Faça o do livro virtual

Transcrição

Faça o do livro virtual
Laços de Família:
Etnias do Brasil
Family Ties:
Ethnic groups in Brazil
2
Laços de Família:
Etnias do Brasil
Family Ties:
Ethnic groups in Brazil
Este livro foi publicado com benefício
da Lei de Incentivo à Cultura nº- 8.313,
do Ministério da Cultura.
This book has been published under
the auspices of the Law of Cultural
Incentive, no. 8313, Ministry of Culture.
A SBD agradece a todos os patrocinadores
SBD is grateful to all sponsors
Diversidade étnica do Brasil e o Centenário da SBD
Brazil’s Ethnic Diversity and SBD’s 100th Anniversary
A participação no Projeto Cultural do Centenário da Sociedade Brasileira de
Dermatologia – SBD é motivo de grande satisfação para a Colgate-Palmolive, por
meio da marca Protex. Presente nos lares brasileiros desde a década de 1980,
Protex sempre teve o compromisso de cuidar da saúde da população de seu país
sendo a favor de causas capazes de gerar grandes transformações.
O Projeto do Centenário enaltece a diversidade étnica do Brasil e a saúde
da pele, com o propósito de democratizar o conhecimento. E Protex apoia esta
iniciativa inédita, pois acredita que a comunicação e a interação com a população também se dão por meio da arte, cultura, fotografia e história.
A Sociedade Brasileira de Dermatologia é reconhecidamente importante
referência no exercício da dermatologia no país com ética e competência. Parabéns a todos da SBD pela nobre missão e por este memorável aniversário.
Participation in the Cultural Project of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD’s 100th Anniversary is motive of great satisfaction for Colgate-Palmolive,
through the Protex brand. A household name in Brazil since the 1980s, Protex has
always been committed to caring for the country’s population health, supporting
causes that are capable of major transformations.
The 100th Anniversary Project exalts Brazil’s ethnic diversity and healthy skin,
and aims to democratize knowledge. Moreover, Protex supports this unprecedented
initiative because it believes communication and interaction with the population also
occur through art, culture, photography, and history.
The Sociedade Brasileira de Dermatologia is recognized as an important reference
in the exercise of dermatology in the country with ethics and competence. Congratulations to all at the SBD for their noble mission and for this memorable anniversary.
Realização
Realization
PATROCINADOR
SPONSOR
PROJETO
project
COPATROCINADORES
COSPONSORS
APOIO Institucional
Institutional Support
APOIO
SUPPORT
Diferentes olhares do conhecimeto
Different Ways of Looking at Knowledge
O
O ser humano é, em grande parte, produto do seu meio. Essa é a
premissa que norteou o estabelecimento do foco da presente obra,
que traz leituras diversas sobre o fenômeno do sincretismo e da miscigenação do povo brasileiro como traço inerente e potencializador
de sua própria trajetória.
Aspectos socioeconômicos, políticos, culturais e biológicos
são aqui levantados, sem a pretensão de esgotar qualquer reflexão ou
mesmo fazer prevalecer este ou aquele ponto de vista. O objetivo é,
antes, apresentar diferentes olhares sobre questões fundamentais
para a construção da identidade brasileira, como diversidade étnica,
que, por sua vez, remete aos aspectos mais elementares relacionados
à pele humana e sua influência como fator determinante de múltiplas experiências de vida – estéticas, sexuais, etárias, religiosas, de
classe, de gênero etc. – desde os primórdios da humanidade.
Do ponto de vista da história da sociedade brasileira, a questão
da pele esteve na ordem do dia entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX, não por acaso quando o país buscava
firmar sua identidade. Doenças carregadas de alto teor de preconceito, como sífilis e lepra ou hanseníase, cuja incidência atingia patamares epidêmicos em razão do desordenado processo de urbanização e da progressiva concentração de pessoas nas grandes cidades,
eram veementemente combatidas por uma medicina cada vez mais
adepta do discurso científico e imbuída do ideal de progresso que
culminou com o perfil da sociedade existente nos dias de hoje.
Ainda na seara específica da medicina e da saúde pública, o
olhar sobre a evolução da dermatologia no Brasil, que teve na criação e na atuação da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD
importantes balizadores ao longo do tempo, permite aprofundar a com­
­preensão das especificidades da pele do povo brasileiro e seu papel-chave no direcionamento dos estudos desenvolvidos nessa área.
Os textos de especialistas em história, antropologia, sociologia
e dermatologia são complementados pelo registro fotográfico de
cidadãos brasileiros, especialmente crianças e idosos de diferentes
regiões do país, feito por profissionais de renome que se preocuparam em evidenciar, por meio dos mais diferentes traços biológicos,
os processos de miscigenação e aculturação que marcam a constituição étnica e o retrato do Brasil atual.
Boa leitura e boas descobertas a todos.
Tempo&Memória / Arte do Tempo
H
Human beings are mostly a product of their own environment. That
assumption has guided the focus of this work, which provides a number of readings about the phenomenon of syncretism and miscegenation of the Brazilian people as an inherent and potentiating trait of
their own course.
Socioeconomic, political, cultural, and biological aspects are addressed in this work, with no intention of exhausting any reflections or
making a specific point of view prevail over others. First and foremost,
our objective is to present different perspectives about questions that
have been fundamental to construct the Brazilian identity as a result
of ethnical diversity, which, in turn, refers to the most elementary
aspects related to the human skin and its influence as a determining
factor of multiple life experiences – aesthetical, sexual, age-related, religious, class- and gender-related – from the earliest origins of mankind.
From the point of view of the history of the Brazilian society, the
fact that the skin issue was at the top of the agenda between the late
19th century and the early 20th century, when the country was seeking
to establish its identity, was not fortuitous. Diseases burdened with
intense prejudice, as syphilis and leprosy – or Hansen’s disease – the
incidence of which reached epidemic levels as a result of a disorderly
urbanization process and a growing concentration of people in large
cities, were fought energetically by a type of medicine increasingly
based on scientific speech and imbued with an ideal of progress that
culminated in the profile of the currently existing society.
Still in the specific sphere of medicine and public health, a glance
at the evolution of dermatology in Brazil – whose guiding beacon in
the course of time was the creation and the initiatives of the Sociedade
Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology)
– will help to understand the particulars of the skin of the Brazilian
people and their key role in guiding the studies developed in that area.
Texts by specialists in history, anthropology, sociology, and dermatology are complemented by photographic records of Brazilian citizens, especially children and the elderly from different parts of the
country, produced by renowned professionals who endeavored to evidence, by means of the most diverse biological traits, the miscegenation
and acculturation processes that mark the ethnical constitution and
the current portrait of Brazil.
Enjoy your reading and your findings.
Tempo&Memória / Arte do Tempo
Sumário
Table of Contents
A utopia do progresso e da modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
The Utopia of Progress and Modernity. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Sociedade, saúde e medicina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Society, Health, and Medicine. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
39
Ensaio sobre a pele.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Essay on the Skin. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
61
Harmonia e conflito entre as cores do Brasil étnico: do real ao simbólico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Harmony and Conflict in the Colors of Ethnical Brazil: From Real to Symbolic. . . . . . . . . . . . . . . . . .
79
A longevidade e os desafios da dermatologia no século XXI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Longevity and the Challenges Facing Dermatology in the 21st Century. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Laços de família : etnias do Brasil = Family ties :
ethnic groups in Brazil / organização da
Editora ; [versão para o inglês Luiz Antonio
Pedroso Rafael]. – São Paulo : Tempo & Memória,
2012.
Edição bilíngue: português / inglês
Bibliografia.
1. Características nacionais brasileiras
2. Cultura – Brasil 3. Famílias – Brasil 4. Grupos
étnicos – Brasil I. Título: Family ties : ethnic
groups in Brazil.
11-14110CDD-306.089698
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Cultura e etnias : Antropologia
cultural : Sociologia 306.089698
2. Brasil : Etnias e cultura : Antropologia
cultural : Sociologia
306.089698
88
A pele e a vida no fluxo do tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Skin and Life in the Flow of Time. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
95
Marcio Scavone. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
98
Ary Diesendruck.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
110
José Caldas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
122
Gal Oppido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
134
Patricia Gouvêa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
146
9
As transformações políticas e econômicas que ocorreram
na Europa no final do século XIX abriram espaço para a
ampliação das conquistas industriais e a expansão dos negócios entre os países, introduzindo o mundo nas práticas
capitalistas. O clima de otimismo e confiança no progresso e no futuro estendeu-se à moral, aos costumes e à cultura das sociedades.
No Brasil, a abolição da escravatura e a deposição da
monarquia marcaram a transição para o século XX. A aliança
dos militares com os cafeicultores paulistas, ambos ávidos
para ampliar sua participação política, culminou com o
golpe da proclamação da república e o consequente fortalecimento das velhas oligarquias. Os militares, recalcados
pela posição secundária a que foram relegados, buscavam o
reconhecimento de sua presença na política, negada pela
monarquia. Os cafeicultores, por sua vez, detinham o poder
econômico da nação, já que os engenhos do Nordeste estavam em franca decadência por causa de uma conjuntura
internacional desfavorável e pela introdução de outras culturas na região. Sem condições financeiras, viam-se impossibilitados não só de implementar qualquer modernização
em suas estruturas como de promover a transição da mão
de obra escrava para a assalariada. São Paulo, portanto, com
sua lavoura cafeeira em ascensão, era o cenário privilegiado
para as mudanças econômicas, sociais e urbanísticas; assim,
nada mais natural que os paulistas reivindicassem igualdade de representação política entre as províncias. O imperador dom Pedro II, porém, negou, e o Império perdeu o
apoio de São Paulo, sinalizando o fim tardio da monarquia
no Brasil, cem anos depois da Revolução Francesa.
Avenida Central, no Rio de Janeiro, na década de 1910.
Avenida Central in Rio de Janeiro in the 1910s.
Foi um dos símbolos da reurbanização comandada pelo
It was one of the symbols of the reurbanization led by Mayor
prefeito Francisco Pereira Passos, entre 1902 e 1906.
Francisco Pereira Passos between 1902 and 1906.
Os ideais de modernização e progresso que os ventos
traziam da Europa passaram, então, a nortear a construção
da unidade política e cultural brasileira, centrada no fortalecimento da identidade nacional. A República, empenhada na divulgação de uma imagem civilizada do país, sobretudo no campo da ciência e do urbanismo, iniciou, sem
nenhum planejamento, um crescimento acelerado e desordenado, que resultou nas péssimas condições de vida de
uma população formada por pessoas recém-saídas de uma
sociedade escravocrata e miscigenada e por imigrantes.
As novas estruturas comerciais e financeiras modificavam as feições e características de várias cidades brasileiras,
sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro. Com a intensificação
da migração, esses centros urbanos transformavam-se em
aglomerados de pessoas de origens e condições sociais
diversas que vinham em busca de oportunidades de trabalho. No entanto, esse crescimento acelerado, por um
lado, refletia progresso e desenvolvimento e, por outro,
denunciava a falta de infraestrutura e o despreparo das
cidades para alcançar a tão almejada modernidade.
O desenvolvimento
e a modernização dos grandes centros
Os grandes centros apresentavam diferentes características no final do século XIX: Rio de Janeiro e São Paulo
mostravam seu potencial produtivo e um acelerado processo de industrialização e modernização, enquanto Salvador e
Recife mantinham-se nos padrões tradicionais, recuperando-se da decadência da lavoura açucareira e tentando uma
reação com o cultivo do cacau. Na região Norte, a borracha
ampliava suas fronteiras e entrava para a era da industrialização após a invenção do pneumático, em 1890. Belém e
Manaus viviam a Belle Époque, com a inauguração do Teatro Amazonas, em 1896, testemunhando o período áureo
do ciclo da borracha. Arquitetos, pintores, construtores foram trazidos da Europa para a realização da obra, com material importado, exceto as cadeiras e o piso, confeccionados
com material local, sob rigorosa supervisão dos europeus.
Eixos do movimento de modernização inspirado nos
ideais republicanos, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro,
a capital federal, incrementavam as ações de remodelação
urbana. O café transformou São Paulo, tirando-o da condição de província culturalmente atrasada. A cidade já vinha
se preparando para atender ao volume de negócios gerados
pelos capitalistas do interior, que, não raro, optavam por ali
fixar residência. A necessidade de escoamento do café para o
porto de Santos demandou não só o alargamento de ruas e
avenidas como a expansão do sistema ferroviário. A paisagem e o ritmo da cidade se modificaram. As velhas construções coloniais foram demolidas para dar lugar a igrejas, prédios e palácios, dos quais sobressaíam as obras do arquiteto
Ramos de Azevedo; praças e jardins foram remodelados,
avenidas largas rasgaram a cidade, como a Paulista, inaugurada em 1891, onde foram erguidos palacetes luxuosos para
os barões do café, com jardins inspirados no mais puro estilo
francês. A aristocracia cafeeira começou a se afastar do centro, buscando áreas mais saudáveis para fixar residência. No
centro, ficaram as casas bancárias, escritórios, sedes de jornais, hotéis, restaurantes e lojas sofisticadas, onde circulavam políticos, jornalistas, homens de negócios, fazendeiros.
Family ties: ethnic groupS in brazil
8
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
A utopia do progresso
e da modernidade
11
do século XIX, muitos ambulantes ofereciam
seus serviços, entre eles os amoladores.
In the everyday life of Rio Janeiro in the late
19th century, many street vendors offered their
services, knife grinders among them.
de pessoas, e de doenças, as medidas de saneamento tomaram a dianteira no processo de modernização do Brasil e
na construção da sua identidade como República.
A ciência tornou-se a via estratégica para empreender a reorganização dos centros urbanos, uma vez que
os grandes avanços nas pesquisas médicas garantiam o
combate às doenças que devastavam as novas populações urbanas, inserindo o Brasil na comunidade científica internacional.
O nível de desorganização social era alarmante. A capital federal estava em colapso, amargando as consequências do lixo nas calçadas, da falta de esgoto, do precário
abastecimento de água, das epidemias e de outras moléstias
urbanas que assolavam a população marginalizada e exposta ao abandono social em virtude da nova organização
econômica do trabalho. Em São Paulo, a explosão demográfica provocada pelo café e pela industrialização evidenciava a absoluta falta de estrutura compatível com a nova
realidade, revelando que o clima de reprovação urbana não
se restringia à capital federal.
As primeiras medidas saneadoras ocorreram no governo de Campos Sales (1898-1902), com a criação do Instituto de Manguinhos, em 1900, e com a vacinação contra
a peste bubônica que infestava a população, assim como a
febre amarela, a cólera, a varíola, o tifo e a tuberculose. As
doenças trouxeram consequências econômicas desastrosas, pois o Brasil passou a ser considerado um país perigoso, não pela violência, mas pelas enfermidades contagiosas,
o que se refletia no transporte marítimo e, portanto, na exportação do café, principal fonte de divisas.
Family ties: ethnic groupS in brazil
10
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
No cotidiano do Rio de Janeiro, no fim
No Rio de Janeiro, centro político do país, de grande
projeção social, as mudanças já haviam começado no início do século, quando a família real mudou-se para o Brasil, em 1808, e a sede da corte foi instalada na cidade, que,
a partir de então, foi se consolidando como centro intelectual e cultural do país. O intuito da República era transformar o Rio de Janeiro em uma capital moderna, nos moldes
europeus. Avenidas, como a Central, atual Rio Branco,
marcaram o novo projeto urbanístico da cidade, mansões
de estilo art nouveau, edifícios de fachadas suntuosas de
cristal e mármore e lojas luxuosas integraram-se à cena
urbana. Homens elegantes e mulheres vestidas no rigor da
moda francesa frequentavam salões de chá, cafés, restaurantes e teatros, alguns dos quais apresentavam espetáculos
internacionais para o deleite da elite carioca, como o São
Pedro e o Lírico, onde o tenor Caruso apresentou-se em
1903. Mas o maior deles, o Teatro Municipal, foi inaugurado somente em 1909. Aos poucos, o Brasil abandonava
suas feições rurais e se tornava moderno e urbano.
Mas nem tudo era cartão-postal. A aristocracia cafeeira, tanto de São Paulo como do Rio de Janeiro, vivia o
sonho da Belle Époque; porém, o desenvolvimento desordenado das cidades e de suas populações revelava o paradoxo “palácios e cortiços”: os trabalhadores urbanos
tinham uma condição de vida degradante, que em nada
lembrava o luxo e a ostentação da aristocracia. Viviam em
cortiços, em dormitórios comunitários, e sofriam com o
desemprego e as epidemias; eram famílias inteiras convivendo sem condições mínimas de higiene e com alta taxa
de mortalidade infantil. Para confrontar o fluxo crescente
13
Open-air market vendors. Rio de Janeiro, 1875.
na compra de ratos, o que estimulou a criação do animal
como fonte de renda e atraiu os meninos de rua para o
“negócio” – cada rato morto entregue no Desinfectório
Central proporcionava-lhes algum rendimento. Instituiu
a “Brigada de Mata-Mosquito”, para eliminar os criadouros
de insetos, uma campanha mais invasiva, que gerou os
primeiros protestos contra os seus métodos. Ambas as
ações visavam diretamente ao controle da peste bubônica e
da febre amarela, respectivamente.
A febre amarela tornou-se endêmica e foi muitas vezes
devastadora. Em 1876, por exemplo, matou 3.476 pessoas.
A doença chegou ao Brasil no final do século XVII, a
primeira epidemia ocorreu em 1685, em Olinda, e se espalhou para outras cidades de Pernambuco e da Bahia. Após
muitos surtos, ressurgiu na Bahia, em 1849, e nesse mesmo
ano assolou o Rio de Janeiro, com repetidas irrupções nas
décadas seguintes. No Estado de São Paulo, ela entrou pelo
porto de Santos, trazida pelos imigrantes a caminho das
lavouras de café, e, a partir da zona portuária, a epidemia
alastrou-se pela cidade, contrariando a crença de que não
ultrapassaria a barreira da serra do Mar, escapou da zona
litorânea em surtos constantes, chegando a várias cidades
do oeste paulista e a Campinas, que por todo o final do
século XIX foi castigada por sucessivas epidemias.
A Revolta da Vacina
O alvo seguinte de Oswaldo Cruz foi a varíola. A vacina contra essa doença já era conhecida na Europa havia
mais de cem anos, mas desconhecida no Brasil, e, para surtir o efeito desejado era necessário que um grande número
Family ties: ethnic groupS in brazil
12
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Vendedoras de mercado. Rio de Janeiro, 1875.
No governo Rodrigues Alves (1902-1906), as providências foram mais drásticas na reorganização urbana da
capital federal, principalmente quanto às medidas sanitárias. Uma equipe com amplos poderes foi formada para
atuar nas áreas prioritárias: a urbanização coube ao engenheiro Francisco Pereira Passos; o saneamento ficou sob a
responsabilidade do médico sanitarista Oswaldo Cruz; e a
modernização do porto, uma das portas de entrada das
epidemias, a cargo do engenheiro Lauro Miller.
Pereira Passos, que conhecera de perto a obra de
planejamento urbano de Paris, empreendida pelo barão
Haussmann, imediatamente implementou a operação
“Bota-Abaixo”, que, para eliminar os pontos de aglomeração e embelezar a cidade, efetuou a demolição de cortiços e
favelas para o alargamento de ruas. O “Bota-Abaixo” foi
alvo de levantes populares e críticas da população, que não
foi incluída em nenhum tipo de benfeitoria.
Oswaldo Cruz, médico sanitarista, com especialização em microbiologia realizada no Instituto Pasteur, de Paris, passou a integrar, junto com os cientistas Vital Brazil e
Adolfo Lutz, a comissão encarregada de investigar a peste
bubônica em Santos, atestando assim sua qualificação para
o novo cargo de diretor-geral da Saúde Pública. O Departamento Geral de Saúde Pública (DGSP), criado em 1897,
tinha como principais atribuições a inspeção sanitária dos
portos fluviais e marítimos, a fiscalização do exercício da
medicina e da farmácia e os estudos sobre doenças infectocontagiosas. De imediato, ele iniciou a operação “Mata-Ratos”, que consistia basicamente no recolhimento sistemático do lixo das ruas, no uso de raticidas e até mesmo
15
14
Family ties: ethnic groupS in brazil
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Equipe de cientistas do Instituto Oswaldo Cruz,
A team of Instituto Oswaldo Cruz scientists in
Para o combate da febre amarela no Rio de Janeiro,
In the fight against yellow fever in Rio de Janeiro,
no Rio de Janeiro, década de 1910. O avanço
Rio de Janeiro, in the 1910s. The advancements
organizou-se uma grande equipe de Mata-Mosquito
a large Mosquito-Killing team was put together
das pesquisas médicas passava, então, a orientar
in medical research started to guide public health
no início do século XX.
in the early 20th century.
a política de saúde pública no país.
policies in the country.
17
e artigos, o sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz
defendeu posições polêmicas.
While criticized by the press through charges
and articles, Oswaldo Cruz advocated
controversial standpoints.
como social. Do ponto de vista político, a revolta levou
o paraense Lauro Sodré, general, senador e opositor declarado do governo de Rodrigues Alves, a assumir a presidência da Liga contra a Vacinação Obrigatória. Ao
contestar a lei, Sodré não se colocava apenas em posição
contrária à obrigatoriedade da vacinação, mas denunciava o domínio do país pela oligarquia do café, a qual
Rodrigues Alves representava.
Oswaldo Cruz acabou deixando o cargo de diretor
da Saúde Pública e fundou o Instituto Soroterápico, que
em 1908 receberia seu nome, Instituto Oswaldo Cruz,
com o objetivo de ampliar o estudo das doenças que assolavam o Brasil e investigar as populações que viviam longe dos grandes centros. Assim, organizou expedições que,
sob seu comando, partiam para o desbravamento do interior do país. De março a outubro foram empreendidas
três expedições para o Nordeste e o Centro-Oeste e uma
para a bacia amazônica, com a participação de Artur Neiva
e Belisário Penna. O caráter sociológico do material produzido por eles – documentação escrita, quadro de doenças, levantamento da fauna e da flora, anotações e fotografias – revelou as condições econômicas e sociais do
Brasil rural e causou forte impacto nas elites intelectuais,
revelando-se bastante eficaz para subsidiar as campanhas
a favor do saneamento. Sob a influência dos artigos de
Belisário Penna publicados no Correio da Manhã, em 1918
foi criada a Liga Pró-Saneamento.
Oswaldo Cruz, demonizado pela imprensa em razão dos métodos utilizados na direção da Saúde Pública
em 1903, foi glorificado em 1907, quando recebeu a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Berlim, levando o Brasil,
mais uma vez, a ser reconhecido internacionalmente pela
comunidade científica.
Family ties: ethnic groupS in brazil
16
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Criticado pela imprensa por meio de charges
de pessoas fosse imunizado simultaneamente. Sob a indignação da população e os questionamentos irônicos da imprensa a respeito dos métodos utilizados para as “melhorias na cidade”, em 31 de outubro de 1904 foi aprovada a lei
da vacina antivariólica obrigatória. Além das críticas contra a falta de limites das autoridades em relação à aplicação
de penas e multas à população, havia a questão trabalhista,
pois para obter um emprego era necessário apresentar o
atestado de vacinação, fornecido por médicos particulares,
que cobravam pelo documento.
A promulgação da lei gerou uma revolta da população contra as imposições do Estado. A vacinação obrigatória tinha a oposição da massa operária, já em início de
sindicalização, que se via sob uma “ditadura sanitária”;
dos positivistas, que se referiam à vacinação como “tortura higiênica”, um atentado à liberdade individual; e de monarquistas insatisfeitos com a República. Em 10 de novembro deflagrou-se uma revolta e as ruas do Rio de Janeiro
se transformaram em palco de guerra. Os insurgentes
enfrentaram as tropas da polícia com bombas e barricadas, mas foram logo debelados, deixando um saldo de
muitos mortos e centenas de feridos e prisioneiros. O
governo recuperou o controle da situação, mas a imagem
de Oswaldo Cruz, com seus métodos, ficou maculada. A
vacinação obrigatória foi suspensa e o resultado, desastroso: um surto mais intenso da doença eclodiu em 1908,
atingindo milhares de pessoas. No balanço da situação,
ficou clara a impossibilidade de se empreender ações de
saúde pública sem a colaboração da população, que deve
ser previamente esclarecida, informada e mobilizada,
levando em conta fatores psicológicos, sociais e culturais.
A lei foi de encontro a uma população despreparada e
aterrorizada pelo método invasivo de aplicação da vacina,
que simbolizava o medo de uma limpeza não só urbana
Referências bibliográficas
CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002.
COSTA, João Cruz. O Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956.
CUKIERMAN, Henrique Luiz. Yes, nós temos Pasteur. Manguinhos, Oswaldo Cruz e a história da medicina no Brasil. Rio de Janeiro:
Relume Dumará; Faperj, 2007.
MARTELLI, Celina Maria Turchi; STEFANI, Mariane Martins de Araújo; PENNA, Gerson Oliveira; ANDRADE, Ana Lúcia S. S.
“Endemias e epidemias brasileiras, desafios e perspectivas de investigação científica: hanseníase.” Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 5, nº- 3, 2002.
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
NAVA, Pedro. Território do Epidauro. Crônicas e história da história da medicina. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
Saga: A grande história do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, v. 5, 1981.
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.
THIELEN, Eduardo Vilela et al. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do
Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1991.
19
18
Street vendor, Rio de Janeiro, 1896.
The Utopia of Progress
and Modernity
The political and economic changes that took place in Europe
in the late 19th century paved the way for the expansion of
industrial advancements, encouraging the growth of business among countries and introducing capitalistic practices
to the world. An optimistic atmosphere of trust in progress
and in the future was extended to morals, customs, and the
culture of societies.
In Brazil, the transition to the 20th century was marked
by the abolition of slavery and the deposition of monarchy. An
alliance between coffee farmers from the state of São Paulo
and the military, both eager to increase their political participation, culminated in a coup that gave rise to the proclamation of the republic and a resulting strengthening of the political economic power of old oligarchies. The military, resenting
the secondary position which had been assigned to them,
sought the recognition of their presence in politics, which the
monarchy had denied. In turn, those coffee farmers retained
the economic power of the nation, due to the fact that the former sugar mills of the Northeast had become openly decadent
because of an international state of affairs that was unfavorable for the introduction of other crops in that region. Lacking
financial conditions, they could neither promote any type of
modernization in their structures, nor transfer their former
slave labor to wage-earning labor. Thus, São Paulo, with its
prosperous coffee farming economy, was a privileged scenery
for economic, social, urbanistic, and demographic changes.
Therefore, nothing more natural for Paulistas (the people
from the state of São Paulo) than to claim political representation among the provinces in equal terms, which Emperor
Dom Pedro II denied, and the Empire lost the support of
São Paulo, leading to the tardy end of monarchy in Brazil, one
hundred years after the French Revolution.
The ideals of modernization and progress that the winds
brought from Europe started guiding the construction of a
Brazilian political and cultural unit focused on strengthening
its national identity. The Brazilian republic, endeavoring to
disseminate a civilized image of the country, mostly in the
fields of science and urbanism, gave rise to an unplanned, accelerated, and disorderly growth that brought about extremely bad living conditions to a population that had just left an
enslaving, miscegenated society that included immigrants.
The new commercial and financial structures were
changing the features and characteristics of various Brazilian
cities, especially São Paulo and Rio de Janeiro. As migration
intensified, those urban centers were transformed into agglomerations of people of different origins and social conditions, who had come to the cities in search of work opportunities. If, on the one hand, that unbridled growth was a sign
of progress and development, on the other, it clearly denounced a lack of infrastructure and readiness to reach their
longed-for modernity.
Development and modernization of large centers
In the late 19th century, Brazilian cities showed different
features. Large centers, such as Rio de Janeiro and São Paulo,
showed their productive potential and an accelerated industrialization and modernization process, while Salvador and Recife preserved their traditional standards, recovering from the
decadence of sugarcane farming and attempting a response in
the form of cocoa farming. In the Northern region, rubber
extended its borderlines and entered an era of industrialization with the advent of the rubber tire in 1890. The inauguration of Teatro Amazonas in 1896 attests to the golden era of
the rubber cycle, bringing the Belle Époque to Manaus and
Belém. Architects, painters, developers were brought in from
Europe to undertake the job. All theater materials were imported, except for the seats and the floor that were made with
local materials under a strict supervision of the Europeans.
As agents of a modernization movement inspired by republican ideals, the cities of São Paulo and Rio de Janeiro –
the capital city of the country at that time – drove the urban
remodeling initiatives. With it, coffee-farming São Paulo was
no longer a culturally backward province; the city was preparing to meet the business volume brought by capitalists from
the interior, who often chose to settle in the capital. The need
to drain the production inflow to the port of Santos not only
required the broadening of streets and avenues but also the
expansion of the railway system. The city landscape and pace
had changed. Old colonial buildings were demolished to make
room for churches, buildings, and mansions, among which the
works of architect Ramos de Azevedo stood out; squares and
gardens were remodeled, broad avenues, such as Avenida
Paulista, inaugurated in 1891, crisscrossed the city, and sumptuous mansions, the gardens of which were inspired in the
purest French style, were built along the way for coffee barons.
The coffee-farming aristocracy began to withdraw from
downtown areas in search of healthier areas. There remained
downtown banking houses, offices, newspaper head offices,
hotels, restaurants, and sophisticated shops, whose patrons
were politicians, journalists, businessmen, farmers.
Family ties: ethnic groupS in brazil
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Vendedor ambulante, Rio de Janeiro, 1896.
21
Science had become a strategic way to undertake the
reorganization of urban centers, since significant advancements in medical research ensured the fight against the diseases that devastated new urban populations, positioning
Brazil in the international scientific community.
The extent of social disorganization was alarming. The
country’s capital city was collapsing and suffering the bitter
consequences of trash on the sidewalks, a lack of adequate
sewerage system, a precarious water supply, epidemics, and
other urban diseases that plagued a marginalized population
that was exposed to social destitution as a result of the new
economic organization of work. In São Paulo, the population
explosion caused by coffee and industrialization gave proof
of a total lack of compatible structure with the new reality,
indicating that urban inadequacy was not restricted to the
capital city of the country.
The first sanitizing efforts took place in the Campos
Sales administration (1898–1902) with the establishment of
Instituto de Manguinhos in 1900, and the vaccination against
the bubonic plague that infested the population, just as yellow
fever, cholera, smallpox, typhoid fever, and tuberculosis.
Those diseases brought about catastrophic economic consequences for Brazil, since it was then regarded as a hazardous
country, not on account of violence, but because of the contagious diseases, and that had an impact on sea shipments and,
therefore, in coffee exports, its main source of revenue.
In the Rodrigues Alves administration (1902–1906),
stricter measures were adopted for the urban reorganization
of the country’s capital city, particularly as regarded sanitation.
A strongly empowered team was set up to address priority
Family ties: ethnic groupS in brazil
20
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
In Rio de Janeiro, the political hub of the country, which
enjoyed significant social status, changes had already started
in the beginning of the century, when the royal family moved
to Brazil in 1808, transferring the court to that city, which
from then on was also consolidated as an intellectual and
cultural hub in the country. The republic intended to turn
Rio de Janeiro into a modern capital city, in the European
fashion. Avenues, as Central – current Avenida Rio Branco –
marked a new urbanistic project for the city, Art Nouveau
styled mansions, buildings displaying sumptuous crystal and
marble façades, and luxurious shops became part of the
urban scenery. Elegant men and women dressed in the latest
French fashion were regular customers of tea houses, cafés,
restaurants, and opera houses, as São Pedro and Lírico,
where tenor Caruso performed in 1903. The Municipal
Theater was only inaugurated in 1909. Little by little, Brazil
changed its rural aspects to become modern and urban.
But not all was as beautiful as a postcard. The coffeefarming aristocracy of both São Paulo and Rio de Janeiro
were experiencing the dream of the Belle Époque; however, a
disorderly growth of cities and their populations revealed the
“mansion and slum” paradox: city workers faced a degrading
life standard that held no resemblance to the luxury and
ostentation of the aristocracy. They lived in slums, collective
dormitories, and suffered with unemployment and epidemics.
Entire families lived together without minimum sanitary
conditions, with a high infant mortality rate. In order to
confront the ever-growing flow of people, and diseases, sanitation efforts took the lead in the modernization process of
Brazil and in the construction of its identity as a republic.
areas: urbanization was assigned to engineer Francisco Pereira
Passos; sanitation fell to Oswaldo Cruz, a public health
officer; and engineer Lauro Miller was assigned the port
modernization, a major door to epidemics.
Pereira Passos, who was closely acquainted with the
Paris urban-planning work, conducted by Baron Haussmann,
immediately implemented operation “Tear-Down,” which
aimed to eliminate crowded areas and beautify the city
by demolishing slums areas and broadening streets. The
“Tear-Down” operation gave rise to revolt from a population
that had not been included in any type of improvement.
Oswaldo Cruz, a public health officer who had speciali­
zed in microbiology at the Pasteur Institute in Paris joined a
committee along with Vital Brazil and Adolfo Lutz to investigate the bubonic plague in Santos, confirming his qualification
for the new position of Public Health Director General. The Departamento Geral da Saúde Pública – DGSP (General Public
Health Department), created in 1897, was assigned, among
other duties, the sanitary inspection of fluvial ports and seaports, inspection of the medicine and pharmacy practice,
and studies about infectious diseases. Cruz started a “RodentKilling” operation immediately, which basically consisted of
systematic garbage collection from the streets, use of raticides,
and even the sale of rats, to foster rodent raising as a source of
income and to attract street homeless boys to the “business” –
each dead rat delivered at Desinfectório Central meant money.
He also implemented a “Fly-Killing Brigade” to eliminate
sources of insects, a more invasive campaign, that generated the
first protests against his methods. Both efforts were directly
aimed at controlling bubonic plague and yellow fever, respectively.
Imagem da Avenida Paulista, em São Paulo, projetada pelo
View of Avenida Paulista in São Paulo, designed by engineer
engenheiro Joaquim Eugênio de Lima e inaugurada em 1891.
Joaquim Eugênio de Lima and inaugurated in 1891.
23
The Rebellion against vaccination
Smallpox was Oswaldo Cruz’ next target, a vaccine
for which had been known in Europe for over one hundred
years, but unknown in Brazil. For the vaccine to work, a
large number of people should be vaccinated at the same
time. Facing the indignation of the population and the ironic
questioning of the press about the methods employed to
“improve the city,” on October 31, 1904, a bill was approved
to make smallpox vaccination compulsory. In addition to
the criticism against the lack of authorities’ limits when it
came to imposing penalties and fines on the people, there
was also a labor issue, since in order to get a job, it was
necessary to present a vaccination certificate, and that certificate was issued by private physicians who charged for it.
When that law was promulgated, people rose against
the impositions of the State. The workers’ mass, just beginning its unionization process, was against compulsory vaccination, since, from a worker’s standpoint, it was a “sanitation dictatorship”; positivists referred to vaccination as
“hygienic torture,” an assault against individual freedom;
and monarchists were dissatisfied with the republic. On
November 10, a rebellion broke out, and the streets of Rio de
Janeiro were transformed in a seat of war. Insurgents fought
police forces with bombs and barricades, but were soon
overcome, leaving behind many casualties among dead,
wounded people, and prisoners. The government restored
control of the situation, but Oswaldo Cruz’ image and his
methods had been tainted. Compulsory vaccination was
suspended with a catastrophic result: a very strong outbreak
of the disease took place in 1908, infecting thousands of people. An analysis of the situation made clear that it would not
be possible to undertake public health efforts without the
cooperation of the population, which was to be clarified,
informed, and mobilized ahead of time, taking psychological,
social, and cultural factors into account. That law encountered a population that was unprepared and terrorized with
the invasive method through which the vaccination had
been applied – which symbolized the fear of an urban and
social cleansing. From a political standpoint, that rebellion
influenced Lauro Sodré – a general and senator from the
state of Pará, who was also an overt opponent of the
Rodrigues Alves administration – to take on the presidency
of a League Against Compulsory Vaccination. By opposing
that law, not only did Sodré assume a contrary position to
the compulsoriness of vaccination, but he also denounced
the control of the country by a coffee-farming oligarchy,
which Rodrigues Alves stood for.
Oswaldo Cruz finally left his position as Public Health
Director to found Instituto Soroterápico, which in 1908
would be renamed after him – Instituto Oswaldo Cruz – with
the purpose of broadening the scope of the studies on the
diseases that plagued the country and surveying the populations that lived far from large centers. Therefore, he organized expeditions that, under his command, attempted to
explore the backlands of the country. From March to October
three expeditions were made to the Northeastern and the
Midwestern regions of the country, and one to the Amazon
basin – Artur Neiva and Belisário Penna took part in those
expeditions. The sociological nature of the material they
produced – written documents, a table of diseases, a survey on
the fauna and flora, observations, and photographs – revealed
the economic and social conditions of rural Brazil, and stron­g­
ly impacted the intellectual elite, showing to be very effective to
raise funds to sanitation campaigns. Under the influence of
Belisário Penna’s articles published in the Correio da Manhã
newspaper, a Pro-Sanitation League was created in 1918.
Oswaldo Cruz, who had been scorned by the press on
account of his methods in the management of Public Health
in 1903, was glorified in 1907, when he was awarded a golden
medal at the 14th International Congress on Hygiene and
Demography, held in Berlin, granting international recognition to Brazil by the scientific community one more time.
Family ties: ethnic groupS in brazil
22
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Yellow fever became endemic and often devastating;
in 1876, for example, it killed 3,476 people. The disease
had arrived in Brazil in the late 17th century, and the first
epidemics was recorded in 1685, in the city of Olinda,
in the state of Pernambuco, and spread to other cities in
Pernambuco and Bahia. After a large number of outbreaks, it reappeared in Bahia in 1849, and in that same
year it rava­ged Rio de Janeiro, with repeated outbreaks in
the following decades. In São Paulo, it appeared in Santos,
an entrance door for immigrants on the way to coffee
farms, and from the port area, the epidemics spread to the
city. And, contrary to the belief that it would not overcome
the Serra do Mar mountain range, it escaped from the
coast zone in constant outbreaks, reaching a number of cities
in the west of the state of São Paulo and Campinas – which
throughout the whole end of the 19th century was plagued
by successive epidemics.
Reference List
CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002.
COSTA, João Cruz. O Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956.
CUKIERMAN, Henrique Luiz. Yes, nós temos Pasteur. Manguinhos, Oswaldo Cruz e a história da medicina no Brasil. Rio de Janeiro:
Relume Dumará; Faperj, 2007.
MARTELLI, Celina Maria Turchi; STEFANI, Mariane Martins de Araújo; PENNA, Gerson Oliveira; ANDRADE, Ana Lúcia S. S.
“Endemias e epidemias brasileiras, desafios e perspectivas de investigação científica: hanseníase.” Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 5, no. 3, 2002.
MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
NAVA, Pedro. Território do Epidauro. Crônicas e história da história da medicina. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
Saga: A grande história do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, v. 5, 1981.
STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.
THIELEN, Eduardo Vilela et al. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do
Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1991.
25
Toda ciência reflete, em parte, a conjuntura social na qual
está inserida. Com a medicina no Brasil não foi diferente.
Historicamente, podem ser identificadas três fases: pajelança, pré-científica e científica. Na primeira, os protagonistas eram os índios, os missionários e os portadores de
licença e diploma. Por mais de duzentos anos prevaleceu a
contribuição indígena, que foi sendo adaptada aos métodos da medicina europeia pelos missionários, até a entrada
maciça dos escravos africanos, que trouxeram as endemias
próprias do seu continente. No final do século XVIII, eram
os barbeiros, os boticários e alguns físicos os responsáveis
pela medicina no Brasil.
A segunda fase teve início com a chegada da família
real, quando o desenvolvimento da colônia deu um salto
para manter a civilidade do estilo de vida europeu. Na área
da saúde, foram criadas duas escolas de cirurgia, uma em
Salvador e outra no Rio de Janeiro, aumentando as possibilidades de especializações – farmacêutico, parteiro e médico –, e a medicina passou a ser entendida como ofício,
registrando-se um crescente interesse pelos estudos científicos das doenças que atingiam a população, como sífilis,
lepra e bouba, o grande mal do Brasil Colônia.
O início do século XX marcou a fase científica, em que
os médicos detinham importante papel na busca pela identidade nacional e na qual as políticas públicas de saúde passaram a ser inseridas no planejamento das cidades e das zonas
rurais como forma de combate sistêmico das doenças.
A partir da segunda metade do século XIX os grandes avanços nas faculdades de medicina, a publicação da
Gazeta Médica da Bahia em 1866 e o reconhecimento das
Avenida Beira-Mar, próximo à Lapa, no Rio de Janeiro.
Avenida Beira-Mar, near Lapa neighborhood, in Rio de Janeiro.
Uma das grandes obras do Plano de Embelezamento da Cidade,
A major effort in the City Embellishment Plan, carried out by
promovido pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX.
Mayor Pereira Passos in the early 20th century.
pesquisas e de médicos brasileiros pela comunidade científica internacional estimularam o interesse no desenvolvimento de ações profiláticas. Os médicos brasileiros
passaram a beber da fonte, indo ao encontro da realidade
europeia, já bem desenvolvida, para adaptá-la à realidade local. Após as discussões geradas pela Gazeta, cinco
médicos brasileiros participaram do 1-º Congresso Mundial
de Dermatologia e Sifiligrafia, em Paris, em 1889, entre os
quais Bruno Chaves, autor de Mercúrio e seus decompostos,
então indicado para membro da Société Française de
Dermatologie et de Syphiligraphie.
Oswaldo Cruz e o Instituto de Manguinhos sedimentaram o momento no qual a pesquisa abandonou seu caráter
predominantemente bibliográfico e voltou-se para uma
produção acadêmica de identificação das causas, diagnósticos e tratamentos de doenças desconhecidas. Surgem o
professor e o pesquisador.
A saúde pública na República Velha
As epidemias devastadoras de febre amarela, varíola e
cólera que o Brasil enfrentava impediam sua consolidação
como um Estado moderno e civilizado e retardavam o processo de construção da identidade nacional. No Rio de
Janeiro, a inadequação das velhas estruturas urbanas às novas
demandas refletia-se, entre outros aspectos, nos aglomerados de pessoas em regiões insalubres, focos permanentes de
difteria, tuberculose, malária, lepra, tifo e outras endemias
que atacavam a população mestiça. Em São Paulo, além de
a cidade viver situação semelhante à da capital federal, as
condições precárias oferecidas pelos fazendeiros de café aos
imigrantes eram propícias às sucessivas epidemias, que dizimavam centenas de trabalhadores. A reputação negativa do
país espalhou-se, levando alguns governos a desencorajar e
até a proibir a imigração de sua população para o Brasil.
A situação da saúde pública mostrava-se bem distante do
ideal de modernidade pretendido; assim, as medidas e
ações empreendidas pelo governo visaram, sobretudo,
melhorar a imagem do país no cenário internacional.
Em 1890, foram criados o Conselho de Saúde Pública
e o Serviço Sanitário Terrestre, para tratar das questões de
higiene pública e do combate de doenças transmissíveis,
moléstias endêmicas e epidemias, mas a atuação do governo
na área de saúde durante longo período foi determinada
pela Constituição de 1891, que assegurava a autonomia dos
Estados e dos municípios, em virtude do pacto com as
oligarquias. Até 1910, os problemas de saúde não foram
politicamente priorizados na agenda nacional e os estudos
e pesquisas restringiram-se a espaços especializados, como
o Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto de Manguinhos, que
se manifestavam diante das crises sanitárias geradas pelo
crescimento desordenado e das precárias condições de vida
da população mais pobre e marginalizada.
No contexto das reformas comandadas por Oswaldo
Cruz, entram em cena importantes cientistas, cujos trabalhos foram fundamentais para a definição de uma política
de saúde. Os embates ideológicos e científicos passaram a
delinear um novo perfil da ciência e a estimular reformas,
de modo que, no início do século XX, a principal figura na
área da saúde era o higienista, responsável direto pelas
ações sanitárias, símbolo das ações do Estado.
Family ties: ethnic groupS in brazil
Sociedade, saúde e medicina
As doenças da pele e a vanguarda da dermatologia: a
Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD
Além da febre amarela, da tuberculose e da varíola,
outras doenças revelavam problemas que ultrapassavam as
consequências das próprias enfermidades, como as doenças
da pele – evidenciadas pela presença de manchas, feridas e
deformidades, elas estigmatizavam o indivíduo, colocando-o em uma posição de exclusão na sociedade, pois a pele
é um órgão de comunicação e denuncia o corpo não sadio;
entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX,
a sífilis e a lepra foram as mais marcantes entre as várias
doenças que atingiam a pele, pois estavam diretamente
ligadas ao isolamento e ao preconceito. Daí a importância
das pesquisas e da formação e especialização de profissionais
capacitados para o tratamento e controle dessas moléstias.
No Brasil, a dermatologia foi institucionalizada em
1883, com a implantação da cadeira de clínica de moléstias cutâneas e sifilíticas nas faculdades de medicina do
Rio de Janeiro e de Salvador, com João Pizarro Gabizo e
Alexandre de Castro Cerqueira, respectivamente, à frente
das cátedras. Até então Antônio José Pereira da Silva
Araújo era o responsável pelo ensino livre da dermatologia na primeira clínica de doenças do Brasil, criada na
Policlínica Geral do Rio de Janeiro. A Policlínica foi fundada em 1881 para prestar assistência médica gratuita à
população carente e propunha o tratamento do doente em
sua residência, para evitar a contaminação de outros enfermos em ambientes hospitalares. Entre suas especialidades,
estava a de moléstias sifilíticas e da pele, sob responsabilidade de Silva Araújo. O Instituto de Manguinhos também
contribuiu vigorosamente para a consolidação dos estudos
das doenças de pele: inúmeros trabalhos de pesquisa foram
desenvolvidos e aperfeiçoados por cientistas como Adolfo
Lutz, Adolpho Lindemberg, Paulo Parreiras Horta, Gaspar
Vianna, Rocha Lima, Henrique de Beaurepaire Rohan
Aragão, Arêa Leão, Armínio Fraga, Eduardo Rabello,
Fernando Terra e Olympio da Fonseca Filho.
Nesse momento de reestruturação da medicina brasileira, em 1912, a luta antivenérea ganhou força e entrou em
processo de reorganização, com a criação da Sociedade
Brasileira de Dermatologia – SBD, que logo se tornou um
polo de articulação de profissionais de diferentes instituições, que se agregavam em torno das pesquisas nessa área.
Os ideais eugênicos chegam ao Brasil
A eugenia foi um movimento científico social que defendia o aprimoramento da espécie humana por meio da
preservação da “pureza” de determinados grupos sociais
considerados “adequados” na reprodução, como garantia
de herança de bons genes para as futuras gerações. No
Brasil, surgiu em resposta às teorias degeneracionistas europeias do século XIX, que criticavam a miscigenação dos
trópicos. As explicações hereditárias e a ideia de “adequados” e “inadequados” seriam uma estratégia eficaz para o
aprimoramento da população mestiça, baseada em ações
de médicos e juristas europeus. A lepra e a sífilis, ao lado do
alcoolismo e da tuberculose, eram doenças associadas à
degeneração da raça, portanto incompatíveis com o desenvolvimento harmônico de uma sociedade que perseguia os
ideais de modernidade pretendidos pela república, um
cenário desafiador para os sanitaristas.
Alguns fatores, como a crise entre a monarquia e a
república, a participação do Brasil na Primeira Guerra
Mundial e a carência de universidades que possibilitassem
o estudo sistemático da eugenia fortaleceram a sua introdução no país, mas até 1917 somente algumas iniciativas
esparsas de intelectuais e cientistas mencionavam a eugenia como caminho possível para a modernidade.
Em 1918, a teoria ganhou adeptos e defensores. O
médico paulista Renato Kehl fundou a Sociedade Eugênica
de São Paulo, que tinha entre seus associados Arnaldo
1. Glauco Carneiro. História da dermatologia no Brasil. Sociedade
Brasileira de Dermatologia, 2002, p. 59.
27
Family ties: ethnic groupS in brazil
26
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
A medicina tradicional e a imprensa compartilhavam
as críticas à nova medicina, que aderia às inovações vindas
da Europa, polarizando a discussão. De um lado, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e os consultórios da
capital, que criticavam os métodos de Manguinhos praticados nas ações de saneamento “invasivas”, alegando o privilégio dos seres microscópicos em detrimento dos pacientes
enquanto indivíduos; de outro, os laboratórios, que seguiam
as regras da medicina francesa de Pasteur, e a medicina
experimental de Manguinhos, que criticava a medicina tradicional pela limitada capacidade sensorial de seus médicos
para perceber as tendências das doenças e as possibilidades
de sua erradicação. Mas, mesmo havendo divergências, tanto
a medicina tradicional quanto os laboratórios e a medicina
instrumental, de caráter experimental, buscavam uma unidade, visando ao fortalecimento do discurso científico.
A entidade buscava reconhecimento como espaço de conciliação das diferentes posições teóricas – dos seus 18 fundadores, 10 eram dermatologistas. O desenvolvimento da
entidade foi rápido: um ano após a sua fundação, já contava com 81 associados, dos quais 52 eram do Rio de
Janeiro. A primeira reunião científica ocorreu em 1-º de
março de 1912 e nesse mesmo ano outras dez reuniões foram realizadas. Entre os temas abordados, com a grafia da
época, estão: “Boubas (Silva Araújo Filho); Moléstia de
Duhring (Fernando Terra); Granuloma Ulcerosos Tropical, Lupus Erythematoso, Vericose Juvenil (Eduardo
Rabello); Tratamento das Ulceras da Perna com Iodo
(E. Crissiuma); e Lepra e Nastina (Fernando Terra)”1. Nas
décadas seguintes, os membros da sociedade continuaram
contribuindo com trabalhos para o desenvolvimento da
dermatologia, e várias doenças foram descritas e caracterizadas por dermatólogos brasileiros, como a doença autoagressiva hanseniana (Rubens David Azulay) e a dermatose
anserina (Padilha Gonçalves), entre outras. Os Anais da
dermatologia, editados a partir de 1925, foram fundamentais para a divulgação das pesquisas e ideias desses cientistas e médicos entre a comunidade científica.
Prédio da Santa Casa de Misericórdia, que, durante anos, foi sede
Santa Casa de Misericórdia building, which for many years was the seat
da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, no Rio de Janeiro.
of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, in Rio de Janeiro.
Instituto Butantã, em São Paulo, construído a partir da aquisição
Instituto Butantã, in São Paulo, built after the acquisition of Fazenda
da Fazenda Butantã pelo governo estadual. A intenção era instalar
Butantã by the state government, which had planned to set up a
um laboratório de produção de soro antipestoso para combater o surto
laboratory to produce serum against the bubonic plague that had
de peste bubônica que se propagava no Porto de Santos, em 1899.
spread in the Port of Santos, in 1899.
29
Mato Grosso, 1888.
Indian boy,
Mato Grosso, 1888.
a eugenia teve um caráter exclusivamente de saneamento,
apoiado em uma medicina intervencionista, que impunha
ações maciças de higiene entre a população.
Sífilis, nova postura em relação à doença
O agravamento das epidemias estava condicionado
a fatores políticos e econômicos de interesse nacional relacionados ao desenvolvimento industrial e ao ideal de
modernização do país. A sífilis, alvo de preconceito e fortemente hostilizada, espalhava-se rapidamente, tornando os
doentes mais oprimidos, omissos e rebeldes ao tratamento,
dificultando as primeiras tentativas de combate à doença.
Em 1925, a Sociedade Brasileira de Dermatologia alterou a denominação para Sociedade de Dermatologia e Sifilografia, em referência direta à sífilis, doença que comprometia
múltiplos órgãos: os ossos, os olhos e a pele, e os sistemas
nervoso e cardiovascular – um flagelo da sociedade, uma
doença considerada não só horrível como degradante e vulgar. Contra a sífilis, militavam no Rio de Janeiro o grupo da
Faculdade de Medicina, que reunia Fernando Terra, Eduardo
Rabello e Oscar da Silva Araújo; o grupo de Manguinhos,
formado por Adolfo Lutz, Gaspar Vianna, Arêa Leão e Heraclides Cesar de Souza-Araujo; e o grupo da Policlínica do Rio
de Janeiro, integrado por Werneck Machado e seus auxiliares.
De São Paulo, Antônio Carini e Adolpho Lindemberg, ambos
ligados ao Instituto Bacteriológico, integravam a sociedade.
No primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em julho
de 1929, Mendes de Castro, médico auxiliar da Inspetoria
de Educação Sanitária e Centros de Saúde de São Paulo,
apresentou o trabalho “A luta contra a sífilis e moléstias
venéreas em São Paulo”, que abordava os serviços médicos
prestados pelo Estado no combate à sífilis e a outras doenças
venéreas e apontava os “males venéreos” como responsáveis
pela degeneração da raça, reforçando a importância eugênica da educação sexual e do tratamento desses “doentes”.
No entanto, cresceu e se consolidou a crença de que o
problema brasileiro residia em larga medida na sífilis e não
na mistura de raças, e, por essa ótica, a própria doença teve
importância estratégica, pois implicou sucessivas intervenções sanitárias para atacá-la e curar seus males. A historiadora Nancy Stepan identifica um clima de “nacionalismo
realista” na década de 1920, que levaria os brasileiros a procurar novos caminhos para interpretar sua condição social
e climática e seu perfil racial, afastando-se assim dos padrões europeus. Os sifilógrafos brasileiros contribuíram
para a consolidação desse pensamento de forte apelo nacionalista, que valorizava o que o Brasil tinha de não europeu
em vez de atribuir todos os males à miscigenação das raças.
O início da década foi marcado pela mudança nas ações e
políticas de profilaxia da sífilis. Foi criada a Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, dando início
ao processo de centralização política da saúde e de ações
dirigidas ao tratamento e profilaxia da sífilis, que significou
uma nova postura política em relação à doença. No comando da inspetoria estava o sifilógrafo Eduardo Rabello,
além de Oscar da Silva Araújo e Joaquim Mota Vale. A política de combate à sífilis foi baseada principalmente na propaganda higiênica de caráter educativo e no tratamento de
doentes em dispensários ou hospitais especializados.
Family ties: ethnic groupS in brazil
28
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Menino índio,
Vieira de Carvalho, fundador da Faculdade de Medicina
de São Paulo, o médico sanitarista Arthur Neiva e o psiquiatra Franco da Rocha. A sociedade se definiu como
uma organização culta de caráter científico, produziu alguns estudos, mas nunca realizou pesquisas, dedicando-se
basicamente a divulgar as ideias e a introduzir o tema no
debate. Na literatura brasileira, Monteiro Lobato escreveu
O choque das raças ou o presidente negro, publicado em
1926, fazendo do enredo uma defesa veemente dos ideais
eugênicos. Amigo de Renato Kehl, enviou-lhe uma carta
dizendo: “Renato, tu és o pai da eugenia e a ti devia dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia [...]. Precisamos lançar, vulgarizar estas ideias. A humanidade precisa
de uma coisa só: poda [...]”.
As ações eugênicas propostas no Brasil eram de ordem restritiva, como a regulamentação do casamento, a
segregação, a esterilização, e outras, construtivas, de educação higiênica e de propaganda dos princípios eugênicos,
mas essas ações nunca se concretizaram, apesar de passarem
a ser amplamente discutidas. Os eugenistas propunham
homogeneizar a raça nacional por meio de um processo de
branqueamento feito, por exemplo, com o controle das
políticas imigratórias e do processo de miscigenação, mas a
dura realidade era que as práticas sanitárias não davam
conta de frear as epidemias e erradicar as doenças. Nesse
momento em que a nação procurava firmar sua identidade
a ciência encontrou campo para difundir as teorias da
hereditariedade, entendendo a vida humana como resultado de processos biológicos e a eugenia como meio ideal
de exercer sua função na sociedade. Desse modo, no Brasil,
30
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Hanseníase, o mal dos séculos
O homem em cuja pele ou carne aparece cor estranha, tumor ou espécie de mancha reluzente, que seja indício de
mal de lepra, será conduzido ao Sacerdote Aaron ou a qualquer de seus filhos; o qual, se vir lepra na pele, com o pelo
embranquecido e a parte mesmo que parece leprosa mais
deprimida que a pele e carne restante, declarará que é chaga
de lepra, e o considerará impuro, e o que a tem, será separado da companhia dos outros. Terá as vestes rasgadas, a
cabeça desgrenhada, se cobrirá até o bigode e irá gritando:
Impuro, impuro! Todo o tempo que estiver leproso e
imundo ,habitará sozinho, fora do povoado.
Levíticos 13, 2-3 e 45-46
Em 1874, o médico e botânico norueguês Gerhard
Henrik Armauer Hansen iniciou a desmistificação da crença que por séculos relacionou a lepra ao castigo divino e às
impurezas e pecados dos indivíduos, ao identificar o Mycobacterium leprae como o bacilo causador da doença.
É uma das mais antigas enfermidades referidas pelo
homem. O Japão, a China e a Índia já conheciam a doença
havia quase quatro mil anos, mas sua origem não é precisa,
existe muita controvérsia entre os estudiosos; no entanto, a
região da faixa setentrional da África central, da Nigéria à
Abissínia, deve ser considerada como foco principal, uma
vez que ainda é a parte do globo mais afetada pela doença.
Ao continente americano a lepra chegou na época da
expansão marítima, com os colonizadores portugueses,
espanhóis, franceses e holandeses, e posteriormente com
os africanos. Na obra História da lepra no Brasil, Heraclides
Cesar de Souza-Araujo afirma que não havia lepra entre os
indígenas, e muitos viajantes que percorreram o interior do
Brasil também concluíram em seus relatos que as tribos puras não eram acometidas dessa infecção.
No Brasil, segundo o médico Fernando Terra, estudioso
da lepra e um dos fundadores da SBD, há registros de casos
desde 1600, mas somente muito mais tarde, em 1741, foi
criado, em Recife, um asilo para atendimento aos doentes.
A Coroa Portuguesa era omissa em relação à construção de instituições para o atendimento dos leprosos.
No Rio de Janeiro, as autoridades tentaram, em vão, obter
da Coroa recursos para a instalação de um asilo na Igreja
de Nossa Senhora da Conceição. Então, em 1741, o governador do Rio de Janeiro, capitão-general Gomes Freire de
Andrade, conde de Bobadella, mandou construir as primeiras instalações, mantendo a instituição até a sua morte.
O asilo originou o Hospital de Lázaros, que desde 1763
está sob a responsabilidade da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Nossa Senhora da Candelária. A partir de
1941, passou a se chamar Hospital Frei Antônio, em homenagem ao bispo dom Antônio do Desterro. Na Bahia, também devido à omissão da Coroa, dom Rodrigo José de
Menezes fundou, com o auxílio do povo, o Hospital São
Cristóvão dos Lázaros, na Quinta dos Jesuítas, em Salvador,
que prestou serviços até 1947.
Em outros Estados também foram criadas áreas e instituições para leprosos: em Belém, no Pará, a Santa Casa criou,
em 1815, o Hospício dos Lázaros, que atendia toda a região
Norte e funcionou até 1938; no Maranhão, a partir de 1826,
foram criadas várias aldeias de leprosos, como São Bento
e Viana; no Mato Grosso, em 1816, o capitão-general
Oyenhausen fundou, em Cuiabá, o Hospital dos Lázaros,
chamado depois Hospital de São João dos Lázaros. Em São
Paulo, a Santa Casa de Misericórdia fundou o Hospital dos
Morféticos, em 1805, que funcionou na chácara Olaria. No
interior do Estado, em 1806, foi construído um hospital para
morféticos em Itu, que existiu por 125 anos; e em Campinas,
em 1863, foi instalado o Hospital dos Lázaros de Guapira.
Durante muito tempo a lepra era confundida com
outras doenças como a sífilis e a elefantíase dos gregos, mas
a ampliação das pesquisas ao longo do século XIX possibilitou aos médicos uma avaliação melhor dos doentes. No
Brasil, o dr. Joaquim Cândido Soares de Meirelles apresentou à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1831, o
“Paralelo entre as duas espécies de elefantíases e entre a lepra”, primeiro trabalho sobre a doença. Foi o início de uma
série de outros, apresentados por Francisco de Paula Cândido, Luís Vicente De-Simoni e João Maurício Faivre. A
Academia Imperial de Medicina era o palco dos debates
em torno das pesquisas para identificação da lepra. Em
agosto de 1845, os médicos presentes à reunião apresentaram seus pareceres a respeito do trabalho de João Maurício
Faivre, sobre o uso das águas termais de Caldas Novas, em
Goiás, no tratamento de leprosos e da elefantíase dos gregos, vulgarmente chamada de morfeia.
Em 1847 a lepra foi definida como uma realidade
nosológica diferenciada das demais doenças, com a publicação do tratado ilustrado Om Spedalsked, dos dermatologistas noruegueses Daniel C. Danielssen e C. W. Boeck, que
descreviam a lepra lepromatosa. Em 1863, Rudolf Virchow
descreveu e identificou o granuloma lepromatoso; e, em
1879, o alemão Albert Nissier comprovou a presença do
bacilo em material leproso.
A descoberta do Mycobacterium leprae por Gerhard
Hansen, no entanto, mostrou um agente patogênico peculiar, mas não esclareceu os mecanismos da infecção e sua
transmissibilidade, o que dificultou a conexão do bacilo
com a lepra, estimulando um debate que adentrou as primeiras décadas do século XX. O auge do embate ocorreu
em Berlim, em 1897, com a realização da I Conferência
Internacional de Leprologia, o primeiro encontro internacional sobre a lepra. A conferência definiu o bacilo como a
causa verdadeira e exclusiva da doença, abrindo a possibilidade de uma intervenção terapêutica mais precisa, definida
em suas considerações finais pela notificação compulsória
e pelo isolamento. As conclusões dos debates orientaram as
medidas profiláticas dos governos nas décadas seguintes.
Na reconstrução histórica da lepra como doença microbiana
foi fundamental a realização do Congresso Internacional
de Dermatologia, em 1904, que ratificou essa decisão e deliberou a incausalidade da lepra.
No Brasil, não foram implementadas medidas oficiais
de combate efetivo da doença nos primeiros dez anos da
Negra da Bahia, 1885.
Bahia female Negro, 1885.
república. O Regulamento Sanitário, de 1890, determinava
notificação compulsória apenas para casos de febre amarela,
cólera, difteria, peste, sarampão, escarlatina e varíola, sem
citar a lepra. Em 1894, pelo Decreto nº- 1.657, fundem-se o
Laboratório Bacteriológico e a Diretoria Sanitária para
constituir o Instituto Sanitário Federal, que no parágrafo
segundo do seu estatuto fazia referência à doença, subordinando os hospitais e isolamentos ao instituto. Essa reforma
representou um avanço, na medida em que dava à higiene
pública um caráter científico.
As discussões sobre a lepra ficaram então divididas
entre contagionistas e anticontagionistas e giravam em
torno das formas de transmissão do bacilo de Hansen.
Sabia-se que o contágio se dava pelo contato com o doente,
única fonte do vírus, mas não se conheciam ainda as vias
de penetração do bacilo no organismo humano: supunha-se que por vias oral, genital ou cutânea. Os mosquitos
e insetos parasitas, como pulgas e percevejos, também
eram suspeitos de transportar e inocular o bacilo. A não
transmissão hereditária reunia o maior número de provas.
Discutia-se, sim, a possibilidade de transmissão da predisposição para a doença, como na tuberculose. A doutrina
da hereditariedade foi aceita por influência dos autores
noruegueses, que realizaram estudos com base na realidade deles, sem considerar a transmissão da doença
em outros países. No Havaí e nas Filipinas, por exemplo,
era comprovado que a separação dos filhos de mães
leprosas logo após o nascimento evitava a contaminação. Com esses argumentos, essa doutrina foi definitivamente afastada.
O Brasil não ficava alheio às discussões. O laboratório anatomopatológico, criado em 1894 no Hospital dos
Lázaros, realizava pesquisas de bacteriologia do bacilo da
lepra em diferentes culturas. Era um dos principais centros
de tratamento da doença, conforme as exigências do período. O diretor clínico, Azevedo Lima, enviou para a Conferência de Berlim a comunicação intitulada “A lepra no Brasil”, que defendia o contágio e o isolamento do doente ao
considerar que cada leproso é um perigo aos que o cercam,
seja em casa, seja no hospital. José Lourenço de Magalhães,
anticontagionista ferrenho, foi um de seus principais opositores teóricos. Em 1900, Magalhães publicou seu trabalho
Étude sur la lèpre au Brésil, suscitado principalmente pela
Conferência de Berlim, que, na sua opinião, ocorreu sob
ideias preconcebidas, expressas em suas conclusões.
As sociedades e instituições que reuniam médicos
eram o centro dos debates científicos sobre as doenças que
devastavam as populações do país. No caso da lepra, por
iniciativa da Associação Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro,
em 1915 foi constituída a Comissão de Profilaxia da Lepra,
com base na proposta do dr. Belmiro Valverde. Por sugestão e orientação do professor Juliano Moreira, a comissão
contou com a participação de todas as sociedades médicas
da capital federal, desenvolvendo importantes estudos sobre
os vários aspectos da doença. Ao encerrar os trabalhos, em
1919, a comissão apresentou suas conclusões para embasar
a lei para regulamentar o combate à lepra.
A Comissão de Profilaxia da Lepra era formada pelos
representantes da Academia Nacional de Medicina – doutores Emílio Gomes, Alfredo Porto e Henrique Autran –;
Contagionistas versus anticontagionistas – Adolfo
Lutz e Belmiro Valverde
Em novembro de 1915 a Comissão de Profilaxia da
Lepra promoveu um debate sobre as formas de contágio
da lepra. Nesse evento, Adolfo Lutz defendeu a teoria da
transmissão por mosquitos que haviam picado doentes em
estado febril, com presença dos bacilos no sangue, e afirmou
em sua conferência que o isolamento sem os cuidados contra a transmissão por mosquitos era uma medida imperfeita para regiões de alta presença desses insetos, e suscitou o
debate. O dr. Belmiro Valverde, após enaltecer a idoneidade científica de Adolfo Lutz, ponderou o trabalho de outros
autores contrários à teoria e apresentou estudos realizados
nas Antilhas que provavam a inexistência do bacilo de
Hansen no tubo digestivo dos insetos; o dr. Fernando Terra,
médico estudioso da lepra e um dos fundadores da SBD,
também contestou a teoria, alegando que ela não só contrariava os autores mais respeitados como desconsiderava a
contribuição do Hospital dos Lázaros, que ele dirigia, no
bairro de São Cristóvão, onde eram raros os casos de lepra,
apesar da existência de mosquitos. Mas considerou a
possibilidade do mosquito como agente transmissor, recomendando à comissão a continuidade dos estudos. Por
fim, Carlos Seidl, presidente da comissão, acatou a proposta do dr. Paulo Silva Araújo, de levar adiante as ideias
do dr. Juliano Moreira, sobre a necessidade de experiências para comprovar a transmissão por insetos.
A conferência desencadeou acalorados debates. Entre
os defensores incondicionais de Lutz estavam Henrique de
Beau­repaire Rohan Aragão, também do Instituto Oswaldo
Cruz, e Emilio Gomes, antigo bacteriologista da saúde pública do Rio de Janeiro; entre os adversários, o dr. Fernando
Terra, diretor do Hospital dos Lázaros, catedrático de
dermatologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
e presidente da SBD, e, principalmente, Belmiro Valverde.
Os contagionistas apontavam a falta de dados experimentais comprobatórios da transmissão pelo mosquito. Valverde
admitia a intervenção de insetos, mas combatia a teoria de
Lutz, citando o Amazonas, Estado infestado por mosquitos,
mas que apresentava baixa ocorrência de lepra.
Adolfo Lutz prosseguiu defendendo sua teoria ao
longo de toda a sua trajetória como pesquisador, apresentando suas ideias no 2-º Congresso Sul-Americano de
Dermatologia e Sifilografia, em 1921, em Montevidéu, e
33
na Conferência Americana de Lepra, realizada em 1922,
no Rio de Janeiro. O debate sobre a questão não saiu
de cena até 1930, nas reuniões da Academia Nacional de
Medicina, nas quais Belmiro Valverde apresentou outros
trabalhos, defendendo sempre sua posição contrária às
teorias de Adolfo Lutz.
Outros importantes pesquisadores publicaram estudos da doença levando em conta diversos aspectos. Sobre
o tema “casamento e lepra”, em 1916, os doutores Paulo
Silva Araújo e Belmiro Valverde apresentaram A lepra e o
casamento, ligado diretamente ao conceito de eugenia.
Sobre “lepra e domicílio”, os doutores Eduardo Rabello
e Silva Araújo Filho apresentaram Relações entre a lepra e
o domicílio.
Confinamento ou isolamento?
A tese do contágio acabou prevalecendo em um período repleto de incertezas sobre as formas de transmissão da doença, e a opção por isolar os doentes foi considerada a melhor delas. O isolamento já havia sido previsto
em 1904, no título sobre “Profilaxia geral das moléstias
infecciosas”, do Decreto nº- 5.156, que fazia parte da legislação da reforma sanitária conduzida por Oswaldo Cruz.
Nessa época, era intenso o debate em torno dos problemas sanitários no Rio de Janeiro. Em relação à lepra, considerada doença crônica, os hospitais tornaram-se impróprios para o tratamento e controle da moléstia, sendo
substituídos por leprosários, que se diferenciavam por
oferecer uma terapêutica mais especializada: o recolhimento e a segregação do doente.
Mas os adeptos do confinamento para profilaxia da
doença defendiam que uma ilha seria o local mais apropriado, inspirados em Molokai, no arquipélago havaiano,
que se tornou referência para políticas públicas de combate
à lepra. Oswaldo Cruz já havia se manifestado sobre o tema
em relatório ao ministro do Interior, J. J. Seabra, em que
defendia a transferência dos doentes para “colônias de
leprosos”, estabelecimentos onde eles poderiam, além
de receber o tratamento adequado, continuar se dedicando
à alguma atividade. Seu plano era isolar os doentes na ilha
Grande, mas não deu prosseguimento ao projeto, pois
assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, desligando-se
da Diretoria-Geral de Saúde.
Em 1907, no 6-º Congresso Brasileiro de Medicina e
Cirurgia, realizado em São Paulo, a Seção de Dermatologia e Sifiligrafia, sob a presidência de Werneck Machado,
aprovou uma moção apresentada pelos doutores Ulysses
Paranhos, Alberto Seabra e Adolpho Lindemberg, que
propunha como medidas o isolamento dos leprosos em
colônias agrícolas, aproveitando as ilhas brasileiras desabitadas, mas férteis; a notificação compulsória da moléstia; e
a criação e educação de recém-nascidos filhos de leprosos
nos orfanatos dos Estados. Em 1918, na Comissão de Profilaxia da Lepra, Fernando Terra e Juliano Moreira, em
“Lepra e isolamento”, destacaram como medida profilática
o afastamento do convívio social daqueles que foram atingidos pela doença.
A questão era bastante complexa e as discussões
envolviam aspectos de naturezas diversas. O isolamento
poderia ser feito no próprio domicílio somente por aqueles
que dispusessem de recursos financeiros, observando
rigorosamente medidas de higiene e desinfecção. Assim,
em 1919, a comissão apresentou os resultados em suas
conclusões, recomendando o isolamento dos leprosos,
base racional da profilaxia da lepra, sem distinção de classe
ou indivíduo.
Mas já em 1916, no I Congresso Paulista de Medicina, Emílio Ribas havia feito uma conferência tecendo uma
série de considerações sobre os problemas do isolamento
em seu texto “A lepra: sua frequência no Estado de São
Paulo – Meios profiláticos aconselháveis”, referindo-se à
escolha do local para o isolamento dos leprosos. Alertava
ele que isolar o doente em uma ilha, tirá-lo do convívio
social, seria o erro mais grave, argumentando que hospitais
de zonas habitadas recebem doentes com moléstias muito
mais contagiosas do que a lepra, sem nenhum perigo para
a saúde pública, desde que observados os princípios de
higiene. E citou como exemplo o Hospital de Isolamento de
São Paulo, localizado em zona altamente populosa, que em
22 anos de funcionamento não disseminou nenhuma
doença pelas vizinhanças.
A polêmica entre Belisário Penna e Eduardo Rabello
Mesmo não estando entre as prioridades sanitárias do
governo na década de 1910, os médicos incluíram a lepra
em seus debates em face da ameaça do avanço da doença e
das dificuldades de estabelecer as formas de transmissão e o
tratamento. Assim, foi criada, em 1920, a Inspetoria da Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV), com base
na nova configuração da doença como problema nacional.
Family ties: ethnic groupS in brazil
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
32
da Sociedade de Medicina e Cirurgia – professor Eduardo
Rabello e doutores Werneck Machado e Guedes de Mello –;
da Sociedade de Dermatologia – professores Fernando
Terra, Juliano Moreira e Adolfo Lutz –; da Sociedade Médica de Hospitais – doutores Sampaio Viana, Silva Araújo
Filho e Oscar Dutra e Silva –; e da Associação Médico-Cirúrgica – doutores Paulo Silva Araújo, Henrique de Beau­repaire
Rohan Aragão e Belmiro Valverde.
35
grupos indígenas brasileiros de línguas
e regiões diferentes –, Sul da Bahia, 1875.
Botocudo Indian – a name given to various
indigenous Brazilian groups of different languages
and from different regions – South of Bahia, 1875.
para abrigar um grande hospital de isolamento. O objetivo
não era apenas assegurar o bem-estar do doente, mas garantir a preservação da saúde da população sadia.
Eduardo Rabello era desfavorável à proposta de
Penna, apontando o fracasso desse tipo de medida em outros países, reiterando assim a orientação do IPLDV
quanto ao isolamento em leprosários ou em domicílios,
com liberdade de escolha para o doente, desde que observadas as exigências da autoridade sanitária. Essa orientação também sofreu críticas, embora o governo já tivesse
iniciado a construção das instituições. Rabello argumentava que o número insuficiente de leprosários dificultava
o isolamento nosocomial, conforme determinava a legislação, e propunha a construção de colônias agrícolas longe
dos centros urbanos, o que não despertaria temor e insegurança na coletividade. Em suma, Penna sustentava a
ideia de que os doentes deveriam viver “como nós”, mas
isolados, e Rabello acreditava que o melhor seria mantê-los “entre nós”, também isolados. A ideia da construção
das colônias agrícolas acabou ganhando vigor e sendo
aceita como modelo principal para o isolamento. Na década de 1930, o governo federal empreendeu uma série de
construções desses estabelecimentos pelo país, mesmo
sem alterar as estruturas de combate à doença.
As ações políticas fizeram com que as ações profiláticas perdessem uniformidade. Washington Pires, à frente
do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1934, implementou uma série de reformas nos serviços federais de
saúde, extinguindo a Direção Nacional de Saúde Pública
(DNSP) e a Inspetoria da Profilaxia da Lepra e das Doenças
Family ties: ethnic groupS in brazil
34
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Índio botocudo – nome atribuído a vários
A proposta profilática desse órgão foi alvo de críticas
e discussões, sendo emblemático o debate entre Belisário
Penna e Eduardo Rabello sobre o isolamento praticado
pela IPLDV. Penna considerava a lepra o problema mais
grave do país e, em sua opinião, somente medidas rigorosas
seriam eficientes para enfrentar o “descaso dos poderes públicos”. Em vários artigos publicados na imprensa defendia
a criação de um município para segregar todos os leprosos
do país. Do outro lado estava o dermatosifilógrafo Eduardo
Rabello, dirigente do IPLDV entre 1920 e 1926, que defendia o isolamento dos doentes em leprosários como forma
de evitar o contágio. Mas a escassez de verbas e a insu­
ficiência do número de instituições para abrigar os doentes
levaram a inspetoria a aceitar o isolamento domiciliar.
O estopim da polêmica foi a publicação de um artigo
em que Penna criticava a atuação do Estado no combate à
lepra desde o início da República, desacreditando o sistema
de isolamento praticado pelo IPLDV e o uso terapêutico do
chaulmoogra e mostrando cálculos alarmantes da evolução
da doença, com o objetivo de desqualificar a eficácia e o papel dos leprosários. Afirmava que o único meio seguro de se
evitar a propagação seria a retirada dos leprosos da sociedade, considerando a internação em hospitais uma prisão intolerável. Apontava como solução a construção de municípios
denominados Município da Redenção ou Município dos
Lázaros, onde os doentes viveriam livremente, com possibilidades de trabalho, e seriam responsáveis por suas questões
sociais, políticas e administrativas. A ideia era inspirada no
projeto de Oswaldo Cruz, que em 1913 propôs o isolamento
dos leprosos na ilha Grande, onde já existiam instalações
Negro cesteiro, 1875.
Negro basket maker, 1875.
37
A hanseníase entre nós
Atualmente, e já desde a década de 1950, o tratamento
da doença é feito em nível ambulatorial. O internamento
compulsório dos acometidos de hanseníase foi abolido por
lei, em todo o Brasil, em 1954, exigindo mudanças nas políticas de controle da doença. Mas a extinção do isolamento
compulsório efetivamente se concretizou a partir da década
de 1960, com a criação dos “dispensários”, que prestavam
serviços ambulatoriais para investigação de casos novos e
observação dos casos suspeitos, que seriam internados se
confirmado o diagnóstico. Com o fim do isolamento compulsório, os doentes poderiam sair dos asilos, se quisessem,
e o tratamento poderia ser feito em centros de saúde. Mas,
pelas décadas de segregação pelas quais haviam passado,
muitos escolhiam continuar nos leprosários, porque não tinham para onde voltar ou como sobreviver na sociedade.
Na esteira das mudanças exigidas pela doença ocorreram modificações nos métodos profiláticos e nas políticas
de controle da hanseníase, baseadas na descentralização do
atendimento e no aumento da cobertura populacional. Em
1964, o governo federal transferiu a responsabilidade dos
programas relativos à doença aos Estados, com o término da
Campanha Nacional de Lepra. Em São Paulo, o isolamento
compulsório dos hansenianos foi eliminado em todo o Estado em 1967, quando o dr. Abrahão A. Rotberg assumiu a
diretoria do antigo Departamento de Profilaxia da Lepra, na
Secretaria da Saúde do Estado, na gestão do professor Walter
Leser. Foi também Rotberg quem propôs a mudança do
nome da doença de “lepra” para “hanseníase” e providenciou a substituição do termo em todos os documentos oficiais para afastar o estigma do nome da doença, que poderia
levar o doente a ocultá-la, impedindo o tratamento e mantendo a endemia. A proposição de Abrahão Rotberg alcançou mais tarde todo o país, por meio da Lei Federal nº- 9.010,
de 29 de março de 1995, que tornou obrigatória a utilização
do termo "hanseníase", e vocábulos derivados, em todos os
documentos oficiais do governo federal. Com a mudança do
nome, buscava-se afastar as fantasias e os preconceitos
contra a moléstia, além de favorecer a educação para a saúde.
As pesquisas de Rotberg nas áreas da alergia e imunologia
da hanseníase projetaram-no mundialmente. Hoje, é de
fundamental importância que as pessoas acometidas pela
Family ties: ethnic groupS in brazil
36
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Venéreas (IPLDV), pulverizando as atividades e transferindo a responsabilidade do combate à lepra para os Estados.
Mas a pesquisa científica sobre a doença, que já era incentivada desde 1927 no Laboratório de Leprologia do Instituto
Oswaldo Cruz, dirigido pelo leprólogo Heraclides Cesar de
Souza-Araujo até 1950, ganhou novo impulso com a criação do Centro Internacional de Leprologia, resultado das
negociações entre o governo brasileiro e a Liga das Nações.
Carlos Chagas foi o primeiro diretor, sucedido após a sua
morte por Eduardo Rabello.
Uma estabilidade maior à política de saúde publica
foi conferida em 1934, quando Gustavo Capanema assumiu o Ministério da Educação e Saúde Pública. Porém, as
estatísticas apontavam o número insuficiente de asilos e
hospitais especializados para recolhimento dos leprosos,
implicando a elaboração de um plano nacional de combate
à doença. No ano seguinte, por indicação de Capanema,
João de Barros Barreto, diretor nacional da Saúde e Assistência Médico-Social, em colaboração com Ernani Agrí­
cola, diretor dos Serviços Sanitários nos Estados, e Joaquim
Motta, assistente da Seção Técnica Geral de Saúde Pública,
elaborou um plano para a tentativa de recuperar a centralidade perdida na reforma anterior. A maioria dos estabelecimentos construídos a partir do plano começou a funcionar na década de 1940, quando já estava em operação o
Serviço Nacional de Lepra, do Departamento Nacional de
Saúde, criado em 1941, quando a lepra passou a ter uma
avaliação mais ampla e sistemática, que há muito era exigida, diante da gravidade da doença.
doença divulguem, sempre que possível, os novos e atuais
conceitos e avanços sobre a hanseníase, uma doença curável, de baixa contagiosidade e contra a qual a maioria da
população possui “defesas imunológicas naturais”.
O controle e a detecção precoce
No século XXI, a endemia de hanseníase encontra-se
quase extinta como um problema global de saúde pública,
mas o Brasil, assim como a Índia, está incluído entre os
países com maior prevalência da doença – é o único da
América Latina que ainda não conseguiu erradicá-la.
“Declínio da prevalência”, “eliminação da hanseníase
no mundo”, “tratamento ambulatorial de curta duração” e
“cura” são expressões incorporadas na atual visão, em contraponto aos estigmas relacionados à doença até meados
do século XX.
Assim, as formulações de política de saúde concentraram-se em orientar programas tendo como foco o controle da hanseníase, com base na detecção precoce e no
pronto atendimento de casos novos, visando extirpar as
fontes de infecção e evitar sequelas.
Atualmente, o Brasil apresenta resultados que demonstram tendência de declínio da prevalência em consonância com os demais países endêmicos, sendo que a
distribuição da doença em todo o país é desigual entre
regiões e Estado.
Somada aos programas de controle de prevenção,
destaca-se a importante contribuição das pesquisas científicas na área de imunologia, biologia molecular e sequenciamento genômico do M. leprae, importantes ferramentas
de diagnóstico, prognóstico e vigilância. A relevância de
investimentos na área de produção de conhecimento está
cada vez mais evidente na dura batalha para a erradicação
da doença, na medida em que esses investimentos garantem a viabilização e a compreensão de mecanismos de
transmissão, métodos de prevenção e controle.
Referências bibliográficas
CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002.
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, na passagem do século aos anos 40. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – Cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
COSTA, Dilma Avellar Cabral da. “Entre ideias e ações: medicina, lepra e políticas públicas (1894-1934)”. Niterói: ICHF – Universidade Federal Fluminense, 2007. Tese de doutorado.
CUNHA, Vivian da Silva. “Centro Internacional de Leprologia: ciência, saúde e cooperação internacional no Brasil do entreguerras
(1923-1939)”. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2011. Tese de doutorado.
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de Saúde Pública no Brasil. São Paulo: Hucitec/Anpocs, 1998.
MACHADO, Maria Helena; VIEIRA, Ana Luiza Stiebler (coords.). Perfil dos dermatologistas no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2003.
MACIEL, Rosa Laurindo. “Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história de políticas públicas de combate à lepra no
Brasil (1941-1962)”. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007. Tese de doutorado.
Manual de leprologia. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Lepra – Ministério da Saúde, 1960.
MARTELLI, Celina Maria Turchi; STEFANI, Mariane Martins de Araújo; PENNA, Gerson Oliveira; ANDRADE, Ana Lúcia S. S.
“Endemias e epidemias brasileiras, desafios e perspectivas de investigação científica: hanseníase.” Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 5, nº- 3, 2002.
SEVCENKO, Nicolau. A literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SOUZA-ARAUJO, Heraclides Cesar. História da lepra no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, v. I, II e III, 1956.
SOUZA, Letícia Pumar Alves de. “Sentidos de um ‘país tropical’: a lepra e a Chaulmoogra brasileira”. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo
Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, 2009. Dissertação de mestrado.
SOUZA, Vanderlei Sebastião. “Em nome da raça: a propaganda eugênica e as ideias de Renato Kehl nos anos 1910 e 1920”. Revista de
História Regional, 11(2): 29-70, Inverno, 2006.
TELLAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Poder e saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde em São Paulo. São Paulo: Editora da
Unesp, 1996.
39
Sede da Fundação Oswaldo Cruz,
em prédio projetado pelo
arquiteto português Luiz de Moraes
Júnior com base nos croquis do
sanitarista Oswaldo Cruz.
Seat of Oswaldo Cruz Foundation
in a building designed by Portuguese
architect Luiz de Moraes Júnior
based on sketches drawn by public
health officer Oswaldo Cruz.
To some extent, a science tends to reflect the social set of circumstances that it deals with. That was no different with
medicine in Brazil. We may identify three historical phases of
medicine: treatment by shamans, prescientific, and scientific
medicine. In the first phase, the protagonists were the indige­
nous people, missionaries, licensed medical practitioners,
and people holding a diploma. The indigenous people contribution prevailed for over two hundred years, as missionaries
adapted it to the methods of European medicine, up to the
massive entry of African slaves whose endemic diseases from
their own continent were added to local endemics. In the late
18th century, barbers, pharmacists, and some physicists dispensed medical care in Brazil.
The second phase began with the arrival of the royal
Portuguese family, when the development of the colony
occurred in leaps and bounds to preserve European-style
civility. The creation of two surgery schools, one in Salvador
and the other in Rio de Janeiro, increased opportunities for
specialized practice – pharmacist, midwifery, and physician – and medicine was then deemed a trade, drawing
significant interest in the scientific study of the diseases that
plagued the population, as syphilis, leprosy, and bubo, the
greatest evil in colonial Brazil.
The early 20th century marked a scientific phase in
which physicians played an important role in the search for
national identity, and public health policies started being introduced in the planning of cities and rural areas as a means
of waging a systemic fight against diseases.
From the second half of the 19th century onwards, as a
result of major advancements in medical schools, the publication of Gazeta Médica da Bahia in 1866, and the recognition
by the international scientific community of research studies
conducted by Brazilian physicians aroused considerable interest in the development of prophylactic efforts. Brazilian
physicians started getting information straight from the
horse’s mouth by exposing themselves to actual and well-developed circumstances in Europe and then adapting them to
their local situation. After debates sparked off by Gazeta, five
Brazilian physicians participated in the 1st World Congress
on Dermatology and Syphilography, held in Paris in 1889,
among them, Bruno Chaves, author of Mercúrio e seus
decompostos, who was then nominated for membership at
the Société Française de Dermatologie et de Syphiligraphie.
Oswaldo Cruz and Instituto de Manguinhos marked
the moment when research abandoned its predominantly
bibliographic character in favor of an academic production
to identify causes, diagnoses, and treatment of unknown
diseases. The professor and researcher figures emerge.
Public health in the Old Republic
The devastating epidemics of yellow fever, smallpox,
and cholera that ravaged Brazil thwarted its consolidation
as a modern and civilized state, and delayed the national
identity-building process. In Rio de Janeiro, the inefficiency
of old urban structures to meet new demands could be detected, among other aspects, in the clusters of people in noxious areas, permanent sources of diphtheria, tuberculosis,
malaria, leprosy, typhoid fever, and other endemic diseases
that ravaged the mestizo population. In São Paulo, in addition to the city facing a similar situation to that of the
federal capital, the precarious conditions provided by coffee
farmers to immigrants favored successive epidemics that
decimated hundreds of workers. As the negative image of
the country was disseminated, some countries started discouraging and even prohibiting their nationals from emigrating to Brazil. Public health situation was very far from
the intended ideal of modernity; thus government efforts
and actions were mostly aimed at improving the country’s
image in the international scenario.
In 1890, the government created its Public Health
Council and the Terrestrial Sanitary Service to address public
sanitation issues and fight transmissible and endemic diseases
and epidemics, but the work of the government in the health
area was determined for a long time by the 1891 Constitution
that granted autonomy to states and municipalities, as a result of a pact with oligarchies. Up to 1910, health problems in
the country had not been politically prioritized in the national
agenda, and studies and research were restricted to specialized places as Instituto Oswaldo Cruz and Instituto de Manguinhos, which made themselves heard in the event of sanitary
crises caused by the disorderly growth and the precarious
living conditions of the poorer and outcast population.
In the context of the reforms Oswaldo Cruz implemented, relevant scientists, whose works were fundamental
to set a health policy, came to the stage. Ideological and scientific clashes started shaping a new profile for science and
encouraging reforms in such a way that in the early 20th century the public health officer took on a central role in the
health area, being directly responsible for sanitary efforts, a
symbol of the State efforts.
Traditional medicine and the press shared their criticism
of the new medicine that adopted the innovations coming
from Europe, thus polarizing the debate. On one side, Rio de
Family ties: ethnic groupS in brazil
T
Society, Health, and Medicine
Janeiro Medical School and the doctors’ offices of the then
capital city that criticized the methods followed by Mangui­
nhos in “invasive” sanitary actions, asserting the privilege of
microscopic beings to the detriment of patients, actual human beings; on the other side, the laboratories that abode by
the rules of Pasteur’s French medicine, and the Manguinhos
experimental medicine that criticized traditional medicine
because of the limited sensory capacity of its physicians to
perceive trends of diseases and possibilities of eradicating
them. But in spite of their differences, traditional medicine,
laboratories, and instrumental medicine of an experimental
nature sought a unity to strengthen scientific discourse.
Skin diseases and the vanguard of dermatology:
Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD
(Brazilian Society of Dermatology)
In addition to yellow fever, tuberculosis, and smallpox
other diseases revealed problems that would reach beyond the
consequences of the diseases themselves, as skin diseases – evidenced by the presence of spots, wounds, and deformities, they
stigmatized an individual, thus subjecting him or her to being
excluded from society, as the skin is a communication organ
which denounces a body in bad health; between the late 19th
century and the beginning of the following century, syphilis
and leprosy were the most significant skin diseases, as they
were directly related to isolation and prejudice. Hence the importance of research, training, and specialization of qualified
professionals to treat and control those diseases.
In Brazil, dermatology was institutionalized in 1883
with the creation of a chair of cutaneous diseases and syphilis
clinic in the medical schools of Rio de Janeiro and Salva­­
dor, having João Pizarro Gabizo and Alexandre de Castro
Cerqueira as professors, respectively. Up to that moment, Antônio José Pereira da Silva Araújo was in charge of free dermatology education at the first disease clinic in Brazil, created at
Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Policlínica Geral was established in 1881 to provide free medical assistance to the destitute, and proposed that a patient’s treatment should be conducted at his or her own house, in order to prevent other patients from being contaminated in hospital environments. Its
specialties included syphilitic and cutaneous diseases, under
Silva Araújo’s responsibility. Instituto de Manguinhos also
made outstanding contributions to consolidate studies on skin
diseases: countless research studies were carried out and improved by scientists such as Adolfo Lutz, Adolpho Lindemberg,
Paulo Parreiras Horta, Gaspar Vianna, Rocha Lima, Henrique
de Beaurepaire Rohan Aragão, Arêa Leão, Armínio Fraga, Eduardo Rabello, Fernando Terra, and Olympio da Fonseca Filho.
At that moment of restructuring Brazilian medicine,
in 1912, the antivenereal fight gained momentum and went
through a reorganization process with the creation of Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD (Brazilian Society
of Dermatology) that soon became a meeting point for professionals from different institutions who gathered around
the research in that area. That entity sought recognition as
a space to reconcile different theoretical standpoints – ten
out of its eighteen founders were dermatologists. SBD developed very quickly: one year after its foundation, it counted eighty-one members, fifty-two of them from Rio de Janeiro. Its first scientific meeting was held on March 1, 1912,
and, in that same year, another ten meetings took place.
Among the themes addressed, one could find: buboes (Silva
Araújo Filho); Duhring’s disease (Fernando Terra); ulcera­
tive tropical granuloma, lupus erythematous, and juvenile
Eugenic ideals arrive in Brazil
Eugenics was a social scientific movement that believed in the possibility of improving the qualities of the human species by preserving the “pureness” of certain social
groups that were deemed “adequate” for reproduction and a
guarantee of a good genetic heritage for future generations.
In Brazil, it appeared in response to 19th-century European
theories of degeneration, that criticized the miscegenation in
the tropics. Hereditary explanations and the idea of “adequate” and “inadequate” human beings would be an effective strategy to improve the mestizo population on the basis
of European physicians and jurists. Leprosy and syphilis,
along with alcoholism and tuberculosis, were diseases associated with race degeneration and, therefore, incompatible
with the harmonious development of a society in pursuit of
the modernity ideals intended by the Republic, a challenging
scenario for public health officers.
Various factors, as the crisis between the monarchy
and the Republic, Brazil’s participation in World War I, the
lack of universities that would enable a systematic study of
eugenics, fostered its introduction in the country, but until
1917 just a few scattered initiatives by intellectuals and scien­
tists mentioned eugenics as a possible way to modernity.
In 1918, the theory gains adepts and defenders. Renato
Kehl, a physician from the state of São Paulo, founds Sociedade Eugênica de São Paulo, which, among its members, has
Arnaldo Vieira de Carvalho, the founder of University of São
Paulo Medical School, public health officer and physician
Arthur Neiva, and psychiatrist Franco da Rocha. The society
was defined as a cultured organization of a scientific nature
and, while having produced a few studies, it never engaged in
research, devoting itself to disseminating ideas and introdu­c­
ing the eugenics issue in the debate. In Brazilian literature,
Monteiro Lobato wrote O choque das raças ou o presidente
negro, published in 1926, using the plot in vehement defense
of eugenic ideals. Being a friend of Renato Kehl’s, he sent him
a letter saying, “Renato, you are the father of eugenics, and I
should dedicate my Choque, a pro-eugenic battle cry…. We
1. Glauco Carneiro, História da dermatologia no Brasil. Sociedade
Brasileira de Dermatologia, 2002, 59.
41
must introduce and popularize those ideas. Humankind
needs one thing only: pruning….”
Some of the eugenic actions proposed in Brazil were of
a restrictive nature, as marriage regulation, segregation, ster­
i­lization; others were constructive, as sanitary education and
advertising eugenic principles, but such actions never materialized, despite the fact they had become the subject of
intense debate. Eugenicists proposed to homogenize the
national race by means of a whitening process based on, for
example, the control of immigration policies and the miscegenation process, but the cruel reality was that sanitarian
practices were incapable of curbing epidemics and eradicating existing diseases. In that particular moment when the
nation strived to consolidate its identity, science found
ground to disseminate theories of heredity, regarding human
life as a result of biological processes, and eugenics as an ideal
means to exercise its function in society. This way, eugenics in
Brazil was of an exclusively sanitarian nature, supported by
interventionist medicine practices that imposed massive
sani­tary initiatives among the population.
Syphilis, a new attitude towards the disease
The aggravation of epidemics was conditioned to political and economic factors of national interest, related to
the industrial development and to the country’s modernization ideal. Syphilis, fiercely antagonized and the object of
prejudice, spread quickly, deeming those sick more oppressed,
neglectful, and rebellious to treatment, curbing the initial attempts to fight the disease.
In 1925, Sociedade Brasileira de Dermatologia changed
its registered name to Sociedade de Dermatologia e Sifilografia, in a direct reference to syphilis, a disease that affected
multiple organs: bones, eyes, skin, the nervous and cardiovascular systems – a plague to society, a disease regarded not only
as horrible but also as degrading and vulgar. The following
people from Rio de Janeiro were engaged in the fight against
syphilis: a Medical School group that gathered Fernando
Terra, Eduardo Rabello, and Oscar da Silva Araújo; an Instituto de Manguinhos group that included Adolfo Lutz, Gaspar
Vianna, Arêa Leão, and Heraclides Cesar de Souza-Araujo;
and a group from Policlínica do Rio de Janeiro that gathered
Werneck Machado and his assistants. From São Paulo,
Antônio Carini and Adolpho Lindemberg, both associated to
Instituto Bacteriológico, were members of the society.
On the occasion of the first Brazilian Congress on Eugenics, held at Rio de Janeiro Medical School, in July 1929,
Mendes de Castro, assistant physician to Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde de São Paulo, presented
a study entitled “A luta contra a sífilis e moléstias venéreas
em São Paulo” that addressed the medical services provided
by the government in the fight against syphilis and other
venereal diseases, and cited “venereal diseases” as accounta­
ble for race degeneration, stressing the eugenic importance of
both sexual education and the treatment for the “sick.”
Nevertheless a belief that the Brazilian problem lay to
a large extent in syphilis, and not in the mixture of races, grew
and consolidated, and, from that standpoint, the disease
itself attained strategic importance, as it involved successive
sanitarian interventions to fight it and cure its maladies.
Historian Nancy Stepan identifies an atmosphere of “realistic
nationalism” in the 1920s, that would lead Brazilians to
seek new paths to interpret their social and climate condition, and their racial profile, thus driving away from
European standards. Brazilian syphilographers contributed
to consolidate that thinking of a strong nationalistic appeal,
that valued what Brazil had of non-European, instead of
imputing all evils to race miscegenation. The beginning of that
decade was marked by a change in initiatives and policies to
prevent syphilis. The government created an inspectorship for
preventing leprosy and venereal diseases, called Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, starting a process of political centralization of health and of efforts aimed
at treating and preventing syphilis, which gave rise to a new
political attitude regarding the disease. Syphilographer
Eduardo Rabello, and Oscar da Silva Araújo and Joaquim
Mota Vale were at the helm of that inspectorship. The syphilis
fighting policy was chiefly based on sanitary advertisement
of an educational nature and on the treatment of the sick in
dispensaries or specialized hospitals.
Hansen’s disease, the illness of the centuries
When a person has on the skin of his body a swelling or an
eruption or a spot, and it turns into a case of leprous disease
on the skin of his body, then he shall be brought to Aaron the
priest or to one of his sons the priests, and the priest shall
examine the diseased area on the skin of his body. And if the
hair in the diseased area has turned white and the disease
appears to be deeper than the skin of his body, it is a case of
leprous disease. When the priest has examined him, he shall
pronounce him unclean. The leprous person who has the
disease shall wear torn clothes and let the hair of his head
hang loose, and he shall cover his upper lip and cry out,
‘Unclean, unclean.’ He shall remain unclean as long as he
has the disease. He is unclean. He shall live alone. His dwelling
shall be outside the camp.
Lev. 13:2–3 and 45–46
Family ties: ethnic groupS in brazil
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
40
varicose veins (Eduardo Rabello); iodine treatment of leg
ulcers (E. Crissiuma), and leprosy and nastina (Fernando
Terra).1 In the following decades, society members continued their contribution with works to develop dermatology,
and a number of diseases were described and characterized
by Brazilian dermatologists, as the Hansen’s self-aggressive
disease (Rubens David Azulay) and anserine dermatosis
(Padilha Gonçalves), among others. Anais da dermatologia, published as of 1925, were fundamental to disseminate
the research studies and those scientists and physicians’
ideas throughout the scientific community.
Andrade, count of Bobadella, had the first facilities built,
keeping that institution till the day he died. That sanatorium
gave rise to Hospital de Lázaros, which, since 1763 has been
under the administration of Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Nossa Senhora da Candelária. In 1941, the
name of the institution was changed to Hospital Frei Antônio,
to pay homage to bishop Dom Antônio do Desterro. In
Bahia, also as a result of a neglectful Crown, Dom Rodrigo
José de Menezes founded, with the help of the people, Hospital
São Cristóvão dos Lázaros, located at Quinta dos Jesuítas,
in Salvador. That facility remained in operation until 1947.
Areas and institutions for lepers were also created in
other states: in Belém, the capital city of the state of Pará,
Santa Casa created Hospício dos Lázaros in 1815 to serve the
whole Northern region, and it remained in operation until
1938; in the state of Maranhão, as of 1826, various villages for
lepers were created, such as São Bento and Viana; in the state
of Mato Grosso, in Cuiabá, the capital city, captain-general
Oyenhausen founded Hospital dos Lázaros in 1816, which
was renamed Hospital de São João dos Lázaros later on. In
São Paulo, Santa Casa de Misericórdia founded Hospital dos
Morféticos in 1805, which was located at the Olaria farm. In
the interior of the state, in 1806, a hospital for lepers was built
in the city of Itu and remained in activity for 125 years;
Campinas built Hospital dos Lázaros de Guapira, in 1863.
For a long time, leprosy was confounded with other diseases as syphilis and Greek elephantiasis, but the expansion of
research studies along the 19th century deemed possible for the
physicians to reach a more adequate assessment of the sick. In
Brazil, Dr. Joaquim Cândido Soares de Meirelles submitted to
the Rio de Janeiro Medical Society, in 1831, his “Paralelo entre
as duas espécies de elefantíases e entre a lepra,” the first work
about the disease. It was the beginning of a series of other stu­
dies submitted by Francisco de Paula Cândido, Luís Vicente
De-Simoni, and João Maurício Faivre. The Imperial Academy
of Medicine was the arena for the debates about research studies
conducted to identify leprosy. In August 1845, the physicians
attending that meeting issued their opinions about João Maurício Faivre’s work, on the use of the thermal waters of Caldas
Novas, in the state of Goiás, in the treatment of leprosy and
Greek elephantiasis, which is popularly known as morphea.
In 1847, leprosy was defined as a nosological reality,
differentiated from other diseases, with the publication of
an illustrated treaty called Om Spedalsked, by Norwegian
dermatologists Daniel C. Danielssen and C. W. Boeck, which
described lepromatous leprosy. In 1863, Rudolf Virchow
described and identified the lepromatous granuloma; and,
in 1879, Albert Nissier, a German scholar, confirmed the
presence of the bacteria in leprous material.
Despite the fact that Gerhard Hansen’s discovery of
Mycobacterium leprae showed a peculiar pathogenic agent,
it failed to clarify the infection mechanisms and its transmissibility, deeming it difficult to associate the bacteria
with leprosy, fueling a debate that went on through the first
decades of the 20th century. The debate reached its peak
in Berlin, in 1897, at the First International Leprosy Conference, the first international meeting on the disease. The
conference defined the bacteria as the true and exclusive cause
of the disease, entailing the possibility of a more precise
therapeutic intervention, defined in its final considerations
43
Family ties: ethnic groupS in brazil
42
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
In 1874, Gerhard Henrik Armauer Hansen, a Norwegian physician and botanist, began demystifying the belief
that had associated leprosy to divine curse and to the impurities of individuals for centuries, by identifying Mycobacterium leprae as the bacteria that caused leprosy.
It is one of the oldest diseases referred to by man. Japan, China, and India had already known that illness for
nearly four thousand years, but its origin remains uncertain
and it is a highly controversial subject among scholars; however, the region of the northern strip of Central Africa, from
Nigeria to Abyssinia (currently Ethiopia), should be regarded
as the main source of the disease, since that part of the globe
is still the most affected.
Leprosy arrived in the American continent at the time
of the maritime expansion, with Portuguese, Spanish,
French, and Dutch settlers, and later on with the Africans. In
his work História da lepra no Brasil, Heraclides Cesar de
Souza-Araujo states that there was no leprosy among the native Brazilians, and the many travelers in their journeys
through the interior of Brazil also concluded in their accounts
that pure tribes were not attacked by that infection.
In Brazil, according to physician Fernando Terra, a
leprosy scholar and one of the founders of SBD, there are records of cases dating from 1600, but only much later, in 1741,
a sanatorium to treat lepers was created, in the city of Recife.
The Portuguese Crown was neglectful of building institutions to treat lepers. In Rio de Janeiro, authorities tried in
vain to obtain funding from the Crown to install a sanatorium
in the Nossa Senhora da Conceição church. Then, in 1741,
the Rio de Janeiro governor, captain-general Gomes Freire de
by compulsory notice and isolation. Debate conclusions
guided the gover­nmental preventive measures in the following
decades. In the historical reconstruction of leprosy as a microbial disease, the 1904 International Congress on Dermatology was essential to confirm that decision and determine
the uncau­sability of leprosy.
In Brazil, no official initiatives for an effective fight
against the disease were implemented in the first ten years of
the Republic. The 1890 Sanitary Regulation established that
only cases of yellow fever, cholera, diphtheria, plague, attack
of measles, scarlet fever, and smallpox required compulsory
notice, without mentioning leprosy. In 1894, Decree #1657
merged the Laboratório Bacteriológico and the Diretoria
Sanitária to form Instituto Sanitário Federal, that in the se­c­
ond paragraph of its by-laws made reference to the disease,
subordinating hospitals and isolations to the newly formed
entity. That decision represented an improvement, as it
granted public sanitation scientific character.
Discussions on leprosy were then divided between contagionists and anticontagionists, and were usually about
means of transmission of Hansen’s bacteria. It was known
that human contact, the only source of those bacteria, was
the mode of transmission, but the way bacteria entered the
human body was not known: it was assumed that the bacteria spread via the mouth, genitals, or skin. Mosquitos and
parasitic insects, such as fleas and bedbugs were also suspects
of carrying and inoculating the bacteria. Countless evidences
were gathered favoring non-hereditary transmission. In fact,
people discussed the possibility of transmitting or a susceptibility to the disease, as in the case of tuberculosis. The theory
of hereditarity was accepted under the influence of the Norwegian authors who had conducted studies based on their
own set of circumstances, without taking into account the
transmission of the disease in other countries. In Hawaii and
in the Philippines, for example, it had been proven that separating leper mothers from their children immediately after
birth prevented contamination. In view of that evidence, that
theory was definitively withdrawn.
Brazil was not inattentive to that discussion. The anatomical pathology laboratory, created in 1894 at Hospital dos
Lázaros, conducted bacteriological research on the leprosy
bacteria in different cultures. That hospital was a major center
of treatment of the disease, according to the requirements of
that period. Clinical director Azevedo Lima sent to the Berlin
Conference a communication entitled “Leprosy in Brazil,”
which advocated contagion and patient isolation, by regarding
each leper as a hazard to those who live in close contact with
him or her, whether at home or at a hospital. José Lourenço de
Magalhães, a tenacious anticontagionist, was one of his main
theoretical opponents. In 1900, Magalhães published his study
called Étude sur la lèpre au Brésil, as a response, above all, to
the Berlin Conference, which, in his opinion, took place based
on preconceived ideas, as expressed in its conclusions.
Instituto Vacinogênico, São Paulo, década de 1910.
Instituto Vacinogênico, São Paulo, 1910s.
Bahia Negro, 1890.
Contagionists versus anticontagionists – Adolfo Lutz
and Belmiro Valverde
In November 1915, the Leprosy Prevention Committee sponsored a debate on the modes of transmission of
leprosy. During that event, Adolfo Lutz proposed the theory
of transmission by mosquitoes that had bitten an infected
person in feverish condition, with the presence of bacteria in
the blood, and affirmed in his lecture that isolation without
Confinement or isolation?
The contagion thesis ended up prevailing in a period
filled with uncertainty about the modes of transmission of
the disease, and isolating the sick was deemed the best
45
option. Isolation had already been anticipated in 1904, under the item “General prevention of infectious diseases,” of
Decree #5156, that was part of the regulation of the sanitary
reform undertaken by Oswaldo Cruz. At that time, there was
a fierce debate about sanitary issues in Rio de Janeiro. With
reference to leprosy, which was regarded as a chronic disease,
as hospitals were no longer adequate to treat and control the
disease, they were replaced with leprosaria, which were
different insofar as they offered more specialized therapeutics: sheltering and segregating the sick.
But supporters of confinement to prevent the disease
defended that an island would be a proper place, inspired by
Molokai, in the Hawaiian archipelago, which had become a
reference for public policies to fight leprosy. Oswaldo Cruz
had already voiced his opinion on that subject in a report to
the Home Affairs minister J.J. Seabra, in which he advocated
transferring the sick to “leper colonies,” establishments where
they could devote themselves to a daily activity, in addition
to receiving an adequate treatment. He had planned to isolate the sick on Ilha Grande, but did not carry on with his
project, as he assumed the direction of Instituto Oswaldo
Cruz and left the General Health Directory.
In 1907, in the 6th Brazilian Congress on Medicine and
Surgery, held in São Paulo, the Dermatology and Syphilography Section, presided by Werneck Machado, seconded a motion submitted by doctors Ulysses Paranhos, Alberto Seabra,
and Adolpho Lindemberg that proposed measures as the isolation of lepers in agricultural colonies, taking advantage of
uninhabited but fertile Brazilian islands; compulsory notice
of leprosy; and the creation and education of newborn babies
with leper parents in government orphanages. In 1918, taking
part in the Comissão de Profilaxia da Lepra, Fernando Terra
and Juliano Moreira, in “Lepra e isolamento”, pointed out as
a preventive measure that those who had been attacked by the
disease should be withdrawn from social relations.
That issue was rather complex, and discussions involved aspects of various types. Isolation at a patient’s own
home could only be possible if that patient could afford to do
so and strictly follow sanitary and disinfection procedures.
Thus, in 1919, the committee presented the results in its conclusions, recommending leper isolation, the rational basis to
prevent leprosy, without distinction of class or individual.
But in 1916, at the 1st Congress on Medicine of the
State of São Paulo, Emílio Ribas delivered a lecture making a
number of remarks about the problems of isolation in his essay “A lepra: sua frequência no Estado de São Paulo – Meios
profiláticos aconselháveis,” referring to the choice of an isolation place for lepers. He warned that isolating a patient on an
island and withdrawing him or her from his or her social
environment would be a very serious error, arguing that
hospital in populated areas accept patients with much more
contagious diseases than leprosy, with no harm to public
health, as long as sanitary principles are observed. And gave
the example of the Hospital de Isolamento de São Paulo
that was located in a densely populated area and that in
twenty-two years of operation had not spread one single
contagious disease to the neighborhood.
The dispute between Belisário Penna and
Eduardo Rabello
While leprosy was not among the government sanitary
priorities in the 1910s, doctors included it in their debates in
view of the threat of becoming widespread, and of the difficulties to identify modes of transmission and treatment.
Thus, in 1920, Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV) was created based on the new definition of the disease as a nationwide problem.
The preventive proposal of that agency was the object of
criticism and discussion, and the dispute between Belisário
Penna and Eduardo Rabello about the isolation implemented
by the IPLDV was highly representative. Penna regarded
leprosy as the most serious problem in the country and, in his
opinion, only strict measures would be efficient to stand up to
the “disdain of public authorities.” In various articles published
by the press, he advocated the creation of a municipality to
segregate all the lepers in the country. Eduardo Rabello, a dermatologist and syphilographer, and an IPLDV director from
1920 to 1926, was his opponent. Rabello advocated the isolation of patients in leprosaria as a way to prevent transmission.
But the scarcity of funds and the insufficient number of institutions to house the sick forced IPLDV to accept “home isolation.”
That dispute was triggered by the publication of an article in which Penna criticized the way the State had fought
leprosy since the beginning of the Republic, discrediting the
isolation method that IPLDV had adopted and the therapeutic use of chaulmoogra, and publishing alarming data
on the evolution of the disease, with the purpose of disqualifying the effectiveness and the role of leprosaria. He affirmed
that withdrawing lepers from society was the only safe
means of preventing the disease from spreading, regarding
hospital confinement as an intolerable prison. He stressed
that the solution was to build municipalities called Município da Redenção or Município dos Lázaros, where lepers
would live freely, would be able to work, and would take on
responsibility for social, political, and administrative issues.
The idea was inspired by Oswaldo Cruz’ project that, in
1913, proposed isolating lepers on Ilha Grande, which
already had facilities to house a large confinement hospital.
The objective was not only to ensure a patient’s well-being,
but also to guarantee that the healthy population preserved
their good health.
Eduardo Rabello opposed Penna’s proposal by pointing
out the failure of that type of method in other countries, thus
restating IPLDV’s orientation regarding isolation in leprosaria or at home, granting the patient the freedom to choose,
as long as the requirements of sanitary officials were complied with. That position was also object of criticism, despite
the fact that the government had already started to build
those facilities. Rabello argued that the lack of enough leprosaria would hinder hospital confinement as the law had
stipu­lated, and proposed the construction of agricultural
colonies far from urban centers, to avoid spreading fear and
insecurity among the healthy population. In other words,
Family ties: ethnic groupS in brazil
44
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Negro da Bahia, 1890.
Societies and institutions that gathered physicians were
the center of scientific debates about the diseases that devastated
the people in the country. In the case of leprosy, on the initiative
of Associação Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, in 1915, a
Leprosy Prevention Committee was created on the basis of
Dr. Belmiro Valverde’s proposal. At professor Juliano Moreira’s
suggestion and guidance, the committee counted on the participation of all medical societies of the country’s capital, and deve­l­
oped relevant studies on the various aspects of the disease. On
concluding its works, in 1919, the committee presented its conclusions to support a law to regulate the fight against leprosy.
The Leprosy Prevention Committee was composed of
representatives of the National Academy of Medicine – doctors
Emílio Gomes, Alfredo Porto, and Henrique Autran; the Society
of Medicine and Surgery – professor Eduardo Rabello and
doctors Werneck Machado and Guedes de Mello; the Dermatology Society – professors Fernando Terra, Juliano Moreira,
and Adolfo Lutz; the Medical Society of Hospitals – doctors
Sampaio Viana, Silva Araújo Filho, and Oscar Dutra e Silva;
the Medical Surgical Association – doctors Paulo Silva Araújo,
Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão, and Belmiro Valverde.
due prevention of transmission by mosquitoes was an imperfect action in areas densely populated by those insects,
thus fueling the debate. Dr. Belmiro Valverde, after extolling
the scientific competence of Adolfo Lutz, assessed the work of
authors contrary to that theory and submitted studies conducted in the Antilles that confirmed the inexistence of
Hansen bacteria in the digestive tube of those insects; Dr.
Fernando Terra, a physician, leprosy researcher, and a
founder of SBD, also contested the theory, stating that not
only did it go against the most renowned authors but also
ignored the contribution of Hospital dos Lázaros, which he
directed, in the São Cristóvão neighborhood, where leprosy
events were rare, despite the lack of mosquitoes. But he took
into consid­e­ration the possibility of mosquitoes as disease
carriers and recommended that the committee should continue its research studies. At last, Carlos Seidl, president of the
committee, accepted Dr. Paulo Silva Araújo’s proposal of
carrying on with Dr. Juliano Moreira’s ideas on the need
of further probing to confirm transmission by insects.
The conference aroused heated debate. Among the
unconditional supporters of Adolfo Lutz were Henrique de
Beaurepaire Rohan Aragão, also from Instituto Oswaldo
Cruz, and Emilio Gomes, a former bacteriologist with the
Rio de Janeiro public health service; among the opponents
were Dr. Fernando Terra, director of Hospital dos Lázaros,
professor of dermatology at the Rio de Janeiro Medical
School, and president of SBD, and especially Belmiro Valverde. Contagionists pointed out the lack of experimental
data to confirm transmission by the mosquito. While Valver­
­de admitted to insect intervention, he contested Lutz’ theory,
citing the Amazon, a mosquito-infested state that showed a
low percentage of leprosy events.
Adolfo Lutz went on defending his theory in the course
of his entire career as a researcher, presenting his ideas at the
2nd South American Congress on Dermatology and Syphilography, in 1921, in Montevideo, and in the American Conference in Leprosy, held in 1922, in Rio de Janeiro. The debate
on that subject did not leave the stage until 1930, in the
National Academy of Medicine meetings, in which Belmiro
Valverde presented further work to support his opposing
position to Adolfo Lutz’ theories.
Other relevant researchers published studies on the dis­
ea­se, taking other aspects into account. On the theme “marriage and leprosy,” in 1916 doctors Paulo Silva Araújo and
Belmiro Valverde presented A lepra e o casamento, which
was directly associated to the eugenic concept. On “leprosy
and domicile,” doctors Eduardo Rabello and Silva Araújo
Filho presented the study Relações entre a lepra e o domicílio.
de Barros Barreto, Health and Medical-Social Assistance national director, Ernani Agrícola, director of Sanitary Services
in the states, and Joaquim Motta, assistant to the General
Public Health Technical Section developed a plan in an effort
to restore the credibility that had been lost in the former reform. Most facilities that had been built as part of that plan
started activities in the 1940s, when the National Leprosy
Service of the National Health Department, created in 1941,
was already in operation. From then on, leprosy was the object of a broader and more systematic evaluation, a real need
in view of the seriousness of the disease.
Hansen’s disease among us
Currently, and since the 1950s, the disease is treated on
an outpatient basis. Compulsory treatment of leper patients
in hospitals was abolished by law in 1954, and required
changes in the disease control policies. In fact, the real extinction of compulsory isolation came into effect as of the 1960s,
with the creation of new dispensaries that provided outpatient care to investigate new cases and follow suspect cases,
which would be placed in a hospital, should the diagnosis be
confirmed. With the end of compulsory isolation, lepers were
free to leave their sanatoria, and their treatment could be
provided through health centers. But after decades of segregation, many patients chose to remain in leprosaria, because
they had no other place to go or means to survive in society.
In the wake of the changes required by the disease, prevention methods were modified together with leprosy control
policies based on decentralization of care and on the increase
of population coverage. In 1964, the federal government
Control and early detection
In the 21st century, the endemism of Hansen’s disease is
nearly extinct as a global public health problem, but Brazil,
just as India, is included among the countries with the
highest incidence of the disease – it is still the only country in
Latin America that has not managed to eradicate it.
Expressions as “the decline of prevalence,” “elimination
of Hansen’s disease in the world,” “short-duration outpatient
treatment,” and “cure” have been embedded in current conceptions as opposed to the stigmas relating to that disease
until the mid-20th century.
Thus, health policies have been devised to guide programs aimed at controlling Hansen’s disease, based on early
detection and the immediate care of new cases to eliminate
sources of infection and aftereffects.
Currently, Brazil has shown results that substantiate a
declining trend in the prevalence of the disease in agreement
with other endemic countries, the distribution of the disease
being uneven from region to region and state to state.
As a reinforcement to prevention control programs,
scientific research has made an important contribution to
the fields of immunology, molecular biology, and genomic
sequencing of the M. leprae, valuable diagnostic, prognostic,
and vigilance tools. Relevant investments in the knowledgeproducing area have become increasingly visible in the hard
battle to eradicate the disease, insofar as they provide a viable option in understanding modes of transmission and
facilitating prevention and control methods.
47
Family ties: ethnic groupS in brazil
46
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Penna advocated the idea that the sick should live “like us,”
but in isolation, and Rabello believed that keeping them
“among us,” also in isolation, would be the best thing to do.
The idea of building agricultural colonies started gaining momentum and was approved as the main model for isolation.
In the 1930s, the federal government started erecting a number of such facilities in the country, without changing the approach to fight the disease.
Political initiatives caused preventive measures to lose
uniformity. Washington Pires, in charge of the Ministry of
Education and Public Health, implemented a series of chan­ges
in the federal health services in 1934, extinguishing Direção
Nacional de Saúde Pública (DNSP) and Inspetoria de Profi­
laxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV), fragmentizing activities, and transferring to each state the accountability to fight leprosy. However, scientific research about the
disease, which had been encouraged since 1927 at the Laboratório de Leprologia do Instituto Oswaldo Cruz, under the
direction of leprologist Heraclides Cesar de Souza-Araujo
until 1950, gained a new impetus with the creation of the
Centro Internacional de Leprologia, as a result of negotiations between the Brazilian government and the League of
Nations. Its first director was Carlos Chagas who, after his
death, was succeeded by Eduardo Rabello.
Further stability to public health was granted in 1934,
when Gustavo Capanema assumed the Ministry of Education and Public Health. However, as statistics showed an insufficient number of specialized sanatoria and hospitals to
house lepers, a national plan to fight the disease was develo­p­
­­­­­­­­­­­­­­ed. In the following year, as appointed by Capanema, João
transferred the responsibility for leprosy programs to the
states, with the end of the National Leprosy Campaign. In São
Paulo, compulsory isolation of lepers was abolished in the
whole state in 1967, when Dr. Abrahão A. Rotberg took on the
directory of the former Leprosy Prevention Department, at
the State Health Secretariat, under the management of Professor Walter Leser. Rotberg also proposed to change the name
of the disease from “lepra” to “hanseníase,” and saw that the
term was replaced in all official documents to eliminate the
stigma caused by the name of the disease that could lead a
patient to hide it, preventing his or her treatment and keeping
the endemism. Abrahão Rotberg’s proposition was adopted in
the entire country through Federal Law #9010, dated March
29, 1995, which made the use of the term “hanseníase,” and
its derivatives, compulsory in all official documents of the
fede­ral government. The name change sought to eliminate the
odd fantasies and the prejudice against the disease, in addition to encouraging health education. Rotberg’s research studies in allergy and Hansen’s disease immunology brought him
worldwide renown. Nowadays, it is crucially important that
people infected with leprosy disseminate, whenever possible,
the new and current concepts and advancements on Hansen’s
disease, a curable disease of low contagiousness and against
which most people have “natural immune defenses.”
Reference List
CARNEIRO, Glauco. História da dermatologia no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2002.
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, na passagem do século aos anos 40. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – Cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
COSTA, Dilma Avellar Cabral da. “Entre ideias e ações: medicina, lepra e políticas públicas (1894-1934).” PhD thesis, Niterói:
ICHF – Universidade Federal Fluminense, 2007.
CUNHA, Vivian da Silva. “Centro Internacional de Leprologia: ciência, saúde e cooperação internacional no Brasil do entreguerras
(1923-1939).” PhD thesis, Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2011.
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de Saúde Pública no Brasil. São Paulo: Hucitec/Anpocs, 1998.
MACHADO, Maria Helena; VIEIRA, Ana Luiza Stiebler (eds.). Perfil dos dermatologistas no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2003.
MACIEL, Rosa Laurindo. “Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história de políticas públicas de combate à lepra no
Brasil (1941-1962).” PhD thesis, Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007.
Manual de leprologia. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Lepra – Ministério da Saúde, 1960.
MARTELLI, Celina Maria Turchi; STEFANI, Mariane Martins de Araújo; PENNA, Gerson Oliveira; ANDRADE, Ana Lúcia S. S.
“Endemias e epidemias brasileiras, desafios e perspectivas de investigação científica: hanseníase.” Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 5, no. 3, 2002.
SEVCENKO, Nicolau. A literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SOUZA-ARAUJO, Heraclides Cesar. História da lepra no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, v. I, II, and III,
1956.
SOUZA, Letícia Pumar Alves de. “Sentidos de um ‘país tropical’: a lepra e a Chaulmoogra brasileira.” Master’s degree thesis, Rio de
Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, 2009.
SOUZA, Vanderlei Sebastião. “Em nome da raça: a propaganda eugênica e as ideias de Renato Kehl nos anos 1910 e 1920”. Revista de
História Regional 11, no. 2 (winter 2006): 29–70.
TELLAROLLI JUNIOR, Rodolpho. Poder e saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde em São Paulo. São Paulo: Editora da
Unesp, 1996.
49
Renato da Silva Queiroz
Projeta-se em nossa pele, como se fora sobre uma tela, a
gama variada das experiências de vida; emergem as
emoções, penetram os pesares, a beleza encontra sua
profundidade. Macia, lisa, alimentando a vaidade da juventude, a pele posteriormente enrugada atesta a passa-
E
gem dos anos. Radiante na saúde, sente um formigamento ao toque amoroso.
Ashley Montagu
O macaco nu
Em A evolução da humanidade, o célebre antropólogo
Richard Leakey enumera um conjunto de características singulares da subespécie Homo sapiens sapiens, destacando o
caminhar bípede, incomum entre os mamíferos, e o formato
arredondado da cabeça, que, diferentemente dos demais primatas, porta um cérebro volumoso e uma face achatada,
com proeminente nariz voltado para baixo. Outro “mistério”
da evolução humana, assinala o autor, diz respeito à aparente
nudez da nossa pele, que nos diferencia dos antropoides por
não exibir uma pelagem espessa: “O pelo do corpo humano
é abundante, mas extremamente fino e curto, de modo que,
para fins práticos, estamos nus”. Essa “nudez” estaria relacionada à nossa capacidade de suar, inigualável entre os primatas, proporcionada pelas numerosas glândulas sudoríparas
localizadas na pele (Leakey, 1982: 18).
Nas savanas africanas, ambiente em que o gênero
Homo evoluiu no decorrer de milhões de anos como primata bípede, uma densa cabeleira protegia os nossos ancestrais
dos escaldantes raios solares, ao passo que o corpo “pelado”
os favorecia, resfriando-os graças ao suor. Tomando-se esse
ambiente como cenário evolutivo, mostra-se igualmente verossímil o argumento de que o peculiar padrão capilar humano constituiu um importante sinal visual, diferenciando,
Renato da Silva Queiroz é antropólogo e professor titular aposentado
do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo – USP,
onde obteve os títulos de mestre em ciências sociais, doutor e livre-docente em antropologia social.
1. A pele é um órgão multifuncional: base do tato, fonte de informações e mediadora de sensações, protetora do organismo na medida em
que constitui uma barreira entre ele e o ambiente externo, sintetizadora
da vitamina D, entre diversas outras funções.
A mansidão humana
A relativa fragilidade da pele humana, esse tecido fino e
delicado, desprovido de pilosidade espessa, cuja cicatrização
é lenta – em comparação com a dos chimpanzés, por exemplo –, constitui claro indício de que não fomos fortemente
afetados por pressões seletivas para resistir a ferimentos.
Além da vulnerabilidade cutânea, diversas outras
características, precocemente selecionadas em nossa trajetória evolutiva – caninos discretos, braços encurtados, mãos
delicadas, pequena força da mordida, equilíbrio precário em
razão da postura bípede, acanhada massa muscular do pescoço, gracilidade óssea, reduzida força muscular etc. –, traduzem um enfraquecimento anatômico para a luta corporal.
Essa fragilidade resultou de um decréscimo significativo da
agressividade intragrupal, pois o incremento das formas de
cooperação favoreceu a atenuação do padrão hierárquico
típico dos primatas ancestrais (Ribeiro, Bussab e Otta, 2009).
Em divergência com outros primatas, evoluímos
compartilhando alimentos em um ambiente social pacífico e igualitário, e o fizemos no interior de agrupamentos
bem configurados, nos quais a cooperação entre homens
caçadores e mulheres coletoras parece ter desempenhado
decisivo papel na emergência da sociabilidade distintiva
dos humanos modernos. O emprego de armas despontou, de início, como uma adaptação à animosidade extragrupal3, e não para a resolução de conflitos intragrupais
(Ribeiro, Bussab e Otta).
2. Neotenia é o processo por meio do qual traços fetais e/ou juvenis de
espécies ancestrais ou de nossa própria espécie são retidos nos estágios
do desenvolvimento do indivíduo, etapas que se sucedem lentamente
(Montagu, 1981). São traços neotênicos, entre outros: cabeça grande,
rosto achatado, formato arredondado da cabeça, rosto e dentes pequenos, ossos cranianos finos, fechamento tardio das suturas cranianas,
unhas delicadas, relativa ausência de pelos, prolongado período de educação e ludicidade.
3. Cabe observar que as ideias sustentadas pela psicologia evolucionista e pela antropologia são coincidentes quanto a esse aspecto. Clastres
(1980), por exemplo, referindo-se aos nativos das terras baixas da
América do Sul, ressalta que as conflituosas relações intertribais desses
povos contrastam com a natureza pacífica do ambiente interno aos
grupos locais (ou aldeias).
a distância, os “macacos nus” de outras espécies primatas, e
distinguindo, mais de perto, as suas fêmeas imberbes dos
machos de faces peludas (Morris, 2005).
A rarefação da pelagem, esclarece Montagu (1981),
deve ter tido valor adaptativo para os nossos ancestrais na
medida em que contribuiu decisivamente para a regulagem térmica do corpo1. Todavia, o autor tampouco se esquece da importância dessa característica cutânea para os
processos de atração e seleção sexual, visto que a nossa
pele “nua”, extremamente sensível ao toque, destaca-se
como poderosa fonte de estímulos eróticos. “Na fase de
excitação sexual, toda a qualidade sensorial da pele está
intensificada. Sensações que em circunstâncias ordinárias
seriam dolorosas geralmente se tornam muito agradáveis”,
como as produzidas por beliscões, apertos, mordidas suaves e arranhões (Montagu, 1988: 223).
Crânio abalonado, rosto achatado e pele glabra,
ademais de muitos outros traços típicos dos humanos,
como bem observou Waal (2007), constituem características morfológicas neotênicas2, pois derivam da lentidão
do processo de maturação que nos distingue de outros
primatas (Futuyama, 1992).
Family ties: ethnic groupS in brazil
Ensaio sobre a pele
51
A atratividade
A “nudez” da pele humana é mais pronunciada nas
mulheres. Com exceção do topo da cabeça, das axilas e da
região pubiana, a fêmea do Homo sapiens sapiens parece ser
desprovida de pelos, ou seja, sua pele é funcionalmente nua
(Morris, 2005). Por isso, o corpo feminino tende a ser mais
macio ao tato e mais sensível ao toque.
Embora os julgamentos afetos à estética corporal e à
atratividade estejam sujeitos às estereotipadas convenções
culturais, há consistentes indícios de que alguns critérios
de avaliação do belo e do atraente são universais, donde a
valorização das faces simétricas, dos corpos esbeltos e proporcionais e de peles lisas, viçosas, imaculadas (Etcoff,
1999). Peles macias, suaves, firmes e sedosas, acompanhadas de cabelos lustrosos, são atestados visuais de juventude,
boa saúde e, ao mesmo tempo, um poderoso sinal erótico
da espécie. Inversamente, a presença de acne, rugas, sardas,
manchas, verrugas e outras imperfeições compromete a
beleza do rosto, do mesmo modo que estrias, flacidez, celulite e varizes enfeiam o restante do corpo.
São numerosos os procedimentos adotados pelas
mulheres mais maduras e idosas para imitar a pele fresca e
luminosa da juventude. No antigo Egito, elas se banhavam
em uma mistura de água e carbonato de cal, esfregavam os
pés com pedra-pomes e, após o banho, untavam-se de óleos
vegetais perfumados com ervas aromáticas. Na atualidade,
recorrem a variados procedimentos, como limpeza de pele,
cirurgia plástica, peeling, aplicação de toxina botulínica e
laser, e fazem uso de uma miríade de produtos cosméticos, com vistas na melhoria estética e no rejuvenescimento
cutâneo (Etcoff, 1999; Castilho, 2011).
Alguns pesquisadores acreditam que nossos detectores
de beleza identificam prontamente a relação entre juventude
e feminilidade, e lembram ainda que as feições femininas
apresentam-se sempre como mais joviais. Castilho (2011)
ressalta que em diversas obras literárias dos séculos XIX e XX
a pouca idade – dos 15 aos 18 anos – desponta como um
dos principais traços da beleza feminina, compondo o perfil
Family ties: ethnic groupS in brazil
50
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
A favor da tese da mansidão humana intragrupo, que
se evidencia na fragilidade cutânea e em outras características singulares dos humanos, figura também o reduzido
dimorfismo sexual do Homo sapiens sapiens e de seus ancestrais, cujos machos não são significativamente maiores
do que as fêmeas. Enquanto os gorilas machos, por exemplo, alcançam o dobro do tamanho das fêmeas, entre nós
essa diferença entre os sexos não ultrapassa os 15%. Esse
reduzido dimorfismo sexual relativo ao tamanho do corpo
(que se estende igualmente aos caninos e à força muscular)
está associado à seleção de uma estratégia não agressiva
entre os machos para o acesso às fêmeas e à formação de
pares duradouros (Mace, 1992).
Em suma, os argumentos supramencionados não
robustecem a tese segundo a qual teríamos evoluído como
macacos assassinos, criaturas portadoras de incontrolável
instinto agressivo. É mais sensato presumir que os humanos exibem uma disposição inata para a conduta pacífica
tanto quanto para a agressão, cabendo em grande parte à
cultura tecer os padrões que configuram a vida social,
pois o nosso comportamento, extremamente sensível ao
ambiente, não pode ser definido como pré-programado
(Leakey e Lewin, 1982).
53
Com efeito, Cecília estava nesse momento de uma formosura que fascinava. Tinha os cabelos ainda úmidos, dos
quais escapava de vez em quando um aljôfar que ia perder-se na covinha dos seios cobertos pelo linho do roupão;
a pele fresca como se ondas de leite corressem pelos seus
ombros; as faces brilhantes como dois cardos rosas que se
abrem ao pôr do sol.
As preferências adultas por traços infantis específicos, sustenta Sarah B. Hrdy (2001), devem ter modelado as
atrações humanas por cores, formatos e tecidos, entre os
quais se destacam pele sedosa e cabeças grandes e graciosas. À luz dessa constatação, faz sentido a preferência
feminina pelo vermelho para colorir os lábios e as maçãs
do rosto, pois essa cor, que se intensifica com a excitação
sexual, mostra-se atraente e visível de longe.
O rubor
No clássico A expressão das emoções no homem e nos
animais (1872/2000: 290-322), Charles Darwin ocupou-se do
rubor, definido por ele como “a mais humana e peculiar das
expressões”. Constatou que a face, as orelhas e o pescoço são
as regiões do corpo mais suscetíveis ao enrubescimento e que
essa expressão involuntária frequentemente se faz acompanhar de gestos como baixar ou virar a cabeça para um dos
lados, esconder o rosto, olhar para baixo ou desviar o olhar.
Quando enrubescem muito intensamente, algumas
pessoas tornam-se mentalmente confusas, desnorteadas ou
desajeitadas, chegando a perder a presença de espírito e a
manifestar gagueira, taquicardia, respiração alterada e tremores involuntários de certos músculos faciais.
Darwin assinalou que o rubor é mais intenso nas
crianças que nos adultos, nos jovens que nos idosos, nas
mulheres que nos homens e quando se está na presença
do sexo oposto. Bebês e crianças muito pequenas não exibem tal expressão, pois as suas capacidades mentais ainda
não estariam suficientemente desenvolvidas para fazê-los
corar. Todavia, cegos e negros também são suscetíveis
ao rubor – a pele destes últimos adquire uma cor mais
escura e brilhante quando coram, alteração perceptível
aos que lhes são mais íntimos, como cônjuges e familiares
(Pereira, 2008).
Segundo Darwin, o rubor traduz uma preocupação
consigo mesmo em virtude da opinião alheia, uma preocupação consciente com a própria aparência, conduta moral
ou quebra de etiqueta; decorre da vergonha, da modéstia e,
notadamente, da timidez ou do acanhamento. Coram os
que acreditam que cometeram um ato de indelicadeza, de
deslize moral, e também aqueles que são descobertos ou
acusados de falsidade4 ou ingratidão, assim como os que
são objeto de zombaria, ridicularização, ofensa, elogio,
censura e desaprovação.
4. “A verdade não enrubesce”: frase atribuída a Tertuliano. “Quem
enrubesce já é culpado; a verdadeira inocência não tem vergonha de
nada”: pensamento atribuído a Rousseau.
Montagu (1988) descreve o caso de uma mulher que
corava quando se via abraçada por outra mulher, pois temia ser rotulada de lésbica. Em Lucíola, José de Alencar
concebe uma surpreendente reação de Lúcia, bela e requisitada prostituta, que “se enrubesceu como uma menina e
fechou o roupão” quando tomou ciência de que parte de
seus seios se expunha à observação de um admirador. E
Mário de Andrade, em Amar, verbo intransitivo, recobre de
assemelhada expressão a governanta alemã contratada
para iniciar sexualmente o garoto Carlos, que, “aproveitando um momento de sozinhos, dera um abraço tão
encostado em Fräulein que ela se sentira enrubescer”. Cabe
ainda lembrar que, na mitologia grega, Eos (Aurora), tendo
se apaixonado pelo gigante Orionte, continua a enrubescer
todos os dias com a recordação dessa paixão.
Darwin opõe a teoria da evolução à crença de que o
rubor foi concebido pelo Criador para que a alma pudesse
exibir nas faces as diversas emoções internas dos sentimentos morais, de modo que tivéssemos um freio para nós mesmos e, simultaneamente, uma sinalização para os outros de
que estaríamos violando regras que deveriam ser sagradas.
A improcedência do postulado criacionista transparece na sua incapacidade de explicar por que a timidez é a
mais comum e eficiente causa do rubor, que faz “sofrer
quem enrubesce e constrange quem observa, sem ter a menor utilidade para qualquer um dos dois. [Os criacionistas]
Também terão dificuldades para explicar por que negros
e outras raças de pele escura enrubescem, já que neles a
mudança de cor na pele é quase ou totalmente invisível”
(Darwin, 1872/2000: 314).
Charles Darwin, que abominava a escravidão, deixou
de explicitar o valor adaptativo do rubor para não conferir
legitimidade à tese segundo a qual apenas os seres superiores, dotados de senso moral – categoria de que eram excluídos os negros escravizados –, teriam a capacidade de corar.
Investigações posteriores constataram o valor adaptativo do rubor, nele identificando uma função apaziguadora, visto que, à semelhança do sorriso e do embaraço,
essa expressão contribui para melhorar a imagem pública
de quem enrubesce – sobretudo dos que cometem transgressões mais leves –, suscitando a condescendência dos
que os julgam ou avaliam (Pereira, 2008).
O tocar
Entre os mamíferos, as fêmeas costumam lamber os
filhotes recém-nascidos. O comportamento de lamber o
filhote, mais do que simplesmente limpá-lo, promoveria a
ativação de seus sistemas de manutenção, em especial dos
mecanismos circulatório, respiratório e excretório, estimulando-os a funcionar adequadamente logo após o parto. As
fêmeas humanas não exibem tal conduta – e também não
“catam” nem “penteiam com os dentes” os seus bebês –,
mas o prolongado trabalho de parto a que estão sujeitas,
submetendo o feto a intensas contrações uterinas, equivaleria a “lamber a cria” (Montagu, 1988).
Os bebês humanos são dependentes de extensos
cuidados parentais, pois vêm ao mundo em condição de
imaturidade comportamental, fisiológica e bioquímica, e
se beneficiam profundamente das estimulações cutâneas
sofridas no decorrer do trabalho de parto. Os nascidos de
Family ties: ethnic groupS in brazil
52
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
das personagens Carolina (A Moreninha), Inocência (do
romance homônimo) e Aurélia (Senhora), entre outras. Em
O guarani, José de Alencar assim descreve a atraente Cecília,
moça bela e faceira na juventude dos seus 18 anos:
54
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
parto normal e a termo têm seus sistemas imunológicos
ativados mais precocemente e tendem a se tornar indivíduos mais seguros e menos estressados. A propósito,
Montagu (1988) assinala que a expressão francesa “un
ours mal léché” – “um urso mal lambido” – descreve uma
pessoa desajeitada, canhestra, grosseira, em suas relações
com os outros.
As contrações uterinas do trabalho de parto dão início às carícias ofertadas ao bebê, que se multiplicam com os
cuidados a ele dispensados pela mãe. O seu íntimo contato
com a figura materna se acentua durante as sessões de aleitamento e também por ocasião dos banhos e outros procedimentos de higiene corporal, oportunidades em que a
pele do bebê é friccionada e acariciada.
O bebê se sente seguro e acolhido aninhando-se no
colo materno. Quando é transportado e embalado para
que durma ou deixe de chorar, ouve da mãe palavras suavemente pronunciadas. “O ser humano pode sobreviver
a privações sensoriais extremas de outra natureza, como a
visual e a sonora, desde que seja mantida a experiência
sensorial da pele”, sustenta Montagu (1988: 106). Por isso,
os bebês privados de contatos com a mãe, ou que não
foram carinhosamente tocados ou acariciados, costumam
enfrentar entraves físicos e emocionais nas fases de desenvolvimento subsequentes.
Se as carícias e estimulações cutâneas são essenciais
ao bebê, também não se mostram menos significativas na
idade adulta, particularmente nas interações amorosas.
Em nenhuma outra relação a pele é tão profunda e extensamente envolvida como na relação sexual. As zonas erógenas do corpo não se restringem aos órgãos genitais, mas
se estendem aos lábios, aos lóbulos da orelha, à região do
pescoço, aos mamilos etc. Além disso, não se deve esquecer
dos agradáveis e estimulantes odores que a pele secreta e
exala. Em outras palavras, toda a extensão da pele é uma
zona erógena5.
As carícias preliminares, que exploram diversas
partes do corpo, executadas por meio das mãos, dos
lábios e da língua, mostram-se tão mais prolongadas e
irrestritas quanto mais íntimos e afetivamente ajustados
se sentem o(a)s parceiro(a)s. Portanto, não seria descabido
concluir que as relações sexuais proporcionam uma densa
e intensa comunicação tátil entre os que se enlaçam no
diálogo do amor.
A humanização do corpo
Apenas os seres humanos modificam voluntariamente o próprio corpo, ornamentando-o e introduzindo
nele alterações radicais e irreversíveis – extração de dentes,
deformação craniana, excisão de clitóris, entre outras –
ou temporárias e reversíveis, como é o caso das depilações e pinturas corporais (Rodrigues, 1975). Essas
alterações, sujeitas a grande variabilidade porque se
processam no âmbito de grupos sociais específicos, cada
qual com sua cultura, marcam e reafirmam status, identidades nacionais, etárias, religiosas, ocupacionais, de
classe, de gênero etc.
5. “Um pedaço de pele com aproximadamente 3 centímetros de diâmetro contém mais de 3 milhões de células, entre 100 e 340 glândulas sudoríparas, 50 terminações nervosas e 90 centímetros de vasos sanguíneos.
Estima-se que existam em torno de 50 receptores por 100 milímetros
quadrados, num total de 640.000 receptores sensoriais. [...] O número
de fibras sensoriais oriundas da pele que entram na medula espinhal
[...] é superior a meio milhão” (Montagu, 1988: 24-25).
57
entre os objetos depositados em sarcófagos egípcios
(Etcoff, 1999).
Boa parte dos cuidados corporais, notadamente os
procedimentos e produtos destinados a colorir, amaciar,
perfumar, hidratar e esticar a pele – o maior e mais estético
órgão do corpo –, tem por objetivo manter a sua beleza e
juventude. No mundo moderno, em que a boa aparência se
reveste de elevado valor de sobrevivência, gastam-se fortunas em cosméticos e cirurgias plásticas. Nos Estados Unidos
esses gastos representam mais que o dobro dos recursos
desembolsados para a aquisição de material de leitura, o que
configura uma busca desesperada pela beleza por aqueles
que almejam recuperar a aparência da adolescência núbil,
como se fosse possível capturar e manter imune à ação do
tempo a exuberância efêmera da juventude (Etcoff, 1999).
Essas concepções e práticas associadas ao embelezamento corporal, embora condicionadas pelo caráter arbitrário da cultura, não se dissociam de razões e critérios universais, afetos aos julgamentos estéticos e à seleção de parceiros.
Por essa razão, percebemos como belas e atraentes as características que sinalizam, sobretudo nas mulheres, juventude,
nubilidade, fecundidade, saúde e boa forma, o que nos leva
a valorizar e a desejar, não obstante as diferenças culturais,
pessoas portadoras de pele macia e viçosa, cabelo espesso e
lustroso, cintura bem marcada, corpo proporcional e face
simétrica (Etcoff, 1999; Queiroz e Otta, 2000).
A desumanização do corpo
Como já foi mencionado, uma pele imaculada e viçosa
constitui uma característica universalmente valorizada e desejada. Em contrapartida, imperfeições cutâneas figuram
na composição do feio, do perigoso e do monstruoso, estigmatizando e marginalizando portadores de síndromes e
moléstias que afetam a pele ou nela se manifestam6.
Em Fogo morto, romance eleito como obra-prima de
José Lins do Rego, a superstição popular evoca o mito do
lobisomem na estigmatização do mestre seleiro José Amaro,
acusado de licantropia porque cultivava o hábito de caminhar
solitariamente em noites enluaradas e, sobretudo, devido à
coloração amarelada de sua pele7, que lhe conferia um aspecto doentio. A negra Margarida adverte a esposa do seleiro:
Comadre Adriana, o povo está falando muito do mestre
José Amaro... Estão dizendo que ele está virando lobisomem. [...] que aquele amarelão dele é que faz o mestre
correr como bicho danado.
Estigma idêntico recobre os que padecem de hipertricose, vulgarmente conhecida como “síndrome de lobisomem”, caracterizada pelo exagerado crescimento de pelos
por todo o corpo ou em partes dele. Vistos como aberrações,
6. É curioso observar as peculiaridades cutâneas presentes no perfil de
entidades míticas ou lendárias que povoam o imaginário popular: a
pele mumificada do “Corpo-Seco”, figura aterrorizante dos caminhos
rurais, rejeitada pela terra porque em vida pautou-se pela vilania, tendo
espancado a própria mãe; o avermelhado da pele e dos cabelos da Caipora, entidade das florestas protetora dos animais e da caça predatória;
o negrume da pele do Saci, criatura zombeteira e turbulenta de uma
só perna, inseparável do cachimbo e do gorro vermelho, associada aos
redemoinhos e espaços liminares.
7. Outros elementos reforçam a posição marginal desse personagem no
cenário em que se desenvolve a história: José Amaro residia à beira da
estrada, ocupava uma posição intermediária – a de artesão – entre o
proprietário do engenho e os trabalhadores do eito, não tivera um filho
homem e arrastava uma das pernas.
seres anômalos, criaturas intermediárias entre o humano e o
animalesco, indivíduos com hipertricose, como as “mulheres barbadas”, exibiam-se em circos e shows de horrores,
atraindo multidões de curiosos aos espetáculos8.
Não têm outra sorte os que apresentam a modalidade
mais severa de albinismo – ausência de melanina na pele, nos
olhos, cabelos e pelos –, em especial nos países e re­giões
cuja população exibe pele escura ou negra. As desventuras
dos albinos são múltiplas, pois é sabido que, em razão da
pele sensível, da fotofobia e de outras dificuldades visuais
causadas pela carência de pigmentação, preferem eles circular à noite, sob tênue luminosidade. Essa preferência e a
sua singular aparência os colocam sob suspeição, donde as
acusações de licantropia que lhes são dirigidas. Em algumas regiões africanas, os portadores de albinismo estão
sujeitos a sérios riscos, decorrentes da crença de que algumas partes de seu corpo contêm propriedades curativas e o
dom de bafejar com a sorte os que dela venham a se servir9.
A hanseníase, conhecida antigamente como “lepra”,
figura como a moléstia que mais suscitou a estigmatização
de suas vítimas ao longo da história. Tomavam-se as evidentes lesões cutâneas e neurológicas causadas pela doença
como marcas de um castigo divino, uma punição pelos
pecados cometidos. Esse milenar estigma relegava os seus
8. Programas televisivos sensacionalistas exploram com relativa fre­
quência os dramas de portadores desse e de outros tipos de patologia.
9. Ver matéria publicada pela Folha de S. Paulo em 3/11/2010, sob o
título “Homem albino é eleito deputado na Tanzânia”, descrevendo os
preconceitos relativos aos albinos e aos riscos que correm em países da
África central. Segundo a matéria, muitos tanzanianos, por exemplo,
acreditam que certas partes do corpo de albinos servem à preparação
de poções mágicas que proporcionam boa sorte aos que as consumirem.
Family ties: ethnic groupS in brazil
56
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Usualmente, as modificações introduzidas no corpo
se conformam aos ideais estéticos de cada sociedade e de
seus diferentes subgrupos. Entretanto, não é incomum
que sirvam também à expressão de inconformismos
(Queiroz e Otta, 2000).
Em diversas sociedades indígenas o status do indivíduo é escrito fisicamente na superfície do seu corpo. Marcas
de pertinência, expressão de crenças culturais ou religiosas,
as cicatrizes e tatuagens não ocupam um espaço separado
do corpo, mas se perpetuam na própria pele, e nela também traçam as feições do ser coletivo que se sobrepõe à
identidade individual, como se fosse uma pele social
(Clastres, 1974; Helman, 2003).
O corpo é um artefato da cultura, apropriado, modelado e modificado por ela desde o nascimento, sendo
assim submetido a um processo de humanização, já que
o uso que dele fazemos não é “natural” ou espontâneo,
mas padronizado de acordo com as numerosas técnicas
corporais que o adestram para a realização de operações
e movimentos socialmente rotinizados (Mauss, 1974).
Um corpo intocado, não modificado pela cultura, nada
representa senão um ente bruto, um mero objeto da natureza (Lévi-Strauss, 1957).
A expressiva maioria das modificações produzidas
no corpo afeta os cabelos – cortes, tinturas, ornamentos –
e a superfície da pele: depilação, pinturas, tatuagens, implantação de piercings e escarificações. Essa paixão pelo
adornamento é bastante antiga, visto que arqueólogos
recuperaram adereços e pigmentos corporais datados
em mais de 40.000 anos. Pertinentes a épocas mais recentes, alguns tipos de estojo de maquiagem repousavam
59
Leprosos foram efetivamente acusados, em 1348-1350, de
terem espalhado a Peste Negra. O aspecto horrível de suas
lesões passava por ser uma punição do céu. Dizia-se que
eram dissimulados, “melancólicos” e debochados. Acreditava-se também – concepção que pertence ao universo
mágico – que, por uma espécie de transferência, podiam
livrar-se de seu mal satisfazendo seus desejos sexuais com
uma pessoa sã, ou então matando-a. Em 1321, portanto
27 anos antes da Peste Negra, leprosos acusados de terem
envenenado poços e fontes foram executados na França.
Essa “praga maldita” suscitava um pavor generali11
zado , o que motivava a ruptura de laços familiares e a
adoção de medidas destinadas a isolar os hansenianos,
condenando-os ao limbo dos espaços físicos e sociais periféricos ou ao confinamento perpétuo dos “leprosários”.
Mesmo nos dias que correm, havendo cura para essa
doença, não é raro os pacientes exibirem, ademais das marcas cutâneas hipocrômicas, máculas que comprometem a
10. Os termos “lazarento” e “morfético”, sinônimos de “leproso”, ainda
são empregados quando se tem a intenção de insultar ou ofender alguém.
11. Nos séculos XV, XVI e XVII vigorava a crença de que a peste poderia penetrar no corpo caso o calor e a água nele produzissem fissuras,
abrindo os poros para o ar pestilento. Por isso, a higiene corporal dos
europeus restringia-se a lavar as mãos e o rosto, sendo raros os banhos
completos (Vigarello, 1996).
Family ties: ethnic groupS in brazil
58
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
portadores à subumana condição de seres malditos, sujos,
impuros, repelentes, indesejáveis e perigosos10.
O historiador Jean Delumeau (1989: 140) assim descreve as representações do mal de Hansen na mentalidade
medieval e a brutalidade das perseguições sofridas pelos
que contraíam a doença:
sua saúde psíquica: identidade deteriorada e autoestima
afetada em consequência dos sentimentos de culpa, vergonha, abandono, rejeição, discriminação, solidão e impureza,
além do temor de que possam contaminar pessoas próximas, especialmente familiares.
Pele: expressões e provérbios
A importância das funções táteis da pele está consignada em expressões correntes no imaginário popular, embora as pessoas em geral não se “toquem”, isto é, não tenham
plena consciência do significado dessas expressões. Montagu
(1988) reúne dezenas delas, dando prova desse uso alegórico
da pele. Eis algumas: “toque mágico”, “toque delicado”, “toque feminino”, “dar um toque”, “dar uma esfregada”, “entrar
em contato”, “casca grossa”, “não me toques”, “falta de tato”,
“ter as coisas na ponta dos dedos”, “sentir as consequências
na pele”, “sentir calafrios”, “ficar todo arrepiado”.
Por fim, evocando os provérbios mais conhecidos,
caberia lembrar que uma pessoa falsa ou dissimulada é um
“lobo em pele de cordeiro” e que “a má pele não se muda”.
Entretanto, “há pessoas que têm duas peles” ou uma “segunda pele”. Por precaução, é melhor “não vender a pele do
urso antes de matá-lo”, pois “quem não pode pagar do bolso, que pague com a própria pele”. Portanto, o imprevidente deverá “sofrer na própria pele” os prejuízos, vendo-se
obrigado a trabalhar por muito pouco ou quase nada para
um patrão dado a “esfolar” os seus empregados, o mesmo
que “das costas de muitos pobres já tinha o couro tirado”. E,
diante de tal sofrimento, de nada adianta ficar “com os nervos à flor da pele”, pois “quem não quer ser lobo que não lhe
vista a pele”, devendo, portanto, sempre lembrar-se de que
“quem se lava e não enxuga, toda a pele se lhe enruga”.
Referências bibliográficas
CASTILHO, Renata dos Santos. “Estética e envelhecimento: representação da imagem para mulheres envelhescentes”. São Paulo: PUC,
2011. Tese de mestrado em gerontologia.
CLASTRES, Pierre. La société contre l’état: recherches de anthropologie politique. Paris: De Minuit, 1974.
—. “Arqueologia da violência: a guerra nas sociedades primitivas”, in: Guerra, religião e poder. Lisboa: Edições 70, 1980.
DARWIN, Charles (1872). A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
ETCOFF, Nancy. A lei do mais belo: a ciência da beleza. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
FUTUYAMA, Douglas J. Biologia evolutiva. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética/CNPq, 1992.
HELMAN, Cecil G. Cultura, saúde & doença. Porto Alegre: Artmed, 2003.
HRDY, Sarah B. Mãe natureza: uma visão feminina da evolução, maternidade, filhos e seleção natural. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
LEAKEY, Richard. A evolução da humanidade. São Paulo: Melhoramentos, 1982.
LEAKEY, Richard; e LEWIN, Roger. Origens. São Paulo: Melhoramentos, 1982.
LÉVI-STRAUSS, Claude. “Uma sociedade indígena e seu estilo”, in: Tristes trópicos. São Paulo: Anhembi, 1957.
MACE, Georgina. “Differences between the sex”, in: The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
MAUSS, Marcel. “As técnicas corporais”, in: Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/Edusp, v. II, 1974.
MONTAGU, Ashley. Growing young. Nova York: McGraw-Hill, 1981.
—. Tocar: o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1988.
MORRIS, Desmond. O animal humano: uma perspectiva pessoal da espécie humana. Lisboa: Gradiva, 1996.
—. A mulher nua: um estudo do corpo feminino. São Paulo: Globo, 2005.
PEREIRA, Yevaldo Lemos. “Enrubescimento social: evolução, função apaziguadora e modeladora do comportamento”. São Paulo:
Departamento de Psicologia Experimental – IP/USP, 2008. Tese de doutorado.
QUEIROZ, Renato da Silva; e OTTA, Emma. “A beleza em foco: condicionantes culturais e psicobiológicos na definição da estética
corporal”, in: QUEIROZ, Renato da Silva (org.). O corpo do brasileiro: estudos de estética e beleza. São Paulo: Senac, 2000.
RIBEIRO, Fernando Leite; BUSSAB, Vera Sílvia Raad; e OTTA, Emma. “Nem alfa, nem ômega: anarquia na savana”, in: OTTA, Emma;
e YAMAMOTO, Maria Emília (coords.). Psicologia evolucionista. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1975.
VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
WAAL, Franz de. Eu, primata. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
61
Renato da Silva Queiroz
On our skin, as on a screen, the gamut of life’s experiences
is projected: emotions surge, sorrows penetrate, and beauty
I
finds its depth. Soft, smooth source of youth’s vanity, skin
later bears a wrinkled witness to the toll of years. Radiant
in health, it tingles to the affectionate touch.
Ashley Montagu
The naked ape
In The Making of Mankind, Richard Leakey, a renowned
anthropologist, lists a set of unique characteristics of the
Homo sapiens sapiens subspecies, pointing out the bipedal
walking, that is uncommon among mammals, and his
round-shaped head, which, differently from the remaining
primates, carries a voluminous brain and a flattened face
endowed with a prominent nose turned downwards. Another
“mystery” of human evolution, as the author points out,
concerns the apparent nudity of our skin, which differentiates
us from anthropoids because it is devoid of thick fur:
“Human body hair is very plentiful, but it is extremely fine
and short so that, for all practical purposes, we are naked.”
That “nudity” would be related to our sweating capacity,
unparalleled among primates, provided by numerous sudoriparous glands located in the skin (Leakey 1981, 18).
In the African savannah, the environment in which
the Homo gender evolved in the course of millions of years
as a bipedal primate, a thick head of hair protected our
ancestors from the scalding sun, while his “naked” body
benefited from the cooling effect of transpiration. The assumption that such environment was the evolving scenario
gives rise to an equally verisimilar argument that the
* Excerpts of works published originally in Portuguese have been freely
translated into English by the translator and been kept in Portuguese
throughout the text.
Renato da Silva Queiroz is an anthropologist and full professor, retired
from the Anthropology Department of Universidade de São Paulo, where
he mastered in social sciences and obtained his doctorate and habilitation
degree (Livre-Docência) in social anthropology.
unique human hair pattern became an important visual
sign, as the “naked apes” could be differentiated from a
distance from other primate species and differentiating,
from a closer distance, their hairless females from the
hairy-faced males (Morris 2005).
The scarcity of fur, as Montagu (1981) points out, must
have had an adaptive value for our ancestors, insofar as it
contributed decisively to the temperature regulation of the
body.1 However, the author does not overlook the importance
of that cutaneous property to the processes of sexual attraction and selection, since our “naked” skin, being extremely
sensitive to touch, stands out as a powerful source of erotic
stimuli. “In sexual arousal the whole sensory character of
the skin is heightened. Sensations that under ordinary circumstances would be painful often become intensely pleasurable,” such as those produced by pinching, squeezing, soft
biting, and scratches (Montagu 1986, 229).
A ballooned skull, a flattened face, and glabrous skin,
in addition to many other typical human traces, as adequately observed by Waal (2007), constitute neotenic morphological traits,2 because they derive from the sluggishness
of the maturating process that distinguishes us from other
primates (Futuyama 1992).
1. The skin is a multifunctional organ: the basis of tact, source of information, and a mediator of sensory stimuli, protecting our organism,
insofar as it creates a barrier between it and the external environment, a
synthesizer of vitamin D, among other functions.
2. Neoteny is a process through which the fetal and/or juvenile traces
of either ancestral species or our own species are retained in an individual development stages; phases that take place slowly (Montagu 1981).
Neotenic traces include, among others: a large head, a flattened face, a
round-shaped head, small face and teeth, thin cranial bones, a tardy
lock up of cranial sutures, delicate nails, a relative absence of hair, a
prolonged educational period, and playfulness.
Human mildness
The relative fragility of the human skin, that thin and
delicate tissue, devoid of thick hair, the healing of which is
slow – as compared to that of the chimpanzee, for example –
is a clear indication that we have not been deeply affected by
selective pressures to resist to wounds.
In addition to cutaneous vulnerability, a number of
other characteristics that were precociously selected in our
evolutionary path – discreet canine teeth, shortened arms,
delicate hands, reduced biting strength, precarious balance
as a result of our bipedal posture, modest neck muscle
mass, graceful bone framework, reduced muscle strength,
etc. – translate into an anatomic weakening for hand-tohand fighting. That fragility emerged as a result of a significant decrease in intragroup aggressiveness, as an increment
in ways of cooperation favored the attenuation of the typical hierarchical pattern of ancestral primates (Ribeiro,
Bussab, and Otta 2009).
Differently from other primates, we evolved by sharing
food in a social, peaceful, and equalitarian environment,
and did it inside adequately established groupings, in which
cooperation among hunting men and gathering women
seems to have played a decisive role in the emergence of the
distinctive sociability of modern human beings. The use of
weapons emerged initially as an adaptation to extra-group
hostility,3 and not to solve intragroup conflicts (Ribeiro,
Bussab, and Otta).
3. It should be stressed that the ideas supported by evolutionist psychology and by anthropology are coincident in that aspect. Clastres (1980),
for example, when referring to the natives of lowlands in South America, emphasizes that the conflicting tribal relations of those people
contrast with the peaceful nature that extends from the internal environment to local groups (or villages).
Family ties: ethnic groupS in brazil
Essay on the Skin
*
63
Com efeito, Cecília estava nesse momento de uma formosura que fascinava. Tinha os cabelos ainda úmidos, dos
quais escapava de vez em quando um aljôfar que ia perder-se na covinha dos seios cobertos pelo linho do roupão;
Cutaneous fragility and other unique traits of humans favor the assumption of intragroup human mildness,
in addition to the reduced sexual dimorphism of the Homo
sapiens sapiens and of his ancestors, whose males are not
significantly larger than the females. While male gorillas,
for example, may become twice as big as their females, that
sex difference among us does not exceed 15 percent. Such
reduced sexual dimorphism regarding body size (which
is equally extended to the canine teeth and muscle strength)
is associated to a choice of a nonaggressive strategy among
males to take females and the establishment of long-lasting
pairs (Mace 1992).
In sum, the aforementioned arguments do not streng­th­
en the thesis according to which we would have evolved as
murdering apes or creatures featuring an uncontrollable
aggressive instinct. It is more sensible to assume that humans
display an innate propensity towards both peaceful and
aggressive behavior, falling to culture to weave the patterns
that shape social life, since our extremely environment-sensitive behavior cannot be deemed to have been preprogrammed
(Leakey and Lewin 1982).
Attractiveness
The “nudity” of the human skin is more pronounced in
women. Except for the top of the head, the armpits, and the
pubic region, the female Homo sapiens appears to be devoid
of hair, in other words, their skin is functionally naked
(Morris 2005). For that reason, the female body tends to be
softer to tact and more sensitive to touch.
While judgment concerning body aesthetics and attractiveness is subject to stereotyped cultural conventions,
there are consistent indications that some assessing criteria of
beauty and attractiveness are universal, thence valorizing
symmetrical faces, graceful and proportionate bodies,
smooth, lush, immaculate skin (Etcoff 1999). Smooth, soft,
firm, and silky skin along with shiny hair are visual evidence
of youth, good health, and, at the same time, a powerful
erotic sign of the species. Inversely, the presence of acne,
wrinkles, freckles, stains, warts, and other imperfections
compromises facial beauty, just as grooves, flabbiness, cellu­
litis, and varicose veins deem the rest of the body ugly.
More mature and women advanced in years usually
adopt countless procedures to imitate the fresh and luminous
skin of youth. In ancient Egypt, they bathed in a mixture of
water and calcium carbonate, they rubbed a piece of pumice
on their feet, and, after bathing, anointed themselves with
vegetable oils scented with fragrant herbal plants. Nowadays,
they resort to a variety of procedures, as skin cleansing, plastic surgery, peeling, injections of the cosmetic form of botulinum toxin, and laser treatment for the skin, and make use of
a myriad of cosmetic products to improve aesthetics and rejuvenate their skin (Etcoff 1999; Castilho 2011).
Some researchers believe that our beauty detectors can
promptly identify the relationship between youth and femininity, and also remind us that feminine features always
present themselves as more jovial. Castilho (2011) stresses
that in a number of literary works of the 19th and 20th centuries, early ages – from fifteen to eighteen – emerge as the
a pele fresca como se ondas de leite corressem pelos seus
ombros; as faces brilhantes como dois cardos rosas que se
abrem ao pôr do sol.4
Adult preferences for specific childlike features, as Sarah
B. Hrdy (2001) upholds, must have shaped human attraction
to colors, shapes, and fabrics, especially a silky skin, and large
and gracious heads. In light of that finding, the feminine
preference for red to color the lips and cheeks makes sense,
since that color is intensified with sexual arousal, it looks
attractive and visible from a distance.
Blushing
In the classic The Expression of the Emotions in Man
and Animals ([1872] 2000, 290–322), Charles Darwin addressed the act of blushing and defined it as “the most peculiar
and the most human of all expressions.” He found that the
face, the ears, and the neck are the most susceptible regions to
reddening and that that involuntary expression is often followed by gestures as lowering or turning the head to one side,
hiding one’s face, looking down, or averting one’s eyes.
When some people blush too intensely, they may become
mentally confused, disoriented, or clumsy, losing their presence
of mind, stuttering, displaying tachycardia, panting for breath,
and involuntary quivering of certain facial muscles.
Darwin pointed out that blushing is more intense in children than in adults, in the young than in the elderly, in women
than in men, and when in the presence of the opposite sex.
Newborns and toddlers do not display that expression, since
their mental capacity would not be sufficiently developed to
make them blush. However, the blind and Negroes are subject
to blushing – the skin color of the latter becomes darker and
brighter when they blush, a change that can be noticed by their
close relations, as spouses and family members (Pereira 2008).
According to Darwin, blushing translates as self-concern
with the opinion of others, a conscious concern with one’s
own appearance, moral conduct, or a breach of etiquette; it
arises from embarrassment, simplicity, and especially from
4. T.N.: “In effect, Cecília had a dazzling fairness at that moment. Her
still moist hair would let a drop of moisture run down and hide in the
hollow between her linen-robed breasts; her skin was fresh as if milky
waves had run over her shoulders; her vivid cheeks as two rose-colored
thistles blossoming in the sunset.”
shyness or bashfulness. Those who believe they have committed
an act of impoliteness, moral slips, and those who are caught
or accused of deceitfulness5 or ingratitude, as well as those
who are the object of mockery, ridicule, offense, praise, reproach, and disapproval are the ones who blush.
Montagu (1986) describes the case of a woman who
blushed when embraced by another woman, as she feared being labeled a lesbian. In Lucíola, José de Alencar conceives a
surprising response from Lúcia, a pretty and highly requested
prostitute who “se enrubesceu como uma menina e fechou
o roupão”6 on becoming aware that part of her breasts was
exposed to the observation of an admirer. And Mário de
Andrade, in Amar, verbo intransitivo, produces a similar
expression in a German housekeeper who had been hired to
initiate in the sex life a boy named Carlos, who “aproveitando um momento de sozinhos, dera um abraço tão encostado em Fräulein que ela se sentira enrubescer.” 7 It
should also be taken into account that in Greek mythology,
Eos (Aurora, the goddess of Dawn), having fallen in love with
Orion, a giant, continues blushing everyday with the remembrance of her passion.
Darwin opposes the theory of evolution to the belief
that blushing was conceived by the Creator for the soul to be
5. “The truth does not make one blush”: phrase attributed to Tertullian.
“He who blushes is already guilty; true innocence is ashamed of nothing”:
thought attributed to Rousseau.
6. T.N.: “blushed as a little girl and closed her robe.”
7. T.N.: “took advantage of a moment alone and embraced Fräulein so
close that she felt she was blushing.”
able to display on its cheeks the various internal emotions of
moral feelings, for us to curb our own desires, and, simultaneously, to be a sign to others that we would be breaching
rules that should be sacred.
The groundlessness of that creationist assumption is
revealed in its inaptitude to explain why shyness is the most
common and efficient cause of blushing, “which makes the
blushing person suffer and embarrasses the onlooker, without having the slightest usefulness for any one of the two.
[The creationists] [w]ill also find it difficult to explain why
Negroes and other dark-skinned races blush, since the
change in their skin color is nearly or completely invisible”
(Darwin [1872] 2000, 314).8
Charles Darwin, who abominated slavery, failed to explain the adaptative value of blushing to refrain from legitimizing the thesis according to which only superior beings
gifted with moral reasoning – a category that excluded enslaved Negroes – would be able to blush.
Later research confirmed the adaptative value of
blushing identifying a pacifying function in it, in view of
the fact that, similarly to smiling and being embarrassed,
that expression helps to improve the public image of those
who blush – chiefly those who commit lighter infringements –
giving rise to the acquiescence of those who judge or assess
them (Pereira 2008).
8. This quotation has been freely translated by the translator, based on
the Brazilian edition of Darwin’s classic piece The Expression of the
Emotions in Man and Animals which is mentioned in the Reference List.
Touch
Among mammals, females usually lick their newborn
sucklings. The behavior of licking one’s younglings, more
than merely cleaning them, would promote the activation
of their maintenance systems, especially the circulatory, respiratory, and excretory systems, by stimulating them to
function adequately right after birth. Human females do
not display such behavior – they do not “clear” or “comb”
their newborns with their teeth – but the prolonged birth
labor to which they are subject, submitting the fetus to intense uterine contractions, would be equivalent to “licking a
youngling” (Montagu 1986).
Human newborns depend on extensive parental care,
as they come to the world in a state of behavioral, physiological, and biochemical immaturity, and benefit enormously from the cutaneous stimulation that takes place
during birth labor. Neonates of normal birth have their immune system activated more precociously and are likely to
become more secure and less stressed individuals. In this
respect, Montagu (1986) points out that the French expression un ours mal léché – “an unlicked bear” – is employed
to describe an awkward, clumsy, and rude person in his or
her relations with other people.
The uterine contractions in labor set off the fondling
provided to the neonate, and are multiplied with its mother’s
tender loving care. Its intimate contact with a motherly
figure is accentuated by breast feeding and on the occasion
of baths and other body care procedures, when that infant’s
skin is rubbed and fondled.
Family ties: ethnic groupS in brazil
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
62
main features of feminine beauty, comprising the profile of
the following female characters: Carolina (A moreninha),
Inocência (from the eponymous novel), and Aurélia (Senhora), among others. In O guarani, José de Alencar provides the
following rendition of Cecília, an attractive and coquettish
young lady in the youthfulness of her eighteen years of age:
65
9. “A portion of skin of about three centimeters in diameter contains
more than three million cells, between one hundred and three hundred
and forty sweat glands, fifty nerve endings, and ninety centimeters of
blood vessels. It is estimated that there are about fifty receptors per one
hundred square millimeters, amounting to 640,000 sensory receptors.…
The number of sensory fibers originating in the skin and penetrating the
spinal cord … is higher than half a million” (Montagu 1988, 24–25). This
excerpt has been freely translated from the Brazilian edition.
affectively adjusted the partners feel. So, it would be reasonable to conclude that sexual intercourse provides a dense and
intense tactile communication between those who are entwined in the dialog of love.
The humanization of the body
Only human beings can deliberately modify their own
bodies, ornamenting and introducing in it radical and irreversible changes – tooth extraction, cranial deformation, clitoral excision, among others – or temporary and reversible, as
in the case of depilation and body painting (Rodrigues 1975).
These changes are subject to a broad range of variableness
because they occur within the sphere of specific social groups –
each with its own culture – to designate and reaffirm status,
and national, age bracket, religious, occupational, class, and
gender identities.
As a rule, the changes introduced in the body comply
with the aesthetical ideals of each society and its different
subgroups. However, it is not uncommon for them to also
serve to express disagreements (Queiroz and Otta 2000).
In various indigenous cultures, an individual’s status
is physically written on the surface of his or her body.
While marks of relevance and the expression of cultural
or religious beliefs, the scars and tattoos do not have a
separate space in the body, they perpetuate on one’s own
skin, and draw the features of a collective being that is
superimposed to individual identity, as if it were a social
skin (Clastres 1974; Helman 2003).
The body is a suitable cultural artifact that is shaped
and modified by culture since birth, and thus submitted
to a humanization process, as we do not make use of it in
a “natural” or spontaneous way, but in a standardized way
according to the countless body techniques that train it to
perform socially routinized operations and movements
(Mauss 1974). An untouched body that has not been modified
by culture represents nothing but a coarse living creature,
a mere object of nature (Lévi-Strauss 1957).
A significant majority of the changes produced in the
body affects the hair – haircuts, dyes, ornaments – and the
skin surface: depilation, painting, tattoos, piercings, and
scarifications. Such passion for adornments is extremely
old: archeologists have recovered body ornaments and
pigments dating over forty thousand years. In more recent
times, a few types of make-up kits have been found among
the objects deposited in Egyptian sarcophagi (Etcoff 1999).
Most body care items, especially procedures and
pro­ducts for dyeing, softening, perfuming, moisturizing,
and stretching the skin – the largest and most aesthetical
organ of the body – are aimed at preserving beauty and
youth. In the modern world, where good looks are a valua­ble
commodity for survival, people spend fortunes in cosmetics
and plastic surgeries. In the United States, those expenditures account for twice as much as the money disbursed
to purchase rea­ding material, which is a clear evidence
of a desperate search for beauty by those who wish to recover
their nubile teen looks, as if it were possible to capture
and protect from aging the ephemeral exuberance of
youth (Etcoff 1999).
Such conceptions and practices as associated with em­
bellishing the body, while being conditioned by the arbitrary
character of culture, cannot be dissociated from universal
reasons and criteria regarding aesthetic judgments and
selecting a partner. For that reason, we perceive as beautiful
and attractive the features that indicate, especially in women,
youthfulness, nubility, fertility, health, and a good shape,
and are led to value and desire, in spite of cultural dif­
feren­ces, people who have soft and exuberant skin, thick
and shiny hair, a slim waist, a proportionate figure, and a
symmetric face (Etcoff 1999; Queiroz and Otta 2000).
The dehumanization of the body
As mentioned earlier, an immaculate and exuberant
skin is a universally valued and desired feature. On the other
hand, cutaneous imperfections take part in the composition
of the ugly, dangerous, and monstrous, stigmatizing and
marginalizing carriers of syndromes and diseases that affect
the skin or manifest in it.10
In Fogo morto, a novel that is recognized as José Lins
do Rego’s masterpiece, popular superstition evokes the
werewolf myth to stigmatize José Amaro, a saddle maker
who is accused of lycanthropy because he used to walk
alone under the moonlight and, chiefly, on account of the
10. It is interesting to note the cutaneous peculiarities present in the
profile of mythical or legendary characters that inhabit the popular
imaginary: the mummified skin of “Corpo Seco,” a terrorizing figure in
rural paths that was rejected by the earth because the character was a
villain in life, who had spanked his own mother; the Caipora’s reddish
skin and hair, a character of the forest who protects animals from
predatory hunting; the blackness of the Saci’s skin, a mocking and
disturbed one-legged creature, inseparable from his pipe and his red
cap, associated with whirlpools and liminal spaces.
yellowish color of his skin,11 which lent him a sickly appearance. As Margarida, a Negro woman, admonishes the saddle maker’s wife:
Comadre Adriana, o povo está falando muito do mestre
José Amaro... Estão dizendo que ele está virando lobisomem. [...] que aquele amarelão dele é que faz o mestre
correr como bicho danado.12
A similar stigma is imputed to those who have hypertrichosis, commonly known as the “werewolf syndrome,” which is characterized by an excessive growth of
hair in the whole body or in some areas. Regarded as aberrations, anomalous beings, intermediate creatures between humans and animals, individuals with hypertrichosis as well as the “bearded women” were displayed in
circuses and horror shows, attracting large crowds of curious people to them.13
Those who suffer from the more severe type of albinism – a lack of the melanin pigment on the skin, eyes, and
hair – have no different luck, chiefly in countries or regions
whose people are dark skinned or belong to the Negro race.
11. Other elements reinforce the marginal position of that character in
the scenario in which the story is developed: José Amaro lived at the
edge of a road, held an intermediate position – artisan – between the
owner of the mill and the workers in that area, he had not had a male
son, and walked with a limp.
Albinos face various types of misfortune; in fact, due to
their sensitive skin, their intolerance of light, and other visual
impediments arising from the lack of pigmentation, they
prefer to walk at night, under faint lighting. Such preference
and their unique appearance arouse suspicion of lycanthropy
about them. In some African regions, albinos face serious
risks resulting from the belief that some parts of their bodies
have healing properties, and those who eat them will have
the gift of being smiled upon by fortune.14
Hansen’s disease, formerly known as “leprosy,” is portrayed as the disease that most stigmatized its victims in the
course of history. The unequivocal cutaneous and neurological lesions were regarded as the marks of a divine punishment
for sins committed. That millenary stigma placed its carriers
in the subhuman condition of damned, dirty, impure, loathsome, undesirable, and dangerous beings.15
Historian Jean Delumeau (1989, 140) renders a description of what Hansen’s disease represented in the medieval mentality and the brutality of the persecutions of those
who had developed the disease:
Leprosos foram efetivamente acusados, em 1348-1350, de
terem espalhado a Peste Negra. O aspecto horrível de suas
12. T.N.: “My friend Adriana, folks are talking a lot about José Amaro….
They say he is turning into a werewolf.… [t]hat his yellowish skin makes
him run as a wild beast.”
14. See an article published by Folha de S.Paulo on November 3, 2010,
entitled “An albino is elected congressman in Tanzania,” describing the
albino discrimination problems and the risks they are exposed to in some
Central African countries. According to that article, many Tanzanians,
for example, believe that certain parts of an albino’s body can be used
to prepare magic potions that will bring luck to those who drink them.
13. Sensationalistic television programs quite often explore the drama
of the carriers of that and other types of pathology.
15.In Portuguese, the terms lazarento and morfético, synonymous with
“leper,” are still used to insult or offend someone.
Family ties: ethnic groupS in brazil
64
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
An infant feels safe and sheltered when nestling on its
mother’s lap. When it is carried and rocked to sleep or to stop
crying, it hears its mother’s softly uttered words. “Extreme
sensory deprivation in other respects, such as light and
sound, can be survived, as long as the sensory experiences at
the skin are maintained,” as Montagu (1986, 100) supports.
That is why newborns who were deprived of contact with
their mother or were not tenderly touched or fondled, often
undergo physical and emotional impediments in their subsequent development stages.
While caresses and cutaneous stimulation are essential to an infant, they do not become less significant in adult
life, particularly in amorous interactions. In no other relation is the skin so deeply and extensively involved as in
sexual intercourse. The erogenous zones of the body are not
restricted to the genitals, but encompass the lips, the ear
lobes, the neck area, the nipples, etc. Furthermore, we
should not overlook the pleasant and stimulant odors the
skin secrets and exhales. In other words, the entire skin extension is an erogenous zone.9
Foreplay, when it explores various parts of the body
and is carried out with the hands, lips, and tongue, is much
more prolonged and unrestricted, the more intimate and
67
eram dissimulados, “melancólicos” e debochados. Acreditava-se também – concepção que pertence ao universo
Family ties: ethnic groupS in brazil
66
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
lesões passava por ser uma punição do céu. Dizia-se que
discrimination, solitude, and impurity, in addition to the
fear of contaminating people in close contact, especially family members.
mágico – que, por uma espécie de transferência, podiam
livrar-se de seu mal satisfazendo seus desejos sexuais com
uma pessoa sã, ou então matando-a. Em 1321, portanto 27
anos antes da Peste Negra, leprosos acusados de terem envenenado poços e fontes foram executados na França.16
That “cursed plague” gave rise to a generalized fright 17
that disrupted family ties and brought about measures to isolate lepers, condemning them to the limbo of marginalized
physical and social surroundings or to the perpetual confinement of “leper colonies.”
Even nowadays, having a cure for that disease, it is not
uncommon for patients to show, in addition to their hypochromic cutaneous marks, brownish patches that jeopardize
their psychic health: a downgraded identity and self-esteem
impacted by the guilt feelings, shame, neglect, rejection,
16. T.N.: “Lepers were actually accused, in 1348–1350, of having spread
the Black Death. The horrendous aspect of their lesions was regarded as
a punishment from heaven. It was said that lepers were cunning, ‘melancholy’, and debauched. It was also believed – a conception that belongs
to the magic realm – that they could free themselves from the disease by
means of some kind of transfer, they could get rid of their disease by satisfying their sexual desires with a healthy person, or by killing that person.
In 1321, twenty-seven years before the Black Death, lepers accused of
having poisoned wells and springs were executed in France.”
17.In the 15th, 16th, and 17th centuries it was commonly believed that
the plague could penetrate a body when heat and water produced fissures, opening the pores to pestilential air. That is why a European’s body
care was restricted to washing one’s hands and face, full baths being
quite rare (Vigarello 1996).
Skin: expressions and proverbs
The importance of the tactile functions of the skin is
coined in current expressions in the popular imaginary, although people in general do not “feel it” themselves, that is,
are not fully aware of the meaning of such expressions. Montagu (1986) collects tenths of those expressions to give proof
of the allegorical use of the skin. Some of them are: “happy
touch,” “soft touch,” “human touch,” “lend a touch,” “rubbing
people the wrong way,” “getting in touch,” “thick skinned,” “do
not touch me,” “tactless,” “having things at the tip of one’s fingers,” “feel the consequences on the skin,” “having chills,” “getting goose bumps.”
Finally, bringing to mind well-known proverbs, it is
worth remembering that a false or cunning person is a “wolf
in sheep’s skin” and that “bad skin doesn’t change.” However,
“there are people with two skins” or a “second skin.” As a precaution it is better “not to sell a bear’s skin before you kill it,”
since “he who cannot pay from his pocket, will pay with his
own skin.” Therefore, a heedless person shall “suffer on his
own skin” the damage caused, and see himself forced to work
for very little or nearly nothing for a boss who “skins” his employees, the same person who “had skinned the back of many
poor people.” And, in view of such suffering, it is no use to
“have one’s nerves on edge,” as “he who does not wish to be a
wolf, should not wear its skin” and should always remember
that “he who washes and does not dry himself, will have his
whole skin wrinkled.”
Reference List
CASTILHO, Renata dos Santos. 2011. “Estética e envelhecimento: representação da imagem para mulheres envelhescentes” (master’s
thesis in gerontology, PUC, São Paulo).
CLASTRES, Pierre. 1974. La société contre l’état: recherches de anthropologie politique. Paris: De Minuit.
—. 1980. “Arqueologia da violência: a guerra nas sociedades primitivas.” In Guerra, religião e poder. Lisbon: Edições 70.
DARWIN, Charles. (1872) 2000. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras.
DELUMEAU, Jean. 1989. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras.
ETCOFF, Nancy. 1999. A lei do mais belo: a ciência da beleza. Rio de Janeiro: Objetiva.
FUTUYAMA, Douglas J. 1992. Biologia evolutiva. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética/CNPq.
HELMAN, Cecil G. 2003. Cultura, saúde & doença. Porto Alegre: Artmed.
HRDY, Sarah B. 2001. Mãe natureza: uma visão feminina da evolução, maternidade, filhos e seleção natural. Rio de Janeiro: Campus.
LEAKEY, Richard. 1981. The Making of Mankind. New York: Dutton.
LEAKEY, Richard, and Roger LEWIN. 1982. Origens. São Paulo: Melhoramentos.
LÉVI-STRAUSS, Claude. (1955) 1992. “A Native Community and Its Life Style.” In Tristes Tropiques. Translated by John Weightman
and Doreen Weightman. New York: Penguin.
MACE, Georgina. 1992. “Differences between the sexes.” In The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution. Cambridge: Cambridge
University Press.
MAUSS, Marcel. 1974. “As técnicas corporais.” In Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/Edusp, v. II.
MONTAGU, Ashley. 1981. Growing Young. New York: McGraw-Hill.
—. 1986. Touching: The Human Significance of the Skin. New York: Perennial Library.
MORRIS, Desmond. 1996. O animal humano: uma perspectiva pessoal da espécie humana. Lisbon: Gradiva.
—. 2005. A mulher nua: um estudo do corpo feminino. São Paulo: Globo.
PEREIRA, Yevaldo Lemos. 2008. “Enrubescimento social: evolução, função apaziguadora e modeladora do comportamento” (doctoral
thesis, Departamento de Psicologia Experimental – IP/USP, São Paulo).
QUEIROZ, Renato da Silva, and Emma OTTA. 2000. “A beleza em foco: condicionantes culturais e psicobiológicos na definição da
estética corporal.” In O corpo do brasileiro: estudos de estética e beleza, edited by Renato da Silva QUEIROZ. São Paulo: Senac.
RIBEIRO, Fernando Leite, Vera Sílvia Raad BUSSAB, and Emma OTTA. 2009. “Nem alfa, nem ômega: anarquia na savana.” In Psicologia evolucionista, edited by Emma OTTA and Maria Emília YAMAMOTO. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
RODRIGUES, José Carlos. 1975. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé.
VIGARELLO, Georges. 1996. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes.
WAAL, Franz de. 2007. Eu, primata. São Paulo: Companhia das Letras.
João Baptista Borges Pereira
Morador do interior do Rio Grande do Norte,
Inhabitant of the interior of Rio Grande do Norte,
região Nordeste do Brasil, nos anos 1970.
in the Northeast of Brazil, in the 1970s.
69
O
O Brasil é hoje proclamado e autoproclamado orgulhosamente o país da diversidade étnica. Tal diversidade foi
sendo construída historicamente, aos poucos, desde o
descobrimento até os dias atuais. De início, o indígena –
habitante original do território –, com sua pele amarelada, um tanto indefinida, às vezes rotulada pejorativamente de “gente cor de cuia”. Nos inícios do século XVI chega
da península Ibérica o colono branco português. Logo
depois vêm se juntar aos indígenas e aos ibéricos os pretos vindos de várias partes da África negra, aprisionados
pelo sistema escravocrata, que foi eliminado somente no
final do século XIX.
A essa trindade de cores, rotulada até a atualidade de
alicerce do Brasil étnico, acrescentou-se em 1875 (data-símbolo) novas levas de populações brancas. Esse desenho
de cores (indígenas, brancos e negros) apenas é desmanchado em 1908, com a chegada de imigrantes classificados
numa quarta cor: a amarela. É grande o fluxo imigratório
representado, de início, pelos japoneses, e hoje, a partir da
II Guerra Mundial, pelos chineses e, principalmente, pelos
coreanos. Para que a trindade de cores primordial fosse
desfigurada pelos novos imigrantes foi preciso passar por
cima do Decreto nº- 528, do primeiro presidente da República, que abria os portos brasileiros a todos os povos, com
exceção dos “nativos da África e da Ásia”.
Sobre os asiáticos, no caso os japoneses, pairava a
ideia de que eram gente desconhecida, formadora de
“quistos” étnicos, traiçoeira, perigosa. Enfim, esses imigrantes eram vistos como “perigo amarelo” (Dezem,
2005). Essa ideia recheada de estereótipos negativos foi
reforçada, após a II Guerra Mundial, pela ação violenta da
João Baptista Borges Pereira é antropólogo, professor emérito da
Universidade de São Paulo, professor pleno de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
facção terrorista Shindo Renmei, nascida do resultado do
conflito mundial. De um lado estavam os chamados
“derrotistas”, os que aceitavam como verdadeiras as informações de que o Japão fora derrotado; de outro, situavam-se os “vitoristas”, que não aceitavam tal fato. Dessa
aceitação-não aceitação brotou a Shindo Renmei, que
passou a assassinar os “derrotistas” Brasil afora. Hoje,
superada essa fase, a colônia ganhou visibilidade plena na
vida nacional. Seus descendentes ocupam status expressivos em todos os setores da estrutura social, o que colabora
para redefinir a imagem negativa com a qual se representavam os amarelos no país (Mita, 1999).
Essa composição que tinge o Brasil de quatro cores
entra pelos caminhos dos meios-tons, dado o histórico
processo de miscigenação entre esses segmentos populacionais. Atualmente, o censo brasileiro capta e enquadra
esse painel de cores em cinco categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Para melhor compreender essas
categorias é necessário decompô-las e daí extrair o que pretendem anunciar e o que eventualmente venha a esconder
cada uma das categorias censitárias: “branco, preto, amarelo”. Tais categorias retêm apenas a cor da pele predominante de indivíduos para colocá-los em grupos “étnico-raciais”
específicos, ignorando a eventual diversidade que cada um
desses grupos contém. A categoria pardo é um rótulo que
seve para englobar as cores misturadas pelo processo de
mestiçagem. Nessa categoria, que mais se assemelha a “um
saco de gatos”, estão englobados os mulatos de vários tons,
resultantes da miscigenação entre os brancos e pretos; o
mameluco, produto do cruzamento entre brancos e índios;
o cafuzo, da união genética entre brancos, negros e índios.
Já a categoria indígena, a última na escala do IBGE,
desliza do critério de cor – que é fundamentalmente biológico-racial – para o plano étnico-cultural. Essa quebra de
princípio classificatório em termos de cor de pele explica-se tanto pelo grande número e ampla diversidade dos
grupos indígenas ainda existentes no país como pela dificuldade em nominar as cores ou a cor desse Brasil tão
presente na história e tão ausente do cotidiano de certas
áreas do país. Perdura ainda no imaginário nacional o
índio idealizado pelo romantismo dos séculos anteriores.
A representação popular permeada de simbologia
encarrega-se de nuançar ainda mais essa diversidade captada ou aprisionada pelo censo. À guisa de exemplo podem-se
citar as resultantes de pesquisa de campo realizada por um
antropólogo norte-americano (Harris, 1967: 93). Esse
autor detecta quarenta expressões populares para designar
no Brasil o que o censo categoriza como branco, preto e
pardo: “branco, preto, sarará, moreno claro, moreno escuro,
mulato, moreno, mulato claro, mulato escuro, negro, caboclo, escuro, cabo-verde, claro, araçuaba, roxo, amarelo,
sarará escuro, cor de canela, preto claro, roxo claro, cor de
cinza, vermelho, caboclo escuro, pardo, branco sarará,
mambembe, branco caboclado, moreno escuro, mulato
sarará, gazula, cor de cinza claro, crioulo, louro, moreno
claro caboclado, mulato bem claro, branco mulato, roxo de
cabelo bom, preto escuro, pelé”.
Registre-se que nessas expressões de cores dos brasileiros, que extrapolam as categorias censitárias, entram
tanto a autoavaliação como a exoavaliação. A pergunta que
se coloca é: por que a autodefinição e a definição do outro
se distanciam. Segundo estudiosos das relações raciais no
Family ties: ethnic groupS in brazil
Harmonia e conflito entre as cores
do Brasil étnico: do real ao simbólico
71
A distribuição de cores pelo Brasil territorial
Pode-se afirmar metaforicamente que a pele que recobriu historicamente e continua a recobrir o Brasil ostenta
cores predominantes em diferentes áreas do país. Nas re­
giões meridionais e até certo ponto do Sudeste predominam percentualmente as populações brancas. No Nordeste,
logo depois das divisas de Minas Gerais com a Bahia, a predominância cabe aos pretos e a seus descendentes mestiços.
Na região amazônica, a percentagem dá vantagem à categoria indígena, com pequenas manchas de negros e mestiços provenientes do Nordeste. Essas manchas podem ser
detectadas também no Sudeste e em parte do Brasil central.
Em síntese, a distribuição dessa diversificada população pelo território brasileiro é absolutamente irregular
e heterogênea, dando a impressão (falsa) de que ela foi
feita aleatoriamente. Na verdade, há um padrão na distribuição espacial dessa pluralidade. É um padrão de indisfarçável caráter socioeconômico, apenas indiretamente
ligado às características biológicas desses diferentes segmentos populacionais.
Esse padrão foi construído historicamente a partir
dos ciclos pelos quais passou a economia brasileira: o ciclo
da cana-de-açúcar, o da mineração e o da grande lavoura
(café). Somando-se a esses três macrociclos, o jovem país
passou pelo menos por dois outros ciclos menos expressivos, mas que também atuaram, a seu modo, nesse processo
de distribuição-redistribuição populacional: o ciclo do trigo, tendo como cenário a então província de São Paulo, e o
da borracha, na região amazônica.
O ciclo da cana-de-açúcar levou para o Nordeste
multidões de escravos negros, cujos descendentes, mestiços ou não, lá ainda permanecem. O ciclo da mineração
deslocava para Minas Gerais, em larga medida, a mão de
obra escrava, até certo ponto dispensável pelo esgotamento
do ciclo da cana-de-açúcar. Por fim, a grande lavoura cafeeira redistribuiu para as províncias do Sudeste, até a chegada dos imigrantes, os escravos negros ociosos dos ciclos
Family ties: ethnic groupS in brazil
70
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Brasil, essa falta de concordância entre o “eu” e o “outro”
deriva de um padrão ou modelo de convivência étnica que
se convencionou nominar “modelo de marca ou de aparência”. Modelo diferente do adotado por outro país pluriétnico: os Estados Unidos. No país norte-americano a diversidade étnica é definida por padrões derivados do “modelo
de origem, ou de sangue” (Nogueira, 1985).
No Brasil, as fronteiras entre as cores são débeis,
não enraizadas no patrimônio genético, o que permite
que elas sejam cruzadas em várias circunstâncias. Nos
Estados Unidos esse processo é quase impossível, independentemente da aparência física que os indivíduos
ostentam. Exemplo recente e atual no Brasil dessa permeabilidade de fronteiras étnicas foi o desencadear de política
pelas cotas que visava ou visa beneficiar a população no
seu acesso ao ensino superior. Indivíduos que em outros
contextos sociais seriam, pela aparência, rotulados de
brancos se autoproclamam negros, porque descendentes
de negro, para serem, eventualmente, beneficiados por tal
política. Trata-se de pessoas que intencionalmente enveredam pelo cipoal da ambiguidade sociorracial para
alcançar seus objetivos. Esses indivíduos vivem rotineiramente dentro de um “modelo de marca”, mas manipulam
de acordo com a circunstância o “modelo de sangue”.
anteriores. O ciclo do trigo, que marcou a vida econômica
da então São Paulo seiscentista, trouxe para essa província
grandes levas de indígenas legalmente escravizados de
todas as partes do país. De tal processo participaram como
atores principais celebrizados bandeirantes, como Raposo
Tavares. Foram os bandeirantes os grandes apresadores de
índios, tanto do sertão paulista como de outras áreas do
país (Monteiro, 2009).
O ciclo da borracha conduz para a Amazônia trabalhadores nordestinos, basicamente negros e mulatos, que
acabaram, em sua maioria, fixando-se naquelas bandas,
ainda hoje confundidos com populações indígenas.
Nesse esquema econômico cíclico ficaram de fora os
atuais Estados meridionais: Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
A política de branqueamento e de
ocidentalização do país
A população branca de origem europeia, em ondas
migratórias, chega ao Brasil a partir de 1875 (data-símbolo).
Pelo menos quatro ordens de fatores respondem por essa
imigração: o fator socioeconômico – o mais alardeado –,
ligado à busca de mão de obra para substituir os escravos
negros que seriam libertados em 1888; o fator racial – o
menos explícito –, que procuraria por meio da imigração
de povos brancos europeus equilibrar a balança negro-branco, a favor do segundo segmento; o fator cultural –
até certo ponto atrelado ao racial –, que buscaria firmar a
ocidentalização do país; e, por fim, o elemento estratégico –
aparentemente obscurecido pelos três fatores anteriores –, que responderia pela ocupação de áreas tidas
Imagem de carnaubal cearense, nos anos 1950. Típica da região nordestina,
View of a Brazilian carnauba palm plantation in the 1950s. Being typically found
a carnaúba é uma palmeira utilizada para construir casas, confeccionar
in the Northeastern region of Brazil, the carnauba palm is employed in house
chapéus e sua cera tem larga aplicação na cosmetologia e na farmacologia.
building, hat making, and its wax is widely used in cosmetology and pharmacology.
72
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
como despovoadas, de fronteiras indefinidas e vulneráveis com países vizinhos. O imigrante que mais se adequou
a esse perfil idealizado foi o italiano, pois, além de ser considerado bom trabalhador agrícola, era branco, compunha
o mundo ocidental, e, diferentemente do imigrante alemão – predominantemente protestante luterano –, chegara
marcado por forte tradição católica romana e ostentava
laços de parentesco étnico com a terra que o acolhia: era ou
gostaria de ser latino como o brasileiro. Essa é a explicação
– talvez a principal – para justificar a quantidade de imigrantes italianos, em torno de 1,5 milhão de indivíduos,
número inferior apenas ao contingente português.
A polarização das cores
Esse painel marcado pela diversidade de raças, cores e
culturas, visto hoje como natural, inerente à identidade do
país, legitimadora que é dessa identidade, chama a atenção do
pensamento intelectual brasileiro ao findar do século XIX.
Deve-se a Raymundo Nina Rodrigues, ou apenas
Nina Rodrigues, professor de medicina legal da Universidade da Bahia, as primeiras reflexões sobre o tema. Para
esse autor, influenciado pelas escolas criminológicas italiana e francesa, o Brasil plural de seu tempo poderia, ou
deveria, ser reduzido a dois brasis, em larga medida antípodas entre si: o Brasil arcaico, negro e mestiço do Nordeste e o
Brasil progressista e branco das regiões meridionais. No
fundo, essa dicotomia definia um Brasil de pele branca e
um Brasil de pele negra. Tal interpretação dualista, ainda
que não tão esquemática por jogar em cena outros fatores
sociais, ganha força em reflexões posteriores, como em
Gilberto Freyre (Casa-grande e senzala ou Sobrados e
mocambos), em Aluísio Azevedo (O cortiço), ou em Roger
Bastide (Imagem do Nordeste em branco e preto), em Jacques
Lambert (Os dois Brasis).
Além dessa visão polarizada, binária, que incorpora,
em maior ou menor grau, o lado racial do brasileiro, o pensamento de Nina Rodrigues inspira, direta ou indiretamente, pelos anos afora, grande preocupação de intelectuais e
políticos brasileiros pela “normalidade”, pela “eugenia” da
população. Atrás dessas preocupações, ou motivando-as,
está a busca de “prescrições médicas” contra os males da
nação (Ribeiro, 2010). Entre esses males estava, às vezes mimeticamente, a pigmentação negra de grande parte da população do país. Para usar a linguagem estatística, todo esse
pensamento consistia em correlacionar positivamente as
“anormalidades” detectadas por essa medicina preventiva
com a raça ou com a cor do negro. Mas todo esse processo
associativo, bem ou mal formulado, não teria existido sem a
validação do pensamento de Nina Rodrigues, que estabelece, desde o início, correlação entre “anormalidades” e “raça”
(ou cor negra) nos territórios de candomblé da Bahia, que
se constituiu em seu locus de pesquisa empírica.
Reação das cores estigmatizadas
A história do negro no Brasil é marcada pela persistência e luta desse segmento étnico para se livrar do estigma associado a seu passado de ser escravizado e à cor de
sua pele, a fim de ocupar o lugar que julga ter direito na
estrutura social brasileira. Essa luta, com ou sem a cumplicidade do branco, passa por várias fases. Após a abolição,
logo no início da primeira década do século XX, surge em
São Paulo e em Campinas uma imprensa negra que, com
altos e baixos, tenta pedagogicamente “educar” o grupo
para que melhor possa se movimentar dentro de uma semiurbana sociedade da época (Pinto, 1993).
No final dessa década, estendendo-se por meados
dos anos 1920 daquele século, a população negra, especialmente do Rio de Janeiro, lança as raízes da música
popular brasileira, usando-a para sobressair-se e para
denunciar a discriminação de que era vítima, mesmo nas
suas atividades lúdicas e no cultivo da sua religiosidade.
Assim, em 1917, foi gravado o primeiro samba – Pelo telefone –, em que Donga, o autor, denuncia tais discriminações legalizadas pelo Estado. Ao longo dos anos 20 e 30
(século XX) a música foi o elemento escolhido pelo negro,
ou o que lhe sobrou, para expressar sua situação de subalternidade social (Borges Pereira, 2001).
O segundo instante histórico em que o negro ganha
visibilidade social está ligado ao Movimento Modernista,
em 1922. Ao tentar construir ou reconstruir a identidade
nacional, esse movimento encontra no negro, enquanto cor
e enquanto cultura, o grande símbolo dessa identidade. Da
trindade construtora da nossa diversidade, o branco e o índio foram colocados à margem. O primeiro porque era
identificado como um tipo de cultura europeizante a ser
redefinida; o segundo porque já havia sido usado, até a
exaustão, como expressão de brasilidade pelo Romantismo
do século XIX. Restou o negro que passa a representar por
alguns instantes o papel principal da identidade brasileira.
Porém, o negro que é colocado em cena pelo Movimento
Modernista é o negro-tema, isto é, o negro enquanto expressão de cultura. O negro-ator social só surge nos movimentos reativos a partir de 1930. Paradoxalmente, quem
O histórico processo de miscigenação entre
The historical miscegenation process among
diferentes segmentos populacionais deu origem
different population segments gave rise
aos mais variados perfis de indivíduos. Aqui,
to a wide variety of individual profiles.
imagem de dois brasileiros fotografados em 1974.
Here, two Brazilians portrayed in 1974.
Assim, Menotti del Picchia inaugura, em 1917, a poética
de exaltação do negro com seu clássico poema – “Juca mulato”. Nessa linhagem temática situam-se Cândido Portinari, com os seus tipos humanos amestiçados, curtidos
pelo trabalho, como que cheirando a suor. Di Cavalcanti
dedica-se à glorificação estética da mulata, enquanto Jorge
de Lima faz apologia poética de sua “nega fulô”. Francisco
Mignone, alertado por Mário de Andrade, alimenta sua
inspiração musical a partir de expressões de cultura negra.
Destaca-se no repertório de Mignone, dentro dessa temáJangadeiro, habitante tradicional
do litoral nordestino, em 1950.
Jangadeiro, a traditional raftsman
of the Northeastern seacoast, in 1950.
tica, a composição Quarta sinfonia para piano e orquestra,
baseada na música de uma escola de samba do Rio de
Janeiro. Como se afirmou, não há presença do homem
negro nesse Movimento, mas sim a exaltação do que se
entendia então por cultura negra como sinônimo de
popular e folclórico, dando consequentemente maior visibilidade ao negro tomado como espécie de autenticidade
nacional de brasilidade. (Borges Pereira, 2011)
Ao redor de 1930, surge aquele que, talvez, ou certamente, pode ser considerado o mais poderoso e expressivo
movimento político de negros em prol do grupo: a Frente
Negra Brasileira (FNB), liderada por Arlindo Veiga dos
Santos, jornalista do Correio Paulistano. Seguindo uma
ideologia conservadora, a FNB, além de ligar-se à Igreja
Católica no que ela tinha de mais tradicional, exaltava o
regime monárquico, e paradoxalmente, corria ao encontro
do integralismo de Plínio Salgado. Essa ligação política,
mal iniciada, se rompe quando as reivindicações da FNB,
Redesenha-se a bipolaridade das cores1
Na noite do dia 7 de julho de 1978, um grupo de jovens
negros protestaram na escadaria do Teatro Municipal de São
Paulo contra dois atos discriminatórios: o primeiro referia-se à proibição de adolescentes negros de praticarem
natação em um clube da cidade; o segundo era endereçado
ao regime militar que dominava ditatorialmente o país e fora
responsável pela prisão e morte de um operário negro. Nascia, assim, o Movimento Negro Unificado (MNU) que,
dentro de um referencial ideológico marxista, propunha reverter a situação do grupo na sociedade brasileira a partir de
uma reconstrução da identidade do negro. Isso significava,
entre outras coisas, a eliminação da cena social da tradicional ‘identidade deteriorada’, substituindo-a por uma imagem
positiva da qual o próprio grupo deveria se orgulhar.
Da agenda do MNU constava:
1. Redefinir a partir da própria estética a imagem do
negro, enquanto expressão de um corpo não branco. Entram
nesse item as preocupações com a beleza negra, principal,
mas não exclusivamente, com a beleza feminina. Ganham
destaque, como expressão dessa nova identidade ligada à estética negra, os cosméticos e o cabelo. Tais preocupações
abrem brechas no mercado consumidor, gerando salões de
1. O texto deste subitem encontra-se em João Baptista Borges Pereira,
“Diversidade e pluralidade: o negro na sociedade brasileira”, in: Revista
da USP, nº- 89, mar.-mai., 2011, pp. 278-284.
75
Family ties: ethnic groupS in brazil
74
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
constrói o negro no modernismo é o seu contraponto: o
branco, quase sempre o italiano da primeira geração.
enquanto grupo político negro, são colocadas na mesa de
negociação. O movimento de exaltação da pureza da pele
branca não concordou com as exigências do movimento de
exaltação da pele negra. A Frente, já estraçalhada internamente pelo conflito entre negros da esquerda e negros da
direita, é finalmente liquidada por Getúlio Vargas. Observe-se que, diferentemente do Movimento Modernista, em
que o negro aparece como expressão de cultura que ele cria
ou lhe é atribuída, na Frente Negra Brasileira ele entra em
cena como ator social a reivindicar espaço na estrutura
social que historicamente lhe tem sido negado.
Entre o Estado Novo de Vargas e o término da Segunda Guerra Mundial, uma espécie de calmaria desce sobre o
“homem de cor” brasileiro, quebrada apenas pela criação
do Aristocrata Clube por negros de São Paulo e pelo Teatro
Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento. Ainda
que feitas pelos negros e para os negros, difícil é não perceber nesses eventos manifestações larvais de uma classe
média emergente, real e simbólica (fictícia, no dizer de
Florestan Fernandes), ansiosa por reconhecimento social.
São tais anseios, aspirações e lutas que reaparecem reatualizados, na última década do século XX, com a criação da
Unipalmares, tendo como objetivo explícito o ensino superior destinado ao aprimoramento intelectual de parcelas da
população negra de São Paulo. (Soares, 2006)
77
negro malandro, sem escrúpulos, risível; enfim, do “negro
caricatural”, que se perpetua e incomoda o grupo desde a
fase do rádio (Borges Pereira, 2001; também Fonseca, 1994).
Essa vigilância saneadora alcança até os artistas negros que
se prestam a representar tais papéis. (Araújo, 2000)
5. Eleger a educação superior, universitária, como
um dos mais poderosos recursos para reverter os sinais.
Essa ideia, impregnada fortemente de uma mística do poder da escola num processo de ascensão social, parece ser
unanimidade entre os negros, militantes ou não. É possível distinguir na busca desse objetivo duas estratégias do
grupo. A primeira, reatualizando uma estratégia da autodenominada elite negra das décadas de 40 e 50 (século
XIX), usa a negociação com representantes de camadas
mais privilegiadas da população branca (políticos, empresários, profissionais liberais, instituições de ensino)
para concretizar os ideais desse segmento. A segunda, em
vez da negociação, prefere um estratagema baseado na
contestação pública e até mesmo no conflito, ao topar
com os entraves sociais à sua projetada trajetória. Desta
última estratégia, marcada por anseios de camadas mais
carentes do grupo negro, nascem as reivindicações de cotas
raciais nas universidades públicas.
6. Finalmente, não aceitar a pluralização do movimento negro: ele é único, embora comporte várias faces,
atuando cada qual em seu tempo, cada qual em seu lugar,
cada qual com suas estratégias de luta (Borges Pereira, 2007).
Os próprios militantes atuais reconhecem ser essa
uma agenda ambiciosa, ainda que admitam que a imagem
que se tem do negro hoje não seja mais a desgastada representação de décadas atrás. E o que é mais relevante: o
negro já se liberta da ideologia reflexa, da imagem do
espelho do “outro”, historicamente construída desde
tempos pretéritos. Em outras palavras, o negro já se vê
com seu próprio e renovado olhar, embora saiba que
resta muito a se fazer.
A dualidade das cores desencadeada pelo MNU
O movimento reativo dos negros acaba por restabelecer a polaridade das cores, reduzindo a louvada diversidade étnica à polaridade – quase oposição – dos dois Brasis.
Todavia, pelo menos duas diferenças podem ser ressaltadas entre a fase anterior e a atual: como se registrou, a
fase anterior resulta de uma construção levada a cabo por
intelectuais brancos, com base nas ideias biologizadas de
Nina Rodrigues. Na fase atual essa redução dualista, binária, é feita por militantes negros, pela perspectiva marxista, com ênfase ao socioeconômico. Em síntese, a partir de
1970, o Brasil em branco e preto é redesenhado no plano
político-ideológico por brasileiros que se autodefinem
como indivíduos de pele negra sem nuanças todos ansiosos por eliminar os entraves reais e os estigmas simbólicos que historicamente colocaram o “homem de cor”
num quadro, desde sempre, de subalternidade social. De
certa forma, esse redesenho arranha o perfil de uma sociedade que se orgulha de sua diversidade étnica, que pode
ser traduzida como diversidade de cores que tingem as
peles dos brasileiros.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil. O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000.
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. 4ª- ed. São Paulo: Global, 2008.
BORGES PEREIRA, João Baptista. “Pixinguinha” (entrevista), in: Revista do IEB-USP, nº- 42, 1997, pp. 77-90.
—. “Os imigrantes na construção histórica da pluralidade étnica brasileira”, in: Revista da USP, nº- 46, 2000, pp. 6-29.
—. Cor, profissão e mobilidade – O negro e o rádio de São Paulo. 2ª- ed. São Paulo: Edusp, 2001.
—. “Trajetória e identidade do negro em São Paulo”, in: ZANINI, Maria Catarina C. (org.). Por que “raça”? – Breves reflexões sobre a
“questão racial” no cinema e na antropologia. Santa Maria: Editora UFSM, 2007, pp. 87-100.
—. “Diversidade e pluralidade: o negro na sociedade brasileira”, in: Revista da USP, nº- 89, mar.-mai., 2011, pp. 278-284.
CUTI, Luiz Silva. … E disse o velho militante José Correia Leite. Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo. 1992.
DEZEM, Rogério. Matizes do “amarelo”: a gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (1878 – 1908). São Paulo: Humanitas, 2005.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. São Paulo: FFLCH-USP, 1964.
FONSECA, Dagoberto J. “A piada: discurso sutil da exclusão. Um estudo risível no ‘racismo à brasileira’”. PUC-SP, 1994. Mestrado em
ciências sociais,
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
GOMES, Nilma Lina. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolo da identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
HARRIS, Marvin. Padrões raciais nas Américas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
LUCRÉCIO, F. História de um militante da Frente Negra Brasileira. São Paulo, 1987. Mimeo.
MALATIAN, Teresa M. As cruzadas do Império. São Paulo: Contexto, 1990.
MELLO, Marina P. A. “Não somos africanos... Somos brasileiros. Povo negro, imigrantismo e identidade paulistana nos discursos da
imprensa negra e da imprensa dos imigrantes (1900-1924). Dissensões e interações”. São Paulo: USP, 2005. Tese de doutorado em
antropologia social.
MITA, C. Bastos: uma comunidade étnica japonesa no Brasil. São Paulo: Humanitas, 1999.
MONTEIRO, John. Negros da terra. Índios e bandeirantes na origem de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
NINA RODRIGUES, R. Os africanos no Brasil. 2ª- ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.
NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.
PINTO, Regina P. “O movimento negro em São Paulo: luta e identidade”. São Paulo: USP, 1993. Tese de doutorado em antropologia social.
QUEIROZ JR., Teófilo. Preconceito de cor e a mulata na literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1975.
RIBEIRO, Paulo Silvino. “Prescrições médicas contra os males da nação – Diálogos de Franco da Rocha na construção das ciências
sociais no Brasil”. Tese de mestrado, Unesp-Araraquara, 2010.
SANTOS, Gislene A. dos. A invenção do ser negro. Um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo, Rio
de Janeiro: Educ, Fapesp, Pallas, 2002.
SEYFERTH, Giralda. “Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel na política e colonização”, in: MAIO, M. C; SANTOS, R. V.
(orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, CCBB, 1996, pp. 38-59.
—. “Colonização, imigração e a questão racial no Brasil”, in: Revista da USP, nº-º 53, 2002, pp. 117-148.
SOARES, Reinaldo da Silva. Vai-Vai – O cotidiano de uma escola de samba. São Paulo: Booklink, 2006.
—. Negros de classe média em São Paulo: estilo de vida e identidade étnica. São Paulo: USP, 2004. Tese de doutorado em antropologia social.
VALENTE, Ana Lúcia E. F. Política e relações raciais. São Paulo: FFLCH-USP, 1986.
Family ties: ethnic groupS in brazil
76
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
beleza étnicos nas principais cidades brasileiras e indústrias
de cosméticos que, por sua vez, estimulam uma publicidade
que tem como alvo o grupo negro (Gomes, 2006).
2. Eliminar os quase quarenta rótulos pelos quais,
em diferentes regiões do país, se nominavam o preto e seus
mestiços (Harris, 1967). Para tal seria adotado o termo
abrangente “negro”. Essa estratégia de nominação única
procurava alcançar dois objetivos politicamente relevantes
para o grupo: em primeiro lugar, o número e o percentual
da população não branca, doravante chamada negra, cresceriam a ponto de recuperar o equilíbrio registrado no final
do século XIX. Em segundo lugar, se construiria a rede de
solidariedade intergrupal, cuja ausência impedia uma ação
política conjunta. Enfim, tentava-se com essa estratégia eliminar as distâncias entre gênero, religião, nuanças de cor e
políticas partidárias (Valente, 1986).
3.Estabelecer propostas positivas de valorização
dos quilombolas, de exaltação do herói mítico Zumbi, de
estímulo e criação da Semana da Consciência Negra; colaborar para o esmaecimento no imaginário negro e nacional
do dia 13 de maio como símbolo de uma redenção outorgada; exaltar a cultura chamada negra no país, onde se destacam como expressões diacríticas a música, as religiões
afro e a fertilização da cultura brasileira a partir das contribuições dos chamados “homens de cor”.
4. Vigiar, até o policiamento, os meios de comunicação de massa, em especial a TV para, a um só tempo, aumentar, positivamente, a visibilidade do negro nas telas e
eliminar, se possível, de uma vez, a imagem negativa do
79
N
*
João Baptista Borges Pereira
Nowadays, Brazil is proudly proclaimed and self-proclaimed a country of ethnical diversity. Such diversity has
developed historically, little by little, from its discovery to
the present time. In the beginning, the indigenous Brazi­lian –
the original dweller of the territory – with his yellowish skin
somewhat undefined, sometimes depreciatingly labeled
“gourd-colored people.” In the early 16th century, white
Portuguese settlers arrive from the Iberian Peninsula. Soon
after that, Negroes coming from various parts of black
Africa – imprisoned by a slavery system that was abolished
only in the late 19th century – come to join the indigenous
Brazilians and the Iberians.
In 1875 (symbol-date), new batches of white people
were added to that color trinity, that has been known as
“the foundation of ethnical Brazil” up to the present time.
That color drawing (indigenous Brazilians, whites, and
Negroes) is undone only in 1908, with the arrival of immigrants classified in a fourth color: yellow. The immigration flow was intense and was initially represented by the
Japanese, and today, as of World War II, by the Chinese
and mainly by the Koreans. For the new immigrants to
disfigure the primordial color trinity, it was necessary to
ignore Decree 528, issued by the first president of the Brazilian Republic, that opened Brazilian ports to all people,
except “natives of Africa and Asia.”
As far as Asians – in this case, the Japanese – were concerned, it was believed they were unknown, treacherous, and
dangerous people who gathered to form “ethnic cysts.” In
other words, those immigrants were seen as the “yellow
danger” (Dezem 2005). That idea, which was crammed with
* Excerpts of works published originally in Portuguese have been freely
translated by the translator.
Índio da tribo dos caiapós, grupo indígena
Indian of the Caiapó tribe, a Brazilian indigenous
brasileiro da Amazônia, em 1957.
group of the Amazon, in 1957.
João Baptista Borges Pereira, anthropologist, emeritus professor with
Universidade de São Paulo, full postgraduation professor with Universidade Presbiteriana Mackenzie.
negative stereotypes, was reinforced after World War II by
the violent action of a terrorist faction known as Shindo
Renmei, which was born out of the result of that world
conflict. On one side, there were the so-called “defeatists,” or
those who accepted as true the information that Japan had
been defeated; on the other, there were the “victorists,” or
those who refused to accept such fact. Shindo Renmei was
born out of that acceptance-nonacceptance conflict and
started murdering “defeatists” all over Brazil. Nowadays,
having overcome that phase, the Japanese colony earned full
visibility in the life of the country. Japanese descendants hold
expressive status in all sectors of the social structure – which
has contributed to redefine the negative image of the yellow
people in this country (Mita 1999).
The blend that tints Brazil in four colors takes paths of
halftones, given the history of the miscegenation process
among those populational segments. Currently, the Brazi­
lian census gathers and classifies that color panel into five
categories: white, black, light brown, yellow, and indigenous. For a better understanding of those categories, it is
necessary to break them down and extract what they intend
to announce and what each of the censual categories will
eventually hide: “white, black, yellow.” Those categories are
based merely on the prevailing skin color of individuals to
place them in specific “ethnic-racial” groups, ignoring the
occasional diversity each group has. The light-brown category is a label that encompasses the colors that were combined as a result of the crossing of races. That category that
is mostly similar to a “mel­ting pot” encompasses the various
shades of mulatto, resulting from the miscegenation of
whites and blacks; the mameluco, a person of mixed indige­
nous and white ancestry; the cafuso, a person of mixed
white, indigenous, and Negro ancestry.
On the other hand, the indigenous category, the last
one in the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics)1 scale,
moves from the color criterion – which is fundamentally biologic-racial – to the ethnic-cultural sphere. That rupture from
the classificatory principle based on skin color may be explained by both the large number and the broad diversity of
the indigenous groups that still exist in this country and by
the difficulty to name the colors or the color of this Brazil that
is so present in history and so absent from the everyday life
of certain areas in the country. The national imaginary still
preserves the image of the Indian idealized by the romanticism of previous centuries.
The symbology-charged popular representation under­
takes to add further shades to the diversity collected or imprisoned by the Brazilian census. As examples, one may
mention the results of a field research carried out by an
American anthropologist (Harris 1967, 93). That author
finds forty popular expressions to name what the census
classifies as white, black, and light brown in Brazil: “branco, preto, sarará, moreno claro, moreno escuro, mulato,
moreno, mulato claro, mulato escuro, negro, caboclo, escuro,
cabo-verde, claro, araçuaba, roxo, amarelo, sarará escuro,
cor de canela, preto claro, roxo claro, cor de cinza, ver­­melho,
caboclo escuro, pardo, branco sarará, mambembe, branco
caboclado, moreno escuro, mulato sarará, gazula, cor
de cinza claro, crioulo, louro, moreno claro caboclado,
1. T.N.: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) is the agency responsible
for statistical, geographic, cartographic, geodetic, and environmental
information in Brazil. The IBGE performs a national census, and the
questionnaires account for information such as age, household income,
literacy, education, and Brazilian occupation.
Family ties: ethnic groupS in brazil
Harmony and Conflict in the Colors
of Ethnical Brazil: From Real to Symbolic
2 T.N.: This excerpt has been extracted from the Brazilian edition of
the book Patterns of Race in the Americas, by Marvin Harris, first pub­
lished in 1964. In its original publication, the excerpt reads as follows:
“Forty different racial types were now elicited: branco, preto, sarará,
moreno claro, moreno escuro, mulato, moreno, mulato claro, mulato
escuro, negro, caboclo, escuro, cabo verde, claro, araçuaba, roxo, amarelo,
sarára escuro, côr de canela, preto claro, roxo claro, côr de cinza,
vermelho,caboclo escuro, pardo, branco sarará, mambebe, branco caboclado, moreno escuro, mulato sarará, gazula, côr de cinza clara, creolo,
louro, moreno claro caboclado, mulato bem claro, branco mulato, roxo de
cabelo bom, preto escuro, pelé” (58).
and in view of their appearance would be labeled white proclaim themselves to be Negroes – on account of their Negro
ancestry – to benefit from that policy. It is a question of
people who deliberately take the complicated path of socioracial ambiguity to achieve their objectives. As a rule, those
individuals live according to a “brand model,” but manipulate their “blood model” to fit the circumstances.
Color distribution through territorial Brazil
Metaphorically, one may state that the skin that historically covered and continues to cover Brazil features predominant colors in different areas of the country. In southern
regions and to a certain extent in the Southeast, white populations prevail in percentage rates. In the Northeast, shortly after
the boundaries between the states of Minas Gerais and Bahia,
there is a predominance of blacks and their mestizo descendants. In the Amazon region, the indigenous category has a
percentage rate advantage, with small spots of Negroes and
mestizos coming from the Northeast. Those spots may also be
detected in the Southeast and in some parts of central Brazil.
In sum, the distribution of that diversified population
across the Brazilian territory is completely irregular and
heterogeneous, giving a (false) impression that it has been
carried out randomly. In fact, there is a pattern in the spatial
distribution of that plurality. It is a pattern of undisguised
socioeconomic aspect, only indirectly connected to the biological characteristics of those different population segments.
Historically, that pattern has been built from the cycles
through which Brazilian economy has gone: the sugarcane
cycle, the mining cycle, and the great farming (coffee) cycle.
In addition to those three macrocycles, the young country
A policy to whiten and Occidentalize the country
The white population of European ancestry comes to
Brazil in migratory waves as of 1875 (symbol-date). At least
four types of factors account for that immigration: the socioeconomic factor – the most mentioned – associated with a
search for workmanship to replace the Negroes who would be
set free in 1888; the racial factor – the least explicit – which,
by means of the immigration of white people of European
ancestry would attempt to tip the Negro-white balance in
favor of the latter; the cultural factor – which, to a certain
extent, was associated to the racial factor – which would
attempt to consolidate the Occidentalization of the country;
and, finally, a strategic element – apparently obscured by the
three previous factors – which would account for the occupation of areas regarded as depopulated, of undefined and vulnerable borders with neighboring countries. Italians were the
immigrants that most adapted to that idealized profile,
because, in addition to being considered good agricultural
workers, they were white and could blend into the Western
world, and, differently from German immigrants – mostly
Lutheran protestants – Italian immigrants were characte­r­
ized by a strong Roman Catholic tradition and featured ties
of ethnic consanguinity with the land that welcomed them:
they were – or would like to be – Latin as Brazilians. That
may be the main explanation to justify the number of Italian
81
immigrants, around 1.5 million people, an amount that was
only outranked by the Portuguese quota.
Polarization of colors
That panel, marked by the diversity of races, colors,
and cultures, and currently regarded as natural and inherent
to the country’s identity, as well as a legitimizer of that identity, draws the attention of the Brazilian intellectual thinking
in the late 19th century.
Raymundo Nina Rodrigues, a.k.a. Nina Rodrigues, a
professor of forensic medicine at Universidade da Bahia, is
responsible for the first reflections on the theme. Informed by
the Italian and French forensic schools, Nina Rodrigues
believed that the pluralistic Brazil of his time could or should
be reduced to two countries highly antipodean between themselves: a Northeastern Brazil that is archaic, negro, and mestizo,
and another Brazil that is progressist and white from the sou­
thern regions. In essence, that dichotomy defined a white and a
black‑skinned Brazil. That dualistic interpretation, albeit not
extremely schematic, since it highlights other social factors, gains
momentum in subsequent reflections, as in Gilberto Freyre
(Casa-grande e senzala or Sobrados e mocambos), in Aluísio
Azevedo (O cortiço), or in Roger Bastide (Imagem do Nordeste
em branco e preto) and in Jacques Lambert (Os dois Brasis).
In addition to that binary, polarized view that embo­d­
ies to a greater or lesser extent the racial side of Brazilians,
Nina Rodrigues’ thinking directly or indirectly gives rise
throughout the years to a great concern among Brazilian
intellectuals and politicians for the “normality” and “euge­n­
ics” of the population. Behind those concerns, or fueling
them, is a quest for “medical prescriptions” against the
illnesses of the nation (Ribeiro 2010). Among those frailties
one could find, sometimes mimetically, the black pigmentation of the greater part of the population in the country. In
statistical terms, all that thinking consisted in positively
correlating the “abnormalities” detected by that prophylactic
medicine to the race or the color of the negro. But that entire
associative process, whether well or badly formulated, would
not have existed without the validation of Nina Rodrigues’
thinking, which establishes, from the beginning, a correlation
between “abnormalities” and “race” (or the black color) in the
territories of the candomblé – an African-Brazilian religion
– of Bahia, which became his locus of empirical research.
Response of the stigmatized colors
The history of the Negro in Brazil is marked by the
persistence and struggle of that ethnical segment to rid itself of
the stigma associated to its past of being enslaved and the
color of its skin, to occupy the place it deserves in the Brazilian
social structure. That struggle, with or without the complicity
of the white, undergoes various phases. After the abolition of
slavery, at the very beginning of the first decade of the 20th
century, a black press is established in São Paulo and in
Campinas, which, with its ups and downs, attempts to pedagogically “educate” the group aiming at a better advancement
in the semiurban society of that time (Pinto 1993).
At the end of that decade, going on to the mid-1920s,
the black population, especially of Rio de Janeiro, intro­
duces the roots of Brazilian popular music and uses it to
stand out and to denounce the discrimination that victi­
mized it, even in their playful activities and religious cults.
Consequently, in 1917, the first samba – Pelo telefone – was
recorded, and Donga, its composer, denounces the discrimination legalized by the State. In the course of the 1920s and
1930s, music was the medium Negroes chose, or the only
medium left, to express their situation of social subalternity
(Borges Pereira 2001).
The second historical moment in which the Negro gains
social visibility is connected to the Modernist Movement in
1922. In its attempt to build or rebuild national identity, that
movement finds in the Negro, in terms of color and culture, the
great symbol of that identity. Whites and Indians were left out
of the trinity that accounts for our diversity. The first group
(whites) because it was seen as a type of Europeanizing culture
that should be redefined; the second group (Indians) because it
had been used exhaustively as an expression of Brazilianness
by the romanticism of the 19th century. The Negro was the only
remaining element that takes on for a few moments the main
role of Brazilian identity. However, the Negro the Modernist
Movement puts on the stage is the theme Negro, in other words,
the Negro as a cultural expression. The social-actor Negro is
only to emerge in the reactive movements as of 1930. Paradoxically, who builds the Negro in modernism is their counterpoint: the white, almost always first-generation Italians.
This way, Menotti del Picchia inaugurates, in 1917, the po­­
e­tics to elevate the Negro with his classic poem – Juca mulato.
Candido Portinari goes along this thematic line with his human mestizo characters, toughened by work, as if smelling
sweat. Di Cavalcanti dedicates himself to aesthetically glorifying the mulatto woman, while Jorge de Lima makes a po­
­­­­­­e­tic apology for his “nega fulô.” Francisco Mignone, warned
by Mário de Andrade, nourishes his musical inspiration,
Family ties: ethnic groupS in brazil
80
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
mulato bem claro, branco mulato, roxo de cabelo bom,
preto escuro, pelé.” 2
It should be noted that those color expressions of Brazilians, that extrapolate censual categories, are influenced by
both self-evaluation and exo-evaluation. The question posed
is, “Why are the self-definition and the definition of the other
placed far off?” According to scholars in racial relations in
Brazil, this lack of agreement between “me” and the “other”
derives from a pattern or a model of ethnic acquaintanceship
that by agreement is called “brand or appearance model.” A
different model from that adopted by another pluriethnical
country: the United States. In that North American country,
ethnical diversity is defined according to standards derived
from “a model of origin or blood” (Nogueira 1985).
In Brazil, the fact that color borderlines are feeble and
not rooted in our genetic heritage allows them to be crossed
in various circumstances. In the United States, that process is
virtually impossible, regardless of the physical appearance individuals may have. A recent and current example in Brazil
of the pervasiveness of ethnical frontiers emerged as a result
of a policy that set ethnical quotas to help people’s access to
higher education. Individuals who in another social context
went through at least two other less significant cycles –
which affected in their own way the process of population
distribution-redistribution: the wheat cycle, having the then
province of São Paulo as a backdrop, and the rubber cycle
in the Amazon region.
The sugarcane cycle brought to the Northeast crowds of
Negro slaves, whose descendants – mestizo or not – still remain there. The mining cycle transferred to Minas Gerais a
large scale of slave labor, which, to a certain extent, was
dispensable after the exhaustion of the sugarcane cycle.
Finally, an extensive coffee-farming activity redistributed the
black slaves who were idle after the former cycles to the pro­
vinces in the Southeast, until the arrival of immigrants. The
wheat cycle that marked the economic life of the 17th-century then province of São Paulo attracted large crowds of
legally enslaved indigenous people from all over the country.
The leading actors who took part in that process were famous
bandeirantes – members of expeditions called Bandeiras – as
Raposo Tavares. The bandeirantes were major Indian captu­
rers, both in the backlands of São Paulo and in other areas in
the country (Monteiro 2009).
The rubber cycle leads Northeastern workers, basically
Negroes and mulattos, to the Amazon region. Those indivi­d­
uals finally settled there and are still confounded with
indigenous populations.
Current Southern states, as Paraná, Santa Catarina, and
Rio Grande do Sul were left out of that cyclical economic process.
83
theme, the Fourth Symphony for Piano and Orchestra,
based on the music of a Rio de Janeiro samba school, stands
out in Mignone’s repertoire. As previously stated, the Negro
is not present in that Movement, but the exaltation of what
was then understood as black culture, as synonymous with
popular and folkloric, consequently granting higher visibility
to the Negro that was taken as a species of national Brazilianist authenticity (Borges Pereira 2011).
Imigrantes japoneses: Kô e os filhos desfrutando
de uma farta safra de caquis, Londrina – PR.
Japanese immigrants: Kô and her children relishing
an abundant persimmon crop, Londrina – PR.
Around 1930 there emerges a movement that, perhaps
or most certainly, may be regarded as the most powerful and
significant Negro political movement: Frente Negra Brasileira – FNB (Brazilian Negro Front), led by Arlindo Veiga dos
Santos, a journalist of Correio Paulistano. Following a conservative ideology, FNB, in addition to associating to the
Catholic Church in its most traditional values, exalted the
monarchic regime and, paradoxically, followed Plínio Salgado’s integralism. Soon after that political association was
established, it was broken, when FNB’s claims as a political
group were placed on the negotiation table. The movement
that praised white skin purity did not agree with the demands of the movement that praised black skin. The Front,
already internally cut up into shreds because of a conflict between left-wing and right-wing Negroes, is finally extinguished by Getúlio Vargas. It should be noted that differently
from the Modernist Movement, in which Negroes appear as
the expression of culture they have created or that is attri­b­
uted to them, in the Frente Negra Brasileira they enter the
scene as social actors that claim a space in the social structure that has been historically denied.
In the period between Vargas’ Estado Novo (New
State) and the end of World War II, a sort of calm descends
over the Brazilian “colored man,” that is only disrupted by the
creation of Aristocrata Clube by Negroes of São Paulo and by
the Negro Experimental Theater, of Abdias do Nascimento.
Despite having been created by Negroes and for Negroes, it is
difficult not to notice in those events larval manifestations of
an emerging, real, and symbolic middle class (fictitious, as
Florestan Fernandes puts it), yearning for social recognition.
Such cravings, aspirations, and struggles are updated and reappear in the last decade of the 20th century, with the creation of Unipalmares, having the explicit purpose of granting
higher education for the intellectual improvement of parts of
the Negro population in São Paulo (Soares 2006).
Color bipolarity is redrawn3
In the evening of July 7, 1978, a group of young Negroes
held a protest on the stairs of the São Paulo Municipal The­
a­t­­er against two discriminating acts: the first referred to a prohibition of Negro adolescents to practice swimming in a club
in the city; the second was addressed to the military regime
that had established a dictatorship in the country and had
been responsible for the arrest and death of a black worker.
Thus, the Movimento Negro Unificado – MNU (Unified
Negro Movement) was born, which, following a Marxist
ideological reference, proposed to revert the situation of
the group in Brazilian society based on a reconstruction of the
3. See the text of this subitem in João Baptista Borges Pereira, “Diversidade e pluralidade: o negro na sociedade brasileira,” Revista da USP, no.
89 (March–May 2011): 278–284.
Family ties: ethnic groupS in brazil
82
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
employing expressions of the Negro culture. Along this
85
music, African religions, and the fertilization of the Brazilian
culture based on the contributions made by the so-called
“colored men” are highlighted as diacritical expressions.
4. Keeping watch, to the extent of patrolling, the mass
communication media, particularly the TV in order to simultaneously increase Negro visibility on the screen positively and
eliminate, if possible and for once, the negative image of the
scoundrel, unscrupulous, and laughable Negro, in other words,
the “caricatural Negro,” that has perpetuated and annoyed the
group as of the radio days (Borges Pereira 2001; also Fonseca
1994). That sanitizing surveillance can even reach Negro
artists who are willing to perform such roles (Araújo 2000).
5. Electing higher, university education as one of the
most powerful resources to revert signs. That idea, strongly
impregnated with a mystique of school power in a social
ascension process seems to be unanimous among Negroes,
whether active members or not. In the quest for that objective, it is possible to see two strategies of the group. The first
one brings to date again a strategy self-denominated “black
elite” of the 1840s and 1850s that resorts to negotiations
with representatives of the most privileged layers of the
white population (politicians, businessmen, professionals,
educational institutions) to materialize the ideals of that
segment. The second, instead of negotiations, prefers an
artifice based on public dispute and even on conflict, when
facing social obstacles to its planned course. From this last
strategy that is marked by the yearnings of the neediest
layers in the Negro group, the claims for racial quotas in
public universities are born.
6. Finally, refusing to accept the pluralization of the
Negro movement: despite comprising various aspects that
will act in their own time, in their own places, with their own
fighting strategies, it is unique (Borges Pereira 2007).
Current members themselves realize that this is an ambitious agenda, while they admit that the Negro image nowadays
is no longer a worn-out representation of former decades.
And what is most relevant: the negro is already freeing
himself from the reflex ideology of a mirrored image of the
“other,” that has historically been built from long ago. In other
words, the Negro already sees himself through his own and
renovated gaze, while he realizes that there is still a lot to do.
The color duality triggered by the MNU
The Negro reactive movement ends up reestablishing
the polarity of colors, reducing the praised ethnical diversity
to polarity – almost to the point of opposition – of both Brazils.
However, at least two differences may be stressed between the
former and the present phase: as mentioned, the former
phase arises from a construction undertaken by white intellectuals, having as basis the “biologized” ideas of Nina
Rodrigues. In the current phase, that dualistic, binary reduction is conducted by Negro militants, through a Marxist
perspective, with emphasis on the socioeconomic. In sum, as
of 1970, Brazil in black and white is drawn once again from
a political-ideological point of view by Brazilians who define
themselves as black-skinned – without shades of black – individuals, all of them anxious to eliminate real obstacles and
symbolic stigmata that have historically placed the “colored
man” in a situation, as of always, of social subalternity. In a
way, this new drawing scratches the profile of a society that
takes pride in its ethnical diversity, which can be translated
into color diversity that tints the skins of Brazilians.
Reference List
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil. O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000.
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. 4th ed. São Paulo: Global, 2008.
BORGES PEREIRA, João Baptista. “Pixinguinha” (interview), in: Revista do IEB-USP, no. 42 (1997): 77–90.
—. “Os imigrantes na construção histórica da pluralidade étnica brasileira”, in: Revista da USP, no. 46 (2000): 6–29.
—. Cor, profissão e mobilidade – O negro e o rádio de São Paulo. 2nd ed. São Paulo: Edusp, 2001.
—. “Trajetória e identidade do negro em São Paulo”, in: ZANINI, Maria Catarina C. (org.). Por que “raça”? – Breves reflexões sobre a
“questão racial” no cinema e na antropologia. Santa Maria: Editora UFSM, 2007, 87–100.
—. “Diversidade e pluralidade: o negro na sociedade brasileira”, in: Revista da USP, no. 89 (mar–may 2011): 278-284.
CUTI, Luiz Silva. … E disse o velho militante José Correia Leite. Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo. 1992.
DEZEM, Rogério. Matizes do “amarelo”: a gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (1878 – 1908). São Paulo: Humanitas, 2005.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro à sociedade de classes. São Paulo: FFLCH-USP, 1964.
FONSECA, Dagoberto J. “A piada: discurso sutil da exclusão. Um estudo risível no ‘racismo à brasileira’”. PUC-SP, 1994 (master’s studies in social sciences).
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
GOMES, Nilma Lina. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolo da identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
HARRIS, Marvin. Padrões raciais nas Américas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
LUCRÉCIO, F. História de um militante da Frente Negra Brasileira. São Paulo, 1987. Mimeo.
MALATIAN, Teresa M. As cruzadas do Império. São Paulo: Contexto, 1990.
MELLO, Marina P. A. “Não somos africanos... Somos brasileiros. Povo negro, imigrantismo e identidade paulistana nos discursos da
imprensa negra e da imprensa dos imigrantes (1900-1924). Dissensões e interações”. São Paulo: USP, 2005 (doctoral thesis in social
anthropology).
MITA, C. Bastos: uma comunidade étnica japonesa no Brasil. São Paulo: Humanitas, 1999.
MONTEIRO, John. Negros da terra. Índios e bandeirantes na origem de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
NINA RODRIGUES, R. Os africanos no Brasil. 2nd ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.
NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.
PINTO, Regina P. “O movimento negro em São Paulo: luta e identidade”. São Paulo: USP, 1993 (doctoral thesis in social anthropology).
QUEIROZ JR., Teófilo. Preconceito de cor e a mulata na literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1975.
RIBEIRO, Paulo Silvino. “Prescrições médicas contra os males da nação – Diálogos de Franco da Rocha na construção das ciências
sociais no Brasil”. Unesp-Araraquara, 2010 (master’s thesis).
SANTOS, Gislene A. dos. A invenção do ser negro. Um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo, Rio
de Janeiro: Educ, Fapesp, Pallas, 2002.
SEYFERTH, Giralda. “Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel na política e colonização”, in: MAIO, M. C; SANTOS, R. V.
(orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, CCBB, 1996, 38–59.
—. “Colonização, imigração e a questão racial no Brasil”, in: Revista da USP, no. 53 (2002): 117–148.
SOARES, Reinaldo da Silva. Vai-Vai – O cotidiano de uma escola de samba. São Paulo: Booklink, 2006.
—. Negros de classe média em São Paulo: estilo de vida e identidade étnica. São Paulo: USP, 2004 (doctoral thesis in social anthropology).
VALENTE, Ana Lúcia E. F. Política e relações raciais. São Paulo: FFLCH-USP, 1986.
Family ties: ethnic groupS in brazil
84
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
Negro identity. That meant, among other things, eliminating
the traditionally “deteriorated Negro image” from the social
scenery, replacing it with a positive image that should be the
object of pride among their own group.
The MNU agenda included:
1. Redefining from his own aesthetics, the image of the
Negro as an expression of a non-white body. This item comprises a concern with Negro beauty, chiefly but not exclusively,
with the Negro female beauty. The expression of that new
identity associated with Negro aesthetics stresses cosmetics
and the hair. Such concerns give rise to niches in the consumer market in the form of ethnic beauty parlors in major
Brazilian cities and cosmetic industries, which, in turn, foster
advertising aimed at the Negro group (Gomes 2006).
2. Eliminating nearly forty labels that designated blacks
and their mestizos in different parts of the country (Harris
1967). For that purpose, they would adopt the encompassing
“Negro” term. That single-naming strategy attempted to fulfill
two politically relevant objectives for the group: firstly, the
number and percentage of the non-white population, which
from now on would be called “Negro,” would grow enough to
recover the balance recorded in the late 19th century. Secondly,
an intergroup solidarity network would be built, the absence of
which was an impediment to joint political action. In other
words, that strategy was an effort to fill the gap in gender,
religion, color shades, and partisan politics (Valente 1986).
3. Submitting positive proposals to value quilombolas,
exalt Zumbi, a mythical hero, encourage and create the Negro
Awareness Week; contribute to weaken in the Negro and
national imaginary May 13 as a symbol of granted redemption; exalt the so-called Negro culture in the country, in which
Dra. Alice Alchorne1, Dra. Bogdana Victoria Kadunc2,
Dr. Fernando Almeida3 e Dr. Maurício Alchorne4
1. Livre-docente de dermatologia; professora orientadora (mestrado e doutorado) da Escola Paulista de Medicina – Unifesp; professora
de dermatologia do curso de medicina da Universidade Nove de Julho – Uninove. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD.
2. Presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (2011-2012); doutora em dermatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo; ex-presidente e membro permanente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica. Assistente
da Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
3. Professor-associado de dermatologia da Unifesp/EPM; fundador do Grupo brasileiro de Melanoma. Ex-presidente da Sociedade Brasileira
de Dermatologia – SBD.
4. Livre-docente de dermatologia; professor de dermatologia do curso de medicina da Universidade Nove de Julho – Uninove. Ex-presidente
da Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD.
87
S
cidadãos de nações sul-americanas, mais próximas, é crescente o afluxo de pessoas oriundas da África e, também, da
Europa, particularmente Portugal, e dos Estados Unidos
que procuram qualidade a custos comparativamente mais
acessíveis, vantagens que se somam ao bom atendimento
oferecido pela rede hospitalar e, também, à imagem cada
vez mais positiva do Brasil no cenário internacional.
O Brasil conta com mais de 70 centros dermatológicos credenciados em vários Estados, boa parte dos quais
dedicados também à pesquisa, o que confirma o crescente
interesse científico pela especialidade. Nesse sentido, destaca-se, por exemplo, o Estado do Amazonas, onde as
pesquisas de doenças tropicais – relacionadas ao clima e
às características ambientais e sociais da região – estão
bastante avançadas, garantindo a importante contribuição
da dermatologia brasileira tanto no campo das pesquisas
científicas quanto no campo clínico e de tratamentos.
No âmbito da saúde pública, além dos esforços para
garantir o controle e a prevenção de doenças crônicas como
a hanseníase, o atendimento a doenças dermatológicas ocupacionais também tem recebido investimentos por parte do
governo. São doenças que atingem trabalhadores prolongadamente expostos ao sol ou que entram em contato com
substâncias químicas e metais pesados, hoje responsáveis
pelo segundo lugar entre as doenças ocupacionais em geral.
Os avanços da dermatologia e os novos desafios na
formação de profissionais
A complexidade e o avanço das pesquisas e da tecnologia envolvendo procedimentos e tratamentos exigem a
constante atualização dos profissionais de dermatologia.
Daí a importância de cursos de capacitação, palestras em
congressos, instituições de ensino e associações, como a
Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD, revelando o
empenho dos profissionais em prol do desenvolvimento
dessa especialidade médica.
Entre os registros mais frequentes, destaca-se a dermatoscopia, cujo progresso tem permitido diagnósticos
mais apurados de lesões pigmentadas que podem corroborar os resultados de exames anátomo-patológicos,
considerados o padrão-ouro para diagnósticos mais precisos. Os biológicos são outro marco importante na área
de pesquisa de novos medicamentos que compõem o arsenal para tratamento de algumas doenças que têm desafiado
os dermatologistas.
O desenvolvimento da cosmiatria também foi um
marco na evolução da dermatologia brasileira neste início
de século. Graças aos avanços das pesquisas e do desenvolvimento de novas tecnologias, como o laser e substâncias
como a toxina botulínica e os preenchedores, hoje o dermatologista pode tratar não somente as mudanças causadas na pele em razão do envelhecimento cronológico ou
ambiental, como também sequelas cicatriciais das mais
diversas origens e genodermatoses deformantes, antes
desprovidas de recursos terapêuticos. Estas, apesar de incuráveis, podem ter seus sintomas amenizados, garantindo a
melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
Assim, o incremento de pesquisas, sobretudo na área
da anatomia, é fundamental por garantir o uso adequado
e a maior eficiência dos tratamentos e procedimentos aplicados, considerando-se também os procedimentos cosmiátricos. Atualmente, as pesquisas na área da cirurgia
dermatológica e da cosmiatria estão focadas no desenvolvimento comparativo dos preenchedores, nas técnicas
de lipoaspiração de pequenos volumes com laser e
outros recursos e nas técnicas de cirurgia oncológica para
retirada de tumores.
No próprio diagnóstico de câncer de pele, uma das
principais moléstias que aflige a população, especialmente
de países de grande insolação, como os do hemisfério sul,
novas tecnologias de dermatoscopia e microscopia confocal permitem o exame do tecido lesionado com rapidez e
precisão, garantindo a eficácia das intervenções e dos tratamentos. As pesquisas estendem-se ainda para as áreas
de reconstrução e transplante de pele (enxertos), a exemplo
de certos casos de vitiligo.
Todos esses avanços dependem, para serem dominados e aproveitados em benefício dos pacientes, de uma formação conduzida por mestres e profissionais experientes
que propicie não apenas conhecimentos e práticas relevantes para o exercício da profissão, como também fundamentos científicos sólidos.
Um ponto crucial na agenda de educação médica continuada tem sido a questão ética e a preocupação permanente
Family ties: ethnic groupS in brazil
A longevidade e os desafios
da dermatologia no século XXI
Se nos primórdios do século XX a dermatologia brasileira
desempenhou papel de destaque na sociedade, desenvolvendo trabalho pioneiro e inovador nos campos da pesquisa
científica e da profilaxia contra doenças da pele que estigmatizavam a população, como a sífilis e a hanseníase, nos dias
atuais ela confirma essa posição, em consonância com as
demais especialidades da medicina na busca de soluções no
âmbito do tratamento das doenças e do monitoramento e de
intervenções que garantam a saúde com qualidade de vida
para uma população cada vez mais longeva.
Ao longo deste século a sociedade brasileira transformou-se profundamente. Nesse contexto, a dermatologia brasileira também se transformou, sobretudo a partir dos fins de
1990, quando deixou de ser uma especialidade eminentemente clínica e passou a evoluir gradativamente para clínico-cirúrgica, e na esteira dessa evolução foi incluída a cosmiatria.
Hoje, a dermatologia atua em diferentes aspectos
clínicos, laboratoriais e terapêuticos, buscando os benefícios da interdisciplinaridade e o avanço da prática médica:
oncologia, medicina diagnóstica e por imagem, pediatria,
cirurgia dermatológica, cosmiatria, além do tratamento de
doenças infecciosas, parasitárias, inflamatórias, autoimunes e alérgicas.
Nesse processo foram determinantes os avanços da
pesquisa científica e da tecnologia, que agregaram novos recursos à prática da dermatologia, tanto do ponto de vista do
diagnóstico quanto do tratamento. O dermatologista passou
a tratar de doenças dermatológicas que até então eram diagnosticadas principalmente pelo exame clínico. As doenças
de pele eram descritas com base na observação dos aspectos,
características e localização da lesão, e levando-se em conta
essa morfologia era feito o diagnóstico, o que dificultava a
sua confirmação. A histopatologia avançou a passos largos.
Hoje, com a imuno-histoquímica, é possível definir o tipo de
célula característica de uma doença e, com isso, não só fechar o diagnóstico como estabelecer o prognóstico, verificando as formas de sua evolução e a definição do tratamento.
No mesmo sentido foram significativos os avanços da
dermatologia na área de pesquisa, sobretudo das doenças
relacionadas às disfunções imunológicas. Por ser o maior
órgão do corpo humano, a pele possui grande quantidade
de células imunológicas. Doenças que causam imunodepressão, como a SIDA ou AIDS, e com alterações imunológicas, como lúpus eritematoso, pênfigo e vitiligo, são
algumas daquelas nas quais o diagnóstico e o tratamento
obtiveram progressos significativos nos últimos anos.
A dermatologia brasileira distingue-se entre as principais escolas em nível mundial, sobretudo na área de cirurgia dermatológica e cosmiatria, em que se qualifica
como a segunda escola do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. O interesse crescente despertado no plano
internacional faz com que a especialidade salte fronteiras e
passe a atrair, também, pacientes de outros países. Além de
89
Dr. Alice Alchorne,1
Dr. Bogdana Victoria Kadunc,2
Dr. Fernando Almeida,3 and
Dr. Maurício Alchorne4
1. Dermatology professor with habilitation degree (LivreDocência); advisor (master’s and doctorate degrees) with Escola
Paulista de Medicina – Unifesp; dermatology professor at the
medicine course of Universidade Nove de Julho – Uninove.
A former president of the Sociedade Brasileira
de Dermatologia – SBD (Brazilian Society of Dermatology).
2. President of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD
(2011–2012); doctorate in dermatology from Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo; a former president and a
permanent Deliberative Council member of Sociedade Brasileira
de Cirurgia Dermatológica. Assistant with Clínica Dermatológica
do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
3. Associate dermatology professor with Unifesp/EPM; founder
of Grupo Brasileiro de Melanoma; a former
president of Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD.
4. Dermatology professor with habilitation degree (LivreDocência); dermatology professor at the medicine course of
Universidade Nove de Julho – Uninove. A former president
of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD.
W
While in the dawn of the 20th century, Brazilian dermatology
played a remarkable role in society by developing a trailblazing
and innovative work in the fields of scientific research and
prevention of skin diseases that stigmatized the population,
such as syphilis and Hansen’s disease, nowadays it confirms its
role and position in accordance with other medicine specialties
in the search for disease-treating and monitoring solutions and
interventions that are capable of ensuring health and quality
of life for an increasingly long-lasting population.
In the course of this century, Brazilian society underwent profound changes. In that context, Brazilian dermato­
logy also went through transformations, mostly from the late
1990s, when it was no longer considered eminently clinical,
gradually becoming a clinic and surgical specialty, with
cosmiatry being included in the wake of that evolution.
Currently, dermatology encompasses different clinical, laboratorial, and therapeutic aspects seeking the benefits of interdisciplinarity and medical practice advances:
oncology, diagnostic medicine, medical imaging, pediatrics,
geriatrics, dermatological surgery, cosmiatry, in addition to
treatment of infectious, parasitic, inflammatory, autoimmune,
and allergic diseases.
The advances of scientific research and technology
were decisive, as they added new resources to the practice of
dermatology, from both diagnosis and treatment standpoints. Dermatologists began to treat dermatological dis­­­­
e­a­ses that up until then were chiefly diagnosed by clinical
exams. The description of skin diseases used to be based on
the observation of their aspect, characteristics, and location
of lesions, and a diagnosis was made by taking that morphology into account – which rendered confirmation more
difficult. Histopathology advanced in leaps and bounds.
Nowadays immunohistochemistry has made it possible to
identify the type of cell that characterizes a disease and,
based on such identification, not only is it possible to make
a diagnosis but also to provide a prognosis, based on its
probable course and the choice of treatment.
In the same way, the advances of dermatology in the
research field, above all the diseases relating to immune disorders, were also relevant. Being the largest organ of the human
body, the skin has a large amount of immune cells. Diseases
that cause immunosuppression, such as AIDS, and with a few
immune changes, such as lupus erythematosus, pemphigus,
and vitiligo, are among those the diagnosis and treatment of
which achieved significant progress in the last few years.
Brazilian dermatology ranks among the most important schools worldwide, especially in the area of dermatologic surgery and cosmiatry, where it ranks second in the
world, only behind the United States. The increasing interest
it aroused abroad made the specialty cross frontiers and
attract patients from other countries. In addition to people
from neighboring South American nations, there is an
increasing inflow of people from Africa and Europe, particularly from Portugal and the United States, as they seek
quality at comparatively more reasonable costs, advantages
that are added to the good services rendered by our nation’s
hospital network and to Brazil’s increasingly positive image
in the international scenario.
Brazil has over seventy qualified dermatological centers
in various states, a significant number of which also engaged in
research, a fact that confirms the increasing scientific interest
in the specialty. In this respect, for example, the state of Amazonas, where research on tropical diseases – relating to the
weather and to the environmental and social characteristics of
that region – stands out for its advances, ensuring the important contribution of Brazilian dermatology both in the field of
scientific research and in the clinical and treatment area.
In the sphere of public health, in addition to efforts to
ensure the prevention and control of chronic diseases, such as
Hansen’s disease, treatment of occupational skin diseases has
also been the object of government funding. Occupational
skin diseases develop in workers who are constantly and extensively exposed to the sun or who are exposed to chemical
substances and heavy metals, which are currently accountable
for a second place among occupational diseases in general.
The advances in dermatology and the new
challenges facing professional education
The complexity and the advances made in research and
technology relating to procedures and treatments require dermatology professionals to constantly update themselves in
the area. Hence the importance of qualification courses, congress lectures, associations, such as the Sociedade Brasileira
de Dermatologia – SBD, and teaching institutions to ratify
the commitment of dermatology professionals to the devel­
opment of that medical specialty.
Among the latest records, dermatoscopy stands out,
because its progress has allowed more precise diagnoses of
pigmented lesions that may substantiate results of anatomicopathological tests, regarded as the golden standard for
more precise diagnoses. Biologicals stand as another important milestone in the research for new medicine to be added
to the arsenal for the treatment of some diseases that have
challenged dermatologists.
The development of cosmiatry was also a milestone in
the evolution of Brazilian dermatology in this early new
century. Thanks to research advances and the development of
new technologies as laser and substances as botulinum toxin
and dermal fillers, nowadays not only is a dermatologist able
to treat skin changes caused by chronological or environmental aging, but also cicatricial aftereffects from the most
varied origins and deforming genodermatoses, for which no
therapeutic resource was available. In spite of being incu­
rable, they may have their symptoms mitigated to ensure a
better quality of life for patients.
Thus, intensified research, above all in the field of ana­
to­my, is essential, since it ensures an adequate use and higher
efficiency of relevant treatments and procedures, also taking
cosmiatric procedures into account. Current research in dermatological surgery and cosmiatry is focused on the comparative development of dermal fillers, small-volume liposuction
techniques by means of laser radiation and other resources,
and in the techniques of surgical oncology to remove tumors.
In the very diagnosis of skin cancer, one of the main dise­a­­­­­­­­­­­­­
ses that torments the population, particularly in countries with
plenty of sunlight, as those located in the Southern Hemisphere, new dermatoscopy and confocal microscopy techniques
make it possible to perform a quick and precise exam of the
injured tissue, ensuring effective interventions and treatments.
Research is also extended to the fields of skin reconstruction
and skin transplant (grafting), as in some cases of vitiligo.
In order to be mastered and used for the benefit of
patients, all such advances depend on a background built
by experienced masters and professionals that can provide
not only relevant know-how and practice to carry out the
profession, but also a solid scientific foundation.
A crucial aspect in the continued medical education
agenda has been the issue of ethics and a permanent concern
to make specialists aware, from their very graduation day, of
the delicate balance of the doctor-patient relationship and the
commitment to engage in the vast field of social diseases that
still afflict a significant contingent of people, as Hansen’s
disease, STDs, and mycosis that have a strong impact on the
economically less-favored groups and place Brazil in a disho­
norable outstanding position among nations.
Ethics, dignity, transparency, and honesty are universal values that should be stressed out in the medical
profession. Within that sphere, some principles should be
observed, as bearing in mind that, even in the simplest
cosmiatric procedure, a patient should be examined as a
whole to ensure that a doctor does not overlook certain conditions that could substantiate an early diagnosis, as in the
case of melanoma, which can be detected by means of a
thorough examination. In order to work in the profession in
its whole plenitude and comprehensiveness, a specialist
should, therefore, master the scientific foundations and the
three fundamental pillars of his or her profession: clinical,
surgical, and cosmiatric.
Another challenge facing a dermatologist’s background
is the increasing need to carry out interdisciplinary activities
that foster the exchange of knowledge among the various
specialties, in view of the numerous existing contact points
with other medical areas, as rheumatology, immunology,
and infectology, among others. This knowledge-enhancing
requirement should be taken into account if the scientific
dimensions facing a modern dermatologist are to be fulfilled.
These competences can only be fully mastered through
learning in well-equipped services led by qualified professionals. Such quality backdrop requires an adequately
structured medical school network, chiefly public universities and some niches of excellence in the private sector.
In this sense, the Sociedade Brasileira de Dermatologia
– SBD has played a key role for one century, by carrying out
industrious work to consolidate dermatology at a high level.
Relying on a structure of regional offices in the states of this
country, its network is multiplied by the capillarity provided
by dermatological districts and services that render quality
medical care to the remotest places in the country.
Family ties: ethnic groupS in brazil
Longevity and the
Challenges Facing
Dermatology
in the 21st Century
88
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
em conscientizar especialistas desde a graduação, sobre o
delicado equilíbrio da relação médico-paciente e o compromisso de atuar no vasto campo das doenças sociais que ainda
afetam contingentes expressivos da população, como hanseníase, DST e micoses, que impactam principalmente as camadas economicamente menos favorecidas e colocam o
Brasil numa desonrosa posição de destaque entre as nações.
Ética, dignidade, transparência e honestidade são
valores universais que têm destaque na profissão médica.
Nesse universo, certos preceitos devem ser observados,
como ter em mente que o paciente, mesmo nos procedimentos cosmiátricos mais simples, deve ser visto e examinado como um todo, para que não passem despercebidas
condições que poderiam garantir os benefícios de um
diagnóstico precoce, como é o caso do melanoma, que
pode ser detectado num exame completo. Para exercer a
dermatologia em toda a sua plenitude e abrangência, o
especialista deve dominar, portanto, os fundamentos
científicos e os três pilares fundamentais da profissão: clínico, cirúrgico e cosmiátrico.
Outro desafio à formação do dermatologista é a necessidade crescente de atividades interdisciplinares que
estimulem a troca de conhecimentos entre as diversas especialidades, tendo em vista os numerosos pontos de contato
existentes com áreas diversas da medicina, como reumatologia, imunologia e infectologia, entre outras. Essa exigência de ampliação do saber deve ser contemplada para que
possam ser preenchidas as dimensões científicas que se
colocam diante do dermatologista moderno.
Essas competências somente serão integralmente
dominadas a partir do aprendizado em serviços bem
equipados e conduzidos por profissionais qualificados.
Tal cenário de qualidade exige uma rede bem estruturada
de escolas médicas, principalmente universidades públicas
e alguns nichos de excelência no ensino privado.
Nesse sentido, papel fundamental tem sido desempenhado pela SBD, que, há um século, vem realizando diligente trabalho de consolidação da dermatologia num patamar
elevado. Com estrutura de regionais nos Estados, sua rede
multiplica-se por meio da capilaridade proporcionada pelos
distritos dermatológicos e pelos serviços que levam assistência médica de qualidade aos pontos mais distantes do país.
Angela Magalhães e Nadja Fonseca Peregrino
Curadoras e Pesquisadoras Associadas
91
A
A realidade cultural brasileira é caracterizada pelo amálgama de distintos grupos étnicos. Não podia ser diferente.
Fragmentos de memória, frutos de uma história dispersa,
nos ajudam a reiterar a importância vital do processo migratório para a formação de uma sociedade não só cosmopolita como culturalmente plural. Alguns exemplos
nos bastam. É só rememorar as influências trazidas pelos
imigrantes: o idioma português, a culinária italiana, as
técnicas agrícolas alemãs, os batuques musicais africanos,
a feijoada, os cultos afro-brasileiros, legados simbólicos
que dão ao Brasil um perfil de múltiplos sabores e cores.
Lembremos, ainda, que a base da população brasileira é
constituída pelos descendentes dos três antigos elementos: ameríndios, portugueses e africanos, e que a supremacia da cultura portuguesa prevaleceu por muito tempo
após a interrupção da imigração africana. Quando a abolição da escravatura se tornou uma certeza, a imigração de
outras nacionalidades além da portuguesa ganhou fôlego.
Suíços, alemães, judeus, eslavos, turcos, árabes, espanhóis,
italianos e japoneses, por exemplo, fizeram parte desse
crescente fluxo migratório lidando, porém, com hábitos
culturais completamente estranhos aos seus costumes.
Sob a forte influência da tradição dos seus antepassados,
conservaram durante várias gerações as características
culturais trazidas de além-mar, unidos pela paixão do lugar de origem. Preservar, quase sempre, é uma via possível
para revermos as páginas escritas da existência. E, se, por
uma metáfora, a distância assemelha-se a uma luz que esmaece, o retorno ao passado pode trazer à tona experiências acumuladas – relâmpagos breves, mas contundentes,
de lembranças esquecidas e descartadas.
Baianas, 1955.
Baianas, women wearing typical attire
of a regional Brazilian feast, 1955.
Há uma extensa literatura sobre a importância do
cinema e da fotografia na recuperação desse processo
híbrido, que coexiste tanto nas histórias de vida como
em sua transmissão pelo mundo. Não por acaso a conexão da imagem com o tempo nos remete a zonas impensáveis, que poderiam ser totalmente apagadas da história. São memórias construídas na fronteira de um quase
esvaecimento. No âmbito de nossa exposição “Laços de
família: etnias do Brasil” a fotografia aparece como principal eixo de investigação conceitual e estética. Aos fotógrafos desse projeto formulou-se o convite para visitarem cidades localizadas em distintas regiões brasileiras,
cujo resultado prova – aos que ainda duvidam – que o
conhecimento do Brasil está muito além dos meios que
o veiculam: livros, blogs, internet, entre outras redes de
comunicação. Na verdade, a web não consegue dar conta
das inúmeras realidades que campeiam numa geografia
tão grandiosa como a nossa. Não surpreende que as fotos reunidas descortinem novos horizontes, permitindo
repensar conceitos e redefinir a realidade factual com
que os fotógrafos se defrontam, para irmos além das certezas consagradas e de um olhar padronizado pela mídia. O desafio é levar o espectador a apreciar o potencial
documental e ficcional das distintas interpretações e
linguagens autorais. Assim, a noção de miscigenação
racial – um traço cultural determinante para o entendimento atual da conformação do Brasil – estará conectada
a uma expressão poética e a um sentimento de ligação
da realidade sociocultural com o corpo da arte. Uma visão da qual aflora a condição do próprio artista como
produtor de conhecimento.
De outra forma, reconstruir esse universo pela via
imagética significa trazer à tona as peculiaridades da fotografia contemporânea, que possui uma importância ímpar
no cenário artístico mundial. Hoje, mais do que nunca, a
fotografia se caracteriza por uma nova modelação do olhar,
tanto pela sua interação com outros meios expressivos
quanto pelo advento da linguagem digital, na qual a tela do
computador se tornou um paradigma da comunicação
midiática. Revelando-se cada vez mais fluida e mutante, a
fotografia circula desde a clássica tradição documental,
passando pela sua inserção em instalações nos espaços da
galeria, até o registro de ações performáticas como uma linha
tênue, sem a qual a arte perderia seu alcance e sua coerência. Dessa forma, o alargamento visual passa a ser a tônica
de uma ampla rede de conhecimento. Sua natureza interdisciplinar é inegável. Não por acaso, em qualquer parte do
mundo a fotografia – impressa, exposta ou projetada pela
internet – e o vídeo marcam sua presença vertiginosa nas
atividades cotidianas, impondo-se como importantes
linguagens técnicas e artísticas na construção da visualidade
contemporânea. Decifrar a imagem é sempre um desafio:
entender os seus códigos de representação e a intenção de
seus protagonistas tornou-se determinante para a conformação da história da arte no alvorecer do século XXI.
Assim, do ponto de vista curatorial, o que se quer
destacar nesta exposição comemorativa dos cem anos da
Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD são as estratégias visuais empregadas pelos artistas para retratar a
diversidade étnica de um Brasil plural. No percurso a ser
empreendido, os modelos legitimadores da representação
do mundo poderão ser tão subjetivos e mutantes quanto
Family ties: ethnic groupS in brazil
A pele e a vida
no f luxo do tempo
1. Marcio Scavone. Viagem à Liberdade. São Paulo: Alice Publishing
Editora, 2008.
imagens – mininarrativas – que possuem um conteúdo
próximo dos retratos dedicados às famílias dos descendentes italianos. O feixe de palha, a casa rústica isolada no
horizonte, as nuvens rarefeitas, os objetos antigos, o anjo
barroco e as paredes de madeira são símbolos de um exercício de concisão. Se os compararmos aos haicais – pequenos
poemas japoneses de três linhas –, transpõem a versatilidade de sentidos em direção ao enigma da linguagem.
Pode-se fazer um paralelo entre as obras de Scavone
e de Ary Diesendruck, pelo menos no estilo documentário direto e preciso. Todavia, ao se basear na cenografia
do seu projeto “Profissões de rua”, usando uma lona como
pano de fundo para fotografar seus personagens em São
Paulo, Diesendruck distancia-se do conceito empregado
por Scavone. Inspirado numa forma de representação, já
utilizada por autores como o norte-americano Irving
Penn (1917) e os brasileiros Mario Cravo Neto (19472009) e Rogério Reis (1954), Diesendruck escolheu fotografar as famílias do Rio Grande do Sul que fundaram a
cidade de Porto dos Gaúchos (1955), após uma longa empreitada de quarenta e um dias para chegar às longínquas
e inacessíveis terras mato-grossenses. Ao longo das décadas lentamente abriu-se a estrada pela margem direita do
rio Arinos, que serviu de ligação entre Porto dos Gaúchos
e outras localidades. É preciso lembrar, porém, que até a
segunda metade do século XX o Brasil central era um território quase desconhecido, embora inúmeras expedições
nacionais e estrangeiras tenham logrado algum êxito em
adentrar o coração do país, ocupado desde tempos imemoriais pelas nações indígenas. Não é difícil, então, imaginar
o esforço de Diesendruck para chegar até aquela cidade.
Ali, durante o processo de produção dos retratos, é curioso ver o seu insight ao criar, por meio do mesmo uso da
lona, múltiplas versões de diferentes cenários: ora pendurada, ora jogada no chão, ora integrada à ambiência dos
93
leva ao período da ocupação holandesa naquele Estado,
entre 1630 e 1654, num momento em que a tolerância religiosa ali vicejava, contrariando a severa vigilância da Igreja
Católica Romana que utilizava os autos da Inquisição para
julgar aqueles considerados uma ameaça às suas doutrinas.
Após esse período, com a capitulação dos holandeses, muitos judeus emigraram para outras localidades, como Nova
Amsterdã (atual Nova York), onde foi articulada a Congregação Shearith Israel, a primeira comunidade judaica da
América do Norte. Todavia, a despeito de sua importância,
a sinagoga recifense ficou esquecida durante séculos.
Foram necessários mais de trezentos e cinquenta anos para
que a Federação Israelita de Pernambuco solicitasse, em
1991, o estudo arqueológico do imóvel, localizado na Rua
Bom Jesus, no centro de Recife, identificado graças à cartografia histórica e textos do historiador José Antonio
Gonsalves de Mello. Durante as escavações foram encontrados sete níveis de diferentes pisos. Inteiramente restaurados em 2001, transformaram-se num ponto obrigatório
de visitação do Recife antigo, hoje totalmente revitalizado.
De certo modo, é possível ressaltar a intenção de Gal
Oppido em mostrar vários aspectos dessa história depositada em Pernambuco. Podemos ver isso na recuperação de
múltiplas temporalidades que convivem e afloram no presente por meio das diversas imagens, seja na inscrição “Rua
do Bom Jesus, antiga Rua dos Judeus (1636-1654)”, seja no
foco direcionado às várias gerações judaicas, seja ainda nos
retratos do homem e da mulher produzidos, respectivamente, em Nova York (janeiro-fevereiro de 2009) e Recife (setembro de 2011), nos quais simboliza o deslocamento contínuo dos judeus à Terra Prometida. Há aqui uma troca entre
a matéria e a imagem, entre coisa física e signo. Por esses
caminhos, a construção de dípticos estabelece uma relação
peculiar entre as imagens do teto da sinagoga e a aspereza
dos tijolos, que terminam por se conectar simbolicamente
com o contexto histórico – se observadas as pequenas brechas abertas nos tijolos como símbolo da escavação de
uma memória impossível de ser deixada para trás. Além
das fotografias, no fechamento de seu trabalho Oppido
apresenta um desenho, que faz parte de uma série de outros produzidos em Nova York. Talvez essa obra possa ser
relacionada com algumas xilogravuras do brasileiro
Oswaldo Goeldi (1895-1961), não apenas pela opacidade
das figuras em preto, mas pelas linhas incisivas, secas e
econômicas, que lembram vagamente uma via extraviada como um caminho de solidão. Todavia, Oppido não
traz, como em Goeldi, a visão sombria da vida. As linhas
coloridas e esmaecidas são muito menos duras e estruturam campos visuais definidos bem próximos da contemplação silenciosa de um lugar quase desabitado.
Por último, Patricia Gouvêa, movida pela saudade
de seus ancestrais, parte para fotografar a Festa do Divino, em Florianópolis, a mais importante do calendário
açoriano. De caráter cristão, esse evento não pode ser dissociado da devoção ao Espírito Santo, nem sequer da tradição que permanece acesa por meio de ações solidárias e
da vivência religiosa. Realizada há mais de duzentos e
cinquenta anos na comunidade de Santo Antônio de Lisboa, na capital catarinense, ela é representada, invariavelmente, pelo aspecto folclórico, mediante o qual os açorianos tentam manter a autenticidade e o rigor do ato litúrgico. Na verdade, Gouvêa começa a pesquisar a herança
cultural portuguesa em 1999, no Rio de Janeiro. Nessa
ocasião descobre a importância da realização de rituais
para a comunidade luso-brasileira que busca reafirmar a
ligação direta com a memória do passado rural dos tempos pré-emigratórios. Mais do que isso, Gouvêa acredita
na possibilidade de reafirmar seus laços por meio de um
ancestral familiar esquecido; de um retrato apagado pelo
tempo; do português dono do botequim da esquina; ou
mesmo de um parente próximo, que, morando aqui há
anos, perpetua o sotaque carregado.
Esses dois ensaios, realizados em tempos distintos,
se complementam por meio da fusão de fatos separados
no tempo, mas que podem ser vistos numa cartografia
flexível em seus contornos. Vejamos o seu itinerário. No
espaço grandioso do mar, sem paredes, sem limites, a
imagem do barco é símbolo da travessia. O tempo parece girar sobre si mesmo, enquanto a água passa, como se
fosse estrada levando todas as famílias. Ao aportarmos
em Florianópolis, as luzes da cidade se acendem pouco a
pouco. Assim, a tênue luminosidade de uma pequena
fresta se reflete no rosto da rendeira; ao lado, sombrinhas abertas permanecem isoladas, silenciosas, no canto
da casa, como refúgio. O jogo contínuo entre ocultar-se
e revelar-se parece estar no retrato do homem que traz
em seu rosto uma máscara de animal, enquanto a claridade do sol se inscreve nos retratos da criança e das rendeiras. São horas cheias de dobras que se desnudam na
pompa da Festa do Divino, em que os personagens ricamente trajados despertam em nós a memória dos tempos passados. Já o testemunho do movimento é dado
pelo caleidoscópio de imagens. Ali, a artista repete
de maneira quase cinemática um fragmento das mãos da
rendeira, cujas diferenças visuais quase imperceptíveis
se repetem, ora no álbum aberto com fotos impressas da
Festa do Divino, ora no jogo compartilhado entre os
homens. Patrícia também produziu um vídeo dessa festividade. A relação afetiva e saudosa emerge mais uma
vez na figura do barco, lugar de devaneio, símbolo do
périplo de nossa existência. Na sequên­cia, imagens e ruídos da cidade, assim como os cantos, que têm uma
capacidade notável de gerar uma nostalgia repentina.
No fundo, são lembranças saudosas da manifestação do
tempo em sua ausência dentro de nós.
Referências bibliográficas
DANTAS SILVA, Leonardo. Holandeses em Pernambuco, 1630-1654. Recife: Instituto Ricardo Brennand, 2005.
FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil – Território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
POIVERT, Michel. La photographie contemporaine. Paris: Flammarion, 2006.
Family ties: ethnic groupS in brazil
92
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
os que a ficção é capaz de inventar. Na esteira dessas propostas, aos fotógrafos coube fazer anotações sobre sua
expedição fotográfica em diferentes cidades e, ainda, o
registro em vídeo do depoimento das pessoas fotografadas e do making off do ambiente onde se desenvolveu o
trabalho. É exatamente por essa perspectiva que emerge
uma experiência compartilhada, já que o espectador terá
acesso não só às fotografias produzidas como também
poderá conhecer aspectos da história privada dos personagens escolhidos, numa confluência de imagens, ideias
e significados.
Assim, Marcio Scavone se propôs mergulhar em suas
raízes italianas. Deslocou-se até a cidade de Garibaldi, localizada a 105 quilômetros de Porto Alegre, cuja colonização
foi realizada em 1874 por imigrantes provenientes, em sua
maioria, do norte da Itália. Lutando, até hoje, os moradores
daquela cidade procuram salvaguardar sua tradição: a arquitetura das antigas igrejas, as casas de madeira, os capitéis
de beiras de estradas, pedaços às vezes em ruínas que se
fertilizam e se qualificam na origem do povoado. Nesse
ensaio, Scavone reitera a estratégia empregada anteriormente no livro Viagem à Liberdade1, sobre o berço da colônia nipo-brasileira em São Paulo, de contar a história de um
lugar por meio dos retratos. Há, portanto, uma ideia-chave,
em que um estilo documental desponta calcado na frontalidade, na legibilidade e clareza da imagem, sem nenhum maneirismo estético, próximo aos retratos feitos
em 1920 e 1950, respectivamente, pelo alemão August Sander (1876-1964) e pelo norte-americano Walker Evans
(1903-1975). Sua maneira de conceber o trabalho está centrada numa mirada em que os personagens são colocados
numa ambiência que lhes é própria. A estes associa pequenas
personagens, torna-se, em sua densidade material, espaço,
volume e significado. Assim, os retratos das famílias se
beneficiam dessas variações, seja pela inventividade da
edição proposta, seja pela junção de imagens tomadas no
mesmo cenário, que, além de agregar famílias diversas,
ampliam o vocabulário da miscigenação. A consistência
narrativa também se funda nos aspectos arquitetônicos,
nos artefatos arcaicos (a roda d’água), indicativos da própria maneira como Diesendruck lida com a fotografia em
que o rigor formal, sem excessos, aparece. Surge, então,
do olhar do fotógrafo, uma arqueologia familiar íntima,
subjetiva e miscigenada, que gira em torno da passagem
do tempo sem o desvanecimento da tradição.
A ideia de definir uma miscigenação, a partir de uma
história maleável, faz parte do trabalho de José Caldas.
Percorrendo um extenso trajeto – do Amapá à foz do rio
Oiapoque, fronteira natural entre o Brasil e a Guiana Francesa –, Caldas pôde mergulhar numa região que traz consigo
as marcas de uma complexa imigração ocorrida a partir da
disputa de vários países por aquele território. Não cabe
aqui traçar uma narrativa linear dos acontecimentos, que
levaram, por exemplo, o Amapá a ser ocupado pela França
em 1836, contra todas as expectativas de Portugal, mas ressaltar a mistura ocorrida em consequência da vinda dos
portugueses, dos franceses e dos africanos descendentes
dos mouros. Nada mais natural, portanto, que o fotógrafo
se defrontasse com uma mestiçagem que traz em seu próprio cerne uma reflexão sobre a formação do povo brasileiro. Não somente isso. Caldas trata desse assunto de maneira
ímpar. Reafirma sua mirada através da construção de uma
narrativa fotográfica que dialoga com o corpo na dimensão
que ele merece como semente do processo de criação artística. Isso pode ser visto nas associações díspares, em que o
fragmento do corpo humano dialoga com a textura de uma
pedra (um relógio solar) que se impõe como uma metáfora
da pele em sua conformação escultórica. Há momentos em
que vemos a recorrente passagem do tempo que imprime
suas marcas, como superfícies adesivas, nos rostos dos
índios e negros. Já a proposição formal do azul combinada
ao jogo de futebol nos leva a repensar os valores cromáticos, tal como se vê na obra do pintor russo Mark Rothko
(1903-1970), que explora a base vibrante da cor, objeto
mítico da pintura, numa expressão intensificada pela
percepção cromática e conceitos complexos.
Diferentemente de José Caldas, Gal Oppido procurou recuperar os traços da herança judaica, concentrando-se na cidade de Recife. Consciente de que a história de
boa parte do patrimônio cultural brasileiro não se encontra
somente nos livros, mas aparece vívida em diversos monumentos espalhados pelo país, Oppido escolheu fotografar a
Sinagoga Kahal Zur Israel (Rochedo de Israel), a primeira
das Américas, como um marco da presença dos judeus em
Pernambuco. Um exame mais atento dessa construção nos
95
B
Angela Magalhães and Nadja Fonseca Peregrino
Associated Curators and Researchers
Brazilian cultural reality is a melting pot of different ethnic
groups. It could not be different. Memory fragments, the
fruits of a dispersed history, help us reiterate the vital importance of the migratory process in forming a society both cosmopolitan and culturally diverse. A few examples will suffice.
Just recollect the influences brought by immigrants: the
Portuguese language, Italian cuisine, German agricultural
techniques, musical African-Brazilian rhythms, feijoada,
African-Brazilian cults, symbolic legacies that lend Brazil a
diversified profile of flavors and colors. We should also bear
in mind that the Brazilian population is basically composed
of descendants of the three ancient elements: Amerindians,
Portuguese, and Africans, and that the supremacy of the
Portuguese culture prevailed for a long time after the African immigration had ceased. Once the abolition of slavery
had been assured, the immigration of other nationalities
besides the Portuguese gained strength. Swiss people, Germans, Jews, Slavs, Turks, Arabs, Spaniards, Italians, and the
Japanese, for example, took part in that growing migratory
inflow dealing, however, with cultural habits that were
totally unknown to their customs. Under a strong influence of their ancestors, several generations kept the cultural
characteristics that had been brought from overseas, and
remained united by their passion for their place of origin.
Oftentimes to preserve is a possible way to review the written
pages of existence. And, if, metaphorically speaking, distance resembles a fading light, returning to the past may give
rise to collected experiences – brief but compelling lightning
flashes of forgotten and discarded memories.
There is a vast literat ure about the importance of
cine­ma and photography in the recovery of that hybrid
process that coexists both in histories of lives and in their
Baianas na Igreja de Nosso Senhor do
Baianas, women wearing typical attire of a regional Brazilian feast,
Bonfim, Salvador – BA, 1955.
at the Igreja de Nosso Senhor do Bonfim church, Salvador – BA, 1955.
dissemination throughout the world. It is not by mere chance
that connecting image with time may send us to unthinkable
regions that could be totally erased from history. They are
memories that have been built in quasi-vanishing bound­
aries. Within the scope of our work “Family Ties: Ethnic
Groups in Brazil,” photography arises as the main axis of
conceptual and aesthetic investigation. The photographers
who are taking part in this project were invited to visit cities
in different regions of Brazil. And results give proof – to
those who still doubt it – that knowledge about Brazil is far
beyond the means that convey it: books, blogs, the Internet,
among other communication networks. In fact, the web is
not up to handling the numerous realities that prevail in
such a magnificent geography as ours. It is no surprise that
the photographs gathered reveal new horizons, allowing us
to rethink concepts and redefine the factual reality with
which the photographers are faced, and to go beyond consecrated certainties and a media-standardized outlook. The
challenge is to lead the viewer to appreciate the documentary and fictional potential of different interpretations and
authorial languages. Thus, the notion of racial miscegenation – a determining cultural trait to understand the current
configuration of Brazil – will be associated to a poetic
expression and to a feeling that links sociocultural reality
with the body of art. A vision through which there emerges
the artist’s own knowledge-generating capacity.
In other words, reconstructing that universe through
images means shedding light on the peculiarities of contemporary photography, which has a unique importance in the
global artistic scenario. Today, more than ever photography
is characterized by a new molding of the gaze, both for its
interaction with other expressive means and for the advent
of digital language, through which a computer screen has
turned into a media communication paradigm. Having
become increasingly fluid and mutant, photography is
employed from the classical documentary tradition, going
through its insertion in installations within an exhibit
space, to the recording of action-performance as a thin line
without which art would lose its reach and consistency.
Thus, visual magnitude becomes the keynote of a far-reaching
knowledge network. Its interdisciplinary nature is undeniable. It is not by chance that in any part of the world
photography – printed, exhibited, or projected via the Internet – and video mark their vertiginous presence in routine
activities, imposing themselves as important technical and
artistic languages in the construction of contemporary visua­l­­
ity. Decoding an image is always a challenge: understan­ding
its representation codes and the intention of its protagonists
has become a determining factor for the history of art in the
dawn of the 21st century.
Therefore, from a curatorial standpoint, in this commemorative exhibition to celebrate the hundredth anniversary of the Sociedade Brasileira de Dermatologia – SBD
(Brazilian Society of Dermatology), we wish to highlight the
visual strategies employed by artists to portray the ethnic
diversity of a multifarious Brazil. In the journey to be undertaken, the legitimizing models of world representation
may be as subjective and mutant as those fiction is able to
make up. In the wake of those proposals, photographers were
assigned to make notes about their photographic expedition
to different cities, in addition to video recording the testimonial of the people who were photographed and the making of
of the environment in which the work was developed. It is
exactly through that perspective that a shared experience
Family ties: ethnic groupS in brazil
Skin and Life in the Flow of Time
1. Marcio Scavone. Viagem à Liberdade. São Paulo: Alice Publishing
Editora, 2008.
When compared to haiku – small three-line Japanese poems
– they cross over the versatility of senses and move toward
the language enigma.
One may establish a parallel between Scavone and
Ary Diesendruck’s works, at least as far as their direct
and precise documentary style is concerned. However, when
in his project “Profissões de rua,” Diesendruck used a piece of
canvas as a backdrop to photograph his characters in São
Paulo, he distances himself from the concept Scavone employed. Inspired by a form of representation already used by
other authors such as U.S.-born Irving Penn (1917) and Brazilians Mario Cravo Neto (1947–2009) and Rogério Reis
(1954), Diesendruck preferred to photograph the Rio Grande
do Sul families who founded the city of Porto dos Gaúchos
(1955), after a long journey that took forty-one days to arrive
at the faraway and inaccessible lands of the state of Mato
Grosso. In the course of a few decades, a road was built along
the right bank of the Arinos River, which served to connect
Porto dos Gaúchos with other places. However, it should be
mentioned that up to the second half of the 20th century,
mid-Brazil was a territory virtually unknown, although a
number of Brazilian and foreign expeditions managed to
reach the heart of the country that had been occupied by the
native Indians from time immemorial.
Then, it would not be so difficult to imagine the effort
Diesendruck made to reach that city. There, along his
portrait-producing process, it is interesting to notice his insight, when he created, employing the same canvas artifice,
multiple versions of different scenarios, at times hovering in
midair, at times spread on the ground, at times integrated
to the ambience of the characters, as it turns into space,
volume, and meaning, in its material density. Thus, the
97
Catholic Church resorted to the severe watchfulness of the
Inquisition to try those who were deemed a threat to its doctrines. After that period, with the surrender of the Dutch,
many Jews emigrated to other places, such as New Amsterdam (currently New York) where they established the Congregation Shearith Israel, the first Jewish community in
North America. However, despite its importance, the Recife
synagogue was forgotten for centuries. Over three hundred
and fifty years went by before the Pernambuco Federation of
Israelites requested in 1991 an archeological study in the
property located on Rua do Bom Jesus, in downtown Recife,
that could be identified thanks to the historic cartography
and texts by historian José Antonio Gonsalves de Mello. The
excavations found seven levels of different floors. Having
been completely restored in 2001, that location became a
must-see of old Recife, which is now totally revitalized.
To a certain extent, it is possible to stress Gal Oppido’s
intention to show various aspects of that history that took
place in Pernambuco. We can see that in the recovery of multiple
temporalities that live together and emerge in the present by
means of a number of images, whether in the “Rua do Bom
Jesus, antiga Rua dos Judeus (1636–1654)” inscription,
whether in the focus on a number of Jewish generations, or
still in the corresponding portraits of a man and a woman,
produced in New York (January–February 2009) and in Recife
(September 2011), respectively, symbolizing the continuous
displacement of Jews to the Promised Land. Here there is an
interchange between matter and image, physical things and
signs. Through those paths, the construction of diptychs
establishes a peculiar relationship between the images on the
synagogue ceiling and the coarseness of the bricks that end up
connecting symbolically to the historical context – when
observing the small crevices open in the bricks as a symbol of
the excavation of a memory that could not possibly be left
behind. In addition to the photographs, in closing his work,
Oppido presents a drawing that is part of a series of other
drawings produced in New York. Perhaps that work can be
related to some xylographs of the Brazilian Oswaldo Goeldi
(1895–1961), not only on account of the opacity of the figures
in black, but also because of their incisive, dry, and frugal
lines that vaguely remind an astray path as a road of solitude.
However, differently from Goeldi, Oppido does not depict a
gloomy view of life. His colored and faded lines are much less
harsh and they structure defined visual fields quite similar to
a silent contemplation of a nearly uninhabited place.
Finally, Patricia Gouvêa, filled with longing for her
ancestors, goes on taking pictures of Festa do Divino, in Florianópolis, the most important celebration in the Azorian
calendar. Because of its Christian nature, that event cannot
be dissociated from the devotion to the Holy Spirit or from
the tradition that has been preserved by means of solidary
initiatives and religious experience. Having taken place for
over two hundred and fifty years in the community of Santo
Antônio de Lisboa, in the capital city of the state of Santa
Catarina, it is invariably represented by its folkloric nature
through which Azorians try to preserve the authenticity and
rigor of the liturgical act. In fact, Gouvêa begins investigating
the Portuguese cultural heritage in 1999, in Rio de Janeiro.
On that occasion, she becomes aware of the importance of
rituals for the Portuguese-Brazilian community that seeks to
reaffirm a direct connection with the memories of a rural
past in pre-emigrating times. More than that, Gouvêa
believes it is possible to reaffirm her ties by means of a forgotten family ancestor; a time-faded picture; the Portuguese
fellow who owned the tavern on the corner; or even a close
relation who, in spite of having lived in this country for a long
time, keeps his or her heavy accent.
Those two essays produced in different times complement each other by blending separate facts in time whose
outlines can be seen on a flexible map. Let us have a look at
their itineraries. In the magnificent wall-less and limitless
space of the sea, the boat image is a symbol of crossing. Time
seems to revolve around itself, while water flows as if it were
a road taking families. On arriving at the Florianópolis port,
the city lights up little by little. Thus, the faint light of a small
opening reflects itself on a lacemaker’s face; on a side, open
parasols remain isolated, silent, in a corner of the house, as if
in a shelter. The continuous play of hiding and revealing oneself seems to be in the portrait of a man who hides his face
behind the mask of an animal, while the sun shines in the
portraits of the child and the lacemakers. They are fold-filled
hours that lay bare in the splendor of the Festa do Divino,
where richly dressed characters arouse in us the memories of
the time long past. Now the testimony of movement is
provided by the kaleidoscope of images. There, the artist reproduces in a quasi-cinematographic manner a fragment of
the lacemaker’s hand, whose virtually indiscernible visual
differences are repeated, at times in an open album showing
printed photos of the Festa do Divino, at times in the game
shared by the men. Gouvêa has also made a video of that cele­
bration. The affectionate and longing relationship emerges
once again in the figure of the boat, a leisure place, a symbol
of the journey of our existence. In succession, city ima­ges and
noises, in addition to chants, have a remarkable power to
give rise to sudden nostalgia. Deep down, they are longing
mementos of the time expressed in its absence within us.
Reference List
DANTAS SILVA, Leonardo. Holandeses em Pernambuco, 1630-1654. Recife: Instituto Ricardo Brennand, 2005.
FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil - Território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
POIVERT, Michel. La photographie contemporaine. Paris: Flammarion, 2006.
Family ties: ethnic groupS in brazil
96
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
will emerge, since the viewer, in addition to being able to see
the pictures taken, will also be able to get acquainted with
the private story of the characters chosen, in a confluence of
images, ideas, and meanings.
Thus, Marcio Scavone proposed immersing himself
deeply into his Italian roots. He traveled to the city of Gari­
baldi, located 105 kilometers away from Porto Alegre, the
colonization of which was undertaken in 1874 mostly by immigrants from northern Italy. To this day, the dwellers of
Garibaldi struggle to preserve their tradition: the architecture of old churches, wooden houses, capitals on roadsides,
oftentimes tumbled-down pieces that are fertilized and quali­
fied in the origin of that village. In this essay, Scavone reite­
rates the strategy he employed formerly in his book Viagem à
Liberdade,1 about the cradle of the Japanese-Brazilian colony in São Paulo, of telling the pictorial history of a place.
Thus, there is a key idea through which a documentary style
emerges supported by image frontality, readability, and clearness, free from any aesthetical mannerism, similar to the portraits done in 1920 and 1950 by August Sander (1876–1964),
a native of Germany, and by Walker Evans (1903–1975),
an American, respectively. His approach to devising his
work is focused on a gaze in which the characters are placed
in a suitable environment. The characters are then associated
to small images – mininarratives – with a similar content to
those of the portraits dedicated to the families of Italian
descendants. A bundle of straw, a rustic house standing alone
in the horizon, rarefied clouds, old objects, a baroque angel,
and wooden walls are symbols of an exercise of concision.
family portraits benefit from such variations – whether by
the inventiveness of the proposed edition, whether by joining
images taken against the same scenario – which, in addition to aggregating various different families, expand the
miscegenation vocabulary. Narrative consistency is also
supported by architectural aspects, archaic artifacts (a
waterwheel), indicating the very manner Diesendruck
deals with a type of photography in which there arises
formal strictness, without excess. From the photographer’s
gaze there emerges an intimate family archeology, subjective and miscegenated that revolves around the passing of
time without melting tradition away.
The idea of defining miscegenation based on a pliable
history is part of José Caldas’ work. Having covered a long
distance – from Amapá to the mouth of the Oiapoque River,
a natural borderline between Brazil and the French Guyana
– Caldas was able to plunge into an area that bears the marks
of a complex immigration that took place because a number
of countries disputed that territory. It would not be appropriate to lend a linear account of the facts that made France
occupy Amapá in 1836, against all expectations from Portugal, but to emphasize the mixture that came about as a result
of the arrival of the Portuguese, French, and Africans of
Moorish ancestry. Therefore, it was quite natural for that
photographer to encounter a crossing of races that brings in
its own core a reflection about the forming of the Brazilian
people. Not only that; Caldas addresses that issue in a unique
manner. He reaffirms his gaze through the construction of a
photographic account that engages in dialogue with the body
in the dimension it deserves as the seeds of an artistic creation process. That may be seen in the dissimilar associations, in which a fragment of the human body talks with the
texture of a stone (a sundial) that imposes itself as a skin
metaphor in its sculptural shape. In some moments, we may
see the recurrent passage of time which imprints its marks, as
adhesive surfaces, on the faces of Indians and Negroes. Now
the formal proposition of blue combined to a soccer game
leads us to review chromatic values – as one may see in the
works of Mark Rothko (1903–1970), a Russian painter –
which explore the vibrating color base, a mythical object in
painting, in an expression enhanced by chromatic perception
and complex concepts.
Differently from José Caldas, Gal Oppido attempted to
recover the traces of Jewish heritage, focusing on the city of
Recife. Being aware that the history of most Brazilian cultural assets is not only found in books, but appears vividly in
a number of monuments spread all over the country, Oppido
decided to photograph the Kahal Zur Israel (Rock of Israel)
synagogue, the first in the Americas, as a mark of the Jew
presence in Pernambuco. A more thorough examination of
that construction takes us to the period of Dutch occupation
of that state between 1630 and 1654, at a moment in which
religious tolerance bloomed in a country where the Roman
99
Marcio Scavone
Antonio.
Antonio.
101
100
Ceresoli.
Ceresoli.
103
102
Bortolini.
Bortolini.
105
104
Olivo.
Olivo.
Raisa.
Ceresoli.
Raisa.
Ceresoli.
Ari Bongiorno.
Remy.
Remy.
Ari Bongiorno.
Lorenzon.
Adele.
Lorenzon.
Adele.
Eccker.
Fanti Nona.
Eccker.
Fanti Nona.
111
Ary Diesendruck
Família de Gustavo Adolf.
Gustavo Adolf ’s family.
113
112
Família Rezer.
Rezer’s family.
Família de Elizete
Reis do Nascimento.
Elizete Reis do
Nascimento’s family.
115
Dirceu Fuber e família em
frente a uma igreja luterana.
Dirceu Fuber and Family, in
front of a Lutheran church.
117
116
Ely Neumann Wilke.
Ely Neumann Wilke.
119
118
Norberto Prieve.
Norberto Prieve.
Walter Erbach.
Walter Erbach.
Roberto Sicfrid Wilke (Zico) e Rosângela
Morimã em seu barco de turismo no
Rio Arinos, em Porto dos Gaúchos – MT.
Roberto Sicfrid “Zico” Wilke and Rosângela
Morimã in their passenger boat on Rio Arinos,
Porto dos Gaúchos – MT.
BR-156, rodovia que liga Macapá a Oiapoque, próximo a TI Uaçá, setembro de 2011.
BR-156, road connecting Macapá to Oiapoque, near Uaçá Indigenous Land, September 2011.
123
José Caldas
Pedra: parte do relógio solar no Sítio Arqueológico Rego Grande (AP-CA-18), em Calçoene – AP, setembro de 2011.
Stone: part of a sundial at Rego Grande Archaelogical Site (AP-CA-18), in Calçoene – AP, September 2011.
125
124
Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011.
Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011.
Morador de Vila Velha, Oiapoque – AP,
Vila Velha, Oiapoque – AP,
Moradora do Sítio Arqueológico Rego Grande (AP-CA-18),
setembro de 2011.
Dweller of Vila Velha, Oiapoque – AP,
September 2011.
setembro de 2011.
Vila Velha, Oiapoque – AP,
September 2011.
em Calçoene – AP, setembro de 2011.
Dweller of Rego Grande Archaeological Site (AP-CA-18),
in Calçoene – AP, September 2011.
127
126
Professor do ensino secundário da Escola Estadual de Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011.
A secondary school teacher of Escola Estadual de Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011.
Batuque na Festa de São Raimundo, na comunidade quilombola de Curralinho, Macapá – AP, setembro de 2011.
Music and rhythm of African-Brazilian dances in São Raimundo Festivities at the quilombola community (a former place of runaway slaves)
of Curralinho, Macapá – AP, September 2011.
129
128
Festa de São Raimundo, na comunidade quilombola de Curralinho,
Morador da comunidade quilombola
Macapá – AP, setembro de 2011.
São Raimundo Festivities at the quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curralinho,
Macapá – AP, September 2011.
de Curralinho, Macapá – AP, setembro de 2011.
Dweller of the quilombola community (a former place of
runaway slaves) of Curralinho, Macapá – AP, September 2011.
Comunidade quilombola do Curiaú,
Mucajá (Acrocomia aculeate), Anauerapucú,
Comunidade quilombola do Curiaú,
Macapá – AP, setembro de 2011.
Quilombola community (a former place
of runaway slaves) of Curiaú,
Macapá – AP, September 2011.
Santana – AP, setembro de 2011.
Mucajá (Acrocomia aculeate), Anauerapucú,
Santana – AP, September 2011.
Macapá – AP, setembro de 2011.
Quilombola community (a former place
of runaway slaves) of Curiaú, Macapá – AP,
September 2011.
Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011.
Vila Velha, Oiapoque – AP, September 2011.
Comunidade quilombola do Curiaú, Macapá – AP, setembro de 2011.
Quilombola community (a former place of runaway slaves) of Curiaú, Macapá – AP, September 2011.
133
132
Vila Velha, Oiapoque – AP, setembro de 2011.
Vila Velha, Oiapoque – AP, September, 2011.
Futlama na maré baixa, bairro Perpétuo Socorro, Macapá – AP, setembro de 2011.
Mud soccer at ebb tide, Perpétuo Socorro neighborhood, Macapá – AP, September 2011.
Guita Charifker, artista plástica em seu ateliê, Olinda – PE, 2011.
Guita Charifker, a visual artist at her studio, Olinda – PE, 2011.
135
Gal Oppido
Kahal Zur Israel, primeira
sinagoga das Américas,
construída em 1637,
na antiga Rua dos Judeus,
atual Rua do Bom Jesus,
Recife – PE.
Zahal Zur Israel, the first
synagogue in the Americas,
built in 1637 on former Rua
dos Judeus, currently Rua do
Bom Jesus, Recife – PE.
137
Acima, detalhe de tijolo no interior da Sinagoga Kahal Zur Israel, com mensagens dos fiéis.
No alto, Tânia Neumann Kaufman, presidente do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, Recife – PE, 2011.
Above, detail of the brick in the interior of Zahal Zur Israel synagogue with messages from the faithful.
On top, Tânia Neumann Kaufman, president of the Pernambuco Historical Judaic Archive, Recife – PE, 2011.
Interior da Sinagoga Kahal Zur Israel.
Inside view of Zahal Zur Israel synagogue.
138
Pola Berenstein.
Pola Berenstein.
Da esquerda para a direita: Bruno Happ Botler, Alice Miriam Happ Botler e Milton Botler.
From left to right: Bruno Happ Botler, Alice Miriam Happ Botler, and Milton Botler.
141
140
Sessenta anos do casamento de Ethel e Luiz Tachlitsky, 8 de setembro de 2011.
Ethel and Luiz Tachlitsky’s sixtieth wedding anniversary, September 8, 2011.
Casamento de Ethel e Luiz Tachlitsky, 8 de setembro de 1951.
Ethel and Luiz Tachlitsky’s wedding, September 8, 1951.
Ateliê da artista plástica Guita Charifker, Olinda – PE, 2011.
Visual artist Guita Charifker’s studio, Olinda – PE, 2011.
Aronita Rosenblatt, professora titular de odontopediatria da Universidade Federal de
Pernambuco – prédio da Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Recife, 2011.
Aronita Rosenblatt, a pediatric dentistry full professor with Universidade Federal de
Pernambuco – Pernambuco Science and Technology Secretariat building, Recife – PE, 2011.
145
144
Nova York, 2009.
New York, 2009.
Desenho em aquarela e nanquim, de Gal Oppido, executado no inverno de Nova York, 2009.
Watercolor and Indian ink painting by Gal Oppido, made in the New York winter of 2009.
147
Patricia Gouvêa
Da Saudade. Florianópolis – SC, 2011.
Da Saudade, Florianópolis – SC, 2011.
149
148
Díptico Jocoso. À esquerda, praia de Governador Celso Ramos. À direita, mascarado da Festa do Divino
em frente à Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
Díptico Jocoso (Playful diptych). Left, Governador Celso Ramos beach. Right, masquerader at Festival of the Divine
Holy Spirit in front of Nossa Senhora das Necessidades church, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
Museu Etnográfico Casa dos Açores, São Miguel – SC, 2011.
Casa dos Açores Ethnographic Museum, São Miguel – SC, 2011.
151
150
Casa do Porto, da série Quasi-Nacional. Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000.
Casa do Porto, of the Quasi-Nacional series, Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000.
Casa dos Poveiros, da série Quasi-Nacional. Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000.
Casa dos Poveiros, of the Quasi-Nacional series, Rio de Janeiro – RJ, 1999/2000.
153
Rendinha, da série Exercícios de Arte Lúdica. Sambaqui, Florianópolis – SC, 2011.
Rendinha (Lacework), of the Exercícios de Arte Lúdica series, Sambaqui, Florianópolis – SC, 2011.
155
154
Tríptico Divino (Cozido do Divino/Divina Farinhada). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
Tríptico Divino (Divine triptych) (Cozido do Divino/Divina Farinhada). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
Bastidores. Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
Bastidores (Behind the scenes). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
157
156
As Meninas #1. Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
As Meninas #1 (Girls #1). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
As Meninas #2. Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
As Meninas #2 (Girls #2). Festa do Divino, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis – SC, 2011.
Créditos das imagens históricas
Acervo Instituto Moreira Salles
Fotógrafa Madalena Schwartz: págs. 68, 73.
Fotógrafo Augusto Malta / Coleção Brascan Cem Anos no Brasil: pág. 38.
Fotógrafo Guilherme Gaensly: págs. 21, 27 (segunda foto, de cima para baixo)
Fotógrafo Haruo Ohara: pág. 83.
Fotógrafo José Medeiros: pág. 78.
Fotógrafo Marc Ferrez: págs. 27 (primeira foto, de cima para baixo), 31, 34, 35.
Fotógrafo Marc Ferrez / Coleção Gilberto Ferrez: págs. 8, 11, 13, 18, 28.
Fotógrafo Marcel Gautherot: págs. 71, 75, 90, 94.
Fotógrafo Otto Rudolf Quaas: pág. 43.
Fotógrafos G. Gaensly e R. Lindemann / Coleção Gilberto Ferrez: págs. 24, 44.
Acervo Fiocruz Multimagens
Págs. 14, 15, 16.
Acervo Getty Images Brasil
Págs. 48, 51, 55, 60, 86.
Foto da capa: José Caldas
Historical photos credits
Instituto Moreira Salles archives
Photographer Augusto Malta / Brascan Cem Anos no Brasil collection: page 38.
Photographer Guilherme Gaensly: pages 21, 27 (second picture from top to bottom).
Photographer Haruo Ohara: page 83.
Photographer José Medeiros: page 78.
Photographer Madalena Schwartz: pages 68, 73.
Photographer Marc Ferrez: pages 27 (first picture from top to bottom), 31, 34, 35.
Photographer Marc Ferrez / Gilberto Ferrez collection: pages 8, 11, 13, 18, 29.
Photographer Marcel Gautherot: pages 71, 75, 90, 94.
Photographer Otto Rudolf Quaas: page 43.
Photographers G. Gaensly and R. Lindemann / Gilberto Ferrez collection: pages 24, 44.
Fiocruz Multimagens archives
Pages 14, 15, 16.
Getty Images Brasil archives
Pages 48, 51, 55, 60, 86.
Cover photo: José Caldas
Arte do Tempo Editora Ltda.
Rua Capote Valente, 956 c. 3
CEP 05409-002 – São Paulo – SP
Tel: (11) 3062.4561
www.tempoememoria.com.br
Diretora Tempo&Memória /Tempo&Memória Director
Flávia Borges Pereira
Diretora Arte do Tempo/Arte do Tempo Director
Ana Trevisan Serino
Diretora Administrativa/Administrative Director
Rachel Palmira Rodrigues Silva
LAÇOS DE FAMÍLIA: ETNIAS DO BRASIL
FAMILY TIES: ETHNIC GROUPS IN BRAZIL
Pesquisa histórica/Research
Anna Laura Canuto
Clarice Caires
Redação dos texto históricos/Historical texts writing
Heloísa Cavalcanti
Versão para o Inglês/English version
Luiz Antonio Pedroso Rafael
Edição/Editor
Marco Polo Henriques
Revisão Português/Portuguese Proofreading
Mineo Takatama
Rosania Mazzuchelli
Revisão Inglês/ English Proofreading
Regina Stocklen
Edição, projeto gráfico e direção de arte/Editing, graphic design, and art direction
Arte do Tempo Editora
Diagramação e arte final/Graphic design
AGWM Produções Editoriais
Pré-impressão e impressão/Preprinting and printing
Ultraprint Impressora