ISSN 1984-0780 - Disciplina de Infectologia
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ISSN 1984-0780 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 1 1 12/2/08 12:06:36 PM TENDÊNCIAS EM HIV/AIDS INSTRUÇÕES AOS AUTORES A revista Tendências em HIV/AIDS é uma publicação trimestral da Disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. O intuito dessa publicação é apresentar artigos de revisão preparados por especialistas da área que expressem o conhecimento e a experiência desses pesquisadores. Os artigos são todos escritos por líderes de opinião nesse campo do conhecimento com o intuito de conhecer como caminha a ciência na área, principalmente no que possa refletir a prática do dia-a-dia do clínico. Muitas das estratégias e opiniões aqui apresentadas são inovadoras e modernas. Portanto, os conceitos apresentados podem estar à frente de consensos e da prática corriqueira atual. Dessa forma, pretende-se manter a missão deste periódico, que é a de disseminar a informação de alta qualidade e com potencial inovador. O seleto corpo editorial da revista é também responsável pela escolha dos temas de interesse e pela indicação de especialistas que se dedicam ao desenvolvimento desses temas. A aprovação dos artigos está sujeita à avaliação por uma comissão de revisores que recebem o texto de forma anônima e decidem por sua publicação, sugerem modificações, requisitam esclarecimentos aos autores e efetuam recomendações ao Editor Chefe que por fim as encaminha aos autores. Categorias: O próprio autor deve indicar se o seu texto pertence à categoria: a) artigo de revisão b) artigo de atualização c) relato de caso A Tendências em HIV/AIDS também publica resumos de teses sobre HIV/AIDS defendidas no trimestre anterior e resumos de congressos. Artigos de revisão e atualização: Devem ser apresentados de forma didática e conter: resumo, palavraschave, abstract, Keywords, texto, referências bibliográficas. Tabelas e figuras também podem ser apresentadas, se necessário. Relatos de Caso: Deverão conter: resumo, palavras-chave, abstract, Keywords, introdução, descrição do caso, discussão. Normas para preparação dos artigos Os artigos devem ser redigidos em língua portuguesa. É obrigatória a apresentação de um resumo em português e um em inglês. Os artigos devem ser digitados no MS Word, formato txt e encaminhados por e-mail, no endereço eletrônico: [email protected] Em caso de aceite, o autor será comunicado e o artigo será publicado mediante apresentação de carta de autorização de publicação assinada pelos autores. Os autores devem certificar-se de que o manuscrito está de acordo com as “instruções aos autores”. O protocolo estabelece que: a) Os conceitos emitidos nos artigos são de total responsabilidade dos autores; b) Os artigos devem ser inéditos, ou seja, não devem ter sido publicados anteriormente, nem devem ter sido disponibilizados na Internet, com exceção das teses, dissertações e dos trabalhos apresentados em congressos; c) Caso sugestões ou mudanças sejam sugeridas aos autores como condição para publicação na Tendências em HIV/AIDS, os autores devem responder se aceitam ou não essas sugestões dentro de um prazo de 48 horas. Os casos omissos serão resolvidos pela Diretoria da Tendências em HIV/AIDS. Os artigos enviados passarão a ser propriedade da Tendências em HIV/AIDS. d) Uma vez aceito para publicação, o artigo torna-se propriedade Tendências em HIV/AIDS e somente a revista poderá autorizar a reprodução dos artigos nela contidos. e) A publicação do artigo, quando aceita, obedecerá à programação editorial. Página de rosto A página de rosto deve conter: a) o título do artigo, na língua portuguesa e em inglês; b) Categoria a que pertence o trabalho; TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 2 2 c) nome completo dos autores e afiliação institucional; d) nome endereço, telefone e e-mail do autor responsável para correspondência. Segunda página a) Resumo, sem exceder 200 palavras; b) Abstract: versão fidedigna do resumo; c) 3 a 6 palavras-chave extraídas do vocabulário DeCS - Descritores de Ciências da Saúde (http://decs.bvs.br); d) 3 a 6 keywords, baseadas no MeSH - Medical Subject Headings (http:// www.nlm.nih.gov/cgi/mesh/2006/MB_cgi). Caso não sejam encontrados descritores apropriados para cobrirem o assunto do trabalho, poderão ser indicados termos ou expressões de uso conhecido. Referências Bibliográficas As referências devem ser numerar de forma consecutiva, de acordo com a ordem em que forem mencionadas pela primeira vez no texto, utilizando-se números arábicos sobrescritos e entre parênteses. As referências devem seguir o estilo Vancouver, como exemplificado: Revistas Científicas Linnen J, Wages J, Jr., Zhang-Keck ZY, Fry KE, Krawczynski KZ, Alter H, et al. Molecular cloning and disease association of hepatitis G virus: a transfusion-transmissible agent. Science 1996;271(5248):505-8. Livros Ringsven MK, Bond D. Gerontology and leadership skills. 2 nd ed. Albany(NY): Delmar Publisher; 1996. Capítulos de Livro Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. P. 465-78. Anais de Congressos Kimura J, Shibasaki H. Recent advances in clinical neurophysiology. Proceedings of the 10th International Congress of EMG and Clinical Neurophysiology; 1995 Oct 15-19; Kyoto, Japan. Amsterdam: Elsevier; 1996. Dissertações e Teses Kaplan SJ. Post-hospital home health care: the elderly’s access and utilization [dissertation]. St. Louis(MO): Washington Univ.; 1995. Tabelas e Ilustrações a) todas as partes do artigo devem ser incluídas em um único arquivo, sendo que as tabelas e as ilustrações devem ser apresentadas ao final do corpo do texto, após as referências bibliográficas; b) as tabelas deverão ser numeradas seqüencialmente através de algarismos arábicos e identificadas na parte superior pelo termo “Tabela” seguido do número, dois pontos, espaço e seu título; c) as ilustrações deverão ser numeradas seqüencialmente através de algarismos arábicos e identificadas na parte inferior pelo termo “Figura” seguido do número, dois pontos, espaço e seu título; d) os títulos das tabelas devem ser suficientemente explicativos. Conflito de Interesses Conforme exigências do Comitê Internacional de Editores de Diários Médicos (ICMJE), grupo Vancouver e resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1595/2000 os autores têm a responsabilidade de reconhecer e declarar conflitos de interesse financeiros e outros (comercial, pessoal, político, etc.) envolvidos no desenvolvimento do trabalho apresentado para publicação. Reprodução Somente a Tendências em HIV/AIDS poderá autorizar a reprodução dos artigos nelas contidos. Estamos acessíveis a críticas e sugestões e poderemos ser contatados pelos endereços eletrônicos: [email protected] e [email protected] Dúvidas e sugestões também podem ser resolvidas através da editora: Atha Comunicação e Editora A/C: Fernanda Colmatti/ Arthur T. Assis Rua: Machado Bittencourt,190, cj.410 - Vila Mariana - São Paulo - Capital - CEP 04044-000 - [email protected] 12/2/08 12:06:37 PM Tendências em HIV•AIDS Volume 3 - Número 4 - 2008 Editor chefe Ricardo Sobhie Diaz – Universidade Federal de São Paulo Corpo editorial Adauto Castelo Filho – Universidade Federal de São Paulo André Lomar – Hospital Israelita Albert Einstein Artur Kalichman – Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS – SP Artur Timerman – Hospital Heliópolis Breno Riegel – Hospital Nossa Senhora da Conceição, Rio Grande do Sul Celina Maria Pereira de Moraes Soares – Universidade Federal de São Paulo Celso Ramos – Universidade Federal do Rio de Janeiro Celso Francisco Hernandes Granato – Disciplina de Infectologia, Universidade Federal de São Paulo David Salomão Lewi – Universidade Federal de São Paulo – Hospital Israelita Albert Einstein Eduardo Sprinz – Universidade Federal do Rio Grande do Sul Érico A. Gomes de Arruda – Hospital São José de Doenças Infecciosas do Ceará Esper Georges Kallas – Universidade de São Paulo - USP Estevão Portella – Universidade Federal do Rio de Janeiro Giovana Lótici Baggio-Zappia – Disciplina de Infectologia, Universidade Federal de São Paulo Guido Levi – Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo João da Silva Mendonça – Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo José Luiz de Andrade Neto – Universidade Federal do Paraná Jeová Keny Baima Colares - Universidade de Fortaleza, Ceará. Jorge Simão do Rosário Casseb – Universidade de São Paulo, USP. Márcia Rachid – Assessoria de DST/Aids da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro Marcos Montani Caseiro – Fundação Lusíadas, Santos, SP Marcos Vitória – Organização Mundial de Saúde Marinella Della Negra – Instituto de Infectologia Emílio Ribas Paulo Feijó Barroso – Universidade Federal do Rio de Janeiro Paulo Roberto Abrão – Disciplina de Infectologia, Universidade Federal de São Paulo Reinaldo Salomão – Universidade Federal de São Paulo – Casa de Saúde Santa Marcelina Ricardo Pio Marins – Organização Panamericana de Saúde Rosana Del Bianco – Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo Shirley Cavalcante Vasconcelos Komninakis – Fundação Lusíadas, Santos – SP Simone Barros Tenore – Disciplina de Infectologia, Universidade Federal de São Paulo Unaí Tupinambás – Universidade Federal de Minas Gerais Valdez Madruga – Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS – SP Índice HIV e Doença de Chagas.............................................................................................................................................................................. 5 Giovana L. Baggio-Zappia – Aline J. Barbosa – Celso Spada A EXPRESSÃO GÊNICA DO HIV-1.................................................................................................................................................................... 11 Luiz Mario Janini Ensaios fenotípicos para a determinação do tropismo viral: A chave para o entendimento da transmissão e patogênese da infecção pelo HIV-1.................................................................................................................. 18 Wagner Alkmim – Mário Janini Aspectos Imunológicos na co-infecção HIV-1/Leishmania........................................................................................................... 24 Victor Barreto-de-Souza – Elvira Maria Saraiva – Dumith C. Bou-Habib DESTAQUES...................................................................................................................................................................................................... 28 Resumo de Teses.......................................................................................................................................................................................... 29 Atha Comunicação & Editora Planejamento Editorial, Diagramação e Produção Gráfica Rua Machado Bittencourt, 190 - Cep: 04044-000 - São Paulo - SP - Tel: 55-11-5087-9502 - Fax: 55-11-5579-5308 E-mail: [email protected] TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 3 3 12/2/08 12:06:37 PM EDITORIAL O tropismo do HIV-1 tem sido objetivo de pesquisa há quase 20 anos. Inicialmente estes estudos relacionavam o perfil do vírus à progressão da doença, sendo que hoje sabemos que em realidade esse perfil se relaciona ao tropismo destes vírus a co-receptores diferentes. Após isto, foi definido que a ausência do receptor CCR5 que ocorre em alguns poucos indivíduos relacionava-se a resistência à infecção pelo HIV-1. Além disto, a expressão diminuída de CCR5 na superfície das células naqueles indivíduos heterozigotos para o alelo defeituoso que codifica o CCR5 progridem mais lentamente para a imunodeficiência e respondem melhor ao tratamento anti-retroviral(1). A conseqüência lógica disto foi o desenvolvimento de moléculas chamadas de antagonistas do CCR5 para fazerem parte do arsenal de anti-retrovirais existente. Outra conseqüência natural foi a incorporação de testes para definição do tropismo da maioria dos vírus presentes na quase-espécie (população viral) de HIV-1 infectando o candidato a receber esta nova classe de medicamentos. Neste fascículo do Tendências, Alkmin e Janine descrevem o racional do tropismo do HIV e suas conseqüências à patogênese. Descrevem também testes fenotípicos existentes que são utilizados para a determinação do tropismo do HIV, ou seja, os testes que definem se os vírus infectando um determinado indivíduo utilizam o receptor CCR5 (vírus R5) ou o CxCR4 (vírus X4) ou ambos. Os testes fenotípicos mais modernos normalmente utilizam vírus recombinantes, ou seja, um vírus produzido in vitro a partir do gene que codifica o envelope do HIV-1 que infecta o paciente, sendo que o restante do conteúdo genético deste vírus é proveniente de um vírus de laboratório. Estes vírus recombinantes são então submetidos a cultivo celular em linhagens de células que selecionam as cepas que utilizariam o co-receptor CCR5 ou o co-receptor CxCR4. Estes tipos de teste também têm sido utilizados na prática clínica na tentativa de se detectar a presença de vírus que utilizem o CxCR4, nos quais hipoteticamente os novos medicamentos conhecidos como antagonistas de CCR5 não atuariam. Os testes de tropismo que utilizam o cultivo viral (fenotipagem) têm de alguma forma se constituído em um obstáculo à incorporação dos inibidores do CCR5 na prática clínica, principalmente por se tratarem de testes complexos, caros e demorados. Por se tratar de testes que produzem um HIV recombinante (transgênico), existe a necessidade do cultivo destes vírus em um laboratório de segurança, conhecido como laboratório NB3 ou P3, sendo também necessária uma automação complexa para a realização de número significativo de testes de fenotipagem. Felizmente, algumas alternativas têm sido desenvolvidas em todo o mundo. Partindo-se do princípio de que o que precede a mudança no tropismo do vírus é uma alteração genética que emergiu neste vírus, ensaios de genotipagem para detecção destas alterações genéticas têm sido realizados. A correlação entre a predição do tropismo do HIV-1 através de um teste de genotipagem é geralmente boa. O desafio tem sido justamente conseguir interpretar os correlatos genotípicos que levam a predição do tropismo, ou seja, quais as mutações genéticas ou combinações de mutações que poderiam estar relacionadas com o uso do co-receptor CxCR4 pelo vírus. Em última análise, o objetivo do teste seria o de maximizar a relação custo efetividade no momento em que se prescrevesse um antagonista de CCR5 a algum paciente. De qualquer forma, no mundo inteiro alguns especialistas argumentam que para pacientes com resistência ampla a 4, 5 ou seis classes de drogas e que já tenham passado por todas as drogas novas disponíveis, o uso de antagonistas de CCR5 poderia até valer a pena para aqueles pacientes em que houvesse uma população viral com misturas de vírus X4 e R5. Nestes pacientes com misturas de R5 e X4, se esperaria que os antagonistas de CCR5 tivessem ação contra uma parcela dos vírus da quase-espécie que infecta este individuo (vírus R5) enquanto os outros medicamentos do tratamento poderiam ter ação contra as variantes X4 que infetariam este paciente. De qualquer forma, principalmente em grandes centros, deveremos estar preparados para nos depararmos com um grupo de pacientes com resistência a todos os medicamentos das 6 classes de anti-retrovirais existentes, incluindo as mais recentes, como os inibidores de fusão, inibidores da integrase e antagonistas do CCR5. Para este grupo de pacientes, alternativas terapêuticas mais criativas e menos ortodoxas podem significar o prolongamento da sobrevida. Ricardo Sobhie Diaz 1. Accetturi C.A., Pardini R., Pinto G.H.N., Turcato G., Lewi D.S., Diaz R.S.. (2000). Effects of CCR5 genetic polymorphism and HIV-1 subtype in antiretroviral response in Brazilian HIV-1 infected patients. Journal of Acquired Immune Deficiency Syndromes and Human Retrovirology, 24, 04: 399-400. TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 4 4 12/2/08 12:06:38 PM HIV e Doença de Chagas HIV and Chagas Disease Giovana L. Baggio-Zappia1, Aline J. Barbosa1, Celso Spada2 1 – Disciplina de Infectologia, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP; 2 – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Endereço para correspondência: Disciplina de Infectologia – Laboratório de Virologia e Imunologia I – Endereço: Rua Pedro de Toledo 781, 15º andar, Vila Clementino – São Paulo-SP – Telefone: 55 11 5081-5394 – e-mail: [email protected] Resumo A doença de Chagas, causada pelo parasito protozoário intracelular Trypanosoma cruzi, apresenta considerável ação oportunista em pacientes HIV soropositivos. O estado de imunossupressão característico do paciente HIV pode permitir a reativação da doença de Chagas crônica. Nesses casos, as complicações da infecção pelo T. cruzi são exacerbadas, sendo a meningoencefalite e a miocardite as manifestações mais comuns. Este artigo revisa aspectos relevantes da doença de Chagas e das metodologias empregadas no diagnóstico, com o objetivo de fundamentar o entendimento dos aspectos clínicos e imunológicos na co-infecção HIV/T. cruzi. Descritores: Trypanosoma cruzi, doença de chagas, co-infecção, HIV. Abstract Chagas disease, caused by the intracellular protozoan parasite Trypanosoma cruzi, presents considerable opportunistic action in HIV seropositive patients. The state of immunosuppression characteristic of the HIV infected patient could induce the reactivation of the chronic Chagas disease. In such cases, the complications of the infection by the T. cruzi are extremely exacerbated, with meningoencephalitis and myocarditis as the most common manifestations. This article reviews the most relevant aspects of the Chagas disease and the methodologies commonly used in the diagnosis, with an attempt to facilitate the understanding of the clinical manifestations and immunological aspects in the HIV/T. cruzi co-infection. Keywords: Trypanosoma cruzi, Chagas disease, co-infection, HIV. Introdução A doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, é uma antropozoonose freqüente no continente americano, principalmente na América Latina, e tem se tornado objeto de estudo em outros continentes onde não é endêmica. De acordo com Kjos e colaboradores(1,2) o T. cruzi é reconhecidamente endêmico nos Estados Unidos, como confirmam as ocorrências de infecções em humanos e cães. A presença do parasito causador da doença de chagas em populações selvagens como gambás, ratos e guaxinins tem sido relatada nos Estados Unidos há cerca de 70 anos(3,4). O T. cruzi é transmitido por insetos triatomídeos hematófagos infectados, popularmente conhecidos como barbeiros, pertencentes à família Reduviidae, sendo Triatoma infestans, Rhodnius prolixus e Panstrongylus megistus as principais espécies transmissoras. Os hospedeiros vertebrados somam uma grande variedade de espécies, incluindo o homem. O T. cruzi também pode ser transmitido por meio de sangue ou órgãos provenientes de doadores infectados, além de atravessar a placenta de mães infectadas e infectar o feto. Recentemente, o Ministério da Saúde, em nota técnica, confirmou a transmissão do T. cruzi associada ao consumo de caldo de cana no Estado de Santa Catarina(5). Nessa ocasião, 45 casos de doença de Chagas aguda foram confirmados laboratorialmente e destes, 5 foram a óbito. Nestes casos, a provável forma de contágio foi a ingestão do líquido contaminado com as fezes do inseto vetor. Outro relato de surto de doença de Chagas envolvendo transmissão oral foi recentemente publicado na Revista Brasileira de Medicina Tropical, por Pereira Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 05-10) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 5 5 Dias e equipe(6). Os autores identificaram 7 casos positivos de indivíduos que viviam em uma cidade do sudoeste da Bahia, e que provavelmente se infectaram por meio da ingestão de água contaminada por fezes de triatomídeos. No Brasil, dados apontam a existência de 2 a 3 milhões de infectados pelo T. cruzi(7), enquanto dados da OMS estimam 16 a 18 milhões de infectados no mundo(4,8). De acordo com o último boletim da OMS(8), aproximadamente 7,2% da população argentina, 22% da população boliviana, 10% da população do Chile e 4,3% da população brasileira eram cronicamente infectadas e desde a década de 90 esses países têm desenvolvido estratégias no intuito de interromper a transmissão e reduzir a incidência da doença. De acordo com o Ministério da Saúde, a ocorrência de surtos, como o ocorrido em Santa Catarina, são eventos raros e não refletem a atual situação de controle da doença de Chagas no Brasil, uma vez que o país vem sendo eficiente na interrupção da transmissão vetorial da doença(5). De acordo com Salvatella(9) “a doença de Chagas não pode ser erradicada: o reservatório selvagem do agente causador sempre existirá independente da ocorrência de infecções em humanos, mas é possível interromper a transmissão da doen ça”. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), programas de controle da doença de Chagas devem ser focados na detecção da infecção e no tratamento da doença, assim como no controle dos vetores. O programa da OMS para erradicação de doenças em países emergentes sugere que a testagem sorológica periódica para a doença de Chagas de crianças em idade escolar, moradoras de áreas endêmicas, é necessária para que se consiga controlar os vetores(8). Esses pontos es- 12/2/08 12:06:38 PM tão em consonância com as metas fixadas por um comitê de pesquisadores, recentemente reunido em Brasília e liderado pela pesquisadora Tânia Araújo Jorge, do Instituto Osvaldo Cruz(10). O grupo, que debateu as prioridades de pesquisa para a doença de Chagas, definiu como prioridades o diagnóstico, o tratamento e a vigilância da doença de Chagas aguda, assim como o acompanhamento da sua evolução clínica, o tratamento e a atenção ao paciente da doença de Chagas crônica. Ainda de acordo com o grupo, na Região Amazônica ocorrem cerca de 100 novos casos comprovados por ano. Os pesquisadores alertam para a alta morbidade e alta mortalidade da doença de Chagas, que chega a 5.000 mortes/ano, além da alta prevalência da doença de chagas crônica, que acomete cerca de 3 milhões de pessoas, das quais 30% evoluem para cardiopatia grave, ocasionando elevado custo para o país. A doença de chagas pode se apresentar nas formas aguda, indeterminada e crônica. A fase aguda, quando aparente, pode durar de três a oito semanas, apresentando elevada parasitemia e sintomas como febre, edema, hipertrofia dos linfonodos, mal-estar, cefaléia, astenia, hepato-esplenomegalia, insuficiência cardíaca e perturbações neurológicas. O estado clínico do paciente pode se agravar para uma forma meningoencefálica na primeira infância, levando à morte devido à miocardite aguda difusa. Além dessas complicações pode haver manifestações locais, quando o parasito penetra na conjuntiva, ocasionando o sinal de Romaña, ou na pele, formando o chagoma de inoculação e, conseqüentemente, comprometendo os linfonodos satélites e do complexo cutâneo(7,11,12). Após a fase aguda, que pode ser aparente ou inaparente, quando o paciente resiste às manifestações, pode ocorrer um longo período assintomático, considerado a forma latente ou fase indeterminada da doença, com positividade nos testes sorológicos e parasitológicos(13). A forma crônica pode se manifestar após um longo período, entre 10 a 30 anos depois da infecção inicial. Os pacientes podem apresentar manifestações cardíacas, digestivas ou nervosas. A forma cardíaca da fase crônica é considerada a mais grave, sendo a principal causa de morte. O paciente pode se apresentar sem sintomatologia, mas com alterações do eletrocardiograma, ou pode apresentar uma síndrome de insuficiência cardíaca progressiva, insuficiência cardíaca fulminante, arritmias graves e mesmo morte súbita. Estudos sugerem o envolvimento de respostas de caráter auto-imune na cardiopatia chagásica(14,15). A presença de intenso infiltrado inflamatório, acompanhado pela presença de um número relativamente pequeno de parasitas e a presença de autoanticorpos fornecem evidências para que se considere essa hipótese(16,17). Este tópico vem sendo alvo de intensos e acalorados debates entre os especialistas da aérea, enquanto alguns defendem a hipótese auto-imune, outros autores a refutam. Embora seja um tema muito instigante, não será abordado em profundidade nessa revisão. Na forma digestiva da doença de Chagas, podem ocorrer alterações ao longo do trato digestivo em decorrência das lesões dos plexos nervosos, tendo como conseqüências alterações da motilidade e morfologia. Neste caso, o megaesôfago e o megacólon são as manifestações mais comuns. O paciente pode ainda apresentar a forma mista da doença crônica, associando a forma cardíaca e digestiva(18,19). A invasão do T. cruzi O processo de adesão do parasito na célula hospedeira é mediado por receptores e nem toda forma tripomastigota que TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 6 6 adere à célula hospedeira invade ou é fagocitada. Além disso, a forma infectante do T. cruzi pode penetrar de forma ativa nas células musculares do hospedeiro. Diferentes proteínas de superfície estão envolvidas na entrada do parasito nos macrófagos e em outras células. A transialidase parasitária é uma proteína que remove resíduos de ácido siálico de glicoproteínas, glicolipídeos e oligossacarídeos da célula do hospedeiro e os transfere para as mucinas presentes na membrana plasmática das formas tripomastigotas. A penetrina, outra proteína que auxilia no processo de invasão, tem afinidade por proteínas da matriz extracelular e se liga à heparina, ao sulfato de heparan e ao colágeno, modulando a entrada nas células do hospedeiro(20). Uma terceira proteína, a neuraminidase, também está presente na membrana plasmática do parasito. Essa proteína remove o ácido siálico das proteínas do hospedeiro que revestem os lisossomos, desestabilizando-os. Devido à estimulação do pH ácido no interior dos lisossomos, os parasitos passam a liberar hemolisinas e a formar poros nas membranas lisossômicas até que essas se rompam(21). Independente do mecanismo de entrada, o parasito é encontrado em um vacúolo endocítico que se funde com os lisossomos da célula hospedeira, formando um fagolisossomo. Para evitar a destruição pelos macrófagos, os parasitos movem-se dos lisossomos para o citoplasma da célula hospedeira, onde se diferenciam na forma amastigota. Além dos macrófagos e células dendríticas, o T. cruzi é capaz de infectar uma variedade de tipos celulares, como as fibras musculares esqueléticas, as fibrocélulas cardíacas e as células da glia. A invasão do T. cruzi no sistema cardíaco, respiratório e no tecido muscular esquelético é a chave para a cronicidade e o desenvolvimento da doença. Dentro de 12 – 18, horas o parasito escapa da forma inicial, envolvido por uma membrana que o delimita no vacúolo fagocitário e passa a se replicar no citoplasma, desenvolvendo-se na forma amastigota. A forma amastigota multiplica-se por divisão binária a cada 12 horas, transformando-se na forma tripomastigota sanguícola e, posteriormente, cai na corrente sanguínea antes de infectar outros macrófagos e outras células do hospedeiro(22). Reconhecimento do T. Cruzi pelo sistema imune Tanto a resposta imune celular inata, quanto a adaptativa são necessárias para o reconhecimento e controle da infecção pelo T. cruzi. O entendimento de como o sistema imune reconhece e responde aos patógenos evoluiu muito nos últimos dez anos, especialmente com a identificação dos receptores de reconhecimento de padrões moleculares associados à patógenos (PRRs – pattern recognition receptors)(23-25). Embora novos conhecimentos tenham sido agregados, muitas questões ainda permanecem não resolvidas e infecções, como a causada pelo T. cruzi, ainda não são completamente compreendidas. Parasitos complexos como o T. cruzi, embora sejam reconhecidos pelas células do sistema imune inato, são capazes de estabelecer infecções crônicas e evadir das respostas do organismo que tentam eliminar a infecção. Organismos como o T. cruzi são geneticamente complexos e capazes de produzir muitas proteínas diferentes, além de apresentar um perfil antigênico em cada estágio de seu ciclo de vida. A infecção causada pelo T. cruzi pode ser controlada pela detecção e destruição dos parasitos pelas células dendríticas e macrófagos, além da ação das células não-hematopoiéticas que são os primeiros alvos da invasão. Estudos demonstraram que os macrófagos e as células dendríticas reconhecem o T. Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 05-10) 12/2/08 12:06:39 PM cruzi via TLR2 e TLR9(26,27). Essas células também se infectam e são capazes de suportar elevados níveis de replicação do parasito. O reconhecimento do T. cruzi via TLR culmina com a indução de óxido nítrico, IL-2 e TNF, in vitro(26). Existem evidências de que a resposta mediada pelos TLRs é responsável pelo controle da infecção e direcionamento para a resposta imune adaptativa contra o T. cruzi, uma vez que ratos com deficiências seletivas desses PRRs apresentam diminuição da produção de IL-12 e maior susceptibilidade à infecção(28). O reconhecimento do T. cruzi também estimula a produção de interferons do tipo I in vitro; no entanto, nem os antígenos e nem os receptores envolvidos nesse reconhecimento e na sinalização intracelular foram identificados até o momento(29). As respostas de células T CD8 citotóxicas, T CD4, células B e citocinas do perfil Th1 são importantes no controle da infecção, mas são ineficientes e falham em eliminar o parasito dos tecidos(30). As respostas de células T CD8 parecem iniciar com certo atraso na infecção pelo T. cruzi; as proteínas liberadas no processo de replicação das formas amastigotas no citoplasma da célula hospedeira são apresentadas em associação com as moléculas do MHC de classe I e são reconhecidas pelas células T CD8. Estudos conduzidos por Garg e colaboradores(31) identificaram a família das proteínas fosfatidilinositol de superfície (GPI) e as transialidases (ts) como os principais alvos do reconhecimento pelas células T CD8. No entanto, de acordo com Tartetlon(32), esse reconhecimento é tardio, pois ocorre após vários ciclos de replicação do parasito na célula do hospedeiro e pode ser um dos o responsáveis pelas altas taxas de cronicidade da doença de Chagas. As infecções parasitárias desencadeiam um estado prolongado de ativação imune, associado ao declínio da contagem de linfócitos T CD4 e T CD8, à diminuição da atividade das células natural killer e ao aumento das células apoptóticas e anergia celular(33). A maioria dos pacientes com reativação da doença de Chagas apresenta níveis de células T CD4 abaixo de 200 células/ mm3, semelhante ao que ocorre em pacientes imunocomprometidos com outras infecções oportunistas(34-36). Algumas infecções parasitárias direcionam a resposta imune tipo Th2, que provoca diminuição da produção de citocinas do perfil Th1 e, conseqüentemente, redução da atividade dos macrófagos e da resposta de células T citotóxicas(37). Camundongos BALB/c imunizados com cruzipaína, uma cisteíno protease reconhecida como um fator de virulência do T. cruzi, resulta na indução exacerbada de citocinas do perfil Th2 como IL-4, IL-5 e IL-10 e TGF-β(38). Já a resposta do camundongo C57BL/6, imunizado com o mesmo antígeno, além de estimular a produção de IL-4, resulta na produção de IFN-γ, uma citocina do tipo Th1(39). Além de promover o crescimento do protozoário(40), o perfil Th2 favorece a apoptose de linfócitos e é ineficaz na resposta imune ao HIV(41-43). Diagnóstico Laboratorial da Doença de Chagas Os métodos de diagnóstico da doença de Chagas podem se basear na detecção direta do T. cruzi ou nas respostas do hospedeiro à presença do parasito. A OMS recomenda a utilização de pelo menos dois testes convencionais de diferentes princípios para que se faça a determinação do diagnóstico da doença de Chagas(44). Na fase aguda ou na reativação da doença de chagas ocorre elevada parasitemia, desenvolvimento de anticorpos inespecíficos e pré-formação de anticorpos específicos. Os métodos indicados nessa fase são a pesquisa direta do parasito pelo exame de sangue à fresco, que revela os parasitos móveis Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 05-10) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 7 7 na amostra. Essa técnica é mais sensível que o esfregaço sanguíneo corado com Giemsa. Análises repetidas podem ser necessárias, sendo que uma única amostra negativa pelo exame direto não exclui o diagnóstico de doença de Chagas. Métodos indiretos como o xenodiagnóstico ou hemocultura também podem ser utilizados, no entanto, são mais indicados na fase crônica, uma vez que o resultado final demora cerca de 90 dias ou mais(45). Embora sejam testes demorados, o xenodiagnóstico e a hemocultura dificilmente produzem resultados falso-positivos. Já na fase crônica, onde a parasitemia é baixa e há a presença de anticorpos específicos dirigidos ao parasito, o método de escolha baseia-se na detecção de anticorpos, sendo recomendados os testes comerciais convencionais de imunofluorescência indireta (RIFI), ensaio imunoenzimático (ELISA) e hemaglutinação indireta (HAI), além da utilização de métodos moleculares, como a reação em cadeia de polimerase (PCR)(45). O diagnóstico da doença de Chagas humana não é completamente satisfatório, pois pode apresentar resultados discordantes. Embora os testes parasitológicos indiretos (xenodiagnóstico e hemocultura) sejam altamente específicos, possuem baixa sensibilidade. Em contraposição, os testes sorológicos apresentam alta sensibilidade, mas a especificidade parece não ser muito elevada devido às reações cruzadas com outros parasitos, como Leishmania spp e Trypanosoma rangeli(46,47). A pesquisa direta do parasito no sangue periférico ainda segue o mesmo princípio adotado por Carlos Chagas em 1909, ocasião na qual descobriu o agente etiológico da doença de Chagas, examinando uma criança febril de dois anos de idade, chamada Berenice(48). Em 1914, foi introduzido o xenodiagnóstico, que consiste em colocar o inseto vetor em contato com o paciente e, posteriormente, após algumas semanas, analisar as fezes e urina do parasito em busca do protozoário. Nos últimos anos, o xenodiagnóstico sofreu algumas modificações favoráveis ao bem-estar do paciente; passou-se a empregar o xenodiagnóstico artificial, que consiste em ofertar o sangue de um paciente supostamente infectado ao triatomíneo, utilizando aparatos apropriados, sem que haja o contato direto do vetor com o paciente(49,50). A hemocultura foi introduzida na década de 40 e surgiu como alternativa para melhorar a efetividade do método diagnóstico considerando as dificuldades inerentes ao diagnóstico em zonas rurais. Esse método não era muito utilizado por apresentar resultados inferiores aos obtidos no xenodiagnóstico. Em 1966, Chiari e Brener aperfeiçoaram o diagnóstico e analisaram 35 pacientes chagásicos crônicos, obtendo 31,4% de positividade pelo método de xenodiagnóstico e 25,7% pela hemocultura(51). Outros estudos foram realizados nesse período a fim de aperfeiçoar o método e em 1994, Luz e colaboradores avaliaram as amostras de 52 pacientes chagásicos crônicos, obtendo 79% de positividade com sensibilidade de 94% empregando o método modificado de Chiari e colaboradores (1989)(52), utilizando 30 mL de sangue e conservação a 4ºC(53,54). A técnica de imunofluorescência indireta (IFI) para detecção do T. cruzi foi adaptada em 1966 por Camargo e colaboradores e utilizada no inquérito nacional sorológico que determinou a precisão da técnica e a prevalência da doença. Essa metodologia apresenta elevada sensibilidade e facilidade de execução(55,56). A grande desvantagem dessa técnica está na necessidade de um microscópio de fluorescência. Além disso, o uso dessa técnica pode ser limitado pela dependência de um microscopista experiente, que garanta resultados fidedig- 12/2/08 12:06:39 PM nos, já que a reatividade cruzada com soros de pacientes com tripanossomíase americana e leishmaniose pode induzir resultados falso-positivos. O teste de ELISA para detecção do T. cruzi é utilizado na rotina de serviços de hemoterapia e diagnóstico. Esta metodologia é rápida, principalmente se comparada aos métodos indiretos, e permite a análise de um grande número de amostras ao mesmo tempo. Os testes comerciais disponíveis se baseiam em diferentes princípios antigênicos, empregando lisado parasitário e peptídeos sintéticos. Atualmente, o emprego de novas tecnologias e o desenvolvimento de novos testes utilizando antígenos recombinantes podem aumentar a especificidade do teste diagnóstico, eliminando a ocorrência de reações cruzadas com antígenos/anticorpos de outras doenças, evitando os resultados falso-positivos. O teste rápido Chagas Stat-Pak® é um teste de detecção de anticorpos anti-T. cruzi em amostras de soro, plasma ou sangue total. Esse teste foi desenvolvido com proteínas recombinantes e se trata de um teste de fácil execução e leitura, além de ser uma ferramenta útil para estudo de campo e em laboratórios de pequeno porte localizados nas áreas endêmicas. Em 2003, Luquetti e colaboradores(57) avaliaram a eficiência desse teste utilizando um painel de 393 amostras provenientes de áreas endêmicas. A avaliação foi realizada em três etapas: na primeira, um estudo duplo cego em que foi possível identificar 197 infectados (98,5% de sensibilidade) e 183 não-infectados (94,8% de especificidade). Na segunda etapa, o teste foi realizado com 352 amostras de quatro países da América Latina e apresentou 100% de sensibilidade e 98,6% de especificidade. E na terceira e última etapa, o teste foi avaliado comparando soros preservados em 50% de glicerol e soros não-diluídos, sem alteração nos resultados. A hemaglutinação indireta (HAI), descrita em 1962 por Cerisola e colaboradores(58) também é um teste muito empregado no diagnóstico da doença de Chagas. A HAI é de fácil execução, proporciona resultados rápidos e não necessita de equipamentos sofisticados. Apresenta elevada especificidade (entre 96 a 98%); no entanto, oferece menor sensibilidade quando comparada aos testes de RIFI e ELISA, o que resulta em falso-positivos, principalmente quando as amostras não são estocadas ou transportadas adequadamente. O avanço da biologia molecular e o emprego de novas técnicas como a reação em cadeia da polimerase (PCR) trazem alternativas às técnicas anteriormente descritas, que além de demoradas, podem produzir resultados falso-negativos. A PCR permite a detecção direta do parasito e poderia ser considerada uma técnica padrão-ouro, principalmente em bancos de sangue como teste confirmatório e para acompanhar a evolução da doença à cura em pacientes que recebem tratamento(47). Ávila e colaboradores avaliaram 114 amostras de pacientes chagásicos e não-chagásicos aplicando os métodos de xenodiagnóstico, sorologia e PCR. Neste estudo, todos os pacientes com sorologia positiva tiveram resultado positivo para PCR, indicando 100% de sensibilidade(59). Miyamoto e colaboradores(60) avaliaram o desempenho da PCR para detectar o DNA do T. cruzi em camundongos infectados utilizando diferentes genótipos desse parasito, comparando-a com o exame de sangue a fresco, a hemocultura e ELISA. Concluíram que embora os testes tenham sido realizados em modelo experimental, os resultados foram satisfatórios e demonstraram o potencial da PCR com relação aos outros testes. Sabe-se que, ao incluir uma nova metodologia em uma rotina, devem ser avaliados os parâmetros sensibilidade e especifi- TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 8 8 cidade, além do custo, rapidez e complexidade de execução do teste. Embora a PCR seja cara, principalmente porque os testes comerciais não estão disponíveis, vários estudos demonstraram que essa metodologia pode ser empregada como teste confirmatório em bancos de sangue, assim como no acompanhamento clínico do paciente(59-64). A co-infecção T. cruzi/HIV A doença de Chagas representa uma preocupação em saúde pública e alguns estudos demonstram o comportamento oportunista do T. cruzi em pacientes infectados pelo HIV. Há evidências consideráveis da interação bidirecional entre as doenças parasitárias e o HIV, além do efeito deletério provocado pela ação individual de cada patógeno(13). Considerando a característica imunológica do HIV, sabe-se que essa interação pode alterar o ciclo natural dos parasitos, tendo impacto negativo na replicação do HIV e diminuindo a eficácia do tratamento antiparasitário. Desde 1992, quando ocorreu a segunda revisão da definição de casos de AIDS em adultos, os serviços de saúde passaram a dispensar atenção especial a algumas doenças endêmicas no Brasil, incluindo a doença de Chagas. Desde 2004 a reativação da doença de Chagas é considerada como uma das condições definidoras de AIDS, para fins de vigilância epidemiológica(65). Embora a pneumonia provocada por patógenos do gênero Pneumocystis (PCP) e Toxoplasma sejam mais comuns e mais freqüentemente relatadas no contexto da infecção pelo HIV, dados recentes demonstram a importância da reativação da doença de Chagas nesses pacientes(34,66). Devido às migrações das zonas rurais para as regiões urbanas, verifica-se que a doença de Chagas tem se urbanizado nas últimas décadas e, como a maioria dos casos de pacientes HIV soropositivos ainda são encontrados em áreas urbanas, é esperado que a co-infecção aconteça com freqüência(34). Os primeiros relatos de co-infecção T. cruzi/HIV foram descritos por Castillo e colaboradores(67) em um jovem que apresentava febre, fotofobia, dores de cabeça, perda de peso e baixa contagem de células T CD4. Esse paciente apresentava positividade para ambos os testes, seguindo um curso grave da doença devido à miocardite aguda que o levou a óbito. O achado anatomopatológico mais comumente relacionado à associação entre a doença de Chagas em imunocomprometidos é a meningoencefalite aguda, que se caracteriza por edema cerebral generalizado e hemorragia. Geralmente, estas lesões estão localizadas na região periférica do cérebro, atingindo em sua maior parte a massa branca em relação à cinzenta(33,36,68‑70). Histologicamente há presença do exsudato perivascular e parenquimatoso, que consiste em macrófagos, linfócitos, células plasmásticas (plasmócitos) e muito raramente, neutrófilos(36,71,72). A análise do líquido cefalorraquidiano pode revelar a presença de linfócitos, aumento dos níveis de proteínas e a presença de formas tripomastigotas do T. cruzi(34). O coração é o órgão comumente afetado em 25 a 44% dos casos de reativação da tripanossomíase em pacientes HIV soropositivos(33,34,67,71,73,74). A miocardite é um dos achados clínicos na reativação e, muitas vezes, está associada ao envolvimento do SNC. Os achados anatomopatológicos mais freqüentemente encontrados nos pacientes imunocomprometidos chagásicos são a cardiomegalia e o infiltrado focal e difuso das células mononucleares no miocárdio, além de intenso parasitismo nas fibras cardíacas(35,68,71,75). As manifestações clínicas na cardiopatia chagásica crônica grave e na reativação da doença em pacientes HIV soropositivos são similares(69). No Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 05-10) 12/2/08 12:06:40 PM entanto, enquanto na doença de Chagas crônica há diminuição da parasitemia, na reativação relacionada ao HIV os níveis de parasitos no sangue se elevam(33,76). Além do cérebro e do coração, outros órgãos podem ser afetados, embora mais raramente, como ilustrado por Concetti e colaboradores(77). Os autores relatam o caso de uma paciente de 27 anos de idade, HIV soropositiva e com reativação da doença de chagas. A biópsia do tecido uterino seguida pela análise imuno-histoquímica revelou células gigantes com presença de formas amastigotas do protozoário T. cruzi nesse órgão. A paciente foi a óbito 5 meses mais tarde, como resultado da cardiopatia chagásica aguda. A interação entre o T. cruzi e o HIV pode influenciar negativamente o curso de ambas as infecções. Sartori e colaboradores demonstraram aumento da carga viral (CV) do HIV, concomitante à exacerbação da parasitemia, sendo que os níveis de CV do HIV diminuíram após o tratamento anti-T. cruzi com Benzinidazol(66), tratamento de escolha, empregado na fase aguda da doença de Chagas. Em outro estudo, Sartori e colaboradores avaliaram a parasitemia pelo T. cruzi em pacientes HIV soropositivos e soronegativos e relataram que a parasitemia foi significantemente maior nos pacientes co-infectados(78), demonstrando o efeito deletério do HIV sobre a doença de Chagas. Além do aumento da parasitemia, a instabilidade do sistema imune em pacientes com imunodeficiência permite o aumento do parasitismo tecidual e a exacerbação das manifestações clínicas(34,35,69,78,79). Curiosamente, em um estudo recente, Dolcini e colaboradores demonstraram que a presença do patógeno intracelular T. cruzi foi capaz de inibir a replicação do HIV em modelo de cultura de células de placenta(80), o que contraria os dados dos estudos in vivo(66). Este estudo parece ser o único até o momento, que sugere um “efeito inibitório” do parasito sobre a replicação do HIV, embora esse efeito tenha sido demonstrado in vitro. A diminuição da contagem de células T CD4 é uma característica marcante da infecção pelo HIV. Além do comprometimento da produção de células T CD4, existem evidências de que os elevados níveis de apoptose, verificados nos pacientes infectados pelo HIV, são responsáveis pela depleção das células T periféricas(81). Estudos em modelo animal relatam elevados níveis de apoptose de linfócitos e o desenvolvimento de atrofia progressiva do timo, com morte massiva dos timócitos, em camundongos experimentalmente infectados pelo T. cruzi(82). Guillermo e colaboradores(83) demonstraram que o uso de um anticorpo monoclonal anti-Fas (anti-CD95), um receptor que sinaliza morte celular, foi capaz de reduzir os níveis de apoptose de linfócitos T CD8 em modelo animal infectado pelo T. cruzi. Os autores demonstraram que o bloqueio do sistema Fas/FasL resultou em infiltrado de células T no peritônio, sendo essas células, na sua grande maioria, T CD8 e conseqüentemente, controle sistêmico da infecção e da parasitemia. A apoptose via Fas/FasL também está aumentada em pacientes HIV soropositivos(84). Considerando o exposto, percebe-se que os efeitos deletérios observados na infecção pelo T. cruzi e na infecção pelo HIV, isoladamente, são extremamente graves e podem ser amplificados na co-infecção, agravando significativamente o quadro do paciente e acelerando o curso das duas infecções. Considerações Finais A co-infecção HIV/T. cruzi resulta na reativação da doença de Chagas, com exacerbação da parasitemia e das manifestações clínicas similares à fase crônica da doença. A partir da década de 90, a doença de Chagas passou a ocupar espaço no cenário da infecção pelo HIV e nos últimos anos passou a ser considerada doença definidora de AIDS pelo Ministério da Saúde. O surgimento de novas técnicas de biologia molecular, como a PCR, incrementaram o diagnóstico da doença de Chagas, adicionando alternativas mais modernas aos testes empregados desde a sua descoberta, em 1909. No entanto, os testes moleculares comerciais ainda não estão disponíveis; uma alternativa seria o desenvolvimento e a padronização dessa metodologia in house, o que exigiria equipamentos e pessoal técnico capacitado, e, por isso, estão longe de ser uma realidade na maior parte dos locais onde a doença é endêmica. A partir do primeiro relato de caso de co-infecção HIV/T. cruzi, vários outros foram publicados; no entanto a prevalência da co-infecção ainda não está bem esclarecida. Embora estudos envolvendo a doença de Chagas estejam em desenvolvimento em centros considerados de referência, especialmente no Brasil, as estratégias terapêuticas ainda são limitadas, principalmente na reativação da doença de Chagas em pacientes HIV soropositivos e pouco se sabe sobre a eficácia do tratamento nesses pacientes. Dessa forma, é impossível não adotar o lugar-comum “mais estudos são necessários” para que se possa conhecer a prevalência da co-infecção, assim como para desenvolver novas estratégias terapêuticas para esses pacientes. Referências Bibliográficas 1.Kjos SA, Snowden KF, Olson JK. Biogeography and Trypanosoma cruzi Infection Prevalence of Chagas Disease Vectors in Texas, USA. Vector Borne Zoonotic Dis 2008. 2.Kjos SA, Snowden KF, Craig TM, Lewis B, Ronald N, Olson JK. Distribution and characterization of canine Chagas disease in Texas. Vet Parasitol 2008;152(3‑4):249‑56. 3.Pung OJ, Banks CW, Jones DN, Krissinger MW. Trypanosoma cruzi in wild raccoons, opossums, and triatomine bugs in southeast Georgia, U.S.A. J Parasitol 1995;81(2):324-6. 4.Kirchhoff LV. American trypanosomiasis (Chagas’ disease)--a tropical disease now in the United States. N Engl J Med 1993;329(9):639-44. 5.Ministério de Saúde. Nota Técnica. 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Rua Pedro de Toledo, 781, 16° andar. CEP: 04041032. Telefone: 55 11 5571 2130 Resumo O HIV-1 possui 3 genes estruturais e 6 genes regulatórios e acessórios em seu genoma. A expressão destes genes deve seguir um programa estruturado onde genes regulatórios são expressos precocemente a partir do provírus. Para que isto ocorra o HIV-1 apresenta uma intensa atividade de processamento dos seus transcritos primários. Uma célula produtivamente infectada pode expressar até 30 tipos de RNAms virais os quais codificam proteínas acessórias, estruturais e enzimas atuantes no ciclo viral. O controle da expressão gênica viral é essencial para a geração de uma progênie viral infecciosa e constitui um dos elementos fundamentais patogênese viral. Descritores: HIV-1, LTR, expressão gênica, “splicing” Abstract HIV-1 genomes bear 3 main coding regions and 6 regulatory and accessory genes. Regulatory genes are expressed soon after provirus activation what is followed by the expression of structural genes. There is an elaborate expression program in which viral primary transcripts undergo several alternative splicing events. A productively infected cell may harbor up to 30 different viral mRNAs coding for structural, enzymatic or accessory functions. HIV-1 gene expression control is fundamental for progeny formation and constitutes one of the elements implicated in viral pathogenesis. Keywords: HIV-1, LTR, gene expression, “splicing” Introdução A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) tem como agente causador o vírus HIV-1 (Human Immunodeficiency Virus), um retrovírus pertencente à subfamília Lentivirinae(1). Calcula-se que no final de 2007, após quase 30 anos de epidemia, 33,1 milhões de pessoas no planeta, estavam vivendo com HIV-1/aids (www.uniaids.org ). A aids foi reconhecida no início da década de 1980 nos EUA, a partir da identificação de cinco homossexuais masculinos, moradores de São Francisco e Nova York, que apresentavam infecções oportunistas mal responsivas ao tratamento(2). A aids é caracterizada por uma profunda depressão da resposta imunológica mediada pelos linfócitos T CD4 fundamentais para a coordenação das defesas do organismo, o que resulta em infecções oportunistas, neoplasmas secundários, e manifestações neurológicas(2). O Virus e sua Partícula Os HIV-1 são lentivírus animais classificados de acordo com critérios biológicos, morfológicos e de genômica comparativa da partícula e do genoma viral(3). Assim como os genomas dos retrovírus, o genoma do HIV-1 possui 3 regiões codificadoras principais : a região gag, que codifica as proteínas estruturais do capsídeo viral e núcleo proteínas p17 (MA), p24 (CA), p7 (NC) e p6, a região pol, que codifica as enzimas envolvidas no ciclo de replicação viral que são, a protease (p11, PR), a transcriptase reversa (p66/p51, RT) e a integrase (p31, IN) e, Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 11-15) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 11 11 finalmente, a região env, responsável pela codificação das proteínas do envelope viral , gp120 (SU) e gp41 (TM)(1,4,5). O genoma do HIV-1 codifica ainda seis outras proteínas acessórias e regulatórias , sendo duas (Tat e Rev) relacionadas com a regulação da expressão gênica, e outras 4, Vpr, Vpu, Vif e Nef relacionadas à diversas funções indispensáveis para a ciclo de replicação viral(1,4-9). A partícula do HIV-1 com diâmetro em torno de 110 nm possui duas glicoproteínas de envelope, uma de superfície gp120 e outra transmembrana gp41. O complexo glicoproteico do envelope viral está ancorado ao envelope lipídico através da gp41. A proteína p17, ou matriz, sustenta o envelope viral contribuindo para a arquitetura do virion. O capsídeo é composto por um arranjo molecular de monômeros da proteína gag p24. No interior do capsídeo há duas cópias do RNA genômico de fita simples e polaridade positiva associados à nucleoproteínas, havendo também a presença de várias unidades de proteínas envolvidas no ciclo de replicação viral; transcriptase reversa (RT), Integrase (IN), e Protease (PR)(1,4-12). Ciclo de Replicação do HIV-1 A infecção pelo HIV-1 se inicia pela ligação da partícula viral a receptores específicos na superfície da célula alvo. A interação com o receptor celular é mediada pela glicoproteína de superfície do envelope viral. A proteína responsável pelo reconhecimento do HIV-1 por suas células alvo é a gp120. O principal receptor para HIV-1 é a molécula de CD4, uma 11 12/2/08 12:06:42 PM proteína sinalizadora expressa principalmente na superfície de células T, monócitos e macrófagos. A proteína gp120 liga-se ao receptor CD4 através de uma região altamente conservada próxima à sua porção carboxi-terminal. Porém, apenas a interação gp120-CD4 não é suficiente para a entrada do HIV-1 na célula alvo(3,5,11,13-16). Moléculas receptoras de quimiocinas, que mobilizam cálcio intracelular e induzem quimiotaxia em leucócitos, atuam como co-receptores durante o reconhecimento e penetração viral na célula alvo. Isolados de HIV-1 podem apresentar um tropismo diferenciado. Alguns isolados possuem predileção por moléculas receptoras do tipo CXCR4 mais abundantes na superfície de linfócitos T enquanto outros isolados possuem tropismo por células expressando receptores CCR5 presentes principalmente em macrófagos, portanto estes isolados diferem quanto aos receptores envolvidos na fixação viral. Há diversos estudos que reputam uma maior patogenicidade aos vírus CXCR4, devido à sua capacidade de geração de sincício celular em cultura de células. Há um momento crítico durante as infecções pelo HIV-1 onde a troca do tropismo viral coincide com a piora dos parâmetros laboratoriais do paciente. A alça V3 da proteína gp120 é responsável pelo reconhecimento dos receptores celulares e conseqüente tropismo celular. A gp120 liga-se primeiramente às moléculas de CD4 presentes na superfície de células permissíveis. Em seguida, a gp120 interage com os receptores de quimiocinas, processo este dependente de mudança conformacional em gp120 decorrente da interação inicial entre gp120 e CD4. A alça V3 apresenta uma grande diversidade viral, inclusive com a inserção de aminoácidos adicionais que dificultam ou obstruem o reconhecimento imune de determinantes virais. Ocorre também um intenso processo de glicolisação da gp120 que blindam ou protegem da ação imune, as estruturas virais indispensáveis para o reconhecimento vírus-célula(3,11,13,15,16). Após a ligação de gp120 ao CD4 e receptor de quimiocina, ocorre uma mudança conformacional no envelope do vírus que permite à gp41 promover a fusão do envelope viral com a membrana celular, resultando na introdução capsídeo na célula. A porção N terminal hidrofóbica, rica em glicina, presente na gp41 inicia a fusão enquanto que uma modificação resultando em uma estrutura do tipo coiled-coil aproxima a partícula da membrana alvo. Após a fusão, o capsídeo viral não é totalmente desestruturado, as duas fitas de RNA genômico, enzimas virais, são mantidas no interior do capsídeo viral. A transcriptase reversa é a enzima responsável pela transcrição do genoma viral resultando este processo na síntese de um genoma viral de DNA de fita dupla. A transcriptase reversa é capaz de polimerizar uma fita de DNA a partir de moldes RNA e DNA. Quase que simultaneamente à síntese da nova fita de DNA negativa, a atividade de RNAse H do complexo transcriptase reversa tem como função degradar o genoma RNA presente no híbrido RNA-DNA que aparece como intermediário durante o processo de transcrição reversa. Acredita-se que as duas fitas virais genômicas sejam utilizadas como moldes no processo da geração do uma única molécula de DNA de fita dupla. A transcrição reversa ocorre no interior dos sub-capsídeos virais sem a exposição do genoma viral ao citoplasma celular. Após a transcrição reversa, o complexo nucleoproteico, incluindo IN, MA e o DNA viral genômico, constituindo-se o ficou reconhecido como complexo pré-integrativo, é transportado para o núcleo da célula hospedeira em um processo mediado pela Vpr, uma proteína de 96 amino ácidos, também atuante na parada do ciclo celular em G2 e na promoção de 12 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 12 12 um estado de apoptose em células infectadas ou próximas de células infectadas pelo HIV-1. A ação da proteína viral R permite o transporte do complexo nucleoproteico através dos poros do envelope celular. A ação de uma outra enzima viral, a integrase (IN), resulta na integração estável do DNA viral no genoma da célula hospedeira através de várias etapas como a digestão endonucleolítica dos terminais do genoma viral linear ainda não integrado, a quebra de ligações fosfodiester do DNA do hospedeiro pelos terminais OH livres do genoma viral, transferência de fita, e ligação, estabelecendo o provírus e completando assim a fase pré-integrativa(3,4,9,11‑13,15‑20). Uma vez que o provírus é integrado ao DNA do hospedeiro, ela atua como uma seqüência gênica regular do genoma celular. Após a integração, a replicação do provírus é feita pelas DNA polimerases celulares, contudo, a expressão dos genes provirais é dependente do estado de ativação celular. Nas infecções por HIV-1, a expressão gênica dos provírus integrados é mediada por proteínas virais e celulares. Os transcritos virais são expressos a partir do promotor viral localizado no extremo 5’ do genoma viral que é representado por uma região denominada de LTR (“Long Terminal Repeat”). A proteína regulatória Tat, que é o fator transativador da expressão gênica viral, aumenta consideravelmente a velocidade da transcrição dos genes virais. Na ausência de Tat, as RNA polimerases são geralmente incapazes de transcrever seqüências maiores que algumas centenas de nucleotídeos. Ao contrário de ativadores de transcrição usuais, a Tat não se liga em sítios no DNA, mas sim à uma estrutura secundária na região 5’ terminal do RNAm viral recém sintetizado conhecida como TAR (“Trans-activating Responsive Element”). O conjunto de RNAms virais, genômicos ou sub-genômicos, é transportado para o citoplasma, onde ocorrerá a tradução. O processamento dos RNAms virais é regulado pela proteina Rev. Este processamento produz tanto RNAms curtos e que produzem as proteínas Vif, Vpr, Nef, como RNAms pouco processados referentes às poliproteínas Gag e Gag-Pol. Rev atua após a transcrição e promove o transporte das moléculas de RNAm das proteínas estruturais e acessórias do núcleo celular para o citoplasma para que ocorra sua eficiente tradução no citoplasma. Rev controla a proporção entre RNAms processados e não processados ao ligar-se ao elemento de resposta a Rev (RRE), presente em todos os transcritos virais que ainda não sofreram splicing(4,8,11,13,15,21‑34). Após a tradução, os produtos gênicos serão processados em proteínas da matriz, capsídeo, nucleocapsídeo, protease, integrase e transcriptase reversa, e proteina precursora do envelope gp160. A poliproteina Gag, ou p55, ao ser processada pela protease viral, dá origem a quatro proteínas que irão constituir o interior da partícula do HIV-1e que são; p17 ou proteína da matriz, p24 ou principal componente do capsídeo viral, p6, que interage com fatores celulares envolvidos no tráfego intracelular e auxilia na inclusão da proteína acessória Vpr na partícula viral e p7 uma nucleoproteína. As proteínas gp41 e gp120, são formadas a partir do precursor gp160, o qual é clivado pela ação de proteases residentes do retículo endoplasmático. A gp120 é a proteína de superfície do HIV-1, responsável pela interação do vírus com o receptor CD4 e com os co-receptores CCR5 e CXCR4, presentes na membrana das células alvo, sendo portanto, alvo de anticorpos neutralizantes produzidos pelo hospedeiro. Como conseqüência do constante ataque imune, a gp120 desenvolveu diversos mecanismos de escape baseados na diversificação das suas estruturas antigênicas. Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 11-15) 12/2/08 12:06:42 PM A gp120 é composta de cinco regiões ou domínios variáveis intercalados por regiões mais conservadas que desde a região conservada 1 até a região variável 5(1,11,35,36). A proteína Vpu degrada receptores CD4 recém sintetizados. A ação de Vpu impede que as proteínas do envelope viral permaneçam retidas no retículo endoplasmático complexadas à moléculas de CD4. Isto permite que as proteínas do envelope viral sejam transportadas até a membrana celular. Além de sua função na degradação de CD4, a Vpu promove a “downregulation” de proteínas de superfície celular como o MHC I, que estão envolvidas no reconhecimento das células infectadas por linfócitos T citotóxicos(37). A Vpu estimula também a liberação de partículas virais. As poliproteínas virais a Gag, Gag-Pol e Env, sofrem uma série de modificações pós-traducionais incluindo a miristolilação de Gag e a glicosilação de Env. A adição de ácido mirístico fornece um domínio hidrofóbico necessário à interação com a membrana celular, facilitando a montagem do vírus e a glicolisação de Env contribui para o escape viral. As poliproteinas Gag e Gag-Pol possuem atividade antes mesmo de sofrerem processamento proteolítico. A porção p17 de Gag promove a agregação de Gag e de Gag-Pol no citoplasma e a p7 liga-se à fita do RNA, iniciando a montagem do vírus. O processamento, ou montagem dos vírions se dá inicialmente próximo à membrana celular. As partículas imaturas são compostas de envelope glicoprotéico, RNA genômico e poliproteínas virais que passam por uma modificação morfológica ou maturação durante ou após o brotamento viral. O evento da maturação ocorre com a clivagem das poliproteínas Gag e Gag-Pol pela protease viral produzindo as enzimas e proteínas estruturais da capsídeo. O processamento proteolítico das poliproteínas ocorre apenas em um estágio avançado do ciclo replicativo e requer altas quantidades de substrato, provavelmente devido à baixa atividade enzimática da protease não processada; este estado é alcançado somente durante o brotamento. Após uma hidrólise inicial, a protease liberada pode então exercer sua atividade máxima, processando de forma rápida as poliproteínas, completando assim o ciclo replicativo do HIV-1. Uma vez maduros e livres os novos vírions são potencialmente capazes de infectar novas células alvo(3,15,16,35,38-41). A Expressão dos Genes Virais O controle da expressão gênica do HIV-1 resulta da interação entre o DNA do provírus o qual se apresenta associado à cromatina, os fatores de transcrição do hospedeiro, e o fator viral transativador referido como Tat. O controle da expressão gênica do HIV-1 integrado é regulado pela ligação de fatores celulares em uma variedade de sequências em cis localizadas na região LTR do genoma viral. O LTR do HIV-1 possui 3 re giões: U3, R e U5. Estas regiões possuem 4 trechos funcionais relacionados ao controle da expressão gênica viral: o elemento de resposta à transativação (TAR) localizado na região R (nt +1 até +60), a porção promotora central (nt –78 até –1), o “enhancer” ou região acentuadora da região promotora central (nt –105 até –79) e a região modulatória (nt –454 até –104). Estes 3 últimos elementos estão localizados na região U3 do LTR. Já foi demonstrado que os sítios de ligação de Sp1 presentes na região promotora central do LTR assim como os sítios “enhancers” para NF- B são elementos chave na regulação da expressão do HIV-1(21,23,34,42). A transcrição dos genes virais pode ser dividida em duas fases. A primeira ocorre precocemente durante a transcrição viral e Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 11-15) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 13 13 corresponde à interação direta entre fatores de transcrição celulares e elementos em cis presentes na região promotora do HIV-1. A segunda fase ocorre imediatamente após a primeira e é decorrente do acúmulo em quantidades adequadas da proteína Tat produzida na fase inicial(8,15,24,25,32,34,43). Em decorrência da integração do genoma viral, a região promotora do HIV-1 fica sob controle do contexto local da cromatina celular, a qual determina a atividade transcrição basal do trecho genômico onde ocorreu a integração viral. Independente do sítio de integração, a região 5’ LTR é compactada em 3 nucleossomos distintos: nuc-0, nuc-1, e nuc-2. Nuc-1 esta localizado “downstream” ao sítio de início da transcrição e é rapidamente desestabilizado quando ocorre a ativação da seqüência promotora do HIV1. A região entre nuc-0 e nuc-1 não possui nucleossomos embora exista espaço suficiente para a acomodação de um nucleossomo adicional(34,43,44). Nesta região ocorre a ligação de vários fatores de transcrição celulares que podem induzir uma curvatura no DNA e que interferem com a montagem de nucleossomos, ou por competição direta com as histonas pelo trecho do DNA, ou por deixar este trecho desfavorável à montagem de nucleossomos. Esta região livre de nucleossomos e´o local onde as regiões promotora central e “enhancer” do LTR do HIV-1 estão localizadas(43). A região central promotora viral (nt -78 até -1) contém o motivo TATAA box e os sítios consenso de ligação de SP1. A região enhancer (nt -105 até -79) possui uma duplicação de sítios de ligação do fator NF-kB(43). Uma região “upstream” dos sítios NF-kB pode também influenciar a expressão gênica viral sendo esta região referida como região modulatória da expressão viral (-454 até -104). Deleções nesta região aumentam a intensidade da expressão gênica viral. Esta região contém um elemento regulatório negativo (NRE) que pode interagir com vários fatores celulares como NF-AT, USF, Ap-1, c-Myb, COUP. Sequências próximas ao sítio de início de transcrição do RNA viral possuem elementos regulatórios, como a seqüência indutora de transcritos curtos (IST), o sítio iniciador, e o elemento de resposta transativadora (TAR) localizado entre os nucleotídeos +1 e +60 e que interage com Tat respondendo ao estímulo transativador(5,8,31,32,34,43,44). Na ausência de Tat e de estimulação celular, o LTR compactado em nucleossomos é praticamente silenciado. A baixa atividade transcripcional pode resultar da ação de níveis residuais de fatores de transcrição celulares. A ativação eficiente do LTR é exercida por Tat e pelo rearranjo dependente de acetilação das histonas do nucleossomo posicionado sobre o sítio de início de transcrição do HIV-1. É possível que Tat seja capaz de remodelar nucleossomos e retirar o bloqueio transcripcional viral imposto pela cromatina celular. Já foi demonstrado que Tat pode se associar com acetiltranferases (HATs) de histona tanto in vitro como em células. HATs podem fazer parte de um complexo protéico envolvido com o início da transcrição e Tat pode interagir direta ou indiretamente com HATs influenciando a região promotora do LTR viral. Tat também pode ser capaz de interagir diretamente com fatores de transcrição celulares como Sp1 e TBP promovendo a transcrição viral. É importante ressaltar que Tat interage com RNA viral recém sintetizado e não com o DNA viral. Esta interação ocorre em uma estrutura secundária específica em formato de “hairpin” e que possui 59 nucleotídeos, o TAR, presente na seqüência líder do RNA transcrito. Tat causa uma intensificação da expressão viral ao interagir com TAR muito provavelmente pela estimulação de uma quinase associada à Tat (TAK) a qual hiperfosforila o domínio carboxi terminal (CTD) da RNA polimerase II celular 13 12/2/08 12:06:43 PM fazendo-a libertar-se da região promotora e iniciar a elongação processiva do RNA viral(5,8,31,32,34,43,44). A transcrição bem sucedida do HIV-1 leva à geração de aproximadamente 30 transcritos diferentes a partir do provirus. Todos estes transcritos são derivados de transcritos únicos “full-length”. O splicing alternativo produz transcritos diferentes, mas que possuem terminais 5’ e 3’ comuns. O RNAm viral “spliced” ou processado pode ser categorizado em 3 classes: 1) multiplamente processado contendo de 1.7 a 2.0 kb e codificando proteínas precoces de função regulatória como Tat, Nef, e Rev; 2) RNAm viral resultando de apenas 1 evento de “splicing” contendo de 4.3 a 5.5 kb e codificando as proteínas Vpu, Vpr, Vif e Env; e 3) RNAm “full-length” sem “splicing”, codificando a poliproteina Gag-Pol. A expressão gênica viral também é controlada pela exportação nuclear de transcritos contendo introns. Este processo é mediado pela proteína viral Rev. Tanto os RNAm virais sem “splicing” ou resultantes de apenas 1 evento de “splicing”, possuem seqüência intrônica e apresentam uma estrutura secundária denominada de elemento responsivo de Rev (RRE) presente na porção 3’ da seqüência intrônica. Os transcritos eucariotos não processados e que possuem introns são retidos no núcleo pela presença de fatores de “splicing” ligados a eles até que eles sofram “splicing” ou sejam degradados. Entretanto a interação entre REV e RRE faz com que os transcritos virais mesmo não apresentando “splicing” completo sejam capazes de deixar o núcleo das células infectadas. É provável que REV se ligue diretamente ao RRE e sofra um processo de multimerização. A multimerização de REV estabiliza um complexo formado por REV, a exportina-1(CRM-1) e a GTPase Ran. Este complexo dirige o RNAm através do poro da membrana nuclear levando então à sua exportação. Depois da translocação para o citoplasma, Ran-GTP é convertida em Ran-GDP, e dissociada do RNAm viral assim como a exportina1. REV também se dissocia do RNAm viral por um mecanismo ainda desconhecido e retorna ao núcleo por intermédio da importina-beta. Uma vez no núcleo celular, REV se dissocia da importina-beta pela ação de Ran-GTP(3,5,8,15,22,24,26‑32,34,42‑46). Todos os retrovirus precisam processar através de “splicing” seus transcritos de RNAm para gerarem o RNAm que codifica as proteinas do envelope viral, eliminando assim as seqüências de gag e pol neste processamento. Neste processamento, as seqüências gag e pol comportam-se como introns. Para retrovirus simples esta é a única reação de “splicing” que ocorre nos transcritos primários virais. O “splicing” dos RNAms do HIV-1 é muito mais complexo pela presença de motivos doadores e receptores de “splicing” tanto constitutivos como alternativos que aparecem distribuídos ao longo do genoma viral. Como descrito acima, as 3 classes de RNAms do HIV-1 que já foram identificados em células com infecção produtiva. O RNAms virais não completamente processados, mesmo assim são eficientemente exportados do núcleo para o citoplasma pela ação de Rev . Análises dos diferentes tipos de RNAms através de RT-PCR revelaram a presença de mais do que 30 transcritos únicos do HIV-1 em células produtivamente infectadas(47‑49). Estes RNAms são gerados através da seleção alternativa entre mais de 10 motivos doadores de “splicing” e mais de 10 receptores de “splicing” presentes no genoma viral. O uso variável dos sinais de “splicing” dá origem a muitos RNAms distintos mas altamente relacionados que servem como moldes alternativos para a tradução de uma mesma proteína viral. Por exemplo, já foram identificados 12 RNAms diferentes a partir de rev, 5 a partir de nef, 8 de tat, e16 de env(47‑51). 14 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 14 14 Duas Estratégias de Tradução Empregadas pelo HIV-1 A seleção do sítio que demarca o início da tradução é determinada pelo contexto de nucleotídeos ao redor do primeiro códon AUG encontrado pela subunidade ribossomal trafegando o início do RNAm viral. Modificações a partir da sequência canônica accAUGg fazem com que o ribossoma comece a traduzir a proteina a partir deste primeiro códon AUG com pouca freqüência. Assim um outro sítio de início AUG localizado “downstream” ao primeiro AUG passa a ser reconhecido como sítio de início de tradução com uma eficiência maior. A seletividade na escolha do primeiro AUG é referida como “leaky scanning”. O mecanismo de “leaky scanning” permite a tradução de ORFs múltiplas a partir de um único RNAm. Esta versatilidade dada pela estratégia “leaky scanning” permite ao HIV-1 maximizar a capacidade codante do seu genoma e produzir proteinas funcionais distintas a partir de um mesmo RNAm mesmo que elas não estejam na mesma fase de leitura. O RNAm bicistrônico que codifica para as proteínas virais Vpu e Env(52) é um exemplo da estratégia de “leaky scanning” empregada pelo HIV-1. As ORFs (“Open Reading Frames”) para Vpu e Env estão dispostas em série com a região para Vpu precedendo a região para Env. A síntese de Env é essencial para a replicação do HIV-1 e ocorre pelo “leaky scanning” da ORF anterior que codifica Vpu(49,50,52). O contexto fraco ao redor do códon AUG do sítio de inicio de Vpu permite ao ribossoma ultrapassar a ORF de Vpu iniciando a tradução apenas no códon AUG para Env a seguir ao longo da seqüência do RNAm viral. O genoma do HIV-1 possui genes sobrepostos. A tradução de produtos gênicos sobrepostos ocorre por um mecanismo conhecido como “frameshifting” no qual o ribossoma muda sua fase de leitura em +1 ou 1 nt, resultando na síntese de proteínas em fases de leitura diferentes(53). Este mecanismo também permite ao HIV-1 controlar a produção das poliproteinas Gag e Gag-Pol em uma razão ótima para o vírus(54). Através de “frameshifting” ocorre o empacotamento eficiente dos produtos de pol porque eles são levados à partícula em formação como parte de Gag-Pol poliproteínas direcionadas pelos sinais de empacotamento presentes em Gag. Sítios de “frameshift” presentes nos RNAms virais correspondem à sequências de heptanucleotídeos que permitem ao RNAm escorregar 1 base em relação aos RNAts presentes nos sítios A e P do ribossoma que está realizando a tradução . “Frameshifting” ocorre pela presença de uma estrutura tipo “pseudoknot” no RNAm localizada de 2 a 4 nt “downstream” do sítio onde deverá ocorrer o deslocamento. O pseudoknot provoca uma parada do ribossoma e esta pausa facilita que o deslocamento de uma base entre ribossoma, RNAts, e RNAm ocorra. O início da tradução de gag a partir de um RNAm codificando para Gag-Pol inicia-se no extremo 5’ do gene gag. O ribossoma encontra um sítio de deslocamento seguido por uma estrutura “pseudoknot” perto do extremo 3’ do gene gag. A maioria dos ribossomas prosseguirá através desta região, mas 10% hesitarão no sítio heptanucleotídico, ocorrendo um derrapamento de 1 nt para trás. A leitura clássica de gag leva a um códon de terminação impedindo a tradução dos produtos gênicos de pol. O “frameshift” ribossomal -1 que ocorre a 200 nt “upstream” do códon de terminação de gag, permite a síntese do peptídeo de fusão Gag-Pol de160-kDa(54). Desta forma o HIV-1 expressa quantidades ótimas das proteínas Gag as quais funcionarão como substrato para a ação da enzima protease viral, mantendo uma relação ótima entre enzima e substrato. Ainda, com a síntese da poliproteína Gag-Pol as enzimas virais são seguramente empacotadas na partícula viral. Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 11-15) 12/2/08 12:06:43 PM Referências Bibliográficas 1.Haseltine, W.A. and F. Wong-Staal, The molecular biology of the AIDS virus. Sci Am, 1988. 259(4): p. 52-62. 28.Levy, J.A., Viral and cellular factors influencing HIV tropism. Adv Exp Med Biol, 1991. 300: p. 1-15. 2.Gallo, R.C. and L. Montagnier, The discovery of HIV as the cause of AIDS. 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Telefone: 55 11 5571 2130 – e-mail:[email protected] Resumo O HIV-1 utiliza o CD4 e o CCR5 ou o CXCR4 para entrar nas células hospedeiras. Nos últimos anos, o interesse na utilização do co-receptor (ou tropismo) ressurgiu principalmente devido às descobertas e progressos no desenvolvimento de promissoras moléculas anti-HIV que têm como alvo os co-receptores. Ensaios fenotípicos têm sido amplamente usados para determinação do tropismo viral. Além dos ensaios tradicionais, há ao menos quatro ensaios que utilizam vírus recombinantes disponíveis para a predição do uso do co-receptor: Trofile (Monogram Biosciences), Phenoscript (VIRalliance), XtrackC/PhenX-R (inPheno) e uma plataforma desenvolvida pela Virco. Os ensaios com vírus recombinantes são adequados para o manejo clínico de indivíduos infectados tratados com antagonistas de co-receptores. Atualmente, não há uma definição sobre o método mais acurado para a predição fenotípica do tropismo viral na rotina. Contudo, a adição de ensaios para a determinação do tropismo à outras ferramentas clínicas disponíveis para o manejo da infecção auxiliará os clínicos na seleção dos melhores regimes terapêuticos. Possivelmente, o aumento do conhecimento sobre a expressão e o uso dos co-receptores permitirá um melhor entendimento da infecção pelo HIV-1. Descritores: HIV-1, co-receptores, tropismo viral, CCR5, CXCR4, ensaios fenotípicos Abstract HIV-1 utilizes CD4 and either CCR5 or CXCR4 to gain entry into host cells. Within the last few years, the interest in HIV coreceptor utilization (or tropism) has resurged mainly due to the discovery and on-going clinical development of promising new anti-HIV molecules that target CCR5 and CXCR4 coreceptors. Phenotypic assays have been widely used for determining HIV-1 tropism. In this review we focus on the characteristics of phenotypic assays for the determination of HIV coreceptor tropism. Beside traditional phenotypic assays, there are at least four phenotypic recombinant virus assays available to predict coreceptor usage: Trofile (Monogram Biosciences), Phenoscript (VIRalliance), XtrackC/PhenX-R (inPheno) and a platform developed by Virco. The recombinant viral assays are suitable for the clinical management of HIV infected individuals treated with coreceptor antagonists. Currently, it is still unclear which assay will show the most accurate result for phenotypic prediction of viral tropism in clinical routine. Nevertheless, the addition of tropism assays to other clinical tools available for the management of HIV-1 infection will assist clinicians in selecting and improving antiretroviral regimens. Perhaps the ever increasing knowledge of coreceptor expression and usage will enable HIV-1 infection to eventually be better understood than it is now. Keywords: HIV-1, coreceptor, viral tropism, CCR5, CXCR4, phenotypic assay 18 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 18 18 Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 18-23) 12/2/08 12:06:57 PM O tropismo viral do HIV-1: as bases dos co-receptores O tropismo viral é um termo freqüentemente usado para definir a especificidade de um vírus a um tecido particular ou célula do hospedeiro. O tropismo é determinado, principalmente, pela interação entre estruturas de superfície viral com receptores presentes na superfície da célula(1,2). No caso do HIV-1, a transmissão da infecção em humanos requer a disseminação do vírus, a partir de locais de infecção nas superfícies das mucosas para zonas de células T nos órgão linfóides secundários, onde ocorre extensa replicação viral nas células T CD4+ auxiliares. Estas células expressam universalmente a molécula de CD4(3). Além do CD4, o HIV requer um co-receptor para a entrada nas células alvo. Atualmente, o repertório de co-receptores inclui vários membros, em sua maioria, receptores de quimiocina e alguns receptores órfãos. O CXCR4 e o CCR5, membros da superfamília de receptores acoplados à proteína G, são os principais co-receptores utilizados pelos isolados de HIV-1 com tropismo por células T e macrófagos, respectivamente(1,4,5). Geralmente, os vírus que são transmitidos entre os indivíduos são capazes de infectar macrófagos e células TCD4+ primárias, mas são se replicam em linhagens de células T transformadas(6,7). Como resultado, não induzem a formação de sincício em cultura de células (MT-2 ou outras linhagens celulares comumente utilizadas). Anteriormente, vírus com estas propriedades eram referidos como M-tropic, devido à habilidade de infectar macrófagos, NSI (Non-Syncytium Inducing), devido à inabilidade de formar sincício em linhagens de células T, ou SL (Slow-low), em relação à sua cinética de replicação em cultura(8). Dada a importância do fenótipo viral para a patogênese e progressão da doença, associada à natureza imprecisa dos sistemas de classificação anteriores, um sistema de classificação mais acurado foi proposto(9,10). Atualmente, baseando-se no uso do co-receptor, as cepas virais que infectam células que expressam o CCR5 em sua superfície, são chamadas de R5(1,2). Os vírus capazes de infectar linhagens de células T eram previamente referidos como T-tropic, SI (Syncytium Inducing) ou RH (Rapid High), de acordo com propriedades já mencionadas. Hoje, esses vírus, que infectam células que expressam o CXCR4 em sua superfície são chamados de X4. Com o tempo, tipicamente 4-5 anos após a infecção, as cepas virais R5 evoluem em alguns indivíduos (cerca de 50%), adquirindo a capacidade de infectar linhagens de células T (em adição às células TCD4+ primárias). Estas cepas virais, previamente conhecidas como dual-tropic, são agora denominadas R5/X4(11-13). O tropismo viral e a patogênese da infecção pelo HIV-1 A emergência destas variantes virais correlaciona-se diretamente com a progressão da doença. Somente os vírus R5 podem infectar células dendríticas, tais como, as células de Langerhans na mucosa(14). As cepas de HIV-1 R5 são também selecionadas após a transmissão parental(15,16). Vírus com tropismo para outras quimiocinas receptoras, especialmente CXCR4, são raramente transmitidos e, geralmente, aparecem somente tardiamente na infecção como uma tendência de troca a partir do fenótipo R5 para o X4(14,15). Os vírus R5 predominam nos estágios iniciais da infecção pelo HIV-1 e são responsáveis pelo estabelecimento da infecção in vivo(17,18), enquanto que os vírus X4 tendem a aparecer nos úlTendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 18-23) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 19 19 timos estágios e podem estar relacionados com um rápido declínio de células TCD4+, acelerada progressão para a doença e reduzida sobrevivência dos indivíduos não tratados(7,19‑21). O CCR5 é altamente expresso em células TCD4+ de memória (CD4+RO+CCR5), as quais representam a principal fonte de produção viral in vivo. O tecido linfóide associado ao intestino, que é rico em células T CD4+ CCR5 positivas, tem uma função crucial no sítio de infecção inicial na replicação massiva do HIV-1 e na depleção de células TCD4+(22) Por outro lado, as moléculas de CXCR4 são expressas preferencialmente em células T naive, como os timócitos imaturos. Esta diferença na expressão de co-receptores pode explicar, em parte, a maior depleção celular e a mais rápida progressão para a aids verificada em indivíduos infectados com variantes X4(21). A importância da determinação do tropismo viral No final de 1995, descobertas independentes por Lusso e Gallo de que receptores CC de quimiocinas poderiam inibir a replicação viral e, por Berger no início de 1996, de que o receptor de CXC de quimiocina CXCR4 era um dos coreceptores mais usados por algumas cepas de HIV-1, abriram uma nova linha de pesquisa em HIV/aids. Logo foi demonstrado que o CCR5 era o coreceptor mais comumente verificado em cepas de HIV-1 transmitidas. A ausência completa do CCR5 em alguns humanos (homozigotos defectivos para o alelo CCR5 D32) fortemente protegia contra a infecção pelo HIV-1 in vitro e in vivo, enquanto a diminuição da expressão causada pela heterozigosidade para o alelo CCR5∆32 reduzia a taxa da progressão da doença. Nos últimos anos, desde observações seminais precoces, a função central da função desses coreceptores na patogênese da infecção pelo HIV-1 tornou-se óbvia. A descoberta destes co-receptores celulares forneceu uma nova abordagem para o entendimento de importantes características da biologia viral, incluindo o tropismo seletivo de variantes virais para diferentes células CD4 alvo e também os mecanismos que regem o processo de fusão e entrada do HIV-1 na célula. Os co-receptores também fornecem perspectivas moleculares em relação ao enigma central da infecção pelo HIV-1, incluindo a transmissão seletiva de variantes R5 e o surgimento de variantes X4 na maioria dos indivíduos infectados durante a progressão para a aids, bem como diferenças individuais na susceptibilidade à infecção e progressão da doença. Estudos genéticos têm produzido os principais insights in vivo sobre a função de coreceptores específicos e seus ligantes. Neste sentido, foi de particular importância, a descoberta de uma mutação no gene CCR5, no qual a forma homozigota confere forte resistência à infecção pelo HIV-1. Além de fornecer novas perspectivas sobre aspectos fundamentais da transmissão e patogênese do HIV-1, os co-receptores representam agora novas abordagens terapêuticas e estratégias de combate à aids(23,24). Recentemente, muitos estudos têm avaliado a dinâmica do tropismo viral durante o curso da infecção pelo HIV-1 e sua associação com a terapia antiretroviral graças ao desenvolvimento de drogas inibidoras da entrada do vírus na célula, como, por exemplo, o Maraviroc®(25-28). Grande parte dos estudos envolvendo a diversidade genética do HIV-1 e o tropismo viral está voltada para a determinação do uso do co-receptor, monitoramento genotípico da transição R5 para X4 e resistência à drogas(21,29-35). Uma vez que variantes virais R5 ou X4 podem contribuir de maneira distinta para a patogênese e que isto já é verificado desde os momentos precoces da infecção pelo HIV, uma 19 12/2/08 12:06:57 PM abordagem importante seria a determinação da dinâmica evolucionária dessas populações virais, particularmente, para revelar o impacto relativo da seleção natural e do drift genético imediatamente após a infecção(36,37). Em estudo recente em nosso laboratório, analisamos a geração da diversidade genética do HIV-1 nos momentos iniciais da infecção em cultivo celular e sua correlação com o tropismo viral. Para tanto, partículas virais pseudotipadas com envelopes R5 e X4 do HIV-1 foram utilizadas para a um ciclo único de infecção em Células Mononucleares do Sangue Periférico (PBMCs) de indivíduos saudáveis, submetidas à diferentes estímulos com fitohemaglutinina. Interessantemente, verificamos que a distribuição dos sítios onde as mutações ocorrem no genoma viral é influenciada pelo status de ativação celular, ocorrendo clustering de mutações em segmentos de seqüências em células ativadas. Os pseudotipos R5 acumularam mais variação do que os vírus X4, sugerindo que a colonização do hospedeiro por vírus R5 logo após a transmissão pode fazer parte de uma estratégia viral para recuperar parte da diversidade genética perdida durante os eventos de transmissão, como os population bottlenecks. Ferramentas fenotípicas para a determinação do tropismo viral Devido a disponibilidade de novos anti-retrovirais que alvejam os co-receptores CCR5 e CXCR4, a determinação do tropismo tornou-se clinicamente relevante(38,39). Contudo, a determinação do uso do co-receptor ainda não é usada rotineiramente, estando restrita a poucos laboratórios. Vários ensaios foram desenvolvidos para a determinação do tropismo viral. Atualmente, ainda não está claro qual é o ensaio mais preditivo ou o mais adequado. De uma forma geral, podem ser usados ensaios genotípicos e fenotípicos para a predição do co-receptor(40). Nesta revisão discutimos os ensaios fenotípicos disponíveis para a determinação do uso do co-receptor. Acompanhando o desenvolvimento clínico-farmacológico, o desenho de novos testes para a determinação do tropismo e a resistência a novas drogas está sendo rapidamente melhorado. Dessa forma, além de uma variedade de métodos biológicos clássicos, vários ensaios recombinantes estão sendo produzidos para a determinação do tropismo viral. Ensaios Fenotípicos Tradicionais Desde os primeiros ensaios fenotípicos em cultura de células no início década de 1980, diversos ensaios foram desenvolvidos para a determinação do uso do co-receptor. No final da década de 1980, o ensaio utilizando a linhagem celular MT-2 serviu como ferramenta para estabelecer a categorização de cepas virais indutoras ou não de sincício. Este ensaio baseiase na expressão de CXCR4 sobre a superfície das células. A habilidade que o vírus apresenta de se replicar nestas células, associada à formação de sincício, confirma a presença de vírus X4(2,41,42). Uma das desvantagens do método é a necessidade de um estoque viral de PBMCs ativadas(41). O procedimento padrão de isolamento requer o co-cultivo de PBMCs do indivíduo infectado com PBMCs de um doador saudável, estimuladas com fitohemaglutinina. A coleta viral é muito laboriosa e requer laboratórios e profissionais altamente qualificados, o que limita a aplicabilidade clínica deste ensaio(40,43). 20 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 20 20 Ensaios com Vírus Recombinantes Atualmente, vários ensaios utilizando vírus recombinantes estão disponíveis comercial e não comercialmente para determinação do tropismo viral. Exceto as metodologias inPheno (PhenoX-R) e a plataforma Virco, todos os demais métodos baseiam-se em ensaios de ciclo único de infecção com partículas virais recombinantes para determinar o tropismo no manejo clínico dos pacientes. Ao contrário dos métodos clássicos nos quais os isolados virais são usados para a infecção de células indicadoras, nos ensaios com vírus recombinantes partículas virais pseudotipos são construídas contendo segmentos ou mesmo o gene do envelope inteiro dos pacientes infectados(44-48). Resumidamente, o RNA viral é isolado a partir do plasma dos pacientes e transcrito reversamente em cDNA. Em seguida, este é amplificado por PCR usando primers específicos para o gene env do HIV-1. Os produtos da PCR são, então, inseridos em vetores de expressão. Estes vetores geram as proteínas Env correspondentes às do indivíduo infectado. Além do vetor de expressão, também é necessário um vetor genômico, defectivo para o gene do envelope, mas carregando todos os demais genes do vírus. Este vetor genômico gera as partículas virais defectivas, que não se replicam por mais de um ciclo. Dessa forma, usando este sistema, as partículas pseudotipo infectarão as células (PBMCs, por exemplo), sendo capazes de apenas um ciclo replicativo por produzirem uma progênie que não possui proteínas de envelope viral(44-48). Assim sendo, para a montagem das partículas virais pseudotipos, ambos os vetores devem ser transfectados numa linhagem celular empacotadora para a produção dos vírus recombinantes. Logo, o vetor genômico do HIV-1 gera as partículas e utiliza as proteínas do envelope viral dos pacientes infectados, geradas pelo vetor de expressão do env para concluir o montagem dos pseudotipos(40). Assim, para a determinação do uso do co-receptor os pseudotipos são usados em ensaios para infectar dois tipos de células:linhagens celulares que expressam o CCR5 ou linhagens que expressam o CXCR4. O uso do tipo celular varia de acordo com os diferentes ensaios. Após o ciclo único (ou múltiplos) de infecção, as células infectadas devem expressar um indicador gênico, o qual pode ser entregue pelo pseudotipo ou é um gene celular responsivo. Normalmente, estes genes podem ser quantificados por bioluminescência ou ensaios colorimétricos. Obviamente, vírus X4 preferencialmente infectarão células expressando CXCR4/CD4 em sua superfície e os vírus R5 predominantemente infectarão células CCR5/CD4. Assim, estes sinais (colorimétricos ou luminescentes) podem ser usados como uma quantificação direta da entrada viral na célula bem como para a determinação do uso do co-receptor. Ademais, a verificação do tropismo pode ser confirmada adicionando-se drogas antagonistas dos coreceptores durante a infecção em cultivo de células(44-48). Principais Ensaios utilizam vírus recombinantes TrofileTM (Monogram Biosciences, San Francisco, California, USA) O Trofile é um ensaio de vírus recombinante de ciclo único de infecção desenvolvido pela(45,49-51) Monogram Biosciences. É o teste mais amplamente comercializado e validado para a determinação do tropismo viral usando vírus recombinantes em estuTendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 18-23) 12/2/08 12:06:58 PM do clínicos. Basicamente, um fragmento de 2,5kb é do gene do envelope é amplificado e inserido num vetor de expressão. Este plasmídeo é co-transfectado em células HEK293 com o vetor genômico do HIV-1, carregando o gene repórter luciferase. Após a montagem, as partículas virais pseudotipos são usadas para infectar células U87/CCR5+ ou U87/CXCR4+. A quantificação da luminescência emitida pela luciferase é controlada por antagonistas dos co-receptors. [26]. Uma vez que a confiabilidade do teste depende da acurácia e da sensibilidade das reações de RT-PCR para analisar quasispécies do HIV in vivo, este ensaio garante bons resultados para a determinação do uso do co-receptor em pacientes com carga viral acima de 1000 cópias/mL. O Trofile tem sido usado em vários estudos e no desenvolvimento clínico de inibidores de entrada. Além de apresentar boa acurária e adequada reprodutibilidade este ensaio pode ser usado para a determinação do tropismo viral em diversos subtipos do HIV-1. Ademais, a maneira em que os vetores são engenheirados asseguram as partículas virais recombinantes mantenham a replicação incompetente. Outra vantagem do método é a utilização do gene do envelope inteiro para a montagem dos pseudotipos. Embora a alça V3 da gp120 seja considerada o principal determinante da especificidade pelo co-receptor, o sítio de ligação dos co-receptores incluem outras regiões da gp120. As regiões V1, V2, V4 V5 e C4 podem ter uma função importante no tropismo viral. Dessa forma, a inclusão do env inteiro permite uma complexa elucidação dos determinantes moleculares, mecanismos de inibição e neutralização para muitos antagonistas de co-receptores(24,52‑64). A taxa média de erros utilizando o Trofile é de 4-6% em 25.000 amostras clínicas. HIV-1 Phenoscript EnvTM (VIRalliance, Paris, France) Este ensaio de inibidor de entrada da VIRalliance pode ser usado para a determinação do tropismo viral ou avaliação de susceptibilidade à inibidores de entrada do HIV-1. Neste ensaio, um fragmento de 2,2kb do env é utilizado para testes de resistência ou tropismo ao passo que 900pb da região V1V3 é usado apenas para a determinação do tropismo. Estes fragmentos podem ser inseridos no plasmídeo pNL4-3∆env. As partículas virais recombinantes são empacotadas em HEK293-T e a infecção ocorre em células indicadoras U373MG-CD4. Este tipo celular expressa CCR5 ou CXCR4. O vetor genômico do HIV-1 utilizado neste ensaio possui um cassete gênico HIV-1 LTR-lacZ que permite a quantificação da infectividade em um único ciclo de replicação através de um ensaio colorimétrico baseado na expressão de of β-galactosidase induzida pelo gene tat(29,30,47,65). O HIV-1 Phenoscript EnvTM apresentou 92% de sucesso na determinação do tropismo em pacientes com carga viral entre 1000 e 10000 cópias/mL. A eficiência do teste está intimamente ligada à eficiência da reação de amplificação por PCR. O ensaio também apresenta boa eficiência quando testado para diferentes subtipos do HIV-1 (cerca de 71% para todos os subtipos não-B)(40). XtrackC and PhenX-R (InPheno AG, Basel, Switzerland) Este ensaio replicativo utilizado para a determinação do tropismo combina dois testes específicos: um sistema de hibridização com sondas (XtrackC) e um ensaio de fenotipagem (PhenX-R). Primeiramente, um teste rápido é realizado por genotipagem para a indentificação de vírus R5 ou X4. Neste caso, utiliza-se sondas fluorescentes específicas para variantes Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 18-23) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 21 21 virais R5 ou X4. As diferenças entre estas sondas resultam em migração capilar diferente e os picos podem ser avaliados de acordo com cada co-receptor. Amostras ambíguas e aquelas com suspeita de vírus R5/X4 (dual-tropic virus) são, então, avaliadas por uma por fenotipagem(40,66-68). Contrariamente aos demais ensaios, que utilizam ensaios de ciclo único de infecção, no XtrackC and PhenX-R os vírus se replicam em 3-4 ciclo, limitados à um total de 4 dias. A vantagem neste caso seria a avaliação de uma população viral maior e, conseqüentemente, uma susceptibilidade aumentada para a detecção de populações minoritárias. Ademais, a adição de drogas específicas separa vírus R5/X4 de populações virais mistas durante os vários ciclos replicativos. Contudo, replicações adicionais podem selecionar subpopulações melhores adaptadas. Além disso, a replicação dos vírus recombinantes neste caso permite avaliação do fitness e outras propriedades virais mas não é adequada para a maioria dos laboratórios devido à ausência de dispositivos de segurança para a manipulação de partículas virais ativas(68). Virco tropism platform (Virco BVBA, Mechelen, Belgium) A empresa belga Virco desenvolveu um teste de tropismo baseado em 4 ensaios(48). Todos os ensaios baseiam-se na amplificação por RT-PCR em uma única etapa (One-Step) de um fragmento de 1,3kb, que se extende da alça V1 até a V4 (denominado NH2-V4). Cada ensaio pode ser aplicado de maneira isolada, de acordo com a necessidade: a) Sequenciamento e avaliação do tropismo da alça V3; b) genotipagem da região NH2-V4; c) fenotipagem a partir de clones da região NH2-V4; fenotipagem populacional da região NH2-V4; Para a fenotipagem, os produtos da PCR da região NH2-V4 são clonados no vetor genômico HXB2 contendo o gene gfp, que codifica a proteína fluorescente verde e NH2-V4. As partículas virais são produzidas em células 293T e usadas para infectar células indicadoras U87. O teste de tropismo é detectado pela expressão da proteína GFP. Atualmente esta plataforma apenas está disponível para fins de pesquisas(40,48). Esta nova plataforma oferece várias opções, dependendo da necessidade e é capaz de detectar menos de 5% de populações minoritárias em indivíduos com alta carga viral (>4log UI/mL) [6, 56]. Poucos dados estão disponíveis para a determinação do uso do co-receptor em diferentes subtipos virais. Considerações Finais Além do CD4, considerado o receptor universal, o HIV-1 requer um dos dois principais co-receptores de quimiocinas para completar o processo de internalização nas células alvo. Devido a disponibilidade de novos anti-retrovirais que alvejam os receptores CCR5 e CXCR4, a determinação do tropismo tornou-se clinicamente relevante(69-71). Diferentes ensaios fenotípicos foram desenvolvidos e validados para determinar o uso do co-receptor no manejo clínico dos pacientes infectados. As principais diferenças são verificadas entre os ensaios clássicos, tradicionais e os ensaios que utilizam vetores virais recombinantes. Estes últimos apresentam uma série de vantagens sobre os ensaios que somente recuperam vírus em cultura de células a partir do co-cultivo com PBMCs estimuladas. O cultivo de amostras de indivíduos infectados por período prolongado poderá selecionar variantes virais melhores adaptadas, tal como as condições de cultivo em questão. 21 12/2/08 12:06:58 PM Ferramentas padrão de co-cultivo usando células indicadoras (por exemplo, MT-2, que expressa CXCR4) podem apenas determinar se o vírus é capaz de infectar células que expressam CXCR4. Logo, não conseguem determinar se o vírus é X4 (exclusivamente) ou R5/X4. Por outro lado, ensaios utilizando vírus recombinantes podem distinguir entre variantes virais R5, X4 ou R5/X4(71,72). A detecção de populações minoritárias é um dos maiores desafios para o sucesso da determinação do tropismo viral. Isto é uma limitação dos ensaios que baseiam-se em múltiplos ciclos de infecção. A análise clonal individual do gene env é muito laboriosa, de alto custo, sendo utilizada principalmente em pequisas, podendo ser justificada para a deteção de específicos de variantes virais. Atualmente, os ensaios de ciclo único de infecção detectam quasispecies minoritárias presentes numa quantidade inferior à 5-10% da população. Um ensaio com replicação prévia de 3-4 ciclos dos pseudotipos pode detectar estas quasispecies com freqüências de quase 1%(40). Todos os ensaios fenotípicos que utilizam vírus recombinantes apresentam alta sensibilidade para amostras do HIV-1 subtipos B e não-B. No entanto, o desafio ainda está relacionado aos dados amostrais insuficientes para a predição do tropismo em diferentes subtipos. A maioria dos ensaios são validados a partir de um conjunto limitado de amostras. Subtipos raros do HIV são freqüentemente desconsiderados. O Phenoscript é o ensaio que fornece dados mais compreensivos acerca do tropismo viral em relação aos diferentes subtipos do HIV-1. O Trofile é o ensaio que apresenta a maior validação clínica, com cerca de 25000 amostras analisadas. Importantemente, controles de qualidade externos são necessários para a comparação entre os principais ensaios fenotípicos. A maior parte dos ensaios fenotípicos para a determinação do tropismo viral apresenta alto custo (1000-1500 US$) e tempo de execução, além de requerer profissionais altamente capacitados. Uma alternativa seria a predição do uso do co-receptor baseada na análise de seqüências do envelope(47,67). Ferramentas de bioinformática podem ser usadas para correlacionar o genótipo com o fenótipo. Tal abordagem representa um atrativa em termos de custo-benefício e tempo. Nesse sentido, a Virco desenvolveu um sistema de fenotipagem virtual, que representa uma associação de dados genotípicos e análises fenotípicas(33,73-75). Por fim, fica claro que, dentre as ferramentas fenotípicas para a determinação do tropismo viral do HIV-1, os ensaios com vírus recombinantes são os mais adequados para o manejo clínico de indivíduos infectados tratados com antagonistas de co-receptores. Atualmente, ainda não há uma definição sobre o método mais acurado para a predição fenotípica do tropismo viral. A associação de ensaios de determinação do tropismo com outras ferramentas clínicas auxiliarão na seleção dos melhores regimes terapêuticos. Referências Bibliográficas 1.Berger EA. HIV entry and tropism: the chemokine receptor connection. AIDS. 1997;11 Suppl A:S3-16. 14.Geijtenbeek TB, Kwon DS, Torensma R, van Vliet SJ, van Duijnhoven GC, Middel J, et al. DC-SIGN, a dendritic cell-specific HIV-1-binding protein that enhances trans-infection of T cells. Cell. 2000 Mar 3;100(5):587-97. 2.Berger EA, Doms RW, Fenyo EM, Korber BT, Littman DR, Moore JP, et al. A new classification for HIV-1. 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Bou-Habib1 1 – Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, 2 – Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes – UFRJ Endereço para correspondência: Laboratório de Pesquisas sobre o Timo, sala 506, Pavilhão Leonidas Deane – IOC FIOCRUZ - Av Brasil 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro - RJ CEP: 21040-360e-mail: [email protected], esaraiva@ micro.ufrj.br, [email protected] Resumo Indivíduos infectados pelo HIV-1 podem ser acometidos por infecções causadas por outros patógenos, dentre os quais o protozoário Leishmania sp. Nos últimos anos, a frequência de pacientes HIV-1-positivos co-infectados por Leishmania aumentou notavelmente, atingindo diversos países Mediterrâneos e tropicais, incluindo o Brasil. Em episódios de co-infecção HIV-1/Leishmania ocorre desequlíbrio na produção de citocinas, aumento na proliferação de ambos os patógenos, localizações atípicas das lesões leishmanióticas e curso clínico acelerado da infecção pelo HIV-1. Como tanto o HIV-1 quanto a Leishmania podem infectar a mesma célula (macrófagos), diversos estudos procuram compreender os mecanismos relacionados com a interferência mútua no crescimento destes dois agentes infecciosos. Nesta revisão, alguns aspectos clínicos e imunológicos da co-infecção HIV-1/Leishmania serão discutidos e correlacionados com a imunopatogênese das infecções isoladas causadas por estes patógenos. Descritores: HIV; AIDS; Leishmania; Leishmaniose; Co-infecção Abstract HIV-1-infected Individuals can be co-infected by other pathogens, including the protozoan Leishmania. Lately, the frequency of HIV-1-positive patients co-infected by Leishmania substantially increased, and can be found in several Mediterranean and tropical countries, Brazil as well. The HIV-1/Leishmania co-infection promotes unbalance of cytokine production, increased proliferation of both pathogens, atypical localization of leishmaniotic lesions and faster clinical progression of HIV-1 infection. Considering that both pathogens can infect the same cell (macrophages), several studies have focused on mechanisms related to the mutual growth interference of these two infectious agents. In this review, some clinical and immunological aspects of this co-infection will be discussed, correlating with the pathogenesis of infections caused either by HIV-1 or Leishmania. Keywords: HIV; AIDS; Leishmania; Leishmaniasis; Co-infection Introdução O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), agente etiológico da AIDS, promove uma deterioração progressiva do sistema imune, particularmente através da destruição de linfócitos T CD4+, acarretando em uma profunda imunossupressão(1). Devido ao comprometimento do sistema imune e a um progresso clínico crônico da infecção, indivíduos HIV-positivo podem ser acometidos por infecções com microorganismos oportunistas ou não, particularmente em regiões tropicais do planeta onde a variedade de patógenos é maior(2). Dentre estes patógenos, a co-infecção com Leishmania vem atingindo relevância devido à grande incidência de casos, sendo recentemente classificada como a segunda co-infecção HIV/protozoários com maior ocorrência no mundo(3). Em 2007, o relato de pessoas infectadas somente por HIV foi de 33,2 milhões em todo mundo, sendo 2, 5 milhões de novos casos reportados apenas no último ano(4). Na América do Sul, o Brasil é o epicentro da epidemia de HIV, respondendo por aproximadamente um terço de pessoas infectadas por este vírus em nosso continente, e a incidência da infecção ainda permanece elevada com 19,5 casos por 100 mil habitantes(4,5). A sobreposição de áreas endêmicas para Leishmania e HIV tem aumentado principalmente devido a migração de indivíduos HIV positivos para 24 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 24 24 regiões com elevada incidência de Leishmania e também pela urbanização da leishmaniose(6). Em 1998, um estudo conduzido por Kubar e colaboradores indicou que aproximadamente 10% dos indivíduos portadores do HIV-1 contêm infecções assintomáticas por Leishmania em uma área epidêmica no sul da França(7). Infelizmente, a freqüência desta co-infecção ainda é sub-estimada devido a escassez de notificações clínicas para os órgãos responsáveis pela vigilância(8). De acordo com notificações oficiais, em 2006 estimou-se a existência de 465 casos no Brasil, centenas na África (em particular Etiópia, Kenia, Uganda, Somália, Burquina Faso e Sudão) e na Ásia, enquanto na Europa já foram descritos casos clínicos em países Mediterrâneos, como Portugal (257 casos), Espanha (1229 casos), França (347 casos), assim como relatos esporádicos na Grécia, Reino Unido, Suíça e Alemanha(9). A leishmaniose é um espectro de doenças causadas pela infecção de um hospedeiro vertebrado por protozoários do gênero Leishmania, pertencentes à família Trypanossomatidae(10). No ciclo natural, este patógeno é transmitido para hospedeiros vertebrados através de picadas de insetos flebotomíneos infectados por este protozoário, o qual se replica no interior dos macrófagos sob a forma amastigota(10). A leishmaniose foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (WHO) como Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 24-27) 12/2/08 12:07:00 PM sendo uma das mais importantes doenças negligenciadas em países tropicais, com mais de 12 milhões de pessoas infectadas com este protozoário, 2 milhões de novos casos reportados a cada ano, e 350 milhões de pessoas vivendo em áreas de transmissão ativa do protozoário(9,11). Embora não usual em pacientes imunocompetentes, a ocorrência da forma amastigota no sangue periférico já foi relatada em diversos casos de coinfecção HIV/Leishmania na Europa, onde a maior incidência desta co-infecção ocorre entre usuários de drogas injetáveis que compartilham seringas(8). Além disso, amastigotas já foram encontrados no interior de agulhas oriundas de seringas compartilhadas por usuários de drogas injetáveis, sugerindo uma via de transmissão entre indivíduos, também chamada de antroponótica(12). Mais de 25 espécies de Leishmania são capazes de provocar doenças em humanos, e as principais manifestações clínicas da leishmaniose (Cutânea, Muco-cutânea e Visceral) dependem basicamente da espécie do parasito envolvida na infecção, uma vez que existem diferenças em relação ao tropismo tissular entre as espécies do protozoário(10). Enquanto na Europa a forma viscerotrópica predomina sobre as demais em casos de co-infecção HIV/Leishmania, no Brasil já foram descritas todas as três manisfestações clinicas da leishmaniose associadas ao HIV-1, provavelmente devido à elevada ocorrência de diferentes espécies de Leishmania e de seus respectivos flebotomíneos vetores em diversas áreas do nosso território(8,9). Nos dias atuais, o uso da terapia antiretroviral combinada (HAART) alterou drasticamente o curso clínico da infecção pelo HIV e, conseqüentemente, diminuiu a susceptibilidade à patógenos oportunistas. Entretanto, vários enigmas envolvendo este tipo de co-infecção permanecem obscuros, e a interação entre estes dois patógenos no interior do organismo, ou mesmo no interior da mesma célula (macrófago), merece investigações minuciosas. Aspectos imunológicos da co-infecção HIV-1/Leishmania in vivo O primeiro caso de co-infecção HIV/Leishmania foi reportado em 1985 por um grupo espanhol(13). Até o momento, análises moleculares de isoenzimas revelaram 1037 cepas de Leishmania em pacientes co-infectados, sendo que destas, 695 isolados foram caracterizados como sendo da espécie visceralizante Leishmania infantum, principalmente oriundos de pacientes da Espanha, França, Itália e Portugal(9). Na Europa, o maior número de casos desta co-infecção foi detectado na Espanha e pode estar relacionado à reativação da leishmaniose em um organismo previamente infectado por este tripanossomatídeo(9). Por exemplo, investigações moleculares em pacientes espanhóis co-infectados com a forma visceralizante da Leishmania apontam para uma grande ocorrência de recidivas da infecção (aproximadamte 90% dos casos), sugerindo que a infecção pelo HIV promove a replicação acentuada da Leishmania que já infectava o indivíduo(9). A recidiva deve-se ao fato deste protozoário persistir em determinados sítios do organismo hospedeiro, mesmo após o tratamento adequado e diagnóstico clínico de cura(14). Além das reativações da infecção por Leishmania, pacientes co-infectados por espécies viscerotrópicas apresentam manisfestações clínicas não usuais, como ulcerações disseminadas ou ulcerações cutâneas e muco-cutâneas(9). Cabe ressaltar que o tratamento de indivídos HIV-positivos com a terapia anti-retroviral combinada (HAART) promoveu uma drástica redução da epidemia da Leishmania Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 24-27) TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 25 25 entre os indivíduos portadores do HIV-1, pois a manutenção do número de células T CD4+ contribui no combate ao protozoário(8,15). Porém, o diagnóstico de casos desta co-infecção ainda permanece difícil porque algumas manifestações patognomônicas clássicas associadas à leishmaniose não estão sempre presentes. Por exemplo, esplenomegalia, associada à leishmaniose visceral, é menos freqüente em pacientes coinfectados, e 50% destes pacientes normalmente apresentam outras infecções oportunistas, apresentando sintomatologia semellhante a leishmaniose, o que acarreta em um diagnóstico clínico mais complexo(16). Os exames utilizados para o diagnóstico parasitológico da co-infecção ainda são os rotineiros, como análise microscópica do aspirado da medula óssea nos casos de suspeita de co-infecção, análise sorológica, detecção de antígenos de Leishmania na urina, além de técnicas moleculares, como as baseadas em Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)(9,17,18). As manifestações clínicas da co-infecção variam de acordo com a espécie de Leishmania envolvida, mas, em geral, caracterizam-se por febre, perda de peso, hepato-esplenomegalia e pancitopenia(18). A terapia contra a Leishmania é baseada em antimoniais pentavalentes, fungicidas e antibióticos, mas tanto as formas cutâneas quanto as viscerais são mais difíceis de serem tratadas nos pacientes co-infectados por HIV/Leishmania(9,18). Além disso, Mira e colaboradores relataram uma elevada frequência de recidivas da leishmaniose em indivíduos co-infectados recebendo HAART(19). Em conjunto, os resultados sugerem que a presença do HIV e/ou a imunossupressão decorrente da infecção viral pode reativar a replicação de Leishmanias latentes em indivíduos co-infectados, promovendo um crescimento não controlado do protozoário com subsequente disseminação pelo organismo. Análises da viremia em pacientes com HIV sugerem uma maior quantidade de partículas virais em pacientes co-infectados por HIV e Leishmania, quando comparados à pacientes infectados somente pelo HIV(20,21). O aumento na viremia pode ser conseqüência da ativação imunológica crônica desencadeada pela presença de ambos os patógenos. Por exemplo, na infecção por HIV é possível verificar um aumento de marcadores de ativação em linfócitos T CD4+, T CD8+ e linfócitos B, assim como a presença no plasma e no linfonodo das interleucinas (IL)-6 e IL-1β, e das citocinas/quimiocinas MIP-1α, MIP-1β e RANTES(22). Esta ativação imunológica detectada em pacientes infectados por HIV-1 é multifatorial e está relacionada ao vírus, tanto direta quanto indiretamente: presença persistente de antígenos virais, levando à estimulação antigênica de linfócitos T CD4+ e CD8+; indução de citocinas por moléculas do próprio HIV-1; destruição das barreiras da mucosa em tecidos linfóides gástricos com consequente translocação sistêmica de produtos microbianos, os quais ativam células da imunidade inata(22). A infecção por Leishmania também é capaz de induzir uma ativação do sistema imunolólico e pacientes infectados somente com este protozoário apresentam níveis séricos elevados de IL-1, IL-6, IL-8, IL-12, IL-15 e TNF-α(23). Curiosamente, na co-infecção com HIV/Leishmania infantum podemos constatar níveis séricos reduzidos da citocina IL-10, e níveis séricos aumentados da citocina interferon (IFN)-γ, sugerindo um desequilíbrio na polarização Th1/Th2. A influência do padrão Th1/Th2 no crescimento do HIV-1 in vivo ainda é controversa, mas a predominância de um destes subtipos de T CD4+ é fundamental para o desfecho da leishmaniose: a polarização da resposta para linfócitos CD4+ Th1 confere resistência contra este tripanossomatídeo em indivíduos imunocompetentes, enquanto que a predominância de 25 12/2/08 12:07:00 PM Th2 normalmente está associada à susceptibilidade e desenvolvimento da doença. Neste aspecto, células Th1 desempenham papel leishmanicida principalmente pela síntese de IFN-γ/IL-2, ao passo que a resposta Th2 favorece a Leishmania pela síntese de IL-4/IL-10(24,25). Níveis elevados da citocina TNF-α, um potente estimulador da produção de HIV-1, também já foram observados em soros de pacientes co-infectados por HIV/Leishmania, correlacionando-se com o aumento da viremia no plasma destes pacientes(21). Como o linfócito T CD4+ é um importante maestro no orquestramento da resposta imune contra a Leishmania, é possível que a morte elevada destas células, que ocorre durante a infecção pelo HIV, também contribua para a replicação da Leishmania, pois a detecção da co-infecção HIV-1/Leishmania é mais freqüente na fase de imunossupressão, quando a contagem de línfócitos T CD4+ é baixa(9). Lições a partir dos modelos de co-infecção in vitro Como tanto o HIV quanto a Leishmania infectam as mesmas células (os macrófagos), os estudos in vitro de interação entre os patógenos são muito atraentes. Durante o progresso da infecção pelo HIV-1, a percentagem de macrófagos não é alterada, contrariamente ao que ocorre com a percentagem de linfócitos T CD4+, e diversos estudos sugerem que macrófagos podem servir como reservatórios virais(26,27). Por exemplo, experimentos in vivo utilizando símios indicam que, após a depleção de linfócitos T CD4+, a quimera SHIV continua sendo produzida por macrófagos de diferentes tecidos(28). Quando culturas de macrófagos são co-infectadas in vitro, podemos observar aumento na replicação tanto do HIV quanto da Leishmania, um fenômeno semelhante ao que constatamos in vivo(29). Nos modelos in vitro, a replicação de ambos os patógenos parece ser dependente da produção de fatores solúveis liberados pelos macrófagos: nós demonstramos que a proteína Tat do HIV-1 é capaz de aumentar a replicação intracelular da Leishmania através da síntese do Fator de Transformação do Crescimento (TGF)-β1(29). Em culturas co-infectadas com HIV‑1 e Leishmania amazonensis, a neutralização do Tat do HIV‑1 reduz significativamente a exacerbação do crescimento da Leishmania promovido pelo HIV-1, e a adição de Tat recombinante a culturas infectadas somente por Leishmania aumenta a replicação intracelular deste tripanossomatídeo, através da indução de Prostaglandina E2 (PGE2) e subseqüente indução de TGF-β1 pelos macrófagos(29). Cabe ressaltar que também já relatamos que tanto o TGF-β1 quanto a PGE2 podem promover a replicação do HIV-1 em macrófagos primários in vitro, sugerindo que a produção destes dois fatores pode ser benéfica para o crescimento de ambos os patógenos(30). Recentemente descrevemos que o Tat do HIV-1, também via indução da citocina TGF-β1, é capaz de permitir o estabelecimento e divisão intracelular de um protozoário que normalmente é eliminado por macrófagos primários não infectados pelo HIV‑1(31). A modulação do crescimento da Leishmania também pode ser explicada pela inibição de citocinas com potencial leishmanicida (produzidas por Th1) ou pela indução de citocinas promotoras da replicação do protozoário (produzidas por Th2). Por exemplo, Wolday e colaboradores descreveram que a adição de HIV e Leishmania a culturas de células mononucleares do sangue periférico resulta em uma menor produção de IFN-γ (padrão Th1) quando comparada à produção pelas células estimuladas somente com Leishmania ou somente com mitógeno(32). Além disse, análise da produção de citocinas ex vivo por células mononucleares do sangue periférico, oriundas de pacientes co-infectados, re- 26 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 26 26 velou maiores níveis de IL-4 e IL-10 (padrão Th2)(33). Uma vez que a infecção pelo HIV induz uma maciça morte de linfócitos T CD4+ por apoptose, é provável que o reconhecimento destas células apoptóticas por macrófagos também atue no aumento da replicação da Leishmania e do HIV-1. De fato, a exposição de macrófagos a células apoptóticas contribui para o aumento da replicação do protozoário e do vírus(34,35). Assim como para Leishmania, o crescimento do HIV-1 também pode ser alterado por citocinas presentes no ambiente onde o vírus está sendo produzido. Dentre os clássicos mediadores solúveis que favorecem a produção do vírus por células infectadas in vitro podemos destacar IL-1β, IL-7, TNF-α, IFN-γ, ao passo que IFN-α, IFN-β, IL-23 e IL-27 estão associadas à redução viral(36). Na presença do HIV-1, macrófagos primários infectados por Leishmania infantum produzem maior quantidade de TNF-α, IL-1α e IL-6 ,e o bloqueio das citocina IL-1α e IL-6 resulta em menor produção de HIV-1 pelos macrófagos co-infectados, sugerindo uma participação direta das citocinas na modulação da replicação do HIV-1, provavelmente via indução da transcrição viral(37). Outro fator que pode contribuir para a replicação viral, também através da indução de mediadores solúveis, é a molécula Lipofosfoglicana (LPG) oriunda de promastigotas de Leishmania. Bernier e colaboradores demonstraram que a adição de LPG de L. donovani, ou do componente intramembrana do LPG (core-PI), é capaz de aumentar a replicação de HIV-1 em linhagens de monócitos e em linfócitos T CD4+ via um processo dependente da translocação de NF-kB para o núcleo(38,39). Curiosamente, se macrófagos forem expostos à molécula LPG ou à Leishmania infantum antes da infecção com HIV‑1, a entrada do vírus na célula é reduzida e o aumento da replicação do vírus só é observado a partir do sexto dia de coinfecção, embora os autores deste estudo não tenham testado o efeito do LPG em células já infectadas, conforme o estudo de Bernier e colaboradores(40). A fisiologia de células dendríticas (DC) também parece ser influenciada pela Leishmania e HIV‑1: amastigotas de Leishmania podem ligar-se a moléculas membranares de DC-SIGN, as quais também podem ser utilizadas na captura do HIV-1 por células dendríticas(41). Células dendríticas transferem HIV-1 para linfócitos T CD4+ durante o processo de apresentação antigênica e, a ligação das moléculas DC-SIGN pelos amastigotas pode interferir na captura de partículas virais e, conseqüentemente, reduzir a trasferência do HIV-1 para linfócitos T CD4+(42,43). Levando-se em consideração que as DCs são fundamentais para a ativação de linfócitos T e muito importantes na patogênese da infecção pelo HIV-1 e pela Leishmania, a perturbação das atividades deste tipo celular pode alterar a resposta efetora a ambos os patógenos. Nestes últimos anos as pesquisas na co-infecção HIV-1/Leishmania vêm ganhando destaque e importância devido ao aumento de casos clínicos envolvendo ambos os patógenos. Sem dúvida, a presença destes patógenos num organismo promove uma alteração na resposta imunológica, favorecendo a replicação viral e do tripanossomatídeo. Neste contexto, acreditamos que a interface entre pesquisas ex vivo, observações clínicas e modelos in vitro é tênue, uma vez que podemos planejar modelos terapêuticos para a co-infecção a partir de modelos in vitro ou ex vivo. Por exemplo, um estudo in vitro recente sugere que inibidores de protease já utilizados na terapêutica contra o HIV podem reduzir o crescimento intracelular da Leishmania e do HIV-1 em culturas de macrófagos infectados por ambos os agentes infecciosos(44). Um longo caminho ainda precisa ser descortinado para que possamos alcançar novas estratégias farmacológicas contra a co-infecção HIV/Leishmania. Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 4 - 24-27) 12/2/08 12:07:01 PM Referências Bibliográficas 1.Pantaleo G, Fauci AS. New concepts in the immunopathogenesis of HIV infection. 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A evolução da infecção pelo HIV depende da interação do vírus com dois co-receptores distintos, o receptor de α-quimicionas CXCR-4(1) e o receptor da família das β-quimiocinas, CCR-5(2) expressos na superfície de células T e monócitos/macrófagos, respectivamente(3). O papel específico dos co-receptores na patogênese da infecção pelo HIV ainda permanece em discussão. Vários estudos foram realizados, todavia, qual é o co-receptor usado pelo HIV, se é o CCR-5 ou o CXCR-4, ainda é controverso. As diferenças dos níveis de expressão de CCR-5 e CXCR-4 e a fusogenicidade do CXCR-4 são aspectos a serem considerados na patogênese dessa virose(4), porém, para KARLSSON(5), a expressão do co-receptor CXCR-4 pode não ser requerida para a progressão da infecção. Por outro lado em estudo recente, OLIVIERI(6) demonstrou que o vírus com tropismo para o CCR-5, isolado de pacientes que se encontravam nos estágios iniciais da infecção, diferiam daqueles verificados em pacientes em estágio mais avançado e desenvolvimento acelerado para AIDS. Mais especificamente, a atividade de fusão do Env pode estar relacionada com a diminuição na contagem de células CD4, bem como da quantidade de co-receptores CCR-5 expressos pelas células alvo, que parece ser mediada pela gp41(7). Em indivíduos caucasianos a deleção nucleotídica Δ32 pode estar presente em um ou em ambos os alelos do gene CCR-5. Enquanto a deleção homozigótica (Δ32/Δ32), em ambos os alelos, confere proteção à entrada do vírus nas células que expressam receptor CD4(3). Por outro lado a deleção Δ32 em apenas um alelo do gene CCR-5 cursa com uma progressão mais lenta da doença(8), em decorrência dos baixos níveis de expressão desse co-receptor(9). Todavia, para BALOTTA(10) e HUSMANN(11), os polimorfismos Δ32/Δ32 e Δ32 heterozigoto em indivíduos HIV-1 infectados e em indivíduos não infectados no gene CCR-5, são similares, e, portanto, necessitam mais estudos, considerando-se o sistema imune do indivíduo, fatores genéticos e do próprio vírus para uma análise mais precisa e estabelecimento de uma estratégia terapêutica. A linhagem CCR-5 não indutora de sincícios, e com tropismo por células monocíticas predomina na fase assintomática da infecção(12). Variantes do vírus podem emergir e induzir a formação de sincícios, o que está associado com uma rápida depleção dos linfócitos CD4 e progressão para a AIDS(13). Esses eventos independem da forma da infecção pelo vírus, bem como do fenótipo viral(14). Ativação Imune e Patogênese do HIV O HIV infecta aproximadamente 10% das células T-CD4. O mecanismo de seleção destas células parece constituir um conjunto de manifestações imunológicas, complexas, que ainda necessitam serem esclarecidas. Embora seja amplamente aceito que a infecção pelo HIV resulte em ativação imunológica crônica, com desequilíbrio no perfil de produção de citocinas, em que se verifica aumento dos níveis de citocinas do tipo Th2, não está claro se esta é causa ou conseqüência da diminuição do número de células CD4(15). Entretanto a ativação imune crônica permanece como um marcador da patogenia da infecção pelo HIV(16). Além disso é, também, considerada melhor preditor de apoptose de células CD4 que a viremia plasmática(17). A ativação imune resulta, ainda, em um descontrole da expressão dos co-receptores, CCR-5 e CXCR-4, o que não somente facilita a infecção viral(18), mas também aumenta a apoptose mediada pelo Env, que por sua vez gera antígenos estimuladores das caspases que induzem a ativação imune e perpetuam o ciclo vicioso que envolve aumento da infecção viral e replicação às custas da observação da morte celular. É, amplamente, conhecida a participação da glicoproteína do Env na mediação da fusão de células vizinhas e a importância desta na patogênese do HIV. Contudo, apesar de a estrutura e função da glicoproteína Env do HIV tenha sido amplamente estudada, o seu mecanismo de ação ainda permanece desconhecido. Estudos recentes sugeriram que in vivo a morte celular mediada pela gp41 pode ocorrer através do fenômeno da hemifusão com muito mais freqüência do que se imagina, tomando como referência evidências recentes, que a patogênese mediada por subunidades que apresentavam mutação da Env gp41 encontravam-se reduzidas. No entanto, estudos futuros, necessitam ser realizados para esclarecer o papel da subunidade gp41 mutante na patogênese do HIV. Algumas questões precisam ser respondidas: o polimorfismo CCR-5 afeta a apoptose mediada pelo CCR-5 Env, ou a ativação imune é mediada pela geração de células apoptóticas por mediação do Env e morte celular? Ainda outras análises de alterações celulares e bioquímicas ocorrem durante o fenômeno “Kiss of death” e necessitam ser estudadas detalhadamente. Referências Bibliográficas Fleng Y, Broder CC, Kennedy PE ,Berger EA. HIV-1 entry cofactor: functional cDNA cloning of a seven-transmembrane, G protein-coupled receptor, Science 1996;272:872-7. Doranz BJ, Rucker J, Yi Y, Smyth RJ, Samson M, Peiper SC et al. A dual-tropic primary HIV-1 isolate that uses fusin and the beta-chemokine receptors CKR-5, CKR-3, and CKR-2b as fusion cofactors. Cell 1996;85:1149-58. Samson M, Libert F, Dorantz BJ, Rucker J, Liesnard C, Farber CM, et al. Resistance to HIV-1 infection in Cauxasian individuals bearing mutant alleles of the CCR-5 chemokine receptor gene. Nature 1996;382:722-725. Spijkerman WF, Langendam M, Schuitemaker H, Coutinho R. 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Objetivos: avaliar a qualidade de vida de portadores do HIV/aids e suas relações com os fatores demográficos, clínicos e psicossociais, utilizando o WHOQOL HIV bref e o HATQoL. Metodologia: Tratase de um estudo analítico correlacional, de corte transversal, realizado em dois serviços de atendimento especializado em aids, no município de Ribeirão Preto-SP. Cinco instrumentos foram utilizados para a coleta de dados: Instrumento para caracterização sociodemográfica, Inventário de Sintomas de Depressão de Beck, Escala de auto-estima de Rosemberg, WHOQOL HIV bref e o HATQoL. Resultados: Dos 228 portadores do HIV/aids, 122 (53,5%) eram homens e 106 (46,5%), mulheres, com idade média de 39 anos. Com relação aos domínios do WHOQOL HIV bref, não se observaram importantes diferenças, nas médias deste instrumento, que variaram de 58,0 a 69,2. O domínio Espiritualidade apresentou os maiores escores de qualidade de vida, seguido pelos domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais, Nível de Independência e Meio Ambiente. Quanto às dimensões da escala HATQoL, os valores médios encontrados variaram de 31,6 a 95,7. Os domínios que apresentaram maiores escores foram: Confiança no Médico, Questões Relativas à Medicação, Atividade Geral e Satisfação com a Vida. Dentre os domínios mais comprometidos do HATQoL, destacam-se: Preocupação com o Sigilo, seguido de Preocupação Financeira, Preocupação com a Saúde. Diferentes variáveis influenciaram na qualidade de vida. Quanto às sociodemográficas, destaca-se que as mulheres apresentaram pior qualidade de vida, quando comparadas com os homens em vários domínios. Os indivíduos analfabetos e com menos de oito anos de escolaridade, aqueles sem renda e sem vínculo empregatício apresentaram qualidade de vida considerada prejudicada em diversos domínios. Sobre as variáveis clínicas, identificou-se que os portadores de aids, com baixa contagem de CD4 e alta carga viral, apresentaram pior qualidade de vida. Com referência às variáveis psicossociais, identificaram-se menores escores entre os portadores que não têm parceria afetivo-sexual e que apresentam sintomas depressivos. A depressão e o gênero constituíram-se nos preditores mais associados com pior qualidade de vida, e, ao contrário, a auto-estima associou-se com melhor qualidade de vida em vários domínios. Conclusão: O presente estudo constatou diversas variáveis que influenciam na qualidade de vida de pessoas que vivem com o HIV/aids. Este estudo oferece importante contribuição para a equipe de saúde, pois fornece subsídios para compreender melhor os fatores que podem influenciar a qualidade de vida destes indivíduos. Aponta, ainda, os domínios mais prejudicados, o que contribui para que sejam implementadas intervenções específicas pelos profissionais de saúde, bem como pelos gestores de políticas públicas. Aluno: Juan José Cortez Escalante Orientador: Cleudson Nery de Castro Tese de Doutorado Instituição: Universidade de Brasília Título: Modelo prognóstico de desenvolvimento de TB ativa nos pacientes com HIV/AIDS Resumo: Antecedentes: a tuberculose (TB) tem causado importante morbidade e mortalidade durante séculos. Embora a incidência e letalidade diminuíram marcadamente no decurso do século XX, o surgimento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) no final desse século mudou significativamente estas tendências. Objetivo: identificar características associadas à TB ativa nos pacientes com HIV/Aids, atendidos nos estabelecimentos de saúde especializados do Distrito Federal e desenhar um escore clínico-epidemiológico para fins de predição. Método: realizado um estudo de caso - controle em pacientes com 18 anos ou mais com diagnóstico de HIV/Aids, comparando os que desenvolveram TB ativa com os que não desenvolveram a doença entre os anos 2000 a 2004. Os pacientes foram identificados nas bases de dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (DF), isto é no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de TB e Aids, de HIV e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), complementada com os dados dos laboratórios de TB e HIV do LACEN - DF. A identificação dos fatores de risco foi realizada utilizando regressão logística para análises uni e multivariada. Com esses fatores se desenvolveu um modelo de predição de TB ativa nos pacientes com HIV/Aids. O modelo foi avaliado no mesmo grupo de pacientes que o gerou, mediante análise de sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos e negativos, razões de verossimilhança, acurácia, curva ROC e a área sob esta curva, assim como o cálculo de probabilidade pós-teste. Resultados: foram identificados 222 pacientes co-infectados, dos quais, 206 apresentaram critérios de seleção adequados. Desses, 64 foram identificados como óbitos e 51 não foram encontrados. Foram incluídos na investigação 91 casos e 91 controles. A prevalência estimada de TB nos pacientes com HIV/Aids em 2000 e 2004 foi 0,55 e 0,43%, respectivamente. Na população geral, a prevalência da co-infecção foi 2,62 casos por 100.000 habitantes. Dentre as características associadas à TB, sete permaneceram significativas após a 29 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 29 29 12/2/08 12:07:03 PM análise multivariada: ter menos de 8 anos de estudos completos (OR - ajustado = 4,6; IC 95% = 1,5 a 13,8), renda mensal menor que R$ 600,00 (US$ 300,00) (OR - ajustado = 4,8; IC 95% = 1,5 a 14,8), mais de uma família morando no domicílio (OR - ajustado = 48,7; IC 95% = 3,5 a 672,3), existência de doente com TB na família (OR - ajustado = 13,6; IC 95% = 2,4 a 78,3), ter apresentado toxoplasmose cerebral nos últimos dois anos (OR - ajustado = 7,2; IC 95% = 1,5 a 33,8), linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/ µl no mesmo período (OR - ajustado = 6,5; IC 95% = 2,1 a 20,1) e o não uso de um mesmo esquema HAART nos últimos 6 meses (OR - ajustado = 27,2; IC 95% = 7,8 a 95,1). Estas sete características constituíram o modelo de predição recebendo escores de 1, 1, 3, 2, 1, 1 e 2, respectivamente. Na avaliação do modelo encontrou-se 100% de sensibilidade quando o ponto de corte foi zero, 100% de especificidade quando foi igual ou maior que seis pontos, a maior razão de verossimilhança positiva (69) com seis pontos e a maior acurácia (90,1%) com quatro pontos. Com a prevalência de TB nos pacientes com HIV/Aids de 0,43% a maior probabilidade pós-teste (23%) foi obtida com o ponto de corte 6. Conclusão: foi possível identificar características associadas à TB nos pacientes com HIV/Aids, que definem a co-infecção no Distrito Federal e com estas características desenvolver um modelo de predição clínica. Aluno: Luisa de Moraes Madeira Orientador: Elibio Leopoldo Rech Filho Dissertação de Mestrado Instituição: Universidade de Brasília Título: Expressão de Cyanovirin-N, um Microbicida Anti-HIV, em Plantas Resumo: O Vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um vírus envelopado e as proteínas do seu envelope, em especial a gp120, controlam os eventos necessários para a sua entrada em células suscetíveis. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é a manifestação clínica da infecção por HIV. Apesar dos esforços globais de combate à AIDS, o número de portadores de HIV no mundo continua crescendo. O contato heterossexual é a principal forma de transmissão e tem acarretado no aumento alarmante do número de mulheres infectadas. Os microbicidas são medicações antimicrobianas capazes de prevenir a transmissão do HIV quando aplicadas na vagina ou reto antes da relação sexual, e surgiram como uma ferramenta adicional de combate à AIDS direcionada às mulheres. Cyanovirin-N (CV-N) é uma proteína candidata à microbicida capaz de inativar várias linhagens do HIV se ligando irreversivelmente à gp120 viral. A produção de CV-N, assim como de qualquer microbicida, para ser economicamente viável e suprir a demanda mundial deve ser alcançada em níveis muito altos. Dessa forma, plantas geneticamente modificadas oferecem um sistema adequado para a produção de CV-N. Neste trabalho, plantas de soja transgênicas para a expressão de CV-N sob o controle do promotor da β-conglicinina α` foram produzidas e a análise das sementes R1 mostrou que CV-N está acumulando a 6% do total de proteínas solúveis da semente, um nível significativamente alto quando comparado a outros trabalhos semelhantes. Adicionalmente, foi testado o sistema de expressão transiente de CV-N e CV-N mutada (Asn30Gln/Pro51Gly) em folhas de Nicotiana benthamiana, com três diferentes tipos de endereçamento celular. Os resultados demonstraram que todas as construções produziram CV-N capaz de se ligar à gp120, com níveis de expressão de aproximadamente 0,1%, sendo assim bastante inferiores aos observados em soja. Este trabalho é um exemplo das vantagens de produção de proteínas recombinantes em sementes quando comparada a folhas. Aluno: Kedma de Magalhães Lima Orientador: Ana Carolina Brandão Salgado Dissertação de Mestrado Instituição: Universidade Federal de Pernambuco Título: Aspectos clínicos e laboratoriais das onicomicoses em pacientes HIV - positivos e susceptibilidade da Candida spp aos antifúngicos Resumo: Onicomicoses afetam 15-40% dos indivíduos com HIV. São causadas por leveduras, dermatófitos e fungos filamentosos não-dermatófitos (FFND), apresentando as formas clínicas de onicomicose subungueal distal e lateral (OSDL), branca superficial (OBS), distrófica (OD) e subungueal proximal (OSP). Objetivamos descrever os aspectos clínicos e laboratoriais das onicomicoses em HIV-positivos. MÉTODOS: Estudo de série de casos realizado no Hospital Correia Picanco, Recife, Pernambuco. Foram coletadas escamas ungueais de lesões sugestivas de onicomicose em pacientes encaminhados para exame micológico. Os fragmentos foram retirados com cureta estéril e submetidos a pesquisa direta e cultura. RESULTADOS: Dos 100 pacientes com micoses superficiais, 35(35%) possuíam suspeita de onicomicose. Destes, 5(14,5%) apresentavam lesões ungueais em pés e nas mãos. Das 40 amostras, 22(55%) pertenciam ao sexo feminino, 18(45%) ao masculino; 21(52,5%) eram em unhas das mãos e 19(47,50%) em unhas dos pés. A idade media foi de 40,7 anos. Dos 21 casos de OSDL, 71,42% eram nos pés e dos 15 casos de OD, 93,33% eram nas mãos. Leveduras foram isoladas em 21(52,5%), FFND em 7(17.5%), dermatófitos em 4(10%) e infecções mistas (leveduras + bactérias) em 3(7,5%). O diagnostico micológico para as suspeitas de onicomicose foi confirmado nas 40 amostras, entretanto não houve crescimento fúngico em 5 cultivos. CO*CLUSÕES-A OSDL foi a principal forma clinica nas unhas dos pés, enquanto a OD, nas unhas das mãos. Em todas as suspeitas de onicomicose houve confirmação por exame direto e/ou cultura micológica. Levedura foi patógeno predominante, seguido em freqüência por FFND, passando os dermatófitos a um plano inferior. 30 TEND HIV VOL 3 N4 2008 02 12 08 30 30 12/2/08 12:07:03 PM
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