Anemia do Esportista

Transcrição

Anemia do Esportista
SPORTS SCIENCE EXCHANGE
8
Nutrição no Esporte
Número 8
Novembro/Dezembro - 1996
“Anemia do Esportista”: Terminologia Inadequada Para
Um Fenômeno Real
Edward R. Eichner, M.D.
Professor de Medicina e Professor Clínico de Patologia
Chefe do Setor de Hematologia, Departamento de Medicina
Centro de Ciência da Saúde, Universidade de Oklahoma
Conselho Consultivo Educacional, Gatorade Sports Science Institute
PONTOS FUNDAMENTAIS
1) Atletas tendem a apresentar baixas concentrações de hemoglobina em comparação à
população em geral. Tal fenômeno é conhecido como anemia do esportista.
2) A anemia do esportista costuma ser uma falsa anemia, causada pela diluição das hemácias,
resultante de um aumento no volume plasmático. Aparentemente, esse aumento no plasma
sangüíneo é uma adaptação benéfica ao exercício aeróbio.
3) Entretanto, atletas também podem desenvolver um quadro de anemia verdadeira, geralmente
causada por deficiência de ferro ou por hemólise por impacto. Se não tratadas, anemias
verdadeiras podem prejudicar o desempenho do atleta.
Glossário de Termos
pseudoanemia dilucional - exercícios
regulares provocam um aumento no volume de
plasma sangüíneo que dilui as hemácias e
baixa a concentração de hemoglobina.
ferritina - proteína armazenadora de ferro que
circula no sangue: o melhor indicativo da
quantidade de ferro armazenada no organismo.
Equação de Fick - expressão matemática do
débito cardíaco do sangue obtida ao medir-se o
conteúdo de oxigênio do sangue dividido pela
taxa de utilização do oxigênio pelo organismo.
INTRODUÇÃO
Comparados à população em geral, os atletas - principalmente os que participam de provas de
resistência - tendem a apresentar concentrações de hemoglobina levemente inferiores.
Em outras palavras, atletas tendem a ser ligeiramente anêmicos. Tal condição é freqüentemente
denominada “anemia do esportista”.
Entretanto, o termo “anemia do esportista” é, ao mesmo tempo, vago e inadequado. Vago
porque atletas podem desenvolver anemias não necessariamente relacionadas à atividade física.
Inadequado porque não se trata realmente de anemia, mas sim de uma falsa anemia causada por
um aumento no plasma sangüíneo que dilui a hemoglobina.
Assim, o termo “anemia do esportista” deveria cair em desuso. Ao invés disso, deveríamos
adotar termos específicos para diagnosticar as verdadeiras anemias que os atletas podem
desenvolver. A falsa anemia, tão comum em atletas que praticam provas de resistência, deveria
ser considerada um fenômeno de diluição.
Na prática, a baixa concentração de hemoglobina em um atleta dá margem a questões
fundamentais: Trata-se de anemia real? Neste caso, qual a causa? Qual o melhor tratamento?
haptoglobina - proteína plasmática presente no
sangue para combinar-se com a hemoglobina e,
posteriormente, levá-la até o fígado,
armazenando e reciclando o ferro.
hematócrito - volume de hemácias obtido
através da centrifugação de uma determinada
quantidade de sangue.
hemoglobina - pigmento das hemácias que
contém ferro. Transporta oxigênio dos pulmões
aos tecidos.
hemólise - destruição das células sangüíneas
com posterior liberação de hemoglobina para o
líqüido circundante.
plasma - porção amarelada e líqüida do
sangue.
reticulócito - hemácia jovem.
Como pode ser prevenida? Este artigo tenta responder tais perguntas ao considerar o modo pelo
qual o sangue se adapta aos treinamentos físicos e ao revisar os procedimentos utilizados no
diagnóstico e no controle de baixas concentrações de hemoglobina em atletas.
vênulas - veia que se prolonga de um capilar.
viscosidade - teor pegajoso do sangue.
REVISÃO DA PESQUISA
Esta revisão se concentrará em cada um dos
três fatores mais comuns que favorecem a
baixa concentração de hemoglobina em um
atleta: pseudoanemia dilucional, anemia por
deficiência de ferro e hemólise por impacto.
PSEUDOANEMIA DILUCIONAL
Atletas que participam de provas de resistência
tendem a apresentar concentrações de
hemoglobina mais baixas porque o aumento do
volume plasmático é uma das primeiras
adaptações do organismo ao exercício aeróbio
regular. Acredita-se que esse aumento de
volume do plasma seja uma adaptação benéfica
à perda de volume plasmático, que pode
ocorrer diariamente à medida que o atleta se
exercita.
A repetição das contrações musculares
durante exercícios exaustivos pode reduzir o
volume plasmático em aproximadamente
10 a 20% de três formas diferentes:
1) aumentam a pressão nos capilares ao
comprimirem as vênulas nos músculos;
2) produzem metabólitos, como ácido lático,
que aumentam a pressão osmótica no tecido
muscular que circunda os capilares. Tais forças
transportam a água do plasma para o interior
dos tecidos; 3) grande parte do líqüido perdido
sob a forma de suor vem do plasma. A redução
do volume plasmático provocada pelo
exercício leva à hemo-concentração. Por
exemplo, correr 2,4 quilômetros pode aumentar
o hematócrito em 5 a 12 por cento, e pedalar
vigorosamente por 10 minutos pode aumentar
a concentração de hemoglobina em cerca de 10
por cento 1 .
Para compensar a diminuição do volume
plasmático resultante do exercício, o
organismo libera renina, aldosterona e
vasopressina, que ajudam a reter água e sal.
Além disso, o sangue recebe mais albumina, o
que aumenta a pressão osmótica do plasma.
Tais adaptações ajudam a manter o volume de
líqüido extracelular e, conseqüentemente, a
aumentar o volume plasmático mínimo 2 .
Como resultado, esportistas que se exercitam
regularmente conseguem manter um volume
plasmático elevado, diluindo as hemácias e
diminuindo a concentração de hemoglobina.
Em outras palavras, atletas que se exercitam
com regularidade - principalmente os que se
dedicam a provas de resistência - desenvolvem
um quadro de pseudoanemia dilucional 3 .
Enquanto exercícios diários aumentam
rapidamente o volume plasmático, a
interrupção dos mesmos faz com que o volume
plasmático volte rapidamente ao nível normal
2 , 4 . Por exemplo, um ou dois dias de
exercícios intensos são suficientes para
aumentar o volume plasmático em 15% 4 .
Além disso, pedalar vigorosamente duas horas
por dia durante uma semana aumenta o volume
plasmático em aproximadamente 400 ml, sem
alterar o número de hemácias 2 . Este rápido
aumento do volume plasmático resultante da
prática de exercícios se normaliza em poucos
dias, mediante a suspensão dos exercícios
2 , 4.
O grau de pseudoanemia dilucional está
relacionado à quantidade de exercício.
Estima-se, por alto, que o aumento do volume
plasmático decorrente de um programa de
jogging moderado, de um treinamento militar
básico, de uma corrida de 20 dias em estradas
e do regime de um fundista de elite é de,
respectivamente, 5, 10, 15 e 20 por cento 3 .
Assim, atletas que praticam exercícios de
resistência apresentam aumento nos volumes
plasmáticos mínimos. Certos atletas de elite
também podem apresentar um aumento no
número de glóbulos vermelhos (massa de
hemácias). Em meados da década de 70, três
estudos realizados com fundistas de elite
verificaram um aumento de 18 por cento na
massa de hemácias 3 .
Entretanto, um estudo recente questionou
se o treinamento realmente aumenta a massa
de hemácias. Quando sete homens destreinados
pedalaram vigorosamente por duas horas
diárias durante oito semanas, o volume
plasmático aumentou, mas o mesmo não
ocorreu com a massa de hemácias. Na
realidade, nas quatro últimas semanas de
treinamento, verificou-se uma discreta
diminuição na massa de hemácias 5 .
Contudo, mesmo havendo um aumento na
massa de hemácias, a concentração de
hemoglobina pode continuar baixa, pois o
aumento do volume plasmático é
proporcionalmente maior do que o aumento da
massa de hemácias.
Na realidade, essa pseudoanemia
dilucional parece estar intimamente
relacionada à boa forma aeróbia. Era de se
esperar que uma concentração mais baixa de
hemoglobina por unidade de sangue
prejudicasse o desempenho físico máximo.
Entretanto, essa desvantagem potencial pode
ser completamente compensada pelo aumento
do volume sistólico cardíaco causado pelo
aumento do volume sangüíneo. Neste caso, a
equação de Fick prevê que a pseudoanemia
dilucional dos atletas aumentará o aporte de
oxigênio aos tecidos 6 .
Em suma, embora o atleta de elite possua
mais sangue, este apresenta baixa viscosidade.
Teoricamente, essa adaptação fisiológica
aumenta o aporte de oxigênio aos músculos.
Assim, a pseudoanemia dilucional dos atletas
parece ser benéfica, e não prejudicial. Pode,
inclusive, melhorar o desempenho máximo.
ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE FERRO
Deficiência de ferro é a causa mais comum da
verdadeira anemia em atletas (ou seja, uma
deficiência na quantidade total de hemácias ou
de hemoglobina circulante). Os primeiros
sintomas de anemia por deficiência de ferro
são a redução do desempenho máximo (com
náuseas e sensação de músculos pesados,
“queimando”) e o desejo intenso de consumir
bebidas geladas e vegetais crus e frescos.
O atletismo provoca anemia por
deficiência de ferro? Geralmente, não.
Aparentemente, a maioria dos atletas que
participam de provas de resistência não perdem
quantidades significativas de ferro através da
urina, suor ou fezes. Perde-se pouco ferro
através da urina porque raramente a hemólise
por impacto (apresentada abaixo) é
suficientemente grave para consumir toda a
haptoglobina, proteína plasmática que recupera
a hemoglobina (e o ferro) liberada pelas
hemácias. Embora as maratonas possam
esgotar a haptoglobina circulante, esta começa
a retornar aos níveis normais dentro de um ou
dois dias. Do mesmo modo, treinamentos de
alta quilometragem costumam reduzir o nível
de haptoglobina plasmática, em geral sem
esgotá-la 7 .
Embora alguns estudos tenham dado bastante
importância ao ferro perdido através do suor,
um detalhado e recente estudo considerou tal
perda insignificante. Se este estudo estiver
correto, um atleta teria que eliminar 50 litros
de suor por dia para perder o equivalente a 1
mg de ferro 8 .
Alguns atletas, como certos fundistas,
perdem ferro através do sangramento
intermitente do trato gastrointestinal e,
conseqüentemente, desenvolvem anemia por
deficiência de ferro 9 , 11 . Dados obtidos a
partir de 283 maratonistas revelam uma
variação de 0 a 11 por cento no número de
corredores que perderam sangue oculto antes
da prova, e de 13 a 30 por cento nos que
tiveram perda após a prova.
Nossos estudos recentes com fundistas e
com ciclistas profissionais durante a temporada
de treinos indicam a ocorrência de
sangramentos gastrointestinais ocultos em
aproximadamente 50 por cento dos atletas de
elite. Essa perda de sangue está relacionada à
C
D
40%
35%
A
B
PLASMA
HEMÁCIAS
45%
55%
A = Adulto normal: hematócrito = 45%
B = Atleta durante a atividade física; devido à contração muscular e à desidratação, o volume plasmático
diminui e o hematócrito sobe para 55%.
C = Atleta em repouso; devido à expansão do volume plasmático induzida pelo treinamento, o hematócrito cai
para 40% (Pseudoanemia dilucional).
D = Atleta com anemia verdadeira; devido à diminuição da massa (ou volume) de hemácias, o hematócrito cai
para 35%.
(Observação: a massa ou volume de hemácias é a mesma para os exemplos A, B e C. As diferenças nos
hematócritos resultam das diferenças nos volumes plasmáticos).
corrida, não aos treinos, e o volume sangüíneo
perdido costuma ser pequeno. Assim, pode-se
concluir que o sangramento gastrointestinal
não parece ser uma causa importante da perda
de ferro na maioria dos atletas.
Outra questão fundamental na hematologia
do esporte é: a escassez de ferro sem anemia
compromete o desempenho atlético? Estudos
mal interpretados realizados com animais
indicam que sim. Em tais estudos, uma dieta
deficiente em ferro fez com que os roedores
desenvolvessem anemia grave. Em seguida, os
ratos que apresentaram deficiência de ferro
foram submetidos à transfusão de sangue e à
prática de exercícios. Embora a transfusão
tenha acabado com a anemia, os músculos
desses animais permaneceram com grave
deficiência de ferro, o que resultou em mau
desempenho. Esses protocolos não examinaram
os efeitos dos estágios iniciais de carência de
ferro sem anemia.
A questão importante é saber se o
desempenho de atletas que apresentam baixas
reservas de ferro, mas que ainda não estão
anêmicos, encontra-se comprometido. Apesar
de polêmica e de necessitar de pesquisas mais
detalhadas, a resposta é provavelmente não. Os
níveis de ferritina plasmática (ferro combinado
à proteína) de fundistas são realmente
inferiores aos da população em geral. Devido à
hemodiluição e à transferência de ferro
armazenado para o interior de músculos
maiores e, possivelmente, para um número
maior de hemácias, 20 a 30 microgramas de
ferritina por litro pode ser considerado normal
para um maratonista. Entretanto, quando não
há anemia verdadeira, o desempenho parece
normal.
Um estudo recente é a melhor prova de que
baixas reservas de ferro, não acompanhadas de
anemia, não prejudicam o desempenho 13 .
Induziu-se um quadro de anemia por
deficiência de ferro retirando-se sangue de
homens saudáveis, sendo a anemia resultante
corrigida através de transfusão. A força aeróbia
máxima, resistência nas corridas e atividades
músculo-enzimáticas dos sujeitos
permaneceram normais 13 . Do mesmo modo,
a terapia à base de ferro não melhorou o
desempenho de maratonistas do sexo feminino
que apresentavam baixos níveis de ferritina,
mas que não estavam anêmicas 14 .
Em contrapartida, estudos que afirmam
que a terapia à base de ferro (versus a terapia
de placebo) melhora o desempenho de atletas
não anêmicos com baixos valores de ferritina,
sempre acabam mostrando um aumento na
hemoglobina do grupo tratado com ferro. Em
outras palavras, os sujeitos realmente estavam
anêmicos.
Em suma, não há motivos sérios para
acreditar que a escassez de ferro desassociada
de anemia prejudique o desempenho do atleta.
HEMÓLISE POR IMPACTO
A hemólise resultante do impacto dos pés contra
o solo também pode favorecer, de certa forma, o
desenvolvimento da verdadeira anemia em
atletas - principalmente em fundistas. Há pelo
menos um século sabe-se que o impacto dos
pés contra o solo pode destruir as hemácias
normais presentes na corrente sangüínea.
Na hemólise por impacto as hemácias
destruídas liberam hemoglobina, que
posteriormente se combina à haptoglobina
plasmática. Em seguida, a haptoglobina leva
hemoglobina ao fígado, onde o ferro é
armazenado. Contudo, o conteúdo plasmático
de haptoglobina pode se esgotar quando
grandes quantidades de hemácias forem
destruídas. Na realidade, o nível de
haptoglobina plasmática pode cair a zero se a
quantidade de hemácias destruídas for superior
à normalmente encontrada em apenas 20 ml de
sangue.
Quando a haptoglobina se esgota, a
hemoglobina liberada pelas hemácias lesadas
mistura-se à urina, conferindo-lhe uma
coloração que varia do vermelho ao marrom
escuro (hemoglobinúria). Isso pode ocorrer
durante uma maratona, por exemplo. A
hemoglobinúria também pode se manifestar em
outros esportes de impacto, como o caratê.
Sabe-se também que um leve grau de
destruição de hemácias (sem hemoglobinúria)
também pode ocorrer em nadadores fundistas,
apesar da ausência de contato físico. Acreditase que a hemólise em nadadores resulte da
microturbulência do fluxo sangüíneo nos
músculos em movimento 16 .
Pesquisas têm demonstrado que, embora o
uso de calçados que amorteçam o choque dos
pés contra o solo durante a corrida possa
reduzir a hemólise por impacto, sua
contribuição é pouco significativa nos casos de
anemia verdadeira. Mais importante, quando
realmente ocorre, a hemólise por impacto pode
limitar o aumento de massa de hemácias
induzido pelos treinos, que permite ao corredor
de elite atingir o desempenho máximo.
Fundistas de elite, por exemplo, não são
imunes à hemólise por impacto. A melhor
prova disso é um estudo de dois anos do perfil
de nove corredores de elite que se prepararam
para os Jogos Olímpicos de 1984.
Embora apenas dois apresentassem baixas
concentrações de hemoglobina (13,4 e 14,1 g/dl,
respectivamente), sete possuíam indícios
hematológicos de hemólise por impacto:
reticulocitose (aumento de hemácias jovens)
e/ou baixas concentrações de haptoglobina
plasmática 17 .
Felizmente a hemólise por impacto não é
um grande problema para a maioria dos
corredores. O grau de hemólise varia de acordo
com a intensidade e freqüência da corrida,
embora geralmente permaneça ameno. Desta
forma, não acaba com as reservas de ferro e
provavelmente não é um fator fundamental
para o desenvolvimento da verdadeira anemia.
Deficiência de ferro é uma causa muito mais
importante da anemia em atletas.
APLICAÇÕES PRÁTICAS
Um atleta com baixa concentração de
hemoglobina sofre de pseudoanemia ou de
anemia verdadeira? A tabela abaixo contém,
em linhas gerais, observações clínicas
associadas à suspeita de anemia verdadeira em
atletas. Se a taxa de hemoglobina se encontra
abaixo de 13 g/dl em homens ou 11 g/dl em
mulheres, deve-se suspeitar de anemia
verdadeira.
Qualquer classificação arbitrária desse tipo
deve ser corrigida para um valor superior, caso
os corredores treinem em locais de grande
altitude. Além disso, o único meio de se
certificar de que a concentração limítrofe de
hemoglobina em um indivíduo seja realmente
anemia verdadeira, é comparando-a com o
valor normal (mínimo) dessa pessoa.
O que deve ser feito caso a concentração
de hemoglobina insinue a presença de anemia
verdadeira? O médico deve observar o volume
globular médio (VGM) e a descrição do
tamanho das células em esfregaço sangüíneo.
Os dois fatores que mais contribuem para o
desenvolvimento da anemia em atletas deficiência de ferro e hemólise por impacto caracterizam-se pela presença de hemácias ou
muito pequenas ou grandes demais,
respectivamente. Por exemplo, se o nível de
hemoglobina variar de 10 a 11 g/dl e o VGM
for de no máximo 85 fl, é bem provável que se
trate de um caso de anemia por deficiência de
ferro, embora talassemia menor, doença
sangüínea hereditária, também justifique tais
dados. Uma concentração de ferritina no
plasma inferior a 10 - 15 mg/l confirma o
diagnóstico de anemia por deficiência de ferro.
Se o VGM for no mínimo 95 fl, a causa será
provavelmente hemólise por impacto.
Contagem elevada de reticulócitos e queda na
concentração de haptoglobina ajudam a
confirmar tal diagnóstico.
A pseudoanemia dilucional observada, até
certo ponto, na maioria dos atletas não requer
tratamento - é um sinal de saúde, não de
doença. Não pode ser prevenida nem revertida
através da administração de ferro suplementar,
embora desapareça em poucos dias, caso o
atleta pare de se exercitar 3 .
O primeiro passo no tratamento da anemia
por deficiência de ferro é identificar a causa da
perda de sangue ou de ferro. A causa mais
comum de anemia por deficiência de ferro em
homens é o sangramento gastrointestinal
resultante de lesões benignas ou malignas.
Nas mulheres, a causa mais comum é uma
dieta pobre em ferro, que não compensa a
perda através da menstruação. Como foi
mencionado acima, o atletismo pode contribuir
ou não para a presença da anemia por
TABELA 1.
Anemia Verdadeira Em Controles Normais, Esportistas Moderados e Atletas Aeróbios de Elite (Valores
de Hemoglobina abaixo dos mencionados a seguir são fortes indicativos de 95 por cento de certeza de
anemia verdadeira).
Valores de hemoglobina (g/dl)
Homens
Mulheres
Controles normais
14,0
12,0
Esportistas moderados
13,5
11,5
Atletas aeróbios de elite
13,0
11,0
deficiência de ferro em certas pessoas.
Provavelmente a deficiência de ferro
poderia ser evitada na maioria dos atletas se
estes prestassem maior atenção em suas dietas.
Para aumentar a ingestão de ferro, deve-se:
(1) Consumir mais carnes vermelhas magras
ou carne escura de frango; (2) Melhorar a
absorção do ferro encontrado em pães e cereais
substituindo o café ou chá que acompanha as
refeições por uma fonte de vitamina C
(por exemplo, suco de laranja); (3) Cozinhar,
de vez em quando, em panelas e frigideiras de
ferro fundido; (4) Consumir aves ou frutos do
mar com feijões ou ervilhas secas - a proteína
animal aumenta a absorção do ferro presente em
legumes e verduras.
Fundistas, especialmente mulheres, com
problemas de deficiência recorrente de ferro
devem ingerir um suplemento de ferro (sulfato
ferroso, 325 mg) duas ou três vezes por semana.
A prova final de deficiência de ferro é a
normalização da concentração de hemoglobina
após tratamento à base de ferro. Médicos que
não têm certeza se estão lidando com os baixos
níveis de hemoglobina e ferritina característicos
da pseudoanemia dilucional ou com uma
anemia por deficiência de ferro em fase inicial,
devem receitar ferro (325 ml de sulfato ferroso,
três vezes por semana) por 1 - 2 meses. Se os
níveis de hemoglobina não aumentarem após 1
ou 2 meses, o atleta não está com anemia por
deficiência de ferro e, portanto, a administração
do suplemento de ferro deve ser suspensa.
O melhor tratamento para a hemólise por
impacto é a prevenção. No caso de corredores,
tal tipo de hemólise pode ser amenizada
através de: (1) Diminuição do excesso de peso
corporal; (2) Correr em superrfícies de pouco
impacto, como gramados, trilhas ou estradas de
terra; (3) Usar tênis acolchoados.
REFERÊNCIAS
1 Eichner, E.R. Antithrombotic effects of exercise. Am. Fam. Phys. 36:207-211,1987.
2 Convertino,V.A., Brock, P.J., Keil, L.C., et al. Exercise training-induced hypervolemia: role of plasma
albumin, renin, and vasopressin. J.Appl.Physiol. 48:665-669.1980.
3 Eichner, E.R.The anemias of athletes. Phys.Sportsmed., 14(9):122-130,1986.
4 Green, H.J.,Hughson, R.L.,Thomson, J.A., Sharratt, M.T. Supramaximal exercise after training induced hypervolemia. J.Appl.Physiol. 62:1944-1953,1987.
5 Green, H., Coates, J., Sutton, J., Jones, S. Time course changes in blood volume and hematology
during extreme endurance training. Med. Sci. Sports Exerc. 20(2Suppl): 77,1988 (abstract).
6 Eichner, E.R. Other medical considerations in prolonged exercise. In: Perspectives in Exercise
Science and Sports Medicine, Volume 1, Prolonged Exercise, D. Lamb, R. Murray, (Eds.) Indianapolis,
IN: Benchmark Press, pp. 415-440,1988.
7 Martin, D.E.,Vroon, D.H., May, D.F., et al. Physiological changes in elite male distance runners
training for the Olympic Games. Phys. Sportsmed. 14(1):152-171,1986.
8 Brune, M., Magnusson, B., Persson, H., Halberg, L. Iron losses in sweat. Am. J. Clin. Nutr.
43:438-443,1986.
9 Scobie, B.A. Recurrent gut bleeding in five long-distance runners. N. Z. Med. J. 98:966,1985.
10 Schoch, D.R., Sullivan, A.L., Grand, R.J., Eagan, W.F. Gastrointestinal bleeding in and adolescent
runner. J. Peds. 111:302-304,1987.
11 Cooper, B.T., Douglas, S.A., Firth, L.A., et al. Erosive gastritis and gastrointestinal bleeding in a
female runner. Gastroenterology 92:2019-2023,1987.
12 Moses, F.M., Brewer, T.G., Peura, D.A. Running - associated proximal hemorrhagic colitis.
Ann. Intern. Med. 108:385 - 386,1988.
13 Celsing, F., Blomstrand, E.,Werner, B., et al. Effects of iron deficiency on endurance and muscle
enzyme activity in man. Med. Sci. Sports Exerc. 18:156-161,1986.
14 Matter, M., Stittfall, T., Graves, J., et al. The effect of iron and folate therapy on maximal exercise
performance in female marathon runners with iron and folate deficience. Clin. Sci. 72:415-422,1987.
RESUMO
Baixa concentração de hemoglobina é um
problema para o atleta, uma vez que a anemia
verdadeira reduz o desempenho atlético.
Entretanto, a causa mais comum de “anemia”
em atletas é a pseudoanemia dilucional,
resultante de um aumento no volume do
plasma sangüíneo. Por ser uma resposta
adaptativa ao exercício aeróbio, não se trata de
um fator prejudicial, e sim benéfico - um
componente fundamental para a boa forma
aeróbia, que parece aprimorar o desempenho.
Contudo, às vezes a baixa concentração de
hemoglobina acusa uma deficiência de ferro
e/ou hemólise por impacto - os dois fatores que
mais favorecem o aparecimento da verdadeira
anemia em atletas. Neste caso, diagnóstico
precoce, tratamento adequado e prevenção
podem ser fundamentais para se recuperar o
desempenho máximo.
15 Rowland, T.W., Deisroth, M.B., Green, G.M., Kelleher, J.F. The effect of iron therapy on the exercise
capacity of nonanemic iron-deficient adolescent runners. Am. J. Dis. Child 142:165-169,1988.
16 Selby, G.B., Eichner, E.R. Endurance swimming, intravascular hemolysis, anemia, and iron
depletion. Am. J. Med. 81-791-793,1986.
17 Eichner, E.R. Runner’s macrocytosis: a clue to footstrike hemolysis. Am. J. Med. 78:321-325,1985.
* Este material foi traduzido e
adaptado do original em inglês S.S.E.
volume 1, número 6.
Para maiores informações, escreva
para:
Gatorade Sports Science Institute™ /
Brasil
Caixa Postal 55085
CEP 04799-970
São Paulo-SP
8
SPORTS SCIENCE EXCHANGE
ANEMIA EM ATLETAS
Anemia, ou número insuficiente de hemácias
normais, é definida como uma redução dos níveis
de hemoglobina ou de hematócrito. Contudo, a
causa mais comum do baixo nível de hemoglobina
ou hematócrito em um atleta é o aumento do
volume de plasma sangüíneo, parte aquosa do
sangue. Trata-se de uma falsa anemia, uma vez
que as hemácias encontram-se simplesmente
diluídas, e não em número insuficiente. Na
realidade, este aumento do plasma sangüíneo pode
acabar contribuindo para um melhor desempenho
do atleta ao: 1) fornecer um quantidade extra de
líqüido para compensar a perda de calor através do
Valores de hemoglobina (g/dl)
suor e 2) expandir o volume sangüíneo (ao mesmo
tempo em que dilui o sangue) para que o coração
possa bombeá-lo mais facilmente até os músculos.
Entretanto, caso os níveis de hemoglobina
encontrem-se abaixo dos apresentados na tabela
a seguir, tais atletas terão 95% de chance de
estarem sofrendo de anemia verdadeira. Na
realidade, se a concentração de hemoglobina
anterior ao treinamento for alta, os atletas poderão
apresentar anemia verdadeira durante os treinos,
mesmo se a hemoglobina for superior aos valores
mínimos mostrados aqui: (Ver tabela).
Homens
Mulheres
Controles normais
14,0
12,0
Esportistas moderados
13,5
11,5
Atletas aeróbios de elite
13,0
11,0
A causa mais freqüente de anemia verdadeira em atletas é a deficiência de ferro. Para cortá-la pela raiz,
escolha, dentre os alimentos abaixo, aqueles que são boa fonte de ferro. Os Níveis Diários Recomendados
(RDA) são 10 mg/dia e 18 mg/dia para homens e mulheres, respectivamente.
Fontes de ferro
Quantidade
Ferro (miligramas)
Fígado (frango)
85 g
6
Fígado (boi)
85 g
7
Costelela de porco
85 g
4
Carne bovina
85 g
3,5
Ameixas secas
280 g
2
Peru (carne escura)
85 g
2
Espinafre cozido
1/2 xícara
2
Damascos secos
10 metades
1,5
Suco de ameixa
1/2 xícara
1,5
Frango (carne escura)
85 g
1
Tâmaras secas
280 g
1
Fonte: Food Values of Portions Commonly Used, Pennington & Church, J.B. Lippincott Co. Philadelphia, 1985.

Documentos relacionados

AnemiA em AtletAs vegetAriAnos - Revista Contra

AnemiA em AtletAs vegetAriAnos - Revista Contra copo de suco de laranja após as refeições. É importante salientar que atletas podem desenvolver uma condição denominada pseudoanemia dilucional. A mesma é provocada pelo aumento no volume de

Leia mais

sumário - Grupo A

sumário - Grupo A Defeitos na membrana do eritrócito............................................ 131 Hemoglobinopatias..................................................................... 136 Deficiências enzimática...

Leia mais