Aspectos Processuais Polêmicos do Agravo de Instrumento

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Aspectos Processuais Polêmicos do Agravo de Instrumento
ASPECTOS PROCESSUAIS POLÊMICOS DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Guilherme de Almeida Vanin
RESUMO:
Este artigo pretende, sem a pretensão de exaurir a matéria, analisar algumas questões processuais
controvertidas que surgem na prática, acerca da fiel aplicabilidade das regras trazidas no recurso de
agravo de instrumento. Trata-se de estudo, sob uma ótica sistemática, a respeito de diversas nuances
que a disciplina desta espécie recursal traz, na prática, nos Tribunais. É um tema relevante e
interessante, uma vez que o agravo é um dos recursos mais utilizados atualmente e, desta forma,
almeja-se dissipar algumas das controvérsias envolvidas, tendo como enfoque o cotejo destas
celeumas com a jurisprudência e a doutrina pátrias, sem esquecer do formalismo inerente a esta
espécie recursal.
Palavras-chaves: Aspectos. Polêmicos. agravo de instrumento. processuais.
ABSTRACT:
This article aims without pretense, for obvious, to exhaust the subject, examine some controversial
procedural issues that arise in practice, about the true applicability of the rules brought into action
for interlocutory appeal. It is modest study presents a systematic perspective, about many nuances
that brings discipline grievance in practice in courts of justice. Being relevant topic, since the
condition is one of the most widely used resources, we aim to dissipate all the controversies
involved having as focus the comparison of these issues with the application of evaluative and
exacerbated formalism, as well as jurisprudence and doctrine homelands.
Key words: Controversial - aspects - interlocutory appeal – Procedural.
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SUMÁRIO 1. Considerações preliminares; 2. As incompatibilidades lógicas e processuais de
conversão em retido do agravo interposto sob o viés instrumental; 3. A situação processual no
agravo de instrumento do réu ainda não citado em primeiro grau;
4. O agravo de instrumento após a prolação de sentença em primeiro grau (incerteza doutrinária e
jurisprudencial); 5. Efeito translativo no agravo de instrumento; 6. As razões do agravo de
instrumento sem assinatura do advogado; 7. Ausência de assinatura do juiz na cópia da decisão
agravada; 8. Considerações finais.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Das reformas a que foi submetido o Código de Processo Civil, após 40 anos de sua entrada em
vigor, foi sem dúvida o recurso de agravo o que mais profundas alterações sofreu.
A alteração do texto original do agravo deu-se, primeiramente, com o advento da Lei nº 9.139/95,
que regulou e definiu de maneira clara as espécies de agravo e seus pressupostos de cabimento.
Posteriormente a Lei nº 10.352/2001 regulou o prazo para o juiz reformar sua decisão e outras
providências, como a possibilidade (e não imperatividade, como ocorre atualmente) de converter o
agravo de instrumento em retido. Com o advento da Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, as
hipóteses de cabimento do agravo foram novamente modificadas, restringindo alguns casos, por
meio da alteração dos arts. 522, 523 e 527, do CPC. Em face dessa modificação, o agravo padrão
deixou de ser o de instrumento, e passou a ser o retido.
Destarte, não obstante essa evolução legislativa, falhas significativas puderam ser sentidas nesse e
em outros pontos da reforma, o que ensejou certa controvérsia acerca de alguns temas trazidos,
ensejando inclusive decisões díspares sobre alguns pontos, que merecem ser objeto de maior
atenção, já que tanto doutrina como jurisprudência não chegaram a um consenso sobre a
aplicabilidade das disposições que regem o agravo de instrumento.
A solução de todas as questões acima apontadas exigiria um verdadeiro tratado sobre o assunto, o
que não corresponde ao objetivo deste trabalho, de forma que nos limitamos, assim, a escolher
alguns desses pontos e enfrentá-los com base na doutrina processual e na jurisprudência,
notadamente do Superior Tribunal de Justiça.
2. AS INCOMPATIBILIDADES LÓGICAS E PROCESSUAIS DE CONVERSÃO EM
RETIDO DO AGRAVO INTERPOSTO SOB O VIÉS INSTRUMENTAL.
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Com a entrada em vigor da Lei n. 11.187/05 acabou a liberdade de escolha, antes existente, entre os
regimes de interposição do agravo, ou seja, a possibilidade de optar por um dos dois regimes ficou
bastante limitada. Teresa Arruda Wambier observou que atualmente, após as reformas, e em especial
em razão das modificações da Lei n. 11.187/05, não se pode mais praticamente dizer que há
liberdade de escolha entre as formas de interposição do agravo. Se, antes da referida lei, já havia
situações em que não se permitia à parte escolher entre os regimes de retenção e de instrumento,
após a mencionada reforma a possibilidade de opção ficou bastante reduzida.1
Atualmente, há exigência legal no sentido de que para ensejar a interposição do agravo sob o viés
instrumental, deve ser demonstrada de forma expressa, clara e específica, além da urgência, que a
decisão objurgada seja suscetível de causar a parte lesão grave e de difícil reparação (CPC, art. 527,
II). Além desta hipótese, o CPC prevê no art. 522, as hipóteses obrigatórias legais de interposição
do recurso na modalidade instrumental, quais sejam, decisões proferidas após a sentença que
inadmitem a apelação, bem como aquelas em que decidem sobre os efeitos em que esta é recebida.
É bem verdade que existem, ainda, outras situações legais expressas acerca do recebimento do
agravo sob o viés instrumental e que não constam do capítulo referente ao agravo. Como exemplo
podemos citar as situações previstas nos arts. 475-H e 475-L, §1º, ambos do CPC, ou seja, aquelas
decisões que põem fim à liquidação de sentença e que julga impugnação ao cumprimento de
sentença (se não extinguir a fase executiva)2. É de bom alvitre alertar, ainda, a hipótese legal
prevista no art. 17, §10, da Lei n.º 8.429/92, que disciplina caber o agravo na modalidade de
instrumento, quando interposto em face das decisões que recebem à inicial das ações de
improbidade administrativa. Isto porque, em assim não agindo, não haveria, na prática, recurso
contra a decisão de recebimento da ação de improbidade, uma vez que o réu haveria que esperar a
sentença final para em eventual recurso de apelação dela, caso desfavorável, ver conhecido seu
1 Os Agravos no CPC Brasileiro. São Paulo: RT, 2005. p. 564.
2 Neste sentido Paulo Henrique dos Santos Lucon, quando assevera existir ainda “outras hipóteses em que o tribunal
deverá admitir o agravo de instrumento após sentença. Alguma dessas hipóteses decorrem das expressas disposições
legais que não constam do capítulo atinente ao agravo: a decisão que põe fim a liquidação de sentença e a decisão que
julga a impugnação ao cumprimento de sentença (se não extintiva da fase executiva) são agraváveis por instrumento, ex
vi arts. 475-H e 475-L, §3º, respectivamente, ambos do CPC”. (Recurso de Agravo. Aspectos Polêmicos e Atuais dos
Recursos Cíveis. São Paulo: RT, 2007, v 11, p. 314).
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inconformismo inicial3. Ademais, é o referido dispositivo, norma especial, explícito ao prever que:
"da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento”.
Neste frear, essas são, em apertada síntese, as hipóteses legais de recebimento obrigatório do
recurso de agravo na modalidade de instrumento previstas no ordenamento processual civil
brasileiro.
Ocorre que as exceções legais estabelecidas no texto legal passam ao largo de esgotar as hipóteses
em que o agravo deverá ser processado sob a forma de instrumento, já que, em outras situações, o
recurso retido nos autos, para apreciação somente em preliminar de eventual e futura apelação
(CPC, art. 523), mostra-se, do ponto de vista técnico-processual, logicamente incompatível com a
finalidade a que se destina.
Dentro deste contexto, a prática forense levou a doutrina e a jurisprudência a ampliarem as
hipóteses (extralegais) de recebimento do recurso sob o viés instrumental, mormente diante das
incompatibilidades lógicas e processuais de conversão, em alguns casos, do recurso em retido.
Uma destas hipóteses refere-se àquelas decisões proferidas nas execuções latu sensu, bem como nos
inventários e arrolamentos em que, em razão da ausência de sentença e, consequentemente de
apelação, corre-se o risco do agravo retido jamais ser analisado, já que inexistirá momento
processual adequado para sua reiteração em eventual e futura apelação4.
Athos Gusmão Carneiro anota “aqueles casos em que o agravo não pode ser retido porque o
andamento processual não prevê a superveniência de uma sentença de julgamento da lide, sentença
que dê azo à apelação sucumbente e, pois, à reiteração do agravo nas razões ou na resposta da
apelação (art. 523, § 1.º). Neste passo se enquadram as decisões tomadas no decurso de processo de
3 Hipótese lembrada por Fredie Didier: “A lei de improbidade administrativa (lei Federal 8.429/92) também traz
exemplo neste sentido: o art. 17, 10 , impõe o agravo de instrumento como recurso cabível contra a decisão que admitiu
a pretição inicial dessa demanda coletiva”.(Questões Controvertidas sobre o agravo. Aspectos Polêmicos e Atuais dos
Recursos Cíveis. São Paulo: RT. 2003. v 7. p. 284)
4 Neste sentido Paulo Henrique dos Santos Lucon observa que: “Outras hipóteses decorrem da impossibilidade concreta
de reiteração do agravo caso houvesse o regime de retenção. Isso acontece em relação às decisões proferidas no
processo de execução ou mesmo em determinados procedimentos especiais (p. ex., inventário e arrolamento)”. (ob. cit.
p. 314).
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execução (em que não há sentença de julgamento de lide), e igualmente decisões proferidas em
incidente processual, a ser decidido mediante interlocutória agravável”5.
Também salta aos olhos a peculiaridade dos processos de execução fiscal, nos quais, pelo rito
estabelecido na Lei n. 6.830/80, simplesmente não se prevê a prolação de uma sentença de mérito e,
consequentemente, não há ato decisório do qual se possa apelar.
Em referência aos processos de execução como um todo, Teresa Arruda Wambier, afirma que “o
legislador deveria ter dito claramente que os agravos serão de instrumento no processo de execução,
já que não se trata de processo vocacionado a gerar sentença, de que se venha a interpor apelação”6.
Seguindo o elenco de hipóteses de incompatibilidade de conversão em retido do agravo interposto
na forma instrumental, tem-se aquela em que o recurso é interposto em face as decisões proferidas
em tutelas de urgência, isto é, nas providências acautelatórias liminares e nas medidas antecipatórias
dos efeitos da tutela. Nesses casos, seja qual for o teor da decisão e independentemente do risco
lesivo grave e de difícil reparação, o recurso de agravo deverá, imperativamente, ser analisado antes
da sentença – e consequentemente antes da apelação -, eis que, do contrário, a medida de urgência
não mais subsistirá, tendo sido absorvida, positiva ou negativamente, pela sentença que a suceder
no feito.
Araken de Assis traçando um norte hermenêutico acerca do tema leciona, com acuidade, que:
“(...) parece, pois, possível traçar como regra geral a impossibilidade
de conversão do agravo de instrumento interposto contra as liminares,
em geral, porque atos relacionados com a tutela de urgência”7.
55 O recurso de agravo ante a Lei n. 11.187/2005. Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis e assuntos afins,
São Paulo: RT, 2006. v 10. p. 45.
6 O novo Recurso de agravo, na perspectiva do amplo acesso a Justiça, Garantido pela Constituição Federal.
p.1083.
7 Araken de Assis. Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2011, p. 535.
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Para Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, “se o prejudicado recorresse desta decisão
com agravo retido, este apenas seria examinado pelo Tribunal no momento da apreciação da
apelação, o que significa que a referida decisão interlocutória já haveria sido, por obviedade,
substituída pela sentença, tornando inócuo o objetivo do adiantamento da prestação intentada. Não
haveria, portanto, nenhum interesse processual no uso do agravo retido para atacar esta decisão”. 8 o
prejudicado recorresse desta decisão com agravo retido, este apenas s
A propósito, o STJ aplicando as lições doutrinárias acima, decidiu, no RMS n.º 38647/CE 9 (Relator
Ministro Mauro Campbell, j. em 21.08.2012) e no RMS n.º 31445/AL 10 (Relatora Ministra Nancy
Andrighi, j em 06.12.2011), que diante das decisões que concedem ou neguem liminares ou
antecipações de tutela, o agravo sob o viés instrumental é medida imperativa.
Outra hipótese de recebimento obrigatório do agravo na modalidade instrumental é naquela em que
a irresignação é interposta pelo terceiro prejudicado, tendo em vista que a retenção seria inócua de
sorte que não haveria a possibilidade de reiterá-lo nas razões ou contrarrazões de apelação, já que o
terceiro não é parte na relação jurídica processual.
Do mesmo modo, nas decisões que indeferem o pedido de justiça gratuita imperativa, a interposição
do recurso de agravo na modalidade instrumental, pois se assim não for, obrigar-se-á o agravante a
recolher as custas processuais em primeira instância, quando justamente está discutindo que não
pode pagar as despesas do processo, advindo dai dano irreparável e de difícil reparação caso tenha
esperar uma decisão final em eventual e futura apelação.
Ilustrou a correção da tese ora defendida a precisa lição de Fábio Milman11, quando lecionou que:
8 Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2007. p. 535.
9 “Ademais, há, também, o entendimento segundo o qual em se tratando de decisões liminares ou antecipatórias da
tutela, o agravo contra elas interposto deve ser, obrigatoriamente, de instrumento. Dada a urgência dessas medidas e os
sensíveis efeitos produzidos na esfera de direitos e interesses das partes, não haveria interesse em se aguardar o
julgamento da apelação (RMS n.º 31.445/AL, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. em 03/02/2012)”.
10 “(...) Em se tratando de decisões liminares ou antecipatórias da tutela, o agravo contra elas interposto deve ser,
obrigatoriamente, de instrumento. Dada a urgência dessas medidas e os sensíveis efeitos produzidos na esfera de
direitos e interesses das partes, não haveria interesse em se aguardar o julgamento da apelação”.
11 Recursos no Processo Civil. São Paulo: Iesde Brasil, 2010, p. 48.
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“Há, por exemplo, em princípio, lesão grave e de difícil reparação:
(...) nas decisões que violem o acesso à justiça, tal como ocorre no
indeferimento de Assistência Judiciária Gratuita.”
Em casos de decisões que reconhecem ou não a competência, igualmente deverá ser interposto o
agravo na modalidade de instrumento, sob pena de, caso seja impugnado via agravo retido, advir
enormes prejuízos com a anulação dos atos decisórios proferidos no feito. Fredie Didier e Leonardo
Carneiro da Cunha já observaram que proferida decisão sobre a competência do juízo, deverá ser
interposto agravo de instrumento, e não agravo retido. Acrescentam os referidos autores que caso a
questão seja atacada por agravo retido e vindo a este ser posteriormente provido, haverá um mal
maior: serão anulados todos os atos decisórios, remetendo-se os autos ao juízo competente.12 No
mesmo quadrante asseverou Fábio Milman, quando lecionou que há, por exemplo, em princípio,
lesão grave e de difícil reparação nas decisões que acarretem retardamento injustificável do
processo ou mesmo ineficácia dos atos processuais. Isso ocorre em certos atos decisórios que
versem sobre competência13.
De idêntica maneira, o recurso cabível contra decisão que julga exceção de incompetência,
suspeição ou impedimento é o agravo sob o viés instrumental, e não na modalidade retida, haja vista
que não há sentido em deixar suspensa para exame, após a prolação da sentença definitiva, questão
que é prejudicial de mérito.
O STJ já se manifestou acerca da obrigatoriedade do regime instrumental no agravo interposto
contra decisão que julgam as exceções, defendendo a tese de que há presumido risco de efetivo
prejuízo às partes frente a possibilidade de eventual anulação dos atos praticados em detrimento das
partes e do próprio Judiciário14.
12 Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Juspodivm, 2011, p. 149.
13 ob. cit. p. 48.
14 REsp nº 931134, Relatora Nancy Andrighi, j em 03.04.2009.
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Na mesma senda, exemplifico, ainda, outro caso que, sem embargo de não se adequarem às
hipóteses previstas na lei, são capazes de produzir tumulto processual ou determinarem substancial
modificação do procedimento, de maneira que a irresignação do recorrente na modalidade retida
seria inútil. A título de exemplo, os recursos que tenham por objeto questões aptas a viciar o
processo, ou seja, as questões de ordem pública (condições da ação e pressupostos processuais).
Nestes casos carecerá o agravante de interesse recursal, pois o recurso eventualmente interposto na
modalidade retida não terá condições de trazer alguma sorte de benefício ao recorrente, tornando-se
totalmente inócuo, já que em se tratando as questões de ordem pública de vital importância ao
processo não poderiam ser relegadas à apreciação final somente em preliminar de uma eventual e
futura apelação, sob pena de afronta ao princípio do acesso à justiça, mormente porque estar-ser-ia
autorizando que um processo viciado tramitasse inutilmente até o seu final.
Frise-se que, o fato de as questões de ordem pública não estarem sujeitas à preclusão, podendo,
portanto, ser alegadas em qualquer momento e grau de jurisdição, não é fundamento suficiente para
a ausência de interesse na interposição do agravo de instrumento, eis que “é a gravidade do vício
que determina que não exista preclusão e também é essa mesma gravidade que faz com que não se
deixe livremente tramitar processo defeituoso”.15
Por fim, existem outras decisões que, por incompatibilidade lógico-processual ou por causarem
danos irreparáveis e de difícil reparação presumidos devem, obrigatoriamente, ser recebidos sob o
viés instrumental, dentre elas, apenas a título ilustrativo, podemos citar: a rejeição da denunciação à
lide; aquelas que rejeitam à inicial da reconvenção, excluem o litisconsorte condenando-o no
pagamento de verba honóraria; indeferimento parcial da petição inicial; a decisão que julgue que
altere de alguma forma um dos polos da demanda (como por ocasião de oposição ou chamamento
ao processo, exempli gratia) e, ainda, a decisão que fixa honorários periciais.
Fabiano Carvalho discorre, com propriedade, que existem outras decisões que são agraváveis por
instrumento e que impedem a conversão de regime. São elas: rejeição liminar da ação declaratória
incidental (325 CPC); exclusão ou inclusão de herdeiro no inventário; reconhecimento de conexão
15 Eliane Procurcin Quintela. As matérias de ordem pública e o regime da retenção obrigatória do agravo. Aspectos
polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT, 2007, v 10, p. 73-74.
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entre causas; concessão de prazo em dobro; decisão sobre valor da causa; negativa de homologação
de acordo; rejeita ou acolhe exceção de incompetência, impedimento ou suspeição, etc.16
Assim, pelo que se dessume do quanto aqui brevemente exposto, sem pretensão de exaurir o tema,
as hipóteses excepcionais abrigadas no art. 522 do CPC, na redação que lhe conferiu a Lei n.
11.187/05, não se revelam bastantes para a tutela procedimental do agravo. Ao contrário, subsistem
circunstancias ali não tratadas em que tal recurso, por imperativo lógico-processual, deverá ser
igualmente processado sob a forma de instrumento e que fazem com que o elenco de situações
trazidas pelo Código de Processo Civil, no que concerne ao processamento do agravo de
instrumento, não se encontrem disciplinadas em numerus clausus, sendo o rol apenas
exemplificativo.
3. A SITUAÇÃO PROCESSUAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RÉU AINDA NÃO
CITADO EM PRIMEIRO GRAU.
Um tema muito polêmico, tanto em sede doutrinária como no âmbito jurisprudencial, tem sido
sistematizar o procedimento a ser adotado quando interposto agravado de instrumento sem que o
réu (agravado) tenha ainda integrado a lide em primeiro grau.
Imaginemos a hipótese de indeferimento da liminar inaudita altera pars, onde o réu ainda não foi
citado, não estando, portanto, triangularizada a relação processual na inferior instância. Neste caso,
segundo alguns doutrinadores, interposto agravo de instrumento pelo autor, a princípio, tornar-se-ia
impossível a aplicação do inciso V do art. 527 do CP, pois não haveria, ainda, réu a ser intimado na
pessoa do advogado, para apresentação das contrarrazões.
J. E. Carreira Alvim17, defendendo a tese de dispensabilidade de intimação do agravado para
responder ao recurso, quando ainda não citado em primeiro grau, disse que quando não tiver havido,
ainda, a citação do réu – e houver agravo de instrumento contra decisão indeferitória de liminar no
16 A conversão do agravo de instrumento em agravo retido na reforma do código de processo civil . Disponível
em: www.ambitojurídico.com.br. Acessado em: 13.03.2012 às 21:01.
17 Agravo de Instrumento no tribunal e situação do réu não-citado. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis.
São Paulo: RT, 2003, v 7, p. 359.
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primeiro grau -, a relação processual, no processo principal, ainda não se completou, havendo
apenas uma relação recursal do tipo linear ascendente e linear entre o agravante e o órgão ad quem,
no caso o Tribunal. Mais adiante pontifica que não é que não haja, propriamente, um agravado,
porque sempre haverá uma parte contrária ao agravante, mas não estando ele ainda integrado ao
processo originário, não se impõe, à luz do art. 527, V, a sua intimação para responder o recurso18.
Segundo, ainda, este doutrinador se, ao julgar o agravo de instrumento, o tribunal negar-lhe
provimento, “nenhum prejuízo terá sofrido o réu ainda não integrado ao processo, cabendo ao
agravante, eventualmente, a interposição de recurso especial e/ou extraordinário para os tribunais
superiores”. Mais adiante, arremata, “se, ao contrário, o tribunal der provimento ao agravo,
concedendo a tutela liminar, o réu será intimado dessa decisão, quando poderá também, interpor
recurso especial e /ou extraordinário para os tribunais superiores, em defesa do seu direito”.19
Todavia, em que pese opiniões em contrário, não é essa a melhor solução, a nosso ver, a ser
adotada. É que processado o agravo de instrumento sem que seja oportunizada a resposta do
agravado – sob o argumento de que ainda não fora citado em primeiro grau – e, consequentemente,
provido o recurso pelo Órgão colegiado julgador, o réu-agravado restará carente de recursos,
genericamente, para se manifestar em divergência com a decisão final do agravo, em sendo esta, por
óbvio, favorável ao agravante, havendo, em consequência, evidente afronta a diversos princípios
constitucionais processuais, dentre eles, o da ampla defesa, contraditório e isonomia.
Sobre a não-intimação do agravado para apresentação de contrarrazões por não ter, ainda, integrado
a lide em primeiro grau, Joaquim Felipe Spadoni enfatizou, com maestria, que:
“(...) é demasiada a restrição ao contraditório e à ampla defesa
perpetrada por tal conduta processual, direitos estes consagrados no
art. 5, LV. Com efeito, em caso de provimento do agravo de
instrumento pelo tribunal, concedendo-lhe a liminar anteriormente
18 Na doutrina, ainda em favor da dispensa de intimação do agravado para apresentação de contrarrazões, Eduardo
Chemale Selistre Penã, O recurso de agravo. p. 91
19 ob. cit. p. 371-372.
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indeferida, o réu encontra-se em uma situação onde fica desprovido
de recurso que comporte uma devolutividade ampla da decisão, que
provoque a consideração não só de suas alegações de direito, mas
também Daquelas respeitantes aos fatos que dão base à decisão
concessiva da liminar. Isso porque, do julgamento do agravo de
instrumento pelo tribunal os únicos recursos de que a parte poderá
dispor serão o de embargos de declaração e os recursos especial e
extraordinário”.20
Como se observa, a não-intimação do réu ainda não citado para apresentar contrarrazões ao agravo
de instrumento fará com que o mesmo fique sem poder impugnar a decisão que eventualmente
venha lhe ser desfavorável, sobretudo porque os recursos especial e extraordinários eventualmente à
disposição do agravado, além de possuírem fundamentação vinculada, exigem para sua
admissibilidade o prequestionamento, requisito este certamente inexistente já que não teve a
oportunidade de apresentar contrarrazões ao agravo de instrumento21.
Em adminículo ao quanto asseverado, Teresa Arruda Alvim Wambier22 considera equivocada a
jurisprudência formada no sentido de achar dispensável que se estabeleça o contraditório no agravo
de instrumento, quando se tratar de decisão recorrida proferida antes da citação do réu. Para a
doutrinadora, os argumentos contrários à tese da indispensabilidade da intimação do agravado são
irrespondíveis, pois, segundo ela, além de ficar o réu praticamente de mãos atadas para reverter a
situação, no caso de a liminar ser concedida pelo tribunal ao final, restará ofendido, além do
princípio da ampla defesa e do contraditório, o princípio da isonomia23.
20 O contraditório no recurso de agravo de instrumento contra decisões indeferitórias de liminares. Aspectos polêmicos
e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei n. 9756/98 - 2 série. p. 325/336.
21 Ver ainda Joaquim Felipe Spadoni: “No entanto, para ver admitido o seu recurso especial ou extraordinário, é preciso
preencher o requisito do prequestionamento, isto é, necessário se faz que o acórdão tenha enfrentado a questão federal
ou constitucional prevista naqueles dispositivos constitucionais. Mas, sem ter tido a possibilidade de suscitar as suas
razões por ocasião do julgamento do agravo de instrumento, difícil se torna ao réu provocar o prequestionamento da
questão federal ou constitucional”.
22 ob. cit. p. 596.
23 Prossegue sempre com razão, Teresa Arruda Alvim Wambier: “o autor, mediante a interposição de simples agravo,
conseguiu reverter a situação que lhe era desfavorável. O réu, que não foi ouvido no tribunal (que não pode, ipso facto,
decidir de modo neutro), terá de trilhar caminho infinitamente, mais longo, complexo, cheio de percalços, para
provavelmente não ter êxito, e até, eventualmente,, por razões de ordem estritamente formal, como, por exemplo, a
ausência de prequestionamento” (ob. cit)
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José Alexandre Manzano Oliani, após discorrer acerca do grau de cognição das medidas liminares e
sua revogabilidade, leciona que “se interposto agravo de instrumento contra decisão que
liminarmente indeferiu requerimento de antecipação de tutela formulado pelo autor, deverão réu ser
intimado para responder ao recurso, sob pena de invalidade do julgamento, por violação ao
princípio do contraditório.”24
Assim, em conclusão e por qualquer vértice que se olhe, concordando integralmente com Teresa
Arruda Wambier, Joaquim Felipe Spadoni e José Alexandre Manzano Oliani, em não havendo o
agravado integrado à lide em primeiro grau e, consequentemente não possuindo causídico
constituído, em homenagem ao devido processo legal, do qual são corolários o contraditório e a
ampla defesa, imperativa a intimação pessoal do próprio agravado para, constituir advogado e,
querendo, apresentar contrarrazões ao recurso.25
4. O AGRAVO DE INSTRUMENTO APÓS PROLAÇÃO DE SENTENÇA EM PRIMEIRO
GRAU (INCERTEZA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL).
Questão processual polêmica e controvertida é a situação do agravo de instrumento interposto
quando prolatada sentença em primeiro grau. Quando se discute o destino do agravo de instrumento
interposto contra interlocutórias liminares, em razão de sentença superveniente, tem-se adotado dois
critérios, a saber, o hierárquico e o cognitivo.
Pelo critério hierárquico, a decisão do tribunal nos autos do agravo de instrumento, não ficaria
prejudicada por conta da superveniência de sentença, pois os efeitos desta ficariam condicionados
ao desprovimento do agravo26. Já o segundo, critério cognitivo, a sentença proferida pelo juízo de
24 O contraditório nos recursos e no pedido de reconsideração. São Paulo: RT, 2006, p.119)
25 Adotando a tese no sentido de que é necessária a intimação pessoal do agravado, destaca-se a primorosa lição de
Araken de Assis quando afirma que a visão liberal recomenda, em homenagem contrita ao contraditório, a intimação
pessoal do próprio agravado, constando endereço nos translados, justamente pra constituir advogado e, mostrando-se
oportuno, responde ao agravo” (op. cit. p. 540)
26 Segundo Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha “este é o chamado critério da hierarquia e com base
nele se entende que, justamente porque há a possibilidade de as decisões serem incompatíveis (acórdão do agravo e
sentença), o agravo de instrumento não fica prejudicado por conta da superveniência de sentença” (ob. cit., p.
173/179).
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primeira instância sempre prevalecerá sobre a decisão proferida nos autos do agravo de instrumento,
uma vez que se trata de decisão proferida com base em juízo de cognição exauriente em detrimento
daquela proferida em cognição sumária.27
Teresa Arruda Alvim Wambier, não obstante a existência do critério hierárquico, adota o critério da
cognição, segundo a qual o agravo resta prejudicado, por perda de objeto, quando interposto contra
a decisão que concede ou não uma liminar. Afirma ainda que todo segmento recursal derivado de
decisão interlocutória concessiva ou denegatória de liminar perde a utilidade e a sentença prolatada
é que prevalece. A teoria adotada pela processualista é capitaneada por Daniel Amorim Assumpção
Neves quando este leciona que em se tratando de decisão interlocutória que tenha como objeto uma
tutela de urgência – antecipada ou cautelar – proferida a sentença, aquela é imediatamente
substituída por esta, já que a tutela definitiva substitui a tutela provisória, devendo o relator do
agravo pendente de julgamento no tribunal não conhecer do recurso “por perda superveniente de
objeto (recurso prejudicado)”. Entende ainda que a substituição é imediata e independe do trânsito
em julgado ou da interposição de apelação.28
Por outro lado, a fim de ilustrar o quão polêmica é a questão, destaque-se que o STJ diverge, ao
longo dos anos, sobre o tema, tendo, no entanto, prevalecido o entendimento de que, independente
do objeto do agravo de instrumento, em razão do critério cognitivo, este sempre perderá seu objeto
quando da prolação de sentença superveniente.
Esse entendimento do STJ acerca da adoção do critério cognitivo restou decidido na Rcl 1444/MA,
em que se decidiu pela perda de objeto do Recurso Especial interposto em sede de Agravo de
Instrumento, tendo em vista a superveniência da sentença de mérito:
27 Nas primorosas lições de Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha “a sentença englobaria a decisão
interlocutória impugnada – que fora proferida com base em juízo de cognição sumária -, de modo que o agravo de
instrumento pereceria o seu objeto”. (ob. cit. p.173/179).
28 No mesmo sentido, pela perda do objeto do agravo de instrumento e adotando o critério cognitivo, Arruda Alvim,
Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim ao lecionarem que: Em nosso entendimento, o agravo contra a decisão
antecipatória de tutela perde seu objeto com a sentença (pois há carência superveniente de interesse recursal). Da
mesma forma, o agravo contra a decisão que denega a antecipação de tutela perde seu objeto com a sentença
superveniente.” (Comentários ao Código de Processo Civil: Comentários à Lei n.º 9.613/98 com as alterações da
Lei n.º 12.683/12. São Paulo: RT, 2012.
.
“A decisão proferida pelo STJ no recurso especial atacou tutela
antecipada e não aceitou a decisão concessiva. Entretanto, esta tutela
não mais existe, porque já foi substituída pela sentença de mérito que
confirmou a liminar. Verifica-se, portanto, que a reclamação perdeu
inteiramente o sentido porque não se dirige contra a tutela antecipada,
enquanto estamos diante de uma sentença meritória. Há uma corrente
minoritária nesta Corte, inclusive com recente julgado da Segunda
Turma, a qual, filiando-se à teoria da hierarquia, entende que não pode
o julgador revogar expressa ou tacitamente uma medida adotada pelo
Tribunal, mesmo em juízo exauriente e de mérito, como o que ocorreu
na hipótese. O meu entendimento é no sentido de não aceitar a
manutenção de uma tutela antecipada outorgada pelo Tribunal, se ela
está em desacordo com a sentença de mérito proferida pelo juiz de
primeiro grau (...) Dessa forma, nego provimento à reclamação,
ficando prejudicado o julgamento dos embargos de declaração”.
Verifica-se, assim, da análise da jurisprudência do STJ, que a maioria das decisões monocráticas e
dos acórdãos proferidos pelas Turmas é no sentido da perda do objeto do agravo de instrumento
quando da superveniência de sentença, em razão da aplicação indiscriminada do princípio da
cognição.
Importante consignar que não desconhecemos o precedente da Corte Especial do STJ - órgão
orientado a uniformizar a jurisprudência do STJ - no bojo de embargos de divergência em recurso
especial, EREsp 765105/ TO29, de relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido, em que, por 6 votos a
5, decidiu que não há perda do objeto do agravo de instrumento interposto em face de medida
antecipatória da tutela, mesmo após a prolação de sentença de procedência30.
29 EREsp 765105 / TO : “(...) isso estabelecido, tenho que a superveniência da sentença de procedência do pedido não
torna prejudicado o recurso interposto contra a decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. É que a
antecipação da tutela não antecipa a sentença de mérito, mas sim a própria execução do julgado que, por si só, não
produziria os efeitos que irradiam da tutela antecipada.”
30 À guisa de esclarecimento a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao solucionar os Embargos de
Divergência no REsp.765.105/TO, contrariou a sua jurisprudência majoritária sobre o assunto, criando outro precedente
que acirrou ainda mais a discussão.
.
Verifica-se que o voto vencedor dos embargos de divergência entendeu pela prevalência do agravo
de instrumento interposto em face de decisão antecipatória da tutela, não obstante a superveniência
de sentença de procedência, sob o argumento de que, no caso, a sentença terá seus efeitos imediatos,
podendo desde sua prolação ser executada, em razão da antecipação de tutela já deferida, de forma
que o agravo de instrumento permanece útil, já que pode inviabilizar essa execução imediata da
sentença.
Todavia, ousamos discordar tanto daqueles que adotam o critério da cognição 31, como do STJ, que
adotou,
recentemente,
o
critério
hierárquico.
Digo
isto
porque
em
se
adotando,
indiscriminadamente, o critério cognitivo ocasionará, como consequência, a não observância dos
princípios da eficácia e celeridade do processo, já que, com a perda do objeto do agravo de
instrumento, em razão da superveniente sentença de procedência, que confirmou a tutela
antecipada, o réu teria que, para não ver o julgado imediatamente executado, interpor apelação
dessa sentença, que não será recebida no efeito suspensivo ope legis, e dessa decisão - dos efeitos
em que a apelação será recebida - interpor novo agravo de instrumento, retardando o processo e
gerando um número excessivo de recursos.
Assim, os entendimentos que adotam a aplicação do critério da cognição de forma indiscriminada,
sem avaliação do caso concreto,
dissociam-se dos pressupostos de eficácia, celeridade e
uniformização processuais.
Quanto ao critério hierárquico, adotado pela Corte Especial do STJ (muito embora posteriormente
existam julgados em sentido contrário32), não merece sustentação, haja vista que, além de violar o
princípio da convicção do juiz de primeiro grau, está a se afirmar, ainda que por linhas transversas,
31
Mister transcrever a abalizada doutrina de Nélson Nery Jr. que defende o critério da cognição: “O objeto do agravo de
instrumento é a cassação da liminar. Se a sentença tiver julgado procedente o pedido, terá absorvido o conteúdo da
liminar, ensejando ao sucumbente a impugnação da sentença e não mais da liminar (...) A sentença se sobrepõe à
interlocutória anterior, que concedera a liminar, e ela, sentença, é que poderá vir a ser impugnada por meio do recurso
de apelação (...)” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: RT, 2010. p. 930-931).
32 AgRg no AREsp 98370/RO, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 12.06.2012, DJ
20.06.2012; AgRg no REsp 1178665 / SC Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 12.05.2012,
DJ 21.05.2012; AgRg nos EDcl no REsp 1232873 / PE Rel. Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em
10.04.2012, DJ 20.04.2012; REsp 1266918 / SC Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em
16.02.2012, DJ 27.02.2012; AgRg no REsp 1114681 / SP Rel. Ministro César Asfor Rocha, 2ª Turma, julgado em
21.06.2012, DJ 01.08.2012
.
que o exame perfunctório, através de decisão monocrática do relator, vale mais que o exame
exauriente da sentença de mérito proferida em primeiro grau. Ou seja, nas palavras da Ministra
Eliana Calmon “essa tese jurídica, dentro do STJ, é perigosíssima porque chancela mais um ato
grande e profundo desprestígio à magistratura de primeiro grau”.33
Desta forma, sem a pretensão de pretender esgotar o tema, entendemos que nestes casos –
superveniência de sentença durante o trâmite do agravo de instrumento – o melhor critério a ser
adotado é aquele em que analisa, casuisticamente, as peculiaridades de cada caso concreto, ou seja,
deve ser cotejado o contéudo da decisão recorrida e a possibilidade de a sentença proferida ser
pressuposto lógico da possibilidade de decisão de mérito em primeiro grau, além da modificação ou
não da situação fático-probatória ou qualquer outro elementos que possibilite a vinculação do Órgão
a quo com o Tribunal, órgão hierarquicamente superior, responsável pelo julgamento do recurso.
Tal como ensinam Fredie Didier e Leonardo José Carneiro da Cunha “a premissa que se deve
estabelecer para o correto enfrentamento do ponto é a de que perda, ou não, do objeto do agravo de
instrumento pendente de julgamento não é questão que deva ser analisada em abstrato. A sorte do
agravo de instrumento pendente de julgamento dependerá sempre da análise do cada concreto, não
se podendo dizer abstratamente que a só superveniência da sentença vai gerar, ipso facto, a perda do
objeto do referido recurso.”34
Feitas todas essas premissas, chega-se à conclusão no sentido de que, diante da controvérsia
doutrinária e jurisprudencial do destino do agravo quando prolatada sentença de mérito
superveniente em primeiro grau, três poderão ser os critérios adotados, a saber, o da cognição, da
hierarquia e, por último, o defendido neste trabalho, qual seja, o critério que analisa cada caso
concretamente, cotejando casuisticamente (parâmetro delineador) o conteúdo da decisão recorrida e
a possibilidade de a sentença proferida ser pressuposto lógico da decisão de mérito em primeiro
grau35.
33 REsp n. 742.512/DF.
34 ob. cit. p. 176.
35 Entende Teresa Arruda Alvim Wambier que inevitável é “a conclusão de que o destino que deve ser dado ao agravo,
depois de proferida a sentença, depende do conteúdo da decisão impugnada." (O destino do agravo depois de proferida
a sentença. Aspectos polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de Outros Meios de Impugnação às Decisões
Judiciais. Série 7. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier – coordenadores. São Paulo: RT, 2003.
.
5. EFEITO TRANSLATIVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
O regime jurídico a que se submetem as questões de ordem pública permite que sejam apreciadas de
ofício a qualquer momento e grau de jurisdição, sem que com isso se fale em supressão de instância
ou afronta ao efeito devolutivo dos recursos, segundo o qual, em regra, somente poderia o tribunal
reanalisar as questões versadas nas razões ou contrarrazões do recurso.
Nestas situações – nas quais se admite ao o órgão ad quem a julgar fora do que consta nas razões ou
contrarrazões do recurso - dá-se o nome de efeito translativo dos recursos.36
A utilização do efeito translativo nos agravos de instrumento – com o encerramento imediato de
lides ainda pendentes de sentença no Juízo a quo - tem ocorrido, ainda de forma tímida e não
frequente, na prática jurídica dos tribunais, sob o argumento de que sua utilização prestigia a
economia processual e o principio da razoável duração do processo.
Não obstante isso, alguns doutrinadores e até alguns Tribunais do país, vêm entendendo que sua
utilização poderá ocasionar supressão de instância violando, em consequência, o duplo grau de
jurisdição, de maneira que merece nossa atenção neste estudo, para que possamos sistematizar a
utilização do efeito translativo no agravo de instrumento.
De início, é importante frisar que para que o tribunal possa aplicar o efeito translativo e examinar,
pela primeira vez, as matérias de ordem pública não suscitadas e/ou não examinadas no primeiro
grau, é necessário que o recurso haja passado pela barreira de admissibilidade37.
Dentro deste contexto, ultrapassada a barreira de admissibilidade do agravo de instrumento e
havendo questão de ordem pública que possa ensejar a extinção imediata pelo tribunal, da ação
ajuizada pendente em primeiro grau, não somente pode como deve (poder-dever do Órgão
fracionário julgador) o tribunal extinguir o processo sem julgamento do mérito sem que com isso,
incida em supressão de instância, mormente porque por se tratarem de matérias conhecíveis de
ofício (ordem pública), sua análise e apreciação de imediato pelo tribunal encontra sustentáculo a
36 José Alexandre Oliane Manzano. O contraditório nos recursos e no pedido de reconsideração. São Paulo: RT,
2006, p.77.
37 Defende Nelson Nery Júnior que “a aplicação do efeito translativo nos tribunais de apelação (TJ, TRF, TRT), isto é,
no exercício de competência recursal de segundo grau, o exame de ofício das matérias de ordem pública depende do
conhecimento do recurso, porque a translação está inserida no juízo de mérito do recurso e não no juízo de
admissibilidade” (ob. cit, p. 815-816)
.
prevalência de princípios infraconstitucionais, dentre os quais o inquisitivo e o de economia
processual, possibilitando assim o atendimento à tutela jurisdicional efetiva, célere e tempestiva.38
Teresa Arruda Alvim Wambier, ao defender a possibilidade de aplicação do efeito translativo ao
agravo de instrumento discorreu em prol dessa tese que39:
“(...) Sabe-se que a matéria a respeito da qual o Tribunal pode decidir,
julgando o recurso, é, em princípio, a impugnada pela parte recorrente.
Está-se, aqui, diante da regra decorrente do princípio dispositivo, que
se liga, umbilicalmente ao efeito devolutivo dos recursos. Todavia,
pode o órgão julgador, independentemente do que lhe tenha sido
devolvido pela impugnação formulada pela parte, manifestar-se sobre
matéria cognoscível de ofício. (...) A questão que surge é a seguinte:
pode o tribunal extinguir o processo sem julgamento do mérito,
conhecendo de ofício de matéria de ordem pública, ao julgar um
agravo, interposto de questão incidente, concernente, por exemplo, à
concessão de uma medida liminar? Já sustentamos, em trabalho
anteriormente publicado, que deve a matéria de ordem pública ser
apreciada pelo tribunal ou pelo juiz, ao julgarem o recurso em que esta
matéria não tenha sido nem mesmo impugnada e que tenha a
devolutividade limitada, por exemplo, em decorrência da circunstância
de ter fundamentação vinculada, como, v.g., os embargos de
declaração. (...) Em contrapartida, quanto à matéria de ordem pública,
38 Marcio André Monteiro Gaia apresenta sólidos argumentos para esmaecer eventuais óbices à aplicação do efeito
translativo no agravo de instrumento que tenham por fundamento a vulneração ao princípio do duplo grau de jurisdição:
“crê-se que o tribunal não só pode, como deve extinguir o processo sem julgamento do mérito, ao apreciar agravo de
instrumento, quando, icto oculi, reconhecer qualquer afronta a essas matérias de ordem pública. Dessa forma, estar-se-ia
coadunando à incidência do efeito translativo ao recurso de agravo, subsumido ao princípio inquisitivo, sem se
caracterizar o que se convencionou chamar de "supressão de instância", em face da violação do duplo grau de
jurisdição. É que, justamente de por se tratarem de matérias conhecíveis de ofício, aliado ao fato de não se admitir o
princípio do duplo grau de jurisdição como garantia constitucional expressa, portanto, sem intangibilidade absoluta,
abre-se espaço para a prevalência de outros princípios infraconstitucionais, dentre os quais o inquisitivo e o de
economia processual, possibilitando assim o atendimento à tutela jurisdicional tempestiva. Não é de se imaginar, repitase, deixar o processo ser conduzido até a sentença, quando o tribunal, já acionado em sede de agravo de instrumento,
poderia, por força do efeito translativo, dar solução efetiva ao processo, ao vislumbrar algum vício de ordem pública.
Seria, isto sim, não conferir a devida importância à economia processual. (Marcio Andre Monteiro Gaia, Reflexões
sobre a incidência do chamado “efeito translativo” em sede de agravo de instrumento. Revista Dialética de Direito
Processual - Rddp, São Paulo, Oliveira Rocha Comércio e Serviços Ltda., volume 41, ago. 2006, p. 119-120)
39 Em sentido contrário: Dorival Renato Panvan. Teoria Geral dos Recursos Cíveis, São Paulo: Juarez de Oliveira,
2004, p. 195.
.
não se opera a preclusão, nem para o Judiciário, nem para a parte,
devendo ser conhecida de ofício. Em nosso entender, esta regra leva a
efeito, de modo inequívoco, o princípio da economia processual. Por
que permitir-se que um processo chegue ao fim, com sentença de
mérito, se se estará diante de sentença nula e, portanto, rescindível,
abrindo-se, assim, oportunidade para que nasça uma nova ação, um
novo processo”.40
Na seara jurisprudencial, segundo o STJ, não há que se falar em óbice à aplicação do efeito
translativo por violação ao princípio do duplo grau de jurisdição quando o Tribunal se deparar com
a apreciação questões relativas a pressupostos processuais ou as condições da ação 41. O Ministro
Luis Felipe Salomão ao dissertar acerca do tema disse que é importante salientar que o efeito
devolutivo de todo recurso é de ser entendido sob o ângulo de extensão e profundidade da análise
da causa pelo órgão ad quem. A extensão diz acerca da análise horizontal da matéria posta em juízo,
ao passo que a profundidade é a verticalização da cognição do julgador. Tal verticalização, por
muitos considerada como efeito translativo dos recursos, consiste na possibilidade de o Tribunal,
ultrapassada a admissibilidade do apelo, decidir matéria de ordem pública, sujeita a exame de ofício
em qualquer tempo e grau de jurisdição, como é o caso das nulidades absolutas, das condições da
ação, dos pressupostos processuais e das demais matérias a que se referem o § 3º do art. 267 e § 4º
do art. 30142.
Importante enfatizar, ainda, que o reconhecimento do efeito translativo de um recurso, motivado por
uma questão de ordem pública, poderá resultar utilidades de ordem prática e processual no sentido
de se evitar ou mesmo interromper a movimentação desnecessária da máquina judiciária que, como
sabemos, resulta muitas vezes em desperdício de tempo e de recursos humanos, materiais e
financeiros.
Em razão do contido nas linhas supra, pode-se, em suma afirmar que é cabível conferir efeito
translativo ao agravo de instrumento desde que o mesmo seja conhecido pelo Tribunal, ou seja, haja
ultrapassado a barreira da admissibilidade, e que traga ao órgão ad quem matérias relativas a
pressupostos processuais ou as condições da ação passíveis de verificação ex officio.
40 ob. cit. p. 223-225.
41 STJ, REsp 243969/PB, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha.
42 REsp 702835/ PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão.
.
6. RAZÕES DO AGRAVO DE INSTRUMENTO SEM ASSINATURA DO ADVOGADO.
Com certa freqüência os tribunais têm enfrentado o problema de petições de interposição ou razões
de agravo de instrumento sem assinatura do advogado. Todavia, as soluções adotadas por estas
Cortes ao se depararem com referidas hipóteses, não têm sido uniformes, ou seja, ora se nega
qualquer validade ao recurso por entendê-lo inexistente ou até inadmissível, sobretudo porque não
há espaço para conversão do julgamento em diligência, a fim de que seja suprida referida omissão;
ora se considera sanável o defeito, corrente essa crescente tanto na doutrina, como na
jurisprudência, admitindo o suprimento do vício, com a intimação do advogado, a fim de que
compareça e assine as razões ou petição de interposição apócrifas.
A nosso ver, a celeuma acerca do tema deve ser solucionada levando-se em consideração o
formalismo valorativo em detrimento do formalismo exarcebado. Hodiernamente, o formalismo é
tido como importante meio de controle dos excessos que pudessem ser cometidos pelas partes,
atuando como fator de isonomia dos litigantes entre si e possibilitando o exercício do contraditório.
Não obstante isso, o formalismo não pode ser levado ao extremo, sob pena de afronta a diversos
princípios basilares, dentre eles, o da garantia da jurisdição, da efetividade do processo e do amplo
acesso à justiça, de forma que a mitigação deste formalismo vem ganhando sustentação, tornando a
forma um instrumento da realização da justiça, não relegando as partes escravas dessa rigidez
processual.
Trata-se, pois, de prestigiar o conteúdo em detrimento da forma, em consonância com o princípio
da instrumentalidade das formas, não mais se concebendo, a nosso ver, como inexistente, o recurso
a que falta, por equívoco, a firma do advogado constituído pela parte, mormente porque se trata de
lacuna que não importa em incompletude do instrumento, mas em deficiência/vício formal passível
de ser sanado nas instâncias ordinárias, consoante, aliás, já acentuara o STJ que, de forma uniforme,
entende que a lacuna decorrente da apocrifia do recurso é passível de ser suprida nas vias
ordinárias, não sendo viável negar-lhe seguimento antes de ser assegurada oportunidade para o
saneamento do defeito, conforme se verifica dos seguintes julgados:
“PROCESSUAL
CIVIL.
AGRAVO
REGIMENTAL
NO
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO
.
ART. 522 DO CPC INTERPOSTO CONTRA DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.
PETIÇÃO
PRAZO
RECURSAL APÓCRIFA.
PARA
REGULARIZAÇÃO
REABERTURA
NAS
DE
INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO.
POSSIBILIDADE. ART.
13
DO
CPC.
PRECEDENTES.
DECISÃO MANTIDA.
1. A ausência de assinatura em petição recursal é vício sanável nas
instâncias ordinárias, mediante concessão de prazo pelo juiz para
que se proceda à respectiva regularização, nos termos do art. 13
do CPC.
2. No caso concreto, as instâncias ordinárias não designaram
prazo para que fosse sanada a falta de assinatura da petição do
agravo de instrumento do art. 522 do CPC, dando ensejo ao
provimento do recurso especial.
3. Agravo regimental a que se nega provimento”43.
"PROCESSUAL
CIVIL.
AGRAVO
REGIMENTAL
NO
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO
ART. 522 DO CPC SEM ASSINATURA. REGULARIZAÇÃO
NAS
INSTÂNCIAS
ARTIGO
13
DO
ORDINÁRIAS.
CÓDIGO
DE
POSSIBILIDADE.
PROCESSO
CIVIL.
PRECEDENTES.
1. Entendimento do STJ no sentido de que a falta de assinatura do
advogado, nos recursos apresentados na instância ordinária,
constitui vício sanável, diante do qual deve ser concedido prazo
para o suprimento da irregularidade, conforme artigo 13, do CPC.
Ao contrário da extraordinária, onde não se admite a
regularização. 2. Precedentes: REsp 1.109.832/ES, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 1/6/2009, REsp
43 AgRg no REsp 1260676, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira. j. em 13.11.2012.
.
964.160/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
29/10/2008, REsp 905.819/PE, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, DJe 20/8/2008.
3. Agravo regimental não provido"44.
No campo doutrinário, Araken de Assis, acerca do tema, disserta que “a petição do agravo de
instrumento há de ser assinada pelos advogados do agravante”, porém mais adiante o citado
doutrinador assinala que “a jurisprudência do STJ admite o suprimento do vício, assinalando-se
prazo para tal fim”.45
Humberto Theodoro Júnior, com absoluta propriedade acerca do tema, disse que mesmo a ausência
absoluta de assinatura do patrono no recurso, quando ausente a má-fé e induvidosa a autoria da
petição, não acarreta de imediato a ineficácia do ato, sendo sanável por convalidação já que se trata
de tutela de interesse privado das partes e não envolve interesse público, por não atentar contra o
andamento do processo judicial. Vale, aqui, relembrar o princípio da instrumentalidade do processo
que não se tutela como um fim em si mesmo, mas como meio de tornar efetivo o direito subjetivo
ao seu titular. Sendo constitucionalmente garantido a todos o direito à prestação jurisdicional, à
ampla defesa e ao justo e devido processo legal, não há que se impedir o conhecimento de recurso
que foi tempestiva e inequivocamente manifestado por patrono regularmente constituído pois, a
concepção moderna do processo como instrumento de realização da justiça, repudia o excesso de
formalismo, que culmina por inviabilizá-la46 .
Importante consignar que, a nosso ver, somente é necessária a intimação do agravante para sanar a
omissão, quando não houver a assinatura do seu patrono em ambas as peças - petição de
interposição e razões recursais - uma vez que se existir a assinatura em pelo menos uma destas,
desnecessário que seja baixado o recurso em diligência para suprimento da omissão, uma vez que
44 AgRg no REsp 1.288.052/PE, Relator Ministro Benedito Gonçalves. j. em
23.03.2012
45
ob. cit. p. 526.
46 A irregularidade da petição recursal não assinada. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo50.htm.
Acessado em: 17.03.2014, às 20h:01min.
.
facilmente perceptível tratar-se de manifestação do procurador que atua no processo na defesa do
recorrente47.
Assim, diante das considerações acima expostas, não mais se admite, por afronta aos princípios da
garantia da jurisdição, da efetividade do processo e do amplo acesso à justiça, a negativa de
seguimento do agravo de instrumento por falta de assinatura do patrono do agravante nas razões do
recurso, uma vez que se trata de vício perfeitamente sanável nas instâncias ordinárias conforme
reconhecido pela melhor doutrina e mais atual jurisprudência.
7. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DO JUIZ NA CÓPIA DA DECISÃO RECORRIDA.
É consabido que impõe ao agravante a missão de instruir o recurso de agravo de instrumento com as
cópias da decisão agravada, da certidão de intimação da decisão recorrida e, ainda, das procurações
outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. Especificamente em relação à decisão
agravada, impõe a sua juntada, haja vista ser de fundamental importância para possibilitar ao órgão
julgador, verificar se se trata de decisão a ser impugnada via agravo de instrumento, bem como para
se averiguação do exame dos fundamentos utilizados pelo juiz primevo.
Problema de interesse prático e que atormenta a vida dos advogados é a correta formação do agravo
de instrumento, sobretudo no que se refere aos documentos obrigatórios, dentre eles, o objeto do
nosso estudo, a juntada da decisão recorrida sem a assinatura do Juiz que a prolatou.
Tem-se verificado na prática, o crescente número de interposição de agravos de instrumento com a
juntada da decisão recorrida de forma irregular, ou seja, apócrifa.
É bastante controvertida a forma como os tribunais vêm se manifestando quando deparada com essa
situação, mormente se levarmos em consideração o espírito e o real objetivo do legislador ao editar
o art. 525, I, do CPC48, o qual atribuiu à parte, através de seus advogados, resguardar a perfeita
formação do instrumento, de modo a garantir a mais ampla compreensão da controvérsia.
Não obstante a existência de entendimento que, em respeito ao princípio da instrumentalidade das
formas, admite válida a juntada de decisão sem a assinatura do Juiz, data máxima vênia não nos
47 STJ. REsp. 67419/MG. Relator Ministro Edson Vidigal.
48 Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída:
I - obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas
aos advogados do agravante e do agravado;
.
parece seja esse o melhor juízo acerca do tema. Isto porque quando a lei se refere à cópia do
decisum hostilizado, não tenciona que a parte junte ao caderno recursal apenas uma cópia que
carece da assinatura do Magistrado, mas sim, reprodução legível e devidamente assinada pelo
Juiz49, sob pena de caracterizar-se como ato inexistente resultando, em consequência, em obstáculo
à análise dos fundamentos da decisão, este o principal objetivo para a exigência de juntada da
decisão recorrida.
É bom alvitre asseverar que, nos termos do artigo 164 do Código de Processo Civil50, os atos
praticados pelo Juiz deverão ser datados e assinados, sob pena de serem considerados apócrifos,
pois ausente um dos requisitos essenciais à própria existência do ato.
Desse modo, o fato de a decisão agravada estar sem assinatura, portanto, apócrifa, é motivo
suficiente para se negar seguimento ao recurso, já que é manifestamente inadmissível, por ausência
de peça obrigatória à formação do instrumento, tendo em vista que a apresentação irregular de
documento obrigatório equivale a não juntada deste51.
Ademais, não há falar em oportunidade para que se efetue a regularização do defeito encontrado no
instrumento, visto que é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrio, no sentido de
ser inadmissível a emenda, ante a obrigatoriedade da instrução do agravo com as peças ali descritas
no momento da sua interposição, diferentemente das peças consideradas facultativas ou essenciais
que, segundo o STJ52, admite sua juntada posteriormente.
É preciso, todavia, esclarecer que em algumas situações a decisão recorrida é juntada aos autos com
a chancela eletrônica do Magistrado que a prolatou, o que, a nosso ver, supre a exigência contida
no artigo 525, inciso I, do CPC, já que capaz de atestar a autenticidade do documento.
49 Essa hipótese é citada por Araken de Assim quando leciona que: “é indispensável, ainda, transladar integralmente a
decisão, ainda que parcial o recurso: a cópia truncada implica a inadmissibilidade do agravo” (ob. cit. p.528).
50 . “Os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. Quando forem
proferidos, verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo os registrará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura”.
51 Neste sentido: “(...) Examinando a cópia da decisão de inadmissibilidade do recurso especial juntada aos autos,
verifica-se a inexistência da assinatura do Presidente do Tribunal de origem, que a prolatou. Assim, conclui-se que a
referida peça não foi colacionada em sua integralidade, pois, caso assim não fosse, tal decisão, por ser apócrifa, deveria
ser considerada inexistente, fato que também inviabilizaria o conhecimento do agravo de instrumento (...)” (STJ. AgRg
no Ag 695152/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, j. em 09.03-06).
52 STJ. REsp n. 1102.467. Relator Ministro Massami Uyeda. j. em 02.05.2012.
.
Registre-se, ainda, que a inadmissibilidade do agravo de instrumento em razão da juntada de
decisão apócrifa não pode ser taxada de excesso de formalismo, mas sim de um rigor necessário na
aplicação da norma processual, principalmente no que tange ao trâmite do agravo de instrumento.
Luiz Cézar Medeiros, com clareza e precisão, acerca do formalismo processual recursal, leciona
que:
“(...) o formalismo processual na concepção conceitual de 'forma em
sentido amplo', é elemento indissociável do direito processual, com
incumbência de organizar e dar sequência à marcha processual com
observância
irrestrita
às
garantias
das
partes,
dotando
o
procedimento de previsibilidade. Sem um mínimo de regras formais, o
processo seria desordenado, dando azo ao arbítrio, à parcialidade do
órgão judicial, à chicana, à prevalência da esperteza sobre o direito
(...).”53
Registre-se, por derradeiro, em conclusão à tese ora defendida que, ao não se admitir a juntada da
decisão objurgada sem assinatura do juiz, não se está criando obstáculos ou “filigranas processuais
ilegítimas”, com o único propósito de encerrar processos, afrontando o acesso à justiça, mas sim de
preservar a organização e definir os limites do desenvolvimento do processo, colocando termo a
uma eventual desordem e banalização que a pura liberdade na pratica dos atos processuais poderia
acarretar. Imperiosa, desta forma, a necessidade de se obedecer e preservar o formalismo no
processo civil, ainda mais no âmbito recursal, onde há inúmeras exigências e regras que visam
manter organizado o procedimento recursal, propiciando segurança e ordenação.
Em conclusão, mesmo diante da carência de produção científica específica sobre o tema e sem a
pretensão de esgotar o tema por demais fértil e controvertido, chegamos à conclusão que a
interposição do agravo de instrumento com cópia sem assinatura da decisão recorrida não nos
parece admissível, sob pena de colocar em risco a existência formal da própria decisão, de maneira
que os advogados devem ser diligentes e atentos em verificar se o documento obrigatório está
devidamente assinado pelo juiz, sob pena de declaração de irregularidade processual.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
53 Luiz Cézar Medeiros. O formalismo processual e a instrumentalidade: um estudo à luz dos princípios
constitucionais do processo e dos poderes jurisdicionais. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 27.
.
Enfim, essas considerações têm o propósito de contribuir para as soluções destas problemáticas
questões, que a propósito, encontram-se bastante nebulosas tanto na doutrina como na
jurisprudência, de forma que cabe ao intérprete encontrar a solução que atenta aos fins propostos
pelo agravo de instrumento, ou seja, a rapidez no seu procedimento sem comprometimento aos
direitos processuais constitucionais das partes, primando, ora pelo formalismo valorativo em
detrimento do formalismo exarcebado, sem, contudo, esquecer a formalidade inerente ao direito
processual civil.
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