Relatos de viagem e a inserção profissional de médicos italianos
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Relatos de viagem e a inserção profissional de médicos italianos
839 Relatos de viagem e a inserção profissional de médicos italianos: possibilidades de estudo V Mostra de Pesquisa da PósGraduação Leonor Carolina Baptista Schwartsmann1, Núncia Santoro de Constantino1 1 Programa de Pós-Graduação em História PUCRS Introdução A literatura de viagem é uma fonte documental para a pesquisa da história. O propósito deste artigo é estudar os aspectos de inserção profissional de médicos italianos contidos no relato de viagem de Ricardo D’Elia. (D’ELIA, 1906). O livro foi escrito após estadia de 18 anos na América do Sul, com informações referentes a sua prática profissional. Nele está descrito sua itinerância desde a Itália, a sua viagem na Europa, a viagem para Buenos Aires com escalas Rio de Janeiro e Montevidéu, os períodos em que esteve trabalhando em Buenos Aires e Córdoba; em Assunção e em Paraguary, no Paraguai; em Cuiabá e em Rio Grande (RS), São Vicente (RS) e na Colônia de Jaguari (RS). Esta característica de itinerância de médicos italianos também foi objeto de pesquisa do relato de viagem de Giovanni Palombini. (SCHWARTSMANN, 2008) Os viajantes que percorreram as terras da América Latina interpretaram a realidade social, econômica e geográfica e desta maneira contribuíram para a produção de imagens sobre a América, relativas aos diferentes campos que percorreram. (HEVILLA, 2007, p. 67) Estas informações são indícios que fornecem a chave para alcançar generalizações mais amplas, realidades mais profundas, de outra forma, inatingíveis. (GINZBURG, 1989) O relato de D’Elia apresenta em seu conteúdo características de autobiografia como aquelas que foram observadas em estudos sobre imigrantes italianos como os horizontes de expectativas de viagem, as dificuldades na passagem de um sistema conhecido a outro, das dinâmicas sociais que contribuíram para a integração. Desta maneira, o ponto de vista do imigrante resulta como modelo de uma classe social que viveu idênticas aspirações e conflitos. (CATTARULLA, 1999, p. 117) V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 840 A formação de cadeias imigratórias está entre as dinâmicas sociais que explicam a posse dos conhecimentos necessários para os deslocamentos migratórios. Ela é definida como o movimento em que os imigrantes se informam sobre as oportunidades, conseguem transporte, alojamentos e empregos iniciais, através de relações sociais primárias com imigrantes anteriores. (MAC DONALD apud DEVOTO, 2004). Elas exprimem uma revalorização da comunidade como um espaço territorial maior que aquele familiar, podendo ser vistas como pontes que conectam as redes sociais e que constroem um novo espaço de interação, de informação e de oportunidades. (DEVOTO, 2004) Os objetivos deste trabalho foram avaliar como se deu de médicos italianos em cidades do cone sul; como eram formadas as redes sociais e as cadeias migratórias de recepção que facilitaram a sua inserção profissional e os fatores que determinaram o reconhecimento profissional. O estudo deste relato pode contribuir para conhecer o fenômeno imigratório de profissionais liberais, as características da presença de médicos italianos nesta região, em especial no sul do Brasil, em um momento de especialização e de reconhecimento da profissão médica. Metodologia Foi utilizada a análise textual discursiva do material constante no relato a partir de uma extensa revisão bibliográfica. (Moraes; Galiazzi, 2007) Resultados A pesquisa desenvolvida permite se conhecer as características da inserção profissional de médicos imigrantes através da descrição feita a partir da experiência de D’Elia. Os deslocamentos foram feitos na companhia de membros diretos de sua família nuclear, de parentes próximos (cunhados e irmão), e sustentados em informações prévias que mostram um plano predeterminado de deslocamento na procura de melhores condições de sucesso profissional. Constata-se que o médico estava impregnado de informações oferecidas por compatriotas, moradores de seu paese ou adjacências, colegas de escola e da Faculdade de Medicina de Nápoles, padres e farmacêuticos que viviam nestes países. Em relação a sua formação, não há informação precisa sobre a sua especialização médica. Ele, no entanto, critica alguns colegas italianos que só tinham a licença médica. Sabese de seu interesse pela microbiologia e como sua experiência foi utilizada na prevenção da varíola e a descrição de alguns acompanhamentos clínicos e cirúrgicos. Nota-se que o período V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010 841 estudado é o mesmo onde já se estavam desenvolvendo as grandes especialidades médicas. (WEISZ, 2006) Descreve a atuação de curandeiros, no Paraguai, e dos chamados médicos homeopatas (RS) que define como indivíduos autodidatas e que exerciam práticas de cura em regiões onde não havia médicos, sendo aceitos socialmente. São identificados vários pares de irmãos médicos-farmacêuticos italianos como ele e seu irmão. Conclusão No final do século XX e início do XX, há um intenso deslocamento de médicos italianos que atinge o Rio Grande do Sul, e que inclui outros países da América do Sul. Estes médicos procuravam melhores condições de trabalho caracterizando uma itinerância profissional, ao mesmo tempo em que colaboravam com o aporte de especialidades médicas. Os relatos escritos por médicos podem ser considerados como dispositivos que, ao serem analisados, permitem conhecer as características do campo médico do período. O conhecimento das redes sociais e das cadeias migratórias auxilia no entendimento de como se processou a recepção dos médicos italianos. Referências CATTARULLA, Camila. El viaje del emigrante: un proyecto individual entre utopías y dudas. Estudos IberoAmericanos, Porto Alegre, v. 25, n. 2, p. 117, 1999. D’ELIA, Ricardo. Argentina, Paraguay e Brasile: riccordi e impressioni e consigli. Torino: Tipografia Torinese, 1906 DEVOTO Fernando. Historia de La inmigración en la Argentina. Buenos Aires: Sudamericana, 2004. p. 75 GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. HEVILLA, Cristina. Los viajeros de las alturas: narrativas de viajeros y científicos sobre los Andes argentinochilenos en el siglo XIX. In: ZUSMAN, Perla; LOIS, Carla; CASTRO, Hostensia. Viajes y geografías. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007. MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria. Análise textual discursiva. Ijuí: UNIJUI, 2003. SCHWARTSMANN, Leonor C. Baptista. Olhares do médico-viajante Giovanni Palombini no Rio Grande do Sul (1901-1914). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. V Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2010