1 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer

Transcrição

1 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 18, nº 1, Março 2009
18|
1
XXI REUNIÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA
CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, EPE
PROGRAMA PROVISÓRIO
23 A 25 DE NOVEMBRO DE 2009 HOTEL IPANEMA PARK PORTO
CONTROVÉRSIAS
Profilaxia das ITU’s
Criopreservação de células do cordão umbilical
Vacina da Varicela
CRIANÇA ALÉRGICA
Alergia Alimentar
Alergia a Fármacos
NUTRIÇÃO EM PEDIATRIA
Experiências precoces e impacto futuro
Actualidades em Nutrição
Nutrição em patologias específicas
ADOLESCÊNCIA
– DESAFIOS PARA O PEDIATRA
Sexualidade na adolescência
As Tribos Urbanas
“Feeling blue- what can I do”
Tecno-dependências
As novas drogas
SESSÕES CLÍNICAS INTERACTIVAS
Neonatologia
Ortopedia Pediátrica
Cirurgia Pediátrica
Cursos Pré-Congresso: Suporte de Vida Pediátrica
Técnicas de Comunicação em Público
Curso Pós Congresso: A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica
Data limite de envio de resumos de Comunicações Livres: 16/10/09
Secretariado:
Hospital de Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827-4050 Porto – Telefone 226089900 – Ext.3188
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto
Ano | 2009 Volume | XVIII Número | 01
Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes
Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Fernando Sollari Allegro
Corpo Redactorial | Editorial Board
Artur Alegria, Maternidade Júlio Dinis; Carmen Carvalho,
Maternidade Júlio Dinis; Conceição Mota, Hospital Maria Pia;
Laura Marques, Hospital Maria Pia; Miguel Coutinho, Hospital
Maria Pia; Rui Chorão, Hospital Maria Pia
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, Hospital Maria Pia;
Maria do Carmo Santos, Hospital Maria Pia; Tojal Monteiro,
Instituto Superior de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, Instituto
Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA)
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo,
Faculdade de Medicina, Universidade do Porto; Altamiro da
Costa Pereira, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto,
Instituto Português de Oncologia; Carla Carvalho, Hospital Santa
Maria Maior; Conceição Santos Silva, Centro Hospitalar Póvoa
de Varzim e Vila do Conde; Fátima Santos, Centro Hospitalar
Vila Nova de Gaia; Fernanda Manuela Costa, Hospital de
Santo António; Helena Jardim, Hospital S. João; Isolina Aguiar,
Centro Hospitalar Alto Ave; Joaquim Cunha, Centro Hospitalar
Vale do Sousa; Miguel Costa, Hospital São Miguel; Rogério
Mendes, Maternidade Júlio Dinis; Rosa Lima, Hospital Maria Pia;
Sofia Aroso, Hospital Pedro Hispano; Sónia Carvalho, Centro
Hospitalar Médio Ave; Susana Tavares, Hospital S. Sebastião
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, Hospital Maria Pia
Caso Estomatológico – José Amorim, Hospital Maria Pia
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, Hospital Maria
Pia; Margarida Reis Lima, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo
Jorge (INSA)
Caso Radiológico – Filipe Macedo, Serviço Médico de Imagem
Computorizada
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, Hospital de Santo António
Coordenação Técnica | Editorial Coordenation
Margarida Lima, Hospital Santo António
Conselho Técnico | Consultant
Gama de Sousa, Hospital Maria Pia
Conselho Científico Nacional |
| National Scientific Board
- Agustina Bessa Luís, Hospital de Crianças Maria Pia
- Almerinda Pereira, Hospital de São Marcos
- Álvaro Aguiar, Universidade do Porto, Faculdade de Medicina
- Ana Maria Leitão, Hospital Santa Maria Maior
- Ana Maria Ribeiro, Hospital Distrital de Oliveira de Azeméis
- Ana Ramos, Hospital Maria Pia
- António Lima, Hospital Distrital de Oliveira de Azeméis
- António Martins da Silva, Instituto de Ciências Biomédicas
Abel Salazar
- António Vilarinho, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
- Arelo Manso, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
- Arlindo Oliveira, Hospital Dr. Francisco Zagalo
- Braga da Cunha, Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa
- Carlos Duarte, Hospital Maria Pia
- Cidade Rodrigues, Hospital Maria Pia
- Clara Barbot, Hospital Maria Pia
- Conceição Casanova, Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim
e Vila do Conde
- Eloi Pereira, Hospital Maria Pia
- Eurico Gaspar, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
- Fátima Praça, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
- Fernanda Teixeira, Hospital Santo António
- Filomena Caldas, Hospital Maria Pia
- Gama Brandão, Centro Hospitalar do Alto Ave
- Gonçalves Oliveira, Centro Hospitalar do Médio Ave
- Henedina Antunes, Hospital de S. Marcos
- Ines Lopes, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
- José Barbot, Hospital Maria Pia
- José Carlos Areias, Faculdade de Medicina da Universidade
do Porto
- José Carlos Sarmento, Centro Hospitalar do Vale do Sousa
- José Castanheira, Hospital de S. Teotónio
- José Cidrais Rodrigues, Hospital de Pedro Hispano
- José Pombeiro, Maternidade Júlio Dinis
- Lopes dos Santos, Hospital de Pedro Hispano
- Lucília Norton, Instituto Português de Oncologia
- Luís Januário, Hospital Pediátrico de Coimbra
- Luís Lemos, Hospital Pediátrico de Coimbra
- Luís Vale, Hospital de Santo António
- Manuel Salgado, Hospital Pediátrico de Coimbra
- Manuela Selores, Hospital de Santo António
- Marcelo Fonseca, Hospital de Pedro Hispano
- Margarida Lima, Hospital Santo António
- Margarida Medina, Hospital Santo António
- Maria Augusta Areias, Maternidade Júlio Dinis
- Maria Salomé Gonçalves, Hospital Maria Pia
- Miguel Taveira, Hospital Maria Pia
- Nuno Grande, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
- Octávio Cunha, Hospital Santo António
- Óscar Vaz, Centro Hospitalar do Nordeste
- Paula Cristina Ferreira, Hospital Santo António
- Pedro Freitas, Centro Hospitalar do Alto Ave
- Raquel Alves, Hospital Maria Pia
- Rei Amorim, Centro Hospitalar Alto Minho
- Ricardo Costa, Centro Hospitalar da Cova da Beira
- Rodrigues Gomes, Fundação Calouste Gulbenkian
- Rosa Amorim, Hospital Maria Pia
- Rui Carrapato, Hospital de S. Sebastião
Conselho Científico Internacional |
| International Scientific Board
- Allan de Broca (Amiens), Hôpital Nord
- Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Devré
- D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
- F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil
Universitario La Paz
- George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital
- Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital
- J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
- Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin
- José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario
La Paz
- Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol
Secretariado Administrativo | Secretary
Paulo Silva
Publicação trimestral resumida e indexada por
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Vila Nova de Famalicão
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Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser
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Anual 2009 (4 números) - 40 euros
Número avulso - 12 euros
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
número1.vol.XVIII
7 Editorial
9 Artigos Originais
Margarida Lima, Sílvia Álvares
Evolução pós-natal das dilatações pielocaliciais de diagnóstico pré-natal
Artur Alegria , Teresa Costa
13
“Não se está mesmo a ver?”
Avaliação da imagem corporal por crianças dos 7 aos 12 anos
Rita Salvado, Lia Ana Silva
19
Alterações cutâneas fisiológicas e transitórias do recém-nascido
Inês Lobo
25 Casos Clínicos
Botulismo: um receio latente
Cláudia Neto
29
Massa eritematosa lingual: que etiologia?
Patrícia Santos
32
Vómitos e Cefaleias… nem tudo o que parece é …
Andreia Leitão, Sofia Paupério, Ângela Melo e Sousa, José G. Dinis,
Sara Figueiredo, Maria do Bom Sucesso, Álvaro Sousa
36
Pseudoxantoma elasticum- caso clínico
Cecília Martins, Vinhas da Silva, Inês Leite,
Eduarda Osório Ferreira, Jorge Romariz
40 Artigo Recomendado
43
46
Helena Ferreira Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
48 Perspectivas Actuais em Bioética
Novos desafios da técnica de transplantação de órgãos
Helena de Sá Figueiredo
54 Qual o seu Diagnóstico?
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
56
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
58
Caso Radiologico
Filipe Macedo
60
Genes, Crianças e Pediatras
Anabela Bandeira, Grabriela Soares, Carla Valongo, Fernanda Manuela,
Margarida Reis-Lima, Lígia Almeida, Maria Luís Cardoso, Esmeralda Martins
63 Normas de Publicação
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
summary
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
number1.vol.XVIII
7 Editorial
9 Original Articles
Margarida Lima, Sílvia Álvares
Postnatal outcome of antenatal hydronephrosis
Artur Alegria , Teresa Costa
13
“Can’t you just see it?” Children’s (7-12 years old) body image evaluation
Rita Salvado, Lia Ana Silva
19
Physiologic and transient cutaneous disorders of the newborn
Inês Lobo
25 Case Reports
Foodborne botulism: a continuous threat
Cláudia Neto
29
Erythematous tongue mass: what etiology?
Patrícia Santos
32
Headache and vomiting: what is underneath?
Andreia Leitão, Sofia Paupério, Ângela Melo e Sousa, José G. Dinis,
Sara Figueiredo, Maria do Bom Sucesso, Álvaro Sousa
36
Pseudoxantoma elasticum - case report
Cecília Martins, Vinhas da Silva, Inês Leite,
Eduarda Osório Ferreira, Jorge Romariz
40 Recommended Article
43
46
Helena Ferreira Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
48 Current Perspectives in Bioethics
New technique challenges on organ transplantation
Helena de Sá Figueiredo
54 What is your diagnosis?
Endoscopic case
Fernando Pereira
56
Oral Pathology case
José M. S. Amorim
58
Radiological case
Filipe Macedo
60
Genes, Children and Paediatricians
Anabela Bandeira, Grabriela Soares, Carla Valongo, Fernanda Manuela,
Margarida Reis-Lima, Lígia Almeida, Maria Luís Cardoso, Esmeralda Martins
63 Instructions for Authors
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
editorial
A revista Nascer e Crescer surgiu há 18 anos, fruto da vontade de criação de um
espaço de debate da saúde da mulher e da criança na zona Norte do país. Sendo nós
um hospital pediátrico sentimos que tínhamos responsabilidade acrescida na educação
médica continua e na formação pós graduada pediátrica. Também é nossa convicção
que paralelamente à prestação de cuidados de saúde, o Hospital tem uma missão importante no desenvolvimento da investigação clínica e na motivação dos seus profissionais
para esta actividade, fundamental na melhoria da qualidade assistencial. A revista Nascer e Crescer é uma revista científica, “peer review”, dirigida a todos os profissionais de
saúde envolvidos na assistência pediátrica, desde a concepção até à idade adulta. Foi
este desafio que acolhemos com entusiasmo, apoiados pelo director à época do hospital
Maria Pia, José Manuel Pavão, que assumiu a Direcção da revista durante onze anos.
Estávamos conscientes das dificuldades de percurso uma vez que, não sendo nós um
hospital universitário, a nossa cultura estava muito mais vocacionada para a actividade
assistencial face à actividade científica. Tivemos, no entanto, a colaboração e o contributo valioso de todos os serviços pediátricos do Norte, conforme se pode constatar pela
análise do conselho científico e de todos os elementos que integram a ficha técnica.
A revista, como é óbvio, sofreu evoluções profundas desde o seu nascimento.
Falemos em primeiro lugar no aspecto gráfico. Foi a pintora e arquitecta Helena Abreu
que nos cedeu o desenho que viria a ser a capa da revista. Ao longo dos anos, muito
embora mantendo a imagem original, tivemos necessidade de alterar o “design” e a
formatação do interior. Tivemos aqui a cooperação fundamental da arquitecta Sara
Balonas na concepção do modelo actual.
Quanto ao conteúdo, tem sido nosso objectivo principal melhorar a qualidade científica dos artigos publicados. Nem sempre é fácil passar da apresentação de um caso
clínico de interesse ou de um estudo científico para a redacção do manuscrito científico; esta aprendizagem durante a formação pré graduada tem tido pouco ênfase, muito
embora actualmente a literatura seja profícua na divulgação das regras básicas para a
redacção de artigos científicos e para a sua submissão para publicação. Consideramos
sempre que a revisão dos trabalhos por peritos na área em estudo é essencial para
garantir a qualidade científica de uma publicação e uma mais-valia para os autores, na
medida em que as críticas e comentários de peritos têm por objectivo melhorar o trabalho. Desde a fundação da revista, que tivemos a preocupação de promover a revisão
dos artigos por peritos de uma forma anónima, isto é, os autores não têm conhecimento
dos revisores e os revisores não são informados da identidade dos autores. O reconhecimento da importância desta actividade tem sido crescente nos últimos anos, sendo
objecto de reuniões científicas internacionais. O papel do revisor é ingrato, pautado pela
exigência e rigor, não remunerado e que acarreta uma sobrecarga de trabalho a acrescer à prestação de cuidados. Também as competências necessárias para a revisão de
editorial
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
trabalhos não são objecto de aprendizagem durante o internato médico, nem as próprias
publicações oferecem habitualmente formação. Daí que tenhamos implementado normas escritas no sentido de tornar mais objectivo e eficaz este processo.
Criamos editores especializados abarcando várias áreas pediátricas, que incluem
desde a apresentação de casos problemas a comentários de artigos de elevado interesse publicados noutras revistas.
Em 2004, demos mais um passo importante, com a indexação na Excerpta Medica
e no Catalogo Latindex.
A integração do Hospital Maria Pia no Centro Hospitalar do Norte e da Revista
Nascer e Crescer no Departamento de Ensino, Formação e Investigação abre-nos novas perspectivas de desenvolvimento, como por exemplo uma maior divulgação através
da publicação regular “on line” com disponibilização dos artigos em texto integral, a
indexação noutras bases de dados de publicações, a tradução para a língua inglesa e
a parceria com outras instituições nomeadamente o ICBAS. O papel da revista científica, até há uns anos, prestava-se principalmente à difusão do conhecimento no seio de
uma comunidade restrita. Hoje em dia esta função alargou-se, incorporando interesses
científicos, económicos, jurídicos e políticos. Daí a relevância e necessidade da modernização e segurança dos processos de publicação científica/ da actividade editorial
cientifica, assim como do comprometimento das pessoas envolvidas.
Temos procurado ao longo deste percurso a inovação e paralelamente a avaliação
e monitorização dos procedimentos adoptados e a correcção de eventuais problemas
num processo de melhoria contínua de qualidade.
Não é possível nomear todos os que contribuíram com o seu trabalho empenho
e dedicação para a continuidade desta publicação. A todos os nossos agradecimentos.
Também aos nossos patrocinadores, a Associação do Hospital de Crianças Maria Pia e as
empresas farmacêuticas que nos têm apoiado, apresentamos o nosso reconhecimento.
Silvia Álvares
Margarida Lima
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editorial
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Evolução pós-natal das dilatações
pielocaliciais de diagnóstico pré-natal
Estudo interinstitucional na Região Norte de Portugal
Coordenação: Artur Alegria, Teresa Costa
Grupo de trabalho: CH Alto Ave (Guimarães): Cláudia Tavares; CH Trás-os-Montes e Alto Douro (Vila Real): António Pereira;
CH Médio Ave (Santo Tirso): Álvaro Sousa; CH Porto – H Maria Pia: Teresa Costa; CH Porto – H Santo António: Paula Matos,
Liliana Rocha; CH Porto – Maternidade Júlio Dinis: Artur Alegria; CH Póvoa de Varzim / Vila do Conde: Célia Madalena; CH Tâmega
e Sousa: Braga da Cunha; H Oliveira de Azeméis: Laura Soares; H Pedro Hispano (Matosinhos): Lia Rodrigues, Maria José Costa,
Nádia Rodrigues; H Santa Maria Maior (Barcelos): Carla Carvalho.
RESUMO
Objectivo: Avaliar a evolução das
dilatações pielocaliciais de diagnóstico
pré-natal.
Material e Métodos: Avaliação
retrospectiva do seguimento pós-natal
dos 1312 casos de pielectasia (diâmetro
antero-posterior do bacinete ≥5mm) em
crianças nascidas entre 2003 e 2005.
Resultados: Em 39% não houve
confirmação pós-natal de dilatação piélica ou outra alteração. Entre os casos com
confirmação pós-natal, constatou-se em
55% a resolução da pielectasia durante o
primeiro ano de vida, a qual se associou
a um mais baixo grau de dilatação piélica.
A maioria dos casos com real patologia
nefro-urológica teve uma pielectasia moderada a grave, mas uma percentagem
não desprezível teve pielectasia <7mm.
Em nenhum caso se constatou insuficiência renal global durante o período de
vigilância.
Conclusões: A sinalização prénatal das dilatações pielocaliciais permite
identificar precocemente uma minoria de
doentes em que um seguimento atento
poderá prevenir compromisso da função
renal. No entanto, a maioria dos casos de
dilatação ligeira ou moderada evolui favoravelmente, sem necessidade de procedimentos invasivos de diagnóstico.
Palavras-chave: dilatações pielocaliciais, hidronefrose, nefro-uropatias
congénitas.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 9-12
INTRODUÇÃO
A ultrassonografia pré-natal, ao
identificar precocemente dilatações pielocaliciais significativas, permite a antecipação de medidas preventivas e terapêuticas que visam evitar danos renais
adicionais. No entanto, o seguimento de
muitas das dilatações pielocaliciais permanece discutível, já que o significado
das de grau ligeiro e moderado é incerto,
pois são frequentemente transitórias e
não traduzem verdadeira patologia. Por
outro lado, é também verdade que nem
sempre é seguro distingui-las precocemente daquelas que se associam a doença nefro-urológica efectiva.
Assim, o estabelecimento de normas de investigação e vigilância pós-natal é por vezes controverso e nem sempre
consensual. Na avaliação da criança com
dilatação piélica pré-natal é importante
ponderar a ocasião e necessidade de
exames complementares de diagnóstico,
particularmente se invasivos e causadores de desconforto do doente.
OBJECTIVO
Avaliar a investigação diagnóstica
e a evolução clínica dos casos de dilatação pielocalicial de sinalização prénatal na região Norte de Portugal, na
tentativa de, no futuro, melhorar e tentar consensualizar os procedimentos de
vigilância.
MATERIAL E MÉTODOS
Procedeu-se ao estudo retrospectivo da avaliação e seguimento pós-natal
das crianças nascidas nos anos 2003 a
2005 de quem houve sinalização prénatal de dilatação piélica. Quando referido o valor do diâmetro do bacinete,
consideraram-se todos os casos com
valor ≥ 5mm. Avaliaram-se os dados prénatais e os dados pós-natais evolutivos
(clínicos e imagiológicos). Participaram
no estudo 10 unidades hospitalares com
maternidade e um hospital pediátrico de
referência.
RESULTADOS
Foram revistos os registos de 1312
crianças que preencheram os critérios de
avaliação, 70% delas do sexo masculino.
Nos sete hospitais em que foi possível
confirmar o número anual de nadosvivos, 30.069 no total, contabilizaram-se
896 crianças com referência pré-natal de
dilatação piélica, perfazendo assim uma
taxa de incidência média de 2,6%.
Em 515 crianças (39%) não houve
confirmação pós-natal de dilatação piélica
ou de outra alteração nefro-urológica. Entre estes, 67% daqueles em que houvera
referência ao valor da dilatação piélica
pré-natal ele fora inferior a 7mm (Fig. 1).
Analisaremos a partir de agora os
797 casos em quem foi confirmada, no
pós-natal, dilatação piélica e/ou alteração
nefro-urológica (74% do sexo masculino),
excluindo entre eles 45 crianças que tiveram apenas um período de vigilância
artigo original
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
inferior a 12 meses, sem que se tenha verificado resolução da dilatação. Em 413
crianças (55%) constatou-se a resolução
da dilatação piélica até aos 12 meses.
Em 81% dos casos com referência ao valor da dilatação piélica pré-natal, ele fora
inferior a 9mm (Fig. 2). O valor máximo
de dilatação piélica pós-natal foi ≤ 7mm
em 71,5% dos casos (Fig. 3).
De um modo mais global, analisámos a relação do grau de dilatação piélica
pré-natal e a resolução até aos 12 meses, considerando todos os casos com
vigilância regular mantida. Verificou-se
resolução até aos 12 meses em 65%
dos casos se dilatação piélica pré-natal
5-7mm, 61% se 8-9mm, 39% se 1014mm e em 16% se ≥ 15mm. De modo
idêntico, analisámos a relação do grau de
dilatação piélica pós-natal e a sua resolução até aos 12 meses. Verificou-se a resolução em 80% dos casos se dilatação
piélica pós-natal 5-7mm, 48% se 8-9mm,
28% se 10-14mm, 4% (2 casos) se 1520mm e em nenhum dos 33 casos com
dilatação ≥ 21mm.
Entre as 185 crianças com vigilância
superior a 2 anos, identificou-se patologia nefro-urológica em 84, subgrupo que
analisaremos em seguida. O sexo masculino representou uma maioria de 73%.
A dilatação piélica pré-natal fora unilateral
em 65% das crianças. Entre aquelas com
referência ao valor de dilatação piélica
pré-natal, em 61% fora ≥ 11mm (≥15mm
em 36%) (Fig. 4). Já quando considerado
o valor máximo de dilatação piélica pósnatal, ele foi ≥ 15mm em 50% dos casos,
embora em 12% tenha sido <7mm (Fig.
5). Neste grupo documentou-se também
dilatação calicial em 46% e ureteral em
20% dos casos. Em relação à patologia
etiológica da dilatação pielocalicial, identificou-se refluxo vésico-ureteral em 36%,
obstrução pieloureteral em 32%, obstrução uretero-vesical em 6%, megaureter
não-obstrutivo e não-refluxivo em 6% e
válvulas da uretra em 2%. Em 17% dos
casos havia duplicidade pielocalicial associada e em 4% ectopia renal. Durante o
período evolutivo, verificou-se hipofunção
renal unilateral em 44% dos casos, mas
em nenhum insuficiência renal global.
Quarenta e cinco crianças foram
submetidas a tratamento cirúrgico: Pielo-
10
artigo original
Figura 1 - Valor da dilatação piélica pré-natal nos casos em que
não houve a sua confirmação pós-natal ou outra alteração nefro-urológica (n = 515 crianças).
Figura 2 - Valor da dilatação piélica pré-natal (quando referida)
nos casos de dilatação piélica pós-natal com resolução até aos
12 meses (n = 343 crianças).
Figura 3 - Valor da dilatação piélica pós-natal nos casos de
dilatação piélica pós-natal com resolução até aos 12 meses
(n = 413 crianças).
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Figura 4 - Valor da dilatação piélica pré-natal (quando referida)
nos casos de patologia nefro-urológica identificada e com vigilância < 2 anos (n = 73 crianças).
Figura 5 - Valor da dilatação piélica pós-natal (quando referida)
nos casos de patologia nefro-urológica identificada e com vigilância > 2 anos (n = 82 crianças).
plastia em 25, nefro-ureterectomia em 6,
nefrectomia parcial em 5, correcção endoscópica de refluxo em 5, reimplantação
ureteral em 3 e fulguração de válvulas
uretrais em 2.
DISCUSSÃO
A incidência das dilatações pielocaliciais de diagnóstico pré-natal depende
em parte da utilização de diferentes métodos de avaliação, tendo sido estimada
entre 1 e 5%.1 Na presente casuística,
a incidência média calculada com base
nas referências pré-natais foi de 2,6%
dos nascimentos. Numa significativa percentagem (39%) não houve, contudo,
confirmação pós-natal, tal como também
tem vindo a ser referido noutros estudos.2
Também como correntemente é conhecido, verificou-se uma maior frequência no
sexo masculino.
A dilatação piélica ligeira a moderada, quando isolada, tem tendência à resolução espontânea nos primeiros meses
ou anos de vida.3,4 No presente estudo
confirmou-se uma correlação positiva entre um mais baixo grau de dilatação piélica pré e pós-natal e a sua resolução até
aos 12 meses. Na maioria das crianças
com dilatação piélica ligeira ou moderada
não foram realizados exames diagnósticos invasivos e verificou-se uma evolu-
ção favorável. Vários autores têm vindo
a referir idênticos resultados, constatando mesmo uma baixa correlação entre
a hidronefrose ligeira e o refluxo vésicoureteral de significado patológico.2,5-9
Por outro lado, entre as crianças em
que se identificou patologia nefro-urológica e com vigilância superior a 2 anos,
uma maioria tivera referência pré-natal
de dilatação piélica ≥ 11mm, embora em
7% tivesse sido referida dilatação <7mm.
De modo idêntico, considerando o valor
da dilatação piélica pós-natal, 50% dos
casos tiveram um valor máximo ≥ 15mm,
mas numa percentagem não desprezível
de 12% verificou-se um valor <7mm. Os
autores que analisaram idênticas casuísticas têm vindo a reforçar a ideia de que
nos casos de dilatação piélica ligeira não
deverá ser descuidada uma avaliação
pós-natal de confirmação e uma vigilância ponderada caso a caso.1,5,6 Esta deverá ser processada passo a passo, tendo
em conta inicialmente a informação prénatal e depois os dados evolutivos pósnatais clínicos e ecográficos. A realização
de exames invasivos, como cistografia e
cintigrafias, deverá ser cuidadosamente
ponderada, já que na grande maioria dos
casos são dispensáveis e poderão ser
evitados. A família deverá ser informada
da real dimensão da situação clínica da
criança e alertada para os eventuais sinais de infecção urinária.
Entre as crianças em que se identificou patologia nefro-urológica, documentou-se compromisso da função renal
unilateral numa percentagem significativa, embora em caso algum se tenha
manifestado insuficiência renal global, ao
longo do período evolutivo.
CONCLUSÃO
Na maioria das crianças com dilatação piélica de diagnóstico pré-natal
ligeira ou moderada constata-se uma
evolução favorável, sem necessidade de
procedimentos invasivos.
A sinalização pré-natal das dilatações pielocaliciais permite identificar
precocemente uma minoria de doentes
em que um seguimento atento poderá
prevenir compromisso da função renal,
garantindo, assim, um crescimento mais
saudável.
artigo original
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
POSTNATAL OUTCOME OF ANTENATAL HYDRONEPHROSIS: RETROSPECTIVE STUDY IN THE NORTH OF
PORTUGAL
ABSTRACT
Objective: To evaluate the outcome
of infants with antenatal hydronephrosis.
Methods: Retrospective assessment of postnatal course of 1312 cases
of antenatal hydronephrosis (AP diameter ≥5mm) in infants born from 2003 till
2005.
Results: In 39% of the prenatally
reported cases the postnatal ultrasound
did not confirm any nephrourologic disturbance. Fifty percent of the postnatal
confirmed cases of hydronephrosis had
spontaneous resolution during the first
year, which was associated with a low
grade pyelectasis. Most cases with nephrourologic disease had moderate to
severe grade pyelectasis, although a not
negligible percentage had pyelectasis
<7mm. None presented renal failure during the follow-up period.
Conclusions: Prenatal suspicion of
hydronephrosis allows the early identification of a few patients in which a careful
follow-up can prevent renal function compromise. However, most cases of minor
to moderate pyelectasis have a benign
12
artigo original
course and don’t need invasive diagnostic procedures.
5.
Keywords: antenatal hydronephrosis,
foetal pyelectasis, congenital uropathies.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 9-12
6.
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
“Não se está mesmo a ver?”
Avaliação da imagem corporal por crianças
dos 7 aos 12 anos
Rita Salvado1, Lia Ana Silva1
RESUMO
Objectivos: Este estudo teve como
objectivo avaliar a percepção da imagem
corporal pelas próprias crianças e pelos
seus pais, bem como o grau de satisfação pessoal com essa imagem, numa população pediátrica do sul de Portugal.
Material e métodos: Os dados foram obtidos durante a Primeira Jornada
Nacional de Rastreio da Obesidade Infantil, em Évora, a 17 de Fevereiro de
2007. Classificou-se a população infantil
participante segundo o percentil de IMC.
As crianças entre os 7 e 12 anos e respectivos pais aplicou-se a “Children’s
Body Image Scale” para avaliação da
discrepância entre a percepção da imagem corporal das crianças (avaliada pelas próprias e pelos pais) e a imagem real
e o grau de satisfação com a última.
Resultados: Rastrearam-se 52
crianças, com uma idade média de 7,2
anos, 71,2% do sexo feminino. Destas,
38,4% tinham excesso de peso/obesidade. Das crianças com idades entre os 7
e 12 anos (n=24): 70,8% avaliaram erradamente a sua imagem corporal, a maioria (80,5%) subvalorizando-a; 70,8% estavam insatisfeitos com a sua imagem
corporal, factor que depende do IMC
das crianças (qui-quadrado, p=0,003).
Em 84,2% dos casos os progenitores
avaliaram os seus filhos como tendo um
IMC menor que o real.
Conclusão: As crianças entre os 7
e os 12 anos com excesso de peso/obesidade têm consciência da não adequação
do seu peso, mostram-se insatisfeitas
__________
1
Serviço de Pediatria do Hospital Espírito
Santo de Évora
quanto a ele e desejam ter uma imagem
corporal correspondente a um IMC menor. Se os pais reconhecerem o excesso
de peso/obesidade dos seus filhos será
mais fácil ajudá-los a adquirir hábitos de
vida saudáveis ajudando a evitar distúrbios do comportamento alimentar.
Palavras chave: obesidade infantil,
imagem corporal, intervenção na comunidade.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 13-18
INTRODUÇÃO
A obesidade é uma doença crónica,
actualmente com proporções epidémicas.
Para além das consequências fisiopatológicas bem documentadas em adultos,
sabe-se hoje que a obesidade em idade
pediátrica é já um factor predisponente
para uma maior morbilidade e mortalidade na idade adulta(1).
Estudos longitudinais em idades
pediátricas sugerem que crianças e adolescentes com excesso de peso têm uma
maior tendência para se tornarem adultos
com excesso de peso, particularmente se
a obesidade já estiver presente na adolescência(2). Segundo Carla Rego et al no
seu estudo Avaliação Transversal de Alguns Factores de Risco de Doença Cardiovascular numa População Pediátrica
de Obesos(3), entre 40 e 85% dos adultos obesos apresentam antecedentes de
obesidade durante a idade pediátrica.
Portugal é actualmente o segundo
país da Europa com maior prevalência
de excesso de peso/obesidade infantil
tendo-se verificado um forte aumento no
IMC das crianças entre 1970 e 2002 (4).
Urge encontrar formas eficazes no
combate ao excesso de peso/obesidade.
O problema é multifactorial e a intervenção complexa pois é preciso mobilizar
recursos de diversos sectores da sociedade. Há uma necessidade crescente de
criar um ambiente saudável (propício a
uma alimentação equilibrada e à prática
de exercício físico) quer na escola quer
na família(5). Birch e Fisher(6) reuniram
dados que sugerem que as preferências
alimentares das crianças se determinam
nas experiências alimentares precoces e
que o ambiente familiar e as preferências
dos pais em relação à alimentação podem condicionar de forma irreversível os
hábitos alimentares dos filhos.
A actuação médica, que se centraliza no núcleo familiar, deve contribuir
para a criação de um ambiente saudável.
Para que tal aconteça é necessário que
quer as crianças e adolescentes quer os
seus cuidadores reconheçam o excesso
de peso e depois o associem a doença.
Sabe-se que a imagem corporal é condicionada social e culturalmente, pelo que
têm sido elaborados estudos em diferentes etnias tentando reconhecer a capacidade das crianças e seus progenitores de
avaliar a imagem corporal das mesmas e
o grau de satisfação que têm com essa
mesma imagem.
Estes trabalhos de investigação têm
revelado que, na maioria dos casos, as
crianças se avaliam e são avaliadas pelos pais como tendo uma imagem corporal
correspondente a um IMC menor do que a
realidade(7,8,9,10). A insatisfação em relação
à imagem corporal pode ser muito positiva
ou nefasta. Se por um lado pode impulsionar a modificação de comportamentos, por
outro pode estar na origem de problemas
artigo original
13
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
psicológicos e físicos. Tem-se demonstrado que essa insatisfação tem início muito
antes da puberdade (11).
Para avaliação da imagem corporal
têm sido utilizadas escalas constituídas
por desenhos ou fotografias de crianças
representativas de diferentes percentis
de IMC para grupos etários distintos, dos
dois sexos.
O objectivo deste estudo foi avaliar,
na população alentejana, a capacidade
parental e das próprias crianças de percepção da adequação da sua imagem
corporal e o seu grau de satisfação com
a mesma.
Até agora não havia registo de nenhum estudo sobre imagem corporal na
população infantil alentejana.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi realizado com base
em dados obtidos em Évora durante o
1º Rastreio Nacional de Obesidade decorrido a 17 de Fevereiro de 2007. Esta
acção foi promovida pela Secção de Ambulatório da Sociedade Portuguesa de
Pediatria e levada a cabo, nesta cidade,
pelo Serviço de Pediatria do Hospital do
Espírito Santo E.P.E., em espaço cedido
pela Câmara Municipal de Évora, no parque infantil do Jardim Público, entre as 10
e as 18h.
A promoção desta iniciativa foi da
responsabilidade da Secção de Ambulatório da Sociedade Portuguesa de Pediatria; a nível local, foram enviadas cartas e
cartazes publicitários para as escolas do
concelho e afixados cartazes no Hospital
e Centro de Saúde de Évora.
A população alvo foi constituída por:
1. todas as crianças e adolescentes com
idades compreendidas entre os 2 e os
18 anos e seus acompanhantes; 2. pais
das crianças com idades entre os 7 e os
12 anos. Da amostra fizeram parte todos
os que, preenchendo as condições referidas, se dirigiram voluntariamente ao
local do rastreio no horário e data atrás
referidos.
Foram determinados o peso e a altura de todas as crianças e adolescentes,
vestidas mas sem casacos e descalças.
O peso foi medido em kilogramas por
uma balança digital, e os resultados arredondados às centésimas. A altura foi ava-
14
artigo original
liada através de estadiómetro e registada
em centímetros arredondada às décimas.
O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado dividindo o peso (kg) pelo quadrado da altura (m2).
Todas as crianças e adolescentes
foram classificadas em um de quatro grupos: baixo peso (IMC<P5), peso adequado (IMC P5-P85), excesso de peso (IMC
P85-P95) e obesidade (IMC>P95). Esta
classificação foi feita utilizando as curvas
de percentil de IMC específicas para sexo
e idade fornecidas pelo CDC.
No subgrupo de crianças entre os
7 e os 12 anos de idade analisou-se a
percepção e o grau de satisfação relativamente à imagem corporal. Para este
efeito foi utilizada a Escala de Imagem
corporal para Crianças, Children’s Body
Image Scale(12). Esta escala consiste em
2 séries de fotografias. Cada série corresponde a um dos géneros e é constituída por 7 fotografias que ilustram crianças com diferentes IMC. Em cada série
numeraram-se as imagens de 1 a 7 por
ordem crescente de IMC. Esta numeração não era visível para os entrevistados.
As figuras foram colocadas à vista do
participante em ordem aleatória e a cada
criança foram feitas duas perguntas:
1. Achas-te mais parecido com qual
destas crianças?
2. Tu gostavas de ser parecido com
qual das crianças?
As respostas obtidas permitiram-nos
saber a Imagem Percebida pelo Próprio
(resposta 1) e a Imagem Desejada para
cada criança (resposta 2). Posteriormente, usando o IMC calculado inicialmente, atribuiu-se a cada criança a Imagem
Real. Na análise dos dados calculou-se
para cada criança: 1. a discrepância
entre a imagem percebida e a real (discrepância = imagem real - imagem percebida pelo próprio); 2. a insatisfação em
relação à imagem percebida pelo próprio
(insatisfação = imagem percebida pelo
próprio - imagem desejada).
O conhecimento do grau de insatisfação permitiu-nos saber se as crianças
desejavam ter um IMC menor (insatisfação>0) ou maior (insatisfação<0). Considerou-se o grau de discrepância e de
insatisfação como o valor absoluto das
mesmas.
Foi também pedido aos pais (mãe,
pai ou ambos) das crianças com idades
entre os 7 e o 12 anos que respondessem à questão: “ Qual destas crianças
considera mais parecida com o/a seu/
sua filho/a?” Desta forma, obteve-se,
para cada criança, a imagem percebida
pelos pais e a discrepância entre a imagem percebida pelos pais e a real (discrepância dos pais = imagem percebida
pelos pais - imagem real). A análise desta discrepância permiti-nos avaliar se os
pais sub ou sobre estimavam a imagem
corporal dos seus filhos.
Utilizámos o programa Epi Info (Versão 3.3.2) para o tratamento estatístico
de dados, recorrendo aos Testes Qui
Quadrado, Exacto de Fischer e MannWhitney com limite de significância de
p<0.05, de modo a estabelecer a associação entre as variáveis.
Após a obtenção dos dados foi mostrado às crianças e pais a classificação
individual segundo o IMC e, no âmbito
da acção de sensibilização, foi realizado
ensino verbal e entregue um folheto, fornecido pela organização, sobre hábitos
saudáveis de vida e alimentação e disponibilizada informação escrita para a família e para o médico assistente com os
dados antropométricos e IMC obtidos.
RESULTADOS
Foram rastreadas 52 crianças e
adolescentes. A sua idade média foi de
7,2 anos ([2,7[=46,2%; [7,12]=46,6%;
]12,18]=7,7%) e a distribuição por género revelou um franco predomínio do sexo
feminino (71,2%). A maioria das crianças
participantes (71,2%) eram provenientes
do Concelho de Évora.
Nos participantes, o peso em relação à idade era: adequado em 59,6% dos
casos, excessivo em 38,4% (Excesso de
Peso: 19,2%, Obesidade: 19,2%) e baixo
em 1,9% (uma criança com 5 anos).
No grupo de crianças com idades
entre os 7 e 12 anos (n=24), com uma
média de idades de 8,8 anos, verificouse a existência de discrepância entre a
imagem corporal percebida e a real em
70,8% dos casos. A maioria (87,5%)
atribuiu-se uma imagem corporal correspondente a um IMC inferior ao que
na realidade têm. Embora não se tenha
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
achado uma relação estatisticamente
significativa (teste de Mann-Whitney=
0,074) entre o percentil de IMC e o grau
de discrepância, parece haver uma
tendência para que crianças com peso
adequado para a idade cometam um
erro maior na avaliação da sua imagem
corporal (gráfico 1). Não se estabeleceu
nenhuma relação de dependência entre
a discrepância na percepção da imagem
corporal e o género.
Dos indivíduos inquiridos, 70,8%
estavam insatisfeitos com a sua imagem
corporal tendo-se observado uma asso-
ciação significativa positiva (qui-quadrado, p=0,003) entre este número e o peso
excessivo para a idade. Comprovou-se
também (Mann-whitney, p=0,0001) haver
um maior grau de insatisfação entre as
crianças com peso excessivo para a idade (gráfico 2).
Gráfico 1. Grau de discrepância em crianças com e sem excesso de peso/obesidade
Gráfico 2. Grau de insatisfação de crianças com e sem excesso de peso/obesidade
artigo original
15
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Quando se analisou o desejo de ter
uma imagem corporal correspondente a
um IMC menor comprovou-se que este é
dependente (por correlação positiva) quer
do género (Teste Exacto de Fisher, p=0,05)
quer do percentil IMC (Teste Exacto de Fisher, p=0,019) da criança (gráfico 3).
Crianças com peso excessivo para
a idade e do sexo feminino têm um maior
desejo de ter uma imagem corporal correspondente a um IMC menor, logo de
emagrecer. Todas as crianças com peso
excessivo para a idade queriam ter um
IMC menor. Do grupo de crianças com
peso adequado todos os rapazes e nenhuma rapariga manifestaram desejar ter
uma imagem corporal correspondente a
um IMC superior.
Como se pode verificar pela análise
do quadro 1, a resposta à pergunta acerca da imagem desejada não foi consensual. A média das respostas foi de 2,82
sendo de salientar que a maioria desejava ter uma imagem que corresponderia a
um percentil de IMC abaixo do P50 para
a sua idade e sexo.
Não se comprovou, estatisticamente (p=0,10; pelo teste Mann-Whitney),
que crianças com peso excessivo para
a idade desejem ter uma imagem cor-
respondente a um IMC mais baixo que
as restantes. Analisando, no entanto,
as médias de imagem desejada para as
crianças com peso excessivo para a idade (2,43) e com peso adequado (3,26),
parece haver uma tendência para que tal
aconteça. Não foi encontrada diferença
significativa entre os dois sexos no que
se refere à imagem desejada.
Da análise das respostas dadas pelos progenitores (n=19) verificou-se que
existe uma discrepância ente a imagem
percebida e a imagem real dos filhos em
84,2% dos casos. Todos avaliaram os
seus filhos como tendo um IMC menor do
que têm na realidade.
Não se comprovou qualquer relação
estatisticamente significativa entre a discrepância e: o género ou IMC dos filhos;
o género dos pais. Na análise que os pais
fizeram da imagem dos seus filhos não
houve qualquer grau de discrepância predominante.
DISCUSSÃO
O estudo foi levado a cabo durante
e em paralelo com a 1ª Jornada Nacional
de Rastreio de Obesidade, como tal, a
Quadro I - Imagem desejada pelas crianças
Imagem Desejada
Frequência
Frequência
Relativa
Frequência
Cumulativa
1
3
12,5%
12,5%
2
9
37,5%
50,0%
3
5
20,8%
70,8%
4
4
16,7%
87,5%
5
2
8,3%
95,8%
6
0
0%
95,8%
7
1
4,2%
100,0%
Total
24
100,0%
100,0%
Gráfico 3. Imagem desejada em crianças com e sem excesso de peso/obesidade
16
artigo original
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
amostra não foi determinada previamente mas constituída por aqueles que voluntariamente se dirigiram ao local. Segundo
o Censo de 2001, o total de população
residente em Évora entre os 0 e os 19
anos é de 153852 número que nos dá
uma aproximação por excesso (visto que
só foram avaliadas pessoas entre os 2-18
anos) do número total de indivíduos do
Universo em estudo.
A afluência de um número de participantes que se considera baixo tem
seguramente múltiplos factores determinantes, entre eles a eficácia ou não da divulgação da iniciativa, o facto de ter ocorrido num dia de sábado frio e chuvoso e a
sensibilidade e motivação dos responsáveis educativos para este problema.
Nesta amostra encontrou-se uma
percentagem de excesso de peso
(19,2%) e obesidade (19,2%) superior ao
referido por Carmo et al., considerando
toda a população pediátrica em Portugal,
que aponta para uma prevalência de excesso de peso de 20,5% e de obesidade
de 11,3%(4). Devido ao tipo de amostra
analisada não se pode concluir que o valor encontrado no presente estudo represente a prevalência de excesso de peso
neste Concelho. Este será um aspecto a
confirmar em estudos posteriores.
Da análise dos resultados pode verificar-se que crianças com excesso de peso/
obesidade, em comparação com os que
tinham peso adequado: 1. têm uma noção
menos errada da sua imagem corporal; 2.
estão mais insatisfeitas com a sua imagem
corporal; 3. parece haver uma tendência
para terem como ideal um IMC menor. Estes dados coincidem com os obtidos por
Olvera et al no estudo “Intergenerational
perceptions of body image in hispanics:
role of BMI, Gender and Acculturation”(7).
Apesar de muitas vezes as crianças
não manifestarem verbalmente descontentamento com a sua imagem corporal,
os resultados obtidos revelam que elas o
sentem. Este é um aspecto que: por um
lado pode condicionar mal-estar psicológico e de algum modo contribuir para a
instalação de uma doença do comportamento alimentar; por outro, pode ser
aproveitado como factor de motivação
para a adopção de estilos de vida saudáveis. Parece que a contribuir para a maior
insatisfação das crianças com excesso
de peso/obesidade está o facto destes
considerarem como ideal uma imagem
com IMC menor do que as crianças com
peso adequado. As crianças com peso
inadequado são mais exigentes com a
sua imagem corporal. Este facto pode
ser quer causa quer consequência de
uma menor auto-estima destas crianças
e é um sinal de alerta a ter em conta na
prevenção dos distúrbios alimentares(14).
Verificou-se estatisticamente que o
desejo de emagrecer é maior nas raparigas que nos rapazes. Alguns rapazes
escolheram imagens corporais correspondentes a um IMC maior. Provavelmente pelo desejo que muitos deles
têm de ser mais “fortes”, escolhendo
imagens corporais que lhes parecem
ser mais musculadas(8). Também a maioria dos pais revelou ter uma percepção
errada acerca da imagem corporal subvalorizando a imagem dos filhos, dados
estes já encontrados por outros estudos(8,9,10). Visto que o ambiente familiar,
como já referido anteriormente, tem um
papel preponderante na determinação
dos hábitos alimentares das crianças,
o não reconhecimento do excesso de
peso dos filhos pelos pais pode ser um
problema importante no combate ao excesso de peso/obesidade infantil.
Se por um lado as crianças até têm
consciência da sua imagem corporal e
manifestam vontade de ter um aspecto
mais “magro”, provavelmente de acordo
com a imagem que lhes é transmitida na
nossa sociedade como modelo de felicidade e sucesso, os pais não se apercebem do excesso de peso dos filhos.
É para os pais difícil distinguir entre ser
“grande para a idade” e ser obeso. “Ser
grande” traduz a ideia de saúde e bemestar logo de sucesso para os cuidadores da criança mas, pelo contrário “ser
obeso”, associa-se a doença e não é fácil
para os pais reconhecê-lo(8).
A ênfase crescente que a sociedade tem dado às questões de peso e da
alimentação pode levar os pais a evitar
“etiquetar” os seus filhos como tendo excesso de peso ou obesidade. Este facto
é sugerido pelo estudo efectuado por Olvera at al. com mães de origem hispânica
que, não vivendo numa sociedade tão
exigente a este nivel, foram capazes de
avaliar correctamente a imagem corporal
dos seus filhos, não reconhecendo no
entanto necessidade de mudança nas
crianças com excesso de peso(7).
As principais limitações deste estudo prendem-se com a constituição da
amostra. Esta foi determinada de forma
aleatória, dependendo da iniciativa do
participante em dirigir-se ao local de rastreio e pondo como única condição a idade. Estes factores associados à pequena
dimensão da amostra impedem-nos de
tirar conclusões acerca da prevalência
do excesso de peso/obesidade em Évora. Já os resultados obtidos da análise da
imagem corporal são coincidentes com
outros estudos anteriores realizados dentro e fora de Portugal. A escala de imagem corporal usada só podia ser aplicada
a crianças entre os 7 e os 12 anos. Ainda
não se chegou a um consenso acerca da
capacidade ou não das crianças com menos de 7 anos avaliarem com coerência
a sua imagem corporal, havendo estudos
que defendem as duas posições(11).
CONCLUSÃO
A obesidade é um problema que
afecta os indivíduos em várias dimensões.
Se são inquestionáveis as repercussões
nefastas ao nível da saúde física, estes
acabam também por sentir dificuldades a
nível social e cultural.
A percepção da imagem corporal
pelo próprio começa na infância e a maneira como é interpretada e sentida pode
influenciar atitudes e comportamentos. O
presente estudo parece sugerir que crianças entre os 7 e os 12 anos com excesso
de peso/obesidade têm consciência da
não adequação do seu peso, mostram-se
insatisfeitas quanto a ele e desejam emagrecer. Esta insatisfação pode ser conduzida e “aproveitada” de forma correcta
se as crianças forem acompanhadas,
informadas e orientadas na aquisição de
novos hábitos de vida saudável. Factores
tão diversos como sucessivas tentativas
frustradas de emagrecimento, desadequação social e baixa auto-estima podem
contribuir para o aparecimento de distúrbios do comportamento alimentar. Como
já se tinha verificado noutros estudos e
se confirmou neste, os pais não têm um
artigo original
17
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
correcta percepção da imagem corporal
dos seus filhos, subvalorizando-a.
Sendo a família a célula básica
de intervenção para instituição de hábitos saudáveis de vida(12), na mudança
de estilo de vida que se pede, quando
se detectam casos de excesso de peso
ou obesidade, a correcta percepção da
imagem corporal das crianças pelos familiares pode ser uma aliada importante
e sobre a qual se deverá trabalhar. Os
pais precisam também de se tornar mais
conscientes do papel que podem ter na
prevenção da obesidade dos seus filhos.
Espera-se que no futuro quer pais
quer filhos encarem o excesso de peso/
obesidade como uma questão de saúde
mais do que uma imposição social e que
ambos possam ser construtores de um
ambiente familiar saudável.
“CAN’T YOU JUST SEE IT?”
CHILDREN’S (7-12 YEARS OLD)
BODY IMAGE EVALUATION
ABSTRACT
Objectives: The aim of this study
was to assess self perception and parental perception of child body size and
children’s degree of satisfaction about
their own body image in a preadolescent
population in the south of Portugal.
Material and Methods: Data was
obtained during the First National Journey on Childhood Obesity, in Évora on
the 17th February 2007. Children were
classified according to BMI (Body Mass
Index) percentile. The questionnaire Children’s Body Image Scale was applied to
children aged 7 to 12 years and their parents, in order to evaluate discrepancies
between the true and the perceived BMI
category and children’s satisfaction about
their own body size.
Results: Fifty two children were
assessed, 71,2% female, aged 2 to 18
years (mean age: 7,2 years) Overweight/
obesity was present in 38,4%. The sample of the study consisted of 24 children,
aged 7 to 12 years and their parents.
The majority of children (70,8%) had a
distorted perception of their body image,
being predominantely negative (80,5%).
The frequency of dissatisfaction was
18
artigo original
70,8%. The satisfaction degree had a
positive correlation with children’s BMI
(p=0,003). Parental perception of their
children’s BMI image was inferior to the
real one in 84,2% of the cases.
Conclusion: Children between 7
and 12 years that are overweight/obese
have consciousness about their excess of
weight, present body dissatisfaction and
wish to change their body image. Parental
recognition of children’s overweight/obesity,
is important in promoting a healthier lifestyle
and eating behaviour that will ultimately be
of great help to prevent eating disorders.
Key-words: Childhood obesity,
body image, community intervention.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 13-18
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body dissatisfaction among third-grade children: the impacts of ethnicity
and socioeconomic status. J. Pediatr.
2001 Feb;138(2):181-7.
AGRADECIMENTOS
As autoras agradecem: 1. À Sociedade Portuguesa de Pediatria do Ambulatório
por ter permitido a colheita de dados durante a 1ª Jornada Nacional de Rastreio de
Obesidade Infantil; 2. À Câmara Municipal
de Évora e ao Hospital Espírito Santo de
Évora E.P.E. por terem assegurado as condições materiais necessárias 3. À Dra. Tânia Prata que participou na organização do
rastreio a nível local. 4. A todas as pessoas
que participaram na recolha dos dados.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Alterações cutâneas fisiológicas
e transitórias do recém-nascido
Inês Lobo1, Susana Machado1, Manuela Selores1
RESUMO
A pele desempenha um papel fundamental na protecção do recém-nascido
na sua transição da vida intrauterina para
a vida pós-natal. A maioria das alterações
cutâneas que ocorrem neste período é
fisiológica e transitória, não necessitando de procedimentos diagnósticos ou
terapêutica. No entanto constituem uma
fonte de preocupação dos pais, pelo que
é necessário o reconhecimento destas lesões para uma abordagem adequada do
recém-nascido e família. Nesta revisão
os autores fazem uma discussão breve
das alterações cutâneas fisiológicas e
transitórias deste grupo etário.
Palavras - chave: récem-nascido,
pele, alterações fisiológicas, doenças
cutâneas transitórias
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 19-24
INTRODUÇÃO
A pele do recém-nascido (RN) desempenha um papel fundamental na
transição do ser humano desde o meio
aquático intra-uterino até o meio aéreo
extra-uterino.
Ao nascimento, a pele já se encontra dividida nas três camadas (epiderme,
derme e tecido celular subcutâneo). No
RN de termo a epiderme, os anexos cutâneos e a união dermo-epidérmica estão
formados. As principais diferenças da
pele do RN em relação à do adulto residem na derme, que é menos espessa,
possui fibras de colagénio de menor tamanho, fibras elásticas imaturas e estruturas
vasculares e nervosas desorganizadas.
__________
1
Serviço de Dermatologia, Hospital Geral de
Santo António, CHP
As glândulas sudoríparas e écrinas são
normais, mas relativamente ineficazes no
controlo da temperatura corporal. A secreção sebácea está aumentada durante
o primeiro mês de vida, estimulada pela
presença de androgénios maternos.
Com frequência no RN observamse lesões cutâneas que são consideradas fisiológicas e outras que, apesar de
não fisiológicas, têm carácter benigno e
transitório (Quadro I). Torna-se importante reconhecer estas alterações, quer
para impedir procedimentos diagnósticos
e terapêuticos desnecessários, quer para
tranquilizar os pais.
1. ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS
Vernix caseosa
A vernix caseosa, presente na superfície cutânea logo ao nascimento, consiste numa mistura de células epiteliais,
sebo e por vezes cabelos. A vernix serve
de lubrificante e protege contra os efeitos
do líquido amniótico e parece também
exercer funções antibacterianas por conter péptidos e lípidos anti-microbianos.
Fenómenos vasculares
A pele do RN não tem capacidade
de responder rápida e adequadamente
Quadro I
Alterações Fisiológicas do RN
Alterações Transitórias do RN
Vernix caseosa
Eritema tóxico do RN
Lesões traumáticas
- Caput sucedaneum
- Cefalohematoma
- Bolhas de sucção
Pustulose melânica neonatal transitória
Fenómenos vasculares
- Acrocianose
- Rubor generalizado
- Cútis marmorata fisiológica
- Coloração Harlequin
- Manchas salmão
Acropustulose da infância
Alterações da Pigmentação
- Manchas mongólicas
- Hiperpigmentação epidérmica transitória
Pustulose cefálica transitória
Alterações das mucosas
- Quistos epidérmicos gengivais e palatinos
Miliaria
Alterações Hormonais
- Hiperplasia sebácea
- Acne neonatal
Necrose do tecido celular subcutâneo
Outras alterações
- Falsa unha encravada
- Coiloníquia
- Linhas de Beau
- Quistos de milia
artigo original
19
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
a certos estímulos, o que provoca alterações da sua coloração.
Ao nascimento a pele das extremidades (mãos e pés) pode ter uma
coloração violácea- acrocianose - que
desaparece em poucas horas e reaparece apenas quando a criança tem frio ou
chora. Esta coloração é devida a uma hipertonia das arteríolas periféricas, com a
consequente congestão venosa responsável pela cor cianótica. O diagnóstico diferencial nestes casos deve ser feito com
a cianose central de origem cardiovascular ou metabólica. Nos primeiros dias de
vida, alguns RN podem apresentar um
rubor generalizado resultante do excesso
de hemoglobina, que desaparece com a
diminuição fisiológica dos níveis de hemoglobina sérica.
A cútis marmorata fisiológica resulta
da dilatação dos capilares quando o RN
é exposto ao frio. Caracteriza-se clinicamente pela presença de um reticulado
eritemato-violáceo no tronco e extremidades. Esta situação não tem significado
patológico e normalmente desaparece
quando o RN é aquecido(1). Perante esta
situação é necessário estabelecer o diagnóstico diferencial com a cútis marmorata telangiectásica congénita (fig. 1) que é
uma malformação capilar, onde as lesões
são persistentes e, em 50% dos casos,
estão associadas a outras malformações,
nomeadamente ósseas, oculares e neurológicas.
A coloração em “Harlequin” é um
fenómeno fisiológico que afecta 15%
dos RN nas primeiras 2 a 3 semanas de
vida(2). Resulta da ausência transitória de
regulação central do tónus vascular periférico(3). Traduz-se pelo aparecimento de
eritema no hemicorpo (geralmente zona
em declive) e palidez no outro hemicorpo, separados pela linha média(3). A face
e os genitais são poupados. Esta situação pode ser difícil de visualizar já que os
episódios têm curta duração (de alguns
segundos a 20 minutos) e desaparecem
rapidamente após aquecimento ou mudança de posição.
A manchas salmão, também denominada de angioma de Unna, resulta de
ectasias capilares na derme e está presente em 70% dos RN caucasianos(4).
Manifesta-se como máculas ou manchas
eritematosas/salmão localizadas à zona
occipital, pálpebras, glabela, sendo mais
rara a localização no nariz e lábio superior (fig. 2). A maioria desaparece nos
primeiros anos de vida(5). O diagnóstico
diferencial faz-se sobretudo com malformações vasculares que não desaparecem espontaneamente.
Figura 1 - Cútis marmorata telangiectasica
congénita - Reticulado eritematovioláceo persistente.
Figura 2 - Mancha salmão - Manha eritematosa/salmão localizadas na glabela.
Figura 3 - Mancha mongólica ectópica - Mancha azul acinzentada localizada ao ombro e
omoplata esquerda.
20
artigo original
Alterações da pigmentação
A mancha mongólica ocorre sobretudo em RN de raça negra e corresponde
a agregados de melanócitos na derme,
que se manifestam como máculas ou
manchas azul acinzentadas geralmente
localizadas nas nádegas ou na região
sagrada. Quando se situam em outras
localizações são denominadas de manchas mongólicas ectópicas (Fig. 3). A
patogénese é desconhecida embora pareça residir num defeito na migração das
células pigmentadas da crista neural. As
melanoses dérmicas podem também estar patentes nos nevos de Ito e de Ota,
mas nestes casos não têm resolução espontânea.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Nos RN de raça negra é comum uma
hiperpigmentação epidérmica transitória
dos órgãos genitais externos (fig. 4), do
abdómen inferior (linha nigra), das axilas,
das aréolas mamárias, do perioníquio e da
face dorsal da terceira falange(1), resultante da acção da hormona estimuladora dos
melanócitos in útero. É importante fazer
o diagnóstico diferencial desta alteração
cutânea benigna com a hiperpigmentação
resultante da hiperplasia adrenal congénita, mas nesta última estão presentes outros sinais de hiperandrogenismo.
Alterações das mucosas
O exame da cavidade oral no RN é
muito importante já que pode conduzir à
detecção de muitas patologias. A alteração fisiológica mais comum na mucosa
oral é a presença de quistos epidérmicos
gengivais e palatinos. Os quistos gengivais podem ser detectados em 64% dos
RN(6) e manifestam-se como pequenas
pápulas isoladas ou agrupadas, bancoamareladas, com tamanho de 1-2mm. A
sua origem deve-se à formação de pequenos quistos córneos na mucosa oral.
Quando localizados no palato e na crista
alveolar denominam-se respectivamente de pápulas de Epstein e de Bohn. A
maioria desaparece nos primeiros 5 meses de vida.
Figura 4 - Hiperpigmentação epidérmica transitória dos órgãos genitais externos.
Alterações dos anexos cutâneos
As alterações ungueais no RN são
raras e podem representar alterações
congénitas e genéticas. De entre as al-
terações fisiológicas e transitórias podem
apontar-se a falsa unha encravada, a coiloníquia e as linhas de Beau.
Alguns RN apresentam uma hipertrofia das pregas laterais que cobrem parcialmente as pregas ungueais, simulando
deste modo as unhas encravadas(7). A
maioria dos casos tem resolução espontânea, mas por vezes estas pregas hipertrofiadas podem sobreinfectar e causar
dor transitória.
As linhas de Beau são linhas ungueais transversais. Reflectem uma paragem
do metabolismo da matriz ungueal que
pode ser atribuído ao stress induzido pelo
parto. Contudo, podem também surgir
após episódios febris, toxidermias e em
situações de acrodermatite enteropática.
É também possível o aparecimento de
coiloníquia, que se trata de uma curvatura côncava das unhas “unha em colher”,
principalmente nas unhas dos pés(3).
O sistema piloso do RN é caracterizado pelo lanugo que persiste durante as
duas primeiras semanas de vida(8). Pode
observar-se no RN uma hipertricose localizada, não lanuginosa, em particular
ao nível da helix, que não traduz qualquer fenómeno patológico (antigamente
pensava-se erroneamente que estava
relacionado com a presença de diabetes materno)(1). Outra das alterações dos
Figura 5 - Acne neonatal - Pápulas e pustulosas eritematosas, sem comedões.
Figura 6 - Quistos de milia - Múltiplas pápulas
brancas punctiformes.
Fenómenos hormonais
Durante os primeiros meses de vida
os RN estão expostos às hormonas androgénicas de origem materna e, em consequência, podem surgir hiperplasias sebáceas. São lesões foliculares punctiformes,
de cor amarelada e superfície lisa, agrupadas no nariz, lábio superior e zonas malares. Estas lesões regridem gradualmente
durante as primeiras semanas de vida.
Acne neonatal – Alguns RN sofrem
de uma erupção facial acneiforme entre as 2 e 3 semanas de vida. As lesões
papulares e pustulosas eritematosas
localizam-se sobretudo nas zonas malares. Caracteristicamente não existem
comedões (fig. 5). Há autores que consideram esta forma de acne como uma
primoinfecção por leveduras do género
Malassezia. As lesões resolvem espontaneamente ao fim de 2 a 3 meses.
Devido à passagem de estrogénios
maternos através da placenta, alguns RN
apresentam também ginecomastia transitória, produção de muco vaginal e mesmo hemorragia vaginal. Estas alterações
resolvem em poucas semanas.
artigo original
21
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
anexos é a presença de uma alopécia
bem delimitada na região occipital, que
empiricamente se atribuía à posição mais
comum de decúbito, mas cuja etiologia
parece ser devida à entrada mais tardia
dos folículos da zona occipital, na fase
telogênica(9).
Outras alterações
As bolhas por sucção são bolhas
tensas com conteúdo seroso, rodeadas
por pele normal. Aparecem no dorso das
mãos e antebraços e são devidas à vigorosa sucção oral do RN nesse local, durante
a vida intra-uterina. Associadas a estas lesões aparecem calos de sucção na mucosa oral. Esta lesão pode muitas vezes ser
confundida com herpes simples.
Quistos de Milia – Os quistos de
milia são uma das alterações fisiológicas
mais frequentes dos RN. Manifestam-se
como pápulas brancas punctiformes únicas ou múltiplas (fig. 6) que aparecem
em qualquer localização na superfície
corporal, mas com mais frequência na
face (zonas malares, nariz e mento). Têm
origem em rolhões de queratina de etiologia desconhecida ao nível do infundíbulo
pilossebáceo. O diagnóstico diferencial
mais importante é com a hiperplasia sebácea, mas esta tem uma coloração mais
amarelada. A maioria desaparece sem
Figura 7 - Acropustulose da infância - Lesões
vesicopustulosas pruriginosas nas plantas.
22
artigo original
necessidade de tratamento, nos primeiros meses de vida. Quando persistentes,
podem estar associados a casos de epidermólise bolhosa distrófica, juncional ou
ao síndroma orofacial-digital tipo I.
2- ALTERAÇÕES IDIOPÁTICAS
TRANSITÓRIAS
Eritema tóxico do RN
O eritema tóxico do RN ocorre em
aproximadamente 50% dos casos, sem
preponderância de sexo ou etnia. A sua
ocorrência parece relacionar-se com o
peso ao nascimento e a idade gestacional, sendo raro em prematuros e neonatos com menos de 2500g. A etiologia
é desconhecida, mas há autores que
consideram que corresponde a uma reacção enxerto-versus-hospedeiro contra
linfócitos maternos. Apesar de poderem
estar presentes desde o nascimento, o
mais comum é que as lesões apareçam
entre as 24 e as 48 horas de vida. As
lesões típicas consistem em pápulas ou
papulopústulas rodeadas de áreas inflamatórias eritematoedematosas de contornos irregulares, semelhantes a picadas de insecto. Normalmente as lesões
iniciam-se na face, expandindo-se depois para o tronco e extremidades - mas
podem aparecer em qualquer área corporal com excepção das palmas e plantas(3). A eosinofilia periférica pode estar
presente em 15% dos casos, independentemente da gravidade das lesões. O
diagnóstico baseia-se nas características clínicas das lesões e no bom estado
geral do RN. Quando houver dúvidas
pode realizar-se uma biópsia cutânea,
verificando-se a presença de eosinófilos
subcórneos localizados à porção superior do infundíbulo folicular.
As lesões resolvem espontaneamente em aproximadamente 7 dias.
Pustulose melânica neonatal
transitória
A pustulose melânica neonatal
transitória é uma erupção frequente das
crianças de raça negra. Apesar da etiologia não estar completamente esclarecida,
há autores que consideram que a causa
seja a hiperestimulação dos melanócitos.
A clínica desenvolve-se em três fases e,
ao contrário do eritema tóxico, aparece
sempre ao nascimento. A primeira fase
caracteriza-se pela presença de pústulas
superficiais sem inflamação circundante,
com tamanho entre 2-10mm, localizadas
preferencialmente à face, região lombar e
área pré-tibial. Contudo, as palmas, plantas e região torácica podem estar envolvidas. Muitas vezes estas lesões passam
despercebidas pois rompem com muita
facilidade (pústulas intra ou subcórneas).
Posteriormente aparecem colaretes descamativos ao redor das pústulas e, numa
terceira fase, as lesões curam espontaneamente deixando hiperpigmentações
residuais que podem demorar meses
a desaparecer. O diagnóstico é clínico
mas, quando há dúvidas, pode procederse a avaliação histológica a qual revela
pústulas com neutrófilos subcórneas ou
intracórneas. O eritema tóxico do RN e a
pustulose melânica neonatal podem coexistir, havendo autores que consideram
que estas duas entidades representem
a mesma patologia(3), mas na primeira o
aparecimento é mais tardio e o componente celular é eosinofílico. O diagnóstico
diferencial desta entidade deve fazer-se
com a acropustulose da infância (localização acral das lesões e o aparecimento
geralmente é mais tardio), e com quadros
pustulosos de origem infecciosa (candidíases e impétigos).
Acropustulose da infância
A acropustulose da infância é uma
condição de etiologia desconhecida,
mais frequente em crianças de raça negra e do sexo masculino. Caracteriza-se
pela presença de surtos recorrentes de
lesões vesico-pustulosas pruriginosas
com distribuição acral (palmas, plantas,
dorso das mãos e pés) (fig. 7). As lesões
duram 5-10 dias e os surtos recorrem
a intervalos de 2-4 semanas. As lesões
podem estar presentes ao nascimento,
mas normalmente desenvolvem-se nas
primeiras semanas ou meses de vida.
O exame histológico das lesões revela
pústulas intraepidermicas e subcórneas.
As lesões sofrem remissão espontânea
em 1 a 2 anos, mas durante as fases
de actividade é necessário recorrer-se
a tratamentos com corticóides tópicos e
antihistaminico oral.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
A escabiose é o diagnóstico diferencial mais importante a colocar com esta
entidade, uma vez, que há uma forma de
acropustulose que pode ocorrer pós escabiose.
Pustulose cefálica transitória
A pustulose cefálica transitória é um
quadro raro descrito pela primeira vez em
1991(10) , caracterizado por uma erupção
pápulo-pustulosa pruriginosa localizada à
face e couro cabeludo. As lesões podem
aparecer por surtos. O estudo histológico
mostra um infiltrado eosinofílico denso na
derme e ao redor do folículo piloso. Há
autores que consideram que se trata de
uma manifestação de primoinfecção pela
espécie de Malassezia sympodialis(11). As
lesões resolvem espontaneamente entre
os 4 e os 36 meses de vida.
Miliaria
O termo miliaria é um termo genérico para descrever a obstrução do
ducto écrino. A causa desta obstrução
é desconhecida mas há quem defenda
que seja causada pela substância polissacarídea extracelular produzida pelo
Staphylococcus epidermidis(3). Ocorre
geralmente em climas quentes, em estados de pirexia ou de supra-aquecimento.
A manifestação clínica depende do nível
de obstrução do ducto. A forma mais fre-
quente no RN (primeiros dias de vida) é
a cristalina ou sudamina e surge devido
à obstrução superficial (subcórnea ou intracórnea) do ducto écrino. Consequentemente, há retenção de suor a este
nível, levando à formação de pequenas
vesículas cristalinas que lembram gotas
de água e que rompem com facilidade
(fig. 8). Quando a obstrução do ducto é
mais profunda, mas ainda epidérmica,
a miliaria denomina-se de rubra. Neste
caso as lesões são pápulas eritematosas ou papulo-pústulas não foliculares.
A miliária profunda é rara no período neonatal e resulta da oclusão do canal ao
nível da junção dermoepidérmica, condicionando o aparecimento de pápulas
brancas que impedem o normal fenómeno da sudação. Trata-se de uma entidade benigna que desaparece espontaneamente após controlo da febre ou da
temperatura ambiental.
Necrose do tecido celular
subcutâneo
A necrose do tecido celular subcutâneo ou citoesteatonecrose é uma hipodermite rara que ocorre em RN nascidos
de cesariana ou expostos a stress fetal(12).
A etiologia parece resultar do facto de o
tecido adiposo do RN conter grande proporção de ácidos gordos saturados. Factores como frio, hipotermia, traumatismo,
nutrição inadequada e isquemia induziriam a libertação de agentes mediadores
de inflamação e necrose que actuariam
sobre esses ácidos gordos(13).
Normalmente manifesta-se entre
as 1ª e 4ª semanas de vida, mas também
pode ser congénito. As lesões consistem
em placas ou nódulos assintomáticos,
cobertos com pele normal ou eritematosa, localizados à face, nádegas e tronco.
As lesões podem ulcerar ou apresentar
depósitos de cálcio. O RN normalmente
não apresenta qualquer sintoma sistémico associado, mas entre o primeiro e
quarto dia de vida pode ocorrer hipercalcemia sintomática, que pode ser fatal.
Torna-se portanto necessário monitorizar
os níveis de cálcio e evitar a administração exógena de vitamina D. O exame
histológico mostra inflamação granulomatosa do panículo adiposo com células
histiocitárias.
O curso clínico da patologia é benigno, e as lesões regridem espontaneamente em algumas semanas. Nesta circunstância é todavia importante realizar
o diagnóstico diferencial com a paniculite
infecciosa, com o escleroderma neonatorum ou com causas de calcinose cútis.
PHYSIOLOGICAL AND TRANSIENT
CUTANEOUS DISORDERS OF THE
NEWBORN
ABSTRACT
Neonatal skin provides physical
protection, playing a vital role in the newborn’s transition from an aqueous to an
air-dominant environment. The majority
of the newborn cutaneous lesions are
usually physiological, transient and self
limited and thus require no therapy or
diagnostic procedures. As parents often
seek medical attention for these problems, clinicians must be aware of both
normal and abnormal cutaneous lesions
of the neonate to properly address these
issues. In this article the authors briefly
discuss the transient benign lesions of
the newborn.
Figura 8 - Miliaria cristalina - Pequenas vesículas cristalinas que fazem lembrar gotas de água.
Key-words: newborn, skin, physiologic alterations, transient cutaneous diseases
artigo original
23
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 19-24
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Botulismo: um receio latente.
Cláudia Neto1, Armandina Silva1, Lúcia Cardoso1 Sandra Silva2, João Luís Barreira2
RESUMO
O botulismo alimentar é uma doença neuroparalítica flácida resultante
da ingestão de alimentos contaminados
com uma toxina produzida pela bactéria
Clostridium botulinum, podendo surgir de
forma esporádica ou epidémica.
Trata-se de uma doença rara, de
declaração obrigatória e potencialmente
fatal. Em Portugal foram declarados em
2005 e 2006 apenas 7 e 10 casos respectivamente.
Os autores apresentam o caso clínico de uma criança de 9 anos de idade,
internada com um quadro de paralisia
flácida descendente e simétrica, associada a envolvimento do sistema nervoso
autónomo, com quatro dias de evolução,
à qual foi feito o diagnóstico de botulismo alimentar serótipo B (associado à ingestão de salsichas enlatadas / fumeiros
caseiros). O doente apresentou evolução
clínica favorável, necessitando apenas
de tratamento de suporte.
Apesar de ser uma entidade rara, o
botulismo deve ser um diagnóstico sempre a considerar perante um doente com
distúrbio neuromuscular agudo e história
de ingestão alimentar suspeita, uma vez
que o diagnóstico atempado é essencial
para a prevenção da progressão da doença e a identificação dos veículos alimentares fonte do botulismo.
Palavras-chave: Botulismo alimentar, Clostridium botulinum, acetilcolina,
criança
__________
1
2
Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar do
Alto Ave- Guimarães
Serviço de Pediatria, Hospital de S. João Porto
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 25-28
INTRODUÇÃO
O botulismo é uma doença neuroparalítica flácida resultante da acção de
uma potente toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, uma bactéria
gram positiva, anaeróbia, produtora de
esporos. A toxina botulinica é a mais potente exotoxina conhecida, sendo a dose
mínima letal de 0,12 microgramas(1).
Conhecem-se 4 tipos epidemiológicos: botulismo alimentar que ocorre após
a ingestão de alimentos contaminados
com a toxina (associado à ingestão de
carnes fumadas, produtos enlatados ou
conservas); botulismo das feridas causado pela contaminação de uma ferida com
esporos do microorganismo que germinam e produzem a toxina; botulismo do
lactente causado pela ingestão dos esporos que germinam no intestino onde
produzem a toxina e o botulismo de classificação indeterminada, semelhante ao
botulismo do lactente mas no adulto(1).
Cada estirpe de Clostridium botulinum, designadas de A a G, produz um
tipo de toxina, mas apenas os serótipos
A, B e E e muito raramente o F afectam
o Homem(2). Enquanto os serótipos B e E
provocam, em geral, sintomas de gravidade moderada, o serótipo A parece ser
o que provoca as formas mais graves da
doença, levando quase sempre à necessidade de suporte ventilatório e, muitas
vezes, à morte1). Em Portugal o serótipo
predominante é o B(3).
Todas as formas de botulismo resultam da absorção da toxina botulinica
na circulação sanguínea, sendo posteriormente transportada até às sinapses
colinérgicas periféricas, ligando-se irreversivelmente na junção neuromus-
cular, impedindo assim a libertação de
acetilcolina, o que condiciona disfunção
tanto a nível muscular como a nível do
sistema nervoso autónomo(1). O período
de incubação é, geralmente, de 12 a 36
horas, podendo prolongar-se a semanas.
A gravidade da doença é tanto maior
quanto menor é o período de incubação,
dependendo também do tipo de toxina e
da quantidade ingerida. A recuperação
funcional só é possível através da formação de novas terminações nervosas, o
que explica a persistência dos sintomas
durante semanas ou meses.
Clinicamente, o botulismo caracteriza-se por uma paralisia descendente
simétrica progressiva, afectando inicialmente a musculatura dos pares cranianos (oftalmoparésias /plegias com alteração do reflexo de acomodação, parésias
faciais, disfonia, disfagia) e posteriormente os membros superiores, músculos
respiratórios e finalmente os membros
inferiores com um padrão proximal-distal.
Também é frequente o envolvimento do
sistema nervoso autónomo com tonturas,
xerostomia, obstipação, retenção urinária, hipotensão e diminuição da sudorese, não havendo contudo alterações da
sensibilidade(4).
O diagnóstico baseia-se essencialmente nos achados clínicos e epidémiologicos, sendo confirmado por estudos
electromiográficos e pelo isolamento da
toxina em produtos biológicos do doente
(soro, fezes ou suco gástrico), no produto
alimentar ingerido ou pelo isolamento do
microorganismo em cultura dos mesmos
produtos.
A imunização passiva (antitoxina
equina trivalente com anticorpos contra
toxina tipo A, B e E) nas primeiras 24 a 48
horas e cuidados de suporte alimentares
e respiratórios meticulosos são pilares
casos clínicos
25
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
fundamentais da abordagem terapêutica
do botulismo alimentar, permitindo a redução da taxa de mortalidade.
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam o caso clínico de uma criança de 9 anos de idade,
sexo masculino, raça caucasiana, previamente saudável, natural e residente em
Felgueiras.
Quatro dias antes do internamento
inicia quadro de astenia, anorexia, disfagia, congestão ocular e vómitos alimentares. É observado no Serviço de Atendimento Permanente da área de residência
dois dias precedentes ao internamento,
tendo tido alta clínica após fluidoterapia
endovenosa com indicação para proceder a medidas dietéticas.
Posteriormente (em D4 de doença),
assiste-se a um agravamento clínico com
prostração, diminuição generalizada da
força muscular, discurso lentificado e disártrico, motivando o seu recurso ao Serviço de Urgência do hospital da área de
residência. Sem referência a episódios
infecciosos prévios, ingestão medicamentosa ou traumatismo crânio-encefálico.
À admissão apresentava-se consciente, prostrado, hemodinamicamente
estável, subfebril e eupneico. Discurso
lentificado, disártrico mas coerente. Mímica facial pobre com ptose palpebral
bilateral, fotofobia e congestão ocular
com xeroftalmia. Apresentava mucosas secas e língua saburrosa. O exame
neurológico efectuado revelava: pupilas
midriáticas, arreactivas; ptose palpebral
bilateral; força muscular grau 3; reflexos
osteo-tendinosos débeis mas despertáveis; reflexo cutâneo plantar em flexão
bilateralmente e ausência de alterações
da sensibilidade. O restante exame físico
não evidenciava outras particularidades.
(Figuras 1a e 1b)
As hipóteses de diagnóstico colocadas foram: intoxicação medicamentosa,
meningoencefalite, lesão ocupante de
espaço e Síndrome de Guillain Barré variante Miller-Fisher.
Os exames auxiliares de diagnóstico
efectuados evidenciaram um leucograma
com 16.1 x109 leucócitos com 78.7% neutrófilos e 8% linfócitos; glicose 98 mg/dl,
função renal e hepática normais, proteína
C reactiva 20.9mg/L; gasometria venosa
sem acidose, bicarbonatos e pCO2 normais; tomografia computadorizada crânio-encefálica normal; exame de líquor
cefalorraquídeo sem pleocitose, glicorrá-
quia e proteinorráquia normais; pesquisa
de tóxicos na urina (antidepressivos triciclicos, benzodiazepinas e substâncias
de abuso negativos). Iniciou nesta altura
terapêutica empírica endovenosa com
ceftriaxone e aciclovir.
Quando questionados os pais, estes confirmaram a ingestão de salsichas
enlatadas e fumados caseiros nos dois
dias prévios à instalação da sintomatologia. Não havia referência a ingestão de
marisco, peixe cru e foi também negado
viagem ao estrangeiro. Os sinais e sintomas apresentados e a informação dada
posteriormente pelos pais, indiciou o
diagnóstico de botulismo..
Perante a eventual necessidade de
ventilação assistida, a criança foi transferida em D2 de internamento para um hospital terciário com Unidade de Cuidados
Intensivos Pediátricos. Foi feita declaração de Doenças Obrigatórias com base
na suspeição clínica e contactada Delegação de Saúde da área de residência
A electromiografia realizada suportou
a hipótese diagnostica de botulismo, mostrando uma disfunção da placa motora com
aumento significativo da amplitude dos potenciais musculares compostos, traduzindo
o bloqueio neuromuscular pré-sináptico
Figuras 1a e 1b - Evidente ptose palpebral, mímica facial pobre mas simétrica
(Fotografias autorizadas pelos pais.)
26
casos clínicos
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
característico desta doença. A espirometria
efectuada evidenciava diminuição dos débitos expiratórios forçados sugerindo síndrome ventilatório restrictivo.
O diagnóstico definitivo foi confirmado catorze dias após início da sintomatologia, pela identificação através da
prova de seroneutralização em ratos,
da presença de toxina botulinica tipo B
no sangue do doente. Não foi possível a
recuperação do alimento suspeito para a
pesquisa da toxina.
Não houve necessidade de apoio
ventilatório e as atitudes terapêuticas
adoptadas foram de suporte. Instituídos
precocemente cuidados de Medicina Física e Reabilitação. Por apresentar dificuldades alimentares foi iniciada alimentação entérica por sonda nasogástrica e
posteriomente alimentação parentérica
que manteve até ao 10º dia de internamento. Foi necessária a administração
de lactulose do 3º ao 7º dia de internamento, por uma obstipação tenaz.
Verificou-se melhoria progressiva,
tanto da sintomatologia neurológica como
digestiva, mantendo no entanto ptose palpebral, força muscular grau 5 e astenia à
data de alta (trinta e quatro dias após o
inicio da sintomatologia). (Figura 2).
Foi reavaliado em Consulta Externa
de Pediatria, sendo o exame clínico normal cerca de três meses após inicio da
sintomatologia.
DISCUSSÃO
Nos últimos anos temos vindo a assistir a surtos de botulismo, não apenas
relacionados com o consumo de enlatados/fumados de origem caseira como
era tradicionalmente associado, mas
também decorrentes de alimentos incorrectamente processados comercialmente, o que levanta grandes questões em
termos de saúde pública(5,6). Apesar de
raro na União Europeia, o botulismo alimentar continua a ser uma doença com
características clínicas graves, podendo
ser prevenida através de uma correcta
preparação dos produtos alimentares(7).
Quer estes alimentos tenham origem
caseira ou industrial, os processos de
conservação com controlo estreito da
temperatura, concentração de sal e pH
são fundamentais para a prevenção da
esporulação do Clostridium botulinum.
Em Portugal, o botulismo alimentar é
de notificação obrigatória desde o início
de 1999, ano em que praticamente não
se registaram casos. No ano de 2005 e
2006 foram declarados respectivamente
sete e dez casos(8). Pensa-se, no entanto, que o botulismo é muitas vezes
subdiagnosticado. O tempo de incubação variável, as manifestações clínicas
muitas vezes subtis e que mimetizam
outras patologias mais fequentes ou a
ocorrência de insuficiência respiratória
rapidamente progressiva são possíveis
Figura 2 - Evolução clínica no internamento
factores impeditivos de um diagnóstico
precoce e atempado.
No caso clínico apresentado, o período de incubação foi de dois dias. As
queixas iniciais foram atribuídas a uma
gastroenterite e o envolvimento neurológico apresentou-se posteriormente na
sua forma típica de instalação simétrica,
descendente, afectando inicialmente os
pares craneanos. Foi possível, no nosso
caso, a confirmação do diagnóstico por
estudos electromiográficos e pela identificação da toxina botulinica serótipo B
através da técnica de seroneutralização
intraperitoneal em ratos. No entanto, é
importante não valorizar exclusivamente os testes laboratoriais, uma vez que
a sua sensibilidade é baixa (50 a 60%
atingida nos dois primeiros dias após a
ingestão e posteriormente diminui com o
tempo) o que pode levar a uma exclusão
incorrecta do diagnóstico(9).
O diagnóstico diferencial é feito
essencialmente com a miastenia gravis,
síndrome de Guillain Barré (particularmente com a variante de Miller Fisher)
e acidente vascular cerebral do tronco.
Outras situações a incluir no diagnóstico
diferencial são: síndrome de Eaton-Lambert, poliomielite aguda, paralisia flácida
por picada de insecto, meningo-encefalite, ingestão de toxinas de marisco ou
peixe cru, difteria, intoxicações com cogumelos, medicamentos ou químicos.
A imunização passiva (antitoxina
trivalente com anticorpos contra toxina
tipo A, B e E) e cuidados de suporte são
os dois pilares fundamentais da abordagem terapêutica do botulismo alimentar,
permitindo a redução da taxa de mortalidade. No entanto, é ainda questionável o
uso da antitoxina botulinica, já que para
além da indicação terapeutica ser apenas
nas primeiras 24 a 48 horas após inicio
da sintomatologia (enquanto a toxina ainda não está ligada irreversivelmente aos
neuro-receptores), não é isenta de efeitos secundários(1,2,5).
Na ausência de complicações, habitualmente o prognóstico é favorável sem
sequelas neurológicas, embora a completa recuperação possa requerer várias
semanas a meses(1,2,4).
Este caso clínico, pretende sensibilizar os profissionais de saúde no sentido
casos clínicos
27
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
de equacionarem a intoxicação botulinica
no diagnóstico diferencial das paralisias
flácidas agudas. Esta hipótese diagnóstica não é meramente teórica e para ser
estabelecida é preciso pensar nela. O
botulismo alimentar apesar de raro é potencialmente fatal, pelo que o diagnóstico precoce é vital para a prevenção da
progressão da doença e a notificação rápida às unidades de saúde, crucial para
a identificação dos veículos alimentares
e para o controlo atempado de qualquer
fonte alimentar de botulismo.
Although foodborne botulism is a
rare entity, this diagnosis should be considered in every patient with an acute
neuromuscular disorder who refers the
ingestion of food suspected of being contaminated. An early diagnosis is essential
to prevent the progression of the disease
and to identify the contaminated food.
Key Words: Foodborne botulism,
Clostridium botulinum, acetylcholine,
child
6.
7.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 25-28
8.
FOODBORNE BOTULISM:
A CONTINUOUS THREAT
BIBLIOGRAFIA
ABSTRACT
Foodborne botulism is a neuroparalytic illness caused by ingestion of contaminated food with a neurotoxin produced
by the bacterium Clostridium botulinum.
The illness may occur as a sporadic case
or as an outbreak. It is a rare and a statutory notificable disease - in Portugal the
number of cases declared in 2005 and
2006 were, respectively, seven and ten.
The authors report a case of a nine
year old child, referred to our hospital with
generalized muscle weakness, bilateral
ptosis and dysarthria . The investigation
confirmed the diagnosis of foodborne
botulism serotype B associated with the
ingestion of canned food. The patient
recovered completely with symptomatic
treatment.
28
casos clínicos
9.
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www.dgs.pt
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CORRESPONDÊNCIA
Cláudia Neto
Serviço de Pediatria
HG Santo António, EPE
Largo Prof. Abel Salazar
4099 - 001 Porto
Telefone: 222 077 500
e-mail: [email protected]
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Massa eritematosa lingual: que etiologia?
Patrícia Santos1, Filipa Vasconcelos Espada1, Marta Neves2, Paulo Coutinho1, Francisco Bianchi1, Marcelo Fonseca1
RESUMO
A tiróide lingual é uma entidade clínica rara, que resulta da localização ectópica de tecido tiroideu por ausência de migração embrionária da glândula tiroideia
do foramen caecum para a localização
pré-traqueal final. Habitualmente assintomática, pode no entanto ser detectada no
exame físico de rotina da orofaringe ou
no contexto de infecção das vias aéreas
superiores. Pode também manifestar-se
por disfagia, dispneia, disfonia, tosse, hemorragia ou hipotiroidismo sintomático.
Os autores apresentam o caso clínico de uma criança de 3 anos do sexo
feminino, sem antecedentes patológicos
relevantes que apresentava tosse irritativa com agravamento progressivo e acessos de tosse laríngea.
Na observação da orofaringe foi visualizada uma massa eritematosa, localizada na linha média do terço posterior da
língua. Os estudos realizados demonstraram tratar-se de tiróide lingual associada
a hipotiroidismo compensado.
Os autores salientam a necessidade
de vigilância clínica e analítica desta situação pelo risco de aparecimento de sintomatologia respiratória ou digestiva grave
e/ou descompensação do hipotiroidismo.
A cirurgia com remoção da massa poderá ser uma opção terapêutica no caso de
sintomatologia respiratória ou digestiva
grave ou transformação maligna.
Palavras-chave: tiróide lingual,
diagnóstico, tratamento.
INTRODUÇÃO
A tiroide lingual é uma entidade clínica rara, que resulta da localização ectópica de tecido tiroideu.
Deve-se à ausência de migração
da glândula tiroideia do foramen caecum para a localização pré-traqueal final
que ocorre entre a 3ª e a 7ª semanas do
desenvolvimento embrionário(1,2).
Desconhece-se a verdadeira incidência da doença. Estudos realizados referem
uma incidência de 1:1000 a 1:300 000(1-3)
na população geral e de 1:4000 a 1:8000
nos indivíduos com patologia tiroideia(3).
A relação sexo feminino/sexo masculino é
de 4-7:1(1,2).
Das localizações ectópicas o dorso
da língua corresponde a 90% dos casos.
Tecido tiroideu ectópico tem sido também
descrito na região mandibular, traqueia,
laringe, mediastino, coração, pulmão,
duodeno e glândula supra-renal(1-3).
A patogenia do tecido tiroideu ectópico continua desconhecida, mas tem sido
associado a mutações dos factores de
transcrição (TTF-1, TTF-2 e PAX8) e dos
genes receptores da TSH (TSH-R)(1-3).
A maioria dos doentes está assintomática, podendo a tiróide lingual ser
detectada na observação de rotina da
orofaringe, ou manifestar-se por disfagia,
dispneia, disfonia, tosse, hemorragia ou
hipotiroidismo sintomático.
CASO CLÍNICO
Apresentamos o caso de uma criança do sexo feminino de 3 anos de idade
e raça caucasiana referenciada ao internamento do Serviço de Pediatria por suspeita de laringotraquiobronquite. Apresentava tosse irritativa com agravamento
progressivo, com uma semana de evolução e acessos de tosse laríngea nas 24
horas que precederam o internamento.
Sem febre, recusa alimentar, dificuldade
respiratória ou estridor. Referência a roncopatia, sem apneia, com alguns meses
de evolução.
Ao exame objectivo apresentava
uma massa eritematosa, com cerca de
1,5cm de maior diâmetro, localizada na
linha média do terço posterior da língua.
(Figura 1 e 2). Tiróide não palpável, sem
adenopatias cervicais. Restante exame
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 29-31
__________
1
2
Serviço de Pediatria Hospital Pedro Hispano/
Consulta de Endocrinologia Pediátrica
Serviço de Otorrinolaringologia Hospital Pedro Hispano
Figura 1 e 2: Observação da Orofaringe.
casos clínicos
29
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
físico normal. Desenvolvimento psicomotor e estaturo ponderal adequado à idade
cronológica.
Sem antecedentes pessoais ou
familiares relevantes. Teste de Guthrie
negativo e plano nacional de vacinação
actualizado.
Durante o internamento manteve-se
apirética, hemodinamicamente estável,
sem sinais de dificuldade respiratória, estridor, recusa alimentar ou sialorreia.
Dos exames laboratoriais efectuados salienta-se: hemograma com plaquetas normal, proteína C reactiva negativa,
hemocultura negativa, função tiroideia
com T3 e T4 livres normais e TSH elevada: 14.02μUI/ml (normal: 0,3-4,2μUI/ml).
A ecografia da tiróide não identificou
glândula tiróide na sua topografia habitual, observando-se uma massa de 2cm de
maior diâmetro na dependência da base
da língua sugestiva de tecido tiroideu ectópico. (Figura 3)
A cintigrafia da tiróide com 99mTcpertecnetato mostrou um foco de hiperfixação na base da língua compatível com
tiróide ectópica (sublingual). (Figura 4)
O estudo realizado demonstrou
tratar-se de tiróide lingual com hipotiroidismo compensado.
Foi instituída terapêutica hormonal
substitutiva com levotiroxina (2 μg/Kg/
dia) e vigilância de sinais de obstrução
respiratória ou digestiva com avaliação
inicial mensal e posteriormente trimestral.
A função tiroideia normalizou em quatro
meses. Encontra-se actualmente controlada com 3.75 μg/Kg/dia de levotiroxina.
Após instituição da terapêutica observouse diminuição da tiróide lingual.
Figura 3 - Ecografia da tiróide.
Figura 4 - Cintigrafia da tiróide.
30
casos clínicos
Até à data não existe evidência de
complicações ou sinais de malignidade
pelo que o tratamento cirúrgico, de momento, não está indicado.
DISCUSSÃO
A tiroide lingual apresenta-se, habitualmente como uma massa nodular com
menos de 1cm de diâmetro na base da
língua mas pode atingir dimensões superiores a 4x8cm. A sua superficie é habitualmente lisa e vascularizada(1,2).
Na maioria dos casos os doentes
estão assintomáticos sendo a tiróide lingual diagnosticada na observação de rotina da orofaringe ou no contexto de uma
infecção respiratória. Todavia, pode manifestar-se por hipotiroidismo sintomático
ou, em massas de maiores dimensões
ocorrer dispneia, disfagia, hemorragia ou
mimetizar um tumor lingual.
No caso descrito o diagnóstico foi
efectuado numa idade mais precoce do
que está relatado na literatura. Eventualmente, o quadro infeccioso terá conduzido ao aumento da glândula tiroideia de
forma a compensar a necessidade aumentada de tireoglobulina.
A idade de diagnóstico, descrita
na literatura, situa-se após os 6 anos
de idade, sendo maioria dos doentes
diagnosticados durante a puberdade ou
gravidez(3,4). Pensa-se que tal se deve ao
aumento das necessidades fisiológicas
de hormona tiroideia durante estes períodos, que, por sua vez, conduz a um
aumento da glândula podendo causar
sintomatologia obstrutiva. A necessidade
de aumento da produção de hormonas
tiroideias também pode ocorrer em quadros infecciosos ou traumáticos.
Raramente o hipotiroidismo está
presente ao nascimento, não sendo portanto evidente no rastreio precoce (teste
de Ghuthrie) e, em alguns casos nunca
se chega a estabelecer, pelo que, muitas
vezes não é feito o diagnóstico(3). No entanto, 70% dos doentes com tiroide lingual apresentam sinais de hipotiroidismo
e 10% sofrem de cretinismo(1,2).
Em 70-80% dos casos o tecido tiroideu lingual é o único presente no organismo(1-3).
Estão descritos alguns casos de
transformação maligna, maioritariamente
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
carcinoma papilar da tiroide(1,2), mas também folicular e de células escamosas(3),
habitualmente na idade adulta, pelo que
a vigilância clínica seriada é muito importante.
Para o estudo desta patologia a
cintigrafia com Tecnesium 99m pertechnetate ou 131I é o exame complementar
indicado como complemento da observação clínica(3).
Relativamente ao tratamento, não
existe consenso, devido ao reduzido número de casos descritos. Em doentes assintomáticos a terapêutica recomendada
é o tratamento com levotiroxina(1,2) que
conduz à supressão da TSH e consequente remoção do estímulo para crescimento do tecido tiroideu(1,2). Este facto foi
verificado no nosso caso, com diminuição
da massa lingual.
Este tratamento conduz também à
normalização da função tiroideia e em
indivíduos eutiroideus evita o desenvolvimento de hipotiroidismo com aumento da
massa glandular(1,2). Pensa-se que possa
evitar a transformação maligna deste tecido(3).
A remoção cirúrgica fica reservada para casos de apresentação grave
com sintomas obstrutivos respiratórios
ou digestivos, hemorragia incontrolável,
transformação maligna ou situações em
que a terapia supressora não está a ser
efectiva na redução do crescimento da
massa(1,3). A transplantação de tecido tiroideu lingual para a sua localização habitual tem sido tentada em alguns casos
como alternativa ao tratamento hormonal
substitutivo(3).
O tratamento com iodo radioactivo
(131I) pode ser uma alternativa ao tratamento cirúrgico principalmente em doentes com risco cirúrgico ou que recusem a
cirurgia(1-3). Este tratamento está descrito
em idade tão precoce como um ano de
idade(5), mas deve ser precedido por uma
cintigrafia tiroideia em virtude de a iodoradioterapia poder destruir tecido tiroideu
concomitante, na sua localização cervical
correcta. Nestes casos a cirurgia será a
primeira escolha terapêutica, na presença de sintomas graves.
COMENTÁRIOS OU CONCLUSÕES
Os autores decidiram apresentar
este caso clínico pela idade precoce de
diagnóstico e sucesso do tratamento médico instituído. A terapêutica substitutiva
corrigiu o hipotiroidismo e contribui para
uma redução do tecido tiroideu. No entanto, não se exclui a eventual necessidade de intervenção cirúrgica ou tratamento
com iodoradiactivo no caso de hemorragia ou transformação maligna.
Os autores salientam que os doentes com tiróide lingual devem ser objecto
de um seguimento seriado de forma a
detectar alterações precoces da função
tiroideia, sintomas compressivos e/ou
transformação maligna.
ERYTHEMATOUS TONGUE MASS:
WHAT ETIOLOGY?
ABSTRACT
The lingual thyroid is a rare clinical
entity, which results from the ectopic location of thyroid gland tissue due to the
absence of embryonic migration of the
thyroid gland from the foramen caecum
to the final pretracheal position. Usually
asymptomatic, it can be detected during
routine oral examination or in the context
of infection of the upper airways. It can
also present as dysphagia, dyspnea, dysphonia, cough, hemorrhage or hypothyroidism.
The authors present the clinical case
of a three-year old girl, without pathological relevant past medical history, who had
a progressive irritating cough and accesses of laryngeal cough.
In the oral cavity, an erythematous
mass was visualized; it was located in
the middle line of the subsequent third
of the tongue. The subsequent studies
demonstrated a lingual thyroid associated
with an analytical compensated hypothyroidism.
The authors point out the need of a
clinical and analytical vigilance of this situation because of the risk of appearance
of respiratory or digestive serious symptoms and/or hypothyroidism. The surgery
with removal of the mass is a therapeutic
option in the case of respiratory or digestive serious symptoms or malignant transformation.
Keys-words: lingual thyroid, diagnosis, treatment.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 29-31
BIBLIOGRAFIA
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CORRESPONDÊNCIA
Patrícia Santos
ULS Matosinhos
Hospital Pedro Hispano
Departamento de Pediatria
Rua Dr. Eduardo Torres
4454-509 Matosinhos
Tel: 22939100
Fax: 2293991654
E-mail: [email protected]
casos clínicos
31
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Vómitos e cefaleias... nem tudo o que parece é...
Andreia Leitão1, Sofia Paupério1, Ângela Melo e Sousa1, José Guimarães Dinis1,
Sara Figueiredo1, Maria do Bom Sucesso1, Álvaro Sousa1
RESUMO
Os vómitos e defaleias são queixas
frequentes na infância.
Apresentamos um caso de um rapaz de 9 anos de idade com quadro de
vómitos e cefaleias, cuja investigação
diagnóstica levou ao achado de astrocitoma cerebeloso.
Os astrocitomas pilocíticos são tumores de bom prognóstico. Quando se
localizam em regiões onde é possível a
sua ressecção completa, geralmente são
curáveis. Os autiores salientam a importância da anamnese no estabelecimento
do diagnostico e a necessidade de seguimento posterior.
Palavras-chave: astrocitoma; vómitos; cefaleias; crianças
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 32-35
INTRODUÇÃO
As cefaleias associadas a vómitos incoercíveis são queixas comuns em crianças e adolescentes. A colheita cuidadosa
da história clínica, sobretudo a duração e
características das cefaleias, é importante
para a sua valorização e avaliação.
Os tumores cerebrais representam
cerca de 20% das neoplasias da criança.
O astrocitoma pilocítico é a neoplasia cerebelosa mais comum em idade pediátrica e o mais comum glioma
pediátrico, constituindo 85% de todos
os astrocitomas cerebelosos e 10% de
todos os astrocitomas cerebrais neste
grupo. Na totalidade, constitui 0.6-5.1%
das neoplasias intracranianas e 1.7-7%
dos tumores gliais.
__________
1
Serviço de Pediatria – Centro Hospitalar do
Médio Ave – Unidade de Santo Tirso
32
casos clínicos
CASO CLÍNICO
Criança do sexo masculino, 9 anos
de idade, raça caucasiana, natural e residente em Santo Tirso, filho único de pais
não consanguíneos. Recorreu ao Serviço
de Urgência, por vómitos incoercíveis e
cefaleias.
Dos antecedentes pessoais, apenas
a referir, dislexia e rinite alérgica.
Os antecedentes familiares incluiam
história de cancro da mama da tia materna e cancro do colo do útero da avó materna.
Apresentava cefaleias frontais não
pulsáteis, diárias, de predomínio vespertino e que o despertavam de noite, referindo alívio parcial com paracetamol e agravamento em posição ortostática, com 3
meses de evolução. Houve agravamento
gradual da intensidade e frequência. Às
cefaleias associaram-se vómitos, inicialmente um episódio diário, posteriormente
vómitos incoercíveis 24 horas antes do
internamento. Sem foto ou fonofobia,
desequilíbrio ou vertigens. Sem febre,
alteração do trânsito intestinal ou clínica
respiratória. Ao exame objectivo, à admissão: razoável estado geral, queixoso.
Olhos encovados. Apirético, normotenso.
Exame neurológico sumário sem alterações relevantes, nomeadamente sem
ataxia e sem sinais meníngeos. Restante
exame físico sem alterações.
As hipóteses de diagnóstico colocadas, foram: lesão ocupante de espaço;
sinusite; enxaqueca.
Os exames complementares de
diagnóstico pedidos, mediante as hipóteses de diagnóstico, foram: tomografia
computorizada cranio-encefálica (TC
CE); perfil analítico básico sem alterações. A TC CE revelou lesão quística cerebelosa esquerda sugestiva de astrocitoma (Figura 1). Referenciámos a criança
ao Instituto Português de Oncologia do
Porto (IPO). A ressonância magnética
crânio-encefálica (RM CE) aí efectuada
mostrou: volumosa lesão quística no hemisfério cerebeloso esquerdo, tendo pequeno nódulo mural, correspondendendo
a provável astrocitoma quístico pilocítico
(Figura 2).
A abordagem terapêutica incluiu
analgesia, corticoterapia, fluidoterapia ev
e ressecção cirúrgica, sem terapêuticas
co-adjuvantes. O exame anatomo-patológico da peça operatória revelou astrocitoma grau I. As figuras 3 e 4 ilustram
as imagens de RM CE no período pósoperatório.
A evolução clínica foi boa, ficando a
criança assintomática.
DISCUSSÃO
Os tumores cerebrais constituem
aproximadamente 20% de todas as neoplasias da infância, sendo a leucemia
linfoblástica aguda a mais frequente.
O astrocitoma é o tumor cerebral mais
comum, constituindo mais de 50% das
neoplasias do sistema nervoso central.
Vários estudos revelam que a incidência
anual deste tumor é cerca de 14 novos
casos por milhão de crianças e adolescentes com idade inferior a 15 anos. Muitos casos ocorrem na 1ª década de vida,
com um pico aos 5-9 anos de idade (1) .
Os astrocitomas formam uma enorme variedade de neoplasias, diferindo na
sua localização no sistema nervoso central, potencial de crescimento, extensão
de invasão, características morfológicas,
tendência para progressão e curso clínico. Podem distinguir-se as seguintes
entidades clinicopatológicas: astrocitoma
pilocítico (Organização Mundial de Saúde
– OMS, grau I), astrocitoma difuso (OMS,
grau II), astrocitoma anaplásico (OMS,
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Figura 1 - Imagens da TC CE, revelando volumosa lesão quística do hemisfério cerebeloso esquerdo
e sinais de marcada dilatação ventricular, traduzindo hidrocefalia
casos clínicos
33
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
grau III), e glioblastoma multiforme (OMS,
grau IV)(1). Destes, o astrocitoma pilocítico
é a neoplasia do sistema glial mais comum
em idade pediátrica e o mais comum tumor cerebeloso pediátrico. Este tumor tem
um comportamento biológico notavelmente benigno, o que se traduz numa elevada
taxa de sobrevivência – 94% aos 10 anos
(2)
. O cerebelo, nervo óptico e quiasma e
região hipotalâmica são as suas mais comuns localizações, embora possa também
ser encontrado nos hemisférios cerebrais,
ventrículos e espinal medula.
Originalmente identificado numa série
de 76 casos de astrocitomas cerebelosos
por Harvey Cushing em 1931, o astrocitoma pilocítico ocupa um lugar único entre as
neoplasias cerebrais (3) . De facto, apesar
de mostrar um comportamento benigno, há
alguns factos contraditórios acerca deste
tumor. Parece bem circunscrito, contudo
ocasionalmente, infiltra o tecido cerebral
contíguo, como se pode ver no exame
histológico. Em casos raros, pode mesmo
causar disseminação, o que é incongruente com um tumor de crescimento lento e
características histológicas pouco agressivas. Ainda mais fascinante, tal propagação
metastática pode ocorrer sem aumento as-
sociado da mortalidade, em contraste com
o mau prognóstico tão comum em tumores
metastáticos de alto grau de malignidade.
Dadas estas contradições, pode caracterizar-se o astrocitoma pilocítico como “ o
tumor que é a excepção à regra”(1) . Só muito raramente, este tumor pode sofrer uma
transformação maligna com um aspecto
histológico agressivo; tal tumor é anaplásico. Apesar de estarem relatados na literatura casos fatais, este evento não acarreta
necessariamente um prognóstico menos
favorável (4,5) . Muitos casos de transformação maligna ocorreram após radioterapia,
levando à especulação de que a irradiação
seria um factor contribuinte no desenvolvimento da malignização (6) .
A apresentação clínica do astrocitoma pilocítico varia com a sua localização.
Cefaleias, vómitos, ataxia, alterações da
visão, diplopia e cervicalgia são sintomas
comuns nos doentes com astrocitoma pilocítico cerebeloso (7-9) .
Imagiologicamente, na tomografia
computorizada (TC), muitos astrocitomas
pilocíticos cerebelosos e cerebrais têm
uma aparência bem demarcada, com
uma forma redonda ou oval, com uma
dimensão inferior a 4 cm, podem ter as-
pectos quísticos, margens bem definidas
e ocasionais calcificações (5,10,11) . Noventa e quatro por cento destes tumores
evidenciam-se, tipicamente de forma intensa, após a administração de contraste (11) . Existe uma imagem clássica em
cortes imagiológicos transversais, que é
de uma massa quística com um nódulo
mural. Na ressonância magnética (RM),
o astrocitoma pilocítico é tipicamente
isointenso a hipointenso relativamente ao
tecido cerebral normal em T1 e hiperintenso em T2 (10) . Tal como esperado para
um tumor de baixa actividade biológica, o
grau de edema vasogénico circundante é
menor, comparativamente às neoplasias
gliais de alto grau (5) .
Tal como as suas manifestações clínicas variam de acordo com as diferentes
localizações, a terapêutica deste tumor
também pode variar com a sua localização. A ressecção cirúrgica dos astrocitomas pilocíticos cerebelosos e cerebrais é
considerada a terapêutica de eleição e é
geralmente curativa, quando uma ressecção total é obtida.(7, 9, 12 - 18) .
Para lesões de localização menos
favorável (gânglios da base), a ressecção
estereotácica pode ser usada (19) .
A radioterapia deve ser estritamente
evitada, devido aos riscos de significativa
morbilidade em crianças com menos de
5 anos de idade e ausência de evidência
clínica de que impeça a recorrência do
astrocitoma (17,18) .
Figura 2 - Imagem de RM CE (ponderação
T1, corte coronal), revelando volumosa lesão quística no hemisfério cerebeloso esquerdo, tendo nódulo mural, provavelmente
correspondente a astrocitoma quístico pilocítico
Figura 3 - Imagem RM CE (T1, corte axial),
no período pós-operatório. Evidencia-se
loca cirúrgica no hemisfério cerebeloso esquerdo, observando-se um minúsculo foco,
que se realça com o gadolíneo, de significado impreciso
Figura 4 – Imagem RM CE (corte sagital,
T1) no período pós-operatório, evidenciando-se loca cirúrgica
34
casos clínicos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
De um modo geral, o prognóstico é
excelente, com uma taxa de sobrevivência de 94% aos 10 anos e de 79% aos
20 anos, contrastando com o prognóstico mais reservado do astrocitoma difuso.
Para além do comportamento biológico
benigno, outros factores influenciam um
prognóstico favorável. O aumento da taxa
de sobrevivência aos 10 anos ( cerca de
90% após 1970 com cerca de 70% antes
de 1970) foi atribuída à melhoria das técnicas neurocirúrgicas e equipamento (20) .
Pylocitic astrocytomas are tumors
with good prognosis. When located in regions that allow complete resection they
can be cured. We emphasize the importance of a thorough anamnesis for a correct diagnosis and the need for follow-up.
Key-words: astrocytoma; vomiting;
headache; children
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 32-35
BIBLIOGRAFIA
CONCLUSÃO
As cefaleias associadas a vómitos
incoercíveis constituem um quadro clínico frequente em crianças e adolescentes.
Apesar disso é necessário colher cuidadosamente a história clínica, pesquisando, nomeadamente a duração da cefaleia
e as suas características e realizando
exame neurológico.
O nosso doente tinha óptimo estado geral e à primeira vista, pareceria um
quadro de vómitos incoercíveis comum.
No entanto, quando revimos a história da
doença actual, verificámos que se tratava de um quadro arrastado com três meses, com agravamento progressivo das
cefaleias, seguindo-se o aparecimento
de vómitos. Desde logo se deu o alerta
para a possibilidade de uma lesão ocupante de espaço intracraniana e assim
avançámos de imediato para investigação imagiológica, que confirmou a nossa
hipótese diagnóstica.
Os autores descrevem este caso clínico pelo interesse da anamnese cuidada
que levou à terapêutica atempada, consequentemente com um bom prognóstico.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
HEADACHES AND VOMITING: WHAT
IS UNDERNEATH?
ABSTRACT
Headaches and vomiting are frequent complaints in childhood.
The authors report a case of a 9
year old boy presenting incoercible vomiting and headache. The clinical evolution
and diagnostic investigations revealed a
cerebellar astrocytoma.
8.
9.
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casos clínicos
35
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Pseudoxantoma elástico – Caso clínico
Cecília Martins1, Vinhas da Silva1, Inês Leite2, Eduarda Osório Ferreira2, Jorge Romariz1
RESUMO
Pseudoxantoma elástico é uma
doença genética rara que se caracteriza pela progressiva calcificação e
fragmentação das fibras elásticas da
pele, retina e sistema cardiovascular.
Os pacientes apresentam lesões cutâneas típicas e as manifestações extracutâneas aparecem posteriormente. O
diagnóstico baseia-se na clínica, histologia e genética.
Os autores apresentam o caso
de um rapaz de 8 anos que refere
aparecimento de pápulas alaranjadas,
confluindo em placas de consistência
elástica, de limites imprecisos, inicialmente limitadas à região cervical e estendendo-se posteriormente às regiões
axilares. Realizou biopsia de pele que
confirmou a suspeita clínica de pseudoxantoma elástico. Efectuou estudo
analítico, electrocardiograma, ecocardiograma, eco-Doppler das carótidas e
aorto-ilíacas, retinograma e potenciais
evocados visuais que foram normais.
Houve expansão das lesões para as
regiões inguinais, não apresentando
quaisquer queixas sistémicas.
A raridade desta doença leva ao
diagnóstico tardio. Sendo as complicações frequentes, é importante o diagnóstico atempado para instituir medidas profiláticas, evitando sequelas.
Palavras-chave: Criança, Pseudoxantoma elástico, gene ABCC6
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 36-39
__________
1
2
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de
V.N.Gaia - Espinho/EPE
Serviço de Dermatologia do Centro Hospitalar de V.N.Gaia - Espinho/EPE
36
casos clínicos
INTRODUÇÃO
Pseudoxantoma elástico (PE) é
uma doença genética rara que apresenta uma hereditariedade autossómica recessiva(1,2). Tem uma prevalência estimada de 1:25000 a 1:100000
habitantes(3,4). Está descrita em todas
as raças e a sua incidência é superior
no sexo feminino, aproximadamente
2:1(3,4). O PE deve-se a mutações no
gene ABCC6 (ATP-binding cassette
transporter C6), mapeado no cromossoma 16(3,5-7). Esta patologia caracteriza-se pela progressiva calcificação
e fragmentação das fibras elásticas
da pele, retina (membrana de Bruch)
e sistema cardiovascular(5,8). As manifestações clínicas são muito variáveis
e podem ter início em qualquer idade,
desde a infância até à idade adulta,
sendo o pico de incidência na adolescência(3,5). No início do quadro as
queixas são habitualmente cutâneas:
manchas e/ou pápulas amarelo-alaranjadas, assintomáticas, quase sempre nas regiões cervicais laterais com
posterior extensão das lesões para a
região cervical posterior, axilas, regiões
inguinais, poplíteas e peri-umbilical(3,9).
As manifestações extra-cutâneas incluem envolvimento das mucosas, com
hemorragias gastro-intestinais frequentes (melena, sangue oculto nas fezes,
hematemeses)(5). Com a progressão
da doença é frequente o envolvimento
cardíaco com angina pectoris e hipertensão arterial(8,9). O atingimento ocular
leva ao aparecimento de estrias angióides na membrana de Bruch e assim, a
hemorragias retinianas, comuns a partir da quarta década de vida, podendo
provocar perda de visão central(3). Há
outras manifestações, possíveis mas
mais raras, como hematúria, hemorra-
gia pulmonar ou cerebral e insuficiência
arterial periférica com claudicação(5,10).
A causa mais frequente de morbilidade
e incapacidade nos doentes com PE é
a redução da capacidade de visão.
O diagnóstico baseia-se em aspectos clínicos, uma vez que as lesões
são muito características, mas também
na histologia e no estudo genético(3,11).
O tratamento não é curativo, mas
as medidas profiláticas podem minimizar as complicações retinianas e
cardiovasculares(3,8). O prognóstico é
portanto variável, dependendo dos órgãos afectados e do grau do seu atingimento. A maioria dos doentes tem uma
sobrevida normal.
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam o caso clínico de uma criança do sexo masculino
com oito anos que foi orientado para a
consulta de pediatria por aparecimento
de manchas amareladas irregulares na
região cervical lateral.
A criança estava a ser seguida
na consulta de Imunoalergologia Pediátrica desde os três anos, por asma
e rinite alérgicas intermitentes. Estava
medicada com salbutamol, budesonido
e desloratadina nas agudizações. Não
apresentava outros antecedentes patológicos de relevo. A história familiar
revelou que o pai tem sinusite e colite
ulcerosa e uma prima paterna tem doença de Chron, não apresentando outros antecedentes de importância.
Aos oito anos, na consulta, refere
manchas amareladas de forma irregular e crescimento indolente, acompanhadas de prurido intermitente, nas
regiões cervicais laterais, com cerca
de três meses de evolução. Já tinha
sido medicado, pelo médico assistente,
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
com anti-fúngicos e corticóides tópicos,
bem como emolientes, não manifestando qualquer melhoria. Não referia
qualquer outra queixa. Ao exame físico apresentava bom estado geral, com
boa hidratação e coloração da pele e
mucosas e a tensão arterial era normal. Apresentava placas amareladas,
rugosas, irregulares que se localizavam na região cervical lateral de forma
simétrica (Figura 1). Não apresentava
dor ou desconforto com a palpação das
manchas e não havia sinais inflamatórios circundantes. O restante exame
objectivo completo não mostrou alterações. Dado o tipo de manchas foi
orientado para a consulta de Dermatologia. Nessa consulta realizou biopsia
de pele, cujo exame histológico revelou: “…a presença de fibras anfófilas,
encurtadas, espessadas e de aspecto
ondulado. A coloração pelo método de
Von Kossa revelou a presença de sais
de cálcio depositadas nas fibras elásticas …compatível com pseudoxantoma
elástico…”. Na sequência da investigação foram efectuados hemograma,
bioquímica geral com perfil lipídico e
equilíbrio fósforo-cálcio e sedimento
urinário, electrocardiograma e ecocardiograma, eco-doppler das carótidas e
aorto-ilíacas, retinograma e potenciais
evocados visuais, os quais foram normais e/ou não revelaram alterações
relevantes.
Durante o seu seguimento foi sendo evidente uma expansão gradual das
lesões com aparecimento das mesmas
nas regiões axilares (Figura 2), cervical
posterior, inguinais e raiz das coxas.
Mantém-se actualmente sem qualquer
queixa sistémica. Foi também orienta-
Figura 1- Aspecto das lesões iniciais, na região
cervical
(Fotografia autorizada pelos pais)
do para a consulta de Nutrição, tendolhe sido prescrita uma dieta pobre em
lípidos.
DISCUSSÃO
O PE é uma doença rara e, apesar de pouco comum, acredita-se que a
sua frequência poderá estar subestimada. Ao longo do tempo, casos recentes
pareciam apontar uma hereditariedade
dominante ou recessiva(5,8), no entanto,
estudos mais recentes parecem determinar, definitivamente, um padrão exclusivamente recessivo(2). Há, todavia,
autores que admitem a existência de
formas esporádicas(7,12). O gene responsável por esta patologia é o ABCC6
(ATP-binding cassette transporter C6),
também denominado MRP6 (Multidrug
Resistance- Associated Protein 6). São
conhecidas mais de cem mutações e
Figura 2- Aspecto das lesões típicas, na axila
(Fotografia autorizada pelos pais)
casos clínicos
37
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
para que a doença se manifeste é necessária homozigotia para a mesma
mutação, heterozigotia para mutações
diferentes ou heterozigotia alélica composta para o haplótipo segregado(2,13).
As mutações mais frequentes nas
populações da Europa, América do
Norte e África do Sul são: c.3421C>T
(p.R1141X) no exon 24 e deleção Alumediada das sequências entre o exon
23 e 29 (ex23_ex29del)(14).
O gene ABCC6 codifica a proteína ABCC6 que pertence à família
de transportadores transmembrana
dependentes de ATP. Esta proteína é
composta por 1503 amino-ácidos, três
segmentos transmembrana, consistindo em 17 hélices hidrofóbicas e dois
domínios de ligação a nucleotídeos
(NBD1 e NBD2(15,16).
Esta proteína expressa-se, fundamentalmente, no fígado e rins e numa
menor extensão, nos tecidos afectados
no PE. O substrato fisiológico ainda
não está determinado embora se considere actualmente uma doença metabólica(3,13). Esta hipótese baseia-se na
convicção de que o PE se deve a moléculas circulantes, ainda por determinar,
que interagem com a síntese, turnover
e manutenção das fibras elásticas(13).
As mutações genéticas levam a um
transporte transmembrana reduzido ou
mesmo ausente provocando acumulação de substrato e calcificação das
fibras elásticas(17). Dada a riqueza em
fibras elásticas da pele, retina e sistema cardiovascular, estes são essencialmente os tecidos afectados(3,5,8, 17).
Apesar de ser quase constante
a manifestação cutânea com máculas
ou pápulas amarelo-alaranjadas na região cervical lateral, a clínica é muito
variável. Uma vez que os pacientes
não valorizam habitualmente as lesões
cutâneas, o facto de as manifestações
extra-cutâneas aparecerem, geralmente, mais tarde, leva a que o diagnóstico
seja feito apenas na idade adulta por
complicações da própria doença(3, 18).
A doença pode manifestar-se em
qualquer idade. No caso apresentado, as lesões dérmicas características
apareceram aos oito anos e levantaram a suspeita diagnóstica. Após a
38
casos clínicos
biopsia de pele, o estudo histológico
revelou os achados típicos de calcificação e fragmentação das fibras elásticas, fazendo o diagnóstico definitivo.
Dado a associação de critérios clínicos
e histológicos, não foi pedido estudo
genético molecular. Apesar da precocidade do diagnóstico e da inexistência
de quaisquer queixas sistémicas, foi
pedida colaboração de diferentes especialidades, a qual, após realização
de exames complementares de diagnóstico específicos confirmou a ausência de envolvimento da retina, coração e sistema cardiovascular a nível
dos membros inferiores e da aorta; por
outro lado, esta vigilância apertada assegura uma actuação mais atempada
no caso de aparecerem complicações.
Apesar de muito jovem e para minimizar as sequelas habituais desta patologia está sob dieta pobre em lípidos,
numa tentativa de prevenir a ateroesclerose. Mais tarde, já na idade adulta
deverá evitar também uma dieta rica
em cálcio. Relativamente ao tratamento dermatológico das lesões há várias
possibilidades: excisão cirúrgica ou por
laser, injecções de colagénio ou de gordura autóloga ou mesmo a abstenção
terapêutica(3,8). Em termos oftalmológicos, a hemorragia retiniana é precedida por formação de estrias angióides
na membrana de Bruch sub-retiniana(9).
Esta alteração pode ser confirmada por
angiografia intravenosa de fluoresceína e no caso de ser detectada pode ser
feita coagulação a laser numa tentativa
de minimizar perda de visão(3). Neste caso, dado ser muito jovem, e não
apresentar lesões extra-cutâneas, não
foi submetido a qualquer intervenção.
Foi incentivado a fazer exercício físico
continuado, devendo evitar desportos
de contacto, pelo risco acrescido de
hemorragia retiniana. O tratamento de
outras complicações, quer cardíacas,
gastro-intestinais ou outras são orientadas para o problema em si.
Se esta criança mantiver um acompanhamento multidisciplinar e cumprir
todas as indicações estabelecidas, não
se espera um mau prognóstico.
É possível, actualmente, o aconselhamento genético, que tem papel
importante no rastreio de portadores
e no estabelecimento do diagnóstico
pré-natal, através da pesquisa de mutações do gene ABCC6 nos amniócitos
e/ou vilosidades coriónicas.
CONCLUSÕES
A variabilidade fenotípica e a baixa prevalência do PE levam, muitas
vezes, a diagnósticos tardios. Como
as complicações cardiovasculares e
retinianas são frequentes no decurso
desta patologia é importante fazer o
diagnóstico atempado, instituir medidas profiláticas e fazer uma vigilância
multidisciplinar a longo prazo, para evitar todas as sequelas possíveis.
PSEUDOXANTHOMA ELASTICUM –
CASE REPORT
ABSTRACT
Pseudoxhantoma elasticum is a
rare inherited disorder, characterised
by a progressive mineralization and
fragmentation of elastic fibres of the
skin, retina and cardiovascular system.
The skin exhibits distinctive lesions and
extra-dermal manifestations appear in
advanced age. The diagnosis relies on
clinical manifestations, histology and
genetic analysis.
The authors present a case report
of an eight year old boy complaining of
orange papules in the lateral cervical
regions and axilae, becoming later into
elastic consistence plaques with irregular limits. The skin biopsy demonstrated
pseudoxhantoma elasticum. Analytic
study, electrocardiogram, echocardiogram, carotid and aortal-iliac eco-doppler, retinogram and evocated visual
potentials were normal. There was expansion of cutaneous lesions to inguinal
regions.
The low prevalence of this disease
may be the cause of a late diagnosis.
The authors emphasize the importance
of an early diagnosis to minimize the
complications, which are common in
these cases.
Key-words: Child, Pseudoxanthoma elasticum, ABCC6 gene
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
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CORRESPONDÊNCIA
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Travessa da Rasa 161 Ap. 83, 4400
Vila Nova de Gaia
Telm: 918532812
[email protected]
casos clínicos
39
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Prevalence of malnutrition in pediatric hospital patients
Koen F M Joosten, Jessie M Hulst
Current Opinion in Pediatrics 2008, 20:590–596
Purpose of review: Hospital protein-energy malnutrition and its adverse
consequences were already described
back in 1980. The purpose of this review
is to describe the current prevalence of
malnutrition in hospitalized children and
to describe current risk groups.
Recent findings: Different definitions have been used to describe malnutrition. According to WHO criteria, the
SD score with a cutoff of less than -2
COMENTÁRIOS
A escolha deste artigo prendeu-se
com o facto de se debruçar sobre um
tema transversal e de elevada prevalência, em todas as áreas da prática
clínica pediátrica.
Apesar da malnutrição ser comum
entre crianças e adolescentes hospitalizados, não é muitas vezes reconhecida e por isso, também não tratada.
Embora o tempo médio de permanência no hospital para a grande maioria
das crianças e adolescentes seja de
poucos dias, nos doentes crónicos ou
com problemas subjacentes esse tempo pode ser consideravelmente maior.
Em qualquer dos casos, a atenção do
clínico está muitas vezes focalizada no
problema médico primário.
De facto, conforme este artigo evidencia, a prevalência registada da malnutrição nos doentes hospitalares pediátricos é elevada e, apesar de grandes
avanços na qualidade dos cuidados
assistenciais prestados, a sua prevalência não tem vindo a diminuir nas
últimas uma, duas décadas. Assim, trabalhos provenientes de vários países
da Europa e USA, e publicados desde
há três décadas, apontam para prevalências da ordem dos 20-30% de mal-
40
artigo recomendado
should be used to define malnutrition
and to compare prevalence data. Using
the SD score for weight for height or
equivalent criteria, the prevalence of
acute malnutrition over the last 10 years in hospitalized children in Germany,
France, the UK and the USA varied between 6.1 and 14%, whereas in Turkey
up to 32% of patients with malnutrition
were reported. Acute malnutrition is still
highly prevalent in children with an un-
nutrição aguda, em que 6.1 a 14% correspondem a estadios de malnutrição
moderada a grave, em populações pediátricas hospitalizadas(1-4); noutros países, esta prevalência chega a atingir a
faixa entre 30-40%(5). Também taxas de
prevalência de malnutrição ainda muito
mais elevadas têm sido publicadas em
crianças e adolescentes hospitalizadas
com patologias subjacentes como cardiopatias, fibrose cística, patologias do
foro cirúrgico, doentes em estado crítico (Unidades de Cuidados Intensivos),
doenças neurológicas, nefropatias, entre outras. Mais uma vez, e apesar das
grandes melhorias dos cuidados que,
por exemplo na fibrose quística permitiu uma redução significativa do estado
de malnutrição, noutras, como a doença renal crónica, as cardiopatias, a doença inflamatória intestinal e a SIDA, a
sua prevalência persiste elevada, possivelmente devido ao estado inerente e
sustentado de inflamação crónica.
Ainda nesta década, um relatório
elaborado por peritos do Conselho da
Europa trouxe a público o reconhecimento da existência de défices major
nos cuidados nutricionais nos Hospitais Europeus, diligenciando recomendações no sentido de melhorar a situ-
derlying disease; however, the prevalence rate seems lower in children with
cystic fibrosis and malignancies.
Summary: The prevalence of
acute malnutrition of children admitted
to hospital is still considerably high, but
there is a scarcity of data concerning
the nutritional status during hospital
admission. Screening tools to identify
children at risk of developing malnutrition might be helpful.
ação, que incluíram a implementação
de Equipas de Suporte Nutricional(6).
Posteriormente, o comité de Nutrição
da ESPGHAN publicou, sob a forma
de Medical Position Paper, sugestões
para a implementação dessas equipas
em unidades pediátricas(7).
O organismo é, em certo sentido, o
produto da sua própria nutrição que se
entende como sendo o processo pelo
qual o ser vivo digere os alimentos, utiliza a energia e incorpora os nutrientes,
para manter as suas funções vitais básicas e reparar as suas estruturas.
O crescimento, considerado o fenómeno biológico básico da infância,
pode dizer-se que é uma aposição de
nutrientes, e portanto as crianças e
adolescentes uma vez tendo elevadas
necessidades energéticas por unidade
de massa corporal e reservas energéticas limitadas comparativamente aos
adultos, estarão em risco particularmente elevado para malnutrição.
A malnutrição representa um espectro clínico contínuo que se inicia
com um aporte inadequado de nutrientes para colmatar as necessidades fisiológicas, seguida de alterações metabólicas e funcionais com diferentes
graus de comprometimento do peso e
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
da composição corporal(7). Neste trabalho, os autores definem malnutrição
como um estado nutricional cuja deficiência ou excesso de energia, proteína,
e outros nutrientes causam efeitos adversos mensuráveis nos tecidos, forma
e função corporais com consequências
clínicas. É muito interessante a referência do excesso porque, neste contexto,
a malnutrição está intrínsecamente conotada com deficiência. De facto, um
artigo publicado muito recentemente(8)
já aborda não só a prevalência da malnutrição mas também a prevalência
do sobrepeso duma população que
é admitida num hospital pediátrico. É
um achado novo que emerge da análise do perfil nutricional de crianças e
adolescentes, neste caso mexicanos,
podendo ser interessante realçar que
provavelmente reflecte a transição
nutricional global das populações hispânicas nas duas últimas décadas. Assim, a análise de populações nativas
e migrantes americanas e outras com
prevalência excepcionalmente elevada
de obesidade e diabetes tipo II como
os Índios Pima, têm em comum uma
história de períodos de ruptura sócioeconómica grave e privação nutricional
num passado não muito longínquo, tendo estas mesmas populações sofrido
transformações muito rápidas e recentes no estilo de vida e padrões dietéticos, pela adopção de hábitos ditos ocidentais. Factores do desenvolvimento
das populações ao longo dos tempos
parecem portanto explicar estas particularidades étnicas, evidenciando a
importância da programação precoce
(fetal e perinatal) e intergeracional do
metabolismo energético(9,10).
Assim, estado nutricional apropriado ou, por contraponto, malnutrição
são conceitos difíceis de definir e avaliar objectivamente. A malnutrição pode
ser aguda, crónica ou mista; a primeira
está mais associada à doença aguda
e portanto com repercussão no peso
(wasting), e a malnutrição crónica está
mais associada à doença crónica de
base que, por ser sustentada, se reper__________
1
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
cute no comprometimento da estatura
(stunting); é claro que a malnutrição
crónica pode ser agudizada pelas intercorrências. De facto, muitas são as
classificações, critérios e pontos de
corte que têm vindo a ser publicados
nas últimas décadas(11) mas, decorrente do exposto, a WHO em 1999 recomendou o uso do peso-para-a-estatura
inferior a 2 desvios-padrão para definir
malnutrição aguda e estatura-para-aidade inferior a 2 desvios-padrão para
definir malnutrição crónica(12).
Muito se tem referido da importância da aplicação de scores pediátricos
de avaliação de risco nutricional na admissão e durante a permanência hospitalar destes doentes, sendo certo que a
sua utilização sistemática possibilitaria
a implementação atempada de suporte
nutricional adequado. No entanto, são
escassos os instrumentos propostos
para rastreio e monitorização do estado
nutricional e para a avaliação de risco
e, os que existem, têm limitações como
falta de validação, sendo complexos
para usar por rotina(13,14).
A importância dada a este tema
tem sido crescente, porque tem cabimento em estratégias de medicina preventiva, numa tentativa de optimizar o
pleno desenvolvimento das populações
pediátricas, mas também por mostrar a
necessidade da existência de planos
assistenciais multidisciplinares de patologias crónicas e debilitantes, que
permitirão sobrevidas cada vez mais
longas com novas exigências e novos problemas. A profilaxia nutricional,
isto é, a actuação na idade pediátrica
corrigindo hábitos inadequados e potenciando benefícios de normas dietéticas instituídas muito precocemente,
permite diminuir a morbilidade e a mortalidade da população relativamente a
patologias como a obesidade, doença
cardiovascular, diabetes, osteoporose,
cáries dentárias, e algumas neoplasias,
entre outras.
Merece especial atenção a actual
diferenciação crescente dos cuidados
de saúde prestados à criança em si-
tuações de urgência e/ou emergência
clínicas médicas e cirúrgicas, estas
também colocando novos problemas
e exigências nas Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos,
que necessitam de preparação médica
específica e qualificada, nomeadamente no que concerne ao suporte nutricional. De facto, será concerteza neste
contexto que factores comuns a outros
níveis de cuidados hospitalares como a
insuficiente e não contabilizada densidade proteico-energética do aporte alimentar, os jejum prolongados impostos
por exames, os abusos de fluidoterapia
não calórica e a inflexibilidade dos horários características das refeições pouco
adaptados às particularidades de cada
doente, são mais significativos15.
Pelo exposto, parece prioritário a
implementação de equipas de suporte
nutricional nos cuidados hospitalares,
sobretudo de hospitais diferenciados,
que desenvolvam um trabalho multidisciplinar bem organizado e de cooperação. Vários autores têm vindo a demonstrar a boa relação custo/benefício
destas equipas16.
A muito elevada prevalência de
malnutrição entre crianças e adolescentes admitidos no hospital é considerada intolerável, dadas as consequências adversas na sua saúde e bem
estar a curto e a longo prazos, muitas
vezes substimadas.
Estratégias de avaliação de risco
sistemática e implementação de suporte nutricional especializado são aspectos essenciais e urgentes na abordagem clínica da criança e do adolescente admitidos nos hospitais.
Helena Ferreira Mansilha1
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Blood Pressure Responses to Psychosocial Stress in Young Adults With
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Riikka Pyhala, MA, Katri Raikkonen, Kimmo Feldt, Sture Andersson,
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ABSTRACT
Young adults born prematurely with
very low birth weight (≤1500g) have higher blood pressure than to their counterparts born at term. We tested whether
they also have higher blood pressure
reactivity to psychosocial stress, witch
may be a more-specific predictor of
long-term cardiovascular morbidity. Systolic and diastolic blood pressure levels
of 44 very low bird weight adults (mean
COMENTÁRIOS
Os autores começam por referir que
já se sabia que adultos nascidos muito
prematuramente têm um risco mais elevado de sofrer de hipertensão arterial. O
que não se sabia e se passou a saber, é
que antes de terem hipertensão arterial
sustentada, já a vão tendo em situações
de stress, vendo assim facilitado o desenvolvimento de hipertensão sustentada e
a consequente aterosclerose. A prova
de stress (Trier Social Stress Test), que
dizem ser amplamente usada e devidamente estandardizada, consiste em falar
em público durante 5 minutos e outros 5
minutos de cálculo mental aritmético perante dois observadores que, à parte as
instruções para realizar a prova, evitam
comunicar verbalmente ou não, com o
paciente. O resultado, como já vimos, foi
um aumento da tensão arterial, particularmente da diastólica. Como explicação
para este facto, os autores sugerem que
a prematuridade ocasione alterações a
nível do sistema nervoso autónomo e no
eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal.
Este trabalho acrescenta conhecimentos ao recente, e cada vez mais opor-
age: 23.1 years; SD: 2.3 years) and 37
control subjects ( mean age: 23.6 years;
SD: 2.0 Years) were measured through
non-invasive finger photoplesthymography during a standardized psychosocial
stress challenge ( Trier Social Stress
Test). Baseline and task values and their
difference (ie, reactivity) served as outcome variables. In comparison with the
control group, the very low birth weight
group had 7.9 mmHg higher diastolic
blood pressure during the task and 4.8
tuno, capítulo da pediatria, que é a origem
fetal de doenças do adulto. O objectivo
último do pediatra é “entregar” ao médico
do adulto um recém-adulto o mais saudável possível, para que venha a ter uma
vida longa, produtiva e saudável. Ora o
pediatra pode entregar ao colega que vai
ser médico do seu ex-paciente, um adulto
“armadilhado”, isto é, aparentemente sem
doenças, mas que serão certas ou, pelo
menos, mais prováveis, anos mais tarde.
Ora se a pediatria conseguir detectar estas “armadilhas”, poderá transmitir ao médico de adulto este conhecimento, o qual
pode continuar ou iniciar atempadamente
as medidas preventivas da futura doença
e monitorizar o seu desenvolvimento. É a
teoria da programação fetal, proposta por
Barker, e que já foi aflorada em anterior
artigo recomendado(1). Uma elegante revisão desta interessante temática foi feita
recentemente por Videira Amaral(2).
Vejamos algumas consequências
da restrição do crescimento intra-uterino
e da prematuridade.
Está cada vez mais demonstrado
que a restrição do crescimento intrauterino se associa ao desenvolvimento
mm Hg higher diastolic reactivity, with
adjustment for gender and age, height,
and BMI at testing. A similar trend was
seen for systolic blood pressure during
the baseline period and the task, but
the group differences were not statistically significant. Our results indicate
that very low birth weight is associated
with elevated blood pressure reactivity
to psychosocial stress and, therefore,
may increase the risk of cardiovascular
morbidity.
ulterior, que na criança, quer no adulto,
a diversos tipos de patologia. Pode estar
na origem da perturbação do défice de
atenção e hiperactividade(3,4). A extrema
prematuridade (22 a 32 semanas) acarreta um maior risco de perturbações do
comportamento pelos 3 anos de vida (5)
e ocasiona um impacto negativo na dinâmica familiar, na idade escolar, o que faz
antever da necessidade de instituição de
medidas sociais para o aliviar (6). Associase também a alterações imunitárias, facilitando consequentemente a infecção(7).
A restrição do crescimento intrauterino conduz a uma probabilidade aumentada de doença vascular coronária e
cerebral, osteoporose, sindroma metabólica e diabetes tipo 2, e a prematuridade,
independente do peso, a resistência à
insulina e intolerância à glicose na prépuberdade, podendo continuar no adulto e ser acompanhada de elevação da
tensão arterial(8). Uma recente revisão
sistemática da relação peso ao nascer e
risco de diabetes tipo 2 sugere fortemente uma relação inversa entre ambos(9). E
havendo atraso do crescimento, quando
lactente, ou um elevado ganho ponderal
artigo recomendado
43
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
na infância, regista-se uma potenciação
destas consequências(10). O baixo peso
ao nascer, resultante de prematuridade
ou de restrição do crescimento, origina
anomalias estruturais e funcionais da árvore vascular, com carácter irreversível,
o que implica uma avaliação contínua
do risco cardiovascular, nomeadamente
avaliações da tensão arterial a iniciar antes dos 3 anos(11).
Para além do baixo peso ao nascer,
são factores de risco para o desenvolvimento precoce de aterosclerose, que se
pode detectar pela espessura da parede
aórtica abdominal através de ecógrafos
de alta resolução, a exposição do feto
a hipercolesterolemia e a macrossomia
devida ao hiperinsulinismo materno.
Destes factores, a hipercolesterolémia é
o alvo onde a prevenção se revela mais
promissora(12). A espessura da camada
íntima das artérias coronárias de recémnascidos com restrição do crescimento,
parece não constituir um factor etiológico
para o desenvolver de um maior risco de
doença coronária no adulto(13).
Uma fonte de ensinamentos sobre
a origem fetal de doenças dos adultos
tem sido o estudo de uma população de
adultos que na sua vida fetal sofreu as
consequências da chamada fome alemã. Este período de extrema penúria alimentar aconteceu na Holanda no último
meio ano da II Guerra Mundial. Destas
gestações resultou um elevado número
de malformações do sistema nervoso
central, incluindo espinha bífida, para
alem de prematuridade e baixo peso. Os
adultos têm riscos acrescidos de doença
coronária, alteração do perfil lipídico e da
tolerância à glucose, esta provavelmente
resultante de anomalias da secreção de
insulina. As mulheres têm mais obesidade abdominal. Para além destas consequências, há ainda preferência por alimentos gordos, o que vêm contribuir para
agravar o perfil aterogénico, directamente
resultante da má nutrição fetal(14).
A administração de corticóides ante
e pós-natal pode contribuir para elevar
os riscos de disfunção cardiovascular e
__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
44
artigo recomendado
hipertensão arterial, apenas aparentes
no adulto, pois na idade escolar ainda se
não fazem notar, como as experiências
animais assim o fazem suspeitar(15).
A importância do tipo de alimentação
materna na prevenção de outro tipo de
doenças parece deduzir-se da constatação que um aporte aumentado de ácidos
gordos poli-insaturados do grupo n-3, na
última fase da gestação, pode ser um importante factor preventivo de asma(16), bem
como a não carência em vitamina D(17).
Fumar durante a gestação é o factor
etiológico mais importante da restrição do
crescimento intra-uterino, cuja etiopatogenia reside na diminuição do transporte de
oxigénio, da insulinémia fetal, do factor de
crescimento semelhante à insulina I e proteína de ligação 3(18). Conduzindo ainda
ao desenvolvimento de hiper-reactividade
brônquica, aumenta o risco de asma no
adulto jovem que por sua vez, se tiver sido
exposto ao fumo passivo na infância, tem
mais probabilidades de vir a ser fumador(19). Fumar durante a gestação aumenta os riscos de sintomatologia psiquiátrica
na adolescência(20) e diminui a prevalência
e duração da amamentação (21).
Não podemos deixar de ter em conta
a importância da microflora intestinal na
prevenção ou na contribuição para a doença. A microflora pode variar conforme o
tipo de parto, a antibioticoterapia nas unidades de cuidados intensivos neo-natais,
condições higiénicas, regime alimentar e
ambiente familiar. Por exemplo, o parto
hospitalar por cesariana originando uma
microflora diferente, poderá contribuir
para o desenvolvimento de asma(22).
Concluindo, devemos procurar na
exposição nutricional, hormonal e tóxica
nos períodos fetal, neo-natal e lactente,
a explicação para o aparecimento de
doenças tanto na criança, mas sobretudo no adulto. Estes conhecimentos reforçam, nomeadamente, a necessidade
de uma boa alimentação materna para
prevenção primária de doenças, não só
enquanto criança, mas também mais tarde, quando adulto, e permitem que se tomem medidas atempadas de prevenção
secundária. Nascer de uma gestação
planeada e vigiada, de parto eutócico e
peso apropriado à idade de gestação é
um imperativo biológico com profundas
implicações para uma vida mais longa
e saudável. Desvendar relações ocultas
e de longa latência entre noxas fetais e
doenças posteriores é um caminho que
se tem vindo a desbravar, permitindo
medidas de prevenção, primárias e secundárias, para uma vida adulta mais
saudável.
Tojal Monteiro1
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artigo recomendado
45
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Association Between Bullying and Psychosomatic
Problems: A Meta-analysis
Gianluca Gini, PhD, Tiziana Pozzoli, MA
Pediatrics 2009;123:1059–1065
Context - In the last few years,
there has been an increasing amount
of research showing the concurrent and
long-term consequences of bullying and
being bullied by peers.
Objective - We performed a meta-analysis to quantify the association
between involvement in bullying and
psychosomatic complaints in the school-aged population.
Methods - We searched online databases (Embase, Medline,
PsychInfo, Scopus) up to March 2008,
COMENTÁRIOS
O bullying, que nesta meta-análise
é definido como uma forma activa de
agressão, perpetrada repetidamente por
um ou mais colegas em relação a outro
mais frágil, é um problema relativamente
comum nas escolas. Este comportamento pode ser físico ou verbal. Cerca de 20
a 30% dos estudantes estão envolvidos
com o bullying, quer como vítimas os
agressores.
Sendo considerado um problema
desviante das relações interpessoais
saudáveis, tem consequências sérias no
desenvolvimentos dos jovens, já estudadas em inúmeros trabalhos, podendo-se
salientar: sofrimento psicológico, perturbação do desenvolvimento emocional,
social e do rendimento escolar.(1,2,3)
Os rapazes tendem a usar mais a
intimidação física ou ameaças, as raparigas usam mais a forma verbal, geralmente com outra rapariga. Recentemente,
têm sido referidos outros canais como a
via informática (e-mail, redes sociais) e o
telemóvel, sobretudo através da vulgarização do recurso a mensagens escritas.
46
artigo recomendado
bibliographies of existing studies, and
qualitative reviews for studies that
examined the association between
involvement in bullying and psychosomatic complaints in children and adolescents. The original search identified
19 studies, of which 11 satisfied prestated inclusion criteria.
Results - Three random-effects
meta-analyses were performed for the
following 3 groups of children aged between 7 and 16 years: victims, bullies,
and bully-victims. Bully-victims, victims,
Ameaçar, arreliar, humilhar, insultar os pais ou familiares da vítima, exigir
bens de consumo, bater, esconder objectos, são formas de bullying.
Por vezes torna-se difícil à criança
obter ajuda, ou porque as suas queixas
não são levadas a sério e são confundidas com comportamento de denúncia,
que é pouco apreciado pelos professores, ou porque existe a percepção da não
disponibilidade do adulto para a ajudar.
Também pode acontecer que a criança
decida não falar, receando represálias
ou considerando que pedir ajuda tem um
significado de incapacidade.
As crianças vítimas de bullying, têm
geralmente algumas características em
comum: são passivas, facilmente intimidadas e têm poucos amigos, e frequentemente são mais pequenas ou mais
novas.(1)
Os agressores foram frequentemente vítimas de abuso físico ou de bullying
também(1,2) Podemos portanto encarar os
agressores como crianças e jovens que
necessitam de uma intervenção que envolva a escola, família a serviços de pro-
and bullies had a significantly higher risk
for psychosomatic problems compared
with uninvolved peers.
Conclusions - The association
between involvement in bullying and
psychosomatic problems was demonstrated. Given that school bullying is
a widespread phenomenon in many
countries around the world, the present
results suggest that bullying be considered a significant international public
health issue.
tecção social, se queremos verdadeiramente resolver e minorar os fenómenos
de bullying.
Neste trabalho resumem-se os resultados da investigação que tem sido
desenvolvida neste assunto. Foram seleccionados os trabalhos que obedeciam
a critérios predefinidos e foram organizados três grupos de crianças para comparação com crianças não envolvidas em
bullying: vítimas, agressores e vítimasagressores. Esta análise abrangeu uma
população de 152 186 crianças e adolescentes entre os 7 e 16 anos, de países
dos vários continentes.
Comprova-se, com resultados de
elevado significado estatístico, a sua associação com sintomas psicossomáticos
nos três grupos, comparados com os colegas que não estavam envolvidos em
bullying.
Estes resultados correspondem a
um número considerável de crianças e
jovens e torna-se interessante encarar
o bullying como um fenómeno que tem
consequências negativas quer para as vítimas quer para os agressores. Podemos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
colocar a hipótese de que estas queixas
terão provavelmente um significado de
sintomas ansiosos e/ou depressivos.
Se a natureza dos problemas em
causa não for reconhecida e alvo de intervenção, estas queixas psicossomáticas poderão levar ao consumo de cuidados de saúde, como consultas e exames
auxiliares de diagnóstico.
O estudo resume ainda algumas similaridades e diferenças entre as vítimas
e os agressores: ambos apresentam problemas académicos, mas enquanto as
vítimas registam baixa auto-estima, solidão, ansiedade, depressão e ansiedade,
os agressores têm problemas comportamentais, má adaptação escolar e consumo frequente de álcool e substâncias.
Salienta a importância em identificar
as crianças que estão em risco de estar
envolvidas em fenómenos de bullying
pelos pediatras, psicólogos e outros profissionais de saúde, atribuindo-lhe um
significado de problema internacional de
saúde pública.
São aspectos muito sugestivos de
que uma criança é vítima de bullying:
queixas repetidas de agressões, humilhações ou “partidas” da parte dos mesmos
colegas, verbalizar sentimentos de ser
rejeitada, recusar ou apresentar queixas
somáticas ao ir para escola.
O bullying é um problema que deve
ser activamente combatido e que envolve
a colaboração dos pais, escola a profissionais de saúde mental A mediação, a
técnica de controlo da raiva, de resolução
de problemas e o aumento da supervisão
por adultos, são estratégias a considerar
num plano de intervenção.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 46-47
BIBLIOGRAFIA
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Maria do Carmo Santos
__________
1
Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto
artigo recomendado
47
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Novos desafios da técnica
na transplantação de órgãos
Helena Maria Vieira de Sá Figueiredo1
RESUMO
As células estaminais são conhecidas há já algumas décadas, mas só recentemente se adquiriu o conhecimento
suficiente que permitiu o seu crescimento
fora do organismo, in vitro, por longos períodos de tempo. No que respeita à sua
localização no organismo, os principais
tipos de células estaminais são: as do
embrião, as da linha germinal de fetos e
as de alguns órgãos do indivíduo adulto.
Apesar de todos os avanços da biologia actual, este tipo de experimentação
relacionado com as novas tentativas terapêuticas que usam células estaminais
levanta problemas éticos, não só pelos
efeitos no receptor, como aos ligados à
possível obtenção deste tipo de células,
ao uso a que estas possam ser submetidas, bem como à investigação efectuada
com células de embriões humanos. Os
maiores problemas éticos são o modo
como a defender a vida, a integridade e a
dignidade do ser humano.
Palavras-chave: dignidade, respeito, vida humana.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 48-53
INTRODUÇÃO
Poderíamos argumentar que a
transplantação de órgãos e a experimentação em seres humanos, conjuntamente, foram o motor de reflexão e configuração da chamada lei biomédica ou, num
sentido geral, da bioética, e até mesmo,
em grande escala, de todos os ensaios
clínicos.
__________
1
Assessor, Ramo de Laboratório; Mestre em
Bioética e Ética Médica
48
Ao longo das três ultimas décadas,
a transplantação de órgãos levou-nos a
novas normas de conduta para tratamentos experimentais, tanto na perspectiva
da utilização de novos medicamentos
(imunodepressivos), de maneira a evitar
ou lutar contra as rejeições de órgãos
transplantados como, acima de tudo, nas
diferentes escolhas de substitutivos cirúrgicos. Para se poder remediar a falta de
órgãos para transplantações, o uso de alguns mamíferos como potenciais fontes
de órgãos (incluindo tecidos e células)
para transplante em seres humanos (xenotransplantações) está a ser considerada hoje em dia.
Existem, no entanto, novas tentativas de investigação para obtenção de
órgãos e tecidos para transplantação,
como é o caso das células estaminais de
alguns tecidos humanos, e a produção
destas mesmas células usando células
embrionárias e transferência nuclear, não
esquecendo os problemas éticos que daí
advêm.
Após todas as repercussões da
clonagem da ovelha Dolly, em Julho de
1997(1), novas notícias sobre outras potencialidades de maior importância surgiram. No 13º Congresso de Biologia do
Desenvolvimento, em Snowbird, Utah, a
doze de Julho de 1997, John Gearhart
um professor de Ginecologia/Obstetrícia
do Johns Hopkins University School of
Medicine, em Baltimore, declarou que ele
e Michael Shamblott tinham conseguido
manter em cultura, durante meses, células estaminais de embriões humanos.
Chamam-se estaminais (stem cells), as
células animais que ainda não atingiram
aquele grau de diferenciação e especialização que lhes permita desempenhar
uma função específica num determinado
órgão como o coração, fígado ou cére-
perspectivas actuais em bioética
bro. São, no entanto, precursoras dessas
células especializadas.
As células estaminais são conhecidas há já algumas décadas, mas só recentemente se adquiriu o conhecimento
suficiente que permitiu o seu crescimento
fora do organismo, in vitro, por longos períodos de tempo. No que respeita à sua
localização no organismo, os principais tipos de células estaminais são: as do embrião, as da linha germinal de fetos e as
de alguns órgãos do indivíduo adulto(2).
No que respeita ao grau de diferenciação, podemos classificá-las em
totipotentes, pluripotentes e multipotentes. Células totipotentes são totalmente
indiferenciadas (como os blastómeros
da fase inicial do embrião) e podem, por
isso, dar origem a um organismo plenamente funcional ou a todos os tipos de
células do indivíduo. Pluripotentes são as
células estaminais que, sem poderem dar
origem a um organismo completo, são
no entanto capazes de originar quase
todos os tipos de tecidos do organismo.
Denominam-se multipotentes as células
estaminais que já são mais diferenciadas
e, por isso, só podem dar origem a um
número limitado de tecidos.
As células de um organismo adulto
encontram-se geneticamente diferenciadas, e todas as tentativas in vitro de conseguir tornar estas células totipotentes
(indiferenciadas e com capacidade de divisão ilimitada ou prolongada) falharam.
As células estaminais humanas podem encontrar-se a partir de:
- órgãos de um indivíduo adulto
- tecido fetal humano obtido após
abortamento
- embriões excedentários da reprodução medicamente assistida
- embriões humanos originados in vitro para esse fim
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
- embriões obtidos, assexualmente,
por transferência nuclear de uma
célula somática para um ovócito
enucleado
As células mais acessíveis, em termos de número e manipulação tecnológica de um organismo e com capacidades
totipotentes, são as células embrionárias(3). Estas constituem, assim, material
precioso para vários tipos de investigação com facilidade de manipulação tecnológica, podendo ser criopreservadas
mesmo antes da implantação.
Uma vez induzida a indiferenciação e graças ao seu potencial mitótico,
poder-se-ia obter uma enorme população
de células, a quem de seguida se induziria uma diferenciação celular específica,
para assim se conseguirem tecidos e órgãos para transplante.
Apesar de todos os avanços da biologia actual, este tipo de experimentação
relacionado com as novas tentativas terapêuticas que usam células estaminais
levanta problemas éticos, não só pelos
efeitos no receptor, como os ligados à
possível obtenção deste tipo de células,
ao uso a que estas possam ser submetidas, bem como à investigação efectuada
com células de embriões humanos.
POTENCIALIDADES E
PROPRIEDADES DAS CÉLULAS
ESTAMINAIS
Células estaminais embrionárias
As células estaminais embrionárias
(CEE) são as mais promissoras, as que
existem numa fase do desenvolvimento
de embriões animais e inclusivamente na
espécie humana, e na forma de blastocisto. No interior do blastocisto encontra-se
uma camada de células, a massa celular
interna, da qual se formará o corpo do
embrião, e da qual também serão originárias as CEE. Para se produzirem CEE é
necessário conseguir que algumas células no blastocisto continuem a proliferar.
As células do embrião pré-implantatório dividem-se rapidamente e são totipotentes, isto é, conseguem manter-se
em divisão consecutiva por muito tempo (imortalização parcial), mantendo as
suas características não diferenciadas
(pluripotência ou capacidade de originar
diferenciação tecidular variada).
Após a implantação uterina, vários
grupos de células apresentam forma,
constituição e comportamento diferentes,
transformando-se em células diferenciadas, isto é, especializadas numa determinada função, tornando-se capazes de
formar os diferentes tecidos que caracterizam os seres adultos.
Células germinais embrionárias
As células germinais embrionárias
(CGE) podem obter-se das células primordiais da linha germinativa, durante
uma curta fase do desenvolvimento do
feto - entre as 5 a 7 semanas. No embrioblasto, depois de uma diferenciação
celular e de uma migração selectiva das
células, assiste-se à sua transformação,
no que se designa por disco embrionário. Nele se distinguem as primeiras duas
lâminas celulares: a ectoderme e a endoderme, sobrepostas, histologicamente
diferenciadas e com destino irreversível.
Entre estas duas camadas, por volta do
15º dia pós-fecundação e próximo da
zona caudal, como consequência de um
processo de invaginação a partir da ectoderme, acompanhada de uma multiplicação e de uma migração celulares entre
as duas lâminas, inicia-se a formação de
um terceiro estrato celular: a mesoderme. Como consequência, aparece sobre
a ectoderme uma linha bem definida - à
qual se deu o nome de linha primitiva.
As primeiras experiências com CGE
provenientes de fetos humanos abortados foram em 1998(4). Elas mostram que
as CGE são capazes de originar ectoderme, mesoderme e endoderme.
Células estaminais do adulto
Foram encontradas células estaminais em vários órgãos de indivíduos adultos que se diferenciam e tomam o lugar
de outras células após destruição de tecidos. Uma vez formados esses tecidos,
as suas células têm comportamentos
diferenciados em relação à capacidade
de restauração e manutenção do próprio
tecido. De uma maneira geral, há células
que se especializam em manter o tecido
por divisão celular periódica adaptada às
necessidades, enquanto outras executam
as funções vitais do tecido, degenerando
após algum tempo por apoptose (morte
geneticamente programada). É o caso
dos epitélios de revestimento.
Noutros tecidos, como o fígado, a
população celular, em geral, mantém capacidades mistas. Noutros, como o sistema nervoso central, as células perderam a capacidade mitótica, executando
apenas as suas funções especializadas.
De um modo geral, quanto mais sujeitos
a agressões, mais os tecidos adoptam
comportamentos do primeiro tipo, enquanto que os tecidos sem capacidade
de reprodução apresentam células de
maior longevidade, com apoptose extremamente tardia.
A totipotência, a diferenciação, a divisão, a apoptose e a imortalidade celular
dependem da expressão de certos genes
o do silenciamento de outros, num equilíbrio delicado e muito complexo, onde
as inter-relações celulares (por contacto
directo e por via de produtos de secreção) com a matriz extracelular são determinantes.
As tentativas in vitro de reverter a
diferenciação das células somáticas de
modo a readquirirem a capacidade embrionária foram sempre o sonho dos biólogos. Por um lado, para se conhecerem
os mecanismos que permitem a totipotência, os que desencadeiam e mantêm
o estado de diferenciação num ou outro
tecido, os da apoptose, e os da imortalidade celular. Por outro lado, para que, dominando esses mecanismos, se pudesse
gerar in vitro, e de novo, a totipotência a
partir de células adultas diferenciadas.
Células para a medicina
As linhas celulares são largamente
usadas para estudar a biologia celular e
molecular em mamíferos.
O estudo das células estaminais
de embriões humanos iniciou-se em
Novembro de 1998 pelo isolamento, cultura e caracterização parcial destas células e na Universidade de Wisconsin(5).
Demonstrou-se que células estaminais
de embriões humanos, quando inoculadas por debaixo da pele de ratinhos, se
diferenciaram praticamente em todos os
sentidos, originando células precursoras
de todos os tecidos, desde o muscular
perspectivas actuais em bioética
49
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
e ósseo ao cartilagíneo e nervoso, e representando formações originadas tanto
da ectoderme, como da mesoderme e da
endoderme. Também este material poderá contribuir para a identificação das
condições físicas e químicas da diferenciação celular.
Verificou-se que as células mantiveram o seu carácter pluripotente durante os meses das experiências. A vasta
maioria dos conhecimentos provém de
experiências em ratinhos, onde essas
células foram descobertas há cerca de
19 anos(6).
A importância científica das CEE
é enorme. Apesar de estas células só
se manterem in vivo cerca de um dia,
diferenciando-se, depois, nos vários tecidos, podem multiplicar-se in vitro indefinidamente, sem diferenciação nem
envelhecimento nem morte. Constituem
uma amplificação estável de uma fase
passageira do desenvolvimento e são
fonte de precioso e abundante material
de investigação. Essas células parecem
geneticamente normais, como se verificou por experiências em que as CEE de
ratinho foram introduzidas em embriões
de ratinhos geneticamente alterados. Da
experiência resultou um ratinho normal,
geneticamente idêntico às células dadoras(7). As CEE podem ainda diferenciar-se
in vitro em vários tipos celulares incluindo
neurónios(8), células musculares e cardíacas, entre outras.
Deve mencionar-se o interesse de
uma investigação básica com o objectivo
de esclarecer o mistério do processo de
diferenciação celular que, a partir de um
ovo ou zigoto, conduz à formação da tão
grande variedade de tecidos e órgãos do
organismo adulto.
Este problema já há muito tem sido
abordado pelos especialistas de genética
e bioquímica do desenvolvimento, mas
poderá agora encontrar novas tecnologias
para o seu rápido progresso. Por exemplo,
a análise bioquímica e genética de embriões in vitro cujo desenvolvimento tenha
sido parado a diferentes tempos poderá
pôr em evidência os factores determinantes dos primórdios de diferenciação. A diferenciação in vitro de uma linha celular de
células estaminais embrionárias poderá
levar aos mesmos conhecimentos e de-
50
tectar os factores determinantes de todos
os passos da diferenciação celular, desde
as células estaminais até à formação de
todos os tecidos.
Outra utilização importante das células estaminais refere-se à caracterização
de proteínas humanas produzidas em
quantidades mínimas. Para o conseguir,
são precisas grandes quantidades de células, geralmente difíceis de obter, mas
que as células estaminais fornecem facilmente. Igualmente se poderá, com essas
células, estudar a influência de certos
compostos na diferenciação celular ou
daqueles que poderão ter efeitos teratogénicos. As mais importantes aplicações
referem-se obviamente à terapia de uma
variedade de enfermidades como diabetes, Parkinson, Alzheimer, imunodeficiências primárias, afecções de ossos ou cartilagens e até cancro(9). A falta de modelos
animais para doenças humanas, poderá
ser ultrapassada por esse estudo da diferenciação in vitro de CEE. Quando for
possível a diferenciação celular in vitro,
poderão obter-se células que permitam
reconstituir os tecidos afectados em cada
destas doenças. Esta contribuição será
sobremaneira importante para a reparação de tecidos ou órgãos que têm poucas
ou nenhumas células estaminais, como
por exemplo os ilhéus de Langerhans do
pâncreas, responsáveis pela síntese da
insulina.
A terapia génica(10), que transfere
um gene terapêutico para as células de
um paciente, poderá obter resultados
mais significativos utilizando células estaminais como receptoras. A maior parte
das investigações tem sido realizada, por
agora, em animais, sobretudo em ratinhos e símios não humanos.
Quando as células são cultivadas
em meios de composição química diferente (o que levou a tentar diferentes
meios selectivos, por exemplo, a adição
de ácido retinóico, derivado da vitamina
A) a formação de neurónios é estimulada. Talvez através da activação e inibição
selectiva de genes(11), certos factores de
crescimento estimulem a formação de
células hematopoiéticas. Para estimular
a formação de células do músculo cardíaco, alguns autores introduziram em
células estaminais de ratinho um gene
perspectivas actuais em bioética
de resistência a um antibiótico que foi
geneticamente manipulado de forma a só
se expressar em cardiomiocitos. Depois
de permitir a diferenciação celular, e por
adição do respectivo antibiótico, os autores obtiveram uma preparação celular
de mais de 99% de cardiomiocitos que,
transplantados para corações de ratinhos
adultos, se mantiveram viáveis durante o
longo tempo que durou a experiência.
Noutros testes, células estaminais
embrionárias foram transplantadas para
uma determinada região do cérebro de
ratinhos adultos, tendo-se verificado que
muitas dessas células tomaram a forma
típica de neurónios, e algumas delas passaram a produzir a enzima responsável
pela síntese de dopamina.
Há, no entanto, algumas dificuldades a superar. Por vezes, células estaminais introduzidas em ratinhos adultos
causam a formação de tumores denominados teratomas. Para o evitar é necessário seleccionar as células transferidas,
de modo a que todas elas já tenham
iniciado o processo de diferenciação.
Experiências com embriões de primatas
oferecem dificuldades acrescidas. Mas
os resultados obtidos com embriões de
ratinho dão esperanças de que também
sejam possíveis em embriões de primatas, como nos seres humanos.
Um problema a superar é a imunorejeição das células transplantadas por
parte do receptor. Para o conseguir, três
estratégias são pensáveis, sendo uma
delas a clonagem não reprodutiva. Transferindo o núcleo de uma célula somática
do paciente para um ovócito enucleado,
poderá formar-se um “embrião”, que seria desenvolvido in vitro até ao estádio de
blastocisto. Nessa fase, as suas células
estaminais (geneticamente idênticas ao
paciente) seriam isoladas e tratadas em
meio adequado para a diferenciação desejada, sendo então transferidas para o
órgão ou tecido afectado do paciente.
Uma segunda estratégia consiste
em alterar geneticamente as células estaminais, de modo a que elas não produzam as proteínas de superfície que desencadeiam a reacção imunitária. Assim
se tentaria construir uma linha universal
de células estaminais, que poderiam ser
utilizadas em qualquer paciente. A dificul-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
dade desta alternativa estará em conseguir que as células estaminais, submetidas às severas condições de selecção na
presença de vários compostos, se continuem a multiplicar, mantendo as características próprias.
Seria ainda pensável tentar transferência nuclear em células estaminais de
qualquer constituição genética. Algumas
dessas células seriam privadas do seu
núcleo e, em sua vez, seria transferido
para cada uma delas, o núcleo de uma
célula somática do paciente, depois de
devidamente tratada, de modo a que esteja num estado de quiescência, como se
procedeu no caso da ovelha Dolly. Não
há, no entanto, garantias de que, manipulada deste modo, uma célula estaminal
continue a comportar-se como tal.
AVALIAÇÃO ÉTICA NA
INVESTIGAÇÃO QUE USA CEE
É bem conhecida a atitude que as
sociedades e os governos têm adoptado de modo a defender a vida, a integridade, e a dignidade do ser humano, ao
estabelecerem princípios de respeito por
aqueles valores, e ao criarem legislações
que definam claramente os princípios,
objectivos e regras para a investigação e
experimentação no ser humano. Os grandes princípios em causa são a inviolabilidade da vida humana, o respeito pela
dignidade de cada ser, o consentimento
informado e a equilibrada relação risco /
benefício.
Se os princípios acima enunciados
se têm revelado como suficientes para
uma elucidação ética e jurídica de projectos de investigação em que o sujeito
é um ser humano adulto e competente,
é indiscutível que a avaliação ética e os
pareceres jurídicos se tornam difíceis e
muito delicados quando se trata da experimentação no ser humano não nascido ou mesmo não implantado, isto é, no
embrião.
Existe, a nível mundial, uma irredutível controvérsia sobre a licitude da investigação em embriões, baseada na diversidade de opiniões acerca do estatuto
do embrião - tem ele, ou não, a mesma
dignidade da pessoa humana plenamente desenvolvida ? Merece, ou não, a mesma protecção e respeito?
A experimentação em CEE, sem
dúvida a mais promissora, dependerá da
definição do estatuto do embrião. Não é
lícito duvidar que se trate de um estatuto inicial da vida humana, garantidas as
condições e vencidos os escolhos que se
põem à sua implantação e crescimento intra-uterino; o embrião não pode deixar de
dar origem a um representante da espécie
humana, e nunca desembocará num indivíduo de qualquer outra espécie. Vida humana, sem dúvida. Mas pessoa humana?
A resposta é mais difícil, já que perante
o insuficiente conhecimento biológico, se
alicerça em conceitos filosóficos, atitudes
culturais e crenças religiosas.
Para uns, a dignidade da pessoa
humana só se adquire gradualmente ao
longo do processo que conduz do ovo
ao indivíduo inteiramente formado. Para
esses, o respeito e protecção devidos ao
embrião antes da implantação são muito menores que os atribuídos à pessoa
humana plenamente desenvolvida, o que
torna eticamente aceitável, sob determinadas condições, a utilização de embriões excedentários ou a sua criação para
investigações de comprovada importância científica.
Para outros, pelo contrário, o ovo e
o embrião participam já da mesma dignidade da pessoa humana. Pela fecundação estabelece-se uma nova individualidade genética e destino humano, que em
seguida se irão simplesmente expressando em fases sucessivas e graduais dum
processo contínuo, mas cujo dinamismo
lhe vem e já estava contido no ovo. Para
esses, entre os quais se encontra a Igreja
católica, os embriões merecem a mesma
protecção e respeito que a pessoa humana plenamente desenvolvida. Um embrião que se submeta a uma investigação
que não é em seu favor, constitui um grave atentado à dignidade humana.
Enquanto esta controvérsia não for
resolvida e subsistir a dúvida, é meu parecer que tem aplicação o princípio ético
que estabelece ser gravemente ilícito
atentar contra uma entidade de que se
duvida se, sim ou não, constitui um sujeito investido de plena dignidade humana. Consequentemente, não considero
eticamente aceitável que se sacrifique
aos benefícios terapêuticos uma vida hu-
mana já em desenvolvimento, quer tenha
sido originada com fim reprodutivo quer
com fins de investigação. Assim, tanto
a tecnologia da clonagem de embriões
humanos(12) como a utilização de células estaminais humanas primordiais(13,14)
devem ser cuidadosamente apreciadas,
dado não existir a certeza se, sim ou não,
estamos a instrumentalizar um novo ser
humano e uma pessoa potencial.
Mesmo assim, pode ainda perguntar-se se o mesmo se aplica ao caso muito frequente de embriões excedentários
que, independentemente de qualquer
ideia de investigação, vão ser inexoravelmente destruídos, por terem ultrapassado
o prazo legal de congelação sem que tivessem podido ser utilizados por nenhum
casal. Poderia parecer, à primeira vista,
que, uma vez que estão inevitavelmente
condenados à morte, seria um mal menor
que, na forma da sua morte, prestassem
um serviço de relevo à sociedade.
A pedido do Presidente Clinton, a
“National Bioethics Advisory Commission” dos EUA, publicou um Parecer sobre “Ethical Issues in Human Stem Cell
Research” em 13 de Setembro de 1999,
no qual considera eticamente aceitável,
sob determinadas condições, que se
apliquem Fundos Federais à extracção
e investigação de células estaminais humanas provenientes de embriões excedentários da reprodução assistida, mas
não de embriões criados para esse fim
nem dos que eventualmente se venham
a obter por clonagem.
Segundo estas normas, só deve
ser proposto ao casal a possibilidade de
destinar os embriões excedentários para
investigação, depois de eles terem sido
congelados e o casal ter, de livre vontade, decidido que sejam destruídos.
A própria possibilidade de investigação em embriões pode indirectamente influir na decisão de não restringir o
número de ovócitos a inseminar, mesmo
que se usem todos os cuidados para
separar completamente as equipas de
reprodução medicamente assistida das
equipas de investigação embrionária.
Assim, o médico responsável pela fertilização in vitro não deverá ser simultaneamente quem propõe e executa a
colheita das CEE.
perspectivas actuais em bioética
51
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
O que se disse até aqui, refere-se à
obtenção das CEE. Mas pode perguntarse se é eticamente aceitável a investigação com CEE para cuja origem não se
contribuiu.
Ainda que provenientes da interrupção de um desenvolvimento embrionário,
essas células não têm em si próprias,
diferentemente do embrião, uma dinâmica interna que as leve a originar um organismo humano completo, por falta de
capacidade para originar o trofoblasto e
outros tecidos. É certo que, como se disse antes, apoiadas por uma outra estrutura embrionária, essas células poderão
originar um novo organismo. Mas nesse
caso, trata-se de uma manipulação exterior à sua natureza, de algum modo
comparável à clonagem reprodutiva, pela
qual uma célula somática, em fusão com
um ovócito enucleado, também dará origem a um organismo completo. Consequentemente, não parece lógico atribuir
às CEE o mesmo estatuto do embrião. É,
assim, eticamente aceitável a investigação nessas linhas celulares, com fins terapêuticos, desde que não se tenha tido
qualquer cumplicidade no que respeita à
sua produção inicial.
Mas as células de blastocistos podem oferecer obstáculos, uma vez que
são de difícil manipulação. Além disso,
para se trabalhar com material humano,
teríamos de obter embriões de clínicas
de fertilização in vitro com consentimento
informado dado pelos potenciais dadores
desses embriões. A experimentação em
embriões humanos não é de todo possível. Brigid Hogan e colaboradores (Universidade de Vanderbilt, Nashville), obtiveram uma alternativa para a obtenção
de CEE, prática esta que foi adoptada
por Gearhart, usando fundos privados da
universidade. Assim, quando o embrião
se implanta e se inicia o seu desenvolvimento, umas poucas células vão dar
origem à próxima geração de células
germinativas. Se pudermos extrair estas
células do embrião, poderemos obter culturas de células prolongadas, com todas
as propriedades das células estaminais
embrionárias(15).
O princípio da autonomia exige o
consentimento informado de todas as
partes envolvidas. Tratando-se de técni-
52
cas ainda numa fase experimental precoce, os intervenientes devem ser alertados
com especial cuidado e pormenor acerca
da natureza das técnicas, das expectativas e sua fundamentação, assim como
de todas as consequências previsíveis. É
ainda a autonomia que exige o respeito
pela confidencialidade e pelo direito de
privacidade.
A beneficência e não-maleficência
exigem que a experimentação em seres
humanos só se realize depois de uma
criteriosa avaliação da proporcionalidade entre os benefícios previsíveis e os
riscos possíveis. Estes são de vária ordem, como já foi indicado anteriormente,
sendo acrescidos pela circunstância da
novidade das técnicas. Como sempre,
as situações de grande urgência, na falta
de terapias alternativas, justificam que se
corram maiores riscos.
A justiça exige que haja equidade,
na distribuição de benefícios e custos,
por todos os elementos da sociedade.
O acesso às novas técnicas deveria ser
igual para todos os países e para todas
as classes sociais.
Em todo o mundo as técnicas de
procriação medicamente assistida têm
levantado uma multiplicidade de interrogações. Quatro princípios morais devem
servir de normas de conduta: a autonomia do ser humano deve ser respeitada;
o que é bom deve ser efectuado (beneficência); o que é mau deve ser evitado
(não maleficência); e o que é justo deve
basear-se na correcta distribuição de
meios e cuidados(16).
A grande preocupação reside na
preservação da natureza e dignidade humanas, no presente e no futuro, e sobre
eventuais limites a impor aos novos poderes adquiridos pela ciência. «Perante
os novos poderes que a ciência dá ao
Homem sobre a vida e sobre si próprio,
é importante que ele segure as rédeas do
progresso e tome as decisões éticas que
lhe tornem possível planear um futuro autenticamente humano»(17).
perspectivas actuais em bioética
NEW TECHNIQUE CHALLENGES ON
ORGAN TRANSPLANTATION
ABSTRACT
Stem cells have been known for
some decades, but only recently has
the knowledge allowing them to grow for
long periods of time out of the organism,
in vitro, been acquired. As to their localization in the organism, the main types
of stem cells are: from the embryo, from
the germinal line in the foetus and from
some organs in adults. Despite all the
advances in biology, these types of experiments for new attempts to use stem
cells therapeutically raise not only ethical
problems concerning their effects in the
recipient but also in how to obtain them,
and the uses to which they may be put
as well as investigation using cells from
human embryos.
The major ethical problems are the
way in which life may be protected and
the integrity and dignity of the human
being.
Key words: dignity, respect, human
life.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 48-53
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CORRESPONDÊNCIA
CH de Vila Nova de Gaia
Unidade de Medicina da Reprodução
Praceta Dr. Francisco Sá Carneiro
4400-129 Vila Nova de Gaia
Telf: 226162518
Email: hmfi[email protected]
perspectivas actuais em bioética
53
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
A Joana de 11 anos de idade foi observada no Serviço de Gastroenterologia
por episódios de engasgamento.
Era a segunda filha de pais saudáveis e sem história familiar de patologia
malformativa.
Criança que nasceu de parto eutócico após gravidez de termo sem intercorrências a quem foi diagnosticada no
período neonatal atrésia esofágica com
fístula. Fez correcção cirúrgica da sua
malformação digestiva ao segundo dia
de vida, esofago-esofagotomia através
de toracotomia extrapleural. Ao sexto dia
de vida verificou-se a existência de deis-
cência parcial da sutura esofágica que foi
tratada com antibioterapia, alimentação
parentérica e drenagem, com evolução
favorável.
A doente teve boa evolução do seu
quadro clínico nos meses seguintes, com
tolerância alimentar, um pouco tardia
para sólidos, mas com ganho ponderal e
psicomotor adequados à idade.
Aos 6 anos foi observada na consulta de Gastroenterologia por apresentar
de forma esporádica episódios de engasgamento em especial com os alimentos
sólidos, que resolviam de forma espontânea
Figura 1
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
54
qual o seu diagnóstico?
Efectuou então esofagograma que
evidenciou a existência de irregularidade
de calibre do esófago na zona de anastomose cirúrgica com rigidez do órgão na
mesma zona. A endoscopia digestiva alta
mostrou a imagem que apresentamos na
figura 1.
O que lhe sugere a imagem?
1- Divertículo esofágico cicatricial
2- Recidiva de fístula
3- Duplicação esofágica
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
COMENTÁRIO
A imagem endoscópica que mostramos na figura 1 corresponde a pseudodivertículo esofágico residual, secundário à deiscência da sutura que a doente
teve poucos dias depois da correcção da
vertículo observado. A irregularidade da
parede e do lúmen esofágico eram os
responsáveis pelos sintomas da doente
pelo que ponderamos a melhor atitude a
tomar para a sua resolução. Decidimos
explorar a extensão do divertículo para
lar. Pensamos tentar seccionar a ponte
que separava o pseudodivertículo do
lúmen esofágico mas não conhecendo
bem a composição das estruturas em
presença optamos por acompanhar a
evolução do processo e actuar apenas
se os sintomas da doente se tornassem
mais graves.
Fomos assistindo ao atenuar espontâneo e progressivo das dimensões
do trajecto pseudodiverticular até ao seu
completo desaparecimento 4 anos depois, ficando o esófago com aspecto que
a figura 3 documenta.
A doente mantém esporadicamente
sensação de disfagia para sólidos quando ingere alimentos apressadamente e
mal mastigados.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 54-55
BIBLIOGRAFIA
Figura 2
Figura 3
sua atrésia. Vemos o lúmen esofágico
(seta azul) e o divertículo (seta preta).
A imagem radiológica anexa (figura 2),
permite ver a dimensão da lesão secundária à deiscência da sutura, cuja evolução cicatricial conduziu ao pseudodi-
o que introduzimos um fio guia no mesmo e verificamos, com alguma alguma
surpresa, que o fio aparecia um pouco
mais abaixo no lúmen esofágico, pelo
que não se tratava de um verdadeiro divertículo mas sim de trajecto diverticu-
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qual o seu diagnóstico?
55
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 12 anos de idade que foi
enviado à consulta de Estomatologia deste hospital devido à “ausência” de dentes
em ambas as arcadas dentárias e a um
aumento lento do tecido gengival.
Ao exame oral só eram visíveis
cúspides dentárias de alguns dentes e
em ambas as arcadas, com predomínio
na maxila, era bem visível uma hiperplasia gengival, sem sinais inflamatórios (Figura 1)
Antecedentes pessoais relevantes,
nomeadamente ingestão de fármacos.
Antecedentes familiares: mãe, avô
materno e irmã mais velha com o mesmo
problema.
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
56
qual o seu diagnóstico?
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
O aumento do tecido gengival pode
ser dividido em 2 grandes grupos:
- Hiperplasia gengival fibrosa que
está associada a factores genéticos
ou ao uso de determinados fármacos como a fenitoína, bloqueadores
dos canais de cálcio e ciclosporina;
- Hiperplasia gengival inflamatória
associada à gravidez, à leucemia,
à granulomatose de Wegener, à
sarcoidose, ao escorbuto e mais frequentemente à falta de higiene oral.
A situação exposta é caracterizada por um aumento benigno, lento e
progressivo dos tecidos gengivais, que
podem submergir total ou parcialmente
as coroas dentárias, levando por vezes
a uma situação muito grave em termos
estéticos e funcionais, e que associado
a história familiar leva-nos a inserir este
quadro nas hiperplasias gengivais fibrosas associadas a factores genéticos e
que usualmente designamos por Fibromatose Gengival Familiar.
A fibromatose gengival familiar pode
ser dividida em fibromatose gengival hereditária isolada ou associada a síndromes, sendo que a primeira é a forma
mais comum. Esta doença é transmitida,
normalmente, como um traço autossómico dominante. Há estudos que demonstraram uma ligação entre o fenótipo
desta patologia e uma região do cromossoma 2, entre os marcadores D2S1788
e D2S441.
Não existe tratamento definitivo
para a Fibromatose Gengival Familiar.
O tratamento cirúrgico consiste na
remoção cirúrgica do tecido gengival em
excesso – Gengivectomia com Gengivoplastia, com o objectivo de expor as
coroas dentárias. No entanto, o tecido
gengival volta a crescer. O osso alveolar
mantém-se normal, pelo que os dentes
não estão em risco de se perderem nesta
situação.
Nesta criança foi realizado o tratamento acima mencionado sob anestesia
geral há 3 anos e actualmente ainda
está bem, sem recidiva da hiperplasia
gengival.
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 56-57
BIBLIOGRAFIA
Cawson´s Essentials of Oral Pathology and Oral Medicine – R.A. Cawson
– seventh edition – Churchill Livingstone,
2002 - Pag.85
qual o seu diagnóstico?
57
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Caso Radiológico
Filipe Macedo1
Criança do sexo masculino, 4 anos de
idade com com dor no pé esquerdo desde
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto
58
QUAL É O SEU DIAGNÓSTICO?
Figura 1
__________
1
há cerca de 2 meses. Sem aparente traumatismo relevante. Faz RX dos pés.
qual o seu diagnóstico?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
Observa-se aspecto esclerótico e
achatado do escafóide társico à esquerda, (Figuras 2 e 3) bem evidente no exame comparativo com o lado contralateral.
Sem outras alterações. Da conjugação
com a clínica conclui-se por doença de
Kohler.
IMAGIOLOGIA
TRATAMENTO
1- RX convencional (face e perfil)
É o primeiro exame a realizar para
confirmar o diagnóstico clínico. Aspecto
esclerótico e achatado do escafóide, na
presença de clínica compatível fazem geralmente o diagnóstico.
Conservador, com imobilização. A
resolução é a regra.
Nota – O diagnóstico não deve ser
feito apenas pela imagem, sendo mandatória a presença de clínica compatível(3)
DISCUSSÃO
A doença de Kohler é uma osteocondrose, designação inespecífica que
traduz fragmentação e/ou esclerose de
uma apófise ou epífise.
A sua etiologia é pouco clara, tendose postulado a ocorrência de microtrauma crónico, necrose avascular e lesão
por avulsão crónica.
Atinge o escafóide társico e é uma
das 3 osteocondroses que atingem o pé,
juntamente com a doença de Sever (calcâneo) e a doença de Freyberg (cabeça
dos metatarsianos).
Manifesta-se por dor no médio pé, à
palpação e com a carga.
Ocorre sobretudo entre os 3 e os
10 anos de idade e é geralmente unilateral(1).
2- RMN
Nos casos de clínica atípica, RX
normal ou suspeita de outro diagnóstico.
Observam-se frequentemente alterações de configuração e sinal do
osso atingido nomeadamente hipossinal em T1(2).
Assim como no caso do RX, pode
ser útil o exame comparativo com o lado
contralateral.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
- variações normais da ossificação (o
escafóide társico é o último osso do
pé a ossificar, sendo frequentes irregularidades neste processo)
- barra társica
- fractura de stress
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 58-59
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qual o seu diagnóstico?
59
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Genes, Crianças e Pediatras
Anabela Bandeira1, Gabriela Soares2, Carla Valongo2, Fernanda Manuela1,
Margarida Reis Lima2, Lígia Almeida2, Maria Luís Cardoso2, Esmeralda Martins1
Criança do sexo masculino, com
4 anos de idade, enviado à consulta de
Genética Médica por atraso mental, mais
acentuado na área da linguagem.
Trata-se de um primeiro filho de um
casal jovem, não consanguíneo. Mãe
com 30 anos, transplantada renal em
1996 por glomerulosclerose focal e pai
com 33 anos de idade, saudável. Ambos
com escolaridade superior. Sem história
familiar de atraso mental.
Dos antecedentes fisiológicos, a
realçar, uma gravidez complicada por
insuficiência renal crónica materna. Mãe
medicada com nifedipina, atenolol, ciclosporina e prednisolona durante a gravidez.
Parto por cesariana às 37 semanas de
gestação, com índice de Apgar 9/10. Somatometria ao nascimento adequada à
Figura 1
__________
1
2
Centro Hospitalar do Porto
Centro de Genética Jacinto Magalhães
60
qual o seu diagnóstico?
idade gestacional (peso 3150g, P10-25;
comprimento 49,5cm, P25-50; perímetro
cefálico 34,5cm, P25. O recém-nascido
necessitou de internamento no período
neonatal por dificuldades na alimentação,
provável discinesia faríngea. Realizou
rastreio metabólico (TSH e fenilcetonúria)
que foi normal.
No primeiro ano de vida foi detectada má evolução estaturo-ponderal com
peso no P10; estatura no P5 e perímetro
cefálico no P 5-50. Em relação ao desenvolvimento psicomotor: segurou-se
sentado aos 10 meses; andou sozinho
aos 21 meses; primeira palavra aos 28
meses; frases com 4-6 palavras aos 4
anos. Deficiente relacionamento com os
colegas, alguns comportamentos estereotipados. Sem história de epilepsia.
Ao exame físico com 4 anos de idade: sinais piramidais ligeiros, hipotonia
generalizada com salivação; marcha de
base alargada e instável com dificuldade
em correr com coordenação deficiente e
sistema muscular pouco desenvolvido.
A linguagem compreendia frases com
duas-três palavras, problemas de compreensão e disartria. Apresentava fácies
particular, fronte alta, nariz pequeno e
desvio para baixo das sobrancelhas.
O cariótipo e pesquisa de X frágil foram normais; a pesquisa de CMV no cartão de Guthrie negativo. O estudo metabólico com cromatografia dos aminoácidos
séricos, lactato e amónia normais; precursores do colesterol no plasma normais e
cromatografia dos ácidos orgânicos urina
normais. A RMN cerebral foi normal.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
RESUMO
Criança de 4 anos de idade, com
má evolução estaturo-ponderal, algumas
características dismórficas, sistema muscular pouco desenvolvido e atraso do desenvolvimento principalmente a nível da
linguagem. Algumas características de
perturbação do espectro autista.
Qual o seu diagnóstico?
Na última década foi descrito o síndrome de deficiência de creatina cerebral
como um conjunto de erros congénitos do
metabolismo da creatina. Estão descritos
três defeitos metabólicos: dois que afectam a síntese (deficiência da guanidinoacetato metiltransferase, GAMT e da arginina glicina amidinotransferase, AGAT) e
um que afecta o transporte da creatina.
Este último é causado por uma mutação
no gene SLC6A8 localizado no cromossoma Xq28, sendo uma das causas metabólicas de atraso mental ligado ao X.
Estudos recentes sugerem que 2,1% dos
casos de atraso mental ligado ao X são
causados por um defeito no transporta-
dor da creatina. O quadro clínico é dominado por atraso mental ligeiro sobretudo
na área da linguagem, epilepsia facilmente controlável, comportamento autista,
deterioração neurológica e perturbação
do movimento. Dismorfia facial e queixas
gastrointestinais estão descritos em alguns casos. Cerca de 50% das mulheres
portadoras apresentam dificuldades de
aprendizagem.
A suspeita de um defeito no transportador da creatina nesta criança foi
baseada na apresentação clínica, antes
da realização da espectroscopia. O padrão de atraso mental em que as áreas
da atenção, discurso, compreensão e
linguagem estão mais afectadas parece
ser característico deste síndrome. A relação creatina/creatinina na urina constitui
o melhor marcador bioquímico. Nenhum
dos outros síndromes de atraso mental
apresentam esta combinação de atraso
mental, má evolução estaturo-ponderal e
dismorfia facial ligeiro. Esta combinação
está descrita em algumas famílias e parece ser única do atraso mental por defeito
no transportador da creatina.
A excreção de creatina na urina
desta criança estava aumentada (8751
μmol/L, normal 140-7910) com aumento
da relação creatina/creatinina (4,25, normal 0.04-1,51). Verificou-se também deficiente captação da creatina nos fibroblatos. A análise sequencial de DNA revelou
mutação “de novo” no gene SLC6A8 e a
mesma mutação foi encontrada na mãe.
A criança realizou espectroscopia cerebral (1H-RMN) que evidenciou diminuição
do pico de creatina.
Iniciou tratamento com monohidrato de creatina 400 mg/kg/dia; L-arginina
400 mg/kg/dia e glicina 150 mg/kg/dia.
Após um ano de suplementação com
creatina e seus precursores observa-se
uma discreta melhoria na coordenação e
atenção. A espectroscopia revelou pico
de creatina normal (o que não está descrito noutros casos clínicos). A resposta
ao tratamento é muito discreta e os progressos são lentos.
O diagnóstico pré-natal é possível
após a identificação da mutação no gene
SLC6A8 .
Figura 1
qual o seu diagnóstico?
61
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Nascer e Crescer 2009; 18(1): 60-62
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige-se
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A Revista Nascer e Crescer subscreve os
requisitos para apresentação de manuscritos a
revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to
biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated
October 2008). Todos os elementos do trabalho
incluindo a iconografia, devem ser enviados em
suporte electrónico.
O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem:
1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia;
6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos.
As páginas devem ser numeradas segundo
a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser
enviado em formato electrónico.
Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o
mais conciso e explícito possível. A indicação dos
autores deve ser feita pelo nome clínico ou com
a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida
do apelido e devem constar os títulos ou cargos de
todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou
outros em que os autores exercem a sua actividade,
o centro onde o trabalho foi executado, os contactos
do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone).
Resumo e palavras-chave: O resumo
deverá ser redigido na língua utilizada no texto e
sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no
máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o
seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material
e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos
de revisão devem ser estruturados da seguinte
forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento
e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos,
não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/
Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar
uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão
de base à indexação do artigo. Os termos devem
estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH).
Texto: O texto poderá ser apresentado em
português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos
originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão
devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução,
Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os
casos clínicos devem ser exemplares, devidamente
estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão
sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As
abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas
nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores
medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions,
WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a
10 devem ser escritos por extenso, excepto quando
têm decimais ou se usam para unidades de medida.
Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase.
Bibliografia: As referências devem ser
classificadas e numeradas por ordem de entrada
no texto, com algarismos árabes. Os números
devem seguir a ordem do texto, e ser colocados
superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores
devem verificar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript
submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.
gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam
os nomes abreviados das publicações adoptadas
pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar
a página NLM’s Citing Medicine relativamente às
recomendações de formato para os vários tipos de
referência. Seguem-se alguns exemplos:
a) Revistas: listar os primeiros seis autores,
seguidos de et al se ultrapassar 6, título
do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e
páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention
of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65.
b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s)
autor(es) do capítulo ou da contribuição.
Nome e iniciais dos autores médicos, título
do livro, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do
capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner
BM, editors. Hypertension: pathophysiology,
diagnosis, and management. 2nd ed. New
York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es).
Título do livro. Número da edição. Cidade e
nome da casa editora, ano de publicação e
número de página. Ex.: Berne E. Principles
of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Figuras e Quadros: Todas as ilustrações
deverão ser apresentadas em formato digital de
boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência
no texto, ser apresentado em página individual e
acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos
necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é
cópia de uma publicação ou modificada, deve ser
mencionada a sua origem e autorização para a sua
utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir
a sua identificação devendo ser acompanhadas
pela autorização para a sua publicação dada pelo
doente ou seu responsável legal.
O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para
os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos,
ou os que ultrapassam os números atrás referidos,
serão publicados a expensas dos autores.
Agradecimentos e esclarecimentos: Os
agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do
estudo devem figurar na última página.
Modificações e Revisões: No caso do artigo
ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem
ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias.
As provas tipográficas serão enviadas aos autores
normas de publicação
63
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 1
em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga
a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma
efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest
in the area of Maternal and Child/Adolescent Health
and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management.
The Editorials, the articles of Homage and articles
of cultural scope are published under request of the
Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have
been published previously in any form. The opinions
therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal
and may not be reproduced, in full or in part, without
the prior consent of the editors.
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E
CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to
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or
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and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should
also be sent.
Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two
anonymous reviewers. Articles may be:
- accepted with no modifications,
- accepted with corrections or modifications,
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Authors will always be informed of the reasons
for rejection oro f the comments of the experts.
Informed consent and approval by the
Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and
deontological principles, as well as legislation and
norms applicable, as recommended by the Helsinki
Declaration. In research studies it is mandatory to
have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support.
MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements
for manuscripts submitted to biomedical journals.
http://www.icmje.org. Updated October 2008).
All the components of the paper, including
images must be submitted in electronic form. The
64
normas de publicação
papers must be presented as following: 1- Title in
Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in
Portuguese and English and key words; 4- Text;
5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables;
9- Acknowledgements.
Pages should be numbered according the
above sequence. If a second version of the paper
is submitted, it should also be sent in electronic
format.
Title and Authors: The first page should
contain the title in Portuguese and English. The
title should be concise and revealing. A separate
page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the
contact details of the corresponding author (postal
address, electronic address and telephone), and
the name of the Institutions where the study was
performed.
Abstract and Key-words: The abstract
should be written in the same language of the text
and always in Portuguese and English, provide on
a separate page of not more than 250 words for
original papers and a 150 words for case reports.
For original papers the abstract should consist of
four paragraphs, labelled Background, Methods,
Results and Conclusions. Review articles should
obey the following: Introduction, Past landmarks
and Present developments and Conclusions. Case
report abstracts should contain an Introduction,
Case report and Discussion/Conclusions. Do not
use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese
and English in alphabetical order, minimum of three
and maximum of ten. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
Text: The text may be written in Portuguese,
English, French or Spanish. The original articles
should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion
and Conclusions. The structure of review articles
should include: Introduction, Past landmarks and
Present developments and Conclusions. The case
reports should be unique cases duly studied and
discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion
or Conclusion. Any abbreviation used should be
spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed
in international (SI units, The SI for the Health
Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1
to 10 should be written in full, except in the case
of decimals or units of measurements. Numbers
above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence.
References: References are to be cited in the
text by Arabic numerals, and in the order in which
they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports.
The journal complies with the reference style in the
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to
Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_
requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus.
Authors should consult NLM’s Citing Medicine for in-
formation on its recommended formats for a variety
of reference types. The following details should be
given in references to (a) journals, (b) chapters of
books by other authors, or (c) books written or edited
by the same author:
a) Journals: Names of all authors (except if there
are more than six, in which case the first three
are listed followed by “et al.”), the title of the
article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume
and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention of
sepsis in preterm and low birth weight infants.
Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65
b) Chapters of books: Name(s) and initials of the
author(s) of the chapter or contribution cited.
Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors,
title of book, city and name of publisher, year
of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York:
Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Books: Name(s) and initials of the author(s).
Title of the book. City and name of publisher,
year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford
University Press, 1966:26.
Tables and Figures: All illustrations should
be in digital format of high quality. Each table and
figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They
should each have their own page and bear an
explanatory title and caption when necessary. All
abbreviations and symbols need a caption. If the
illustration has appeared in or has been adapted
from copyrighted material, include full credit to the
original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or
complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been
authorized by the patient or legal guardian.
The total number of figures or tables must
not exceed eight for original articles and five for
case reports. Figures or tables in colour, or those in
excess of the specified numbers, will be published
at the authors’ expense in the paper version
Acknowlegments: All authors are required
to disclose all potential conflicts of interest.
All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of
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Modifications and revisions: If the paper
is accepted subject to modifications, these must be
submitted within fifteen days of notification. Proof
copies will be sent to the authors in electronic form
together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will
mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by
the Journal’s staff.
XXI REUNIÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA
DEPARTAMENTO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
CENTRO HOSPITALAR DO PORTO, EPE
PROGRAMA PROVISÓRIO
23 A 25 DE NOVEMBRO DE 2009 HOTEL IPANEMA PARK PORTO
CONTROVÉRSIAS
Profilaxia das ITU’s
Criopreservação de células do cordão umbilical
Vacina da Varicela
CRIANÇA ALÉRGICA
Alergia Alimentar
Alergia a Fármacos
NUTRIÇÃO EM PEDIATRIA
Experiências precoces e impacto futuro
Actualidades em Nutrição
Nutrição em patologias específicas
ADOLESCÊNCIA
– DESAFIOS PARA O PEDIATRA
Sexualidade na adolescência
As Tribos Urbanas
“Feeling blue- what can I do”
Tecno-dependências
As novas drogas
SESSÕES CLÍNICAS INTERACTIVAS
Neonatologia
Ortopedia Pediátrica
Cirurgia Pediátrica
Cursos Pré-Congresso: Suporte de Vida Pediátrica
Técnicas de Comunicação em Público
Curso Pós Congresso: A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica
Data limite de envio de resumos de Comunicações Livres: 16/10/09
Secretariado:
Hospital de Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827-4050 Porto – Telefone 226089900 – Ext.3188
Vol. 18, nº 1, Março 2009
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