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Vol. 23 | nº 1 | 2014
ISSN 0871 - 6099
Journal of the Portuguese Society of Anesthesiology
Revista da Sociedade Portuguesa de
anEstEsiologia
http://revistas.rcaap.pt/anestesiologia
2 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
A via aérea supraglótica I-gel está agora indicado para reanimação e pode ser inserido em
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´
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3
Reduza o Risco
de tromboembolismo
(1)
Proteja os seus doentes
Xarelto® 10 mg 1xdia
24 h de proteção
Após Artroplastia Eletiva
de Anca ou Joelho
(1)
anos
IndIcações
mIlhões
de doentes
Eficácia Superior vs Enoxaparina na prevenção de TVP e EP
(2)
L.PT.GM.11.2013.0386
O único NACO aprovado pela FDA na prevenção do TEV em cirurgia ortopédica
Nome: Xarelto. Composição: Cada comprimido revestido por película contém 10 mg de rivaroxabano. Forma Farmacêutica: Comprimido revestido por película. Indicações terapêuticas: Prevenção do tromboembolismo venoso (TEV) em doentes adultos submetidos a artroplastia eletiva da anca ou joelho. Posologia e modo de administração: 10 mg de rivaroxabano, administrados, por via oral, uma vez ao dia. A posologia inicial deve ser administrada 6 a 10 horas após a cirurgia, desde que a hemostase tenha sido estabelecida. A duração do tratamento depende do risco individual do doente para tromboembolismo
venoso, a qual é determinada pelo tipo de cirurgia ortopédica. Grande cirurgia da anca: tratamento de 5 semanas. Grande cirurgia do joelho: 2 semanas. Se for esquecida uma dose, o doente deverá tomar Xarelto imediatamente e depois continuar no dia seguinte com a toma uma vez ao dia, tal como ante‑
riormente. Passagem de Antagonistas da Vitamina K (AVK) para Xarelto: Durante a passagem de doentes de AVK para Xarelto, os valores do INR estarão falsamente elevados após a toma de Xarelto. O INR não é uma medida válida para determinar a atividade anticoagulante de Xarelto, e portanto não deve ser
utilizado. Passagem de Xarelto para os Antagonistas da Vitamina K (AVK): Em doentes que passam de Xarelto para um AVK, o AVK deve ser administrado simultaneamente até o INR ser ≥ 2,0. Durante os dois primeiros dias do período de passagem, deve utilizar‑se a dose inicial padrão do AVK, seguida de uma
dose do AVK com base nas determinações do INR. Enquanto os doentes estiverem a tomar simultaneamente Xarelto e o AVK, o INR não deve ser determinado antes das 24 horas após a dose precedente de Xarelto e antes da dose seguinte. Passagem de anticoagulantes parentéricos para Xarelto: Em doentes
atualmente a serem tratados com um anticoagulante parentérico, Xarelto deve ser iniciado 0 a 2 horas antes da hora prevista para a administração seguinte do medicamento parentérico (ex.: HBPM) ou na altura da interrupção de um medicamento parentérico em administração contínua (ex.: heparina não
fracionada intravenosa). Passagem de Xarelto para anticoagulantes parentéricos: Administrar a primeira dose do anticoagulante parentérico na altura em que deve ser tomada a dose seguinte de Xarelto. Não é necessário ajuste posológico: compromisso renal ligeiro ou moderado, população idosa, sexo, peso
corporal. Não é recomendada a utilização em doentes com taxa de depuração da creatinina < 15 ml/min. População pediátrica: não é recomendada a sua utilização em crianças com idade inferior a 18 anos. Pode ser tomado com ou sem alimentos. Contraindicações: Hipersensibilidade à substância ativa ou a
qualquer um dos excipientes. Hemorragia ativa clinicamente significativa. Lesões ou condições, se consideradas como apresentando um risco significativo de grande hemorragia. Estas podem incluir úlceras gastrointestinais atuais ou recentes, presença de neoplasias malignas com elevado risco de hemorra‑
gia, lesão recente no cérebro ou na espinal medula, cirurgia cerebral, espinal ou oftálmica recente, hemorragia intracraniana recente, suspeita ou conhecimento de varizes esofágicas, malformações arteriovenosas, aneurismas vasculares ou grandes anomalias vasculares intraespinais ou intracerebrais. O trata‑
mento concomitante com quaisquer outros anticoagulantes, ex.: heparina não fracionada (HNF), heparinas de baixo peso molecular (enoxaparina, dalteparina, etc.), derivados da heparina (fondaparinux, etc.), anticoagulantes orais (varfarina, dabigatrano etexilato, apixabano, etc.), exceto nas circunstâncias
de mudança de terapêutica para ou de rivaroxabano ou quando são administradas doses de HNF necessárias para manter aberto um acesso venoso central ou um cateter arterial. Gravidez e amamentação. Doença hepática associada a coagulopatia e risco de hemorragia clinicamente relevante incluindo
doentes com cirrose com Child Pugh B e C. Advertências e precauções especiais de utilização: Risco hemorrágico, compromisso renal, punção ou anestesia espinal/epidural, doentes com risco aumentado de hemorragia. Os doentes com problemas hereditários raros de intolerância à galactose, deficiência de
lactase Lapp ou malabsorção de glucose‑galactose não devem tomar este medicamento. Não é recomendado nos doentes submetidos a cirurgia por fratura da anca. Interações medicamentosas: Inibidores do CYP3A4 e da gp‑P: não é recomendada em doentes submetidos a tratamento sistémico concomitan‑
te com antimicóticos azólicos tais como cetoconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol ou inibidores da protease do VIH; Anticoagulantes: deve ter‑se precaução se os doentes são tratados concomitantemente com quaisquer outros anticoagulantes; AINEs/ inibidores da agregação plaquetária: deve ter‑se
precaução nos doentes tratados concomitantemente com AINEs (incluindo ácido acetilsalicílico) e inibidores da agregação plaquetária; Varfarina; Indutores do CYP3A4; Os parâmetros de coagulação (ex.: TP, aPTT, HepTest) são afetados. Efeitos indesejáveis:Anemia (incl. parâmetros laboratoriais respetivos),
tonturas, cefaleias, síncope, hemorragia ocular (incl. hemorragia conjuntival), taquicardia, hipotensão, hematoma, epistaxe, hemorragia do trato gastrointestinal (incl. hemorragia gengival, hemorragia retal), efeitos gastrointestinais e dores abdominais, dispepsia, náuseas, obstipação, diarreia, vómitos, pru‑
rido (incl. casos raros de prurido generalizado), exantema cutâneo, equimose, dor nas extremidades, hemorragia do trato urogenital (incluindo hematúria e menorragia), febre, edema periférico, diminuição da força e energia de um modo geral (incl. fadiga, astenia), aumento
das transaminases, hemorragia pós‑procedimento (incluindo anemia pós‑operatória e hemorragia da ferida), contusão, secreção da ferida, trombocitemia (incl. aumento da contagem de plaquetas), reação alérgica, dermatite alérgica, hemorragia cerebral e intracraniana,
hemoptise, xerostomia, anomalias da função hepática, urticária e hemorragia cutânea e subcutânea, hemartrose, compromisso renal (incl. aumento da creatinina no sangue, aumento de ureia no sangue), sensação de mal‑estar, edema localizado, aumento da bilirrubina,
aumento da fosfatase alcalina no sangue, aumento da HDL, aumento da lipase, aumento da amilase, aumento da GGT, icterícia, hemorragia muscular, aumento da bilirrubina conjugada (com ou sem aumento concomitante da ALT), formação de pseudoaneurisma após inter‑
venção percutânea, síndrome compartimental secundária a hemorragia, insuficiência renal/insuficiência renal aguda secundária a hemorragia suficiente para causar hipoperfusão. Número da A.I.M.: 5132956, 5132964, 5132972. Data de revisão do texto: junho 2013. Para mais
informações deverá contactar o titular de AIM. MSRM. Regime de comparticipação: Xarelto 10mg (Comparticipado no Regime Geral 69%; Regime Especial 84%). Ref.: 1. RCM; 2. Eriksson B. I. et al, Oral rivaroxaban for the prevention of symptomatic venous thromboembolism
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after elective hip and
knee replacement, J Bone Joint Surg 2009;91‑B:636‑44. Para mais informações deverá contactar o titular da autorização de introdução no mercado. Bayer Portugal, S.A., Rua Quinta do Pinheiro, nº 5, 2794‑003 Carnaxide · NIF 500 043 256.
Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Vol 23 - Nº 1
FICHA TÉCNICA
EDITOR CHEFE // Editor-in-Chief
António Augusto Martins - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
EDITORES ASSOCIADOS // Associate Editors
Isabel Aragão - Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
Lucindo Ormonde - Centro Hospitalar Lisboa Norte
Rosário Orfão - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
CONSELHO EDITORIAL // EDITORIAL BOARD
Daniela Figueiredo - Centro Hospitalar do Porto
Fernando Abelha – Centro Hospitalar S. João, Porto
Hugo Vilela -Centro Hospitalar Lisboa Norte
Joana Carvalhas – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Jorge Reis - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia - Espinho
Jorge Tavares – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
José Luís Ferreira – Centro Hospitalar Lisboa Central
Luís Agualusa – Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Paulo Sá – Hospital Amadora Sintra, CVP e Clínica de Santo António, Lisboa
Pedro Amorim – Centro Hospitalar do Porto
Rui Araújo - Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Sílvia Neves - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
INFORMAÇÃO SOBRE A REVISTA // Information
http://revistas.rcaap.pt/anestesiologia // http://www.spanestesiologia.pt
E-MAIL: [email protected]
DIREÇÃO DA SPA // SPA Board
Presidente // President
Lucindo Palminha do Couto Ormonde
Vice - Presidente // Vice - President
Isabel Maria Marques de Aragão Fesh
Secretário // Secretary
Maria do Rosário Lopes Garcia Matos Orfão
Tesoureiro // Treasurer
Maria de Fátima da Silva Dias Costa Gonçalves
Vogal // Member of the Board
Rui Nuno Machado Guimarães
SPA // SPA Address
Centro de Escritórios do Campo Grande
Av. do Brasil, nº 1, 5º andar, sala 7
1749-028 Lisboa
tel.: (+351) 913 609 330
e-mail: [email protected]
Propriedade e Administração da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia //
Portuguese Society of Anesthesiology Ownership and Management
ISSN 0871-6099
Depósito Legal // Legal Deposit nº:65830/93
Preço Avulso // Individual Copy 7,5€ / Número // Number
Assinatura // Subscription Rates: 4 edições // 4 copies / 30€
Distribuição: Gratuita aos Sócios da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia //
Distribution: Without Charge for Membership of Portuguese Society of Anesthesiology
Tiragem // Printed Copies: 2500
Periocidade: Trimestral (mar, jun, set, dez) //
Frequency : Quarterly (Mar, Jun, Sep, Dec)
Design, Concepção Gráfica e Paginação // Graphic Design, Paging and Printing:
Letra Zen Comunicação
[email protected]
(+351) 936 206 030
Impresso em papel ácido livre // Printed on acid-free paper.
Sumário // ContentS
Editorial
//
Mensagem do Presidente da SPA
6
Lucindo Ormonde
8
Só os soldados cansados ganham batalhas
JORGE TAVARES
Artigo de Revisão // Review
10
Ecografia Pulmonar no Doente Crítico para
Anestesiologistas - “A Ciência dos Artefactos"
//
Lung Ultrasound in Critically Ill Patients
Ana Silva, Joana Marques, António PAIS Martins
Caso Clínico // Case Report
16
Dexmedetomidina em Craniotomia com Doente Acordado
//
Dexmedetomidine in awake craniotomy
Ana SilvA, Ana Carvalheiro, Ana André,
Fernanda Mira, Cristina Ferreira
Caso Clínico // Case Report
19
Anestesia combinada para cesariana em grávida
com placenta percreta
//
Combined spinal-epidural and general anesthesia for
cesarean section in pregnant with placenta percreta
Adriano Moreira, Catarina Sampaio, Aida Faria
Perspetiva // Perspective
22
Formulário interativo de avaliação pré-anestésica
desenvolvido em Portugal
//
Interactive software for preanesthesia
evaluation developed in Portugal
Paulo Roberto, Filipe Pinheiro, Carla Silva, Teresa Lapa, Ana Bernardino,
Joana Cortesão, Joana Gonçalves, Messias Lopes, Edith Tavares
Errata
//
Algoritmo de Via Aérea Difícil em Obstetrícia
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27
5
Editorial
Mensagem do Presidente da SPA
Lucindo Ormonde
Presidente da SPA
Dez anos depois é altura de passar testemunho. Dez anos ricos de acontecimentos, com
o sentimento do dever cumprido. Esteve sempre o desejo de interpretar este desafio, o
prazer de viver nele, a paixão de acreditar ser possível, e foi.
Muitos colegas nos acompanharam nesta jornada, acreditando no projeto e fazendo
parte dele de forma ativa e construtiva. Não seria possível sem eles, e a todos agradeço
o que me ajudaram a fazer pela anestesiologia portuguesa.
A Sociedade Portuguesa de Anestesiologia é hoje uma associação que está consolidada,
tem sustentação financeira, possui secções que funcionam, alavancou a produção de
documentos de carácter organizativo e científico que são referência, edita uma revista
periódica em vias de indexação e criou um site que permite a comunicação com a comunidade anestesiológica.
O Congresso tornou-se anual, realizado em Lisboa e no Porto de forma alternada, por
razões pragmáticas do ponto de vista económico e para o esforço da presença da maioria dos anestesiologistas portugueses.
As secções desenvolveram-se. Obstetrícia e Pediatria têm desenvolvido atividade de relevância, assim como a de Medicina Intensiva e a de Dor iniciaram agora a sua atividade
apresentando trabalho no terreno.
Da iniciativa de um grupo de jovens anestesiologistas, liderados por Rui Guimarães, surgiram as Tertúlias de Anestesiologia, um
êxito pela novidade, pelo espírito livre e pela imediata aderência de indústria e anestesiologistas.
O Dia do Anestesiologista começou a ser comemorado realçando-se iniciativas em Lisboa, Coimbra, Braga e Leiria interpretadas pelos Hospitais locais.
Jorge Tavares foi autor da única história da Anestesiologia Portuguesa que foi publicada em duas edições. Um testemunho de
que poucas sociedades no mundo se podem gabar.
Criou-se um grupo de trabalho envolvido na formação científica englobando um grupo significativo de colegas de norte a sul,
liderado por Pedro Amorim, e que tem desenvolvido trabalho profícuo nesta área na organização dos congressos.
O trabalho desenvolvido apoiando o Colégio de Anestesiologia permitiu o aparecimento de documentos, normas e consensos
na área da organização do exercício profissional extraordinariamente importantes.
Algumas reuniões conjuntas com outras associações profissionais foram um êxito, relembrando entre outras a Sociedade Portuguesa de Cirurgia Cardiovascular (Algarve) e o CAR (Açores).
A produção de consensos científicos e organizacionais tem sido uma das áreas onde mais se tem investido e sem dúvida com
sucesso. Os consensos sobre a Anestesia Loco Regional e a Organização das Unidades de Obstetrícia são exemplos dessa
realidade.
Outras reuniões científicas assim como outras sociedades científicas pediram o nosso patrocínio daí reconhecendo o papel institucional da SPA nomeadamente, a Sociedade Portuguesa de Medicina Intensiva, Jornadas de Anestesiologia do Algarve, Ilhas
Atlânticas, Andaluzia, Estremadura e Norte de África, Norte da Anestesia, Jornadas da Unidade de Dor de Leiria entre outras.
A SPA tem sido parceiro da Ordem dos Médicos e Direção-Geral da Saúde tendo contribuído com documentos tão importantes
como ‘’Orientações para a Referenciação da Anestesiologia Portuguesa’’ e ‘’Um Plano para o Desenvolvimento da Anestesiologia Portuguesa’’. Honrou a sua presença na Sociedade Europeia de Anestesiologia correspondendo sempre às solicitações das
quais menciono a realização do Congresso da ESA em 2004 em Lisboa e do EuroNeuro 2010 no Porto.
Melhoraram-se as relações com a congénere espanhola estabelecendo um conjunto de ações comuns que mais do que as
instituições passou por um relacionamento pessoal entre profissionais relevantes dos dois países.
Nem tudo foi positivo ou agradável. Apesar da realização de dois Congressos conjuntos Luso-Brasileiros a manutenção das
relações com a congénere luso-brasileira foi esmorecendo, não havendo hoje de ambas as partes vontade de reavivá-las por
carecerem de pontes de ligação que nutram o relacionamento, assim como da dificuldade real de manter um quadro de envolvimento como existiu no passado.
Continuamos a não entender o papel desempenhado pela World Federation of Anesthesia, no atual contexto da anestesiologia mundial motivo que tem provocado o nosso afastamento da organização conjuntamente com outras sociedades internacionais.
Sócio do Clube de Anestesia Regional, acompanhei Sobral de Campos durante anos nesta instituição da Anestesiologia Portuguesa, durante muito tempo a única representante efetiva de acontecimentos na área da anestesiologia Portuguesa. Foram
excelentes tempos e foi sempre para mim lógico que o CAR integrasse a SPA como secção, mesmo que com um estatuto
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diferente das outras respeitando a sua história e contributo veterano para a anestesiologia. Tal não se veio a efetivar por discordâncias que se verificaram, mas que não abalaram a minha amizade por Sobral de Campos uma figura histórica da nossa
disciplina e a quem se deve e devo muito.
Se bem que as relações com o colégio de anestesiologia durante muitos anos foram das melhores, por razões que o distanciamento histórico poderá explicar, nos últimos 4 anos estiveram sujeitas a alguns problemas de relacionamento. No entanto, a
SPA sempre se esforçou por ser o apoio que qualquer colégio necessita, pois as suas possibilidades isolado dentro da OM estão
muito cerceadas e a anestesiologia precisa de um colégio eficaz.
A anestesiologia portuguesa enfrenta muitos desafios e a SPA terá de estar no centro da discussão dos mesmos. Por vezes é
preocupante o desconhecimento que os profissionais de saúde têm sobre as suas instituições, o que representam, de que forma
podem influenciar os processos e de como o tipo de liderança possa pôr em causa uma disciplina médica. Inclusivamente não
se apercebem de como uma instituição como a SPA pode influenciar a sua vida na evolução de normativos sejam científicos
sejam do exercício profissional.
A anestesiologia portuguesa ficará debilitada se não se posicionar nos seus espaços naturais de atividade: a anestesia, a dor,
a medicina intensiva e a emergência. A crise de identidade de outras especialidades como a medicina interna que convive mal
com as suas competências e procura estender-se para as competências de outras especialidades, tem tido protagonismo em
Portugal devido a um grupo bem organizado de colegas daí provenientes. Grupo de profissionais inteligentes e a quem não se
nega competência na área médica, pretende enxertar em Portugal um movimento que nasceu nos EUA e com sequência em
Inglaterra com o objetivo de colocar os anestesiologistas dentro do bloco operatório retirando-lhes o posicionamento perioperatório e colocando-os como simples técnicos de anestesia dentro das salas operatórias num processo semelhante ao papel do
enfermeiro de anestesia estadounidense. Têm conseguido interlocutores que os ouvem nos corredores do Ministério da Saúde,
onde o desconhecimento sobre o que é a nossa disciplina e as suas competências é preocupante. Preocupante ainda será se
atingirem os seus objetivos por imposição política, como aconteceu em Espanha, um bom exemplo de porque a Medicina Intensiva não deve ser uma especialidade.
Tem assim a SPA a oportunidade com novos atores de melhorar, aumentar a sua implementação junto da comunidade anestesiológica e continuar a desempenhar o papel relevante que tem tido nos últimos anos.
Bom Congresso e… até já.
Lucindo Ormonde
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Editorial
Só os soldados cansados ganham batalhas
A Anestesiologia sofreu um impulso decisivo durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945)
com os desempenhos médicos em condições precárias e com a necessidade de respostas para questões concretas e imediatas para as quais não havia resposta. A transposição crítica e o estudo científico posterior de muitas destas “aventuras” resultaram na
criação da Anestesiologia tal como a conhecemos hoje. Os médicos portugueses que
então estagiaram no Reino Unido, na Argentina e nos EUA1 e que regressaram a Portugal para o exercício exclusivo ou prioritário da especialidade, iniciaram um trabalho de
implantação e organização da especialidade de acordo com padrões internacionais de
modernidade.
Com esse trabalho,1 a Anestesiologia veio a integrar a carreira médica hospitalar em
igualdade com as outras especialidades médicas, passou a ocupar o seu espaço em
Jorge Tavares
serviços hospitalares próprios e independentes, integrou a Ordem dos Médicos com
Professor catedrático jubilado
identidade própria, criou uma Sociedade Científica que publica uma revista, alargou
de Anestesiologia
a sua atividade para fora do bloco operatório onde foi pioneira na criação e desenFaculdade de Medicina
da Universidade do Porto, Portugal.
volvimento da Medicina Intensiva, da Medicina de Emergência e da Medicina da Dor,
encarregou-se da formação dos seus novos membros e da atualização dos antigos,
implantou uma abordagem do risco numa perspetiva própria, passou a participar nos organismos políticos e científicos da
Anestesiologia Mundial e Europeia, aproveitou o doutoramento de especialistas para atingir posições académicas universitárias, passou a integrar o currículo do ensino médico pré-graduado, assistiu ou promoveu o doutoramento de mais anestesiologistas, viu alguns destes envolverem-se em programas de investigação, próprios ou em colaboração com outras áreas do
saber médico, com repercussão internacional.
É assim legítimo admitir que a implementação da especialidade concebida pelos seus pioneiros foi um êxito. Mas a vida não
pára, muita coisa mudou e a Anestesiologia tem que responder a novos desafios. Como os anestesiologistas não estão à
espera que alguém de fora faça o seu trabalho, a eles cabe perspetivar os caminhos futuros e fazer as opções que mais lhes
interessam.
Este objetivo tem estado sempre presente na preocupação dos pares portugueses da Anestesiologia. A Sociedade Portuguesa
de Anestesiologia criou um Grupo de Missão e organizou, desde 2004, Foruns organizacionais, em que se debateram alguns
destes temas e se chegaram a conclusões relevantes, nomeadamente em matéria de segurança. Um grupo de anestesiologistas elaborou o documento “Estratégias para o Desenvolvimento da Anestesiologia Portuguesa”, com o objetivo de serem
entregues ao poder político. Embora a reflexão proposta não tenha esse objetivo, o resultado destes trabalhos é seguramente
um contributo valioso.
Primeiro, os anestesiologistas têm que definir o que querem da especialidade e do seu papel no contexto global da Medicina
em Portugal. Feita esta opção, devem refletir sobre os objetivos a atingir e o desenho dos caminhos que darão eficácia e sustentabilidade a essa sua opção. E finalmente, ordenar e pôr em prática as conclusões dessa sua reflexão.
Este editorial, que surge na sequência da análise que a escrita de textos2 e a proferição da "Última aula” na Universidade3
propiciaram, pretende ser um contributo para esta reflexão. Não pretende esgotar o tema – o que é fácil de verificar pela sua
leitura – mas pretende provocar outros contributos para a definição dos trajetos e das prioridades desse caminho.
Parece óbvio que os Anestesiologistas Portugueses, pelo menos a sua maioria, consideram que a autonomia da especialidade
é um legado inalienável. Assim como o é a sua competência em Medicina Intensiva, em Medicina de Emergência e em Medicina da Dor. E que a Anestesiologia é uma especialidade médica, reconhecendo que o atributo de especialidade auxiliar ou de
meio auxiliar de diagnóstico e terapêutica são estadios passados do seu desenvolvimento.
Mas estas evidências situam-se hoje numa medicina diferente no exercício e na organização. As áreas da competência da
Anestesiologia passaram a ser também da competência de outros especialistas. Muitos anestesiologistas deixaram de estar
diretamente ligados a serviços públicos hospitalares, onde a carreira médica lhes assegurava a igualdade de circunstâncias
com os outros especialistas e onde usufruíam de carreira estável. Estas novas circunstâncias permitem que, aqui e ali, se
notem tentativas de considerar que o lugar de trabalho dos anestesiologistas é apenas o bloco operatório e os outros locais
onde se fazem anestesias, sob a direção do cirurgião ou de outro não anestesiologista, com critérios diferentes de atribuição
das compensações.
Manter a autonomia, as áreas de competência e a igualdade com outras especialidades e com outros especialistas não são
uma tarefa exclusivamente sindical, nem uma questão de resiliência passiva ou ativa, antes passam pelo assumir de atitudes positivas, que coloquem a especialidade em patamar de notoriedade e os anestesiologistas em parceiros de qualidade
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indiscutível.
Nesta base, consideremos os caminhos que se me afiguram prioritários. O primeiro destes caminhos deriva da constatação
de que os anestesiologistas portugueses fazem tão bem como os melhores, sabem tanto como os melhores, mas são pouco
considerados pela comunidade anestesiológica internacional. A este nível, o reconhecimento está relacionado, bem ou mal,
com a publicação de resultados de investigação em revistas indexadas, sobretudo com fator de impacto. Isto é, com a participação na investigação e na inovação.
A valorização da comunicação e a publicação nas grelhas de avaliação curricular, sobretudo na prova de atribuição do título de
especialista, foi o primeiro passo de um objetivo mais amplo: à promoção da comunicação para conseguir melhor pontuação
deveria seguir-se a publicação em extenso. Depois – e este parece o momento asado para tal – a organização de projetos de
investigação, fomentados e controlados por instituições idóneas.
O entendimento de que o progresso passa pela ciência é comum ao discurso oficial em países como o nosso. Mas a investigação médica não é sinónimo de laboratórios de investigação básica servidos por propaganda mediática, mas diz também respeito à investigação com doentes e em doentes. Mas já não é comum olhar para esta com a mesma consideração com que os
responsáveis pela Ciência olham aquela. À Sociedade Portuguesa de Anestesiologia parece destinado o papel de catalisador
da criação destes projetos, de avaliador da qualidade do trabalho e de agente para a sua inclusão na rede científica nacional.
A experiência demonstra que os trabalhos dos doutoramentos são ponto de partida natural para iniciar este caminho.
O segundo caminho refere-se à recertificação. Uma especialidade com recertificação gera especialistas considerados. Os
modelos que estão a ser ensaiados em muitos países estão naturalmente longe da ideia inicial de exame clássico e periódico
por pares. Assiste-se ao ensaio de vários modelos mas não ao ensaio da recertificação, já que esta começa a ser ponto assente. Os modelos ensaiados são diversificados, mas sempre dependentes dos pares. Caberá assim naturalmente ao Colégio
de Especialidade da Ordem dos Médicos, por excelência o órgão dos pares, o iniciar esta tarefa, optando por um modelo que
melhor se ajusta às características culturais dos anestesiologistas portugueses. Os Serviços de Anestesiologia com grande
dimensão e diversificação de valências serão os colaboradores privilegiados do Colégio nesta tarefa.
Seja qual for o modelo, recertificação significa formação. E esta é, em última análise, da responsabilidade do interessado. A
Anestesiologia Portuguesa, através das suas instituições, dos serviços e das universidades, exibe um passado consistente em
matéria de colocação de meios de formação ao dispor dos seus membros. A recertificação exigirá um aprofundamento da
qualidade e da oportunidade desses meios, que passará pela reformulação ou mesmo reinvenção das formas tradicionais e
envolverá o recurso a métodos modernos de comunicação e às tecnologias da simulação.
Nas circunstâncias atuais, estes caminhos não são fáceis. A gestão empresarial centralizada dos Hospitais públicos “por
folhas de Excel” acarreta a imposição de decisões não participadas pelos interessados e atribui – na realidade, que não no
discurso – à motivação dos trabalhadores um papel discreto e muito secundário, o que dificulta a investigação, a análise científica dos desempenhos e a criação de inovação e lhes confere um peso muito discreto e secundário, quando não inexistente.
A dificuldade ou impossibilidade de atribuição de horas de trabalho hospitalar para investigar e recertificar-se, dificulta a sua
execução, o que aponta para a investigação e a recertificação em exercício. Os anestesiologistas têm que convencer administradores e políticos que a investigação e a recertificação tem como único objetivo a melhoria da qualidade dos cuidados
prestados. Tal como acontece nos países com que nos comparamos, trabalhar nestas tarefas exige um esforço adicional ao
serviço de uma ambição pessoal, social e profissional. Natural e legitimamente, muitos anestesiologistas assumem uma posição distante desta: fazem bem o que tem para fazer de acordo com o seu contrato e não querem que os incomodem: desde
que lhe paguem certinho, está tudo bem.
Mas dificuldades não são impossibilidades. As muitas dificuldades porque passaram os pioneiros da especialidade não travaram a sua determinação. Os seus desafios foram diferentes, mas não menos custosos de perseguir.
Só os soldados cansados ganham batalhas.
Jorge Tavares
1. Tavares J. História da Anestesiologia Portuguesa. 2ª ed. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Anestesiologia; 2013.
2. Tavares J. Serviço de Anestesiologia do Hospital de S. João. 50 anos de Pioneirismo. Na Anestesia e nos Cuidados Peri-Anestésicos. Na Medicina
Intensiva e na Reanimação. Na Emergência. Na Analgesia do Trabalho de Parto. Na Medicina da Dor. Na Qualidade e na Segurança. Na Educação
Médica e no Aperfeiçoamento Profissional. Porto: Edição Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar S. João, EPE; 2011.
3. Tavares J. A Anestesiologia, disciplina académica. Última lição proferida a 6 de julho de 2013, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
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Artigo de Revisão // Review
Ecografia Pulmonar no Doente Crítico para Anestesiologistas “A Ciência dos Artefactos"
Ana Cristina Silva1; Joana Marques2; António Pais Martins3
Palavras-chave:
- Cuidados Intensivos;
- Doente Crítico;
- Pulmão/ultrassonografia;
- Ultrassonografia
Resumo
A avaliação pulmonar do doente crítico é tradicionalmente realizada com o recurso a
radiografia torácica e tomografia axial computorizada, contudo cada vez mais a ecografia
tem-se revelado como um método de diagnóstico de grande utilidade em medicina
intensiva.
Por ser uma técnica não invasiva, de baixo custo, que não utiliza radiação e que pode ser
repetida sem risco adicional, torna-se uma técnica bastante atrativa para ser realizada à
cabeceira do doente.
Nesta revisão pretende-se explicar a realização da técnica, o padrão normal e artefactos e
os critérios principais no diagnóstico de cada patologia.
Lung Ultrasound in Critically Ill Patients
Ana Cristina Silva1; Joana Marques2; António Pais Martins3
Keywords:
- Critical Care;
- Critical Illness;
- Lung/ultrasonography;
- Ultrasonography
Summary
The pulmonary evaluation of critically ill patients has been traditionally performed with
the use of chest radiography and computed tomography, however increasingly ultrasound
has been shown to be a useful diagnostic method.
For being a non-invasive technique with low cost, that does not use radiation and can
be repeated without additional risk, it had became a very attractive technique to be
performed at the bedside.
In this review we explain the lung ultrasound technique, define the normal pattern, the
artifacts and the criteria for the main disease.
¹ Interna do Internato Complementar de Anestesiologia do Centro
Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE. Portugal.
2
Interna do Internato Complementar de Anestesiologia do Centro
Hospitalar do Baixo Vouga, EPE. Portugal.
3
Chefe de Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Lisboa
Ocidental EPE, Coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI/UCIC)
do Hospital São Francisco Xavier. Portugal.
INTRODUÇÃO
A abordagem do doente crítico envolve o uso de técnicas
imagiológicas consideradas essenciais para diagnóstico e
início de procedimentos terapêuticos. Atualmente, as mais
utilizadas são a radiografia e a tomografia computorizada torácica. A ecografia revelou ser de grande utilidade em doentes
críticos, pois para além de não utilizar radiação X, permite a
repetição do exame sem aumentar o risco. Os equipamentos
são práticos, portáteis, de fácil utilização e fidedignos, o que
os torna apropriados para utilização no diagnóstico e orientação de procedimentos. A ecografia pode ser realizada à cabeceira do doente por médicos que trabalhem em Unidades de
Cuidados Intensivos (UCI), sendo cada vez mais atrativa num
10 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
número crescente de situações, incluindo avaliação cardiovascular, doença abdominal aguda, diagnóstico de trombose
venosa profunda e pneumonia associada à ventilação (PAV).1
Recentemente, a ecografia torácica tornou-se numa ferramenta útil para avaliação de doentes ventilados, tal como
se verifica no número crescente de artigos publicados na literatura. Parece ter um papel predominante na avaliação da
morfologia pulmonar em doentes com hipoxia grave,2 e pode
ser facilmente repetida, permitindo monitorizar a eficácia terapêutica.
A European Federation of Societies for Ultrasound in Medicine and Biology3 em 2009, recomenda relativamente à prática de ecografia torácica para obtenção do nível de competências,1 a observação de pelo menos 25 ecografias executadas
sob supervisão, pelo menos 100 em doentes sem patologia,
50 em doentes com derrame pleural e executadas 25 toracocenteses.
Em 2011, a Association of Anaesthetists of Great Britain
& Ireland juntamente com o Royal College of Anaesthetists
e a Intensive Care Society publicaram um conjunto de guidelines para utilização de ecografia em Anestesia e Cuidados
Intensivos, no qual se encontra descriminado o nível de com-
Ecografia Pulmonar no Doente Crítico
petências práticas necessárias, que deveria ser incluído nos
programas de formação. 4
Noções gerais
Equipamento técnico
A avaliação ecográfica do tórax é condicionada pelas barreiras acústicas óssea e aérea, contudo o espaço pleural e o
parênquima pulmonar subpleural são acessíveis utilizando a
janela fornecida pelos espaços intercostais. O ecógrafo a utilizar deverá ter imagem bidimensional e modo M. As sondas
com frequências entre 3,5-5 MHz, utilizadas para abordagem
abdominal e cardíaca, permitem uma adequada visualização
dos planos profundos e a caracterização de consolidações
e do derrame pleural. Para as estruturas mais superficiais,
como a pleura, as sondas de frequência superior a 5 MHz permitem melhor resolução. A forma da sonda a utilizar, linear ou
convexa, depende da zona a estudar, devendo ser convexa
se o espaço intercostal for estreito, para evitar a interferência
acústica produzida pelas costelas.5
Em ambiente de Cuidados Intensivos (CI) existe uma característica técnica necessária para o uso da ecografia: as sondas
deverão ser compatíveis com procedimentos de descontaminação repetidos, dado que serão utilizadas em vários doentes
e podem ser um meio para transmissão de microrganismos
resistentes e que podem ser disseminados pela UCI.6
Exame com ecografia pulmonar
Em doentes críticos, a ecografia deverá ser realizada em
decúbito dorsal permitindo uma melhor abordagem ântero-lateral. Quando necessário, o decúbito lateral possibilita
melhor visualização da região dorsal dos lobos inferiores. Inicialmente deve ser localizado o diafragma e pulmões. Condensações pulmonares ou derrames pleurais encontram-se
predominantemente no pulmão pendente e região dorsal
pulmonar, e podem ser distinguidos do fígado e baço, após
localização do diafragma.
Existem diversas abordagens sistemáticas descritas, sendo
que a mais comum é a divisão do hemitórax em 4 áreas. Uma
linha axilar anterior divide a zona anterior da lateral e a linha
que separa o terço médio do terço inferior do esterno, divide a
zona inferior da superior5 (Fig. 1).
Figura 1 - Áreas de Visualização. AS - Anterior Superior; AI - Anterior
Inferior; LS - Lateral Superior, LI – Lateral Inferior.
Os segmentos dorsais dos lobos superiores, localizados anteriormente à omoplata, são as únicas regiões não visualizáveis por ecografia.
A duração aproximada do exame deverá ser de, aproximadamente, 15 minutos, contudo com a crescente aquisição de
aptidões técnicas, pode ser realizado mais rapidamente.6
Padrão normal e artefactos
Normalmente, os ultrassons não se transmitem através
de estruturas anatómicas preenchidas com gás, assim o
parênquima pulmonar atrás da pleura não é visível. Quando
o pulmão deixa de estar arejado de forma maciça e existe
condensação, os ultrassons transmitem-se para as estruturas torácicas mais profundas. Como consequência, órgãos
mediastínicos como o arco aórtico podem ser visualizáveis, na
presença de consolidação dos lobos superiores.
Após colocação da sonda no sentido longitudinal, perpendicular aos espaços intercostais, visualizam-se duas interfaces ecogénicas arredondadas que correspondem às costelas.
Cerca de 0,5 cm abaixo delas localiza-se uma linha hiperecogénica horizontal que representa a pleura, que no caso de
utilização de sondas de alta frequência, permite a visualização dos folhetos visceral e parietal, separados por um espaço
pleural (0,3mm).7
O pulmão subjacente à pleura corresponde a uma interface
altamente refletora que bloqueia a penetração dos ultrassons.
O padrão do pulmão normal apresenta um artefacto por
reverberação que são as linhas A. A principal característica a
observar é a presença de deslizamento na superfície da união
pleuropulmonar. Um padrão ecográfico normal define-se pelo
deslizamento da pleura associado a linhas A horizontais. Em
cerca de um terço dos doentes com pulmões normais, podem
ser detetadas linhas verticais B, sem significado patológico.
Quando aplicado o modo M, distinguem-se duas zonas bem
diferenciadas, que configuram o sinal da praia (seashore sign):
a parte superior corresponde à parede torácica, formada por
linhas horizontais paralelas (sea) e a parte inferior, desde a
pleura, de aspeto granulado (sandy beach)5 (Fig 2).
Figura 2 - Padrão ecográfico normal e seashore sign.
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
11
Ecografia Pulmonar no Doente Crítico
Artefactos são imagens que não correspondem a nenhuma estrutura facilmente reconhecível, sendo produzidos pela
reflexão e reverberação dos ecos sobre as interfaces dos tecidos.8
Linhas A: Linhas hiperecogénicas horizontais e paralelas
que se localizam a uma distância múltipla da que existe entre
a sonda e a linha da pleura.
Linhas B (cauda de cometa): Linhas hiperecogénicas verticais que partem desde a pleura e ocupam todo o ecrã. São
expressão de edema ou fibrose dos septos interlobulares.
Linhas C: Linhas hiperecogénicas horizontais, situadas a
uma distância que não é múltipla da que existe entre a sonda
e a linha da pleura.
Linhas E: Linhas hiperecogénicas verticais que se iniciam
na parede torácica, ao contrário das linhas B que têm início na
linha pleural, e resultam do enfisema subcutâneo.9
Sliding sign (Sinal de deslizamento pleural)
Imagem do movimento da pleura visceral,
que acompanha o pulmão, sobre a pleura
parietal, acompanhando os movimentos
respiratórios.
Seashore sign (sinal da praia)
Em modo M, distinguem-se duas zonas
bem diferenciadas. A parte superior, que
corresponde à parede torácica, formada por
linhas horizontais paralelas. À parte inferior,
desde a pleura, de aspeto granulado, como
areia de praia.
do doente.
A presença de linhas B exclui o diagnóstico de pneumotórax,
já que implica a justaposição das pleuras parietal e visceral.
O diagnóstico definitivo de pneumotórax baseia-se na identificação do ponto pulmonar lung point, que consiste na visualização de um local de pulmão normal em contacto com uma área
com ausência de deslizamento pleural, ou seja, onde ocorre a
transição de imagens normais arenosas e anormais de linhas
horizontais. Esse achado revela o colapso do pulmão, sendo
100 % específico para pneumotórax. Em Modo M abaixo da linha pleural será visualizado um padrão linear em vez do padrão
granular, “sinal da estratosfera”.8
2. Derrame Pleural
A presença de derrame pleural pode ser facilmente avaliada
correspondendo a uma imagem escura (anecoica) e homogénea na região dependente do pulmão (Fig.s 4 e 5).
PADRÕES PATOLÓGICOS
Figura 4 e 5 - Padrão ecográfico de derrame pleural.
1. Pneumotórax
A avaliação do pneumotórax deve ser iniciada nas áreas
não dependentes do tórax. A interposição de ar entre os folhetos parietal e visceral da pleura impede o seu deslizamento
e a presença de linhas B. Em Modo M perde-se o sinal seashore e só se visualizam linhas horizontais paralelas, imagem
conhecida como sinal de “código de barras” ou “estratosfera”
(Fig.3).5
Figura 3 -Padrão ecográfico de pneumotórax
A ausência de deslizamento pulmonar pode ocorrer noutras situações, como intubação brônquica seletiva, aderências
pleurais, contusão, consolidação e atelectasia pulmonar, daí
a importância de integração do exame com o estado clínico
12 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
Para um diagnóstico correto deve assegurar-se que se encontra localizado acima do diafragma, confirmando a posição
intratorácica.
Em Modo M são identificadas alterações dinâmicas com variações do espaço pleural com o ciclo respiratório, que diminui
com a inspiração – sinal sinusóide, que apresenta uma especificidade de 97 %.8
De acordo com a aparência ecográfica pode classificar-se o
derrame em diferentes tipos:
Livre – totalmente anecoico
Loculado – presença de septos hiperecoicos ou pontos cintilantes no interior do derrame
A diferenciação entre exsudado ou transudado é muitas vezes difícil, em geral os transudados são anecoicos e livres e os
exsudados difusamente ecogénicos, podendo ser mais frequentemente loculados.
A estimativa do volume do derrame pleural ainda é controversa, mas geralmente avalia-se a distância entre o pulmão e a
parede torácica com a sonda posicionada na linha axilar posterior, 3 cm acima da base pulmonar. Se esta distância for superior
a 5 cm é altamente sugestivo a presença de derrame superior a
500 ml. Uma alternativa é multiplicar a distância máxima nessa posição por 20, obtendo-se uma estimativa do volume do
derrame em mL.5
Ecografia Pulmonar no Doente Crítico
3. Síndrome Alvéolo-intersticial
A presença de edema pulmonar ou infiltrado intersticial é
caracterizada ecograficamente pelo espessamento dos septos interlobulares e intensificação das linhas B com o aparecimento de imagens de “cauda de cometa” (Fig. 6). Estas linhas
surgem a partir da linha pleural e estendem-se até ao final da
imagem, apagando as linhas A nas suas intersecções.10
• Identificação de irregularidades nos bordos da lesão, exceto
se lesão lobar completa – sinal de retalho 90 % sensível e ausência de linhas A e B.5
Podem ser identificadas no interior da lesão imagens punctiformes refletivas (hiperecogénicas), que variam com o ciclo respiratório e que correspondem a broncograma aéreo.
A ecografia não distingue a natureza da consolidação, que
pode resultar por exemplo de atelectasia, pneumonia, tumor ou
contusão, pelo que a clínica é essencial para a orientação do
diagnóstico.
5. Diagnóstico de Insuficiência Respiratória Aguda
Figura 6 - Padrão ecográfico de síndrome alvélo intersticial.
As linhas B movimentam-se em sincronia com o ciclo respiratório e embora possam ser detetadas no pulmão normal
o seu número está relacionado com o grau de espessamento
dos septos interlobulares e a redução da permeabilidade pulmonar.
A distância entre a pleura e as linhas B pode diferenciar a
localização do edema. Se as linhas estiverem separadas 7
mm, corresponde a edema intersticial, se a distância for de 3
mm indica a presença de edema alveolar.
A identificação de mais de 3 linhas B num espaço intercostal em áreas pulmonares não dependentes é considerado
patológico e o número de linhas B é diretamente proporcional
à quantidade de edema.6
A ecografia neste caso é bastante útil para a monitorização do tratamento e evolução clínica, já que a diminuição do
número total de linhas B correlaciona-se com uma melhoria
clínica significativa.
4. Consolidação Pulmonar
Na consolidação pulmonar os espaços aéreos estão preenchidos por líquido ou células inflamatórias e o tecido pulmonar transforma-se numa massa sólida. O pulmão consolidado
é hipoecogénico de bordos mal definidos e apresenta um aspeto semelhante ao fígado e baço.7
Os critérios para o diagnóstico ecográfico de consolidação
pulmonar são:
• Padrão tecidular semelhante a órgãos sólidos como o fígado – sinal de hepatização, com especificidade de 98 %.
De acordo com o protocolo denominado BLUE (Bedside Lung
Ultrassound in Emergency),11 desenvolvido pelo grupo de Lichtenstein, é possível determinar uma série de padrões ecográficos, que possibilitam um diagnóstico rápido das situações mais
frequentes de insuficiência respiratória aguda.
Estes padrões baseiam-se na combinação da análise venosa
dos membros inferiores com os seguintes sinais: deslizamento pleural, presença de linhas A e B, derrame e consolidações.
O diagnóstico diferencial inclui as entidades mais frequentes
como: asma ou agudização de DPOC, edema pulmonar, tromboembolismo pulmonar, pneumotórax e pneumonia.
A ecografia que demonstre um padrão pulmonar normal (deslizamento pleural com linhas A) deve ser associada à avaliação
venosa dos membros inferiores. Se houver sinais de trombose
venosa, esse achado é específico para embolia pulmonar e,
em casos negativos, esse padrão sugere broncospasmo como
etiologia da disfunção respiratória. Já a ausência de deslizamento pleural com presença de linhas A, torna o diagnóstico de
pneumotórax possível. Os autores destacam a precocidade na
obtenção de um diagnóstico definitivo, que neste tipo de doentes é de extrema importância e propõe um algoritmo para a
avaliação de doentes com insuficiência respiratória aguda em
CI. Este algoritmo, realizado logo após a admissão do doente,
demonstrou uma precisão diagnóstica de 90,5 % em relação ao
diagnóstico final.11
Realização de técnicas e procedimentos
A ecografia torácica tem indicação formal na condução de
manobras invasivas pneumológicas, relativamente a outros
métodos (Quadro 1).
Quadro 1 - Adaptado de Quantification effusions: sonography versus
radiography.12
Ecografia
TAC
Disponibilidade
+++
++
+
Radiação (doente/profissional)
0/0
++/0
0/0
Controlo em tempo real
+++
0
+
Mobilização do doente
+++
+
+
Duração do procedimento
++
+++
+++
Custo
+
++
+++
RMN
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
13
Ecografia Pulmonar no Doente Crítico
A drenagem de derrame pleural com fim diagnóstico ou
terapêutico foi uma das primeiras utilizações da ecografia torácica, pela marcação do local e comprovação da segurança
na punção. A toracocentese ecoguiada aumenta a rentabilidade, conforto e segurança do procedimento. Após identificação do diafragma, fígado e baço, seleciona-se o melhor
espaço intercostal para punção, com possibilidade de monitorização contínua e em tempo real do posicionamento da
agulha, diminuindo a taxa de complicações.12 Relativamente
à colocação de drenos torácicos, a ecografia permite o correto
posicionamento do dreno, com menores riscos. A ecografia é
ainda útil na verificação da eficácia da pleurodese no doente
com drenagem torácica, pois permite não só confirmar ausência de líquido na cavidade pleural mas também auxiliar a
instilação do agente químico esclerosante.14
No caso da intubação traqueal, a ecografia pulmonar permite o diagnóstico da intubação brônquica seletiva, pois o
pulmão não ventilado mostrará ausência de sinal de deslizamento pulmonar. Relativamente à traqueotomia percutânea,
Rajajee e colegas,15 demonstraram que o uso de ecografia
em tempo real melhora a segurança do procedimento, em
particular a redução de hemorragia.
Monitorização da resposta terapêutica em doentes
críticos
A adoção de um protocolo de fluidoterapia ecoguiado em
doentes com insuficiência cardíaca, permite fazer o diagnóstico diferencial de choque obstrutivo, cardiogénico, hipovolémico ou séptico. A ecografia pulmonar é feita juntamente com
um ecocardiograma simples com visualização da veia cava.
Sempre que não está disponível a ecocardiografia, a administração de fluidos sob ecografia pulmonar é de fácil execução
e eficaz, baseando-se na presença de linhas B ou ausência
de linhas A, que caracterizam o edema pulmonar intersticial.
Está demonstrado tanto o benefício de uma reanimação inicial precoce como o efeito prognóstico adverso que existe
num balanço positivo de fluidos, tanto a nível pulmonar como
sistémico. A presença de um padrão de linhas A (ausência de
edema) permite continuar a fluidoterapia, o aparecimento de
linhas B determina a suspensão do aporte de volume.16
Relativamente ao tratamento antibiótico da pneumonia, o
grupo de Pitié-Salpêtrière, publicou em 2010 os resultados do
uso da ecografia pulmonar na avaliação da resposta ao tratamento antibiótico na PAV. Neste estudo, os autores avaliaram por TC, radiografia do tórax (RX) e ecografia pulmonar, a
eficácia da antibioterapia em doentes com PAV e concluíram
que o valor preditivo da ecografia pulmonar é superior ao RX
e semelhante ao TC.17
LIMITAÇÕES DA ECOGRAFIA
A correta interpretação da ecografia exige um treino específico para a aquisição de competências. Se o treino for contínuo a curva de aprendizagem é rápida, porém faltam ainda
14 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
profissionais habilitados para a sua utilização. A organização
de um programa de treino é fundamental para uma correta
utilização e interpretação dos resultados.
Outra limitação deste método é o facto de ser uma avaliação dinâmica dependente do operador. Para além disso, as
próprias características do doente podem dificultar a técnica,
como por exemplo os doentes obesos ou a presença de enfisema subcutâneo.6
CONCLUSÃO
A utilização da ecografia pulmonar tem-se revelado um
método eficaz para o diagnóstico de pneumotórax, derrame pleural, consolidações e síndrome alvéolo-intersticial em
doentes críticos.
É uma técnica acessível, de baixo custo, não invasiva, que
não utiliza radiação X e que pode ser repetida sem risco acrescido, pelo que se torna bastante atrativa para a utilização de
rotina à cabeceira do doente.
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Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
15
Caso Clínico // Case Report
Dexmedetomidina em Craniotomia com Doente Acordado
Ana Cristina Silva1; Ana Filipa Carvalheiro2; Ana Isabel André3; Fernanda Palma Mira4; Cristina Ferreira5
Palavras-chave:
- Analgésicos não Narcóticos;
- Craniotomia;
- Dexmedetomidina;
- Eletroencefalografia;
- Portugal;
- Sedação Consciente
Resumo
A craniotomia com o “doente acordado” está indicada em situações de excisão de lesões
situadas em áreas eloquentes do córtex cerebral, para tratamento de doenças neoplásicas,
distúrbios do movimento, terapêutica da dor e na cirurgia da epilepsia.
Descreve-se o caso de um doente do sexo masculino, 25 anos, com lesão infiltrativa
parieto-temporal esquerda proposto para craniotomia acordado, tendo sido realizada uma
sedoanalgesia com recurso a dexmedetomidina, que revelou ser uma alternativa segura e
eficaz neste tipo de procedimentos.
Dexmedetomidine in awake craniotomy
Ana Cristina Silva1; Ana Filipa Carvalheiro2; Ana Isabel André3; Fernanda Palma Mira4; Cristina Ferreira5
Keywords:
- Analgesics, Non-Narcotic;
- Conscious Sedation;
- Craniotomy;
- Dexmedetomidine;
- Electroencephalography;
- Portugal;
- Wakefulness
Summary
Awake craniotomy is indicated for resection of space occupying lesions in eloquent areas
of the cortex, for treatment of neoplasic diseases, movement disorders, pain treatment
and in epilepsy surgery.
We describe a case report of 25 years old male, with a diagnosis of a left parietotemporal tumor submitted to a sedoanalgesia with dexmedetomidine for an elective
awake craniotomy, which is a safe and potent sedative for functional neurosurgery.
¹ Interna do Internato Complementar de Anestesiologia do Centro
Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO). Portugal
2
Interna do Internato Complementar de Anestesiologia do Centro
Hospitalar do Algarve – Unidade de Portimão. Portugal
3
Assistente Hospitalar de Anestesiologia do CHLO. Portugal
4
Assistente Graduado de Anestesiologia do CHLO. Portugal
5
Chefe de Serviço de Anestesiologia do CHLO. Portugal
A craniotomia com o “doente acordado” é uma das técnicas disponíveis para realizar determinados procedimentos
neurocirúrgicos, como excisão de lesões em áreas eloquentes,
cirurgia da epilepsia, terapêutica da dor e distúrbios do movimento. A principal vantagem desta abordagem é a possibilidade de avaliar o estado neurológico do doente durante a
intervenção.1
A abordagem anestésica destes doentes representa um
verdadeiro desafio, já que o doente deve estar bastante confortável e suficientemente alerta para cooperar e realizar determinados testes de avaliação cognitiva.1,2
16 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
Várias técnicas têm sido utilizadas para este tipo de procedimentos, nomeadamente anestesia local, sedação e anestesia geral com despertar intraoperatório. Contudo, a sedação
consciente proporciona ao doente um estado de ansiólise e
analgesia, mantendo a permeabilidade da via aérea e a capacidade de colaborar nos testes cognitivos.3
A dexmedetomidina, um agonista α2-adrenérgico seletivo,
é um fármaco com propriedades simpaticolíticas, sedativas,
amnésicas e analgésicas, que permite uma sedação consciente, com um despertar suave, sem provocar depressão respiratória e com diminuição de risco de náuseas e vómitos por
se evitar o consumo de opioides.3
O caso clínico apresentado descreve a utilização deste fármaco numa craniotomia com o doente acordado, evidenciando uma possível alternativa na abordagem destes doentes.
Caso Clínico
Doente do sexo masculino, 25 anos, com lesão tumoral parietotemporal esquerda, diagnosticada na sequência de con-
Dexmedetomidina em Craniotomia com Doente Acordado
vulsões (Fig. 1). Foi proposto para craniotomia parietotemporal “acordado” para exérese da lesão.
Figura 1 - RMN Crânio: Tumor parietotemporal esquerda, com componente
“quístico-necrótico” de 3 cm de diâmetro e componente sólido/infiltrativo
que envolve o córtex com 5 a 6 cm.
Não apresentava outros antecedentes pessoais relevantes,
sem alergias conhecidas, medicado em ambulatório com carbamazepina 400 mg/dia.
Ao exame objetivo doente consciente, orientado, sem défices focais, peso 68 Kg, pressão arterial 130/65 mmHg, pulso
120 bpm, sem estigmas de via aérea difícil. Segundo a classificação do estado físico da American Society of Anesthesiologists (ASA) era ASA II. Rotinas pré-operatórias sem alterações.
Manteve medicação de ambulatório até à véspera da cirurgia, não tendo realizado outra medicação pré-anestésica.
No intraoperatório foi utilizada monitorização standard, recomendada pela ASA, foram colocados 2 acessos venosos
periféricos (G20 e G18) e cateter vesical. O doente foi submetido a sedoanalgesia com midazolam 2 mg e dexmedetomidina 0,5-0,7µg/Kg/h e anestesia local com lidocaína 2 % com
adrenalina e ropivacaína 0,75 %.
Figura 2 - Realização dos testes cognitivos. Estimulação cortical intraope-
ratória para mapeamento das áreas de ressecção tumoral.
O doente permaneceu em ventilação espontânea, com O2
administrado por cânula nasal a 3L/min, facilmente despertável à voz, calmo, sem queixas álgicas e colaborante durante
a realização dos testes cognitivos intraoperatórios (Fig. 2), nomeadamente, identificação de imagens, contagem numérica
crescente e decrescente e associação de verbos a determinadas imagens observadas (score 3/6 na Escala de Sedação
de Ramsay).
Para controlo de taquicardia (Fig. 3), associou-se esmolol
em perfusão a 50 µg/Kg/min, (1h30).
Figura 3 - Parâmetros hemodinâmicos no intra-operatório.
Foram, ainda, administrados os seguintes fármacos: cefazolina 2 g, furosemida 20 mg e dexametasona 10 mg antes
da indução, levetiracetam 1500 mg no início da cirurgia, 1 g
de paracetamol 30 minutos antes do final da intervenção, ondansetrom 4 mg e metamizol 2 g no fim da cirurgia.
A sedoanalgesia teve a duração de 195 minutos, tendo decorrido sem intercorrências.
No final da intervenção foi transportado para a Unidade de
Cuidados Intensivos. À chegada, apresentava-se clinicamente
estável, sem dor, náuseas ou vómitos, mantendo o estado de
consciência e sem sinais focais ou défices neurológicos.
Discussão
A anestesia para craniotomia em “doente acordado” pode
ser realizada de várias formas, que incluem desde a anestesia
local associada ou não a sedação até a anestesia geral, com
despertar intraoperatório para mapeamento cortical.
Este procedimento apresenta diferentes indicações para a
sua utilização. As anatómicas destinam-se a identificar lesões
situadas em áreas eloquentes do córtex cerebral, nas quais
é necessária a estimulação cortical intraoperatória. Durante
a estimulação elétrica é solicitado ao doente que responda
a algumas perguntas para que se observe alteração da fala
nesse momento. Aquando da estimulação de áreas motoras
observa-se, da mesma forma, a ocorrência de movimentos
involuntários nas regiões referentes aos locais de eletroestimulação, podendo então ser delimitada com segurança a
margem de ressecção do tumor. Por sua vez, as indicações
fisiológicas referem-se às situações em que há necessidade
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Dexmedetomidina em Craniotomia com Doente Acordado
de implantação de elétrodos de estimulação profundos, no
tratamento de doenças do movimento como a doença de
Parkinson e outras distonias. As indicações farmacológicas
dizem respeito à cirurgia da epilepsia em que é necessária a
eletrocorticografia intraoperatória para definir as margens de
ressecção, podendo haver interferência dos agentes anestésicos na elaboração desta.1,3
Os doentes são selecionados por uma equipa multidisciplinar composta pela neurocirurgia, neurologia e neuropsicologia.
A preparação destes doentes é realizada atempadamente e
envolve a avaliação cognitiva do doente pela neuropsicóloga,
com a aplicação dos mesmos testes que são utilizados no
intraoperatório, com o intuito de avaliar possíveis alterações
que surjam de novo durante o procedimento.
Doentes com dificuldades de comunicação, confusos, extremamente ansiosos ou com resposta exagerada à dor
têm, naturalmente, contraindicação para realização do procedimento, assim como aqueles que necessitem de decúbito
ventral (tumores occipitais), com lesões com envolvimento da
dura-máter (estímulos álgicos mais intensos) e os portadores
de obesidade mórbida.1,2
peamento das áreas corticais, foram realizados com sucesso,
por meio de infusão contínua da dexmedetomidina. Houve
plena satisfação do doente e da equipa cirúrgica com a técnica. A colaboração obtida com a utilização deste fármaco
permitiu a ressecção completa do tumor, sem ocorrência de
sequelas a nível da compreensão da linguagem, cuja localização era próxima da área ressecada. Neste caso era importante a comunicação frequente com o doente para identificar
precocemente qualquer lesão.
O objetivo deste caso, foi apresentar a utilização da dexmedetomidina na craniotomia em “doente acordado”, sem a
ocorrência de agitação psicomotora, depressão respiratória,
sonolência excessiva e sem interferir na avaliação cognitiva
necessária durante o procedimento. A utilização deste fármaco, mostrou ser um método seguro, único e eficaz que proporciona uma sedação consciente.
REFERÊNCIAS
1. Jones H, Smith M. Awake craniotomy. Contin Educ Anaesth Crit
Care Pain. 2004; 4:189-92.
As complicações mais comuns associadas à técnica com
o “doente acordado” são agitação, tonturas, náuseas, dor e
convulsões. Pode ainda ocorrer depressão respiratória.2
2. Santos MC, Vinagre RC. Dexmedetomidina para Teste Neurocognitivo em Craniotomia com o Paciente Acordado. Relato de Caso. Rev
Bras Anestesiol. 2006; 56: 402-7.
Em Portugal, o uso de dexmedetomidina apenas está autorizado em Medicina Intensiva. No entanto, a sua utilização
foi possível após autorização pela Farmácia e Comissão de
Ética do hospital, exclusivamente para Neurocirurgia em craniotomia com o “doente acordado”, justificando o seu interesse pelas suas características únicas farmacológicas e clínicas.
A dexmedetomidina é um agonista dos recetores α2adrenérgicos que providencia analgesia e sedação, facilmente
revertida com a estimulação verbal, sem o risco de depressão
respiratória. Permite manter o doente confortável e suficientemente alerta para cooperar e participar nos testes cognitivos realizados ao longo da demarcação da área cirúrgica no
córtex cerebral.
A técnica de sedação consciente proporciona ao doente a manutenção da via aérea sem depressão respiratória, além da capacidade de responder de modo apropriado a estímulos motores
e a comandos verbais, sendo uma das opções para a realização
destes procedimentos.
A dexmedetomidina produz diminuição dose-dependente
na pressão arterial e na frequência cardíaca, concomitante
com a diminuição das catecolaminas plasmáticas, como resultado do seu efeito agonista nos recetores α2-adrenérgicos.4
No entanto, no nosso caso, com a utilização de doses de 0,50,7 µg.kg-1.h-1, as alterações hemodinâmicas foram mínimas,
tendo havido uma resposta de taquicardia com a infusão,
apesar do doente se encontrar calmo, confortável e sem dor.
Esta resposta, levou à necessidade do uso de um beta-bloqueante, nomeadamente o esmolol em perfusão, no sentido
de controlar a frequência cardíaca. A taquicardia pode ser um
efeito adverso, estando descrito que pode ocorrer até 3 % dos
casos.7
3. Rozet I. Anesthesia for functional neurosurgery: the role of dexmedetomidine. Curr Opin Anaesthesiol. 2008; 21: 537-543.
A craniotomia com o “doente acordado” e o adequado ma18 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
4. Bekker AY, Kaufman B, Samir H, Doyle W. The Use of dexmedetomidine infusion for awake craniotomy. Anesth Analg. 2001; 92:
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5. Panzer O, Moitra V, Sladen RN. Pharmacology of sedative-analgesic agents. Anesthesiol Clin. 2011; 29: 589-605.
6. Gertler R, Brown HC, Mitchell DH, Silvius EN. Dexmedetomidine:
a novel sedative-analgesic agent. Proc (Bayl Univ Med Cent). 2001;
14: 13-21.
7. PRECEDEXTM – Dexmedetomidine Hydrocloride Injection. Illinois :
Abbott Laboratories; 2001.
8. Carollo DS, Nossaman BD, Ramadhyani U. Dexmedetomidine: a
review of clinical applications. Curr Opin Anaesthesiol. 2008; 21: 45761.
Caso Clínico // Case Report
Anestesia combinada para cesariana em grávida
com placenta percreta
Adriano Moreira1, Catarina Sampaio2, Aida Faria3
Palavras-chave:
- Anestesia Geral;
- Anestesia Obstétrica;
- Bloqueio sequencial;
- Cesariana;
- Placenta Percreta;
- Radiologia de Intervenção
Resumo
Descreve-se o caso clínico de uma grávida com diagnóstico prévio de placenta percreta,
submetida a uma anestesia combinada (anestesia geral e bloqueio sequencial
subaracnoideu-epidural) para cesariana com histerectomia. O procedimento foi realizado
com recurso a colocação de cateteres com balão nas artérias ilíacas comuns de modo a
minimizar a perfusão uterina durante a fase da histerectomia e, consequentemente, evitar
grandes perdas hemáticas.
Combined spinal-epidural and general anesthesia for cesarean section in A pregnant PATIENT with placenta percreta
Adriano Moreira1, Catarina Sampaio2, Aida Faria3
Keywords:
- Anesthesia, Epidural;
- Anesthesia, Spinal;
- Anesthesia, Obstetrical;
- Cesarean Section;
- Placenta Accreta;
- Radiology, Interventional
Summary
We describe a case of a pregnant woman with a previous diagnosis of placenta percreta,
submitted to a combined spinal-epidural and general anesthesia for cesarean section
with hysterectomy. The procedure was performed using the placement of balloon
catheters in the common iliac arteries in order to minimize uterine perfusion during the
hysterectomy and thus prevent major blood loss.
¹ Interno do Internato Complementar de Anestesiologia; Área de
Anestesiologia - Centro Hospitalar São João, EPE - Porto. Portugal
2
. Assistente hospitalar de Anestesiologia ; Área de Anestesiologia – Centro
Hospitalar São João, EPE - Porto. Portugal
3
.Assistente graduada de Anestesiologia; Área de Anestesiologia- Centro
Hospitalar São João; EPE - Porto. Portugal
INTRODUÇÃO:
A placenta percreta com invasão da bexiga é uma condição
obstétrica rara que comporta um risco elevado de hemorragia
materna e consequente aumento da morbilidade e mortalidade materna e fetal.1,2 A mortalidade materna pode atingir
20 % e a mortalidade perinatal 30 %.2 Como factores de risco para a implantação anómala da placenta destacam-se a
existência de placenta prévia, antecedentes de cesariana e
idade materna avançada. A incidência de placenta percreta
tem vindo a aumentar devido ao número crescente de cesarianas.3
Caso clínico
Grávida de 40 anos, índice de massa corporal de 23,9kg/m2,
3G2P (terceira gestação, dois partos) proposta para cesariana eletiva com histerectomia às 37 semanas, por placenta
percreta.
Antecedentes pessoais de epilepsia medicada com lamotrigina e, atualmente, controlada. História obstétrica: duas
cesarianas anteriores por apresentação pélvica. Na gravidez
atual suspeita ecográfica de placenta prévia às 11 semanas
de gravidez e de incretismo placentário às 27 semanas. A ressonância magnética nuclear (RMN) realizada às 35 semanas
revelou invasão placentária do colo uterino e áreas focais da
cúpula vesical sugerindo placenta percreta.
Exame objetivo não apresentava estigmas de via aérea
difícil. Classificação Mallampati I. Sem alterações relevantes
nos exames complementares de diagnóstico. De referir que
valor de hemoglobina pré-operatório era de 10,2 g/dL e número de plaquetas 167 000/mm3 de sangue. Sem alterações
no estudo da coagulação, nomeadamente nos valores de
tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial
ativada (aPTT) e de fibrinogénio.
Classificada no final da avaliação como ASA II.
Após o diagnóstico de placenta percreta foi decidida cesariana com histerectomia. Desde logo foi criado um grupo
multidisciplinar com as especialidades de obstetrícia, urologia,
radiologia de intervenção, anestesiologia e imunohemoteraRev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
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Anestesia combinada para cesariana em grávida com placenta percreta
pia para planeamento e antecipação da abordagem cirúrgica
e controlo hemorrágico adequados à situação.
No dia da cirurgia procedeu-se a monitorização standard,
colocaram-se dois cateteres venosos periféricos de calibre 16
gauge (G) e cateterizou-se a artéria radial esquerda com um
cateter de calibre 18G.
Antes da indução foram administrados 10 mg de metoclopramida e 50 mg de ranitidina por via intravenosa. Procedeu-se a uma anestesia subaracnoideia pela técnica sequencial,
epi-raquidiana, agulha através de agulha, com injeção de 10
mg de levobupivacaína a 0,5 % e 0,002 mg de sufentanil,
para a colocação bilateral de cateteres ureterais duplo J por
cistoscopia e a colocação de cateteres com balão [introdutor
7French (F); perfil ou bainha do balão 6F e dimensões 10x40
mm] nas artérias ilíacas comuns, por via femoral.
Após estes procedimentos, com a duração de cerca de uma
hora e 30 minutos, procedeu-se à indução de sequência rápida da anestesia geral com 150 mg de propofol e 65 mg de
succinilcolina, seguido de intubação endotraqueal com tubo
número sete. A intubação decorreu sem intercorrências. A
doente apresentava visualização da glote classificada como
de um na escala Cormack-Lehane. De imediato, foi colocado
um cateter de três vias na veia subclávia direita. A manutenção da anestesia foi assegurada com mistura de O2/N2O e
sevoflurano, fentanil em bólus (total 0,45 mg) e cisatracúrio (total de 24 mg). Após incisão longitudinal foi extraído,
aos seis minutos, um recém-nascido de sexo feminino, com
2940g de peso e índice de APGAR 8 e 10 ao 1º e 5º minuto,
respetivamente. Após histerorrafia e imediatamente antes da
laqueação de ambas as artérias útero-ováricas, seguiu-se
um período de marcada hipotensão e grande instabilidade
hemodinâmica, por hemorragia abundante em toalha (perda
total de 3600 mL com diminuição da hemoglobina para 8,4
g/dL), havendo necessidade de insuflar os balões das artérias
ilíacas comuns (tempo de clampagem de 25 minutos). Iniciou-se transfusão sanguínea, que totalizou oito unidades de
glóbulos rubros e seis unidades de plasma fresco no decurso
da intervenção cirúrgica. O suporte hemodinâmico foi ainda
assegurado com noradrenalina. Os equilíbrios ácido-base e
hidroeletrolítico foram monitorizados através de gasometrias
seriadas. Os valores mínimos e máximos de pH foram respetivamente 7,285 e 7,571 sem necessidade de correção. De
salientar, a necessidade de reposição de cálcio (com 20 mEq
de gluconato de cálcio) por hipocalcémia (0,79 mmol/L).
Os cateteres com balão foram retirados após encerramento
da ferida cirúrgica e a hemóstase no local da punção foi obtida por compressão manual durante cerca de meia hora.
No fim da intervenção o cirurgião vascular comprovou, através do uso de doppler trifásico, a patência das artérias pediosas e tibiais posteriores, bilateralmente.
A análise das gasometrias arteriais, dos estudos da coagulação e dos hemogramas seriados permitiu a monitorização
dos valores da hemoglobina e da coagulopatia. No final da
cirurgia a doente apresentava valores de hemoglobina de 9,3
g/dL ; 50.000 plaquetas/mm3; aPTT de 129 seg; TP de 16,8
seg e fibrinogénio de 181 mg/dL.
20 Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
Após 8 horas de cirurgia deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos Pós-Anestésica onde permaneceu durante 3
dias. Durante esse período a puérpera manteve-se hemodinamicante estável com evolução favorável da anemia, trombocitopenia e coagulopatia. Na data da alta, o valor de hemoglobina era 9,8 g/dL, o número de plaquetas de 170 000/mm3
e o estudo da coagulação estava normal. A dor foi controlada
com ropivacaína 0,1 % em perfusão (8-12 mL/h) por via epidural durante a estadia na unidade de cuidados intensivos. No
internamento manteve analgesia por via epidural com bólus
de ropivacaína a 0,2 % (8 mL de oito em oito horas). Retirou
cateter epidural ao 4º dia de internamento.
Alta hospitalar ao 14º dia.
Discussão
A placenta acreta consiste numa implantação anómala
da placenta na parede uterina devido a uma decídua basalis ausente ou defeituosa. Divide-se em placenta acreta vera,
increta e percreta conforme o grau de invasão da parede uterina e estruturas adjacentes. A placenta acreta vera adere ao
miométrio, a increta invade o miométrio e a percreta invade
a serosa ou outras estruturas pélvicas. Como consequência,
não há uma separação normal da placenta após o nascimento, seguindo-se uma hemorragia abundante.4 A hemorragia
obstétrica é a principal causa de mortalidade materna e o
principal motivo de admissão em cuidados intensivos no período pós –parto.5
Nas últimas quatro décadas a incidência de implantação
anómala da placenta aumentou dez vezes e como fatores de
risco independentes há a referir antecedentes de cesariana,
presença de placenta prévia e idade materna avançada.4
Historicamente a placenta acreta era um achado acidental
na altura do parto e estava associada a elevada morbilidade e mortalidade maternas, e a anestesia destas doentes
limitava-se à anestesia geral, pelo carácter emergente da
cesariana, hemorragia e coagulopatia. Atualmente, a investigação tem incidido fundamentalmente em melhorar o diagnóstico pré-natal com técnicas de imagem, como a ecografia
transvaginal com Doppler e a ressonância magnética e em
otimizar os cuidados intra-operatórios, com recurso a técnicas
de oclusão vascular, nomeadamente insuflação de balões colocados nas artérias ilíacas; o uso de cell-salvage e os testes
de coagulação junto da paciente por tromboelastrografia.4,5,6
A melhoria dos cuidados intra-operatórios através da radiologia de intervenção pela insuflação dos balões dos cateteres
pré-operatoriamente colocados nas artérias ilíacas internas
possibilita a diminuição da perfusão uterina e das perdas hemáticas.7
O principal objetivo anestésico nesta cirurgia é a prevenção e a preparação para a hemorragia massiva. As medidas
incluem a correcção prévia de alterações do hemograma, nomeadamente valores baixos de hemoglobina, monitorização
hemodinâmica invasiva per-operatória, uso de sistemas de
aquecimento de fluidos e disponibilidade rápida de hemoderivados.3 No caso descrito houve sempre comunicação via
Anestesia combinada para cesariana em grávida com placenta percreta
telefone com o Imunohemoterapeuta dada a necessidade
de hemogramas e estudos da coagulação urgentes e disponibilidade imediata de hemoderivados. No início da cirurgia
havia reserva de quatro unidades de glóbulos rubros, quatro
unidades de plasma fresco congelado e quatro unidades de
plaquetas.
Relativamente à técnica anestésica, a anestesia regional
tem vantagens sobre a anestesia geral em obstetrícia, em
particular menor risco de aspiração, melhor controlo da dor
pós-operatória e menor exposição fetal aos efeitos depressores da anestesia geral.5 Além disso a anestesia regional tem
sido associada a menor perda sanguínea e menos necessidade de transfusão em casos de hemorragia obstétrica major.5
Neste caso optou-se pela anestesia combinada do neuro-eixo seguida de anestesia geral. O bloqueio subaracnoideu
proporcionou anestesia para a colocação dos cateteres duplo
J nos ureteres e dos cateteres com balão nas artérias ilíacas
comuns, por via femoral. O cateter epidural foi utilizado para
a analgesia do pós-operatório. De realçar a vantagem destes
procedimentos serem realizados sem expor o feto ao efeito
da anestesia geral prolongada. Numa segunda fase, a conversão para anestesia geral teve a ver com a previsível complexidade da intervenção cirúrgica, a possibilidade de perdas
hemáticas abundantes e consequente instabilidade hemodinâmica, como se veio a verificar.
É controverso se o uso do balão de oclusão arterial contribui
para controlar a hemorragia obstétrica intra-operatória.4,5,7,8
Tan e Carnevale e colaboradores provaram que os balões
colocados no tronco principal das artérias ilíacas internas diminuem as perdas de sangue e a necessidade de transfusão
quando comparados retrospetivamente com o grupo controle.8 No entanto, mais estudos randomizados serão necessários para confirmar que esta técnica reduz as perdas hemáticas. No caso descrito e apesar do recurso à insuflação dos
balões nas artérias ilíacas foi necessário, contudo, proceder a
uma transfusão massiva. Este facto poderá estar relacionado
com a protelação da insuflação dos balões numa fase em que
já existia hemorragia ativa, devendo contudo ser relembrado
que um dos principais objetivos é ter um tempo de oclusão
arterial mais breve possível, não sendo por isso ainda consensual o momento ideal da cirurgia para o início da clampagem. A insuflação dos balões permitiu durante a fase da
histerectomia uma menor perfusão para o útero diminuindo
dessa forma a hemorragia, que já era abundante, e evitar
uma progressão da disfunção hematológica que poderia ser
catastrófica.
Atualmente, a radiologia de intervenção faz parte das recomendações do tratamento da placenta morbidamente
aderente em muitas instituições em todo o mundo, permanecendo contudo controverso, e principalmente devido às complicações associadas, o momento ideal para a insuflação dos
balões, assim como tempo máximo de insuflação pois o seu
uso prolongado pode estar associado a várias complicações,
nomeadamente a formação de pseudo-aneurismas, isquemia dos membros inferiores e rotura vascular.9
risco elevado de hemorragia no parto. É importante a programação da intervenção cirúrgica e a coordenação entre as especialidades intervenientes. A oclusão profilática com balão
das artérias ilíacas juntamente com medidas de controlo hemostático são atualmente as recomendações da maioria dos
centros especializados. Falta ainda, contudo, demonstrar qual
o timing ideal para a insuflação dos balões de forma a que
permaneçam insuflados o menor tempo possível.
Referências
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a patient with a preoperative diagnosis of placenta percreta with invasion of the urinary bladder. Can J Anesth. 1996; 43:246-8.
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Multiple complications following the use of prophylactic internal iliac
artery balloon catheterization in a patient with placenta percreta. Int J
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3. Parva M, Chamchad D, Keegan J, Gerson A, Horrow J. Placenta
percreta with invasion of the bladder wall: management with a multi-disciplinary approach. J Clin Anesth. 2010; 22:209-12.
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2011;20:282-7.
8. Clausen C, Stensballe J, Albrechtsen CK, Hansen MA, Lönn L,
Langhoff-Roos J. Balloon occlusion of the internal iliac arteries in the
multidisciplinary management of placenta percreta. Acta Obstet Gynecol Scand. 2013; 92:386-91.
9. Bishop S, Butler K, Monaghan S, Chan K, Murphy G, Edozien. Multiple complications following the use of prophylactic iliac artery balloon
catheterization in a patient with placenta percreta. Int J Obstet Anesth.
2011;20:70-3.
Em conclusão, as pacientes com placenta percreta têm um
Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 23 - nº1 | 2014
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Perspetiva // Perspective
Formulário interativo de avaliação pré-anestésica desenvolvido
em Portugal
Paulo Roberto1,2; Filipe Pinheiro1; Carla Silva1; Teresa Lapa1,2; Ana Bernardino1; Joana Cortesão1; Joana Gonçalves1; Messias Lopes1; Edith Tavares1
Palavras-chave:
- Algoritmos;
- Anestesia;
- Cuidados Pré-Operatórios;
- Medição de Risco;
- Processamento Automatizado de Dados;
- Software
Resumo
A falta de especificidade do software clínico é uma desvantagem para o trabalho do
anestesiologista. Frequentemente parâmetros relevantes são descurados e outros menos
necessários são excessivamente detalhados o que diminui a adesão às tecnologias. A
dispersão da informação por várias plataformas e a caligrafia prejudicam o registo e análise
retrospetiva. O custo da aquisição de software comercial limita a informatização dos serviços,
em particular na atual conjuntura económica.
Os autores desenvolveram um formulário interativo em Português que automaticamente
categoriza a informação numa base de dados.
A plataforma foi criada sem custos para o hospital em MSExcel® e implementada em 2010.
Não necessita de instalação e é compatível com os programas existentes nos computadores
do hospital piloto.
O formulário de avaliação pré-anestésica inclui questões de escolha múltipla, caixas de texto
predefinido e livre. Algoritmos determinam em tempo real o risco de náuseas e vómitos
(Apfel), risco cardíaco associado à cirurgia (ESC guidelines) e exames preoperatorios (NICE
guidelines). O relatório clínico pode ser digital ou impresso.
Os autores estão convictos que esta plataforma permite uniformizar registos, minimizar omissões,
melhorar a gestão de informação e a comunicação com outras especialidades. Contribui como
recurso educacional e facilita a recolha de dados estatísticos, o que pode traduzir-se num
aumento da qualidade e segurança. Os autores acreditam que o desenvolvimento integral por
anestesiologistas, na perspetiva de utilizadores, é uma mais-valia.
A disponibilização gratuita em http://www.anestesia.pt pretende estimular a creatividade e
auxiliar na conceção de sistemas digitais adaptados à Anestesiologia.
Interactive software for preanesthesia evaluation developed
in Portugal
Paulo Roberto1,2; Filipe Pinheiro1; Carla Silva1; Teresa Lapa1,2; Ana Bernardino1; Joana Cortesão1; Joana Gonçalves1; Messias Lopes1; Edith Tavares1
Keywords:
- Algorithms;
- Anesthesia;
- Automatic Data Processing;
- Preoperative Care;
- Risk Assessment;
- Software
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Summary
Inadequate medical software is a major disadvantage for the anesthetist. Hospital’s
software frequently lacks important topics, and are excessively detailed in others that we
don’t need which shorten adherence to new technologies.
Data spread across multiple platforms and calligraphy harm information keeping and
analysis. Anesthesia-related software is very expensive which pose limitations in the
current economic situation.
The authors created an interactive form, in Portuguese, which automatically categorizes
clinical data in a database.
The digital platform was developed in MSExcel® and implemented in 2010 with no costs
to the hospital. It doesn’t need installation and is compatible with the hospital's standard
software. The form includes multiple choice, predefined and free-text boxes. Real-time
algorithms determine preoperative exams recommended (NICE guidelines), nausea and
vomiting probability (Apfel) and surgical cardiovascular risk (ESC guidelines). The output
can be a digital or paper report.
The authors believe this software contributed towards assessment uniformity, omission
avoidance, better data management and communication with other physicians. It can be
an educational and statistical resource and help provide a better service to the population.
The authors are convinced that software developed by anesthesiologists can be better
adjusted to their needs.
The Portuguese version is available for free download at http://www.anestesia.pt. This
intends to stimulate creativity towards development of data management systems
adapted to anesthesia practice.
Formulário interativo de avaliação pré-anestésica desenvolvido em Portugal
¹ Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - Serviço de Anestesiologia.
Portugal
2
Faculdade de Ciências da Saúde – Universidade da Beira Interior. Portugal
INTRODUÇÃO:
A avaliação pré-anestésica é uma parte crucial da anestesiologia e o registo dos dados no processo clínico do doente ocupa
uma boa parte do da prática clínica diária. Os sistemas digitais
de gestão da informação clínica em anestesia são o futuro dos
cuidados de saúde. Estas ferramentas providenciam dados claros e concisos, têm o potencial de integrar a informação de todo
o hospital, melhorar a qualidade, minimizar erros e diminuir os
riscos. Porém, existem desafios que precisam de ser ultrapassados para estabelecer um sistema eficiente. 1 O objetivo dos
autores foi transformar a consulta e visita pré-anestésica existente em 2010 num hospital central português – que consistia
na escrita de texto livre no processo clínico em papel – num
protocolo uniforme de registo clínico informático, assegurando
a funcionalidade durante a transição.
Os pressupostos e o problema
É inegável a tendência para a substituição dos processos
clínicos em papel por bases de dados digitais. São reconhecidas várias vantagens na informatização clínica: a redução
do espaço necessário para arquivos, a diminuição dos custos
associados, a rapidez da pesquisa, facilidade de acesso à informação, a capacidade de análise dos dados sem necessidade
de mudança de suporte, e naturalmente, o fim dos problemas
de interpretação da caligrafia.2, 3
A utilização de ferramentas informáticas para computar parâmetros clínicos e calcular doses demonstrou aumentar a velocidade de execução e precisão do cálculo, diminuir o erro e aumentar
a confiança dos profissionais quando comparado à consulta de
tabelas de referência.4 A automatização de scores de risco facilita
o acesso à informação e aumenta a adesão na utilização destas
escalas. Quando integradas de forma a não necessitar de intervenção adicional ou de uso de diferentes programas evitam a duplicação do trabalho de colheita e registo dos dados.5
software livre e em código aberto, que possa incluir desenvolvimentos de todo os grupos envolvidos na investigação,
representa a melhor abordagem para o futuro. 8
Outro problema frequentemente encontrado pelos anestesiologistas consiste em obter dados extensos a partir das
bases de dados hospitalares. Esta limitação expressa-se particularmente pela dificuldade em conseguir dados em tabelas uniformes e categorizadas com as variáveis habitualmente usadas na investigação em anestesiologia.
Naturalmente, software externo frequentemente apresenta incompatibilidades na linguagem e dificuldades na troca
de dados com os programas instalados, dependendo da intervenção do departamento de tecnologias de informação. A
dispersão dos dados clínicos por vários programas e bases de
dados que podem não estar interligadas é mais um entrave
ao funcionamento dos serviços.
Muito do software comercial é desenvolvido em idiomas
diferentes do português, o que limita as opções disponíveis
para os hospitais e anestesiologistas. A aquisição de plataformas diferentes das já contratualizadas pelo hospital é dispendiosa e portanto desencorajada. Apesar da personalização do
software instalado ser possível, o código fechado limita as alterações passíveis de realizar pelos anestesiologistas, sendo
necessário recorrer às empresas fornecedoras, o que pode ter
custos associados. No que no contexto económico atual estas
questões têm particular relevância.
A nossa solução
Com o intuito de colmatar as limitações identificadas, foi
decidido criar uma aplicação independente, integralmente desenvolvida por internos e anestesiologistas do departamento,
o que facilitou a integração dos conceitos científicos no sistema e a adaptação à prática clínica. Esta abordagem permitiu
conceber um programa sem custos para o hospital, flexível
e fácil de atualizar sem a necessidade de resursos especializados.
Inicialmente foi desenvolvido e patenteado um modelo
original de questionário preanestésico que foi aprovado pelo
serviço de Anestesiologia (Fig. 1).
A falta de especificidade do software é um problema importante para a anestesiologia. Existem várias plataformas específicas e adequadas que porém não estão disponíveis em todos
os hospitais portugueses. Plataformas inespecíficas ignoram
ou desvalorizam parâmetros relevantes e são demasiado
exaustivos em outros com pouco interesse na avaliação pré-anestésica de rotina. A obrigatoriedade em preencher todos os
campos e a complexidade dos sistemas contribuem adicionalmente para a falta de adesão às novas tecnologias.6, 7
As diferenças entre os programas, e o facto da maioria não
ser comercializado em código aberto torna impossível, neste
momento, reunir facilmente numa única plataforma os dados
nacionais. A aquisição e manutenção de programas informáticos implicam elevados custos para os sistemas de saúde, o
que pode inviabilizar a investigação de qualidade perante limitações financeiras. Foi proposto, por outros autores, que o
Figura 1 - Formulário preanestésico patenteado pelos autores, versão para
impressão. A versão digital tem idêntica organização, é preenchida online e
está ligada a uma base de dados categorizada.
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Formulário interativo de avaliação pré-anestésica desenvolvido em Portugal
Este formulário foi informatizado utilizando Omniform® e MS
Excel® (Visual Basic). O sistema foi implementado em outubro de
2010 num hospital central e é disponibilizado gratuitamente em
http://www.anestesia.pt para utilização em Portugal.
O formulário interativo contém diversas caixas de texto livre,
campos com respostas predefinidas, escolhas múltiplas e secções com algoritmos para cálculo e avaliação de risco. (Fig. 2).
Figura 2 - Formulário interativo de avaliação pré-anestésica. Integralmente desenvolvido pelos autores. A versão funcional pode ser gratuitamente
obtida em http:\\www.anestesia.pt.
Os tópicos do formulário foram decididos pelo serviço de
anestesiologia, suportados por recomendações nacionais e
internacionais.9- 11
Todas as variáveis do formulário são categorizadas e guardadas independentemente na base de dados do disco local,
sem necessidade de ligação à rede. Posteriormente os dados
são comunicados à base de dados central e ambas são atualizadas. Quando concluído o registo, pode ser impressa uma
cópia para o processo clínico em papel (Fig. 3), ou guardado
como PDF® no processo clínico digital (p. ex. SAM®). A segurança dos dados em papel está relacionada com a confidencialidade do próprio processo físico. O relatório digital é exportado num formato não editável e guardado como documento
anexo ao processo (à semelhança de outros relatórios e exames complementares), o que o restringe aos profissionais de
saúde autorizados.
Este modelo assenta numa base de dados centralizada
num servidor dedicado, que é acedida pela aplicação em
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cada terminal. A aplicação tem cerca de 5 Megabytes, o que
permite descarregá-la em menos de 10 segundos de uma
rede hospitalar com uma velocidade de 10 Megabytes/s, algo
que está habitualmente disponível. O acesso aos terminais é
controlado pela conta de utilizador de cada médico já disponível no sistema hospitalar, adicionalmente existem nomes de
utilizador e palavra-passe que cada serviço define para os seus
colaboradores e que permite o acesso à aplicação. Desta forma
a avaliação pré-anestésica ficou acessível e pode ser consultada
por outras especialidades envolvidas no preoperatório.
Figura 3 - Relatório digital da avaliação pré-anestésica. Clicando no botão <Relatório> do formulário interativo as informações introduzidas no
são resumidas com recurso a algoritmos. O relatório pode ser impresso
ou obtido em formato PDF que permite adicioná-lo ao processo clínico
informatizado como anexo.
A versão atual permite que mais de 65 mil doentes possam
estar disponíveis a todo o momento em cada terminal, não dispomos de informação quanto ao limite máximo da base de dados central, mas pensamos estar dependente da capacidade de
armazenamento no disco do servidor. Para obter a base de dados
completa é utilizada uma conta de utilizador exclusiva e definida
pela direção do serviço de Anestesiologia do hospital em questão. A casuística pode ser diretamente exportada numa tabela
de MS Excel para tratamento estatístico.
As respostas predefinidas foram escolhidas pela sua frequência (p.ex. auscultação cardíaca normal) e permitem registar informações complexas com um clique ou primeira letra
da expressão. A escolha múltipla é utilizada para abranger
os antecedentes médicos mais habituais e critérios com respostas limitadas (p.ex. avaliação da via aérea). Os algoritmos
utilizam informação previamente introduzida para calcular
parâmetros (p. ex. pressão arterial média, índice de massa
corporal). O processamento em tempo real estabelece os
exames complementares recomendados pelas NICE guide-
Formulário interativo de avaliação pré-anestésica desenvolvido em Portugal
lines12, estratifica o risco cardíaco associado à cirurgia (ESC
guidelines)13, e calcula a probabilidade de náuseas e vómitos
pós-operatórios (grau de risco de NVPO14) a que corresponde
à profilaxia sugerida pela SPA15 (Fig 4).
Figura 4 - Detalhe de algumas funcionalidades do sistema. A Selecionar o
tipo de cirurgia numa lista permite o processamento digital da informação.
B: Caixa de texto combinada, permite selecionar uma opção ou editar todo
o campo livremente. C: A cor das células muda quando valores são introduzidos estão fora dos limites de referência. As unidades de medida podem
ser escolhidas numa lista para se adaptar a qualquer laboratório. Este sistema de cores permite rapidamente obter informações. D: Os algoritmos
concebidos analisam a informação introduzida no formulário e automaticamente calculam scores de risco e recomendam exames preoperatorios
fundamentadas nas orientações da NICE. A fiabilidade do cálculo depende
apenas do adequado registo da história clínica.
Os resultados são imediatamente mostrados no ecrã o que
facilita o uso regular destas escalas.
Na ausência de computadores funcionais, a similaridade entre
a versão digital e o modelo em papel permite uma correspondência rápida e facilmente são introduzidos os dados posteriormente. Este formulário não preenchido pode estar disponível nos
serviços tanto em formato digital como em papel.
A aplicação publicada é operacional em computadores com
Microsoft Excel versões 97 a 2013 (com “service pack 3” nas
versões mais antigas) e não requer instalação. Esta versão da
aplicação também funciona localmente (sem acesso a uma
base de dados central, p. ex. computador pessoal) e não requer ligação à rede. A segurança destes dados é garantida
pela limitação de acesso ao computador que tenha a base de
dados individual.
O programa foi inteiramente desenvolvido por anestesiologistas. O envolvimento do serviço na conceção e experiência
de utilizador aliada à capacidade de alterar o sistema autonomamente distingue este trabalho.16 O software comercial é
concebido de um ponto de vista técnico ou trata-se de adaptações de outros programas médicos. Os autores acreditam
que o desenvolvimento deste software pelo anestesiologista
utilizador, ao invés da perspetiva técnica ou da adaptação de
programas preexistentes, pode melhorar a interação entre o
médico e o programa e aumentar a adesão às novas tecnologias indo ao encontro das necessidades e expetativas dos
anestesiologistas.
Existem potenciais problemas associados à segurança dos
dados, visto que quem tiver acesso a um computador da rede
interna do hospital e o conhecimento de nomes de utilizador
e palavra-passe dos clínicos pode obter informações clínicas.
O desenvolvimento futuro desta plataforma passará pela
encriptação de informação sensível de forma a reduzir estes
riscos. Apesar de todos os esforços desenvolvidos é possível
que erros inesperados surjam com a expansão da utilização,
porém cada situação anómala reportada será atendida pelos
autores de forma a melhorar a performance do sistema.
Atualmente não existe interconexão deste sistema com os
diversos programas associados aos exames complementares, pois a variedade de linguagens e a necessidade de recorrer às empresas estaria associada a custos incomportáveis
nesta fase de desenvolvimento. Neste momento os resultados e relatórios dos exames relevantes são introduzidos pelo
médico na aplicação (p. ex. “Copiar” + ”Colar”) e ainda não é
possível anexar imagens. Os autores apelam à contribuição
intelectual dos fornecedores de software hospitalar para
desenvolver esta interligação que permita manter o espírito
“open-source” desta ferramenta.
Ao disponibilizar o sistema, os autores pretendem fornecer
uma ferramenta de utilização livre em Português e que estimule a creatividade no desenvolvimento de programas informáticos adaptados à prática anestesiológica, sem competir
com o software disponível nos hospitais.17,18 No website oficial
encontram-se instruções para aceder, modificar e personalizar a aplicação, assim como instruções de bloqueio serão disponibilizadas às direções de serviço para restringir o acesso.
Esperamos que a personalização da plataforma seja fácil o
suficiente para poder ser executada por qualquer médico sem
conhecimentos de programação. Uma versão testada e funcional após cada revisão feita pelos autores estará sempre
disponível no sítio oficial. Assim prevemos que esta plataforma não terá custos de manutenção associados e a resolução
de problemas pode ser realizada pelos próprios médicos por
manipulação direta ou descarregando a versão mais recente
e importando a base de dados do serviço.
Apesar das limitações existentes, o constante desenvolvimento fundamentado na experiência de utilização tem permitido melhorar a plataforma e acreditamos que atualmente
já dispõe de características que permitem uma fácil implementação. As sugestões e críticas que advenham da utilização por mais profissionais permitirão progressos mais rápidos
no desenvolvimento da aplicação que inicia a sua experiência
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fora do hospital dos autores. O facto de ser gratuito facilita o
acesso nas atuais condições económicas do país, e espera-se
que contribua para a progressiva automatização dos registos
clínicos.
Conclusões
Os autores estão convictos que a implementação desta plataforma no departamento de anestesiologia contribui
para a uniformização dos registos, evita omissões no interrogatório e pode ser num poderoso recurso pedagógico para
o internato de anestesiologia. Acreditam também que este
interface gráfico, de fácil utilização, pode revelar-se adequado
às necessidades de outros anestesiologistas em outros hospitais, melhorando a comunicação de informação clínica inter-especialidade e agilizando a recolha e tratamento estatístico
dos dados. A integração de algoritmos no sistema facilita o
cálculo de parâmetros clínicos, scores de risco, e a aplicação
de recomendações clínicas atualizadas.
Com este trabalho os autores pretendem contribuir para o
desenvolvimento de um sistema eletrónico de registos médicos, de utilização livre, e sem custos de manutenção próprios
que permita uniformizar a atividade pré-anestésica.
Este sistema independente de registo anestésico pode ser
descarregado de forma gratuita em http://www.anestesia.pt e
está em constante evolução segundo a experiência de utilização hospitalar, sendo disponibilizadas regularmente versões
atualizadas.
REFERÊNCIAS
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11. García-Miguel F, Serrano-Aguilar P, López-Bastida J. Preoperative assessment. Lancet. 2003; 362(9397):1749-57.
12. NCCAC. Preoperative tests, the use of routine preoperative tests
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Force for Preoperative Cardiac Risk Assessment and Perioperative Cardiac Management in Non-cardiac Surgery of the European Society of
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ERRATA
Na edição da Revista da SPA – Vol. 22, Nº 3, 2013 – os autores do Artigo de Revisão “Via aérea em Obstetrícia” detetaram uma incorreção na disposição final do “Algoritmo
de Via Aérea Difícil em Obstetrícia”.
Desta forma, a Revista da SPA vem, por solicitação dos
autores, produzir a necessária correção que reproduzimos.
(Algoritmo corrigido)
Algoritmo de via aérea difícil em Obstetrícia
vaD não previsível ou
intubação falhada
Pedir ajuda!
- retomar a ventilação espontânea?
- acordar o doente?
- avaliar o estado fetal!
cesariana urgente?
sim
não
ventilação com
máscara facial
acordar o doente
anastesia regional
não
sim
- laringoscópio
- cabo/lâmina
Posicionamento
sim
co2 Expirado
sim
otimizar tentativa
de intubação?
nã
ão
não
intubação conseguida
sim
Prosseguir com cirurgia
sim
intubação acordada
otimizar ventilação
- ventilar a 4 mãos
- manobra tripla
- manobra de sellick
nã
ão
ventilação com DEg
não
va cirúrgica
cricotiroidotomia
traqueotomia
Algoritmo de VA difícil em obstetrícia.
Legenda: DEG - Dispositivo extraglótico; VAD - Via aérea difícil; VA - Via aérea
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LIVOPAN
®
Alívio da dor.
Tão simples como respirar.
MED 712 PT - Março 2014
Linde: living healthcare
RCM REDUZIDO: 1. DENOMINAÇÃO: LIVOPAN 50%/50%, gás medicinal comprimido. 2. COMPOSIÇÃO: Protóxido de azoto medicinal (N2O) 50 % v/v e oxigénio medicinal (O2) 50 % v/v a uma pressão de 138 bar ou de 170 bar (15°C).
3. FORMA FARMACÊUTICA: Gás medicinal comprimido. 4. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS: O LIVOPAN está indicado nas situações de dor de curta duração, de intensidade ligeira a moderada, quando se pretende uma analgesia de indução
e recuperação rápida. 5. POSOLOGIA E MODO DE ADMINISTRAÇÃO: Devem ser tomadas precauções especiais quando se trabalha com protóxido de azoto. O protóxido de azoto deve ser administrado de acordo com as orientações
nacionais. O LIVOPAN é administrado por via inalatória em doentes em ventilação espontânea através de uma máscara facial. A administração do LIVOPAN é gerida pela respiração do doente. Segurando a máscara firmemente ao
redor da boca e nariz e respirando através da máscara, a vulgarmente denominada “válvula de demanda” abre e o LIVOPAN é libertado do equipamento e é administrado ao doente através da via aérea. A absorção ocorre nos pulmões.
Em odontologia, é recomendada a utilização de uma máscara dupla; ou em alternativa, uma máscara nasal ou naso-bucal com sistemas de exaustão/ventilação adequados. A administração por via endotraqueal não é recomendada.
A administração de LIVOPAN a doentes que respirem por tubos endotraqueais deve ser feita apenas por profissionais de saúde qualificados na prestação de anestesia. A administração de LIVOPAN deve ser iniciada pouco antes do
desejado efeito analgésico. O efeito analgésico é evidenciado após 4-5 ventilações e atinge o seu máximo dentro de 2-3 minutos. A administração de LIVOPAN deve continuar durante todo o procedimento doloroso, ou enquanto o
efeito analgésico for desejado. Após a descontinuação da administração/inalação, os efeitos desaparecem rapidamente em poucos minutos. Dependendo da reacção individual ao efeito analgésico, pode ser necessário adicionar
outros analgésicos. O LIVOPAN deve ser utilizado, de preferência, em doentes capazes de compreender e seguir as instruções sobre a utilização do equipamento e máscara. Em crianças ou em doentes que não são capazes de
compreender e seguir as instruções, o LIVOPAN pode ser administrado sob a supervisão de pessoal médico competente que pode ajudá-los a manter a máscara no lugar e monitorizar activamente a administração. Nestes casos, o
LIVOPAN pode ser administrado com um fluxo de gás constante. Devido ao risco aumentado do doente ficar marcadamente sedado e inconsciente, esta forma de administração só deverá ocorrer em condições controladas. O fluxo
contínuo de gás só deve ser utilizado na presença de pessoal qualificado e em locais com equipamento adequado para gestão dos efeitos da sedação e diminuição da consciência mais pronunciada. Sempre que se use fluxo contínuo,
o risco potencial de inibição do reflexos de protecção da via aérea tem de ser considerado, pelo que é necessário estar preparado para assegurar a permeabilidade da via aérea e a ventilação assistida. Ao terminar a administração,
deve ser permitido ao doente recuperar de forma calma e sob condições controladas por cerca de 5 minutos ou até que o grau de alerta/consciência recupere satisfatoriamente. O LIVOPAN pode ser administrado até 6 horas sem
monitorização hematológica em doentes sem factores de risco. 6. CONTRA-INDICAÇÕES: Durante a inalação do LIVOPAN, bolhas de gás (embolia gasosa) e cavidade cheias de gás podem expandir devido à elevada difusibilidade do
protóxido de azoto. Consequentemente a utilização de LIVOPAN está contra-indicada: Em doentes com sintomas de pneumotórax, pneumopericárdio, enfisema severo, embolia gasosa ou traumatismo craniano; Após a realização de
mergulho profundo devido ao risco de doença de descompressão (bolhas de azoto); Após bypass cardio-pulmonar recente com circulação extra-corporal e após bypass coronário sem circulação extra-corporal; Após injecções intra
oculares recentes de gás (ex. SF6, C3F8), até que este seja completamente absorvido, porque o volume de gás pode aumentar a pressão/volume com risco de cegueira; Doentes com dilatação severa do tracto gastrointestinal.
O LIVOPAN está também contra-indicado em: Doentes que apresentem hipersensibilidade ao protóxido de azoto; Doentes com insuficiência cardíaca ou disfunção cardíaca (ex. após cirurgia cardíaca), por aumentar o risco de
deterioração da performance cardíaca; Em doentes que apresentem sinais persistentes de confusão, ou outros sinais de aumento da pressão intracraniana; Doentes que apresentem uma diminuição do nível de consciência e/ou da
capacidade de cooperar e seguir instruções, pelo risco de uma maior sedação por parte do protóxido de azoto poder afectar os reflexos de protecção naturais; Doentes com deficiências diagnosticadas mas não tratadas das vitaminas
B12 ou ácido fólico, ou com perturbações genéticas ao nível das enzimas envolvidas no metabolismo destas vitaminas; Em doentes com lesões faciais que dificultem ou ponham em risco a utilização da máscara. 7. ADVERTÊNCIAS:
O LIVOPAN só deve ser administrado por pessoal qualificado, com acesso a equipamento de reanimação. Na utilização de um fluxo constante da mistura gasosa, o risco de sedação profunda, inconsciência e perda dos reflexos de
protecção, com por exemplo, regurgitação e aspiração, devem ser considerados. É importante ter em atenção o potencial uso abusivo do fármaco. Devem se tomadas medidas para que as concentrações no ambiente de trabalho sejam
as mais baixas possíveis e de acordo com a regulamentação. As salas em que se utilize LIVOPAN devem ser convenientemente ventiladas e/ou equipadas com sistemas de exaustão que assegurem uma concentração de protóxido
de azoto no ar ambiente abaixo dos limites nacionais de exposição ocupacional estabelecidos. 8. INTERACÇÕES: Combinação com outros medicamentos: O protóxido de azoto, componente do LIVOPAN, interage de forma aditiva com
anestésicos inalados e/ou substâncias activas com efeito ao nível do sistema nervoso central (e.g. opiáceos, benzodiazepinas e outros psicotrópicos). Na utilização concomitante de agentes de acção central deve-se ter em
consideração os riscos de sedação pronunciada e depressão dos reflexos de protecção. O LIVOPAN potencia o efeito inibitório do metotrexato sobre a metionina sintetase e o metabolismo do ácido fólico. A toxicidade pulmonar
associada a substâncias activas, tais como a bleomicina, amiodarona, e furadantina ou antibióticos similares, pode ser exacerbada pela inalação de oxigénio suplementar. Outras interacções: O protóxido de azoto, presente no LIVOPAN,
inactiva a vitamina B12 (co-factor na síntese da metionina) a qual interfere com o metabolismo do ácido fólico. Assim a síntese de DNA é comprometida após administração prolongada de protóxido de azoto. Estas alterações podem
resultar em alterações megaloblásticas da medula óssea, e possível polineuropatia e/ou degeneração subaguda da medula espinal. Portanto a administração de LIVOPAN deve ser limitada no tempo. 9. EFEITOS INDESEJÁVEIS: Anemia
megaloblástica e leucopénia foram relatadas após a exposição prolongada ou repetida a LIVOPAN. Efeitos neurológicos, como mielopatia e polineuropatia, foram relatados em exposições excepcionalmente elevadas e frequentes.
Deve ser considerada a administração de terapia de substituição em todos os casos de suspeita de deficiência das vitaminas B12 ou folato, ou se surgirem sinais ou sintomas de efeitos sobre a síntese de metionina desencadeados
por protóxido de azoto. Frequentes (>1/100, <1/10): – Doenças do sistema nervoso: tonturas, sensação de lipotímia, euforia; – Doenças gastrointestinais: náuseas e vómitos. Pouco frequentes (>1/1000, < 1/100): – Doenças do
sistema nervoso: astenia marcada. Afecções do ouvido e do labirinto: e sensação de pressão no ouvido médio. – Doenças gastrointestinais: aerocolia, aumento do volume de gás intestinal. Frequência desconhecida (não pode ser
estimada a partir dos dados disponíveis): – Doenças do Sangue e sistema linfático: anemia megaloblástica, leucopénia; – Doenças do sistema nervoso: polineuropatia, paraparesia e mielopatia, depressão respiratória, cefaleias;
– Perturbações do foro psiquiátrico: psicose, confusão, ansiedade. Para mais informações deverá contactar o titular da autorização de introdução no mercado.
Linde Portugal, Lda. – Av.a Infante D. Henrique Lotes 21-24 – 1800-217 Lisboa – www.linde.healthcare.com.pt
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