião Pública (UFMG) e IPESPE
Base: 654
Quanto às dimensões não convencionais do voto retrospectivo, destacamos a
percepção da corrupção como fator que pode ser incluso ao cálculo do eleitor. A análise
dos efeitos da corrupção sobre a decisão de voto importa também para compreensão
mais ampla de contabilidade democrática, sobre a necessidade ou capacidade dos
eleitores em punirem seus representantes. Como expõe Holdbrook (1994), se uma
administração passa a ser associada à corrupção e a escândalos, esse fator passa a ser
caracterizador de seu desempenho passado e critério para o voto retrospectivo. Portanto,
mesmo que a avaliação do desempenho gerencial de determinado candidato seja
positiva, há de se ponderar o peso de casos ou de escândalos de corrupção, que foram
expostos durante o governo.
A percepção de recorrência de práticas corruptas pode minar outras dimensões
retrospectivas. O trabalho de Rennó (2006) aponta que no contexto de eleição
presidencial de 2006, os escândalos que envolviam o governo Lula não foram
suficientes para impedir a reeleição do candidato, portanto outras dimensões
retrospectivas de cunho econômico ou avaliações gerais do governo foram
preponderantes na tomada de decisão dos eleitores. O peso do fenômeno sobre a
decisão de voto assenta-se na hipótese de que escândalos de corrupção possam ter
prejudicado o desempenho dos candidatos ao analisarmos informações sobre a
percepção do problema pelos entrevistados, o nível de tolerância e posicionamento
gerais dos eleitores quanto às práticas corruptas
Considerações Finais
A exposição do fenômeno da corrupção tem, sob determinado contexto,
capacidade para mobilizar e gerar juízos de valor, além de despertar interesses e
316 fomentar a luta por poder simbólico na arena política. A relevância dos estudos de
decisão de voto é evidenciada na diversidade de teorias que fundamentam as principais
pesquisas de comportamento eleitoral. Na literatura, é evidente uma concentração de
estudos sobre as eleições presidenciais, mas a compreensão de como o brasileiro vota
para prefeito e a identificação de fatores que estão associados à sua escolha, ainda
suscitam divergências entre pesquisadores. Atualmente, a identificação com o
candidato, a sua representação política e avaliação da administração passada assumem
importância como preditoras do voto em detrimento da estruturação ideológica e
identidade dos partidos
A decisão do voto nas eleições para prefeito de Belo Horizonte, em 2012,
provavelmente esteve mais relacionada com o voto retrospectivo, especialmente no
tocante à avaliação positiva da administração do candidato Márcio Lacerda. Neste
contexto, a campanha de reeleição de Márcio Lacerda esteve associada à continuidade, e
o candidato esteve à vontade para enfatizar aspectos da sua capacidade de realização,
bem como a aprovação recebida por ele à frente da prefeitura de Belo Horizonte. Da
parte dos principais candidatos, tanto o HGPE quanto os spots e inserções em outras
mídias, exaltaram as realizações dos postulantes ou mitigaram a habilidade ou a
experiência passada dos concorrentes (principalmente se mencionarmos Patrus Ananias,
que, como vimos, investiu bastante em ataques ao oponente de maior relevo).
Os eleitores ficaram expostos a um conteúdo que contribuiu para constituição do
voto retrospectivo, baseado nas capacidades de administração de cada candidato, dado
suas experiências passadas à frente da prefeitura. O eleitorado foi influenciado, ainda,
por uma carga prospectiva que favoreceu o candidato eleito do PSB, ao enaltecer o
discurso de continuidade do projeto ou plano de governo já estabelecido em seu
mandato anterior. Neste contexto, cabe destacar ainda os esforços de Patrus em
valorizar suas qualidades gerenciais, embora este não tenha sido o foco de sua
campanha e num contexto em que a imagem de bom gestor já era marca registrada de
Lacerda.
A mídia online foi utilizada para a promoção de ataques, que tentaram
desmoralizar a atividade política dos principais incumbentes. Pelo modelo logístico, é
possível dizer que Patrus obteve mais sucesso na campanha online, na medida em que é
sua a maioria dos eleitores que declaram ter a internet como principal meio de
informação para as eleições. De modo contrário, Márcio Lacerda angariou mais votos
daqueles que se informam por revistas ou jornais.
317 Apesar da exposição pelos meios de comunicação, a pauta da corrupção
apresentou menos relevância na decisão do voto para prefeito, em comparação a
aspectos econômicos e avaliações de administrações passadas. Apesar do eleitorado da
cidade estar exposto ao tema nacional da corrupção, representada midiaticamente
através do julgamento do caso do Mensalão, este tema não foi utilizado na decisão de
voto. A cobertura e a veiculação massiva de conteúdos sobre corrupção na mídia podem
não acarretar efeitos no momento das eleições – pelo contrário, podem ser danosas, por
ressaltarem patologias institucionais, como o fenômeno da corrupção, em detrimento de
virtudes.
Dado que a visibilidade dos casos e escândalos é garantida principalmente pela
mídia, os efeitos sobre a percepção e o posicionamento do cidadão diante do tema,
podem recair principalmente sobre a confiança nas instituições políticas e o prestígio
dos atores. Ao mesmo tempo em que partidos e políticos utilizam veículos de
comunicação para construir um estoque de capital político simbólico diante do
eleitorado, os escândalos políticos midiáticos podem contribuir para desgastar capitais
políticos. A excessiva visibilidade dada aos escândalos, sem nenhuma contrapartida de
controle judicial e público não estatal, evidencia de maneira nociva as falhas das
instituições representativas, o que pode implicar a emergência de contextos de
instabilidade política, uma cultura de baixa confiança institucional e a sensação de
recorrência das práticas seguidas de impunidade.
Forma-se, então, um círculo vicioso que, embora não seja o foco das campanhas
eleitorais e não esteja no centro das preocupações do eleitor ao decidir seu voto, é difícil
de ser rompido e causa transtornos ao funcionamento da democracia. Ao ser tratado
frequentemente pela mídia, como notícia, a corrupção passa a ser rotinizado e, de
escândalo, transforma-se, na percepção do eleitor, em “fato natural” e atributo de todos
os políticos, o que reduz, assim, a possibilidade do tema da corrupção produzir efeitos
na decisão de voto.
.
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321 12. A objetividade na cobertura do escândalo político e os novos
propósitos de uma subjetividade objetivante
Bruno Paixão
Introdução
Conta-se com eufemismo que dois homens foram condenados a uma pena igual.
Sendo ambos jornalistas, a sentença apontou-lhes o caminho cavo da mesma cela
isolada, para que cumprissem penitência juntos. Esta estória parece deixar-nos diante de
um caminho vazio. Mas o foco nos dois sujeitos exprime a condição da comunicação,
de onde brotam algumas das questões emergentes que aqui pretendemos tratar.
Sem liberdade, não podemos informar, declararam os jornalistas ao guarda do
portão. Encarando isso como uma alegoria, o guarda retorquiu, mandando construir uma
pequena janela para os seus dois prisioneiros, dizendo-lhes que através daquela abertura
poderiam ver a realidade, mas não tocá-la, nem fazer parte dela ou modificá-la.
Sem implicação com a realidade que observam, poderão os jornalistas cumprir o seu
papel informativo? Como sustenta Cornu (1994: 362-363), os jornalistas não são meros
observadores, mas intérpretes e também narradores. Captam os factos, “põem
inteligência e convicções ao serviço da sua compreensão”. E para os expressarem,
“envolvem a sua sensibilidade”. Comunicam-nos por meio da sua linguagem. Isto
conduz-nos a uma dúvida que se encontra no cerne deste tema: de que realidade
podemos então comummente falar?
O filósofo José Manuel Chillón (2010) sistematiza-a, identificando a
“realidade-matéria prima da informação”, ou numénica (no sentido de ser real e
absoluta, está a margem da compreensão do indivíduo); a “realidade fenoménica”,
enquanto conjunto de factos jornalísticos noticiáveis cuja captação depende tanto dos
meios tecnológicos como dos critérios profissionais; e a “realidade informativa” que,
enquanto existência construída, corresponde à realidade difundida pelos media e
captada pelo recetor.
Daqui se infere, como González Bedoya (1987), que na sua base a realidade não
pode ser modificada pelo homem, mas pode ser distorcida ao ser conhecida. Esta
322 proposição assume a maior importância, sabendo-se que é em grande parte através dos
media que o público toma conhecimento da realidade – um dado evidenciado em
inúmeras investigações, por vários autores, como Codina, Mauro Wolf, Lipmann,
Raymond Boudon, Chillón, ou Rose-Ackerman. Esta última, na sua investigação sobre
a corrupção política (1999), conclui que a perceção do público está intrinsecamente
relacionada com as características da cobertura jornalística, dado seguramente
corroborado por Doris Graber (2004) nos seus estudos sobre a política e os órgãos de
informação. Esta sugere ainda que as discrepâncias de orientação política entre os
jornalistas e o público podem explicar por que é que quase metade deste expressa uma
tão limitada confiança na exatidão dos media. Estando em causa a confiança e a
credibilidade dos jornalistas, como relançar as bases de uma reposição destes capitais
simbólicos perante o público? Chillón (2010) considera que “a credibilidade do
jornalismo é tanto maior quanto menor for a marca do profissional”. Posição que parece
convencer mais teóricos do que jornalistas, por pretender despojar a notícia de
subjetividades ‘supérfluas’ dificilmente descartáveis.
Em geral, os jornalistas, tal como alguns académicos, procuram legitimar a sua
posição invocando sobretudo três razões em defesa da subjetividade. A primeira, de
razão kantiana, que se escora no facto de a realidade não poder ser captada sem a
implicação experiencial do sujeito, usando este o seu quadro de perceção individual. A
segunda refere que a transmissão da informação é parte de um processo comunicativo
que depende, logo à partida, das competências linguísticas do jornalista. Por último,
quer no processo de captação da informação, quer no de expressão, “o jornalista sofre
sempre a influência do seu sistema de valores e da sua particular relação com o mundo”
(Santos, 2002:57).
Estas razões são sobretudo invocadas quando se trata de rejeitar a objetividade.
Trata-se de um erro persistente, pois os dois conceitos, objetividade e subjetividade, não
se encontram em campos opostos. Aliás, desde a Crítica da Razão Pura, publicada por
Kant em 1781, que as barreiras entre ambos se desmoronaram. Tornou-se claro que a
objetividade do conhecimento necessita da subjetividade para se constituir, da mesma
forma que a objetividade jornalística precisa da atividade profissional (subjetividade) na
sua formação.
Se a objetividade não implica a renúncia a atos inalienáveis de subjetividade
individual, recusar a objetividade é, segundo Américo Sousa (2006) abrir a porta a que
“deixem de imperar os valores de imparcialidade, de isenção e de rigor próprios do
323 chamado jornalismo de referência”. O mesmo autor ironiza: “o jornalista pode passar a
dizer o que lhe vier à cabeça, escrever sobre assuntos da sua exclusiva preferência ou
interesse pessoal, cingir-se à realidade ou misturar ficção. É indiferente…”. No fundo, a
rejeição da objetividade baseada no único argumento de que o jornalismo é feito por
pessoas que são condicionadas pelas suas próprias suscetibilidades e idiossincrasias,
acarreta consequências paradoxais, entre elas a de que o jornalista, no limite, deixaria de
se responsabilizar pelo que produz.
O pretexto de que no discurso jornalístico a objetividade não é possível, defendido
por alguns autores como Glasser (1984:123), Entman (1989:30-43), Carey (1994:132),
Blumler (1995:129-132), Canel (1996) e expresso em parte por Hubert Beuve-Méry,
fundador do Le Monde (“a objetividade não existe, a honestidade sim”), ou mesmo no
livro de estilo do Washington Post (“a objetividade é impossível, mas a imparcialidade
é algo a que podemos chegar”), deixa a via livre, como crê Cornu (1994:393), ao “vale
tudo” e “a um jornalismo de preguiça, a uma trituração dos factos destinada a obrigá-los
a falar”. Pelo contrário, o profissional que opta por uma conduta de objetividade
coloca-se ao serviço da verdade, “com a máxima isenção e rigor possíveis”, refere
Sousa (2006), questionando: “Que melhor prova poderia dar do seu sentido de
responsabilidade?”. Esta é, naturalmente, uma interpelação de retórica, que põe em
evidência a postura, a intenção e a conduta de objetividade, por parte de cada jornalista.
Visto de outra maneira, confinar o exercício jornalístico à subjetividade das
vivências particulares e do conhecimento individual, deixa à deriva a própria profissão.
É aceitável, e reconhecido, que cada jornalista é detentor da sua própria subjetividade.
Todavia, no limite, se nada pudéssemos acrescentar a isto, um órgão de informação
mais não seria do que uma mera e equívoca profusão de subjetividades, sem identidade
sequer. O denominador comum a que uma redação pode aspirar é, pois, a objetividade
enquanto procedimento coletivo, fazendo dissipar alguns sinais individuais que
maculam o processo de elaboração da notícia. Nesta sequência, são precisamente essas
diferentes subjetividades que tornam imprescindível aclamar a objetividade como
preceito irrefutável da qualidade jornalística. Como expõe Mário Mesquita (2000), num
dos mais deferentes ensaios sobre a matéria, “no jornalismo, tal como no conhecimento
científico, os factos não existem independentemente de quem os apreende. Mas isso não
invalida, antes pressupõe, uma conduta de objetividade”. Pensamos que é precisamente
aqui que deve ser recentrada a questão.
324 A conduta de objetividade
Voltemos à prisão onde os dois jornalistas estão detidos. Tivessem eles em mãos a
elaboração de uma notícia, até que ponto a objetividade, para se cumprir, careceria do
seu envolvimento intrínseco e subjetivo? A resposta surge evidente. A objetividade, sem
o jornalista e as suas rotinas profissionais, não é mais do que uma objetividade sem
valor informativo. Da mesma forma que o sujeito profissional, sem uma realidade para
informar, leva o jornalismo a renunciar à verdade. As três realidades desenhadas por
Chillón pressupõem que o sujeito vá progressivamente construindo a notícia que será
veiculada. Mas, de uma maneira ou de outra, “a legitimidade da profissão só pode estar
garantida se no final os recetores souberem algo sobre a realidade de que são
informados”, refere Chillón (2007:27). Uma realidade tolhida pela subjetividade mas
com dever de verdade, como veremos de seguida.
Ao abrir uma janela na cela dos jornalistas, o guarda exprimiu a metáfora da
sinecura que reflete apenas um fragmento da realidade. Não considerou, porém, que a
informação jornalística põe em cena “acontecimentos, que constituem o seu material
específico, sentido e estilo”, aproveitando as palavras de Cornu (1994:329). Nessas
condições, a discussão sobre a verdade e a objetividade deve incidir sobre as três ordens
da informação: a observação, a interpretação e a narração. A busca da verdade não pode
ser apenas encarada como um requisito normativo do trabalho jornalístico. Deve
“iluminá-lo” continuamente, fomentando que prossiga com critérios de objetividade,
indo mais ao fundo da verdade, varrendo dos meandros o pó que oculta contextos,
motivações e interesses. A busca da verdade não pode assim admitir que fiquem
caminhos por investigar, nem fontes por verificar.
Retomando a nossa estória, na perspetiva a partir da cela, a luz que incide sobre os
objetos pode fazer também aumentar as sombras que nele se deformam. Esta visão
parcial e sem rebatimento, valendo-se da crueza solitária da subjetividade, afasta a
precisão. E logo, a verdade. Sobre qualquer jornalista deve recair continuamente a
exigência ética de respeitar a verdade, quer seja quando observa, interpreta ou relata um
facto, quer mesmo quando o comenta. Daí que o processo noticioso deva representar
uma permanente tentativa de passar da subjetividade à objetividade. A objetividade
como método de orientação para a verdade, que não seja apenas uma cosmética que
325 ajuda a maquilhar o jornalismo para o fazer parecer mais responsável e credível. Mas
que o faça ser efetivamente. Eis um motivo que justifica a necessidade de reabilitar a
conduta de objetividade.
Chegados aqui, importa aclarar o que significa, em suma, o “primado da
objetividade”. Chillón (2010) sublinha reiteradamente a ideia de que a escassez de
reflexões teóricas aprofundadas sobre o jornalismo tem provocado equívocos na
terminologia que os profissionais utilizam para compreender a sua orientação. Se
perguntarmos aos jornalistas o que lhes sugere a objetividade informativa, teremos
respostas díspares e imprecisas – na parte operativa deste trabalho fá-lo-emos. Como
constata Bedoya (1987), “para uns, a objetividade é igual à informação assética, livre de
quaisquer comentários. Para outros, a objetividade é definida pela confrontação das
várias fontes. Para outros, finalmente, a objetividade é uma abstração extraordinária”.
Através desta diversidade de definições facilmente constatamos que entre os jornalistas
não existe o mesmo entendimento em relação ao conceito, o que, malgrado, desde logo
inviabiliza que a objetividade possa ser reivindicada aos profissionais.
O desafio da objetividade tem sido uma questão recorrente que não encontra
consenso. Mesmo a alternância de abordagem (objetividade como método, como
processo, como ritual, como ideologia) tem trazido pouca luz ao problema, como
considera Fidalgo (2006:146-154). Segundo McDonald (1971:82), “o conceito de
objetividade [que não deve confundir-se com o objetivismo, que é uma teoria filosófica
do conhecimento, especializada e técnica], emprega-se para significar simplesmente
uma correspondência essencial entre o conhecimento de uma coisa e essa mesma coisa”.
Já Cornu (1994:391) refere que
“se tivéssemos de exprimir a exigência da objetividade por meio de um só critério
prático, esse seria o do rigor no método. O rigor é ir ao fundo nas investigações
materialmente realizáveis, no tempo dado para essas pesquisas. É a recolha de
todos os factos confirmados disponíveis. É tudo o que se opõe à falsificação, à
deformação, à mentira”.
Nesta perspetiva, Bedoya (1987) compendia aquilo que designa por “regras
facilitadoras da objetividade”, como a não ocultação das fontes de onde provém a
informação, a inclusão das várias opiniões, ou a apresentação de argumentos a favor e
contra um facto. Chillón (2010:188) alude à “expressão correta e à palavra adequada, à
seleção e ordenação das informações ou das imagens, à exigência de uma documentação
o mais ampla possível”. Hackett (1984:102), por seu lado, põe a tónica na
326 imparcialidade, como uma aproximação à objetividade. E como havemos de constatar
na parte operativa, através das respostas ao questionário que dirigimos aos jornalistas, a
profusão de definições varia ainda mais.
Como podemos constatar apenas através destes exemplos, não são apenas os
jornalistas que não se entendem quanto à definição do conceito, também os teóricos
revelam ter diferentes perspetivas, embora no fim concordantes. O que fazer de um
conceção que, em vez de unir e resolver o problema do trilho do jornalismo
contemporâneo, e da sua falta de credibilidade, tem dividido e fragmentado as partes
envolvidas? Mais concretamente, por que continuamos então a discutir a questão da
objetividade? À partida, a objetividade parece não ser alcançável, mas, como vimos,
torna tudo funcional.
Há muito que o jornalismo deixou de ser, e bem, uma mera vocação. Reclama
competências concretas. Não basta ter propensão, curiosidade ou tendência para a
“bisbilhotice”, como ironiza Gaye Tuchman (1972). A falibilidade do profissional é
considerada natural, dada a sua condição humana. Some-se a isto a tecnologia e a
necessidade voraz de dar informação em tempo útil, ou seja, quanto antes melhor. Estas
condições acabam por afastar os profissionais de uma cabal investigação. Todavia, por
definição, o jornalismo carece de investigação. Sem ela, o erro aumenta. Não é
despiciente procurarmos perceber a que distância da realidade se situam o erro, a
mentira, a veracidade e a verdade.
Como bem vaticinava Mário Mesquita (2000), os jornalistas podem até abolir da
deontologia a palavra objetividade, “mas isso não lhes evitará o confronto com a
problemática em causa”. Por mais que os jornalistas procurem anular a sua
operatividade,
“os destinatários da informação continuarão a estabelecer unilateralmente que
as notícias devem relatar os factos tal como eles se verificam, ou seja, que a tal
objetividade – inatingível, por definição – deve constituir-se em critério de
avaliação da prática jornalística” (Mesquita, 2000).
Na tentativa de sistematização de regras que são comportadas pela objetividade,
caímos na redundância daquilo que já nos é transmitido pelos códigos deontológicos, de
forma mais ou menos aproximada. Se, como sugere Mário Mesquita (2000), atentarmos
na redação dos códigos deontológicos, verificamos que, afinal, “a objetividade se
reconduz a um conjunto de procedimentos”. Isso reflete-se com grande evidência no
código da associação de jornalistas norte-americanos que descreve “os requisitos
327 postulados pela doutrina da objetividade no plano das formas de expressão
jornalísticas”.
Também a declaração da UNESCO, no seu primeiro Princípio, refere que “os
indivíduos têm o direito de receber uma imagem objetiva da realidade”, dizendo no
segundo Princípio que:
“a tarefa primordial do jornalista é servir o direito do povo a uma informação
verídica e autêntica, respeitando com honestidade a realidade objetiva,
colocando conscientemente os factos no seu contexto adequado, salientando os
seus elos essenciais, sem provocar distorções, desenvolvendo toda a capacidade
criativa do jornalista, para que o público receba um material apropriado que lhe
permita formar uma imagem precisa e coerente do mundo, na qual a origem, a
natureza e a essência dos acontecimentos, processos e situações sejam
compreendidas de uma forma tão objetiva quanto possível”.
Tudo pareceria mais simples, não fossem alguns constrangimentos à ação
jornalística, como iremos ver.
A conjuntura dos Media como ameaça à objectividade
Como menciona Cornu (1994:182), a objetividade não era um problema para a
imprensa do século XVIII ou da primeira metade do século XIX, “inteiramente votada à
expressão de opiniões, ao debate de ideias constitutivo do espaço público”. É sobretudo
a partir do séc. XIX, na fase industrial da imprensa, que a objetividade, no caso
específico do jornalismo, adquire pertinência. Todavia, só no séc. XX se impõe como
valor jornalístico, nos EUA, como forma de reação ao novo ethos jornalístico, estando
este orientado para a caça de escândalos (muckraking), alimentando vorazmente o
negócio dos jornais com uma nova fórmula de sensacionalismo.
Razões sociais foram determinantes para a eclosão deste novo conceito.
Sobretudo com a Segunda Guerra Mundial, a relutância que resulta da propaganda
conduz o público a uma certa desconfiança em relação aos media, proclamando o fim da
“inocência”. Isto levou também a que o público suspeitasse de ardilosos métodos que,
ao abrigo de uma falsa objetividade, acabavam por manipular a realidade. O público
mostrava ser seletivo e criterioso. Isso desencadeou a preocupação dos proprietários dos
media e levou-os a encarar o estabelecimento de um compromisso de verdade e, de
328 certa forma, de objetividade, entre os seus órgãos de informação e o público. Agradar a
uma audiência estreita e elitista deixara de ser uma vantagem, como ocorrera em finais
do séc. XIX. O requisito da objetividade na informação, como alude Mário Mesquita
(2000), “aparece ligado à necessidade de construir o denominador comum entre um
conjunto de leitores que se deseja cada vez mais vasto e diversificado, de modo a poder
credenciar o periódico perante os anunciantes”. Por outro lado, a generalização da
recorrência às agências noticiosas, que tinham por clientes todo o universo de órgãos de
informação a quem enviavam a cobertura dos assuntos da atualidade, teve um papel
capital na “exigência de objetividade”.
Um órgão de informação tem como missão informar o público. Ou pelo menos,
esta é a posição genericamente assumida pelo jornalista. Já a direção e os proprietários
vêem-no como uma empresa, que só pode prosseguir a sua missão “pública” se atingir
níveis financeiros que estes considerem razoáveis e que promovam a manutenção da
empresa, obtendo receitas por via quer da angariação de publicidade quer das vendas em
banca e assinaturas (no caso da imprensa escrita).
Atualmente, o panorama empresarial dos media, padecendo de insuficiente
rendibilidade em virtude do crescimento e aumento da diversidade da oferta dos meios e
dos suportes de comunicação publicitária, com a concentração do investimento
publicitário (já escasso) nos maiores grupos, com as potencialidades das novas
tecnologias e das suas redes, com o crescimento da circulação de publicações gratuitas e
o aumento do peso da dependência da publicidade, a pressão sobre o produto
jornalístico é, naturalmente, forte. Para o tornar mais apetecível, a empresa procura
fórmulas que apoiem o seu objetivo.
Thompson (2002:59) corrobora que, sendo empresas, os órgãos de comunicação
têm interesse financeiro na venda de temas como os escândalos: “fornecem histórias
vivas, picantes, que podem ajudar esplendidamente a conduzir esse objetivo”. A
importância que a conquista de audiências representa para os media obriga-os a
desenvolver várias estratégias, “a principal das quais é a seleção de temas capazes de
captar a atenção”, como refere Mar de Fontcuberta (1999:37). Para esta autora, “os
índices de audiência e as tiragens converteram-se nos verdadeiros motores da criação,
permanência ou desaparecimento de certos conteúdos” (Fontcuberta, 1999:35). Mário
Mesquita vai mais longe, notando que os próprios media têm interesse em promover o
escândalo e mantê-lo continuamente. Sob a invocação da liberdade de imprensa e do
329 interesse público, afirma o autor, os media têm alimentado prósperos negócios na área
da informação (Mesquita, 1998:71).
É neste contexto que Sobrinho (2010) entende que “a notícia possui dupla face”:
por um lado, é um bem público; por outro, um bem económico. Encontrar o equilíbrio
entre ambas é ter de procurar temas que satisfaçam as duas partes. Nesse sentido,
entende Sobrinho, “o escândalo político seria o tipo de notícia que preencheria essas
exigências”, uma vez que o escândalo político permite que os jornalistas cumpram as
suas “auto conceções profissionais”, dado contribuir para que os jornalistas de
investigação tenham passado “a considerar-se não apenas repórteres que deveriam
esquadrinhar por debaixo da superfície das coisas a fim de conseguir a verdade, mas
também reformadores sociais” (Thompson, 2002).
Há ainda um outro aspeto pertinente, enunciado por Thompson, relativo às
“rivalidades competitivas”. Na corrida entre órgãos de comunicação, ganha quem der a
cacha. O prémio, para além do eventual prestígio é, como defende Thompson, manter
um público mais assíduo. Por outro lado, o polo económico “seria satisfeito por uma
notícia com suficiente potencial para atrair a curiosidade pública (Bourdieu, 1997:106).
Ignacio Ramonet concorda que “os media se encontram sujeitos a uma concorrência
cada vez mais feroz”, lembrando que os quadros dirigentes dos media têm uma
orientação empresarial, o que os torna menos sensíveis à veracidade da informação. Aos
seus olhos, remata Ramonet (1999:15), o news business é, acima de tudo, um meio de
obter lucro.
A generalidade dos autores vê uma afinidade clara entre o escândalo e os media:
“o escândalo vende”, sintetiza Thompson (2002), concretizando que “o escândalo traz
benefícios, e os que mais têm a ganhar em alimentar o espaço público com escândalos,
têm poucas razões para se abster de lucrar com isso, quando a oportunidade se
apresenta”.
Patterson (2003), um dos investigadores que se tem dedicado à relação entre o
conteúdo das notícias e as audiências e, por consequência, aos seus efeitos nas
sociedades democráticas, refere que as notícias ditas “leves” (associadas a notícias que
não são sérias) estão a crescer e que, quer em estudos de marketing quer em estatísticas
sobre audiências, há indicação de que as notícias com uma tónica de entretenimento
podem atrair e reter audiências (Patterson, 2003:26-27). O que, aparentemente, serve a
lógica de mercado subjacente às empresas de media. Essa lógica de mercado, sustenta o
sociólogo francês Rémy Rieffel (2003:148), repercute-se no produto jornalístico, ele
330 próprio cada vez mais direcionado para o infotainment. O jornalista que prossegue uma
investigação, que ganha a cacha, que consegue conteúdo para a primeira página e que
causa demissões na classe política, acaba até por ser vedetizado. Este protagonismo
parece assentar confortavelmente na lógica do infotainment. Os defensores das ditas
“notícias leves” entendem que “as audiências são o sangue das notícias e que sem
segurança económica uma imprensa livre existiria apenas teoricamente. Afirmam que
notícias que não sejam vistas ou lidas não têm qualquer valor. E defendem que um
conteúdo leve não é, por definição, desprezível, dado fornecer informação que pode
guiar a atitudes das pessoas enquanto cidadãs” (Patterson, 2003:21).
Nesta asserção, é fundamental o papel do público. José Rebelo (2000: 58)
menciona que é o “público que influencia o órgão de informação. Este [o órgão de
informação] limitar-se-ia a dar aquilo que julga corresponder ao desejo de quem
recebe”. A ser assim, e
fazendo fé nos autores que têm denunciado a falta de
credibilidade dos media perante o público, parece-nos justo afirmar que sem
objetividade os media estão a afastar-se do caminho que os concilia com o público. A
conjuntura económica nefasta que afeta o setor empresarial dos media caracteriza-se,
como prenunciava Mário Mesquita (2000) há mais de dez anos, pela “abdicação da
atitude de objetividade e pela ‘contaminação’ do jornalismo por outras formas
comunicacionais, onde a emoção e a afetividade prevalecem sobre a informação. A
ficcionalização, o sensacionalismo e a hiperpersonalização destroem o sentido de
aproximação à realidade objetiva”.
Curiosamente, quem não espera encontrar neste cenário jornalistas que, num
volte-face, levantem a bandeira da objetividade, ficará surpreso. São precisamente os
constrangimentos das redações, como os prazos de entrega do material, a maior
exposição a processos difamatórios, a mediação entre as fontes e os recetores, entre
outros, que levam os jornalistas a resguardarem-se nos “procedimentos rituais para
neutralizar potenciais críticas e para seguirem rotinas confinadas pelos limites
cognitivos da racionalidade, como justifica Tuchman, referindo também que “o
processamento das notícias não deixa tempo disponível para a análise epistemológica
reflexiva. Todavia, os jornalistas necessitam de uma noção operativa de objetividade
para minimizar os riscos”. De forma mais pragmática, Tuchman encara o jornal como
uma “compilação de muitas estórias. Se muitas tivessem de ser reescritas, o jornal não
conseguiria cumprir os seus prazos e os lucros seriam afetados”.
331 Metodologia
Após a revisão bibliográfica anterior, em que focámos o confronto de posições
convocadas para a temática da objetividade, incluiremos de seguida uma componente
operativa, com o intuito de responder às seguintes perguntas: que particularidades
podemos extrair da cobertura dos jornais diários portugueses sobre um episódio que
decorre de um escândalo político? Os órgãos de informação tendem a focar-se no
contexto de infotainment que envolve esse protagonista? Os media têm consciência que
se converteram no tribunal que diariamente vai determinando o veredito de inocente ou
culpado? Como se posicionam os jornalistas perante a objetividade?
Para procurar responder a estas questões, optámos pelo uso da triangulação. Paul
(1996) sustenta que a triangulação não se cinge unicamente à seriedade e à validade,
mas permite um retrato mais completo e holístico do fenómeno em estudo, que é o que
aqui pretendemos fazer. Ideia também colhida em Cox & Hassard (2005).
Empregaremos através do Estudo de Caso uma pesquisa descritiva, uma vez que é
nosso intuito a observação de um objeto-matriz e a análise, classificação e interpretação
de um corpus que a seguir será explicitado.
O nosso objeto-matriz é a transmissão pela TVI da declaração de Fátima
Felgueiras, em direto a partir do Rio de Janeiro, a 2003/06/11, uma quarta-feira, em
horário nobre, na abertura do noticiário das 20:00h, tendo esta peça ocupado 29m30s.
Todas as outras televisões em canal aberto transmitiram em direto a mesma declaração.
Este objeto-matriz televisivo, ou seja, a transmissão do acontecimento-alvo, assume um
papel estritamente referencial.
O corpus de análise incide na edição dos jornais Público, Diário de Notícias e
Correio da Manhã, relativo ao dia seguinte ao da conferência de imprensa convocada
pela então autarca Fátima Felgueiras a partir do Rio de Janeiro e, nessa edição, todas as
peças (unidades de análise) com alusão ao happening. Foram selecionadas 16 peças por
serem as que se reportam à declaração proferida por Fátima Felgueiras. Foi adaptada
uma codesheet enquanto instrumento de análise, a partir do codebook de análise de
imprensa desenvolvido pelo CIMJ para a ERC em 2009, contendo definições
conceptuais e métodos de codificação para análise da representação das eleições
legislativas de 2009. A nossa codesheet inclui três grupos de variáveis para a análise
332 empírica: de forma (título, órgãos, mancha, página, secção, género jornalístico e
iconografia), de conteúdo (tema, ator e organização) e de discurso (tom).
Noutra fase deste trabalho, procuraremos aferir a opinião dos profissionais dos
media face às questões enunciadas. Assim, recorremos a um questionário que em
termos morfológicos é composto unicamente por questões abertas. Esta opção
proporciona à pesquisa um desejável objetivo exploratório. Os profissionais dos media
foram selecionados pelo papel que ocupam ou já ocuparam em órgãos de informação
nacionais, tendo sido enviado o questionário por e-mail para 20 destinatários e tendo
obtido resposta de 11 deles, também por e-mail, entre 2012/05/23 e 2012/06/23. O
posicionamento dos diversos órgãos de informação nacionais de ampla visibilidade, e
dos seus diretores, ex-diretores, editores e demais jornalistas, ajudar-nos-ão a aclarar
com maior perspicuidade a abordagem ao nosso tema.
No âmbito da componente metodológica, o instrumento de análise seguiu as
metodologias usadas por Isabel Ferin (2007, 2012) e testadas, entre outros, por Bruno
Paixão (2010). Os órgãos de informação selecionados têm uma abrangência generalista
e um forte pendor de cobertura política. Em parte da análise operativa deste trabalho, o
discurso será, conforme o preconizado por Jensen (2002), objeto de investigação.
Procuraremos aludir na componente operativa, dando sequência ao que até aqui tem
sido exposto a propósito do tema central da objetividade jornalística, à aplicação dos
conceitos de Realidade Numénica e Realidade Fenoménica (Chillón: 2010).
Convocámos também para o campo operativo deste trabalho um conceito
estreitamente relacionado com a comunicação política: o Escândalo Político. Como
sustenta Thompson (2002:32),
“aqueles que exercem ou aspiram a posições de poder político sabem muito bem
que o escândalo é perigoso, que pode frustrar os seus planos e levar as suas
carreiras a um final abrupto. Mas o escândalo pode também minar a sua
capacidade de exigir o respeito e o apoio de outros e pode ter um impacto
profundo e corrosivo nas formas de confiança social que sustentam as relações
sociais cooperativas”.
Podemos usar vários ângulos para definir o fenómeno do Escândalo Político. Um
deles consiste em colocar a tónica na natureza da transgressão (Thompson, 2002:124),
sendo que o envolvimento de um político é condição suficiente para o catalogar como
escândalo “político”. Foi Thompson (2002:154) quem distinguiu os três tipos clássicos
mais frequentes de escândalo político: sexuais, financeiros e de poder.
333 Centraremos, como já foi referido, a nossa análise no caso do Saco Azul de
Felgueiras, que alegadamente envolve o mau emprego de recursos económicos e
financeiros por parte da então edil Fátima Felgueiras. Todavia, os factos relatados pelos
media aludem também ao abuso de poder. Havendo a sobreposição de tipologias
(financeiro e de poder), Thompson defende que sempre que existir mau uso ou abuso de
poder, mesmo estando envolvidos ilícitos de ordem financeira, deve prevalecer o
escândalo de poder, uma vez que a esfera financeira passa a ser secundária face à de
poder. Para além de que os escândalos de poder são os que envolvem o mau uso ou
abuso de poder político, como define Thompson (2002:239), esclarecendo que estes
“são a forma mais pura de escândalos políticos”. Consideramos por isso que o Saco
Azul de Felgueiras é um caso de escândalo político de poder.
Apresentação e discussão de resultados
A 01 de Junho de 2012 o Tribunal da Relação de Guimarães veio pôr uma pedra
sobre o assunto: Fátima Felgueiras foi absolvida de todos os crimes de que estava
acusada. Mas aconteceu que, a 11 de Junho de 2003, Fátima Felgueiras, então
presidente da Câmara Municipal de Felgueiras – pronunciada por crimes de corrupção,
peculato, abuso de poder e participação em negócios fraudulentos – “foragida” no
Brasil, deu uma conferência de imprensa a partir do Rio de Janeiro. Esta teve início às
20:00h portuguesas, hora de começo dos telejornais nacionais, e estendeu-se por cerca
de meia hora. A imprensa escrita pôde assistir à transmissão em direto emitida em sinal
aberto. Para além disso, os media contavam ainda com correspondentes que se
encontravam na sala onde foi dada a conferência. O escasso tempo desde o
visionamento da conferência até à redação da peça informativa pode ter condicionado a
forma como esta foi construída. Todavia, iremos analisar o que foi publicado no dia
seguinte pelos diários nacionais generalistas Público, Diário de Notícias e Jornal de
Notícias, tomando em consideração os tipos de realidade (numénica e fenoménica)
dispostos por Chillón (2010).
A realidade numénica, tal como nos é apresentada por Chillón (2010), não é
suscetível de ser representada, nem pelos jornais analisados, nem tão-pouco pela
transmissão televisiva, que captou apenas um dos ângulos possíveis. Da mesma forma
que a cobertura do evento ficou confinada à sala de conferência, sem que se pudesse
334 discernir mais profundamente os factos que permitissem aos recetores conhecer
convenientemente a realidade ocorrida – como os pensamentos, ou as contrações
gestuais, por exemplo.
Já a realidade fenoménica está sujeita às opções jornalísticas, que apreenderam
um tipo concreto de realidade, que puderam escolher os planos e captaram o que os
meios tecnológicos lhes possibilitaram – desde as declarações à imagem. Como nota
João Carlos Correia (2011:1155), “os jornalistas usam procedimentos retóricos e
discursivos e práticas organizacionais que se tornam visíveis nos critérios de
noticiabilidade”. A perspetiva de análise que empregamos é por isso vertida sobre a
realidade fenoménica.
Como podemos ver no quadro 1, no dia 12 de Junho de 2003, o Público e o Jornal
de Notícias publicaram ambos seis peças. Já o Diário de Notícias publicou apenas
quatro. Quanto ao tom das peças, não registámos nos jornais analisados qualquer tom
positivo para o ator visado. Este codificador assinala o tom dominante em cada peça:
positivo, negativo, equilibrado/neutro. Apurámos que o Jornal de Notícias publicou
cinco peças com tom negativo e uma com tom equilibrado/neutro. O Público quatro e
duas peças, respetivamente, e o Diário de Notícias duas peças em cada um dos tons.
No que concerne à Iconografia, pretendemos identificar se existe uma
representação gráfica, através de fotografia, símbolos, infografias ou outro tipo de
imagem nas peças que compõem o corpus. Das seis peças publicadas pelo Jornal de
Notícias, três são acompanhadas por foto e nas outras três não há qualquer imagem. No
Diário de Notícias há um predomínio do uso de fotos em três peças, e em apenas uma
nota-se a ausência de imagem. Ao invés, o Público dispõe quatro peças só com texto e
apenas duas acompanhadas por fotografia.
Relativamente aos géneros jornalísticos, a notícia foi predominante em todos os
jornais, com maior ênfase no Jornal de Notícias. Destaca-se um único artigo de opinião,
assinado pelo jornalista do Público Eduardo Dâmaso, cujo tom foi claramente crítico
usando expressões como “degradante espetáculo”, “palavras sibilinamente ambíguas”,
“patética proclamação” ou “populismo desenfreado”.
335 Quadro 1. Número de peças por jornal, tom e iconografia
Quanto à capa, foram usados os seguintes títulos:
Público: “Fátima Felgueiras implica direção do PS no ‘Saco Azul’”.
Diário de Notícias: “Fátima Felgueiras ‘exilada política’ contra a Justiça”.
Jornal de Notícias: “Fátima vitimiza-se e ataca a justiça”.
O quadro 2 mostra-nos que o Jornal de Notícias faz manchete com este assunto e
coloca na primeira página uma fotografia da protagonista Fátima Felgueiras. Também o
Público fez manchete mas não usou qualquer imagem na capa alusiva ao tema. Já o
Diário de Notícias, fez apenas uma chamada de capa utilizando uma fotografia de
tamanho reduzido.
Uma análise conotativa dos títulos permite-nos desde logo constatar o uso do
nome da protagonista política da análise (“Fátima”) em todos os jornais, dado ser esta
uma referência quase iconográfica facilmente reconhecida por todos os recetores, sem
que seja necessário adicionar outras explicações. O termo “Justiça” está presente em
dois títulos, enquanto que o terceiro coloca a tónica na querela política. Já quanto à
análise da função, o título do Público enquadra-se na categoria “informativa”,
identificando o acontecimento sem pressupor qualquer espécie de conhecimento
anterior do destinatário sobre o contexto; enquanto que os outros dois inserem-se na
336 categoria “apelativa”, dado que relegam a função informativa para segundo plano e
procuram dramatizar o acontecimento. Podemos aferir também que os jornais que
usaram títulos apelativos foram os mesmos que publicaram fotos na capa.
Quadro 2. Presença do tema na Capa
Quanto às peças no interior do jornal (no miolo), o Jornal de Notícias publica
uma peça principal, onde realça que a autarca se considera “exilada”. Todavia, o jornal
denomina-a de “foragida”. Aborda ainda nesta peça principal as acusações que a autarca
dirigiu ao PS. Noutra peça, descreve o cenário montado e os procedimentos impostos
pelo advogado de Fátima Felgueiras. Esta peça é assinada por uma correspondente no
Rio de Janeiro. O jornal opta ainda por colocar noutro espaço as reações ocorridas na
cidade de Felgueiras.
No que concerne à secção onde as peças noticiosas sobre este assunto foram
“arrumadas”, o Diário de Notícias usou um separador intitulado “Caso Felgueiras”. Os
outros jornais inseriram as peças nas secções de política/nacional mas sem recurso a
denominação específica.
No que diz respeito ao Público, toda a peça principal é construída focando as
críticas ao PS. Com menor destaque, de forma semelhante ao Jornal de Notícias, é
publicada uma peça, também assinada por uma correspondente no Rio de Janeiro, sobre
337 o cenário e as diretrizes do seu advogado. Este é o único jornal que utiliza um espaço de
opinião para expor um artigo de um seu jornalista sobre este assunto, sob uma
perspetiva crítica e contundente. É ainda explorado um conjunto de reações em
Felgueiras.
Por último, o Diário de Notícias, seleciona na peça principal a parte do discurso
em que Fátima Felgueiras se considera exilada e explora a sua vitimização, usando
também esta peça para abordar o ambiente de preparação da conferência. Mas não só.
Neste artigo assinado pelo correspondente no Rio de Janeiro, fala-se no “tailleur rosa
elegante e sóbrio”, o “anel vistoso, um colar e um relógio com uma pulseira dourada”,
no penteado e na cor do cabelo. É ainda feita uma síntese com várias opiniões de
políticos locais de todos os partidos, bem como do PS a partir da sua sede nacional. Este
jornal ouviu igualmente reações da população em Felgueiras.
Como havíamos referido na parte metodológica, nesta fase, em que utilizamos o
questionário de pergunta aberta, a nossa pretensão é a de aferir a opinião dos
profissionais dos media face a três questões:
1. Os órgãos de informação tendem a focar-se no contexto de espetáculo que envolve
um protagonista político?
2. A objetividade jornalística é inadequada ou, pelo contrário, deve cada vez mais ser
reforçada nos rituais jornalísticos contemporâneos?
3. Os media têm consciência de que se converteram no tribunal que diariamente vai
determinando o veredito de inocente ou culpado?
Os 11 jornalistas que até 23 de Junho de 2012 responderam ao questionário foram,
por esta ordem: Mário Crespo (pivô da SIC Notícias), Paulo Baldaia (diretor da TSF),
José António Saraiva (diretor do Sol), Henrique Monteiro (ex-diretor do Expresso e
diretor coordenador editorial de multimédia e novas plataformas da Impresa), Tânia
Laranjo (Grande-Repórter e editora do Correio da Manhã), Paulo Magalhães (pivô da
TVI 24), Vítor Matos (jornalista político na Sábado), Leonete Botelho (editora de
Política do Público), Graça Franco (diretora da Rádio Renascença), José Leite Pereira
(ex-diretor do Jornal de Notícias) e Eunice Lourenço (jornalista política e chefe de
redação da Rádio Renascença).
Quanto à primeira questão, os jornalistas auscultados consentiram que o
espetáculo é uma realidade presente nas redações, muito particularmente na televisão.
As
respostas
permitem-nos
indicar
algumas
razões.
Entre
elas
porque
é
economicamente mais vantajoso, porque o espetáculo garante sucesso e audiências, é
338 mais cativante e original, e porque se cria a sensação de que os mais poderosos estão a
ser punidos. E, como aventa Graça Franco, porque há um efeito mimético nos media
concorrenciais.
No que concerne à segunda questão colocada, as opiniões dividem-se, em linha
com o havíamos preconizado e com o que enunciámos no decorrer da parte teórica deste
trabalho. Dois dos inquiridos sustentam que a objetividade é um mito. Mário Crespo
refere que a precariedade não permite que a objetividade resista. Tânia Laranjo e Eunice
Lourenço entendem que a objetividade é adequada e Henrique Monteiro advoga que
esta deve mesmo ser reforçada e que o bom senso é o melhor caminho.
Relativamente à terceira questão, sobre se os media têm consciência de que se
converteram no tribunal que publicamente condena e absolve, as opiniões dividem-se.
Alguns inquiridos entendem que sim e que essa condição dos media é irreversível, ao
passo que outros consideram taxativamente que não. Vítor Matos esclarece que “o papel
dos media é pôr em evidência, questionar, procurar respostas”. Graça Franco entende
que os media têm essa consciência todavia, legitima-os observando que “quando a
justiça se demite de julgar, os media tendem, por razões de interesse público, a
preencher essa falha”. Assentindo também que os media têm essa consciência, Leonete
Botelho considera que o descrédito na Justiça e nos políticos favorece a perceção dos
cidadãos de que os jornalistas têm esse papel de julgar e que o público veja em cada
notícia uma sentença.
339 Quadro 3. Questionário a 11 jornalistas
340 Conclusões: um poder em risco
Neste trabalho procurámos aferir, através de um estudo de caso, se o escândalo
político, enquanto fenómeno mediático, facilita a depreciação dessa objetividade. Como
pudemos verificar através do corpus selecionado, os jornalistas centraram-se com
grande ênfase no espetáculo, em detrimento das declarações. O evento constituiu palco
não só de informação mas também de entretenimento, com alusão à preparação da
conferência, ao caráter emotivo, à roupa, aos adereços e ao penteado, às observações do
advogado, entre outros.
Também na resposta ao questionário aqui exposto, Paulo Baldaia, diretor da TSF,
entende que “o espetáculo dá garantias de sucesso” e que “os escândalos políticos
valem, muitas vezes, mais pelas imagens que proporcionam os seus protagonistas do
que pelo conteúdo da peça informativa”. Mário Crespo, da SIC Notícias, alude à
questão financeira para explicar que “o espetáculo e o direto são os meios mais
económicos de transmitir um tópico tabloide”. Graça Franco, diretora da Rádio
Renascença, advoga que o espetáculo é um meio para conseguir mais audiência, sendo
corroborada por Eunice Lourenço, também da Rádio Renascença. Henrique Monteiro,
ex-diretor do Expresso, entende que a humilhação de outrem cria uma sensação de
justiça ao público. Vítor Matos, repórter da Sábado, e Paulo Magalhães, pivô da TVI 24,
em sintonia, aludem à originalidade e ao escândalo enquanto à fuga à normalidade para
uma emissão mais apelativa.
O contexto cultural tem influência na perceção do objeto. Markovits e Silverstein
(1988) e Thompson (1998) já haviam chamado a atenção para esse facto, relativamente
ao escândalo político. De forma mais genérica, também do ponto de vista mediático,
como refere Mar de Fontcuberta (1999:17), “cada sociedade tem conceitos diferentes
sobre o happening, por isso o conteúdo dos meios de comunicação refletirá o conceito
dominante de notícia nessa sociedade”. Isso notou-se, no âmbito da nossa investigação,
na análise ao tom das peças apresentadas pelos três jornais, onde foi notório que os
correspondentes brasileiros, presentes na conferência convocada por Fátima Felgueiras,
foram mais descritivos, tendo-se estes debruçado mais sobre os detalhes da constituição
do cenário preparado para o processo de mediatização, usando sobretudo a exposição do
infotainment e do sensacionalismo.
O sociólogo Philo Wasburn (2002) comparou enquadramentos em que vários
jornalistas oriundos de diversos países fizeram a cobertura do mesmo acontecimento.
341 Concluiu que existem, de certa forma, padrões característicos segundo a cultura
representada pelo narrador da história. Tal como dá conta também Chillón no seu estudo
(2010: 66-67), o trabalho de informação jornalística começa quando o jornalista entra
em ação, intervindo na realidade fenoménica através dos seus critérios seletivos. E fá-lo
usando a sua subjetividade. Ao escolher a frase que vai citar, por exemplo. Todavia,
essa frase tem um caráter objetivante, pois ela foi de facto proferida. Chillón defende
então o uso da veracidade, enquanto garantia de que a realidade mostrada aos públicos é
uma realidade informativa e que a verdade correspondente é uma verdade informativa.
Sob este prisma, Chillón sugere uma nova compreensão da veracidade para uma nova
Teoria da Informação Jornalística, que por sua vez emana da conceção de subjetividade
objetivante. Ou seja, pode substituir-se o conceito tradicional de um jornalismo objetivo
por uma renovada noção de “subjetividade objetivante”. O que implica assumir que o
jornalismo informativo constrói, afinal, a realidade. E assim, como sublinha Traquina
(2004), os jornalistas substituem a fé nos factos pela fé nas regras. Por silogismo, é o
método que deve ser objetivo, e não os jornalistas.
Na altura em que Bedoya (1987) mencionou que, no âmbito dos meios de
comunicação, podemos distinguir entre meios de informação e meios de opinião, o
alcance da sua afirmação não tinha ainda atingido a amplitude com que hoje nos
confrontamos. As novas tecnologias que nos põem em rede com o mundo através dos
mais variados dispositivos, sem dificuldade e com fácil acesso, vão agilmente ganhando
terreno aos meios convencionais. E fazem reposicionar o papel de cada um dos
intervenientes no processo informativo. As redes sociais instalam-se num espaço
ilimitado e convocam cada um de nós a representar o papel que quisermos. Sem regras,
um jornalista cairá no paradoxo de assemelhar-se a um mero blogger.
Como observa Carlos Camponez (2011: 220)
“o jornalista passou a confrontar-se não apenas com a concorrência proveniente
das áreas comunicativas que lhe são mais próximas, como também do próprio
público que é suposto servir. O jornalismo praticado por todos não deixa de
representar uma diluição do jornalismo profissional, relegando-o para um papel
de provedor ou sinalizador de conteúdos disponíveis”.
E com acuidade nota que o “jornalismo do cidadão” representa um certo
menosprezo das técnicas discursivas do jornalismo. Dados os constrangimentos
financeiros do sector, que origina uma certa “deslegitimação da função social do
342 jornalista”, este vê-se “confrontado com um público mais crítico em relação ao seu
papel de intermediário na esfera pública”.
Estes meios de opinião estão condenados à parcialidade. Mas será que os de
informação seguirão, por rudeza de ouvido, o mesmo caminho? Consideramos que,
mais do que a ameaça latente, esta pode ser uma oportunidade para que o jornalista faça
eclodir um novo ethos profissional. O eixo da objetividade pode diferenciar o
procedimento do jornalista daquele que é o espaço de comunicação usado pelos
cidadãos que interagem por via das redes sociais e de outras esferas de intervenção
digital, no espaço global. Numa crítica assaz incisiva, Américo de Sousa (2006)
interroga: “que estranha razão poderia levar o leitor a passar um cheque em branco a um
jornalista que não respeita o princípio da objetividade, quando, precisamente por isso, a
maior vigilância crítica o deveria submeter?”
Mas, claro, uma objetividade fértil, para que não caia em campo estéril, deve
rejeitar o realismo informativo, bem como o extremo positivista que tende a
menosprezar o jornalista, potenciando estas o risco de transformar a profissão numa
operação robotizada de transporte de factos, como adverte Chillón (2007: 113). Uma
subjetividade vigilante e autocrítica, acompanhada por uma objetividade como método e
como intenção, da qual nos devemos ir aproximando, devem servir os propósitos de
deixar falar os novos valores do jornalismo, fundando compromissos de credibilidade.
Finalmente, voltemos à cela onde se encontram os dois jornalistas condenados. Diante
da sua nova janela, ambos correram ao mesmo tempo na sua direção. Constatou o
guarda que um viu a lama. O outro, as estrelas. Na junção destas duas contemplações
estaria o quadro mais próximo da realidade. E o que melhor serviria o jornalismo e o
público.
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346 13. A Corrupção Política vista através das Redes Sociais: Metodologias
para o Estudo de Conteúdos Web
Estrela Serrano
Introdução
Este artigo insere-se num projecto de investigação intitulado “Corrupção política
nos media: uma perspectiva comparada” que abrange para além dos media
tradicionais, os blogs. O projecto debruça-se sobre a cobertura de um conjunto de
“casos” tidos como de corrupção que se estenderam no tempo, envolvendo dirigentes
políticos e governantes. Foram seleccionados os processos conhecidos como
“Submarinos”, “Freeport”, Face Oculta” e BPN, os quais, em momentos diferentes,
obtiveram grande mediatização nos media tradicionais e nas redes sociais.
O artigo constitui uma primeira exploração de metodologias para análise da
maneira como esses casos foram tratados nos blogs portugueses que sobre eles se
debruçaram, tomando apenas um desses casos – o “Freeport”. Não é objectivo do artigo
deter-se sobre o conceito de corrupção, matéria que será desenvolvida no projecto. Tão
pouco é intenção aprofundar o fenómeno social e comunicacional representado pelos
blogs mas tão só discutir e analisar metodologias adequadas ao objectivo traçado, sem
prejuízo de um breve enquadramento teórico dos blogs, à luz da literatura disponível
sobre este fenómeno.
Na primeira parte do artigo procede-se a uma breve revisão da literatura sobre os
blogs e a blogosfera - definição, tipologias e características funcionais. Ainda nesta
parte, acompanha-se a discussão internacional sobre metodologias para a investigação
dos blogs.
Na segunda parte, expõem-se as opções metodológicas para o estudo do “caso
Freeport” nos blogs portugueses mais visitados, aplicando-as numa amostra de
conveniência. Finalmente, identificam-se os principais desafios associados à análise de
conteúdos web.
347 I PARTE
Blogs
É um dado adquirido que a internet veio contribuir para reforçar a procura de
informação e de sociabilidade. Estudos recentes mostram que alguns usos da internet
contribuem para o envolvimento cívico (Jennings e Zeitner 2003; Shah et al., 2005),
aumentam o voluntarismo, reforçam as interacções pessoais e incitam a procura de
informação. O dado mais significativo é porém a revolução no campo da informação e a
sua abundância, não apenas da que resulta da migração para o online das fontes
tradicionais, mas também da que decorre da emergência de um espaço de opinião
interligado em “jornais” ou “diários” pessoais – weblogs (blogs) – com início em
meados dos anos 90 do século passado, ganhando força na viragem do século (Bimber,
2003; Rheingold, 2002).
A partir de 1999 a paisagem mediática alterou-se profundamente, permitindo aos
indivíduos publicar, partilhar e republicar conteúdos na web usando ferramentas simples
e acessíveis. A web 2 veio facilitar e possibilitar conectividade, colaboração e
conversação entre públicos espalhados pelo mundo, enquanto a Web 2.0 acelerou a
sociedade em rede a que se refere Castells (2000). Ao contrário do anterior modo
hierárquico e centralizado de produção de informação, os cidadãos podem agora criar
livremente os seus “nichos” de públicos, baseados nos seus próprios interesses e usando
instrumentos para criar conteúdos, como membros de uma comunidade (Anderson,
2006; Shirky, 2008). Esta forma social de produção, que ocorre fora dos modelos
baseados no mercado e no preço da produção, criou a “economia da informação em
rede” (the networked information economy) e a “produção comum dos pares”
(commons-based peer production), uma vez que os indivíduos não são motivados por
compensações financeiras mas por formas sociais de gratificação (Benkler, 2006). De
acordo com vários autores, os posts na web que mais contribuem para o movimento da
comunicação e participação em rede foram os blogs (Marketer, 2008; Sifry, 2008;
Universal McCann, 2008) e, de entre os géneros de blogs que comentam a actualidade
atraindo crescentemente a atenção dos públicos da web que vêem neles fontes credíveis,
salientam-se os blogs políticos que actualmente se organizam em grupos publicando
informação e investigação em primeira mão.
348 Johnson e Kaye (2004) referem os blogs como uma fonte de informação mais
credível do que qualquer outro media, incluindo jornais online e offline, televisão e
rádio, e apontam duas razões que sustentam essa elevada credibilidade: o facto de
cobrirem muitas vezes assuntos com maior profundidade do que os media tradicionais e
de serem capazes de tratar assuntos complexos de maneira relevante e compreensível
para os seus leitores.
Apesar de autores como Kerbel e Bloom (2005: 22) defenderem que a blogosfera
é um lugar altamente fragmentado no qual as pessoas se dividem de maneira natural e
por vezes agressiva segundo campos ideológicos, e que a influência dos blogs políticos
se estende apenas a pequenas audiências que partilham as ideias dos blogs que seguem,
a influência dos blogs atinge o público em geral através do impacto que possuem nos
media tradicionais.
Herring (2006) afirma que a investigação sobre a blogosfera mostrou que os blogs
podem servir de motor para o tratamento de determinados acontecimentos nos media
tradicionais. Em Portugal, as declarações da presidente do Banco Alimentar contra a
Fome sobre a inevitável pobreza a que os portugueses estariam votados, proferidas na
SIC Notícias, provocaram uma onda de indignação nas blogosfera e nas redes sociais,
obrigando os media tradicionais a cobrirem o assunto. As redes sociais funcionaram
como agenda setter dos media tradicionais.194
O que é um blog?
Não existe uma definição consensual sobre o que é um blog. Contudo, as
definições iniciais identificam-nos como jornais interactivos online que facilitam a troca
de informação entre utilizadores ou bloggers. Os seus temas são em geral organizados
por ordem inversa à ordem cronológica e a informação é actualizada pela pessoa
responsável pelo blog ou por outros que nele participam (Bausch e al., 2002; Weil,
2003). Podem funcionar como diários pessoais, lugares para discussões técnicas,
desporto, comentários, vida de celebridades, discussão política, etc.. Os conteúdos e os
respectivos comentários referem-se habitualmente a opiniões, experiências, factos e
questões (Coleman, 2004).
194
Cfr. Expresso, 11/11/2012
349 Outra característica distintiva dos blogs é o facto de incorporarem links para
outros blogs, para páginas web, gravações vídeos e áudio, fotografias, fóruns, etc.,
interligando-se em interdependência, assumindo um deles, o mais linkado, um papel
central relativamente aos outros (Coleman, 2004; Thompson, 2003).
O conteúdo de um blog depende em grande medida das intenções do seu autor.
Uma das maneiras de estudar os blogs é, pois, conhecer as motivações dos próprios
bloggers, tendo em vista que eles são agentes únicos da criação dos conteúdos dos
respectivos blogs. Em Portugal, um estudo publicado por Canavilhas, aponta como as
três principais motivações para a criação de um blog a vontade de ``informar e ser
informado'', a necessidade de ``ter uma intervenção cívica'', e de possuir um espaço de
opinião inalcançável nos media tradicionais. Outros aspectos referidos pelos inquiridos
nesse estudo são “sentir a reacção imediata dos leitores”, “criar relações com pessoas
que têm interesses comuns”, “possibilidade de participar numa comunidade
verdadeiramente democrática”, “ajudar os leitores a interpretar as notícias”,
“possibilidade de criar uma alternativa aos media tradicionais” e “atingir públicos
alternativos”. A investigação académica sobre os blogs Blogar é uma forma relativamente nova de comunicação via Internet, pelo que e
investigação académica não é ainda muito aprofundada. Existem no entanto estudos
importantes. Herring et al. (2006) realizaram uma análise quantitativa de 203 blogs
seleccionados aleatoriamente, com enfoque nas características do blog – autor, razões
para a criação do blog, frequência de posts, uso de recursos. Krishnamurthy (2002)
analisou posts em blogs sobre o 11 de Setembro. Halavais (2002) discutiu questões
metodológicas na análise de texto de 125 blogs seleccionados aleatoriamente. Outros
estudos, nomeadamente internacionais, têm ensaiado metodologias para análises de
conteúdo de blogs detendo-se sobre a estrutura, os objectivos ou os temas. Herring et al,
(2004,2005) incorporaram na pesquisa uma perspectiva longitudinal, analisando as
características de uma amostra de blogs de língua inglesa e a sua evolução ao longo de
um determinado período.
Em Portugal, Serra (2006) e (2009) analisou a forma como os blogs estão a
transformar os jornais e como se relacionam com os vários sítios e meios de
350 comunicação, tendo concluído que eles não põem em causa, antes asseguram a
pluralidade e a polifonia informativa. Segundo o autor, os blogs portugueses surgem
como verdadeiras alternativas aos meios de comunicação dominantes. Por seu turno,
Silva (2012) analisou o papel dos blogs políticos na promoção da diversidade e do
pluralismo, tentando perceber de que forma os blogues políticos portugueses podem
cumprir o potencial de revitalização da intervenção cívica e política. A autora examinou
as estratégias de hiperligação e analisou os conteúdos e temas debatidos em blogs
políticos. Outros autores como Granado (2004), Santos e Zamith (2004) e Canavilhas
(2004) debruçaram-se também sobre o fenómeno da blogosfera em Portugal.
Questões metodológicas no estudo dos blogs
Investigadores em novos media têm argumentado que novas tecnologias de
comunicação necessitam de novos métodos de análise (Mitra & Cohen, 1999;
Wakeford, 2000). Esses autores defendem que qualquer abordagem para análise de
conteúdos web que vise abranger uma ampla gama de conteúdos deve incluir, no
mínimo, os métodos que permitem a identificação sistemática de padrões de ligação e
conteúdos das mensagens interactivas, uma vez que estes tipos de conteúdo são cada
vez mais predominantes na web. Para atingirem este objectivo, alguns investigadores
baseiam-se em paradigmas metodológicos oriundos de disciplinas fora de
Comunicação, como a Linguística e a Sociologia.
Uma das principais dificuldades que colocam no estudo dos blogs é a construção
da amostra, já que o universo dos blogs é quase infinito. O uso de amostras aleatórias no
estudo de conteúdos web é criticado por autores como Herring (2004) que as considera
mais adequadas ao estudo de formas tradicionais de comunicação. Por outro lado, a
natureza dinâmica dos blogs torna em muitos casos inviável uma amostragem aleatória
(McMillan, 2000; Schneider & Pé, 2004;. Cf Weare & Lin, 2000).
Para a análise de conteúdos web (sites, blogs, outros) Herring (2004: 12)
concebeu um esquema de um possível paradigma para análise de diferentes
componentes dos conteúdos web, os quais, a seu ver, requerem metodologias
específicas de análise.
351 Fonte: Herring, S. C., Scheidt, L. A., Kouper, I., e Wright, E. (2006). Longitudinal
content analysis of weblogs: 2003-2004. In: Tremayne, M. (Ed.) Blogging, citizenship, and the
future of media (pp. 3-20). London: Routledge.
Para a autora, a coerência desta abordagem e os motivos pelos quais lhe chama
"análise de conteúdo" residem no facto de os métodos usados serem inspirados nos
princípios gerais da análise de conteúdo (CA), ou seja, devem permitir "descrição
quantitativa objectiva e sistemática” do conteúdo web. Por exemplo, a análise das
interacções não utiliza apenas métodos retirados da análise do discurso, operacionaliza
também elementos da análise do discurso numa perspectiva da descrição sistemática e
objectiva. No modelo de Herring, a análise de conteúdos web pressupõe a análise de todos
os seus elementos, dos quais a autora identifica: análise da imagem; análise do
discurso/linguagem, a análise temática; análise morfológica; análise dos links; análise
das interacções. Tal como no modelo tradicional da análise de conteúdo, na análise de
conteúdos web os métodos podem ser quantitativos (envolvendo codificação e
contagem) e/ou qualitativos, seguindo o processo de etapas semelhantes às usadas na
análise de conteúdo clássica: 1) Formular as questões da pesquisa 2) Seleccionar uma amostra mediada por computador
3) Operacionalizar conceitos-chave (s) em termos de características de
discurso
4) Aplicar métodos (s) de análise de dados
5) Interpretar resultados
Apesar destas semelhanças Herring (2004: 346) recomenda uma visão mais
pragmática relativamente ao rigor e à objectividade exigidas pela análise de conteúdo
tradicional: escolher uma pergunta de partida que seja “empiricamente respondível a
partir dos dados disponíveis”; escolher a amostra segundo i) um critério de
temporalidade; ii) baseada em acontecimento; iii) ou em protagonistas; iv) usar
352 variáveis e categorias (pré-existentes ou emergindo dos dados) adequadas às questões
de partida.
Os conteúdos web podem ser puramente textuais ou multimodais, sendo nestes
últimos que se colocam os maiores desafios metodológicos devido à combinação de
múltiplas formas de representação (Kress & Van Leeuwen, 1996).
Nos conteúdos multimodais os hiperlinks ou links são considerados por alguns
autores como a essência da web e daí a importância da sua análise no estudo das redes
sociais e dos blogs. Jackson, 1997) refere que os websites podem ser considerados
“nós”, enquanto os links são “laços” e a morfologia (organização) isto é, o arranjo dos
links dentro e através dos sites e blogs pode ser representado como “redes”. Os links
são, pois, parte do conteúdo manifesto das páginas web, podendo ser analisados com
recurso às técnicas de codificação e contagem usadas na análise de conteúdo. A
natureza de um link, em termos do destino a que conduz, tem sido utilizada, por
exemplo, para avaliar a credibilidade e a orientação ideológica de um site ou de um blog
(Foot et al., 2003). Além disso, os padrões de ligação dentro e através de sites e blogs
foram analisados por alguns autores como indicadores de qualidade académica
(Thelwall, 2002). Foot et al. (2003), defendem que os links são inscrições de escolhas
comunicacionais e estratégicas dos autores de sites e blogs.
A literatura mostra que para a análise de conteúdos web, as práticas tradicionais
da análise de conteúdo, tal como refere a literatura, embora possam ser adaptadas
necessitam de novas técnicas adequadas à natureza dos fenómenos emergentes. Por
exemplo, na análise de conteúdos web nem sempre é possível identificar previamente
variáveis e categorias de codificação. A necessidade de integrar diferentes métodos
requer, pois, uma perspectiva metodológica mais ampla do que a análise de conteúdo
tradicional. Nesse sentido, a análise de conteúdo mediada por computador revelou-se a
técnica adequada ao objectivo de compreender como é que os bloggers constroem os
conteúdos dos respectivos blogs, o destino dos links, a sua tipificação (imprensa, radio,
televisão, outros posts do blog, posts de outros blogs, etc.), o uso de imagens
(fotografias, tv, jornais/revistas, clipart).
353 II PARTE O “Freeport” nos blogs portugueses: um estudo de caso
O caso Freeport” foi despoletado em 2005 através de uma carta anónima acusando
o então ministro do Ambiente de ter recebido luvas a troco da autorização para
construção de um outlet situado numa zona dita protegida no estuário do rio Tejo,
financiado pelo consórcio britânico Freeport. O então ministro do Ambiente era em
2005 líder do Partido Socialista e candidato às eleições legislativas desse ano, as quais o
seu partido viria a ganhar assumindo ele o cargo de primeiro-ministro. Em Outubro de
2012 o Ministério Público (MP) arquivou o processo por falta de provas contra o então
ministro do Ambiente. Durante os sete anos de duração do processo, o líder do Partido
Socialista foi primeiro-ministro durante seis anos, nunca tendo sido constituído arguido
nem ouvido como testemunha pelo MP, porém sempre apontado como suspeito nos
media e em blogs.
A ideia inicial da análise do caso na internet inclinava-se para blogs políticos.
Porém, essa opção impunha a criação de uma tipologia para definição dessa categoria de
blogs, desviando o objectivo do projecto. Por outro lado, estudos nacionais e
internacionais sobre blogs políticos centram-se essencialmente em blogs de partidos e
de outras instituições políticas. São, em geral, trabalhos sobre campanhas eleitorais, nos
quais se analisa o papel e a influência de blogs partidários. Não é esse, contudo, o nosso
objectivo, pelo que a opção por blogs políticos revelou-se desadequada, o que não
significa que os blogs incluídos na amostra não possam, numa tipologia mais alargada
de blogs políticos (não limitada a blogs partidários) ser considerados blogs políticos.
Objectivos e metodologia
O artigo propõe-se testar metodologias para análise de conteúdos web aplicadas a
posts temáticos sobre “o caso Freeport” incluídos num conjunto de blogs considerados
relevantes para os objectivos definidos, abrangendo um determinado período temporal.
354 O artigo identifica as seguintes dimensões de análise: morfologia dos posts
(elementos comunicativos e respectivas combinações); destino e tipologia de links;
análise do discurso; análise das imagens, análise das interacções. Esquematicamente, a
investigação pode ser representada como segue:
BLOG
POST
Morfologia
Textual
Multimodal
Discurso
Vídeo
Imagem links
Discurso
Amostra
Tendo em vista obter uma amostra coerente de blogs, (Wall (2005) e Herring et
al., 2006), foram usados os contadores Blogómetro do Aventar eu e o Wordpress top
blogs (blogs em português) e seleccionados os 100 blogs com maior média de visitas195
em cada um destes contadores.
195
Dos blogs da amostra o “5 Dias” ocupa a nona posição no Blogómetro, com uma média diária de 8926
visitas (consulta em 23/11/212). No Wordpress top blogs o mais visitado de entre os blogs seleccionados
é “A Educação do meu Umbigo” (não indica número de visitas)
355 Fonte: http://blogometro.aventar.eu/
Fonte: http://botd.wordpress.com/?lang=pt#!/read/following/
De entre os 100 blogs, foram seleccionados196 os blogs comuns aos dois
contadores e excluídos aqueles cujo título e página de entrada revelaram não se
enquadrar no objectivo do estudo, tais como os dedicados ao desporto, culinária, moda,
eventos ou causas específicas. Apenas 5 blogs são comuns aos dois contadores, uma vez
que o Wordpress inclui um grande número de blogs brasileiros. A fim de perfazer 10
blogs, considerados como “amostra de conveniência”, os 5 restantes foram obtidos na
lista dos mais visitados do Blogómetro.
Figura 21
Blogs e contadores onde surgem referenciados
Contadores
Blogs
(por ordem alfabética) Blogómet Worpress
31 da Armada
x
x
5 Dias
x
x
A Educação do meu
umbigo
x
x
Abrupto
x
x
Arrastão
x
x
Aspirina B
x
Blasfémias
x
Delito de Opinião
x
Jugular
x
O Insurgente
x
196
Selecção realizada em 15/11/2012
356 Trata-se de uma “amostra teórica” no sentido que lhe dá Altheide (1996), isto é,
inclui apenas um número exemplificativo de blogs para acesso a um determinado
fenómeno, que não pretende ser um número “correcto” mas antes um número
considerado suficiente para os objectivos definidos. Tal como nos estudos etnográficos,
o objectivo principal é compreender um fenómeno, mais do que observá-lo
objectivamente.
Construída a amostra de blogs, foi necessário escolher o período temporal e
localizar os posts dedicados ao ”caso Freeport” em cada blog seleccionado. A escolha
do período temporal recaiu no ano de 2009, por ser o ano em que o “caso Freeport”
obteve um maior número de peças nos media tradicionais (figuras 2 e 3). De acordo
com Wall (2005), centrando a pesquisa em temas e períodos temporais seleccionados é
possível estreitar o leque de posts que em determinados momentos focam determinados
temas, ao mesmo tempo que se torna possível a comparabilidade no tratamento dado
por diferentes blogs aos mesmos temas.
Figura 2
Número de peças sobre “caso Freeport” nos principais diários portugueses
148 Público 574 134 Jornal de NoPcias 648 2009 205 Correio da Manhã Total de peças 529 259 Diário de NoPcias 1025 0 200 400 600 800 1000 1200 Fonte: Edições digitais de cada um dos diários, acedidas em 18 de Novembro de 2012. Número
total de peças sobre o “caso Freeport” identificadas em cada diário: Diário de Notícias: 1499
(2004-2012); Correio da Manhã: 1050 (2002-2012); Jornal de Notícias: 949 (2004-2012);
Público: 879 (2001-2012).
357 Figura 3 N.º de peças e respecUva duração (h:m:s) emiUdas nos canais generalistas de sinal aberto -­‐ RTP1, SIC e TVI (Janeiro de 2009 a Fevereiro de 2010) 13:20:26 290 peças 07:44:16 237 peças 08:52:46 270 peças RTP SIC TVI Fonte: ERC: Relatório da cobertura jornalística do “caso Freeport”- Anexo à Deliberação
13/OUT-TV/2010
A unidade de análise é o post, identificado por busca directa nos blogs da amostra
através da palavra “Freeport”. Foi seleccionada uma “amostra de conveniência”
constituída pelos primeiros 10 posts do ano de 2009 (por ordem de postagem) sobre o
“caso Freeport”, num total de 100 posts analisados (ver Anexo). Este critério permitiu
que o período coberto seja sensivelmente o mesmo em todos os blogs,
independentemente do número de postagens que cada blog dedicou ao caso.
358 Figura 4 Número do posts sobre o “caso Freeport” em 2009
Blogs
(por ordem alfabética)
31 da Armada
5 Dias
A Educação do meu umbigo
Abrupto
Arrastão
Aspirina B
Blasfémias
Delito de Opinião
Jugular
O Insurgente
Total posts em 2009
N.º de posts
(2009)
133
141
24
18
31
64
17
122
35
19
604
Breve caracterização dos blogs da amostra
A autoria e o género dos autores foram identificados através de consulta ao
“perfil” disponível em cada blog. Os casos em que os autores surgem apenas com
iniciais ou com pseudónimo são referenciados com a indicação “n/d”. Apenas dois
blogs da amostra possuem autoria individual, do género masculino – “A Educação do
meu Umbigo” e “Abrupto” - sendo os restantes oito, blogs colectivos. Na grande
maioria, os autores são do sexo masculino. A excepção é o blog “Jugular” em que existe
paridade entre os dois géneros (fig 5).
Figura 5
Caracterização dos blogs da amostra
Blogs
(por ordem alfabética)
31 da Armada
5 Dias
A Educação do meu umbigo
Abrupto
Arrastão
Aspirina B
Blasfémias
Delito de Opinião
URL
Género/
autores
Autoria
18 M+2 F
http://31daarmada.blogs.sapo.pt/ colectivo
http://5dias.net/
colectivo 28 M+6 F+3 n/d
Masculino
http://educar.wordpress.com/
individual
Masculino
http://abrupto.blogspot.pt/
individual
7 M+2 F
http://arrastao.org/
colectivo
3 M+3 F
http://aspirinab.com/
colectivo
11 M+1 F
http://blasfemias.net/
colectivo
http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/ colectivo 13 M+12 F+3 n/d
359 Jugular
O Insurgente
http://jugular.blogs.sapo.pt/
http://oinsurgente.org/
11 M+11 F
colectivo
colectivo 28 M+3 F+7 n/d
Morfologia dos posts
Dos 100 posts analisados sobre o “caso Freeport”, 34 são puramente textuais, isto
é, não contêm combinações de elementos (imagens, links, vídeos) para além do texto
(figura 6), enquanto 66 são multimodais, isso é, combinam vários elementos.
Figura 6
Morfologia dos posts 12 10 8 6 4 2 0 8 9 10 6 5 5 4 2 1 9 8 6 6 4 4 2 0 7 3 1 N.º de Posts Puramente textuais N.º de Posts MulUmodais Nota. N.º de blogs analisados:10; n.º total de posts analisados em 2009: 100.
Total de posts puramente textuais: 34. Total de posts multimodais 66
Apenas no blog “Arrastão” o número de posts puramente textuais é igual ao
número de posts multimodais. O blog “Abrupto” é o único a não apresentar qualquer
post puramente textual, possuindo em todos os posts analisados combinações de vários
elementos. Por seu turno, o “Blasfémias” é o blog com maior número de posts
puramente textuais da amostra. A figura 7 mostra um post puramente textual.
360 Fig 7 Post puramente textual
Fonte: Blog “Aspirina B” (postado em 13/11/2009)
Para a análise morfológica dos posts multimodais, foram criadas três variáveis a
partir de uma consulta aos blogs: links; imagens (fotografias, cartoons, outras); vídeos
(incorporados). A variável link foi por sua vez desdobrada em categorias identificadas
segundo o destino: edição digital de uma publicação (nacional/estrangeira); site de
canal de televisão (nacional/estrangeiro); post do mesmo blog; outro blog; site
institucional; canal rádio; rede social (Facebook/Twitter). As figuras seguintes mostram
exemplos de diferentes posts multimodais.
Figura 8
Post multimodal (combinação de texto e imagem)
Blog “Basfémias”, postado em 21/4/2009
361 Figura 9
Post multimodal (combinação de texto, link e imagem)
Blog 5 Dias, postado em 28/9/2009
Figura 10
Post multimodal (combinação de texto, link e vídeo)
Blog “Arrastão”, postado em 28/11/2009
362 Discussão dos dados Observando a figura 11, verifica-se que a generalidade dos posts analisados
apresenta conteúdos multimodais, isto é, utiliza combinações de elementos. Os
elementos predominantes são as imagens e os links para edições digitais de publicações
(jornais e revistas) nacionais, sendo a imprensa diária o destino mais frequente dos
links, verificando-se a existência de variados links para diferentes destinos dentro de um
mesmo post.
A presença frequente de links para edições digitais da imprensa nacional sugere
que os media mainstream influenciaram o agendamento do “caso Freeport” nos blogs.
Contudo, só a análise do discurso dos posts permitirá apurar em que sentido essa
influência se exerce nos diferentes blogs. Por outro lado, a presença de variados links
em muitos posts indicia uma preocupação de rigor e credibilidade por parte dos autores,
na medida em que procuram remeter os factos, as análises e as interpretações para
fontes públicas e “autorizadas”, independentemente da valorização que delas fazem e de
lhe atribuírem ou não credibilidade.
Figura 11
Posts multimodais sobre o “Caso Freeport”
Categorias de elementos comunicativos
Ano de 2009
Nota. N.º de blogs analisados:10; n.º total de posts analisados em 2009: 100.
Total de posts puramente textuais: 34. Total de posts multimodais 66
363 De notar também que quase todos os blogs estabelecem ligações para posts dentro
do mesmo blog (21 na totalidade dos posts analisados, 16 de posts de um só blog – “O
Insurgente”) criando relações entre bloggers dentro de um mesmo blog (os links
dirigem-se para posts ora do mesmo autor ora de outros autores do blog) e
demonstrando preocupação com a visibilidade do blog ao remeterem o visitante para
outros posts relacionados com o mesmo caso. Do mesmo modo, embora menos
frequentes, encontram-se links para outros blogs (16 na totalidade dos posts analisados,
sendo 8 de um mesmo blog “O Insurgente”) criando assim redes focadas no mesmo
caso.
É escassa a incorporação de vídeos nos posts analisados (5 links em 100 posts) o
que pode dever-se, por um lado, a dificuldades técnicas na sua incorporação ou
localização. Mais frequente é a ligação a sites de canais de televisão nacionais,
(geralmente peças noticiosas sobre o “caso Freeport”) ou links para o Youtube sobre
peças emitidas nos canais de televisão nacionais.
A leitura do eixo horizontal da figura 11 mostra que em nenhum post dos 100
analisados se identificou a presença simultânea de todas as variáveis e categorias de
elementos. Os blogs “5 Dias” e “O Insurgente” são aqueles que apresentam maior
número de combinações nos posts sobre o “caso Freeport” (6 em 11), sendo o blog
“Blasfémias” aquele cujos posts apresentam menor número de combinações (2 em 11).
A ligação a redes sociais, como o Facebook e o Twitter, é inexistente quanto à primeira
e quanto à segunda apresenta apenas uma ligação à rede Twitter (blog “O Insurgente”)
nos posts analisados. Do mesmo modo, não se identificam ligações a sites de rádios.
Questões e desafios da investigação de conteúdos web
Como referido anteriormente, este artigo explora metodologias para análise de
conteúdos web em posts sobre um caso de corrupção política, num conjunto de blogs
portugueses seleccionados entre os mais visitados. Não se trata de analisar os blogs
enquanto fenómeno comunicacional, nem de traçar o perfil sociográfico dos autores mas
apenas identificar metodologias adequadas à análise dos seus conteúdos, através de um
estudo de caso centrado num tema que teve larga cobertura nos media tradicionais e
provocou grande polémica no País.
364 A opção por um tema de partida situado num determinado período temporal (o
ano de 2009) tem a vantagem de facilitar a constituição da amostra e limitar o âmbito da
análise. A análise de conteúdo mediada por computador, nas suas vertentes qualitativa e
quantitativa, revelou-se adequada à construção da amostra e à análise morfológica dos
conteúdos/posts sobre o tema, objectivos que o presente artigo se propôs estudar. A
investigação permitiu também constatar que a análise de conteúdos web requer outras
metodologias, entre as quais a análise do discurso e a análise da imagem.
A investigação confirma as questões identificadas por autores como Herring
(2004) e Wall (2005), nomeadamente quanto à necessidade de introduzir sistematização,
rigor e objectividade na constituição de amostras e nas variáveis para a análise de
conteúdo, de modo a permitir comparabilidade com estudos congéneres nacionais e
internacionais, sem que essas dificuldades inibam a investigação.
O aprofundamento da pesquisa, que aprofundaremos em estudos posteriores,
permitirão inferências teóricas sobre a análise de conteúdos web.
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Datas dos posts analisados Blog
31 da Armada
5 Dias
A Educação do meu Umbigo
Abrupto
Arrastão
Aspirina B
368 Datas dos posts 17/12/2009 (2 posts)
04/12/2009 (1 post)
29/11/2009 (1 post)
26/11/2009 (2 posts)
16/11/2009 (1 post)
13/11/2009 (1 post)
11/11/2009 (1 post)
10/11/2009 (1 post)
24/12/2009 (1 post)
23/ 12/2009 (1 post)
19/12/2009 (1 post)
17/12/2009 (1 post)
30/11/2009 (1 post)
25/11/2009 (1 post)
15/11/2009 (1 post)
18/10/2009 (1 post)
20/09/2009 (1 post)
17/09/2009 (1 post) 16/12/2009 (1 post)
10/12/2009 (1 post
19/10/2011 (1 post)
10/10/2009 (1 post)
06/09/2009 (1 post)
03/09/2009 (1 post)
30/08/2009 (1 post)
05/07/2009 (2 posts)
24/01/2009 (1 post)
03/02/2009 (1 post)
03/04/2009 (1 post*)
28/02/ 2009 (1 post)
28/01/2009 (1 post)
09/04/2009 (1 post)*
20/02/2009 (1 post)
17/02/2009 (1 post)
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Blasfémias
Delito de Opinião
Jugular
O Insurgente
369 14. Clicktivismo ou activismo a sério? Em que medida a internet pode
ser considerada espaço de exercício de cidadania em Moçambique
Clicktivismo or seriously activism? To what extent the internet can be considered a
space of exercise of citizenship in Mozambique
Egídio Vaz
Introdução
O presente artigo discute a contribuição da internet para a constituição e
consolidação de um espaço de exercício da cidadania em Moçambique. Conferimos o
termo genérico de activismo digital, ao engajamento dos cidadãos na participação
pública (Kalyango, 2012). Por sua vez, entendemos por participação pública, o
envolvimento de indivíduos ou grupos de interesse na discussão de assuntos sujeitos a
decisão ou em processo de implementação.
Partimos do pressuposto de que as redes sociais e a mídia social da internet
possuem uma capacidade de mobilização política pública capaz de levar à acção,
salvaguardando o facto de esta mobilização apenas ser activada em indivíduos com uma
predisposição política (Vissers e Stolle, 2012). Questionamos se a democratização no
acesso à internet é determinante para a cristalização deste espaço público ou, pelo
contrário, se o activismo é indiferente à quantidade de indivíduos que acedem à internet.
Da análise do sistema da mídia moçambicano, argumentamos que o activismo
digital em Moçambique floresce e consolida-se como um espaço de excelência para a
participação pública ante a fraca tendência no consumo de informação política pelos
cidadãos.
A preferência pelo activismo digital justifica-se pelos baixos custos no acesso às
ferramentas da internet, pela liberdade com que se acede e a pluralidade que a
caracteriza. Estas características determinam a preferência dos cidadãos por estes
recursos gratuitamente disponíveis online, principalmente o Facebook, que permitem
contornar a censura e autocensura impostas aos órgãos de informação tradicionais. Por
outro lado, fruto do reconhecimento da centralidade da internet pelos órgãos de
370 informação, as estratégias de adaptação destes acabam beneficiando em larga medida os
cidadãos, quando livremente partilham parte da informação por estes produzidas para o
consumo publico nas redes sociais inscrita, aliás, na estratégia de promoção dos seus
órgãos.
A Internet em Moçambique
A penetração da internet em Moçambique é de 4,3% dos 23 milhões de habitantes
que a compõem. Existem em Moçambique 1 011,185 usuários da internet; dos quais
362,560 são usuários do Facebook; Moçambique situa-se no 124º lugar, de uma lista de
213 países. Quanto ao ranking dos países africanos falantes do português, Angola é
líder com 385.360 usuários do Facebook (16o lugar em África); seguido de
Moçambique (21o lugar); Cabo Verde (31o lugar), com 87.260 usuários; Guiné-Bissau
(40o lugar), com 41.100 usuários e, em último lugar, São Tomé e Príncipe (49o lugar)
com 5.400 usuários.
A opção pelo uso das redes sociais da internet pelos cidadãos pode estar associada
às possibilidades que ela oferece para um debate aberto e plural, onde todos, querendo,
podem participar na criação e difusão de informação. Pressionando agentes políticos e
determinando a agenda de muitos mídia, os utilizadores demonstram estar ante uma
plataforma ideal para a criação de verdadeiros movimentos sociais ou de eventos mais
ou menos fugazes, como manifestos ou campanhas virtuais.
Em pouco tempo, desde que elas foram introduzidas em Moçambique e com a
emergência da tecnologia de comunicação de terceira geração, 3G, as redes sociais
tornaram-se autênticas “zonas libertadas da repressão e da censura” da mídia
moçambicana. Esta é, muitas vezes, conotada como estando condicionadas às agendas
de grupos de interesses, sejam eles políticos ou económicos, e se encontrar sujeita à
chantagem económica, o que condiciona que reportem, com isenção e rigor desejáveis,
a informação (Raposo, 2012:4).
A tecnologia da terceira geração da telefonia móvel permitiu que o acesso à
internet e às respectivas redes sociais deixasse de depender apenas de computadores.
Assim, a maioria dos moçambicanos pôde aceder à internet mesmo sem um
computador, a partir de um telemóvel. Este facto veio revolucionar a forma como a
informação é obtida, partilhada e gerida.
371 Em virtude do que ficou exposto acima e das oportunidades que as redes sociais
oferecem, estão a emergir em Moçambique, principalmente nos grandes centros
urbanos, como Beira, Maputo, Nampula e Matola, autênticos centros de cidadania
virtual, nos quais cidadãos de vários estratos e níveis académicos trocam informação
valiosíssima sobre os diferentes aspectos do país. Assim, estes espaços virtuais se têm
afirmado como referentes do debate intelectual, um pouco à margem dos cânones
impostos à mídia tradicional pelos grupos de interesses e de pressão197.
A mídia em Moçambique
O ambiente da mídia em Moçambique pode considerar-se estável do ponto de
vista político e social, apesar das manifestações esporádicas de censura e autocensura
bem como da “chantagem” financeira que em muito condiciona a sustentabilidade de
larga maioria das empresas jornalísticas.
Não obstante a expansão notável de estações televisivas, a rádio continua a ser o
principal meio de comunicação social, sendo a Rádio Moçambique (RM) o órgão
comunicação social de maior cobertura em todo o país (IREX, 2013).198
Nos distritos, a interferência política é sistemática e a censura praticada
principalmente por autoridades distritais contra as rádios comunitárias tem provocado
uma certa regressão neste sector (IREX, 2013).
A legislação da mídia não garante a liberdade de imprensa devido à sua
porosidade, principalmente em relação a regulamentos e mecanismos de regulação.
Ainda estão por ser aprovadas a nova lei de imprensa, a nova lei de radiodifusão; a
política de migração digital está ainda por ser definida e as leis anti-mídia por serem
supridas (Raposo et al, 2010).
A actuação da imprensa ainda se acha condicionada, factual e/ou potencialmente,
por um conjunto de leis antidemocráticas corporizadas por normas que se afiguram
como límpidos atentados à liberdade de imprensa e de expressão bem como do direito à
informação. Eis algumas dessas leis:
•
Lei número 12/79 (Lei do Segredo do Estado);
197
Cfr: Mozambique: The Irrepressible Facebook Blogger.
http://globalvoicesonline.org/2011/12/19/mozambique-facebook-blogger-apostolo/
198
Cfr: ) http://www.meducationalliance.org/content/irex-annual-report-2013 372 •
Lei número 18/91 (Lei de Imprensa);
•
Lei número 19/91 (Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado).
A Lei número 12/79 estabelece, embora de forma problemática, o regime jurídico
do instituto do Segredo do Estado. Nessa lei, não se define, em concreto, o que será o
Segredo de Estado e nem se diz quem tem competência para qualificar uma determinada
situação como configurando Segredo de Estado. Tudo pode ser qualificado como tal
pelos detentores do poder, tendo em conta os interesses em jogo, o que torna insegura a
actuação da imprensa.
A Lei número 18/91 também pode ser considerada como condicionando, em
parte, o pleno usufruto da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão. O número
4 do artigo 47º desta lei, reza que “Não é admitida a prova da verdade dos factos se o
ofendido for o Presidente da República ou, havendo reciprocidade, Chefe de Estado
estrangeiro ou seu representante em Moçambique”.
A Lei número 19/91, que foi aprovada uma semana depois da aprovação da Lei de
Imprensa (Lei número 18/91), diz, no seu artigo 20, que quando figuras como o
Presidente da República, ministros e secretários de partidos políticos são difamadas pela
imprensa, logo essa situação corresponde a um crime contra a segurança do Estado. Esta
é, nitidamente, uma lei desajustada daquilo que se pode esperar dum ou num estado de
direito democrático.
A norma da Lei de Imprensa transcrita no parágrafo anterior afigura-se deveras
problemática, podendo até, a nosso ver, operar como uma espécie de barreira
psicológica à liberdade de imprensa e de expressão. Na verdade, a constitucionalidade
dessa norma é até questionável, tendo em conta que a Constituição da República
estabelece o direito à presunção de inocência.
É igualmente urgente a aprovação de uma Lei de Direito à Informação, para
possibilitar a efectivação do acesso à informação por parte dos cidadãos, em geral, e dos
jornalistas, em particular. Estes últimos são, não poucas vezes, condenados somente
porque os documentos que eram imprescindíveis para a confirmação dum e outro facto
foram “trancados a sete chaves”, mesmo contendo informações de um indisputável
interesse público e nada tendo que ver com o Segredo de Estado, tendo em conta os
princípios internacionais a ele aplicáveis (Raposo et al, 2010).
O papel da mídia na formação da consciência cívica é em Moçambique limitado.
Pereira (2007) argumenta por exemplo, que em tempos eleitorais, a influência dos
órgãos de informação na formação do voto situa-se a 30% enquanto a identificação
373 partidária constitui o maior definidor do voto. As redes sociais e outras perfazem os
restantes 20% (Pereira, 2007:10).
Em que medida é o activismo digital eficaz?
A internet e as redes sociais estão a tornar-se canais poderosos para a
aprendizagem sobre questões úteis aos cidadãos, bem como para a mobilização e
participação pública em Moçambique. Por exemplo, aquando a greve dos médicos,
decorrida entre 20 de Maio a 15 de Junho de 2015, a Associação Médica de
Moçambique veiculava seus comunicados pelo Facebook. A detenção do Dr. Jorge
Arroz, Presidente da Associação Médica, foi anunciada pela primeira vez no mural de
Facebook do Jornal @Verdade e depois popularizada pelos demais órgãos de
comunicação social. Consequentemente, a mobilização de mais de duas mil pessoas que
apearam defronte da VI Esquadra da PRM em Maputo exigindo a libertação do médico,
deveu-se igualmente às redes sociais. Mais do que em qualquer momento na história da
internet em Moçambique, ficou provado que os cidadãos adoptaram a internet como o
espaço privilegiado para obter e trocar informações, mobilizar para causas públicas,
expressar livremente as opiniões contornando assim o demais bloqueios de censura e
autocensura impostas a diversas redacções.
Por compreender encontra-se o potencial da internet e dos recursos que ela
oferece hoje. Os órgãos de informação moçambicanos estão abrindo páginas da internet,
disponibilizando gratuitamente as principais notícias dos seus órgãos e partilhando-as
em murais de Facebook ou Twitter e You Tube. O caso mais recente (2013) inclui o
lançamento do Website do Jornal Domingo (www.jornaldomingo.co.mz).
Apesar destes avanços e facilidades, em Moçambique, a eficácia das redes sociais
enquanto espaço para o exercício de cidadania só pode ser verificada à luz da teoria de
dependência dos sistemas da mídia. Segundo esta teoria, quanto mais o indivíduo
depender da informação para suprir suas necessidades, mais importante será o papel que
a mídia exercerá na vida deste indivíduo elevando assim a sua influência sobre ele.
Outros sim, importa acautelar o facto de em Moçambique muitos cidadãos
obterem informação política de diversas fontes, sendo em menor grau através de órgãos
de informação (Pereira, 2007), uma vez que o acesso a estes é limitado a um grupo
menor, maioritariamente presente em centros urbanos. As rádios comunitárias, privadas
374 e estatais, são as que chegam à esmagadora maioria da população moçambicana, porém,
este facto não se traduz automaticamente no consumo, pelos cidadãos, de informação
necessária para engajá-los no debate público (Raposo, 2012:4).
Importa também ressaltar o facto de ao falarmos do papel da internet (através das
suas ferramentas) como espaço para o exercício da cidadania pelos moçambicanos, este
exercício se verificar em grande parte ao nível do diálogo, apesar de não haver muita
diferença entre o diálogo online e presencial, conforme notado por Zúñiga em
Reimagining Pathways to Political Participation (Zúñiga et al, 2010: 36).
Esta situação levou a que se pensasse que o activismo online não passa de um
clicktivismo ou pseudo-activismo. Alguns estudiosos duvidam mesmo do potencial das
redes e mídia sociais para a promoção e consolidação de um activismo político sério.
Num artigo influente intitulado "Small Change: Why the revolution will not be tweeted,
2010”, Malcolm Gladwell (2010) comparou a coragem de estudantes afro-americanos
de década de 1960 que se amotinavam e enfrentavam barricadas na luta pelos seus
direitos, com os actuais activistas online. Para este estudioso, por ser pouco exigente, o
activismo online precisaria de ir um pouco mais além da mobilização de um click e de
simples actividades como adesão ao fóruns e grupos de discussão, assinatura online de
petições, etc..
Porém, David Karpf (2010) notou que os críticos do activismo online estavam
equivocados. Para ele, a diferença entre o activismo online e offline está no grau e não
no tipo. No seu artigo intitulado “Online Political Mobilization from the Advocacy
Group’s Perspective: Looking Beyond Clicktivism”, David Karpf argumenta que emails em massa ou petições ou grupos de Facebook são do ponto de vista funcional
equivalentes às petições fotocopiadas, ou cartazes colados em paredes ou distribuídos
porta-a-porta. Karpf também nota que tais acções representam apenas parte de toda
estratégia do activismo, pelo que deverão ser vistas numa perspectiva de conjunto.
As redes sociais estão cada dia a tornar-se numa ferramenta crítica para a
cidadania digital, engajando cidadãos num debate cívico ideal.
A partir da descrição feita anteriormente podemos afirmar que o activismo digital
que floresce nas redes sociais, fortalece-se para além dele. Um exemplo crítico é a
formação do Movimento Solidário do Facebook199, uma entidade que nasceu em 2012
das discussões sobre as soluções para a mitigação dos efeitos das cheias na cidade de
199
Cfr: http://goo.gl/Tw1Zi
375 Maputo e o papel dos cidadãos. A consolidação deste movimento200 implicou o
desdobramento do âmbito e foco das suas actividades para além da cidade de Maputo,
estando agora igualmente envolvido na angariação de bens, serviços e dinheiro para
ajudar diversos grupos vulneráveis, entre os quais crianças órfãs, vítimas de cheias bem
como as maternidades.
Outro sinal da eficácia do activismo digital em Moçambique pode ser encontrado
nas reacções que ele produz no seio dos políticos. Por exemplo, no dia 15 de Abril de
2012 o Presidente da República disse durante a V Assembleia-geral da Organização da
Juventude que as redes sociais da internet “têm o potencial de se transformar em
espaços geradores de representações, fábricas de sonhos inalcançáveis e de infinitas
miragens e expectativas que podem levar à secundarização da cultura de trabalho,
promovendo o espírito de mão-estendida”. O presidente esclareceu de seguida a ideia,
nos seguintes termos:
“Referimo-nos aos meios de comunicação social, à Internet e, mais recentemente,
às redes sociais virtuais. A conectividade, que é uma realidade em cada vez mais
espaços geográficos da nossa Pátria Amada, tem, sem dúvidas, muitas vantagens,
particularmente no que diz respeito à democratização do acesso ao conhecimento
e à criação de cidadãos cosmopolitas virtuais. O facto de no premir de uma tecla
encontrar-se a solução comunicacional pretendida pode ser extrapolado para a
tendência de procurar respostas simples e imediatas para problemas complexos.
Podemos nos esquecer que os desafios estruturais com que nos debatemos nesta
ou naquela área requerem respostas sustentadas e sustentáveis que, portanto,
levam mais tempo a aparecer.201”
Como podemos aferir, este discurso confirma a breve reflexão exposta neste
artigo sobre a eficácia do activismo digital, que, como ficou documentado, transcende o
espaço virtual, criando consequentes efeitos sobre os assuntos debatidos.
Concluímos assim que o activismo digital em Moçambique está se consolidando
como uma ferramenta critica para a promoção do engajamento dos cidadãos na
participação pública. As questões da penetração da internet (2.4%) ou do acesso e uso
200
Cfr: https://www.facebook.com/groups/255840577820696/
Cfr: http://goo.gl/ltA05 . O jornal Canal Moz fez a este propósito um texto de opinião em que
respondia à questão por si colocada. Porque Guebuza não gosta do Facebook? Cf:
http://macua.blogs.com/files/cmc_n162_porqueguebuza.pdf
201
376 das redes sociais devem ser relacionadas com a pobreza, a taxa de alfabetização e outros
condicionalismos que implicam a construção de uma cidadania.
Referências Bibliográficas
CARDOSO, G. e LAMY, C. (2011). "Redes sociais: comunicação e mudança” In:
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 1, Primavera.
GLADWELL, M. (2010) Small Change: Why the revolution will not be tweeted. The
New Yorker., Oct. 4.
KALYANGO, Y. (2012) Public attitudes toward media control and incitement of
conflicts in Easter Africa. Media, War& Conflit. Sage, December vol 5(2), pp. 119-137.
KARPF, D. (2010) Online Political Mobilization from the Advocacy Group’s
Perspective: Looking Beyond Clicktivism. Policy & Internet, Vol. 2: Iss. 4, Article 2.
PEREIRA, João C. G. (2007) Onde é que os eleitores moçambicanos adquirem as suas
informações políticas? Maputo: IESE
RAPOSO, E. V. e NHANALE, E. (2012) Como os eleitores de Inhambane foram
informados sobre as eleições. Relatório de Observação/Pesquisa sobre acesso à
informação e exercício de cidadania nas eleições intercalares de Inhambane de 18 de
Abril de 2012. Maputo: CEO/IBIS/Agir. http://www.academia.edu/1900263/Como_os_eleitores_de_Inhambane_foram_informa
dos_sobre_as_eleicoes
RAPOSO, E. V. e all. (2010) A centralidade das redes sociais no acesso ao Estado pelos
cidadãos. Boletim Debate. Maputo: CEC, pp. 4-11.
Reimagining Pathways to Political Participation. Journal of Information Technology &
Politics, 7:1, pp. 36-51
VISSERS, S. e STOLLE, D. (2012) Spill-over effects between Facebook and on/offline
political participation? Evidence from a two-wave panel study. Edmonton, Canadian
Political Science Association. Annual Meeting, June 15-17.
ZÚÑIGA, H. G. de, VEENSTRA, A., VRAGA, E. e SHAH, D. (2010) Digital
Democracy: Reimagining pathways to political participation. Journal of Information
Technology & Politics, 2:5.
377 Resumos e Abstracts
1º LIVRO “ Cobertura Jornalística da Corrupção Política: sistemas políticos,
sistemas mediáticos e enquadramentos legais”
“Journalistic Coverage of Political Corruption: Political Systems, Media Systems
and Llegal Frameworks” Isabel Ferin Cunha e Estrela Serrano (Coords.)
1. Análise do Sistema Político Português no Período Democrático: uma breve
caracterização│Mafalda Lobo
Resumo
O sistema político é o modo concreto de organização e funcionamento da vida política
numa dada época, que engloba o conteúdo da Constituição, a estrutura das instituições,
o sistema de governo, o sistema eleitoral, o sistema de partidos. Por sua vez, nos
regimes políticos democráticos, consideram-se a liberdade, o pluralismo, os direitos do
homem, o voto livre e secreto, a soberania popular. Falar de sistema político implica
considerar todos os elementos que o compõem. É, por isso, que não podemos falar de
sistema político sem equacionarmos os sistemas eleitorais, e eventuais reformas, os
sistemas partidários, sendo que o sistema eleitoral funciona como base e condiciona
todo o sistema político pela influência que tem na configuração do sistema parlamentar,
no sistema de governo e na forma como molda o poder político. Neste capítulo não
tivemos como preocupação essencial apresentar uma relação política aprofundada, entre
o sistema de partidos, o sistema eleitoral e o sistema de governo em Portugal, mas a
partir de diversos contributos dispersos, agregá-los numa síntese na qual se procede a
uma breve caracterização de cada um dos sistemas, e à apresentação de algumas
perspectivas.
Palavras-chave: Sistema Político; Sistema Eleitoral; Sistema de Governo; Reforma
Eleitoral; Semipresidencialismo.
Analysis of Portuguese Political
characterization│Mafalda Lobo
System
in
Democracy:
a
brief
Abstract
The political system is the concrete form of organization and functioning of political life
at a specific time, which includes the content of the Constitution, the structure of
institutions, the system of government, the electoral system, the party system. In turn, in
democratic political regimes, we consider freedom, pluralism, human rights, free and
secret vote, popular sovereignty. Talking about political system implies considering all
the elements that compose it. It is the reason, therefore, no one can talk about a political
system without questioning electoral systems, and possible reforms, party systems, and
the electoral system works as the basis and conditions all of the political system by the
influence it has on the parliamentary system configuration, the system of governance
378 and in shaping political power. In this chapter, we did not have the major concern of
presenting a political relationship between the party system, the electoral system, and
system of government in Portugal, but, from many several contributions, aggregating
them into a synthesis in which one proceeds to a brief characterization of each system,
and a presentation of some perspectives.
Keywords: Political System; Electoral System; System of Government; Electoral
Reform; Semi-Presidential.
2. Política anticorrupção e o marco legal no Brasil│Fernando Filgueiras e Mateus
Morais Araújo
Resumo
Este texto procura compreender a construção da política anticorrupção no Brasil com
foco nas mudanças institucionais promovidas pelo Estado brasileiro a partir do marco
da Constituição da República Federativa de 1988. Esse processo de mudança
institucional espelha no marco legal brasileiro, o qual estabeleceu essa política
anticorrupção. No que tange à luta contra a corrupção no Brasil, o que se percebe é que
hoje existe uma política anticorrupção, adotando esse processo de inovação institucional
no âmbito do controle e da transparência. Contudo, existe ainda uma barreira à plena
efetividade dessa política anticorrupção que está na responsabilização dos agentes
públicos e privados pelos atos ilícitos. No caso do Brasil, hoje, as instituições de
controle são efetivas no processo de desvelamento da corrupção. No entanto, ainda não
há efetividade na aplicação de sanções aos casos de corrupção.
Palavras-chave: Corrupção; Política anticorrupção; Accountability; Leis.
The anti-corruption policy and regulatory framework in Brazil | Fernando
Filgueiras e Mateus Morais Araújo
Abstract
This paper discusses the construction of anti-corruption policy in Brazil focusing on
institutional changes promoted by the Brazilian State from the 1988 Federal
Constitution. This process of institutional change reflects the Brazilian legal framework,
which established that anti-corruption policy. Regarding the fight against corruption in
Brazil, what we see is that there is now an anti-corruption policy, adopting this process
of institutional innovation within the control and transparency. However, there is still a
barrier to the full realization of this corruption that is in the accountability of public and
private actors by policy. In Brazil today, the institutions of control are effective in the
process of unveiling corruption. However, there is no effective sanctions in cases of
corruption. Keywords: Corruption; Anti-Corruption policy; Accountability; Laws. 3. Prevenir e reprimir a corrupção política em Portugal – Evolução do Quadro
Legal │António João Maia e Hermenegildo Borges
Resumo
379 Este artigo aborda a evolução do quadro legal português a partir dos anos oitenta,
relativamente às estratégias e políticas públicas desenhadas e adotadas pelos sucessivos
governos para, no contexto das convenções internacionais, reprimir, controlar,
investigar e prevenir a criminalidade económica praticada contra o Estado por
funcionários no exercício de funções públicas. Este conjunto de crimes, mais
vulgarmente conhecido por corrupção, traduz a existência de graves ineficiências no
desempenho dos Serviços Públicos, tanto na gestão dos bens e património públicos que
lhes estão afetos, como na forma como se relacionam com o cidadão.
Palavras-chave: Corrupção; Crime económico; Crime financeiro; Leis criminais da
Corrupção; Prevenção da Corrupção; Má gestão pública.
Prevent and suppress political corruption in Portugal - Evolution of Legal
Framework | António João Maia e Hermenegildo Borges
Abstarct
This article discusses the evolution of the Portuguese legal framework from the eighties
in respect of strategies and public policies designed and adopted by successive
governments, within the framework of international conventions, to repress, monitor,
investigate and prevent economic crime committed against the State, particularly by
employees in the exercise of their public duties. These crimes, mostly known as
corruption, show the existence of serious inefficiencies in the performance of Public
Services, both in the management of public goods, as in the way they interact with
citizens.
Keywords: Corruption; Economic Crime; Financial Crime; Criminal Laws of
Corruption; Corruption Prevention; Bad public goods management.
4. Eleições e corrupção em Moçambique│Domingos M. do Rosário
Resumo
Moçambique é uma democracia eleitoral onde a transição para a democracia é resultado
de um conflito interno que perdurou durante 16 anos (1977-1992). A independência de
Moçambique foi proclamada pela Frelimo em 1975, nesse momento alguns partidos
políticos criados antes ou pouco depois do 25 de Abril de 1974 foram abolidos a favor
de um partido único. Em 1990, o país adopta uma nova Constituição que consagrou o
multipartidarismo. Neste artigo mostramos que o pluralismo instalado em Moçambique
não lançou as bases para o exercício de um Estado de direito nem de cidadania, mas
simplesmente adoptou procedimentos formais que permitiram ao partido Frelimo
consolidar a sua hegemonia através de mecanismo de corrupção politica nomeadamente
a fraude. O artigo está dividido em três partes: a primeira mostra que apesar do sistema
político eleitoral ser de tipo proporcional, razões de ordem estrutural e política, tornam
o sistema bipolarizado entre os dois antigos beligerantes. A segunda parte mostra como
a fragilidade institucional dos pequenos partidos, aliada à falha do processo de
institucionalização do maior partido da oposição, a Renamo, contribui para a fraqueza
do debate político. Na terceira parte analisamos os diferentes processos eleitorais de
1994 até 2009 e mostramos como instituições eleitorais frágeis e sujeitas a manipulação
política, jogam um papel determinante na consolidação da hegemonia do partido Estado
através de mecanismos de corrupção eleitoral, nomeadamente a fraude.
380 Palavras-chave: Bipolarização; Eleições; Fraude; Frelimo; Instituições; MDM;
Partidos políticos; Renamo.
Elections and corruption in Mozambique | Domingos M. do Rosário
Abstract
Mozambique is an electoral democracy where the transition to democracy is the result
of an internal conflict that lasted 16 years (1977-1992). The independence of
Mozambique was proclaimed by Frelimo in 1975, at that time some political parties
created before or shortly after April 25, 1974 were abolished in favor of a single party.
In 1990, the country adopted a new constitution which established a multiparty system.
In this paper we show that pluralism installed in Mozambique not laid the foundation
for the exercise of the rule of law and citizenship, but simply adopted formal procedures
that allowed the Frelimo party consolidate its hegemony through political corruption
mechanism including fraud. The article is divided into three parts: the first show that
despite the political electoral system being a proportional type, structural reasons and
political order, make it a system bipolarized, between the two former belligerents. The
second part shows how the institutional weakness of the small parties, combined with
the process fails of institutionalization of the main opposition party, Renamo,
contributes to weakness of the political debate. In the third part we analyze the different
electoral processes of 1994 until 2009, and we show how fragile electoral institutions
and enslaved to political manipulation, play a decisive role in consolidating the
hegemony of the State party through mechanisms of electoral corruption, including
fraud.
Keywords: Bipolarisation; Elections; Fraud; Frelimo; Institutions; MDM; Political
parties; Renamo.
5. Sistema dos media em Portugal: os primeiros anos após a instauração da
democracia│Estrela Serrano
Resumo
O artigo debruça-se sobre o sistema mediático português, abordando duas das
dimensões do modelo de Hallin e Mancini: o mercado dos media em Portugal, o grau e
a natureza da intervenção do Estado e o quadro legal e regulatório, percorrendo as
etapas da evolução do sistema mediático desde a instauração da democracia em
Portugal, em 1974, com enfoque nas transformações verificadas no campo do
jornalismo e das empresas noticiosas. Conclui que em Portugal o sistema dos media se
caracteriza por baixas taxas de circulação de jornais e revistas, uma forte intervenção do
Estado na televisão pública e uma regulação do sector dos media que evoluiu de um
modelo assente na escolha partidária do órgão regulador, para o da sua eleição
parlamentar, sendo os membros nomeados ou cooptados e sujeitos a procedimentos e
garantias de independência e incompatibilidades que a aproximam dos modelos
europeus.
Palavras-chave: Sistema dos Media; Mercado; Propriedade; Regulação; Jornalismo.
381 Media System in Portugal: the first years after the establishment of democracy
Estrela Serrano
Abstract
The article focuses on the Portuguese media system addressing two of the dimensions of
the Hallin and Mancini model: the media market in Portugal, the degree and nature of
state intervention and the legal and regulatory framework. Stages of development of the
media system are analyzed since the establishment of democracy in Portugal in 1974,
focusing on the transformations in the field of journalism and news companies. The
article concludes that in Portugal the average system is characterized by low rates of
circulation of newspapers and magazines, a strong state intervention in public television
and a regulation system of the media sector that has evolved from a model based on
party choice for the parliamentary election of its members, who are appointed and
subject to procedures and guarantees of independence and incompatibilities like other
European models.
Keywords: Media system; Market; Property; Regulation; Journalism.
6. O Sistema dos Media em Portugal no Contexto da Globalização do século
XXI│Rita Figueiras
Resumo
As alterações no processo de globalização e a profunda crise económica em Portugal
são os dois eixos centrais do capítulo para se compreender as transformações do sector
da comunicação e dos media em Portugal. O texto é ilustrado com exemplos das
estratégias seguidas pelos principais grupos que operam neste sector e cujo
desenvolvimento reflete as alterações globais nos fluxos de capital na indústria dos
media no século XXI.
Palavra-chave: Grupos de Comunicação; Economia Política dos Media; Globalização;
Crise económica.
The Media System in Portugal in the Context of Globalization in the XXI Century
Rita Figueiras Abstract
Changes within globalization and the Portuguese economic crisis are the central axes to
understand the morphing of the Portuguese Communication and Media sector addressed
in the chapter. The work is illustrated by examples from the major players in the
Portuguese communication and media market, which also reflect new global flows of
capital in media industries in the 21st century.
Keywords: Media Companies; Political Economy of the Media; Globalization;
Economic crisis.
382 7. As diferentes dinâmicas da Corrupção: Mídia, Percepção e Instituições no
Contexto Brasileiro│Nuno Coimbra Mesquita; José Álvaro Moisés; Bruno Rico
Resumo
O tema da corrupção para a ciência política, ainda que seja de extrema importância para
a teoria democrática, é complexo devido a problemas de índices que possam capturar a
sua magnitude. Essa complexidade também é expressa cotidianamente no discurso de
agentes políticos ou da mídia, quando se questiona se a corrupção tem aumentado ou
diminuído no país. Ao contrário de outros temas onde se pode claramente indicar a
melhora ou piora mediante variáveis mais ou menos confiáveis (como índices de
inflação ou de desemprego, por exemplo), o tema da corrupção pode ser mais
facilmente manipulado através do discurso de que não se aumentaram necessariamente
os níveis de corrupção, e sim a sua divulgação, devido à maior transparência das
instituições, em um cenário de maior consolidação democrática. Não obstante, mesmo
esses dados não são estruturados de maneira adequada para que possam ser comparados.
As notícias sobre corrupção na mídia têm realmente aumentado ou diminuído nos
últimos 25 anos? Há ciclos de maior ou menor relatos de corrupção na mídia, a
depender de anos eleitorais ou não-eleitorais? Há alguma correspondência entre os
períodos de maior relato de corrupção e outros índices de corrupção? O objetivo desse
capítulo, portanto, é a avaliação da dinâmica do tratamento da corrupção na mídia
brasileira, em comparação com outras variáveis sobre percepção da corrupção e resposta
institucional, ao longo dos últimos 25 anos da democracia brasileira.
Palavras-chave: Mídia; Corrupção; Instituições; Democracia.
The different dynamics of Corruption: Media Perception and Institutions in the
Brazilian Context Nuno Coimbra Mosque; José Álvaro Moisés; Bruno Rico
Abstract
The theme of Corruption, although essential for democratic theory and quality, is
complex due to problems of successfully measuring the phenomenon. This complexity
is also present in the discourse of political agents and the media, regarding the debate of
whether the problem of corruption has increased or decreased in certain periods.
Contrary to other topics where it could be clearly argued if they have gotten better or
worse (such as those of inflation or unemployment), the debate on corruption is more
easily manipulated. It is frequently argued that it is not necessarily corruption per se that
has increased, but rather its punishment by institutions, or its greater publicization by
media, on a changing more democratic environment. Nevertheless, even these data are
not adequately structured in order to be compared and enable these inferences. Has
news about corruption effectively increased over the years in Brazilian media? Are there
cycles of more or less news about this topic, depending on election years? Is there any
correspondence between these cycles and other corruption indexes? The objective of
this paper, therefore, is to map out descriptively the different dynamics of corruption in
the Brazilian media, in comparison with other corruption perception, and institutional
response variables, in the past 25 years of the recent Brazilian democratic period.
Keywords: Media; Corruption; Institutions; Democracy.
383 8. Sistema midiático brasileiro: multidão e expressão de uma arena política│
Marialva Barbosa
Resumo
O artigo procura caracterizar o sistema midiático brasileiro a partir da sua relação com o
público e sua transformação como multidão ao longo de dois séculos. O objetivo é
mostrar como a compreensão do fenômeno histórico da multidão está diretamente
relacionada à constituição do sistema midiático brasileiro, com três características
centrais apropriadas em momentos precisos desde o século XIX: a multidão como
síntese da barbárie, no século XIX; o abrandamento das ações pretensamente
incivilizadas das multidões ao serem apropriadas como público massa no século XX; e a
resignificação da multidão que, no século XXI, ganha nova dimensão política.
Palavras-chave: Sistema Midiático; Brasil; Multidão.
Brazilian Media System: Crowd and Expression of a Political Arena
Marialva Barbosa
Abstarct:
The paper characterizes the Brazilian media system from its relationship with the public
and its transformation as the crowd over two centuries. The aim is to show how
understanding the historical phenomenon of the crowd is directly related to the
constitution of the Brazilian media system with three central characteristics appropriate
for precise moments since the nineteenth century: the crowd as a synthesis of barbarism
in the nineteenth century; relaxation Share allegedly uncivilized crowds to be
recognized as mass public in the twentieth century, and reframing the crowd that in XXI
century gets new political dimension.
Keywords: Media system; Brazil; Crowd.
9. Sistema dos Media em Moçambique: Uma breve análise sobre o mercado da
imprensa, da radiodifusão pública e da profissionalização do
jornalismo Ernesto Nhanale
Resumo
O presente artigo tem como objectivo analisar o sistema dos media noticiosos em
Moçambique, tendo em conta as variáveis do mercado da imprensa escrita, o sistema da
radiodifusão pública e do nível da sua profissionalização. No âmbito destas variáveis, o
texto mostra, num primeiro nível, um recente e fraco desenvolvimento do mercado da
imprensa, caracterizado fundamentalmente pela fraca circulação e baixas audiências.
Num segundo nível, o texto ilustra o papel predominante dos meios electrónicos,
sobretudo da rádio, e um sistema de radiodifusão caracterizado pelo domínio do
governo. Num terceiro nível, discute-se a profissionalização do jornalismo em
Moçambique, caracterizado pelo fraco reconhecimento dos profissionais, a frágil
regulamentação da profissão, a politização, autocensura, o que se tem traduzido num
baixo nível de cumprimento da responsabilidade social dos jornalistas de informar de
forma equilibrada.
Palavra-chave: Sistema dos Media; Moçambique; Mercado e Profissionalização.
384 Media System in Mozambique: A Brief Analysis on the Press Market, Public
Broadcasting and the Professionalization of Journalism │ Ernesto Nhanale Abstract
This article aims to analyze the system of the news media in Mozambique, taking into
account the variables of the written press market, the system of public broadcasting and
the level of their professionalism. Within these variables, the text shows, in the first
level, a recent and weak development of the media market, mainly characterized by
poor circulation and low audiences. On a second level, the text illustrates the dominant
role of electronic media, especially radio, and broadcast system characterized by
political dominance of the government. At a third level, we discussed the
professionalization of journalism in Mozambique, characterized by poor recognition of
professionals, fragile regulation of the profession, the politicization, self-censorship,
which has resulted in a low level of accountability and social responsibility of
journalists to inform in a balanced way.
Keywords: Media System; Mozambique; Marketing and Professionalization.
10.Opinião pública e cobertura jornalística da corrupção política em Portugal
│Isabel Ferin Cunha
Resumo
Neste texto pretendemos discutir a relação entre os indicadores de opinião pública e a
cobertura jornalística dos fenómenos de corrupção política em Portugal de 2005 a 2012.
Fundamentamos esta comunicação nas teorias do agendamento mediático e nos seus
desdobramentos, tendo como objetivo discutir se a visibilidade da cobertura jornalística
da corrupção política poderá explicar os índices elevados de perceção de corrupção
política na opinião pública portuguesa. Assumimos que a democracia está centrada nos
meios de comunicação, principalmente na televisão apesar da crescente influência das
redes sociais, e que os interesses comerciais tende a tornar a política matéria-prima
valiosa e descartável condicionando a atuação dos agentes políticos e a as formas de
comunicação política. Por sua vez, o sistema partidário tendem a formatar as suas
mensagens para consumo dos media e a governar com base nas sondagens e nos índices
de aceitação pública (Maarek, 2007; Louw, 2005). Partindo dos conceitos de
agenda-setting, framing, priming (Scheufele, 2000) e dos princípios subjacentes ao
modelo em cascata (Entman, 2004), pretende-se explicar o processo da ativação da
atenção para determinados temas mediáticos, segundo uma lógica de contaminação
entre os diversos meios de comunicação. Selecionaram-se três casos mediatizados de
corrupção política de projeção nacional e analisamos um corpus constituído por dois
jornais diários, uma rádio e duas televisões de sinal aberto. Os dados foram recolhidos a
partir das edições online dos referidos meios de comunicação e contextualizados tendo
em conta o sistema político e mediático. Os indicadores de opinião pública utilizados
decorrem das sondagens periódicas realizadas pela empresa Marktest para o Barómetro
Político, que têm como objetivo aferir a evolução da opinião pública face aos principais
representantes da democracia. A partir desta contextualização e da análise procura-se
responder, tendo em conta a diversidade dos meios analisados e as metodologias
utilizadas, à seguinte pergunta: como os casos de corrupção política agendados pelos
meios de comunicação social refletem na opinião pública aferida pelas sondagens
385 periódicas; como a visibilidade promovida pela cobertura jornalística da corrupção
política influencia os indicadores de opinião pública das principais figuras da
democracia. As respostas a estas perguntas constituem uma primeira contribuição
exploratória para esclarecer as relações entre cobertura jornalística, opinião pública e
perceção da corrupção política.
Palavras-chave: Cobertura jornalística da Corrupção política; Opinião pública;
Corrupção política; Media portugueses.
Public Opinion and Media Coverage of Political Corruption in Portugal
Isabel Ferin Cunha Abstract
In this paper we discuss the relationship between indicators of public opinion and media
coverage of the phenomena of political corruption in Portugal from 2005 to 2012. We
base this statement on the theories of media scheduling and its consequences, aiming to
to discuss if the visibility of journalistic coverage of political corruption, may explain
the high levels of perception of political corruption in Portuguese public opinion. We
assume that democracy is centered in the media, especially on television despite the
growing influence of social networks, and also we believe that commercial interests
tend to make political valuable raw material and disposable conditioning the actions of
political agents and forms of political communication. Meanwhile, the party system
tend to format your messages for media consumption and govern based on polls and
indexes of public acceptance (Maarek, 2007; Louw, 2005). Based on the concepts of
agenda-setting, framing, priming (Scheufele, 2000) and the principles underlying the
model cascade (Entman, 2004) seeks to explain the process of activating the media
attention to certain issues, according to logic of contamination between the different
media. We selected three mediatized cases of political corruption to national
prominence and we analyze a corpus composing of two daily newspapers, one radio and
two televisions open signal. Data were collected from the online editions of these media
and contextualized taking into account the political and media system. Indicators of
public opinion used derive from periodic surveys conducted by the company Marktest
for Political Barometer, which aim to measure the evolution of public opinion regarding
to the main political players of democracy. From this contextualization and analysis
seek to answer, given the diversity of media and analyzed the methodologies used, the
following questions: how political corruption cases scheduled by the media reflect
public opinion measured by periodic surveys; how visibility promoted by media
coverage of political corruption influences the indicators of public opinion of the main
figures of democracy. The answers to these questions are a first exploratory contribution
to clarify the relationship between media coverage, public opinion and perception of
political corruption.
Keywords: News coverage of Political Corruption; Public Opinion; Political
Corruption; Portuguese Media.
386 11. Meios de Comunicação, corrupção e redes sociais nas eleições para prefeito no
Brasil│Helcimara de SouzaTelles; Pedro Soares Fraiha e Nayla Lopes
A análise da disputa eleitoral nas eleições municipais de Belo Horizonte permite
observar aspectos relevantes que poderiam influenciar a decisão de voto do cidadão.
Entre estes fatores, o artigo irá destacar em que medida a percepção da corrupção afeta a
escolha do eleitor. Consideramos que a exposição dos indivíduos ao tema da corrupção
seja fator preponderante para que o assunto tome forma e componha a decisão de voto,
portanto é fundamental clarificar os canais de informação com os quais o eleitor tem
acesso, além de determinar a forma como os candidatos se utilizam da visibilidade de
casos e escândalos em seu favor. Parte-se do princípio que a mídia influencia a opinião
pública, analisamos os fatores que determinam a intenção de voto, tais como a
exposição à mídia, a percepção e tolerância à corrupção, a avaliação da economia e do
passado político dos candidatos a prefeito. A base de dados repousa em pesquisa
realizada em Belo Horizonte durante as eleições municipais de 2012. Apesar do cenário
político nacional por uma crise política centrada em escândalos de corrupção, os
resultados sugerem que o voto econômico retrospectivo foi o principal fator de
influência na decisão de voto dos eleitores. Os candidatos concentraram ataques
baseados em administrações passadas, convencidos de que este tipo de avaliação seria
determinante na escolha do voto.
Palavras-chave: Percepção da Corrupção; Eleições; Decisão de Voto; Escândalo
Midiático.
Media, social networks and corruption in elections for mayor in Brazil
de SouzaTelles; Pedro Soares Fraiha e Nayla Lopes Helcimara
Abstract
The analysis of the electoral contest in the municipal elections of Belo Horizonte allows
observing relevant aspects that could influence the voting decision of the citizen.
Among these factors, the article will highlight the extent to which the perception of
corruption affects the choice of the voter. We believe that the exposure of individuals to
the issue of corruption is a major factor for that matter takes form and compose the
voting decision, so it is essential to clarify the information channels with which the
voter has access, in addition to determining how candidates make use of the visibility of
cases and scandals in his favor. It starts from the principle that the media influences
public opinion, we analyze the factors that determine the intention to vote, such as
media exposure, awareness and tolerance for corruption, the assessment of the economy
and the political past of the candidates for mayor. The database relies on research
conducted in Belo Horizonte during the municipal elections of 2012. Despite the
national political scene by a political crisis centered in corruption scandals, the results
suggest that economic retrospective voting was the main factor influencing the voting
decision of voters. Candidates focused attacks based on past administrations, convinced
that this type of evaluation would be decisive in the vote choice.
Keywords: Perception of Corruption; Elections; Voting Decision; Media Scandals
387 12. A Objetividade na Cobertura do escândalo político e os novos propósitos de
uma subjectividade objetivante│Bruno Paixão
Resumo
Neste trabalho procuramos confrontar posições em torno da objetividade jornalística e
cotejar, através de um Estudo de Caso, se o escândalo político, enquanto fenómeno
mediático, facilita a depreciação dessa objetividade. Pretendemos também, a partir das
teorias e definições, contribuir para encontrar um ponto de convergência entre
defensores e opositores da objetividade no jornalismo contemporâneo. Expomos ainda o
resultado de um questionário dirigido aos media, sobretudo aos jornalistas de política e
direção editorial, sobre a objetividade e o escândalo político.
Palavras-chave:
Felgueiras.
Objetividade;
Escândalo
Político;
Info-entretenimento;
Caso
The objectivity in the coverage of political scandal and a new purposes of
objectifying subjectivity Bruno Paixão Abstract
In this paper we confront positions around the journalistic objectivity and collate,
through a case study, if the political scandal, while media phenomenon facilitates the
depreciation of that objectivity. We also intend, based on the theories and definitions,
help to find a point of convergence between proponents and opponents of objectivity in
contemporary journalism. We also present the results of a questionnaire addressed to the
media, especially to political section journalists and editorial board on the objectivity
and political scandal.
Keywords: Objectivity; Political Scandal, Infotainment; Felgueiras’s Case. 13. A Corrupção Política vista através das Redes Sociais: Metodologias para o
Estudo de Conteúdos Web | Estrela Serrano
Resumo
A internet veio contribuir para reforçar a procura de informação e de sociabilidade.
Estudos recentes mostram que alguns usos da internet contribuem para o envolvimento
cívico, aumentam o voluntarismo, reforçam as interacções pessoais e incitam a procura
de informação. O artigo debruça-se sobre a blogosfera e explora as metodologias mais
adequadas para o estudo do conteúdo de uma amostra de blogs que abordaram um caso
dito de corrupção política em Portugal – o Freeport. Na primeira parte é feita uma
revisão da literatura sobre os blogs e a blogosfera – definição, tipologias e
características funcionais. Na segunda parte, expõem-se as opções metodológicas para o
estudo do “caso” numa amostra de blogs portugueses mais visitados. Finalmente,
identificam-se os principais desafios associados à análise de conteúdos web.
Palavras-chave: Web 2.0; Blogosfera; Blogs; Análise de Conteúdo; Análise de
Discurso.
Political Corruption seen through Social Networking: Methodologies for the Study
of Web Content| Estrela Serrano
388 Abstract
The internet has contributed to strengthen the demand for information and sociability.
Recent studies show that some uses of the Internet contribute to civic engagement,
increase volunteerism, reinforce personal interactions and encourage the search for
information. The article focuses on the blogosphere and explores the most appropriate
methodologies for studying the content of a sample of blogs that dealt with a case study
of political corruption in Portugal – “Freeport case”. The first part focuses on the
literature reviews on the blogs and the blogosphere. The second part exposes the
methodological options for the case study in a sample of Portuguese most visited blogs.
Finally, the article identifies the key challenges associated with the analysis of web
content.
Keywords: Web 2.0; Blogosphere; Blogs; Content Analysis; Discourse.
14. Clicktivismo ou activismo a sério? Em que medida a internet pode ser
considerada espaço de exercício de cidadania em Moçambique│Egídio Vaz Raposo
Resumo
O presente artigo discute a contribuição da internet para a constituição e consolidação
de um espaço de exercício da cidadania em Moçambique. Conferimos o termo genérico
de activismo digital, ao engajamento dos cidadãos na participação pública (Kalyango,
2012). Por sua vez, entendemos por participação pública, o envolvimento de indivíduos
ou grupos de interesse na discussão de assuntos sujeitos a decisão ou em processo de
implementação. Partimos do pressuposto de que as redes sociais e a mídia social da
internet possuem uma capacidade de mobilização política pública capaz de levar à
acção, salvaguardando o facto de esta mobilização apenas ser activada em indivíduos
com predisposição política (Vissers, 2012). Questionamos se a democratização no
acesso à internet é determinante para a cristalização deste espaço público ou pelo
contrário, o activismo é indiferente à quantidade. Da análise do sistema da mídia
moçambicano, argumentamos que o activismo digital em Moçambique floresce e
consolida-se como um espaço de excelência para a participação pública ante a fraca
tendência no consumo de informação política pelos cidadãos.
Palavras-chave: Redes Sociais; Activismo; Participação Publica; Mídia.
Clicktivismo or seriously activism? To what extent the internet can be considered a
space of citizenship exercise in Mozambique│Egidio Vaz Raposo Abstract
This article discusses the contribution of the internet to the establishment and
consolidation of a space for the exercise of citizenship in Mozambique. We attach the
generic term of digital activism, to the engagement of citizens in public affairs
(Kalyango, 2012). In turn, we understand the public participation, the involvement of
individuals or interest groups, the discussion of matters subject to public decision or
implementation process. We assume that social networks and social media have a
capacity for political mobilization of citizens capable of taking action, safeguarding the
fact that this mobilization is only activated in individuals with political predisposition
(Vissers, 2012). We question whether the democratization of access to the internet is
crucial for the crystallization of this public space or on the contrary, activism is
389 indifferent to quantity. Based on the analysis of the Mozambican media system, we
argue that digital activism in Mozambique emerges and consolidates itself as an area of
excellence for public participation in the face of weak trend in the consumption of
political information by the citizens.
Keywords: Social Networking; Activism; Public Participation; Media.
390 Notas biográficas
António João Maia
Licenciado em Antropologia e mestre em Sociologia. Doutorando em Ciências Sociais /
Administração Pública. Membro do Observatório de Economia e Gestão de Fraude, da
Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Membro do Centro de
Administração e Políticas Públicas, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
É investigador criminal dos quadros da Polícia Judiciária, estando, desde 2009 em
funções no Conselho de Prevenção da Corrupção. [email protected]
Bruno Paixão
Licenciou-se em Jornalismo e fez mestrado em Comunicação e Jornalismo. É
doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra e investigador
do CIMJ. Integra o projeto de investigação sobre a “Cobertura Jornalística da Corrupção
Política: uma perspectiva comparada”. Foi presidente da Comissão Executiva do
Congresso Pensar Portugal, realizado no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, em abril de
2000, com o Alto Patrocínio do Presidente da República. Foi presidente da Associação
Nacional de Jovens Jornalistas. Foi jornalista político e repórter parlamentar. É autor do
livro O Escândalo Político em Portugal e de várias comunicações sobre estas temáticas.
[email protected]
Bruno Rico
Pesquisador associado do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas - NUPPs da USP.
É formado em Ciências Sociais pela USP e em Jornalismo pela PUC-SP. Foi jornalista
durante cinco anos, tendo publicado reportagens no jornal Folha de São Paulo, nas
revistas Carta Capital e História Viva, e nos portais UOL e iG. Desenvolve sua
pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Política) da
PUC-SP, com financiamento do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq.
[email protected]
391 Domingos Manuel do Rosário
Doutor em Ciência política. É Professor auxiliar e Docente de Ciência Política e
Administração Pública na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade
Eduardo Mondlane em Maputo. É também Investigador associado no Instituto de
Estudos Sociais e Económicos (IESE). A sua pesquisa está direccionada para as áreas de
Democracia, Eleições, Descentralização e Políticas Públicas [email protected]
Egídio G. Vaz Raposo (Egídio Vaz)
Historiador e consultor de comunicação e pesquisador de mídia e jornalismo há mais de
10 anos. É atualmente pesquisador do Centro de Estudos Interdisciplinares de
Comunicação - CEC e também responsável pela capacitação profissional da mídia
moçambicana do programa para fortalecimento da mídia da IREX. Egídio Vaz Raposo é
também consultor internacional de comunicação e membro da Associação Americana
de Educadores e Pesquisadores em Jornalismo e Comunicação de Massa,
AEJMC. www.egidoivaz.com | [email protected]
Ernesto Constantino Nhanale
Doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Barcelona.
Desenvolve a sua pesquisa na área de Comunicação e Política e fazendo parte do grupo
do Projecto Media e Corrupção Política do Centro de Investigação Media e Jornalismo,
em representação do Centro de Estudos Interdisciplinares de Comunicação de
Moçambique. Para além de investigação, Ernesto Nhanale é docente na Escola Superior
de Jornalismo, em Maputo. [email protected]
Estrela Serrano
Doutorada em Sociologia da Comunicação, da Cultura e da Educação pelo ISCTE-IUL,
mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e licenciada em
História pela Universidade Clássica de Lisboa. É Presidente do Centro de Investigação
392 Media & Jornalismo (CIMJ), membro do Conselho Geral do Instituto Politécnico de
Lisboa (IPL), membro do Conselho de Opinião da RTP, membro do Conselho Diretivo
do Doutoramento FCT em “Estudos de Comunicação: Tecnologia, Cultura e
Sociedade”. Foi vogal da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, (2006-2011)
professora coordenadora e diretora do curso de Jornalismo na Escola Superior de
Comunicação Social (IPL), professora convidada do ISCTE-IUL e na Universidade
Autónoma de Lisboa. Foi provedora dos Leitores do Diário de Notícias e assessora para
a Comunicação Social do Presidente da República (1986-1996). Foi coordenadora para
os Media da Presidência Portuguesa da União Europeia em 2000, membro da direção da
Sociedade Portuguesa de Autores (1980-1994), jornalista na RTP (1979/80),
coordenadora e realizadora de programas, diretora adjunta do Programa 2 da RDP,
diretora da Antena 1, e assessora principal na RDP (1965/81). É autora de livros e de
artigos científicos.
Fernando Filgueiras
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Brasil. Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Coordenador do Centro de Referência do
Interesse Público (CRIP) da UFMG. Autor de Corrupção, democracia e legitimidade
(Editora UFMG, 2013) e organizou Dimensões políticas da justiça (Editora Civilização
Brasileira, 2013). [email protected] Helcimara Telles
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pós-doutorado na
Universidade Complutense de Madrid. Professora da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Coordenadora do grupo de pesquisa Opinião Pública, Marketing
Político e Comportamento Eleitoral, da UFMG, e do grupo Comunicação Política e
Comportamento Eleitoral (LATICOM), da Associação Latino-Americana de Ciência
Política (ALACIP). Co-organizadora de Comunicação Política e Comportamento
Eleitoral, com Alejandro Moreno (Editora UFMG, 2013), Como o eleitor escolhe o seu
prefeito: voto e campanha nas eleições municipais, com Antonio Lavareda (Editora da
393 FGV, 2011), organizadora do livro A educação desterritorializada: a expansão das
fronteiras (2007), coorganizadora de Das ruas às urnas: partidos e eleições no Brasil
contemporâneo (2004), entre outros. [email protected]
Hermenegildo Ferreira Borges
Concluiu, no ano 2000, o doutoramento em Ciências da Comunicação, variante Teoria
da Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da U.N.L., onde exerce
a atividade docente como Professor Auxiliar. Criou e coordena o Mestrado em
Comunicação, Media e Justiça, organizado pela FCSH-UNL em parceria com a
FDUNL. Publicou 3 livros, 3 capítulos de livros, 11 artigos em revistas especializadas e
7 trabalhos em actas de eventos. [email protected]
Isabel Ferin Cunha
Professora Associada, com agregação, da Universidade de Coimbra. Investigadora
Principal do Centro de Investigação Media e Jornalismo. Tem coordenado alguns
projetos aprovados pela Fundação Ciência e Tecnologia/Portugal, tais como Televisão e
Imagens da Diferença e Jornalismo e Actos de Democracia e Cobertura Jornalística da
Corrupção Política: uma perspetiva comparada Brasil, Moçambique e Portugal
(2013-­‐2015). Publicou os livros: Comunicação e Cultura do quotidiano, Quimera, 2002
( 2006; 2009); Jornalismo e actos de democracia (2007); Memórias da Telenovela
(2011). [email protected]
Jose!
A! lvaro Moise! s
Graduado em Ciências Sociais pela USP, Mestre em Política e Governo pela University
of Essex, Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Secretário Nacional de Apoio à
Cultura e Secretário Nacional de Audiovisual. É Professor Titular de Ciência Política da
USP. Diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas - NUPPs da USP. Dedica-se
aos estudos de Teoria empírica Democrática e Comportamento Político, tendo se
especializado nos temas de transição politica, democratização, cultura política e
394 sociedade civil, cidadania e direitos, instituições democráticas e qualidade da
democracia. [email protected]
Mafalda Lobo
Bolseira da FCT no Programa Doutoral Estudos de Comunicação: Tecnologia, Cultura e
Sociedade da Universidade do Minho. Mestre em Comunicação Social pelo Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-UL). Investigadora-colaboradora do
CAPP-ISCSP, CIMJ - FCSH-UNL e Investigadora Associada do Observatório Político
(OP). Tem participado em vários projectos de investigação, e tem vários artigos
publicados sobre as temáticas da comunicação e comunicação política digital.
Marialva Carlos Barbosa
Professora Titular de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da mesma Universidade.
Vice-Presidente da INTERCOM é pesquisadora nível 1 do CNPq. Publicou diversos
livros entre eles História da Comunicação no Brasil (Vozes, 2013); História Cultural
da Imprensa em dois volumes (MAUAD, 2007 e 2010). [email protected]
Mateus Morais Araújo
Doutorando em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador do Centro de
Referência do Interesse Público (CRIP), da UFMG. [email protected]
Nayla Lopes
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
especialista em Marketing Político, jornalista e pesquisadora do grupo "Opinião
Pública,
Marketing
Político
e
Comportamento
Eleitoral",
da
UFMG.
[email protected]
395 Nuno Coimbra Mesquita
Graduado em Ciência Política pela UnB, mestre em Ciência Política e Relações
Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa e doutor em Ciência Política pela
USP. Fez pós doutorado no Departamento de Ciência Política da USP com apoio da
FAPESP, com estudo sobre mídia, apoio político e cultura política. É pesquisador do
Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas – NUPPs da USP e membro do comitê
executivo da RC-22 - IPSA. Dedica-se aos estudos de teoria empírica da democracia,
tendo se especializado nos temas de meios de comunicação, instituições democráticas e
cultura política. [email protected]
Pedro Fraiha
Economista e pesquisador do grupo “Opinião Pública, Marketing Político e
Comportamento
Eleitoral”,
da
Universidade
Federal
de
Minas
Gerais.
[email protected]
Rita Figueiras
Professora Auxiliar da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Portuguesa. Coordenadora do Doutoramento em Ciências da Comunicação na mesma
instituição e Coordenadora da linha de investigação “Media, Tecnologia, Contextos” do
Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC). Diretora-Adjunta da revista
Comunicação & Cultura. Colabora também com o Centro de Investigação Media e
Jornalismo (CIMJ). Áreas de pesquisa: Comunicação Política, Jornalismo, Economia
Política dos Media. [email protected]
396 397 Índice
Apresentação – pág. 3
Parte I – “Sistemas Políticos e Enquadramento jurídico da corrupção”
1. Análise do Sistema Político Português no Período Democrático: uma breve
caracterização │Mafalda Lobo – pág. 9
2. A política anticorrupção e o marco legal no Brasil│Fernando Filgueiras, Mateus
Morais Araújo – pág. 36
3. Prevenir e reprimir a corrupção política em Portugal – evolução do quadro
legal│António João Maia e Hermenegildo Borges – pág. 72
4. Eleições e corrupção em Moçambique │ Domingos M. do Rosário – pág. 124
“Sistemas Mediáticos”
5. Sistema dos Media em Portugal: os primeiros anos após a instauração da
democracia │ Estrela Serrano – pág. 149
6. O Sistema dos Media em Portugal no Contexto da Globalização do século XXI
│Rita Figueiras – pág. 176
7. As Diferentes Dinâmicas da Corrupção: Mídia, Percepção e Instituições no
Contexto Brasileiro │Nuno Coimbra Mesquita, José Álvaro Moisés, Bruno Rico
– pág. 196
8. Sistema midiático brasileiro: multidão e expressão de uma arena
política│Marialva Barbosa – pág. 223
9. Sistema dos Media em Moçambique: uma breve análise do mercado da
imprensa, radiodifusão pública e da profissionalização do jornalismo│Ernesto
Nhanale – pág. 247
Parte II - “Estudos Empíricos”
10. Visibilidade da cobertura jornalística da corrupção política e indicadores de
opinião pública │Isabel Ferin Cunha pág. 260
11. Meios de Comunicação, corrupção e redes sociais nas eleições para prefeito no
Brasil │Helcimara de SouzaTelles, Pedro Soares Fraiha e Nayla Lopes – pág.
295
12. A objetividade na cobertura do escândalo político e os novos propósitos de uma
subjetividade objetivante │Bruno Paixão – pág. 322
13. A Corrupção Política vista através das Redes Sociais: Metodologias para o
Estudo de Conteúdos Web│Estrela Serrano pág. 347
14. Clicktivismo ou activismo a sério? Em que medida a internet pode ser
considerada espaço de exercício de cidadania em Moçambique │Egídio Vaz –
pág. 370
Resumos e Abstracts – pág. 378
Notas biográficas – pág. 391

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