eva maria schwengers

Transcrição

eva maria schwengers
UnP - UNIVERSIDADE POTIGUAR
ALQUIMY ART
Pró - Reitoria de Pesquisa e Pós - Graduação Lato Sensu
Curso de Especialização em Arteterapia
A TRANSFORMAÇÃO DA ARTISTA PLÁSTICA EM
ARTETERAPEUTA
EVA MARIA SCHWENGERS
São Paulo
2004
EVA MARIA SCHWENGERS
A TRANSFORMAÇÃO DA ARTISTA PLÁSTICA EM
ARTETERAPEUTA
Monografia apresentada à Universidade
Potiguar, RN, e ao Alquimy Art, SP, como
parte dos requisitos para obtenção do título de
Especialista em Arteterapia.
Orientadora: Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini
São Paulo
2004
SCHWENGERS, Eva Maria
A Transformação da Artista Plástica em Arteterapeuta. /
Eva Maria Schwengers. São Paulo, [s.n.], 2004.
55p.
Orientadora: Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini.
Monografia: (Especialização em Arteterapia) UnP/ Universidade
Potiguar –(RN) Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Lato
Sensu e Alquimy Art (SP), 2004.
1. Arteterapia
2.Escultura
3.Antroposofia
UnP – UNIVERSIDADE POTIGUAR
ALQUIMY ART
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Lato Sensu
A TRANSFORMAÇÃO DA ARTISTA PLÁSTICA EM
ARTETERAPEUTA
Monografia apresentada pela aluna Eva Maria Schwengers ao Curso de
Especialização em Arteterapia em __/__/____ e recebendo a avaliação da Banca
Examinadora constituída pelos Professores:
Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Orientadora e Coordenadora da
Especialização.
Prof. Mestra Deolinda Florim Fabietti, Coordenadora da Especialização.
Dedico ao meu amigo Willy,
por nosso encontro ter propiciado tantos resgates pendentes,
vividos entre revelações e tentações,
crescendo em meio a muita integridade, responsabilidade e criatividade,
sempre permeadas por uma amorosidade espiritual.
Agradecimentos
Aos meus filhos, Oswaldo, Alexandre e Roberta, pela ajuda técnica.
À minha orientadora, Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini, por sua paciência com
minhas dificuldades.
A Consuelo por me trazer de volta a mim mesma, lembrando-me “quem eu sou”.
À minha revisora, Margaret por me ajudar neste meu desafio: “a escrita”.
Ao Cláudio pelo seu incentivo sempre tão amoroso.
À minha supervisora profissional, Prof. Deolinda Florim Fabietti, pelas suas palavras:
“confie mais em você, vá em frente”.
E, principalmente, ao Dr. K., “terapeuta – paciente – terapeuta e amigo” que me deu
o primeiro impulso nesta transformação, confirmando e acreditando em meu
trabalho.
Resumo
SCHWENGERS, Eva Maria. A Transformação da Artista Plástica em
Arteterapeuta. 55p. Monografia (Pós - Graduação Lato Sensu) UnP- Universidade
Potiguar (RN) e Alquimy Art (SP). São Paulo, 2004.
Esta monografia traz a história da autora, uma artista plástica, em busca
de seu autoconhecimento. Ela descreve os cursos de diferentes linhas
filosóficas dos quais participou e o que cada um trouxe de benefício para
seu processo de ampliação de consciência e para busca do Ser interior,
até que sua busca levou-a à Arteterapia. Na Arteterapia ela relata como
encontra os fundamentos teóricos que lhe dão a base necessária para a
sua prática e também para sua técnica como escultora. Ao mesmo
tempo em que aprofunda seu conhecimento no curso de Arteterapia,
relata um trabalho arteterapêutico de modelagem em argila,
desenvolvido com seu ex-terapeuta, a pedido deste, onde descreve
como foi o processo de estabelecer os limites da relação “pacienteterapeuta-paciente”. Conclui que a Arteterapia propiciou a segurança e a
confiança necessárias que serviram de base para as vivências sendo
fundamental para a distinção entre um trabalho arteterapêutico e um
trabalho artístico em modelagem no barro.
Abstract
Schwengers, Eva Maria. The transformation of an artist into an Art
Therapist.. 55p. Monograph (Post Graduation Certificate) UnPUniversidade Potiguar (RN) (Potiguar University of Rio Grande do
Norte), Alquimy Art Learning Research Center in São Paulo. São Paulo,
2004.
This monograph introduces the story of the author, who is an artist,
searching for self-acknowledge. She describes courses from different
philosophic beliefs she has attended and what each one of them
contributed to her process of enhancing conscience and her inner self.
And then she got to know Art Therapy. In Art Therapy she reports how
she has found the theoretical foundations that gave her the required
support for her practice and her technique as a sculptor. At the same
time she went further into Art Therapy, she reports an art therapeutic
work in modeling clay, that she has developed with her former therapist
(at his request). She describes how the limits of relationship “patienttherapist- patient were established. She concludes that Art Therapy
provided her the certainty and the confidence she needed and was the
basis for the experience and also very important to tell the difference
between an art therapeutic work from an artistic work in modeling clay.
Sumário
Agradecimentos..........................................................................
Resumo........................................................................................
Abstract........................................................................................
1. Introdução................................................................................
2. Formando o Caminho da Vida................................................
2.1. Sincronicidade............................................................................................
3. A Trajetória Artística...............................................................
3.1. Os cursos: descobertas e decisões.........................................................
4. Terapia Artística......................................................................
5. Vivências em sala de aula......................................................
5.1. A Argila........................................................................................................
5.1.1. Percepções das sincronicidades e suas relações com a vida.........
5.2. A Madeira....................................................................................................
5.3. A Pedra........................................................................................................
6. A Transformação da artista plástica em arteterapeuta........
6.1. A relação “paciente- terapeuta – paciente”.............................................
6.2. A Transformação........................................................................................
6.3. A Prática......................................................................................................
6.4. Momentos Difíceis......................................................................................
7. Considerações Finais.............................................................
8. Referências Bibliográficas.....................................................
10
1- Introdução
Venho iniciando minha monografia, lendo e relendo inúmeras primeiras páginas,
escritas por mim sem sucesso. Minha esperança era que, ao término deste momento
de crise atual em que me encontro, conseguisse escrever de uma forma mais
objetiva, mais tranqüila e mais certeira.
Mas, enquanto fazia um exercício de Kum Nye1 no qual procurava me centrar por
meio de respirações e movimentos corporais, percebi que essa espera era mais uma
ilusão. Era preciso ir em frente exatamente como me encontrava: no “entre”, sem
raízes, mudando minha vida, terminando uma etapa e iniciando outra.
E em todas as áreas da minha vida: a afetiva, a profissional, a corporal, a financeira
e até mudando de cidade, sentindo medo e insegurança.
Algo morre em mim, mas me sinto mais viva do que nunca, vivenciando momentos
de grande lucidez e sensibilidade, tendo insights muito mais significativos e
coerentes com meus atuais valores e metas.
Acredito e confirmo, ao longo do meu trabalho como arteterapeuta, que um
verdadeiro terapeuta (ou profissional da cura) precisa primeiramente “ser um bom
terapeuta de si mesmo”. Claro que é necessário a ajuda de alguns mestres
externos, como algumas terapias, relacionamentos profundos, muito conhecimento,
e muita consciência nas vivências significativas ao longo da vida. Mas nada disso
faz sentido se você não está aberto para o novo, para o mundo do inconsciente, e
principalmente, para a ajuda sempre presente do mundo espiritual indicando o
próximo caminho a ser conquistado.
1
Exercícios de respiração e diferentes tipos de movimentos que fazem parte dos ensinamentos da meditação
Budista criados por Tarthang Tulku.
11
Pretendo
relatar
aqui,
os
acontecimentos
ligados
ao
meu
processo
de
transformação, da Escultora em Arteterapeuta, por meio de vários percursos, por
entre diversos cursos, experiências autodidatas, e o meu aprofundamento durante
minhas terapias. Senti a necessidade em desenvolver alguns temas concomitantes
em minha monografia, pois eles se relacionam, se cruzam e se completam,
adquirindo sentido entre si.
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2. Formando o caminho da vida
Inicio contando um pouco do meu histórico pessoal e artístico. O que me
impulsionou a largar um trabalho bem sucedido como ourives e designer de jóias,
para seguir novos caminhos em busca de respostas a algumas perguntas ansiosas,
respostas que pudessem preencher um pouco a minha alma.
O que eu consegui realizar até agora?
O que deixei para trás em aptidões, talentos que agora posso e quero realizar?
É preciso mudar meus caminhos para que isso seja possível?
Ainda hoje, tenho tentado escutar todas essas perguntas e as novas que me
chegam de fora. Será que tenho condições de atender a essas novas solicitações da
minha vida?
Relato também, o meu processo de transformação, onde o relacionamento conduz,
fortalece e confirma o trabalho feito entre “paciente - terapeuta - paciente”, que se
iniciou em 1987, ao ir em busca do meu autoconhecimento com o psiquiatra
antroposófico2 Dr. K. (assim o chamarei para manter sua privacidade).
Naquele ano acreditava que na terapia conseguiria apagar por completo o ser que
tinha tantos pesadelos, medos e dependências. Desconhecia totalmente o meu
potencial interno, minhas virtudes e minhas aptidões. Após sete anos em terapia, fui
em busca de novos caminhos no processo de autoconhecimento. Caminhos que me
levaram a um aprofundamento espiritual, pois tive sempre um desejo apaixonado em
compreender qual o significado e o propósito de eu estar aqui.
2
Ciência Espiritual Antroposófica ou Antroposofia, fundada e estruturada pelo filósofo Rudolf Steiner (18611925).
13
Assim, procurei uma nova abordagem terapêutica, onde pude vivenciar experiências
por meio de regressões espontâneas.
Passaram-se mais quatro anos quando fui surpreendida por um telefonema do Dr.
K., convidando-me a lhe dar aulas de escultura - por indicação de um médico
antroposófico -, pois sua saúde não se encontrava bem. Sabia dos meus estudos e
da minha formação como escultora na escola antroposófica, e da força formadora
proporcionada pelo trabalho feito com argila.
Não se torna um escultor, apoiando-se em tradições, - como é
comum hoje, mesmo a artistas completamente desenvolvidos; tornase um escultor resgatando, com plena consciência, as forças
formadoras que uma vez levaram o homem às Artes Plásticas. Devese adquirir sentimentos cósmicos; deve-se ser outra vez capaz de
sentir o universo e ver no homem um microcosmo – um mundo em
miniatura. Não se trabalha por mera imitação, copiando um modelo,
mas recria-se mergulhando nesta força pela qual a própria Natureza
criou e deu forma ao homem. Forma-se como a própria Natureza
formou. Mas, então todo o modo de sentir, em cognição e expressão
artística, deve ser capaz de adaptar-se a isso. (STEINER, 1922, p.8)
Assim, em 2001 estava dando aulas ao meu primeiro terapeuta, com quem ainda
sentia um vínculo profundo.
Iria me sentir como paciente eternamente?
Teria capacidade em atender uma pessoa que considerava exigente, e com tanto
conhecimento?
Fui em busca de mais conhecimentos que me dessem maior segurança nos
atendimentos com o Dr. K., e iniciei um curso de Pós-Graduação em Especialização
em Arteterapia que me oferecesse uma base teórica, fundamentando o uso da arte
como terapia.
14
Segundo Andrade “A arte passa a ser um instrumento, técnico e conceitual de um
método de trabalho ao combinar o fazer arte, o uso de materiais plásticos e outras
formas de expressão a um objetivo educacional ou terapêutico” (1995, p.92).
Rememorando o que passou, vejo que em toda minha vida estive em busca de
compreensão e de verdade. Ao longo desses anos, tive momentos em que pude
constatar que meus caminhos eram guiados por uma direção maior que chamarei de
“Meu Anjo”, o qual pude sentir e observar, colocando muitas vezes obstáculos em
determinadas direções, e abrindo novos caminhos em outras direções, de uma
forma surpreendente.
Podemos ter acesso ao saber que está dentro de cada um de nós,
através do que normalmente chamamos de intuição. Aprendendo a
entrar em contato, a escutar e a agir em sintonia com a intuição,
estaremos ligados diretamente com a força superior do universo,
permitindo que ela se torne a nossa força orientadora. (GAWAIN;
KING, 1986, p.13)
Passei a ficar mais atenta e agradecida com os novos acontecimentos fossem eles
bons ou não tão bons, pois sabia que mais tarde iria compreendê-los.
Sintonizando na intuição e permitindo que ela se torne a força
orientadora de nossas vidas, permitiremos que o maestro tome o seu
lugar de direito como líder da orquestra. Em vez de perdermos nossa
liberdade individual, receberemos o apoio que precisamos para
efetivamente expressar a nossa individualidade. Alem do mais,
gozaremos a experiência de ser parte de um canal criativo mais
amplo. (GAWAIN; KING, 1986, p.13)
Eis-me, aqui, tecendo relações.
15
2.1. Sincronicidade
Durante todo o processo em tornar-me arteterapeuta ocorreram algumas
sincronicidades (JUNG apud PROGOFF, 1973), ou posso chamar de “sinais”, dos
quais, ao longo do trabalho, venho obtendo mais respostas, mais confiança e
principalmente a confirmação de estar trilhando o caminho certo.
Quando dois ou mais eventos ocorrem num dado momento do tempo
sem que um deles tenha causado o outro, embora haja uma relação
nitidamente significativa entre eles que ultrapassa as possibilidades
de coincidência, essa situação contém os elementos básicos da
sincronicidade. Eventos desse tipo em geral envolvem indivíduos ou
grupos diferentes. Pensamos ser estes o caso nas ocorrências
sincronísticas que se verificam nas relações interpessoais e, ainda
mais notadamente, nos acontecimentos históricos. (PROGOFF,
1973, p.119)
As formas plásticas vão surgindo, durante o modelar, em partes que seguem uma
seqüência cuja coerência só poderá ser notada com o trabalho concluído,
observando-se o todo.
Em relação aos estudos antroposóficos desenvolvidos na escultura, percebi que a
arte é curadora por si só, principalmente quando temos consciência suficiente para
fazer a relação das partes, no processo artístico ocorrido na matéria - no meu caso o
barro - com o momento de vida atual.
Nesse sentido,
[...] o princípio de sincronicidade se apresenta como um possível
método de trabalho para o campo dos estudos científicos em geral e
também como um princípio condutor para os vários níveis de
experiência da psicologia profunda. (PROGOFF, 1973, p. 57)
Por meio da manipulação do material artístico o que é modelado fora, é também
modelado internamente, ou seja, a pessoa reconhece-se na matéria. Assim,
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facilidades e dificuldades tornam-se conscientes e terapeuta e paciente podem
elaborar o próximo caminho a ser seguido, ajudados também pelas percepções
intuitivas.
17
3. A Trajetória Artística
Ao relatar minha trajetória artística, sou levada novamente por essa retrospectiva
biográfica a uma visão e a uma confirmação de como ocorreram minhas mudanças.
Percebo os novos paradigmas (FERGUSON, 1995) que vêm se instalando mais e
mais em minha alma, surpreendendo-me a cada nova atuação nos momentos de
minha vida.
Após me formar e trabalhar como ourives e designer de jóias durante seis anos,
senti que esse trabalho não me realizava mais. Em meados de 1992, iniciei uma
busca frenética, a procura de novas e mais profundas experiências, onde algo mais
verdadeiro pudesse emergir do meu ser. Tinha uma vontade de ajudar e cuidar de
outras pessoas e acreditava que com isso me sentiria mais realizada, menos vítima,
e menos culpada, por tudo e por nada; buscava algo que indicasse a existência de
um caminho para dentro, em direção a um conhecimento maior, mais consciente e
mais amoroso.
Creio que todos os homens e mulheres nascem com talentos. No
entanto, a verdade é que houve pouca descrição dos hábitos e das
vidas psicológicas de mulheres talentosas, criativas, brilhantes. Muito
foi escrito, porém, a respeito das fraquezas e defeitos dos seres
humanos em geral e das mulheres em particular. No caso do
arquétipo da Mulher Selvagem, para vislumbrá-la, captá-la e utilizar o
que ela oferece, precisamos nos interessar mais pelos pensamentos,
sentimentos e esforços que fortalecem as mulheres e computar
corretamente os fatores íntimos e culturais que as debilitam. Em
geral, quando compreendemos a natureza selvagem como um ser
autônomo, que anima e dá forma à vida mais profunda da mulher,
podemos começar a nos desenvolver de um modo jamais
considerado possível. Uma psicologia que ignore esse ser espiritual
inato, central à psicologia feminina, trai as mulheres, suas filhas,
netas e tidas as suas descendentes futuras. (ESTES, 1994, p.24)
18
Nos anos que se seguiram passei a ler mais, e a freqüentar alguns cursos. Em 1993
resolvi freqüentar paralelamente dois cursos básicos por não saber qual deles iria
me aprofundar; o de “Bioenergética” e o de “Ciência e Arte”, que foi meu primeiro
contato com a Antroposofia.
3.1. Os cursos: descobertas e decisões
Durante um ano no curso de Bioenergética que fiz com Theda Bassos, pude
descobrir novas maneiras de olhar meu corpo, identificando e compreendendo onde
e por que determinadas partes eram tensas e rígidas.
A Bioenergética é uma técnica terapêutica que ajuda o indivíduo a
reencontrar-se com o seu corpo, e a tirar o mais alto grau de proveito
possível da vida que há nela. É baseada no trabalho de Wilhem
Reich, [...] onde fazia referência à identidade funcional do caráter de
uma pessoa com sua atitude corporal ou couraça muscular. Esta
couraça se refere ao padrão geral das tensões musculares crônicas
do corpo. São assim definidas pois servem para proteger o indivíduo
contra experiências emocionais dolorosas e ameaçadoras.
(ALEXANDER, 1984, p.13)
Mas após algumas vivências mais profundas minhas e de minhas colegas, comecei
a comparar este trabalho com outras experiências corporais vividas paralelamente
por meio dos exercícios budistas de Kum Nye.
Comecei a me identificar mais com os exercícios budistas por serem mais sutis e
profundos, abrangendo também o espírito. Por outro lado, algumas vezes, sentia-me
mal ao realizar alguns exercícios, os quais considerei um pouco agressivos.
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Neste mesmo ano iniciei o curso de Ciência e Arte onde pude experimentar no barro
e na aquarela noções básicas da Antroposofia.
Para a Antroposofia
[...] temos o mundo físico conhecido, objeto de nossos sentidos e das
ciências; é o mundo em que vivemos. De outro lado sentimos que
existe um domínio não-físico, impalpável, mas cuja existência
sentimos com uma certeza, por assim dizer, direta, inata [...]
conhecer algo desse outro mundo, [...] investigá-lo consciente e
cientificamente, por meios adequados, conservando a consciência, o
espírito crítico, o raciocínio [...] em outras palavras: estender o campo
da pesquisa conscientemente para esse back-ground espiritual do
nosso mundo sensível (LANZ, 1994, p.13).
Esta é a via por que segue os estudos antroposóficos, “sendo uma ciência do
Cosmo, tendo por centro e ponto de apoio o homem [...] começando o estudo por
uma análise do ser humano” (LANZ, 1994, p.14).
Fiquei encantada pelos estudos desta ciência espiritual e principalmente por
aprender e compreender mais de mim mesmo por meio da arte.
A arte para Goethe era uma das manifestações da lei fundamental do
Universo; a outra era a ciência. Arte e Ciência emanam, para ele, de
uma mesma fonte. Enquanto o pesquisador mergulha nas
profundezas da realidade para lhe vazar as forças atuantes em
conceitos, o artista procura incorporar essas mesmas forças atuantes
ao seu material. „Penso que se poderia chamar a ciência de
conhecimento do geral, de saber abstrato; a arte seria então ciência
usada para a ação: a ciência seria razão, e a arte, seu mecanismo. O
que o cientista enuncia como idéia (teorema) a arte deve gravá-lo na
matéria‟. (STEINER, 1984, p.81)
No final deste mesmo ano de 1994, pude confirmar mais uma vez a sincronicidade
dos fatos se manifestando a meu favor, mostrando o caminho a ser seguido. Não fui
escolhida para continuar o restante dos módulos na Bioenergética, por ter opiniões
divergentes ao curso, e fiquei extremamente frustrada e me sentindo impotente. Mas
no dia seguinte, coincidentemente recebi um telefonema da escola Antroposófica
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Centrarte oferecendo vagas para o curso de Terapia Artística e dei início à minha
formação, por cinco anos letivos, com muito entusiasmo.
Durante esse tempo também participei de diversos seminários, palestras e
workshops os quais descrevo a seguir, em linhas gerais, pois todos contribuíram
para meu trajeto rumo ao autoconhecimento.
No Seminário de Tantra e Renascimento, com Ronald Fuchs, formado em Rebirthing
na Inglaterra, aprendi que,
De acordo com Tantra, o Universo nasce da união cósmica dos
princípios feminino e masculino, e o amor é a expressão desta união
ao nível Humano. Origina-se do período pré-clássico da Índia. Tantra
é a arte de conhecer-se a si mesmo através do outro. É a expressão
do amor consciente, a Energia Pura, amorosa e espiritual que
através do som, do movimento, da respiração e do relaxamento abre
o coração à experiência máxima do Amor. 3
No Workshop em Aura- Soma – que propõe a cura pelas cores, aprendi que,
Wall aprendeu os princípios alquímicos para misturar essências que
se reestruturam de modo a criar um efeito vivo. Teve uma brilhante
revelação e nasceram os óleos balanceados Aura-Soma. A palavra
“chakra” em sânscrito significa literalmente roda ou círculo. Imagine
então 7 chakras vitais, localizados exatamente na parte frontal da
coluna vertebral. Eles são a essência da aura, e para garantir que as
energias flutuem em harmonia, que a totalidade do ser-mente, corpo,
espírito esteja “em sintonia”, cada chakra deve estar completamente
aberto e em equilíbrio. O trabalho da Aura-Soma começa aqui.
(WALL, 1995, p.115)
Tornei-me mestre em Reiky, o que me auxilia até hoje nos momentos em que
preciso me conectar, me perceber, e então me alinhar,
Reiky significa “Energia Universal de Vida”. É a energia fonte de
nossa vida. É um método de cura muito antigo, redescoberto por um
monge japones cristão Dr. Mikao Usui, no século findo, propagandose por todo o ocidente. Sua essência está tão viva hoje como estava
há centenas de anos atrás, na época em que foi registrada nos
3
Texto retirado do folheto explicativo do Seminário sobre Renascimento- Rebirthing- e as Bases do Tantra
realizado em São Paulo em novembro de 1998.
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Sutras. Não é religião, nem culto, nem filosofia. Não se utiliza da
energia do terapeuta, mas da energia cósmica que tudo circunda e
flui por seu intermédio, através do toque das mãos para nós
mesmos, para outros, para plantas, animais, podendo ser transmitido
também à distancia. Age em todos os níveis, restabelecendo e
fortificando a harmonia física, emocional, mental e espiritual.
(HOSSE4 )
Aprofundei-me durante seis anos nos exercícios Kum Nye de meditação Budista
Tibetana:
A tradição escrita do Kum Nye está contida nos textos médicos
tibetanos, bem como nos antigos textos Vinaya do Budismo que
focalizam o viver de acordo com leis físicas e universais e incluem
extensas descrições de práticas de tratamento. O Kum Nye faz parte,
portanto, da linhagem de teorias e práticas espirituais e médicas que
ligam a medicina tibetana às medicinas indianas e chinesas. Essa
linhagem deu origem a um sem-número de disciplinas, incluindo o
yoga e a acupuntura. Inclui exercícios de respiração, automassagem
e diferentes tipos de movimentos. (TULKU, 1995, p.2)
Aprofundei-me no conhecimento Antroposófico freqüentando o curso de Medicina
Antroposófica para profissionais da área terapêutica na Clínica Tobias:
Iniciada por Rudolf Steiner e Ita Wegman, a medicina Antroposófica
vê o ser humano, no caso o paciente, como um ser espiritual em
desenvolvimento. Para tal, considera além dos sintomas físicos, a
qualidade vital, a vida emocional e a biografia. Somente assim
podemos atingir as causas reais dos desequilibro (doenças) e atuar
terapeuticamente a partir de medicamentos no caso médico, além de
outras terapias auxiliares, como Euritmia Curativa, Terapia Artística,
Massagem Ritmica, entre outras.(Sociedade Brasileira de Medicina
Antroposófica5)
Todos esses cursos participam, até hoje, de minha formação como um todo,
auxiliando-me nos momentos em que devo tomar decisões importantes em minha
vida.
4
Trecho retirado de folheto explicativo editado por Ângela H. Hosse, membro ativo da Reiky Alliance e
divulgadora do Reiky em território nacional por meio de cursos de especialização desde 1992.
5
Trecho retirado do Boletim informativo trimestral da Sociedade Antroposófica no Brasil em 1998.
22
4. Terapia Artística
O curso de formação em Terapia Artística é fundamentado na Ciência Espiritual
Antroposófica fundada por Rudolf Steiner. Trago, aqui, duas questões que me
parecem relevantes.
O que é Antroposofia e qual é seu objeto de pesquisa?
A Antroposofia se entende como uma ciência espiritual, como uma
ciência do espírito, assim como a ciência natural se entende como
uma ciência da Natureza. Da mesma forma como esta dirige sua
visão ao mundo sensorial e aplica um método definido de pesquisa
experimental, a ciência espiritual dirige sua visão ao mundo de fatos
supra-sensíveis, aquilo que se expressa como essência espiritual no
sensorial visível, e utiliza para isso um método correspondente de
pesquisa. (MIKLOS; KLETT, 2000, p.223)
O que é Terapia Artística ?
A Terapia Artística, disciplina complementar à Medicina
Antroposófica, foi desenvolvida a partir de um trabalho iniciado em
redor de 1925 no instituto Clínico-terapêutico de Arlesheim ( Suíça)
pela Dra. Margarethe Hauschka. Abrangendo basicamente a pintura,
o desenho e a modelagem, mas reconhecendo a necessidade de se
desenvolver terapias em todos os campos da Arte. (VON DER
HEIDE, 1987, contra capa).
Estava cheia de expectativas, sentia que havia encontrado o caminho certo.
Estudávamos o lado científico antroposófico lendo um livro por ano: Teoria do
Conhecimento, Teosofia, Filosofia da Liberdade, Ciência Oculta, e aprofundávamos
nas vivências artísticas: Arte da Fala, Pintura, Escultura e Euritmia.
Estava realmente envolvida tanto com os professores e os alunos, como com os
novos conhecimentos que adquiria. Sentia-me como se estivesse fazendo uma
faculdade: todos os dias, durante 5 horas, por 5 anos consecutivos.
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Mudava, gradativamente, meu ritmo, meus amigos, meus pensamentos, minhas
leituras, até meu modo de vestir, pois sentia pela primeira vez que meu interior era
muito mais rico e interessante que o meu visual externo, o qual vinha cultuando há
algum tempo. Iria me formar em Terapia Artística e estava unindo as três coisas que
mais gostava: a arte em si, os estudos de uma ciência espiritual e a arte como
curadora.
No segundo ano foi nos comunicado, que não teríamos mais o diploma de Terapia
Artística, mas ele viria no meu caso, como “Formação em Escultura”, novas normas
do Gotheanum, sede da Sociedade Antroposófica em Donach (Suíça). A partir desse
momento não teríamos mais aulas de medicina nem terapia. Minhas dúvidas teriam
que ser respondidas com minhas próprias anotações, ou seja, o significado obtido
das relações feitas nas formas escultóricas com minhas sensações internas, eu teria
que descobrir por meio das experiências em sala de aula, dos estudos
antroposóficos e com muita, muita observação.
Dessa forma, iniciei o meu trabalho anotando didaticamente cada processo em que
vivenciei internamente a arte como curadora.
Este é o momento oportuno para fazer compreender a quem começa
qualquer tarefa, como é importante o nosso esforço. E como esse
esforço é recompensado, a maioria das vezes, pela ajuda de forças
superiores que costumamos chamar de “inspiração”. A arte como a
inspiração máxima da sensibilidade humana, não como uma mera
diversão ou passatempo, um luxo do qual podemos prescindir.
(JUNOY, 1987, p.29)
Fui percebendo que alguns alunos também tinham seus conflitos internos ao longo
do aprofundamento no trabalho, mas, para alguns, o interesse era focado nas artes
e nos estudos, portanto questões internas passavam a ser subjetivas, não
necessitando de um aprofundamento maior. Sabia o quanto essa área me fascinava,
24
e procurava tirar o máximo proveito das novas informações, pois os nossos
professores tinham um vasto conhecimento artístico antroposófico, além das
experiências que traziam devido a seus estudos e aulas ministradas em outros
países. A troca era extremamente rica, havendo sempre novos contatos, tanto com
palestrantes como com alunos estrangeiros, trazendo novidades para a escola.
25
5. Vivências em sala de aula
A seguir, apresento algumas vivências que se tornaram importantes no decorrer de
meu processo de transformação, em que trabalhei com os materiais argila, madeira
e pedra. Relato, aqui, aspectos desse processo que aconteceu enquanto trabalhava
com um grupo de formação em Escultura.
5.1. A Argila
Iniciamos o trabalho com a argila, lentamente, colocando pequenos pedaços de
barro, deixando que uma esfera crescesse em nossas mãos até chegar ao máximo
do tamanho possível (30 a 50 cm de diâmetro).
Durante o trabalho pude sentir que a vontade, o entusiasmo, a euforia e o meu calor
interno aumentavam com o trabalho na esfera. Sentia-me parte dela. Mas após o
seu crescimento percebi que ela já não pertencia mais a mim, mas ao mundo.
Depois de muito esforço, e já com a peça praticamente pronta me senti orgulhosa e
satisfeita quando pude observá-la à distância. Mas no dia seguinte, ela estava
rachada. Senti raiva e frustração pelo excesso de apego que pude ver tão
escancarado em mim.
Iniciei-a novamente, irritada e frustrada. Depois mais feliz, pela capacidade e
vontade que reapareceram com a retomada. Contudo, ao chegar em casa estava
nitidamente irritada, com uma sensação de solidão, sentindo-me tremendamente só
nesse caminho para dentro, pois pude constatar que esses momentos são
26
vivenciados na solidão e que dificilmente podem ser compreendidos, e
compartilhados em sua verdadeira dimensão.
Os obstáculos que surgiam e as reações que ocorriam durante o processo, tanto as
minhas internas, como as do grupo, surpreendiam-me: quando uma peça já grande
rachava a ponto de se quebrar, todos ajudavam como num mutirão, a fim de
recuperá-la novamente, como no caso da minha esfera, coisa que nem sempre era
possível.
Nesses momentos difíceis, tínhamos de lidar com as nossas frustrações,
impotências e apegos. Muitos sentiam a raiva crescer, pois já haviam chegado em
seu limite. Outros tinham vontade de chorar.
Outras vezes ficávamos horas sem conversar, cada um permanecendo no seu canto
em silêncio, totalmente concentrados cada qual em seu trabalho, suportando
dúvidas e tensões, sabendo que as respostas não viriam de imediato.
Figura 1 – Minha peça “a Esfera” quando rachou ao meio.
27
Percebi que todos os dias eu era obrigada, quisesse ou não, a trabalhar algo novo
em mim e que quando você conquista algo com sua experiência, isso passa a fazer
parte de você, fica para sempre impregnado dentro da sua alma.
5.1.1. Percepções das sincronicidades e suas relações com a vida
As relações do trabalho feito no barro e meu estado durante esse dia foram se
confirmando, eu não podia negar essa experiência. O barro passou a ser o meu
instrumento de autopercepção. Quanto mais entrava fundo na matéria (barro) mais
me reconhecia, quanto mais superava obstáculos, mais força sentia em minhas
ações na vida. Podia perceber o mesmo acontecendo com meus colegas de aula.
Continuamos dando um passo à frente.
Com a esfera agora já grande, o objetivo era, com os punhos fechados, entrar no
barro formando um grande côncavo. Esta era a força de “fora” atuando na matéria.
Conforme ia atravessando a esfera, podia perceber que, do lado oposto, surgia uma
forma convexa, mostrando claramente a força de “dentro” atuando na matéria para
fora, onde podia sentir o contato direto da minha mão forçando o barro para frente e
a resistência existente da matéria.
28
Figura 2- Vivência no barro: côncavo e convexo e suas ligações.
Pude fazer algumas relações durante essa experiência, mas vou citar aquela que me
veio de imediato. Encontramos ao longo do caminho algumas resistências quando
tomamos atitudes baseadas em decisões, que acreditamos serem verdadeiras para
nós, e muitas vezes, é preciso ter força e persistência para não desistir daquilo que é
precioso em nossa vida, mesmo sabendo que estamos sozinhos e, muitas vezes,
lutando contra a existência de forças contrárias.
Para finalizar teríamos que fazer as ligações entre as partes côncavas e convexas,
nada mais que procurar o caminho tão desejado por todos que buscam o equilíbrio:
“O Caminho do Meio”. Sentia que todos estavam lutando, oscilando entre várias
29
alternativas; alguns mais pacientes, outros mais nervosos, mas todos aprendendo
muito sobre a arte de modelar no barro e em si mesmo.
Após três meses de trabalhos diários terminamos essa peça, superando algumas
dificuldades e aprendendo a aceitar aquelas que não nos foi possível a
transformação.
Figura 3 – A “Esfera” pronta.
O nosso professor, Gean Algarotti, no decorrer do processo foi estabelecendo
relações, dizendo que o espaço de paz interno, o calor que se dá com a formação
inicial da esfera é a semente, onde ocorre o início da vida.
30
Também houve o aparecimento das forças primitivas relacionadas com os quatro
elementos:
Água - usada para umedecer o barro.
Terra - o material escolhido, o barro.
Ar - o espaço à nossa volta de trabalho e a nossa respiração.
Fogo - a vontade que nos movimenta para trabalhar.
São forças de vida que apareceram com o trabalho, onde cada um pôde perceber
seu ritmo, a necessidade de retomar o próprio eixo, exercitar o olhar de longe
necessário para ver o todo e o olhar de perto para ver as partes. :
Desenvolvíamos essas novas percepções internamente de uma forma espontânea,
conforme o conhecimento adquirido com o barro.
Os processos de transformação continuaram mais intensos por meio dos trabalhos
feitos com a madeira e com a pedra.
5.2. A Madeira
Cada pessoa do grupo levou seu próprio bloco de madeira para o próximo trabalho.
Escolhi a cerejeira pela sua cor e pelo seu cheiro,
Na madeira a experiência era nova, usava não só as mãos para sentir a superfície
mas as ferramentas entravam para auxiliar nos cortes, e o cuidado era maior pois
aquilo que se cortava não se repunha mais, como no barro, era preciso mais força,
mais certeza no ato de esculpir. Fui descobrindo que cada madeira tinha um cheiro
31
característico, seus veios tinham que ser cortados do lado certo, pois lascavam
estragando muitas vezes o trabalho feito anteriormente, ou seja, o cuidado era
maior. A cada mudança feita na madeira havia sempre uma resposta, diferente do
barro que tudo aceitava.
Figura 4 – O bloco de madeira “cerejeira” no início do trabalho.
Quando me deparei com um pedaço relativamente grande da madeira cerejeira,
esculpia lentamente com medo de lascar. Mais tarde fui percebendo que tinha que
32
confiar e colocar mais força no braço. No final do trabalho saía suada e cansada,
mas me sentindo mais forte e confiante.
Figura 5 – Escultura em madeira depois de pronta.
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5.3. A Pedra
O mesmo acorreu no trabalho com a pedra-sabão. Cada um levou seu pedaço, de
tamanhos variados. A pedra era um pouco mais dura que a madeira, portanto
precisava de mais ferramentas: goivas, grosas e lixa, muita lixa.
O trabalho era mais demorado e difícil. Porém no final, as cores na pedra iam
surgindo lentamente trazendo uma nova visão do trabalho, na composição dos
movimentos, com as cores da pedra.
Se na madeira precisava usar mais força, na pedra, ainda mais. Reconhecia minha
força crescer tanto fora nos movimentos com o braço, como internamente nas
minhas sensações. Passei a ver o meu trabalhar como um desafio. Queria descobrir
como dar leveza a um material tão duro como a pedra. Trabalhei durante seis
meses, sempre buscando de que lado, em que movimento, ou em que cor
encontraria a leveza na pedra, podia fazer relação constantemente desse trabalho
com a minha vida:
“Como adquirir leveza quando se deve tomar atitudes duras na vida?
Como encarar momentos duros, de sofrimento, com mais leveza?
Como “Pegar Leve” quando nos sentimos machucados?
Ou seja como adquirir leveza nos momentos mais difíceis na vida?”
34
Figura 7 – Lado mais trabalhado em busca dos elementos que dão leveza.
Foi só no final do trabalho que algumas respostas vieram naturalmente. Enquanto
esculpia um lado da pedra que considerava mais leve, pude perceber que do outro
lado que já havia trabalhado antes, as formas eram harmônicas trazendo uma leveza
natural, só que eu estava tão preocupada em esculpir coisas leves que não percebi
que a leveza já existia naturalmente nos movimentos suaves do outro lado da pedra.
Mais uma vez constatava o quanto podemos descobrir, se estivermos abertos e
preparados para as novas visões que se apresentam surpreendentemente num
trabalho artístico.
35
Figura 8 – A leveza que pude perceber mais tarde, já existente em seus movimentos.
Nosso professor de escultura, “Gean Algarotti”, teceu algumas idéias no final do
nosso trabalho. Transcrevo, aqui, suas reflexões:
“A formação traz no início as forças vivas de crescimento, expansão, contração,
volume, espaço, movimento, ritmo e equilíbrio. Por meio de exercícios com a argila,
experimentamos esses elementos fundamentais da escultura.
Duas forças constantes no mundo são trabalhadas sendo a primeira, a força interna
vital (de crescimento) e a segunda, a força externa. Elas se interligam, mostrando-se
como movimento dentro da escultura entre cavidades e convexidades.
Essas polaridades, presentes no ser humano, apresentam-se diariamente através de
sentimentos de simpatia e antipatia, agrado e desagrado, dificultando a
conscientização do equilíbrio dessas forças. No contato com a argila, essas
polaridades possibilitam uma flexibilização, que propicia modificações. Nesse
momento começa o trabalho interno de cada aluno, que desenvolve, ao mesmo
tempo, suas forças anímicas.
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No processo de formação, focaliza-se não só a reestruturação anímica, mas uma
nova consciência de forças e elementos que atuam nas representações diárias. O
processo artístico supera as ilusões e encaminha ao essencial.
Num segundo momento, aplica-se todo o aprendizado em um novo material:
madeira. O aluno progride da característica altruística da argila, para esse material
mais rígido. A madeira traz qualidades próprias, como estrutura, dureza, cor e
cheiro. É preciso criar um respeito pelo material. O desenvolvimento dos sentidos
descortinará um novo mundo. O aluno se vê mais acordado e sensível. Isso pode
ser incômodo, pois ele se torna mais alerta e sensível não somente ao trabalho
artístico, mas também à vida agitada das grandes cidades. O estudante deve
aprender a lidar com essas impressões por ele assimiladas.
Nesse ponto, a vivencia artística propicia uma nova postura, mais criativa e atuante
perante a realidade. No trabalho subseqüente com a pedra, a confrontação com a
matéria e consigo mesmo torna-se mais clara e forte. O aluno é colocado diante de
uma situação de decisão e resolução própria no trabalho artístico. É o momento em
que acontece um novo elemento: a independência. É preciso desenvolver a
capacidade de dar um direcionamento ao seu trabalho”.6
[...] é essa autonomia do espírito humano que se revela na opinião
goethiana de que o artista desenvolve uma capacidade instintiva de
perceber idéias ou „arquétipos‟ – os quais, segundo Steiner, nada
mais são além de forças que impulsionam por detrás dos fenômenos.
Afirmando que a idéia se manifesta no todo, e não nas partes, e que
cada exemplar da Natureza é uma tentativa de realização do
arquétipo, Goethe credencia à arte o mérito de unificar realidade e
ciência, acrescentando ao factual da primeira e ao racional da
segunda o ingrediente do belo, pois „o belo é a manifestação de leis
ocultas da Natureza, as quais continuariam ocultas sem a Arte‟.
Sendo assim, o papel do artista é revelar as intenções subjacentes à
realidade comum, transmitindo em sua ficção, „ através da aparência,
a ilusão de uma realidade superior‟. (1994)7
Surge a pergunta: será que eu, como artista estou transformando minha própria
expressão artística num espelho da minha vida interior?
6
Relato oral do Professor Algarotti e anotado durante a aula.
Trecho retirado da orelha do livro “Arte Estética segundo Goethe” de Rudolf Steiner, Editora Antroposófica,
1994.
7
37
Quando essa experiência acontece, traz alegria e entusiasmo para continuar o
trabalho artístico. Essa é a meta: não formar somente artistas, mas acima de tudo,
cultivar a vontade para continuar o trabalho artístico por si só.
38
6. A Transformação da Artista Plástica em Arteterapeuta
6.1. A Relação “Paciente-Terapeuta-Paciente”
No final do ano de 2001, estava inteiramente envolvida com exposições com
escultura e outros trabalhos artesanais, quando fui surpreendida pelo convite de
meu primeiro terapeuta, como já relatei anteriormente, sugerindo que fizéssemos
uma experiência, onde eu lhe daria aulas de escultura, por recomendação de um
médico antroposófico.
Hoje, procuro relembrar o que senti: Temerosa? Insegura? Cheia de dúvidas, com
certeza, porém entusiasmada com essa nova proposta de trabalho.
Sabia do profundo conhecimento do Dr. K. tanto como médico antroposófico como
psicanalista, pois havia feito terapia com ele por sete anos seguidos.
Iniciei uma busca a fim de confirmar como andavam meus conhecimentos nos
estudos como escultora antroposófica, relendo meus cadernos e minhas anotações
autodidatas. Senti que deveria procurar mais informações e fui em busca de cursos
que pudessem me acrescentar mais a respeito da Arte como curadora.
Para Navarro “o pior terapeuta é o terapeuta morto, portanto, o principal e mais
importante paciente de qualquer terapeuta é ele próprio” (apud BASSO; PUSTILNIK,
p.19).
Iniciei o curso de Especialização em Arteterapia, e uma supervisão profissional,
paralelamente, sentindo-me dessa forma, mais apoiada nos atendimentos com o Dr.
K., em sua clínica durante os dois anos seguintes.
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Arte Terapia surge, no Brasil, em resposta a uma demanda cada vez
maior de se relacionar expressão verbal e não verbal com os
processos de transformação no desenvolvimento humano. A
intenção é produzir qualidade de vida, em dinâmicas em que a Arte é
reconhecida como terapêutica e condutora de novas aprendizagens.
(ALLESSANDRINI; FABIETTI, 2000)8
Segundo Saadé em “Arteterapia evocamos o valor e a abrangência que a Arte tem
sobre o ser Humano: pensante, formador, construtor, sensível, consciente e intuitivo”
(apud ALLESSANDRINI, 1999, p.24).
A importância do curso e da supervisão reside no fato de “que muitas vezes o
profissional [que] não tem oportunidade de presenciar o seu próprio processo de
criação” que lhe permite trabalhar seu próprio desenvolvimento, autoconhecimento
“poderá sentir dificuldades em entender o processo de criação do outro” [ao passo
que aquele que] “trabalha com o seu próprio desenvolvimento e com o seu
autoconhecimento é estimulado à compreensão de sua experiência” [e terá] “maior
segurança no arriscar-se durante as intervenções [...] arteterapêuticas em direção ao
que antes pareciam apenas possibilidades”. (ALLESSANDRINI, 1999, p.24)
6.2. A Transformação
Encontrava-me em 2002 num momento de turbulência, iniciando minha separação
após 25 anos de casamento, sentindo-me muito vulnerável e insegura, buscando
soluções externas e internas; nas minhas relações, nos meus cursos e em minha
terapia.
8
Trecho retirado do folheto explicativo do Curso de Especialização em Arteterapia do Alquimy Art, São Paulo,
2000.
40
Sem saber exatamente de onde viriam as respostas, trabalhava intensamente toda
essa minha transformação, que vinha se desenrolando mais profundamente há
alguns anos pelos meus conteúdos vividos durante os processos artísticos em
Arteterapia, onde pude associar novas formas conquistadas no barro com atitudes
novas na vida, o que confirmava ainda mais a força terapêutica da arte.
Sabemos muito bem lá no fundo, que há somente uma única magia, um único poder,
uma única salvação, e que se chama AMOR. Pois então que se ame o próprio
sofrimento. Não resistamos, não fujamos. Entreguemo-nos a ele. O que nos fere é
nossa aversão, nada mais.
Conflito, dor, tensão, medo, paradoxos... São transformações em processo. Uma vez
que as enfrentemos, a evolução interna tem início. Os que descobrem esse
fenômeno, seja por pesquisa ou de modo acidental, percebem gradualmente que a
recompensa vale as aflições de uma vida não anestesiada.
Na mudança de paradigma percebemos, que nossas opiniões
anteriores eram apenas parte do quadro – e aquilo que sabemos
hoje é apenas parte do que iremos saber amanhã.
A mudança não é uma ameaça. Ela absorve, amplia, enriquece. O
desconhecido é um território amigo e interessante. Cada percepção
torna a estrada mais ampla, fazendo com que a próxima etapa, a
próxima abertura, seja mais fácil. (FERGUSON, 1995, p. 68 e 73)
Em outubro de 2001, iniciamos nosso trabalho: Dr. K. e eu. Durante um mês daria
aulas de modelagem em argila em sua clínica, como experiência para ambos.
Era exatamente assim que me sentia, experimentando:
Experimentando a relação com uma pessoa com quem ainda tinha laços estreitos.
Não sabendo quem iria atender quem?
E o que daria? Aulas de Escultura ou Atelier de Arteterapia?
Posso e devo dizer que foi uma das experiências mais ricas e profundas que tive,
durante nossas sessões semanais que muitas vezes duravam mais que duas horas.
41
Só após dois anos pude confirmar pela minha experiência e pelo próprio Dr. K.
minhas capacidades como Arteterapeuta, obtendo a confiança do Dr. K. quando ele
passou a encaminhar seus pacientes para mim.
Pude aprender imensamente com nossas trocas no trabalho, com ele como o ser
humano especial que é, e com o nosso trabalho feito em parceria com seus
pacientes.
6.3. A Prática
Iniciei as aulas trabalhando no barro com aquilo que mais conhecia; - os elementos
da escultura, suas formas, e o sentimento gerado durante o processo de
modelagem;
Volume, equilíbrio, côncavos e convexos, estrutura, movimento, contração
expansão, peso e leveza, a superfície e o centro, e suas respectivas sensações.
O barro é um material flexível aceita qualquer ato seu, sem crítica nem elogio,
apenas aceita, você pode experimentar o que quiser. É de suma importância
tratarmos já, desde o começo, o barro como um material, não só essencial para o
nosso trabalho de modelagem, como um elemento “sagrado”, ousaria dizer, já que
representa tudo o que existe na própria natureza visível.
No barro estão os nossos ancestrais, o mundo mineral, o vegetal, o
animal...Tudo se torna pó, como nos mesmos seremos um dia. Tudo
esta compreendida nesta preciosa porção de argila, (dócil e humilde)
que seguramos na mão disposta a nos ajudar nos mais loucos
sonhos e quimeras de artista. (MONSE, 1987, p. 32)
E conclui Gouveia:
42
Ao amassar e moldar, a pessoa é impelida pela enorme plasticidade
do material e por sua conotação simbólica, torna consciente as
imagens que existem por detrás das emoções. Formas vindas do
inconsciente afloram e se manifestam concretamente, liberando a
pressão que tranca o conteúdo escondido. O calor das mãos se
entrega a esse convite de profundidade e modela o que capta para
além das aparências, ultrapassando uma inércia psíquica. (1989,
apud ZALUAR, 1997, p.13)
Figura 9 – Surgem as formas metamorfoseadas e a procura por uma base que desse
equilíbrio à verticalidade.
Ao final desse trabalho, Dr. K. disse: “Preciso levar o coração para meus pés”.
Durante o primeiro mês, explorávamos, experimentávamos; ele no barro elaborando
e sentindo as transformações da metamorfose que se iniciou com a esfera de
perfeitas linhas curvas, indo para o quadrado com superfícies retas estruturadas,
representando o reino mineral. Passando para o reino vegetal com mais elementos,
43
desmanchando-o a seguir para entrar no reino animal, trazendo mais vida ao
trabalho. Seguindo para o último desafio à figura abstrata, onde aflora a
espiritualidade, a fantasia, e a criatividade.
Tentava ser a mais neutra possível, sem influenciar ou direcionar sua modelagem,
deixando-o mais livre. Fui percebendo, durante o processo, a tendência do Dr. K. em
falar, interpretar e dar logo forma, afinal, como bom psicanalista, procurava logo
compreender o que as mãos experimentavam como forma de expressão.
Passei a me preocupar mais em dar elementos para que ele pudesse explorar mais
os sentimentos através dos sentidos sem se fixar em coisas pré-estabelecidas ou
patinar sempre no seu campo conhecido, ou seja “A Fala”.
Parecia que evitava as sensações, o ficar no desconhecido, o “Nada”, evitando com
isso que a própria forma mostrasse qual seria o próximo passo a ser dado.
Reconheço bem essa dificuldade, pois o ser humano normalmente tem medo do
novo e do sentimento que este pode acarretar, desconhecendo muitas vezes que é
exatamente no desconhecido, no “Nada” em que grandes surpresas podem se
apresentar.
Propus um trabalho de diálogo com o barro em que o lúdico prevalecia sobre a “fala”
onde eu realizava interferências em sua produção provocando um elemento
surpresa, alterando o pré-estabelecido, desconsertando, assim, sua mania de
perfeição.
Ao final do processo, Dr. K. disse: “Preciso perder a mania do perfeito e brincar com
o imperfeito, o lúdico”.
Ao que eu respondi: “Não no barro”.
44
Figura 10 – Proposta de dialogar só com o barro, sem a fala, interagindo paciente e
terapeuta.
Segundo Steiner,
Schiller, o poeta da liberdade, vê na Arte apenas um jogo do homem
num nível superior e exclama com entusiasmo: „ O homem só é
integralmente homem quando brinca... e só brinca quando é
verdadeiramente homem‟. O impulso que subjas à arte, Schiller o
denomina „ impulso lúdico‟. (1994, p.23)
Por outro lado, muitas vezes, eu tinha vontade de compartilhar meus momentos
difíceis que passava, e chorar desabafando minhas angustias, pois via nele ainda
um terapeuta. Tinha que me conter usando todas as ferramentas que possuía.
Nesse momento percebi que poderia usar meus conhecimentos internos e colocá-los
em prática, podendo comprovar muitas vezes sua eficácia.
Comecei a chegar quinze minutos antes das sessões, para respirar fundo, fechar os
olhos e me conectar, pedindo ajuda ao meu anjo que me mostrasse o caminho certo.
Hoje, relendo aquilo que escrevi durante as sessões percebo a mudança que se
iniciou a partir dessa atitude: mais serenidade, mais confiança, como se eu fosse só
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um instrumento, e se conseguisse dar o melhor de mim as coisas fluiriam
naturalmente.
Somos não apenas profissionais da cura, mas, acima de tudo,
discípulos da Vontade Divina. Dentro da visão esotérica de Torkon
Saraydarin, encontramos uma serie de responsabilidades, regras e
deveres a serem cultivados por aqueles que almejam o pleno
desenvolvimento de seu potencial humano, de forma que estejam
alinhando-se e sincronizando-se com a “Fonte de Luz”. Quando
estamos dentro deste alinhamento, estamos em contato com aquilo
que somos, mais do que com aquilo que sabemos fazer como
profissionais. (BASSO; PUSTILNIK, 2000, p.134 )
Aprendi a ficar atenta aos sinais para fazer as ligações com os exercícios a serem
aplicados, e o que ele trazia em sua fala ou atitude, encaminhando melhor o trabalho
em sua modelagem. Aprendi a aceitar quando nada de novo acontecia, ficando
admirada com as sincronicidades que vinham ocorrendo cada vez mais.
A partir desses indicativos, os processos de modelagem seguiam de uma forma
seqüencial, ou seja, ao término de uma peça sabíamos o que ele deveria trabalhar
como desafio na próxima peça. O seu entusiasmo era uma grande demonstração
que ele estava no caminho certo. Ele sabia que as frustrações e dificuldades com
determinadas formas lhe eram necessárias para seu desenvolvimento e ampliação
de sua consciência.
Enquanto ele modelava, permanecíamos às vezes em silencio, outras eu modelava
alguma pequena peça também. Meus pensamentos, sua fala e as peças que
criávamos tinham quase sempre ligação. Muitas vezes saia emocionada e
agradecida com o que ocorria, sentia que estava aprendendo a fazer exatamente o
que mais gostava: Arte como percepção de um caminho maior de cura, e os sinais
como indicativos para esse caminho.
Uma das experiências mais fortes que pudemos compartilhar e confirmar, na
matéria, nossa sincronicidade foi quando ao brincar com um pedaço de argila entre
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minhas mãos, vi surgir uma figura singela a qual tinha uma aparência angelical;
senti-me preenchida por uma atmosfera de serenidade e amor. Qual não foi minha
surpresa ao verificar que o Dr. K. havia modelado na argila uma peça representando
ele mesmo, quando criança, rezando diante do seu anjo da guarda. Ficamos os dois
admirados e preenchidos dessa atmosfera amorosa.
Figura 11 – À esquerda o menino rezando para seu anjo. ao fundo o anjo feito
espontaneamente por mim e à direita, segundo Dr. K. “o velho sábio”.
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Ao finalizar, Dr. K. disse: “O menino ajoelhado chorando e rezando aos cinco anos, hoje é
o velho sábio”.
“Criança em prece,
confiante e tranqüila,
triste e solitária
por Deus e pelos anjos acompanhada e protegida”.
Atualmente, Jung ao nos dar uma contribuição especial, por meio da hipótese de
sincronicidade por ele desenvolvida, torne possível incluir a causalidade no contexto
de uma visão mais abrangente do universo. Segundo Jung, as experiências
sincrônicas exemplificam uma dimensão da experiência humana que fica além do
âmbito explicado pelo racional convencional de causa e efeito. A sincronicidade
acontece, quando a condição interior psíquica da pessoa e um evento externo
ocorrem simultaneamente de um modo significativo. (apud PROGOFF, 1973, p.47)
6.4. Momentos Difíceis
Numa manhã, Dr. K. reconheceu em sua peça uma parte sombria, sentia-se
frustrado, solicitando assim minha opinião. Concordei com sua frustração apontando
ao meu ver, o lado da peça correspondente ao que ele havia reconhecido como sua
dificuldade. Ao ouvir minha opinião sua irritação aumentou, vendo em minhas
palavras um espelho de seus sentimentos, disse:
“Eva você é apenas uma professora de escultura e não uma terapeuta!”
Senti-me chocada, mas permaneci quieta.
Algumas sessões posteriores, ele se aproximou dizendo que reconhecia claramente
meu lado terapeuta, agradecendo-me pelo que foi dito naquela sessão.
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Muitas vezes também ele dizia que não entendia minhas explicações quando falava,
pois eu era “artista demais, e me comunicava melhor através da argila”.
Continuamos nossas sessões, mas com um novo momento: mais profundo. Percebi
que ele estava nitidamente se aprofundando num núcleo dolorido que envolvia vida morte – vida. São momentos em nosso percurso de vida em que sentimos que algo
em nós morre – momento esse necessário para que algo novo possa nascer.
Na figura abaixo podemos identificar a seqüência de um novo renascimento.
Figura 12 – A partir de um ovo, feito espontaneamente com os olhos fechados, surgiu a
figura de um feto (primeira à esquerda);mostrando na seqüência um nascimento: bebê
recém-nascido e a seguir um bebê sentado. Surgindo posteriormente a figura do menino
rezando, já mostrada anteriormente.
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Após a realização das peças, Dr. K. ditou-me o seguinte texto:
“O ovo da Fênix surgindo
Entre as cinzas da morte
Assumida no fogo solar.
Renascimento a partir do nada.
Nada que contém tudo
Ovo primordial.
Paz – Poder – Sabedoria
Infinita beleza
Morrer – Nascer – Ser”.
No término do ano de 2003, final de nosso trabalho, após a seqüência de várias
construções e vivências concomitantes, no barro e na vida - algumas bastante
difíceis -, surgem três figuras mostrando um novo momento: mais solto, mais livre,
mais espontâneo, comprovando mais uma vez a ocorrência de fatos sincronísticos.
Figura 12- Os três Reis Magos.
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Dr. K. ainda envolvido neste processo disse:
“Do filho do homem os três Reis Magos irão receber as dádivas da condição do
homem: pensar, sentir, querer.
Eu decido, preciso e quero criar, gerar um novo homem,
filho de Mim Mesmo, do meu espírito.
Presenteio-o com os dons da consciência, alegria e da força”.
Os trabalhos aqui expostos e comentados são significativos em termos de atuação
arteterapêutica e escolhidos tendo em vista preservar e respeitar a intimidade do
processo do Dr. K.
Finalizo com um texto poético escrito por ele em sua vivência de renascimento:
“Os dois lados
Perfeito – nada, o vazio
Caminho estreito da experiência
De repente do nada surge algo em desenvolvimento
Vir a ser
Estar se tornando
„A senda que leva ao sendo‟
Evolução
Desenvolvimento
Transformação
Crescimento
Inspiração, expiração, piração
Experiência da surpresa diante da criação
Que nasce da minha mão,
Me dá a sensação de confiança, esperança,
A uma salvação,
„a partir da criação que nasce do meu coração‟”.
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7. Considerações Finais
O que permanece? Quais foram minhas aprendizagens?
Aprendi que é preciso ter paciência, com o tempo, com o jeito e com o momento de
cada ser humano. Com essas experiências, fiquei mais uma vez agradecida por ter
confirmado que um aprendizado vivido é mais profundo do que um aprendizado
teórico, pois este fica impregnado na alma.
Avaliar os níveis de projeção que estão presentes e discriminar sentimentos muitas
vezes nebulosos pode colaborar para o crescimento de ambos: terapeuta e cliente.
Afinal,
Em todas as áreas de nossa atuação, quaisquer que sejam as
técnicas que utilizemos, devemos nos lembrar de que a cura dá-se
através do vínculo. Onde há vínculo saudável, há expansão. Mas
também, onde há vínculo pode haver conflito. Onde há conflito a
energia encontra resistência para fazer sua livre circulação. Por isto,
é tão importante que estejamos atentos à nossa responsabilidade
com nosso próprio desenvolvimento. Na ânsia de cuidar do outro,
não podemos e não devemos descuidar de nós mesmos. (BASSOS;
PULSTILNIK, data, p. 137 e 144)
A disciplina em manter um diário e tirar fotos a cada atendimento serviu-me para
acumular um registro prático e verdadeiro das experiências com o Dr K. e com
outros
clientes.
Isso
possibilitou
a
confirmação
dos
acontecimentos
de
sincronicidade, além de perceber as diferenças entre dar aulas de escultura e
atender em atelier de arteterapia, o que me foi de grande utilidade nos
atendimentos.
O maior reconhecimento e confirmação de minha capacidade como arteterapeuta
veio quando fui solicitada pelo Dr. K. a participar de uma reunião com todos seus
terapeutas e médicos, em sua residência. Isso aconteceu logo após o término de
52
nossos encontros. Mostramos as peças feitas por ele durante os dois anos que
trabalhamos juntos e pude ouvir a opinião de sua psicoterapeuta, que acabou
estabelecendo relações importantes entre as peças modeladas em argila e a suas
sessões de psicoterapia.
O que mais posso dizer? Tanta coisa já foi dita. Transformações, desafios, temores
e sinais que, só hoje, posso confirmar como sendo fatos sincronísticos reais e não
meras fantasias ilusórias.
Não quero subestimar a mente racional ao afirmar que a nossa consciência intuitiva
é a força orientadora de nossas vidas. O intelecto é um instrumento muito poderoso
e é muito bem aproveitado quando o usamos para dar apoio e expressão à nossa
sabedoria intuitiva, e não para reprimi-la. Podemos, assim, descobrir um sentimento
de grande vivacidade e energia, abrindo portas para que novas oportunidades
possam surgir.
Trouxe, aqui, relatos vividos, sentidos, concretizados na tridimensionalidade
escultórica. Um novo passo foi dado diante da possibilidade de efetivação de novos
momentos em meu percurso como arteterapeuta que, hoje, sinto que sou.
53
8. Referências Bibliográficas
ALLESSANDRINI, C. D. (ORG.) Tramas Criadoras na construção de ser si mesmo.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
ANDRADE, Q. A. Linhas Teóricas em Arte-Terapia. In: A Arte Cura? Recursos
artísticos em psicoterapia. CARVALHO, M. M. (Coord.). Campinas (SP): Editorial
PSY II, 1995.
BASSOS, T.; PUSTILNIK, A. Corporificando a Consciência. São Paulo: Instituto
Cultural Dinâmico Energético do Psiquismo, 2000.
ESTES, C. P. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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