Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias

Transcrição

Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias
Clínica Das Espécies Pecuárias
Cirurgias Correctivas
Relatório Final de Estágio
Licenciatura em Medicina Veterinária
BRUNO MIGUEL LOPES DIAS
UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
VILA REAL, 2007
Júri de Apreciação:
Presidente:___________________________________________________
1º Vogal: ____________________________________________________
2º Vogal: ____________________________________________________
Classificação:_________________________________________________
Data:___________________
O orientador,
____________________________
(Dr. Miguel Quaresma)
O coordenador,
____________________________
(Prof. Dr. João Simões)
Aos meus pais
À minha avó
As doutrinas apresentadas neste trabalho
são da exclusiva responsabilidade do autor.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. João Simões, por ter aceite ser meu coordenador de estágio, por
toda a disponibilidade e ajuda na elaboração do presente relatório.
Ao Dr. Miguel Quaresma, por ter aceite orientar o meu estágio, pela amizade e
disponibilidade demonstradas, pelo bom ambiente vivido e por tudo o que aprendi
durante o estágio.
À Dra. Cláudia Gomes, à Dra. Cristiana Demar e ao Dr. José Miguel Gonçalves,
pela amizade, pela ajuda e pelo que me ensinaram, pelos bons momentos vividos.
À Carla e à Conceição, colegas de estágio, pela amizade e pelos bons momentos.
À Joana, pelo apoio, pela ajuda e por estar sempre presente; pelo sentido que deu
ao que nem sempre tivera sentido.
Aos meus pais, porque, apesar de tudo, sempre acreditaram em mim e me
apoiaram.
Ao meu irmão, pelo apoio e pela amizade de sempre.
A todos, Muito Obrigado!
I
ÍNDICE GERAL
ÍNDICE GERAL ............................................................................................................II
ÍNDICE DE GRÁFICOS ............................................................................................. III
ÍNDICE DE TABELAS ............................................................................................... III
ÍNDICE DE IMAGENS ............................................................................................... III
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ...................................................................V
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
2. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO ....................................................................... 2
Trás-os-Montes e Alto Douro: ............................................................................... 2
Vila Real: ................................................................................................................. 2
3. CASUÍSTICA ............................................................................................................. 4
Por Espécies Animais:............................................................................................ 4
Por Patologias: ........................................................................................................ 4
4. ANATOMIA DO TRACTO GENITAL POSTERIOR DE FÊMEAS ................ 10
Vagina:................................................................................................................... 10
Vestíbulo:............................................................................................................... 11
Vulva:..................................................................................................................... 11
5. ALTERAÇÕES DURANTE O PARTO................................................................. 13
6. PRINCIPAIS ANOMALIAS ADQUIRIDAS COM RESOLUÇÃO CIRÚRGICA
........................................................................................................................................ 15
6.1. LESÕES PERINEAIS........................................................................................... 15
Introdução e Etiologia:............................................................................................. 15
Tratamento: .............................................................................................................. 16
Correcção de Lacerações Perineais de Terceiro Grau...................................... 17
1. Técnica de Götze:.......................................................................................... 17
2. Técnica de Aanes: ......................................................................................... 17
Correcção da Fístula Rectovaginal ..................................................................... 20
6.1.1. PREVENÇÃO DE LACERAÇÕES PERINEAIS: A EPISIOTOMIA ......... 21
6.2. PNEUMOVAGINA ............................................................................................... 23
Introdução:................................................................................................................ 23
Etiologia: ................................................................................................................... 23
Diagnóstico:............................................................................................................... 23
Tratamento: .............................................................................................................. 24
1. Método de Pouret ............................................................................................. 24
2. Vulvoplastia de Caslick.................................................................................... 25
3. Episioplastia ...................................................................................................... 26
6.3. UROVAGINA ........................................................................................................ 29
Introdução:................................................................................................................ 29
Etiologia: ................................................................................................................... 29
Diagnóstico:............................................................................................................... 30
Tratamento: .............................................................................................................. 30
1. Uretroplastia ..................................................................................................... 31
2. Cerclage da constrição himenial ..................................................................... 33
6.3.1. CASO CLÍNICO ............................................................................................ 34
6.4. PROLAPSO VAGINAL ....................................................................................... 37
Introdução:................................................................................................................ 37
Etiologia: ................................................................................................................... 37
Factores predisponentes: ..................................................................................... 37
Sinais Clínicos:.......................................................................................................... 38
Tratamento: .............................................................................................................. 39
II
1. Sutura de Bühner ............................................................................................. 40
2. Outros Métodos ................................................................................................ 42
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 44
8. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 45
ANEXOS ....................................................................................................................... VI
Anestesia Epidural: .................................................................................................VII
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Casuística por Espécies Animais em percentagem. .........................................4
Gráfico 2. Casuística por Sistemas Orgânicos em Bovinos. ............................................5
Gráfico 3. Casuística por Sistemas Orgânicos em Pequenos Ruminantes. .......................6
Gráfico 4. Casuística por Sistemas Orgânicos em Suínos.................................................7
Gráfico 5. Casuística por Sistemas Orgânicos em Equinos...............................................8
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1. Patologias diagnosticadas em Bovinos............................................................. 4
Tabela 2. Patologias diagnosticadas em Pequenos Ruminantes....................................... 6
Tabela 3. Patologias diagnosticadas em Suínos. .............................................................. 7
Tabela 4. Patologias diagnosticadas em Equinos. ............................................................ 7
Tabela 5. Patologias diagnosticadas em Asininos. ........................................................... 9
Tabela 6. Patologias diagnosticadas em Mulas. ............................................................... 9
Tabela 7. Principais acontecimentos de cada fase do parto. .......................................... 13
ÍNDICE DE IMAGENS
Imagem1. Trás-os-Montes e Alto Douro...........................................................................2
Imagem 2. Freguesias do Concelho de Vila Real..............................................................3
Imagem 3. Exploração de Caprinos em Noninha. .............................................................6
Imagem 4. Cavalo que se apresentou com um ferimento extenso no chanfro, após
cirurgia...............................................................................................................................9
Imagem 5. Diagnóstico de gestação numa Égua. ..............................................................9
Imagem 6. Tracto genital posterior de uma Vaca, aberto dorsalmente. ..........................10
Imagem 7. Aparelho genital da Vaca. .............................................................................12
Imagem 8. Aparelho genital da Égua. .............................................................................12
Imagem 9. Laceração perineal de 3º grau numa Égua.....................................................15
Imagem 10. Técnica de Aanes: 1º tempo. .......................................................................19
Imagem 11. Técnica de Aanes: 2º tempo. .......................................................................19
Imagem 12. Técnica de Episiotomia, numa Vaca. ..........................................................21
Imagem 13. Sutura da Episiotomia, numa Égua. ............................................................21
Imagem 14. Deficiente conformação perineal e vulvar...................................................23
Imagem 15. Método de Pouret. .......................................................................................24
Imagem 16. Método de Pouret. .......................................................................................24
Imagem 17. Ponto profundo com fita umbilical..............................................................25
Imagem 18. Vulvoplastia de Caslick...............................................................................26
III
Imagem 19. Linhas de incisão numa Episioplastia..........................................................27
Imagem 20. Sutura de colchoeiro horizontal profunda. ..................................................27
Imagem 21. Aspecto final de uma Episioplastia. ............................................................27
Imagem 22. Urovagina numa Égua. ................................................................................29
Imagem 23. Aposição dos “flaps” ventrais. ....................................................................32
Imagem 24. Aposição dos “flaps” dorsais.......................................................................32
Imagem 25. Preparação da zona sacrococcígea para administração da anestesia epidural.
.........................................................................................................................................34
Imagem 26. Anestesia Epidural.......................................................................................34
Imagem 27. Região perineal lavada e desinfectada.........................................................35
Imagem 28. Cateterização da uretra. ...............................................................................35
Imagem 29. Aspecto da vagina antes da intervenção......................................................35
Imagem 30. Execução da técnica. ...................................................................................35
Imagem 31. Execução da técnica. ...................................................................................36
Imagem 32. Execução da técnica. ...................................................................................36
Imagem 33. Execução da técnica. ...................................................................................36
Imagem 34. Aspecto da vagina no final da cirurgia. ......................................................36
Imagem 35. Prolapso vaginal. .........................................................................................39
Imagem 36. Prolapso vaginal (esquema).........................................................................39
Imagem 37. Sutura de Bühner. ........................................................................................40
Imagem 38. Sutura de Bühner (continuação). .................................................................41
Imagem 39. Técnica do “atacador”. ................................................................................42
IV
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
cm - centímetro
COPD - Chronic Obstructive Pulmonary Disease (Doença Pulmonar Obstructiva
Crónica)
DAD - Deslocamento do Abomaso à Direita
DAE - Deslocamento do Abomaso à Esquerda
HVUTAD - Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
kg - quilograma
km - quilómetro
ml - mililitro
mm - milimetro
MMA - Mastite Metrite Agalaxia
Nº - número
PGF2α - prostaglandina F2α
UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
V
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
1. INTRODUÇÃO
Este relatório final de estágio refere-se ao estágio curricular realizado no
Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (HVUTAD), na
área de Animais de Produção e de Desporto, entre os dias 1 de Março e 20 de Julho do
corrente ano.
Os objectivos foram complementar a formação adquirida durante o curso e
incrementar as competências técnico-científicas, sociais e pessoais indispensáveis a esta
actividade profissional. A metodologia consistiu em acompanhar diariamente os casos
clínicos do hospital na área de Animais de Produção e de Desporto, juntamente com o
técnico responsável por esta área, o Dr. Miguel Quaresma, e um dos internos.
O balanço final é bastante positivo. O trabalho diário com os Médicos
Veterinários desta área hospitalar permitiu-me adquirir conhecimentos da prática clínica
veterinária nem sempre abordados durante as aulas, nomeadamente a nível do contacto
com os proprietários.
O HVUTAD situa-se na Quinta dos Prados, na Universidade de Trás-os-Montes
e Alto Douro, em Vila Real. A área de Animais de Produção e de Desporto deste
hospital presta serviços veterinários numa lógica de consultas ambulatórias, em toda a
região de Trás-os-Montes e Alto Douro, com maior incidência em Vila Real e concelhos
limítrofes. Dispõe ainda de instalações adequadas ao internamento de animais e à
realização de exames complementares.
Esta área hospitalar presta ainda serviços à vacaria, ao ovil, à pocilga e à
cavalariça da UTAD, e apoio a aulas práticas de diversas disciplina de âmbito clínico da
licenciatura de Medicina Veterinária nesta universidade.
A escolha deste tema deveu-se ao gosto pessoal por cirurgia.
Para melhor enquadrar o tema de cirurgias correctivas do tracto genital posterior
na Égua e na Vaca, é descrita a anatomia do tracto genital posterior destes animais, bem
como as principais alterações que ocorrem durante o parto.
1
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2. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO
Trás-os-Montes e Alto Douro:
Esta antiga província portuguesa é uma das doze
regiões administrativas criadas por uma reforma em 1936.
Foram extintas com a entrada em vigor da Constituição de
1976, no entanto nunca saíram do vocabulário quotidiano
dos portugueses, sendo mesmo das divisões do país com
que mais os portugueses se identificam 34.
Limitada a Norte e a Leste pela Espanha, a Sul
pela Beira Alta e a Oeste pelo Minho e Douro Litoral, é
constituída por 31 concelhos, incluindo a totalidade dos do
distrito de Bragança e Vila Real e alguns dos distritos da
Guarda e de Viseu 34 (Imagem 1).
O clima desta região é um clima temperado
continental, sendo mais frio nas zonas de serra e mais
ameno ao longo do rio Douro. O seu relevo é
e
caracterizado por terreno plano a Este, vales junto ao rio Imagem 1. Trás-os-Montes
34
Douro e zonas montanhosas a Oeste, tendo como rochas
Alto Douro .
predominantes o granito, o xisto e o quartzo. As suas principais produções agrícolas são
a amendoeira e a vinha, sendo de realçar a cultura do vinho do Porto (a região
demarcada do vinho do Porto foi a primeira região demarcada do mundo) 33.
É uma das regiões de Portugal com maior número de emigrantes e uma das mais
desertificadas 34.
Vila Real:
O concelho de Vila Real é sede do distrito homónimo, na província de Trás-osMontes e Alto Douro. Está rodeado pelas Serras do Marão e do Alvão, ocupando uma
área de 377,7 Km2, distribuída por 30 freguesias 32 (Imagem 2). É atravessado pelos rios
Corgo e Cabril, ambos com nascente no concelho 31.
Pela sua localização geográfica (as Serras do Marão e do Alvão actuam como
barreiras naturais), Vila Real tem um clima de extremos: um Inverno longo e bastante
rigoroso, frequentemente com temperaturas negativas, e um Verão muito quente. Os
dias intermédios são raros, sendo as diferenças de temperatura bastante bruscas 35.
2
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A agricultura continua a ocupar um lugar de destaque na economia local. A zona
Sudeste encontra-se integrada na Região Demarcada do Douro, tendo no vinho generoso
a sua principal produção 32.
Actualmente Vila Real vive uma fase de crescente desenvolvimento, a nível
industrial, a nível comercial e dos serviços 32, 35.
Imagem 2. Freguesias do Concelho de Vila Real 32.
3
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3. CASUÍSTICA
Por Espécies Animais:
Do dia 1 de Março ao dia 20 de Julho de 2007, correspondente ao período de
estágio, foram observados um total de 154 casos clínicos, que resultaram em 269
consultas. Destes, o maior número foi referente a bovinos e equinos (70 e 45 casos,
respectivamente). Foram ainda observados ovinos (16), caprinos (5), suínos (12),
asininos (3), mulas (2) bem como um caso de aves (frangos).
O gráfico seguinte mostra a distribuição percentual dos casos pelas diferentes
espécies animais.
2%
1% 1%
bovinos
29%
46%
ovinos
caprinos
suínos
equinos
asininos
mulas
8%
3%
aves
10%
Gráfico 1. Casuística por Espécies Animais em percentagem.
Por Patologias:
As tabelas seguintes indicam as patologias diagnosticadas em cada espécie, bem
como o número de casos de cada patologia.
Tabela 1. Patologias diagnosticadas em Bovinos.
PATOLOGIA
Nº CASOS
Pele e Sistema
músculo-esquelético
sarna
abcesso subcutâneo no pescoço
abcesso no curvilhão
fractura da asa do ílio
laminite
1
1
1
1
1
Sistema
respiratório
pneumonia
infecção vias aéreas superiores
8
1
4
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Sistema digestivo
diarreia inespecífica
DAE
indigestão
timpanismo
reticulopericardite traumática
dilatação cecal
DAD
atresia do recto
parasitismo gastrointestinal
8
4
4
3
2
1
1
1
1
Sistema reprodutor
parto distócico
mamite clínica
retenção de secundinas
quisto folicular
metrite purulenta
prolapso vaginal (2º grau)
urovagina
4
4
1
1
1
1
1
Patologias
metabólicas
hipocalcemia (2º grau)
cetose clínica
3
3
Outras patologias
peritonite
infecção urinária
listeriose (suspeita)
2
1
1
Maneio reprodutivo
diagnóstico de gestação
7
Outras intervenções
descorna cosmética
1
TOTAL
70
30
25
25
20
13
15
9
10
5
6
5
4
0
pele e sistema
musculoesquelético
sistema
respiratório
sistema
digestivo
sistema
reprodutor
patologias
metabólicas
outras
patologias
Gráfico 2. Casuística por Sistemas Orgânicos em Bovinos.
A maior parte dos casos clínicos em bovinos referiu-se a patologias do sistema
digestivo (Gráfico 2), com principal incidência de casos de diarreia inespecífica em
vitelos. De salientar ainda o registo de um vitelo que apresentava atresia do recto,
confirmada por necrópsia após eutanásia.
5
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Tabela 2. Patologias diagnosticadas em Pequenos Ruminantes.
PATOLOGIA
Nº CASOS
Pele e Sistema
músculo-esquelético
feridas pelo corpo (ataque de cães)
pieira
míase (à volta dos cornos) e abcesso
abcesso no pescoço
1
1
1
1
Sistema
respiratório
broncopneumonia
problemas respiratórios
1
1
Sistema reprodutor
parto distócico
toxemia gestação
prolapso vaginal
mamite
metrite/mamite
retenção placentária
laceração do teto
3
2
1
2
1
1
1
Outras patologias
listeriose (suspeita)
2
Maneio reprodutivo
diagnóstico de gestação
1
Outras intervenções
vacinação / desparasitação
1
TOTAL
21
12
11
10
8
6
4
4
2
2
2
0
pele e sistema musculoesquelético
sistema respiratório
sistema reprodutor
outras patologias
Gráfico 3. Casuística por Sistemas Orgânicos em Pequenos Ruminantes.
Imagem 3. Exploração de Caprinos em Noninha.
6
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Nos pequenos ruminantes a maior incidência foi de patologias do sistema
reprodutor (Gráfico 3).
Tabela 3. Patologias diagnosticadas em Suínos.
PATOLOGIA
Nº CASOS
Pele e Sistema
músculo-esquelético
mal rubro (forma cutânea)
laminite
2
1
Sistema
respiratório
pneumonia
2
Sistema digestivo
diarreia
2
Sistema reprodutor
MMA
parto distócico
1
1
Outras patologias
colibacilose (suspeita)
colisepticemia (suspeita)
septicemia
1
1
1
TOTAL
12
3,5
3
3
3
2,5
2
2
2
sistema respiratório
sistema digestivo
sistema reprodutor
2
1,5
1
0,5
0
pele e sistema
musculoesquelético
outras patologias
Gráfico 4. Casuística por Sistemas Orgânicos em Suínos.
O reduzido número de casos clínicos de suínos não permite evidenciar nenhuma
patologia. As mais frequentes foram pneumonias, diarreias e mal rubro (forma cutânea),
com apenas dois casos cada uma (Tabela 3).
Tabela 4. Patologias diagnosticadas em Equinos.
PATOLOGIA
Pele e Sistema
músculo-esquelético
feridas únicas
várias feridas
hipersensibilidade à picada de insecto
hematoma traumático no flanco Esq.
abcesso no casco
Nº CASOS
6
2
2
1
1
7
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laminite
dermatofitose
1
1
Sistema
respiratório
broncopneumonia
COPD
infecção vias aéreas superiores
pneumonia
1
1
1
1
Sistema digestivo
cólica
diarreia
parasitismo gastrointestinal
3
1
1
Maneio reprodutivo
diagnóstico de gestação
castração
indução d estro
5
2
1
Outras intervenções
vacinação
vacinação / desparasitação
vacinação / desparasitação / registo
chips de identificação
7
5
1
1
TOTAL
45
16
14
14
12
10
8
6
4
4
5
2
0
pele e sistema musculoesquelético
sistema respiratório
sistema digestivo
Gráfico 5. Casuística por Sistemas Orgânicos em Equinos.
Nos equinos destacaram-se as patologias do sistema músculo-esquelético, com
muitos animais que sofreram traumatismos (Gráfico 5). Alguns apresentavam uma
única ferida, principalmente nos membros, a vários níveis, nomeadamente junto ao
bordo coronário e no talão. Um animal apresentou-se com uma ferida bastante extensa
no chanfro (Imagem 4). Os dois animais com várias feridas eram poldros, e um foi
atacado por cães, o outro caiu.
Nesta espécie, as acções de profilaxia médica (vacinações e desparasitações)
foram um importante motivo de consulta.
8
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Imagem 5. Diagnóstico de gestação numa Égua.
Imagem 4. Cavalo que se apresentou
com um ferimento extenso no chanfro,
após cirurgia.
Tabela 5. Patologias diagnosticadas em Asininos.
PATOLOGIA
Pele e Sistema
músculo-esquelético
Nº CASOS
várias feridas
fractura da cabeça fémur
laminite + sarna
1
1
1
TOTAL
3
Todas as consultas a asininos foram devidas a patologias do aparelho músculoesquelético (Tabela 5).
Tabela 6. Patologias diagnosticadas em Mulas.
PATOLOGIA
Nº CASOS
Sistema musculoesquelético
laminite
1
Sistema
respiratório
COPD
1
TOTAL
2
Uma das mulas observadas apresentava doença pulmonar obstrutiva crónica e a
outra laminite (Tabela 6).
Na única consulta feita a aves o diagnóstico clínico foi de doença de Marek,
numa exploração familiar de frangos.
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4. ANATOMIA DO TRACTO GENITAL POSTERIOR DE FÊMEAS
O aparelho genital feminino inclui gónadas pares, os ovários, que produzem os
gâmetas femininos (bem como hormonas); os oviductos, que captam os óvulos
libertados pelos ovários e os transportam para o útero; o útero, constituído por três
partes distintas, a cérvix, o corpo e os cornos, e onde os óvulos fertilizados ficam retidos
e são nutridos até que o desenvolvimento pré-natal esteja completo; a vagina, dividida
em vagina propriamente dita e vestíbulo, e a vulva, a parte mais caudal
13
. As vias
posteriores, que compreendem a vagina, o vestíbulo e a vulva, servem como órgão
copulador e segmento final do canal do parto 2.
Com excepção do vestíbulo, que se desenvolve a partir do seio urogenital, as
vias genitais da fêmea derivam dos condutos paramesonéfricos (de Müller)
embrionários 2. Nos ruminantes os ovários fetais sofrem uma descida mais considerável
que nas outras espécies domésticas, pelo que os ovários maduros se localizam na parte
mais caudal do abdómen, sendo os cornos uterinos puxados para trás 13.
A anatomia dos órgãos genitais femininos é intensamente influenciada pela
idade, pela condição física e pela história reprodutiva 13.
Vagina:
A vagina é uma estrutura ímpar,
constituída por duas partes. A parte cranial, a
vagina no sentido restrito, estende-se desde o
cérvix até à entrada da uretra e apenas possui
função reprodutiva. A parte caudal, o
vestíbulo, estende-se desde o orifício uretral
até à vulva e combina funções urinárias e
reprodutivas 13.
É um conduto relativamente longo, de
parede fina, e embora o lúmen esteja
normalmente fechado, pela aproximação das
paredes dorsal e ventral, é notavelmente Imagem 6. Tracto genital posterior de uma
dilatável, quer em comprimento quer em Vaca, 13aberto dorsalmente. (adaptado de Dyce,
13
1997) .
largura .
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Ocupa uma posição mediana na cavidade pélvica, relacionando-se dorsalmente
com o recto e ventralmente com a bexiga e a uretra 13.
A superfície é lisa mas circular, podendo formar pregas longitudinais. A intrusão
da cérvix na parte cranial da vagina reduz o lume desta parte a um espaço em forma de
anel (fórnix) 13, a flor desabrochada.
A junção da vagina com o vestíbulo é marcada em fêmeas virgens por uma
prega mucosa transversal (hímen). Esta junção regional é menos distensível que as
partes do tracto craniais e caudais a ela 13.
Vestíbulo:
O vestíbulo curva-se ventralmente em direcção aos lábios da vulva. No caso da
égua, o chão é mais longo e inclina-se abruptamente para baixo, além do arco isquiático
13
.
As suas paredes, menos elásticas que as do resto da vagina, ficam juntas em
repouso, reduzindo o lúmen a uma fenda vertical. A uretra abre-se no chão,
imediatamente caudal a qualquer indicação de que possa existir um hímen. Na vaca, a
abertura uretral está associada a um divertículo suburetral. Mais caudalmente,
apresentam-se as aberturas das glândulas vestibulares. Na vaca uma grande massa
glandular de cada lado drena por um único ducto. Na égua, embora não haja glândulas
vestibulares principais, inúmeras glândulas menores desembocam dentro de pequenas
depressões, ordenadas em fileiras. A secreção mucosa produzida lubrifica a passagem
do pénis durante o coito e do feto durante o parto, e o odor possui efeito sexualmente
estimulante sobre o macho, no estro 13.
Além da abertura da uretra e das glândulas vestibulares, o vestíbulo contém
ainda o clítoris, rodeado lateral e ventralmente pela fossa clitoridiana 14, e os músculos
constritor do vestíbulo e constritor da vulva.
Vulva:
O vestíbulo abre-se para o exterior na vulva 13, localizada ventralmente ao ânus
14
. Ao contrário dos primatas, os carnívoros e ungulados apenas possuem um par de
lábios. A comissura dorsal é arredondada e a ventral é pontiaguda e elevada acima do
nível da pele que a rodeia. Na égua esta imagem inverte-se: a comissura ventral é que é
arredondada e a dorsal pontiaguda 13.
Tal como o vestíbulo, possui funções reprodutivas e urinárias.
11
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Imagem 7. Aparelho genital da Vaca 38.
Imagem 8. Aparelho genital da Égua 38.
12
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5. ALTERAÇÕES DURANTE O PARTO
Torna-se necessário tecer algumas considerações em relação ao parto, às
alterações que ocorrem num parto normal, pois as patologias abordadas, normalmente,
são consequência de problemas ocorridos durante o parto.
O parto é iniciado pelo cortisol fetal, que leva ao aumento da secreção de
estrogénios e, como resultado, de prostaglandina, particularmente PGF2α, pelo útero 11.
A oxitocina também é importante para o processo do parto. Actua de forma sinérgica
com a PGF2α, para promover a contracção do útero
11
. Outra hormona importante no
parto é a relaxina. Esta hormona causa relaxamento dos ligamentos e músculos
associados que rodeiam o canal pélvico. Na égua, uma área bem definida de músculos
relaxados pode ser distinguida sobre a linha média do alto da garupa até à comissura
ventral da vulva. Na vaca, os músculos posteriores ao quadril relaxam ao ponto de se
ondularem quando o animal caminha, no período de 24 horas antes do parto 11.
O parto pode ser dividido em três fases
11, 18
, embora não haja uma demarcação
clara de cada uma, e estas se tornem um processo contínuo. A duração de cada fase é
muito variável 18. Os principais acontecimentos estão indicados na tabela seguinte:
Tabela 7. Principais acontecimentos de cada fase do parto 18.
Relaxamento e dilatação da cérvix;
Primeira Fase
Feto adopta a postura de nascimento;
Começa a contracção uterina;
Corioalantóide entra na vagina.
Continua a contracção uterina;
Feto entra no canal do parto;
Segunda Fase
Começa a contracção abdominal;
Âmnios entra na vagina;
Feto é expulso.
Perde-se a circulação placentária;
Terceira Fase
Ocorre deiscência e separação da placenta;
Continua a contracção uterina e abdominal;
Placenta é expulsa.
13
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Antes do parto ocorrem várias alterações preparatórias, tais como o
desenvolvimento mamário e o relaxamento dos ligamentos pélvicos. A ocorrência
destas alterações varia muito entre animais, pelo que não são indicadores de confiança
da hora exacta do parto 18.
Na Vaca:
As alterações externas mais importantes ocorrem a nível do úbere, vulva e
ligamentos pélvicos. Com o aproximar do fim da gestação o úbere aumenta de tamanho
e torna-se tenso, é visível colostro nos tetos, que se torna mais espesso e amarelo. Em
fêmeas primíparas pode-se desenvolver edema subcutâneo craneal e caudalmente ao
úbere. A vulva normalmente alonga-se e torna-se ligeiramente tumefacta e edematosa,
contudo alguns animais não apresentam alterações vulvares. O relaxamento dos
ligamentos pélvicos torna-se mais pronunciado com o aproximar do parto, e é o sinal
mais fiável de um parto iminente. Como resultado, a base da cauda pode parecer
levantada e os glúteos afundados. Em vacas gordas estas alterações são menos óbvias,
mas o relaxamento dos ligamentos pode ser detectado por exame rectal. O tónus
muscular da cauda é reduzido 24 horas antes do parto 18.
Na Égua:
Os sinais premonitórios do parto podem ser muito enganadores. Com o
aproximar do parto ocorre desenvolvimento mamário, alongamento da vulva e
relaxamento dos ligamentos pélvicos. Todo o processo de nascimento é mais rápido e
mais violento que no caso da vaca. Qualquer distúrbio, incluindo a observação
excessiva ou por estranhos, pode levar a égua a inibir o parto 18.
14
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6. PRINCIPAIS ANOMALIAS ADQUIRIDAS COM RESOLUÇÃO CIRÚRGICA
6.1. LESÕES PERINEAIS
Introdução e Etiologia:
Durante a segunda fase do parto (a expulsão do feto) podem ocorrer lesões
perineais, quer na égua quer na vaca, principalmente em fêmeas primíparas 3, embora
possam ocorrer em todas as idades 20.
As lacerações perineais classificam-se pela sua profundidade e grau de
destruição tecidular: perineais de primeiro, segundo e terceiro grau e em fístula
rectovaginal
23
. As lacerações superficiais da mucosa vaginal e/ou vulvar são de
primeiro grau, enquanto as que afectam toda a parede destes órgãos são de segundo grau
17, 23
. As lacerações que envolvem toda a parede vaginal, vulvar, bem como a do recto, o
corpo perineal e o esfíncter anal, dão origem a uma abertura comum dos sistemas
digestivo e genital e denominam-se lacerações perineais de terceiro grau
23
. Estas
últimas parecem ser das lesões perineais mais
frequentes em bovinos
15
. A fístula rectovaginal
envolve a vagina e o recto, mantendo-se no entanto
o períneo e o ânus intactos (sem ocorrência de
desgarros).
Os efeitos clínicos de uma laceração de
terceiro grau são a contínua aspiração de ar para a
vagina e a contaminação do lúmen vaginal por
material fecal (Imagem 9). A pneumovagina, por
sua vez, pode levar à acumulação de urina
cranealmente
ao
orifício
uretral
(urovagina).
Inevitavelmente, quer na vaca quer na égua, estes
factores resultam numa grande contaminação Imagem 9. Laceração perineal de 3º
grau numa Égua 36. É visível grande
bacteriana e infecção ascendente do tracto genital, e contaminação
da vagina por fezes.
consequente infertilidade 3.
Em casos de fístula rectovaginal, o nível de contaminação da vagina depende da
extensão da fístula 3.
15
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Na égua as lacerações e as fístulas rectovaginais ocorrem com igual frequência.
No caso da vaca as lesões perineais são quase sempre lacerações
17
. Nesta espécie, as
fístulas rectovaginais apenas ocorrem como um problema congénito associado a atresia
ani ou devido a correcções mal sucedidas de lacerações perineais. Por outro lado,
defeitos de segundo grau são comuns na vaca e raros na égua 3. Isto acontece porque o
mecanismo de lesão perineal é diferente nas duas espécies 3, 17.
Na vaca, estas lacerações são quase sempre devidas a intervenção humana
inapropriada durante o parto 17: extracção forçada de um feto de grande tamanho ou sem
que a vagina esteja adequadamente dilatada e lubrificada 17, 23. Em partos não assistidos
estas lesões são raras 17.
Na égua, normalmente a lesão inicial é a perfuração do tecto vaginal pelo
membro anterior do feto, ocorrendo também perfuração do recto 3. Se o membro é
retraído permanece uma fístula 17, caso contrário pode ser forçado, possivelmente com a
cabeça, pelo orifício anal, progredindo a lesão caudalmente e originando laceração
perineal 3, 14, 17 (de terceiro grau).
A identificação precoce da alteração pode permitir recolocar os membros
possibilitando um parto normal 3. No entanto, se o recto foi perfurado é conveniente
incidir o períneo e o esfíncter anal, pois uma laceração perineal de terceiro grau é mais
fácil de corrigir cirurgicamente que a fístula rectovaginal que se formaria 3. Em éguas
submetidas a uma vulvoplastia de Caslick que não foi reaberta antes do parto, pode
ocorrer laceração como acontece nas vacas 3.
Se for previsível que ocorra algum grau de laceração, é preferível realizar uma
episiotomia 17.
Por vezes um estiramento suave dos lábios vulvares, por cima do feto, permite
alargar suficientemente o canal de modo a permitir a extracção, mas é um processo
moroso. Em muitos casos a demora conduz à morte do feto 17.
Tratamento:
As lacerações de primeiro e segundo grau podem tratar-se com antissépticos
locais e pomadas emolientes. Os antibióticos sistémicos estão indicados em casos de
vaginite necrótica. As indicações para a cirurgia são a extracção de gordura perivaginal
necrótica e a correcção da má oclusão dos lábios vulvares, mediante episioplastia 23.
16
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As lacerações de terceiro grau podem ser corrigidas de imediato com algum
sucesso. Se não o forem, a cirurgia só deve ser feita passadas 4 a 6 semanas
17
. Os
tecidos lesionados estão edematosos, necrosados e altamente contaminados, pelo que
tentar reparar o defeito antes deste período implica o fracasso da cirurgia
30
. Na égua,
por vezes há prolapso da bexiga após a lesão, mas é facilmente resolvido. Durante este
período não é necessário nenhum tratamento, excepto, talvez, profilaxia antitetânica na
égua 3.
Correcção de Lacerações Perineais de Terceiro Grau
1. Técnica de Götze:
Durante vários anos a reconstrução cirúrgica do períneo foi baseada na técnica
descrita por Götze em 1938. Nesta técnica, após desbridamento das superfícies
mucosas, o tecido restante entre o recto e a vagina é mobilizado e fixo tão caudalmente
quanto possível para separar as duas cavidades. De um modo geral os resultados eram
bons, mas a dor pós-cirúrgica era considerável e por vezes levava a impactação pela
relutância em defecar 3.
2. Técnica de Aanes:
Esta técnica suplantou a de Götze 3. Aanes (1964) descreveu-a em duas fases: a
primeira consistindo na dissecação e reconstrução do septo recto-vaginal, a segunda na
dissecação e reconstrução do corpo perineal
30
, realizada 2 a 4 semanas depois. Neste
período de cura do septo recto-vaginal, o animal consegue defecar mais facilmente
devido ao orifício anal aumentado, diminuindo a possibilidade de impactação rectal e
tenesmo, que levaria a deiscência e fistulação da sutura.
No entanto a cirurgia pode ser realizada de uma só vez. As vantagens são o facto
de ser uma única intervenção e, consequentemente, os menores cuidados pré e pósoperatórios e o menor tempo de hospitalização 3.
Preparação:
O maneio dietético aplicado nos equinos para tornar as fezes mais moles
geralmente não é necessário no gado, pois as fezes são suficientemente moles para
17
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evitar impactação
17
. Na égua está indicada dieta de feno nos três dias anteriores à
cirurgia e jejum desde a véspera 30.
A descrição que se segue é referente à égua, mas pode ser adaptada à vaca.
Após contenção do animal é administrada uma anestesia epidural. A cauda é
então desviada e presa, as fezes são removidas do recto e da vagina, e a região perineal
é lavada e desinfectada com um antisséptico suave. Por fim aplica-se iodo-povidona em
spray 17, 30.
O campo cirúrgico é exposto recorrendo a afastadores ou duas suturas
temporárias de cada lado da laceração 30 (Imagem 10 A).
Técnica:
1ª tempo:
É feita uma incisão no tecido cicatricial do que resta do septo recto-vaginal, que
se continua caudalmente ao longo da junção da mucosa rectal e vaginal, até ao nível da
comissura dorsal da vulva 30 (Imagem 10 A). Em seguida disseca-se ao longo da incisão
de modo a libertar dois “flaps” de cada lado que se podem juntar e suturar sem tensão 17.
Os “flaps” ventrais reconstroem o tecto da vagina e os dois dorsais reconstroem o chão
do recto 17.
O tecto da vagina é suturado com catgut crómico nº 1. Começando
cranealmente, usa-se uma sutura de colchoeiro horizontal contínua de modo a inverter a
mucosa vaginal (Imagem 10 B). Usa-se o catgut porque os fios absorvíveis sintéticos
prendem nos tecidos, especialmente a mucosa vaginal 30.
Uma segunda linha de sutura de poliglactin 910 (Vicryl ® ) nº 2 é colocada entre
a parede do recto e da vagina (Imagem 10 B). É basicamente uma sutura em bolsa de
tabaco, que atravessa a submucosa rectal, o tecido perivaginal, e a submucosa vaginal,
de ambos os lados, numa volta comum 30.
Quando as suturas interrompidas são colocadas, tão caudalmente quanto foi a do
tecto vaginal, a sutura de colchoeiro horizontal contínua de catgut é retomada e a
mucosa vaginal é suturada em direcção caudal, para a comissura dorsal da vulva. As
suturas interrompidas de poliglactin 910 são continuadas na mesma direcção. Este
método evita o estreitamento do lúmen rectal 30.
18
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Imagem 10. Técnica de Aanes: 1º tempo 18. A: linha de incisão no septo recto-vaginal; B: linhas de
sutura para a reconstrução do septo rectovaginal; C: aspecto final em esquema.
2ª tempo:
O tecido epitelial recentemente formado deve ser removido. É feita uma incisão
que começa na margem craneal do corpo perineal, continua-se perifericamente ao longo
do tecido cicatricial até à comissura dorsal da vulva, formando dois lados de um
triângulo. É feita uma incisão no lado oposto, e removida uma camada epitelial
superficial, criando duas superfícies triangulares em carne viva. A pele do períneo é
dissecada e reflectida lateralmente para permitir a sutura sem tensão 30 (Imagem 11 A).
Aplicam-se pontos simples isolados de poliglactin 910 número 1 nas camadas
mais profundas do corpo perineal. Esta sutura completa-se com uma sutura simples
interrompida de nylon ao longo dos bordos epiteliais do recto. Estas suturas são feitas
alternadamente até a reconstrução perineal estar completa 30 (Imagem 11 B).
Uma porção dorsal dos lábios vulvares é removida, como na cirurgia de Caslick
para a pneumovagina. A pele do períneo e lábios vulvares é fechada com nylon 30.
Vicryl
Nylon
Imagem 11. Técnica de Aanes: 2º tempo 18. A: incisão e dissecação da zona a suturar; B: linhas de
sutura para reconstrução do corpo perineal; C: aspecto final em esquema.
19
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Pós-operatório:
Imediatamente após a cirurgia é restituída a dieta normal à égua. Administramse antibióticos durante 5 dias e as suturas no períneo e lábios da vulva são retirados 14
dias depois da cirurgia 30.
A não ser que a abertura vulvar seja demasiado reduzida, os partos seguintes
ocorrem normalmente, sem risco de laceração ou necessidade de episiotomia, quer na
vaca quer na égua 3.
As complicações incluem deiscência, abcedação e celulite, constipação e
formação de fístula. Pode ocorrer pneumovagina 30.
Esta técnica admite variações, nomeadamente nos padrões de sutura usados. No
entanto é importante não penetrar o recto ou a vagina, o que poderia levar a
contaminação e insucesso da cirurgia 17.
Correcção da Fístula Rectovaginal
Uma simples fístula rectovaginal é mais difícil de corrigir que uma laceração de
terceiro grau 3.
Aanes recomenda que estas lesões sejam transformadas em lacerações de
terceiro grau e corrigidas como tal 3. No entanto, a não ser que a fístula seja muito
profunda, pode ser satisfatoriamente exposta por uma episiotomia na comissura dorsal
que se estende cranealmente por baixo do esfíncter anal e do chão do recto, para além
da fístula. A membrana mucosa rectal que delimita a lesão pode então ser seguramente
invertida com suturas colocadas transversalmente na submucosa. A episiotomia é
reparada de forma convencional 3.
20
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6.1.1. PREVENÇÃO DE LACERAÇÕES PERINEAIS: A EPISIOTOMIA
A episiotomia é uma incisão cirúrgica da vulva para evitar que esta se rasgue
irregularmente durante o parto podendo envolver o recto.
Este alargamento cirúrgico da abertura vulvar pode estar indicada em fêmeas
primíparas, e geralmente é necessário em animais submetidos a cirurgia vulvar 20. Deve
ser realizado em distócias, por imaturidade ou falta de relaxamento, em que é óbvio que
vai haver algum grau de laceração vulvar 19.
Técnica:
Durante o parto, incide-se o lábio da vulva em direcção dorsolateral, começando
uns 3 cm abaixo da comissura dorsal (Imagem 12). A incisão através da pele e mucosa
vestibular é suficientemente larga e profunda para permitir o parto.
A ferida deve ser suturada nas 4 horas pós-parto
20
. Após infiltração com um
anestésico local, faz-se uma sutura de colchoeiro vertical modificada com material não
absorvível
17
. O primeiro ponto é dado na união mucocutânea, aplica-se uma ligeira
tracção em direcção ventrolateral, e em seguida aplicam-se mais pontos isolados que
devem atravessar todas as camadas, incluindo a mucosa vestibular 20 (Imagem 13).
Imagem 12. Técnica de Episiotomia 18,
numa Vaca.
Imagem 13. Sutura da Episiotomia 20,
numa Égua.
21
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Pós-operatório:
A administração de antibiótico é opcional, mas reduz a possibilidade de
abcedação 17.
Se a incisão não é correctamente fechada pode levar a pneumovagina 17.
22
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6.2. PNEUMOVAGINA
Introdução:
Pneumovagina é a aspiração involuntária de ar para a vagina, de modo que esta
se apresenta cronicamente distendida 8.
Resulta de uma conformação vulvar anormal que impede a correcta oclusão da
vulva, e pode implicar a infecção do tracto genital 3, 20. Observa-se em éguas de todas as
idades
20
, embora seja mais comum em éguas velhas, multíparas
3
. É factor
predisponente de urovagina, e, tal como esta, resulta em infertilidade 3, 42.
Etiologia:
A conformação vulvar anormal pode ser congénita, o que é raro, ou adquirida,
devido a dilatação pelos sucessivos partos, a lesões durante o parto, ou ainda a
emagrecimento muito marcado ou obesidade 3, 19.
Em algumas éguas ocorre apenas durante o estro, quando os tecidos perineais
estão mais relaxados 3.
Para haver entrada de ar, a pressão intravaginal tem de ser menor que a
atmosférica. Esta diferença de pressão é maior em cavalos que em póneis, pelo que
nestes a pneumovagina é rara 14.
Diagnóstico:
O ruído da entrada e saída de ar, particularmente a
trote, é característico
7, 14
, no entanto nem sempre é
constante ou perceptível.
A palpação transrectal da vagina cheia de ar, que
pode ser expelido, confirma o diagnóstico 3.
O exame citológico e histológico do endométrio
pode revelar um elevado número de neutrófilos e
eosinófilos, indicativos de endometrite, cervicite ou
vaginite 3.
Imagem 14. Deficiente
conformação perineal e vulvar 36.
23
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Tratamento:
Antes do tratamento cirúrgico é importante controlar a infecção 20.
A cirurgia correctiva de Caslick (1937) funciona na maioria dos casos
3, 19
. No
entanto não é eficiente se a deformação primária é o ângulo da superfície vulvar
relativamente à vertical. Neste caso deve ser feita uma ressecção perineal (método de
Pouret, 1982) para conseguir uma conformação vulvar satisfatória 3.
Estão descritas três técnicas principais, aqui referidas para a égua:
1. Método de Pouret
Sob anestesia epidural, e após desinfecção do períneo
14
, seccioná-lo
horizontalmente, entre a vulva e o ânus, e depois dissecar o tecido entre os dois órgãos,
8 a 12 cm 7, 19, tendo o cuidado de não perfurar o recto ou a vagina. A incisão é suturada
transformando-a numa vertical
14
. Esta separação permite à vulva uma posição mais
vertical 7, 19.
Imagem 15. Método de Pouret 14. a: relação
da vulva com o ânus; b: linha de incisão
entre a vulva e o ânus; c: dissecação; d:
sutura da incisão transformando-a numa
vertical.
Imagem16. Método de Pouret 7. Após a cirurgia a
vulva adquiri uma posição mais vertical.
24
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2. Vulvoplastia de Caslick
Consiste em reduzir a abertura da vulva de modo a evitar a aspiração de ar e,
consequentemente, a possibilidade de infecção e inflamação do tracto urogenital 19.
Preparação:
O animal deve ser contido num tronco. Deve ser feita uma bandagem em volta
da cauda e esta deve ser presa numa posição elevada. As fezes são removidas do recto, e
o períneo, os lábios da vulva e a entrada do vestíbulo são limpos e desinfectados com
um antisséptico suave. É feita uma anestesia local: cada lábio vulvar é infiltrado com
aproximadamente 5 ml de lidocaína a 2% 7, 19, 30.
Com a ajuda de pinças colocadas nos dois lábios e na comissura dorsal, o campo
cirúrgico é exposto.
Técnica:
A intervenção cirúrgica consiste em remover uma tira de mucosa
(aproximadamente 3 mm) na junção mucocutânea de cada lábio vulvar
30
desde a
comissura dorsal até um nível abaixo da base óssea da pélvis 7, 14, 19. Um erro comum é
remover demasiado tecido 30. As margens da ferida assim formada são juntas com uma
sutura simples interrompida de material não reabsorvível como nylon ou polipropileno
2/0 monofilamentar
7, 19, 30
. Uma modificação desta técnica consiste no uso de agrafos
cutâneos para suturar os bordos externos (estes, além da
rapidez de execução, garantem uma sutura estanque) 7.
Para evitar tensão excessiva na parte mais ventral da
linha de sutura, pode usar-se fita umbilical estéril para dar
um ponto profundo (após infiltração local) antes do
acasalamento 30.
Pós-operatório:
Geralmente não é necessária antibioterapia tópica
nem sistémica. As suturas podem ser retiradas em 7 a 10
dias 30.
Imagem 17. Ponto
profundo com fita
umbilical 30.
25
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Imagem 18. Vulvoplastia de Caslick 14. a: indicação do nível da base óssea
da pélvis; b e c: infiltração com lidocaína a 2%; d e e : remoção de uma
tira de mucosa da junção mucocutânea de cada lábio vulvar; f: sutura.
3. Episioplastia
Esta técnica é uma extensão do conceito da cirurgia de Caslick
29
: não só se
diminui a abertura vulvar (em 30-50 %) como também se baixa o tecto vestibular, ao
remover a mucosa das partes dorsal e dorsolaterais do vestíbulo
20
. Está indicada em
casos mais graves 14, em que está comprometida a função dos músculos constritores da
vulva e do vestíbulo 29.
Preparação:
A preparação do animal é igual à descrita na técnica de Caslick, e a anestesia
também pode ser por infiltração local, embora a anestesia epidural seja preferível. Pode
ser necessário algum grau de tranquilização
20
(a combinação de xilazina e butorfanol
tem sido útil) 29.
Técnica:
Começa por se marcar, nos lábios vulvares, o ponto onde vai ser a nova
comissura dorsal da vulva. Após exposição do vestíbulo, com pinças ou pontos de
26
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
sutura, faz-se uma incisão desde um ponto
no tecto do vestíbulo, 3 a 6 cm
caudalmente à união vestibulovaginal até à
marca feita em cada lábio vulvar. Em
seguida incidem-se a comissura dorsal e a
junção mucocutânea dos lábios 20 (Imagem
19). Toda a mucosa assim delimitada é
dissecada e removida
20, 29
. Esta dissecção
deve ser cuidada para não atingir o recto
(se isso acontecer o defeito deve ser Imagem 19. Linhas de incisão numa Episioplastia 29.
corrigido invertendo os bordos para o
lume). Os bordos horizontais, direito e esquerdo, da ferida são então suturados mediante
pontos isolados de material reabsorvível que se iniciam cranealmente. Depois de 3-4
nós, aplicam-se pontos isolados dorsalmente a esta linha de sutura para aproximar as
superfícies dissecadas
20, 29
. A sutura completa-se alternando os pontos na mucosa e no
plano dorsal. A pele do períneo e da vulva também é fechada com pontos soltos de
material não reabsorvível (como na cirurgia de Caslick) 20, 29 (Imagens 20 e 21).
Imagem 20. Sutura de colchoeiro horizontal
profunda 29.
Imagem 21. Aspecto final de uma
episioplastia 20.
27
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Realiza-se uma sutura de colchoeiro horizontal profunda através do corpo
perineal reconstruído 29 (Imagem 20).
Pós-operatório:
Deve ser instituída antibioterapia sistémica durante três dias 29.
Os pontos são retirados passados 10 a 12 dias
29
, mas a cura funcional total
ocorre em 4-8 semanas, durante as quais a cópula não deve ser permitida 20, 29.
Ao realizar uma vulvoplastia ou uma episioplastia, é importante garantir que a
redução não é excessiva de modo a causar disúria ou impedir a monta natural, se for
caso disso.
No momento do parto é necessário realizar uma episiotomia para prevenir a
laceração irregular da vulva 20, 29.
A vulvoplastia é uma operação fácil de realizar, pelo que por vezes é
abusivamente praticada. Segundo Pycock, 1997, muitas éguas são desnecessariamente
submetidas à cirurgia de Caslick: esta deve ser reservada para corrigir defeitos vulvares
e não porque uma égua falha uma gestação 3.
28
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
6.3. UROVAGINA
Introdução:
Urovagina, ou refluxo vesicovaginal, refere-se à acumulação de urina na porção
anterior da vagina (Imagem 22). Esta patologia afecta quer a vaca quer a égua,
geralmente fêmeas multíparas, e origina vaginite e cervicite, podendo ainda a
inflamação progredir para o útero causando endometrite. É uma causa conhecida de
infertilidade 3, 42, 44.
Tem-se observado um aumento da prevalência desta patologia em vacas,
parecendo haver maior predisposição de determinadas raças, particularmente Charolais
e Holstein 3, 42.
Etiologia:
A acumulação de urina resulta de alterações na conformação anatómica da vulva
ou do tracto urogenital, quer tenham origem congénita, sejam resultado de partos
distócicos ou da idade e de um elevado número de partos 42.
São causas de refluxo vesicovaginal todas as que originam vaginas inclinadas
ventro-cranealmente
42
, bem como factores que afectam a integridade do esfíncter
vulvar ou vestibulovulvar (aproximadamente 70% das vacas que apresentam este
problema têm uma conformação vulvar defeituosa) 42. A má oclusão dos lábios vulvares
origina pneumovagina, que predispõe a urovagina
3, 42
. A perda de funcionalidade dos
músculos constritores da vagina e da constrição himenial, devido a um parto distócico
ou a um elevado número de partos, também permite o refluxo caudal da urina 42.
Há casos de urovagina e pneumovagina que só aparecem durante o estro, devido
ao
relaxamento
vaginais,
dos
ligamentos,
efeito dos estrogénios
42
tecidos
etc.,
por
. Por vezes
ocorre urovagina transitória pósparto, que normalmente se resolve
após involução uterina 3.
Imagem 22. Urovagina numa Égua 36.
29
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Diagnóstico:
O diagnóstico é feito por exploração vaginal
42
(com espéculo vaginal),
preferencialmente durante o estro.
O líquido acumulado na vagina é mais fluido que o muco originado durante o
estro, de cor mais amarelada e em maior quantidade
42
(Imagem 22). Análises
bioquímicas revelam a presença de creatinina, ureia e cristais de carbonato de cálcio
42
(mais frequentes), bem como pH alcalino.
Tratamento:
O tratamento deve ser instituído o mais cedo possível, pois em casos crónicos
pode ocorrer degenerescência endometrial permanente e infertilidade persistente 29.
Para as éguas estão descritas cinco técnicas cirúrgicas: a técnica de Monin
(1972), que consiste na translocação da prega uretral, a técnica de Brown (1978), a
técnica de Shires (1986) e a técnica de Mckinnon (1988), que produzem um
prolongamento da uretra, e ainda o método de Pouret (1982), que modifica a relação da
vulva com o ânus 42, por ressecção perineal 3.
Embora alguns autores refiram que nenhuma tem resultados satisfatórios
(Arthur, 1996), nas vacas estão descritas duas técnicas de uretroplastia: uma consiste no
prolongamento cirúrgico da uretra e a outra na criação de uma prega transversa
cranealmente ao meato urinário, de forma a impedir o refluxo da urina
42
. Nesta
técnica, forma-se uma prega craneal ao meato urinário que se mantem por pontos em U
horizontais, simples ou contínuos, de material não reabsorvível, na base da prega
42
.
Estes pontos serão retirados algum tempo depois. Há autores que recomendam
complementar esta técnica com uma episioplastia (descrita anteriormente) 42.
Por vezes a urovagina está associada a pneumovagina. Nestes casos, a resolução
cirúrgica desta resolveria também a primeira. O problema é que a urovagina pode
não ser secundária. Se assim for, não só não é resolvida pela episioplastia como esta
técnica impede a realização de outras técnicas para corrigir da urovagina 42.
Em seguida descrevem-se as principais técnicas usadas para a resolução desta
condição. As duas modalidades de uretroplastia estão descritas para a égua, embora
sejam aplicáveis à vaca, a cerclage da constrição himeneal está descrita para a vaca.
30
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
1. Uretroplastia
A uretroplastia por recolocação caudal da prega transversa (técnica de Monin)
consiste na sutura da prega transversal caudalmente e por cima do orifício uretral
externo, criando uma extensão uretral 29. A prega fica com forma de V, com o vértice
mais cranial, a não mais de 2 cm do chão vestibular 30. Em éguas com elevado declive
vaginal esta técnica não se revela eficaz 30.
Alternativamente, pode ser criado um canal que prolonga a uretra até à junção
mucocutânea, de modo a que a urina vá para o exterior. Esta técnica é preferível à de
Monin, e Brown (1978) refere que foi um sucesso em 16 de 18 éguas 29.
Preparação:
A cirurgia é feita com o animal em pé
29
, convenientemente contido e sob
anestesia epidural.
As fezes são retiradas do recto, a cauda é envolvida e presa numa posição
elevada. A área perineal é cirurgicamente preparada, e um cateter é introduzido na
bexiga para evitar contaminação do campo cirúrgico com urina 29.
Os lábios vulvares são afastados pelo uso de afastadores ou pontos de sutura 29.
Técnica:
Realiza-se uma incisão em forma de “V”, que se inicia lateralmente à abertura
da uretra, se continua cranealmente a esta para o outro lado 42, e depois caudalmente, de
ambos os lados do chão do vestíbulo até 1-3 cm da junção mucocutânea dos lábios
vulvares
19, 42
. Segue-se uma dissecação profunda da mucosa, dorsal e ventralmente,
para libertar dois “flaps” de cada lado. São então feitas três linhas de sutura separadas,
contínuas, com fio 2/0 de polipropileno, a nível médio: os dois “flaps” ventrais da
mucosa são suturados com os bordos invertidos e formam o tecto da nova uretra
(Imagem 23), os dois dorsais são suturados com os bordos evertidos e formam o chão
da nova vagina (Imagem 24), faz-se também uma sutura na submucosa entre estes dois
planos 19, 42 (esta opcional) 19, 29.
É importante que a dissecação seja suficientemente profunda para evitar
excessiva tensão nas linhas de sutura, e que estas sejam cuidadosamente efectuadas de
modo a evitar a formação de uma fístula, com a passagem de urina 42.
31
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Imagem 23. Aposição dos “flaps” ventrais 29. É
formado o tecto da nova uretra.
Imagem 24. Aposição dos “flaps” dorsais 29.
Pós-operatório:
O cateter é retirado no final da cirurgia, ou pode permanecer colocado durante
alguns dias
42
. Está indicada terapia antibiótica e anti-inflamatória, bem como
monitorização por exame rectal para assegurar que a bexiga se está a esvaziar
correctamente. As suturas não são removidas, mas a sua permanência não foi associada
a consequências adversas.
32
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
2. Cerclage da constrição himenial
Trata-se de um novo método proposto recentemente, que se revela mais simples
e com melhores resultados que os anteriormente descritos 42.
Estudando a fisiologia da micção na vaca podemos observar que para evitar o
refluxo urinário existem dois mecanismos. Um é a postura que o animal adopta ao
urinar, arqueando a coluna lombar, descendo a parte caudal da pélvis, flexionando as
extremidades posteriores e levantando a cauda. Este mecanismo mantém-se activo nas
vacas problema, excepto naquelas que sofreram graves traumatismos no parto. O outro
mecanismo é a elevação da parte craneal do vestíbulo vaginal (imediatamente craneal ao
meato urinário externo), pelo músculo vestibular, no momento de urinar. Este músculo
pode perder o tónus como consequência de um ou vários partos problemáticos. Além
disso, esta zona da constrição himenial pode estar muito distendida, pelo mesmo
motivo, e isto faz com que o músculo, mesmo estando funcional, não seja suficiente
para isolar a vagina do meato urinário 42.
O novo método consiste na reconstrução da constrição himenial, o que origina
uma redução da abertura vaginal semelhante à que se encontra nas novilhas virgens e
que origina uma separação quase total do vestíbulo vaginal da vagina propriamente dita,
solucionando a urovagina e a possível pneumovagina associada 42.
Preparação:
A anestesia é feita com uma injecção epidural de lidocaína a 2%. A ampola
rectal deve ser esvaziada, e a região perineal convenientemente lavada e desinfectada
com clorhexidina ou uma solução iodada. Um ajudante, com o auxílio de pinças,
mantém os lábios vulvares abertos, de modo a expor o campo cirúrgico. Isto pode
também ser feito recorrendo a afastadores ou pontos de sutura. A uretra deve ser
cateterizada 42.
Técnica:
Realiza-se uma incisão horizontal de 5 mm na parte caudal da constrição
himenial às “quatro horas” e introduz-se nela uma agulha de 10 cm de 1/4 de círculo,
montada com polidioxanona número 1. A agulha sai às “oito horas”, passando entre a
uretra e o chão da vagina. Reintroduz-se neste ponto e sai às “doze horas”, onde se volta
33
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
a introduzir para sair na incisão inicial, às “quatro horas”. É importante palpar com a
mão esquerda enquanto se avança a agulha com a direita (cirurgiões destros), para evitar
perfurar a uretra ou o recto. De seguida faz-se um nó de modo que a abertura vaginal só
permita a passagem de dois dedos. O nó deve ficar escondido na mucosa, como o resto
do fio. A sutura deve ser suficientemente profunda para evitar que a mucosa se rasgue
passado pouco tempo, o que implicaria o insucesso da cirurgia 42.
6.3.1. CASO CLÍNICO
A técnica descrita anteriormente foi aplicada numa vaca da vacaria da UTAD, à
qual foi diagnosticada urovagina.
Tratava-se de uma vaca de raça Holstein-Frísia, com cerca de 4 anos de idade.
Depois do segundo parto, há quase um ano e meio, não voltou a ficar gestante.
Foram feitas várias inseminações artificiais, sempre sem sucesso.
O exame do aparelho reprodutor revelou a acumulação de uma quantidade
significativa de urina na vagina.
Tratamento:
Após o diagnóstico da urovagina, esta foi corrigida recorrendo à técnica da
cerclage da constrição himeneal. As fotografias seguintes relatam a cirurgia.
Depois da tricotomia e preparação asséptica da zona sacrococcígea, foi feita uma
anestesia epidural baixa com lidocaína 2% (Imagens 25 e 26).
Imagem 25. Preparação da zona
sacrococcígea para administração da
anestesia epidural.
Imagem 26. Anestesia Epidural.
34
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
As fezes foram retiradas do recto, e a vulva e região perineal foram lavadas e
desinfectadas com clorhexidina (Imagem 27). A uretra foi cateterizada para evitar a
contaminação do campo cirúrgico com urina, e para evitar que esta fosse incluída na
sutura. (Imagem 28).
Imagem 27. Região perineal lavada e
desinfectada.
Imagem 28. Cateterização da uretra.
Com o auxílio de pinças, dois ajudantes mantêm os lábios vulvares abertos
expondo o campo cirúrgico. A imagem 29 é uma fotografia da vagina antes da
intervenção, as fotografias seguintes (Imagens 30 a 33) correspondem à execução da
técnica. De notar que com uma mão se palpa e com a outra se dão os pontos. A imagem
34 corresponde ao aspecto final da vagina.
Imagem 29. Aspecto da vagina antes da
intervenção.
Imagem 30. Execução da técnica. Com uma mão palpa-se e com a outra dão-se os pontos.
35
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Imagem 31. Execução da técnica. Confirma-se que os pontos estão no local certo.
Imagem 32. Execução da técnica. São dados mais
pontos.
Imagem 33. Execução da técnica. No fim são
dados nós para fechar a sutura.
Imagem 34. Aspecto da vagina no final da cirurgia.
Evolução do caso:
Fez-se o acompanhamento do caso durante cerca de 3 meses (até ao momento).
Embora em muito menor quantidade, ainda ocorre alguma acumulação de urina
na vagina.
Neste período de tempo a vaca foi inseminada duas vezes, ambas sem sucesso.
36
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6.4. PROLAPSO VAGINAL
Introdução:
Prolapso é a descida de um órgão, ou parte dele 8, da sua posição normal.
O prolapso vaginal começa pela formação de uma dobra no chão da vagina,
imediatamente craneal à união vestíbulo-vaginal. O incómodo causado por esta eversão,
juntamente com a irritação e a inflamação da mucosa exposta, provocam uma distensão
e agravamento do prolapso. Por fim, toda a vagina pode estar prolapsada e o colo do
útero ser visível na zona mais caudal do prolapso. A bexiga ou ansas intestinais podem
estar contidas na vagina prolapsada 2.
Afecta principalmente a vaca, a ovelha e a porca, sendo menos comum na égua e
na cabra 18. Tipicamente é uma condição de ruminantes na fase final da gestação 3 (no
último trimestre) 2. Também pode ocorrer no pós-parto, ou mesmo sem qualquer relação
com a gestação ou o parto 2.
Os prolapsos vaginais são recorrentes. Nas sucessivas gestações, aparecem cada
vez mais cedo e são cada vez mais severos, pelo que se torna aconselhável refugar as
vacas 17, 46.
Etiologia:
O prolapso ocorre devido ao relaxamento excessivo dos tecidos pélvicos antes
do parto, e ao aumento da pressão intra-abdominal
18
. Embora a sua causa exacta não
seja conhecida, há vários factores importantes no desenvolvimento desta condição 3.
Factores predisponentes:
Nos bovinos, os prolapsos vaginais são mais frequentes em determinadas raças:
Hereford, Santa Gertrudis e Holstein, sendo que na raça Hereford está comprovada a
componente genética
3, 17, 18, 23
. Nos ovinos as raças mais predispostas são Kerry Hill e
Romney Marsh 2.
37
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
São mais afectadas fêmeas pluríparas, pelo que a idade, as sucessivas gestações
e a perda de elasticidade muscular que implicam predispõem à ocorrência de prolapsos
3, 18
.
Outro factor importante é o elevado nível de estrogénio. Este pode ser devido a
produção endógena (nos últimos dois a três meses da gestação a produção pela placenta
é maior) 17, a um excesso de estrogénio na dieta, nomeadamente pela presença de alguns
trevos, ou a administração de componentes estrogénicos, geralmente na forma de
implamtes promotores do crescimento
2, 3, 18
. Altas concentrações de estrogénio levam
ao relaxamento dos ligamentos pélvicos e das estruturas anexas 17.
A frequência de prolapsos é maior em animais estabulados do que em animais
de pastoreio, o que indica a falta de exercício físico como um factor a ter em conta 2, 3.
Também predispõem ao prolapso as lesões prévias dos tecidos, a ingestão de
grandes quantidades de forragem de má qualidade, o excesso de gordura perivaginal,
gestações gemelares e timpanismo ruminal 3, 18, 23.
Sinais Clínicos:
O prolapso identifica-se pela presença de uma formação avermelhada e
cilíndrica a nível dos lábios vulvares
39
, que corresponde à eversão da vagina com
exposição da superfície mucosa 18.
Os prolapsos vaginais são classificados atendendo à duração, severidade e
prognóstico
17
. Num prolapso de primeiro grau só há protusão do chão da vagina, e
apenas quando a vaca está deitada (o prolapso desaparece quando esta se levanta) 17, 23.
A irritação constante e a dessecação conduzem, na maioria dos casos, a uma eversão
constante da mucosa vaginal 23.
Nos prolapsos de segundo grau o chão da vagina está constantemente
prolapsado, e nos de terceiro grau há exposição da vagina e da cérvix. O prognóstico é
reservado 17.
Um prolapso de quarto grau implica uma duração maior, e normalmente necrose
da mucosa vaginal exposta e aderências entre tecidos perivaginais, pelo que o
prognóstico se torna muito reservado 17.
38
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Imagem 35. Prolapso vaginal 46
numa Vaca.
Imagem 36. Prolapso vaginal (esquema) 16.
Quanto mais longe do parto o prolapso ocorre, mais severo tende a tornar-se,
pois a gestação avançada acentua a condição 3.
O órgão exposto é vulnerável a traumatismos e infecções
18
. A irritação
constante leva a contracções e esforços de expulsão, que aumentam o grau do prolapso
3
. Trombose, ulceração e necrose do órgão prolapsado, associadas a toxémia e
contracções severas, levam a anorexia, rápida deterioração da condição corporal, e
ocasionalmente morte 3.
O parto ou o aborto aliviam a condição, e podem levar à rápida recuperação do
animal 3.
Tratamento:
Os objectivos são o retorno dos tecidos à sua posição normal, a manutenção da
vagina na sua posição normal, e conseguir que o parto ocorra sem obstáculos 23.
O tratamento depende da severidade do prolapso. Pode ser suficiente elevar o
terço posterior e recolocar o prolapso, em casos ligeiros e intermitentes, ou podem ser
necessárias suturas de retenção 18.
Sob anestesia epidural, a massa prolapsada é lavada, lubrificada (a glicerina
proporciona lubrificação e reduz a congestão e o edema por acção osmótica) 2, e
recolocada mediante massagens
3,17, 18, 23
. A anestesia epidural não só dessensibiliza a
zona perineal, como também pára as contracções 3. Pode ser necessário cateterizar e
39
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esvaziar a bexiga, se esta está cheia e contida na massa prolapsada
2, 23
. Se há lesões
graves ou necrose da mucosa, deve ser feita uma ressecção submucosa antes de
recolocar a vagina 16.
Em prolapsos ligeiros, em que a vagina sofreu poucos danos, e especialmente se
o parto está próximo, este tratamento pode ser suficiente. Particularmente se a vaca for
estabulada num plano inclinado, que permita manter o terço posterior mais elevado 3, 18.
Para manter a vagina na posição normal são realizadas suturas de retenção. Estão
descritos vários padrões de sutura dos lábios vulvares
2, 18, 23
, no entanto a sutura
descrita por Bühner (1958) é uma das mais eficazes 2, 3, 23.
1. Sutura de Bühner
Sutura em bolsa de tabaco bastante larga, profundamente implantada no tecido
subcutâneo que rodeia a vulva, que simula a acção do músculo constritor do vestíbulo 23,
30
. É um método simples e eficaz na retenção de prolapsos vaginais e uterinos 30, tanto
em vacas como em ovelhas.
É necessário uma agulha especial (agulha perivaginal de Bühner), e fita de
sutura perivaginal 30.
Técnica:
Para
introdução
facilitar
da
a
grande
agulha, a cerca de 3cm da
comissura ventral da vulva é
feita uma incisão vertical de
2 cm 17. Pode ser feita outra
incisão entre a comissura
dorsal da vulva e o ânus 3, 30.
A agulha é introduzida na
incisão ventral e dirigida
dorsalmente, lateral à vulva,
tão profundamente quanto
possível 17, 30.
Imagem 37. Sutura de Bühner 30. a: prolapso vaginal de uma
Vaca; b: técnica para aplicação da sutura num dos lábios vulvares.
40
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Uma mão é colocada na vagina para guiar a agulha 30. A agulha deve sair entre a
comissura dorsal da vulva e o ânus (ou na incisão dorsal, se esta tiver sido feita)
(Imagem 37 b). A fita de sutura é então presa no olho da agulha e puxada até sair pela
incisão ventral 17. A fita é retirada da agulha, e esta é novamente introduzida na incisão
ventral e dirigida até à incisão dorsal, agora pelo lado oposto. A outra ponta da fita é
presa na agulha e puxada como se tinha feito do outro lado (Imagem 38 a). A fita agora
rodeia a vulva, com as duas pontas a emergirem na incisão ventral da pele 3, 30.
A fita é apertada (Imagem 38 b) de modo que possam ser introduzidos dois ou
três dedos 17, 30.
Imagem 38. Sutura de Bühner (continuação) 30. a: aplicação da sutura pelo outro lábio vulvar; b: aspecto
final (o nó pode ser facilmente desapertado).
As incisões feitas podem ser fechadas com uma sutura simples interrompida de
material não absorvível, para diminuir as hipóteses de infecção secundária em redor da
fita 30.
41
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Pós-operatório:
A sutura praticamente não causa reacção tecidular 3, no entanto o animal deve
ser vigiado para se desfazer o nó na altura do parto 30.
Além de ser de fácil execução, outra vantagem é que facilmente se desfaz o nó e,
se volta a atar, para inspecção vaginal e para o parto. É uma sutura forte, que não lacera
tão frequentemente como outros padrões de sutura e é bem tolerada pelos tecidos, pelo
que pode permanecer colocada durante vários meses
3, 30
. Por outro lado, o tecido
fibroso formado pela presença da fita é muitas vezes suficiente para prevenir futuros
prolapsos 17, 30.
O aspecto negativo é que se não for retirada ou desapertada no momento do
parto, invariavelmente origina distócia, pelo que é necessário vigiar o animal 17.
2. Outros Métodos
As suturas de colchoeiro verticais profundas (em U horizontais) devem ser
feitas com fio largo, como a fita umbilical ou a fita de Bühner, e devem ser colocados
protectores para evitar lacerações. Devem ainda ser feitas na junção dos lábios vulvares
com a pele do períneo, pois a pele dos lábios é demasiado fraca 17.
A primeira sutura é colocada 3 a 4 cm abaixo da comissura dorsal. A cada dois
ou três pontos devem colocar-se protectores sob o fio de sutura e apertá-los 17.
Apesar de ser uma sutura bastante segura, origina graves lesões vulvares se não
é removida na altura do parto 17.
A
técnica
do
“atacador”
(Imagem 39) consiste em aplicar três a
cinco pontos de sutura de cada lado da
vulva, de modo a criar umas ansas ou
presilhas. Deve ser usada fita umbilical
larga, e devem ser feitos na pele do
períneo (é mais resistente que a dos
lábios). Em seguida, passa-se uma gaze,
uma fita umbilical ou outro tipo de
cordão por estas presilhas de modo a
Imagem 39. Técnica do “atacador” 16.
42
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fechar a vulva 16, 17.
É uma técnica de rápida e simples execução, cuja principal vantagem é a
facilidade com que é removida, por exemplo para inspecção vaginal, e recolocada. No
entanto não dura muito, pelo que é preferida para animais que vão parir em uma ou duas
semanas 17.
Em casos crónicos, e que ocorrem muito tempo antes do parto estão descritas
técnicas cirúrgicas mais complexas 18.
A cirurgia de Caslick, descrita no tratamento da pneumovagina, também é útil
para reter prolapsos. No entanto tem de ser aplicada antes do animal apresentar
contracções, e tem de ser aberta antes do parto, sob pena de graves lesões vulvares 3, 17,
18
.
Farquharson (1949) aplicou com sucesso uma técnica que consiste basicamente
numa ressecção submucosa da parte prolapsada da vagina
3, 18
. A gestação e parto
subsequentes não são afectados e a cura é permanente 3.
Estão ainda descritas técnicas de fixação permanente, principalmente quando as
técnicas de retenção externa falharam 2, 30.
A descrita por Winkler em 1966 consiste na fixação da cérvix ao tendão prépúbico (cervicopexia), enquanto a técnica de Minchev consiste na fixação da vagina
(vaginopexia)
17, 18
. São suturas que podem permanecer muito tempo, não é necessário
retirá-las para o parto, e com o tempo criam-se adesões que tornam a fixação mais
permanente 17, 30.
43
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7. CONCLUSÃO
O parto é uma altura crítica para qualquer fêmea, pela quantidade de problemas
que podem acontecer e pelo “desgaste” que provoca no animal com o decorrer dos anos.
O animal gestante deve ser isolado quando o parto se torna eminente, para que
este ocorra num local tranquilo. Isto torna-se ainda mais importante na égua do que na
vaca. É importante que o local esteja convenientemente limpo.
Um animal em fim de gestação deve ser vigiado, pois é importante intervir
rapidamente caso o parto não corra da melhor maneira.
Relativamente às patologias expostas neste relatório, alguns autores consideram
que uma vaca tratada devido a um prolapso vaginal deve ser refugada. Isto porque,
muito provavelmente, a condição reaparecerá em gestações seguintes, tornando-se cada
vez mais grave, e porque pode ser hereditária 16, 17, 23.
Em casos de urovagina, o prognóstico depende da gravidade da endometrite
secundária e do sucesso da cirurgia 28.
O prognóstico para a correcção da pneumovagina é excelente, no entanto,
relativamente à fertilidade, este depende da extensão das alterações secundárias 28.
44
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
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47
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
ANEXOS
VI
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
Anestesia Epidural:
Anestesia regional obtida pela injecção de um anestésico no espaço
compreendido entre o canal ósseo raquidiano e a dura-máter (espaço epidural) 24.
Este método foi sugerido pela primeira vez por Corning, em 1885, que ao aplicar
uma injecção de uma solução de cocaína no conducto raquidiano de um cão anestesiou
os membros pélvicos 1.
São dessensibilizadas as raízes do nervo caudal após emergirem da dura-máter
30
. As fibras sensitivas anestesiam-se mais rapidamente que as motoras, e as do SNS são
menos susceptíveis 1. Trata-se de uma técnica puramente analgésica, pelo que o termo
analgesia é preferível 30.
Na prática de cirurgia em animais irracionais este tipo de anestesia é usado de
forma mais comum em bovinos e equídeos, e menos frequentemente nas outras espécies
1
.
A analgesia epidural pode ser classificada como alta ou baixa, de acordo com a
distância a que a solução analgésica se dispersa e a extensão da área dessensibilizada 30.
Diz-se que a anestesia epidural é baixa se o anestésico não chega ao segmento
sacrolombar, e alta quando passa esse segmento 1. Isto depende principalmente do
volume da solução injectada e da concentração e dispersão do agente analgésico 30.
Uma epidural baixa implica que o controle motor das patas traseiras não foi
afectado 30. A área anestesiada inclui o ânus, o períneo, a vulva e a vagina 25. O esfíncter
anal relaxará e a parte posterior do recto inchará. O tenesmo será aliviado e a tensão
obstétrica ficará impedida 30.
A injecção é feita no espaço sacrococcígeo ou no primeiro espaço intercoccígeo,
sendo este preferido por ser um espaço mais largo e mais facilmente perceptível 30 (por
movimentos ascendentes e descendentes da cauda). Após tricotomia e assepsia da zona,
uma agulha de 18 G é introduzida na linha média, perpendicularmente à pele 25 (Turner
refere um ângulo de 45º no caso dos bovinos, e de 30 ou 60 º nos equinos 30), até que a
sua ponta atinja o pavimento do canal espinhal. A agulha é então levemente retraída
para assegurar que a ponta não está no disco intervertebral
30
. Se há resistência ao
pressionar o êmbolo significa que a agulha não está correctamente colocada e a sua
posição terá de ser corrigida 1. A dose administrada de lidocaína a 2% ou mepivacaína é
de 0,5 até 1 ml/45 kg
30
(5 a 6 ml)
25
. Após um intervalo de 10 a 15 minutos, se
30
necessário, injecta-se mais solução .
VII
Clínica das Espécies Pecuárias – Cirurgias Correctivas
O efeito mínimo nos sistemas cardiovascular e respiratório, o pouco efeito sobre
os sistemas orgânicos, os poucos problemas com toxicidade, o bom relaxamento
muscular, a boa analgesia pós-operatória, a recuperação rápida, a simplicidade e o baixo
custo são vantagens desta técnica. No entanto torna-se tecnicamente difícil se o espaço
para a administração não for identificado e se o espaço sacrococcígeo estiver ossificado
nos animais velhos. As complicações (raras) incluem infecção resultando em supuração
ou paralisia permanente da cauda, possibilidade de ataxia ou colapso por dosagem
excessiva e hemorragia pela punção de um seio venoso 25.
Na epidural alta a técnica é a mesma, excepto que se administra uma maior
quantidade de agente analgésico: 1 ml/4,5 kg 30.
VIII