Participação-queixa 409/12 - African Commission on Human and

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Participação-queixa 409/12 - African Commission on Human and
Participação-queixa 409/12 – Luke Munyandu Tembani e Benjamin John Freeth
(representados por Norman Tjombe) vs Angola e Treze Outros
Resumo da Queixa:
1. A Participação-queixa foi a princípio apresentada pelo Sr. Norman Tjombe (o Queixoso)
em nome do Sr. Luke Munyandu Tembani e do Sr. Benjamin John Freeth (as Vítimas)
contra a República de Angola (Primeiro Estado Requerido), a República do Botswana
(Segundo Estado Requerido), a República Democrática do Congo (Terceiro Estado
Requerido), o Reino do Lesoto (Quarto Estado Requerido), a República do Malawi
(Quinto Estado Requerido), a República das Maurícias (Sexto Estado Requerido), a
República de Moçambique (Sétimo Estado Requerido), a República da Namíbia (Oitavo
Estado Requerido), a República das Seicheles (Nono Estado Requerido), a República da
África do Sul (Décimo Estado Requerido), o Reino da Swazilândia (Décimo Primeiro
Estado Requerido), a República Unida da Tanzânia (Décimo Segundo Estado
Requerido), a República da Zâmbia (Décimo Terceiro Estado Requerido), e a República
do Zimbabwe (Décima Quarto Estado Requerido) (colectivamente os Estados
Requeridos), assim como a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade
de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e o Conselho de Ministros da SADC (o
Conselho da SADC).
2. Todavia, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão) passou a
lidar com a presente Participação-queixa contra os catorze (14) Estados Requeridos na
sua qualidade de Estados Partes da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
(Carta Africana).1
3. Em virtude das declarações ajuramentadas feitas pelas Vítimas, apoiadas por diversos
documentos comprovativos (constituindo tudo isso a Participação-queixa), o Queixoso
alega que a Primeira Vítima, um zimbabweano, havia adquirido em 1995 um título de
prédio rústico destinado à agricultura, no qual investiu consideráveis recursos em
meios de exploração agrícola, passando entretanto a estar privado desse título e
forçado a abandonar o referido prédio rústico como consequência de uma acção
executiva do Governo do Zimbabwe. Esta questão foi levada ao Tribunal da SADC (o
Tribunal), tendo esta instância decidido a favor da Primeira Vítima, confirmando a
convicção desta de que a perda prédio rústico estava em conflito com as obrigações
Contratuais do Zimbabwe, por isso em violação do Direito internacional.2
4. O Queixoso sustenta que a decisão do Tribunal não foi cumprida pelo Zimbabwe, tal
como outras decisões tomadas por essa instância contra o Zimbabwe, incluindo a
Para detalhes da decisão da Comissão em passar a lidar com a Participação-queixa, é favor consultar o
parágrafo 17 adiante.
2 A decisão pertinente está apensa à Paticipação-queixa sob a designação de Anexo A.
1
decisão a favor daquilo que passa a ser designado de requerentes Campbell3, decisão
essa tomada pelo Tribunal no caso Mike Campbell (PVT) Limited e Outros vs
República do Zimbabwe4 (o caso Campbell). A Segunda Vítima era um dos
Requerentes Campbell,5 a qual age agora em nome dos requerentes Campbell na
presente Participação-queixa.
5. Declara igualmente o Queixoso que as Vítimas meteram uma série de requerimentos
junto do Tribunal, no intuito de que a desobediência do Zimbabwe fosse remetida à
Cimeira de Chefes de Estado da SADC (Cimeira da SADC) para a tomada de medidas
contra o Zimbabwe como Estado membro, e que tais medidas haviam sido também
aprovadas, mas de igualmente modo desobedecidas.
6. O Queixoso alega que por decisão da Cimeira da SADC, incluindo os Estados Requeridos
enquanto entidades responsáveis pela tomada de decisões, entre 16 e 17 de Agosto de
2010 (a “Primeira Decisão”), o Tribunal foi suspenso, deixando as decisões desta
instância de poder ser aplicadas. As Vítimas procuraram lidar com esta questão da
suspensão, metendo um requerimento junto do Tribunal em Março de 2011,
demandando uma declaração em que, inter alia, a Cimeira da SADC tinha o dever de
apoiar e facilitar o funcionamento contínuo do Tribunal;6 todavia, o Tribunal não pôde
ser/não foi convocado para lidar com estas questões por ter sido suspenso em virtude
de uma outra decisão (a “Segunda Decisão”) tomada pela Cimeira da SADC (e
alegadamente de forma implícita pelos Estados Requeridos) em 20 de Maio de 2011. 7
7. O Queixoso afirma que a Segunda Decisão perpetua a paralisia indefinida do Tribunal
por não assegurar a nomeação de juízes, e por reiterar a moratória quanto à aceitação
de novos casos ou audiências pelo Tribunal até que o Protocolo da SADC referente ao
Tribunal tenha sido revisto e aprovado. Alega ainda o Queixoso que a Segunda Decisão
não teve em conta a Primeira Decisão da Cimeira da SADC, que havia deixado em aberto
os requerimentos para pôr em prática decisões tomadas, requerimentos suplementares
referentes a questões já ouvidas, e requerimentos pendentes.
8. O Queixoso assevera que a decisão da Cimeira da SADC em suspender o Tribunal teve
segundas intenções, afirmando que em vez de pôr em prática a decisão do Tribunal
contra o Zimbabwe enquanto Estado Membro da SADC, a Cimeira da SADC deu efeito ao
desejo do Zimbabwe em ser absolvido das suas responsabilidades, suspendendo essa
O falecido William Michael Campbell, firma privada da qual ele era um dos directores, e 75 outros
fazendeiros.
4 Caso № SADC (T) 11/08), Anexo C da Paticipação-queixa.
5
É favor ver Declaração Ajuramentada da Constituição de William Michael Campbell, Anexo D da
Participação-queixa, pp 10-29 (141-161 da Compilação da Participação-queixa) e o parágrafo 2 da
Declaração Ajuramentada Confirmatória de Benjamin John Freeth, Anexo L da Participação-queixa (p.
348 da Compilação da Participação-queixa).
6 Ver Anexo D da Paticipação-queixa.
7 Prova Marcada F, constante da Declaração Ajuramentada da Constituição de Luke Muyandu Tembani,
apensa como pp 4-17 da compilação da Paticipação-queixa.
3
instância jurídica; um acto que alegadamente não proporciona quaisquer recursos face
às violações de direitos humanos em relação às quais o Tribunal se pronunciara.
9. O Queixoso também sustenta que a suspensão do Tribunal viola a Carta Africana e o
Tratado e Protocolo da SADC, e que a decisão em suspender essa instância é irracional,
arbitrária e motivada por considerações estranhas, e de qualquer forma ilegais.
10. O Queixoso argumenta que as Vítimas na presente Participação-queixa demandam
recursos da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Comissão) pois
uma vez que o Tribunal foi suspenso, a decisão desta instância em seu favor não foi
cumprida. Assim, as vítimas e as respectivas famílias continuam a sofrer.
11. O Queixoso declara que as decisões e acções da Cimeira da SADC, e, por conseguinte, de
cada Estado Membro da SADC, isto é, os Estados Requeridos, em dar consentimento a
tais decisões e acções, e por não terem consequentemente assegurado que o Tribunal
continuasse a funcionar, constituem uma violação dos direitos das Vítimas ao abrigo da
Carta Africana assim como das disposições do Tratado da SADC (Artigos 4 e 6) e do
Protocolo da SADC.
Artigos que se alega terem sido violados
12. O Queixoso alega violações dos Artigos 7 e 26 da Carta Africana.
Pedidos
13. Na Queixa original, o Queixoso pediu que:
a. a Comissão remetesse a Participação-queixa ao Tribunal Africano dos
Direitos Humanos e dos Povos (o Tribunal Africano):
b. se emitissem declarações em que:
(i)
as decisões tomadas pela Cimeira da SADC (isto é, constituindo os
Estados Requeridos como entidades responsáveis pela tomada de
decisões) em se suspender as funções do Tribunal, infringiam a Carta
Africana, o Tratado da SADC e princípios de Direito internacional a
que os Estados Requeridos estão vinculados;
(ii)
os Estados Requeridos deviam levantar, com efeito imediato, a
professa suspensão das funções do Tribunal, e fazer tudo o que fosse
necessário para se apoiar e facilitar o Tribunal e as suas funções,
incluindo:
A.
renomeação dos membros do Tribunal cujo mandato
consentiu-se que expirasse em conformidade com a decisão de
se suspender o Tribunal;
B.
C.
D.
(iii)
prestar o financiamento necessário para que as operações do
Tribunal prossigam;
evitar a tomada de quaisquer medidas que melindrem o
funcionamento do Tribunal; e
abster-se de quaisquer medidas que possam alterar a
independência, imparcialidade, eficácia, acessibilidade e
estatuto do Tribunal.
os Estados Requeridos deviam dar efeito às decisões do Tribunal,
incluindo os avisos por ele remetidos à Cimeira da SADC, e pôr em
prática as recomendações feitas pelos Peritos e que constam do
Relatório Final sobre a Revisão, Responsabilidades e Competências do
Tribunal da SADC com a data de 6 de Março de 2011.
Procedimentos:
14. Em 28 de Dezembro de 2011, o Secretariado recebeu a Queixa datada de 27 de Julho de
2011. A Queixa seguiu os trâmites processuais a fim de se decidir se a Comissão
deveria passar a lidar com a mesma. Durante a sua 11ª Sessão Extraordinária realizada
em Banjul, Gâmbia, de 21 de Fevereiro de 2012 a 01 de Março de 2012, a Comissão
tomou a decisão de passar a lidar com a Participação-queixa. A Comissão decidiu não
remeter a Participação-queixa ao Tribunal Africano por não reunir os necessários
requisitos tal como estipulado nos Regulamentos Internos da CADHP.
15. Em 6 de Março de 2012, o Queixoso foi informado da decisão da Comissão em aceitar a
Participação-queixa “em relação apenas aos catorze (14) Estados mencionados”,8 e de
não remetê-la ao Tribunal Africano. O Queixoso foi ainda convidado a articular perante
a Comissão argumentos quanto à Admissibilidade da Participação-queixa contra os
catorze (14) Estados. Em 13 de Março de 2012, foram enviadas Notas Verbais a todos os
catorze (14) Estados Requeridos, informando-os da Queixa, apensando esta às referidas
Notas Verbais.
16. Entre 18 de Abril de 2012 e 14 de Maio de 2012, o Queixoso apresentou argumentos
quanto ao provimento da Participação-queixa nas línguas oficiais de todos os Estados
Requeridos. O Secretariado transmitiu esses argumentos a todos os Estados Requeridos
por meio de Notas Verbais datadas de 18 de Maio de 2012.
17. Em 15 de Julho de 2012, o Botswana escreveu ao Secretariado a solicitar que o prazo de
apresentação de argumentos quanto ao provimento da Queixa fosse prorrogado por
três (3) meses. A Comissão decidiu que o prazo fosse prorrogado por um (1) mês
apenas.
8
Ver carta com referência ACHPR/LPROT/COMM/409/12/SADC/0.1/194/12.
18. Em 24 de Julho de 2012, o Secretariado recebeu os argumentos da Tanzânia quanto a
Admissibilidade, e a 3 de Agosto de 2012 transmitiu-os ao Queixoso.
19. Em 25 de Julho de 2012, o Secretariado recebeu um pedido das Maurícias para que o
prazo de articulação de factos quanto a Admissibilidade fosse prorrogado por um (1)
mês. A Comissão concedeu esse prazo.
20. Por Nota Verbal datada de 18 de Julho de 2012, as Seicheles reagiram os factos
articulados pelo Queixoso relativamente à Admissibilidade da Queixa. Os pontos de
vista das Seicheles foram transmitidos ao Queixoso.
21. Em 03 de Setembro de 2012, os Queixosos enviaram argumentos suplementares
relacionados com a Admissibilidade da Queixa em resposta aos factos articulados pelo
Governo da Tanzânia quanto ao provimento da Queixa.
22. Na sua 52ª Sessão Ordinária realizada em Yamoussoukro, Côte d’Ivoire, de 9 a 22 de
Outubro de 2012, a Comissão examinou a Admissibilidade da Participação-queixa,
tendo-a declarado admissível.
23. Em 16 de Novembro de 2012, o Secretariado informou o Queixoso e os Estados
Requeridos da decisão quanto a Admissibilidade, tendo o Queixoso sido solicitado a
enviar argumentos quanto ao Mérito da Queixa dentro de sessenta (60) dias da data de
notificação, de acordo com o № 1 do Regulamento 108 dos Regulamentos Internos da
Comissão.
24. Entre 24 de Dezembro de 2012 e 16 de Janeiro de 2013, o Secretariado recebeu os
argumentos do Queixoso sobre o Mérito da Participação-queixa, com revisão dos
pedidos. Acusou-se a recepção dos argumentos, tendo estes sido transmitidos aos
Estados Requeridos em 22 Janeiro de 2013. Os Estados Requeridos foram igualmente
solicitados a enviar por escrito os respectivos argumentos quanto ao Mérito da Queixa
e/ou observações referentes aos factos articulados pelo Queixoso dentro de sessenta
(60) dias da data da notificação, em conformidade com o № 1 do Regulamento 108 dos
Regulamentos Internos da Comissão.
25. Em 18 de Fevereiro de 2013, a África do Sul pediu que o prazo de apresentação de
argumentos quanto ao Mérito da Participação-queixa fosse prorrogado por três (3)
meses. Em resposta, a Comissão concedeu o prazo de um (1) mês em conformidade com
o № 2 do Regulamento 113 dos Regulamentos Internos. O aviso da prorrogação do
prazo foi enviado à África do Sul e ao Queixoso em 19 de Fevereiro de 2013.
26. Em 28 de Fevereiro de 2013 e em 11 de Março de 2013, as Maurícias informaram o
Secretariado de que só haviam recebido a Nota Verbal por este enviada a transmitir os
factos articulados pelo Queixoso quanto ao Mérito da Queixa em 28 de Fevereiro de
2013. Por essa razão, solicitava que fosse prorrogado o prazo de apresentação de
argumentos quanto ao Mérito.
27. Em 11 de Março de 2013, a Comissão informou as Maurícias de que iria, em
conformidade com o № 1 do Regulamento 108 dos Regulamentos Internos, calcular o
prazo de entrega dos argumentos a partir da data em que esse Estado havia
efectivamente recebido os argumentos do Queixoso quanto ao Mérito, e que a questão
da prorrogação do prazo, tal como sugerida pelas Maurícias, de facto não se colocava. O
aviso desta decisão foi igualmente foi igualmente facultado ao Queixoso por meio de
carta com a mesma data.
28. Em resposta a um pedido da Tanzânia, em 29 de Abril de 2013 o Secretariado enviou a
decisão
sobre
a
Admissibilidade
da
Queixa
a esse Estado; informou a Tanzânia de que o Queixoso havia articulado factos quanto ao
Mérito da Participação-queixa, e apensou cópias da sua Nota Verbal anterior e nota de
envio dos referidos factos articulados à Tanzânia. Fez-se recordar a este Estado que em
conformidade com os Regulamentos Internos da Comissão, o prazo estipulado para
envio ao Secretariado, por escrito, dos argumentos quanto ao Mérito da Queixa havia
expirado.
29. Em 29 de Abril de 2013, o Secretariado recebeu os argumentos das Maurícias quanto ao
Mérito da Participação-queixa, cuja recepção foi devidamente confirmada. Os
argumentos foram transmitidos ao Queixoso na mesma data.
30. De 4 a 10 de Junho de 2013, o Secretariado recebeu a resposta do Queixoso
relativamente aos argumentos das Maurícias quanto ao Mérito, em conformidade com o
№ 2 do Regulamento 108 dos Regulamentos Internos da Comissão.
31. Em 12 de Junho de 2013, as Maurícias solicitaram o texto da decisão quanto a
Admissibilidade, o qual foi transmitido pela Comissão em 25 de Junho de 2013.
32. Em 20 de Junho de 2013, a África do Sul informou a Comissão de que não iria articular
quaisquer factos quanto ao Mérito da Participação-queixa e que acataria a decisão da
Comissão sobre a Participação-queixa. O Secretariado acusou a recepção dessa
informação, tendo disso notificado o Queixoso.
33. Em 30 de Junho, o Queixoso enviou ao Secretariado para seu conhecimento uma decisão
do Tribunal Constitucional da África do Sul contra o Zimbabwe datada de 27 Junho de
2013.
34. Por Nota Verbal datada de 15 de Agosto de 2013, recebida pelo Secretariado em 19 de
Agosto de 2013, o Lesoto pediu à Comissão para que lhe prestasse informações sobre a
situação da Participação-queixa. Solicitou igualmente se era permissível nesta fase os
Estados Requeridos articularem factos sobre a Participação-queixa. Em 20 de Agosto de
2013, o Secretariado informou o Lesoto da situação da Participação-queixa. Indicou
ainda que uma vez que o prazo estipulado para que o Lesoto enviasse por escrito ao
Secretariado os argumentos quanto ao Mérito da Queixa, em conformidade com o № 1
do Regulamento 108, esse país já não poderia articular quaisquer factos.
35. Na sua 54ª Sessão Ordinária realizada em Banjul, Gâmbia, de 22 de Outubro a 5 de
Novembro de 2013, a Comissão examinou o Mérito da Participação-queixa.
A Lei sobre a Admissibilidade
Os Argumentos do Queixoso quanto à Admissibilidade da Queixa
36. O Queixoso sustenta que todos os critérios de Admissibilidade enumerados ao abrigo
do Artigo 56 da Carta Africana foram satisfeitos e que, portanto, a Participação-queixa
deve ser declarada como tendo provimento.
37. No que diz respeito ao № 1 do Artigo 56 da Carta Africana, o Queixoso declara que em
cumprimento da pertinente disposição, a presente Participação-queixa indica
claramente os nomes e identidade dos requerentes e do respectivo representante legal.
38. O Queixoso também declara que as disposições do № 2 do Artigo 56 da Carta Africana
foram cumpridas uma vez que a Participação-queixa estabelece claramente todas as
quatro ratione jurisdictionis necessárias para que a Comissão possua competência para
examinar a queixa, designadamente jurisdição pessoal, material, temporal e territorial.
39. Assevera igualmente o Queixoso que a Participação-queixa cumpre com o № 3 do
Artigo 56 da Carta Africana por não ter sido redigida em linguagem depreciativa para
com os Estados Requeridos. A linguagem utilizada na Participação-queixa é
inteiramente apropriada, concisa, clara, e enuncia de forma competente a causa da
queixa.
40. O Queixoso afirma que a presente Participação-queixa cumpre com o № 4 do Artigo 56
da Carta Africana por não basear-se em notícias da comunicação social, mas é, antes,
totalmente apoiada em provas directas, incluindo relatórios oficiais objectivos e fiáveis.
Afirma igualmente que as provas que apoiam a Participação-queixa são fiáveis,
indisputáveis, objectivas e independentes.
41. Fundamentando-se na jurisprudência da Comissão, o Queixoso sustenta igualmente que
a presente Participação-queixa cumpre com o № 5 do Artigo 56 da Carta Africana, uma
vez que os requerentes satisfizeram integralmente os requisitos para o esgotamento de
recursos ou instâncias de Direito interno, considerando não haver nenhuma
perspectiva de se obter tais recursos ou instâncias. O queixoso compara os factos da
presente Participação-queixa aos do caso Sir Dawda K Jawara vs Gâmbia.9
42. De acordo com o Queixoso, a queixa na presente Participação é precisamente a
suspensão do Tribunal (o que significa que este não pode ser abordado para decidir
sobre a legalidade da sua própria suspensão). Assim, nas circunstâncias da presente
9
Paticipação-queixa 147/95 & 149/96 - Dawda K Jawara vs Gâmbia (2000) ACHPR, parágrafos 31- 34.
queixa não restam recursos ou instâncias de Direito interno. O Queixoso defende ainda
que as tentativas dos requerentes em abordar o referido Tribunal demonstram sem
réstia de dúvida que não havia (e continua a não haver) nenhuma perspectiva de se
obter quaisquer desses recursos.
43. Declara ainda o Queixoso que a presente Participação-queixa cumpre com o № 6 do
Artigo 56 da Carta Africana uma vez que os requerentes apresentaram-na da forma
devida, procuraram ser expeditos quanto ao seu processamento pelo Secretariado e
pela Comissão, tendo cumprido com todos os regulamentos, directivas ou pedidos da
Comissão dentro do prazo exigido.
44. O Queixoso declara que a Participação-queixa cumpre com o № 7 do Artigo 56 da Carta
Africana uma vez que a suspensão do Tribunal (a base da queixa) não foi ainda
levantada, apesar das recomendações do Relatório dos Peritos e da condenação pública
por ONG, ordens de advogados da SADC e até mesmo da comunidade internacional.
Para além do mais, o Queixoso assevera não existir na Carta Africana ou na Carta das
Nações Unidas qualquer disposição a autorizar a paralisação do Tribunal, ou a
perpetuação da paralisação, nem tão pouco qualquer mecanismo legal junto do qual a
queixa possa ser “resolvida”.
Argumentos dos Estados Requeridos quanto a Admissibilidade
45. Dos catorze (14) Estados Requeridos, a quem foram facultados os factos de relevância
articulados pelo Queixoso relacionados com a presente Participação-queixa, apenas a
Tanzânia e as Seicheles reagiram aos argumentos do Queixoso.
Os Argumentos das Seicheles quanto a Admissibilidade
46. Em reacção à queixa e aos argumentos do Queixoso quanto a Admissibilidade, as
Seicheles enviaram uma Nota Verbal de uma página a indicar que não eram parte
directa nas questões levantadas na Participação-queixa, e mais indicando que iriam
“adoptar os factos articulados pelo 1º Requerido (a Cimeira de Chefes de Estado ou de
Governo da SADC) e pelo 2º Requerido (Conselho de Ministros da SADC) no que se refere à
questão da admissibilidade.”10
Os Argumentos da Tanzânia quanto a Admissibilidade
47. Por seu turno, a Tanzânia apresentou de forma detalhada argumentos em contrário
sobre a Admissibilidade da Participação-queixa com base nos requisitos enunciados no
Artigo 56 da Carta Africana, defendendo que a Participação-queixa não havia cumprido
com as disposições desse artigo.
Parágrafo 2, Nota Verbal das Seicheles endereçada à Comissão, Ref. MFA/353/132/1 e datada de 18
de Julho de 2012, tal como mencionada no parágrafo 25 supra.
10
Objecção Preliminar levantada pela Tanzânia relativamente à jurisdição
ratione personae e jurisdição ratione materiae da Comissão
48. Como questão preliminar, a Tanzânia quis que a Comissão, como órgão da UA, se
debruçasse sobre a questão de poder decidir sobre uma queixa apresentada contra um
órgão sub-regional e os respectivos membros e, consequentemente, se dispunha de
mandato para avançar com a emissão de um aviso contra a SADC e os seus Estados
Membros. A Tanzânia pediu, portanto, à Comissão para rejeitar a Participação-queixa
por falta de jurisdição.
Argumentos nos termos do Artigo 56
49. No que se refere ao № 1 do Artigo 56 da Carta, a Tanzânia defende que embora os
nomes dos autores estivessem indicados na Participação-queixa, a relevância do
segundo autor da Participação-queixa – Benjamin John Freeth – não havia sido
claramente estabelecida e que nem a nacionalidade, profissão ou função do mesmo
eram conhecidas.
50. Relativamente ao № 2 do Artigo 56 da Carta Africana, a Tanzânia disputa o facto de o
Queixoso ter reunido todos os requisitos relacionados com a compatibilidade da Carta
Africana no que se refere à jurisdição material, pessoal, temporal e territorial. A
Tanzânia defende que as disposições da Carta Africana que se alega terem sido violadas
são irrelevantes para os factos que deram azo à Queixa, e de nenhuma forma
estabelecem qualquer violação prima facie quer da Carta Africana, quer dos Princípios
da Carta da OUA, uma vez que os Artigos em referência tratam do processo do Direito
penal e de tribunais nacionais, ao contrário do Tribunal da SADC que é um órgão subregional da Comunidade. Sustenta ainda a Tanzânia que o formato adoptado pelo
Queixoso, isto é, em moldes de declarações ajuramentadas, é incompatível com o
recomendado pela Comissão, e que a Participação-queixa transgrediu as Directivas
sobre Participações-queixa ao incluir a Cimeira da SADC e o Conselho da SADC os quais
não são, por definição, Estados Partes da Carta Africana.
51. A Tanzânia argumenta que a Comissão não está mandatada para lidar com as
reivindicações do Queixoso, quer por disposição expressa da Carta Africana, que por
quaisquer implicações necessárias. Fundamentando-se na decisão do Tribunal Africano
no caso Femi Falana vs União Africana,11 a Tanzânia defende que nem a SADC nem os
seus órgãos, que foram arrolados na Participação-queixa, são partes da Carta Africana
para que se possa invocar a jurisdição da Comissão ou mandato para lidar com a
Participação-queixa. E mais argumenta que as obrigações da Tanzânia decorrentes do
Tratado da SADC são completamente diferentes daquelas que emanam da Carta
Africana e, como tal, o Queixoso não pode fazer uso de factos decorrentes da SADC para
apresentar uma Participação-queixa ao abrigo da Carta Africana .
11
Requerimento № 001/2011.
52. No que diz respeito à jurisdição material (ratione materiae) da Comissão, a Tanzânia
assevera que as questões levantadas pelo Queixoso relacionadas com o acesso ao
Tribunal podem ser levantadas e tratadas a nível da SADC enquanto organização
internacional e órgão sub-regional, à qual foi conferida jurisdição exclusiva para lidar
com questões comunitárias desse género. Em apoio desse argumento, a Tanzânia
fundamenta-se no caso, Efoua Mbozo’o Samuel vs Parlamento Pan-Africano.12
53. A Tanzânia argumenta que face a tudo quanto atrás se referiu, o Queixoso está a
convidar a Comissão a lidar com uma questão que se situa fora da sua jurisdição
material, pessoal, temporal e territorial.
54. E mais defende a Tanzânia que o requisito enunciado no № 3 do Artigo 56 da Carta
Africana não foi cumprido dado que a Participação-queixa “está repleta de linguagem
depreciativa ou insultuosa dirigida aos Estados Membros da SADC”. A Tanzânia sustenta
que o Queixoso/Vítimas empregaram retórica política e linguagem grosseira.
55. A Tanzânia fundamenta-se nas decisões da Comissão relativamente às Participaçãoqueixa 65/92 – Ligue Camerounaise des Droits de l’Homme vs Camarões13 e
Participação-queixa 322/2006 – Tsatsu Tsikata vs Gana14 ao solicitar à Comissão
que considere a Participação-queixa de insultuosa e depreciativa, e como não tendo
cumprido com o № 3 do Artigo 56 da Carta Africana. Para além do mais, a Tanzânia
citou a Participação-queixa 263/02 – Kenya Section of the International
Commission of Jurists, Law Society of Kenya, Kituo Cha Sheria vs Quénia.15
56. Relativamente ao № 4 do Artigo 56, a Tanzânia argumenta que pese embora o facto da
Participação-queixa não se basear em notícias disseminadas através da comunicação
social, ela baseia-se exclusivamente em alegações que têm como premissa as decisões
da Cimeira da SADC assim como do Tribunal, as quais situam-se inteiramente fora do
âmbito da intervenção da Comissão, um grupo sub-regional inteiramente diferente, com
mecanismos próprios para resolução de disputas. A Tanzânia argumenta igualmente
que o Queixoso/Vitimas não investigaram minuciosamente nem determinaram a
veracidade dos factos e onde apresentar as suas reivindicações antes de recorrerem à
Comissão.
57. A Tanzânia sustenta que a Participação-queixa não cumpriu com as disposições do №
5 do Artigo 56 da Carta Africana, relativamente ao esgotamento de recursos ou
instâncias de Direito interno. A Tanzânia argumenta que a suspensão do Tribunal da
Requerimento № 010/2011.
Participação-queixa 65/92 – Ligue Camerounaise des Droits de l’Homme vs Cameroon (1997) ACHPR.
14 Participação-queixa 322/2006 – Tsatsu Tsikata vs Republic of Ghana (2006) ACHPR.
15 Paticipação-queixa 263/02 – Kenya Section of the International Commission of Jurists, Law Society of Kenya,
Kituo Cha Sheria vs Kenya (2004) ACHPR.
12
13
SADC não constitui justificativo para as Vítimas não terem esgotado os recursos ou
instâncias de Direito interno em cada Estado da SADC, tal como o tanzaniano, e que os
factos apresentados pelo Queixoso/Vítimas apenas indicam como é que as vítimas
instauraram processos junto dos tribunais do Zimbabwe antes de recorrerem à
Comissão. Baseando-se na Participação-queixa 333/2006 – Southern Africa Human
Rights NGO Network e Outros vs Tanzânia16 e na Participação-queixa 263/0217,
atrás referida, a Tanzânia defende que as vítimas não instauraram processos judiciais
perante os tribunais tanzanianos e, como tal, ao Estado tanzaniano não foi concedida
oportunidade para lidar com as alegadas injustiças em conformidade com o princípio de
Direito internacional de esgotamento de recursos ou instâncias de Direito interno.
58. A Tanzânia afirma que seria bastante injusto a Comissão usurpar a sua jurisdição, neste
caso contra a Tanzânia, ao mesmo tempo que aos seus organismos municipais não foi
sequer dada a oportunidade de oferecerem uma solução para a questão. A Tanzânia
refuta o argumento do Queixoso, afirmando existirem recursos ou instâncias de Direito
interno efectivos e suficientes a nível da SADC. Fundamentando-se na decisão do
Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Earl Spencer e Countess Spencer vs
Reino Unido18 e na da Comissão (Participação-queixa 275/2003 – Artigo 19 vs
Eritreia)19, a Tanzânia afirma que cabia às Vítimas/Queixoso dar todos os passos
necessários para se esgotar, ou pelo menos tentar esgotar, os recursos ou instâncias de
Direito interno, mesmo que tivessem razões para acreditar que os mesmos seriam
ineficazes.
59. Para além do mais, no que se refere ao esgotamento de recursos ou instâncias de
Direito interno, a Tanzânia sustenta que a suspensão do Tribunal é uma questão que
está ainda a ser tratada a nível da SADC. Acrescenta que em relação a essa questão está
ainda por tomar uma decisão final dado estar previsto que o relatório final sobre o
processo de revisão dos instrumentos legais de relevância da SADC deverá ser
apresentado à cimeira em Agosto de 2012.20 Sustenta também a Tanzânia que a
referência feita pelas Vítimas contra o Zimbabwe ainda está a ser tratada pela Cimeira
da SADC (dentro do respectivo prazo e calendário de trabalhos), acrescentando que a
Cimeira terá ainda de decidir sobre esse assunto. Afirma a Tanzânia que os Queixosos
estão vinculados às disposições contidas no № 5 do Artigo 32 do Protocolo do Tribunal
da SADC, as quais exigem que a Cimeira da SADC tome medidas apropriadas logo que
um Tribunal determine que a sua decisão não foi respeitada. Assim, a Tanzânia defende
que o Queixoso/Vítimas agiram impetuosamente ao apresentarem a presente
Participação-queixa perante a Comissão.
Paticipação-queixa 333/2006 – Southern Africa Human Rights NGO Network and Others vs Tanzania (2010)
ACHPR, parágrafos 55-66.
17 n19 supra.
18 App. № 28851/95 e №28852/95 (Eur. Comm’n on HR 1998).
19 Participação-queixa 275/2003 – Article 19 vs Eritrea (2007) ACHPR.
20 Parágrafos 13 e 44 dos argumentos da Tanzânia sobre Admissibilidade.
16
60. Sobre o № 6 do Artigo 56, referente à entrega da Participação-queixa dentro de um
prazo razoável a contar da data do esgotamento de recursos ou instâncias de Direito
interno, a Tanzânia argumenta que uma vez que as Vítimas não esgotaram quaisquer
desses recursos em território tanzaniano, a questão da entrega da Queixa dentro de um
prazo razoável não se levanta nem pode ser levantada. Argumenta ainda a Tanzânia que
uma vez que as alegadas questões estão ainda por concluir a nível da SADC, o prazo não
começou a ser contado para se conceder ao Queixoso a oportunidade de apresentar a
Queixa.
61. Em alternativa, a Tanzânia sustenta que caso a Comissão constate que as Vítimas
esgotaram os recursos ou instâncias de Direito interno, a Participação-queixa não foi
apresentada dentro de um prazo razoável a partir da data em que tais recursos e
instâncias foram esgotados no Zimbabwe e na África do Sul, tal como indicado na
Participação-queixa. Argumenta a Tanzânia que embora a Queixa não mostre
claramente quando é que as Vítimas tentaram, exactamente, fazer valer as decisões
junto dos tribunais locais, essa mesma Queixa indica que nos factos articulados o
Queixoso/Vítimas haviam declarado que a Primeira Decisão da Cimeira da SADC em
Agosto de 2010 havia tido o efeito prático de retirar ao Tribunal a capacidade de ouvir
os requerimentos apresentados a esta instância para que a recusa do Zimbabwe em
executar a decisão tomada por esse mesmo Tribunal fosse remetida à Cimeira. A
Tanzânia alega, portanto, que os Queixosos poderiam ter apresentado a Participaçãoqueixa imediatamente a seguir a Agosto de 2010, altura em que a causa de pedir
surgiu, isto é, quando foi tomada a Primeira Decisão, em vez de esperar até 27 de Julho
de 2011, quase um ano depois do último evento que retirou ao Tribunal a capacidade de
ouvir a questão, período que não é razoável.
62. Quanto a isso, a Tanzânia insta a Comissão a inspirar-se e a subscrever a prática e a
jurisprudência do sistema de direitos humanos europeu e interamericano em constatar
“seis meses” como prazo razoável para se apresentar uma Participação-queixa após
terem-se esgotado os recursos ou instâncias de Direito interno.
63. Finalmente, relativamente ao № 7 do Artigo 56, a Tanzânia argumenta que a
Participação-queixa aborda um caso que está presentemente a ser tratado por um outro
órgão internacional/sub-regional – SADC, e, portanto, a Participação-queixa não tem
nenhuma razão de ser.
Argumentos Suplementares do Queixoso quanto a Admissibilidade
64. Nos argumentos suplementares que apresentou quanto à Admissibilidade da
Participação-queixa, o Queixoso argumenta que a sugestão de que os processos legais
para se fazer respeitar direitos ao abrigo da Carta Africana devem dar prioridade a
processos políticos em curso nunca se fundamentou no princípio de política legal. Ele
argumenta que o suposto escrutínio ou exame da jurisdição do Tribunal pela Cimeira
constituiu uma usurpação ilegal da jurisdição exclusiva do Tribunal – a mesma
ilegalidade a que a Participação-queixa se refere. Para além do mais, o Queixoso
defende que um tal argumento significa igualmente que nunca haveria acesso à justiça
face a uma violação de natureza contínua.
65. E mais argumentou o Queixoso que a Participação-queixa era instaurada contra os
Estados Requeridos, não por “serem meramente membros da SADC”,21 mas como
entidades responsáveis pela tomada de decisões, que resolveram unanimemente
suspender o Tribunal, e que são igualmente todos eles “membros da União Africana e
por conseguinte, sujeitos à jurisdição da Comissão”.22 Também sustenta que no caso
Femi Falana vs União Africana,23 a que a Tanzânia fez referência, não tem relevância
para a Participação-queixa já aceite pela Comissão relativamente aos catorze Estados
Requeridos, ao passo que a Participação-queixa Efoua Mbozo’o Samuel vs Parlamento
Pan-Africano24 na realidade confirma a jurisdição da Comissão e do Tribunal Africano
relativamente à questão.
66. Argumenta ainda que a “jurisdição exclusiva ” em relação à questão da suspensão do
Tribunal, que o Estado alega fundamentar-se no Protocolo da SADC, deve, nos termos
deste Protocolo (no № 1 do Artigo 15), ser exercida pelo mesmo Tribunal, cuja
jurisdição foi retirada; constituindo isto a violação da Carta Africana alegada pelo
Queixoso/Vítimas.25
67. Finalmente, sobre a questão da jurisdição, o Queixoso disputa o argumento da
Tanzânia de que a suspensão do Tribunal não apoia uma causa de pedir nos termos da
Carta Africana e afirma que embora isto seja uma questão a ser tratada na fase de
análise do Mérito da questão, os factos alegados indicam claramente uma violação dos
Artigos 7 e 26 da Carta Africana .
68. No que se refere à objecção da Tanzânia nos termos do № 1 do Artigo 56 sobre a
relevância do segundo autor, ele argumenta que o № 1 do Artigo 56 meramente exige
que os autores de uma Participação-queixa sejam identificados pelo nome.
69. O Queixoso também argumenta que a opinião da Tanzânia de que a Participação-queixa
transgrediu as Directivas sobre Participações-queixa é despropositada dado que essas
Directivas não são imutáveis e, o que é mais importante, todas as informações materiais
foram claramente fornecidas no requerimento/Participação-queixa.
70. O Queixoso também disputa a alegação da Tanzânia de que a linguagem utilizada na
Participação-queixa não cumpre com o № 3 do Artigo 56 e afirma que todos os termos
identificados como “grosseiros” constituem “terminologia jurídica normal”, e que a
opinião da Tanzânia de que tais palavras “são muito fortes” e “…inapropriadas”, não se
Argumentos Suplementares do Queixoso sobre Admissibilidade, parágrafo 22.
Ibid.
23 n14 supra.
24 n15 supra.
25 Nota de Rodapé 27, parágrafo 23.
21
22
enquadram no estipulado no № 3 do Artigo 56. O Queixoso nega igualmente que a
Participação-queixa inclua “especulações assim como questões estranhas com um toque
de retórica política”. Afirma que os conteúdos a que a queixa se refere não são
especulativos, mas factos históricos incontestáveis (corroborados inter alia por provas
documentais) apresentadas sob juramento.”26 Afirma igualmente o Queixoso que os
factos dizem respeito ao Zimbabwe, dos quais a Tanzânia optou por tirar as suas
próprias ilações, e que este Estado “não pode invocar as suas próprias ilações para
impedir as audiências quanto ao Mérito da questão”.27 Para além do mais, o Queixoso
declara que o conteúdo em disputa da Participação-queixa fundamenta-se numa
preensão razoável de parcialidade, dado que indivíduos na posição das Vítimas são
levados, por uma questão de rotina, a comparecer perante tribunais zimbabweanos sob
a acusação da prática de crimes por procurarem exercer direitos próprios, tal como os
proferidos pelo Tribunal, e que como resultado da "decisão impugnada”, tais indivíduos
não dispõem de outro fórum legal onde possam proteger os seus direitos.
71. Fundamentando-se na decisão da Comissão no caso, Tsatsu Tsikata vs República do
Gana,28 o Queixoso sustenta que a Comissão apenas apoiaria um argumento com base
no № 3 do Artigo 56 em circunstâncias excepcionais dado ser necessário que a causa
de pedir seja alegada em termos pouco delicados para com as entidades em causa.
Defende o Queixoso que na forma como argumentou, a Tanzânia estava efectivamente a
defender que as Participações-queixa deviam ser apresentadas em termos que
dificilmente seriam capazes de transmitir uma causa de pedir, o que inibiria mesmo a
Comissão na forma como formula constatações de facto e conclusões de direito.
72. No que se refere ao argumento da Tanzânia quanto ao requisito enunciado no № 4 do
Artigo 56, o Queixoso argumenta não ser mais necessário verificar a veracidade dos
factos subjacentes às alegações, a autenticidade dos quais está demonstrada pelo texto
das resoluções formais e a respeito das quais “nenhum dos Estados Requeridos
procurou apresentar provas em contrário, dissociar-se da decisão impugnada, qualificála ou projectá-la de forma diferente.29
73. No que se refere ao esgotamento de recursos ou instâncias de Direito interno, sustenta
igualmente o Queixoso que as Vítimas esgotaram todos os recursos ou instâncias de
Direito interno necessários e que a suspensão do Tribunal também frustrou a tentativa
que haviam feito para esgotar tais recursos ou instâncias (mediante a abordagem do
Tribunal). Em resposta à opinião de que as Vítimas não recorreram aos tribunais
municipais dos Estados Requeridos, incluindo a Tanzânia, o Queixoso argumenta que a
violação das obrigações à luz do Direito internacional está sob a alçada da justiça
apenas em fóruns internacionais de jurisdição competente. Para além do mais, os
tribunais municipais da Tanzânia não são “internos” em relação às Vítimas, e o № 5 do
Artigo 56 não pode ser interpretado de forma a considerar o absurdo tal como o
Id, parágrafo 44.
Ibid.
28 n18 supra.
29 Nota de Rodapé 27, parágrafo 51.
26
27
argumento da Tanzânia deixa transparecer, em que o Queixoso deveria de recorrer a
recursos ou instâncias de Direito interno nos catorze Estados Requeridos.
74. Fundamentando-se na jurisprudência da Comissão,30 o Queixoso defende que ela não
exigiria que o esgotamento de recursos ou instâncias de Direito interno fosse aplicado
literalmente em casos em que se crê que esse exercício seria fútil.
75. No que se refere ao argumento da Tanzânia de que as Vítimas estão vinculadas ao № 5
do Artigo 32 do Protocolo da SADC, devendo aguardar pela decisão da Cimeira da SADC
no que se refere à menção por elas feita ao Zimbabwe, o Queixoso reitera que a queixa
das Vítimas prende-se com o facto de o Tribunal ter sido suspenso, não que o Zimbabwe
tenha repudiado as suas decisões.
76. O Queixoso também disputa a opinião da Tanzânia de que a Participação-queixa não foi
apresentada dentro de um prazo razoável, tal como exigido nos termos do № 6 do
Artigo 56 da Carta Africana, e sustenta que a “decisão final [sic] de se suspender o
Tribunal"31 foi tomada em 20 de Maio de 2011, e não em Agosto de 2010, tal como
declarado pela Tanzânia, e que, efectivamente, a Participação-queixa havia sido
apresentada dois meses depois de ter surgido a causa de pedir das Vítimas.
77. Finalmente, o Queixoso sustenta que a Tanzânia interpreta erradamente a o requisito
de Admissibilidade ao abrigo do № 7 do Artigo 56 ao afirmar que tal requisito não
havia sido cumprido dado que a matéria de causa da Participação-queixa está
presentemente a ser tratada num outro órgão internacional / sub-regional – SADC. O
Queixoso sustenta que o № 7 do Artigo 56 não se aplica a questões que estejam “ainda
em consideração”, mas a questões que já tenham sido dirimidas pelos Estados
envolvidos, de “acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas ou da Carta da
Organização de Unidade Africana, ou das disposições da presente Carta”. Além disso, o
Queixoso sustenta que a suposta “revisão” da questão pela Cimeira da SADC não é em
conformidade com os princípios dos instrumentos internacionais em referência dado
que nenhum deles permite a revisão, suspensão ou fim da jurisdição de um tribunal
internacional pelo departamento executivo dessa mesma organização, especialmente
pelo facto de um sistema judicial independente ser um ramo essencial da organização,
tal como estabelecido pelo seu instrumento constitutivo.
Decisão da Comissão sobre a questão preliminar da sua jurisdição ratione
personae e jurisdição ratione materiae
Paticipação-queixa 275/2003 (n24 supra) parágrafo 75, Participações-queixa 137/94, 139/94, 154/97 e
161/97 - International PEN, et al (em nome de Ken Saro-Wiwa Jr) vs Nigéria (1999) ACHPR parágrafos 74-76 e
Paticipação-queixa 245/02 - Zimbabwe Human Rights NGO Forum vs Zimbabwe(2006) ACHPR, parágrafo
72.
31 Nota de Rodapé 27, parágrafo 66.
30
78. A Tanzânia levanta objecções quanto ao exercício da jurisdição ratione personae e
jurisdição ratione materiae da Comissão, e solicita que esta determine como questão
preliminar se, como órgão da UA, ela pode examinar uma queixa apresentada contra
outro órgão sub-regional e os respectivos membros e, consequentemente, se ela possui
mandato para emitir uma ordem contra a SADC e os seus Estado Membros. A Tanzânia
argumenta que nem a SADC, a sua Cimeira, o Conselho de Ministros, e nem a Tanzânia
são partes da Carta Africana meramente por serem membros da SADC, de forma a
habilitar o Queixoso/Vítimas a qualquer direito de causa de pedir contra os seus órgãos
ou Estados Membros.
79. Dos factos articulados pela Tanzânia, a Comissão observa que o argumento por ela
utilizado em relação à objecção jurisdicional refere-se somente à jurisdição ratione
personae da Comissão. No entanto, a Comissão faz notar que todas as quatro rationes
jurisdictionis para que ela tenha competência para examinar a Participação-queixa são
defendidas pela Tanzânia nos argumentos que apresenta em relação ao № 2 do Artigo
56 da Carta32 e que todos eles são abordados na análise de Admissibilidade que a
Comissão faz adiante.
80. No que se refere especificamente à objecção preliminar levantada quanto à jurisdição
ratione personae da Comissão, esta faz notar que a queixa, no seu formato original,
enunciou a “Cimeira de Chefes de Estado ou de Governo da SADC”, o “Conselho de
Ministros da SADC” e os Estados Requeridos individuais como requeridos. Todavia, a
Comissão tem perfeita consciência de que não possui jurisdição sobre organizações
intergovernamentais e respectivos órgãos, tais como a SADC e a Cimeira de Chefes de
Estado ou de Governo ou Conselho de Ministros dessa Comunidade. Portanto, a
Comissão passou a tratar da presente Participação-queixa apenas no que se refere aos
catorze Estados Requeridos enquanto Estados Partes da Carta Africana.
81. Como consequência do acima exposto, a Comissão defende que a presente Participaçãoqueixa não está a ser examinada como tendo sido apresentada contra a SADC, a sua
Cimeira ou Conselho de Ministros. Também não está a ser examinada como tendo sido
apresentada contra a Tanzânia meramente por ser um membro da SADC, mas como
Estado Parte da Carta Africana em virtude desse mesmo Estado a ter ratificado no ano
de 1984.
Análise da Comissão quanto a Admissibilidade
82. De referir que em conformidade com o Artigo 57 da Carta Africana, os pertinentes
argumentos do Queixoso relacionados com a Participação-queixa foram fornecidos a
todos os catorze (14) Estados Requeridos. A Comissão interpretou o Artigo 57 da Carta
Africana como “indicando implicitamente… que o Estado Parte da … Carta, contra quem a
alegação de violações de direitos humanos é feita, deve examiná-la de boa-fé e fornecer à
Comissão todas as informações que tenha à sua disposição para permitir que ela,
32
Parágrafo 31 dos argumentos da Tanzânia quanto a Admissibilidade.
Comissão, tome uma decisão equitativa.”33 Não obstante o significado desta disposição e
as notificações enviadas a todos os Estados Requeridos, apenas a Tanzânia apresentou
argumentos quanto à Admissibilidade da Participação-queixa.
83. Por seu turno, as Seicheles expressaram a opinião de que não eram parte directa das
questões levantadas na Participação-queixa, não tendo articulado outros factos, excepto
confiar em quaisquer argumentos que os órgãos da SADC tenham apresentado caso
fossem partes. Assim, as Seicheles ficarão vinculadas por quaisquer decisões tomadas
pela Comissão com base nos factos e provas que lhe tenham sido apresentados.
84. Apesar de lhes ter sido dada ampla oportunidade para enviar argumentos quanto à
Admissibilidade da questão, o Botswana e as Maurícias não o fizeram.
Lamentavelmente, a Comissão não tem, pois, outra alternativa mas passar a examinar a
Admissibilidade da Participação-queixa com base nas informações de que dispõe.
85. Os outros dez (10) Requeridos, nomeadamente Angola, República Democrática do
Congo, Lesoto, Malawi, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Swazilândia, Zâmbia, e
Zimbabwe não reagiram aos argumentos do Queixoso nem enviaram quaisquer
argumentos ou correspondência à Comissão relativamente à Queixa. A Comissão
gostaria de realçar que a ausência de reacções da parte dos Estados Requeridos não os
absolve da decisão que a Comissão irá tomar face ao exame da Admissibilidade da
presente Participação-queixa, dado que os pertinentes Estados haviam indicado, no
momento de ratificação da Carta Africana, o seu compromisso em cooperar com a
Comissão e acatar todas as decisões por ela tomadas.34
86. O Artigo 56 estabelece sete requisitos que devem ser cumulativamente cumpridos antes
que a Comissão possa declarar uma Participação-queixa como tendo provimento. Se
uma das condições/requisitos não for cumprida, a Comissão declarará a Participaçãoqueixa sem provimento, salvo se o Queixoso fornecer justificativos bastantes a explicar
a razão de quaisquer dos requisitos não poder ser cumprido.
87. Em relação ao № 1 do Artigo 56 da Carta Africana, a Comissão faz notar que a
Participação-queixa indica as Vítimas como sendo Luke Munyandu Tembani e Benjamin
John Freeth, e Norman Tjombe como seu representante legal e autor/Queixoso na
Participação-queixa.35 A Comissão faz ainda notar as razões para que o requisito
Participação-queixa 159/96 - Union interafricaine des droits de l'Homme, Fédération internationale des ligues
des droits de l'Homme,RADDHO, Organisation nationale des droits de l'Homme au Sénégal e Association
malienne des droits de l'Homme vs Angola (1997) ACHPR, parágrafo 10.
34 Ver Paticipação-queixa 227/99 – República Democrática do Congo vs Burundi, Rwanda, Uganda (2003)
ACHPR, parágrafos 51-53.
35 É favor tomar nota que de acordo com a Política Editorial sobre Normas de Redacção de Decisões para a
Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (sendo este um documento de trabalho interno da
Comissão), se um queixoso/autor não for a vítima das alegadas violações, o autor/queixoso (como parte
que apresenta a queixa à Comissão) distingue-se da vítima. Assim, na identificação de uma Participação33
constante do № 1 do Artigo 56 como sendo: “…a Comissão deve receber Participaçõesqueixa com informações adequadas e um certo grau de especificidade no que se refere às
Vítimas”36 e assegurar que ela, “Comissão, esteja em contacto com o autor, conhecer a sua
identidade e estado, estar assegurada do seu contínuo interesse na Participação-queixa e
solicitar informações suplementares se o caso assim o exigir”.37
88. Por conseguinte, a Comissão constata que as Vítimas na Participação-queixa assim
como o autor/Queixoso vêm claramente indicados, conforme o exigido. A Comissão,
portanto, considera que o requisito nos termos do № 1 do Artigo 56 da Carta Africana
foi cumprido.
89. No que respeita ao № 2 do Artigo 56 da Carta Africana, a Comissão faz notar que o
requisito de compatibilidade nos termos dessa disposição refere-se a: (i) os titulares de
direitos por quem/ e os titulares de deveres contra quem poderão ser instauradas
Participações-queixa, (ii) as questões substanciais que poderão ser invocadas, (iii) o
prazo, e (iv) o local onde as violações devem ter ocorrido.38 No caso Kevin Mgwanga
Gunme et al vs Camarões,39 a Comissão considerou que:
[a condição relativa à compatibilidade com a Carta Africana basicamente exige
que a Participação-queixa deve ser instaurada contra um Estado Parte da Carta; a
Participação-queixa deve alegar violações prima facie de direitos protegidos pela
Carta Africana; a Participação-queixa deve ser instaurada em função de violações
que ocorreram depois [da] ratificação da Carta Africana pelo Estado; ou nos
casos em que as violações tiveram início antes do Estado Parte ter ratificado a
Carta Africana, mas que continuaram após essa ratificação.
90. À luz desses requisitos, a Comissão observa que a presente Participação-queixa alega a
denegação de acesso à justiça e explica, prima facie, que os Artigos 7 e 26 da Carta
Africana foram violados. A Comissão também faz notar que a Participação-queixa é
instaurada contra Estados Partes da Carta Africana, e alega violações dos direitos de
cidadãos do Zimbabwe. Todos os Estados Requeridos estão sujeitos à jurisdição da
Comissão e os seus territórios regem-se pela Carta Africana. As decisões pertinentes da
Cimeira da SADC, que se alega terem sido tomadas colectivamente pelos Estados
Requeridos e que formam a base da alegada violação em curso de denegação de acesso
à justiça, foram adoptadas na Namíbia e em Moçambique, operando nos territórios de
todos os Estados Requeridos; todos eles regendo-se pela Carta Africana. A Comissão
queixa, o nome da vítima antecede o do Estado Parte, com o nome do queixoso/autor entre parêntesis, tal
com no presente caso.
36 Paticipação-queixa 104/94-109/94_126/94 – Centre of the Independence of Judges and Lawyers vs Argélia,
(1995) ACHPR parágrafo 3.
37 Paticipação-queixa 108/93 - Monja Joana vs Madagáscar (1997) ACHPR parágrafo 6. Ver igualmente
Paticipação-queixa 62/91 - Committee for the Defence of Human Rights (em relação à Sra. Jennifer Madike) vs
Nigéria, e Paticipação-queixa 70/92 - Ibrahima Dioumessi, Sekou Kande, Ousmane Kaba vs Guiné, encerrados
pela Comissão como resultado da falta /perda de contacto com os queixosos.
38 Frans Viljoen, International Human Rights Law in Africa (2012), 311.
39 Participação-Queixa 266/03 - Kevin Mgwanga Gunme et al vs Camarões (2009) ACHPR, parágrafos 71.
Africana considera, portanto, que os requisitos ao abrigo do № 2 do Artigo 56 foram
cumpridos.
91. No que respeita ao № 3 do Artigo 56 da Carta Africana, a Comissão nota que nos factos
que articulou, a Tanzânia considera que os parágrafos 21, 22, 24 – 26 e 29 da
Participação-queixa foram redigidos “em linguagem depreciativa ou insultuosa dirigida
aos Estados Membros da SADC”. A Comissão faz aqui referência à interpretação que fez
dessas terminologias na Participação-queixa 268/03 - Ilesanmi / Nigéria40 e
Participação-queixa 284/03 - Zimbabwe Lawyers for Human Rights & Associated
Newspapers of Zimbabwe / Zimbabwe,41 em que considerou, respectivamente, que “…
depreciativa significa “falar desdenhosamente… ou rebaixar, e insultar significa abusar
com desdém ou ofender a dignidade ou modéstia de...”. A linguagem deve ter como
objectivo debilitar a integridade e estado da instituição e desacreditá-la (sic)”42 e
“insultuosa significa abusar com desdém ou ofender a estima e modéstia de…”43
92. Para além do mais, a Comissão defendeu na Participação-queixa 284/03,44 acima
mencionada que, inter alia :
ao se determinar se um determinado reparo é depreciativo ou insultuoso, e se
diminui a integridade do sistema judicial, a Comissão tem de se sentir satisfeita
que o referido reparo ou linguagem destina-se a violar de forma ilegal e
intencional a dignidade, reputação ou integridade de uma entidade judicial ou
organismo judiciais, e se é usado de forma calculada para conspurcar as
mentes do público ou de qualquer homem razoável usando expressões
indelicadas e enfraquecer a confiança do público na administração de justiça. A
linguagem deve visar o enfraquecimento da integridade e estatuto da
instituição e desacreditá-la. Nesse sentido, o № 3 do Artigo 56 deve ser
interpretado tendo em mente o № 2 do Artigo 9 da Carta Africana, o qual
estabelece que ‘todo o indivíduo deverá ter o direito de expressar e disseminar
as suas opiniões dentro da lei’. Deve ser criado um equilíbrio entre o direito de
falar livremente e o dever de proteger as instituições do Estado para se
assegurar que embora desencorajando a linguagem abusiva, a Comissão
Africana não está ao mesmo tempo a violar ou a inibir o usufruto de outros
direitos garantidos na Carta Africana, designadamente o direito de liberdade
de expressão, tal como no presente caso. [ênfase adicionado].45
93. Em virtude da interpretação acima referida, a Comissão é da opinião que as
terminologias contestadas pela Tanzânia na presente Participação-queixa não são
40Participação-Queixa
268/03 - Ilesanmi vs Nigéria (2005) ACHPR parágrafos 37-40.
284/03 - Zimbabwe Lawyers for Human Rights & Associated Newspapers of Zimbabwe /
Zimbabwe (2009) ACHPR, parágrafos 83-97.
42 n60 supra, parágrafo 39.
43 n61 supra, parágrafo 88.
44 n61 supra.
45 Ibid, parágrafo 91.
41Paticipação-queixa
insultuosas ou depreciativas na forma como estão previstas nas disposições do № 3 do
Artigo 56. Palavras como "propósito inconfessado”, “violador” e "irracional e que foi feito
de má-fé” mais não são do que meras alegações, representando, tal como as partes o
entendem, a percepção de que o Queixoso/Vítimas têm dos factos e que formam a base
das alegações e receios em que a Participação-queixa se fundamenta. Foram usados
para descrever uma situação que foi condenada e que seria difícil descrevê-la de forma
diferente.46
94. Neste contexto, a Comissão deseja distinguir as palavras usadas na presente
Participação-queixa, por exemplo, das que foram utilizadas no caso, Ligue
Camerounaise des Droits de l’Homme vs Camarões47, a que a Tanzânia faz referência,
em que a Comissão condenou o uso de palavras tais como “Paul Biya tem de responder
[sic] pelos crimes contra a humanidade”; “30 anos do regime criminoso e neo-colonial
encarnado na dupla Ahidjio/Biya”; “regime de torturadores”; e “barbárie do governo”,
como linguagem insultuosa.48 Com base no acima exposto, a Comissão defende que o
requisito constante do № 3 do Artigo 56 foi cumprido.
95. Em relação ao № 4 do Artigo 56 da Carta Africana, a Comissão explicou no caso Dawda
K Jawara vs Gâmbia49 que a razão de ser desse requisito visa, sem mais, determinar se
os factos de uma Participação-queixa baseiam-se “exclusivamente” em notícias
disseminadas através da comunicação social. Consequentemente, a Comissão leu
minuciosamente os apêndices da Participação-queixa tendo observado que os mesmos
contêm documentos oficiais pertinentes que não foram recolhidos da comunicação
social. Na opinião da Comissão, portanto, a Participação-queixa reúne os requisitos do
№ 4 do Artigo 56.
96. Relativamente ao № 5 do Artigo 56 da Carta Africana, a Comissão nota a opinião da
Tanzânia de que as Vítimas não recorreram a recursos ou instâncias de Direito em
tribunais municipais dos Estados Requeridos, incluindo a Tanzânia. A regra quanto ao
esgotamento de recursos ou instâncias de Direito interno, codificada nos termos do №
5 do Artigo 56 da Carta Africana, é um princípio de Direito internacional que permite
que um Estado tenha a oportunidade de corrigir erros ocorridos sob sua jurisdição, no
quadro do próprio sistema legal antes da suas responsabilidades internacionais serem
postas em causa. Um princípio bem enraizado do Direito internacional consuetudinário
é o de que antes de se instaurarem processos internacionais, deve-se esgotar os vários
recursos ou instâncias de Direito interno proporcionados pelo Estado.50
Ver Paticipações-Queixa 262/02 - Mouvement ivoirien de droits de l'Homme (MIDH) vs Cote d'Ivoire (2008)
ACHPR parágrafos 47- 48 e 260/02 - Bakweri Land Claims Committee vs Camarões (2004) ACHPR parágrafo
48.
47 n17 supra.
48 Ibid, parágrafo 13.
49 n9 supra, parágrafos 23-27.
50 Ver igualmente Nsongurua Udombana, So Far, So Fair: The Local Remedies Rule in the Jurisprudence
of the African Commission on Human and Peoples’ Rights (2003) 97 AJIL No. 1, p. 2 disponível em <
http://www.asil.org/ajil/udombana.pdf> (acedido em 03 de Agosto de 2012); Silvia D’Ascoli e
Katherine Maria Scherr, “The Rule of Prior Exhaustion of Local Remedies in the International Law
46
97. A Comissão comentou sobre este princípio na sua própria jurisprudência51 e considerou
que “o significado geralmente aceite de recursos ou instâncias de Direito interno, que
devem ser esgotados antes de se instaurar qualquer Participação-queixa perante a
Comissão Africana, refere-se aos mecanismos de Direito comum existentes em jurisdições e
normalmente acessíveis a pessoas em demanda de justiça”52, e que “o recurso interno [a]
que o № 5 do Artigo 56 se refere implica mecanismos demandados em tribunais de
natureza judicial…”53 Para além do mais, a nota informativa da Comissão (Information
Sheet No. 3),54 refere igualmente que “[o] autor [de uma Participação-queixa] deverá ter
levado a questão a todos os mecanismos ou instâncias de Direito interno disponíveis. Isto
é, ele/ela deverá ter levado o caso à mais alta instância do país”.
98. O que do acima exposto se infere é que o № 5 do Artigo 56 considera o esgotamento de
recursos ou instâncias de Direito comum existentes nos tribunais judiciais dos Estados
Requeridos.
99. Não obstante esta regra geral, a Comissão Africana considerou em Participações-queixa
anteriores que:
“…a regra dos recursos ou instâncias de Direito interno não é rígida. Não se aplica
se: os recursos ou instâncias de Direito interno forem inexistentes; os recursos ou
instâncias de Direito interno revelarem-se demorados de forma indevida e
prolongada; ser impossível o acesso a tais recursos ou instâncias; à face da queixa
não existir justiça nem recursos ou instâncias de Direito interno a serem esgotados,
por exemplo, nos casos em que o sistema judicial está sob controlo do órgão
executivo responsável pelo acto ilícito; e o mal praticado resulta de um acto
executivo do governo como tal, que não está claramente sujeito à jurisdição dos
tribunais municipais.” 55
100.
Para além do mais, a Comissão considerou que o:
[Artigo 56] da Carta Africana exige que os Queixosos esgotem os recursos ou
instâncias de Direito interno antes que a Comissão possa aceitar um caso, salvo
Doctrine and its Application in the Specific Context of Human Rights Protection,” European University
Institute, EUI Working Papers Law 2007/02, p 15.
51 Há um grande número de decisões da Comissão sobre esta matéria. Para facilidade de referência ver,
Compilation of Decisions on Communications of the African Commission on Human & Peoples’ Rights:
1994-2001’, (2002) Institute for Human Rights & Development, pp 429-430; Decisions of the African
Commission on Human & Peoples’ Rights on Participações-queixa: 2002-2007’ (2008) Institute for Human
Rights & Development, pp 421-424.
52 Paticipação-queixa 242/01 - Institute of Human Rights and Development in Africa and Interights vs
Mauritania (2004) ACHPR parágrafo 27.
53 Paticipação-queixa 221/98 - Alfred B. Cudjoe vs Ghana (1999) ACHPR parágrafo 14.
54Procedimentos
relacionados
com
participações-queixa,
disponível
em
<http://www.achpr.org/communications/procedure/> (acedido em 26 de Setembro de 2012).
55 Nota de Rodapé 24, parágrafo 48.
se tais recursos ou instâncias não estiverem, por uma questão prática,
disponíveis ou sejam indevidamente prolongados... [e que] a Comissão nunca
tenha considerado que o requisito de recursos ou instâncias de Direito interno
deva ser aplicado literalmente em casos em que seja impraticável ou
indesejável o Queixoso abordar os tribunais nacionais relativamente a cada
violação.”56[Ênfase adicionada].
101. Da mesma forma, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou que nos
casos “em que a exigência do requerente utilizar um recurso específico não seja na prática
razoável e constitua um obstáculo desproporcional ao exercício eficaz do direito da
aplicação individual nos termos do Artigo 34 da Convenção, o requerente está dispensado
desse requisito.57
102. A Comissão faz notar que os fóruns para esgotamento de recursos ou instâncias de
Direito interno previstos no № 5 do Artigo 56 da Carta não incluem o Tribunal, que é
um órgão supranacional e sub-regional de controlo da aplicação de tratados58 e não
um “tribunal judicial” de quaisquer dos Estados Requeridos. Como resultado, seria
incorrecto afirmar que os “recursos ou instâncias de Direito interno” não podiam ser
esgotados como consequência da suspensão do Tribunal.
103. Todavia, a Comissão está convencida de que o argumento do Queixoso de que o № 5
do Artigo 56 não pode ser interpretado como querendo dizer que as Vítimas/Queixoso
teriam de recorrer a recursos ou instâncias de Direito interno, mesmo se estes
existissem, em todos os catorze (14) Estados Requeridos antes de abordarem a
Comissão. Sobre esta questão, a Comissão, orientada pela sua jurisprudência em casos
em que, face ao vasto e variado âmbito das violações alegadas e ao grande número de
vítimas em causa, considerou que os recursos ou instâncias de Direito interno não
necessitam de ser esgotados pois isso envolveria abordar os tribunais nacionais em
Participação-queixa 25/89-47/90-56/91-100/93 - Free Legal Assistance Group, Lawyers' Committee for
Human Rights, Union Interafricaine des Droits de l'Homme, Les Témoins de Jehovah vs DRC (1996) (ACHPR).
Ver também Participação-queixa 54/91-61/91-96/93-98/93-164/97_196/97-210/98 - Malawi African
Association, Amnesty International, Ms Sarr Diop, Union interafricaine des droits de l'Homme and RADDHO,
Collectif des veuves et ayants-Droit, Association mauritanienne des droits de l'Homme / Mauritania (2000),
ACHPR, parágrafo 85; Participação-queixa 27/89-46/91-49/91-99/93 - Organisation mondiale contre la
torture, Association Internationale des juristes démocrates, Commission internationale des juristes, Union
interafricaine des droits de l'Homme/Rwanda (1997) ACHPR, parágrafo 18; Participação-queixa 73/92 Mohammed Lamin Diakité vs Gabon (2000)(ACHPR) parágrafo 16 ; e Participação-queixa 71/92 - Rencontre
africaine pour la défence des droits de l'Homme (RADDHO) vs Zambia (1997) (ACHPR), parágrafo 11.
57 European Court of Human Rights – Practical Guide on Admissibility Criteria, Council of
Europe/European
Court
of
Human
Rights
(2011),
disponível
em
<
http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/B5358231-79EF-4767-975F524E0DCF2FBA/0/ENG_Guide_pratique.pdf > (acedido em 25 de Setembro de 2012). [Ênfase
adicionada].
58 Artigo 2, Tribunal da SADC disponível em < http://www.sadc.int/index/browse/page/163>
(acedido em 03 de Agosto de 2012).
56
relação a cada violação e/ou vítima, o que, efectivamente, iria prolongar indevidamente
o processo de se esgotar os recursos ou instâncias de Direito interno em tais casos.59
104. A Comissão observa que a implicação de uma aplicação rígida do № 5 do Artigo 56
da presente Participação-queixa seria a mesma que a Comissão procurou evitar nas
decisões anteriores já referidas. Quanto a isto, a Comissão tem conhecimento do facto
de que a presente Participação-queixa foi instaurada contra catorze Estados diferentes
que se alega terem colectivamente tomado uma decisão que viola os direitos das
Vítimas, protegidos ao abrigo da Carta Africana (cujo mérito está ainda por examinar
pela Comissão) e que cada Estado possui jurisdição legal e sistemas de tribunais
próprios. Na base disso, a Comissão considera que uma aplicação rígida do № 5 do
Artigo 56 à presente Participação-queixa, exigindo-se que as Vítimas/Queixoso esgotem
os recursos ou instâncias de Direito interno em todos os catorze (14) Estados
Requeridos mediante a apresentação de requerimentos em tribunais contra cada
Estado60 ocasionaria, tal como argumentado pelo Queixoso, uma demora paralisante e
custos para o Queixoso/Vítimas.
105. Com base no acima exposto, a Comissão sente-se persuadida a concluir que o
esgotamento de recursos ou instâncias de Direito interno, mesmo que disponíveis, não
é nem prático nem desejável no presente caso, especialmente por vir a tornar-se
indevidamente prolongado, considerando, portanto, que o Queixoso está dispensado do
requisito constante do № 5 do Artigo 56 da Carta Africana .
106. No que se refere ao № 6 do Artigo 56 da Carta Africana, a Comissão observa que a
Carta Africana não refere especificamente o que quer dizer com “prazo razoável”,
contrariamente à alínea b) do № 1 do Artigo 46 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e ao № 1 do Artigo 35 do Convenção Europeia dos Direitos Humanos que
estabelecem um período de seis meses. Na ausência de uma especificação deste tipo, a
Comissão decidiu sempre com base nos contextos e características de cada caso.61
107. Para além do mais, o requisito enunciado no № 6 do Artigo 56 estabelece dois
eventos em função dos quais o período em que uma Participação-queixa foi
apresentada pode ser computado, sendo (i) “a partir do momento em que os recursos ou
instâncias de Direito interno tenham sido esgotados”; ou (ii) “a partir da data em que a
Comissão passou a lidar com a questão”. Da análise do № 5 do Artigo 56 feita pela
Comissão nos parágrafos precedentes, no presente caso (não era necessário) esgotar os
recursos ou instâncias de Direito interno, e como consequência disso o período para
entrega da Participação-queixa não pode ser calculado “a partir do momento em que os
Participações-queixa 25/89-47/90-56/91-100/9, 54/91-61/91-96/93-98/93-164/97-196/97-210/98 e
27/89-46/91-49/91-99/93; Nota de Rodapé 76, supra.
60 Em particular, o Queixoso não pode meter requerimentos na Tanzânia (ou, quanto a isso, em qualquer
outro Estado Requerido) contra os outros Estados Requeridos dado que os tribunais nacionais da
Tanzânia não possuem jurisdição sobre os demais Estados Requeridos. ACHPR parágrafo 65.
61 Paticipação-queixa 333/06 (n 21 supra), parágrafo 68. Ver também Paticipação-queixa 310/05 - Darfur
Relief and Documentation Centre vs Sudão (2009) ACHPR, parágrafo 75.
59
recursos ou instâncias de Direito interno são esgotados”. Isto deixa-nos com o segundo
aspecto da disposição, isto é, “a partir da data em que a Comissão passou a lidar com a
questão”. Em particular, este segundo aspecto do № 6 do Artigo 56 não foi articulado na
jurisprudência da Comissão.
108. Quanto a isto, a Comissão faz notar que embora o termo “lidar” tenha adquirido um
significado técnico no processo de tratamento de Participações-queixa da Comissão,
querendo significar “a decisão da Comissão em examinar uma Participação-queixa”,62 o
significado técnico de lidar não é claramente considerado na segunda parte do № 6 do
Artigo 56. Isto por que, para que a fase de lidar ocorra tecnicamente, a Participaçãoqueixa deverá ter sido primeiro apresentada à Comissão, enquanto que por outro lado o
№ 6 do Artigo 56 considera que uma Participação-queixa deve ser apresentada
“depois” e dentro de um período “a contar da data em que a Comissão passa a lidar com
a questão”.
109. Na opinião da Comissão, ela passou a ter jurisdição em relação aos factos da
presente Participação-queixa na data em que a alegada causa de pedir surgiu ao abrigo
da Carta Africana. Quanto a isto, a Comissão observa dos apêndices da Participaçãoqueixa que embora a Primeira Decisão da Cimeira da SADC de Agosto de 2010 tenha
consentido que membros do Tribunal permanecessem nos cargos, foi no entanto
imposta uma moratória na aceitação de novos casos pelo Tribunal, enquanto se
aguardava pela decisão da Cimeira Extraordinária sobre o estado, funções e
responsabilidades do Tribunal,63 a Segunda Decisão de 20 de Maio de 201164 reafirmou
a moratória e65 enunciou a resolução da Cimeira de não reconduzir no cargo membros
do Tribunal cujos cargos haviam expirado.66
110. Tomando todos os factos em conta, a Comissão observa que o Tribunal não pôde ser
convocado como resultado da Segunda Decisão de Maio de 2011 em não reconduzir no
cargo os juízes dessa instância jurídica cujos cargos haviam expirado. É, portanto, claro
que foi essa última decisão que excluiu a possibilidade das Vítimas abordarem o
Tribunal. Consequentemente, esta data seria na opinião da Comissão, aquela em que a
alegada causa de pedir, nos termos da Carta Africana, surgiu e em que o período de
jurisdição da Comissão teve início em relação aos factos da presente Participaçãoqueixa. Por conseguinte, a Comissão constata que a presente Participação-queixa foi
apresentada dentro de pelo menos dois (2) meses a contar da data em que o período de
jurisdição da Comissão teve início em relação aos factos da presente Participaçãoqueixa. Assim, os requisitos do № 6 do Artigo 56 foram cumpridos.
Ver № 1 e № 2 do Artigo 55 da Carta. Ver igualmente Participação-queixa 65/92 - Ligue Camerounaise
des Droit de l’Homme vs Camarões (1997) ACHPR, parágrafo 10.
63 Ibid, parágrafos 9.4., 33 e 10.2(i) e (iii).
64 Anexo E da Paticipação-queixa, pp 171-174.
65 Id, parágrafo 8.
66 Id, parágrafo 7.
62
111. No que se refere ao № 7 do Artigo 56 da Carta, a Comissão faz notar que a
disposição codifica a regra non bis in idem,67 a qual assegura que nenhum Estado poderá
ser processado judicialmente ou condenado mais do que uma vez pelas mesmas
violações de direitos humanos alegadamente praticadas, e procura confirmar e
reconhecer o estado res judicata68 de decisões tomadas por tribunais e/ou organismos
internacionais regionais.
112. A implicação deste requisito é a de que a questão em debate, que deve relacionar-se
com os mesmos factos e partes, terá de ter sido “resolvida” – já não pode estar a ser
examinada ao abrigo de nenhum processo internacional de resolução de disputas.69
Outrossim, a resolução anterior da questão terá de ter sido alcançada por um
organismo “capaz de conceder reparação declaratória ou compensatória às vítimas, e
não meras resoluções e declarações políticas”70; isto é, “um mecanismo internacional
decisório, com mandato na área dos direitos humanos”.71
113.
Não existem provas perante a Comissão que mostrem que a presente Participaçãoqueixa tenha sido “resolvida” por qualquer “mecanismo internacional decisório”, em
conformidade com os instrumentos internacionais em referência. Assim, a Comissão
considera terem sido cumpridos os requisitos do № 7 do Artigo 56.
114.
Em face da análise acima feita, a Comissão Africana declara a Participação-queixa
como tendo provimento.
Análise do Mérito
Resumo dos Argumentos do Queixoso
115. O Queixoso sustenta que a suspensão e a permanente destituição do Tribunal da
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), (o Tribunal da SADC) é
ilegal por violar as disposições vinculativas da Carta Africana, do Tratado da SADC
e do Convénio Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR) uma vez que
essa destituição infringe o direito de acesso ao tribunal, interfere com a
independência, competência e integridade institucional do Tribunal da SADC, pôs
termo a processos existentes e a recursos em vigor, violou as regas de Direito e
transgrediu a doutrina da separação de poderes. E mais sustenta o Queixoso que a
suspensão e permanente destituição do Tribunal da SADC é processualmente
Também conhecido pelo Princípio ou Proibição da Dupla Incriminação.
Princípio segundo o qual a decisão final de um tribunal competente é conclusiva relativamente às
partes em qualquer litígio subsequente envolvendo a mesma causa de pedir.
69 Ver Paticipação-queixa 40/90 – Bob Ngozi Njoku vs Egypt (1997)ACHPR, parágrafos 54-56. Ver também
Viljoen, n 53 supra, p 320.
70 Paticipação-queixa 279/03, 296/05 (agregada), Sudan Human Rights Organisation and the Centre on
Housing Rights and Evictions vs Sudão (2010) ACHPR, parágrafo 105. Ver também, Viljoen, n 53 supra, p
321.
71 Id, parágrafo 104. Ver também, Viljoen, n 53 supra, p 321.
67
68
irregular por interferir com a existência e funcionamento desse mesmo Tribunal,
“um órgão de controlo de tratados essencial”, e constitui um exercício “irracional e
arbitrário de poderes executivos” por “ser de má-fé e motivada por considerações
estranhas”.
116. O Queixoso defende que a suspensão e subsequente destituição permanente do
Tribunal da SADC pelos Estados Requeridos é uma violação do direito de uma
Vítima ter acesso a um tribunal tal como garantido nos Artigos 7 e 26 da Carta
Africana, conjugados com a Resolução da Comissão sobre o Direito a Recurso e a
Julgamento Justo.72 O Queixoso baseia-se na jurisprudência da Comissão no caso,
Civil Liberties Organisation vs Nigéria em apoio desse ponto.73
117. E mais argumenta o Queixoso que os actos e omissões dos Estados Requeridos
equivalem a uma violação da independência, competência e integridade
institucional do Tribunal da SADC e, por via disso, da doutrina de separação de
poderes tal como aplicável no quadro da SADC. Neste ponto, o Queixoso cita a
decisão da Comissão no caso Lawyers for Human Rights vs Swazilândia.74
118. O Queixoso argumenta ainda que a totalidade dos actos e omissões dos Estados
Requeridos equivale a um fim retroactivo de processos ainda existentes e à
privação de decisões legais a favor das Vítimas uma vez que o Tribunal da SADC
não é agora capaz de ouvir casos novos ou existentes, incluindo os que foram
instituído antes dos eventos a que a queixa se refere. O Queixoso defende que ao
fazê-lo, os Estados Requeridos violaram o № 2 do Artigo 3 e o № 1 do Artigo 7 da
Carta Africana, o № 3 do Artigo 2 do ICCPR e o Artigo 14 deste mesmo Convénio,
assim como o Artigo 27 da Declaração de Viena e Programa de Acção. Em apoio
desta opinião, o Queixoso cite o caso Zimbabwean Human Rights NGO Forum vs
Zimbabwe.75
72
Adoptada na 11ª Sessão Ordinária da Comissão Africana realizada em Tunes, Tunísia, de 2 a 9 de
Março de 1992.
73 Participação-queixa 129/94 Civil Liberties Organisation v Nigéria (1995) (ACHPR) parágrafo
13. O
Queixoso fundamenta-se igualmente na Participação-queixa 143/95, 150/96 – Constitutional Rights Project
& Civil Liberties Organisation v Nigéria (1999) (ACHPR); nas Participações-queixa 137/94, 154/96, 161/97 –
International PEN, Constitutional Rights Project, Civil Liberties Organisation & Interights (Em nome de Ken
Saro-Wiwa Jnr) vs Nigéria (1999) (ACHPR).
74 Participação-queixa 251/02 – Lawyers for Human Rights v Swaziland (2005) ACHPR parágrafos 54 - 56. O
Queixoso cita igualmente a Participação-queixa 147/95, 149/96 – Jawara v Gâmbia (2000)ACHPR e a
decisão do Comité de Direitos Humanos relativamente à Paticipação-queixa 468/1991- Bahamonde v
Equatorial Guinea (1993) HRC.
75 Paticipação-queixa 245/02 - Zimbabwean Human Rights NGO Forum vs Zimbabwe (2006) ACHPR
parágrafo 215; no que diz respeito à descontinuidade de casos em curso, o Queixoso refere-se à decisão
do Comité de Direitos Humanos constante da Paticipação-queixa 547/1993 – Mahuika vs Nova Zelândia
(2000) HRC.
119. Argumentando que o princípio das regras de Direito é uma doutrina fundamental
do Direito nacional e internacional, o Queixoso argumenta que os actos e omissões
dos Estados Requeridos constituem uma violação desse princípio. O Queixoso
defende que os Estados Requeridos violaram o princípio per se por que os seus
actos e omissões para com o Tribunal da SADC exclui a supervisão do órgão
executivo da SADC pelo seu órgão judicial; priva os interessados de acesso ao
Tribunal; remove uma decisão legal que está perante um tribunal independente e
imparcial; e retira a protecção legal de indivíduos contra Estados. Isto, de acordo
com o Queixoso é agravado pelo facto de os acontecimentos terem ocorrido depois
do Zimbabwe ter ignorado as ordens dos seus próprios tribunais e do Tribunal da
SADC .
120. Concluindo os seus argumentos quanto ao Mérito da questão sob o título,
‘Conclusão e recurso apropriado’, o Queixoso apresenta a versão revista de um
conjunto de pedidos, pedindo à Comissão que:
a) Declare que as decisões dos Estados Requeridos violam a Carta Africana, o
Tratado da SADC e outras disposições do Direito internacional a que os
Requeridos estão vinculados;
b) Instrua os Requeridos a levantar a professa suspensão do Tribunal da SADC e
a fazer tudo quanto seja necessário para restaurar a sua jurisdição e
funcionamento;
c) Instrua os Estados Requeridos a concretizar as decisões do Tribunal da
SADC; e
d) Instrua os Estados Requeridos a pôr em prática as recomendações contidas
no relatório final sobre a revisão das funções, responsabilidades e poderes do
Tribunal da SADC (datado de 6 de Março de 2011).
Resumo dos Argumentos do Estado Requerido
121. Embora os Argumentos do Queixoso quanto ao Mérito da questão tenham sido
transmitidos a todos os catorze (14) Estados Requeridos, apenas o Sexto (6º)
Estado Requerido (Maurícias) articulou factos quanto ao Mérito da questão.
Factos Articulados pela Maurícias quanto ao Mérito
122. Os factos articulados pelo Sexto Requerido dividem-se em duas partes principais.
Uma parte contém as observações do Sexto Estado Requerido quanto a
Admissibilidade, e a outra os argumentos referentes ao Mérito da questão.
Relativamente a Admissibilidade, o Sexto Estado Requerido argumenta que a
Participação-queixa não satisfaz os requisitos de Admissibilidade constantes dos
Artigos 55 e 56 da Carta Africana, e complementados pelo Regulamento 103 dos
Regulamentos Internos da Comissão.
123. Em relação ao Mérito, o Sexto Estado Requerido defende que uma que vez que em
virtude do Artigo 3 do Tratado da SADC, a Comunidade de Desenvolvimento da
África Austral é uma organização internacional dotada de personalidade jurídica
separada dos respectivos Estado Membros, o Sexto Estado Requerido não pode ser
tido como responsável pelos actos e omissões da SADC. Face à personalidade
jurídica internacional da SADC, o Sexto Estado Requerido sustenta que a Comissão
Africana não pode interferir nos trabalhos da SADC por esta não ser parte nem da
Lei Constitutiva, nem da Carta Africana. E mais argumenta o Sexto Estado
Requerido não possuir poderes de direcção no que se refere à SADC e respectivas
instituições.
124. Argumenta ainda o Sexto Estado Requerido que o Tribunal da SADC não pode ser
considerado como tribunal nacional uma vez que foi criado por via de um tratado
internacional. Argumenta-se ainda que as decisões do Tribunal da SADC não
podem ser aplicadas por meios jurídicos adicionais, mas por via dos órgãos
políticos da SADC. Defendendo não existir nenhuma alegação de que violou as suas
obrigações ao abrigo do Lei Constitutiva da UA ou da Carta Africana, o Sexto
Estado Requerido sustenta não ter violado nenhuma disposição da Carta Africana.
Argumentos Suplementares do Queixoso
125. Em resposta aos factos articulados pelo Sexto Estado Requerido quanto ao Mérito,
o Queixoso cita o caso, Falana vs União Africana76 para argumentar que o
reconhecimento da personalidade jurídica internacional de uma organização
internacional não é o mesmo que afirmar que a personalidade jurídica, direitos e
deveres de uma organização são os mesmos de um Estado. O Queixoso sustenta
que a SADC não pode ser tida como representante dos respectivos Estados
Membros no que respeita às suas obrigações à luz de tratados internacionais.
126. E mais argumenta o Queixoso que nos termos do № 1 do Artigo 61 e do № 1 do
Artigo 62 dos Artigos Preliminares sobre a Responsabilidade de Organizações
Internacionais assim como dos Princípios Gerais do Direito Internacional, os
Estados Requeridos não podem escapar à responsabilidade por violação das suas
responsabilidades internacionais pelo mero facto de terem criado uma
organização internacional, especialmente se o acto ilegal da Organização
Internacional constitua violação das obrigações internacionais de direitos
humanos, caso tenha sido perpetrado pelos próprios Estados.77 O Queixoso
defende ainda que os Estados Requeridos não podem fundamentar-se num acto
ilegal por eles próprios praticado, isto é, a suspensão e destituição de um Tribunal,
como defesa da presente acção.
Análise da Comissão Africana quanto ao Mérito
Requerimento N° 001/2011 – Falana v African Union (2012) ACtHPR
Em apoio deste argumento, o Queixoso fundamenta-se na autoridade de Waite and Kennedy v Germany
(1999) ECtHR. Requerimento № 26083/94 e Caso C-84/95 Bosphorus Hava Yollary Turizm ve Ticaret
Anonim Sirketi v Ireland (1996) ECR (Caso Bosphorus).
76
77
127. Ao examinar a Participação-queixa, a Comissão faz notar que nos argumentos
quanto ao Mérito, o Queixoso procedeu à entrega à versão revista de um conjunto
de pedidos. O Queixoso demanda directamente da Comissão determinados
desagravos, e desiste do pedido de que a Participação-queixa suba ao Tribunal
Africano para uma decisão quanto ao Mérito. Portanto, a Comissão irá abordar a
Participação-queixa com base na versão revista de um conjunto de pedidos
apresentado pelo Queixoso.
128. A Comissão irá primeiro abordar a observação feita pelo Sexto Estado Requerido
quanto à Admissibilidade da Participação-queixa. Da sua decisão relativamente à
Admissibilidade da presente Participação-queixa, a Comissão recorda que toda
documentação e argumentos do Queixoso pertinentes ao caso foram transmitidos
a todos os catorze (14) Estados Requeridos, juntamente com o necessário pedido
de que os Estados Requeridos fornecessem as respectivas observações quanto à
Admissibilidade da Participação-queixa.78 Porém, apenas dois dos catorze
Estados Requeridos apresentaram observações sobre a Admissibilidade da
Participação-queixa. Os factos articulados por esses dois Estados Requeridos
foram, por conseguinte, examinados pela Comissão para se determinar a
Admissibilidade da Participação-queixa. A Comissão faz notar que ao abrigo dos
seus Regulamentos Internos operacionais, ela apenas pode efectuar a revisão de
uma decisão sobre inadmissibilidade.79 Assim, a Comissão não irá nesta fase
reabrir ou rever a decisão por si tomada quanto à Admissibilidade da queixa.
129. Relativamente ao Mérito da Participação-queixa, a Comissão lamenta o facto de
apenas um dos catorze Estados Requeridos ter articulado factos. Em conformidade
com os seus Regulamentos Internos, a Comissão passa a tomar a sua decisão com
base nos argumentos do Queixoso e nos factos disponíveis articulados por apenas
um dos Estados Requeridos.
130. A Comissão nota a opinião do Queixoso de que os actos e omissões dos Estados
Requeridos que resultaram na suspensão e subsequente destituição em regime
permanente do Tribunal da SADC, constituem uma violação das disposições da
Carta Africana e do Tratado da SADC, e do ICCPR. Recordando o № 2 do Artigo 45
da Carta Africana que estabelece que uma das funções da Comissão deverá ser a de
“assegurar a protecção dos direitos humanos e dos povos nos termos das
condições estipuladas pela presente Carta”, a Comissão é da opinião de que a sua
competência limita-se a facilitar a aplicação, pelos Estados Partes, dos direitos
garantidos na Carta Africana.
131. Embora os Artigos 60 e 61 da Carta permitam que a Comissão se inspire em
outras fontes de Direito internacional de direitos humanos na execução do seu
mandato e cumprimento de funções, essas disposições não autorizam a Comissão
a supervisionar a aplicação e execução de outros tratados internacionais, tais
78
79
Ver parágrafo 96 supra.
Ver Regulamento 107 dos Regulamentos Internos da Comissão Africana.
como o Tratado da SADC. Assim, a Comissão limitar-se-á a determinar a
responsabilidade dos Estados Requeridos face às disposições da Carta Africana
invocadas pelo Queixoso.
132. O Queixoso argumentou que os actos e omissões dos Estados Requeridos
relativamente ao Tribunal da SADC constituem uma violação dos Artigos 7 e 26
da Carta Africana na medida em que esses actos e omissões restringem o direito
de acesso das Vítimas ao tribunal, tal como garantido nas referidas disposições da
Carta. Para se abordar adequadamente os argumentos do Queixoso, a Comissão
necessita primeiro de tratar do argumento do Sexto Estado Requerido de que não
assume responsabilidade pelas alegadas irregularidades por possuir uma
personalidade jurídica separada da SADC, e não tem poder de direcção no que se
refere à SADC e aos seus órgãos e instituições. A Comissão concorda com o
Queixoso de que a posição correcta do Direito internacional contemporâneo é a de
que em casos apropriados, os Estado Membros de uma Organização Internacional
podem ter responsabilidade directa pelos actos ilegais e omissões dessa mesma
organização, especialmente nos casos em que estejam envolvidos direitos de
terceiros.80
133. A Comissão recorda que a responsabilidade internacional de um Estado é invocada
nos casos em que ele age ou deixa de agir apesar do facto de que a acção ou
omissão viola uma obrigação internacional que o Estado havia assumido, quer por
meio de Tratado, quer por qualquer outra fonte de Direito internacional. O Sexto
Estado Requerido, com base no argumento de que não havia ele próprio violado
quaisquer obrigações ao abrigo da Lei Constitutiva da UA ou da Carta Africana,
procura evitar qualquer responsabilidade directa pelas alegadas violações, dando
como razão o princípio de caso tenham ocorrido quaisquer violações, estas foram
ocasionadas pela SADC enquanto Organização Internacional.
134. Na opinião da Comissão, a actual tendência do Direito Internacional é a de que
quando os Estados transferem poderes soberanos para uma Organização
Internacional, e que ao levar a cabo as funções que lhe foram atribuídas essa
organização ocasiona irregularidades que invoquem a responsabilidade
internacional individual dos Estado Membros, caso tenham agido em nome
próprio, os Estados podem, a título individual, ter responsabilidade por tais actos
ilegais e omissões da Organização Internacional.81 O Queixoso argumentou de
forma convincente e indisputável de que os Estados Requeridos são
colectivamente responsáveis pelos actos e omissões que constituem as alegadas
violações dos Artigos 7 e 26 da Carta. A questão que necessita de ser resolvida é
80
Quanto a isto, a Comissão apoia a posição do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos
(Tribunal Africano) na decisão final que tomou no caso Falana v Nigéria (n 101 supra) de que o
reconhecimento da personalidade jurídica internacional de uma organização internacional não é o mesmo
que dizer que a personalidade jurídica, direitos e deveres da organização são os mesmos de um Estado.
81
Caso Bhosphorus, n 102 supra;
se os alegados actos ou omissões constituem uma violação de quaisquer
obrigações ao abrigo da Carta Africana.
Alegada violação dos Artigos 7 e 26 da Carta Africana
135. O Queixoso defende que os Estados Requeridos violaram o direito de acesso ao
tribunal, assente na premissa de que o direito de acesso ao Tribunal da SADC
pode fundamentar-se na leitura conjugada dos Artigos 7 e 26 da Carta. A
Comissão irá analisar os dois artigos a fim de determinar se esse direito e uma
obrigação correlativa para com os Estados Requeridos pode ser sancionada.
136. A alínea a) do № 1 do Artigo 7, que é a parte de relevância para a Participaçãoqueixa, estabelece que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja apreciada.
Este direito compreende: (a) O direito de recorrer aos tribunais nacionais
competentes de qualquer acto que viole os direitos fundamentais tal como
reconhecidos e garantidos pelas convenções, as leis, os regulamentos e os
costumes em vigor”.82 O Queixoso tem a convicção de que estas disposições
garantem às vítimas o direito de acesso a um tribunal, o que inclui o direito de
acesso ao Tribunal da SADC. Na opinião do Queixoso isso traduz-se numa
obrigação internacional correlativa por parte dos Estados Requeridos em se
assegurar acesso irrestrito ao Tribunal da SADC, inter alia, em questões em que se
alegue violação de direitos humanos. Em apoio deste argumento, o Queixoso faz
referência à jurisprudência da Comissão.
137. Tal como a Comissão já fez ver, “o direito de uma pessoa a ser ouvida exige que o
Queixoso tenha acesso livre a um tribunal de jurisdição competente para que o seu
caso seja ouvido”.83 Entende também a Comissão que o direito de ser ouvido
“exige que a questão seja levada perante um tribunal de jurisdição competente
para ouvir casos”.84 Na opinião da Comissão, a exigência do direito de acesso a um
tribunal é consistente com o direito a um julgamento justo ao abrigo do Artigo 7
da Carta.
138. O fraseado da alínea a) do № 1 do Artigo 7 da Carta é uma indicação clara de que
as disposições têm em vista o direito de acesso de indivíduos a um tribunal a nível
nacional. Nessa conformidade, a Comissão entende que a alínea a) do № 1 do
Artigo 7 da Carta inclui o direito de acesso a um tribunal e o direito a um recurso
eficaz a nível nacional na eventualidade de uma violação dos direitos garantidos
na Carta. A denegação do direito de acesso a um fórum judicial nacional equivale a
uma violação definitiva e indesculpável da alínea a) do № 1 do Artigo 7 da Carta.
Quanto a isto, a Comissão faz notar a sua própria jurisprudência já estabelecida, e
que foi citada pelo Queixoso, de que em casos apropriados, a destituição da
A alínea b) – d) do № 1 do Artigo 7 assim como o № 2 do mesmo Artigo tratam fundamentalmente do
direito a um julgamento justo em processos penais e não se aplica à presente Paticipação-queixa.
83 Paticipação-queixa 313/05 - Kenneth Good v Botswana (2010) ACHPR parágrafo 139
84 Ibid
82
jurisdição de tribunais constitui uma restrição do acesso aos mesmos e, portanto,
equivale a uma violação da alínea a) do № 1 do Artigo 7 da Carta.85 Todavia, tal
como vem claramente estabelecido na própria Carta, o acesso considerado na
alínea a) do № 1 do Artigo 7 da Carta é o acesso a tribunais nacionais dentro do
sistema legal nacional dos Estados Partes da Carta.
139. Na opinião da Comissão, embora uma interpretação teleológica do Artigo 1 da
Carta permita que os Estados Partes da Carta Africana adoptem medidas
apropriadas, incluindo cooperação a níveis intergovernamentais, para que os
direitos garantidos na Carta tenham efeito, a principal obrigação assumida pelos
Estados Partes no âmbito da alínea a) do № 1 do Artigo 7 da Carta é a de assegurar
o acesso a tribunais nacionais. Nesta conformidade, a Comissão interpretou
consistentemente o Artigo 7 da Carta como pretendendo impor uma obrigação aos
Estados Partes de assegurar o direito a um julgamento justo a nível nacional.86
140. O ponto de vista da Comissão coincide com a posição do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos (ECtHR), cuja jurisprudência pode servir de inspiração à
Comissão por virtude dos Artigos 60 e 61 da Carta Africana. Tratando da questão
de acesso a um tribunal em relação ao Artigo 13 da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos (ECHR), o ECtHR declarou no caso Maksimo vs Rússia que “...a
Convenção garante, a nível nacional, a disponibilidade de um recurso para se a
aplicar a substância dos direitos e liberdades da Convenção, qualquer que seja a
forma em que possam ocorrer, para serem garantidos a nível nacional”.87 Isto
significa que o ECtHR também entende o direito de acesso a um tribunal como
querendo significar o direito de acesso a tribunais nacionais dos Estados Partes de
um Tratado internacional de direitos humanos.
141. A reclamação apresentada pelo Queixoso é a de os Estados Requeridos retiraram
um direito processual garantido a nível da plataforma da SADC. A Comissão faz
notar que o Queixoso não alegou que o acesso a tribunais nacionais dos Estados
Requeridos em casos de alegadas violações de direitos contidos na Carta tivesse
sido retirado. De facto, em vez disso, o Queixoso forneceu uma decisão do Tribunal
Constitucional da África do Sul, que valida os direitos das Vítimas.
142. A Comissão faz ainda notar que na eventualidade dos tribunais nacionais deixarem
de proteger os direitos das Vítimas, o acesso a fóruns alternativos, tais como a
Comissão Africana permanece intacto. A Comissão é, portanto, da opinião de que a
alínea a) do № 1 do Artigo 7 da Carta não impõe uma obrigação legal internacional
A Participação-queixa 129/94 – Civil Liberties Organisation vs Nigéria é, por exemplo, indicativa desta
jurisprudência.
86 Todas as decisões citadas pelo Queixoso relacionam-se com tribunais nacionais. Ver igualmente
Participações-queixa 140/94-141/94-145/95 - Constitutional Rights Project, Civil Liberties Organisation e
Media Rights Agenda v Nigéria (1999) ACHPR; e Paticipação-queixa 225/98 - Huri - Laws / Nigéria (2000)
ACHPR.
87 (Requerimento № 43233/02) - Maksimo v Russia (2010) ECtHR. Ver também a decisão do ECtHR no
caso do Requerimento № 7051/06 Golha v The Czech Republic (2011) ECtHR, parágrafo 71.
85
aos Estados Requeridos para que assegurem o acesso ao Tribunal da SADC,
constatando assim que não houve violação da alínea a) do № 1 do Artigo 7 da
Carta
143. Em relação ao Artigo 26 da Carta, para além da opinião de que quando conjugado
com o Artigo 7 dessa mesma Carta, o mesmo garante o direito de acesso ao
Tribunal da SADC, o Queixoso argumenta que esse artigo impõe aos Estados
Requeridos o dever de assegurar a independência, competência e integridade
institucional dessa instância. O Artigo 26 da Carta estabelece que “Os Estados
Partes na presente Carta têm o dever de garantir a independência dos Tribunais e
de permitir o estabelecimento e o aperfeiçoamento de instituições nacionais
apropriadas a quem foi confiada a promoção e a protecção dos direitos e
liberdades garantidos pela presente Carta”. A questão que necessita de ser
abordada é se o Artigo 26 da Carta impõe uma obrigação aos Estados Requeridos
no que se refere ao Tribunal da SADC.
144. A Comissão concorda com o Queixoso que o Artigo 26 da Carta deve ser conjugado
com o Artigo 7. Quanto a isto, a Comissão é da opinião que a referência “(a)os
Tribunais ” no Artigo 26 da Carta não se refere a um tribunal internacional, mas é
análoga e relacionada com os órgãos judiciais nacionais mencionados no Artigo 7
da Carta. A Comissão faz notar que a sua própria jurisprudência relativa ao
significado e implicações do Artigo 26 da Carta aplica-se aos tribunais nacionais
que exercem jurisdição obrigatória sobre indivíduos que não tenham
possibilidade de deixar de fazer uso da cobertura da autoridade judicial de tais
tribunais. Nesta conformidade, a Comissão não constata da Carta nenhuma
obrigação da parte dos Estados Requeridos para que garantam a independência,
competência e integridade institucional do Tribunal da SADC.
145. Não tendo constatado a existência de uma obrigação visando assegurar o acesso
ao Tribunal da SADC na análise em separado dos Artigos 7 e 26 da Carta, a
Comissão é da opinião que mesmo a leitura conjugada das duas disposições não
cria a obrigação de se assegurar o acesso ao Tribunal da SADC.
146. Em face do raciocínio acima exposto, a Comissão Africana constata que não houve
violação dos Artigos 7 e 26 da Carta Africana pelos Estados Requeridos.
Feito em Banjul, Gâmbia durante a 54ª Sessão Ordinária da Comissão Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos, de 22 de Outubro a 5 de Novembro de 2013.

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