COMUNICACOES FINAL.indd - Armando Emílio Guebuza

Transcrição

COMUNICACOES FINAL.indd - Armando Emílio Guebuza
2011 - Ano Samora Machel
COMUNICAÇÕES DOS SEMINÁRIOS
DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
GABINETE DE ESTUDOS
DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
COMUNICAÇÕES APRESENTADAS NOS
SEMINÁRIOS DO GABINETE DE ESTUDOS DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
ORGANIZAÇÃO
Arlete Matola . Johane Zonjo . Sérgio Padeiro
2011
ANO SAMORA MACHEL
O Gabinete de Estudos agradece:
Aos participantes dos debates
Ao Gabinete de Imprensa da Presidência da República
Ao Protocolo do Estado
À Direcção de Administração e Finanças da Presidência da República
Ficha Técnica
Título:
Comunicações dos Seminários
da Presidência da República
Coordenação:
Organização:
Editor:
Revisão:
Coordenação da edição audio-visual:
Edição audio-visual:
Fotografias:
Gravação:
Design Gráfico:
Produção:
Número de Registo:
Tiragem:
Local e data da publicação:
Arlete Matola
Arlete Matola, Johane Zonjo e Sérgio Padeiro
Gabinete de Estudos da Presidência da República
Arlete Matola e Johane Zonjo
Marlene Magaia
Jerónimo Nhamunze, Ezidório Armando Ribeiro
Fernando Timane, Elídio Tembe, Armando Munguambe
Gabinete de Imprensa da Presidência da República
Luís Jussa
PACTO Imagem, Lda.
7153/RLINLD/2011
1.500 exemplares
Maputo, Dezembro de 2011
Índice
NOTA DO EDITOR.........................................................................8
O DEBATE COMO FORMA DE HOMENAGEAR A VIDA,
OBRA E PENSAMENTO DE SAMORA MACHEL
Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza...................................................12
OPORTUNIDADES PARA MOÇAMBIQUE NO ÂMBITO DA
INTEGRAÇÃO REGIONAL NA SADC/ÁFRICA AUSTRAL
Domingos Estevão Fernandes...............................................................................17
OPORTUNIDADES PARA MOÇAMBIQUE NO
ÂMBITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL NA SADC/
ÁFRICA AUSTRAL
(Comentário ao texto de Domingos Estevão Fernandes)
Paulo Mateus António Uache.......................................................................................70
COMO USAR A ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE TERRAS
PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Sérgio Baleira.....................................................................................................75
INTERVENÇÃO DA SENHORA RABECA GOMES DA UNIÃO
NACIONAL DE CAMPONESES (UNAC)
(Comentário do texto da Sérgio Baleira)
Rabeca Gomes..................................................................................................101
INTERVENÇÃO DO PADRE CARLOS SIMÃO MATSINHE,
DA ORAM (ASSOCIAÇÃO RURAL DE AJUDA MÚTUA)
(Comentário ao texto de Sérgio Baleira)
Padre Carlos Simão Matsinhe............................................................................105
O PAPEL DA MULHER NO COMBATE À POBREZA:
EXPERIÊNCIAS DA SOCIEDADE CIVIL
Graça Samo.....................................................................................................111
O PROFESSOR E OS DESAFIOS DO ENSINO E
APRENDIZAGEM NO SÉCULO XXI: UMA ABORDAGEM
ORIENTADA PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
Brazão Mazula.............................................................................................128
O PROFESSOR E OS DESAFIOS DO ENSINO E
APRENDIZAGEM NO SÉCULO XXI: UMA ABORDAGEM
ORIENTADA PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
(Comentário ao texto de Brazão Mazula)
Ernesto Vasco Mandlate....................................................................................169
O PAPEL DA CULTURA NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE, CONSOLIDAÇÃO DA UNIDADE
NACIONAL E PRODUÇÃO DE RIQUEZA
Por: Filimone Meigos.......................................................................................................182
O PAPEL DA CULTURA NA PRODUÇÃO DE RIQUEZA
Tânia Tomé.....................................................................................................219
UTILIZEMOS O DEBATE COMO UM DOS
INSTRUMENTOS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA
UNIDADE NACIONAL
Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza.................................................267
SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA
COLECTÂNEA
Domingos Estevão Fernandes: É Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia
pelo Instituto Superior de Relações Internacionais e fez a sua Pós-Graduação em Estudos de
Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Oslo da Noruega. Fez ainda Cursos de
Capacitação e Mediação de Conflitos, Diplomacia e Planificação, Gestão e Análise de projectos para
o Desenvolvimento. Foi Director Adjunto para as Relações Económicas e Multilaterais. Actualmente
é Director e Ponto Focal Nacional de Contacto da SADC no Ministério dos Negócios Estrangeiros
e Cooperação. Ocupa ainda o cargo de Director da Comissão Nacional da SADC e é Membro do
Comité Directivo para a Nova Parceira para o Desenvolvimento de África – NEPAD. Participou
na concepção do documento sobre a visão da filosofia da NEPAD, no processo de reestruturação da
SADC e detém uma enorme experiência sobre os assuntos da SADC.
Paulo Mateus António Uache: É Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo
Instituto Superior de Relações Internacionais e Mestrado em Estudos Diplomáticos pela Academia
Diplomática de Londres da Universidade de Westminster no Reino Unido. Possui ainda formação
superior em Filosofia pelo Seminário Maior Santo Agostinho de Moçambique. Foi Professor
secundário de 2003 a 2008 e actualmente é docente a cadeira de Estudos Comparativos da Política
Externa no Instituto Superior de Relações Internacionais.
Sérgio Baleira: É Licenciado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mestrado em Sociologia pelo Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (Brasil). É docente há mais
de 10 anos na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane. Foi
Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais no Instituto Superior de Relações
Internacionais, Chefe do Departamento de Estudos e Projectos no Gabinete de Estudos do Ministério
do Interior, Coordenador do Departamento de Estudos e Investigação no Centro de Formação
Jurídica e Judiciária do Ministério da Justiça. Actualmente desempenha as funções de Coordenador
Nacional do Projecto implementado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária e FAO com
apoio do Reino dos Países Baixos. Possui artigos publicados a nível nacional e internacional sobre a
problemática da terra em Moçambique.
Graça Samo: É Licenciada em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília. Possui
uma Pós Graduação em Desenvolvimento Local e Estudos sobre Género e é Mestranda em Educação
pela Sustentabilidade. A sua carreira profissional foi sempre na área social junto de Organizações
Não Governamentais e envolveu-se em trabalhos e programas de assistência humanitária durante
o período do conflito armado em Moçambique e Angola; em programas no Brasil com organizações
de protecção e gestão ambiental e reabilitação de jovens de comunidades excluídas nas favelas do Rio
de Janeiro e cidades satélites de Brasília. Em 2004 ingressou no Fórum Mulher onde desempenha
as funções de Directora Executiva e tem liderado trabalho de advocacia envolvendo as organizações
da sociedade civil que lutam pela igualdade de género. É feminista e activista dos Direitos Humanos
das Mulheres e da Luta pela Igualdade do Género. Em 2009 recebeu o Prémio Africano do Género
em representação pela liderança do Fórum Mulher na luta pela igualdade de género, prémio ganho
pelo país e atribuído a Sua Excelência o Presidente Armando Emílio Guebuza. É ainda Membro
do Conselho Universitário da Universidade Pedagógica e Membro do Comité de Conselheiros da
Sociedade Civil para as Nações Unidas.
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Brazão Mazula: É Doutorado em História e Filosofia de Educação pela Universidade de São
Paulo no Brasil. Foi Presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) em 1994. Foi Reitor
da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) entre 1995 a 2007 e Reitor do Instituto Superior de
Tecnologia e Gestão (ISTEG), de 2009 a 2010. Realizou e coordenou vários estudos na área da
educação e possui 14 obras publicadas. Actualmente é Professor Associado da Universidade Eduardo
Mondlane e Director Executivo do Centro de Estudos de Desenvolvimento (CEDE).
Ernesto Vasco Mandlate: É Licenciado em Ensino de Matemática pela Escola Superior
de Pedagogia de Gustrow na Alemanha, Mestre em Ciências Sociais com enfoque em Educação,
pelo Instituto de Educação de Estocolmo na Suécia. Foi director da Escola Secundária Francisco
Manyanga (de 1990 a 1993) e Director do Centro de Desenvolvimento Académico da UEM de
1997 a 2008, onde coordenava e fazia capacitação pedagógica de docentes daquela instituição. Como
perito em Desenvolvimento Curricular, coordenou a concepção dos currículos dos Institutos Superiores
Politécnicos de Gaza, Manica, Tete e Songo, tendo também feito a preparação do corpo docente dos
primeiros três Institutos Superiores Politécnicos em matérias de Educação Baseada em Competências.
Foi ainda consultor e facilitador de cursos de formação de formadores no PIREP, Programa Integrado
de Reforma da Educação Profissional. É actualmente docente na Universidade Eduardo Mondlane
(UEM), na área de Desenvolvimento Curricular e Instrucional, e o seu enfoque de pesquisa tem sido
o domínio das reformas curriculares em instituições do ensino superior.
Filimone Meigos: é Doutorando em Sociologia da Arte (Universidade da Beira Interior),
Mestre em Sociologia do Ambiente (Universidade de Witswatersrand), Licenciado em Sociologia do
Desenvolvimento (Universidade de Witswatersrand), Bacharel em Ciências Sociais (Universidade
Eduardo Mondlane) e Técnico Médio em Ciências Sociais pela então Escola Militar de Nampula,
onde fez o curso de comissário político para as tropas de artilharia anti-aérea. Docente universitário,
é actualmente docente e Director Geral do Instituto Superior de Artes e Cultura de Moçambique
(ISArC). Foi Director da Escola Superior de Ciências Sociais no ISCTEM, jornalista e editor
cultural do Notícias da Beira, Diário de Moçambique e Savana. Foi Secretário-Geral Adjunto da
Associação dos Escritores de Moçambique, Secretário de ligação e Assistente no Gabinete do Governador
da Província de Sofala. Exerceu funções de director delegado da Austral, em Sofala, director delegado
da FNAC, na Beira, docente na Escola Militar Samora Machel, Nampula, Comissário Político de
Batalhão em Nametil (Calipo). Poeta, actor e músico, publicou três títulos em Poesia, escreveu vários
artigos e ensaios, é autor de bailados e musicais e participou em vários filmes como actor em Moçambique
e na África do Sul.
Tânia Tomé: É Licenciada em Economia e Pós-Graduada em Auditoria e Controlo de Gestão.
Formada pelo Curso Técnico de Empreendedorismo e Projectos de Investimento pela Certform e Curso
Técnico de Contabilidade e Fiscalidade pela Certform. Prémio Académico Fundação Mário Soares
2003 (Portugal-África). Foi Consultora Financeira da Ernest Young (2003), Analista de Risco de
Crédito em Instituições financeiras de (2004 a 2007), e Chefe de Crédito e Mitigação de Riscos. De
2007 a 2010 foi Chefe do Departamento de Investimento e Chefe de Novos Negócios na Agência
de Desenvolvimento GAPI. É consultora nas áreas financeira, de gestão e de projectos, e promotora
de empreendedorismo e de indústrias criativas. Actualmente desempenha as funções de Directora na
Empresa Ecokaya Lda. É membro da Associação dos Economistas de Moçambique AMECON e
da plataforma de investimento BidNetwork. É também cantora, compositora e poetisa tendo ganho,
Prémio de Música da África Austral pela OMS 1988 (Organização Mundial de Saúde), Prémio
Festival da Canção 2001, (Fep Portugal, Porto), Prémio de Poesia 2005 (BIM), Prémio de Música
de África 2010 (Soundcity Music Awards), Nomeada para Museke African Music Awards 2011,
Seleccionada para o Prémio de Poesia Portugal Telecom 2011. É membro da Associação dos Músicos,
Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, Membro correspondente da Academia Rio
Grandina de Letras Brasil, Membro dos Poetas del Mundo e Presidente da Associação Showesia.
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Nota do Editor
“[…] O que envelhece nos homens é o
organismo. A inteligência, o cérebro, a nossa
consciência, esses permanecem jovens. A
nossa inteligência não envelhece, a nossa
consciência de explorados não envelhece
[...]” – Samora Machel1
“[…] Compatriotas,
Um homem com a estatura do Presidente Samora Moisés Machel não
termina em si mesmo: ele começa em si mesmo e mistura-se com os ideais
do seu Povo. Torna-se imortal! Por isso, SAMORA VIVE! […]”
Foi com estas palavras que Sua Excelência Armando Emílio Guebuza,
Presidente da República de Moçambique encerrou a sua intervenção
no dia 19 de Outubro de 2011, na Praça da Independência, cidade de
Maputo, por ocasião da inauguração da Estátua de Samora Moisés
Machel no quadro das cerimónias do 25º Aniversário da Morte do
Primeiro Presidente de Moçambique, livre e independente.
O Governo de Moçambique proclamou em sede do Conselho de
Ministros o Ano de 2011 como Ano Samora Machel, como forma
de homenagear o Primeiro Presidente da República e fundador do
Estado Moçambicano, Samora Moisés Machel. Ao longo do ano,
várias actividades foram tendo lugar fazendo jus a essa mais que
merecida homenagem. As cerimónias de 19 de Outubro de 2011,
na qual participaram Chefes de Estado e de Governo convidados,
altos dignatários nacionais e estrangeiros, familiares dos Mártires
de Mbuzini, marcaram um dos momentos mais alto destas
celebrações.
Discurso proferido pelo Presidente Samora Moisés Machel por ocasião da abertura oficial da
Campanha Nacional de Alfabetização, no encontro com os trabalhadores dos Portos e Caminhos de
Ferro. Maputo, 3 de Julho de 1978
1
8
Esta brochura procura continuar a homenagear a vida, obra e
pensamento do Presidente Samora Moisés Machel, que o Governo
de Moçambique através das várias iniciativas, políticas e estratégias
busca materializar o sonho do Primeiro Estadista Moçambicano.
A colectânea abrange diversas temáticas nacionais, frutos da
contribuição de especialistas moçambicanos, e aborda temas como
as oportunidades de Moçambique no quadro da integração regional,
a problemática da terra, o papel da mulher no combate à pobreza, o
papel do professor no quadro dos desafios para um desenvolvimento
rural e sustentável em Moçambique e, finalmente, examina o papel
da cultura na construção da identidade nacional e geração da riqueza.
O estimado leitor irá encontrar entre as páginas que separam um
artigo do outro, trechos pronunciados pelo Primeiro Presidente
de Moçambique, o Marechal Samora Moisés Machel. É a nossa
contribuição para imortalizar o fundador do Estado moçambicano,
mesmo na linha do compromisso assumido pela Nação moçambicana
para com Samora Machel: “Nunca te diremos adeus. Um povo não pode
despedir-se da sua História. SAMORA VIVE!” tal como foi pronunciado
pelo Combatente da Luta Armada de Libertação Nacional, Marcelino
dos Santos, há vinte e cinco anos atrás no elogio fúnebre a Samora
Moisés Machel” 2.
A obra apresenta artigos, alguns dos quais acompanhados de
comentários. Estes trabalhos constituem na prática o ponto de partida
de um debate que, acreditamos, ainda está longe de ser esgotado.
Prosseguir esta discussão dos temas que constam desta obra, será mais
uma das formas de continuarmos a homenagear, eternizar e honrar o
ideal de Samora Moisés Machel.
O artigo de Domingos Estevão Fernandes, Oportunidades para
Moçambique no âmbito da Integração Regional na SADC/África Austral,
procura discutir subsídios para a elaboração de linhas de orientação
estratégica sobre o engajamento de Moçambique no contexto da
integração regional na SADC/África Austral; identifica ainda as
“À TERRA ENTREGAMOS APENAS O TEU CORPO. TU FICAS CONNOSCO”. Elogio Fúnebre
ao Presidente Samora Moisés Machel, proferido por Marcelino dos Santos na Última Homenagem.
Maputo, 28 de Outubro de 1986
2
9
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
oportunidades, olhando para a vantagem comparativa tendo em
conta o quadro de integração regional e termina analisando o papel
desempenhado pelos quadros jurídicos regional para a criação de
oportunidades e maximização dos benefícios da integração regional.
Paulo Uache, comenta o texto de Domingos Estevão Fernandes
onde chama a atenção para a necessidade de se transformar as
oportunidades/potencialidades de Moçambique em vantagens
através de duas apostas: no desenvolvimento dos recursos humanos
e na diplomacia.
Em Como Usar a Administração e Gestão de Terras para a Promoção
do Desenvolvimento Sustentável, Sérgio Baleira convida-nos a
compreender o que é o Sistema de Administração e Gestão de terras
em Moçambique bem como os principais problemas que o mesmo
enfrenta, para depois apresentar algumas propostas de solução ou
melhoria do sistema nacional de administração e gestão de terras no
país. O texto de Baleira é acompanhado por dois comentários, sendo
o primeiro da Rabeca Gomes, da União Nacional de Camponeses
(UNAC) que apresenta um dos cenários de conflitos de terra no
país. O segundo comentário ao texto do Baleira é do Padre Carlos
Simão Matsinhe, da ORAM (Associação Rural de Ajuda Mútua)
que procura examinar os impactos sociais, económicos e culturais
da problemática de terras e apresenta propostas que tenham sempre
as comunidades rurais no centro do desenvolvimento.
Graça Samo, apresenta em O Papel da Mulher no Combate à Pobreza:
Experiências da Sociedade Civil, as dinâmicas associadas ao problema
da feminização da pobreza (maior incidência da pobreza sobre as
mulheres) analisadas a partir dos factores determinantes e avançando
numa relação de causa e efeito e que resulta na apresentação pela
autora de um conjunto de estratégias para enfrentá-la, baseadas na
experiência da sociedade civil moçambicana.
O artigo da autoria de Brazão Mazula, O Professor e os Desafios do Ensino
e Aprendizagem no Século XXI: Uma Abordagem para o Desenvolvimento
Rural é uma viagem onde o autor começa por identificar os desafios
do Século XXI, examinando com algum detalhe a globalização
10
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
neoliberal e o seu impacto nas vidas das sociedades, incluindo
nas das populações rurais. Desse modo, Mazula mostra que o
processo de ensino e aprendizagem é, em cada estágio da evolução
da sociedade, desafiado fortemente pelas mudanças tecnológicas
e ambientais, quer nas escolas das cidades quer nas zonas rurais.
Argumenta ainda que os desafios que se irão colocar nas primeiras
décadas do século XXI irão obrigar a educação a passar do modelo de
escola monológica para uma escola performativa e a correspondente
passagem do ensino e aprendizagem monológicos ou bancários para
um ensino e aprendizagem perfomativos, mais dialógicos e abertos
ao desenvolvimento das comunidades ou da sociedade.
Ernesto Vasco Mandlate comenta o artigo Professor Brazão Mazula
levantando questões de reflexão a volta de alguns tópicos abordados
por Mazula, nomeadamente na Globalização e uso das Tecnologias
de Informação e Comunicação; no Redesenhar a Escola; na
questão dos Tipos de Ensino; e no Professor como o centro do
desenvolvimento.
Filimone Meigos analisa no seu artigo O Papel da Cultura na Construção
da Identidade, Consolidação da Unidade Nacional e Produção da Riqueza o
papel da cultura na construção identitária, tendo em conta a unidade
nacional e produção da riqueza, um exercício que inicia com a
definição teórica dos termos de cultura e identidade de modo a passar
em revista o conceito de Unidade Nacional em Moçambique. A
comunicação de Filimone Meigos é complementada pelo artigo da
Tânia Tomé, que encerra a colectânea, onde a cultura é examinada
numa perspectiva de economia criativa/indústrias criativas como
estratégia de desenvolvimento e redução da pobreza. A autora traz
uma nova abordagem da cultura, olhando-a em termos funcionais
e discute novos conceitos relativos a construção da rentabilidade. O
artigo apresenta uma abordagem em torno da dinâmica das indústrias
criativas, ilustrando os passos a serem seguidos para sua construção
e manutenção, tendo em conta todos os desafios e os diversos papéis
desempenhados pelos diversos actores nesse processo.
Maputo, Dezembro de 2011
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Senhores Membros do Conselho de Ministros,
Distintos Painelistas,
Caros Convidados,
Minhas senhoras e Meus senhores,
É com justificada satisfação que nos fazemos presentes a este
acto de início do ciclo de seminários do ano 2011, organizados
pelo Gabinete de Estudos, da Presidência da República. A
proclamação de 2011 Ano Samora Machel, obreiro da nossa
nacionalidade e precursor dos ideais de Mondlane, torna
a nossa satisfação mais acrescida. Com efeito, foram estes
ideais que moveram os moçambicanos a lutarem para libertar
a terra e os homens do jugo colonial.
Fazemos votos para que 2011, seja um ano de muitas realizações
e que o Gabinete de Estudos nos brinde com temáticas de
profunda reflexão da nossa vida como moçambicanos, como
forma de honrar e homenagear Samora Machel.
O DEBATE COMO FORMA DE HOMENAGEAR
A VIDA, OBRA E PENSAMENTO DE
SAMORA MACHEL
Comunicação apresentada por Sua Excelência,
Armando Emílio Guebuza, Presidente da República
de Moçambique, por ocasião da abertura do Ciclo dos
Seminários do ano de 2011 organizados pelo Gabinete
de Estudos da Presidência da República
Estamos aqui, mais uma vez, na companhia de peritos
nacionais fruto da nossa independência, que vão proporcionar
o debate, o que constitui para nós um momento de grande
satisfação:
Primeiro, porque temos a oportunidade de testemunhar o
contributo dos nossos compatriotas para o engrandecimento
desta nossa jovem nação moçambicana.
Segundo, porque hoje o espaço coube a sociedade civil,
parceiro indispensável na nossa governação, brindar -nos
com o tema sobre “Como usar a administração e gestão da terra
para a promoção do desenvolvimento sustentável” o que demonstra,
uma vez mais, o carácter democrático da Presidência Aberta
e Inclusiva que lideramos.
Terceiro, porque apostamos na valorização dos quadros
nacionais e que dão resultados que orgulham o País.
Saudamos a sociedade civil pela pertinência e actualidade do
tema que se propõe debater, pois a terra, sendo pertença de
todos os moçambicanos, representa a nossa soberania e é um
instrumento de libertação económico e social de todos os
moçambicanos.
Saudamos igualmente a todos os nossos compatriotas vindos
de diferentes cantos desta nossa terra amada, para darem o
seu contributo no debate deste tema. É nossa expectativa que
o debate deste tema continue noutros fora de reflexão, como
no seio das famílias, dos grupos sócio-profissionais, enfim,
de toda a sociedade para que possamos encontrar respostas
ajustadas às exigências do desenvolvimento desta nossa pátria
de heróis.
A terminar, agradecemos de forma particular aos painelistas,
peritos moçambicanos, que entregaram o seu saber e
experiência para elaborar e partilhar a comunicação a ser
debatido neste seminário.
Pela atenção dispensada, Muito obrigado.
OPORTUNIDADES PARA MOÇAMBIQUE NO
ÂMBITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL NA SADC/
ÁFRICA AUSTRAL
Por: Domingos Estevão Fernandes
INTRODUÇÃO
O presente Seminário circunscreve-se no âmbito do ciclo de
palestras organizado pelo Gabinete de Estudos da Presidência
da República, com vista a partilhar ideias com os diversos
segmentos da sociedade, tendo como objectivos fundamentais
os seguintes:
• Providenciar subsídios para a elaboração de linhas
de orientação estratégica sobre o engajamento de
Moçambique no contexto da integração regional na
SADC/África Austral.
"[…] Hoje, não se trata somente de Moçambique. Trata-se dos países da
SADCC. Hoje, o mundo compreendeu. Não é contra Moçambique, é
contra a África Austral. É um apoio ao esforço do mundo de liquidação
do Apartheid. Mesmo liquidado o Apartheid, não queremos depender
de nenhum outro Estado. Cada Estado é soberano! Não é porque nós
queremos o Governo de maioria da África do Sul, os pretos da África
do Sul, depois dependermos desses pretos. Não é! Cada Estado deve
ser soberano! […] Significa para mim, independência total e completa.
Exercício do poder de cada Estado, para que todos sejamos iguais […]"
• Identificar oportunidades, com base na vantagem
comparativa, considerando o actual quadro de integração
regional – implementação da agenda de integração
económica regional, processo Tripartido COMESAEAC-SADC e Acordos de Parceria Económica (APE)
com a UE.
– Samora Moisés Machel3
Conferência de Imprensa do Presidente Samora Moisés Machel no Aeroporto Internacional de
Maputo, após a Cimeira de um dia no Malawi. Maputo, 11 de Setembro de 1986
3
Dr. Domingos Estevão Fernandes durante a sua intervenção
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• Analisar o papel desempenhado pelos quadros jurídicos
regional (i.e. de integração regional e dos EstadosMembros) para criação de oportunidades e maximização
dos benefícios da integração regional.
Para a prossecução dos objectivos do seminário, como base
metodológica, o documento apresentado faz uma abordagem
sobre:
• a integração regional;
• as acções em áreas prioritárias de integração regional;
• o quadro jurídico-legal regional da SADC versus
Estados-Membros;
• as potencialidades económicas de Moçambique;
• os sectores da economia nacional com potencial
competitivo no mercado regional; e
• a metodologia com vista ao desenvolvimento de Roteiro/
Matriz de Acção.
1.O Conceito de Integração Regional
• Via através da qual um grupo de países geograficamente
contíguos ou próximos, com certo grau de afinidades
(i.e. históricas, culturais, sociais e econômicas) decide
integrar as suas economias nacionais criando um amplo
mercado regional.
• Processo de multiplicação de associações de países no qual
se regista um aumento da parte das trocas comerciais
(bens e serviços) e financeiras intra-regionais nas trocas
mundiais. As associações regionais baseiam-se no
princípio da «livre adesão» vis-à-vis projecto comum.
18
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
2. O Projecto de Cooperação e Integração Regional da SADC
2.1. Génese e Evolução da SADC
2.1.1. A Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da
África Austral (SADCC)
O desejo da criação da SADC já se fazia sentir na década de 70
nos países que compunham a Linha da Frente. Nesta altura já
havia manifestações para a convergência de integração resultante
dos laços comuns (históricos, económicos, políticos, sociais
e culturais), e das acções conjuntas com vista a eliminação do
colonialismo e do Apartheid.
Em Maio de 1979, os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos
países da Linha da Frente reuniram-se em Gaberone - Botswana,
para discutir a cooperação económica e acordaram realizar uma
conferência internacional de doadores e de instituições de
desenvolvimento internacional. No mesmo ano em Arusha Tanzânia, realizou-se uma Conferência que reuniu governos e
representantes de agências internacionais provenientes de todas
as partes do mundo para discutir a cooperação regional na África
Austral.
Consequentemente, os então líderes dos 9 (nove) Estados
independentes (Repúblicas de Angola, Botswana, Moçambique,
Malawi, Unida da Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe, os Reinos do
Lesotho e da Suazilândia), apelaram para a necessidade de uma
completa independência política e económica, e a 1 de Abril
de 1980 em Lusaka lançaram a Conferência de Coordenação
para a África Austral (SADCC). Como resultado, foi adoptada
a Declaração em Lusaka com o slogan: “África Austral Rumo à
Libertação Económica”, tendo a Cimeira desenhado um Programa
de Acção (SPA) que convergia nas áreas de: transportes
e comunicações, alimentação e agricultura, indústria,
desenvolvimento de mão-de-obra e energia.
19
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Com vista a uma maior integração regional, os EstadosMembros aperceberam-se da necessidade de expansão de novas
áreas de interesse comum, com enfoque para a cooperação
funcional em sectores chave, bem como o desenvolvimento de
projectos comuns, dentro do espírito de solidariedade entre os
Estados-Membros.
2.1.2. A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC)
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
A Missão da SADC é a de promover o crescimento económico e
o desenvolvimento sócio-económico sustentável e equitativos,
através de sistemas produtivos eficientes, de uma maior
cooperação e integração, da boa governação, e da paz e da
segurança duradoiras, para que a Região possa emergir como
um participante competitivo e eficaz nas relações internacionais
e na economia internacional.
2.3. Objectivos
A independência da Namíbia em 1990, trouxe uma significante
mudança na SADCC, na medida em que foi a altura em que o
Apartheid foi abolido na República da África do Sul, o que obrigou
a Conferência a caminhar profundamente rumo à integração
regional. A 17 de Agosto de 1992, em Windhoek – República
da Namíbia, os Chefes de Estado e de Governo reuniram-se
para criar a SADC e para o efeito, assinaram um Tratado que
instituiu a Comunidade, passando de uma Conferência para
uma Comunidade e redefiniu as bases de cooperação entre os
Estados-Membros incluindo os aspectos de segurança.
O objectivo primordial da SADC pode ser sintetizado na visão
da Organização. A via escolhida pela SADC para a realização
do seu objectivo foi a da Integração Regional, a qual deverá passar
progressivamente por vários processos políticos, económicos e
sociais que irão consubstanciar cada uma das etapas de integração
previstas — Zona de Livre Comércio; União Aduaneira; Mercado
Comum; União Monetária e União Económica e Monetária.
Para o efeito foi formulado um Programa de Acção, que cobria
a cooperação em vários sectores económicos e sociais, bem
como a implementação de várias infra-estruturas e de projectos.
E como forma de consolidar a cooperação entre os EstadosMembros, foram adoptados instrumentos jurídicos aos mais
diferentes níveis sectoriais.
Sendo a integração regional um processo irreversível, a SADC
deve desenvolver estratégias de actuação que lhe permitam
maximizar os benefícios do processo de integração regional
tendo em vista os desafios e as oportunidades daí resultantes.
2.2. Visão e Missão
A Visão da SADC é a de um futuro comum, numa comunidade
regional que garanta o bem-estar económico, a melhoria dos
padrões e da qualidade de vida, a liberdade e a justiça social,
paz e segurança dos povos da África Austral. Esta visão comum
está enraizada nos valores e princípios comuns e nas afinidades
históricas e culturais existentes entre os povos da África
Austral.
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2.4. As Principais Estratégias
É neste contexto que Moçambique deve posicionar-se criando
um ambiente político, económico e social, devendo o Governo
desempenhar um papel de facilitador nas políticas a adoptar no
contexto da integração regional.
Por outro lado, tendo em conta os vários instrumentos jurídicos
regionais nas diferentes áreas de intervenção, e dos quais
Moçambique é parte, é necessária a sua implementação, através
da adopção de políticas integradas de harmonização sectorial.
21
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
2.5. As Principais Áreas de Cooperação e Integração da SADC:
RISDP e o SIPO
2.5.1. Plano Indicativo Estratégico de Desenvolvimento Regional
(RISDP)
• Liberalização do mercado/económica e desenvolvimento;
• Desenvolvimento de infra-estruturas de apoio à integração
regional;
• Segurança alimentar sustentável;
• Desenvolvimento humano e social.
Neste contexto, constituem áreas de intervenção fundamentais:
a) Objectivos Estratégicos:
Com vista a servir de orientação para as políticas e programas
numa perspectiva de longo prazo a SADC, adoptou em 2003,
o Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional
– RISDP.
O objectivo último do RISDP é o de aprofundar a Agenda de
Integração da SADC, tendo em vista acelerar a erradicação da
pobreza e o alcance das metas de desenvolvimento económico
e social. Neste contexto, apresentam-se como objectivos
estratégicos:
• Liberalização do comércio intra-regional – eliminação de
barreiras tarifárias e remoção de barreiras não-tarifárias;
• Integração e criação de único mercado regional –
harmonização de políticas, livre circulação de bens,
capitais, serviços e mão-de-obra;
• Convergência macroeconómica regional – ambiente de
negócios e de investimentos favorável;
• Desenvolvimento
industrial,
competitividade
e
produtividade regional; e
• Criação de Moeda única.
b) Principais Áreas de Intervenção Prioritárias:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Comércio;
Erradicação da pobreza;
Combate à pandemia de HIV e SIDA;
Igualdade de género e desenvolvimento;
Ciência e Tecnologia;
Tecnologias de Informação e Comunicação;
Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável;
Sector Privado; e
Estatísticas.
c) Etapas da Integração Regional na SADC:
O RISDP estabelece as várias etapas de integração económica
regional, nomeadamente:
•
•
•
•
•
2008: Área de Livre Comércio;
2010: União Aduaneira;
2015: Mercado Comum;
2016: União Monetária; e
2018: União Económica Monetária/Moeda Única.
Com vista a implementação da Agenda de Integração Regional
da SADC, o RISDP prevê, igualmente, a cooperação e integração
sectoriais nas áreas prioritárias-chaves seguintes:
As três primeiras etapas (i.e. Zona de Livre Comércio,
União Aduaneira e Mercado Comum) desempenham um
papel crucial no processo de integração regional, pois, visam
a livre circulação de bens, serviços, capitais e mão-de-obra
22
23
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
e integração dos mercados criando um único mercado
regional.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
3. Realizações da SADC nos Últimos 30 Anos
3.1. Área Política, Defesa e Segurança
2.5.2. Plano Estratégico Indicativo do Órgão (SIPO)
O Órgão da SADC para a Cooperação nas áreas de Política,
Defesa e Segurança é uma instituição da SADC que responde
perante a Cimeira e tem como objectivo promover a paz e a
segurança na região.
O Protocolo da SADC sobre a Cooperação nas Áreas de Política, Defesa
e Segurança, providencia um quadro institucional, através do
qual os Estados-Membros coordenam as políticas e actividades
nas áreas de política, defesa e segurança.
Para a materialização do Protocolo foi aprovado, o Plano Indicativo
Estratégico do Órgão (SIPO) que tem como objectivo fulcral, criar
um clima político e de segurança pacífico e estável, propício
para a materialização do objectivo de desenvolvimento sócioeconomico da região. O SIPO providencia também as linhas
gerais que definem as actividades específicas, de acordo com os
objectivos preconizados no Protocolo e as estratégias para a sua
concretização. É através do Órgão que os Estados-Membros da
SADC coordenam as diferentes acções nos sectores de política,
defesa e segurança, socorrendo-se dos seguintes instrumentos:
• Protocolo sobre o Controle de Armas, Munições e
Outros Materiais Conexos;
• Protocolo sobre a Facilitação de Circulação de Pessoas;
• Pacto de Defesa Mútua;
• Princípios Gerais e Directrizes que Regem as Eleições
Democráticas na SADC; e
• Sistema de Aviso Prévio.
24
Nas últimas três décadas, o objectivo da SADC foi de preservação
da paz e estabilidade, tendo em conta a importância destes para a
implementação bem-sucedida de políticas de desenvolvimento
económico. Com este objectivo, a luta que a Organização Subregional trava visa satisfazer/criar condições propícias para que,
como região, canalizar as sinergias para os objectivos da SADC.
É neste âmbito que a área política ocupa uma posição nuclear
nas actividades da SADC, pois a paz, segurança e estabilidade
política constituem os principais pilares para o desenvolvimento
sócio-económico. É na prossecução destes objectivos nobres
que a SADC adoptou o Protocolo para a Cooperação nas Áreas
Política, Defesa e Segurança, com o objectivo de servir de
instrumento para fazer face aos desafios políticos de defesa e
segurança regional.
Uma das grandes realizações que pode ser considerada como o
pilar da actual SADC foi a visão e decisão dos Chefes de Estado
e de Governo da África Austral, nos meados da década de 70, de
estabelecer consultas entre si no quadro dos “Estados na Linha
da Frente” no sentido de libertar os países que ainda estavam
sob o jugo colonial e do Apartheid. Conscientes de que a
independência política per si não era suficiente, a experiência foi
aproveitada e transformada numa cooperação mais ampla com
vista ao desenvolvimento económico e social dos países.
Assim, o desenvolvimento de uma identidade política entre os
Estados da região constituiu um processo contínuo, alicerçado no
movimento de libertação nacional e na luta contra o Apartheid,
cuja dinâmica de cooperação permitiu o desenvolvimento de
uma solidariedade e coesão política que foi-se aprofundando e
consolidando continuamente no âmbito dos “Estados da Linha
da Frente”.
25
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
A SADCC reforçou a necessidade de cooperação regional em
matéria de desenvolvimento económico, por conseguinte,
mudando-se o enfoque de coordenação de projectos para
uma cooperação e integração efectiva das economias numa
comunidade regional. Neste contexto, a 17 de Agosto de 1992,
tomou-se a decisão de transformar a SADCC em Comunidade
de Desenvolvimento da África Austral (SADC), através da
assinatura pelos Chefes de Estado e de Governo de uma
Declaração e um Tratado.
Na área política, há a registar avanços na pacificação de alguns
focos de conflitos, cujo processo foi evoluindo de forma gradual
e sinuosa, reforçando-se continuamente com as experiências
acumuladas nos últimos trinta anos. Como fruto da cooperação
nas áreas de política, defesa e segurança a região vive um clima
de paz, segurança e estabilidade política, não obstante ainda
persistirem alguns focos de instabilidade política.
Entretanto, não obstante os avanços, a região ainda enfrenta
desafios que deverão merecer a devida atenção no processo
da consolidação das conquistas das últimas três décadas.
Assim, pode-se resumir que o maior desafio prende-se com a
consolidação dos diversos instrumentos adoptados, visando o
aprofundamento da democracia e boa governação, a promoção
da paz, a defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais,
assim como a consolidação e reforço das instituições democráticas
na região.
No âmbito da implementação do Protocolo sobre a Cooperação
nas Áreas de Política, Defesa e Segurança, várias acções têm sido
desenvolvidas, sendo de destacar:
• Promoção da cooperação política e desenvolvimento de
abordagens e de valores políticos comuns;
• Promoção do desenvolvimento de instituições e práticas
democráticas nos Estados membros e encorajamento
26
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
da observância dos direitos humanos conforme o
preconizado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos e na Acta Constitutiva da União Africana
(UA), entre outros;
• Aplicação das Directrizes e Princípios da SADC que
Regem as Eleições Democráticas com vista a uma maior
transparência, a credibilidade e a governação democrática.
Neste contexto, foi instituída a Missão de Observação
Eleitoral da SADC (SEOM) que tem testemunhado os
processos eleitorais nos Estados-Membros;
• Reforço de mecanismos de prevenção, gestão e resolução
de conflitos na região. Neste âmbito, o Órgão da SADC
tem tido um papel preponderante na consolidação da
paz, segurança e estabilidade na região e na abordagem
de conflitos, através de acções político-diplomáticas e de
facilitação de diálogos políticos em Estados-Membros,
tal como nos seguintes países:
- Zimbabwe;
- República Democrática do Congo;
- Lesotho; e
- Madagáscar.
As missões de bons ofícios da SADC revelaram ser um
instrumento valioso no quadro da criação de mecanismos
regionais. Neste sentido, a SADC instituiu uma Estrutura de
Mediação, Prevenção, Gestão e Resolução de Conflitos.
Na área da consolidação da democracia, a SADC assumiu como
questão fundamental a promoção de práticas democráticas
comuns através da realização de eleições democráticas regulares,
com vista a promover e aprofundar uma cultura democrática.
Com efeito, a SADC instituiu o Conselho Consultivo Eleitoral
da SADC (SEAC) que terá como principal tarefa aconselhar os
27
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Estados membros sobre questões eleitorais e a criação de uma
Comissão Regional dos Direitos Humanos, estando na fase
final da sua operacionalização.
Em 2004, a SADC procedeu à avaliação intermédia (Mid-Term
Review–MTR) a implementação do Protocolo Comercial,
tendo sido constatados os seguintes obstáculos ao comércio:
Ao abordar as questões de paz e segurança, estão em curso
acções para instituir, no seio do Secretariado da SADC, uma
Unidade de Mediação que prestará o apoio técnico às iniciativas
diplomáticas levadas a cabo pelo Órgão da SADC para a
Cooperação Política, Defesa e Segurança.
• Regras de Origem (RoO) complexas e restritivas;
• Desarmamento tarifário – falta de implementação de
compromissos;
No âmbito dos mecanismos da UA para a manutenção da paz,
a SADC constituiu a sua Força em Estado de Alerta (SSF)
integrada na Força em Estado de Alerta Africana (ASF).
3.2. Área Social e Económica
3.2.1. Comércio, Indústria, Finanças e Investimento
a)Protocolo sobre Trocas Comerciais
O comércio constitui um factor importante para o processo
de integração económica regional, particularmente, para
a prossecução do seu primeiro estágio, i.e. Zona de Livre
Comércio.
Com vista a realização deste objectivo, a SADC adoptou, em
1996 (entrou em vigor em 2001), o Protocolo da SADC sobre Trocas
Comerciais (Protocolo Comercial) que está sendo implementado
por doze (12) Estados-Membros4, com a excepção de Angola,
da RDC e das Seychelles.
África do Sul, Botswana, Lesotho, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia,
Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe.
4
28
Zona de Livre Comércio da SADC
No âmbito da implementação da Agenda de Integração
Regional, a SADC alcançou com sucesso a sua primeira etapa,
com a entrada em vigor, em 2008, da Zona de Livre Comércio,
constituindo uma liberalização de 85% do comércio intraregional, no quadro da implementação do Protocolo da SADC
sobre Trocas Comerciais. O processo de liberalização tarifária deverá
ser concluído em 2012, com a eliminação das tarifas aduaneiras
sobre os produtos sensíveis.
No que concerne à liberalização tarifária, em termos globais,
a implementação das reduções tarifárias está a decorrer dentro
dos prazos estabelecidos. Porém, é preciso notar que a inversão
dos compromissos relativos às reduções tarifárias por alguns
Estados-Membros (i.e. não implementação por atraso ou
derrogação) poderá ter um impacto económico negativo noutros
Estados-Membros, particularmente, nas economias pequenas e,
em geral, nos ganhos resultantes da implementação efectiva dos
compromissos acordados.
O Comité de Ministros do Comércio (CMC) da SADC aprovou,
em Julho de 2008, Regras de Origem Revistas. Entretanto, há
preocupações pelo facto de as Regras de Origem Revistas ainda
não haverem produzido resultados satisfatórios. Assim, tornase necessário que se realize uma revisão exaustiva das actuais
Regras de Origem, pois, um tal exercício poderá incrementar
substancialmente o comércio intra-SADC. Neste contexto,
29
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
afigura-se urgente o tratamento das Regras de Origem ainda
pendentes sobre têxteis, vestuário e farinha de trigo.
Com vista a uma liberalização efectiva do comércio intraregional, a cooperação aduaneira e facilitação do comércio
desempenha um papel importante. No domínio da
documentação aduaneira foram adoptados documentos,
procedimentos instrumentos comuns: Lei Aduaneira Modelo,
Documento Único Regional Simplificado, Sistema de Gestão de
Trânsito Aduaneiro Regional.
Impacto da Implementação da Zona de Livre Comércio
para Moçambique:
Considerando os termos de trocas comerciais entre
Moçambique e a região da SADC, no período compreendido
entre 2008-2010, pode-se aferir que registou-se algum aumento,
porém, denotando a predominância da África do Sul tal como
atesta a tabela seguinte.
Importações e Exportações de Moçambique na Região da SADC (em milhões)
RSA
No que se refere ao nível de sensibilização e de transparência
do actual regime comercial da SADC foi reconhecida a
necessidade de incrementar a disponibilidade e a sensibilização
em relação à informação sobre o comércio através de websites
relevantes, da imprensa e de campanhas de sensibilização.
Do mesmo modo, os Estados-Membros devem, também,
ser mais transparentes nas suas relações comerciais com
terceiros, requerendo a partilha de informações.
Outros Estados-Membros
%
%
Total
CIF
92%
93%
32%
37%
87%
37%
FOB
3.523,50
7.629,04
%
Região
67%
77%
3.537,41
73%
CIF
IMPORTAÇÕES
2008
22.048,75
2009
27.104,23
Jan23.940,89
Ag/´10
EXPORTAÇÕES
2008
2009
JanAg/´10
%
%
Região
%
CIF
% CIF
Total
Preferencial
Pref/SADC
23.995,58
29.239,19
25%
40%
45.516,24
44.415,75
23%
32%
27.568,03
42%
37.731,67
29%
% FOB
FOB
5.294,67
9.943,19
%
Total
18%
19%
FOB
Total
6%
4%
Preferencial
211,79
365,26
Pref/SADC
4%
4%
4%
4.857,30
14%
401,30
8%
Região
Total
1.946,83
2.134,96
8%
7%
3%
3%
3.627,14
13%
6%
Total
12%
14%
FOB
1.771,17
2.314,15
%
Região
34%
23%
10%
1.319,88
27%
%
Total SADC
CIF
%
Fonte: TIMS
Entretanto, na presente etapa do processo de integração
regional vários desafios se apresentam perante os EstadosMembros da SADC, sendo de destacar:
•
•
•
•
•
•
•
O constrangimento do lado da oferta;
A competitividade produtiva;
O desenvolvimento industrial;
O desenvolvimento de infra-estruturas;
O fornecimento de energia;
A segurança alimentar; e
A pandemia de HIV e SIDA.
30
De entre os principais 100 produtos, beneficiários de
tratamento preferencial, importados no quadro da Zona
de Livre Comércio da SADC, destacam-se: elementos de
via-férrea, ferro fundido, ferro, aço, produtos petrolíferos,
produtos alimentares, produtos de borracha (pneumáticos
usados em autocarros e camiões) e detergentes para
limpeza.
b) União Aduaneira da SADC
Em conformidade com o RISDP, a SADC definiu o ano de
2010 como o ano para o estabelecimento da União Aduaneira
da SADC. Entretanto, tal meta revelou-se não ser exequível
em virtude do trabalho técnico requerido ainda pendente.
Entretanto, no âmbito do processo de preparação deverão ser
31
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
alcançados, antes de Dezembro de 2011, um acordo e um
entendimento sobre os seguintes elementos:
• os parâmetros da futura União Aduaneira;
• os marcos de referência a atingir para o estabelecimento
da União Aduaneira;
• um modelo da União Aduaneira da SADC;
• as modalidades que devem ser seguidas na implementação
da União Aduaneira;
A sobreposição de filiações pelos Estados-Membros aos diversos
agrupamentos regionais constitui o desafio principal no processo
de estabelecimento da União Aduaneira da SADC.
Devido as diferenças nos níveis de desenvolvimento económico, o
princípio da “geometria variável” que consiste na possibilidade de
cada Estado-Membro integrar a União Aduaneira quando estiver
em condições de fazê-lo terá de ser aplicado, reconhecendo,
porém, a necessidade de se manter a unidade e a coesão da
SADC.
c) Protocolo sobre Finanças e Investimentos (FIP)
Aprovado pela Cimeira realizada em Maseru, em Agosto de
2006, este Protocolo é pilar integrante da agenda de integração
económica regional da SADC. O Protocolo constitui um
instrumento para a realização da integração regional, através da
harmonização das políticas financeiras e de investimento nos
Estados-Membros. Estabelece a base e os instrumentos para a
cooperação nas áreas financeira, de investimentos, e de política
macro-económica.
Com efeito, em 2008, teve início a implementação do Programa
de Convergência Macroeconómica (MEC) da SADC, tendo
sido definidas as seguintes metas MEC: i) Crescimento
32
Económico (PIB Real) de 7%; ii) Taxa de Inflação de 1 dígito;
iii) Balança Fiscal <5% do PIB; iv) Dívida Pública <60% do
PIB; e v) Balança de Conta Corrente <9% do PIB.
No âmbito do estabelecimento do Fundo de Desenvolvimento
da SADC foi criada a Facilidade de e Desenvolvimento (PPDF),
num montante inicial de EUR 5 milhões, sedeado na África
do Sul, sob a égide do DBSA (Development Bank of Southern
Africa).
3.2.2.
Infra-estruturas e Serviços
O sector de infra-estruturas, conjuntamente com o comércio,
indústria, agricultura, finanças e investimento, tem um potencial
catalisador susceptível de induzir um rápido crescimento
económico e desenvolvimento sustentável.
No que concerne a abordagem sobre a mobilização de recursos
para o sector das infra-estruturas, a preocupação reside no
facto de se fazer parecer que ela está associada apenas à ajuda
externa. Há necessidade de considerar seriamente a mobilização
de recursos próprios para financiar projectos regionais. Em
termos globais, podem ser identificadas quatro (4) áreas-chave
consideradas “infra-estruturas económicas”, dada a sua importância
para o funcionamento dos vários sectores e o desenvolvimento
global da economia – geração de emprego, aumento da
produtividade, comércio, crescimento económico, redução da
pobreza:
• Fornecimento de água, saneamento e gestão de recursos
hídricos;
• Energia;
• Serviços de transportes; e
• Tecnologias de Informação e Comunicação (ICT).
33
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Com vista a prossecução da Agenda de Integração Regional
da SADC, o desenvolvimento de infra-estruturas de
âmbito regional deverá ter como objectivos principais:
• Melhorar o acesso a serviços fiáveis tanto para empresas
como para consumidores;
• Melhorar a cooperação regional bem como o comércio
através da redução de riscos enfrentados pelos
investidores, especialmente no domínio de políticas e de
regulação;
• Reforçar as capacidades humanas nas tecnologias e
engenharia com vista a instalação, operacionalização e
manutenção de redes de infra-estruturas na região.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Nacala; Norte-Sul; Tazara; Trans-Kalahari; Walvis Bay e
Zambeze.
A reabilitação da linha Beira-Sena está concluída até Moatize
e o projecto irá prosseguir para o Malawi através da concessão
da Linha Férrea para a RITES (empresa Indiana). O Corredor
de Desenvolvimento de Maputo foi concluído e implementado
com um acompanhamento directo ao nível dos Chefes de
Estado e permanece um modelo na da SADC.
No domínio do transporte aéreo, regista-se uma liberalização
gradual dos espaços aéreos no contexto da Decisão de
Yamoussoukro (YD), envolvendo vários Estados-Membros.
a) Sector de Transportes
b) Sector de Energia
Na área de transportes, registaram-se progressos sendo de
realçar a implementação da Estratégia do Corredor da SADC
aprovado pelos respectivos ministros em Maio de 2008.
A Conferência de Investimentos do Corredor Norte-Sul
contribuiu para um maior ímpeto para o desenvolvimento de
infra-estruturas relacionadas com o Corredor. Os Corredores e
Iniciativas de Desenvolvimento Espacial abriram oportunidades
de desenvolvimento para os investidores privados nacionais e
estrangeiros.
Na área de energia, a região encomendou unidades de geração
de energia que resultaram na produção de 3140 Mega-Watts
para o SAPP, contribuindo para colmatar a escassez energética
na região. Como medida para reduzir o impacto da crise
energética a nível da região, em 1995, foi criada a Southern
African Power Pool (SAPP) que é um Projecto de Mercado
de Energia visando ajudar a promoção da competitividade do
comércio de energia entre os Estados-Membros, deste modo,
fortalecendo a integração regional e o desenvolvimento sócioeconómico. A SAPP foi operacionalizada em 2001 e constitui
a primeira iniciativa do género a ser criada fora da Europa e da
América do Norte.
A implementação com sucesso do Corredor de Desenvolvimento
de Maputo e a Iniciativa de Desenvolvimento Espacial (SDIs)
da África do Sul serviram para elevar o apoio dentro da
SADC para o conceito de Corredores de Desenvolvimento
Económico Multi-sectorial (contrariamente a abordagem de
corredores baseada no transporte que existia há uma década),
e para uma abordagem de mobilização de planificação e
investimento incorporada nos SDIs. Desde então, a SADC
já desenvolveu vários Corredores e SDIs a nível da região,
sendo de destacar: Beira; Limpopo; Lobito; Maputo; Mtwara;
34
c) Sector de Comunicações e ICT
Neste âmbito foram desenvolvidas redes de comunicações e
ICT e serviços de âmbito regional que respondam as diversas
necessidades de comércio e indústria, como apoio aos programas
de desenvolvimento sócio-económicos. A implementação da
infra-estrutura de Informação da região da SADC (SRII) foi
35
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
dividida em três (3) fases, nomeadamente, de curta, média e
longa duração.
A fase de curta duração prevê a digitalização de ligações de
transmissão. A fase de média duração preconiza a expansão
de transmissão digitalizada (em conclusão). A fase de longo
prazo comporta todas as vias de transmissão de fibra regional
(80% concluída) mas enfrenta constrangimentos em termos de
capacidade e tecnologia. Para responder aos constrangimentos
foi criado um grupo de trabalho, o Backhaul Working Group,
e uma vez concluído o trabalho irá permitir a interligação entre
todos os Estados-Membros e conectar cada Estado-Membro
aos vários sistemas de cabo submarino incluindo o Sistema de
Cabo Submarino de Fibra Óptica de Banda Larga (Broadband)
da África Austral e Oriental (EASSy).
Outra realização nesta área é a implementação da infra-estrutura
de ICT da NEPAD de banda larga em fibra óptica de/e para
a África Austral e Oriental que está em curso no sector de
comunicações e ICT. A implementação deste projecto é feita
no âmbito do Protocolo sobre a Política de ICT e Estrutura
reguladora, também conhecido como o Protocolo de Kigali.
Dez (10) Estados-Membros da SADC assinaram o Protocolo
antes da data limite (Novembro de 2006) dos quais, seis (6) já
ratificaram o Protocolo.
d) Sector de Águas
Existe um Programa Regional de Infra-Estruturas de Água
visando a promoção do desenvolvimento de uma infra-estrutura
regional de águas incluindo a reabilitação e expansão das
facilidades existentes, programa regional para o fornecimento
de água e saneamento e, um estudo de pré-viabilidade para
projectos de infra-estrutura estratégica regionais.
36
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Até ao momento os Estados-Membros submeteram 134 projectos
de infra-estruturas a diferentes níveis de implementação. Outra
realização do sector de águas é a criação do Sistema de Observação
do Ciclo Hidrológico da SADC (SADC HYCOSA) e instalação
de equipamento. O Projecto é uma componente regional do
Programa da Organização Mundial de Meteorologia, visando
contribuir para o desenvolvimento sócio-económico regional
através da provisão de instrumentos de gestão necessários para
o desenvolvimento de recursos hídricos sustentáveis a baixo
custo, gestão e protecção ambiental.
e) Sector do Turismo
O Protocolo da SADC sobre o Desenvolvimento do Turismo
proporciona a promoção da região como destino turístico e
facilita as viagens intra-regionais através da facilitação e remoção
de barreiras, isenção de visto e harmonização dos procedimentos
de imigração. Em termos de realizações, de referir a criação da
Organização do Turismo Regional da África Austral (RETOSA),
em 1997, com o mandato de efectuar marketing e promoção de
turismo na região.
No âmbito das metas para os Estados-Membros da SADC,
referir a introdução de um visto universal, semelhante ao visto
Schengen, o Sistema UNIVISA, que irá facilitar as viagens
intra-regionais através da remoção de restrições na emissão de
vistos e harmonização dos procedimentos de imigração. Deste
modo, irá possibilitar aos turistas entrarem em todos os EstadosMembros da SADC com apenas um visto bem como a facilitação
do movimento trans-fronteiriço e de turistas internacionais no
geral.
Os Estados-Membros da SADC demonstraram vontade
política de criar Áreas de Conservação Trans-fronteiriça e
uma abordagem regional de conservação da biodiversidade
e desenvolvimento do turismo através de acordos bilaterais e
multilaterais.
37
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
3.3.3. Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais
A Cimeira Extraordinária da SADC sobre Segurança Alimentar
e Agricultura, realizada em Dar-es-Salam, em 2004, decidiu
que os Estados-Membros deveriam aumentar da sua dotação
orçamental para a agricultura em pelo menos até 10% do seu
Orçamento de Estado.
Ainda no quadro das medidas de mitigação relativamente
à segurança alimentar regional destaca-se a aprovação do
estabelecimento de uma Facilidade Regional de Reserva
Alimentar (RFRF) de 500 000 toneladas de cereais, consistindo
em 375 000 toneladas em reserva física e em reserva financeira
equivalente a 125 000 toneladas.
3.3.4. Desenvolvimento Humano e Social
HIV e SIDA
As actividades implementadas na área do HIV e SIDA têmse focalizado na implementação do Plano de HIV e SIDA em
particular: (i) desenvolvimento e harmonização de políticas,
directrizes e quadros estratégicos para prevenção, tratamento,
cuidados e assistência; (ii) mobilização de recursos e reforço
de parcerias e redes; e (iii) monitorização e avaliação da
implementação da Declaração de Maseru sobre Combate ao HIV e
SIDA.
A SADC adoptou um Quadro Estratégico Regional sobre HIV
e SIDA (2003-2007), o qual foi actualizado, focalizando
aumento dos esforços regionais para o alcance dos objectivos
da Declaração de Maseru, Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio e Metas de Acesso Universal. O novo Quadro Estratégico
Regional sobre HIV e SIDA (2009-2015) toma em consideração
a aceleração da evolução da integração regional e a emergência
de novos desenvolvimentos regionais, continentais e globais
38
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
vis-à-vis HIV e SIDA – necessidade tratamento de HIV e SIDA e
tuberculose, circuncisão masculina, prevenção positiva e necessidade de
tratamento pediátrico de HIV e SIDA.
Foram registados progressos na implementação da Declaração
de Maseru sobre Combate de HIV e SIDA, particularmente a
criação do Fundo da SADC de HIV e SIDA, com capital inicial
de USD 7 milhões e a aprovação do Quadro de Operacionalização
do Fundo da SADC de HIV e SIDA.
Género e Desenvolvimento
No âmbito da promoção do género e desenvolvimento, os
Estados-Membros da SADC adoptaram a Declaração da SADC
sobre Género e Desenvolvimento em 1997, que exortava aos Estadosmembros para aumentarem a participação das mulheres na
política e tomada de decisões para pelo menos 30% até ao ano de
2005. Como complemento desta Declaração, a sua Adenda sobre
a Prevenção e Erradicação da Violência Contra as Mulheres e Crianças
foi adoptada em 1998.
Dada a necessidade de harmonização da legislação, políticas,
estratégicas e programas nacionais com os instrumentos
jurídicos regionais relativos à igualdade e equidade de género,
a Declaração foi transformada, obedecendo a outro formato e passou a
designar-se Declaração da SADC sobre o Género e Desenvolvimento. O
Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento aprovado
e assinado, em 2008, em SANDTON (Johannesburgo), África
do Sul.
O Protocolo estabelece o cumprimento de metas até 2015, no
âmbito da igualdade e paridade de género nas diferentes áreas
de abordagem, nomeadamente, em relação aos direitos legais
e constitucionais, a governação, a educação e formação, os
recursos produtivos e emprego, a violência baseada no género,
o HIV e SIDA, incluindo a paz e a resolução de conflitos.
39
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
3.3.5. Desafios
- Perda de rendimentos no sector mineiro; desemprego; e
redução de investimentos.
No domínio sócio-económico, não obstante as realizações
logradas no quadro da integração regional, importa salientar
alguns desafios presentes, nomeadamente:
• Pobreza:
A SADC reconhece a pobreza como um dos principais
desafios para a região, tendo em conta que a maior parte
da população vive com apenas USD 1/dia;
• Declínio acentuado da esperança de vida em vários países
da SADC de 60/70 anos para 33 anos;
• Pandemia do HIV/SIDA:
A taxa de prevalência é de 25%, contribuindo para elevada
mortalidade principalmente de mulheres e crianças,
impactando no processo de desenvolvimento sócioeconómico.
• Impacto da Crise Económica Global:
- Dificuldades no acesso a capitais para investimentos;
- Redução das exportações da SADC para os mercados
internacionais;
-
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Redução dos preços das mercadorias de exportações nos
mercados internacionais;
- Redução dos níveis de investimentos domésticos e
internacional, ambos como resultado da escassez de crédito
e aumento de aversão ao risco nos mercados emergentes.
40
- No sector agrícola: devido a redução dos preços, traduziuse na perda de remessas dos governos, particularmente
provenientes da cobrança de impostos.
- Deterioração dos volumes de exportações e baixa
dos preços das matérias-primas resultou na perda de
rendimentos provenientes de taxas comerciais, exercendo
pressão sobre as contas correntes e balanças fiscais dos
Estados-Membros da SADC.
4. Cooperação e Integração Tripartida COMESA-EACSADC
No âmbito do Acto Constitutivo da União Africana e do Tratado de
Abuja, de 1981, que institui a Comunidade Económica Africana
(CEA), a COMESA, a EAC e a SADC são consideradas
Comunidades Económicas Regionais (CERs) reconhecidas
como building blocs para a edificação da CEA.
Como building blocs, as três CERs estão a implementar
programas de integração regional nas áreas de comércio e de
desenvolvimento sócio-económico, visando o estabelecimento
de Zonas de Livre Comércio, Uniões Aduaneiras, Mercados
Comuns e Uniões Monetárias.
A cooperação e integração regional entre as três CERs
têm incidido em programas de desenvolvimento de infraestruturas regionais – transportes, comunicações, Tecnologias
de Comunicação e Informação (TIC) e energia; domínios
considerados fundamentais para a realização da integração
continental e consequentemente para o estabelecimento da
CEA.
41
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Entretanto, no quadro da implementação dos programas de
integração regional, o principal desafio enfrentado pelas três
CERs é o da múltipla afiliação (overlapping membership), sobretudo
vis-à-vis estabelecimento de União Aduaneira, pois, as regras da
Organização Mundial do Comércio (OMC) permitem que um
país apenas seja membro de uma União Aduaneira. Este factor
implicou a necessidade de coordenação e harmonização dos
respectivos programas de integração regional.
Neste contexto, foi acordado no Cairo – Egipto o estabelecimento
de um quadro de cooperação e de integração regional COMESAEAC-SADC pelos Presidentes da Autoridade da COMESA e da
Cimeira da SADC, através da criação de um Grupo de Trabalho
(Task Force) Tripartido ao nível dos Secretariados. Em 2005,
com a adesão da EAC foi estabelecido um Grupo de Trabalho
Tripartido que tem centrado o seu trabalho nas seguintes áreas:
•
•
•
•
Comércio;
Alfândegas;
Livre circulação de pessoas; e
Desenvolvimento de infra-estruturas.
a) Comércio
No quadro da implementação dos programas de integração
económica regional, as três CERs adoptaram instrumentos e
programas de comércio e aduaneiros que incluem o seguinte:
•
•
•
•
Sistemas de TICs de gestão aduaneira;
Procedimentos aduaneiros simplificados;
Regras de origem;
Sistemas comuns de valoração, conforme preconiza a
Organização Mundial das Alfândegas (OMA);
• Documentos Únicos de Declaração Aduaneira (CDs);
42
• Nomenclaturas pautais comuns baseadas na Descrição
Harmonizada das Mercadorias e no Sistema de
Codificação (Código HS) da OMA;
• Sistemas de seguros de viaturas contra terceiros;
• Sistemas de caução de garantia aduaneira;
• Medidas para monitorar e eliminar as barreiras nãotarifárias (NTBs);
• Postos Fronteiriços de Paragem Única;
• Barreiras Técnicas ao Comércio (TBTs) incluindo o
documento harmonizado e os padrões de medições; e
• Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS).
b)Infra-estruturas
No quadro da cooperação no domínio de infra-estruturas, as três
CERs acordaram as seguintes áreas comuns para coordenação e
harmonização:
•
•
•
•
•
•
•
Corredores de Desenvolvimento;
Transporte rodoviário;
Transporte aéreo;
Transporte ferroviário;
Portos;
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs); e
Energia.
Em 2008, a Cimeira Tripartida lançou a Autoridade Regional para
a Concorrência (JCA) que irá superintender a implementação
cabal da Decisão de Yamoussoukro sobre Céus Abertos.
Em 2009, foi lançado o Programa-Piloto do Corredor Norte-Sul
(Dar-es-Salam/Durban) COMESA-EAC-SADC para reduzir
os custos do comércio transfronteiriço na África Subsariana. A
iniciativa abarca infra-estruturas nas áreas de portos, transportes
43
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
(rodoviários e ferroviários), comunicações, energia, visando
interligar as respectivas redes regionais, com o objectivo de
estabelecer, futuramente, a sua ligação entre Cairo (Egipto) e a
Cidade de Cabo (África do Sul).
A aplicação das novas regras do sistema multilateral de comércio
(i.e. da OMC), assentes na liberalização e na reciprocidade,
tornaram o regime comercial das Convenções de Lomé, baseado
em preferências não-recíprocas, incompatível.
c) Circulação de Pessoas
Em suma, o regime comercial das Convenções de Lomé já não se
afigurava adequado para o desenvolvimento dos países ACP em
virtude da erosão das preferências concedidas pela UE, por um
lado, devido ao novo contexto comercial internacional e, por outro
lado, porque o volume do comércio ACP para a UE manteve-se
baixo, por conseguinte, não alcançando os objectivos esperados.
A livre circulação de pessoas deverá ter como alvo, numa
primeira fase, as pessoas envolvidas em operações empresariais
além fronteiras. As CERs podem alcançar este objectivo através
da concessão de facilidades de vistos para os empresários e outros
profissionais e ir gradualmente estendendo esta facilidade para
os restantes cidadãos. Este objectivo poderá ser materializado
através de um Acordo/Protocolo vinculativo.
5. Acordo de Parceria Económica SADC-EPA/União Europeia
As relações de cooperação para o desenvolvimento entre o
Grupo dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (Grupo ACP)
e a União Europeia, a partir de 1975, foram regidas por um
quadro jurídico estruturante, i.e. as Convenções de Lomé (I, II,
III, IV, IV bis) e Acordo de Cotonou.
A Convenção de Lomé III (1985-1990) introduziu um regime
comercial baseado em preferências não-recíprocas que permitia
o acesso preferencial dos produtos (i.e. agrícolas) dos países ACP
ao mercado comunitário. Os regimes tarifários (i.e. em muitos
casos tarifa zero) aplicados eram mais favoráveis aos países ACP
comparativamente a outros países em desenvolvimento.
A conclusão, em 1994, do Ciclo de URUGUAI e
consequentemente o estabelecimento da Organização Mundial
do Comércio (OMC), em 1995, criou um novo contexto
comercial internacional com repercussões para regime comercial
ACP-UE em vigor.
44
O Acordo de COTONOU, assinado em 2000, estabeleceu um
novo quadro para as relações de cooperação para o desenvolvimento
entre os Estados ACP e a UA. O Acordo estabeleceu a necessidade de
conclusão de Acordos de Parceria Económica (APEs), compatíveis
com as regras da OMC, que seriam negociados durante o período
preparatório de Setembro de 2002 a 31 de Dezembro de 2007.
A definição da configuração regional constituiu condição
fundamental para o processo de negociações dos APEs com a UE.
A configuração da SADC, i.e. SADC-EPA, ficou reduzida a oito
(8) países – Angola, Botswana, Lesotho, Moçambique, Namíbia,
Suazilândia, Tanzânia e África do Sul (inicialmente observador5 ).
Os restantes países integraram a configuração da COMESA, i.e. ESA
(Eastern and Southern Africa) – Malawi, Maurícias, Madagáscar,
Zâmbia, Zimbabwe. Entretanto, em 2007, a Tanzânia retirou-se da
SADC-EPA e juntou-se à configuração APE da EAC (East African
Community).
As negociações do APE SADC-EPA/UE foram lançadas em
Windhoek, Namíbia, a 8 Julho de 2004. Para as negociações do
APE com a UE, a SADC-EPA adoptou um Quadro Estratégico
que visa os seguintes objectivos:
5
A África do Sul assinou com a UE o TDCA (Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação).
45
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• Coordenar e alinhar a revisão do TDCA e as negociações
do APE;
• Consolidar a preparação para as negociações do APE;
• Estabelecer as bases sobre como a região poderá avançar
rumo ao estabelecimento de um único regime comercial
entre os países da SADC-EPA e a UE;
• Preservar o ímpeto para a integração regional entre
Estados-membros da SADC;
• Assegurar que o regime comercial entre a SADC-EPA e
a UE seja compatível com a OMC;
• Assegurar o alinhamento entre a assistência técnica ligada
ao comércio no âmbito do APE e a programação da
assistência para o desenvolvimento da UE.
A SADC-EPA (Botswana, Lesotho, Moçambique, Namíbia
e Swazilândia) e a UE concluíram, em Novembro de 2007,
um Acordo de Parceria Económica Interino (IEPA) que visa
garantir o regime de preferências não-recíprocas no acesso ao
mercado da UE, em virtude da expiração da derrogação da
OMC relativa ao regime comercial da Convenção de Lomé, em
31 de Dezembro de 2007. Angola e África do Sul não assinaram
o IEPA, por conseguinte estando o seu acesso ao mercado da
UE assegurado pela Iniciativa Everything But Arms (EBA) e pelo
Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação África do Sul-UE
(TDCA) respectivamente.
Inicialmente, o IEAP SADC-EPA/UE deveria ter sido
implementado a partir de 1 de Julho de 2008, porém, o IEAP
apenas foi assinado a 4 Junho de 2009 pelo Botswana, Lesotho e
Swazilândia, e a 15 de Junho de 2009 por Moçambique.
O IEAP preconiza uma segunda fase de negociações com vista a
conclusão de um APE global e definitivo, cobrindo: liberalização
do comércio de serviços; capítulo sobre investimento baseado
no Protocolo da SADC sobre Finanças e Investimento (FIP);
disposições sobre cooperação – capacitação institucional em
46
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
serviços, investimento, política de concorrência e aquisições
públicas (procurement). Presentemente, decorrem negociações
relativas às seguintes matérias:
• Assuntos pendentes (alinhamento da oferta da SACU,
regras de origem);
• Notificação à OMC e a implementação do IEPA; e
• Liberalização de comércio em serviços e investimentos.
Impacto para Moçambique:
O facto de o novo regime comercial resultante das negociações do
APE pressupor os elementos da liberalização e da reciprocidade
coloca enormes desafios à Moçambique, tratando-se de um País
Menos Avançado (PMA) vis-à-vis países desenvolvidos. Para
que o acesso ao mercado, i.e. nas novas condições, seja vantajoso
torna-se fundamental que o APE providencie condições e
recursos para que o constrangimento do lado da oferta seja
superado e a competitividade elevada.
Como consequência imediata da liberalização, i.e. redução e
eliminação das tarifas aduaneiras, o país deverá perder parte das
suas receitas aduaneiras das importações provenientes da UE.
Neste sentido, a criação de um mecanismo e/ou concessão de
recursos financeiros adicionais para mitigar os efeitos adversos
resultantes da perda de receitas é fundamental.
A implementação do APE torna necessária a realização de
ajustamentos que acarretam consigo custos elevados.
6. Quadro Jurídico-legal Regional da SADC versus EstadosMembros
47
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
6.1. SADC
6.1.1.
• Igualdade de soberania de todos os seus EstadosMembros;
• Solidariedade, paz e segurança;
• Direitos Humanos, Democracia e o Estado de Direito;
• Equidade, equilíbrio e benefício mútuo; e
• Resolução pacífica de litígios.
Características Jurídico-internacional da Comunidade
Os Estados enquanto sujeitos de base territorial, criam
estruturas internas que se afirmam através de uma repartição
de poderes no interior de uma determinada organização e face
ao exterior (Estados-Membros e terceiros), bem como de um
objectivo comum, que seja tendencialmente permanente e
enquadrado pela atribuição de personalidade jurídica. Possuem
órgãos próprios que representam a sua manifestação de vontade,
gerando direitos e obrigações, não só para os Estados, como
também para pessoas singulares e/ ou colectivas que no seu
âmbito actuam.
Estes princípios consubstanciam a base estrutural da ordem
jurídica comunitária, que segundo a doutrina é autónoma em
relação ao direito interno e ao direito internacional, tendo as suas
próprias fontes e modos de produção jurídica, opera nos limites
estabelecidos pelos Estados e está (em toda a sua acção traduzida
na adopção de actos jurídicos) sujeita a regras jurídicas.
Embora a criação da comunidade represente o surgimento
de uma ordem jurídica autónoma, de duração ilimitada, ela
não goza de um estatuto de soberania, podendo dizer-se que
os poderes de índole soberana que exerce são o fruto de uma
transferência ou de uma delegação de exercício de poderes por
parte dos Estados-Membros.
Não obstante o Tratado da SADC descrever taxativamente
os princípios que regem a SADC, porque é uma organização
internacional de carácter regional, há a destacar o Princípio de
Efectividade, que é relevante na ordem jurídica comunitária,
dado que a ele está associado o não menos importante “efeito
directo”7 8 .
As características enunciadas, aproximam-se às da SADC,
podendo caracterizá-la como sendo uma organização
internacional de carácter regional, cuja fonte genérica encontrase num instrumento de direito internacional público que é o
Tratado da SADC, que constitui um direito originário outorgado
pelos Estados-Membros6 .
6.1.2. Quadro Institucional
Consequentemente, a SADC possui personalidade legal com
capacidade e poderes para firmar contratos, adquirir, possuir ou
alienar propriedades móveis e imóveis e propor ou ser demandada
em acções judiciais e rege-se pelos seguintes princípios:
Os princípios estruturantes da ordem jurídica comunitária
dotada de autonomia e tendo os seus fundamentos assentes
no Tratado, constituem fontes comunitárias. A SADC
aplica regras próprias derivadas do direito comunitário, que
garantem uma uniformidade proveniente não só do direito
comunitário originário (Tratado da SADC), mas também do
direito comunitário derivado (normas ou actos emanados dos
órgãos comunitários), sobre o direito estadual (inclusive da
constituição).
Efeito directo, significa que a norma comunitária desde que preenchidos certos requisitos, pode ser
invocada em juízo pelos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais, quer contra o EstadoMembro (efeito directo vertical) quer contra outros particulares (efeito directo horizontal).
7
Vide Artigo 3º do Tratado da SADC.
6
8
48
Vide Artigos 15º e 32º do Protocolo da SADC sobre o Tribunal.
49
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Por outras palavras, o direito comunitário, na hierarquia das
fontes de direito de cada Estado-membro, deveria ocupar um
grau supra constitucional. É neste contexto que no âmbito do
direito comunitário, constituem fontes da SADC, de carácter
vinculativo, e que ao mesmo tempo são instrumentos de
integração as seguintes:
•
•
•
•
•
•
• Tribunal; e
• Comissões Nacionais da SADC.
As fontes e as instituições da SADC desempenham um
papel determinante no processo de integração regional, mas
é ao Tribunal da SADC que cabe garantir a observância e
interpretação adequadas das disposições do Tratado e de outros
instrumentos jurídicos subsidiários (protocolos, memorandos
de entendimentos, declarações, etc.), bem como dos princípios
gerais de direito comunitário, no contexto da validade dos actos
praticados pelas instituições da comunidade.
Tratado da SADC;
Protocolos;
Acordos;
Memorandos de Entendimento;
Declarações;
Plano Indicativo Estratégico Regional de Desenvolvimento
(RISDP) e o Plano Estratégico Indicativo do Órgão
(SIPO); e
• Decisões emanadas pela Cimeira e pelo Conselho de
Ministros.
E é nesse contexto, que à luz do Tratado da SADC, todas as
decisões tomadas pelas instituições da SADC, são de carácter
consensual e vinculativo, pois derivam da própria natureza
jurídica da SADC9. No entanto, o Artigo 33º do Tratado da
SADC prevê de forma expressa os actos passíveis de sanções em
caso de incumprimento pelos Estados-Membros.
Estas fontes são determinantes na medida em que permitem
compreender o sistema jurídico-comunitário por um lado, e
por outro lado, constituem um direito criado pelos EstadosMembros através do Tratado da SADC, constituído pelas
normas que criam a comunidade.
Na sequência da relevância do papel desempenhado pelo
Tribunal, este goza de competência exclusiva para dirimir
litígios10 (entre os Estados-Membros e a Comunidade, entre
pessoas singulares ou colectivas e a Comunidade, e entre a
Comunidade e o seu quadro de pessoal).
Na esteira do processo de reestruturação em 2001 constituem
instituições da SADC as seguintes:
As decisões são tomadas por maioria e têm um carácter final
e vinculativo, podendo ser tomadas à revelia das partes, e os
Estados-Membros devem garantir a execução das decisões do
Tribunal.
• Cimeira dos Chefes de Estado e ou de Governo;
• Órgão de Cooperação nas Áreas de Política, Defesa e
Segurança;
• Conselho de Ministros;
• Comités e Clusters de Ministros Sectoriais;
• Comité Permanente de Altos Funcionários;
• Secretariado;
50
9
Vide Artigo 19º do Tratado da SADC.
Vide Artigos 14º a 19º do Protocolo sobre o Tribunal da SADC, conjugado com o respectivo acordo
de emenda ao Protocolo sobre o Tribunal
10
51
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
No caso de incumprimento das decisões do Tribunal, pode ser
submetido por qualquer parte interessada e o Tribunal deve
comunicar à Cimeira sobre o veredicto para que esta decida nos
termos das suas competências.
Outro instrumento jurídico que importa referir, no contexto
do quadro jurídico da região, é o Protocolo sobre Assuntos
Jurídicos, que tem como objecto atribuir competências ao
sector jurídico, tendo este, nos termos do seu Artigo 2º como
um dos seus objectivos principais a prestação de assistência
jurídica à SADC, suas instituições e Estados-Membros em
matérias relacionadas com a interpretação e implementação dos
instrumentos jurídicos subsidiários.
Nos termos do Artigo 3º do Protocolo sobre Assuntos Jurídicos,
o sector jurídico é dotado pelo seguinte quadro institucional:
• Comité de Ministros da Justiça/ Procuradores Gerais;
• Comité de Juristas; e
• Unidade Coordenadora do sector jurídico (funciona
num Ministério ou Departamento da Justiça em cada um
dos Estados-Membros).
6.2. Estados-Membros
A relação entre os Estados-Membros, no contexto da integração
regional, consubstancia-se no cumprimento das disposições
do Tratado11 , bem como na implementação dos instrumentos
jurídicos aprovados pela Cimeira dos Chefes de Estado e/ou
de Governo da SADC, dos quais são parte. Entre si, celebram
acordos, tendo em conta as áreas de cooperação aprovadas nos
termos do Artigo 21º do Tratado da SADC, assim como do
RISDP.
Por outro lado ainda, o Artigo 24º do Tratado da SADC, dá também
a possibilidade dos Estados-Membros estabelecerem relações
entre si, com base na observância dos princípios e objectivos
da SADC, mas também com outros Estados e organizações
regionais e internacionais, desde que os seus objectivos sejam
compatíveis com os da SADC e respectivos dispositivos legais.
6.3. Moçambique
A ordem jurídica comunitária por si só não realiza os objectivos
da comunidade. Cabe aos órgãos legislativos, executivos e
judiciais reconhecerem que a ordem jurídica comunitária não é
um sistema externo e que os Estados-Membros e as instituições
comunitárias pertencem solidariamente a um todo indissolúvel
destinado a alcançar objectivos comuns.
Consequentemente, as autoridades nacionais devem não só
respeitar os tratados comunitários e as normas de execução
emanadas das instituições comunitárias, mas também aplicá-los
e dar-lhes vida, ou seja, executá-las.
Da esquerda para a direita: Basília Machatine (ASSEMO), Dr. Tomo Psico e Yaqub Sibindy (PIMO)
11
52
Vide Artigo 6º do Tratado da SADC
53
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
É neste contexto que a Constituição da República de
Moçambique na alínea t) do número 2 do Artigo 179, conjugado
com a alínea g) do número 1 do Artigo 204, dá competências
à Assembleia da República e ao Conselho de Ministros para
celebrar, ratificar, aderir e denunciar acordos internacionais.
6.3.1. Inserção do Direito Comunitário no Ordenamento Jurídicoconstitucional Moçambicano Interno
Não obstante o nº 1 do Artigo 17 da Constituição preceituar que:
“A República de Moçambique estabelece relações de amizade
e cooperação com outros Estados na base dos princípios de
respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, igualdade,
não interferência nos assuntos internos e reciprocidade de
benefícios”, não resolve a questão de forma clara. Contudo, a
partir dela, pode-se chegar a várias conclusões quanto à inserção
do direito comunitário no direito interno moçambicano.
Com este preceito constitucional pode-se afirmar que existe
um conjunto relevante de normas constitucionais internas
relacionadas com a integração moçambicana na comunidade e o
modo de relacionamento entre as fontes jurídicas provenientes
de cada um dos ordenamentos (comunitário e moçambicano).
Quanto à inserção do direito comunitário no ordenamento
jurídico moçambicano, vem consubstanciada no Artigo 18º da
Constituição da República que preceitua:
i.“Os tratados e acordos internacionais, validamente aprovados e
ratificados, vigoram na ordem jurídica moçambicana....”
ii.“As normas de direito internacional têm na ordem jurídica interna
o mesmo valor que assumem os actos normativos infraconstitucionais
emanados da Assembleia da República e do Governo, consoante a sua
respectiva forma de recepção”.
No entanto, é o nº 2 do Artigo 18 da Constituição, que trata
de forma específica os modos de incorporação do direito
internacional público na ordem jurídico-constitucional
interna.
Este preceito mostra-nos por um lado, o modo como o direito
comunitário originário de origem convencional (tratados e
acordos internacionais) se incorpora no direito interno (depois
de regularmente aprovados e ratificados). Por outro lado, releva
que estas normas não passam a valer como direito de origem
interna (não são transformadas) mas continuam sendo normas
dos tratados ou de direito internacional público. Com efeito, é
dominante o entendimento de que as normas internacionais de
origem convencional são incorporadas por meio do mecanismo
de recepção na ordem jurídica interna.
No entanto, importa referir que tratando-se de instrumentos
jurídicos comunitários, não é pelos simples facto de se dar
cumprimento à previsão constitucional que a sua vigência
é automática a nível interno, carecem de ratificação por
parte de um certo número de Estados-membros (2/3), e
consequentemente do depósito dos instrumentos de ratificação
junto do Secretariado da SADC 12 .
6.4. Avaliação
Volvidos 30 (trinta) anos, a SADC, ainda encontra-se numa
fase lenta da sua consolidação, dado que até ao momento
apesar das suas realizações nos diferentes domínios, ainda só
alcançou a primeira etapa da integração regional (Zona de Livre
Comércio).
Ainda possui uma fragilidade jurídica pelo facto de não ter
todos os poderes a funcionar: legislativo, executivo e judicial,
Vide os Artigos 41º e 43º do Tratado da SADC.
12
54
55
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
de modo a que haja uma transferência efectiva da soberania dos
Estados-membros para a comunidade.
Quanto ao valor jurídico das decisões tomadas pelas instituições
da SADC, (Cimeira, Conselho de Ministros e Tribunal) cujo
carácter é final e vinculativo, na prática não são executadas de
forma uniforme pelos Estados-Membros.
Para uma efectiva integração regional, no contexto do direito
comunitário é necessário:
• Harmonizar o quadro legal dos Estados-Membros; e
• Criar mecanismos de modo a que a haja um “comando
executório”, no respeitante às decisões tomadas pelo
Conselho de Ministros, Cimeira e Tribunal.
7. Potencialidades Económicas de Moçambique
7.1. Localização Geográfica Estratégica
Moçambique possui uma vasta superfície com uma área
de 799.380 Km2 e uma costa extensa de cerca de 2.470 Km,
complementada por uma rede de portos, estradas e caminhosde-ferro, conferindo-lhe uma vantagem natural sobre os países
do hinterland (Zimbabwe, Malawi, Zâmbia e Botswana) e fácil
acesso à África do Sul.
7.2. Energia
Moçambique é um país com forte potencial energético,
principalmente na componente das energias renováveis
consideradas mais seguras, ambientalmente sustentáveis,
para além de que não se esgotam. Trata-se das energias solar
ou fotovoltaica, eólica, hídrica de pequena, média e grande
dimensões e geotérmica. Calcula-se que não esteja a ser
explorado no país o potencial energético de 74 milhões de
Terra Joules (TJ), nomeadamente o carvão mineral, gás natural
e hidroeléctrica, correspondendo a cerca de USD 100 mil
milhões a preços actuais no mercado. Entretanto, apenas a
quantidade energética de 150 mil TJ está sendo explorada no
país, o equivalente a um aproveitamento de USD 1.100 milhões
no mercado internacional.
O potencial de geração de energia eléctrica identificado no país
é de cerca de 14.700 Megawatts, dos quais 12.500 são de origem
hídrica. Actualmente, o país possui a Hidroeléctrica de Cahora
Bassa (HCB) que tem capacidade para gerar 2.075 Megawatts
de energia eléctrica. As exportações de electricidade, em 2008,
constituíram cerca de 9,4% das exportações de Moçambique.
Presentemente, Moçambique precisa de USD 20 Biliões para
explorar de forma efectiva as potencialidades energéticas que
possui.
7.3. Recursos Minerais e Hidrocarbonetos
A situação geográfica e recursos de Moçambique oferecem
um vasto potencial para o desenvolvimento do comércio, que
poderão contribuir para o crescimento económico e redução
da pobreza, especialmente através de sectores tais como
agricultura, pescas e indústria pesqueira, turismo, transportes e
comunicações, energia hidroeléctrica, gás natural e minerais.
Moçambique é dotado de uma diversidade e imensidão de
recursos minerais, representando oportunidades de investimento
para a sua exploração, extracção, transformação, utilização e
comercialização. Da vasta gama de recursos minerais importa
salientar como principais: Gás natural; Carvão; Ouro; Titânio;
Ilmenite; Zircão; Rutilo; Tantalite; Mármore; Minerais (titânio,
grafite); pedras preciosas.
56
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Moçambique possui elevadas potencialidades e oportunidades de
investimento no sector de recursos minerais, com destaque para
os hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) e minérios (carvão,
areias pesadas e metais pesados). Um terço (1/3) do território
continental é coberto de bacias sedimentares (petróleo e gás),
nomeadamente: Bacia do Rovuma; Bacia de Moçambique;
Bacia de Maniamba; “Graben” do Baixo Zambeze; Bacia do
Zambeze Central; e Bacia do Lago Niassa.
Carvão
Estudos realizados recentemente mostram a existência em quase
todo o país de reservas superiores a 23 biliões de toneladas de
carvão mineral, tendo já sido atribuídos de momento cerca de 105
títulos mineiros nesta área. Moçambique tem como principais
Bacias Carboníferas: Maniamba-Lunho (Província de Niassa);
Mucanha-Vuzi; Sanagôe-Mfidezi; Moatize-Minjova (Província
de Tete); e Mepotepote (Província de Manica). Recentemente
foram descobertos jazigos de carvão mineral no distrito de
Changara, Cahora Bassa e Mágoè, na Província de Tete, Estão,
igualmente, em curso trabalhos adicionais de pesquisa ao longo
da Bacia do Zambeze, tendo sido descoberta a existência de
carvão nos distritos de Mutara, Marávia e Zumbu.
Gás natural
Em Janeiro 2006, as reservas comprovadas de gás natural
estimavam-se em 122,2 bilhões metros cúbicos, distribuídos
pelas reservas de Temane e Pande, na província de Inhambane.
Foi confirmada, em Agosto de 2010, uma nova descoberta de
gás natural em ‘offshore’ na Bacia do Rovuma, sendo a segunda
nesta região do país, após a primeira descoberta em Fevereiro
de 2010, ambas protagonizadas pela firma Anadarko. As
exportações de gás natural, em 2008, constituíram cerca de 5,5%
das exportações de Moçambique.
58
A empresa sul-africana SASOL, investiu USD 1,2 biliões
na exploração dos campos de Temane e Pande, incluindo a
construção de um gasoduto para Secunda na África do Sul. O
empreendimento iniciou as suas operações em 2004, tendo
uma duração prevista de vinte e cinco (25) anos, em função de
reservas disponíveis.
Minerais
Moçambique possui o maior depósito inexplorado e
economicamente viável de minerais titaníferos a nível mundial,
areias pesadas (Titânio). Os principais depósitos localizam-se
em Moma, Chibuto e Limpopo (14 biliões de toneladas) que
poderão durar mais de 50 anos. Se bem explorados, os recursos
naturais podem constituir uma fundação para um crescimento
diversificado de exportações, criação de emprego, geração de
rendimento, e processamento com valor acrescentado.
7.4. Turismo
Moçambique possui um rico potencial para se tornar um destino
turístico de nível regional e internacional. A combinação de um
turismo de praia tropical, com a vida cosmopolita das cidades, a
diversidade de flora e fauna e de ecoturismo, assim como a rica
história e o mosaico cultural oferecem uma base sólida para um
turismo sustentável.
Os recursos turísticos de Moçambique estão ainda inexploráveis.
Com uma costa de cerca de 2700 Km, vida marinha
abundante, corais, montanhas, lagos, áreas de conservação, rica
biodiversidade, e uma cultura fascinante, Moçambique possui
condições para ser o principal destino turístico, abrindo espaço
para investimentos em instâncias turísticas, incluindo formação
na área, e desenvolvimento de sistema de transporte, tendo em
conta que as rotas existentes a maioria estão na direcção esteoeste ao longo dos principais corredores.
59
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Este sector tem potencial para catalisar o desenvolvimento
sócio-económico do país e impulsionar a procura de produtos
nacionais, contribuindo para a atracção de investimentos;
criação de postos de emprego e oportunidades de auto-emprego,
conservação da biodiversidade, assim como para o equilíbrio da
Balança-de-Pagamentos, através da entrada de divisas para o
país.
7.5. Agricultura
A agricultura é o sector da economia nacional mais importante
em Moçambique. 46% (35 milhões hectares) dos cerca de
800.000 Km2 da superfície territorial de Moçambique tem
potencial para agricultura, sendo que presentemente, apenas
estão a ser explorados 5 milhões de hectares. Moçambique
possui uma localização estratégica, condições climáticas e
fertilidade dos solos, a abundância de recursos hídricos (100
bacias hidrográficas, 1300 lagos e 10 barragens), a pluviosidade
adequada.
O sector emprega cerca de 80% da força de trabalho, contribuindo
em 20% para o PIB. Excluindo as exportações da Mozal, a
agricultura engloba 1/3 das exportações do país. Moçambique
goza de acesso preferencial para alguns produtos agrícolas no
mercado regional da SADC, no mercado da UE (Iniciativa Tudo
Menos Armas-EBA, Acordo de Parceria Económica-APE) e no
mercado dos EUA (AGOA13 ).
7.6. Pescas
Mais de 2/3 da população moçambicana vive dentro de uma
área de 90 milhas da costa. O sector pesqueiro é deste modo
uma importante fonte de alimentação, emprego e rendimento.
Estima-se que cerca de 480.000 pessoas, ou mais de 3% da
AGOA: Africa Growth Opportunity Act
13
60
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
população são economicamente dependentes do sector, que
emprega directamente 75.000-80.000 pessoas. Recentemente,
produtos pesqueiros, incluindo camarão, representavam 4050% das exportações de Moçambique.
Existem novas oportunidades de expansão das exportações de
produtos não tradicionais tais como algas, aquacultura de peixe
fresco e camarão. Este sector tem oportunidade de aumentar os
rendimentos concentrando-se na exportação de pescado com
alto valor de exportação. A maioria tem uma tarifa zero nos
mercados da SADC.
7.7. Portos, Transportes e Comunicações
Moçambique possui quatro portos primários. O Porto de
Maputo, com o volume de tráfego mais alto a nível regional,
tem uma capacidade instalada de 9,3 milhões de toneladas por
ano com terminais para pescado, navegação marítima, carga
geral, carvão, fruta/citrinos, açúcar, melaço, contentores, e aço.
O Porto da Beira, o segundo maior, em termos de volume mais
alto de tráfego, possui uma terminal marítima para contentores,
importação de combustíveis e uma facilidade de produção de
cerveja.
O Porto de Nacala, de águas profundas que não requer dragagem,
possui uma capacidade de 2,6 milhões de toneladas por ano.
O Porto da Matola, próximo do Porto de Maputo, tem uma
capacidade instalada de 4,75 milhões de toneladas por ano com
terminais de carvão, combustível, cereais e alumínio.
Há bastante tempo que a infra-estrutura de transportes tem
dado uma focalização regional, direccionada para os países
vizinhos do hinterland e para a África do Sul. Através dos portos
61
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
de Maputo, Beira e Nacala, Moçambique torna-se um país de
trânsito importante para as importações e exportações da África
do Sul, Swazilândia, Zimbabwe, Malawi e Zâmbia.
7. 8.Indústria
Apesar de ser em pequena escala, o sector manufactureiro tem
estado a registar um crescimento significativo desde 1998,
contribuindo em ¼ para o PIB (2002). A MOZAL, é o maior
contribuinte, com um investimento avaliado em 2,2 biliões
de USD cujas operações iniciaram em 2001. Outros sectores
manufactureiros estão concentrados em poucos sub-sectores,
fundamentalmente processamento de alimentos e bebidas.
Do ponto de vista de desenvolvimento de exportações, no
sub-sector manufactureiro, existem oportunidades a nível da
AGOA e acesso livre de taxas para o mercado sul-africano sendo
necessário no entanto a melhoria da sua competitividade em
termos de preços.
A indústria de bebidas registou um crescimento rápido, devido
principalmente aos investimentos de grandes companhias
estrangeiras tais como a Coca-Cola, SABs e Parmalat. A
característica destes sub-sectores é o facto de utilizarem mãode-obra intensiva, criando uma oportunidade ímpar para criação
de postos de trabalho em grande escala.
No sector de serviços, com destaque para a indústria de turismo,
portos é uma mais-valia abrindo espaço para uma maior
competitividade a nível do mercado regional.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
motor, visto que o processo tem como presuposto a criação de
um amplo e único mercado regional. Neste contexto, com a
criação da Zona de Livre Comércio da SADC e à posteriori da Zona
de Livre Comércio Tripartida COMESA-EAC-SADC vários
desafios se colocam perante a economia nacional moçambicana,
nomeadamente, a capacidade de concorrência face a outros
produtos oriundos dos países da região e de competitividade
dos seus produtos noutros países da região. Para este efeito, a
capacidade produtiva e de competitividade da indústria nacional
afiguram-se como factores fundamentais.
Para uma maximização dos benefícios proporcionados pelo
mercado regional, seria fundamental a identificação de sectores
específicos da economia nacional susceptíveis de oferecerem
vantagem comparativa vis-à-vis mercado regional, os quais
poderiam merecer a devida atenção com vista a potenciá-las,
quer ao nível da competitividade interna quer ao nível da
exportação.
Considerando as potencialidades em termos de recursos
naturais e de economia nacional, as quais condicionam, grosso
modo, o desenvolvimento de sectores da economia nacional,
com maior competitividade, orientados para a mão-de-obra
intensiva, nomeadamente, a agricultura, as pescas, a indústria
(manufatureira e mineira) e serviços (turismo, energia,
transportes e portos).
8.2. Agricultura
No processo de integração regional, a integração económica
desempenha um papel central, constituindo o comércio seu
Tomando em consideração a localização estratégica, as condições
climáticas e fertilidade dos solos, a abundância de recursos
hídricos, a pluviosidade adequada, Moçambique tem condições
naturais para se tornar num fornecedor substancial de produtos
agrícolas na região. A gama de produtos agrícolas com potencial
para exportação inclui as principais culturas (castanha, coco,
algodão, açúcar, tabaco); horticultura (toranja, flores, vegetais);
culturas alimentares básicas (milho, arroz, mandioca) e
62
63
8. Sectores da Economia Nacional com Potencial
Competitivo no Mercado Regional
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
culturas de diversificação (feijões, leguminosas, oleaginosas,
amendoim).
Entretanto, com vista a incrementar a sua capacidade de
exportação de produtos agrícolas, Moçambique deverá
superar alguns constrangimentos, nomeadamente, baixa
produtividade, incapacidade para cumprir com requisitos
estrangeiros para controlo SPS (Medidas Sanitárias e
Fitossanitárias); capacidade limitada de agro-processamento;
elevados custos de sementes e insumos para culturas de
exportação; organização de produtores ineficaz; elevados
custos de transportes; e serviços limitados de desenvolvimento
de exportações, tais como gestão pós-colheita, financiamento
e assistência na observância de normas de importação
estrangeiram.
8.3. Pescas e Indústria Pesqueira
Até 2001, i.e. antes do funcionamento pleno da MOZAL,
a indústria pesqueira era a fonte principal de receitas em
divisas para a economia nacional em Moçambique. Assim,
o país poderia explorar oportunidades para a expansão de
exportação de produtos marinhos não tradicionais, tais
como alga marinha cultivada, peixe fresco e aquacultura de
camarão. O país poderia, igualmente, apostar no pescado de
alto valor, cuja maior parte goza de tarifa zero no mercado da
SADC. A aposta na formação dos pescadores artesanais no
processamento e técnicas pode contribuir para a captura de
pescado com alto valor.
Com efeito, há necessidade de melhorar as condições
de armazenagem a frio, capacidade de transportes e das
facilidades de processamento em terra com vista a acomodar
as exigências de qualidade do mercado de exportação. Por
um lado, as agências de normalização de qualidade devem
reforçar a sua capacidade para certificação de produtos
64
destinados à exportação, por outro lado a indústria tem que
melhorar padrões para cumprir com as exigências de SPS.
Como forma de tirar maior proveito neste sector bem como
para a sustentabilidade dos recursos deve-se apostar no
combate a pesca ilegal.
8.4. Energia
A existência de redes de energia regional poderão proporcionar
uma maior facilidade na distribuição e a baixo custo através
da sua interligação. Neste contexto, Moçambique poderá
fazer o devido aproveitamento do enorme manancial
de recursos energéticos, sobretudo renováveis, a seu
dispor e transformando-se num dos maiores produtores e
fornecedores regionais de electricidade.
A cooperação regional na área de recursos hídricos, com
vista a gerar energia hidroeléctrica é essencial para responder
à crescente demanda, particularmente no âmbito do
desenvolvimento industrial e em geral do desenvolvimento
económico regional.
8.5. Portos, Transportes e Comunicações
A localização estratégica dos portos de Nacala, Beira e
Maputo, como portas de acesso para o mar para os países
do hinterland, através de igual número de corredores e
a possibilidade de integrar portos, transportes marítimos
e cabotagem, caminhos-de-ferro, transporte rodoviário,
terminais e armazéns e centros de distribuição, oferecem
condições objectivas para Moçambique desempenhar um
papel importante e tirar benefícios na integração regional.
Neste contexto, o país deverá potenciar esta área em virtude
das vantagens comparativas que detém.
65
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
8.6. Turismo
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
CONCLUSÕES
O turismo é um dos mais promissores no sector de serviços,
contribuindo, em 2009, com 2,2% para o PIB de Moçambique.
A atracção de elevado número de turistas para o interior do
país, em virtude da beleza natural, vida selvagem e da cultura,
constitui factor a considerar para o desenvolvimento do sector,
contribuindo assim para a geração de emprego e providenciando
rendimentos para a população vivendo na pobreza nessas zonas.
Neste contexto, tendo em conta que ¾ dos turistas que visitam
o país são oriundos da África do Sul, para Moçambique a
integração do turismo regional deverá constituir prioridade no
desenvolvimento do sector.
Entretanto, registam-se constrangimentos que deverão ser
levados em linha de conta, nomeadamente infra-estruturas
subdesenvolvidas, onerosas e de qualidade abaixo dos
padrões internacionais. Assim, há necessidade de melhorar o
transporte aéreo, a rede de estradas, a distribuição de energia,
as telecomunicações, a qualidade no fornecimento de água
potável e gestão de resíduos sólidos. Áreas com potencial
turístico deveriam ser objecto de uma planificação no quadro
de desenvolvimento integrado.
8.7. Indústria
O sector de indústria manufactureira em Moçambique, apesar
de ser pequeno, tem vindo a crescer significativamente a partir
de 1998, por conseguinte, contribuindo em ¼ do PIB em 2002.
Entretanto, do ponto de vista de desenvolvimento de exportações,
alguns subsectores baseados na mão-de-obra intensiva e cujos
produtos gozam de acesso preferencial ao mercado regional e
do resto do mundo incluem o couro, artigos de couro, têxteis,
confecções, processamento de alimentos e sumos de fruta.
66
1. Nas últimas três décadas, o objectivo da SADC foi de
preservação da paz e estabilidade, tendo em conta a
importância destes para a implementação bem-sucedida de
políticas de desenvolvimento económico.
2. No âmbito da integração económica o comércio constitui um
factor importante para o processo de integração económica
regional. A par do comércio, sector de infra-estruturas,
indústria, agricultura, finanças e investimento, tem um
potencial catalisador susceptível de induzir um rápido
crescimento económico e desenvolvimento sustentável.
3. No âmbito da edificação do direito comunitário para uma
efectiva integração regional, é fundamental a harmonização
do quadro jurídico/legal dos Estados-Membros e a criação de
mecanismos de modo a que a haja um “comando executório”,
no respeitante às decisões tomadas pelos diversos órgãos da
SADC – Cimeira, Conselho de Ministros e Tribunal.
4. Torna-se vital e urgente a identificação de sectores específicos
da economia nacional explorando a vantagem comparativa,
especializando-se na produção e/ou exportando com
eficiência relativamente maior, privilegiando investimento
em tais domínios. Convém referir que as potencialidades
existentes per si não constituem vantagem comparativa, por
conseguinte, elas devem ser transformadas em vantagem
comparativa.
5. Tendo em vista a operacionalização dos objectivos do
seminário, afigura-se pertinente a definição de uma
metodologia visando o desenvolvimento de um Roteiro/
Matriz de Acção no qual deverão figurar os elementos
seguintes:
67
•
•
•
•
•
Objectivos;
Acções;
Horizonte temporal;
Intervenientes/responsabilidades;
Resultados.
6. O estabelecimento de um Grupo de Trabalho multi-sectorial
e multi-disciplinar para a elaboração de um Programa
de Acção (i.e. incluindo Roteiro/Matriz de Acção) de
Moçambique no âmbito da integração regional na SADC/
África Austral, ofereceria uma boa base para conferir maior
coerência ao exercício da sua formulação e de execução.
7. É, igualmente, importante uma organização institucional que
providencie e assegure os recursos (humanos e financeiros)
necessários para a realização das tarefas (responsabilidades e
funções) decorrentes da implementação da Estratégia pelos
sectores envolvidos no processo de execução.
“[…] Que a experiência de Unidade e coesão vivida no seio dos países
da Linha da Frente pela luta de libertação política dos povos seja também
estendida a todos os países e governos de maioria da África Austral na
luta pela libertação económica. Trata-se agora da luta pela libertação
económica dos nossos países em particular de reduzir a dependência em
relação à África do Sul. Não devemos ter receio em dizer que queremos
reduzir a dependência em relação à África do Sul. No entanto,
clarificamos que não estamos a declarar guerra à África do Sul.
[…] Constatámos que a nossa gente está alienada. Recusamos um
produto só porque traz “Made in Zâmbia” ou Tanzania, mas compramos
o mesmo produto se trouxer a marca “Made in South África”. É nossa
obrigação libertar a mentalidade daqueles que vão executar as nossas
decisões. […] Sem esta libertação de mentalidades, não podemos
avançar. Esta prática consequente vai permitir o alargamento constante
das áreas de cooperação entre os nossos Estados. […]”
- Samora Moisés Machel14
Presidium do Seminário sobre Integração Regional.
“ÁFRICA AUSTRAL: REDUZIR PILHAGEM DAS MATÉRIAS-PRIMAS, REDUZIR A
DEPENDÊNCIA DO IMPERIALISMO”. Discurso proferido pelo Presidente Samora Moisés
Machel por ocasião da Cimeira de Lusaka. Lusaka, 31 de Março de 1980
14
OPORTUNIDADES PARA MOÇAMBIQUE NO
ÂMBITO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL NA SADC/
ÁFRICA AUSTRAL
(Comentário ao texto de Domingos Estevão Fernandes)
Por: Paulo Mateus António Uache
Sua Excelência Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de
Moçambique;
Distintos convidados;
Minhas Senhoras e Meus Senhores;
Permitam-me, em primeiro lugar, agradecer ao Gabinete de Estudos da
Presidência da República pelo convite que me endereçou para fazer o
comentário deste tema. Quero igualmente saudar e parabenizar o Dr.
Domingos Fernandes, pela abordagem sistematizada e clara do tema:
“Oportunidades para Moçambique no Âmbito da Integração Regional
na SADC/África Austral”.
Falar de oportunidades para Moçambique no âmbito da Integração
Regional na SADC torna-se um assunto complexo por duas razões:
(1) a percepção que existe de que a identificação de oportunidades deve
enquadrar-se numa análise que identifique também as forças, as fraquezas
e as ameaças. (2) O facto de pela sua natureza as oportunidades estarem
viradas para o futuro, tornando-se assim, vulneráveis as dinâmicas
políticas, económicas e sociais que ocorrem ao longo do tempo.
Apesar das dificuldades acima apresentadas, o Dr. Domingos identificou
as principais potencialidades económicas de Moçambique, e concluiu que
estas não constituem vantagem comparativa per se, daí que sublinhou
a necessidade de estas serem transformadas em vantagens comparativas.
Diante desta constatação urge questionar; o que é necessário para transformar
as potencialidades/oportunidades em vantagens comparativas?
Dr. Paulo Uache no uso da palavra
Das várias respostas possíveis destaca-se a preponderância dos Recursos
Humanos e da Diplomacia.
Mas porquê Recursos Humanos?
Entendo que os Recursos Humanos estão no centro do desenvolvimento
de qualquer sociedade. E por isso, no âmbito da integração regional,
estes se tornam um elemento fundamental para que as oportunidades
para Moçambique se materializem. Mas os recursos humanos só
desempenharão esta função de forma eficiente se tiverem o conhecimento.
Aqui temos que considerar conhecimento como o acesso a informação e
como acesso a tecnologia.
O conhecimento como acesso a informação é fundamental para que os
cidadãos produzam com certeza de que terão mercado, seja ele doméstico
ou internacional. Mas o problema reside a vários níveis: quem vai
produzir tal informação? E sobretudo como divulgá-la? Parafraseando o
Dr. Domingos diria que o estabelecimento de um grupo de trabalho multisectorial e multi-disciplinar que se encarregasse da recolha, processamento
e divulgação da informação relevante seria uma das saídas. Quanto à
forma de divulgação, o leque de possibilidades vai desde os meios de
comunicação mais tradicionais tais como a rádio, a televisão, os jornais,
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
aos mais recentes como a internet e a telefonia móvel.
Quando falo da telefonia móvel, quero especificamente me referir
aos serviços de SMS. Quer me parecer que o uso destes serviços para
divulgar as informações do mercado doméstico e internacional pode trazer
uma mais-valia para os vários sectores produtivos nacionais. Uma das
provas, de que o uso das SMS pode ser um canal útil para a difusão de
informação relevante, é o facto de as operadoras usarem este sistema para
publicitar os seus produtos. Mas a eficiência desta informação requereria
uma forte parceria público-privada.
O conhecimento como tecnologia é importante para que os produtos do
País tenham a qualidade requerida, tanto para o mercado doméstico como
para o mercado internacional. Aqui, as instituições de ensino técnico
médio, superior e as empresas têm um papel preponderante. Ao mesmo
tempo que o Estado tem a responsabilidade de financiar a investigação
tecnológica, de modo a que os cientistas nacionais transformem o
conhecimento universal em conhecimento local. Essa transição é
fundamental para que a tecnologia utilizada responda às necessidades
concretas de Moçambique.
E porquê Diplomacia?
A preponderância da diplomacia advém do facto de a integração regional
ser eminentemente um campo de Relações Internacionais. E como é
sabido, as Relações Internacionais ocorrem num Sistema Internacional
que é anárquico. Um sistema em que cada Estado procura alcançar o
seu interesse nacional, que consiste em providenciar aos seus cidadãos
a segurança, a prosperidade e a defesa dos valores centrais. Apesar
de se afirmar que a integração baseia-se na cooperação, não significa
necessariamente que os Estados respeitam os interesses colectivos,
muito pelo contrário às vezes perseguem os seus interesses individuais
prejudicando os colectivos. Daí que a diplomacia seja preponderante para
ultrapassarem-se as diferenças. O carácter pacificador da diplomacia se
torna um instrumento fundamental no âmbito da integração regional na
SADC para que a materialização das oportunidades seja possível.
72
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Para além da diplomacia tradicional, em que os actores são apenas os
Estados, é importante também que Moçambique no âmbito da Integração
fortifique a sua Diplomacia pública. Esta é entendida como toda acção
formal ou informal, pública ou privada que os Estados desencadeiam
com vista a influenciar o público de outros Estados. A concessão de bolsas
de estudo aos países da região, por exemplo, pode parecer uma aventura
para um país com parcos recursos como Moçambique. Mas a longo
prazo, o seu resultado pode ser muito positivo porque se hoje a história
de resistência contra o colonialismo une os países da região, com o passar
do tempo este elemento vai se enfraquecendo. As bolsas de estudo podem
ser uma das formas de criar laços duradouros entre os povos dos Estados
da região e dessa forma diminuir prováveis futuros pontos de fricção
entre os Estados membros da SADC. As bolsas de estudo parecem ter a
capacidade de criar uma espécie de dívida moral, e nesse sentido, podem
ser fundamentais na materialização das oportunidades de Moçambique
na região a vários níveis: político, económico e social.
A expansão das empresas nacionais para os países da região ou no
mínimo, a publicitação dos seus produtos de exportação naqueles países
são também uma forma de diplomacia pública. E quer me parecer que
se o produto tem qualidade, não só aumenta a demanda, mas aumenta
também o prestígio do país de origem desse produto. Outras acções
como palestras e seminários com organizações não governamentais,
universidades, confissões religiosas dos países da região podem ser de
grande importância na materialização das oportunidades de Moçambique
no âmbito da integração regional.
Assim, as potencialidades que Moçambique possui nas áreas de agricultura,
pesca, energia, portos, transportes e comunicações, turismo e indústria
podem materializar-se de forma benéfica para Moçambique se o povo tiver
conhecimento e a projecção da imagem positiva do país continuar a ser
uma preocupação constante da nossa diplomacia. Reconheço que os meios
que apresento como aqueles que melhor transformariam as oportunidades
em vantagens comparativas são de longo prazo, porque entendo que a
curto prazo os ganhos económicos serão mínimos, sendo nesta primeira
fase a estabilidade política da Região o ganho mais visível.
Obrigado.
73
COMO USAR A ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE
TERRAS PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
1. Notas Introdutórias
Por: Sérgio Baleira
O presente documento aborda a problemática da Administração
e Gestão da Terra para o Desenvolvimento Sustentável em
Moçambique. O documento é produzido no contexto da
realização do debate sobre o assunto organizado pela Sociedade
Civil interveniente na área da gestão da terra e dos recursos
naturais em Moçambique, através do Centro Terra Viva (CTV),
a convite do Gabinete de Estudos da Presidência da República
e para o qual o Centro de Formação Jurídica e Judiciária foi
convidado a partilhar a sua experiência.
“[…] Se a terra ainda não está libertada significa que continuaremos
vigorosamente o nosso combate até libertarmos a terra, cercaremos o
punhado de gente que se põe a controlar a nossa terra. Não faz sentido a
nossa Independência enquanto a terra continuar nas mãos de um punhado
de gente. Significa que ainda não somos independentes. Moçambique
ainda não está livre, o Povo ainda não está libertado. […] A terra
pertence ao Povo, a terra é controlada pelo Estado. A terra foi libertada
pelo Povo, só o Povo é que pode controlar a nossa terra. […] É o Povo
que trabalha a terra, portanto a terra pertence ao Povo. […] E, isso veio
na Constituição de Moçambique. Ouviram? […]”
– Samora Moisés Machel15
“REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE: A PRIMEIRA OFENSIVA DO GOVERNO”.
Discurso do Presidente Samora Moisés Machel proferido no comício do Estádio da Machava para
o anúncio das primeiras medidas importantes adoptadas após a Primeira Sessão do Conselho de
Ministros da República Popular de Moçambique, e que durou dezasseis dias. Maputo, Julho de 1975
15
O documento está dividido em três principais momentos. No
primeiro momento realiza-se a contextualização de todo o
trabalho, através da apresentação de uma breve introdução, dos
objectivos e da metodologia usada. No segundo momento é feito o
enquadramento teórico e conceitual da administração e gestão de
terras, bem como a caracterização do sistema de administração e
gestão de terras em Moçambique e o levantamento dos principais
problemas que este enfrenta. No terceiro e último momento
são apresentadas algumas propostas de solução ou melhoria do
sistema nacional de administração e gestão de terras.
2. Objectivos
O principal objectivo desta comunicação é discutir os aspectos
críticos da administração e gestão de terras para a promoção do
desenvolvimento sustentável em Moçambique tanto do ponto
de vista sistémico – análise institucional –, quanto do ponto
de vista prático – a actuação dos actores na implementação das
directrizes estabelecidas.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
estabilidade social, de modo a permitir a maior participatividade
possível no debate.
Levando em consideração os Termos de Referência definidos
para a elaboração da presente comunicação e para o debate e as
principais partes nele representadas – Sector Público e Sociedade
Civil –, a presente comunicação tende a orientar-se para a
análise das questões sociais da administração e gestão de terras
em Moçambique, com especial enfoque ainda para a questão do
papel das comunidades locais no processo de desenvolvimento
sustentável.
Dr. Sérgio Baleira durante a sua alocução
3. Metodologia
O trabalho foi desenvolvido com base em duas principais
orientações metodológicas. A primeira consistiu na compilação
e análise da legislação e da informação já produzida sobre a
questão da administração e gestão de terras em Moçambique,
sobretudo relatórios de estudos e pesquisas de campo. A segunda
orientação consistiu num levantamento rápido de informação
junto dos sectores intervenientes no processo de administração
e gestão de terras em Moçambique, da Sociedade Civil e de
especialistas na matéria.
O acervo de informação da investigação e das actividades de
formação do pessoal do Sistema Judiciário, do Sector Público em
geral, da Sociedade Civil e das Comunidades Locais no domínio
do “Direito dos Recursos Naturais e Desenvolvimento”,
produzido pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária,
constituiu igualmente uma importante referência para a
produção da presente comunicação.
4. O que é um Sistema de Administração e Gestão de Terras
4.1 Conceito de Administração e Gestão de Terras
Como ocorre em qualquer área de conhecimento, os objectos
de estudo podem ser resgatados a partir de diferentes
perspectivas, resultando em conceituações mais ou menos
genéricas e mais ou menos consensuais.
Na área da administração da terra referências conceptuais
importantes são dadas pela Organização das Nações
Unidas. Uma por parte da Organização para a Alimentação
e Agricultura (FAO), que define a administração de terras
como sendo “a forma através da qual as normas do Direito da
Terra são aplicadas e operacionalizadas”. Outra é do Conselho
Económico para a Europa (UN-ECE) que considera que a
administração de terras consiste no processo de “definição,
registo e disseminação da informação sobre propriedade, valor
e uso da terra para a implementação das políticas de gestão da
terra”.
Procurou-se abordar a questão da forma mais clara e objectiva
possível, sobretudo no que diz respeito a importância e aos
problemas que a questão da terra em Moçambique levanta para o
desenvolvimento sustentável, para o combate a pobreza e para a
De certa forma, os conceitos compreendem vários subsistemas
e processos para se administrar a atribuição dos direitos a terra
(alocação, transacções/transferências, gestão de conflitos),
76
77
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
controlo/monitorização do uso da terra (normas, planos de uso,
conflitos) e os aspectos económicos (rendimentos, valoração).
Uma forma talvez mais prática de conceituação e a que se
nos apresenta mais adequada para os objectivos da presente
comunicação consiste na separação das noções mais estritas de
Administração e de Gestão. Nesse sentido, pode-se considerar
que a gestão de terras, por sua vez, diz respeito às actividades
que são realizadas numa perspectiva económica e ambiental,
orientadas para o desenvolvimento sustentável.
Desenvolvimento sustentável é aqui considerado como sendo
o “desenvolvimento baseado numa gestão ambiental que
satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer
o equilíbrio do ambiente e a possibilidade das gerações futuras
satisfazerem também as suas necessidades”15 .
4.2 Os Pilares de um Sistema de Administração e Gestão de
Terras
A definição dos elementos constitutivos de um sistema
de administração e gestão de terras é normalmente menos
consensual que o próprio conceito de administração e gestão
de terras. No entanto, as noções acima apresentadas sugerem
que um sistema ideal de administração e gestão de terras deve
ser sustentado por 4 (quatro) pilares, designadamente, a) Uma
Política e um Quadro Legal, que regule todos os actos nele
implicados; b) Um Quadro Institucional e uma Estrutura
Organizacional, conjunto de instituições / entidades que
participam do processo de administração e gestão de terras; c) um
Plano Geral de Uso da Terra (ou Ordenamento do Território)
e seu Sistema de Monitorização; e, d) Um Sistema de Gestão
de Informação sobre Terras (Land Information Management
System – LIMS).
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
5. Administração de Terras e Desenvolvimento Sustentável
A administração e gestão de terras é uma actividade que se
pressupõe, uma vez realizada correctamente, resultar no
desenvolvimento sustentável. Do ponto de vista técnico, ela
restringe-se a “definição, registo e disseminação da informação
sobre propriedade, valor e uso da terra” que, por sua vez, são
usadas para a implementação das políticas de gestão da terra.
Ou seja, a administração e gestão de terras é simplesmente parte
de um conjunto de actividades importantes ou indispensáveis
para a promoção do desenvolvimento sustentável, incluindose aí, questões mais concretas como o combate a pobreza e a
promoção do bem estar em ambiente de estabilidade social.
O quadro abaixo procura representar através de um diagrama
a dinâmica do funcionamento ideal de um sistema de
administração e gestão de terras tendo em vista a promoção do
desenvolvimento sustentável.
Política e
Quadro Legal
(orientados para
equidade social)
Plano Geral de Uso da
Terra / Ordenamento
Territorial
Quadro Institucional e
Estrutura
Organizacional
Desenvolvimento Sustentável
(combate a pobreza e estabilidade social)
Lei n° 19/2007, de 18 de Julho – Lei do Ordenamento do Território.
15
78
Sistema de Gestão
de Informação
sobre Terras
79
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
6. A Resposta Nacional aos Problemas da Administração e
Gestão de Terras
6.1 O Modelo Geral de Resposta Nacional
Sempre existiu a nível das autoridades moçambicanas uma
evidente preocupação relativamente à problemática da
administração e gestão de terras para a qual se tem desenvolvido
uma resposta nacional. Como ocorreria em qualquer sistema de
administração e gestão de terras, a resposta nacional estruturase em dois principais eixos:
a) A definição dos instrumentos de administração e gestão,
designadamente a Política de Terras, o quadro legal
propriamente dito, o programa de governo e outros
documentos normativos e orientadores; e,
b) A implementação dos instrumentos de administração e
gestão de terras por parte das entidades competentes.
Constata-se a existência de uma grande desfasagem entre os
dois eixos da resposta nacional. A desfasagem caracteriza-se
essencialmente por a nível do eixo da definição dos instrumentos
haver um maior sentido de Estado na administração e gestão de
terras, enquanto a nível do eixo da implementação observa-se
um maior sentido de Governo.
O sentido de Estado consiste na definição de um quadro legal de
equidade e justiça social, a preocupação de se manter o Estado
como o guardião de todos os Direitos de Uso e Aproveitamento
da Terra através do regime de propriedade exclusiva da terra
pelo Estado; o reconhecimento jurídico dos direitos “originais”
das Comunidades Locais e o direito dos cidadãos particulares
de requerer terra para fins legítimos; a redistribuição da riqueza,
incluindo a proveniente da terra, através dos programas e planos
do governo, etc..
80
Ou seja, considera-se que a República de Moçambique possui
uma Lei de Terras “muito boa”. A legislação nacional de um
modo geral, e legislação sobre terras em particular, e os programas
do governo e outros instrumentos normativos e orientadores
constituem evidências dessa constatação.
Dois pilares do Sistema de Administração e Gestão de Terras
podem ser considerados criticamente fracos. Um é o pilar
referente a um Plano Geral de Uso da Terra e seu Sistema de
Monitorização e Avaliação. Outro é o pilar do Sistema de Gestão
de Informação sobre Terras (LIMS).
Quanto ao plano geral de uso da terra e/ou ordenamento
territorial, pode se dizer que até hoje, o instrumento de referência
de que o Estado beneficia é o Zoneamento Agro-Ecológico
realizado em 2008 pelo Instituto de Investigação Agrária (IIAM)
e Direcção Nacional de Terras e Florestas (DNTF), através do
qual foram identificados cerca de 6.996.030 hectares disponíveis
para o desenvolvimento de actividades agrícolas. Tecnicamente
considera-se que o processo oferece grandes margens de erro
devido a aplicação da escala de 1:1.000.00016 . Quanto aos
LIMS, o sistema nacional de administração e gestão de terras
não possui hoje um instrumento considerado operacional, ou
que cumpre as exigências do momento. Este encontra-se neste
momento em construção por parte da DRTF com apoio técnico
do Programa Millennium Challenge Account – componente de
Acesso Seguro a Terra.
Já a nível do eixo da implementação, considera-se que o sentido
de Governo presente na administração e gestão de terras,
consiste na inexistência de uma abordagem que de facto realize
o que foi definido pelo Estado relativamente a este recurso base
do desenvolvimento económico do país e de combate a pobreza,
seja na perspectiva colectivista, seja em termos individuais dos
Schut Marc. et al,2010. Working Towards Sustainability: Learning experiences for Sustainable
Biofuel Strategies in Mozambique. Wageningen University, 17’.
16
81
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
cidadãos. Observa-se na prática a inexistência de um mecanismo
eficaz de controlo de conflitos de interesses, questão fundamental
para o combate contra a corrupção e promoção da transparência
dos actos públicos e Regista-se ainda uma grande escassez de
recursos materiais e de recursos humanos devidamente capacitados
para o efeito esta situação fragiliza acentuadamente a correcta
implementação dos quadros legal, normativo e orientadores do
próprio Estado na administração e gestão de terras.
Estudos realizados sobre o sector público nacional, e em
particular a nível da área da administração e gestão de terras
revelam a existência de um índice expressivo de práticas ligadas
a conflitos de interesse, em estreita relação com os factores
“Limitação Técnica” dos funcionários, “Corrupção” e “Má
Governação”. No que respeita ao factor “limitação técnica”, por
exemplo, amostras dos quadros de pessoal da área de cadastro e
agrimensura aos níveis central (DNTF) e provincial (Serviços
Provinciais de Geografia e Cadastro - SPGC) observa-se
uma grande escassez de técnicos superiores, havendo mesmo
províncias sem técnicos superiores nessa área. A nível da DNTF,
por exemplo, existe apenas 1 técnico superior especialista na
matéria. A nível dos distritos as limitações técnicas são um
grande constrangimento e está quase totalmente dependente
dos também escassos quadros dos SPGC. Essa situação não
facilita a resposta às necessidades de serviço e ao aprimoramento
progressivo das metodologias de trabalho, tornando fraco o
sistema de administração e gestão de terras.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
as orientações governativas estejam sempre de acordo com os
instrumentos legais, normativos e orientadores que representam
o Estado, sendo desejável que, do ponto de vista de metodologia
de trabalho e das boas práticas, a autoridade técnica reequacione
os interesses de forma equilibrada e transparente.
As limitações técnicas das instituições, sobretudo em matéria de
recursos humanos qualificados, a corrupção e a Má Governação,
aliadas ao modelo de estrutura organizacional do sector,
constituem a razão de base de prevalência dessa situação que
consubstancia uma espécie de supremacia governativa sobre os
interesses do Estado. Um problema simplesmente estrutural e
não necessariamente político.
Um exemplo paradigmático concreto dessa situação é o
processo de resolução de conflitos no acesso e uso da terra
e dos recursos naturais entre os Investidores Privados (e o
Estado) e as Comunidades Locais. Os gráficos abaixo sugerem
a existência de um grande nível de conflitualidade deste tipo a
nível nacional, representando cerca de 71 %:
6.2 Consequências Lógicas do Modelo Geral de Resposta
Nacional
A avaliação dos resultados práticos do sistema nacional de
administração e gestão de terras apontam de forma clara para
uma situação em que as autoridades competentes se sentem na
obrigação de gerir o recurso terra, tendo como base as orientações
governativas em detrimento das orientações do Estado. De
facto, pela simples condição humana, não se pode garantir que
82
Este tipo de exemplos pode ser considerado
cabalmente ilustrativo por constituir o corolário
de situação que efectivamente tendem a reflectir
um processo juridicamente contraditório de
83
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
administração e gestão de terras e outros recursos naturais.
O acompanhamento sistemático dos processos de resolução
de conflitos entre comunidades locais e investidores privados
nos últimos 7 anos revela que por um lado grande parte da
conflitualidade nesta área é dirimida pelas autoridades políticoadministrativas e resultam quase sempre na perda do DUAT
das comunidades locais, apesar dos reconhecidos direitos
adquiridos destas sobre os recursos em causa.
Um outro facto exemplar ilustrativo da fraca observância da
legislação e nas orientações normativas por parte das entidades
competentes na administração e gestão de terras, são as já
clássicas solicitações por parte dos diferentes grupos-alvo das
formações e capacitações no domínio do Direito dos Recursos
Naturais e Desenvolvimento: “Nós já sabemos de tudo isso.
Vocês deveriam, é capacitar os nossos dirigentes”17.
O acompanhamento sistemático da situação revela ainda que
como resultado do modelo de estrutura organizacional da
administração e gestão de terras actualmente existente, que
caracterizado pela prevalência do sentido de Governo sobre
o sentido de Estado, os técnicos das autoridades competentes
trabalham em situação constante de alta pressão e tensão, o
sistema judiciário sente sua independência condicionada,
o investidor privado sente-se inseguro, as comunidades
locais consideram-se injustiçadas e a Sociedade Civil vê-se
marginalizada.
7. Os Principais Problemas da Administração e Gestão de
Terras em Moçambique
Por outro lado, embora em número bastante reduzido, o mesmo
tipo de disputas, desta feira resolvidas em sede das autoridades
judiciárias resultam quase exclusivamente no reconhecimento
dos direitos das comunidades locais e na manutenção do seu
DUAT.
Ou seja, do ponto de vista técnico, a postura da administração e
gestão de terras tem resultado na transformação das imprecisões,
falta de transparência e inconsistências técnicas em disputas
“políticas” concretas onde os desfechos são determinados pelo
poder e não pela razão. A situação é bem representada pelas
inúmeras autorizações de pedidos de DUAT para áreas sobre as
quais recaem os direitos das comunidades locais.
84
Este modelo de administração e gestão de terras parece constituir
um ambiente propenso para o surgimento dos problemas mais
concretos que actualmente se vivem nesta área de actividades
em Moçambique.
Expomos a seguir os problemas que se nos apresentam mais
representativos das grandes preocupações que actualmente se
vivem em Moçambique no campo da administração e gestão
de terras.
7.1 Necessidade de Reestruturação Orgânica da Entidade
Responsável pela Administração e Gestão de Terras
Veja Relatórios dos Cursos de Capacitação em Direito dos Recursos Naturais e Desenvolvimento, do
Centro de Formação Jurídica e Judiciária.
17
85
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Como inicialmente se sugeriu, as funções da administração e
gestão de terras são consideradas subsidiárias, e não integrantes,
das funções de planeamento para o desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, o sistema de administração e gestão de terras devem
funcionar discretamente, ou seja, separadamente de qualquer
função de planificação e desenvolvimento propriamente dita18.
A entidade central responsável pela administração e gestão de terras
em Moçambique é a DNTF, que por um lado acumula funções
que transcendem a problemática própria da administração e
gestão de terras, como por exemplo a gestão das florestas e da fauna
bravia, e por outro lado, apesar de superintender o sector a escala
nacional, em termos práticos, a integração do sistema é limitada
pela autonomia e independências os serviços municipais.
A nível interno do sistema, considera-se ainda que há necessidade
de reorganização/reestruturação dos diferentes serviços através
dos quais se deve realizar a administração e gestão de terras, tais
como os serviços de cartografia e os serviços de cadastro19.
Externamente, observa-se a necessidade de clarificação e
reajustamento de serviços tais como o cadastro de terras, o
registo predial, o ordenamento territorial, etc., que implicam
relações interinstitucionais, entre vários ministérios,
designadamente o Ministério da Agricultura, o Ministério da
Justiça, o Ministério da Administração Estatal, o Ministério do
Plano e Desenvolvimento, o Ministério da Coordenação da
Acção Ambiental e o Ministério do Turismo20.
Isso significa, em grande medida, que a administração e gestão
de terras é essencialmente uma função de carácter técnico
Land Equity International Pty Ltd. (2006) “Indicators of Sucess, Future Challenges”. Wollongong,
Australia, Outubro de 2006.
18
HTSPE Lda. 2010 (Coord.). “Institutional Review and Design and Work Plans For Capacity
Building”. DNTF/MCA-Moçambique. Maputo, Novembro de 2010.
19
20
Idem.
86
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
científico, devendo, a prior e idealmente, funcionar à parte das
funções governativas, apoiando-as tecnicamente em informação
para a correcta tomada de decisões.
A nível local, apesar do reconhecimento legal dos sistemas
costumeiros de administração e gestão de terras considera-se
que a inexistência de estruturas formais representativas das
comunidades para estes efeitos torna frágil o sistema. Apesar do
esforço legislativo desencadeado para melhorar a representação
das comunidades nos processos de consulta comunitária,
através da harmonização das leis de Terras e dos Órgãos Locais
do Estado será de extrema importância acautelar-se a não
corrosão dos direitos privados, estabelecidos por lei, de uso e a
aproveitamento de terra das comunidades locais.
Ou seja, o Sistema de Administração e gestão de terras em
Moçambique apresenta deficiências relativas a estrutura
organizacional (interna e externa), competências institucionais,
relações interinstitucionais, e de descentralização ao nível
comunitário.
7.2 Necessidade de Desenvolvimento de um Plano Geral de Uso
da Terra / Ordenamento do Território
A administração e gestão de terras não pode ser correctamente
realizada se não tiver como base de orientação um Plano Geral de
Uso da Terra ou, se quisermos, um Ordenamento do Território
que inclua o nível de planificação de uso deste.
É o “conjunto de princípios, directrizes e regras que visam
garantir a organização do espaço nacional, através de um
processo dinâmico, contínuo, flexível e participativo na busca
do equilíbrio entre o homem, o meio físico e os recursos
naturais” e o desenho de “planos que definem as formas
espaciais da relação das pessoas com o seu meio físico e
biológico, regulamentando os seus direitos e as formas de uso
87
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
e ocupação do espaço físico” que garantirá correcta e eficaz
administração e gestão de terras, assim como a promoção de
um desenvolvimento sustentável21 .
Esses instrumentos assegurariam em termos práticos a facilidade
e segurança das autoridades competentes na alocação de terras
para os diferentes fins, atraindo e tornando os investimentos
mais seguros, viáveis e propriamente sustentáveis, tanto em
termos puramente económicos, quanto em termos ambientais.
7.3 Necessidade de Introdução de um Sistema de Informação e
Gestão de Terras (LIMS)
O Sistema de Informação e Gestão de Terras (LIMS)
actual da DNTF encontra-se com limitações técnicas de
operacionalização, tendo-se decidido a sua substituição. Na
realidade, o LIMS constitui o núcleo técnico científico de todo e
qualquer sistema de administração e gestão de terras, garantindo
em grande medida a qualidade dos serviços prestados pelas
entidades competentes.
Levando em consideração o desenvolvimento progressivo
do fenómeno de urbanização, tendências a nível mundial, e
a identidade técnica comum “dos sistemas de administração
e gestão de terras urbanas e rurais – que na realidade deve
exactamente o mesmo - o sistema poderá ser usado de forma
universal, constituindo a base do processo de integração dos
diferentes, e por vezes contraditórios, sistemas existentes a nível
da DNTF e das autoridades municipais.
7.4 Inconsistências na Interpretação de Alguns Aspectos do
Quadro Legal
Regista-se aos diferentes níveis da sociedade moçambicana,
nas esferas pública, privada e da sociedade civil, entendimentos
diferenciados sobre alguns dos aspectos, por vezes centrais, do
quadro legal da administração e gestão de terras, seja no domínio
da Constituição da República – princípios constitucionais e
direitos fundamentais dos cidadãos, seja no domínio da legislação
específica de terras e recursos naturais. A experiência do CFJJ
de formação de actores dos vários quadrantes da sociedade
facultou evidências inequívocas sobre isso, levando a inclusão
da problemática do conceito de Estado de Direito Democrático
como nuclear das formações, capacitações seminários em
matéria do Direito dos Recursos Naturais e Desenvolvimento.
7.4.1 Princípios Constitucionais Fundamentais
Soberania e Legalidade, Estado de Direito Democrático
e Pluralismo Jurídico. O Estado Moçambicano instituiu
constitucionalmente, como princípio fundamental, o
pluralismo jurídico através do qual se “reconhece os vários
sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem
na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem
os valores e os princípios fundamentais da constituição”22 .
O princípio do Pluralismo Jurídico é construído em harmonia
com os princípios da Soberania e Legalidade e Estado de Direito
Democrático (e outros), através dos quais o Estado Moçambicano
pretende alcançar os seus objectivos fundamentais.
Este princípio introduz o critério chave de valoração jurídica
das diferentes normas costumeiras existentes na sociedade
I Lei n.° 19/2007, de 18 de Julho – Lei do Ordenamento do Território.
21
88
22
Constituição da República de Moçambique. Plural Editores. Maputo, Novembro de 2006.
89
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
moçambicana já consideradas à luz da Lei de Terras (1997)
como válidas para a administração e gestão de terras, sobretudo
a nível das comunidades locais.
No entanto, o domínio do direito estatutário sobre o imaginário
social dos agentes das entidades estatais competentes na
administração e gestão de terras, a cultura jurídica formal dos
investidores privados e seus advogados, tem constituído um
factor de secundarização e inobservância do direito costumeiro,
sobretudo nas disputas pela terra e outros recursos naturais.
Nesse sentido, os objectivos fundamentais do Estado
Moçambicano orientados directamente aos seus cidadãos,
designadamente, a) a edificação de uma sociedade de justiça
social e criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade
de vida dos cidadãos; b) a promoção do desenvolvimento
equilibrado, económico, social e regional do país; c) a defesa
e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos
perante a Lei; d) o reforço da democracia, da liberdade, da
estabilidade social e da harmonia social e individual; e) a
promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura
de paz; e, f) a afirmação da identidade moçambicana, das suas
tradições e dos seus valores culturais, dificilmente poderão ser
alcançados.
Sem o alcance destes objectivos fundamentais seria igualmente
remoto, no presente estágio de desenvolvimento da sociedade
moçambicana, pensar-se na promoção do desenvolvimento
sustentável, do combate a pobreza, e da estabilidade social em
qualquer das áreas de actividade económica, política, social
e cultural, e muito menos ainda, na área da administração e
gestão de terras.
O alcance destes objectivos está directamente dependente
do correcto entendimento por parte de cada um dos agentes
decisores do Estado destes princípios constitucionais
fundamentais, incluindo os mecanismos de seu processamento,
90
tais como o princípio de separação e interdependência dos
órgãos de soberania (poderes), designadamente o Presidente
da República, a Assembleia da República, os Tribunais e o
Conselho Constitucional, devendo obediência à Constituição
e às leis.
A realidade vivida na área da administração e gestão de terras
em Moçambique – mas também em outras áreas de actividade
– revelam com clareza a existência de um grande défice de
operacionalização dos princípios constitucionais e das leis,
resultando na fraca observância dos direitos legalmente
consagrados dos cidadão e, com isso, na fraca promoção da
justiça social.
7.4.2 Lei de Terras
Entrando mais concretamente para a implementação da Lei de
Terras, é possível identificar com precisão alguns aspectos que
persistem complexos, levando a entendimentos diferenciados
entre os vários actores. Enumeramos abaixo os que nos parecem
ser mais importantes para o presente contexto.
O Conceito de Comunidades Locais. A Lei de Terras
define comunidades locais como sendo “agrupamento de
famílias e indivíduos, vivendo numa circunscrição territorial
de nível de localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de
interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais,
áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios
de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de
expansão”23 .
O conceito sugere que grandes áreas territoriais do Estado
Moçambicano encontram-se sob a jurisdição das comunidades
locais, o que, de princípio, tornaria extremamente escasso o
recurso terra.
23
Lei n° 19/97 de 1 de Outubro. Lei de Terras.
91
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Interpretações mais radicais deste conceito de comunidade local,
construídos sob uma perspectiva antropológica de ocupação
territorial por parte dos vários grupos populacionais, permite
mesmo considerar, pelo menos teoricamente, que não existe
“terra livre e sem ocupantes” em Moçambique.
Este entendimento do conceito pode contrastar com os
objectivos do Estado, expressos tanto na Constituição da
República, quanto na Política Nacional de Terras e na própria
Lei de Terras, que prevêem equidade e justiça social no acesso
aos bens e recursos económicos24, instalando dúvidas sobre
como interpretar correctamente o conceito.
O Conceito de Ocupação. Uma das saídas para a questão
da escassez do recurso terra, na perspectiva do conceito de
comunidade local, pode ser encontrada com base na análise da
ocupação da terra pelas comunidades locais.
A Lei de Terras não define o conceito de ocupação de forma
substantiva, referindo-se a ele apenas no sentido subsidiário de
meio através do qual pessoas singulares nacionais e comunidades
locais podem adquirir o DUAT. Conjugado com a definição
de delimitação do Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de
Terras, pode-se considerar que existe uma certa tendência,
embora não clara, de o conceito – ou se quisermos, a ideia – de
ocupação referir-se as áreas que de forma efectiva ou imediata
são usadas pelas comunidades locais para o desenvolvimento
das suas necessidades económicas, sociais e espirituais, mesmo
no sentido ecológico do termo.
Mesmo ponderando a noção de ocupação com base nos elementos
apresentados no conceito de comunidade local, designadamente,
“áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios
de importância cultural, pastagens, fontes de água e áreas de
24
expansão”, para que esta granjeie algum mérito jurídico-legal,
pode-se considerar que muitas comunidades locais têm sob sua
jurisdição áreas territoriais ainda muito maiores do que a porção
que ocupam de forma efectiva ou imediata.
O quadro abaixo dá uma ideia da média das áreas das comunidades
locais que têm sido delimitadas em Moçambique.
Tabela nº 1. Terras Comunitárias Delimitadas em Moçambique (1997 – 2008)
Província
Nampula
Maputo
Gaza
Inhambane
C. Delgado
Sofala
Manica
Tete
Zambézia
Niassa
TOTAL
Nº de Comunidades
Delimitadas
Em Processo
Área Total da
Província
%
Total
93
11
17
8
0
11
7
0
73
9
2
11
3
3
0
3
7
27
18
0
747.936
154.123
472.484
586.008
0
1.426.987
780.030
3.928.912
4.205.012
357.231
8.160.600
2.605.800
7.570.600
6.861.500
8.262.500
6.801.800
6.166.100
10.072.400
10.500.800
12.905.600
9.16
5.91
6.24
8.54
0.00
20.97
12.65
39.00
40.04
2.76
229
74
12.658.723
79.938000
15.83
Fonte: Adaptado de: Calengo E. I., André. Relatório do Estudo sobre Processo das Delimitações
de Terras Comunitárias em Cabo Delgado, Manica e Gaza. ITC-DFID. Maputo, Fevereiro 2009.
Produzido com base nos dados da DNTF.
Nesse sentido, alguns profissionais consideram que a delimitação
deve-se circunscrever a área acima definida, ponderada com base
no conceito legal de comunidade local, enquanto esta mantém
o direito de ser consultada sobre a área remanescente, ainda sob
sua jurisdição.
Outra saída para o aparente espectro de escassez do recurso terra
seria a de considerar de forma efectiva que a construção jurídica da
Lei de Terras, respeitando a Constituição da República e a Política
Nacional de Terras, visa garantir que as comunidades locais
participem como actores chave do processo de desenvolvimento
económico do país dando-se-lhes a oportunidade real e efectiva
de decidir, nos limites da Lei, sobre os recursos que estejam
sob sua jurisdição. Nesse sentido, a lei salvaguarda o direito de
estabelecimento de parcerias económicas entre as comunidades
Resolução n° 10/95, de 17 de Outubro. Política Nacional de Terras.
92
Área (Ha)
Total
93
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
locais e o requerente (investidor privado), essencialmente
através do processo relativo a cessão de exploração25.
Observa-se também que o baixo índice de ocupação efectiva das
terras por parte das comunidades locais também se deve a dois
factores principais: a) a falta de conhecimentos sobre técnicas de
agricultura intensiva ou industrial; e, b) falta de financiamento
para o desenvolvimento das actividades agrícolas. Essa situação
coloca, de per si, o desafio de implementação dos dispositivos
legais e normativos e orientadores como parte importante da
administração e gestão de terras. Ou seja, a participação efectiva
das comunidades locais só poderá ocorrer caso haja acesso aos
recursos materiais/financeiros e conhecimento para capacitálas a explorar melhor a terra e a estabelecer parcerias com os
investidores privados, onde elas possam jogar um papel activo
no processo de produção.
O Conceito de Delimitação. O Anexo Técnico ao
Regulamento da Lei de Terras define delimitação como sendo a
“identificação dos limites das áreas ocupadas pelas comunidades
locais ou pelas pessoas singulares nacionais, que de boa fé,
estejam a utilizar a terra há pelo menos 10 anos, incluindo o
lançamento da informação no Cadastro Nacional de Terras”26.
Tem sido consenso por parte de várias correntes de analistas e de
Organizações da Sociedade Civil, que a delimitação das terras das
comunidades locais e a emissão da respectiva certidão melhora a
protecção jurídica dos seus direitos. Um estudo complementar
a esta matéria revela ainda que, mesmo delimitadas, várias
comunidades já viram os seus direitos denegados e as suas terras
usurpadas. Assim, o estudo identificou casos de comunidades
que, mesmo não delimitadas, mas com contratos de parceria
Lei n.° 19/97 de 1 de Outubro. Lei de Terras, Decreto n.° 66/98, de 8 de Dezembro. Regulamento da
Lei de Terras e Resolução n.° 70/2008, de 30 de Dezembro.
com investidores privados, juridicamente válidos, têm os seus
direitos melhor protegidos ainda. Ou seja, o contrato de parceria
entre Investidores privados e comunidades locais tende a ser
mais eficaz, e igualmente torna as delimitações mais eficazes, na
protecção dos DUATs27.
Isso significa simplesmente que as terras delimitadas das
comunidades locais não devem ser vistas como uma inibição
a atracção do investimento privado, mas sim, no interesse da
protecção dos direitos adquiridos destas, como um atractivo
que deverá encontrar justamente nas sessões de consulta
comunitária a base contratual e jurídica sobre a qual se deve
assegurar os direitos e obrigações das partes, construindo-se
assim, o processo de desenvolvimento económico, participativo,
justo e sustentável.
A principal base da sustentabilidade aqui referida reside na
consequência lógica da promoção de parcerias entre comunidades
locais e investidores privados, em detrimento de processos
contínuos de simples consultas comunitárias que culminam
na desanexação de partes consideráveis das terras comunitárias:
a manutenção do DUAT das comunidades locais, sobre áreas
bem avaliadas como indispensáveis para a sua sobrevivência e
desenvolvimento.
A Consulta às Comunidades Locais. As consultas às
comunidades locais são referenciadas na legislação de terras
como procedimento administrativo obrigatório no processo de
pedido de DUAT, e tem como objectivo a “confirmação de que
a área está livre e não tem ocupantes”.
A legislação de terras apresenta de forma breve e superficial os
25
Diploma Ministerial n.° 29-A/2000, de 17 de Março. Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de
Terras.
26
94
Baleira, Sérgio & Samo, Saturnino 2010. (Coords.). Protecção Jurídica dos Direitos de Uso e
Aproveitamento da Terras das Comunidades Locais. Centro de Formação Jurídica e Judiciária,
Maputo, 2010.
27
95
procedimentos da consulta comunitária e não define o número
mínimo de encontros que devem ser realizados por cada consulta.
Na realidade, várias pesquisas revelaram que as consultas têm sido
feitas num só dia e durante apenas duas horas ou pouco mais ou
menos. Isso tem resultado num elevado índice de imprecisões
da informação inscrita na acta da consulta, sobretudo na secção
reservada as declarações das partes, onde geralmente constam
promessas dos requerentes sobre benefícios do investimento
para as comunidades locais e na falta de entendimento claro
sobre o projecto e área requerida.
O quadro a seguir apresenta os 10 principais tipos e formas de
declarações que constam nas actas de consulta comunitária,
levantadas através de uma amostra aleatória.
Quadro nº 3. Frequência de aspectos que constam das declarações, entendimentos ou acordos
estabelecidos nas Actas das Consultas Comunitárias
Nº
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
Aspectos Mencionados
Emprego para mão-de-obra local
Nada se declara
Boas relações com a comunidade
Construção de infra-estruturas sociais (escolas, etc.)
Pagamento de compensação a comunidade
Venda de produtos a comunidade
Oferta de bens diversos a comunidade
Oferta de bens alimentícios a comunidade
Assistência veterinária (para o gado da comunidade)
Acesso a transporte para a comunidade
Frequência
139
115
84
41
33
22
15
9
6
5
Esta situação faz das consultas comunitárias a principal fonte de
conflitos de acesso e uso da terra e dos recursos naturais entre
as comunidades locais e os investidores privados, conflitos esses
não podem socorrer-se das actas de consulta dada a imprecisão
da informação que dela consta e da incerteza sobre valor jurídico
a que se lhe deve atribuir.
O facto tem vindo a suscitar o desencadeamento de novos
movimentos legislativos no sentido de se melhorar os processos
de consulta às comunidades locais, abrigando-se a que sejam
realizadas em pelo menos 2 (dois) encontros formais, para que
as comunidades possam discutir, entender e concertar opiniões
sobre o investimento ou actividade que se pretende realizar .
8. Possíveis Soluções Estruturais para a Administração e
Gestão de terras em Moçambique
A análise aqui desenvolvida procura resumir visões construídas
decorridos cerca de 7 anos de acompanhamento sistemático da
Fonte: Relatórios de Pesquisa sobre “As Consultas Comunitárias Realizadas na Província da Zambézia
– Uma visão do processo, acordos e entendimentos entre comunidades locais e investidores” e “The
Impact of New Legal Rights and Community Consultation on local livelihoods”.
Consultas realizadas de forma sistemática durante 3 anos a
Magistrados Judiciais e do Ministério Público, Administradores
Distritais, Directores dos Serviços Distritais de Actividades
Económicas, Técnicos dos Serviços de Geografia e Cadastro,
Juristas e intelectuais revelaram a existência de uma total falta
de consenso sobre o valor jurídico da Acta de Consulta às
comunidades locais.
Alda Salomão (Centro Terra Viva), Moderadora do Seminário sobre Terras
problemática da administração e gestão de terras em Moçambique.
Em termos gerais, dadas as características sócio-económicas do
país e das suas populações, para que o desenvolvimento com base
no acesso e uso dos recursos naturais possa lograr alcançar alguma
sustentabilidade económica e ambiental, combate a pobreza
e estabilidade social a situação sugere que seria necessário o
desenvolvimento de uma abordagem orientada para a facilitação da
integração efectiva das comunidades locais no sistema produtivo
(pro poor land administration approach). Isso exigira melhorias
nas seguintes áreas:
a. Desenvolvimento / Capacitação Institucional
• Reestruturação do modelo estrutura organizacional
separando a entidade competente da administração e
gestão de terras das funções governativas – criação de um
tipo de agência ou instituto público.
• Melhoria das condições em recursos humanos e meios
materiais.
• Desenvolvimento de um plano geral de uso da terra e/ou
ordenamento territorial.
• Desenvolvimento de um Sistema de Informação e Gestão
de Terras.
• Promoção da participação da Sociedade Civil e valorização
do conhecimento já construído por estes actores em áreas
técnicas específicas (a sociedade civil apenas quer espaço
para contribuir).
b. Protecção Jurídica Efectiva dos Direitos de Uso e
Aproveitamento da Terra Existentes.
• Levar a cabo um processo de reconhecimento formal
(formalização) dos direitos existentes, especialmente das
comunidades locais.
• Melhorar os mecanismos de consulta as comunidades
locais.
• Promover parceiras comunidades locais, Investidores
privados e Estado.
c. Promoção do Uso e Aproveitamento da Terra
• Promoção de processos de formação em legislação e em
agricultura.
• Promoção do financiamento público e privado para o
desenvolvimento da agricultura e outras actividades que
têm como base a terra.
• Monitorização do uso e aproveitamento da terra.
d. Clarificação de Aspectos da Legislação que estão na origem
dos Conflitos de Terra
• Clarificar conceitos tais como comunidade local, ocupação,
etc..
• Fazer do Fórum de Consultas sobre Terras uma plataforma
efectiva para a construção de consensos entre os diferentes
actores intervenientes na administração e gestão de terras.
Arlete Matola, Chefe do Gabinete de Estudos da Presidência
INTERVENÇÃO DA SENHORA RABECA GOMES DA
UNIÃO NACIONAL DE CAMPONESES (UNAC)
(Comentário do texto da Sérgio Baleira)
Senhor Presidente da República,
Excelência,
Senhores Membros do Conselho de Ministros,
Excelências,
Excelentíssimos senhores
Vou fazer um breve comentário sobre a problemática da terra em
representação dos camponeses de todo o país.
“[…] Nas zonas libertadas, ora vejam bem: nós lutávamos para
libertarmos a terra, nós lutávamos para libertar o Povo moçambicano, é ou
não é? […] Parece-nos que não faz sentido que a terra continue nas mãos
de um certo grupo de gente. Aqui em Moçambique não podemos conceber
isso, não podemos conceber isso. Morremos a favor de um punhado de
gente? Todos os camaradas que se sacrificaram, o Povo bombardeado e
queimado pelo Napalm, para depois libertar a terra e a terra continuar
controlada por um punhado de gente aqui no nosso país? Onde está a
liberdade, onde está a libertação da terra? […]”
Quase em todo o país as consultas comunitárias são mal feitas. Não
observam o que está estabelecido na Lei de Terras. A Lei de Terras é boa,
espelha as aspirações dos camponeses, mas ocorrem muitas irregularidades,
entre outros. Os líderes comunitários são aliciados por certos representantes
do Governo ou por investidores a assinarem documentos em representação
das comunidades sem o consentimento destas. Isto leva a muitos conflitos e
à falta de confiança com as lideranças tradicionais.
– Samora Moisés Machel 28
28
“REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE: A PRIMEIRA OFENSIVA DO GOVERNO”.
Discurso do Presidente Samora Moisés Machel proferido no comício do Estádio da Machava para
o anúncio das primeiras medidas importantes adoptadas após a Primeira Sessão do Conselho de
Ministros da República Popular de Moçambique, e que durou dezasseis dias. Maputo, Julho de 1975
Rabeca Gomes, da União Nacional de Camponeses
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Os companheiros de Tete estão preocupados com algumas empresas que
desalojam camponeses das suas terras e suas comunidades para locais
onde não há água, mercado, escolas, hospitais, entre outros benefícios. O
primeiro reassentamento é bem feito (na inauguração), mas os restantes
reassentamentos não são bem feitos porque sabem que não há fiscalização
nem seguimento.
Outras empresas fecham os caminhos de acesso a rios, acesso a pasto
de gado, acesso a lenha, entre outras necessidades. Temos exemplos de
Nampula e em zonas turísticas.
Recebemos com alegria a Iniciativa Um líder, Uma Floresta, mas o
que tem acontecido em Nampula e Niassa é o surgimento de empresas
que plantam pinho e eucalipto nas machambas dos camponeses sem o
consentimento. Em locais onde os camponeses produzem alimentos para
a sobrevivência, plantam-se árvores que contribuem para a desertificação,
secando rios e outras fontes subterrâneas. A expansão de monoculturas
prejudica a biodiversidade.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
A vida nas zonas rurais pode ser melhor, caso haja:
• Políticas para apoiar camponeses na produção;
• Evitar que os camponeses percam terras;
• Haja infra-estruturas rurais, ruas, transporte, pontes, sistemas de
rega, sistemas de captação de águas;
• Sistemas de conservação de produção;
• Crédito adequado para os camponeses;
• Pequenas unidades de processamento de alimentos no campo;
Esses são exemplos de políticas que podem reduzir o impacto dos problemas
provocados pela globalização.
Termino por aqui a minha intervenção. Obrigada.
Outras consultas não sabemos exactamente como são feitas, só que a dado
momento a comunidade faz reivindicação e de repente está a polícia a
disparar e isto dá uma má imagem do país.
O processo de urbanização de municípios elimina machambas de
camponeses. É caso de perguntar se a classe campesina está em vias de
extinção. Devido a soma de muitos problemas de perda de terras, cheias,
secas, falta de chuvas, etc., a juventude abandona o campo para as cidades
e não olha para a actividade campesina com esperança, porque quando
olham para os pais, só vêm pessoas a sofrer sem perspectiva de futuro.
Então, procuram uma vida melhor, mas estando nas cidades a vida fica
cara e acabam decidindo por uma vida pouco agradável.
Não se trata de procurar ou encontrar culpados, mas a partir do estágio
actual encontrar meio-termo para cada conflito para preservar a paz (todos
juntos, Governo e Sociedade Civil) para apagar o que as comunidades
estão dizendo: que o Governo só nos quer na hora da campanha eleitoral
e depois salve-se quem puder.
102
103
INTERVENÇÃO DO PADRE CARLOS SIMÃO
MATSINHE, DA ORAM (ASSOCIAÇÃO RURAL DE
AJUDA MÚTUA)
(Comentário ao texto de Sérgio Baleira)
1. Apresentação da ORAM e Considerações gerais
A ORAM é uma organização de carácter associativo sem fins lucrativos
que congrega camponeses e pessoas comprometidas com a causa
camponesa, cuja razão de ser é a defesa dos direitos e interesses dos
mesmos. A ORAM procura, à luz da sua missão, defender os direitos
e interesses dos camponeses, contribuindo para o desenvolvimento
associativo e comunitário, com vista a assegurar a posse e o uso
sustentável da terra e dos recursos naturais nas comunidades rurais.
“[…] Transformámos profundamente o nosso País. As transformações
que realizámos são já irreversíveis. O nosso Povo não aceitará jamais que
a terra seja dividida entre proprietários, seja apropriada por latifundiários
para explorarem o seu trabalho. A terra recuperada pelo Povo, porque foi
generosamente regada pelo sangue do Povo, destina-se ao seu trabalho
livre, destina-se a produzir a sua própria riqueza. Nacionalizámos
a terra para criar os grandes complexos agrícolas, onde milhares de
moçambicanos trabalham, ganham o seu salário e produzem para
Moçambique. Nacionalizámos a terra para que os camponeses possam
juntar as suas forças nas cooperativas […] Nacionalizámos a terra para
plantar cajueiros, para produzir algodão, para termos açúcar e milho,
fruta e amendoim, roupa e pão. Nacionalizámos a terra para que fossem
nossos o carvão, o ferro e todas as riquezas que os nossos braços arrancam
da terra, os rios que dominamos para irrigar os nossos campos […]”
Samora Moisés Machel 29
“O NOSSO ENTUSIASMO RESIDE NA CERTEZA DO FUTURO”. Discurso proferido pelo
Presidente Samora Moisés Machel por ocasião do 5º Aniversário da Independência Nacional.
Maputo, 25 de Junho de 1980.
29
Importa referir que este debate nasce da necessidade de maior diálogo
entre o Governo e a Sociedade Civil como fruto das convulsões sociais.
No âmbito destas manifestações, o Presidente da República aceitou
receber a sociedade civil onde, dentre outras preocupações, a Terra em
Moçambique despertou maior atenção entre os presentes. No entanto,
ficou provado que a forma como este recurso é usado não é sustentável e
não contribui para o desenvolvimento sustentável. Foi nesse espírito que
a Sociedade Civil, propôs este tema como forma de encontrar soluções
de como melhorar a gestão da terra para criar a riqueza e promover o
desenvolvimento sustentável.
De uma forma geral, o documento apresentado, aborda as principais
questões que se levantam, nos tempos presentes, sobre a administração
e gestão de terras em Moçambique. Contudo, do nosso ponto de vista,
o documento está mais concentrado nas questões de natureza técnicojurídica, falando apenas levemente dos impactos sociais, económicos e
culturais que esta problemática tem vindo a criar no país, em particular
nestes últimos cinco anos.
Pela natureza do trabalho da ORAM, baseado nas comunidades rurais,
mesmo antes da aprovação da Lei de Terras em 1997, o nosso sentimento
está mais próximo do dia-a-dia das populações, no que se refere à
problemática da administração e gestão de terras em Moçambique.
e da equidade, pode ter também, boas leis que conferem os direitos aos
cidadãos e das comunidades e no entanto, estar vulnerável a conflitos
sociais, quando essas leis forem reduzidas a simples documentos ou apenas
aplicadas por conveniência.
Na verdade, nos últimos 10 anos, o efeito combinado do crescimento
populacional e da crescente comercialização dos produtos agrícolas
assentes no acesso e uso de terra, reflecte-se na pressão sobre a mesma,
e vem contribuindo para o aumento do seu valor, desvalorizando a sua
importância para as comunidades rurais. Esta importância está associada,
não só a valores económicos, como também a valores sociais, culturais e
espirituais.
2. De forma particular.
Esta situação vem levando a que os detentores costumeiros da Terra
percam-na a favor das entidades que se mostram mais economicamente
poderosas, facto que, por sua vez, resulta no fenómeno de conflito de
terras.
Com efeito, na base das informações colectadas e compiladas junto de
vários fóruns de associações comunitárias em todo o país, a constatação
geral da ORAM diz que, a actual administração e gestão de terras está
cada vez mais virada para a defesa dos interesses das elites urbanas e
dos investidores, e ela praticamente ignora os direitos das comunidades,
adquiridos por normas e práticas costumeiras.
Não é percepção da ORAM de que os contratos entre comunidades e
investidores, são mais eficazes e suplantam o conceito de delimitação. Na
verdade a delimitação de terras é a consagração do direito consuetudinário,
previsto como um direito constitucional. Assim, as delimitações de terras
comunitárias devem ser vistas como condição eficaz e estruturada para
a implantação de parcerias mais profícuas e seguras, cujo benefício se
pode estender para as futuras gerações das comunidades com terras
delimitadas.
A conclusão que se tira, é que um país pode ter uma Constituição da
República aberta e promissora, protectora dos princípios da igualdade
Os principais focos dos conflitos de Terra em Moçambique, na perspectiva
da apresentação feita, situam-se nos seguintes pontos:
1. Na relutância, de algumas entidades, em reconhecer os direitos
naturais de acesso e posse de terra por parte das comunidades
locais, favorecendo alguns investidores estrangeiros ou de ocupantes
nacionais de terras;
2. Na relutância sistemática em empreender consultas comunitárias
genuínas e honestas, para a atribuição de DUATs a privados,
estrangeiros ou nacionais, sob a desculpa de acelerar investimento
nas zonas rurais. Um investimento de pouco tempo virá usurpação
remediável.
3. No esforço continuado, por parte de investidores privados e de
seus advogados, de colocar em causa a validade jurídica dos
instrumentos aprovados pelo Estado, para a administração e gestão
de terras, sobrevalorizando os formalismos do direito escrito.
4. Na fraca capacidade institucional dos Serviços Provinciais de
Geografia e Cadastro e Governos Distritais, quanto à aplicação
rigorosa da legislação sobre Terra, Floresta e Fauna Bravia,
Ambiente e respectivos regulamentos.
5. Na não inclusão de Planos de Uso da Terra, elaborados de uma
forma participativa, nos Planos Estratégicos de Desenvolvimento
dos Distritos.
6. Na interferência política nos processos de atribuição de DUATs,
onde temos relatos vivos de ameaças aos Comités de Gestão de
Recursos Naturais junto das comunidades, por parte de alguns
agentes do Governo ou empresários com influência política ou
partidária.
7. Nos altos índices de corrupção na fiscalização dos recursos
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
naturais, em particular os recursos florestais, em que os fiscais do
Estado sonegam a cobrança de multas resultantes de apreensões
de madeira ilegal ou deixam de fazer a canalização dos valores
cobrados, para os agentes comunitários e os denunciantes, como
mandam os regulamentos.
Estes pontos, levantados a título de exemplos, levam-nos a concordar
que sim, existe uma necessidade urgente de se reflectir sobre a questão da
Administração de Terras em Moçambique.
Na verdade, está evidente para a ORAM que, sendo muito positivos,
os princípios consagrados na nossa Constituição da República e na
Lei de Terras, podem ser reduzidos simplesmente a palavras bonitas,
mas incapazes de garantir a paz e estabilidade social no País, se a sua
implementação não for garantida por instituições fortes e tecnicamente
competentes.
3. Sugestões
Assim, a ORAM sugere entre outras acções o seguinte:
1. Participação activa nos Processos de Planificação
vista sob ponto de vista de garantia da protecção dos direitos das comunidades
rurais e como um instrumento para a motivação de parcerias.
3. Desenvolvimento de Um Novo Modelo de Parcerias
Assumindo que o modelo actual de parcerias, baseado na troca de serviços entre
as comunidades rurais e os investidores, e na oferta de benefícios sociais (alguns
deles da responsabilidade do Estado, como a construção de sala de aulas) não
é sustentável e não garante o combate à pobreza absoluta; sugerimos que se
reformule o conceito de parceria e se introduzam modelos mais sustentáveis
e que promovam o desenvolvimento dentro das comunidades. Esse modelo
deveria incluir formas de beneficiar comunidades cujas terras tem recursos
minerais.
4. Aposta nos Pequenos Produtores e Agricultores
Uma maior aposta devia se dar aos pequenos produtores e agricultores, no
sentido de melhorar a produção e produtividade, assim como para melhorar
a qualidade da produção, sem com isso significar, que a ORAM se opõe ao
contributo dos grandes produtores, mas é preciso que haja um equilíbrio real
e honesto.
Muito obrigado.
O desenvolvimento rural, devia impreterivelmente, contar com a participação
activa das comunidades rurais, em todos os processos de tomada de decisão,
sobretudo no que se refere a elaboração dos Planos de Uso de Terra. Evitar a
facilitação da entrega de Terras que as próprias comunidades precisam para a
sua sustentabilidade.
2. Delimitação com Visão Futurista
O conceito de delimitação comunitária, não deve se restringir apenas às áreas
ocupadas pelas comunidades actualmente, devido a sua fraca capacidade
financeira de exploração plena de áreas maiores, ligando à pobreza extrema
a que as comunidades se encontram neste momento. A delimitação devia ser
108
Da esquerda para a direita: Yaqub Sibindy, Firmino Mucavele, Miguel Mabote e Marcos Juma
O PAPEL DA MULHER NO COMBATE À POBREZA:
EXPERIÊNCIAS DA SOCIEDADE CIVIL
Por: Graça Samo
“A desigualdade de género constitui um obstáculo para o crescimento
económico do país. No geral, os agregados familiares onde a mulher é
discriminada tendem a ser mais pobres”. PARPA II
1.CONTEXTUALIZAÇÃO
“[…] No seio da mulher moçambicana ainda existe a desconfiança,
ainda existe a discriminação: mulher da cidade — mulher do campo;
ainda existem complexos — mulher de responsável e mulher de não
responsável. Entre a mulher moçambicana ainda existe o racismo. Não
é esse Moçambique que nós queremos. […] A solução desses problemas
exigirá trabalho, mas esse trabalho não será realizado somente pela
mulher moçambicana. Esse trabalho pertence a todos nós. […] A
mulher suportou o peso de duas montanhas: o homem — não importa
se tradicional ou não tradicional — o homem e, em segundo lugar, o
próprio colonialismo. […] A mulher moçambicana deve engajar-se nesta
batalha, neste combate, para se impor, para reconquistar a sua dignidade
e a sua personalidade. […] Queremos chamar a atenção das mulheres
para isto […]”.
No pico das manifestações de 1 e 2 de Setembro de 2010, as
organizações da Sociedade Civil reuniram-se para reflectir sobre
o problema que assolava a cidade capital do país, preocupadas
com a dimensão do problema de violência que caracterizava os
tumultos e, para analisar os factos que se apresentavam como
o cerne do problema: a subida de preços que agravou o custo
de vida e a falta de diálogo construtivo que, numa primeira
análise, era apontada como sendo a causa das manifestações
populares. O diálogo entre as organizações da sociedade civil
levou à elaboração de um documento de posição, o qual veio
a ser entregue ao Presidente da República, numa audiência
realizada a 3 de Novembro de 2011, onde participaram cerca de
30 representantes de diversas organizações.
– Samora Moisés Machel30
Discurso proferido por Samora Moisés Machel, Presidente da Frelimo, na abertura da VI Sessão do
Comité Central da FRELIMO em Inhambane. Tofo, 19 de Junho de 1975
30
Graça Samo, do Fórum Mulher, oradora do Seminário sobre O Papel da Mulher
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
As organizações presentes avaliaram a reunião como tendo sido
positiva, pois os participantes tiveram oportunidade de intervir e
colocar as suas preocupações perante o Presidente da República.
Em resposta às preocupações apresentadas, a sociedade civil foi
convidada a preparar temas de seu interesse, a serem apresentados
nos Seminários organizados pelo Gabinete de Estudos da
Presidência da República. Foi neste âmbito que aconteceu o
primeiro seminário dedicado ao tema da Gestão e Administração
da Terra, o qual mereceu uma avaliação bastante positiva entre
os actores da sociedade civil que nele participaram. De seguida,
a Sociedade Civil foi convidada para trazer o tema “O Papel
da Mulher no Combate à Pobreza: Experiências da Sociedade
Civil”, sobre o qual cinge-se a presente comunicação.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL
O quadro que apresentamos esquematiza as dinâmicas associadas
ao problema da feminização da pobreza (maior incidência da
pobreza sobre as mulheres) analisando a partir dos factores
determinantes e avançando numa relação de causa e efeito,
que é quase um resumo do que temos estado a discutir nesta
comunicação e que consideramos pertinente para avançar
estratégias para enfrentá-la.
A presente comunicação foi resultado de vários encontros
realizados sob liderança do Fórum Mulher, rede que congrega
organizações que trabalham em prol dos Direitos Humanos
das Mulheres e da Igualdade de Género, mas que contou
com contribuição de vários segmentos da sociedade civil,
nomeadamente representantes do movimento de camponeses,
associações e redes de mulheres empresárias, associações de
mulheres operadoras do comércio transfronteiriço (mukheristas),
Comité da Mulher Trabalhadora nos Sindicatos, entre outras.
Quadro 1. Esquematização do Modelo para análise da pobreza e feminização da Pobreza. (MS,
2011)
2.1.Conceito de Pobreza
Farida Gulamo, no Seminário sobre O Papel da Mulher
112
Em 2006, o Governo aprovou o Plano de Acção para a Redução
da Pobreza Absoluta, PARPA II, um Programa cujo desenho
teve mérito pelos esforços de envolvimento da Sociedade
Civil, contrariamente ao PARPA I que não tinha contado com
o envolvimento destes actores no processo do seu desenho. O
PARPA II avançou como definição de pobreza a “Impossibilidade
por incapacidade, ou por falta de oportunidade de indivíduos, famílias
e comunidades de terem acesso a condições mínimas, segundo as
113
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
normas básicas da sociedade.” Com esta definição, este programa
reconhecia, pelo menos ao nível da letra, que “a desigualdade de
género constitui um obstáculo para o crescimento económico
do país, e que no geral, os agregados familiares onde a mulher é
discriminada tendem a ser mais pobres” (PARPA II, 2005).
Este é, sem dúvidas, um grande avanço em relação ao PARPA
I que definia a pobreza como “incapacidade dos indivíduos
assegurarem para si e para os seus dependentes, um conjunto de condições
básicas mínimas para a sua subsistência e bem-estar”– isso era como
dizer que 70% (e hoje pouco mais da metade) da população
moçambicana era incapaz, responsabilizando esses pobres pela
sua própria incapacidade. O termo dependente é também contestado
pela análise de género pois, parece óbvio que para o modelo a
dependência é do dinheiro e de quem o controla. O indicador
de consumo per capita é um valor monetário que exclui ou torna
invisível a contribuição da mulher e de outros membros da
família, necessária para a sua subsistência.
Para nós, como sociedade civil que luta pelos direitos humanos
das mulheres e igualdade de género, o problema da pobreza é
um problema de exclusão, derivado das relações de poder do
modelo dominante que privilegia o modelo do crescimento
económico em benefício dos capitais financeiros que impõem
regras do mercado e do investimento, sacrificando os sectores
sociais, os serviços públicos e o emprego.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
que passam a resolver o problema sem o reconhecimento do
modelo, porque não convém. Muitas vezes, são consideradas
dependentes e subordinadas ao “chefe da família” que é quem
controla o acesso aos fracos recursos e controla os escassos
rendimentos que a mulher pode auferir, quer das actividades
informais, quer dos excedentes duma produção familiar. De
facto, o PARPA II reconhece que “os agregados familiares onde
a mulher é discriminada tendem a ser pobres”.
Se o PARPA II avançava reflexões, a nosso ver interessantes a
nível do modelo de análise da pobreza pelo reconhecimento
da desigualdade como factor determinante, o actual Plano
Quinquenal do Governo parece perder esses ganhos ao
considerar a pobreza como sinónimo da falta de cultura de
trabalho e falta de auto-estima das mulheres e homens
moçambicanos. Se o PARPA II não tinha sido muito eficaz
na integração do factor de análise ao processo de desenho de
estratégias para o combate à pobreza, tememos que o actual
Plano Quinquenal do Governo represente uma perda muito
grande em relação a essas premissas. Uma incorrecta definição
do problema pode levar ao desenho de estratégias inapropriadas
ou ineficientes para a resolução do problema. Sendo o Plano
de Acção para a Redução da Pobreza, em processo de desenho,
2.2. Feminização da Pobreza
As mulheres representam cerca de 53% da população
moçambicana, maioritariamente excluídas do emprego e muitas
vezes excluídas das possibilidades de consumo mesmo de
serviços públicos ou sociais definidas pelo modelo dominante
como instrumento de análise da incidência da pobreza. A
nossa experiência como sociedade civil, tem-nos mostrado que
dentro das diversas formas de família que se geram na luta pela
sobrevivência, são as mulheres, com as suas múltiplas actividades,
114
Marta Cumbi, da FDC, Moderadora do Seminário sobre O Papel da Mulher
115
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
a estratégia de operacionalização do Plano Quinquenal do
Governo, não temos dúvidas que venha reflectir essas lacunas
em relação àquilo que deveriam ser as estratégias eficazes para
reduzir a exclusão e o empobrecimento da maioria da população
moçambicana, as mulheres. O fracasso das metas de redução da
pobreza previstas no PARPA II foi confirmado pelo Inquérito
dos Orçamentos Familiares publicado em 2010, que mostrou
que a pobreza não só não diminuiu (para 45% como previsto),
como aumentou até quase 55%.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Apesar da participação massiva das mulheres em actos de
campanha eleitoral dos partidos, as análises de género feitas aos
vários processos Eleitorais pela associação Mulher e Lei na África
Austral (WLSA Moçambique, 1999, 2004 e 2009) têm mostrado
que as agendas dos partidos políticos não privilegiam as questões
relacionadas aos direitos humanos das mulheres e igualdade de
género, pelo contrário tendem a realçar o papel reprodutivo
da mulher que, como vimos na secção dois, contribui para a
secundarização do papel da mulher. Desta forma, as estratégias
de desenvolvimento repetem esta secundarização, a todos os
níveis.
3. PODER E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E
ECONÓMICA DAS MULHERES: AVANÇOS E DESAFIOS
3.1. Participação Política das Mulheres
O nosso país é uma referência na região e no mundo quanto
à participação da Mulher nos espaços de poder e decisão
política. A nível do parlamento temos 48% de mulheres, com
uma presidência feminina, a nível do executivo acima de 20%.
Estes e outros feitos a nível das reformas legislativas renderam
ao País o Prémio Africano de Igualdade de Género em 2009
pela Femmes Africa Solidarité. A presença e participação das
mulheres é importante, pois representa o reconhecimento do
seu direito e capacidade de participar e influenciar decisões em
seu benefício e em benefício de milhões de outras mulheres
e de toda a sociedade. Todavia, não obstante os compromissos
que o país assumiu a nível da União Africana de assegurar a
paridade e igualdade de género em todas as esferas de decisão,
essa participação é muito reduzida à medida que vamos descendo
para os níveis Provincial, Distrital e Local, bem como quando
falamos a nível das empresas públicas. A título de exemplo, dos
43 Municípios que compõem as autarquias em Moçambique,
apenas 3 são presididos por mulheres. A nível dos Conselhos
Consultivos Locais, a participação é insípida e muitas vezes
condicionada a factores estabelecidos por quem maior poder de
decisão tem, como por exemplo a ligação político-partidária.
116
3.2. Participação da mulher na Economia
De acordo com dados do Inquérito da Força de Trabalho
produzido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), as
mulheres representam a maioria da população economicamente
activa (70%) encontrando-se a maioria nas zonas rurais. Ao
nível do emprego formal, as mulheres representam apenas 20%
estando a maioria dessa população empregue na agricultura. Isto
significa que o restante da população feminina economicamente
activa, encontra-se no sector informal. A taxa de desemprego
117
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
é mais elevada entre as mulheres que nos homens (INE/
INFTRAB, 2005).
O louvável esforço feito em aprovar uma Lei de Terras que
garante igualdade de direitos para mulheres e homens, parece
perder ênfase num contexto em que se verifica ausência de
estratégias e programas voltados a responder às reais necessidades
de acesso, controle e melhoria de condições de utilização
da terra por parte daquelas que são a maioria da população
Moçambicana. Até ao momento, são exíguos os números de
mulheres que possuem Direito de Uso e Aproveitamento da
Terra (DUAT) mas, em contrapartida, crescem os casos de
mulheres viúvas, mães solteiras e jovens que vêem usurpadas
as suas terras, atitude alimentada por normas tradicionais que
não reconhecem os direitos que lhes são conferidos pela Lei de
Terras e pela Constituição, mas também por um mercado de
terras inconstitucional.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
A marginalização da economia informal, onde a maioria das
mulheres busca formas de enfrentar o desemprego e subemprego constitui um desafio para o combate à pobreza. A falta
de mecanismos que facilitem a tramitação de mercadorias a
nível das fronteiras reforça o poder da corrupção sujeitando as
mulheres, à exposição a abusos sexuais como forma de assegurar
a manutenção do seu negócio, única forma de assegurar o
rendimento para a subsistência das suas famílias.
A falta de transporte e vias de acesso limita a comunicação e
acesso a informação por parte das mulheres, sobretudo nas
zonas rurais. Sem a comunicação, sem as vias de acesso, sem
a energia eléctrica, o acesso aos serviços básicos torna-se uma
utopia.
3.3. HIV/SIDA e Violência Contra as Mulheres
Maria Jossai Cumbe no Seminário sobre O Papel da Mulher
118
O problema da Feminização do HIV/SIDA constitui uma
preocupação bastante grande. O INSIDA (2009) revelou
catastroficamente que 13,1% das mulheres (principalmente
raparigas e jovens) contra 9,2% dos homens entre 15-49% anos
têm infecção pelo HIV sendo a prevalência maior nas áreas
urbanas (onde aparentemente as pessoas estão mais informadas
119
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
e com maior acesso aos meios de protecção) do que nas zonas
rurais.
Constitui verdade também, que muitas mulheres em idade
reprodutiva experimentam o medo da morte associada à gravidez
e ao parto, sem deixar de lado o problema da mortalidade por
abortos clandestinos ou inseguros, resultantes da ausência de
políticas e procedimentos que assegurem a todas as mulheres
o acesso a serviços de aborto seguro a nível da rede de saúde
pública, condicionados por uma legislação antiquada e políticas
públicas ineficazes. As várias formas de poder e violência que
a mulher enfrenta no seu dia-a-dia são factores que agravam
a sua condição de exposição ao HIV/SIDA e demais formas de
expropriação.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
grupos, encontram-se as organizações que trabalham pelo
empoderamento das mulheres, nomeadamente: Organizações
Comunitárias de Base, Grupos de Poupança e Crédito Rotativo
(PCR), Associações Femininas em diversas áreas, Associações
Mistas (com programas para as mulheres), Redes de Associações
Femininas Fórum das Mulheres Rurais, Redes das Mulheres
dentro de grandes organizações: COMUTRA – Comité da
Mulher Trabalhadora – da OTM Central Sindical, Rede de
Mulheres (UNAC), Jovens Feministas, Bancadas Femininas,
etc., e Instituições de Investigação e Formação.
4.1. Acções realizadas pela Sociedade Civil no Combate à
Pobreza
ADVOCACIA E LOBBYING
Os índices crescentes de violência doméstica, que de acordo com
dados divulgados pelo Ministério do Interior em 2010 atingiram
cerca de 14.000 casos, sendo mais de 70% dos casos de Violência
praticada contra a mulher. Todas as outras formas de violência
contra as mulheres são o reflexo da sociedade patriarcal, da
intolerância, desrespeito e reforço da tendência de controlo
sobre o corpo, liberdade, autonomia e identidade das mulheres.
As práticas tradicionais nocivas praticadas em nome do resgate
da tradição e da cultura têm reforçado a instrumentalização
das mulheres desde a tenra idade, remetendo-as a uniões
prematuras e forçadas aumentando o seu risco e exposição a
doenças e dependência.
• Participação nos processos do PARPA e Observatórios
de Desenvolvimento, onde advogamos para a revisão da
definição da pobreza, como base de análise para o desenho
de uma estratégia inclusiva para o combate à pobreza;
4. EXPERIÊNCIAS DA SOCIEDADE CIVIL
A Sociedade Civil moçambicana apresenta-se de diversas
formas. A Sociedade Civil Organizada, está representada por
organizações ou instituições reconhecidas pelo Estado, mas
que não visam interesses político-partidários. Fazem parte
destes grupos: sindicatos independentes, ONG’s, Associações,
Instituições de Investigação, Organizações baseadas na
fé, Redes, Movimentos Sociais, entre outras. Entre estes
120
Participantes ao Seminário da Mulher
121
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• Integração de Direitos das Mulheres na Lei de Terras,
Lei da Família; Lei de Violência Doméstica, Lei de HIV,
entre outras;
• Sensibilização e divulgação de informação sobre Direitos
Humanos e Legislação;
• Reforço da Cidadania e Participação Política: Elaboração
do Manifesto Eleitoral e Agenda Política das Mulheres;
Sensibilização e capacitação das mulheres para a
participação efectiva em processos eleitorais; Monitoria
da Governação.
EMPODERAMENTO DAS ADOLESCENTES E JOVENS:
• Criação de Bancadas Femininas em que mulheres dos 10
aos 24 anos debatem temas relevantes de Saúde Sexual
e Reprodutiva. Para aproximar mais esta acção aos
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
beneficiários os debates são levados às escolas;
• Criação de oficinas da Mulher em que as raparigas
voluntariamente realizam acções de sensibilização às
outras jovens sobre o uso do preservativo e outros meios
de prevenção de HIV, gravidez e DST’s, bem como
encaminhamento das mesmas aos Serviços de Apoio aos
Adolescentes e Jovens;
• Campanhas contra o abuso sexual da rapariga na
educação.
REFORÇO DE CAPACIDADES
• Formações a vários níveis sobre Associativismo e
liderança, Elaboração de Projectos, gestão e Mobilização
de Recursos; Reforço às Iniciativas de Geração de
Rendimentos; criação de mecanismos de acesso a microfinanciamentos;
• Divulgação de instrumentos que regulam a administração
e gestão de terras, bem como os mecanismos de acesso
ao DUAT;
• Formação Paralegal com foco na Lei de Terras, Lei da
Família;
• Integração da abordagem de género nos programas da
“Escola na Machamba do camponês”.
NETWORKING
João Massango (Partido Ecologista) a intervir, ladeado por André Balate (PARENA)
122
• Criação de Redes e Fóruns de Advocacia: Fóruns de
Associações Femininas nas Províncias, Fórum das
Mulheres Rurais;
123
• Parcerias e articulação com Fóruns e Redes regionais,
internacionais e movimentos sociais.
• Trocas de experiências e realização de Feiras comerciais.
5. DESAFIOS E PROPOSTAS PARA MELHORAR A
PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES
• As políticas e estratégias de desenvolvimento devem
tornar-se mais inclusivas com o compromisso de resolver
os problemas que afectam a maioria da população
mais empobrecida, as mulheres, numa perspectiva de
sustentabilidade ambiental e das relações de género.
• É preciso reforçar os mecanismos de acesso, participação
das mulheres na planificação, implementação e
monitorização dos projectos de desenvolvimento.
de empoderamento económico das mulheres no acesso
aos recursos de investimento às iniciativas locais e de
empreendedorismo feminino. Adequar os mecanismos
de financiamento às necessidades e possibilidades de
investimento pelas mulheres.
• Acesso a Justiça - Divulgar e implementar as Leis e
convenções aprovadas, ao exemplo da campanha pelo
pagamento de impostos. Assegurar o acesso aos registos e
Identificação civil a todas as mulheres que é pré-requisito
para o acesso aos demais recursos.
• Educação e Cultura - A massificação da Alfabetização e
Educação de Adultos/as é uma condição essencial para
garantir o acesso das mulheres às oportunidades de
desenvolvimento. A cultura é dinâmica, pelo que deve-se
lutar contra as práticas culturais, ditas como tradição, que
atentam contra os direitos humanos das mulheres.
• A posse, segurança e gestão da terra continua sendo um
desafio para a grande maioria das mulheres. É necessário
assegurar que cada família tenha a delimitação das suas
terras e as mulheres devem constar como titulares
ou co-titulares do DUAT como forma de assegurar a
salvaguarda dos seus direitos; Melhoria do investimento
para mulheres agricultoras.
• Emprego e Trabalho Digno - o Governo deve ratificar e
implementar a Convenção 183 da OIT sobre Trabalho
digno e licença de maternidade - Estabelecer mecanismos
para combate ao Assédio Sexual e outras formas de
discriminação no acesso ao emprego e no trabalho.
• Acesso aos Recursos Financeiros pelas mulheres O sistema de quotas que tem incentivado o reforço da
participação Política das mulheres (30%, 50%) deve ser
aplicado para reforçar a equidade no acesso às iniciativas
Participantes ao Seminário da Mulher
Intervenção de uma das participantes ao Seminário sobre o Papel da Mulher
“[…] Aos pais dos alunos dizemos: devem procurar compreender o
sentido profundo das transformações que têm lugar nas escolas do nosso
País. Devem compreender que essas transformações visam em definitivo,
em última análise, o bem dos vossos filhos. Nas nossas escolas queremos
transformar os vossos filhos em homens íntegros e sãos […] homens
capazes de construir uma sociedade próspera e feliz. […] Exortamos
os pais a que cumpram o seu dever de educadores das novas gerações,
participando activamente na vida da escola, ligando intimamente a
educação no seio da família à educação escolar […]”
– Samora Moisés Machel31
Participantes ao Seminário sobre a Mulher oferecem um quadro ao Presidente da República,
Armando Guebuza
“MATERIALIZAR A VITÓRIA DA LINHA REVOLUCIONÁRIA NA FRENTE DA EDUCAÇÃO”.
Discurso proferido pelo Presidente Samora Moisés Machel aos Estudantes, Professores e Trabalhadores
da Educação. Maputo, 8 de Março de 1977
31
O PROFESSOR E OS DESAFIOS DO ENSINO E
APRENDIZAGEM NO SÉCULO XXI: UMA ABORDAGEM
ORIENTADA PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
Por: Brazão Mazula
1.Introdução
O tema que me foi proposto é complexo. A sua complexidade
reside no facto de que o tema contém, por sua vez, quatro
subtemas bem diferentes, igualmente complexos. Esses subtemas
são: i) o professor; -- ii) o processo de ensino e aprendizagem; - iii) o século XXI e – iv) o desenvolvimento rural. Esses quatro
subtemas estão interligados por um termo comum: desafios.
Como metodologia e para objetivo desta modesta reflexão,
começarei por identificar aqueles que me parecem ser os grandes
desafios do século XXI e, a partir deles, reflectir o tema.
Não é fácil de identificar os desafios que o século XXI nos traz.
Os últimos 50 anos do século passado mostraram-nos quão
veloz ocorrem as mudanças tecnológicas que, por sua vez,
induzem a mudanças políticas, sociais e até mentais. Apontei
quatro desafios que considero nucleares: i) a globalização; -- ii)
Prof. Doutor Brazão Mazula proferindo a sua intervenção
o combate a pobreza e consequente criação do bem-estar; -- iii)
a paz e estabilidade social; - v) a democracia e – v) a consciência
ecológica.
Para elaboração desta modesta comunicação e para que não
viesse para um espaço tão nobre do Povo Moçambicano, que
é a Presidência da República, contactei alguns alunos de 3
(três) escolas primárias completas de Malica, em Lichinga no
Niassa, do Centro Educacional de Marracuene na Província
de Maputo e a Heróis Moçambicanos na cidade da Beira; com
2 (duas) escolas secundárias: Escola Secundária Comunitária
Sagrada Família de Marracuene e Escola Secundária “A Luta
Contínua” de Nzinje, Lichinga; e do Instituto de Formação de
Professores de Inhamízua, na Província de Sofala. Em todas elas
tive encontro com um bom número de professores, de uma
e duas horas de duração. Falei com alguns técnicos superiores
das estruturas centrais da educação. Destes recolhi estudos
e documentação diversa, estratégicas de desenvolvimento da
educação em geral e de formação de professores, em particular,
para o período 2012-2016. Ouvi, inclusivamente, três taxistas:
um na Cidade de Maputo e dois na Beira.
Foi com agrado que notei o quanto o Governo, através do
Ministério da Educação, está preocupado com a vida, o estatuto
e as condições de trabalho do professor, com a qualidade do
ensino e com aproveitamento racional das novas tecnologias
de informação e comunicação para o desenvolvimento da
educação.
Cabe-me, neste espaço organizado pelo Gabinete de Estudos da
Presidência da República e na presença de Sua Excelência o Chefe
do Estado, alimentar o debate com alguns tópicos de reflexão do
tema que me foi proposto. Aproveito saudar a Sua Excelência o
Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, desejandolhe muita saúde e sucesso nas suas altas responsabilidades para
com a Nação Moçambicana. Ao mesmo tempo, é meu dever
agradecer-lhe por ter permitido ao seu Gabinete de Estudos
129
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
dar-me a honra de partilhar as minhas parcas ideias neste fórum
selecto de altas personalidades políticas, académicas, religiosas,
do sector empresarial e do mundo da cultura.
Não vou deter-me em caracterizar cada um desses desafios.
Parto do pressuposto de que, no geral, são termos entendidos
por todos e porque esses desafios constam da Agenda 200532 .
Deter-me-ei um pouco mais na globalização neoliberal e o seu
impacto nas vidas das sociedades, incluindo nas das populações
rurais, ainda com altos índices de pobreza. Daí a incidência no
desenvolvimento rural e a concentração de esforços no combate
á pobreza.
Importa no entanto identificar três ou quatro características das
populações das comunidades rurais. A primeira característica
diz que, na sua maioria, elas são camponeses que vivem ou
sobrevivem da terra. A segunda diz que a terra, que herdaram
dos seus avôs ou antepassados, constitui a sua identidade, de
tal maneira que sem ela sentem-se perdidos e traídos; em
suma, perdem a sua identificação com o País que é deles.
Posso atrever-me a dizer que elas são as primeiras pessoas a
acatar a Constituição da República e a Lei da Terra. A terceira
característica: o camponês é trabalhador nato, mas vive, muitas
vezes, na pobreza extrema. O camponês não é muito exigente,
mas aspira por uma vida melhor. Mas, em quarto lugar, pede
duas coisas: -- i) que se lhe ajude a explorar racionalmente os
recursos da terra para o seu bem e para o bem do País, -- ii) a
educação dos seus filhos, para os quais ele luta, trabalha e se
sacrifica dia e noite.
2. Desafios do século XXI
como Nação, estamos “num mundo marcado por relações
de interdependência” e “Moçambique faz parte desse mundo
globalizado” (CCA, 2003: 99-100). Com os seus defeitos e
ameaças, a globalização33 está aí, atinge a toda gente onde quer
que esteja, na cidade ou no campo. Por causa das suas ameaças
e dos riscos, Giddens refere-se ao “mundo virado do avesso”
pela globalização . A arma forte da globalização são as novas
tecnologias de informação e comunicação, abreviadamente
conhecida por TICs. As TICs erigiram-se como poder que
comanda poderes, condiciona as decisões soberanas, reorienta
as vontades, as consciências e até mesmo os sentimentos. No
seu termo, essa reorientação acaba confundindo as mentes, na
medida em que em que o homem está habituado a guiar-se
por um líder humano (seja ele pai, tio, religioso ou governante
político). Nos movimentos e convulsões sociais que ocorrem
hoje no mundo, incluindo na África, não se consegue identificar
líderes físicos (pode-se suspeitar), descobre-se apenas liderança
virtual que não se responsabiliza dos efeitos. As novelas e o
facebook são, por assim dizer, essas novas lideranças das mentes.
O jornalista David Kirpatrick, comentando os movimentos
recentes na Tunísia, Egipto, Iémen, Síria, Grécia e Espanha,
observa que “o facebook pode vir a desaparecer, mas o mundo
já mudou”, e ele “vai desempenhar um papel em mais países no
futuro, porque dá poder às pessoas comuns”34 .
A Agenda 2005 vai pela positiva, quando diz que “salvaguardando
os efeitos positivos sobre o ambiente, o uso das novas tecnologias
é um imperativo inelutável para qualquer moçambicano, seja
estudante, camponês, homem de negócios ou político” e que
esta “era digital oferece-nos uma oportunidade histórica única”
para o nosso desenvolvimento (CCA: 101).
a) A globalização diz-nos que, ao mesmo tempo que somos
singulares como indivíduos e colectivamente soberanos
GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Trad. Saul Barata. Lisboa, Editorial
Presença, 2000, p. 16.
33
COMITÉ DE CONSELHEIROS, Agenda 2025: Visão e Estratégia da Nação. Maputo, EloGráfico,
2003 (CCA).
32
130
In http://www.cienciahoje.pt/index.php, de 07 de Junho de 2011
34
131
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Daqui duas questões – desafios para a educação em geral: i) em
que medida a educação forma o cidadão para viver nesse mundo
globalizado, quer enfrentando as suas ameaças, quer tirando
proveito dos seus benefícios para o bem-estar da sociedade? –
ii) Nos últimos cinquenta anos, passámos da ardósia, do aparo,
do mata-borrão como meios didácticos para um novo meio de
didáctico que é o computador, cujo mata-borrão é o “delete”
embutido nele. Os governos têm de contemplar no plano da
Educação orçamento para estudantes “menos privilegiados
da sociedade”. Retiro este termo (“menos privilegiados da
sociedade”), de John Rawls35 , segundo o qual a opção política
pelos desfavorecidos ou menos privilegiados situa-se no âmbito
da “justiça como equidade36” . Hoje, o laptop na mão do estudante
é um meio didáctico inevitável. Os pais devem contemplar nos
seus orçamentos familiares a compra desse material didáctico.
Não obstante o computador ser também veículo de possíveis
ameaças como jogos que afastam a concentração do aluno,
distraem o tempo de aprendizagem, ele é ao mesmo tempo
caderno, livro, biblioteca, máquina calculadora, jornal científico,
meio de pesquisa e de intercomunicação com estudantes,
docentes e pesquisadores doutros quadrantes do mundo.
Cabe à escola, à sociedade e ao Estado educar a consciência do
aluno para o uso correcto deste instrumento pedagógico. A sua
popularização impõe-se, necessariamente, como imperativo
social.
b) Esta globalização neoliberal caracteriza-se, por um lado,
pelo individualismo exacerbado, corporativismos económicos e
arrogância dos poderes económicos e financeiros internacionais
que, no seu limite, despoletaram a crise financeira internacional,
agravaram a pobreza dos pobres e, ao fim e ao cabo, acabaram
afectando os próprios autores e sistemas globalizadores,
deixando-os atordoados. Ultimamente, estamos assistindo a
luta não declarada entre o dólar e o euro, afectando as economias
débeis. Curiosamente, as duas moedas se associam no combate
ao dinar líbio, que sempre se distanciou da hegemonia daquelas
moedas. A máquina globalizadora tende a reduzir os países
pobres a objectos de acção, não lhes dando ouvido, inclusive
nos assuntos internos, negando-lhe desta forma a qualidade de
sujeitos de acção. O Banco Mundial já dizia em 2003 que, embora
uns países em desenvolvimento tenham, como vantagem da
globalização, entrado nos mercados mundiais, “outros países
vêm ficando cada vez à margem da economia mundial e sofrem
com a renda em declínio e com o aumento da pobreza37”.
Na perspectiva de alguns críticos, ao facilitar a intercomunicação
dos homens, a globalização desperta nas sociedades a consciência
para uma maior solidariedade humana. Essa solidariedade
não fica nos sentimentalismos nem se limita à generosidade
económica de ajuda ou doação, mas abriu o mundo para a
cidadania global. O que isto é, ninguém sabe. Deste modo a era
digital, ou a globalização define-se também como era planetária,
impondo maiores solidariedades entre os homens.
Estudiosos como Joseph Stiglitz (200238 e 2007), Giddens
(2000), Morin (2003), divergindo por vezes nas abordagens,
entendem que este fenómeno é inevitável. Da grande desilusão
que a globalização trouxe ao homem contemporâneo, como
foi o iluminismo no séc. XVIII na Europa, Stiglitz alimenta
a possibilidade de torná-la “eficaz” e de se criar “um mundo
diferente”, até porque “muitos dos problemas da globalização
são obra nossa”, como, por exemplo, os problemas ambientais.
Desta feita, “temos de aprender a lidar com eles39” . Na linha
deste prémio Nobel da Economia 2001, o desafio da educação
BANCO MUNDIAL. Globalização, crescimento e pobreza. Relatório de Pesquisa do Banco
Mundial. Trad. Melissa Kassner. São Paulo, Futuro, 2003, p. 55.
37
STIGLIZ, Joseph E. Globalização: A grande desilusão. Trad. Maria Filomena Duarte. Lisboa,
Terramar, 2002.
38
RAWLS, John. O Liberalismo Político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. 2. Ed. São Paulo, Ática,
2000, p. 47, 53-58
35
STIGLIZ, Joseph, E. Tornar eficaz a Globalização. Trad. Luisa Venturini. Lisboa, ASA, 2007, p. 51.
39
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Cardoso Pinto Correia. Lisboa, Editorial Presença,
2001, p. 34
36
132
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
no século será o de saber tornar eficaz a globalização. Carlos
Agostinho do Rosário usa o conceito de “humanização da
globalização”40. Na perspectiva deste economista, agrónomo
e hoje diplomata moçambicano, o desafio da educação seria o
de saber humanizar a globalização para o benefício do Povo.
Para Morin, as solidariedades não decorrem necessariamente
da globalização, mas da consciência planetária. Para este
cientista social o que está a decorrer é a “planetarização” da
humanidade, a consequente “cidadania cosmopolita” e o desafio
da governabilidade dessa mesma planetarização. Assim sendo, o
desafio da educação consistiria em “educar para o despertar de
uma sociedade-mundo”41. Para Boaventura de Sousa Santos, “o
único modo eficaz e emancipatório de enfrentar a globalização
neoliberal é contrapor-lhe uma globalização alternativa, uma
globalização contra-hegemónica”42 .
c) Vou continuar com o pé na globalização. Mais dois aspectos:
um refere-se àquilo que dois alemães, Hans-Peter Martin e
Harald Schumann, já nos anos 90 do século passado, apelidaram
de “terramoto económico e social”43, provocado pela globalização
e outro, referente ao impacto da globalização na educação.
Esses autores prognosticavam, numa dimensão estatística, que
no século XXI apenas 20% dos trabalhadores teriam emprego.
Nestes termos 80% das pessoas que desejassem trabalhar não
iriam encontrar emprego. Acontecendo isto, a situação seria
dramática. Expressando esse drama, Scott McNealy, director
da empresa norte-americana Sun Systems, considera “que, no
DO ROSÁRIO, Carlos Agostinho. Humanização da Globalização: Desafio para a redução da pobreza
em Moçambique. New Delhi, Índia Krest Publications, 2005.
40
MORIN, Edgar et alii. Educar na era planetária. O pensamento complexo como método de
aprendizagem pelo erro e incerteza humana. Trad. Sandra Trabucco Valenzuela. São Paulo, Cortez e
Unesco, 2003, p. 63-95.
41
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade no Século XXI: Para uma reforma democrática e
emancipatória da Universidade. 2. Ed. São Paulo, Cortez, 2003, p. 55.
42
futuro, a questão será «to have lunch or be lunch» ou seja, «ter algo
para comer ou ser devorado»44. O camponês é sempre devorado.
Por exemplo, ele nunca há-de compreender como é que vende
(ou obrigado a vender) o arroz que produz a um preço, e uma
vez processado deve comprá-lo seis a sete vezes mais. Quero
acreditar que o desemprego nas nossas cidades seja também
efeito da globalização.
A questão é que tradicionalmente ter emprego significa estar
dependente dum patrão, seja ele público ou privado, com
quem se faz um contrato de trabalho com direitos e obrigações
mútuas, compensando ao fim do mês com resultados favoráveis
ao empregador e um salário fixo ao trabalhador. As novas
tecnologias que suportam a globalização vêm pôr em cheque
este conceito emprego. Mais do que “fim do trabalho”,
podemos aventar o fim do emprego, no sentido tradicional, ou
seja, fim do “trabalho remunerado para todos”. Neste contexto,
diz Giddens, “a educação não pode ser encarada como uma
fase de preparação prévia à entrada do indivíduo no mundo do
trabalho” assalariado45.
Quando a Europa preparava o Trabalho de Maastrich,
advertia os cidadãos que, no futuro, um cidadão europeu
não sobreviveria apenas com um emprego, nem falando
apenas uma língua. No mínimo devia estar habilitado em três
profissões e falar fluentemente, três línguas, incluindo o inglês.
O mesmo, penso eu, vai acontecer com a integração regional
na SADC. A competição será maior, a seleção mais criteriosa,
menos propensa a apadrinhamentos. Hoje mais do emprego,
o mercado exige a empregabilidade. Quer dizer, sobreviverá
a pessoa capaz de prestar serviços com competências, mais
do que aquele que procurar vínculo fixo com o empregador.
Na empregabilidade se garante o emprego como prestação de
serviços de qualidade, mas nem sempre o emprego é garantia de
segurança no trabalho. A educação deverá estar em condições
MARTIN, Hans-Peter & SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização: o assalto à democracia
e o bem-estar social. Trad. Lúcia pinho e Melo & Ana S. Silva. Lisboa, Terramar, 1998, p. 113.
43
44
MARTIN, et alii, Op. Cit.p.10.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 2. Ed. Trad. Maria Alexandra Figueiredo et alii. Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p.513
45
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
de preparar o cidadão nesses termos, capaz de prestar serviços
com qualidade, circular livre e responsavelmente na região e
no mundo, quer para realização da sua vida ou do seu negócio,
quer para representar o seu país. Trata-se de formar cidadãos
competentes, com domínio de três línguas e habilitados em,
pelo menos, duas profissões.
Há tempos cruzei-me com um amigo médico cirurgião a
conduzir uma carinha de sete a doze toneladas. Admirei-me vêlo ao volante duma camioneta pesada. E conduzia-o com muita
segurança. Perguntei-lhe para onde ia com a carinha. Disse-me
que ia à vida, porque não conseguia alimentar a família apenas
com o salário de médico. Achei interessante a agilidade que
exibia e com mestria, passando do bisturi da sala de operações
para o volante dum camião galgando as terras fora do asfalto
e vice-versa, ou seja, o domínio de duas profissões. Este caso
confirmou-me que as previsões do Tratado de Maastrichi ou
da globalização não eram válidas apenas para a Europa, mas
também para o nosso país.
Estes cenários implicam repensar a educação, repensando em
profundidade o processo de ensino e aprendizagem e, por que
não, redesenhar a própria escola.
3. Redesenhar a Escola
a) Penso que a questão maior é: em que medida a educação
no seu processo de ensino e aprendizagem faz uso das novas
tecnologias de informação e comunicação para acelerar o
desenvolvimento do País, particularmente nas zonas rurais?
Importa criar situações de igualdade entre as escolas da cidade
e as zonas rurais, num “equilíbrio reflexivo” amplo46 , uma
vez que os seus alunos são avaliados pelos mesmos programas
nacionais. Alguns professores das escolas de Malica em Lichinga
e de Marracuene em Maputo, disseram que algumas perguntas
dos exames nacionais pressupõem que todos os alunos têm
acesso à internet, quando não. Neste aspeto as Vilas do
Milénio que começam a espalhar-se pelo país podem jogar um
papel importante nas zonas rurais. Elas são ao mesmo tempo
instrumento presencial e virtual de aprendizagem, na medida
em que facilita o acesso do cidadão à internet. No meu entender,
mais do que telecentros ou centros multimédia comunitária, as
Vilas do Milénio estão em melhor condições de se transformar
em bancos de conhecimentos, com impacto no processo de ensino
e aprendizagem. Elas facilitariam desta maneira tanto ao aluno
como ao professor, das zonas rurais.
b) Tradicionalmente, a escola apareceu sempre como espaço e
tempo institucionalizados para o ensino e aprendizagem do
cidadão. A história da educação diz-nos que deve-se a Sólon
(séc. VIII a. C.), mestre e jurista da Grécia Antiga, a distribuição
dos conteúdos de ensino em tempos lectivos e a serem dados
num espaço próprio, concebendo a sala de aulas. Através deste
conceito de escola mais desenvolvido na época moderna, “as
escolas apareceram, para Michel Foucault, como parte do
aparelho administrativo do Estado moderno”. Mais do que
garantir o acesso dos cidadãos ao ensino, o Estado moderno
mantinha assim, através do “currículo oculto”, o “controlo e a
disciplina das crianças” 47. Daí, as grandes obrigações do Estado
para com a escola, garantindo-lhe livros, manuais, carteiras e
todo o material didáctico necessário para escola desenvolver
melhor as capacidades de literacia, de numeracia e, hoje, de
computação.
As novas tecnologias (TICs) estão pondo em causa este modelo
de escola tradicional ou clássico. O computador, o CD-Rom, o
vídeo-conferência, a internet não só põem o aluno em on-line
com um professor fisicamente distante e diferente do professor
In: GIDDENS, 2000: 514.
47
RAWLS, 2000: 51.
46
136
137
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
da sala de aulas, como a partir delas o aluno recolhe informação e
conhecimentos que, por vezes, ultrapassam o currículo utilizado
na própria escola. O sociólogo Giddens coloca-nos a seguinte
questão: em que medida, num futuro não muito distante, será
necessária a escola, quando as crianças, em vez de sentarem em
filas a escutar o professor, ligarem os seus computadores para
aprender?”48 Ele não descarta, como já acontece na Inglaterra, a
existência de “sala de aula sem paredes”. Onde está o estudante
com o laptop no seu processo de aprendizagem, estudando em
grupo com estudantes, ou comunicando-se com docentes ou
investigadores doutros quadrantes do mundo, está aí a escola
sem parede.
No nosso contexto, o modelo de escola será misto, de salas de
aula físicas e de sala de aula virtual. É muito difícil optar por
soluções exclusivistas ou disjuntivas, defenderia a adopção de
todas as estratégias tecnológicas modernas e tradicionais que
ajudam a vencer em menos tempo o analfabetismo, a pobreza e
acelerar os ritmos de desenvolvimento.
O plano do Governo de construção de mais salas de aulas,
de massificação das tecnologias de informação e comunicação
e do ensino à distância é estratégico e fundamental. O termo
massificação parece mais apropriado do que expansão, na
medida em que pode um certo produto ser disponível em
todo o território nacional (expansão) e não ser acessível a
todos. A massificação significa a apropriação generalizada do
produto ou dos meios tecnológicos pelas massas, seja ele rico
ou pobre, como sua cultura. Significa que o próprio camponês
e habitantes das zonas rurais, o pequeno e médio empresário
da cidade ou vila se apropriam das novas tecnologias para
aumentar os ritmos de produção e produtividade para si, sua
família, elevando o seu bem-estar. O mercado devia ajudar a
massificação desses recursos tecnológicos e a escola usá-las
como recurso de aprendizagem sempre disponível. Os Estados
48
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Unidos incentivaram durante algum tempo “o mercado do
computador doméstico” com software educacional e mais
tarde as empresas facilitaram o mercado com novos programas
educacionais . As empresas existentes deveriam redireccionar
os seus orçamentos de responsabilidade social corporativa para
esse efeito, participando mais nos esforços do Governo.
A própria escola acaba se transformando num dos desafios do
século XXI. Os avanços e a velocidade de novas tecnologias
de informação e comunicação, adoptadas como oportunidade
de desenvolvimento no espírito da Agenda 2025, obrigam a
redesenhar o modelo da escola.
A escola defrontar-se-á com seis áreas cimeiras na vida das
sociedades das próximas décadas e que desafiarão a sua
identidade, a sua validade e a sua actualidade. Essas áreas como:
i) a globalização; ii) a criação da riqueza e o combate à pobreza; iii) a
paz e estabilidade social; iv) a democracia; v) a consciência ecológica e
vi) a escola, criarão exigências de maior qualidade ao processo de
ensino e aprendizagem.
Dra Julieta Langa no Seminário sobre o Papel do Professor
Idem, p. 515
138
139
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Podemos esquematizar esse desafio da seguinte forma:
1. CRIAÇÃO DO BEM-ESTAR /
COMBATE À POBREZA
2. GLOBALIZAÇÃO
3. DEMOCRACIA
O PROFESSOR
ENSINO E APRENDIZAGEM NO SÉC. XXI
4. A PAZ
5. CONSCIÊNCIA
ESTABILIDADE SOCIAL
ECOLÓGIA
6. E S C O L A
Diagrama: Desafios do Professor e o Processo de Ensino e Aprendizagem no Século XXI
A escola é sempre pensada como instrumento de transformação
da sociedade e do seu desenvolvimento. O desenvolvimento
rural implica uma escola durável e bem apetrechada, um
ensino igualmente de qualidade e um professor vocacionado.
Na perspectiva de Durkheim, ela recebe em cada época tarefas
específicas da sociedade. Por exemplo, através do Protocolo de
Bolonha, os governos europeus deram às instituições do ensino
superior europeu a tarefa de encontrar uma estratégia que lhes
permitissem enfrentar os desafios da integração europeia e da
velocidade com que se modernizam as novas tecnologias de
informação e comunicação. Os Chefes de Estado da SADC
deram tarefa semelhante às universidades da região, através
140
do Protocolo de Blantyre, de 2000. Em Moçambique, cedo
a escola foi assumida como “uma base para o Povo tomar o
poder” (MACHEL, 197449 ), estabelecendo uma ruptura radical
com o modelo colonial de escola. Este mote tem implicações na
concepção, na organização e na avaliação da eficácia do processo
de ensino e aprendizagem, que se situa no centro dos desafios do
século XXI. Hoje, espera-se que ela seja um instrumento eficaz
de combate à pobreza pelo conhecimento, pela ciência e técnica,
através dum ensino de qualidade e duma pesquisa com impacto
na melhoria da vida das comunidades. Ao mostrar que em quase
todas as províncias há uma universidade, o Presidente Guebuza
quis vincar que a escola deste nível de ensino (a universidade)
é uma “estratégia, o caminho seguido pela Frelimo, para poder
resolver o problema da pobreza”50. No topo da escola e da
universidade está o combate à pobreza e a construção da riqueza,
assegurando a sua distribuição equitativa, aquela que em
Makhuwa se expressa pelo conceito “okawana”. Externamente
a escola se define por esta sua dimensão instrumental, a de estar
sempre ao serviço da sociedade. Internamente, distingue-se pelo
seu desempenho perfomativo, na medida em que realiza tarefas
e uma missão com impacto na melhoria da vida das sociedades,
primando pela qualidade do seu ensino.
4. Tipos de Ensino: o rumo a tomar.
Redesenhar a escola implica também repensar o tipo de ensino
e de aprendizagem.
Temos dois tipos de ensino e aprendizagem. Um que chamarei
de ensino cumulativo e outro, de ensino perfomativo. Cada um
deles gera a uma aprendizagem correspondente.
MACHEL, Samora Moisés. Fazer da Escola uma Base para o Povo Tomar o Poder. S.I., FRELIMO,
1974. Colecção “Estudos e Orientações”, n˚ 6.
49
GABINETE DE ESTUDOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (Editor). Armando Guebuza em
Presidência Aberta. Maputo, Gabinete de Estudos da Presidência da República, 2009, p.61.
50
141
Tipos de Ensino
1. Ensino Cumulativo
2. Ensino Perfomativo
Aprendizagem cumulativa ou bancária
Aprendizagem perfomativa
“Cabeça bem-cheia”
“Cabeça bem-feita”
No ensino cumulativo, a preocupação do sistema, dos currículos,
dos programas e do professor é de transmitir ao máximo
possível conhecimentos ao aluno. É centrado no professor e
mais na memorização. Procura-se encher a cabeça do aluno
com muitos saberes, independentemente da sua utilidade social
e muitas vezes saberes são ligados entre si. Avalia-se o ensino
pela quantidade dos saberes acumulados e empilhados. Cada
conhecimento é um saber isolado. Cada disciplina organiza-se
separadamente das restantes disciplinas. Cada faculdade é um
mundo fechado às restantes faculdades, porque se considera uma
esfera especializada inacessível ao não especializado na sua área
do saber. Cada Universidade se constitui um astro fora do espaço
comum da sociedade, numa luz de conhecimentos sem rumo
claro para a sociedade, porque ela é uma instituição iluminada.
Consequentemente, cada professor caminha sozinho, com
um seu ensino monológico, está preocupado unicamente com
a sua disciplina, faz gripar a reforma universitária, quando se
apercebe que a sua disciplina vai ficar fora, fica numa posição de
defesa, facilmente se associa-se a colegas num corporativismo de
resistência. Este tipo de ensino contenta-se com cabeças bemcheias de conhecimentos. Daí a multiplicidade de disciplinas,
muitas vezes incluídas para acomodar este ou aquele docente; a
dificuldade de trabalhar em grupo e de ouvir o outro, portanto não
democrático, pois cada um se acha dono do saber; a elaboração
de testes ou provas de exames muito extensos, incluindo toda
a matéria dada no ciclo de estudos. Não se lhe pode acusar de
ser demasiadamente teórico. Só que a prática ou a pesquisa que
realiza são desfasadas da realidade social; satisfazem apenas o
ego deste bancário de conhecimentos. O aluno não tem outra
142
alternativa senão decorar, empilhar e armazenar na sua cabeça
tantos fardos de conhecimentos que recebe. No processo de
aprendizagem o aluno sente tédio com esse tipo de ensino. Não
se entusiasma muito, mas também não tem outra alternativa
senão memorizar a matéria e responder às questões do professor
na aula, às questões dos testes e dos exames, literalmente
como o professor ditou os seus apontamentos; se, porventura,
responder por outras palavras, mesmo que a resposta seja certa,
fica reprovado, porque ele baralhou a cabeça do professor. O
professor, que se sente confrontado pelo aluno, vinga-se. Pior,
se for uma aluna que não aceite satisfazer os seus caprichos.
É um ensino permeável à cábula. Não concordando com esse
tipo de ensino, Einstein abandonou o ensino que era ministrado
na faculdade. No jogo da memória, entre a recordação e
o esquecimento, o aluno facilmente se esquece quando a
pressão do exame termina. Na vida prática, o aprendente ou
o graduado não consegue re-utilizar os conhecimentos para
resolver os problemas práticos, porque recebeu conhecimentos
ou saberes sem “princípios organizadores”. O monopólio do
saber conduziu ao figurino medieval do professor catedrático,
dono do saber configurado na cátedra: “dixit ex cathedra”. Faz-se
admirar por todos, mas pouco útil.
Deste tipo de ensino, resulta, no fim, como dizem Montaigne
e Edgar Morin, numa “cabeça bem cheia” e uma aprendizagem
igualmente empilhadora, cumulativa, bancária e monológica.
Daí a expressão de “vou amarrar”, muito frequente nas vésperas
dos testes e dos exames. Quando o aluno, após esse esforço
acumulado para decorar a matéria dum trimestre ou dum
semestre em 24 ou 48 horas, fica reprovado, ele fica muito
admirado. É tarefa do professor mostrar aos alunos durante o
ano que desse “amarrar” da última hora só poderá resultar um
rendimento marginal decrescente51.
O ensino perfomativo não está preocupado com acumulação
de saberes, mas com a criação de competências, habilidades,
Cfr. GOMES, Orlando. Economia: Ciências e Factos. Lisboa, Vulgata, 2000, p. 169-176
51
143
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
atitudes ou valores e princípios que organizam e explicam os
conhecimentos. Desenvolve “uma aptidão geral” que permite à
pessoa, ao longo da sua vida, “colocar e tratar os problemas” e,
ao mesmo tempo, fornece-lhes “princípios organizadores que
permitam ligar os saberes e lhes dar sentido”52 . Capacita a saber
identificar e colocar os problemas e a resolvê-los. Incide mais no
despertar da curiosidade de saber, no debate e na problematização,
na “arte da argumentação e da discussão”, na ligação e religação
dos saberes, na capacitação para solução dos problemas com
princípios organizadores. Incide no desenvolvimento do que os
gregos chamavam de “métis” (µ ), que significa um conjunto de
atitudes mentais... que conjugam o ‘faro’, a sagacidade, a previsão,
a leveza de espírito, a desenvoltura, a atenção constante, o senso
de oportunidade”53 . Incide na criação de capacidade e na arte de
“transformar detalhes, aparentemente insignificantes”. Incide
nos valores humanos, um dos quais é o da convivência social, a
capacidade de diálogo e a cultura de trabalho árduo e cooperativo.
Por isso, este tipo de ensino é dialógico e perfomativo. O motor
deste ensino é, em primeiro lugar, o professor. Daí a exigência
da sua formação nesse sentido e o desafio para as instituições de
formação de professores e faculdades de educação.
Assim:
Ensino cumulativo
α
δ
Ensino Perfomativo
Idem, p. 22
Escola Perfomativa
Os pressupostos de repensar uma escola e um ensino para o
séc. XXI vêm sintetizados por Jacques Delors, no relatório
“Educação: um tesouro a descobrir”, encomendado pela Unesco.
O seu ponto de partida é que se está a dar uma “revolução da
inteligência” contínua e a “sociedade da informação”que se
desenvolve em ritmos acelerados. Esses dois movimentos
obrigam a educação a se repensar a si mesma, de modo a
responder cabalmente aos desafios do século, com prioridades
para as seguintes tarefas:
- formar o capital humano qualificado;
- formar “agentes económicos aptos a utilizar as novas tecnologias
e que revelem um comportamento inovado”;
- formar “cientistas, inovadores e quadros de alto nível”;
- formar para a inovação pessoas capazes de evoluir, de se adaptar
a um mundo em rápida mudança e capazes de dominar as
transformações”, que não se compadecem “com rotinas nem
com qualificações obtidas por imitação ou repetição” 55.
Temos que nos perguntar que tipos de ensino as nossas escolas,
incluindo as instituições do ensino superior, ministram: se ensino
cumulativo, se ensino perfomativo. Há uma relação entre o tipo
de ensino e o modelo de escola. O ensino cumulativo é próprio
duma escola monológica, enquanto o ensino perfomativo
caracteriza uma escola perfomativa. Isto não significa que da
escola monológica54 não possa resultar graduado pró-activo.
MORIN, Edgar. A Cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá
Jacobina. 7. Ed. Rio de Jeneiro, Bertrand Brasil, 2002, p. 21.
δ
β
5. Da Escola Monológica à Escola Perfomativa
52
Escola Monológica
Apenas a escola perfomativa e o ensino perfomativo podem
responder com eficácia a essas tarefas gerais e as particulares
definidas por cada país. Então, o desafio consistirá em passar
53
Monológico: vem de Mnos (do grego, Móvos), que significa sozinho
54
144
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI. Trad. José Carlos Eufrázio. Lisboa, ASA, 1996.
55
145
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
da escola monológica para a escola perfomativa e do ensino
cumulativo ou bancário para o ensino perfomativo, como as
setas (delta) indicam.
A escola monológica realiza o ensino cumulativo. Pensa sozinha.
É uma escola fechada em si mesma. Não vai ao Povo, mas
pede ao povo para que venha a si, dado que se considera como
único espaço de conhecimentos científicos válidos. A sua
pretensão de validade reside nos conhecimentos acumulados ao
longo dos tempos e dos livros que lê. Aproxima-se do povo,
estrategicamente e não comunicativamente56, para lhe transmitir
os conhecimentos. Ouve, mas não dialoga nem sequer é
solidária, acaba decidindo sozinho. Ensina a saber “desenrascarse” perante as agruras da vida.
A escola perfomativa realiza o ensino perfomativo. É permanentemente
solidária com o homem, com a sociedade, com a pátria e com o
mundo. Educa o aluno ou estudante a ser cidadão patriota, isto
é, responsável “em relação à sua pátria”57. É uma escola dialógica.
Ensina o aluno a saber dialogar com a sociedade e com as
comunidades. Promove e dinamiza uma interação entre a escola
e a sociedade. Dialoga com o pensamento e as experiências de
vida e da história. Dialoga com a natureza, criando no aluno a
consciência ecológica. A saber que o problema da erosão, do
lixo na cidade ou na vila, a sujidade ambiental são seu problema.
Forma o homem dialogante, solidário e não fanático. Dialoga
com as comunidades para aprender delas os saberes locais58 e
permutar conhecimentos transformadores da vida comunitária
para o seu bem-estar progressivo. Dialoga com a globalização
para dela tirar proveito e comunicar-se com o mundo. A escola
perfomativa prepara o aluno a identificar oportunamente as
“armadilhas” da globalização, esse “terramoto económico e
social”, utilizando a expressão de Schumann59 , mas ao mesmo
tempo ensina a saber recolher as vantagens para o seu proveito e
da sociedade na qual vive. A pobreza do povo é sua preocupação.
Assume a democracia como seu estatuto de estar na sociedade e
assim educa os seus alunos ou estudantes. Educa os estudantes
no valor da diversidade cultural e de ideais, como esteio da paz
social. Ensina a saber viver e o aluno aprende a saber viver. O
saber viver é um dos desafios identificados pela Agenda 2025.
Edgar Morin apontava-o já nos anos 90 do século XX, como um
dos desafios do homem do século XXI. Segundo este cientista,
a escola terá de ensinar o aluno ou estudante, como cidadão,
“a viver”, como condição para enfrentar a globalização. Para
isso, Morin recorda-nos Durkheim, para quem “o objetivo da
educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais
numerosos ao aluno”, mas o de “criar nele um estado interior e
profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente
num sentido definido, não apenas durante a infância, mas toda
a vida”.
Essa deverá ser a orientação da escola neste século. Uma escola
desafiada a formar o capital humano, como “agente apto a utilizar
as novas tecnologias, (...) com um comportamento inovador”;
uma pessoa “capaz de evoluir, de se adaptar a um mundo em
rápida mudança e capaz de dominar a transformação”60. A escola
perfomativa é a única capaz de formar capital humano com esse
perfil e, no seu tipo ideal, a única capaz de provocar com eficácia
o desenvolvimento rural. Significa que o próprio professor deve
ser capital humano.
Em suma, o século XXI não se compadece com a escola
monológica, com ensino cumulativo. Este século postula uma
escola perfomativa com um ensino igualmente perfomativo. A
escola e o ensino que persistirem no ensino cumulativo não só
serão marginalizadas como serão sempre subservientes, sem
Tomamos os conceitos estratégicos e comunicativo no sentido habermasiano de agir comunicativo
e agir estratégico.
56
MORIN, 2002: 65.
57
Cfr. GEERTZ, Cliford. O Saber Local. 2.ed. trad. Vera Mello Joselyne. Petrópolis, Rio de Janeiro,
Vozes, 1997.
58
146
59
MARTIN et alii, Op. cit., p. 113.
60
MORIN, 2002: 47-54
147
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
identidade e arriscam-se a desaparecer perante um mercado que
vai exigindo altas qualificações com competência, mais do que o
papel do diploma que pode ser comprado. Ora, as comparências
não se vendem, nem se compram.
6. O Professor: pensando no desenvolvimento rural:
6.1. Os grandes educadores como Confúcio (551-479 a.C.),
Sócrates (469-399 a. C.), Comenius (1592-1670), Pestalozzi
(1712-1778), Émile Durkheim (1858-1917), Ortega y Gasset
(1883-1955), Vygostsky (1896-1934), Piaget (1896-1980),
Bruner (1916-), Paulo Freire (192-1997), Basil Bernstein
(1925-2000), Michael Apple (1942-), Edgar Morin (1922-),
Julius Nyerere, Samora Machel, Tuntufye Mwamwenda, só
para citar alguns, todos mostram que ser professor é, ao mesmo
tempo, uma tarefa, uma vocação, uma profissão e, sobretudo,
uma missão. Essas quatro dimensões do ser professor61 são
interdependentes, complementares e se articulam entre si como
se indica no esquema:
SER PROFESSOR
é
Tarefa
Vocação
Profissão
Missão
Este quadro significa que o primeiro desafio do professor e
resumo todos os restantes desafios é o de saber ser professor, em
qualquer momento e em qualquer lugar. Como tarefa, ele deve
realizar ações que lhe são traçadas pelo Estado e não pode fugir
delas, nem, a belo prazer, alterar os conteúdos dos programas de
ensino. Deve cumprir essa tarefa com responsabilidade e, como
tal, não ser professor despachante, que despeja a matéria ao aluno,
não se preocupando com a assimilação pelos alunos, no extremo
do ensino cumulativo. Nem sequer ser professor supersónico, que
corre com as matérias a grandes velocidades, não se fazendo
ouvir e sem se preocupar com o tempo de aprendizagem
necessário ao aluno, porque corre para outras actividades
pessoais da machamba, beber, recolher-se nas explicações
aos seus próprios alunos porque dá mais dinheiro ou ir dar
aulas noutros estabelecimentos de ensino em detrimento da
instituição onde está vinculado. Ser professor é uma profissão.
É uma profissão de tipo especial, cuja função é educar. Comenius
já dizia no séc. XVII que ensinar é uma arte e responsabilidade62
. Kant (1724-1804) identificava a arte de governar e arte educar
como duas invenções dos homens das mais difíceis entre todas63.
Celebra um contrato com o Estado e por ele se compromete
a exercer condignamente a profissão que o torna funcionário
do Estado. Do mesmo contrato, espera receber do Estado todo
o apoio, condições necessárias e motivação para o seu bom
desempenho. Como vocação, direi em resumo, que a tarefa e a
profissão de ensinar não podem ser confiadas a qualquer pessoa,
pela responsabilidade que a sociedade e a Nação dão de educar
os seus filhos, os seus cidadãos. O ser professor é, acima de
tudo, uma missão. Como diz Edgar Morin, é “uma missão de
transmissão” de conhecimentos, de ensinar a saber ser, saber
estar, saber fazer e a saber pensar. Grande responsabilidade. Essa
transmissão exige competência, “além de que é também uma
técnica, uma arte”64 . Em suma, o professor deve ser competente.
As comunidades rurais querem um professor com vocação e
assuma profissão como missão. Dizia-me um dirigente que
a sociedade pode tolerar uma asneira numa pessoa doutra
COMÉNIO, João Amós. Didáctica Magar. Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos. Trad.
Joaquim Perreira Gomes. 5. Ed. Coimbra, Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Educação e
Bolsas, 2006, p. 45.
62
KANT, Immanuel, Sobre a Pedagogia. Trad. João Tiago Proença. Lisboa, Editora Alexandria, 2004,
p.16.
63
Desenvolvi essas quatro dimensões por ocasião do Conselho Coordenador do Ministério da
Educação, realizado na Cidade de Quelimane, no dia 12 de Agosto de 2010.
61
148
MORIN, 2002: 101.
64
149
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
profissão, mas não tolera a um professor, não que ele seja santo,
mas por que ele educa e, por isso, deve ser modelo dos seus
alunos e da sociedade.
6.2. Passo agora a referir-me aos desafios de ser professor em cada um
dos três níveis do nosso ensino: primário, secundário e superior.
Esses níveis, no conjunto do sistema de educação, pressupõem
uma articulação de acção e coordenação de esforços de mais
actores imprescindíveis, se se quiser que o processo de ensino
e aprendizagem logre resultados. Esses actores são: a própria
escola, o Estado, as comunidades locais (= como “cidadãos
individualmente ou colectivamente organizados)”65.
No entanto, há uma plataforma comum em todos esses níveis,
devendo cada nível realizá-la à responsabilidade do seu escalão:
- a missão de “ensinar a viver” e a saber pensar;
- transmitir sabiamente os conhecimentos;
- ensinar a saber transformar esses conhecimentos para o bem
próprio, da sociedade e saber assumi-los ao longo de toda a sua
vida;
- ensinar de tal modo que o aluno/estudante saiba transformar
as informações que recebe e os saberes que adquire em
conhecimento e a saber “transformar «esse» conhecimento em
sapiência”66.
Esta plataforma visa a formação duma cabeça bem-feita. Ela
é válida não só para escolas das zonas rurais como para as das
zonas urbanas, com algumas especificidades. Zonas rurais
onde tudo existe: o homem e os recursos que a terra oferece,
mas também onde a pobreza mais se caracteriza pela “carência
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
de potencialidades básicas”, adotando o conceito de Amartya
Sen 67.
Acredito que muitos aspectos não serão novos, porque o
Ministério da Educação deve os ter contemplado nos programas
de ensino. O que faço é talvez reforçá-los e facilitar o debate de
ilustres personalidades presentes neste espaço que a todos nos
orgulha.
6.2.1. No Ensino Primário:
No ensino primário, o professor conduz ou deverá conduzir
o processo de ensino e aprendizagem no sentido da criança
se situar desde cedo no mundo (a comunidade local) que a
rodeia, saber o ser humano, valorizar a vida, começar a crescer
no espírito da verdade, no sentido de servir a sociedade e saber
respeitar a família, a pátria e a Deus.
A primeira condição humana da criança é a de saber comunicarse na língua materna e na língua oficial do Estado moçambicano,
que é o português. São importantes as disciplinas de
comunicação e linguagem, como a escrita com boa caligrafia, a
leitura e a gramática. À medida que vai ganhando o domínio de
escrever bem e de forma legível, de ler e falar correctamente, no
caso bilingue, nas línguas 1 e 2, vai se apercebendo da vastidão
do mundo através da geografia, geometria e desenho. Penso
que a caligrafia devia ser obrigatória. Pela caligrafia também
se avalia a responsabilidade. A boa caligrafia significa que a
pessoa se preocupa em se comunicar bem com outra pessoa e
fazer-se entender. O domínio do computador não substitui a
boa caligrafia. Pela biologia, vai descobrindo a natureza do ser
humano e cada vez mais respeitando o corpo humano e saber
prevenir doenças contagiosas e endémicas como a tuberculose,
SANTOS: 2005:60.
65
MORIN, Op. Cit., p. 47.
66
67
SEN, Amartya. O Desenvolvimento como Liberdade. Trad. Joaquim Coelho Rosa. Lisboa,
Gravida, 2003, p. 101-124.
150
151
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
a malária, o HIV/Sida e a própria cólera, conservando limpo
o meio ambiente. A disciplina de biologia deve ajudá-la a
descobrir-se e a descobrir a constituição do corpo humano, os
cuidados de higiene, a idade apropriada de relações sexuais, os
rapazes e as raparigas a respeitarem-se mutuamente e a razão
por que se deve evitar casamentos e gravidez prematuros. Ao
aprender esses cuidados, a criança poderá influenciar melhor
os seus tios e avôs a praticar os ritos de iniciação em ambiente
de higiene e, se não tiver coragem de o dizer, porque é tabu,
mwikho em emmakhwa, ela quando crescer jamais permitirá
que os seus filhos se submetam a esses ritos em ambiente pouco
higiénicos, de poeiras e sujeita a infecções várias. Vai crescendo
e depositando mais confiança nas unidades sanitárias. Vai-se
formando no sentido de coerência dos hábitos de vida com os
conhecimentos científicos adquiridos na escola. A escola acaba
sendo tempo e espaço de formação e não apenas de instrução.
Vai, igualmente, descobrindo que a sociedade moçambicana
é estruturalmente complexa e diversificada na sua composição;
aprende que essa diversidade cultural é que faz a nação
moçambicana. A criança começa assim a crescer na cidadania
multicultural: que a moçambicanidade não se define pela
configuração tribal ou étnica, mas pela capacidade cidadã de
convivência multicultural, de cooperação e de solidariedade.
Por conseguinte, a existência de concidadãos de etnias
diferentes não constitui nenhuma invasão territorial e eles
não são “vientes”. Daí o respeito pela diferença e pela sua
dignificação. As ditas ciências sociais, como a história, que
constam do currículo para este nível, deveriam ajudar a criança
a crescer nesta direcção de moçambicanidade, de cidadania
multicultural, de cooperação e solidariedade. Neste memo
sentido, são importantes as disciplinas dos trabalhos manuais
ou ofícios, de educação física e a prática do desporto.
Vai perceber que a vida é a maior riqueza do ser humano e não
só deve amá-la, como ninguém tem o direito de tirar a vida a
outrem, nem fazer justiça por suas próprias mãos, desenvolvendo
assim o sentido de respeito à norma e confiança nas leis e nas
instituições de justiça pública.
Partindo do pressuposto de que o Distrito é o polo de
desenvolvimento e a maioria dos distritos se situam em zonas
rurais, seria importante que a criança receba desde cedo
conhecimentos elementares sobre a poupança, juros e se
aperceba da importância de guardar dinheiro no banco e que a
poupança pressupõe rendimentos da produção e não da usura
ou de corrupção. As estruturas governamentais do Distrito
têm um papel fundamental na estabilização das direcções das
escolas. Há uma inquietação de que os professores são muitas
vezes solicitados a actividades extra-escola, que interferem
no tempo lectivo. A partir de certa altura, a escola já não
consegue repor as horas interrompidas, o que se reflecte no
aproveitamento pedagógico dos alunos no fim do ano.
Vai desenvolvendo a cultura de leitura, através de textos infantis
e de escritores nacionais. Por esses textos vai melhorando a
redação, a escrita, e crescendo no sentido crítico e de verdade.
Tanto os poemas em língua portuguesa como os contos
(karingana wa karingana) e provérbios locais são determinantes
nessa fase de aprendizagem. O professor pouco poderá avançar
se as escolas primárias não tiverem bibliotecas apetrechadas
com livros e se ele próprio não tiver o hábito de leitura. A
matemática joga um papel fundamental no sentido de rectidão,
de lógica e busca da verdade. No entanto, percebi nas minhas
pesquisas que, geralmente, os professores das escolas primárias
têm muitas dificuldades de aproveitar a abertura dos 20% do
tempo curricular para enriquecer o programa com os saberes
locais.
152
Seguimos as teorias piagetianas de desenvolvimento humano,
é neste nível de ensino que a criança aprende a apegar-se mais
à família, a respeitar com mais intensidade os pais, a amar a
pátria e os símbolos de identificação nacional. Solidifica o
afecto familiar e o espírito patriótico, sem cair no nacionalismo
estreito que pode conduzi-lo ao fanatismo. Conhece os feitos
históricos da sua pátria e as autoridades nacionais e locais.
153
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
É importante a educação cívica no sentido weberiano68 . Nesse
nível de ensino, aprende também a importância vital da região.
Alguém dizia que assim como o pensamento está para a filosofia
e ciência, a oração está para a região que liga o homem a Deus.
Aprende por que razão a Constituição da República integra a
religião no capítulo referente aos direitos fundamentais do
cidadão69.
6.2.2. No Ensino Secundário:
Na antiguidade clássica, os romanos apreciam o homem
culto. Assim a educação do cidadão romano tinha por objetivo
formar o homem culto. Os gregos, pelo contrário, apreciavam
o guerreiro e só podia ser político (governante ou membro do
senado) quem tivesse sido guerreiro. No período helénico, a
educação tinha por objectivo formar um cidadão culto, que
soubesse servir ao estado.
Em algum momento se deve educar o cidadão a ser homem
culto, que ama a sua pátria e saber servir à sua sociedade que
o educa. O momento é, no meu entender, o nível do ensino
secundário. Em poucas palavras é o nível apropriado para o
aluno (dos seus 14 a 18 anos de idade) aprender “a verdadeira
cultura”70. Até porque começa a ser difícil chamar atenção a um
estudante do ensino superior, que se julga já educado, mesmo
quando ostenta lacunas de formação em regras básicas de
urbanidade e civismo.
As comunidades rurais querem que os seus filhos aprendam bem,
preparados para um futuro sem pobreza. Refiro-me à ânsia da
cultura de conhecimento (curiosidade à ciência), e cresçam na cultura
de trabalho (no sentido da diferença entre trabalho e ocupação,
e no de que sem trabalho não há vida possível e ele é a única
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Trad. Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da
Mota. São Paulo, Cultrix, 1993.
68
fonte de riqueza honesta), na cultura desportiva (com impacto na
saúde e na convivência social: saber ganhar com mérito e saber
perder e saber saudar quem ganhou) e na cultura de laser (como
momento de descontracção, de combate ao stress, de fruição
e saber descansar. É importante ensinar a saber descansar. A
cultura do laser estimula o turismo, o embelezamento da casa
e dos locais públicos, construção de praças, jardins, o cultivo
das artes, nas cidades, nas vilas e nos municípios, por exemplo.
Pois, o laser é também terapia). Nesses quatro tipos de cultura,
o aluno prepara-se melhor para o combate à pobreza e à criação
de riqueza nacional versus o bem-estar.
Essa fase é determinante para o aluno. Através das disciplinas
das ciências e das humanidades o professor ajuda o aluno
a aprofundar os conhecimentos sobre o Universo na sua
imensidão, sobre a terra onde habita com outros homens e
foi dada ao homem para dela explorar racionalmente as suas
riquezas, sobre a vida que deve estimar e valorizar e sobre o
humano, com respeito e humildade71. Embora cada disciplina
tenha um peso próprio, definido centralmente pelo Ministério
da Educação, nenhuma disciplina deve ser sacrificada, por
exemplo, o ensino das humanidades. Morin observa que “uma
das principais missões do professor secundário é a salvaguardar
a cultura das humanidades” . Tanto as matemáticas como a
filosofia, as ciências agrárias como história nacional, a geometria
como o desenho e as artes plásticas, tanto as ciências marinhas
como a literatura, tanto o empreendedorismo como a poesia são
todas importantes e se complementam na formação do homem
culto e cidadão.
Ao abrir-se num distrito ou numa localidade uma escola média
profissional, não se deve sacrificar o ensino das humanidades,
mas também ao abrir uma escola secundária geral, é importante
que o aluno adquira já da escola competências do saber-fazer
que lhe permitirão na vida prática caminhar para uma maior
autonomia económica e não depender apenas do salário como
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, 2004, artigo 54
69
MORIN, Op. cit. p. 78
70
71
154
MORIN, Op. cit ., p. 79.
155
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
emprego. A matemática ensina ao aluno a saber pensar com
lógica nas operações que realiza. As noções básicas de agricultura
e geometria no espaço capacitam-no a saber rentabilizar a
terra para que a semente melhorada produza quantidades
competitivas no mercado e para combater com eficácia a fome.
A história nacional deveria ajudá-lo a inserir-se melhor na sua
comunidade, no seu país, no continente, nesta era planetária e
alimentar a formação da cidadania, moçambicanidade e a autoestima.
Os programas de ensino devem ajudar o aluno a “internalizar a
história da sua nação”, a história da sua aldeia ou comunidade
onde vive o dia-a-dia, conhecer os recursos nela existentes,
e a saber “situar-se no futuro histórico” da África, e, “mais
amplamente, da humanidade”72 .
Estes desafios de ensino e aprendizagem obrigam que o professor,
na sua formação profissional, tenha conhecimentos básicos
de antropologia cultural e da psicologia de desenvolvimento
para melhor saber-se na comunidade de trabalho e orientar
melhor o aluno sob o ponto de vista pedagógico. Pedagogos
como Pestalozzi (1746-1827) e Edgar Morin (1921-) (bastante
distanciados no tempo) enfatizam a necessidade do professor se
“educar sobre o mundo e a cultura dos adolescentes”. Verificase muitas vezes que o professor não conhece o mundo e as
micro-sociedades que rodeiam a escola, que moldam a cultura
dos adolescentes73 e se reflectem na sua aprendizagem.
Outro desafio para o professor comum às escolas da zona urbana
como às das zonas rurais refere-se aos meios de comunicação
social e às novas tecnologias. Com o mercado liberalizado, os
meios de comunicação social, particularmente, as televisões e
a internet, veiculam também imagens, filmes ou novelas nem
sempre decorosos e com cenas de violência e agressão.
MORIN, Op. cit., p. 78.
72
MORIN, 2002: 80
73
156
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
O professor tem de ser formado também na leitura dessas
imagens estereotipadas de modo que o aluno saiba que nem
todas as cenas que vê devem ser imitadas e muito menos
assumidas para fundamentar a violência e o alcoolismo.
Penso que todas as escolas das zonas rurais deviam dar
noções de agricultura, de criação, tratamento e cuidados de
animais, incluindo de piscicultura, habilitando, deste modo,
o aluno para, na sua prática, participar mais tecnicamente
na luta contra a fome. A este nível, todos os alunos, da 8ª
a 12ª classes, deviam possuir um laptop. Assim como há
alguns anos a ardósia foi um meio didáctico obrigatório,
hoje o computador impõe-se por si mesmo. Isso obriga a
que o professor vá à escola já capacitado no manejo desses
meios informáticos. As escolas beneficiariam muito mais
das capacidades das Vilas do Milénio, transformados em
bancos de conhecimento.
Dos contactos mantidos com professores e técnicos
superiores da educação, percebi que há outro fenómeno
que afecta a qualidade deste nível de ensino e justifica em
parte as excessivas reprovações. A Universidade Pedagógica
tem vindo a formar docentes com formação superior,
especializados para o nível secundário, mas nem todos são
aproveitados. Face à demanda ou pressão social, e como
não se pode deixar as classes sem professores, os distritos
deslocam os professores com formação de 12ª +1, para dar
aulas nas 8ª, 9ª e 10ª classes.
Outro fenómeno é a interrupção das aulas nas escolas do
ensino primário e secundário, sobretudo nas zonas rurais.
Os distritos e os municípios interrompem as aulas para
os alunos e professores receberem uma autoridade que
vem fora da localidade ou distrito. A partir de um certo
número, torna-se muito difícil os professores reporem as
aulas interrompidas. Tanto os professores como os técnicos
superiores acham que se devia regulamentar os actos e as
157
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
personalidades cujas visitas requerem a interrupção das
aulas.
1.202 estudantes no total, assim distribuídos:
Graduação 2011 UP:
Penso que o ensino secundário devia todo ele ser
profissionalizante, embora diferenciado do ensino técnico
profissional que tem uma vocação própria. Assim, o aluno
graduado do ensino secundário geral estaria igualmente em
condições de criar auto-emprego ou ser facilmente aceite
no mercado pelas competências profissionais que traz da
escola. Essa reorientação para um ensino profissionalizante
tem implicações semelhantes nas instituições de formação
de professores.
O professor ideal para os desafios deste século e pela
qualidade de ensino que se exige para o desenvolvimento
das zonas rurais deve ter uma formação de bom nível. Penso
que é tempo de se começar a formar professores com o nível
superior para o ensino primário. Os actuais professores com
formação dos institutos de formação IFPs sentem na prática
as suas limitações e, na sua maioria, prosseguem os estudos
para cobrir lacunas que sentem. Cada um ingressa num
primeiro curso que se lhe abre portas, nem sempre ligado
à sua área profissional. Isto também influencia na baixa
qualidade de ensino. Penso que a Universidade Pedagógica e
as Faculdade de Educação doutras Universidades poderiam
assumir essa tarefa.
Maputo Beira Gaza Nampula Quelimane TOTAL
Gestão de Rec. Humanos/Inspecção:
209
-
-
-
PAGE:
422
142
-
25
11
656
153
Gestão Ambiental, Planificação e
Desenvolvi mento Comunitário:
Total:
-
209
165
65
794
119
-
44
199
119
165
109
1.202
Sugere que sejam aproveitados os graduados nesses cursos,
afectando-os através de concursos públicos para as direcções das
escolas primárias e secundárias e se estabilize essas direcções por
um mandato a ser determinado pelo Ministério da Educação.
Faz-se referencia à experiencia positiva do Instituto de Formação
de Professores “Alberto Chipande”, em Pemba.
6.2.3. No Ensino Superior:
a) Quando chegamos ao ensino superior nas diversas
modalidades de universidade, institutos e escolas superiores, a
reflexão ganha outro peso, porque são outras a sua missão, a
sua função e as suas responsabilidades. Quanto mais se qualifica
nos conhecimentos técnicos e científicos, mais é chamada a ir
ao Povo.
Nas mesmas pesquisas, foi-me igualmente observado que a
qualidade de ensino primário passa também pela afectação
de pessoal qualificado nas direcções das escolas. Esse pessoal
existe e continua a ser formado pela Universidade Pedagógica
através dos cursos de Gestão de Recursos Humanos/
Inspecção, de Planificação Administração e Gestão Escolar,
abreviadamente conhecido pelos estudantes por PAGE
e de Gestão Ambiental, Planificação e Desenvolvimento
Comunitário. Sem contar com os dos anteriores, só em
2011 A Universidade Pedagógica graduou naqueles cursos
Há duas diferenças nítidas entre este nível de ensino com os
dois precedentes, o primário e o secundário. Enquanto nestes
o enfoque do ensino é a formação do aluno com uma cultura
geral, a formação de uma consciência cidadã e planetária no
sentido de solidariedade com a humanidade e conhecimentos
básicos para a vida, já no ensino superior o enfoque é gerar
conhecimento e competências que habilitem o estudante para
o desenvolvimento da sociedade. Não se pode pensar o ensino
superior sem a sua ligação directa com o desenvolvimento da
sociedade. Nas instituições do ensino superior as três actividades
de docência
158
159
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
(D), investigação (I) e extensão universitária (Eu) tornaramse quase uma ladainha académica. Analisando bem, nenhuma
dessas actividades é exclusiva da universidade. O ensino primário
e o ensino secundário também realizam a docência. Como
observa o sociólogo brasileiro Pedro Demo, a própria pesquisa
não é uma actividade exclusiva da universidade. É que, muitas
vezes, tem-se um conceito errado de pesquisa. Quando se fala
de pesquisa, pensa-se sempre em pesquisa de ponta e associa-se
esta à universidade ou aos centros de investigação. Quando se
fala de pesquisa de ponta, só se reconhecem aquelas realizadas
nos Estados Unidos da América, na Europa, no Japão, no Canadá
ou Austrália. Mas a pesquisa é, “antes de tudo, ambiente de
aprendizagem” e uma “reconstrução do conhecimento”74 . Pedro
Demo avança mais dizendo que pesquisa, assim entendida,
começa no próprio ensino pré-escolar e se prolonga por toda a
vida, porque “reconstruir conhecimento não é tarefa especial para
curso especial, mas função da vida” (idem, p. 77).
a aprofundar a democracia, é uma forma de luta contra a exclusão
social, às doenças endémicas como HIV/SIDA e à malária,
desde que essas actividades não visem “arrecadar recursos extraorçamentais”76.
Outra diferença é a ligação da escola com a comunidade, que
nos centros educacionais das zonas libertadas da Frelimo durante
a luta de libertação nacional, tornou-se um princípio. Quer
dizer, a extensão universitária não é uma actividade exclusiva
da universidade. Ai do ensino superior que não se liga com as
comunidades. Só que nas universidades segundo Boaventura de
Sousa Santos, a extensão universitária deverá surgir, neste século
XXI, como alternativa contra-hegemónica da globalização. O
capitalismo global acaba reduzindo as universidades, sobretudo
nos países periféricos em “agências de extensão ao seu serviço” 75.
Condiciona o apoio financeiro a projectos de pesquisa que lhe são
úteis. Boaventura de Sousa Santos entende que cabe às próprias
universidades desencadearem reformas que coloquem a extensão
no centro das suas actividades, “com implicações no curriculum
e nas carreiras dos docentes”. São muitas as vantagens da extensão
universitária, na medida em que ela reforça a coesão social, ajuda
A seta alfa significa que é a sociedade que justifica a instituição
do ensino superior, seja ela pública ou privada. Significa que
a instituição do ensino superior presta contas à sociedade para
validar a sua existência e o seu desempenho. Quando se torna
improdutiva, a sociedade pode fecha-la, quer por iniciativa
do Estado que é soberano, quer retirando os seus estudantes,
reorientando-os para instituições mais sérias. Não se pode
pensar que, como o povo está sedento de educação e por ser
zonas rurais, pode-se abrir um ensino residual, sem obedecer
aos requisitos oficiais do Estado. As zonas rurais não podem ser
lixo dum ensino de lixo.
O que qualifica uma instituição do ensino superior performativo
e justifica a sua existência é o seu vínculo necessário ao
desenvolvimento da sociedade.
SOCIEDADE
(Comunidades Locais)
α
β
IES
DESENVOLVIMENTO
O vector gama reproduz a tese central do vínculo necessário
ao desenvolvimento. Não se trata do mero enriquecimento da
entidade instituidora, mas do desenvolvimento da sociedade. É
o sentido da seta beta.
DEMO, Pedro. Professor do futuro e reconstrução do conhecimento. 4. Ed. Petropolis, Rio de
Janeiro, Editora Vozes, 2004, p. 78.
74
SANTOS, Op. cit., p. 73
75
Idem, p. 73-74
76
160
161
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Assim, a sociedade e as comunidades locais pedem à instituição
do ensino superior três coisas, como nos recorda Edgar Morin:
i) Que a instituição do ensino superior saiba conservar
dinamicamente a herança cultural do povo, nos seus
saberes, ideias e valores, na medida em que não é possível
construir o futuro sem salvaguardar e preservar o passado
histórico e cultural (o património local, nacional e da
humanidade);
ii) Saiba regenerar essa herança, actualizando-a, reexaminandoa regularmente e transmitindo-a às novas gerações;
iii)Saiba gerar saberes, ideias e valores para o bem da sociedade
e o bem-estar dos seus cidadãos.
Uma instituição do ensino superior, particularmente a
universidade, é, por missão e função, dinamicamente conservadora,
racionalmente regeneradora e geneticamente geradora e criativa77 .
Talvez seja esta a maior expectativa da sociedade, em geral, ou
das comunidades rurais em particular, quando pedem uma
instituição do ensino superior na sua localidade: que ela saiba
gerar saberes que lhes ajuda a sair da pobreza; traga ideias novas
que lhe abra as mentes e valores que reforçam o seu ethos.
Resumindo esquematicamente a missão e a função do ensino
superior, temos:
1ª
Missão de: Conservar
a herança cultural do Povo
Função de: Docência
1ª
2ª
Regenerar
essa herança
Investigação
2ª
3ª
Gerar (criar)
saberes, ideias e valores
Extensão Universitária
3ª
Quadro: Missão e Função do Ensino Superior. Elaborado a partir de E. Morin.
Essas três características são-nos recordadas por Edgar Morin (Op. Cit., p. 81).
77
162
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
A Escola Superior de Ciências e Costeira de Quelimane parte
do pressuposto de que a investigação deve ser inspirada nos
problemas das comunidades (da sociedade) e as soluções devem
ser obtidas no terreno numa busca interactiva entre os docentes,
estudantes, as comunidades e que só assim elas podem ter
impacto na melhoria da vida das comunidades. Ambas, a Escola
e as Comunidades definiram em conjunto duas áreas prioritárias
neste momento: a piscicultura e a pesca artesanal. A Escola
trabalha com pescadores artesanais de Zalala em Quelimane, da
praia de Pemba, de Zonguene (Gaza), da Albufeira de Cahora
Bassa (Tete) e de Metangula, no Distrito do Lago (Niassa).
Essa ligação faz-se sentir na melhoria da gestão da pescaria, no
processamento e conservação do pescado. Estão, igualmente, a
desenvolver tecnologias de conservação do pescado introduzindo
congeladores solares e eólicos, fabricados pela Escola, para não
dependerem unicamente do combustível importado que lhes
fica caro. Na área de piscicultura, construíram um conjunto
de tanques de criação de peixe em Zonguene e Chonguene, na
província de Gaza e para cultivo de tilápias numa Quinta das
Mahotas, sempre com o envolvimento dos estudantes.
Outra experiência é da UniLúrio de Nampula. No seu processo
de ensino e aprendizagem, cada grupo de estudantes do Curso
de Medicina está vinculado a uma comunidade local. O Curso
de Nutrição trabalha com mães locais no aproveitamento da
casca do ovo para a produção de farinha, rica em cálcio para as
crianças. O mesmo fazem com as sementes de abóbora, que
aproveitam para o fabrico de farinha de alto valor nutritivo. O
Curso de Agricultura da Delegação de Sanga trabalha com os
agricultores locais para a melhoria das sementes que, durante
duas semanas, vão viver conviver com elas, inclusive, indo
trabalhar conjuntamente nas suas machambas. A UniLúrio
parte do pressuposto de que as famílias e as comunidades, ao
mesmo tempo que são objecto na sua pobreza como carência de
potencialidades, nas suas necessidades e problemas), são também
sujeito, que devem ser envolvidas inclusive na investigação,
cujos resultados vão melhorar igualmente o processo de ensino
e aprendizagem. Ao proceder deste modo, o processo torna-
163
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
se dialógico e democrático. Experiência curiosa: na última
campanha agrícola, a Faculdade da Agricultura teve maus
resultados na produção do feijão. Os docentes não quiseram
aceitar a experiência dos agricultores. Disse-me o Reitor,
Professor Ferrão, que os docentes e investigadores recorreram
a todas as suas teorias e livros para a produção do feijão e os
resultados foram nulos. Aprenderam que na segunda campanha
deve escutar mais aos agricultores e rever as teorias que ensinam
aos estudantes.
Não posso dizer que estas duas instituições sejam as únicas.
Posso dizer, sim, que estão num bom caminho e constituem
exemplo a seguir. Acredito que haja muito mais experiências de
instituições públicas ou privadas que caminham nesse sentido.
No entanto, tenho a percepção de que as instituições do ensino
superior instaladas nas zonas rurais são mais abertas, mais
dialógicas e envolventes, mais propensas ao ensino perfomativo,
do que as instaladas nas cidades que lutam entre o modelo mais
clássico e tradicional de ensino e o modelo perfomativo.
A segunda diferença com o ensino primário e o secundário é
que uma instituição do ensino superior é mais flexível no seu
funcionamento académico. É resultado da autonomia de que
dispõe. Uma instituição do ensino superior tem (ou deve ter) a
liberdade de a qualquer momento abrir um curso de formação
ou campo de pesquisa de acordo com as necessidades da
sociedade. Faculdade essa que o ensino primário e secundário
não têm.
Acrescento duas características do ensino superior, que
contrariam a histórica reforma de Humboldt em Berlim no
século XIX. A primeira é que toda a especialização, sobretudo
no ramo das ciências, configurada em departamentos, deve
estar intimamente ligada ao geral. Quem de facto percebeu isto
foi o Director do Instituo Federal da Tecnologia de Zurique,
Suíça, quando devolveu Albert Einstein à Escola Secundaria de
Aarau para completar e “consolidar os conhecimentos literários,
164
históricos e linguísticos de base” 78. Este caso diz, no seu limite,
que nenhum aluno deve ingressar no ensino superior sem a
cultura geral das humanidades consolidada, mesmo quando se
encaminhe para as áreas tecnológicas e cientificas como a física,
química e engenharias. O ensino secundário tem a tarefa de
consolidar no aluno essa cultura geral das humanidades. Um
taxista na cidade da Beira, que me levou para a cerimónia de
graduação da UP, ocorrida no dia 13 de Junho último, dizia-me:
“alguns desses doutores não sabem escrever correctamente”.
Não lhe respondi. Foi um reparo muito forte, mas não o
contrariei. Através do escrever correctamente, o taxista e talvez
os outros cidadãos moçambicanos, estão a exigir do graduado
universitário uma cultura geral consolidada e como condição
para ingressar no ensino superior onde se vai especializar numa
determinada área científica.
Uma segunda característica que contraria Humboldt é que
este, na sua reforma, achava que a formação profissional,
embora importante, era uma vocação marginal e indirecta de
Universidade79. Nas condições de pobreza de Moçambique, acho
que áreas das humanidades devem constar dos seus programas
de ensino e que a formação profissional não é vocação marginal
da universidade.
O figurino desse ensino superior aberto, transformador,
perfomativo, cria exigências ao professor que deve ensinar,
investigar e envolver-se na extensão universitária.
7. A título de conclusão:
Como afirmei na introdução, o tema que me foi dado é
complexo na sua compreensão e na extensão. Por isso, não
podia ter a veleidade de esgotar a reflexão. Pretendi apenas
MAZULA, Brazão. Pensar a “Educação Perfeita”: Comemorando Einstein 100 Anos Depois.
Maputo, Imprensa Universitária/UEM, 2006, p. 29-30.
78
79
MORIN, 2002: 82.
165
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
trazer umas ideias, por vezes, soltas, apenas para provocar o
debate, consciente de que é deste debate que sairão propostas
mais concretas.
A tese central da comunicação diz que o processo de ensino
e aprendizagem é, em cada estágio da evolução da sociedade,
desafiado fortemente pelas mudanças tecnológicas e ambientais,
quer nas escolas das cidades quer nas das zonas rurais. Nas
primeiras décadas deste século XXI far-se-ão sentir com maior
acutilância seis desafios: i) a globalização; ii) o combate à
pobreza e criação da riqueza nacional versus o bem-estar social;
iii) a manutenção da paz e estabilidade social; iv) a democracia;
v) a criação da consciência ecológica e vi) o repensar a própria
escola.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
meus agradecimentos vão também para o gabinete de Estudos
da Presidência da República, mais especificamente na pessoa
da Exma. Senhora Dra Arlete Matola e a sua equipa, que me
dirigiu o convite e me foi integrando nas praxes protocolares
destas circunstâncias. A todas as personalidades presentes nesta
sala, as minhas respeitosas saudações.
Muito Obrigado pela atenção dispensada!
Estes desafios obrigam a educação a passar do modelo de escola
monológica para a escola perfomativa e a correspondente
passagem do ensino e aprendizagem monológicos ou
bancários para um ensino e aprendizagem perfomativos, mais
dialógicos e abertos ao desenvolvimento das comunidades
ou da sociedade. Ouso dizer que se se quiser uma educação
determinante no desenvolvimento rural há que optar por uma
educação perfomativa nos seus três níveis, particularmente, as
universidades.
A comunicação termina incidindo mais nos desafios do processo
de ensino e aprendizagem referentes ao professor nos três níveis
de ensino primário, secundário e superior, e pensando mais
no desenvolvimento rural. Apesar do professor ser o motorchave desse processo, salienta-se que ele só poderá lograr êxito
quando souber ser professor, houver uma articulação estreita
de acção e cooperação com outros quatro actores, igualmente
determinantes, que são Estado, as comunidades locais, o sector
privado industrial e a própria escola.
Dr. Aurélio Simango no Seminário sobre o Papel do Professor
Não posso terminar, sem mais uma vez saudar Sua Excelência
o Presidente da República que pacientemente me escutou. Os
166
167
O PROFESSOR E OS DESAFIOS DO ENSINO E
APRENDIZAGEM NO SÉCULO XXI: UMA ABORDAGEM
ORIENTADA PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL
(Comentário ao texto de Brazão Mazula)
Por: Ernesto Vasco Mandlate
Introdução:
Com a permissão de Sua Excelência o Presidente da República, gostaria
de iniciar esta intervenção agradecendo o convite que me foi formulado pelo
Gabinete de Estudos da Presidência da República, com vista a comentar a
comunicação de tão conceituado Professor na área da Educação, o Professor
Doutor Brazão Mazula.
Ilustres participantes,
“[…] Vamos começar a nossa Campanha de Alfabetização. Que
os que sabem aprendam mais a ensinarem aos que não sabem.
Que aqueles que não sabem aceitem aprender. Que todos e cada
um se torne elemento activo da transformação do nosso País.
Que todos e cada um se engaje no combate duro, longo, mas
exaltante para pôr a ciência ao serviço do nosso progresso. Cada
um aprenda a sentir a dor do outro como uma dor de todos nós.
E dizemos: FAÇAMOS DO PAÍS UMA ESCOLA EM QUE
TODOS APRENDEMOS E TODOS ENSINAMOS […]”
O tema que nos propomos debater hoje, designadamente “O Professor e
os Desafios do Ensino e Aprendizagem no Século XXI: Uma abordagem
para o Desenvolvimento Rural em Moçambique”, é de suma importância,
actualidade e relevância relativamente ao contexto sócio-económico de
Moçambique.
– Samora Moisés Machel80
“A BATALHA DA ALFABETIZAÇÃO”. Discurso proferido pelo Presidente Samora Moisés
Machel por ocasião da abertura oficial da Campanha Nacional de Alfabetização, no encontro com os
trabalhadores dos Portos e Caminhos de Ferro. Maputo, 3 de Julho de 1978
80
Dr. Ernesto Mandlate a proferir a sua intervenção
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Para o presente seminário, serviu de premissa o argumento de Todaro
(2000), segundo o qual, “Os sistemas de educação dos Países em
Desenvolvimento (PeD), na actualidade, não se encaixam na visão
holística do desenvolvimento rural”. Através desta afirmação, veiome à mente que a maioria da população moçambicana vive em zonas
rurais e por isso o desenvolvimento de Moçambique no seu todo passa
necessariamente pelo desenvolvimento da zona rural do país.
Na sua introdução, o orador chama atenção para as características
do grupo-alvo do objecto do tema chave deste seminário, que são as
comunidades rurais, constituídas fundamentalmente por camponeses que
vivem ou sobrevivem da terra, herdada dos seus avôs ou antepassados,
vivendo por vezes na pobreza extrema, mas aspirando uma vida melhor.
É sobre este segmento social na sua relação com o ensino-aprendizagem
para o desenvolvimento que hoje queremos discutir.
Conforme pudemos ouvir, a comunicação do Professor Mazula desdobrase em cinco grandes temas, a saber:
Não é pretensão deste texto comentar a comunicação do Professor Mazula
na íntegra, mas sim dar uma singela contribuição para o debate em certas
partes que parecem cruciais na análise da problemática “O Professor e os
Desafios do Ensino Aprendizagem no Século XXI: Uma abordagem
para o Desenvolvimento Rural em Moçambique”.
1. Desafios do Século XXI.
2. Redesenhar a Escola.
3. Tipos de Ensino: rumo a tomar (ensino cumulativo versus
perfomativo).
4. Da Escola Monológica à Escola perfomativa.
5. O Professor: pensando no desenvolvimento rural.
Ao longo do artigo ora apresentado, o autor brinda-nos com experiências
e exemplos de uma amostra pequena, mas significativa na ilustração de
conceitos e processos no domínio da Educação, ou melhor, em toda a esfera
sócio-cultural. Em termos geográficos, o artigo viaja por experiências do
Norte, Centro e Sul de Moçambique, fazendo notar que os desafios
do ensino e da aprendizagem são praticamente os mesmos em todo o
Moçambique e certamente na zona da SADC e em muitos países em
desenvolvimento.
Nos cinco temas tratados ao longo da sua comunicação, o orador (Professor
Mazula) coloca igual número de desafios, que servem de pano de fundo na
sua reflexão didáctica em torno da Educação em prol do desenvolvimento
rural em Moçambique, designadamente: (1) a globalização, (2)
o combate à pobreza e consequente criação do bem-estar, (3) a paz e
estabilidade social, (4) a democracia e (5) a consciência ecológica. Este
pentágono é nos repetido algumas vezes ao longo dos diferentes capítulos
da comunicação.
170
Da Globalização
O orador, no seu texto, considera, e com razão, as tecnologias de
informação e comunicação (TIC) a arma forte da globalização e como
arma, ela funciona como um pau de dois bicos: ou apropriamo-nos dela
e usamo-la em nosso proveito ou colocamo-nos como vítimas dela. As
comunidades precisam de uma visão mais ampla de como as TIC podem
ser usadas de forma proveitosa para os sectores onde elas trabalham e para
o desenvolvimento do país no seu todo.
Segundo Collis & Moonen (2001) o uso de Tecnologias, em caso
específico, a Internet na Educação, imprime mudanças na atitude do
professor e do estudante. O uso das TIC introduz uma situação híbrida
no processo de ensino-aprendizagem, pois mantém-se o ensino presencial,
mas combinado com o ensino “online”. A combinação dos dois modelos, o
“online” e o presencial é uma das manifestações de “Blendend Learning”,
conceito bastante usado e discutido na aplicação das TIC no ensino.
É importante referir que, Moçambique tem uma política informática
desde o ano 2000, que assenta em seis pilares, a saber:
171
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
(a) Contribuir para o combate à pobreza e para o melhoramento das
condições de vida dos moçambicanos;
(b) Assegurar o acesso dos cidadãos aos benefícios do saber mundial;
(c) Elevar a eficácia e eficiência das instituições do Estado e de
utilidade pública na prestação dos seus serviços;
(d)Melhorar a governação e administração pública;
(e) Fazer de Moçambique um produtor e não um mero consumidor
das tecnologias de informação e comunicação;
(f) Elevar Moçambique ao nível de parceiro relevante e competitivo
na Sociedade Global de Informação (Política Informática de
Moçambique, 2000).
Esta política informática definiu igual número (seis) de áreas de actuação
com vista à implantação de uma sociedade de informação em Moçambique,
nomeadamente: (1) educação, (2) desenvolvimento de recursos humanos,
(3) saúde, (4) acesso universal, (5) infra-estruturas e (6) governação. O
documento da Política Informática ressalva, no entanto, que as seis áreas
explicitadas não devem ser vistas de forma exclusiva, pois outras áreas
também se revelam importantes, sendo o caso da agricultura e recursos
naturais, o meio ambiente e o turismo, o comércio electrónico e a protecção
do negócio, a protecção do público, a rede de instituições académicas e de
pesquisa, a mulher e a juventude, a cultura e a arte, e a comunicação
social (idem).
As tendências demográficas das últimas décadas permitem observar que
a percentagem da população rural tem vindo a decrescer, contrariamente
à tendência crescente da percentagem da população urbana, mas mesmo
assim, a percentagem da população rural continua acima da percentagem
da população urbana. Pelas condições oferecidas pelas zonas urbanas,
pode-se ter a tentação de investir mais acções de uso das TIC para o
desenvolvimento nas cidades, pois é lá onde as condições de acesso a
estas tecnologias são melhores, ou seja, é lá onde existe a electricidade,
172
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
as telecomunicações e menor taxa de analfabetismo. Contudo, uma tal
estratégia iria apenas aumentar o fosso entre a cidade e o campo e não
levaria a nenhum desenvolvimento do país no seu todo. Por isso, dadas
as condições de Moçambique, é necessário não descurar de investir acções
de uso das TIC nas zonas rurais, o que implica utilizar cada pequena
possibilidade de forma efectiva. Por exemplo, o número de usuários da
telefonia móvel tem crescido de forma assinalável desde a sua introdução
em meados da década 90. Efectivamente, em todo o lugar onde alguns
membros da comunidade já utilizam o telemóvel, existem condições
embrionárias de uso das TIC para a elevação do nível de vida das
populações.
Nas escolas, a presença de computadores ainda é uma raridade, mas
mesmo assim, há que ser-se proactivo, preparando-se os professores e
outros educadores em matérias de TIC. Estas são mais algumas entre
várias sugestões para a educação na zona rural e, como dizia Michael
Fullan (2001), na sua obra The New Meaning of Educational Change,
não há falta de ideias para a realização de uma boa Educação; o problema
está nos processos de implementação, que são bem mais complexos.
A questão da preservação do meio ambiente afigura-se também como uma
das áreas de intervenção, na qual a Educação é chamada a participar. O
orador (Professor Mazula) toca num aspecto preponderante da educação
para o desenvolvimento, esclarecendo a diferença entre emprego e trabalho.
Nas zonas rurais é notório o facto de a maioria não ter emprego no sentido
tradicional da palavra, mas sim trabalho. A questão é: como a educação
pode contribuir para um trabalho mais rentável que destrua a pobreza e
crie o bem-estar das populações rurais? Muitos pais no campo, quando
enviam os seus filhos à escola sonham em ver o seu filho melhor do que
eles e frequentemente, esta imagem se confunde com o fixar-se nas urbes
e ter um emprego.
Na busca do desenvolvimento para as zonas e comunidades rurais, a
Educação tem também a missão de educar as mentes e inculcar atitudes
mais positivas sobre as possibilidades de criação de bem-estar nessas
comunidades. E neste assunto, a palavra “tecnologia” tem que estar
173
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
presente não apenas na sala de aulas, mas também no nosso discurso
político e na relação com os membros das comunidades locais.
in Peru, Srti Lanka and Vietnam”, que serviu de inspiração para a
elaboração de alguns cenários:
Conforme faz referência o Professor Mazula, o Tratado de Maastricht,
assinado em 1992, chamou atenção aos cidadãos europeus sobre a
necessidade e utilidade de cada indivíduo ter mais que uma profissão, pelo
menos três, parafraseando o autor. Este facto tem uma certa similaridade
com as estratégias de sobrevivência das comunidades rurais, onde não
raras vezes um mesmo indivíduo, lavra a sua machamba (e por isso se
designa lavrador), pesca (pescador), cria gado (criador de gado), esculpe
louça e outros artefactos de madeira ou pedra (escultor), vende o excedente
dos seus produtos (vendedor), …, e por vezes ainda é líder religioso na
sua aldeia ou congregação. A segunda questão é: como é que a escola
pode contribuir na optimização da rentabilidade desta multiplicidade de
profissões para o indivíduo?
Caso 1: O caso de Peru
O Peru encontra-se na parte central-ocidental da América do Sul, possui
uma população de 25 milhões de habitantes, uma área de 1,285,000
Km2 e a sua densidade populacional é muito baixa (19 pessoas por
Km2). Até 1998, treze anos atrás, 95% de crianças de 6 aos 11 anos
tinham acesso ao ensino primário. Como eles conseguiram isso?
Do Redesenhar a Escola
Sobre a necessidade de criação de situações de igualdade entre a escola da
cidade e a da zona rural, parece não haver muita matéria para discussão.
O problema porém surge, quando nos apercebemos que a igualdade de
condições entre a escola urbana e a escola rural ainda é um horizonte
alcançável a longo prazo. E a terceira pergunta a lançar aos ilustres
participantes é: como tratar as escolas rurais enquanto não se atingir essa
igualdade de situações?
Em 2009 tive a oportunidade de trabalhar num estudo diagnóstico para
um programa alternativo de expansão do ensino primário do segundo
grau (EP2), cujo objectivo era a provisão do ensino primário completo
a mais aldeias, sem que se tenha de contratar mais professores, ou seja,
usando os mesmos professores vinculados ao Ministério da Educação
(os orçamentos anuais não aumentam muito e as novas contratações são
limitadas). No âmbito deste programa foram visitados certos distritos do
litoral de Cabo Delgado nomeadamente, Macomia, Meluco, Quissanga,
Ibo e Metuge. Sem entrar em muitos detalhes, gostaria de apresentar
um caso retirado do artigo de Hargreaves (2001) “Multigrade Teaching
174
No Peru, escolas com professores multidisciplinares e multi-classes são
o modelo mais comum nas escolas rurais e dispersas, em todo o país.
Este é o único modelo através do qual o Governo pode garantir acesso
à educação à maioria das crianças de populações pobres e isoladas, com
destaque para as populações indígenas da Amazónia. No Peru 96% de
escolas com professores multidisciplinares e multi-classes encontra-se em
zonas rurais; e nas zonas rurais 89 % das escolas é deste tipo. 69%
dos professores do Peru trabalha neste tipo de escolas (cerca de 41,000
professores) e 56 % deles constitui-se de homens. O trabalho neste tipo
de escolas (que pode também incluir pequenas deslocações de uma escola
a outra) revela-se particularmente difícil para as professoras, que têm
também responsabilidades domésticas incluindo cuidar de filhos.
O Ministério da Educação propôs a organização das escolas em redes de
escolas (uma espécie de ZIPs), como forma de minimizar o isolamento.
Ligaram-se as redes de escolas a institutos de formação de professores
e estes tiveram a tarefa de dirigir reciclagens e outro tipo de acções de
formação em serviço, que incluíam métodos de ensino bilingue em
ambiente multicultural;
Em cada província criaram-se Comissões de Coordenação da Educação
em Zonas Rurais; estas comissões tinham que diagnosticar problemas e
fazer planos de resolução dos mesmos nos seus contextos;
O Ministério colocou ênfase nos seguintes aspectos: (a) treinamento
prático de professores sobre situações reais da sala de aulas, (b) supervisão
175
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
e monitoria do treinamento de professores, (c) agrupamento de professores
em equipas de 8 a 10 elementos de escolas próximas, que se encontram
regularmente, de modo a minimizar o efeito do isolamento, (d) prestação
de contas destas equipas às comunidades e estruturas educacionais da
zona, (e) diálogo contínuo com ONGs, unidades da sociedade civil e
governos locais, (f) curriculum simplificado, com objectivos claros, (g)
criação de um sistema de avaliação de resultados e (h) constituição de um
sistema de distribuição de material didáctico para alunos e professores.
Para muitos países em desenvolvimento a definição de políticas para a
escola rural tem resultado em estratégias educacionais diferentes. Por isso,
há que indagarmo-nos sobre o seguinte: que estratégias são válidas no
contexto moçambicano para as escolas das zonas rurais, como factores de
desenvolvimento dos locais onde elas estão inseridas?
Dos Tipos de Ensino
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• O curriculum coloca balizas sobre os resultados esperados, mas
para cada estudante existe uma trajectória de aprendizagem a ser
observada pelo professor;
• A atribuição de tarefas de aprendizagem constitui a estratégia
central de formação, o que desenvolve a competência de autoregulação na aprendizagem e aprendizagem ao longo da vida;
• Porque este tipo de ensino inclui muitas tarefas de aprendizagem
em grupos, os estudantes desenvolvem também a competência de
cooperação e o sentido de complementaridade.
Do ponto de vista teórico é uma abordagem atraente, mas ao mesmo tempo
difícil, pois representa uma mudança de paradigma na forma de pensar e
agir dos professores, que deixam de ser transmissores de conhecimentos e
passam a ser facilitadores da aprendizagem (Mandlate, 2004).
Do Professor: pensando no desenvolvimento
Observando as últimas reformas nos diferentes subsistemas do Sistema
Nacional de Educação, nota-se que as bases da mudança do ensino cumulativo
para o perfomativo foram lançadas, porém o alcance dessa mudança ainda
vai levar alguns (talvez muitos) anos, pois trata-se da aquisição de uma
nova cultura e atitude perante a arte de ensinar e de aprender. Trata-se de
formar novos professores e oferecer oportunidades de formação contínua aos
mais antigos, usando métodos da escola perfomativa.
Esta abordagem pedagógica é também conhecida por ensino centrado no
estudante e pode ser resumido em certos aspectos:
• Cada estudante é tratado como uma individualidade, merecendo
um tratamento que lhe é adequado, consoante as suas próprias
características e necessidades;
• O processo de instrução baseia-se na abordagem construtivista da
aprendizagem, o que obriga à valorização da experiência anterior
do estudante;
176
Falar do professor é falar da qualidade do ensino e os problemas de
qualidade são os mais difíceis de resolver, pela complexidade de factores
que intervêm. O orador (Professor Mazula), chama atenção para o
seguinte: “as zonas rurais não devem ser lixo de um ensino de lixo”.
Como princípio, a directriz é imaculada, mas a questão central é: como
ela funciona na prática?
Muitos dos presentes nesta sala têm experiência do entusiasmo das
populações de um determinado posto administrativo, quando lhes é
anunciada a construção de uma nova escola secundária, que seja pública,
privada ou de uma organização da sociedade civil. Poucos são os casos
em que alguém se lembra de perguntar se a escola terá laboratórios,
computadores, campos de jogos e outros espaços diferentes das salas de aula
normais. Para as populações, a vinda da escola secundária ou do ensino
superior é sempre uma boa nova; é sinal de progresso e desenvolvimento.
Neste aspecto há que apelar o papel do Estado, como agente regulador dos
sectores de actividade económica, incluindo o sector da Educação.
177
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Professor no ensino secundário
Nas zonas rurais a massificação do ensino secundário tem sofrido
constrangimentos por falta de professores devidamente capacitados e por falta
de meios materiais para a realização de certas disciplinas. As disciplinas
com maiores dificuldades de implementação são as profissionalizantes e
as TIC.
As escolas secundárias têm que ter laboratórios, mas sabe-se que muitas
escolas, mesmo nas urbes, as que possuem laboratórios nem sempre têm
reagentes para fazer as aulas laboratoriais.
Existe um esforço de pôr em funcionamento as bibliotecas escolares,
mas salvo algumas excepções, as escolas não possuem livros em número
suficiente, nem bibliotecários formados.
No concernente ao desenvolvimento de competências de TIC nas
escolas, há um esforço de apetrechar as escolas, mas das poucas que já
possuem computadores, a manutenção dos mesmos é quase inexistente.
Casos também existem em que certas escolas não têm espaços físicos para
acomodar computadores.
Professor no ensino superior
Sobre o ensino superior, o Professor Mazula trouxe-nos dois exemplos
de como as instituições de ensino superior podem interagir com as
comunidades. Em termos curriculares, existem dois modelos que aguçam
esta abordagem, designadamente o ensino baseado em competências e o
ensino baseado na resolução de problemas.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
aulas o docente ao invés de transmitir teorias, ele apresenta um plano
de actividades que permita ao estudante apropriar-se do conhecimento
teórico relevante na realização de certas tarefas reais da vida ou profissão
relacionada com o curso (Mandlate, 2004).
Professor no ensino técnico-profissional e vocacional
Não seria bom terminar esta comunicação sem falar da importância das
escolas, institutos médios e superiores politécnicos como uma alavanca
importante para o desenvolvimento. Philip e Altbach (2003) observam
que Ghana e Coreia do Sul, em 1960, tinham aproximadamente o
mesmo desenvolvimento económico, ambos os países evoluíram, mas a
Coreia do Sul não só evoluiu como também se tornou numa referência
mundial na área económica, graças fundamentalmente a um investimento
agressivo na educação técnico-profissional dos seus cidadãos. O professor
da escola técnico-profissional e vocacional é o mestre, o tutor, o pesquisador,
o conselheiro e consultor para empresas e comunidades locais.
Mas para finalizar este comentário à comunicação do Professor Mazula,
parece pertinente perguntar: de que depende a formação do Professor
que queremos nas nossas escolas? Como construir o professor agente do
desenvolvimento da zona onde se insere a sua escola?
A Sua Excelência o Senhor Presidente da República e aos ilustres
participantes deste seminário vão os meus agradecimentos pela atenção
dispensada.
Muito Obrigado.
O mérito destes dois modelos curriculares (quando correctamente
implementados) consiste em:
a) eles quebrarem a fronteira entre ensino e investigação, pois, em termos
de ambiente de aprendizagem, o docente é fundamental na orientação da
aprendizagem, mas é o estudante que constrói o seu próprio conhecimento
e desenvolve as sua próprias competências e
b) quebrarem a fronteira entre teoria e prática, pois na maior parte das
178
179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• Collis, B. & Moonen, J. (2001). Flexible Learning in
aDigitalWorld. London: Kagan Page.
• Fullan, M. (2001). The New Meaning of Educational
Change (3rd ed.). New York: Teacher College, Columbia
University
• Política Informática de Moçambique. (2000). Governo
de Moçambique.
• Hargreaves, E., et al. (2001). Multigrade teaching in Peru,
Sri Lanka and Vietnam: an overview. In International
Journal of Educational Development. Pergamon.
• Mandlate, E. (2004). Ensino Centrado no Estudante
na UEM. In Rumos a Novos Horizontes. Imprensa
Universitária da UEM.
“[…] O Estado promoverá o conhecimento e o revigoramento e a
difusão nacional e internacional da cultura moçambicana, elemento da
consolidação da unidade nacional e parte essencial da personalidade
moçambicana […]”
– Samora Moisés Machel 81
Discurso da Proclamação da Independência Nacional de Moçambique proferido por Samora Moisés
Machel, Presidente da Frelimo, no Estádio da Machava. Maputo, 25 de Junho de 1975
81
O PAPEL DA CULTURA NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE, CONSOLIDAÇÃO DA UNIDADE
NACIONAL E PRODUÇÃO DE RIQUEZA
Por: Filimone Meigos
Foi-me pedido que falasse sobre o papel da cultura na construção
identitária, tendo em conta a consolidação da unidade nacional
e produção de riqueza. Com a devida modéstia académica,
sinto-me mais ou menos confortável para falar da cultura na
construção identitária, consolidação da unidade nacional, tendo
por estudo de caso Moçambique, onde aloco a minha história
de 51 anos de idade. Poderei, ainda que de forma mapeada,
desembocar na produção de riqueza. Porém, confesso, não me
sinto capaz de tratar da produção de riqueza, como poderá fazêlo alguém com uma identidade de economista, coisa que não
possuo. Por isso, a minha contribuição neste debate, cingir-se-á
ao papel da cultura na construção da identidade e na consolidação
da unidade nacional, se bem que, provocativamente e de forma
mapeada, me refira a cultura como um meio implícito que se
afirma como produtor e produto da riqueza. Na verdade, a
produção de riqueza como tal, será tratada pela segunda oradora
que complementará a minha alocução.
Para o meu caso, farei uma incursão teórica, definindo os
termos cultura e identidade para passar em revista o conceito
de unidade nacional, que, provocativamente, não distingo de
moçambicanidade. Na medida do possível, farei por dar exemplos
práticos da minha experiência de moçambicano colonizado
renascido a 25 de Junho de 1975, portanto, moçambicano
independente. Resulta daqui que este é um state of mind paper,
isto é, sigo as minhas percepções, algumas abordagens teóricas,
e, sobretudo, a minha experiência vivencial do assunto. Concluo
com alguns truísmos, verdades a la palisse, a saber:
• Que as identidades sociais são processuais tal como a
cultura e a unidade nacional/moçambicanidade. Por isso,
devem ser alimentadas quotidianamente por todos e cada
um de nós.
• Que a(s) cultura(s) as identidades e a unidade nacional
são, parafraseando meu amigo Isaú Menezes, como o
chá: devem ser tomados como um todo: açúcar, folhas
de chá e água quente. O que vai variando é o que
acompanha esse chá: se pão de centeio, mandioca, batata
doce, madumbe, nhymu, magunba/marora com salada,
xiquento de caril de amendoim com xima ou arroz,
rale, ou titxota. Seja como for, temos que ser capazes de
cria as condições para que tenhamos à mesa aquilo que
nós queremos e achamos que se ajusta melhor ao nosso
paladar. Sem preconceitos.
Passo, de seguida a tratar os conceitos. Porém, antes de entrar
na discussão dos conceitos, julgo ser necessário aclarar alguns
pressupostos teóricos, assunções axiológicas, portanto de
valores, que ajudarão a enquadrar a minha apresentação:
1. Sendo eu sociólogo, que fique claro: trato os factos sociais
como coisas, tal como foi definido por Émile Durkheim. Este
sociólogo francês define facto social como sendo
Dr. Filimone Meigos a proferir a sua alocução
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Toda a maneira de agir, fixa ou não, susceptível de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma dada sociedade,
apresentando uma existência própria, independente das manifestações
individuais que possa ter” (1966:12).
Três características são fundamentais para entender o facto
social:
a) Exterioridade em relação às consciências individuais;
b) Coersitividade, a coersão que o facto social exerce ou é
susceptível de exercer sobre os indivíduos;
c) Generalidade, em virtude de ser comum o grupo ou
sociedade.
Por isso, nalguns casos referir-me-ei a situações, nomes,
fenómenos e processos, tratando-os como coisas a partir das
quais procuro captar o chamado social.
2. Sendo o social que queremos analisar, moçambicano,
portanto, com a particularidade africana, defendo, com Elísio
Macamo (2002) a insistência na particularidade africana que
pressupõe uma realidade social fundamentalmente diferente
da europeia, o que exige instrumentos analíticos apropriados.
Aliás, segundo o mesmo sociólogo, a particularidade africana
pode ser resultado da complexidade do social ele próprio.
3. Sou apologista da abordagem subversiva, tal como definida
por Cardinal Arns, num encontro da Sociedade Internacional
para o Desenvolvimento, realizada em 1983. Neste encontro,
Arns define subversão nos seguintes termos: subverter significa
virar a situação ao contrário e olhar para ela à partir do outro
lado, isto é, olhar para a situação à partir do lado das pessoas que
têm que morrer para que o sistema continue.
4. Na medida do possível, do ponto de vista da intersubjectivação
(Castiano, 2010) aloco a minha comunicação no chamado
afrocentrismo e ubuntismo. Isto é, dou primazia a colocação
184
das ideias africanas no centro de qualquer análise que envolva
a cultura e o comportamento africano. Portanto, este seria o
afroncentrismo defendido por Assante (1998), e; Ubuntismo,
um movimento mais aberto, que acomoda sem remorsos valores
“estrangeiros” de forma construtiva (Castiano, 2010).
5. Um último reparo: sou dos que pensa, diferentemente de Max
Weber, que o cientista social deve estar engajado. Estou a dizer
que advogo um pensamento engajado, tal como defendido por
Castiano e Ngoenha (2010) no livro que assinaram em conjunto
e publicado Agosto último sob estampa da editora da UP. Estou
a querer dizer que existe, tentativamente, uma neutralidade
axiológica, mas este cientista social que sou, não é cogumelo,
isto é, não vem do nada, não cogumelou (muschruming). Tenho
uma história de vida, um passado e uma convivência. Portanto,
aprendi e apreendi algumas coisas que me impelem a tomar
partido, portanto, minha filiação teórica.
Passo de seguida ao tratamento e discussão dos conceitos de
cultura, identidade(s) e unidade nacional.
1. Cultura
Sem ser exaustivo, irei definir cultura, sua acepção ao longo
dos tempos para nos concentrarmos naquilo que julgo ser
importante para a questão que vamos debater: como a cultura
pode ajudar-nos a entender as identidades, a unidade nacional/
moçambicanidade e a produção da riqueza?
Por motivos que se prendem com a minha filiação teórica,
realço o ponto de vista da sociologia, se bem que a problemática
da cultura tenha sido colocada inicialmente pelos antropólogos,
o que resulta do encontro do europeu com o outro, no
empreendimento colonial. Portanto, refiro-me a alteridade que
foi posta aos viajantes e cronistas europeus nos seus contactos
com os ameríndios, africanos e asiáticos.
185
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Para os sociólogos, o agente, actor social, se quisermos,
interage com os seus ou com “o outro” através de mediações
simbólicas. Na verdade, a nossa acção como homens e mulheres
circunscritos a um espaço e a um tempo determinados, ocorre
na interacção que estabelecemos entre a primeira e a segunda
natureza, tal como teoriza o filósofo moçambicano Severino
Ngoenha. Para este filósofo, a primeira natureza seria a natureza
ela própria: rios, montanhas, árvores, animais, solo, subsolo e
outras realidades da estratosfera e mundo circundantes.
A segunda natureza seria a maneira como os homens e mulheres
materializam a vida através de mediações simbólicas e materiais
por eles inventadas, ou ainda através de gestos e palavras
feitos significados e significantes. Portanto, Ngoenha se refere
aos produtos tangíveis e não tangíveis que resultam na acção
humana:
“Para o Homem a importância da cultura é tal, que faz dela a segunda
natureza, sem a qual, aliás, não pode viver” (Ngoenha, 1994:10).
Esta questão clama por uma definição importante. Na verdade,
esta acepção é melhor entendida quando complementada pela
definição de E. Tylor, com a devida relativização, que sintetizou
cultura nos seguintes termos:
Tomado em seu amplo sentido etnográfico (cultura) é este todo complexo
que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de
uma sociedade (Laraia, 2001:14).
Isto quer dizer, em suma, que os homens e mulheres ao levarem
a cabo as suas práticas sociais fazem-no na primeira natureza
através da segunda natureza. Isto é, a maneira de pensar, sentir e
agir, depende do material e imaterial que é a segunda natureza,
portanto a cultura ela própria. Não olhemos para a cultura como
uma simples expressão de xigubo, makway, ballet, etc., mas, como
uma condição que nos faz a nós próprios, no sentido em que determina
e estrutura a maneira como nós pensamos e agimos (…) (Meigos,
2006).
186
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
De facto, neste trabalho entendemos cultura como conjunto de
práticas através das quais se produzem e se trocam significados
dentro de um determinado grupo (Hall, pp. 233). Resumimos,
por isso, cultura como sendo práticas sociais no seu sentido mais
amplo. Então, estamos a dizer que a maneira como se realiza
o parto é cultura. A maneira como se amamenta é cultura. A
maneira como se beleka a criança é cultura. A maneira como
comemos é cultura. Isto inclui a disposição dos dedos para
fazer as bolas de uswa/nsima/chima/titchota, molhar no caril
(mutxovelo, N´suzi, ) e leva-lo à boca.
Ao definirmos as coisas, os actos através dos quais a cultura se
materializa, incluímos a divisão social do trabalho: o que é que
as crianças fazem, o que é que os homens fazem, o que é que
as mulheres fazem e como o fazem no conjunto das práticas
sociais?
A cultura entendida como advogamos, incorpora a forma como
realizamos os nossos enterros, como caçamos, como pescamos,
como nos sentamos, como nos posicionamos perante os nossos
ou os outros, como nos percebemos e como nos comportamos
em todos os sentidos. Portanto, inclui todo o complexo material
e imaterial, quer dizer, a combinação de todos os traços culturais
(crenças, ideias, isto é, os elementos constitutivos de uma
cultura). Esses elementos são vários. O que importa é que eles
enformam o nosso comportamento, os nossos valores e a nossa
maneira de ser. A propósito, um pequeno episódio ilustrativo:
Uma antropóloga estrangeira a África estava estudando os usos
e costumes duma comunidade africana. Tendo terminado os
seus inquéritos e entrevistas, com tempo de sobra, entre o se
despedir e ir ao aeroporto, propôs uma brincadeira aos miúdos
que olhavam para ela atónitos e interrogativos. A brincadeira
que ela propôs consistia no seguinte: Ela penduraria um saco
de doces numa árvore distante. Quando ela dissesse, “já!” as
crianças competiriam numa corrida e quem chegasse primeiro,
teria direito a comer os rebuçados todos.
187
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Então, a antropóloga disse “já!”, e as crianças agarraram-se
todas umas as outras e partiram juntas em direcção à árvore das
guloseimas. Uma vez lá, a mais velha distribuiu por igual os
rebuçados por todos, para gáudio da antropóloga. As crianças,
felizes, comeram e se divertiram à brava. Atónita, a antropóloga
questionou, à boa maneira dos antropólogos, sobre aquele
comportamento. As crianças simplesmente responderam: Isto
é UBUNTU! sou quem sou porque SOMOS todos nós, como
poderia um de nós ficar feliz se todos os outros estivessem
tristes!!!?
Como podem ver, a questão aqui é o choque de culturas
(civilizações) a que se refere o teórico norte-americano
Samuel Huntington. A racionalidade subjacente na concepção
da antropóloga era a competição, portanto, o TER mais
relativamente aos outros, isto é, competição. Na cabeça das
crianças a racionalidade era o SERMOS, e não TERMOS.
Vejam a diferença que as culturas fazem. O padrão cultural da
antropóloga em questão era a compensação e a emulação do
melhor, individualmente. Diferentemente, o padrão cultural
das crianças era o chamado Ubuntu: nem um indivíduo nem
outro: todos!
Cá está a máxima ubuntiana segundo a qual nós só somos nós,
com e entre os outros, isto é “pessoa só é pessoa entre e com os
outros”:
• Munthu ndi munthu na anthu; (Ci-Sena)
• Munu ni munu ni vanu; (Changana)
• Umuntu ngumuntu ngabantu; (Zulu)
A construção do conceito de cultura nem sempre foi pacífica,
exactamente, porque, tal como me referi algures, ela emana da
alteridade, do encontro com o outro, teorizada pela antropologia,
então instrumento do crime colonial. Isso propiciou abordagens
etnocêntricas (julgar o outro a partir do ponto de vista dos
valores de quem julga, considerando os seus valores superiores
aos dos outros):
188
• Do mesmo modo, encorajou abordagens deterministas
do ponto de vista biológico e geográfico. Isto é, por
exemplo, afirmar que uma tez de pele é inferior ou
superior a outra com a consequente hierarquização na
escala societal e a respectiva recompensa social, isto é a
distribuição de bens e serviços culturais (simbólicos);
bens e serviços económicos (mercado); e bens e serviços
políticos (portanto, recursos de poder e de autoridade
(Política);
• Ou, o pensar preconceituoso segundo o qual as pessoas
dos trópicos são preguiçosas pelo facto de aí terem nascido
o que se justificaria pela existência de “temperaturas mais
altas que propiciam o ócio”, e que, portanto, são pouco
fiáveis no que concerne a labuta, ao trabalho. Deste ponto
de vista, as pessoas nascidas nos trópicos, como nós,
são “pouco laboriosas”, “pouco trabalhadoras”, “pouco
empreendedoras”.
Ora, essa maneira de pensar criou condições para o aparecimento
de:
•
•
•
•
Epistemecídios (matar o saber dos outros);
Genocídio (eliminar o outro porque é diferente);
Xenofobia (aversão ao outro por ser diferente);
Preconceitos/ discurso de desqualificação do outro, teoria
da rotulação/rotulagem;
• Universalismo eurocêntrico que, aliás, repousa no
discurso positivista dominante.
E tal como nos assevera José Castiano,
Assim, por insistir numa posição universalista, o positivista não reconhece,
e nem está disposto para tal, a posição ou o “local cultural” eurocentrista
em que se encontra submerso. Desta forma, não admira que, devido a sua
189
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
tendência de universalizar a validade das suas interpretações, o positivista
tenda a não reconhecer o discurso do “outro” (Castiano, 2010:133).
Resumindo, quer dizer que ao nos referirmos a cultura estamos
a falar desse conceito escorregadio que, no entanto, pode ser
definido estruturalmente pelas suas componentes ideológicas
que constituem as lentes através das quais os homens e mulheres
lêem o mundo (Ruth Benedict). Ou, todo esse complexo que
constitui formatação informática (Clifford); código de símbolos
partilhados (Geertz); conjunto organizado dos vários modos de
vida de uma sociedade: o trabalho, a religião, a linguagem, as
ciências, as artes e a política (Hegel). Assim sendo, podemos
concatenar, com Williams as componentes da cultura nos
seguintes vectores:
1- Manifestação de trabalhos e práticas;
2- Processo de desenvolvimento;
3- O que expressa uma forma de vida.
A UNESCO (Agência das Nações Unidas para a Cultura,
Educação, Ciência, Ambiente) define cultura, não no sentido
restrito das belas artes, literatura e filosofia, mas como sendo
As características distintivas e específicas e a maneira de pensar e organizar
a vida de cada indivíduo e comunidade. Por isso, cultura cobre a criação
artística, bem como a interpretação, execução e circulação das obras de
arte, cultura física, desporto, jogos e actividades ao ar livre e também
as formas de como uma sociedade e os seus membros exprimem os seus
sentimentos para com a beleza e harmonia, a sua visão do mundo, como
também os modos de criação científica e tecnológica e o controle do seu
ambiente natural.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a
cooperação e a comunicação. Formam o contexto comum em
que os indivíduos numa sociedade vivem as suas vidas. A cultura
de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis – as
crenças, as ideias e os valores que formam o conteúdo da cultura
– como também aspectos tangíveis – os objectos, os símbolos ou
a tecnologia que representam esse conteúdo (Giddens, 2010).
Cá está a justificação ontológica e epistemológica dos
movimentos de libertação nacional e as consequentes políticas
culturais dos países que foram adquirindo as independências.
Seja a African Personality defendida por Nkrumah, seja Cultura
como a expressão mais alta do movimento de libertação nacional
(Amílcar Cabral) ou que seja mesmo o paradigma libertário
proposto por Severino Ngoenha:
O substracto filosófico do pensamento africano é, sem dúvida, a busca
da liberdade, devido à situação categorial oprimido/escravo/colonizado/
subdesenvolvido na qual os povos africanos se encontram a seguir ao
encontro/choque com o Ocidente. Estas buscas tomam formas diferentes
segundo as épocas, os períodos históricos e os lugares geográficos
(Ngoenha, 2004:74).
Este desiderato tem por pano de fundo o chamado Renascimento
Africano que floresce no Pós-Guerra, particularmente nos
primórdios dos anos 60, o chamado ano de África. O historiador
congolês-democrático Elikia M´Bokolo põe a questão nos
seguintes termos:
Posto isto, resta-me terminar com a frase lapidar de um sociólogo
do nosso tempo, Anthony Giddens, que define cultura como
sendo aqueles aspectos da sociedade humana que são antes
apreendidos do que herdados. Esses elementos culturais são
Se a ideologia do “renascimento africano” conheceu fluxos e refluxos,
as independências libertaram definitivamente, sem dúvida, no domínio
da cultura, as forças criadoras das sociedades africanas que já nada
poderia conter, mesmo no tempo dos despotismos dos partidos-Estadosnações. É certo que essas dinâmicas haviam surgido num passado mais
ou menos longínquo, tanto no plano propriamente artístico como no
plano das diversas actividades culturais e da reflexão intelectual. Mas
as independências criaram uma situação nova, dando aos Estados os
190
191
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
meios, e, simultaneamente, a obrigação, de inventar políticas culturais
e aos criadores uma liberdade e uma autonomia que não desfaleceriam.
(M´Bokolo, 2007, 586).
Resumindo: temos que a cultura torna-se pois, num importante
instrumento, numa das prioridades dos Estados nascidos das
independências. Para o caso moçambicano, a Constituição de
1975 proclama no seu artigo 15, que:
A República Popular de Moçambique realiza um combate enérgico
contra o analfabetismo e obscurantismo, e promove o desenvolvimento
da cultura e personalidade nacionais. O Estado age para promover
internacionalmente o conhecimento da cultura moçambicana das
conquistas culturais revolucionárias dos outros povos.
É verdade que esta Constituição foi revogada e deu lugar à de
1990. Se bem que não seja tão peremptória como a de 1975,
esta Constituição também proclama, no Artigo 11 (Objectivos
fundamentais) ainda que diferentemente, o comprometimento
do Estado moçambicano perante a cultura, nos seguintes
termos:
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
1. Todos os cidadãos têm direito à liberdade de criação
científica, técnica, literária e artística.
2. O Estado protege os direitos inerentes à propriedade
intelectual, incluindo os direitos de autor, e promove a
prática e a difusão das letras e das artes.
Se compararmos os preceitos plasmados nas duas Constituições
podemos inferir que a cultura tem lugar destacado, se bem
que na Constituição de 1990 tenha ficado esbatida a maneira
clara como vinha explícita na Constituição de 1975. Porque
será? Terá alguma coisa a ver com a mudança de paradigma
económico, o que se exprime na atitude do Estado retratar-se
numa perspectiva de “nem carne nem peixe”, isto é, deixando
ambígua a importância e o papel da cultura? Seja como for,
prevalece a intenção, pelo menos no espírito, de evidenciar o
papel da cultura e identidades na Constituição. Atentemos, a
propósito, para o Artigo 9 (línguas nacionais) na Constituição
de 1990:
O Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e
educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como
línguas veiculares da nossa identidade.
O
Estado moçambicano tem como objectivos
fundamentais:
(…)
c) A edificação de uma sociedade de justiça social e a criação
do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida
dos cidadãos;
(…)
i) A afirmação da identidade moçambicana, das suas
tradições e demais valores sócio-culturais;
No seu artigo 94 (Liberdade de criação cultural), a Constituição
de 1990 vai mais longe e articula que:
192
Da esquerda para a direita, a frente, Francisco Rodolfo e Glória Muianga
193
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Isto quer dizer que o Estado reconhece as línguas nacionais
como sendo veiculares da nossa identidade. A questão básica
que se nos coloca é: será que o Estado reconhecendo esse
preceito abarca toda a questão sobre as culturas e identidade(s)
dos moçambicanos? O que são, afinal, as identidades? O que
é que está em jogo quando falamos de identidades? Qual é a
relação que podemos estabelecer entre as culturas, as práticas
sociais, os indivíduos e as identidades?
A secção que se segue é uma tentativa de discurso por esse
“lamaçal” que dá pelo nome de identidades.
Identidades: identificações e identizações em conflito cooperado
culturas
identidades sociais
práticas sociais
indivíduos
Figura 1: Multidimensões das inseções sociais
A julgar pelo modelo que nos é proposto acima por Rogério Tilio
(2009), as identidades são tidas como construções, portanto,
numa perspectiva socio-construcionista, isto é, identidades
múltiplas e não essencialistas . O que é que isso quer dizer?
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
em relações sociais, constroem identidades sociais, que, por sua
vez inserem-se em determinadas culturas. Identidades sociais
seriam, portanto, as formas pelas quais os indivíduos se percebem
dentro da sociedade em que vivem e pelas quais percebem os
outros em relação a eles próprios (BRADLEY, 1996).
Bradley vai mais longe ao afirmar que a identidade social se refere
ao modo como nós, enquanto indivíduos, nos posicionamos
na sociedade em que vivemos e o modo como percebemos
os outros nos posicionando. As identidades sociais provém
das várias relações sociais que as pessoas vivem e nas quais se
engajam (idem).
Weeks (1990) define identidade como o sentimento de pertencer
a um determinado grupo; é a identidade que define “ o que você
tem de comum com algumas pessoas e o que o torna diferente
das outras”.
Por seu turno, Norton (2000) entende identidade como a
“forma como a pessoa entende sua relação com o mundo, como
essa relação é construída ao longo do tempo e do espaço, e como
a pessoa entende possibilidades para o futuro”.
Em última análise estamos a falar de dois conceitos: identificação
e identização. Isto é, referimo-nos ao processo através do qual os
actores sociais se integram em conjuntos mais vastos, de pertença,
ou de referência, com ele se fundindo de modo tendencial
(processo de identificação) (Pinto, Madureira 1991:218); e,
processo de Identização, o processo através do qual os agentes
tendem a autonomizar e diferenciar-se socialmente, fixando em
relação a outros, distâncias e fronteiras mais ou menos rígidas
(Pierre, Tap, 1986:12): Por exemplo, nós os do centro, nós os do
Nguiana, nós os do Maxaquene, nós os Macuas, nós os Koti de
Angoche, mwatu muno, wagaia…
Quer dizer tão somente que os indivíduos, ao se engajarem
De qualquer modo algumas questões saltam-nos à vista:
•Que o conceito de identidade é escorregadio, portanto,
processual,
estrutural e relacional. Já me explico. As
194
195
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
identidades são construídas reflexiva e auto-reflexivamente,
portanto, produtos contextuais que são definidos pelas diferentes
categorias que esse mesmo indivíduo ostenta. As identidades,
por conseguinte, são processos de exclusão, inclusão, integração
diferenciação, com e contra.
Por exemplo, eu sou negro, masculino, nascido na Beira, filho de
mãe chuabo, cujo pai era da zona sena da Zambézia (Campira) e
cuja mãe era chuabo de ascendência, macua mauriciana e indiana.
Sou filho de pai de Inhambane (Magueza) de ascendência
Chope (de Kandene) por parte do pai, e de mãe de ascendência
Changana: Serafina Muchine Macuacua era minha avó. Meus
filhos nasceram no Maputo, filhos deste que eu sou, e de uma
mãe filha de um Ngoni (Trindades) e de uma nhunguê (Costa
Xavier).
De qualquer modo, se eu quiser operacionalizar os processos de
exclusão direi que não sou branco, portanto, excluo os brancos
dessa definição, não sou mulher, excluo as mulheres do meu grupo
de pertença, integro-me no grupo dos homens, da Beira e não
no grupo dos homens de Nova Zelândia. Portanto, a construção
de identidades alimenta-se sempre de alteridades (reais ou de
referência). Quer dizer, em conclusão que, as identidades são
relacionais, isto é, são sempre em relação a algo: excluem, incluem,
são contra e são com, isto é, são por fechamento e por inclusão (a
grupos de pertença e de referência): Nós os do AMIZAVA, nós
os da Academia de Ciências de Moçambique, nós os da CASA da
BEIRA, nós os da AMETRAMO, nós os GAYS, etc.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Se eu tomar cultura como estilo de vida próprio influenciado
pelo meio social em que vivo, um território, um tempo, uma
história, um modo de vida próprio, que compartilho no e com
o (s) meu (s) grupo (s) de referência (s) e de pertença, então,
iremos desembocar naquilo que muitos chamam de identidade
cultural, porque, afinal, partilhamos a mesma cultura, nós os
outros. Quer dizer que há uma identidade cultural brasileira,
moçambicana, tanzaniana, sul-africana, portuguesa, etc.. Isso
se manifesta no canto, nos ritmos, no balanço, na maneira de
comer, no que comer, nas crenças, etc. Isso, na verdade, nos
obriga a irmos para o concerto das ditas globalizações com a nossa
cota parte. Devemos levar connosco os nossos instrumentos e,
na medida do possível, as nossas tonalidades, temas, proposta de
pauta e solfejo e o nosso próprio gosto, portanto, nosso farnel,
nossa comida. Temos que fazer perguntas simples do género:
• O que é efectivamente nosso que me diferencia dos
outros?
• O que é que somos de facto?
• Será que somos, como muitos dizem, cidadãos do mundo,
cidadãos globalizados?
• Ou somos cidadãos de um sítio concreto, de uma cultura
e de uma história concretas?
Concatenando, as identidades estruturam e são estruturadas pelas
culturas dos agentes sociais que as ostentam. Isto é, eu ostento a
identidade A, B, ou Y, na medida em que eu for capaz de espelhar
traços identitários e traços culturais dessa mesma identidade que
eu vou construindo relacional e estruturalmente em relação aos
meus e aos outros. Essa mesma ostentação, depende das estratégias
identitárias que eu for utilizando de acordo com o trajecto social
que eu for incorporando.
Em conclusão, direi que a identidade é a produção da diferença,
e ser diferente significa ser como os meus, por oposição a ser
como os outros. Isso impõe-me certos deveres. Primeiro para
com os meus. Depois, já que sou de uma cultura inclusiva,
ubuntiana, sempre com os outros, para minha própria
satisfação. Só assim posso entender o outro, de paridade,
mesmo que diferente. E a propósito, penso que não faz sentido
que, por exemplo, os Jogos Africanos se realizem no meu país
(Moçambique) e o hino desses jogos abra com a minha timbila,
e depois, estruturalmente, esse hino seja uma composição
totalmente dominada pelo género musical kwassa-kwassa que
não é moçambicano. Deveria ser o contrário. A Timbila seria
transversal, e depois, um cheirinho de kwassa-kwassa, porque
196
197
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
nós somos com os outros. Ninguém fará o mesmo com o nosso
Muganda, Maphadza, Utse, Makway ou Mudjagadja, em iguais
circunstâncias. Porque é, em suma, uma questão de produção da
diferença e de afirmação de identidade cultural.
Identidade Moçambicanidade Moçambicanização
Em 1998, o Professor Carlos Serra, sociólogo moçambicano,
levou a cabo uma série de sessões, um curso aberto, do qual
participei, em torno do tema “Para uma sociologia dos processos
identitários em Moçambique”. Dessas sessões resultou uma
compilação em livro cujo título aproveitei para dar nome a esta
secção. Participaram como oradores nomes sonantes da nossa
inteligentsia: Severino Ngoenha, Elísio Macamo, António Sopa,
Nelson Saúte, Gerharld Liesegang, Manuel Araújo e o próprio
Carlos Serra.
O que vou fazer de seguida é aproveitar essa compilação para
através dela localizar, isto é, moçambicanizar o debate sobre as
identidades. No meu entender, essa foi a primeira incursão para
a sistematização do tema, na academia moçambicana. Por isso,
vou fazer uma rápida revisão bibliográfica dos textos para passar
em seguida a secção da unidade nacional que muito ganhará com
tais textos.
No sumário do livro em apreço podemos ler que Carlos Serra
escreveu o prefácio. Da página 17 a 34 Severino Ngoenha
escreveu o texto: Identidade moçambicana: já e ainda não. Da
página 35 à 70 Elísio Macamo analiza “A influência na formação
de identidades sociais no sul de Moçambique”; da página 71 à
79, António Sopa escreve “Notas sobre a identidade”; Nelson
Saúte escreveu (79-98) o texto Identidades em literatura (Espaço
público, literatura e identidade). Territorialidades sociais e
identidades com referência a Moçambique é o texto de Gerhard
Liesegang (99-160); Espaço e identidade (161-172) é o texto de
Manuel Araújo, e finalmente, da página 173 à 188 Carlos Serra
encerra com a comunicação: Pluralidade e processualidade
198
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
identitárias – para um paradigma da identificação contraditorial.
No prefácio, o Professor Carlos Serra refere-se à maneira como
nós monitoramos nas nossas vidas como pequenos mundos
dóxicos, do género: “a vida é assim”, “uma coisa é o que é”,
“uma coisa não pode ser ao mesmo tempo ela e outra própria”,
“somos moçambicanos”, “ele é Ndau”, etc..
Serra assevera que tal se deve ao facto de pensarmos de forma
aristotélica estabelecendo espécies de coisas destituídas de
interacção: “organizamos os fenómenos como se a razão de ser
estivesse neles próprios e fosse independente de uma relação ou
de um campo relacional”.
Serra, advoga que a questão não pode ser posta nos termos
“quem somos nós?”, mas, antes, “quem somos nós em relação
aos outros?”, ou, “quem são os outros em relação a nós?”. Serra
assevera que a identidade social não preexiste à relação: constróise na relação: na relação ela actualiza-se sem cessar. E toda a
relação é não apenas conflitual como processual (…). Por isso, A
identidade é um modo historicizado e dinâmico de categorização
simbólica usado por indivíduos e grupos nas suas trocas sociais.
Ela não é um estado, mas um processo incessantemente
alimentado, retro-alimentado e modificado quando necessário
no decorrer das relações sociais”. Portanto, estamos a dizer que
a identidade social, em princípio, deve ser considerada sob o
signo da construção social (conflitual-dialógico) que é negocial,
conflitual, ambíguo, processual, em acontecendo. Na verdade,
e segundo Serra, as identidades actualizam-se pela inovação.
De seguida, o professor Severino Ngoenha diz-nos que a
identidade moçambicana é, de certa forma, uma herança
que herdámos da coragem e da valentia de muitos homens e
mulheres que lutaram, que se sacrificaram e dos quais muitos
morreram pela nossa independência, pela nossa soberania, pela
nossa liberdade: “Exactamente por isso, a moçambicanidade é,
também, e sobretudo, um dever e uma tarefa: dever de conservar
a liberdade e a soberania duramente conquistadas; tarefa de as
199
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
consolidar e de as incrementar para as gerações futuras”.
Ngoenha empresta ao debate uma questão interessante, a missão
que nos é posta relativamente à consolidação e incrementação
da identidade moçambicana com os olhos postos nas futuras
gerações. Tarefa árdua esta, a de explicarmos aos nossos filhos
que somos, negros, brancos, ou mulatos, manhambanas,
massenas ou machanganas, de origem bantu, koi-koi, San, lusa,
indiana, chinesa, paquistanesa, grega, persa, etc., mas, acima de
tudo, moçambicanos. Falando assim, referimo-nos às nossas
cosmogonias, ou à tez da nossa pele, mas, sobretudo, somos
moçambicanos em moçambicanização, isto é, em acontecendo,
o que se torna tarefa, missão premente e espinhosa neste
paradigma do neo-liberalismo. Dizer que somos mais do que
as nossas origens pode pôr em causa aqueles que preferem as
identificações por exclusão, uma vez que “ficamos poucos, sendo
que assim, restam mais fatias do bolo para dividirmos entre
nós.” Ou seja, infelizmente, há cada vez mais gente a excluir
por questões ligadas à redistribuição de recursos materiais e de
poder.
O modo de vida e integra vários elementos que vão desde crenças
religiosas até folclore, política, etc. Os indivíduos vivem a vida
e, no processo, dão conteúdo e significado à sua existência.
Na verdade, este é um tempo de oportunismos, de divisões que
se apoiam na tez da pele, nas origens, por fechamento, pois, “os
recursos são escassos”, tal como nos diz a ciência económica.
Resulta daqui que cada um se reduz à sua origem, supostamente
essencial e originária, excluindo os outros. Voltaremos a este
assunto quando tratarmos da unidade nacional.
O modelo da ambivalência cultural também assenta num
conflito entre o extremo individual e o extremo estrutural, do
sistema. Todavia,
Elísio Macamo, à boa maneira dos sociólogos, propõem-nos um
quadro teórico inspirado no sociólogo alemão, George Simmel
que realça o modelo do antagonismo cultural, o modelo da
ambivalência cultural e o modelo do dualismo cultural para
explicar as identidades sociais. No modelo do antagonismo
cultural, Simmel parte do pressuposto segundo o qual os
indivíduos são produtores/criadores de cultura. Nesta acepção
cultura é entendida como
200
Do lado oposto, a materialização do antagonismo acontece
pelo facto de termos que ter em conta outro extremo do
binómio, portanto o extremo cultural, que se apresenta como
sistema social, portanto como forma. Resumindo, teremos
aqui uma situação em que a forma e o conteúdo interagem
em cooperação ou conflito. Portanto, referimo-nos ao conflito
interessante dos indivíduos como produtores e produtos da
cultura. Isto é a criação individual da cultura e a necessidade
da reprodução do social que é sistémico e estrutural:
Trata-se do problema cultural da individualização, dum malestar cultural determinado pela necessidade de os sistemas se
reproduzirem sem referências aos criadores individuais de
cultura.
Desta feita, porém, os indivíduos são apresentados como
consumidores de cultura ou, mais precisamente, como
administradores da sua própria conduta de vida. A cultura
é, neste modelo, vista como uma esfera estética, donde os
indivíduos retiram símbolos proporcionados pela cultura
integram, entre outros, a religião, a língua, a etnia, a linhagem,
etc.
No modelo do dualismo cultural, o extremo individual é
representado por indivíduos receptores de cultura. Do ponto
de vista individual a cultura é recebida e “processada” como
cultura subjectiva. Isto é, no fundo a velha discussão filosófica
entre o subjectivo e o objectivo, entre o indivíduo e a estrutura
201
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
social. O que pressupõem ter em conta essa tensão permanente
ente a individualidade e a estrutura social, portanto, conflito
entre o indivíduo e a sociedade.
Neste artigo, Macamo começa por se referir a Eduardo
Mondlane afirmando que este dizia que Moçambique era uma
invenção portuguesa, dentro da qual a experiência comum de
opressão e dominação dos africanos conduzira ao despertar
duma identidade nacional moçambicana. Paralelamente,
Macamo contrapõem o historiador francês Michel Cahen que
colocou em causa a interpretação de Mondlane, interrogandose sobre se Moçambique existiria de facto. O argumento de
Cahen, plasmado na explanação de Macamo, é que “a nação
moçambicana como sentimento de cidadania por parte da
maioria dos habitantes do Estado não existe. Existe, sim, uma
referência às fontes locais de identificação como sejam a etnia
e respectivos valores culturais, a região e suas especificidades,
etc.. A ideia de nação moçambicana que as elites internas
teriam promovido ao longo dos anos – à custa de muito
sangue e do atraso geral do país – corresponderia mais à
orientação jacobina, isto é, centralista, de elites desenraizadas
e teria pouco ou quase nada a ver com as tradições culturais
da maioria dos Moçambicanos. Michel Cahien vai mais além
e indicia o projecto nacional da FRELIMO, por via dum
marxismo estalinista, de ter sido o esforço de um pequeno
extracto “crioulizado” à procura duma identidade”.
Cahien, francês que é, esqueceu-se que De Gaulle diz que a nação
francesa foi construída a ferro e fogo. Esqueceu-se, também,
que a França, como comunidade imaginada, nasceu como todas
as outras nações, através de uma unidade nacional política que,
a pouco e pouco, se foi transformando e construindo. Escusado
será dizer que Cahien está equivocado duas vezes. Primeiro está
querer definir identidades por base em essências. Segundo, está
a deitar, depois do banho, a água mais a criança. Isto é, todo
o trabalho que foi feito, de forma perversa, pelo colonialismo,
de unir os moçambicanos na base do sofrimento e dominação
comuns;
202
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Segundo, ignorou todo o trabalho político decorrente da Luta
de Libertação Nacional dos moçambicanos e da subsequente
politização e consciencialização dos moçambicanos nos anos
pós independência, mesmo que tenha havido alguns percalços.
Quem não se lembra de Samora a cantar, e todos nós a
repostarmos em coro antifónico: “Vamoçambicano inkwero:
Akuna muchope akuna muchangana!
Achei interessante que Macamo tenha trazido a lume toda
esta discussão, pois, tem a ver com a nossa própria identidade
nacional, que, aliás, tal como todas, é uma construção, “um
plebiscito de todos os dias”.
A seguir, o historiador António Sopa brindou-nos com uma
análise centrada na etnicidade, socorrendo-se de Bourdieu
(1994) e Cunha (1996):
“As divisões étnicas são uma explicação possível para perceber,
dizer e construir o mundo social, dentro de um certo princípio
de visão e de divisão, ainda que, par o mesmo, esta forma de
reagrupamento esteja sempre ameaçada pelas cisões e oposições
ligadas às distâncias no espaço social (Bourdieu 1994)”;
“A etnicidade usa uma linguagem cultural para falar de grupos
e relações sociais. Ela pode ser um aspecto fluído e ambíguo
da vida social, sendo manipulada pelos próprios agentes num
grupo considerável; (Cunha, 1996)”.
Este é o aspecto novo acrescentado às discussões até aqui
apresentadas nesta discussão. No meu entender, descobre um
aspecto importante, particularmente no caso moçambicano,
onde, contrariamente ao propalado discurso da unidade
nacional, a etnicidade ganha cada vez maior espaço, como
veremos adiante.
Nelson Saúte fala do equívoco da nacionalidade literária,
discussão antiga na instituição literária, uma tentativa de
203
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
responder a questão: quem são os escritores moçambicanos?
Portanto, está a falar da identidade nacional no campo das
literaturas.
Gerhard Liesegang trata da questão das territorialidades
sociais ligadas às identidades incorporando o conceito de
etologia humana nas ciências sociais. Etologia seria o estudo
do comportamento social dos animais não humanos e, a sua
introdução no estudo dos animais humanos. Segundo Liesegang,
ajuda-nos a entender o comportamento social dos humanos:
“esta terra é minha e dos meus; este espaço é meu e dos meus”,
tal como o fazem os leões, as formigas ou as cobras.
De seguida, Manuel de Araújo trata, do ponto de vista da ciência
geográfica, a noção de escolha de lugar, espaços dominantes e
dominados, evolução das diferenças e das relações entre espaços
e a percepção de espaço. Na verdade, ele se refere a como as
pessoas se identificam com os espaços onde residem e realizam
as suas relações sociais:
Quando se pergunta a um citadino onde mora, ele indica a rua,
quando é possível e o bairro onde reside. Isto significa que ele
se identifica com o “seu bairro” que lhe serve como ponto de
referência para se situar no conjunto urbano.
Esta acepção encerra as complexas tramas sociais, relações que
se cosem a partir dos espaços entrosados às identidades.
Por fim, Carlos Serra faz o remate final, se me é permitido o uso
de uma metáfora emprestada dos futebóis. Encerra assim, em
aberto, o debate, mostrando a maneira dual em que assentamos
as nossas acepções e análises, para terminar com o princípio
da ambivalência identitária, o pomo da questão. Resumindo,
as identidades são complexas, fluídas e processuais. Ele fala
em polissemia dos processos identitários em Moçambique.
Quer dizer que os processos identitários, em Moçambique,
204
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
dizem muita coisa, são polissémicos. No fundo, ele quer dizer
que identidade como processo social é um termo com muitos
significados passíveis de serem tratados tanto para bem como
para mal.
Sobre a unidade nacional: moçambicanidade
Nesta secção recorri a um artigo que escrevi há alguns anos, e
publiquei no Jornal Notícias, creio que em 2004. Transcrevi-o
quase à letra adequando-o a esta discussão.
A sociologia questiona e problematiza a realidade social.
Dentre as várias estratégias teóricas que utiliza, ela socorre-se
de antinomias/díades do tipo conflito versus consenso. Isto
quer dizer que, através de lentes sociológicas, um mesmo
facto social, pode ser visto numa perspectiva de “guerra ou de
paz”. De “cooperação” ou de “conflito”, embora exista uma
terceira perspectiva, o acontecendo, o continuum, portanto,
processual. No caso da unidade nacional, que eu entendo como
moçambicanidade, ela se presta aos três sentidos e a muito
mais.
No meu entender, a unidade nacional/moçambicanidade tem
sido discutida segundo a atitude da “avestruz”, enterrando
a cabeça na areia deixando exposto o resto do corpo. Isto é,
omitindo o conflito. O que não me parece sensato, porque o
conflito permanece latente, e por isso, adiado. É de louvar os
esforços que têm sido feitos no sentido de incluir na agenda
nacional tal questão.
Se olharmos para as teses da Frelimo ao longo da sua existência,
a unidade nacional tem estado sempre presente. Está na sua
própria génese (na união dos três movimentos que estão na
sua origem), está nas teses de todos os congressos e está na
sua acção programática. A questão básica que se levanta é,
porquê esta atenção especial para com a unidade nacional/
moçambicanidade?
205
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
A moçambicanidade e a unidade nacional são assuntos que estão
sempre presentes. Quanto menos não seja pelo simples facto de
Moçambique ser um mosaico de pequenas nações, se assim se
pode dizer, que sozinhas, provavelmente não chegassem a ser
uma unidade sócio-político cultural no concerto mundial das
nações. Só esse facto clama por uma reflexão.
Outro dado que me parece importante é o facto de a Constituição
moçambicana hierarquizar os cidadãos em originários, de cidadania
adquirida, e não originários, o que de per si constitui mote para
discussão. Porquê, por exemplo, os de cidadania adquirida
primeiro que os não originais? E porquê esta dicotomia?
Em terceiro lugar, tem havido preocupação, particularmente de
segmentos políticos, ao se referirem à moçambicanidade e unidade
nacional como sendo uma pedra basilar da nossa existência,
quiçá do nosso desenvolvimento harmonioso. Enquanto uns
exacerbam a diferença no sentido negativo do termo apelando
a secessão, outros há que se desmultiplicam em discursos para
provar que só a unidade nos trará paz e coesão sociais.
Pela negativa, temos pronunciamentos como o célebre “discurso
das cancelas”: “Já que temos problemas, vamos pôr cancelas no
Rio Save e dividir o país. Assim, resolvemos as assimetrias”(!)
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
aquilo que nos faz ser cada dia estes moçambicanos que somos,
sempre em construção porque, no dizer de Severino Ngoenha, a
moçambicanidade é e ainda não.
A dupla dimensão da unidade nacional
Concebo a moçambicanidade e a unidade nacional em duas
dimensões. A primeira é de fórum filosófico. A segunda,
empírica. A primeira, é uma perspectiva teórica sobre o conceito
de unidade, dimensão que acaba enformando a maneira como as
pessoas representam o termo. Isto é, como as pessoas entendem
o termo unidade.
A segunda dimensão (empírica) incorpora a filosófica e é a
realização prática das ilações teóricas sobre essa unidade. Ou seja,
como cada um de nós materializa e incorpora no seu dia-a-dia essa
unidade, em ordem a consubstanciar a moçambicanidade, este
outro conceito processual, em acontecendo quotidianamente. É
o processo da moçambicanização tal como definido por Carlos
Serra, Elísio Macamo e Severino Ngoenha, feliz formulação
que parece captar esse ir acontecendo. Tal processualidade
fragmentária e ténue, é, ao que parece, muito complicada e
confusa.
Pela positiva podemos arrolar o discurso do Presidente Joaquim
Chissano aquando dum aniversário do 4 de Outubro e a
Conferência de Armando Emílio Guebuza no passado dia 2 de
Fevereiro (2006), a propósito do Dia dos Heróis. No primeiro
caso, Chissano defendeu que se deve discutir a moçambicanidade
e a unidade nacional sem tabús. Na mesma perspectiva, Guebuza
explicita o não à padronização identitária.
O ponto é saber até que medida a moçambicanização e a unidade
nacional são tidas como missão por todos nós, moçambicanos
renascidos do 25 de Junho. Pois, a moçambicanização deve ser
206
Evaristo Abreu no Seminário sobre a Cultura
207
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Do ponto de vista teórico-filosófico o termo unidade é dúbio.
Por um lado, ele se refere a uma entidade, a um ente distinto.
Quer dizer, uma unidade é um elemento singular. Seja um
copo, um lápis ou uma manga. Por exemplo, nas Forças
Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) unidade
era o elemento básico da instituição militar, era o soldado: a
unidade, o elemento.
Por outro lado, do ponto de vista empírico/prático, a unidade
remete-nos para a união, o que vai desaguar num substantivo
colectivo. É por isso que nas FPLM, unidade significa(va)
um conjunto militar estruturado, como, por exemplo, uma
companhia um batalhão ou uma brigada.
Sendo que o conceito de unidade nacional começou a
ser construído por altura da Luta Armada de Libertação
Nacional num contexto político/militar sui generis, é muito
provável que essa confusão teórica tenha sido um bicho-desete-cabeças nas mentes dos nossos libertadores. Não fosse o
cunho marcadamente político que a luta de libertação nacional
acarretou, mais complicado seria ainda. Valeu-nos a existência
dum inimigo comum, o que fez prolongar a “lua-de-mel”
nesse “casamento nacional” que fez prescindir a procura de
virtudes de parte a parte dos “nubentes”, potenciando, em
contrapartida, a vontade de união por oposição a um “papão
comum”, o colonizador.
Na verdade, por essa altura, a unidade nacional dos
moçambicanos se construiu pela negação do colonialismo.
Ou seja, pela negativa que passou a ser positiva. Nos anos
subsequentes a 1975, a unidade nacional se formatou na
luta contra Ian Smith, no apoio à luta contra o apartheid,
no apoio a luta dos zimbabweanos pela sua independência,
caracterizados por uma solidariedade nacional que pode
ser simbolizada pelo Banco de Solidariedade, pelo espírito
de missão dos Jovens do 8 de Março e de todos esses
moçambicanos anónimos que deixaram as “suas províncias”
208
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
para cumprirem tarefas em sítios que jamais passariam pelos
seus planos pessoais.
No entanto, tal não evitou que a vida de milhares de
moçambicanos fosse sacrificada pondo em causa a legitimidade
e eficácia dessa abordagem da questão.
Até aqui tudo bem.
Inimigo comum: será?
Hoje, numa situação de multipartidarismo e de pluralismo
de ideias o que é então a unidade nacional? Qual é o inimigo
comum, por via de cuja negação far-se-á a unidade nacional,
pela positiva, tal como nas primeiras duas situações de supostos
“casamentos” felizes? E em relação ao tal “casamento”, será que
já acabou a “lua-de-mel”? Se sim, já podemos começar a olhar
para as virtudes e os podres que enformam tal “casamento”?
Em relação ao inimigo comum, o velho Marcelino dos Santos
disse-o e bem, na palestra dada por Armando Emílio Guebuza
(2 de Fevereiro 2004) que o inimigo comum de hoje são os
globalizadores. É pela negação destes que é suposto fazermos a
unidade nacional dos moçambicanos, quiçá a unidade de todos
os condenados da terra. Portanto, na óptica do dinossauro da
nossa libertação, o que guia a definição é a mesma estratégia
ideologizante por negação, que por seu turno, tornar-se-á
positiva. Adiante veremos o senão dessa estratégia.
Em relação à questão da “lua de mel” está claro que ela já se
acabou, se bem que persista a componente político-ideológica
na definição de unidade nacional. Mais do que nunca, volvidos
estes anos todos, os noivos já estão mais preocupados um com
o outro. Falando sem suporte metafórico, penso que continua
por resolver a questão prática da unidade dos moçambicanos.
Os moçambicanos precisam conhecer-se mutuamente, inter
cruzar as diferentes origens étnicas, sociais, raciais etc., tal como
209
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
definido nos Estatutos da Frente de Libertação de Moçambique.
No caso de hoje, penso, um dado novo deve ser a atitude que
hoje, diferentemente, tem que ser tomada. É o caminho do
reconhecimento mútuo e respeito pela diferença que devemos
trilhar se queremos resolver a questão descartando a tese do
inimigo comum, e não tanto “matar a tribo para fazer crescer
a nação”. Essas “tribos” devem ser entendidas no sentido de
“mini-nações”, como há dias asseverava um amigo meu: “mini
nações com existência própria e com cunho de enriquecimento
do sentimento nacional”.
Se eu quiser falar como Castiano (2010), diria que temos
que ser capazes de materializar aquilo que ele chama de
intersubjectivação. Portanto, devemos ser capazes de nos
misturarmos, reconhecendo as diferentes idiossincracias
colectivas e individuais.
O que inviabiliza o argumento do inimigo comum hoje é o facto
de a globalização (e os globalizadores) serem um fenómeno que
remonta há muitos séculos. Para além de que os moçambicanos
não são o seu único sujeito/objecto. No entanto, e ao que tudo
indica, precisamos de continuar a ser moçambicanos nascidos
desse 25 de Junho de 1975, quanto menos não seja só pela
identidade de passaporte. Donde resulta que precisamos de estar
unidos moçambicana e independentemente dos globalizadores
que, obviamente, estiveram e sempre estarão omnipresentes.
Parece-me que independentemente da nossa unidade nacional,
a estratégia para a globalização deve ser segundo a divisa
decalcada e reformulada: “pobres de todo o mundo univos!”, o que implica uma coligação mundial de todas as raças,
etnias, classes sociais e nações contra a injustiça social que é
engendrada à escala planetária. Mas, a unidade nacional deve
ser a coligação de todos os pobres, ricos, pretos, brancos, ASenas, A-Ndaus , Macondes, A-Jauas, Changanas, etc. etc.,
todas essas mini-nações moçambicanas. Na verdade, deve ser
uma vontade política assente no famoso paradigma libertário
Ngoenhiano, que pressupõe, em última instância, a vontade de
vivermos juntos e de partilharmos um mesmo destino e espaço,
210
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
sejam elites, contra-elites ou a massa anónima que, na falta de
melhor termo chamaremos nação moçambicana que é uma
comunidade imaginada. Essa vontade traduz-se na vontade
de liberdade comum, por oposição à escravatura nas suas
diferentes mutações, seja o racismo, o elitismo, o etnicismo, o
regionalismo, a pobreza, ou outro “ismo” qualquer que se nos
afigure negativo para connosco como comunidade imaginada.
Outrossim, não temos chance que não seja maximizarmos as
benesses dessa globalização que, não obstante, traz vantagens
inevitáveis, como por exemplo os preceitos que são supostos
fundamentar o nosso Estado, que no fundo emana da Revolução
Francesa: Liberdade, Fraternidade, Igualdade. Quer dizer que
no nosso caso, ao invés de um Estado mínimo devemos começar
a pensar num Estado que cuide dos mais desfavorecidos,
contrariamente aos hegemonizantes ditames neo-liberais.
Cuidando das diferenças, aproximando posições e igualando os
diferentes quadrantes. Aqui, mais uma vez cabe o cliché: iguais
na diferença! Ou, diferentes na igualdade!
Então, em que ficamos?
Tudo passa pela unidade nacional.
Na definição de unidade nacional por via de inimigos comuns,
por altura da Frente de Libertação de Moçambique, parece que
deixamos por resolver questões existenciais que ajudariam a
entender hoje as querelas da unidade nacional de ontem, intra
nacionalmente. Se ontem deixamos de lado as querelas inter
grupais para cuidarmos do inimigo comum, a pergunta legítima
que se pode fazer hoje é: derrotado o inimigo comum, que
esforços foram feitos na resolução dessas questões adiadas?
Durante a Luta Armada de Libertação Nacional, a FRELIMO foi
de facto uma frente onde triunfou a “linha justa”. Como falar de
unidade nacional hoje numa situação de multipartidarismo e de
pluralismo de ideias, constitucionalmente consagrados? Como
211
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
entender o globalizador como inimigo comum para a definição
da nossa unidade nacional hoje, se tais globalizadores estabelecem
redes e coligações com o Estado moçambicano e segmentos
nacionais de moçambicanos? (não nos esqueçamos que o Estado
moçambicano anda nos carris do Washington Consensus).
Mais do que pensar nos globalizadores como inimigo comum,
temos que pensar em nós mesmos deixarmos de ser nossos
inimigos internos. Já me explico. Isso significa que um maconde
deve ver um changana como seu co-cidadão; um Chope deve ver
um jauá como seu co-cidadão. E por aí adiante. O que é que isso
significa?
Unidade é singularidade na pluralidadade: confusão
existencial.
Cada uma das comunidades de pessoas que compõem o nosso
país ostenta a sua própria idiossincracia, a sua identidade
cosmogónica. Quer dizer tão simplesmente que cada uma das
comunidades tem a sua dinâmica simbólica (de significados)
intra grupal. Daí a noção de partilha de significados. Por
exemplo, os ritos de iniciação revestem-se dum significado vital
para os Macondes. Provavelmente não o sejam para os Ba ronga.
Todavia, ambos têm o direito a serem nacionais moçambicanos,
cada um com as suas iniciações ou não. E cada um de nós deve
entender o outro, não como folclore, mas como parte de si: o
Jawa deve entender que o Muganda é genuinamente seu, como
também o Xigubo e o Tufo. E vice-versa: O changana deve
entender que o makway é seu, tal como também o nhambaro e
o mapadza.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Quando falamos de unidade nacional queremos dizer que
cada um dos diferentes grupos sócio-linguístico-culturais
goza do direito à diferença. Unidade nacional, para mim,
significa que eu maconde reconheço os códigos intra-grupais
E-makua e os respeito. E vice-versa. Reconhecer vai para além
da simples tolerância. Posso tolerar até ao dia que eu quiser.
Mas reconhecer significa que eu maconde, eu macua, vejo o
nhunguê como me vejo a mim próprio, nesta comunidade
imaginada que dá pelo nome de Moçambique. Isto pareceria ser
simples se não houvesse de permeio preconceitos, arrogâncias
e rotulagens sedimentadas em muitas das nossas cabeças, o que
vem complicar ainda mais o xadrez. Vamos por partes.
Segundo o dicionário de sociologia de Allan Johnson,
“preconceito é a teoria da desigualdade racial, étnica, entre outras
formas, e discriminação é a sua prática”. Preconceito é uma
atitude cultural positiva ou negativa dirigida a membros de um
grupo ou categoria social. Como uma atitude, combina crenças
e juízos de valor com predisposições emocionais positivas ou
negativas.
O preconceito é sociologicamente importante porque
fundamenta a discriminação, o tratamento desigual de indivíduos
que pertencem a um grupo ou categoria particular.
Arrogância não tem grandes definições, é isso mesmo: soberba,
altivez, insolência, o olhar para o comparsa de cima para baixo,
complexado.
Ao falarmos de unidade nacional, julgo, queremos proclamar
a hifenização da nossa existência comum, sem eclipsarmos as
existências individuais/comunitárias: Macondes são Macondes,
A-ndau são A-Ndau, Ba-ronga são Ba-ronga, A-sena são Asena. Mas “unidademente”, devemos ser todos e cada um,
moçambicanos, nacionalmente unidos.
Sobre as rotulagens, a ideia central é que há uma norma de
comportamento contra a qual existe um desvio, que por sua
vez pode afectar a maneira como as pessoas são vistas, como
se vêem. É muito importante porque determina como os
recursos e oportunidades são alocados. Implica a maneira como
os recursos, capitais políticos, simbólicos materiais etc., são
distribuídos numa base de critérios simplistas: “Estes não se
comportam como nós, logo, não são nossos”, donde resulta que
212
213
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
não merecem ser incluídos na partilha. Em contrapartida, “os
nossos merecem tudo” pelo simples facto de supostamente se
comportarem de acordo com a “norma da nossa casa”.
Nenhuma forma de exclusão deve ser critério para a distribuição
de recursos ou desqualificação do outro. Pelo contrário, unidade
nacional significa inclusão. Quer dizer que se queremos
fazer unidade nacional dos moçambicanos, a diferença e as
idiossincracias devem ser sempre tomadas em conta na construção
do todo unido moçambicano, da nação moçambicana. Se assim é
que deveria ser, a pergunta justa que se nos coloca é: Donde vêm
tais preconceitos, arrogâncias, e rotulações, e porquê?
O Desconhecimento mútuo e a moral da história
É ponto assente entre muitos concidadãos nossos que o diferente
é mau, por isso desprezível, anti-normal e desviosionista, portanto
fora das expectativas de acordo com a “norma vigente”, “a nossa”.
Na verdade, essa forma de ver as coisas para além de ser divisionista
é a primeira porta de entrada para se ver como normal a alocação
desigual de oportunidades, só porque o outro é diferente e este é
como eu. Como se fosse proibido e anormal ser outro.
Mais ainda, o outro não é visto com estatuto igual. O outro é
visto como exótico, na mesma perspectiva que os Colombos
viram a primeira banana ou o primeiro ser não europeu. Nas
FPLM fazia-se questão de que cada secção fosse a nação. Não
era sem razão que em cada dez unidades (elementos) tínhamos
concidadãos provenientes de todo o país. Simbolicamente
era importante porque, cruzávamos informação, padrões
culturais e existenciais entre pessoas de proveniências distintas,
ensinávamo-nos as línguas locais uns dos outros, danças, canções
e até aconteciam casamentos inter-étnicos. Seria isso alguma
contribuição para a unidade nacional? Não sei, mas uma coisa
é assente: diminuía-se o fosso entre nós e os outros. As nossas
cabeças e os nossos filhos passaram a ser o cruzamento entre
macondes e machopes, changanas e senas. Ndaus passaram
214
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
a dançar xigubo e Nhungwes a dançar muganda. Nada mau
em termos de mudança de atitudes estimulando práticas de
cruzamento de mentalidades e de representações. Pelo menos
era uma via de diminuição das tensões e da propensão para a
desqualificação do outro. Portanto, o “casamento” hoje deve ser
ao nível das nossas cabeças.
Hoje devemos exigir a mudança das nossas próprias mentalidades,
equidade no tratamento e reconhecimento de que algo vai mal e
que, por isso, deve ser imprimida uma dinâmica no sentido de
mudá-lo, estrategicamente. Não pela negação. Tão pouco pela
via de inimigos comuns, mas antes pelo contrário, potenciando o
facto de partilharmos o mesmo 25 de Setembro, o mesmo 25 de
Julho, a mesma Constituição, a mesma Lurdes Mutola, os mesmos
Mambas, no fundo símbolos dum mesmo espaço geográfico
este nosso Moçambique. A meu ver, isso se faz induzindo o
nosso sentimento nacional, do Rovuma ao Maputo. Do Zumbo
ao Chinde. De facto, passa pela noção de que a produção,
distribuição e reprodução da riqueza, passa pelo reconhecimento
das diferenças, assimetrias e as diferentes identidades.
Na verdade, tal passa por uma educação cívica. E porque não,
educação política nas escolas através duma disciplina que consagre
a cidadania como objecto de estudo?
Tudo isso, imagino, ajudaria a formatar a primeira dimensão
da unidade (filosófica). Tal seria levado a cabo socorrendonos de uma espécie de educação de cartilha nas nossas casas,
nas escolas, nas barracas, etc.. Só assim, penso, será possível
passarmos para a segunda dimensão (empírica) da questão:
reconhecermos e internalizarmos que a cidadania moçambicana
constitucionalmente instituída assenta na igualdade, sem exclusão.
Aliás, de contrário, e de acordo com a nossa Constituição, é
crime desqualificar quem quer que seja na base da sua origem,
cor da pele, origem étnica, orientação sexual, religiosa ou mesmo
política. Resumindo e concatenando, ser diferente só enriquece a
nossa moçambicanidade e contribui para chamar a nossa atenção
para se evitar o estigma só porque se é diferente.
215
Só assim estaremos a glorificar os milhares de moçambicanos
que verteram seu sangue, suor e inteligência a pensar numa
comunidade política, cultural e económica justa, e que paute pela
equidade, afinal o sonho que continuamos a augurar para este
nosso Moçambique. Nacionalmente.
Bibliografia
Conclusão
CASTIANO, J. Referenciais da Filosofia Africana, Maputo, Ngira, 2010
A cultura entendida como advogamos, incorpora, como
realizamos os nossos enterros, como caçamos, como pescamos,
como nos sentamos, como nos posicionamos perante os nossos
ou os outros, como nos percebemos e como nos comportamos
em todos os sentidos. Portanto, inclui todo o complexo material
e imaterial, quer dizer, a combinação de todos os traços culturais
(crenças, ideias, isto é, os elementos constitutivos de uma cultura).
Esses elementos são vários. O que importa é que eles enformam
o nosso comportamento, os nossos valores e a nossa maneira
de ser. Portanto, estamos a dizer que cultura, é, no fundo uma
questão material e imaterial, ideológica, que perpassa as nossas
relações sociais.
As identidades sociais são processuais tal como a cultura e
a unidade nacional/moçambicanidade. Por isso, devem ser
alimentadas quotidianamente por todos e cada um de nós. A(s)
cultura(s) as identidades e a unidade nacional são, parafraseando
meu amigo Isaú Menezes, como o chá: devem ser tomados como
um todo: açúcar, folhas de chá e água quente. O que vai variando
é o que acompanha esse chá: se pão de centeio, mandioca, batata
doce, madumbe, nhymu, magunba/marora com salada, xiquento
de caril de amendoim com xima ou arroz, rale, ou titxota. Seja
como for, temos que ser capazes de cria as condições para que
tenhamos à mesa aquilo que nós queremos e achamos que se
ajusta melhor ao nosso paladar.
Sem preconceitos.
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O PAPEL DA CULTURA NA PRODUÇÃO DE RIQUEZA
Por: Tânia Tomé
PREÂMBULO
Foi com imenso lisonjeio que recebi do Gabinete de Estudos
da Presidência da República a tarefa de apresentar o tema “O
Papel da Cultura na Produção de Riqueza” no âmbito de um
dos seminários relativos ao papel da cultura para sociedade
promovidos pela mesma. Um tema novo e pertinente sobre um
conceito antigo e de senso comum – o da cultura. A cultura ganha
relevo como eixo estratégico do desenvolvimento humano,
económico e social e torna-se crucial desenhar estratégias que
possibilitem o seu melhor entendimento e aprofundamento e
acções concretas para gerar resultados.
“[…]… Esperava ver hoje um pouco de baile aqui, estava à
espera de ver baile aqui. O baile nunca vem ao público, é nas
casas fechadas e quando não está fechada a casa é de noite, com
um pouco de luz, quando há um pouco de luz, quando a luz
chega um pouco à sala onde se dança, diminuem para aparecerem
aquelas luzes escuras. Esta é a cultura civilizada, cultura dos
homens civilizados. Só de noite, quando o sol não existe. Foi essa
civilização que envenenou o nosso Povo […] Hoje temos a nossa
cultura moçambicana desenvolvida e desejada em toda a parte do
mundo […]”
Aceitei o desafio de criar uma reflexão muito particular que tem
a ver, por um lado, com a minha experiência como Economista
e Gestora, mas igualmente como artista e agente cultural. O
grande desafio foi criar uma abordagem que pudesse ser
compreendida pelos planificadores estratégicos, mas também
pelos próprios produtores culturais. E que igualmente pudesse
incorporar as necessidades e desafios reais que ambos sentem
no caminho para o crescimento.
– Samora Moisés Machel82
“REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE: A PRIMEIRA OFENSIVA DO GOVERNO”.
Discurso do Presidente Samora Moisés Machel proferido no comício do Estádio da Machava para
o anúncio das primeiras medidas importantes adoptadas após a Primeira Sessão do Conselho de
Ministros da República Popular de Moçambique, e que durou dezasseis dias. Maputo, Julho de 1975
82
Dra. Tânia Tomé durante a sua intervenção
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
É também uma grande responsabilidade abordar um tema
onde pouco ou quase nenhum estudo foi desenvolvido em
Moçambique, não existindo possibilidades de contar com um
mapeamento empírico ou existência de dados, de onde pudesse
concretizar quantitativamente o real impacto das actividades
culturais na geração de riqueza.
Na missão que recebi arrisco a reformular o tema para economia
criativa/indústrias criativas como estratégia de desenvolvimento
e redução da pobreza. Far-se-á assim em primeiro lugar uma
abordagem conceptual, trazendo uma nova abordagem da
cultura em termos funcionais e novos conceitos relativos a
construção da rentabilidade que todos almejamos.
Criar-se-á uma abordagem em torno da dinâmica das indústrias
criativas, clarificando que passos deviam ser seguidos para sua
construção e manutenção, tendo em conta todos os desafios e
os diversos papéis desempenhados pelos diversos actores nesse
processo.
Neste âmbito pretende-se, com esta reflexão, abrir caminhos
possíveis para uma compreensão e estímulo a consciência de
que é possível realmente gerar rentabilidade para os agentes
culturais e em consequência disso riqueza para a sociedade.
Sobretudo, apoiar no caminho de aprendizagem e estímulo a
novas abordagens sobre estes novos conceitos e seus impactos
na nossa economia. Ciente estou do que ainda ficará por dizer
e aprofundar, pretendo não obstante partilhar os escassos
conhecimentos que carrego ao largo dos anos trabalhando
especificamente com actividades artísticos culturais a todos
níveis.
1. Introdução e contexto
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
sistema de crenças, valores e costumes, praticados por toda
uma comunidade. Neste sentido a cultura se enquadra numa
estrutura antropológica e sociológica descrevendo as práticas
comuns e fundamentais ao funcionamento de uma sociedade em
particular. É possível ainda definir o mesmo conceito com uma
orientação mais funcional (Throsby) na qual seu significado se
define como um conjunto de actividades que de alguma forma
envolvem criatividade na sua produção tendo inerente a geração
e comunicação de significados simbólicos, sendo o seu produto
final potencialmente uma forma de propriedade intelectual.
Neste último sentido importa-nos perceber de que forma essas
actividades geram rentabilidade e de que forma contribuem ou
podem contribuir para gerar riqueza, em particular na nossa
economia.
A riqueza segundo princípios económicos é o resultado de uma
eficiente e eficaz aplicação de recursos escassos designados por
factores de produção tradicionalmente conhecidos por recursos
naturais, mão-de-obra e capital.
Nas últimas décadas, embora sem particular visibilidade, alguns
estudos económicos foram realizados, por um lado, relativos
à aplicação da análise económica a questões culturais e, por
outro, na própria influência da cultura no desenvolvimento
económico e social dos territórios. Mas foi mais recentemente,
com a nova abordagem económica e de gestão que a cultura
surge como parte integrante e relevante nesse processo, uma
vez que se assume que o desenvolvimento se deve centrar mais
nas pessoas (capital humano) e menos nos bens, considerando
assim como novo factor de produção o conhecimento/capital
intelectual (Drucker), gerando novas possibilidades de geração
de riqueza com recursos intangíveis como o é das actividades
culturais.
O termo cultura é um conceito usado numa variedade
de contextos. No seu sentido mais lato, designa todo um
A criatividade humana é uma das características basilares do
empreendedorismo e da inovação.
Conceitos como da economia da cultura, economia
220
221
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
criativa, indústrias criativas emergiram e tornam-se cada
vez mais relevantes o seu aprofundamento, entendimento e
mensuração.
No caso particular moçambicano, poucos ou quase inexistentes
estudos foram feitos criando a real contabilização das indústrias
criativas existentes, ou relevando o seu impacto na economia ou
produção de riqueza. Felizmente, a cultura começou a ter uma
atenção maior e urge essa necessidade.
Neste contexto a informação é muito escassa para se entender
a real dimensão da riqueza produzida pelas escassas indústrias
criativas na riqueza do país. Não obstante, o que se pretende
é facilitar a compreensão do universo da economia criativa,
com especial atenção ao impacto do funcionamento destas
indústrias, não só para a geração de riqueza mas igualmente
a sua importância e contribuição para um desenvolvimento
sustentável do nosso país, possibilitando igualmente o estímulo
ao investimento neste sector produtivo.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
- Arte como negócio
- Papel dos Stakeholders
- Contexto Moçambicano
• Desafios e Conclusões
1.1 Conceitos chave:
A introdução sugere-nos que para compreender o papel da
cultura na geração de riqueza, devemos perceber o quão
importante é entender o conceito de cultura não apenas na sua
dimensão antropológica e social, mas também e sobretudo na sua
abordagem funcional. Por outro lado, a mudança de abordagem
económica para uma abordagem onde se considera como mais
um dos factores de produção de recursos intangíveis como o
é o conhecimento (propriedade intelectual), torna possível o
estudo e a disseminação de um conjunto de novos conceitos
ligados ao exercício e rentabilização das actividades artísticoculturais, conceitos estes que se irão definir ao longo de toda
a reflexão teórica aqui estabelecida. Os principais conceitos
Importa então desenvolver um trabalho mais de base, com
clarificação de conceitos e efeitos tanto a nível macroeconómico,
como a um nível mais microeconómico. E fazer uso dos
melhores estudos e exemplos realizados em realidades mais
próximas a nossa, e dos escassos e ainda pouco consistentes
estudos locais, dando assim continuidade ao processo de
aprendizagem concernente ao funcionamento e construção da
economia criativa e de suas indústrias já iniciado pelo Ministério
da Cultura e por outras organizações não governamentais em
Moçambique.
O estudo envolverá os itens seguintes:
• Contextualização
- Conceitos chave
• Cultura o veículo de desenvolvimento
• Dinâmica da Economia Criativa/Indústrias criativas
222
Eunice Andrade e José Mucavel no Seminário sobre a Cultura
223
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
chave: indústria criativa, economia criativa, economia da
cultura, Empreendedorismo, recursos intangíveis, propriedade
intelectual, talento, criatividade, Coopetição, Commodificação,
Domunicação.
Indústrias criativas:
Talento:
“Talento é ter as competências necessárias para hoje e ter
potencial para adquirir as competências necessárias para o
futuro” (UlissesTapajós).
São o conjunto de actividades com origem na criatividade
individual, habilidade e talento que tenham o potencial de
riqueza e criação de emprego através da geração e exploração
da propriedade intelectual.
“Talento é a habilidade excepcional de um indivíduo – esta
habilidade pode ser natural ou desenvolvida. No mundo
executivo o talento geralmente é desenvolvido através do
esforço consistente das habilidades comportamentais” (Sérgio
Averbach).
Economia criativa:
Criatividade:
Abrange para além das indústrias criativas, o impacto dos seus
bens e serviços em outros sectores e processos da economia e
suas conexões. Estando portanto associada a transversalidade
destas indústrias a outros sectores.
“É o processo que resulta em um produto novo, que é aceito
como útil, e/ou satisfatório por um número significativo de
pessoas em algum ponto no tempo” (Stein, 1974).
“Criatividade representa a emergência de algo único e original”
(Anderson, 1965).
Economia da cultura:
Abrange as indústrias criativas e todas as outras diversas
modalidades de expressão cultural e artística do país. Pode-se
arriscar a dizer que a mesma representa a cultura na sua função
mais basilar – a social e antropológica.
Empreendedorismo:
É um processo dinâmico pelo qual os indivíduos identificam ideias
e oportunidades e transformam-nos em empreendimentos.
Recursos Intangíveis/capital intelectual:
“O tecido intelectual que foi formalizado, apreendido e
completado para dar um activo com valor agregado”(Thomas
Stewart).
224
“Um produto ou resposta serão julgados como criativos na
extensão em que a) são novos e úteis ou de valor para uma tarefa
e b) a tarefa é heurística e não algorística” (Amabile, 1983).
Coopetição:
É um novo conceito que tem subjacente a aliança entre dois
conceitos em economias de mercado, o da competição que deve
existir como forma de garantir que os produtores produzam
mais e melhor, e o da cooperação que em novas economias se
sustém em alianças estratégicas úteis ao desenvolvimento do
negócio. Significa trabalhar em conjunto com os concorrentes
de forma a beneficiar das suas capacidades e características
distintivas nos domínios da investigação e desenvolvimento,
produção, distribuição, entre outros.
225
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comodificação/Comoditização:
Comoditização toma lugar quando o valor económico é
assinalado a algo não previamente considerado em termos
económicos; por exemplo, uma ideia, identidade, cultura.
Então, comoditização se refere a expansão do mercado para
áreas anteriormente não comerciais, e o tratamento de coisas
como se elas fossem commodities comerciáveis.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
carácter ainda mais tradicional, como é por exemplo o caso do
Artesanato, a formação académica é quase inexistente. Existem,
não obstante, associações que aglomeram com intensidade essa
formação prática, a interacção entre os artistas como forma de
aprendizagem, e destaca-se por exemplo o caso do Núcleo de
Arte, Mozarte, CEDARTE, etc., e na sua maioria as associações
ainda servem como mostras/exposições públicas onde os artistas
têm a possibilidade de apresentar os seus produtos e de os
vender.
Domunicação:
Ocorre quando há competição por dominação, surgindo numa
medida em que os países mais pobres, não conseguem aproveitar
das vantagens que surgem pelas oportunidades do processo de
desenvolvimento e da globalização. Existe quando existe uma
comunicação de tal ordem dominante, com possibilidade de
criar nesses países valores alienados.
2. Cultura o veículo de desenvolvimento
A missão de abordar a cultura como veículo de desenvolvimento
é um grande desafio, sobretudo num país em que a cultura
é quase sempre e unicamente abordada tão-somente em
termos antropológicos e sociais, e onde as actividades artísticas
e criativas não são consideradas ainda como profissões
académicas ou intelectuais. Exemplo disso é ter-se criado
só muito recentemente a Escola de Comunicação e Artes da
Universidade Eduardo Mondlane e o Instituto Superior de
Artes e Cultura (ISArC) como instituições de nível superior para
profissionalizar essas actividades. E quase toda a capacitação de
actividades de foro artístico e criativo se extinguir na formação
média e educação secundária durante muito tempo, ou então
ser inexistente. Constata-se tal facto pela existência já há largos
anos de apenas escolas de nível secundário escassas e localizadas
unicamente na capital de Moçambique, nomeadamente a Escola
Nacional de Artes Visuais, Escola Nacional de Música, Escola
Nacional de Dança, etc. No concernente as actividades de
226
Algo muito interessante e particular acontece com artesanato,
onde a aprendizagem quase se extingue ao “learning by doing”
onde aprendizagem é muitas vezes passada entre gerações de
familiares. Não obstante é uma das actividades artísticas que
mais rende, sobretudo penso pelo seu factor diferenciador que
desperta interesse a estrangeiros no mercado nacional, sendo dos
produtos mais exportados em mercados africanos, como veremos
a posterior. Neste sentido, verifica-se um sinal muito concreto
de que temos muito a analisar e aprender das nossas próprias
indústrias criativas que podem não seguir necessariamente os
padrões internacionais, tanto nas suas características como nos
seus processos.
Outras actividades criativas como é o caso da fotografia e do
cinema, tem alguma formação suportadas também pelas
próprias associações, nomeadamente o Centro de Formação
Fotográfica de Maputo e a Associação Moçambicana de
Cineastas (AMOCINE). As associações continuam a ser os
núcleos e os centros de promoção criativa. Carecem de meios
e recursos, sendo a escassez relativa à formação e capacitação
e ainda de matéria-prima para aprimorar o conhecimento em
determinado sector criativo.
Esta situação repete-se a outros níveis, como é o caso da música,
da literatura, dança, entre outros. Não obstante, as indústrias
criativas não se extinguem nas actividades artísticas, existindo
outras de carácter criativo como é o caso do design, decoração,
227
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
arquitectura, publicidade, televisão, rádio, jornais, etc.. Estas
são actividades tecnicamente mais rentáveis e estabelecidas, e
são igualmente as que são tratadas com uma dimensão mais
profissional, tanto a nível de formação superior existente, como
a própria resposta às necessidades do mercado de trabalho, e
económico, sendo na sua maioria representadas em termos
organizacionais por empresas.
O que as distingue, a meu ver, no seu resultado, é sobretudo
a abordagem mental que temos sobre elas, que torna como
prioritárias na formulação da estratégia educacional, aquelas que
pensamos ser mais rentáveis. Isto é a nossa premissa, é o que nos
leva a investir menos nas actividades artísticas, e valorizar menos
determinando que o preço a que estaríamos dispostos a pagar
por um produto artístico seria quase inexistente ou irrelevante.
Podíamos dizer num sentido mesmo muito preliminar que o
grande problema, é mesmo a mentalidade. Superando-a com
novas abordagens, e com uma educação primária voltada para
a criatividade e arte e empreendedorismo como disciplinas
também inclusivas, poderemos aprender a criar indústrias
criativas que sejam também de origem artística e igualmente
rentáveis.
Gilberto Mendes, Cremildo Gove, Luisa Uachisso no Seminário sobre a Cultura
228
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Outro aspecto como resultado do acima citado, é que ao analisar
as formações e capacitações escassas, tanto no nível secundário
bem como no nível superior constata-se que em nenhuma
delas essa formação é voltada para inclusão das actividades
artísticas criativas como parte integrante do mercado e do seu
funcionamento. E por essa razão a gestão, a organização, o
trabalho deixam de ser ferramentas orientativas, o que as torna
elementos puramente de prazer que não carregam em si aquilo
que chamamos de utilidade. Isto é, mesmo o próprio prazer
gerado dessas actividades aos seus consumidores, não é visto
como útil, e por isso não tem valor, e por conseguinte um preço.
E assim acaba por ser produto não comercializável.
Naturalmente, toda esta abordagem está associado ao
funcionamento das economias de mercado, a um sistema que
poderíamos denominar semi-capitalista. É sobretudo nestas
economias desenvolvidas que nascem as primeiras abordagens
de indústrias criativas. O conceito surge na Austrália em 1994
(Creative Nation), mas é no Reino Unido em 1997 que o
mesmo é mais aprofundado e desenvolvido.
A grande questão não é apenas opinar e debruçar sobre os
aspectos económicos, mas imbricar estes conceitos no processo
de aprendizagem, ainda que de forma subtil. Para se perceber
que se pretende realmente ter indústrias criativas funcionais em
Moçambique, é fulcral mudar a mentalidade que se tem acerca
das actividades artístico-culturais. E a partir daí, investir na
educação e em sistemas integrados, cujo papel crucial do Estado
e do Governo no seu fomento possa existir, possibilitando a
criação de ambientes favoráveis ao desenvolvimento. Tal sistema
integrado deveria existir com a actuação em rede, com todos
os outros stakeholders como são os média, os críticos e agentes
privados.
Por outro lado, não existe um mapeamento das actividades
artísticas/ e muitos poucos registos ou documentos que possam
servir de base para formular e ou defender a hipótese da cultura
como veículo de desenvolvimento. E a questão da informalidade
229
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
de grande maioria das indústrias criativas é considerável,
tornando bastante difícil medir convenientemente o impacto
das mesmas na renda nacional, e a ter indicadores precisos da
rentabilidade de cada actividade em particular.
Mesmo assim e reformulando a hipótese para – a economia
criativa como estratégia de desenvolvimento e redução da
pobreza, far-se-á aqui uma referência ao impacto social e
económico que as actividades artísticos culturais tem para
toda uma sociedade ainda que de forma basilar e generalista.
Destacam-se os seguintes itens/aspectos:
•As actividades artísticas e culturais são catalisadoras de esforços
de revitalização na comunidade e podem fazer a diferença na
saúde, no crime, no emprego e na educação etc.. Exemplos
(Festival de Medellin, Festival da Cultura, Festival Showesia
sobre a Paz, etc.).
• A educação e formação nas artes são cruciais para desenvolver
as habilidades dos jovens e desenvolver uma base de capital
humano. Só com essa capacitação e sobretudo desde tenra idade,
a mentalidade e o conhecimento se tornam verdadeiros pilares
para criar e mover o motor do desenvolvimento.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• A economia criativa é uma opção viável para a promoção
do desenvolvimento humano, para melhorar a qualidade de
vida das pessoas pois, a mesma pode possibilitar geração de
emprego e renda, e bem-estar social associado uma mais elevada
valorização da identidade e valores culturais.
• A criatividade é um recurso abundante, enquanto os
outros factores de produção são escassos. Pela sua abundância
torna-se um elemento importante como estratégia para o
desenvolvimento e redução da pobreza. É necessário identificar
onde estão as vantagens comparativas, os talentos e a criatividade
que permitem ser motores de atractividade nacionais e
internacionais, mas também pontes e transportadores de valores
e qualidade. É preciso ir de encontro as verdadeiras referências
artístico-culturais.
• A cultura é uma componente chave do mercado de turismo, o
turismo cultural é um motor económico essencial.
Segundo a Confederação das Nações Unidas Para o Comércio
e Desenvolvimento (CNUCED) em Moçambique, o turismo
contribuiu em 2008 para 3.4% do PIB e foi responsável por mais
de 1.75 milhões de empregos na região da SADC em 2006.
• A cultura é um agente de expressão, de preservação, de
afirmação de diversidade. Transmite identidade nacional e
confiança. A cultura devia tornar possível reconhecer o que
nos torna e identifica como Moçambicanos (O que é ser
Moçambique/Moçambicano para nós), e devia ser um elemento
chave para que o mundo ou o que nos rodeia, nos conseguisse
identificar como Moçambicanos (O que é ser Moçambique/
Moçambicano para os de fora? Como os outros nos vêem?)
Exemplos (artesanato, festival nacional da cultura, aldeia
cultural, prémios artísticos culturais internacionais, espectáculos
nacionais, espectáculos internacionais com participação de
artistas nacionais, CDs, livros editados fora, etc.)
• As indústrias criativas podem então ser potencialmente
contribuidores do indicador de rendimento (PIB).
No Reino Unido, os dados oficiais mostram que as indústrias
criativas representam 8% do rendimento nacional e 5% da força
de trabalho. Os dados da CNUCED revelam que na Dinamarca
as indústrias criativas representam 5,3%, enquanto que na China
as indústrias criativas representam 6% do PIB no ano 2004.
230
231
Não existem ainda dados específicos sobre o impacto das
economias criativas no rendimento nacional moçambicano. O
desafio é em primeiro lugar identificar as indústrias criativas,
estabelecer metodologias para a criação de uma base de dados
de registo das indústrias e formalização/legalização com base
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
na sua localização e dimensão, e sobretudo as com maior
potencial, e mensurá-las. Para fazer essa mensuração temos que
necessariamente adaptar e enquadrar os conceitos estabelecidos
pelos países desenvolvidos ao nosso contexto moçambicano.
As exportações totais dos produtos criativos africanos
ascendeu em 2005 a 1.7 Bilhões de dólares, representando
1% da produção mundial com 60% exportações em
artesanato e 47% em design.
• Contribuição das indústrias criativas para as exportações.
Segundo os dados da CNUCED o total das exportações
de bens criativos em Moçambique totalizou 4.5 milhões
em 2008. Não obstante, não se pode deixar de referenciar
que em 2008 Moçambique importou bens e serviços
criativos ascendentes a 51, 4 milhões de dólares. O que
significa que em 2008 as exportações representaram
0,08% do valor total de produtos totais importados,
revelando uma balança comercial deste sector de
actividade completamente deficitária. Mais uma vez se
repete aqui a necessidade de fazer uma substituição das
importações pelas exportações para a obtenção de uma
melhor balança comercial. Mas tal só pode acontecer
com a aposta na produção interna dos nossos produtos
criativos, principalmente com qualidade e factores
diferenciadores, e tentar ao máximo desviar dos factores
negativos da globalização e da domunicação.
O comércio dos produtos criativos continua a ser
dominado pelos países desenvolvidos, onde a música e
os audiovisuais representam 90% das exportações.
EM SUMA:
 Estimular crescimento económico e inclusão social
 Promover identidade histórica e contemporânea
 População local e turistas consumo da vida cultural
 Criação de empregos mais atractivos para jovens
 Induzir externalidades positivas para outros
serviços
 Mais-valia em toda cadeia de valor
O que fazer para tornar a criatividade em potencial
económico?
Lucrécia Paco a intervir no Seminário sobre a Cultura
232
• Conscientizar gestores públicos, privados e sociedade civil
para a convergência de interesses;
• Desenvolver políticas de desenvolvimento transversais;
• Promover acesso adequado ao financiamento;
• Levantar estatísticas que monitorem o desenvolvimento
das acções públicas;
• Garantir educação e capacitação, e investimento em infraestruturas;
233
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• Garantir o real funcionamento dos instrumentos legais e
das sociedades que os regulam;
• Formar um ambiente que reconheça o valor económico
da criatividade e do intangível cultural;
• Mapear e mensurar as actividades artísticas.
3. Dinâmica da Economia Criativa/ Indústrias Criativas
Como a economia criativa pode se tornar na ferramenta
estratégica que permite o desenvolvimento e sua
sustentabilidade?
Indústrias criativas são o conjunto de actividades com origem
na criatividade individual, habilidade e talento que tenham
o potencial de riqueza e criação de emprego através da
geração e exploração da propriedade intelectual.
Já o conceito de Economia criativa abrange para além das
indústrias criativas, o impacto dos seus bens e serviços em
outros sectores e processos da economia e suas conexões.
Estando portanto associada a transversalidade destas indústrias
a outros sectores.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
da intenção desejada, e isso só depende de nós.
A geração de riqueza na economia criativa depende da capacidade
de criar conteúdo criativo, transformá-lo em bens e serviços
que possam ser comercializáveis e distribuí-los tanto a nível
nacional como internacional.
Este padrão poderá ser identificado pelos seguintes itens
aqui descritos, que revelam as etapas a seguir para criar e ou
desenvolver as indústrias criativas. Aspectos que se devem ter
em conta também no processo de identificação das necessidades
a serem realizadas para tornar a criatividade em potencial
económico.
- O início, a visão, a ideia, o primeiro grão.
- Fomento, criar o ambiente para o seu “urgimento”
- Produção.
- Resultados.
- Vantagem comparativa/Factor diferenciador.
- Distribuição/Reconhecimento.
- Monitoria.
Não há receitas milagrosas, nem conselhos que possam
transformar as ideias em acções e gerar eficientemente
resultados. A experiência e aprendizagem constante da prática do
quotidiano, a nossa história e os valores e princípios que fazem
parte da nossa cultura, é que nos permitem a nosso próprio
modo e ritmo criar e produzir ideias e acções. Esta reflexão é
simplesmente uma abordagem muito preliminar que tem como
base a experiência adquirida ao longo dos anos, e as influências
que nela foram surgindo também ao longo dos anos, portanto
contestável. No entanto, no início deve existir o princípio
que deve seguir algum conhecimento basilar, algum padrão
ou norma orientativa, que permita ao menos visualizarmos
ao princípio do túnel, uma porta, a primeira porta. Essa porta
pode fechar ou abrir, cabe-nos porém proceder o movimento
Nesta nova abordagem, a organização dos mercados é sobretudo
suportada em redes, onde existem parcerias entre os agentes
sociais e económicos, onde prevalecem os aspectos intangíveis da
produção, onde o pressuposto é sobretudo o da sustentabilidade, da
melhoria do bem-estar e da inclusão socioeconómica. Traz em si a
abordagem profunda das alianças estratégicas, que tem subjacente o
conceito da Coopetição, onde as relações entre concorrentes podem
agregar valor e gerar mais resultados para todos.
234
235
Assim, de acordo com a definição da UNCTAD a economia
criativa tem o potencial de fomentar o crescimento económico,
criar empregos e exportação, ao mesmo tempo que promove a
inclusão social.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Será que arte pode tornar-se um negócio? E um negócio
rentável?
O quadro abaixo faz essa ilustração:
A)Indústrias Criativas
Aqui a abordagem é mais microeconómica com enfoque
directo as actividades dos agentes culturais. O estudo neste item
pretende-se um pequeno guia cuja informação possa servir útil
para o quotidiano do funcionamento dos agentes culturais e
criativos. Não existem receitas milagrosas reitera-se, pretendese dar a consciência alguns princípios e valores que poderão
ser praticados para um melhor caminho da rentabilização dos
agentes culturais. A condição imposta de aprender fazendo
prevalece e revela que nos deparamos com um guião standard
que só pode ser adaptado e custumizado pelos próprios agentes
culturais no exercício e prática da sua própria actividade.
Fez-se referência em itens anteriores a definição de indústrias
criativas e suas vantagens. É de extrema importância voltar
a estes conceitos e entendê-los na sua profundidade.
Perceberemos no entanto ao longo desta reflexão, que o
papel atribuído a propriedade intelectual como critério base
na definição das indústrias criativas nos países em vias de
desenvolvimento e em particular em Moçambique, pode não se
ajustar totalmente a realidade, sendo necessário fazer os ajustes
e redefinições necessárias para poder identificá-las e mensurálas adequadamente.
Afinal o que representam na realidade as indústrias criativas?
Existem algumas caracterizações universais por tipo de
actividade. Desde os mais tradicionais como o artesanato até aos
mais intensivos em serviços e tecnologia como a nova média.
Estes subsectores interagem entre si, alguns deles fazendo parte
da mesma cadeia de valor, com impactos em outros sectores
da economia, como por exemplo o comércio, o turismo ou a
educação, característica chave de transversalidade da própria
economia criativa.
236
Fonte: UNCTAD
Como podemos observar pela ilustração, fazem parte da
indústria criativa diversos sectores de produção criativa, desde
aquelas actividades mais profissionalizadas que pela sua natureza
e integração no mercado se apresentam mais rentáveis como
televisão, arquitectura, design, e actividades com menos potencial
de rentabilização, sobretudo ligadas a actividade artística como
artesanato, música, teatro, dança etc. Em Moçambique, e
sobretudo em países africanos como já havíamos referenciado,
o artesanato e o design são as actividades mais representativas
das produções artísticas. Ainda se destaca a inexistente produção
da nova média (softwares, animação digital, etc.), e os números
pouco expressivos de rentabilização com as artes visuais e com
os festivais culturais existentes.
Os diversos sectores produtivos estão estruturados em grupos
organizacionais que os caracterizam, são eles:
1. Os próprios agentes culturais/criativos
2. As associações
3.As empresas criativas
237
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Na nossa abordagem a preocupação recai sobretudo para o
primeiro e segundo grupo, sobretudo no que diz respeito à
ausência ou escassa conexão da actividade com uma gestão de
negócio da actividade cultural e com a sua ausência de integração
no mercado. As empresas, pela sua natureza de rentabilização,
tem como pilar essa necessidade para o seu funcionamento,
por isso não são prioritárias nesta reflexão. Não obstante todas
necessidades e comprometimentos descritos ao longo de toda
reflexão, abrange a todos actores produtivos. Quão melhor e
eficaz o sistema integrado estiver a funcionar será benéfico a
todos.
De certo modo, dentro destes sectores e dentro destes grupos
ainda houve um debruçar mais intenso sobre a actividade
artística e cultural. Porquanto essas actividades são as que
visivelmente menos encaradas como actividades geradoras de
rentabilidade, são um recurso abundante na qual Moçambique
apresenta factores diferenciadores.
• Exemplos: Agentes Culturais e Indústrias artístico-Criativas
em Moçambique:
AEMO, AMMO, AMOCINE, CNCD, Núcleo de Artes,
Mozarte, Showesia, Mozbeat, Vidisco, Grupo Teatro Mutumbela
Gogo, Grupo Teatro Gungu, Logarítimo etc.
Mozambique Fashion Week, Festival Nacional de Cultura,
Festival Dockanema, Festival de Dança Kinani, Aldeia Cultural,
Festival Novidades de Verão, Festival Internacional Showesia,
FEIMA, Feira do Livro, entre outros.
move o agente por um lado, e por outro, da forma como está
organizado e estruturado, e a dimensão económica que tem
sobre a sua própria actividade produtiva.
Pode-se, não obstante, descrever alguns objectivos basilares que
são transversais a todo tipo de agentes criativos. Consoante a
própria tipologia dos agentes, eles podem seguir todos eles, ou
apenas alguns dos descritos itens abaixo indicados:
•
•
•
•
•
Satisfação dos admiradores/fans/consumidores
Satisfação da equipe/organização do artista
Satisfação do empresário/investidor
Satisfação do produtor/editor
Satisfação do artista/reconhecimento/lucro
B) Processo Produtivo das Indústrias Criativas
O processo produtivo das indústrias criativas como aqui descrito,
é uma visão muito própria da minha percepção particular sobre
as mesmas, que parece em termos genéricos não fugir a ideia
da cadeia universal produtiva. É uma visão muito particular da
minha escola da vida de aprendizagem como artista e agente
cultural.
Como podemos definir os objectivos em concreto dos agentes
culturais/criativos? O que os move a criarem e sobretudo a
produzirem implementando os seus sonhos ou ideias em coisas
concretas?
Na verdade, esta questão depende muito em particular do que
238
239
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Inspiração
Da inspiração percebemos toda a génese e semente do
processo criativo, podemos nomeá-lo de talento, criatividade,
sonho, ideia, visão. É o ambiente criado mesmo antes de
urgir a semente, aliás, é precisamente o ambiente que dá asas
à emergência dessa semente. Somos animais de influências,
e os actos de aprendizagem e conhecimento se iniciam como
processos de imitação e repetição do que vemos e sentimos. As
influências directas e indirectas que temos do ambiente que nos
rodeia e das pessoas que nele integram, podem ser conscientes
ou inconscientes. E advém daquilo que bebemos e respiramos
como prioritário: as nossas referências. As nossas referências,
os nossos modelos que queremos imitar e ou gostaríamos de
seguir. Nem sempre existe uma consciência absoluta do seu
papel no processo criativo e de inspiração do agente criativo, e
na maioria o agente nem consegue inclusivamente identificar
quais as suas referências.
Na verdade, o processo criativo poderia, se quiséssemos
denominá-lo de processo de recriação e transformação,
relembrando a célebre citação de Lavoisier “nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma”. No fundo, o que se pretende dizer
é que para ter inspiração e para podermos criar, necessitamos
sempre de informação, seja ela consciente ou não, saibamos
ou não as fontes ou estímulos. Por essa razão, reiteramos a
necessidade de processos educativos que incluam a criatividade
e arte e o empreendedorismo nas escolas primárias, para não
dizer infantários e, claro primordialmente com as suas famílias.
É bastante comum a expressão “de pequenino é que se torce o
pepino”, ou então “as crianças são verdadeiras esponjas”.
As crianças facilmente assimilam a informação que lhes é
dada, ou que está ao seu dispor, seja ela positiva ou negativa.
E vão acumulando essa informação até ao momento que
iniciam o seu processamento e assimilação. Essa informação é
determinante para a escolha da trajectória que essa criança pode
240
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
seguir no futuro, e sobretudo para ele próprio ter a capacidade
de “ identificar e agarrar as oportunidades” que lhe cruzarão ao
longo da sua vida.
Por essa razão, existe a necessidade de investimento sobretudo
nessa fase podendo-se considerar como hipóteses as idades
compreendidas entre os 0 e os 12 anos de idade para criar
essa predisposição à produção criativa. Nesse âmbito, é muito
importante que a mesma informação seja sobretudo e apenas
positiva, pois a criança não tem capacidade de discernir o que
é bom e o que é mau, o que é certo e o que é errado. E mesmo
criado esse discernimento, o processo cumulativo de informação
não é autónomo e por essa razão a criança não consegue evitar
estar a assimilar e acumular dentro de si informação negativa.
Toda esta questão é extremamente importante, pois por aqui
se percebe como toda uma sociedade pode acabar alienada por
outros valores, e como produção oriunda de falta de talento e
criatividade em economias de mercado nos pode levar a efeitos
nefastos relacionados com a “comodificação”.
É que nos últimos anos na realidade moçambicana, e falemos em
particular da música embora se estenda a múltiplas realidades
em outros sectores produtivos e criativos, vão emergindo um
conjunto de agentes culturais que não tem como base o seu
processo de produção e criação o seu talento e habilidade. E
o mais espantoso é que através de todo um sistema (actores
fundamentais no mercado – Stakeholders) a funcionar ou não a
seu favor eles tornaram-se a suposta referência no mercado, o
que é bastante grave, pois, a mediocridade deixa de ser excepção
passando a ser regra, criando a aparente ilusão de que tudo é
fácil de se alcançar, ou que mesmo sem trabalho, sem esforço,
sem talento e sem qualidade pode se ser um artista de sucesso
ou agente criativo e cultural.
Por outro lado, porque na actualidade com instrumentos de
comunicação como os média que chegam praticamente a todo
241
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
lugar e quase todas as pessoas, tais referências inadequadas
podem e influenciam uma sociedade inteira levando a que haja
uma perda de valores e de princípios. E depois perguntamonos qual o impacto disso na nossa sociedade? Em termos
antropológicos e sociológicos e em termos económicos?
A incultura penso, a regressão e o travão ao desenvolvimento
humano e sustentável.
Parece simples percebermos que se por hipótese considerarmos
agricultor A com terreno fértil e um agricultor B com terreno
não fértil com todas as outras variáveis iguais entre as quais, o
que pretende produzir, financiamento, formação, contexto etc.
O agricultor A com terreno fértil, sempre produzirá mais com
menos recursos que o Agricultor B, pois tem uma vantagem
comparativa, que é possuir uma área arável que está predisposta
sem grande esforço à plantação. Se admitirmos que a fertilidade
é precisamente o talento que é um dos princípios da indústria
criativa, então percebemos que devíamos investir os nossos
recursos para onde temos mais vantagem comparativa, e que
isso ia possibilitar um maior impacto positivo, não só em termos
sociais mas também económicos. Em termos económicos,
não só pela justeza dos resultados (princípios de distribuição
justa), mas porque um produto com qualidade pode vender
para fora do país, incrementar as exportações, o turismo, etc..
A inspiração é assim a predisposição natural e espontânea que
move os indivíduos a produzirem. Ela nasce de um processo de
assimilação de informação e conhecimento de forma directa e
indirecta.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
O mesmo só poderá existir, se existirem recursos disponíveis,
nomeadamente o conhecimento (propriedade intelectual),
capital (recursos financeiro) para adquirir e processar a matériaprima.
Neste âmbito, destacamos a formação e a capacitação como
alimentos para esse processo, e o financiamento ou recursos
financeiros necessários ao processo produtivo de um bem ou
serviço criativo.
Por outro lado, o ambiente onde se deve produzir é crucial. Aqui
destaca-se o papel dos agentes públicos no fomento da produção
criativa, desde a criação e regulamentação dos instrumentos
legais até à sua inspecção e fiscalização, incluindo ainda a criação
de fundos e subsídios para a produção criativa e a criação ou
regulamentação de sociedades de arrecadação dos direitos de
autor. É muito importante salientar que essa produção só vai
gerar resultados efectivos, se funcionar dentro de um sistema
integrado, onde os stakeholders funcionam entre si como uma
rede, ligados por conectores e elos com objectivos comuns e ou
convergentes.
Produção e Criação
No processo de produção existem factores que já identificamos
na economia criativa como imprescindíveis para o seu
funcionamento. Aqui, esse processo se repete, pois só estamos a
sair do nível macro, para o nível micro, para o contexto específico
e particular do agente cultural.
242
Prof. Doutor Nataniel Ngomane, moderador do Seminário sobre a Cultura
243
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Outro aspecto muito relevante é a questão da mentalidade, a
cabeça que temos, a cultura em si e o processo de socialização
que nos permite dar ou não valor as coisas, nos permite a bem
ou mal identificar a que preço estamos dispostos a pagar para
adquirir determinado bem ou serviço no mercado.
Embora não esteja explícito na figura acima representada, o
consumo é o outro lado da moeda da produção. É essencial para
o produtor que existam consumidores interessados em comprar/
adquirir os bens ou serviços culturais. O lado da procura vai
ser fundamental para definir o preço a que consumidores
estarão disponíveis para consumir determinado bem ou serviço
criativo. E aí percebemos o papel fundamental do Estado, mas
também dos média para permitir que a sociedade valorize
o bem criativo e que veja nele utilidade e tenha interesse em
adquirir. Para que a produção exista e possa efectivamente gerar
resultados, é necessário que estejam criadas as condições legais
que possibilitem que as indústrias criativas possam ser reguladas
e protegidas de forma a garantir os seus direitos.
Divulgação/Reconhecimento
“Não basta sermos bons, temos que ser reconhecidos no
mercado como bons”, ou identificados de uma forma única
e diferenciadora. Para isso é necessário que o agente cultural
tenha visibilidade e notoriedade, a falta dela gera uma ideia
de escassez e inexistência. A Índia por exemplo, é a maior
produtora cinematográfica do mundo, empregando mais de 5
milhões de pessoas e gerando cerca de 220 milhões de dólares
em receitas de exportação por ano, no entanto os EUA são
vistos mundialmente como o maior produtor de audiovisuais,
exactamente porque é detentor da distribuição e visibilidade
desse produto criativo.
Neste âmbito, por um lado é necessário ter vantagem comparativa,
criar o factor diferenciador do produto criativo que tem muito
a ver com o talento a criatividade e a qualidade impressas no
244
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
processo produtivo. Por outro lado, também é necessário fazer
uso dos instrumentos de comunicação e marketing para dar
a conhecer ao público em geral e aos consumidores o valor
acrescentado desse mesmo produto criativo.
Em Moçambique, poucos são os artistas que possuem estas
características, onde aliam a sua criatividade e talento e
qualidade do seu produto a uma adequada gestão do negócio
artístico-criativo. No entanto, eles existem e o seu trabalho é
muito útil não apenas como geradores de riqueza, mas como
exemplo e referências úteis para as gerações futuras, criando
a possibilidade de sustentabilidade e continuidade para a boa
dinâmica das indústrias criativas no nosso país.
Para além dos artistas acima destacados, existem sobretudo os
seguintes grupos que interessa destacar:
1.Os artistas famosos e sem talento e qualidade no seu
produto artístico que geram alguma rentabilidade com
as suas actividades;
2. Os artistas pouco conhecidos, mas talentosos e com
qualidade no seu produto artístico;
3. Os artistas conhecidos com qualidade no seu produto
artístico, mas não geram rentabilidade que poderiam
com seu produto criativo.
Grande parte dos artistas famosos fazem muito investimento
apenas, em torno do uso de instrumentos de comunicação, não
tendo no entanto o seu factor diferenciador criado que tem a
ver com talento e qualidade que seu produto deveria possuir.
Vemos ainda que tais artistas poucas vezes tem interesse em
investir para que o seu produto ganhe a devida qualidade, dado
o esforço e trabalho que muitas vezes tem que ser impressas
para que tal aconteça.
245
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Neste sentido, o mercado cria por via da comunicação,
falsas referências no mercado, que é muito prejudicial ao
funcionamento das indústrias criativas, possibilitando deste
modo que os efeitos negativos commodificação do produto cultural
existam, nomeadamente a injustiça na geração e distribuição de
riqueza para os agentes culturais e possibilitando menos riqueza
para o país. É um conceito relacionado com a possibilidade
de existência dos malefícios causados principalmente com a
massificação da actividade artístico-cultural quando a mesma
é exclusivamente utilizada para obtenção do lucro e não
igualmente como veículo de identidade, beleza e qualidade.
Ou seja, à utilização da arte e da cultura apenas como recursos
materiais que não têm outro significado se não a geração de
benefícios económicos.
Resulta deste modo um produto sem qualidade que é menos
atractivo ao exterior, inviabiliza exportações e turismo, pois
os padrões internacionais são mais elevados, e onde a busca
pelo factor diferenciador é regra, gerando também problemas
culturais em termos sociais e antropológicos.
Do outro lado da moeda, temos os artistas que possuem o
elemento chave das indústrias criativas, que é o talento, a
criatividade e qualidade no seu produto criativo, mas que pouco
são conhecidos ou então são conhecidos mas não conseguem
gerar a rentabilidade que deveriam do seu produto criativo.
Tal acontece ou porque não fazem uso dos instrumentos de
comunicação, ou fazem dele uso inadequado, ou ainda porque
não conseguem fazer uso desses instrumentos por motivos
alheios a sua vontade.
É necessário ter em conta que todos resultados gerados tem
também e necessariamente a ver com um bom funcionamento
do Estado e mercado onde os produtores criativos estão inseridos.
Desde o essencial bom desempenho dos agentes públicos no
seu fomento, com os quais destacamos os instrumentos acima
citados, mas também e directamente relacionado com o papel
246
dos média e dos patrocinadores e todos os outros agentes
relevantes.
Deixar uma marca, ou marcar alguém ou o mercado, seria deixar
esse sinal carimbado de existência, para nunca se ser esquecido
e deveria aliar as duas forças acima mencionadas, ter talento
e qualidade referenciada como factor diferenciador, e usar
igualmente dos instrumentos de comunicação para divulgar e
ser reconhecido no mercado como único e bom.
E no fundo isso seria num mercado onde o sistema integrado
estivesse a funcionar eficientemente, o distintivo necessário
que possibilitaria gerar ao consumidor a vontade de adquirir
determinado bem. Daí adveio o conceito de marca, que é hoje
usado no marketing, que está intimamente ligado aos direitos
de propriedade intelectual. Isto é pelo facto de existir tal marca,
o gestor cultural tem direito a usufruir de todas as receitas
geradas pelo uso da mesma, ainda que por outros utilizadores.
Assim, ao criar uma marca e ao fazer o seu registo nas entidades
competentes, cria-se não só uma protecção efectiva de direitos
de autor, mas também direitos de exclusividade do uso da
mesma, bem como se cria a possibilidade de geração de receitas
futuras. Estes conceitos estão directamente relacionados com a
criação de uma reputação, a imagem que deixamos marcada no
mercado e nos consumidores.
Resultados
Para que toda esta cadeia produtiva possa funcionar e de forma
eficiente gerando não só a rentabilidade para os agentes culturais,
como também contribuir para o rendimento nacional e para o
desenvolvimento sustentável de um território, é necessário que
esteja a funcionar de forma integrada e em rede um conjunto de
actores a que denominamos stakeholders.
Os resultados podem ser medidos a nível micro e de forma
quantitativa pelo lucro e rentabilidade de todas partes envolvidas
247
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
no processo produtivo, na cadeia de valor. Em uma avaliação
mais qualitativa pela satisfação de todos agentes envolvidos no
processo, produtores, consumidores, distribuidores e todos
outros actores.
A um nível macro, os resultados podem ser medidos com os
indicadores de rendimento nacional, como o PIB, e como as
exportações. É comum dizermos que tempo é dinheiro, no
que diz respeito a alcançar os resultados pretendidos, o timing
é extremamente importante. Mas para atingir bons resultados
necessitamos mais do que isso, é necessário ter a pessoa certa
(conhecimento/capacidade/talento), no lugar certo (aplicar
onde existem vantagens comparativas/factor diferenciador/
qualidade), no momento certo (timing), com os recursos certos
(recursos financeiros necessários). E percebermos mais uma vez,
que os resultados gerados dependem de factores endógenos que
tem a ver com a nossa capacidade e talentos individuais, com
a nossa força e empenho, com o nosso trabalho e disciplina,
com a nossa mentalidade, atitudes e comportamentos. Mas
também com factores exógenos, com o ambiente e o mercado
onde vivemos, as infra-estruturas que existem e os recursos
disponíveis necessários como financeiro e formação para poder
processar a nossa matéria-prima.
Em suma, nada funciona sozinho, por mais bons e talentosos
que possamos ser, o mercado deve estar actuar em nosso favor,
e ou devemos conseguir força-lo a isso. Existem um conjunto
de papéis que devem ser eficientemente estabelecidos por cada
um dos stakeholders na cadeia produtiva, para se atingir os
resultados pretendidos e a todos níveis.
C) Papel dos Stakeholders:
I) Entidades Públicas:
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
para toda cadeia valor, desde a predisposição natural a criação,
até aos resultados efectivos dos produtos criativos produzidos.
É imperioso salientar a necessidade de um sistema jurídicolegal regulativo que possa proteger os direitos de autor, onde
são garantidos não só a formulação e regulamentação das leis,
mas sobretudo a sua implementação e fiscalização, por forma a
garantir o seu cumprimento por todos.
Em Moçambique percebemos que os agentes públicos foram
incorporando, ainda que de forma subtil, o aspecto cultural
como prioritário, desenhando as bases preliminares para uma
política cultural como abaixo destacado por alguns exemplos:
• Política Cultural
Agenda 2025, Plano Estratégico para Redução da Pobreza,
Plano Governamental Estratégico Para Educação e Cultura, II
Conferência Anual sobre Cultura 2009
• Propriedade Intelectual e Instrumentos Legais:
Decreto 18/99 Maio 1999, Lei dos Direitos de Autor Lei nº
4/2001 de 27 de Fevereiro,
De facto, constatamos que foram criados alguns instrumentos
que deviam ser presumivelmente úteis. No entanto, os mesmos
existem como ideais em largos documentos, mas na vida prática
não desempenham o papel de utilidade que deveriam, nem
para os agentes culturais e nem para o estímulo a sua produção.
Portanto, os instrumentos não estão a desempenhar o papel
para o fim o qual foram destinados. Necessitam assim de
reformulação, por um lado, mas por outro, necessitam de uma
implementação eficaz, acompanhada de fiscalização e monitoria
bastante profundas.
O papel destas entidades é de criar o ambiente propício para que
todo processo produtivo aconteça de forma eficiente e eficaz
248
249
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Outra necessidade seria a de aumentar as competências dos
agentes públicos e suas instituições que lidam directamente com
estas questões, sobretudo no que diz respeito a uma mudança
de abordagem e mentalidade acerca do papel da cultura para o
desenvolvimento.
A outra grande responsabilidade dos agentes públicos é a de criar
instrumentos e mecanismos de estímulo e fomento a produção
artísticos cultural, como subsídios para apoiar essas actividades
ou isenções de impostos para a concretização das actividades,
ou para quem decide apoiar ou investir nessas actividades. Em
Moçambique destaca-se o seguinte:
• Fomento e Tributação
Lei do Mecenato, Instituto Nacional do Livro e do Disco, INAC,
Criação da Direcção Nacional de Promoção de Indústrias
Culturais – DNPIC, FUNDAC
O problema da má ou inexistente implementação repete-se.
Praticamente os instrumentos não exercem as funções para
que foram estabelecidas. De facto, revela-se importante saber
as reais dificuldades que as instituições públicas enfrentam
para não conseguir atingir os objectivos pretendidos com
os instrumentos criados. É necessária uma auscultação
profunda, para que se possa resolver os problemas da melhor
forma possível. A Lei de Mecenato existe, mas o estímulo ao
investimento para a produção criativa é inexistente, por um
lado porque os benefícios podem não ser tão atractivos, por
outro lado, a burocracia extrema e falta de transparência que
provoca uma descrença bastante grande em relação a este
instrumento.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
à partida para proteger os direitos do autor, e no entanto
vemos a crescente pirataria a que os produtos artísticos estão
sujeitos.
Associado aos instrumentos legais estão as sociedades de
arrecadação, cuja gestão devia ser independente mas seguida
muito de perto pelas instituições que regulam as actividades
criativas.
As sociedades de arrecadação são determinantes para os
produtores criativos conseguirem tirar partido dos direitos de
propriedade intelectual dos produtos que concretizam. Em
Moçambique é quase inexistente, por exemplo no caso da
música os produtores e criativos nessa área teriam o direito
de arrecadar receitas provenientes do número de vezes que as
suas músicas passam na rádio ou nas televisões. As músicas de
determinados autores que foram realizadas há muitos anos, mas
que são recriadas pelos novos músicos, não poderiam ser lançadas
no mercado sem autorização dos proprietários ou respectivos
representantes, seria também outra via de arrecadar fundos.
Naturalmente, são questões bastante sensíveis e delicadas, que
deveriam ser estudadas e aprofundadas para melhor responder as
reais necessidades do nosso mercado e contexto moçambicano.
Salienta-se então o seguinte:
Sociedade de Arrecadação de Direitos
SOMAS constituída em 1998, apoiada pela Sociedade de Autores e
Compositores -CISAC
O Instituto Nacional do Livro e do Disco, o INAC, o IPI
(registo de marcas), existem como efectivos meios de registos
das obras editadas no mercado. No entanto, foram formulados
Esta sociedade desde que foi constituída, pouco ou nada fez
no sentido de arrecadar fundos provenientes dos direitos de
autor. Muito em questão está também a falta de competências
e conhecimentos de gestão nessa área, mas também a quase
inexistente regulação das leis e das outras instituições destacadas
acima que existem para o efeito. Segundo a UNCTAD, a
250
251
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
SOMAS só trabalha no sector da música, e só arrecadou de
instituições públicas como a TVM e Rádio Moçambique, e
desde a sua constituição só realizou três vezes a transferência de
receitas arrecadadas para os produtores.
Todas estas instituições e mecanismos deviam funcionar em
conjunto e de forma convergente, para que pudessem existir
resultados efectivos. O sistema deve ser integrado, onde as
forças actuam em simultâneo e em rede. A Criação da Direcção
Nacional de Promoção de Indústrias Criativas se for um
exemplo vivo de comprometimento que gera acções, em todos
as necessidades nas áreas acima mencionadas, poderá ser óptimo
veículo para a criação de mecanismos funcionais e efectivos de
fomento a estas indústrias.
Outro aspecto a que os agentes públicos devem focalizar é na
questão da capacitação e formação. Em Moçambique muito
recentemente tem se realizado o exercício de promover essas
acções juntamente com outras organizações e partes interessadas.
A formação e capacitação são extremamente importantes para a
profissionalização da actividade criativa. Não só no âmbito de
entendimento do conceito e do papel das indústrias criativas,
mas também na gestão do negócio criativo, incluindo questões
contratuais. Destacam-se as seguintes iniciativas, sendo algumas
delas de agentes privados:
•Capacitação e Formação:
Criação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade
Eduardo Mondlane
Criação do Instituto Superior de Artes e Cultura em 2009
Formação em Planos de Negócio para Indústrias Criativas
2010 (GAPI e OIT, Tânia Tomé)
Formação em Economia Criativa 2011 (Direcção Nacional
de Promoção de Indústrias Culturais – DNPIC e UNESCO,
Lala Deheinzelin)
Seminário Sobre Cultura e seu papel na geração de riqueza
252
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
(Gabinete de Estudos da Presidência, Filimone Meigos e
Tânia Tomé).
Sob responsabilidade dos agentes públicos, está igualmente
o investimento que deve ser feito em infra-estruturas que
possam sustentar a implementação das políticas culturais como
verdadeiros pilares para o acolhimento das indústrias criativas e
suas necessidades.
Outro problema e grande desafio é a disseminação de toda
a informação para os agentes culturais e para um bom
funcionamento do mercado nesses sectores. Informação
concernente aos instrumentos legais e leis existentes de
protecção aos direitos de autor, critérios e metodologias para
a recepção dos direitos de propriedade intelectual, bem como
os fundos, subsídios e programas existentes de benefício aos
agentes e instituições criativas.
A questão do mapeamento e mensuração de actividades artísticoculturais, através de criação de indicadores úteis são também uma
questão premente. Que deve envolver em todo processo muita
cautela, pois a nossa realidade e contextos moçambicanos são
diferentes dos modelos conceptuais com os quais trabalhamos
para conseguir trabalhar as informações.
É extremamente importante criar e utilizar indicadores, pois
através deles saberemos o real impacto das indústrias criativas
na geração de riqueza e na redução da pobreza no nosso país.
Um primeiro passo seria criar o registo adequado de todas
actividades artístico-culturais, e dos bens e serviços criativos
produzidos no país. Naturalmente criar um sistema de base
de dados coerente e dinâmico, é um grande desafio, mesmo
em outros sectores base e prioritários. Ainda assim, no que diz
respeito ao mapeamento das indústrias criativas foram realizados
alguns estudos, ainda com algumas lacunas e não abrangentes,
mas é um bom primeiro passo.
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
•Mapeamento e indicadores:
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
IV) Críticos
Fortalecendo as Indústrias Criativas para o Desenvolvimento em
Moçambique (Conferência das Nações Unidas Para o Comércio e
Desenvolvimento) CNUCED/UNCTAD
Estudo Sócio-Económico das Indústrias de Artesanato e Música, efectuado
nos distritos de Zavala, Ilha de Moçambique, na Cidade de Maputo
(UNESCO, Agência Sueca de Desenvolvimento – SIDA)
II)Média
Ao longo de toda a reflexão se fez referência ao papel dos media
como difusor de informação que permite um funcionamento
adequado ao mercado das indústrias criativas. Desde o disseminar
de informação relativa aos instrumentos legais que existem,
subsídios, formações, financiamentos etc., como também
veicular informação dos produtos, bens e serviços criativos
existentes no mercado, sobretudo os representativos que sirvam
de exemplo e referência para toda uma sociedade. Também tem o
papel fundamental de disseminar informações relativas ao nosso
património e valores culturais, possibilitando que os mesmos
não se diluam ao longo do tempo, servindo ainda de estímulo à
aquisição a esses bens.
III) Consumidores
Os consumidores são fulcrais, pois são a razão última da produção
dos bens e serviços criativos, sem eles não existem resultados.
Os mesmos necessitam de estímulo para que possam valorizar os
produtos, sobretudo artísticos, possibilitando que os mesmos se
tornem comercializáveis.
São um agente fulcral para criação do estímulo à produção com
qualidade, que oriente o agente criativo a produzir mais e melhor,
sobretudo procurando o seu factor diferenciador, a vantagem
comparativa do seu produto. A escassez de críticos ou de crítica
útil, faz com que não exista uma avaliação oficial e informação
disseminada sobre as características dos produtos criativos,
provocando a quase inexistente selecção que o mercado devia
realizar no seu funcionamento. A maior parte da crítica existente
é relativa ao sector do livro, nomeadamente acerca da literatura,
e ainda assim é escassa e muitas vezes improdutiva. No que
diz respeito a outras actividades, como música, teatro, dança,
cinema, moda, artesanato, praticamente não há uma crítica
realizada ou difundida. Esta questão está intimamente ligada à
questão da falta de responsabilização pelas acções e produtos que
os agentes realizam, criando a falta de preocupação no resultado
que determinado produto tenha, tanto para um consumidor
específico como para uma sociedade no geral. De salientar que
a questão da inexistência de responsabilização é um problema
cultural que se estende a todos os sectores da nossa sociedade.
V) Entidades privadas:
Como se adiantou, as entidades privadas vão desde as entidades
que fornecem capacitação e formação, até aqueles que fornecem
fundos ou créditos para o financiamento das actividades
produtivas. O financiamento serve não só para adquirir a
matéria-prima necessária, mas igualmente para o processo de
produção do bem ou serviço criativo. O mesmo pode advir de
patrocínios ou apoios de empresas ou instituições, ou de fundos
específicos desenhados por entidades que fomentam o ambiente
criativo (por exemplo o FUNDAC, UNESCO, AECDI entre
outros).
O financiamento poderia ser ainda através de créditos
providenciados pela banca para esse tipo de actividade. Em
254
255
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Moçambique, por ainda ser uma actividade que o mercado não
reconhece como rentável, ainda não se tornou suficientemente
estimulante para que a banca comercial crie produtos específicos.
Os produtos criativos, sobretudo os artísticos, são ainda vistos
como projectos de alto risco e sem grandes retornos pela banca
comercial. Para além disso, o grande problema é que na sua
maioria os agentes culturais não possuem habilidades para criar
projectos e planos de negócio e nem capacidade financeira para
contratar quem o faça.
D) Profissionalização das indústrias criativas:
O que há de interessante na cultura ou na economia da cultura,
se assim quisermos denominar, é a flutuação das fronteiras
entre profissionalização e não-profissionalização, pois a cultura
tem um papel social e identitário que o identifica e que em
muitas actividades é o bastante para definir sua existência. Isto
é, não se deve forçar a que todas actividades culturais tenham
que ser necessariamente incorporadas no modelo produtivo
das economias de mercado, e por isso, a existência de leis de
incentivo por parte dos agentes públicos deve permanecer como
estímulo integral a todas as actividades culturais.
No caso em concreto, distingue-se aqui as indústrias criativas,
que tem como princípio e resultado o seu valor e papel na
geração de rentabilidade para os seus produtores e a um nível
macro, como consequência a geração de riqueza para o país. A
sua profissionalização é fulcral para que as actividades criativas
se possam integrar no mercado, de modo que a cadeia produtiva
possa trabalhar do começo ao fim, desde a criação, distribuição,
comercialização até ao consumo.
Tal implica que os mesmos se regulem pelos princípios de
mercado, procurando criar uma gestão adequada do negócio
criativo, incluindo as questões jurídico-legais que os protegem
como produtores (contratos, patentes, marcas, entre outros).
Tal só poderá acontecer efectivamente não só com a mudança
256
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
de abordagem e mentalidade acerca destas actividades em
primeiro lugar, e sobretudo, com a capacitação e formação nas
áreas acima citadas.
A criação de incubadoras por sector e actividade produtiva
que permita que exista uma infra-estrutura criada/arrendada
onde os agentes criativos possam fazer o uso dos mesmos
equipamentos e espaço, onde possam fazer a partilha dos custos
administrativos, onde possam interagir e aprender uns com
os outros, e onde exista uma organização mãe que apoia e dá
formação e apoie na gestão de negócios de cada agente criativo
(empresas, associações, indivíduos) até que os mesmos se
pudessem tornar autónomos, seria um bom começo. A título
de exemplo, tem o SEBRAE no Brasil que vai crescendo e se
tornando numa estrutura clara de capacitação e apoio para autosustentabilidade dos agentes que nele participam.
A meu ver, outra necessidade e desafio é a de criar uma “carteirinha
profissional” que identifica cada agente criativo, nos produtos e
bens que realiza. Essa carteirinha poderia ser atribuída na base da
experiência e dos trabalhos já realizados e ou realizando exames
práticos ou teóricos pelas organizações representativas daquela
actividade em especial. A carteirinha devia atribuir um nível,
grau, consoante a qualidade do produto e serviço criativo. É
extremamente importante que existam nuances ou diferenças de
tratamento consoante o tipo de actividade criativa. Por exemplo,
a música e o artesanato são extremamente diferentes no que
diz respeito a forma de se estabelecer por exemplo exames
teóricos, pois o artesanato ainda não tem tanta informação
teórica elaborada a respeito e a sua aprendizagem é sobretudo de
teor mais prático. Já para a música temos instituições próprias
como Escola de Artes da Universidade Eduardo Mondlane, que
em conjunto com a Associação dos Músicos pode encontrar
a melhor forma de criar essa avaliação nos diversos estilos
musicais, desde os mais tradicionais até aos mais modernos,
tendo em conta peculiaridades e características de cada estilo e
produtor musical.
257
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Essa carteirinha devia ser apresentada como alvará da actividade,
e seria fulcral para que os consumidores ou intermediários no
processo produtivo de aquisição do bem ou serviço, pudessem
tomar a sua decisão com o conhecimento adequado. A mesma
deveria servir de base e argumento para os patrocinadores/
financiadores tomarem a decisão de investir ou apoiar
determinada actividade.
mercado, é extremamente elevado. Na abordagem, a questão
da necessidade de divulgação já se havia destacado o exemplo da
Índia como o maior produtor de audiovisuais do mundo sendo
no entanto os EUA que detém a maior distribuição e visibilidade,
dando a impressão de ser o maior produtor de audiovisuais.
Os EUA são na verdade dos países que mais exportam bens e
serviços criativos.
A carteirinha também possibilitaria a criação de um registo
efectivo de todas actividades criativas em funcionamento
efectivo em Moçambique, possibilitando um mapeamento por
tipo de actividade, dimensão e região.
Segundo os dados da Conferência das Nações Unidas para o
comércio e desenvolvimento, 90 % das exportações de bens
criativos são provenientes dos sectores de música e audiovisuais.
O mercado das indústrias criativas nos EUA é tão desenvolvido,
que os produtos e serviços criativos encontram-se até cotados
em bolsa. As informações tanto negativas, como positivas
destacadas nos media sobre os artistas, podem fazer as cotações
aumentar ou descer, e é mais uma via de geração de receitas para
os agentes culturais.
Outro aspecto é criar um selo criativo, na mesma medida que o
selo Made in Mozambique, que permita um maior estímulo à
profissionalização e formalização dos agentes e suas actividades,
como também da qualidade produzida desses produtos e
serviços criativos.
O grande aspecto a reter é que as indústrias criativas, mesmo
seguindo princípios económicos, não devem perder de vista
o papel social e identitário que os torna produtos e serviços
criativos de Moçambique. É precisamente essa natureza local
que cria o factor diferenciador dos produtos tanto no mercado
nacional como internacional, estimulando as exportações e o
turismo.
E) Comunicação e Marketing
Será que existe marketing para produto artístico? Nos mercados
evoluídos dos países desenvolvidos percebemos que as
indústrias criativas são de tal ordem que tem um impacto muito
grande nas exportações e no produto interno bruto desses
territórios. E percebemos ainda que o papel e o investimento
em comunicação, de forma a tornar os produtos visíveis no
258
Os artistas famosos, ao se apresentarem em programas de
televisão, ou ao concederem entrevistas para revistas ou
jornais, geram rendimento. A sua geração de receitas com a sua
actividade artística-criativa vai muito para além dos espectáculos
que participam e dos CDs que vendem. É visível por aqui
perceber o papel da comunicação e Marketing a volta destes
agentes, as marcas, o merchandising com a sua imagem, os
royalties provenientes dos mesmos são outras formas das quais
os mesmos se servem para gerar rentabilidade.
Muito diferentemente em Moçambique, percebemos que muitos
artistas famosos dado igualmente o seu contexto, praticamente
vivem mais de fama e aparência do que rentabilização. Isto é,
não ganham a vantagem que poderiam da fama que possuem.
Relembrando ainda que a fama tem também seus aspectos
negativos associados, como a falta de privacidade, maior
exposição e exigência por parte dos consumidores e admiradores
(fans). Às vezes, coloca-se a questão de perceber se é vantajoso
259
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
para o artista ser famoso numa sociedade em que a propriedade
intelectual não gera os direitos e benefícios que deveria, dada a
falta de regulamentação/fiscalização etc..
Então, a grande questão passa por saber como integrar o
conhecimento com os sistemas existentes de patentes, marcas
registadas e de direitos autorais. E fundamentalmente, de
perspectivar como fazer para que sejam cumpridos os direitos
de cada agente que tem posse da propriedade intelectual.
Nos países africanos, e em Moçambique em particular,
o conhecimento tradicional é vasto, pois existem muitos
recursos nativos, que pertencem a comunidade como seus
direitos colectivos, e também são necessários encontrar uma
metodologia para mapeá-los de forma sistémica, e permitir
que tal comunidade usufrua dos seus direitos de propriedade
intelectual.
Na actualidade fomos invadidos pelo fenómeno da Globalização,
que alia as tecnologias de informação com as da comunicação e
que nos traz a possibilidade de existência de um novo conceito:
o da domunicação. Este ocorre quando há competição por
dominação, surgindo numa medida em que os países mais
pobres, sobretudo os africanos, não conseguem aproveitar das
vantagens que surgem pelas oportunidades do processo de
desenvolvimento e da globalização havendo ameaças que pesam
na rica diversidade das culturas locais, das tradições orais, das
línguas e dos patrimónios dos países.
Tal comunicação em larga escala e massificação, permite
difundir muito rapidamente a cultura e valores de outros povos,
sobretudo ocidentais, alienando os valores e culturas locais, que
se podem perder muito rapidamente nos próximos anos se
não existirem programas educacionais enraizados nos valores
culturais e línguas locais.
260
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
As culturas, sobretudo africanas, são postas à prova pelos
rápidos processos de transformação socioeconómicos e pela
invasão de modelos estrangeiros e de produtos culturais de
massa. Os medias dos países africanos enfrentam esse grande
desafio juntamente com os agentes públicos, de manter aceso
e vivo os seus patrimónios locais. Neste âmbito, é necessário
voltar ao contexto moçambicano para se perceber e identificar
as reais necessidades do nosso país. No entanto, salta à vista
que é necessário seguir as tendências evolutivas de mercado,
porque não é possível fugir a elas, sobretudo no que diz respeito
a aproveitar as vantagens das ferramentas úteis que existem
no mercado, para dar ao produto artístico mais visibilidade,
potenciando o seu reconhecimento e reputação por parte
dos consumidores nacionais e internacionais (websites, ecommerce, músicas e livros digitalizados, etc.).
Mas também é necessário não esquecer a adequação necessária
a cada contexto de cada sociedade, tendo em consideração
igualmente a etapa económica e financeira que determinada
sociedade está a viver. A expressão “Pensa Global, Age Local”
responde claramente e adequadamente a essa necessidade, pois,
por exemplo em África, no que diz respeito ao uso da internet
de cada 1000 habitantes apenas 9,6 pessoas tem acesso a ela, em
comparação com 450 pessoas nos países ocidentais. Percebe-se
assim que é fundamental que a vida cultural e a criatividade
sejam preservadas e desenvolvidas por meio de políticas
culturais alinhadas com estratégias de desenvolvimento nacional
e regional.
A tabela que se segue (fig. 3) representa as variáveis chave do
marketing, com o qual o produtor criativo se deve preocupar
no concernente a gestão adequada do negócio criativo. É um
quadro estandardizado para produtos genéricos que necessita de
ser adaptado por cada agente criativo, em particular no exercício
da sua actividade.
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Exactamente porque um produto criativo tem características
próprias, e por ser um recurso intangível, que não se vê e não
se toca, torna-se difícil avaliar o seu valor e preço, e muitas das
variáveis aqui destacadas tornam-se de difícil aplicação. Por essa
razão, se apresenta de seguida algumas peculiaridades relativas
ao produto criativo.
Fig 3 -. Quadro mix de marketing
F) Peculiaridades
É essencial que não se fique com a ideia de que um produto
artístico/criativo deva seguir em extremo unicamente modelos
económicos previamente estabelecidos para outras realidades.
É necessário encontrar o próprio motor que as move, dentro
daquilo que são os valores e princípios que regem a sociedade
moçambicana. Outro importante aspecto a reter é que o impacto
da cultura e das indústrias criativas é tão grande que não pode
ser apenas medido por indicadores económicos.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
pode ser quase como estudar um bem e serviço produtivo na
sua concepção genérica, como por exemplo o produto musical,
ou tão diferente que não se possa reproduzir esses modelos de
forma facilitada para encontrar a fonte de rentabilidade, como
por exemplo no caso do artesanato.
É preciso ainda ressaltar as questões e fases económicas
que diferem os países desenvolvidos dos países em vias
de desenvolvimento, pois essa discrepância causa também
diferenças nas abordagens de como funcionam as indústrias
criativas em cada lugar. As receitas das indústrias criativas nos
países desenvolvidos na sua maioria advêm dos direitos de
propriedade intelectual, pois os mesmos tem sistemas legais e
de arrecadação altamente desenvolvidos que permitem gerar
aos agentes criativos mecanismos de rentabilização eficientes.
Já em países em vias de desenvolvimento como é o caso de
Moçambique, não tem esses instrumentos legais devidamente
funcionais muito menos sociedades de arrecadação que
realmente funcionem. Portanto, um dos conceitos chave na
definição de indústrias criativas que é os direitos de propriedade
intelectual não se encontra garantido. Por essa razão, é
necessário reformular conceitos e a forma de mapeamento
adequados a cada contexto, para podermos identificar também
mais correctamente onde estão as vantagens comparativas das
indústrias criativas em Moçambique. Neste âmbito, apresentase aqui algumas peculiaridades para reflexão:
• Existe concorrência no produto artístico?
• Decisão entre beleza e utilidade?
• Satisfação do artista pode ser mais importante que o
lucro?
• Será que existe garantia no produto artístico?
• E desconto?
• Fama vs aparência?
Ficam aqui destacadas algumas questões que parecem
interessantes de reflexão, pois, estudar um bem ou serviço criativo
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
• Porque grande parte dos agentes económicos não está
disposto a pagar pelo produto artístico?
4.Desafios e Conclusões:
Muitos são os desafios existentes desde a identificação de
indústrias criativas em Moçambique e principalmente as de
factor diferenciador, sobretudo na sua criação, construção
e rentabilização. Abaixo descrito um conjunto de desafios
identificados ao longo desta reflexão:
Mentalidade
Financiamento
Pirataria
Comodificação
Qualidade
Quadro legal e benefícios
Direitos do autor
Profissionalização (Projecto/plano de negócio, Contratos)
Domunicação (Globalização)
Responsabilização
A estabilidade política e macro económica são condições
necessárias para a produção da riqueza. Em Moçambique, as
barreiras para o desenvolvimento da economia criativa tem
a ver na generalidade com o baixo nível de desenvolvimento
e da história colonial. Não obstante, padece igualmente de
problemas com a pobreza, falta de governação, administração
ineficiente, modelos de desenvolvimento baseados em
lucratividade económica de curto prazo, dívida externa,
corrupção desenfreada, má redistribuição da riqueza, etc.. Em
consequência disso, o desenvolvimento da economia criativa
tem que fazer face ao baixo nível educacional e recursos
humanos, escassez de recursos financeiros e infra-estruturas,
ausência de protecções dos direitos de autor e da propriedade
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Comunicações dos Seminários da Presidência da República
intelectual, falta de legislação cultural adequada, ausência de
políticas culturais coerentes, políticas tributárias e alfandegárias
prejudiciais, alienação cultural, a espoliação do património
cultural e do conhecimento tradicional, ausência de informações
e dados de pesquisas confiáveis etc..
Neste âmbito, compreende-se que não existe um ambiente
de mercado que permita a existência adequada de estímulo
à produção criativa, muito menos a sua comercialização e
consumo. Constata-se no entanto que as indústrias criativas
podem e efectivamente criam empregos e riqueza, dando o
impulso à economia para o seu desenvolvimento sustentável,
sendo neste sentido uma verdadeira ferramenta crucial, não
apenas para preservação e promoção da diversidade cultural dos
povos, mas também para combater a pobreza.
Percebe-se ainda que para desenvolver os sectores criativos é
fulcral uma abordagem integrada, onde existe colaboração
entre os diversos actores da sociedade, desde os sector público,
o privado, os media, entre outros. Deve-se salientar ainda que
as indústrias criativas, que embora escassas e claramente não
totalmente identificadas, elas existem e aquelas com vantagens
comparativas se apresentam com um grande potencial para
contribuir para redução da pobreza e para o desenvolvimento
sustentável. Destacam-se aqui algumas necessidades a serem
colmatadas:
• Necessário fazer o mapeamento e avaliar os recursos,
infra-estruturas, investimentos e seus resultados
• Desenvolver a colecta de dados e metodologias de
classificação, de análise e comparação de dados com base
no nosso contexto
• Necessidade de protecção e execução dos direitos
de propriedade intelectual (criação de sociedades de
arrecadação)
• Abordagem integrada (em simultâneo todos stakeholders)
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• Transformar comprometimentos em acções
• Pensamento de longo prazo
• Política cultural com abordagem económica (produção,
distribuição, consumo, etc.)
• Inclusão da cultura na estratégia para a redução da
pobreza
• Associar as actividades culturais às tecnologias de
informação e comunicação
• Aprender fazendo
E reitera-se, não existem receitas milagrosas. O único caminho
possível é o da aprendizagem contínua com a experiência do diaa-dia, no contexto e realidades moçambicanas. Fica igualmente
claro que há muito ainda por explorar e aprofundar sobre as
indústrias criativas em Moçambique, mas ficam estabelecidas as
primeiras reflexões de aprendizagem que espero que sirvam de
estímulo para a produção de mais reflexões e aprofundamento,
mas sobretudo de acções e comprometimento no sentido de
tornar estas indústrias mais rentáveis e ferramentas úteis na
geração de riqueza para o nosso pais, tendo sempre em conta o
papel social e antropológico da cultura.
Está lançada a enxada para os primeiros preparos da terra a ser
lavrada, para que se possa questionar e construir uma plataforma
e rede cultural que nos permita construir o nosso motor cultural
como um dos veículos para o desenvolvimento sustentável do
nosso país. O mais importante, penso, é embarcarmos para essa
roda-viva do conhecimento e da aprendizagem enfrentando os
desafios e o longo caminho que nos espera e reinventarmos o
nosso próprio motor com base nos nossos próprios valores e
identidade. E nesse processo, o mais importante, “learning by
doing”, aprender fazendo.
UTILIZEMOS O DEBATE COMO UM DOS
INSTRUMENTOS PARA A CONSOLIDAÇÃO
DA UNIDADE NACIONAL
Comunicação apresentada por Sua Excelência Armando
Emílio Guebuza, Presidente da República, por ocasião
do encerramento do Ciclo de Seminários do Ano de 2011,
organizados pelo Gabinete de Estudos da Presidência da
República
Senhores Membros do Conselho de Ministros,
Distintos Painelistas,
Caros Convidados,
Minhas senhoras e Meus senhores,
É com muita honra e satisfação que hoje presenciamos o
encerramento de mais um ciclo de seminários do ano de
2011, organizados pelo Gabinete de Estudos da Presidência da
República. Este ano que está prestes a findar foi caracterizado
pela realização de muitas actividades no âmbito da proclamação
do Ano Samora Machel.
Como temos estado a referir, o Presidente Samora Machel ainda
nos inspira na árdua missão de construção do nosso bem-estar.
A semente que ele lançou à terra já desabrochou plena e robusta
em todo o nosso belo Moçambique.
Na verdade, Um homem com a estatura do Presidente Samora Moisés
Machel não termina em si mesmo: ele particulariza a individualidade e
ao mesmo tempo congrega em si e simboliza os ideais e as aspirações do
seu Povo. Torna-se imortal! Por isso, SAMORA VIVE E VIVE NO
MEIO DE NÓS! Samora continua a inspirar a luta do nosso povo
pelos ideais de liberdade, paz, progresso e bem-estar individual
e colectivo. Hoje, mais do que nunca, encontramos na nossa
determinação de lutar contra a pobreza, uma das manifestações
mais sublimes dos ideais de Samora Machel.
Na nossa comunicação que dava início ao ciclo de seminários
do presente ano, uma das recomendações que deixamos para
o Gabinete de Estudos foi que “devia nos brindar com temáticas
de profunda reflexão da nossa vida como moçambicanos, como forma a
honrar e homenagear Samora Machel”.
Com efeito, através dos nossos peritos nacionais frutos da nossa
Independência, foi possível reflectir sobre os temas tais como:
• Usar a Administração e Gestão de Terras para a Promoção do
Desenvolvimento Sustentável;
• O Papel da Mulher no Combate à Pobreza: Experiências da
Sociedade Civil;
• O Professor e os Desafios do Ensino e Aprendizagem no Século
XXI: Uma Abordagem para o Desenvolvimento Rural em
Moçambique;
• O Papel da Cultura na Construção da Identidade, Consolidação
da Unidade Nacional e Produção da Riqueza; e hoje sobre
• O desafio dos profissionais da saúde na melhoria da qualidade dos
serviços prestados pelo sector.
A apresentação e debate das comunicações supracitadas tiveram
o mérito de:
• trazer-nos valiosos contributos para o ajustamento das
nossas políticas públicas à complexidade da realidade
social, económica, cultural e política do País;
• permitir-nos o conhecimento da capacidade dos nossos
compatriotas no engrandecimento desta nossa jovem
nação moçambicana, construindo e estreitando as
amizades e convivências, trocando saberes e experiências
e participando no processo da nossa governação como
verdadeiros parceiros e consolidando, deste modo, a
Unidade Nacional; e
• materializar o carácter democrático da Presidência Aberta
e Inclusiva que lideramos, pois tornou-se num dos
espaços de todos os moçambicanos, independentemente
da natureza política, profissional, cor ou religião, idade,
sexo.
Saudamos a todos os nossos compatriotas pelo tempo que
têm disponibilizado para se fazerem presentes neste fórum
de debate de ideias, para como parte da nação moçambicana
debatermos assuntos de inequívoca pertinência e actualidade.
Para o seminário que hoje se realiza coube o tema “o papel dos
profissionais da saúde na melhoria da prestação dos serviços no sector”.
Queremos, por isso, saudar e prestar tributo a todos os
profissionais da saúde do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao
Índico pela entrega e abnegação na realização das suas actividades
de salvar as nossas vidas. Estes nossos compatriotas, por vezes
ficam expostos aos desafios impostos pela demanda dos seus
serviços, cada vez mais crescente, e confrontados com diverso
tipo de carências, mas mesmo assim, sempre cumpriram o seu
dever com zelo e sentido de missão. Queremos pois, aqui e mais
uma vez, expressar o nosso profundo reconhecimento.
A terminar, agradecemos de forma particular aos painelistas,
peritos moçambicanos que a todos nós orgulham, que entregaram
o seu saber e tempo para elaborar e partilhar as comunicações
que foram debatidas nos seminários aqui organizados, incluindo
o de hoje. Referimo-nos aos nossos concidadãos:
• Domingos Manuel Fernandes;
• Paulo Uache;
• Cerina Mussá;
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Sérgio Baleira;
Alda Salomão;
Graça Samo;
Marta Cumbi;
Brazão Mazula;
Ernesto Vasco Mandlate;
Albertina Moreno;
Filimone Meigos;
Tânia Tomé;
Nataniel Ngomane
Aurélio Zilhão; e
Rosa Marlene Manjate
Com estas palavras, declaramos encerrado o ciclo de seminários
do ano de 2011 realizados pelo Gabinete de Estudos. Desejamos
a todos os presentes votos de um ano novo próspero e repleto
de muitas realizações.
Pela atenção dispensada, Muito obrigado.

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