TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL: TRIBUNAL DE NUREMBERG

Transcrição

TRIBUNAL MILITAR INTERNACIONAL: TRIBUNAL DE NUREMBERG
tmitribunal militar internacional
tmitribunal militar
internacional: tribunal de
nuremberg (1945)
Guia de Estudos
P REFÁCIO
C ARTA
DE
B OAS -V INDAS
Natal, 10 de agosto de 2005
Senhores juízes, promotores, advogados e
demais,
Aceitem todos o nosso caloroso
abraço de boas-vindas à cidade do sol e à
SOI 2005!
Para todos os membros de nosso
comitê, mais do que um simples projeto
acadêmico, a Simulação de Organizações
Internacionais representa uma verdadeira
realização pessoal. Após longos 10 meses
de preparação, é com grande orgulho e
honra que abrimos a todos as portas da
mais inovadora e celebrada corte de todos
os
tempos,
o
TRIBUNAL
DE
NUREMBERG!
A experiência de simulação deste
tribunal em modelos das Nações Unidas é
inédita e certamente desafiadora. Permitirse-á que integrantes de um comitê jurídico
adentrem o fascinante mundo dos conflitos
políticos e das relações internacionais, não
se restringindo a tecnicismos legais.
É impressionante o universo
jurídico,
a
gama
de
informações
disponíveis e a riqueza de idéias e fatos
que se descortinam àqueles que decidem
dedicar-se ao estudo do Direito Penal
Internacional. Sendo assim, não poderiam
ficar nossos trabalhos adstritos à
composição do guia que segue.
Com vistas a enriquecer nosso
comitê e nossa própria vivência jurídica
internacionalista, nos debruçamos sobre o
estudo comparativo de Nuremberg e dos
mais diversos tribunais internacionais já
existentes ao longo da evolução da justiça
internacional. Desde o início do ano,
oficializamos nossas pesquisas junto à PróReitoria de Pesquisa da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e
à Base de Pesquisa Direito, Estado e Sociedade.
Agora,
aguardamos
ansiosos
pelo
verdadeiro laboratório de jurisdição penal
internacional que representará a simulação
do Tribunal de Nuremberg!
Como
todos
os
delegados
envolvidos, os diretores e assistentes deste
comitê também encarnarão o espírito de
1945. Rafael Soares (acadêmico do 8º
período de Direito da UFRN) trabalhará
como Juiz-Presidente do Tribunal. Tendo já
participado tanto de simulação da Corte
Internacional de Justiça (AMUN 2003)
como de uma reunião histórica (AMUN
2004), acredita que, em seu sétimo modelo,
a união das características destas duas
modalidades lhe propiciará – e a todos os
demais
participantes
–
experiência
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tmitribunal militar internacional
inigualável. Rafael foi ainda premiado com
“menção honrosa” nas duas ocasiões em
que representou os Estados Unidos da
América (SOI 2003, UFRGSmun 2004),
além de ter feito parte da delegação da
UFRN condecorada com o prêmio de “best
delegation” presente ao UFRGSmun 2004.
Ellen Caroline Cruz (acadêmica do 7º
período de Direito da UFRN), também
diretora, desempenhará a função de
Procuradora-Geral
da
Corte.
Representando a Alemanha na SOI 2003,
recebeu o título de “menção honrosa” por
sua participação no Comitê de Políticas
Especiais e Descolonização (CPED). Em seu
quarto modelo, Ellen almeja orientar e
harmonizar da melhor forma possível as
atividades do parquet, garantindo o bom
transcurso dos trabalhos do Tribunal. As
assistentes, Camila Suriane Pereira, Ingrid
Bezerra e Luíza Farias (acadêmicas do 6º,
8º e 4º período de Direito da UFRN)
desempenharão
respectivamente
as
funções
de
escrivã
e
secretárias,
contribuindo de maneira incomensurável
para o prenunciado sucesso do comitê.
O Tribunal de Nuremberg, ao
contrário de outras simulações de cortes,
será revivido em todas as suas fases; desde
as argüições orais, passando pelos
depoimentos de testemunhas, chegando
até as deliberações finais e a sentença.
Todos teremos objetivos claros a perseguir
em nossas sessões, quer seja a condenação
dos acusados, aplicação de uma pena mais
amena, ou sua absolvição.
Em caso de qualquer dúvida ou
consideração, não hesite em nos contatar
através
do
endereço
eletrônico
[email protected].
De agora em diante, inicia-se uma
jornada sem precedentes pelo mundo
desfigurado do pós-Segunda Guerra.
Atônita frente às mazelas perpetradas
contra milhões de seres humanos, a
sociedade mundial clama por uma resposta
efetiva aos desmandos dos líderes e
comandantes de tamanhas brutalidades.
Está em suas mãos fazer valer a justiça!
Boa viagem de volta a 1945!
Rafael Soares
Ellen Caroline Cruz
Diretores
Camila Suriane Pereira
Ingrid Bezerra
Luíza Farias
Assistentes
S UMÁRIO
1. Introdução...................................................3
2. Contexto histórico.....................................3
3.
Evolução
do
Direito
Penal
Internacional...................................................6
4. Tribunal Militar Internacional: Tribunal
de Nuremberg.................................................8
4.1. A declaração de Moscou..................9
4.2. Carta de Londres – ato constitutivo
do Tribunal Militar Internacional.......10
4.3. O Estatuto do Tribunal Militar
Internacional.........................................11
5. Inovações e contra-sensos trazidos pelo
Tribunal de Nuremberg.........................12
6. Relação Processual Penal – Composição
do Tribunal...............................................15
7. O Processo.................................................17
7.1. Elementos processuais....................18
8. Biografia de Rudolf Hess........................21
8.1. Encargos Imputados a Rudolf
Hess................................................24
9. Posicionamento dos países envolvidos.24
10. Considerações Finais.............................27
11. Sites recomendados...............................27
12. Referência................................................28
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1. I NTRODUÇÃO
(...) esquecer significa matar as vítimas duas vezes:
primeiro quando estas são exterminadas fisicamente, e
depois quando são esquecidas. (...) a memória de
massacres e de outras atrocidades nunca poderá ser
enterrada junto com os inocentes. Tal qual uma ferida
aberta, ela se prolonga e, se não for tratada, supura.
Antonio Cassese, ex-presidente do Tribunal Penal
para a antiga Iugoslávia.
Quando confrontados com brutais
atrocidades e crimes perpetrados contra
quem se julga inocente, Estados, grupos e
indivíduos poderão reagir de forma
diferente, dependendo de seu contexto
político-social e de suas convicções
culturais.
Sempre que houver ausência de
resposta efetiva em âmbito coletivo e
institucional, ou ao menos seja essa taxada
insuficiente pela comunidade vitimada,
poder-se-á recorrer à vingança. Certamente,
trata-se de forma de justiça primitiva,
sistema privativo executório de Direito. De
fato, a vingança se materializa como último
recurso intentado pelos alijados de um
devido processo legal, fundando-se
amargamente em uma implacável lógica de
ódio e retaliação.
Outra possível resposta a delitos
atrozes seria o perdão. Entretanto,
concedido através de anistias, indultos ou
pelo simples esquecimento do ocorrido,
tem
o
poder
de
fortalecer
exponencialmente
o
instituto
da
impunidade,
além
de
patrocinar
transversalmente o autoritarismo e o
descaso.
Por outro lado, levar suspeitos de
graves delitos a julgamento perante
autoridade pública propriamente instituída
pode
encadear
diversas
benesses.
Julgamentos providos de procedimentos
públicos
conseguem
estabelecer
responsabilidade individual frente à
acusação coletiva imputada. Ademais,
haverá a dissipação do clamor por
vingança, pois se acredita saciado o desejo
de
retribuição
do
ofendido
ao
administrarem os institutos públicos a
correta punição ao perpetrador do ilícito.
Poderão ainda os vitimados reconciliaremse com seus carrascos, uma vez
reconfortados pela aplicação da justiça.
Finalmente, o processo público de
indivíduos em mais alto grau infratores da
ordem, lei e moral humanas servirá de
baluarte do devido registro e transmissão
às vindouras gerações de tamanhas
crueldades impingidas à raça humana.
2. C ONTEXTO
HISTÓRICO
–
GUERRAS MUNDIAIS
Aos vinte e oito de junho de 1914, é
dado o primeiro passo rumo ao que seria
chamado da guerra para pôr fim a todas as
guerras. Foi nesta data que ocorreu o
atentado contra o arquiduque Francisco
Ferdinando, herdeiro do trono austríaco,
em Saravejo, capital da Bósnia – região
anexada ao Império Austro-Húngaro em
1908. O responsável pelo assassinato,
Gravilo Princip, um estudante nacionalista,
mantinha estreitas relações com a
organização secreta pan-eslavista, com
conexões na Sérvia, denominada "Unidade
ou Morte" – também conhecida como "Mão
Negra" – uma antiga rival dos austríacos
na altercação pelo controle da região.
Mesmo forte e grave, o motivo não
era suficiente para desencadear o conflito
mundial que a ele se seguiu. Propiciava,
porém, a oportunidade de uma “guerra
preventiva” contra a Sérvia e seus aliados;
oportunidade esta bem aproveitada pelos
austríacos.
A oficialização do estado de guerra
acionou todas as alianças européias
anteriormente formadas, repartindo o
mundo entre dois blocos políticos distintos,
além dos respectivos aliados de cada uma
das coligações. A Tríplice Aliança era
composta
pela
Austro-Hungria
e
Alemanha,
a
Itália
só
entraria
posteriormente na Guerra e, mesmo assim,
do lado oposto. Já a Tríplice Entente
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contava com a França, Inglaterra e Rússia,
sendo que esta última viria a se retirar do
cenário de confronto em 1917, dando lugar
aos Estados Unidos da América (EUA).
Em princípio, ambos os frontes
acreditavam em uma rápida conclusão das
hostilidades.
A
realidade,
contudo,
mostrou-se bem diversa da imaginada. O
conflito se protraiu por longos quatro anos,
divisados em três fases distintas: primeira
fase (1914-1915), marcada pela enorme
movimentação dos exércitos beligerantes e
por uma aparente vantagem alemã;
segunda fase (1915-1917), na qual a
movimentação de tropas foi substituída
por uma guerra de posições, com o
advento de trincheiras; e, por fim, a
terceira fase (1917-1918), marcada pela
saída da Rússia e entrada dos Estados
Unidos. O Estado americano permitiu uma
superioridade bélica e humana capaz de
reverter a vantagem alemã até então
conquistada. A Tríplice Entente recuperava
cada vez mais territórios, enquanto que
seus adversários atravessavam uma árdua
crise econômico-social, provocada pelos
intensos gastos com a guerra e a falta de
injeção de capital.
Diante da iminente derrota militar,
as forças políticas de oposição exigiram
que o imperador Guilherme II abdicasse,
proclamando em seqüência a República
Alemã, com sede em Weimar, liderada
pelo partido Nacional Socialista. Em 11 de
novembro de 1918, a Alemanha assinou
um armistício em condições bastante
desfavoráveis e humilhantes.
Findo o conflito, constatou-se que a
Europa estava arruinada econômica e
socialmente. Cerca de treze milhões de
mortos; campos agrícolas dizimados;
provisões consumidas; patrimônio cultural
destroçado. O Velho Continente, arrasado,
transformou-se, então, em um grande
dependente
das
exportações
norte
americanas, projetando os EUA como
maior potência financeira do pós-guerra.
O final da guerra determinou o
estabelecimento dos ônus da derrota ao
bloco perdedor. Realizaram-se, no palácio
de
Versalhes
(França),
diversas
conferências, com a participação de 27
Estados-nação vencedores. Conduzidos
pelos emissários dos Estados Unidos, da
Inglaterra e da França, esses Estados
declararam um conjunto de severas
imposições à Alemanha. Era o Tratado de
Versalhes, assinado a 28 de junho de 1919,
contendo 440 artigos, constituindo-se como
uma verdadeira sentença penal de
condenação à Alemanha. Outros tratados
envolvendo os países participantes da
Primeira Guerra foram assinados, dentre
eles o que permitia o desmembramento do
Império Austro-Húngaro.
Durante as negociações do Tratado
de Versalhes, foi aprovada a criação da
Liga das Nações (LDN), ou Sociedade das
Nações, em 28 de abril de 1919, tendo como
escopo a promoção da cooperação, paz e
segurança internacional, condenando as
agressões externas contra a integridade
territorial e a independência política de
seus membros. Sediada em Genebra
(Suíça), principiou suas atividades em
janeiro de 1920. A despeito das intenções
de paz, a LDN não teve força efetiva no
combate aos conflitos internacionais. Não
possuindo forças armadas próprias,
limitou-se seu poder de coerção a sanções
econômicas e militares, revelando-se,
assim, impotente para impedir diversos
confrontos, como, por exemplo, a invasão
japonesa à Manchúria (1931), a agressão
italiana à Etiópia (1935) e o ataque russo à
Finlândia (1939).
Os vinte anos que se seguiram até
a eclosão da Segunda Grande Guerra
Mundial
foram
anos
de
muitas
transformações, não só para Europa, como
para todos os outros continentes. O mundo
pôde assistir a um incrível número de
crises, quebras de pactos e acordos de paz,
revoluções, quedas e surgimentos de
regimes
políticos.
A
Revolução
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Bolchevique na Rússia de 1917, a
Revolução Chinesa de 1930, a Crise Nova
Iorquina de 1929, a ascensão do
capitalismo e de seu maior expoente, os
EUA; a Guerra Civil Espanhola, o Fascismo
Italiano e o Nazismo Alemão são alguns
exemplos de todas as mudanças ocorridas
no planeta durante esse período. Diante
desse lamiré, a guerra tornava-se uma
conseqüência cada vez mais previsível,
sendo, finalmente, em setembro de 1939,
deflagrada.
A verdade é que, desde a
assinatura do tratado de Versalhes, a
Alemanha fora declarada responsável pela
guerra e obrigada a aceitar uma série de
duras imposições. Cresceu no povo alemão
um espírito revanchista, o qual provocou a
reação das forças políticas que no pósguerra organizaram-se no país. Acrescentese a este clima de ódio e rivalidade a
enorme crise financeira que dominou o
Estado, com altas taxas de inflação e juros.
Fomentou-se, destarte, na vontade nacional
alemã o clamor pela extinção das
cominações do Tratado. O nazismo, como
regime emergente, soube apropriar-se
dessa "vontade nacional”, revertendo-a em
seu favor, suscitando um ambiente
ideológico perfeito para o nascimento de
um “novo império”.
Em agosto de 1934, dada a morte
do marechal Hindenburg, desfez-se a
República de Weimar, a qual cedeu lugar
ao que seria chamado de Terceiro Reich
Alemão, comandado pelo líder nazista
Adolf Hitler. Aglutinando todo o poder ao
seu redor, Hitler transformou a Alemanha
em menos de uma década. Desprezando as
imposições do tratado de Versalhes,
rearmou e ampliou o exército, além de
incentivar a produção bélica. De todos os
seus feitos, o de maior vulto foi, sem
dúvida, insuflar a auto-estima do povo
alemão, criando em seu âmago um espírito
segregador de superioridade, que seria o
grande responsável por todas as
atrocidades cometidas pela Alemanha
durante a Guerra.
O espírito expansionista do
nazismo, ou a conquista do “espaço vital”,
ficou claro desde 1938, com a intenção de
Hitler em anexar ao território do país todas
as regiões habitadas por alemães. Foi,
entretanto, com a invasão do “corredor” de
Dantzig, na Polônia, em 1º de setembro de
1939, que se deu o estopim da guerra,
através da travessia das tropas alemãs pela
fronteira polonesa. Apenas dois dias
depois, a Grã-Bretanha, seguida da França,
declarava guerra à Alemanha, reavivando
todas as antigas coligações formadas na
Primeira Guerra. Desta vez, todavia, o
confronto ganhou proporções titânicas, e,
em poucos meses, cerca de trinta nações do
mundo estavam no conflito.
Envolvendo setenta e duas nações
ao total, essa é uma guerra sem fronteiras
físicas, posto ter atingido todos os
continentes, quer de forma direta ou
indireta. Tem superado o expressivo
número de cinqüenta milhões de mortos e
cerca vinte e oito milhões de mutilados
entre soldados e civis.
O atual conflito tem marcado o
planeta pelo desprezo a todos os valores
morais construídos pela civilização. O
extermínio em massa; a supressão da
diferença entre soldados e população civil
na chamada "guerra psicológica" ou
"guerra de desgaste"; a utilização de
recursos da engenharia humana – criando
instrumentos mortíferos – foram métodos
recorrentes na incessante busca pela
vitória. Acredita-se que a política
desenvolvida
na
Alemanha
já
é
responsável
pela
morte
de
aproximadamente oito milhões de pessoas,
dos quais algo em torno de seis milhões
devem ser judeus, enquanto que os cerca
de dois milhões restantes compõem-se de
negros, latinos, outros europeus e os
próprios alemães (se idosos ou portadores
de alguma deficiência).
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tmitribunal militar internacional
Em setembro de 1942, a batalha de
Stalingrado marca o início da ofensiva
geral dos Aliados contra o Eixo. Em 1943, a
Itália assinou o armistício e, em 1944,
realizou-se a Operação Dia D, ou também
chamada de Overlord, que, após árduas
batalhas, conseguiu libertar totalmente a
Europa ocidental.
Embora a rendição alemã não
tenha significado o fim das hostilidades,
posto que a luta entre japoneses e norteamericanos ainda se estende no Pacífico, já
é possível afirmar que a instauração da paz
é apenas uma questão de tempo.
Nesse sentido, ganha destaque a
Conferência de Yalta, realizada em
fevereiro do ano corrente, definidora do
destino alemão. Diante de todas as
atrocidades vivenciadas pela humanidade
durante a guerra, manifestou-se, através
dos representantes dos EUA, União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas e Reino
Unido a “intenção de submeter todos os
criminosos de guerra a justo e rápido
castigo” (CONFERENCIA DE YALTA, fev.
1945). Essa intenção está prestes a ganhar
concretude, por meio do Tribunal Militar
Internacional (TMI), que se instalará em
Nuremberg (Alemanha).
3. E VOLUÇÃO DO D IREITO P ENAL
I NTERNACIONAL
3.1. P R I M E I R A S C O N S I D E R A Ç Õ E S
O incremento da violência nos
conflitos mundiais vem forçando a adoção
de limites mais rigorosos por parte não só
dos governantes das nações, como também
dos operadores do Direito. Urge que sejam
descobertas soluções mais diligentes que
vigorem de forma perene em tempos de
paz ou de guerra. A despeito dos esforços
em busca de uma pacificação do panorama
internacional, algumas regiões ainda são
tolhidas pelo manto obscuro da mávontade e da discórdia.
Nesse sentido, surge a necessidade
de que se deslinde o ambiente de
Jurisdição Internacional, especialmente no
que atine ao Direito Penal e às intensas
modificações que os inúmeros conflitos dos
últimos tempos têm provocado na análise
dessa matéria, bem como os possíveis
impactos que a instauração do Tribunal de
Nuremberg provocará nesta seara.
3.2. J U R I S D I Ç Ã O P E N A L
INTERNACIONAL
A partir do momento em que o
homem estabelece uma convivência social,
atribui para si e para os membros do seu
grupo algumas prerrogativas e direitos.
Acontece que, em alguns momentos no
decorrer da história, esses interesses
acabam
coincidindo
ou
colidindo
frontalmente. Nesse instante, surge a lide,
que, em uma escala de compreensão
macro, recebe a nominação de guerra.
Com o passar do tempo, essa
prática beligerante tornou-se a mais
comum ação entre os Estados, na busca
pela conquista de seus objetivos. Até 1918,
a solução para o choque de interesse
através da guerra acontecia de maneira
muito mais difundida e aceita do que a
recorrência aos meios pacíficos. A guerra é
a continuação da política por outros meios.
Destarte,
um
perfeito
entendimento das Relações Internacionais
e do Direito pelos povos do mundo
passava obrigatoriamente pelo conceito de
conflito marcial. Compreensível, portanto,
a afirmação de que até poucos anos o
Direito Internacional, de forma ampla,
resumia-se ao Direito de Guerra.
Todavia,
essa
legitimidade
atribuída à guerra por parte do Direito vem
sofrendo incessantes questionamentos;
busca-se o cerceamento do recurso a este
tipo de método. Nesse sentido, com o fito
de reduzir os malefícios produzidos por
essa espécie de confronto, os Estados
passaram a normatizar as condutas no
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curso das atividades belicosas. Até a
eclosão da Primeira Guerra, vários
regulamentos tinham sido elaborados e
ratificados pelas mais diversas nações do
globo, entre os principais vale frisar: a
Declaração de Paris (1856); as Instruções
para as Forças em Campanha do Exército
(1863); Convenção de Genebra (1864);
Declaração de São Petersburgo (1868); e as
Convenções de Haia (1899, 1906 e 1907).
Ao final da Primeira Guerra
Mundial, criou-se uma comissão para
apurar as responsabilidades dos autores da
guerra e as possíveis sanções aplicáveis. A
essa Comissão, entretanto, impuseram-se
diversos óbices, mormente por parte da
delegação americana. Esta última optou
pelo não advento de uma Jurisdição
Internacional a que se pudesse atribuir as
prerrogativas sancionadoras, mas sim por
um Tribunal Internacional, o Tribunal de
Leipzig. Este se constituiria, de fato, como
uma manobra dos aliados, tendo como
escopo a legitimação do julgamento e
condenação de Guilherme II, ex-Imperador
alemão. Tal pretensão caiu por terra
quando a Holanda impossibilitou a
extradição do Imperador que lá se
refugiara, alegando, para tanto, que o
crime imputado a Guilherme II – ofensa
suprema contra a moral internacional – não
poderia ser considerado crime, por não
estar previsto em nenhum tratado
internacional existente.
Com a primeira “derrota” na busca
por uma sanção aos criminosos de guerra,
a comunidade internacional voltou a
considerar os conflitos como uma
alternativa eficaz na solução dos
confrontos entre Estados.
Os vinte anos que se passaram, do
encerramento da Primeira Guerra até a
eclosão do segundo conflito mundial,
caracterizaram-se pela evolução do Direito
Penal Internacional, sobretudo no que
tange a produção de matéria legislativa
reguladora do comportamento bélico. No
pertinente à punição aos infratores, pouco
se avançou.
Entre as legislações produzidas,
merecem destaque algumas de maior vulto
no cenário internacional: a Convenção de
Genebra (1929), a qual regulamentou o
tratamento de prisioneiros de guerra e
melhorou a situação dos feridos e enfermos
nos exércitos em campanha; o Tratado de
Washington (1922), referente à utilização
de submarinos e gases asfixiantes em
período de conflito, além de estabelecer
algumas sanções aos crimes de pirataria; e
o Protocolo de Genebra (1925), o qual
estabelecia proibições à utilização de gases
asfixiantes, tóxicos ou similares e meios
bacteriológicos contra as forças armadas
inimigas durante o período de guerra.
Outras tentativas de se estabelecer
soluções mais eficazes para as infrações ao
Direito de Guerra foram buscadas. Dentre
elas podem ser citadas: a criação da Liga
das Nações, ou Sociedade das Nações,
(cujo pacto foi a regulamentação básica do
Direito de Guerra no pós-guerra) e da
Corte Internacional de Justiça; o Pacto de
Locarno (1925), caracterizado por ser um
pacto de não-agressão, garantia a
assistência mútua entre os seus signatários;
o Pacto de Briand-Kellog (1928), o qual
abordou a guerra como um instrumento a
ser renunciado, embora não prevendo
nenhuma sanção para o signatário que o
denunciasse; e o Acordo de Londres (1933),
cuja interpretação permite a inferência de
uma postura universalista.
Em 1934, a despeito de todas as
tentativas para a manutenção de um
ambiente pacifico, ocorre o assassinato do
Rei Alexandre I da Iugoslávia e do
Ministro das Relações Exteriores francês,
M. Bathou. À época, havia um projeto
mirando o combate ao terrorismo, ao qual
a França fez incluir uma proposta para a
criação de um tribunal penal internacional.
Em 1937, na cidade de Genebra, duas
Convenções acerca do tema foram
assinadas: a primeira tratava da prevenção
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tmitribunal militar internacional
e repressão internacional ao terrorismo, ao
passo que a segunda cuidava da criação de
uma corte penal internacional.
Mediante o contexto do período
entre guerras, vale destacar dois fatores
determinantes para a construção da ordem
jurídica desse período. O primeiro reside
na ideologia de que a guerra ainda era um
recurso viável, mesmo superior ao próprio
Direito Internacional, o qual à época ainda
se encontrava bastante incipiente. O
segundo atesta serem os tratados e
convenções vinculantes apenas para os
paises signatários, não se podendo obrigar
qualquer Estado a submeter sua soberania
à intervenção de seus pares.
Em 1939, inicia-se o maior conflito
já presenciado pela Terra. Os números
envolvendo essa tragédia são quase
incomensuráveis. Até onde é possível
precisar, os gastos superam um trilhão de
dólares. Nunca um conflito matou tantos
em tão pouco tempo. Ademais, não é só
pelos mortos que se estima a violência
desse embate. O atual conflito revelou ao
mundo novas modalidades de violência e
atrocidades até então não previsíveis,
portanto, não tipificadas. A realidade do
fim da guerra desnuda uma face cruel da
humanidade.
Essas práticas marciais têm sido
cometidas desde que o estado de guerra foi
declarado. Uma das primeiras tentativas de
inibir a vilania que se alastrava pelo
conflito foi a Declaração de Princípios
contra a Conduta do Eixo (outubro de
1941), feita em conjunto por Roosevelt e
Churchill. Em novembro do mesmo ano, se
junta aos representantes dos EUA e do
Reino Unido o representante da URSS.
Muitas outras declarações seguiram-se a
estas, originando, por fim, o primeiro
encargo do Tribunal de Nuremberg. Foi,
todavia, a Declaração de Moscou,
publicada em novembro de 1943, que
determinou os princípios adotados pelas
Nações
Unidas
para
o
vindouro
julgamento dos criminosos de guerra.
A proximidade do fim da guerra
trouxe à tona os princípios declarados em
Moscou. Procurou-se ao máximo evitar que
os derrotados no confronto obtivessem
asilo político em países neutros, para que
não se repetisse o fatídico episódio da
Primeira Guerra. De 26 de junho até 6 de
julho do corrente ano, os representantes
das potências aliadas estiveram reunidos
na Conferência de Londres, a qual originou
o Estatuto do Tribunal de Nuremberg.
4. TRIBUNAL MILITAR
INTERNACIONAL:
TRIBUNAL DE NUREMBERG
Ao passo que a experiência do pós-Primeira Guerra
demonstra até onde pode estar a justiça internacional
comprometida com conveniências políticas, o pósSegunda Guerra revela, contrariamente, o quão efetiva
pode esta justiça ser quando há interesse político que a
apóie e que provenha os recursos a ela necessários.
Antonio Cassese, ex-presidente do Tribunal Penal
para a antiga Iugoslávia.
Apesar dos Estados Unidos ainda
não estarem oficialmente engajados nos
esforços de guerra, já em 27 de outubro de
1941 emitiam declaração em conjunto com
o
governo
britânico,
condenando
moralmente as práticas nazistas. Churchill
e Roosevelt afirmaram, à época, que
A execução de (...) inocentes, em represália
a ataques isolados contra alemães, constituise prática nos países temporariamente
ocupados pelos nazistas. Isto revolta um
mundo já endurecido pelo sofrimento e pela
brutalidade. Os povos civilizados têm, desde
há muito tempo, adotado o princípio basilar
de que ninguém será punido por fato
cometido por outrem. Na impossibilidade de
deter os responsáveis por tais ataques, os
nazistas massacram cinqüenta ou cem
inocentes. Aqueles que optarem por
‘colaborar’ com Hitler (...) não podem
esquecer esta ferrenha advertência. Os
nazistas (...) instituíram seu espaço vital e
sua ‘nova ordem’ por meio do pavor, um
terror súbito que ultrapassa tudo que eles
mesmos haviam feito anteriormente. (...) O
terror não poderá jamais trazer a paz à
Europa. Não obstante, este pavor semeia
grãos de um ódio que um dia conduzirá a
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8
tmitribunal militar internacional
um castigo terrível (GONÇALVES, 2001,
p. 62-63).
Se a mensagem de um governo
americano ainda neutro era de condenação
moral, o intuito dos britânicos era o de
explicitar seu descontentamento e horror
em relação ao regime hitleriano. Churchill
afirma mais precisamente em comunicado
que
O governo de Sua Majestade associa-se
plenamente aos sentidos de horror e de
reprovação expressos pelo Presidente dos
Estados Unidos concernentes aos massacres
nazistas na França. Estas execuções de
inocentes, feitas a sangue-frio, recairão
sobre os selvagens que lhas ordenam e seus
executores. Os massacres na França são um
exemplo do que os nazista fazem em muitos
dos outros países sob seu jugo. (...) A
punição para esses crimes deve estar
permanentemente entre os objetivos maiores
da guerra. (GONÇALVES, 2001, p. 6364).
Em 27 de novembro de 1941, a
URSS associa-se à declaração angloamericana, e, em 6 de janeiro de 1942, seu
ministro de Relações Exteriores, Molotov 1 ,
emite nota na qual assevera que
Fatos irrefutáveis provam que o regime de
pilhagem e de terror sanguinário contra a
população não combatente das cidades e
vilas ocupadas tem sua origem não somente
nos excessos dos oficiais e soldados tomados
individualmente, mas em um sistema bem
definido, elaborado com antecedência e
aplicado pelo governo alemão e pelo Alto
Comando alemão, os quais encorajam entre
os soldados e oficiais de seu Exército os
instintos mais brutais. (GONÇALVES,
2001, p. 64-65).
Contudo, os aliados não foram os
únicos a proclamar a intenção de impor
punições aos vencidos no conflito. O Eixo,
por várias vezes, deixou clara sua intenção
de também julgar os Aliados acusados de
crimes de guerra na Europa. “Em outras
1
Trata-se do mesmo ministro que assinou o Pacto de
Não-agressão e Assistência com o os nazistas em 1939.
palavras, sabia-se que a sina dos vencidos
em um conflito daquelas proporções seria a
submissão ao arbítrio da outra parte”
(GONÇALVES, 2001, p. 64). Com a
deflagração do conflito no Leste Europeu,
cada vez mais o mundo se certifica de que
a derrota traria inexoravelmente a
aniquilação do vencido.
4.1. A D E C L A R A Ç Ã O
DE
MOSCOU
Assinada em 1º de novembro de
1943 pelos “três grandes” (Estados Unidos,
Reino Unido e União Soviética), este
documento serve de embasamento inicial
para a formação de um tribunal militar
internacional. Propala-se o repúdio às
atrocidades
nazistas,
ademais
da
determinação de se punir os criminosos de
guerra.
O Reino Unido, os Estados Unidos e a
União Soviética receberam, procedentes de
diversas fontes, provas concretas sobre atos
de violência e crueldade, assassinatos em
massa e execuções de pessoas inocentes,
cometidos pelas tropas hitleriana nos países
que dominaram e de onde estão sendo
expulsas atualmente.
(...)
As três potências acima mencionadas,
falando em nome dos trinta e dois membros
das Nações Unidas, anunciam solenemente
a seguinte declaração:
Quando se conceder ao Governo Alemão
um armistício, todos os oficiais, soldados
alemães e membros do Partido NacionalSocialista, responsáveis por tais atos, pelos
assassinatos e execuções em massa, todos os
que participaram voluntariamente destes
crimes serão entregues aos Governos dos
países onde os cometeram, para que possam
ser levados aos tribunais e punidos de
acordo com as leis vigente em cada um
deles.
(...)
Aconselhamos a todos que ainda não
mancharam suas mãos com sangue, que se
abstenham de aderir às fileiras dos
culpados, pois as três potências aliadas os
perseguirão até os recantos mais afastados
do mundo e os entregarão aos seus juízes
para que a justiça siga o seu curso.
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9
tmitribunal militar internacional
A declaração não se refere aos casos dos
principais criminosos de guerra, cujos
crimes não estão delimitados por fronteiras
geográficas e que serão castigados de acordo
com uma resolução comum dos Governos
aliados.
Moscou, 1º de novembro de 1943.
Roosevelt – Churchill – Stalin
(FERRO, 2002, p.121-122).
Destarte,
depreende-se
desta
declaração a imposição de uma persecução
local para os crimes individualizados,
cometidos em território específico. Já para
os chamados “grandes criminosos de
guerra”, reservava-se um segundo modo
de repressão. Esta diretriz embasará
fundamentalmente os julgamentos do
recém firmado Tribunal de Nuremberg.
4.2. C A R TA D E L O N D R E S – A T O
C O N S T I TU T I V O D O T R I B U N A L
MILITAR INTERNACIONAL
Após a derrota da Alemanha, os
britânicos, conduzidos por Winston
Churchill, defenderam ser suficiente a
prisão e enforcamento dos responsáveis
pela instalação e aplicação da política
nazista. Para que se evitasse o desperdício
de tempo com procedimentos legais,
criminosos de menor vulto deveriam ser
julgados por tribunais criados em regime
especial. Entretanto, nem o presidente
Roosevelt, nem o Secretário de Defesa
americano concordaram com tal idéia.
Em maio de 1945, o governo norteamericano propõe a seus pares britânico,
soviético e francês o estabelecimento de um
tribunal militar internacional, seguindo o
estipulado pela Declaração de Moscou.
Vários foram os argumentos empregados
pelos americanos em favor de sua idéia, os
quais mais tarde foram objeto de
aprovação pelos demais aliados. Primeiro,
como poderiam ser os derrotados
condenados sem passar por um devido
processo? Executá-los sem um julgamento
significaria ignorar um dos princípios
básicos da democracia: todos são
considerados inocentes até que seja
provado o contrário. Para os americanos,
renunciar tal ditame significaria igualar-se
aos nazistas. Além disso, os defensores da
implementação do tribunal pressentiam
que a reconstituição dramática dos crimes
do Reich causaria grande impressão na
opinião pública mundial.
Em 26 de junho, iniciam-se os
trabalhos na Conferência de Londres.
Desta resulta a aceitação pelas demais
potências da propositura americana, sendo
determinada a criação do Tribunal de
Nuremberg, com o escopo de julgar e punir
de modo apropriado e sem tardança os
grandes criminosos de guerra dos países
europeus do Eixo.
A decisão foi anunciada pelos
representantes dos Estados Unidos a 6 de
julho do mesmo ano, culminando na Carta
de Londres. Este documento autorizou o
estabelecimento da dita corte, deitando
regras e princípios acerca de seu
funcionamento, bem como a previsão da
emissão de seu próprio Estatuto.
Considerando que essa declaração foi feita
sob reserva do caso dos grandes criminosos
de guerra, (...) os quais serão punidos por
uma decisão comum dos Governos aliados;
(...)
1º Será estabelecido um Tribunal Militar
Internacional (...) para julgar os criminosos
de guerra cujos crimes não tenham
localização geográfica precisa, quer sejam
eles acusados individualmente, quer a título
de membros de organizações ou de grupos,
quer a esse duplo título.
(...)
3º Cada Signatário tomará as medidas
necessárias para garantir a presença nos
inquéritos e no processo, dos grandes
criminosos de guerra que detiver e que
devam ser julgados pelo Tribunal Militar
Internacional. Os signatários deverão
igualmente empregar todos os esforços para
garantir a presença nos inquéritos e
processos perante o Tribunal Militar
Internacional daqueles dentre os grandes
criminosos que não se encontrem no
território de um dos signatários.
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10
tmitribunal militar internacional
(...)
5º Todos os Governos das Nações Unidas
podem aderir a esse Acordo (...).
6º Nenhuma disposição do presente Acordo
afeta a jurisdição ou competência dos
tribunais nacionais ou dos tribunais de
ocupação já criados ou a criar, nos
territórios aliados ou na Alemanha, para
julgar os criminosos de guerra (FERRO,
2002, p. 123-125).
Havia ainda razões outras pelas
quais os Estados Unidos tanto desejavam a
instalação do tribunal. Foi eloqüentemente
colocado pelo representante americano em
um memorando de 30 de junho de 1945,
durante as negociações da Conferência de
Londres acerca de julgamentos militares,
que
Os Estados Unidos (...) concebem este caso
como sendo deveras amplo. Deve-se
compreender que os russos, franceses,
ingleses e demais europeus estão
devidamente familiarizados com a opressão
e crimes hitlerianos. Nosso país, a três mil
milhas de distância, tomou conhecimento
destes
majoritariamente
através
da
imprensa e das acusações daqueles que
sofreram tais experiências, ou seja, não
vivenciamos estas. As atrocidades alemãs
na última guerra foram denunciadas, no
entanto, o público de meu país se desiludiu
com o fato da maioria dessas acusações
nunca terem sido legitimadas através de
julgamentos e condenações. Deve-se haver
suporte contínuo por parte dos Estados
Unidos de medidas internacionais as quais
visem impedir o renascimento do Nazismo,
faz-se agora necessário legitimar-se, através
de métodos os quais o povo americano
considera de grande acuidade, toda a
história do movimento nazista, incluindo
seus extermínios de minorias, suas
agressões contra vizinhos, suas traições e
barbarismo. (tradução livre)
Uma outra fundamentação para a
premência do Tribunal era o caráter
coletivo dos crimes nazistas. O massacre de
civis e prisioneiros de guerra, a
perseguição de judeus, ciganos e oponentes
políticos não eram apenas fenômenos em
larga escala, mas indicativo de uma política
empregada assiduamente pelos mais altos
comandos do Reich, além de também
aplicado por todo o seu aparato militar e
burocrático. Enquadravam-se as condutas
nazistas na categoria
de “crimes
coletivos”. Como se pode depreender do
próprio nome, sua natureza os tornava
impossíveis de serem julgados e punidos
por cortes dos Estados aos quais
pertenciam. De fato, para alguns, somente
o adversário poderia assegurar que a justiça
fosse feita após a vitória na guerra.
Como resultado mediato da Carta
de Londres, temos a edição do Estatuto do
Tribunal de Nuremberg, o qual materializa
um tribunal pronto para processar e julgar
indivíduos por crimes contra a paz, de
guerra, contra humanidade e de
conspiração. Além dos trabalhos desse
tribunal, espera-se que os países aliados,
administradores atuais da Alemanha –
através da autoridade institucionalizada no
Conselho de Controle – implementem o
julgamento de criminosos de menor monta
em cortes locais dos territórios ocupados.
4.3. O E S T A T U T O D O T R I B U N A L
MILITAR INTERNACIONAL
Pela primeira vez, quatro grandes nações entram em
acordo, não somente sob o princípio da responsabilidade
por crimes de guerra e outros delitos, mas também pelo
princípio da responsabilidade individual por crimes
cometidos contra a Paz (...). Se pudermos cultivar por
todo o mundo a idéia de que fazer uma guerra de agressão
conduz ao banco dos réus mais que às honras, teremos
alcançado um grande progresso no que se refere à
segurança e à paz.
Robert Jackson, juiz da Suprema Corte Americana
Trata-se o Estatuto da lei basilar,
fundamento máximo do chamado Tribunal
de Nuremberg. Já se especula, inclusive,
acerca da revolução que este representará,
uma vez que constitui novel legislação
penal internacional. Atine-se também para
o fato dos chamados “criminosos de
guerra” serem agora submetidos a
encargos os quais, em sua maior parte,
ainda não estavam previstos em qualquer
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11
tmitribunal militar internacional
outra legislação penal quando de sua
suposta perpetração.
Isso ia de encontro às próprias
considerações britânicas da nota de 6 de
agosto de 1942, pela qual, em seu art. 2º
“para o julgamento dos criminosos de
guerra, qualquer que seja o Tribunal
competente, far-se-á uso das leis já em
vigor, sem promulgar qualquer lei especial
ad hoc” (GONÇALVES, 2001, p.75).
É certo que o Estatuto do Tribunal
de Nuremberg trará grandes inovações.
Fala-se inclusive na gênese de um novo
sistema jurídico internacional com base em
tais dispositivos. Neste documento estão
previstas punições para crimes até então
não tipificados, nem muito menos puníveis
na esfera internacional anterior à última
guerra. Entretanto, não seria essa uma
escusa plausível para a declaração da
impunidade perante todas as ferocidades
praticadas.
O julgamento que se aproxima está
programado para configurar um grande
fenômeno histórico, concebido como modo
de desmistificar o Estado Nazista por meio
da exposição pública a toda humanidade
de seus horrendos crimes. Deseja-se ainda
que todo o processo possa gerar registros
vastos para a posteridade, ou seja, o
Tribunal seria uma ótima maneira de se
compilar um dossiê de documentos
históricos, os quais talvez sumissem se não
transformados
em
lição
para
a
humanidade.
Vale relembrar o fato de não ser o
Tribunal de Nuremberg absoluto em sua
tarefa de processar os criminosos de
guerra. No dia 26 de julho de 1945, as
quatro potências anunciaram, para a
surpresa de alguns, a intenção de também
processar os mandatários japoneses pelos
mesmos crimes previstos no rol de
competências do TMI. Acredita-se que este
outro tribunal adotará os mesmos
princípios e regulamentações do Estatuto
de Nuremberg, uma vez perseguidor dos
mesmos objetivos.
Reputa-se cabal a importância da
criação de uma corte como a proposta
pelos aliados. Pela primeira vez, quebrarse-á o monopólio firmemente estatizado da
jurisdição
criminal
sobre
ilícitos
internacionais, como os crimes de guerra,
contra a humanidade, entre outros. Muito
se tem especulado acerca da dimensão e
escopo possivelmente atingidos por órgãos
instituídos de forma, se não internacional,
“não-nacional” atinentes a propósitos de
processo e julgamento de crimes
internacionais. Há também o fator de
novos tipos terem sido materializados
através da Carta de Londres, o que os
tornou puníveis.
Unânime é a opinião de que o
Estatuto
representa
um
pilar
de
sustentação legal do julgamento. Tendo em
vista
as
propostas
vanguardistas
estabelecidas por este documento, a
esperança dos operadores jurídicos é de
que o texto produzido para o julgamento
possa ser evocado sempre que um novo
conflito jurídico de características similares
seja trazido à baila pela sociedade.
5. I NOVAÇÕES
E
TRAZIDOS PELO
T RIBUNAL
DE
C ONTRA - SENSOS
E STATUTO DO
N UREMBERG
Crimes contra a paz? Crimes de Complô? Não havia
legislação que estabelecesse penas para tais crimes antes
de Nuremberg simplesmente porque estes não poderiam
ser considerados em um mundo onde o realismo e o
belicismo prevaleciam.
Joanisval de Britto Gonçalves
Mal se iniciou a implementação de
um tribunal para julgar as mazelas do
conflito em evidência, já se encontra a
sociedade acadêmica e os juristas em
pandemônio, com acirradas discussões
acerca da validade e justeza de seus
princípios e ditames.
Algumas vozes proclamam que a
maior ofensa será feita ao princípio do
nullum crimen, nulla poena sine lege.
Considera-se este o mais importante
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tmitribunal militar internacional
princípio do Direito Penal, à medida que
prega a não existência de crime quando da
não definição deste como ato ilícito antes
de sua cominação.
Acredita-se advir a positivação de
tal princípio da Carta Magna Inglesa de
1215, editada ao tempo do Rei João Sem
Terra. Seu artigo 39 determinava que
Nenhum homem livre será detido, nem
preso, nem despojado de sua propriedade, de
sua liberdade ou livres usos, nem posto fora
da lei, nem exilado, nem perturbado de
maneira alguma; e não poderemos, nem
faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em
virtude de um juízo legal de seus pares e
segundo as leis do País (GRECO, 2003,
p.106).
A maioria dos doutrinadores
afirma ser a lei única fonte do Direito Penal
quando se quer proibir ou impor condutas
sob ameaça de sanção. Tudo que não fosse
expressamente proibido seria lícito em
Direito Penal. O escopo do princípio em
questão é manter a segurança jurídica, a
qual assiste o cidadão, não sendo este
punido quando não houver uma previsão
legal criando o tipo incriminador, ou seja,
definindo as condutas proibidas.
Como
fundamentação
a
tal
posicionamento, há ainda o artigo 7º da
Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789, na qual se lê que
“Ninguém pode ser acusado, detido ou
preso, senão nos casos determinados pela
lei e de acordo com as formas por ela
prescritas” (GRECO, 2003, p. 107).
Dessa feita, acredita-se que o mais
forte argumento a ser levantado pela
defesa será relativo ao repúdio por parte
do Direito das nações civilizadas quanto ao
castigo ex post facto, (posterior ao fato).
Ademais desta celeuma, aponta-se também
a não existência de tipificação prévia do
crime de “guerra de agressão”, além de
não haver qualquer cominação de pena
para tal ato em nenhum documento
internacional. Para Hermann Jahrreis,
Admitindo-se (...) que a evolução consagre a
substituição do direito internacional público
“antigo” por um direito internacional
público “novo”, o qual condene a guerra de
agressão como um crime, admitindo-se que
esta mudança opere um progresso, ainda
importa, para que a acusação seja fundada,
que os acusados disso tivessem consciência.
A prova desse fato incumbe ao Ministério
Público, e a dúvida deverá ser favorável aos
réus. Se estamos em uma fase transitória,
na qual o abandono dos velhos princípios é
incerto, onde o novo conhecimento é [ainda]
vacilante, a regra da interpretação restritiva
da lei penal determina a absolvição. (...)
Portanto, as declarações sensacionais que
difamam a guerra de agressão, a guerra
como “instrumento de política nacional”,
como um crime, não determinam qualquer
sanção, são leges imperfectae. De
qualquer maneira, uma condenação deve
atentar ao princípio nulla poena sine lege.
Ademais, é certo que o termo “crime”, tal
como figura nestas resoluções, deva ser
tomado em seu sentido técnico? (...) O
epíteto “criminal” aplicado à guerra de
agressão pode ser entendido como uma
ofensa moral, tanto quanto como uma
incriminação. Na dúvida, a acepção
favorável à defesa deve prevalecer (Apud
GONÇALVES, 2001, 160-161).
Como contraponto, para alguns
defensores da iniciativa do Tribunal,
apesar dos crimes contra a humanidade só
passarem a ser formalmente previstos na
legislação penal internacional a partir da
emissão do Estatuto da corte em foco, estes
já existiam nas legislações penais
particulares de cada Estado, sendo apenas
trasladados para o âmbito internacional.
No entanto, outros críticos abominam a
idéia de se permitir essa espécie de
analogia, visto que esta também é proibida
face ao princípio nulla poena sine lege. Tal
proibição, segundo a doutrina, visa à
necessidade de proteção do indivíduo
frente à arbitrariedade, principalmente nos
caso como o de Nuremberg, em que se
podia chegar até a pena capital. Na
verdade, revolve toda a questão em torno
da dualidade de primazia por fatores
políticos e morais ou pelos aspectos
técnicos e jurídicos.
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13
tmitribunal militar internacional
Há inquietude ainda com relação à
confusão que se poderá gerar quando da
adoção de um ou outro sistema de direito
(common law ou civil law) 2 . Enquanto que os
representantes dos EUA e Reino Unido
estão habituados ao modelo anglo-saxão,
os franceses, soviéticos e alemães
provavelmente
enfrentarão
grandes
dificuldades quanto à aplicação de
ordenamento tão diverso do seu costume.
À primeira vista, a aceitação do encargo de
conspiração e a possibilidade da utilização
da técnica de contra-interrogatório (crossexamination) apontam para uma certa
propensão às técnicas anglo-saxônicas, a
despeito de uma desejada combinação dos
dois sistemas para uso equânime em
Nuremberg.
Não se olvide do também
mundialmente consagrado princípio da
imparcialidade do juiz, considerado, da
mesma forma, basilar para a correta
manutenção da justiça. De um magistrado
se exige imparcialidade, desinteresse pelo
que constitui o objeto da lide entre os
querelantes. Contudo, o Tribunal de
Nuremberg será composto exclusivamente
por juízes nacionais dos países vencedores
da guerra. Não se sabe se possível será
manter a integridade e imparcialidade
desses homens, cujas nações há poucos
meses enfrentavam brutalmente as tropas
(muitas dessas comandadas por réus do
Tribunal) dos países vencidos. Muitas
vozes apregoam que melhor teria sido
compor a Corte com juízes originados de
países neutros, ou ao menos um Tribunal
misto. Opiniões mais radicais condenam a
presença soviética no corpo de julgadores,
2
Sucintamente, a diferença básica entre os dois sistemas
reside no fato do common law (Direito anglo-saxão) ter
se desenvolvido através do costume. Este é advindo do
tempo em que ainda não havia leis escritas e continuou a
ser aplicado mesmo após o surgimento destas. Já o civil
law (Direito continental) desenvolveu-se a partir do
Direito
Romano
de
Justiniano,
apresentando
procedimentos embasados em amplos princípios e na
interpretação doutrinária, a despeito do modelo anglosaxão, imiscuído na aplicação factual da lei.
pois estes iniciaram a guerra ao lado dos
nazistas; destaque-se a invasão à Polônia
em duas frentes e os ataques soviéticos à
Finlândia e aos países bálticos.
Aos réus no Tribunal Militar
Internacional foi vedado pelo Estatuto o
direito a recurso da decisão judicial. Tratase esse direito de aspecto-chave na
dinâmica processual, à medida que a parte
lesada pode obter uma revisão mais
ponderada (e, então sim, definitiva) de sua
sentença. Não poderá também a defesa
levantar ‘questões de política internacional’
durante o processo. Tal medida, tomada
com vistas a impedir um prolongamento
infinito e prolixo dos trabalhos da corte,
poderá comprometer a resolução de
questões fundamentais, como a definição
de quem teria iniciado a agressão nos
conflitos, dentre outras.
Para o Direto Internacional Público
vigente, os Estado são detentores de
soberania, portanto iguais mediante seus
pares. Destarte, não poderiam estes ser
forçados a submeter-se a jurisdições às
quais não tenha acedido voluntariamente.
Do ideário de ‘soberania’ deriva a condição
de imunidade das condutas de homens de
Estado toda vez que estas estiverem
relacionadas a “atos de Estado”. Até o
advento do regulamento o qual balizará os
trabalhos da Corte de Nuremberg, a práxis
do sistema internacional era a de não se
considerar a conduta do “homem de
Estado” como sujeita à imputabilidade,
uma vez que qualquer procedimento em
contrário macularia a noção de soberania.
Tais conceitos serão postos à prova pelo
Estatuto do Tribunal de Nuremberg.
As alegações referentes a possíveis
imunidades dos acusados, com base no
princípio da soberania estatal, somente
encontram paridade nos ideários do
“princípio do líder” (Das Führerprinzip). No
entender de alguns entusiastas alemães,
poderão ser excluídas ou atenuadas
algumas
punições
se
levada
em
consideração a obediência cega e irrestrita
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14
tmitribunal militar internacional
a qual movia e embasava o funcionamento
do Partido Nazista, e, por extensão, de toda
a sociedade alemã. Seguido este princípio,
entender-se-á a culpabilidade pela maior
parte dos delitos trazidos a Nuremberg
como
decorrência
da
autoridade
mandamental de Hitler.
No tangente às benesses se espera
provenham das atividades do Tribunal,
assevera-se que
(...) os defensores da Corte e do Julgamento
de Nuremberg veriam a alternativa de um
processo para os grandes criminosos como
uma maneira de mostrar à comunidade
internacional todo o conjunto de horrores e
atrocidades cometidos sob a égide de um
regime totalitário como o III Reich.
Ademais, a própria instituição do tribunal
de Nuremberg abriria um precedente para
Cortes futuras, de modo a deixar claro que
não mais a comunidade internacional
toleraria abusos como os conduzidos pelos
nazistas. E, para mostrar o quanto os
Aliados estavam comprometidos com uma
proposta de Justiça e não de vingança, nada
melhor do que buscar as vias judiciais para
punir os grandes criminosos da Alemanha
Nazista (GONÇALVES, 2001, p. 187).
Finalmente, inegável é a revolução
silenciosa que agora se processa com a
abertura por parte do Tribunal de
Nuremberg do precedente para que
pessoas físicas possam atuar como sujeitos
de direitos e obrigações no âmbito
internacional. Estes serão, de agora em
diante, virtualmente capazes de também se
tornarem réus e autores em processos cuja
outra parte venha a ser um Estado ou
Organização Internacional. Tais desenlaces
somente o tempo deve se encarregar de
confirmar ou refutar, enquanto isso restam
por vir os trabalhos do mais revolucionário
tribunal de instância internacional já visto
pela humanidade.
6. R ELAÇÃO P ROCESSUAL P ENAL
– C OMPOSIÇÃO DO T RIBUNAL
Trata-se o processo de uma
sucessão de atos os quais visam solucionar
um conflito de interesses. Configura-se a
relação processual, como tal, à medida que
permite a pronunciação de uma sentença,
devendo ser esta embasada em direito
vigente. A dita relação deverá desenvolverse entre os ‘sujeitos processuais’ de uma
determinada ação, quais sejam basicamente
o juiz, o autor e o réu. Consideram-se os
sujeitos principais do processo, relacionados
entre si através de conexões triangulares.
OS
JUÍZES
Na relação processual, o juiz detém
o poder jurisdicional – ou seja, poder de
proferir o direito – além de presidir o
processo.
Para
que
se
selecione
validamente o indivíduo ocupante da
posição de magistrado, certos requisitos
deverão ser cumpridos. No âmbito
subjetivo, entende-se ser necessário haver
capacidade funcional do magistrado para que
atue nesta função, ou seja, deve este
preencher certos requisitos os quais o
qualifiquem como juiz. No caso específico
de Nuremberg, decidiu-se que juízes
capazes e legitimados são os apontados
pelas quatro potências vitoriosas na guerra
para ocuparem tais cargos. Cada um destes
países nomeará 2 magistrados, à exceção
do Reino Unido, que contará com 3 juízes,
sendo um deles o presidente da Corte.
O papel dos magistrados no
presente Tribunal será julgar e imputar
penas aos criminosos de guerra europeus
do Eixo. Apesar de terem nacionalidade
das potências vencedoras, lhes é atribuído
caráter neutro, desnacionalizado, uma
espécie de representantes da humanidade
para compor a imagem de um julgamento
justo. Dessa feita, não serão aceitos
posicionamentos parciais no tangente a
possíveis inclinações do corpo de juízes a
suas origens e nacionalidades.
Decidir com isenção, não dar abrigo ao ódio,
não decidir com facciosidade, não ser
tendencioso, superar as próprias paixões,
julgar com humildade, ponderação e
sabedoria são virtudes essenciais ao
magistrado. E quem não as possuir não
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15
tmitribunal militar internacional
pode, por certo, cumprir a mais grave
missão dada ao homem, que é a de julgar
(PELLEGRINO apud MIRABETE, 2005,
p. 352).
Outra prerrogativa concedida aos
magistrados é a inamovibilidade, a qual
assegura que no decorrer do julgamento, os
países não podem destituir do processo os
membros designados.
M I N I S T É R I O P Ú BL I C O
Na
seara
do
Tribunal
de
Nuremberg, ao Ministério Público (MP)
cabe a persecução penal (persecutio
criminis). Será este o órgão, portanto, titular
da pretensão punitiva do Tribunal,
cabendo-lhe a provocação da jurisdição.
O MP será composto pelo
Procurador-Geral e mais oito membros
divididos em duplas, sendo cada uma
destas originária de uma diferente potência
Aliada e representante dos interesses dos
Estados aos quais pertençam. Será este o
órgão responsável por reunir os encargos e
produzir provas que os embasem,
acusando os criminosos de guerra dos
países europeus do Eixo, por crimes que
não tenham localização geográfica precisa.
Poderão os acusados ser apontados
individualmente e como membros de um
grupo ou organismo.
A promotoria tem como base para
realização dos seus trabalhos os crimes
definidos pelo Estatuto. Para uma melhor
organização, em termos de recolhimento
de provas e escolha das testemunhas,
foram os encargos de acusação divididos
entre as quatro potências. Cabe, então, aos
EUA a acusação de conspiração para
cometer crimes de guerra (Complô); aos
britânicos os crimes de planejamento,
preparação,
desencadeamento
ou
prosseguimento em guerra de agressão
(Crimes contra a Paz); já a violação das
leis e costumes da guerra (Crimes de
Guerra) e os Crimes contra a Humanidade
são tratados pelos soviéticos no que tange
aos territórios da Europa Oriental;
enquanto que os franceses cuidam os
mesmos encargos cometidos nos territórios
ocidentais.
Deverá o MP, portanto, velar pelos
interesses da sociedade mundial como um
todo, principalmente a porção que
vivenciou ou foi ameaçada pelo terror
nazista.
OS
ADVOGADOS
Defesa, em sentido amplo, é toda atividade
das partes no sentido de fazer valer, no
processo penal, seus direitos e interesses,
não só quanto à atuação da pretensão
punitiva, como também para impedi-la,
conforme
sua
posição
processual.
(MIRABETE, 2005, p. 371).
Não serão desrespeitados os
princípios do contraditório e da ampla
defesa nos trabalhos do TMI. No entanto,
somente os expedientes, métodos, formas e
caminhos que sejam providos pelo
ordenamento de tal Corte serão postos à
disposição dos acusados, sendo vedado aos
réus e a seus representantes extrapolarem
tal gama de previsões.
No que tange os modos de
aplicação da defesa ao longo do processo,
esta poderá tomar dois caminhos distintos.
Através da defesa direta, o acusado refuta
o mérito da acusação, podendo alegar a
ausência de autoria ou participação;
afirmar a inexistência de dolo 3 ou culpa 4 ;
apontar a ocorrência de causas excludentes
da ilicitude, da culpabilidade, da
3
Conceitua-se dolo como sendo a vontade livre e
consciente dirigida a realizar determinada conduta
considerada ilícita e transgressora da ordem jurídica
vigente. O dolo é formado por um elemento intelectual e
outro volitivo, devendo o agente ter consciência plena do
que faz, para que se possa atribuir-lhe o resultado
indesejado de sua conduta.
4
Tem-se por culpa a conduta humana de caráter
voluntário (quer seja ação ou omissão) que produza
resultados contrários à ordem jurídica. Tais resultados
deverão ser previsíveis e evitáveis quando do emprego de
devida atenção.
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16
tmitribunal militar internacional
punibilidade, entre outros. Ao fazer uso da
defesa indireta (ou processual), o
indivíduo argüirá a presença de vícios ou
nulidades no processo, por meio de
exceções.
A defesa, no TMI, será formada
por um grupo de 4 advogados, todos de
nacionalidade alemã, trabalhando em
equipe. Sua participação em Nuremberg
será de enorme monta, visto ser
indispensável o réu estar amparado por
indivíduo possuidor de conhecimentos
técnicos suficientes para lhe propiciar a
efetividade de seus direitos, bem como de
suas garantias processuais.
Representar as principais figuras
da Alemanha nazista será a difícil missão
desempenhada pela Defesa, tendo em vista
o intuito visado de amenizar as penas e
eximir de culpa aqueles que serão acusados
pelas ‘maiores atrocidades já ocorridas na
história’ – ou que pelos menos assim são
anunciados pela imprensa – bem como
tentar desvincular o povo alemão da
imagem desmoralizante e atroz à qual está
impelido.
Muitos dizem que as penas de
Nuremberg já foram estabelecidas antes
mesmo do início do julgamento. A defesa
certamente contará com muitos percalços
em seu caminho, dentre estes, a própria
estrutura do Tribunal, além das regras
estabelecidas para balizá-lo, as quais vão
de encontro aos regulamentos com os quais
os advogados alemães estão acostumados a
lidar.
Para
alguns
juristas,
os
procedimentos do TMI estão confusos e as
dúvidas suscitadas não favorecerão os
réus. Além disso, não será permitido à
defesa recorrer após terem sido as penas
estabelecidas, limitando-se, ainda, o leque
argumentativo dos advogados ao proibirse que sejam levantadas questões de
política internacional durante o processo.
Assim, as escusas sobre a guerra, e também
o modo como procederam todos os
envolvidos no conflito não serão
explorados. Ao se julgar tais eventos
apenas por suas conseqüências, não
poderão ser ressaltadas suas causas.
O
ACUSADO
Só poderão ser acusados em
determinada relação processual aqueles
que possam ser sujeitos da pretensão
punitiva em tela. Trata-se, o acusado,
portanto, da pessoa contra quem se propõe
a ação penal, ou seja, o sujeito passivo
desta pretensão de punir. No que concerne
ao Tribunal de Nuremberg, somente
possuirão legitimidade para figurar no
pólo passivo da relação processual os
grandes criminosos do Eixo Europeu cujos
crimes não possam ser delimitados
geograficamente.
Compõem a lista de acusados de
Nuremberg efetivos vinte e dois nomes,
não seguindo sua escolha critérios bem
definidos. Pode-se concluir que os
escolhidos para formar o banco dos réus
são figuras que representam toda a
estrutura do falido Estado Nazista.
Destarte, o objetivo desse Tribunal não se
restringirá ao campo militar, ou mesmo ao
intuito de responsabilizar os mandantes e
executores de supostas ações cruéis e
criminosas.
Para os opositores da Corte,
haverá, sim, um verdadeiro julgamento do
Estado Alemão e mesmo da sociedade
alemã – um processo, pois, de caráter
político-jurídico. Será colocada em juízo a
ideologia, o Estado, o Regime, e a própria
existência do Nazismo.
7. O P ROCESSO
O Tribunal de Nuremberg terá o
escopo de julgar e dar a devida punição
aos criminosos de guerra do III Reich pelas
condutas cometidas durante a última
guerra. O julgamento será um marco na
história do Direito Penal Internacional em
virtude de nunca dantes ter sido
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17
tmitribunal militar internacional
estabelecido um tribunal de guerra para
apurar as responsabilidades individuais
por crimes, os quais possam ser imputados
a seus beligerantes.
Diante de tal cenário, buscou essa
Corte um processo que satisfizesse os
anseios dos povos por justiça e garantisse,
concomitantemente, o direito à ampla
defesa aos acusados.
Com efeito, esse julgamento possui
aspectos processuais os quais demandam
uma breve análise com o intuito de
esclarecê-los e facilitar o seu entendimento
pelos operadores do Direito.
Conforme reza o Estatuto do TMI,
caberá a este último estabelecer suas regras
processuais. Nesse sentido, a dinâmica a
ser adotada em Nuremberg será bastante
simples, mormente para dar maior
celeridade ao julgamento, tendo em conta
sua dimensão e repercussão mundiais.
Porém, antes de adentrar-se o tema, caberá
diferenciação entre processo e procedimento.
Processo é o instrumento por meio do
qual a jurisdição atua. É a relação jurídica
na qual os atos processuais são motivados
e justificados, interligando, dessa maneira,
os sujeitos processuais (autor, juiz e réu). Já
procedimento nada mais é do que a forma
pela qual o processo se exterioriza,
consubstanciando-se como o meio formal
do qual este se reveste.
Mister faz-se ressaltar que o modelo
a ser seguido pelo Tribunal terá,
certamente, um enfoque mais pragmático,
em consonância com o Direito anglo-saxão.
Isto proporcionará uma maior agilidade ao
processo que, por sua vez, ainda deverá
apresentar nuances do Direito romanogermânico.
A necessidade de realização de um
julgamento mais rápido está, inclusive,
previsto expressamente no Estatuto, assim
como no que tange à apresentação das
provas, ao dispor que será utilizado um
processo expedito e informalista. Além
disso, estabelece que outras medidas serão
cabíveis com o fim de se evitar atrasos
injustificáveis.
Em conformidade com o elucidado
acima, a Corte adotará cronologicamente o
seguinte procedimento:
1.
Leitura da Denúncia na sessão
de
abertura
(audiência
preparatória);
2. Inquirição
dos
acusados,
declaração da sua culpabilidade
ou inocência;
3. Declaração
preliminar
do
Ministério Público;
4. Apresentação das provas por
parte da Acusação e Defesa, e
posterior pronunciamento dos
juízes
acerca
de
sua
admissibilidade ou não;
5. Oitiva
das
testemunhas
apresentadas pela Acusação;
6. Oitiva
das
testemunhas
apresentadas pela Defesa;
7. Contestação das provas;
8. Alegações finais da Defesa e
Acusação;
9. Declaração do acusado ao
Tribunal;
10. Prolação da sentença e fixação
da pena.
O Tribunal poderá levantar a
qualquer momento questão que julgar útil
a qualquer testemunha ou acusado. Além
disso, a Acusação e a Defesa poderão
interrogar qualquer testemunha que venha
a depor.
Destarte, prima-se, com a adoção de
referido procedere, propiciar um julgamento
justo e equânime.
7.1. E L E M E N T O S P R O C E S S U A I S
Os encargos de acusação são os
crimes imputados aos acusados. Eles se
dividem em individuais e coletivos. Os
Encargos Coletivos foram estabelecidos
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18
tmitribunal militar internacional
em consonância com o disposto no
Estatuto do Tribunal e desempenharão
papel de vultuosa importância no
julgamento, haja vista tratarem de crimes
mais genéricos, mas que abarcam a
responsabilidade individual de cada um
dos réus na execução daquelas condutas
repudiadas pela comunidade internacional.
Desta
feita,
chega-se
ao
estabelecimento de quatro encargos
coletivos a serem apresentados pela
acusação, a saber: 1) Plano comum de
Conspiração; 2) Crimes contra a Paz; 3)
Crimes de Guerra; 4) Crimes contra a
Humanidade.
O primeiro deles, o Plano Comum
de Conspiração, aparece como um dos
tópicos mais complexos, pois abrange
elementos dos demais. O delito envolve a
participação dos acusados como líderes,
organizadores, incitadores ou cúmplices na
execução dos crimes contra a paz, de
guerra e contra a humanidade.
Conforme dito alhures, os acusados
teriam iniciado guerras de agressão,
violadoras de acordos e tratados
internacionais. Ainda nessa seara, teriam
realizado guerras cruéis, transgressoras de
regras e costumes, além de cometer crimes
contra a humanidade tanto em seu
território quanto naqueles ocupados. O
Partido
Nacional-Socialista
dos
Trabalhadores Alemães, fundado em 1920,
encontra-se como o ponto centralizador
dos acusados em torno do plano de
conspiração.
Denominam-se
“conspiradores nazistas” os réus e “outras
pessoas associadas de tempos em tempos,
como líderes, membros, patrocinadores e
simpatizantes do Partido Nazista”, sendo
eles os arquitetos das guerras de agressão
principiadas pela Alemanha.
As técnicas doutrinárias adotadas
pelo Regime Nazista teriam como
fundamento quatro pontos: o conceito de
“raça superior”; o “Princípio do Líder”; a
guerra como atividade essencial e nobre
dos alemães; e a supremacia do Partido
Nazista sobre as demais instituições.
Há de destacar também o aspecto
político desse crime, com a aquisição do
poder Estatal pelos nacional-socialistas,
estabelecendo, por conseguinte, um
governo totalitário no qual as políticas
públicas adotadas faziam parte do plano
para dar início à corrente guerra.
Acrescente-se ainda o aspecto econômico, o
qual reside no fato da política econômica
adotada pelo Regime Nazista configurar
possível atividade criminosa.
No crime em tela, importa observar
que, desde 1933, a política externa
desenvolvida pela Alemanha Nazista teria
sido conscientemente arquitetada para
conquistar o mundo e conduzi-lo a uma
guerra total, tudo em conformidade com
um plano.
Por fim, a responsabilidade pela
execução do ponto em questão recaiu sobre
os acusados, grupos e organizações, assim
como aqueles que eram seus membros.
Destarte, cumpre salientar que os
imputados
são
individualmente
responsáveis por seus atos, como também
pelos cometidos por qualquer pessoa na
execução do plano de conspiração,
devendo essa última característica ser
estendida aos demais crimes cometidos.
O segundo encargo a ser esmiuçado
é dos Crimes contra a Paz. Ele é também
chamado Guerra de Agressão, partindo-se
deste as demais acusações. Esse ponto trata
da direção, dos atos preparatórios,
desencadeamento ou prosseguimento de
uma guerra de agressão ou de uma guerra
de violação a tratados ou acordos
internacionais, bem como da participação
em um esquema concertado ou num
conluio
em
qualquer
das
ações
precedentes.
As referidas guerras de agressão
teriam sido motivadas pela política externa
adotada por Adolf Hitler, iniciada em 1º de
setembro de 1939, ao invadir a Polônia.
Some-se a isso uma série de atos de
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tmitribunal militar internacional
agressão violadores de tratados, acordos e
convenções anteriores ao início da guerra.
A Alemanha Nazista violou, ao todo, 36
tratados internacionais, dentre os quais
destaca-se o Tratado de Haia de 1899 e
1907, para a solução pacífica de todos os
conflitos internacionais, e o Pacto BriandKellog.
A guerra de agressão apresenta-se
como elemento do tipo, ao passo que os
atos de agressão representam as condutas
de caráter preparatório no qual não há
emprego de força. O encargo em análise
abarca ainda os atos de premeditação, os
quais
têm
por
embasamento
as
observações de Hitler no seu livro Mein
Kampf – escrito durante o período em que
esteve preso em Landsburg, em 1924 –, em
discursos do Fürher e, principalmente, dois
documentos:
o
protocolo
Hossbech,
documento que relata reunião ocorrida em
5 de novembro de 1939 na Chancelaria do
Reich e o documento Schumdt, texto que
descreve conferência realizada na Nova
Chancelaria do Reich em 23 de maio de
1939.
O terceiro encargo enfocado é o dos
Crimes de Guerra. Esse delito já é
tipificado pelo Direito Internacional, mais
precisamente nas Convenções de Genebra
e de Haia, preceituando-se que
aquele que por ventura vier a cometer,
durante um conflito bélico, quaisquer
ações que sejam caracterizadas como
violação às normas de conduta entre
nacionais e militares de Estados
beligerantes estará sujeito à condenação
como criminoso de guerra, arcando com
a
punição
por
seus
delitos.
(GONÇALVES, 2001, p. 130).
Neste ponto é elencada uma
diversidade de condutas, que incluem
desde aquelas mais genéricas até as mais
específicas. Foram acrescentados pela
Acusação ao rol dos tradicionais crimes de
guerra outros ainda não tipificados. Aqui
se podem citar as alegações referentes à
prática de assassinato e maus-tratos às
populações das regiões ocupadas, e.g., a
tortura; os fuzilamentos; as câmaras de gás;
trabalhos
forçados;
política
racial;
perseguição étnica; deportação para
campos de trabalho ou concentração, entre
outros. Mister salientar, nesse sentido, que
a deportação de civis para campos de
trabalho forçado colide com disposto no
art. 46 da Convenção de Haia de 1907. Com
efeito, importante que se fale sobre o
assassinato e maus-tratos cometidos contra
prisioneiros de guerra, como o massacre de
Katyn. 5
Por último, aparece como quarto
encargo
o
de
Crimes
contra
a
Humanidade. O TMI assim o disseca:
assassinato;
extermínio;
escravização;
deportação e todo e qualquer ato inumano
cometido contra quaisquer populações
civis, antes ou durante a guerra; incluem-se
também as perseguições por motivos
políticos raciais ou religiosos.
De acordo com a petição inicial de
acusação, os alemães teriam adotado um
programa de extermínio, perseguição e
repressão contra aqueles que seriam, ou
poderiam vir a ser, hostis ao Partido
Nazista ou ao seu plano de complô.
Acrescente-se a isso as perseguições aos
judeus – a chamada solução final 6 , que
atestam a arbitrariedade do Nazismo e a
sua política segregacionista.
Os encargos individuais, por fim,
dizem respeito às acusações individuais e
específicas imputadas a cada réu, as quais
consistem no fato de terem ocupado postos
de comando no Reich e utilizado deles para
planejar a guerra e conduzi-la.
Outro elemento do processo são as
Provas. Este é o “meio pelo qual as partes
pretendem demonstrar ao juiz a veracidade
dos fatos (...) alegados, sendo utilizada,
portanto, como elemento de convicção do
julgador” (NEVES, 2004, p. 279).
5
Cidade da Polônia na qual foram mortos 11 mil
prisioneiros de guerra poloneses, no mês de setembro de
1941.
6
Medidas tomadas pelos nazistas para o extermínio dos
judeus e outros grupos étnicos.
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20
tmitribunal militar internacional
O TMI admitirá o uso de todo e
qualquer meio de prova que possua valor
probante, ou seja, serão admitidas tanto
provas documentais quanto testemunhais.
As primeiras nada mais são do que a prova
material produzida pelas partes, como
documentos (prova escrita) e vídeos. Por
sua vez, as provas testemunhais têm como
figura central a pessoa da testemunha,
tendo por fundamento o seu depoimento.
A Sentença figura como o principal
ato decisório do processo. Ela é o último
elemento do julgamento e o mais
aguardado, posto que ditará o destino dos
imputados pelo cometimento dos crimes já
analisados. É da incumbência dos juízes
prolatá-la após a devida deliberação, isto é,
depois que os mesmos se reunirem e
discutirem a questão. O decisum deverá ser
motivado e estabelecerá a culpabilidade ou
não dos acusados em determinado crime
com a sua respectiva pena.
O Estatuto de Nuremberg estabelece
que é cabível a condenação à pena de
morte – in casu, por enforcamento –
quando verificada a convicção de culpa do
imputado, assim como qualquer outra
pena que considerar justa, encontrando-se
nesse rol, por exemplo, a pena de prisão
perpétua. Além da pena cominada, são
passíveis de confisco pelo Tribunal todos
os bens considerados roubados pelo
condenado, os quais serão restituídos ao
Conselho de Controle da Alemanha.
A sentença, entretanto, poderá ter
caráter absolutório, de forma a determinar
que os impetrados sejam eximidos das
acusações que lhes foram conferidas. Além
disso, frise-se que da sentença não caberá
recurso, caracterizando, dessa forma, uma
decisão condenatória final.
Mundial, em 1914, ele tinha 20 anos e
alistou-se como soldado na 7ª Artilharia da
Baviera 7 , sendo logo em seguida transferido
ao Batalhão de Reserva da 16ª Infantaria.
Em abril de 1915, por não ter grau
universitário, Hess foi obrigado a começar
sua ascensão como Cabo. Em maio, foi
promovido a Cadete. Em agosto deste
mesmo ano, foi designado para Munster 8 , a
fim de que recebesse treinamento de
Oficial. Sua capacidade lhe fez obter
promoções consecutivas e em outubro já
era Vice-Sargento.
No Natal de 1916, foi nomeado
Líder do Pelotão da 10ª Companhia do 18º
Exército Reserva de Baviera. Quando estava
em ação no Forte Douamont, Hess sofreu
seu primeiro ferimento, sendo atingido no
braço esquerdo; em julho de 1917, foi
novamente ferido no mesmo braço; e, em 3
de agosto, um soldado que estava
utilizando um rifle atingiu-lhe no tórax.
Em conseqüência, Hess ficou hospitalizado
até 10 de dezembro do mesmo ano. Já
recuperado de seu último ferimento, foi
aceito na Força Aérea Alemã – a
Luftstreitkräfte, começando seu treinamento
como piloto em março de 1918.
No dia 11 de novembro de 1918, a
Alemanha, derrotada, assinou o armistício.
Hess viu, assim, seu país ser humilhado
pelo Tratado de Versalhes e, como membro
de um exército orgulhoso que não aceitara
a derrota, desejava vingança. Com relação
à Inglaterra, tinha uma posição pacífica,
contudo, defendia o enfrentamento da
URSS bolchevique e dos judeus.
Depois da guerra, Rudolf estudou
Ciências Políticas na Universidade de
Munique, unindo-se aos Freikorps 9 , em
8. B IOGRAFIA
7
DE
R UDOLF H ESS
Rudolf Hess nasceu no Egito, em
26 de abril de 1894. Aos quatorze anos
mudou-se com os pais para a Alemanha.
Quando teve início a Primeira Guerra
Baviera , ou Estado Livre da Baviera, é um dos 16
Estados da Alemanha. Localiza-se no extremo sudeste do
país, tem uma área de 70.553 km² e Munique como
capital.
8
Cidade no Estado Federal de Nord Rhein-Westphalia,
Alemanha. Situa-se na parte norte do Estado, e é
considerada o centro cultural da religião da Westphalia.
9
Milícia de ex-Soldados do Exército Alemão ressentidos
pela derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial
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21
tmitribunal militar internacional
1919, e à Sociedade de Thule, uma secreta
organização política anti-semita que se
dedicou a manter o sangue alemão puro.
Foi, outrossim, influenciado pelo Professor
Karl Haushofer, um general cujas teorias
sobre expansionismo e raça são base do
conceito de Lebensraum 10 .
No dia 1º de julho de 1920, ao
ouvir um discurso proferido por Adolf
Hitler em Munique, associou-se ao Partido
Nacional-Socialista dos Trabalhadores
Alemães (Partido Nazista), tornando-se o
seu décimo sexto sócio. Em 1923,
participou de uma malograda tentativa de
assumir o controle da Alemanha, sendo
capturado e preso, juntamente com Hitler,
na prisão de Landsberg. Enquanto estiveram
na prisão, Hitler teve idéias para seu livro e
ditou-as a Hess para que este as escrevesse.
Entretanto, o mesmo, não se restringiu a
escrevê-las, fazendo também algumas
sugestões editoriais relativas a Lebensraum,
ao papel histórico do Império Britânico e à
organização da Partido Nazista. Rudolf
Hess foi solto em 1925 e serviu durante
vários anos como secretário pessoal de
Hitler, apesar de não possuir nenhum grau
oficial no partido.
Em 1925, foram criados esquadrões
chamados de Schutzstaffeln (SS) para
auxiliar o Partido Nazista, mantendo a
ordem e o domínio do público durante
manifestações em massa. Hess ajudou a
criar as Unidades de Waffen-SS –
designadas para concretizar a idéia de
purificação de raça – ficando bastante
explícita sua visão anti-semítica. As SS
eram, a princípio, de filiação voluntária, no
entanto a adesão tornou-se obrigatória a
partir de 1940, com a criação das Waffen
S.S. Estas últimas incorporaram, de oficio,
vários altos funcionários da Polícia de
Ordem Pública e de Segurança.
Essas tropas eram demasiadamente
agressivas e brutais, sendo responsáveis
10
O aumento de espaço vivo da Alemanha às custas de
outras Nações.
pelos massacres dos Sudetos 11 e de
Memel 12 , bem como por execuções de
prisioneiros e de reféns. Respondem estas
também pelos crimes de Oradour-surGlane 13 e de Lidice 14 , além do recrutamento
forçado de trabalhadores, da deportação de
milhões de judeus e das experiências
pseudocientíficas
nos
campos
de
concentração, como o de Auschwitz 15 ,
dirigido por Rudolf Hess.
Em 1932, como recompensa por
seu leal serviço, Hitler nomeou Hess
Presidente da Comissão Política Central do
Partido Nazista e General da SS. No dia 21
de abril de 1933, foi escolhido como
substituto do Führer, uma posição que
demandava
deveres
principalmente
cerimoniais. Ele era o braço direito e
mentor de Hitler, trabalhando prudente e
metodicamente nos bastidores.
Outros
títulos também lhe foram concedidos, tais
como Ministro sem Pasta do Reich,
membro do Conselho de Gabinete Secreto
e do Conselho Ministerial de Defesa do
Reich. Em 1939, Hess foi designado como
sucessor de Hitler, após Göering 16 .
Hess
sempre
mostrou
uma
devoção religiosa, leal e fanática, além de
obediência absoluta ao Führer, o que pode
ser percebido em discurso seu de 1934:
Com orgulho nós vemos que um homem
permanece apesar de todas as críticas, esse
homem é o Führer. Isto é porque todos
sentem e sabe: ele sempre tem razão e
sempre estará com a razão. O Socialismo
Nacional de todos nós é ancorado na
lealdade não crítica, na rendição ao Führer,
(...) e na execução silenciosa de suas ordens.
11
Localidades ao sul da Polônia.
Único porto de mar da Lituânia no Mar Báltico.
13
Cidade da França que ficou sob o regime nazista em
1942.
14
Cidade da Checoslováquia totalmente destruída
durante a ocupação nazista na 2ª Guerra Mundial.
15
Nome de um grupo de campos de concentração na
Polônia, a 60 km de Cracóvia, construídos no contexto
do Holocausto.
16
Hermann Wilhelm Göring: Militar e político alemão,
foi ministro da Aeronáutica, ministro presidente da
Prússia, ministro do Interior e chefe de todas as forças de
segurança alemãs.
12
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22
tmitribunal militar internacional
Nós acreditamos que o Führer está
obedecendo a um chamado superior para
formar a história alemã. Não poderá haver
nenhuma crítica a essa convicção
(tradução livre).
Hess conhecia os planos de Hitler
para atacar a URSS e queria prevenir a
Alemanha sobre envolver-se em uma
guerra de dois fronts, lutando contra os
soviéticos ao leste e contra o Reino Unido e
seus aliados no oeste. Assim, em 10 de
maio de 1941, dias antes da invasão
Nazista na União Soviética, Hess, que
estava proibido por Hitler de pilotar, vestiu
um uniforme da Luftwaffe 17 e, portando
apenas um mapa com um percurso escrito
a lápis, voou em um avião de guerra
alemão para a Escócia, em uma “missão de
paz”. O avião que estava pilotando não era
registrado e, por esta razão, corria um
proeminente risco de ser abatido. Pretendia
Hess encontrar-se com o Duque de
Hamilton, para discutir termos de paz
entre a Alemanha e o Reino Unido, bem
como estabelecer que o inimigo comum,
em questão, eram os bolcheviques.
Com tanques de gasolina extras
instalados no Messerschmitt EU-110, Hess,
um experiente piloto, voou 900 milhas pelo
Mar do Norte em cinco horas e conseguiu
navegar no raio de 30 milhas de distância
da residência do Duque, perto de Glasgow,
Escócia. A 6,000 pés, pulou de pára-quedas
e aterrissou seguro ao chão; logo em
seguida, encontrou um fazendeiro escocês
e se identificou como sendo o Capitão
Alfred Horn, dizendo que tinha uma
mensagem importante para o Duque.
Contudo, o fazendeiro o entregou às
autoridades britânicas.
Durante interrogatório feito pelo
Exército britânico, Hess assumiu sua real
identidade, a fim de que o Duque de
Hamilton pudesse falar com ele; porém,
este se recusou terminantemente a vê-lo.
Hess, então, expôs os propósitos de sua
17
Denominação da Força Aérea Alemã durante a 2ª
Guerra Mundial.
missão, enunciando algumas medidas que
o Reino Unido deveria seguir para que
houvesse o acordo de paz entre seus
países. O dito país deveria unir-se na
cruzada contra a URSS e teria que evacuar
o Iraque. Além disso, Churchill deveria
abdicar e restituir à Alemanha as cidades
conquistadas durante a Primeira Guerra.
Propôs também que, se os ingleses
permitissem
aos
Alemães
Nazistas
dominarem a Europa, o Império Britânico
não seria atacado por Hitler. Ele insistiu
que a vitória alemã era inevitável e até
mesmo ameaçou-os dizendo que os
ingleses morreriam de fome devido a um
bloqueio Nazista ao redor das Ilhas
Britânicas, a menos que aceitassem a oferta
de paz.
Hess exibiu sinais de instabilidade
mental, o que fez com que seus captores
concluíssem que não estava em seu estado
normal
e
que
tampouco
estava
representando
Hitler.
Churchill,
percebendo isso, e um pouco enfurecido
pelas declarações feitas pelo detido,
ordenou que este fosse preso, sendo
tratado como doente mental e não como
prisioneiro de guerra.
Foi, então, declarado insano por
Hitler e efetivamente deserdado pelos
Nazistas. Seu vôo causou enorme
constrangimento. A propaganda nazista
dizia que Hess se encontrava em um
estado de alucinação e que os dirigentes
nazistas lamentavam o fato de que um
idealista como ele fosse vítima de
insanidade mental, esclarecendo que o vôo
desastroso não afetaria os planos de
guerra.
Durante os anos na prisão
britânica,
Rudolf
exibiu
um
comportamento crescentemente instável e
desenvolveu uma obsessão paranóica de
que sua comida estava sendo envenenada.
O médico britânico que o examinou,
durante sua permanência na prisão,
concluiu que ele era hipocondríaco e
introspectivo. Há relatos de que Hess foi
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obrigado a consumir narcóticos, o que teria
culminado na diminuição de suas
faculdades mentais.
Após a derrocada nazista, Hess foi
devolvido à Alemanha e decidiu a
Acusação levá-lo a julgamento no novel
Tribunal de Nuremberg.
8.1. E N C A R G O S I M P U T A D O S
A
HESS
Como principal membro do
Partido Nazista após Hitler, Hess tinha
autoridade para tomar decisões em nome
do Führer sobre todas as matérias que
envolvessem o Partido. Ademais, como
Ministro sem pasta do Reich, detinha
competência para aprovar toda a legislação
sugerida pelos demais Ministros.
Hess era a pessoa mais próxima de
Hitler, portanto, ninguém melhor para
saber os objetivos e desejos do ditador.
Segundo a Acusação, em virtude da
posição ocupada pelo acusado no Partido
Nazista, este exerceu papel ativo na
preparação da guerra, utilizando-se de seu
status, influência e ligação pessoal com
Hitler de forma tal a promover a ascensão
do Nazismo ao poder e a consolidação do
seu controle sobre a Alemanha. Rudolf é
ainda acusado de ter ajudado na
preparação
militar,
econômica
e
psicológica para o conflito, tendo
participado também na política de
planejamento e arranjo para o lançamento
das guerras de agressão violadoras de
tratados,
acordos
e
garantias
internacionais. Por essas condutas, Hess foi
indiciado no Crime de Conspiração,
sendo-lhe imputado, concomitantemente, a
prática de Crimes contra a Paz,
consubstanciada na última conduta
descrita.
Além disso, o acusado teria
realizado os preparativos dos planos de
política externa dos conspiradores nazistas,
bem como autorizado, dirigido e feito parte
dos atos que configuram os Crimes de
Guerra. Para a Promotoria, há evidências
que demonstram a participação do Partido,
sob as ordens de Hess, no cometimento
desses crimes, além deste ter supostamente
assinado decretos forçando determinados
grupos de poloneses a aceitar a cidadania
alemã. Teria sido ele, ainda, o responsável
pela propositura das leis de discriminação
racial contra judeus e poloneses. Destarte,
por tais condutas, incorreu na prática dos
Crimes de Guerra e contra a Humanidade,
lhes sendo imputados todos os encargos
apresentáveis pela Acusação.
9. P OSICIONAMENTO
DOS PAÍSES
ENVOLVIDOS
As infrações cometidas na guerra
se estenderam até muito além do que a
razão humana pode conceber, resultando
numa ânsia por justiça. Faz-se mister,
portanto, que se encontre uma forma de
acalmar os ânimos e assegurar o
restabelecimento da ordem, o que torna o
Tribunal Militar Internacional, de fato,
imprescindível. Saliente-se que sua razão
de ser não se restringirá à busca pela
reparação dos danos cometidos, já que os
mais diversos interesses influenciarão tal
julgamento, fazendo de Nuremberg uma
Corte com fins tanto políticos como
jurídicos.
Para entender o posicionamento
de cada país em tal processo, é necessário
que, primeiramente, se consiga vislumbrar
a grandiosidade deste Tribunal, que se diz
representante dos interesses de toda a
humanidade, mas que foi elaborado e
constituído pelas quatro potências Aliadas.
Impossível
olvidar-se
também
da
conjuntura
social,
jurídica
e,
principalmente, política à qual estará
submetido.
FRANÇA
No século XIX, teve início uma
política imperialista com a divisão do
mundo entre os países dominantes da
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Europa. No entanto, as nações que se
unificaram ulteriormente, Alemanha e
Itália, foram praticamente excluídas de tal
processo, o que resultou numa corrida em
busca dos benefícios perdidos e do “espaço
vital”.
Entre a França e a Alemanha
estabeleceu-se uma forte hostilidade e
revanchismo, devido à incorporação de
territórios franceses pelos alemães quando
da sua unificação. Tais sentimentos foram
decisivos na Primeira Grande Guerra, se
intensificando com as duras penalidades
impostas pelo Tratado de Versalhes. Foi
este o documento responsável por obrigar
a Alemanha a restituir os territórios da
Alsácia e Lorena à França. Além disso,
estabeleceu que as minas de carvão do
Sarre fossem cedidas à França por um
prazo de 15 anos. Essas determinações
eram, na mente germânica, fardos
demasiado humilhantes para que fossem
suportados por muitos anos.
O momento que sucede a corrente
Guerra é singular. A França, arrasada após
seu território ter servido como palco de
batalha e sido parcialmente dominado
pelos alemães, é convidada a enviar
representante
para
participar
das
discussões acerca do estabelecimento de
um tribunal que julgará os criminosos
nazistas. Destarte, não se pode ignorar os
interesses de um país econômica e
territorialmente assolado, que tem o intuito
de reparar os males sofridos durante a
guerra através da aplicação de penas aos
que considera culpados.
REINO UNIDO
Consolidou-se
como
potência
mundial desde o século XVIII, com a
Primeira Revolução Industrial, tornando-se
um grande império com domínios
praticamente inabaláveis. Todavia, a
unificação alemã, sua expansão territorial e
seu imperialismo fizeram-na despontar
como nação industrializada, chegando a
superar a produção de aço do Reino Unido,
em 1900. Esse fato colocou em risco a
hegemonia britânica, resultando em
excessivos atritos. Some-se a esta celeuma,
a intensa pressão alemã para uma nova
divisão das colônias européias.
A
disputa
comercial
anglogermânica se intensificou com a eclosão da
Primeira Guerra Mundial. Esta levou todos
os países a tolerar grandes perdas,
mormente a Alemanha. Com a chegada de
Hitler ao poder em 1932, estabeleceu-se
uma política nacional em busca do
desenvolvimento,
expandindo
suas
fronteiras, primeiramente em direção ao
Oriente, alegando-se a necessidade do
espaço vital para o desenvolvimento
alemão. Como se sabe, para os ingleses e o
resto do mundo, a aceleração da economia
alemã não representou apenas uma disputa
comercial e industrial, mas sim uma
perigosa dominação incontida.
Com o término da Guerra, o Reino
Unido
exercerá,
certamente,
forte
influência no julgamento de Nuremberg, a
fim de fazer prevalecer seus interesses.
UNIÃO SOVIÉTICA
A Rússia vinha sofrendo, ao longo
do século XIX, várias derrotas bélicas, além
se encontrar em péssimas condições
financeiras. Mesmo com a economia
atrasada, ainda contendo resquícios do
regime de servidão da Idade Média, o país
adentra a Primeira Guerra Mundial. Em
1917, os bolcheviques tomam o poder e
estabelecem um Estado socialista. Lênin, o
líder da Revolução, não perdura no poder,
assumido após sua morte Stalin,
verdadeiro ditador socialista.
Em 1939, inicia-se a presente
guerra, e, apesar da expansão alemã em
direção à URSS, esta não chega a ser
invadida. Pelo contrário, assina com a
Alemanha o Pacto Germano-Soviético de
não-agressão e neutralidade pelo prazo de
dez anos. Todavia, a Alemanha, após duro
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combate com a força aérea britânica, voltase contra os soviéticos, quebrando o pacto e
dando início a um sangrento confronto.
Com o desfecho dos conflitos,
torna-se inegável o interesse da União
Soviética em submeter os vencidos a penas
arbitrárias e de cunho vingativo, sem o
julgamento propugnado pelos Estados
Unidos. No entanto, a ideologia soviética
não prevalece e Stalin cede aos demais
aliados, aceitando submeter os prisioneiros
à jurisdição do Tribunal de Nuremberg.
Sendo assim, pode-se presumir que a URSS
adotará um posicionamento radical,
tencionando vingar seus mortos e impor
sua ideologia aos que dela discordavam.
ESTADOS UNIDOS
DA
AMÉRICA
Os americanos, a partir de sua
independência (1776), percorreram a
história em busca do desenvolvimento
técnico-industrial,
tornando-se,
posteriormente, símbolo do capitalismo.
Seus interesses sempre estiveram ligados à
seara econômica. É justamente isso que o
leva à Primeira Guerra Mundial.
Os EUA fizeram da América do Sul
e Central sua área de exploração. Não
participando efetivamente do imperialismo
europeu, se desenvolveu de forma a evitar
grandes
confrontos,
enquanto
não
emergiam como potência. Até 1917, se
comportavam como mercadores para a
Tríplice Entente, fornecendo à França,
Reino Unido e Rússia todos os
mantimentos que necessitavam, não tendo,
assim, feito parte diretamente da guerra.
Todavia, a Alemanha, com intuito de deter
os
navios
contendo
provisões
e
armamentos que porventura tentassem
aportar na Grã-Bretanha, intensificou o
bloqueio
marítimo
a
esta
região,
afundando navios americanos. Como
resultado, os EUA tomaram parte no
embate, fator de grande valia para a vitória
da Entente.
Com o fim do conflito, não
concordou em ser signatário do Tratado de
Versalhes, acreditando que este poderia ser
causa de revanche por parte da Alemanha.
Ao invés, firma com esta um armistício
separadamente. A partir de então, os EUA
despontam,
constituindo-se
numa
potência.
Com o advento da nova guerra, os
EUA se mantêm afastados, só lançando-se
ao confronto a partir do ataque do Japão a
Pearl Harbor, base naval americana situada
no Pacífico Sul. Contudo, o território
americano não foi palco de guerra, o que
permitiu que suas indústrias continuassem
a abastecer os Aliados, atingindo, dessa
vez, o seu ápice e se estabelecendo como a
maior potência ocidental, ao passo que a
URSS também se estabelecia como
importante nação. Entre esses dois países
nasce um sentimento de rivalidade e,
apesar de ambos defenderem a mesma
causa no julgamento, certamente poderá se
verificar faíscas advindas dessa situação.
Os EUA almejam que, em
Nuremberg,
os
acusados
sejam
processados
e
arquem
com
suas
responsabilidades, dentro dos liames do
justo e razoável. Entretanto, não desejam a
total degradação alemã, fato que
possivelmente carrearia o enveredamento
de tal nação pelos caminhos socialistas.
ALEMANHA
Não há Estado que tenha o direito de se erigir em favor
dos outros.
Hildebrando Accioly
A unificação da Alemanha foi o
primeiro passo de uma nação que iria, de
muitas formas, marcar a história, sendo por
diversas vezes dessa a peça principal. Em
sua estruturação, a Alemanha perturbou a
paz de muitos países com a tomada de
territórios, dentre os quais pode-se citar
Dinamarca, Áustria e França. Com esta
última, desenvolveu hostilidades que
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provocaram revanchismo, pois, além de
tomar um de seus territórios mais
promissores (Alsácia-Lorena, produtora de
carvão e minério de ferro), realizou a festa
de sua unificação no Palácio de Versalhes.
Prosseguiu em uma política
capitalista
voraz,
com
amplo
desenvolvimento da indústria e exaustivo
requerimento de uma nova divisão das
colônias na África e da Ásia, valendo-se
salientar a já referida questão do aço com o
Reino Unido.
Eclode a Primeira Guerra. A
Alemanha não é derrotada, mas, durante o
período de armistício, lhe é imposto o
Tratado de Versalhes. Como não tinha
forças para revidá-lo ou contestar seu
conteúdo, a ele se submete.
Com a ruína econômica e
conturbação política, a Alemanha se
desestrutura. Hitler chega ao poder e, com
ele, traz esperança à nação; promove uma
política econômica eficaz; consolida uma
ordem baseada em uma forte ideologia;
manipula consciências em prol de um
nacionalismo extremado; desrespeita as
minúcias do Tratado de Versalhes, levando
o país à ampliação territorial. Sua política
expansionista chega até o corredor polonês
de Dantzig, mantendo-se em posição
confortável até 1941, quando os EUA
tomam parte na guerra.
Com sua anunciada derrota, será o
III Reich submetido a um tribunal militar
internacional – o Tribunal de Nuremberg –
sendo os representantes das instituições
alemães colocados no banco dos réus como
símbolo de toda a ideologia nazista. Caberá
aos advogados a árdua tarefa de refutar as
acusações e eximir o povo alemão de culpa.
10. C ONSIDERAÇÕES F INAIS
Vale salientar o fato da maioria dos
estudos sobre o Tribunal terem sido
levados a cabo após a realização efetiva
dos trabalhos deste. Contudo, eles não
representam ditames os quais devam
necessariamente ser seguidos quando das
atividades da Simulação de Organizações
Internacionais 2005.
A despeito das conhecidas e
diversas opiniões sobre os julgamentos e
da existência de princípios oficiais deles
resultantes, os participantes do Tribunal de
Nuremberg deverão abster-se de préconceitos e evitar a formação de
convencimento antecipado. Todo o vasto
material disponível, posterior ao real
veredicto da Corte, deverá ser entendido e
estudado como conteúdo meramente
ilustrativo.
O Tribunal de Nuremberg, além de
simulação de uma corte, será também um
comitê histórico; destarte, deverão seus
componentes comportar-se de forma
condizente à natureza deste.
Os documentos oficiais referentes
aos
procedimentos,
composição
e
funcionamento do Tribunal passarão por
adaptações – as quais objetivam uma
melhor adequação do modelo original de
funcionamento desta Corte à SOI-2005.
Logo após serão vertidos ao português e
em breve disponibilizados no website
www.soi.com.br.
11. S ITES R ECOMENDADOS
Os
endereços
abaixo
disponibilizados constituem-se, em sua
maior parte, de informações gerais acerca
do Tribunal de Nuremberg. A partir de tais
páginas, pode-se acessar links que
proporcionarão maior aprofundamento em
assuntos e aspectos específicos desta Corte.
The Avalon Project at Yale Law School The Nuremberg
War Crimes Trials
http://www.yale.edu/lawweb/avalon/i
mt/imt.htm
SOI2005 | www.soi.com.br | [email protected]
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tmitribunal militar internacional
International Law Commission
Principles of International Law Recognized
in the Charter of the Nürenberg Tribunal
and in the Judgment of the Tribunal
http://www.un.org/law/ilc/texts/nurnfr
a.htm
Bayerisches Staatsministerium der Justiz Oberlandesgericht Nurenberg
(Higher Superior Court of Nuremberg)
http://www.justiz.bayern.de/olgn/imt/i
mte.htm
Stopsleeping - The Nuremberg War
Crimes Tribunal
http://home.earthlink.net/~platter/nure
mberg/
The Nizkor Project - The International
Military Tribunal Nuremberg
http://www.nizkor.org/hweb/imt/
12. R EFERÊNCIAS
ANDRUS, Burton C. The infamous of Nuremberg. London: Leslie Frewin, 1969.
CASSESE, Antonio. International Criminal Law. Oxford: Oxford University Press, 2005.
CASSESE, Antonio; DELMAS-MARTY, Mireille. Crimes internacionais e jurisdições
internacionais. Tradução de Sílvio Antunha. São Paulo: Manole, 2004.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada
Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa Conhecer 2000. São Paulo: Nova Cultural. pp 58-87.
FERRO, Ana Luiza. O Tribunal de Nuremberg: dos precedentes à confirmação de seus
princípios. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
GONÇALVES, Joanisval Britto. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma nova
ordem no Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2005.
NEVES, Amorim, José Roberto. Fundamentos atuais do Processo Civil: processo de
conhecimento, v.1. São Paulo: Manole, 2004.
SOI2005 | www.soi.com.br | [email protected]
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