Revista Brasileira de Direito Civil - Instituto Brasileiro de Direito Civil

Transcrição

Revista Brasileira de Direito Civil - Instituto Brasileiro de Direito Civil
Revista
Brasileira
de Direito
Civil
ISSN 2358-6974
VOLUME 6
OUT/DEZ 2015
Doutrina Nacional / Aline de Miranda Valverde Terra / Daniela de
Carvalho Mucilo / Daniel Bucar / Luciano L. Figueiredo / Paula Greco
Bandeira / Rafael Ferreira Bizelli
Doutrina Estrangeira / Vito Rizzo
Pareceres / Gustavo Tepedino
Vídeos e Áudios / Heloisa Helena Barboza
APRESENTAÇÃO
A Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil tem por objetivo fomentar o
diálogo e promover o debate, a partir de perspectiva interdisciplinar, das
novidades doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas no âmbito do direito civil
e de áreas afins, relativamente ao ordenamento brasileiro e à experiência
comparada, que valorize a abordagem histórica, social e cultural dos institutos
jurídicos.
A RBDCivil é composta das seguintes seções:

Editorial;

Doutrina:
(i)
doutrina nacional;
(ii)
doutrina estrangeira;
(iii)
jurisprudência comentada;
(iv)
pareceres;

Atualidades;

Vídeos e áudios.
Endereço para contato:
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20010-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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EXPEDIENTE
Diretor
Gustavo Tepedino - Doutor em Direito Civil pela Università degli Studi di
Camerino, Professor Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Brasil
Conselho Editorial
Francisco Infante Ruiz - Doutor em Direito Civil e Internacional Privado pela
Universidad de Sevilla, Professor Titular de Direito Civil (Direito Privado
Comparado) na Universidad Pablo de Olavide (Sevilla), Espanha.
Gustavo Tepedino - Doutor em Direito Civil pela Università degli Studi di
Camerino, Professor Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Brasil.
Luiz Edson Fachin – Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Professor Titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná,
Brasil.
Paulo Lôbo - Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, Professor
Titular da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.
Pietro Perlingieri
Professor Emérito da Università del Sannio. Presidente da
Società Italiana Degli Studiosi del Diritto Civile - SISDiC. Doutor honoris causa da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Coordenador Editorial
Aline de Miranda Valverde Terra
Carlos Nelson de Paula Konder
Conselho Assessor
Eduardo Nunes de Souza
Fabiano Pinto de Magalhães
Louise Vago Matieli
Paula Greco Bandeira
Tatiana Quintela Bastos
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SUMÁRIO
Editorial
Novas famílias entre autonomia existencial e tutela de vulnerabilidades
6
– Gustavo Tepedino
Doutrina nacional
A cláusula resolutiva expressa e o contrato incompleto como 9
instrumentos de gestão de risco nos contratos – Aline de Miranda
Valverde Terra e Paula Greco Bandeira
Situações jurídicas patrimoniais: funcionalização ou comunitarismo? – 26
Daniel Bucar e Daniela de Carvalho Mucilo
Alimentos compensatórios: compensação econômica e equilíbrio 42
patrimonial – Luciano L. Figueiredo
Contratos
existenciais:
contextualização,
conceito
e
interesses 69
extrapatrimoniais – Rafael Ferreira Bizelli
Doutrina estrangeira
Disciplina del contratto, tutela del contraente debole e valori 95
costituzionali – Vito Rizzo
Pareceres
A cobrança de direitos autorais sobre as obras musicais e fonogramas
128
transmitidos via Internet – Gustavo Tepedino
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Vídeos e áudios
--
Dez anos do Código Civil: como tratar os efeitos jurídicos da
biotecnologia? – Palestra proferida pela Professora Heloisa Helena
Barboza
Submissão de artigos
151
Saiba como fazer a submissão do seu artigo para a Revista Brasileira de
Direito Civil – RBDCivil
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EDITORIAL
NOVAS FAMÍLIAS ENTRE AUTONOMIA EXISTENCIAL E TUTELA DE
VULNERABILIDADES
Gustavo Tepedino
A evolução do tratamento jurídico das famílias revela movimento
pendular entre dois valores caros ao atual sistema jurídico. Em primeiro lugar, a
necessidade de se assegurar a liberdade nas escolhas existenciais que, na intimidade do
recesso familiar, possa propiciar o desenvolvimento pleno da personalidade de seus
integrantes. Esse o propósito do art. 1.513 do Código Civil: “É defeso a qualquer pessoa,
de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Por
outro lado, a tutela das vulnerabilidades e das assimetrias econômicas e informativas, para
que a comunhão plena de vida se estabeleça em ambiente de igualdade de direitos e
deveres (art. 1.511, Código Civil, ex vi do art. 226, § 5º, C.R.), com o efetivo respeito da
liberdade individual. Tendo-se presentes esses dois vetores, e diante das intensas
modificações ocorridas nas últimas décadas na estrutura das entidades familiares, torna-se
indispensável a reformulação dos critérios interpretativos, a despeito da resiliência, de
alguns setores da doutrina e da magistratura, de admitir a incompatibilidade entre antigos
dogmas de cunho religioso e político com tão radicais transformações – fenomenológica,
percebida na sociedade ocidental, e axiológica, promovida pela legalidade constitucional.
A Constituição da República consagrou nova tábua de valores, da qual se
pode extrair a transformação do conceito de unidade familiar que sempre esteve na base do
sistema. Verifica-se, do exame dos arts. 226 a 230, C.R., que o centro da tutela
constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas não
unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição,
unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos,
dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus integrantes e ao
desenvolvimento da personalidade dos filhos. De outra forma não se consegue explicar a
proteção constitucional às entidades familiares não fundadas no casamento (art. 226, § 3º)
e às famílias monoparentais (art. 226, § 4º); a igualdade de direitos entre homem e mulher
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na sociedade conjugal (art. 226, § 5º); a garantia da possibilidade de dissolução da
sociedade conjugal independentemente de culpa (art. 226, § 6º); o planejamento familiar
voltado para os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável
(art. 226, § 7º) e a previsão de ostensiva intervenção estatal no núcleo familiar no sentido
de proteger seus integrantes e coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º).
A hostilidade do legislador pré-constitucional às interferências exógenas
na estrutura familiar e a escancarada proteção do vínculo conjugal e da coesão formal da
família, ainda que em detrimento da realização pessoal de seus integrantes —
particularmente no que se refere à mulher e aos filhos, inteiramente subjugados à figura do
marido — justificava-se em benefício da paz doméstica. Por maioria de razão, a proteção
dos filhos extraconjugais nunca poderia afetar a estrutura familiar, sendo compreensível,
em tal perspectiva, a aversão do Código Civil de 1916 aos relacionamentos extraconjugais,
simbolizados pelo estigma da concubina. O sacrifício individual, em todas as hipóteses de
fracasso no relacionamento conjugal, era largamente compensado, na ótica do sistema, pela
preservação da célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e
modelada sob o paradigma patriarcal.
O constituinte de 1988, todavia, além dos dispositivos acima enunciados,
consagrou, no art. 1º, III, entre os princípios fundamentais da República, que antecedem
todo o texto maior, a dignidade da pessoa humana, impedindo assim que se pudesse
admitir a superposição de qualquer estrutura institucional à tutela de seus integrantes,
mesmo em se tratando de instituições com status constitucional, como é o caso da empresa,
da propriedade e da família. Assim sendo, a família deixa de ter valor intrínseco, como
instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser
valorada de maneira instrumental, tutelada na medida em que — e somente na exata
medida em que — se constitua em um núcleo intermediário de autonomia existencial e de
desenvolvimento da personalidade dos filhos, com a promoção isonômica e democrática da
dignidade de seus integrantes.
O afeto torna-se, nessa medida, elemento definidor de situações jurídicas,
ampliando-se a relação de filiação pela posse de estado de filho e flexibilizando-se, com
benfazeja elasticidade, os requisitos para a constituição da família. O direito de família
passa a atribuir particular importância (não à afetividade como declaração subjetiva ou
obscura reserva mental de sentimentos não demonstrados, mas) à percepção do sentimento
do afeto na vida familiar e na alteridade estabelecida no seio da vida comunitária. Nessa
esteira, situa-se a ampla admissibilidade, pela jurisprudência atual, de entidades familiares
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extraconjugais, incluindo-se a união de pessoas do mesmo sexo, as famílias simultâneas,
cuja repercussão geral foi reconhecida (STF, RG no ARE 656.298/SE), além das uniões
poliafetivas, reguladas pelo tabelionato (escritura pública foi lavrada pelo 15º Ofício de
Notas/RJ para contratualizar união entre 3 mulheres), e cuja eficácia, no âmbito do direito
de família, ainda é objeto de controvérsia, justamente porque o conceito de família há de
ser necessariamente elástico, em contínua evolução (cfr. <<jota.info/dilemas-do-afeto>>)
Entretanto, há de se cuidar para que não se banalizem os sentimentos e o
afeto, submetidos à percepção valorativa de cada magistrado ou, pior, às pretensões
egoístas e patrimonialistas de protagonistas de conflitos de interesses. E o melhor antídoto
para tais riscos mostra-se o balizamento do merecimento de tutela das relações afetivas
pelos valores normativos constitucionais (democracia, igualdade, solidariedade, dignidade)
que permeiam a legislação infraconstitucional.
No cenário da vida como ela é, o amor por vezes falta, o egoísmo aflora e
os deveres estabelecidos nas relações afetivas devem ser integralmente preservados. A
alteridade tem consequências para o constituinte. É como se a legalidade constitucional se
valesse da percepção do afeto para imediatamente impregná-la e plasmá-la com os valores
constitucionais, vinculando as relações jurídicas a deveres de solidariedade e igualdade.
Torna-se indispensável, portanto, uma vez introduzida a realidade da vida, do amor e do
afeto na experiência normativa, que não se releguem as relações de família à pura
espontaneidade, desprovida de valores jurídicos, deixando-se em segundo plano os deveres
constitucionais a que corresponde o amor responsável. Autonomia total para os arranjos
familiares, sendo a responsabilidade pelo outro e por tudo aquilo que se cativa
imprescindíveis na legalidade constitucional.
G.T.
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SEÇÃO DE DOUTRINA:
Doutrina Nacional
A CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA E O CONTRATO INCOMPLETO
COMO INSTRUMENTOS DE GESTÃO DE RISCO NOS CONTRATOS
The express resolutive clause and the incomplete contract as mechanisms of
management of risks
Aline de Miranda Valverde Terra
Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora agregada do
Departamento de Direito Civil e da pós-graduação
lato sensu da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ). Professora do Centro de Estudos e
Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED/UERJ).
Paula Greco Bandeira
Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora do Centro de Estudos e
Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED/UERJ). Advogada
Resumo: O artigo destaca a importância do contrato como instrumento de gestão dos
riscos negociais, precisamente os riscos econômicos supervenientes, que atingem sua
execução. Tal alocação de riscos permitirá a atribuição de responsabilidades entre os
contratantes. Nesta direção, as partes poderão proceder à gestão positiva ou negativa desses
riscos. No âmbito da gestão positiva de riscos, a cláusula resolutiva expressa assume
particular relevância, permitindo às partes definir os eventos que, uma vez verificados,
deflagrarão a extinção do contrato independentemente de recurso ao Poder Judiciário. De
outra parte, a gestão negativa de riscos se expressa por meio do contrato incompleto,
mediante o qual os contratantes deliberadamente deixam em branco determinados
elementos que serão definidos em momento futuro, pela atuação de uma ou ambas as
partes, de terceiro ou mediante fatores externos, segundo o procedimento contratualmente
previsto para a integração da lacuna, como forma de pleno atendimento aos interesses das
partes in concreto.
Palavras-chave: Cláusula resolutiva expressa; Contrato incompleto; Gestão de riscos
contratuais.
Abstract: This article emphasizes the importance of the contract as a mechanism of
allocation of risks, especially the economic risks which affect its performance. This
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allocation of risks allows the definition of parties’ responsibility. In this sense, the parties
may allocate the risks in a positive or negative manner. Within the positive allocation of
risks the express resolutive clause may assume an important role, consenting the parties to
define the events which, once verified, extinguish the contract independently of the judicial
dispute resolution. On the other hand, the incomplete contract determines a negative
allocation of risks, by which the parties deliberately left in blank some elements which will
be defined in the future, as the execution by one or both parties, a third person or the
application of external factors, in accordance to the contractual proceeding, in order to
attend the concrete interests of the parties.
Keywords: Express resolutive clauses; Incomplete contract; Allocation of contractual
risks.
Sumário: Introdução: o contrato como mecanismo de gestão de riscos – 1. Os modos de
alocação de riscos nos contratos: gestão positiva e negativa – 2. A cláusula resolutiva
expressa como instrumento de gestão positiva dos riscos – 3. O contrato incompleto como
instrumento de gestão negativa dos riscos – 4. Considerações Finais
Introdução: o contrato como mecanismo de gestão de riscos
Em tempo em que se assiste àquilo que o Prof. Stefano Rodotà
denominou de “financialização do mundo”,1 com a economia desempenhando papel de
protagonista do cenário global, a propriedade se insere novamente no centro das
preocupações atuais, a demandar revisão crítica do paradigma proprietário. Neste contexto,
embora o contrato possa ser reduzido a mero fâmulo da propriedade, descurando de outros
valores fundamentais, se bem empregado, pode servir de instrumento legítimo para a
promoção das atividades econômicas privadas, consagrando o valor constitucional da livre
iniciativa (arts. 1º, IV; 170, caput, C.R.).
Nessa esteira, os contratos traduzem instrumento de gestão dos riscos
econômicos merecedor de tutela, apto a estimular negócios que concretizem, para além dos
interesses dos contratantes, outros interesses extracontratuais dignos de proteção. Com
vistas à consecução de todas as suas potencialidades funcionais, os contratos hão de ser
compreendidos como mecanismo de gestão de riscos econômicos que atingem sua
execução. De fato, os negócios jurídicos levados a cabo pelos particulares têm por
A expressão foi adotada em conferência intitulada “Conversas com Stefano Rodotà”, proferida pelo Prof.
Stefano Rodotà na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, no dia 6 de novembro de
2015.
1
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finalidade repartir os riscos de determinada atividade econômica entre os contratantes, de
modo a fixar as respectivas responsabilidades e, assim, efetivar os interesses das partes in
concreto.
Nesta direção, atribui-se ao contratante a responsabilidade pelas
consequências deflagradas pelo implemento de determinado fato superveniente previsível,
cuja ocorrência, no momento da contratação, era incerta (rectius, risco). A verificação do
risco repercutirá, assim, na esfera jurídica dos contratantes, desencadeando as
responsabilidades definidas no contrato, com impacto na relação contratual e na economia
das partes. À guisa de exemplo, em contrato de empreitada, pode-se atribuir ao empreiteiro
a responsabilidade por determinados riscos geológicos que, uma vez verificados, poderão
atrasar a conclusão da obra. Neste caso, os prejuízos econômicos daí decorrentes hão de ser
suportados pelo empreiteiro, que se responsabiliza notadamente pelos danos sofridos pelo
dono da obra. Ou, ainda, em contratos de compra e venda de energia, a comercializadora,
que se compromete a entregar determinada quantidade de energia aos compradores,
responde pela sua escassez, devendo comprar a energia no mercado para atender aos
compromissos assumidos.
A alocação dos riscos econômicos deve ser identificada no caso concreto,
de acordo com o específico regulamento de interesses. Deste modo, mostra-se possível
alargar a responsabilidade dos contratantes, imputando-lhes risco maior do que aquele
comumente assumido em determinado tipo contratual. No mencionado exemplo do
contrato de empreitada, as partes podem atribuir ao empreiteiro a responsabilidade pelas
chuvas abundantes que atrasem o cronograma da obra, ainda, que, normalmente, as chuvas
configurem fortuito ou força maior, que afastaria a responsabilização do contratante.
A partir da alocação de riscos estabelecida pelas partes, define-se o
sinalagma contratual, isto é, a comutatividade ou correspectividade entre as prestações, a
qual revela a equação econômica desejada pelos contratantes. Tal equação traduz o
equilíbrio intrínseco do concreto negócio e, por isso mesmo, há de ser perseguida pelas
partes.2
2
A ideia de equilíbrio contratual se aproxima da noção de sinalagma funcional a que a doutrina faz,
didaticamente, referência. Como explica Massimo Bianca a respeito do conceito de sinalagma funcional: “A
correspectividade entre as prestações significa que a prestação de uma parte encontra remuneração na
prestação da outra. (...) A correspectividade comporta normalmente a interdependência entre as prestações. A
interdependência exprime, em geral, o condicionamento de uma prestação a outra. Ao propósito, é feita uma
distinção entre sinalagma genético e sinalagma funcional. (...) O sinalagma funcional indica a
interdependência entre as prestações na execução do contrato, no sentido de que uma parte pode se recusar a
cumprir a prestação se a outra parte não cumpre a sua própria (exceção de contrato não cumprido: art. 1460
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Daí afirmar-se que o conceito de risco contratual se relaciona diretamente
com o de equilíbrio, tendo em conta que as partes estabelecem negocialmente a repartição
dos riscos como forma de definir o equilíbrio do ajuste.3 Ao se perquirir a alocação de
riscos estabelecida pelos contratantes, segundo a vontade declarada, o intérprete deverá
atentar para o tipo contratual escolhido e para a causa concreta do negócio. Cada tipo
contratual possui critérios de repartição do risco previamente estabelecidos em lei.
Entretanto, as partes poderão modelar a alocação de riscos do negócio, inserindo na sua
causa repartição de riscos específica e incomum a certa espécie negocial.
Ao lado do tipo contratual, o intérprete, para fins de identificação da
alocação de riscos e das respectivas responsabilidades, há de considerar a qualidade das
partes, investigando-se a atividade normalmente praticada pelos contratantes. A título de
ilustração, considera-se justo imputar maior risco ao empresário do que a indivíduo que
não seja expert em determinado setor.4 Ou, ainda, imputar a responsabilidade ao
contratante pelo risco inerente à atividade econômica por ele regularmente desenvolvida.
Deve-se, também, observar se há cláusula limitativa ou de exclusão de responsabilidade,
bem como o sistema de responsabilidades que decorrem da interpretação sistemática e
teleológica das cláusulas contratuais.5
Em relações paritárias, em que não há assimetria de informações, a
equação econômica estabelecida pelos contratantes por meio da alocação de riscos há de
ser observada em toda a vida contratual. Afinal, a repartição dos riscos traduzirá a
finalidade almejada pelos contratantes com o concreto negócio, os quais buscam satisfazer
os seus interesses por meio daquela específica alocação de riscos.
A alocação de riscos no contrato revela, portanto, o equilíbrio econômico
do negócio perseguido pelas partes e mediante o qual os contratantes visam a concretizar
seus objetivos econômicos. Tal repartição de riscos insere-se, assim, na causa concreta do
contrato, isto é, nos efeitos essenciais que o negócio pretende realizar, ou, em outras
palavras, na sua função econômico-individual ou função prático-social, que exprime a
racionalidade desejada pelos contratantes, seus interesses perseguidos in concreto, com
cc) e pode ser liberada se a contraprestação se torna impossível por causa não imputável às partes (1453 s
cc)” (BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contratto. Milano: Giuffrè, 1987. v. 3, p. 488; tradução livre).
3
BESSONE, Mario. Adempimento e rischio contrattuale. Milano: Giuffrè, 1969, p. 2 e ss.
4
BESSONE, Mario. Adempimento e rischio contrattuale. cit., p. 39.
5
Sobre o tema, v. ALPA, Guido. Rischio. In: CALASSO, Francesco (org). Enciclopedia del diritto. Milano:
Giuffrè, 1989. v. 40. p. 1158, em que o autor passa em revista critérios que devem orientar o juiz na
repartição dos riscos, dentre os quais o exame da qualidade das partes; da prestação (fungível, infungível
etc.); e da função econômica do negócio.
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base na qual se interpreta e se qualifica o negócio, em procedimento único e incindível.
Como observou Francesco Camilletti, o equilíbrio contratual se expressa não em termos
objetivos de valores, mas corresponde à finalidade almejada pelos contratantes ou ao
interesse que pretendem realizar com o sinalagma ou à correspectividade entre as
prestações.6
Deve-se, portanto, averiguar a finalidade do sinalagma ou da
correspectividade in concreto, que tem por escopo satisfazer aos interesses dos
contratantes. A alocação de riscos –insista-se – insere-se na causa do negócio, isto é, nos
efeitos essenciais perseguidos pelos contratantes com vistas ao atendimento de suas
pretensões. Em definitivo, há de se prestigiar a repartição dos riscos estabelecida pela
vontade negocial, que traduz o equilíbrio do negócio, impedindo-se que o intérprete refaça
a valoração do risco já efetuada pela autonomia privada.
1. Os modos de alocação de riscos nos contratos: gestão positiva e negativa
No ordenamento jurídico brasileiro, existem duas formas de gestão de
riscos nos contratos: a gestão positiva e a gestão negativa. Evidentemente, os riscos que
constituirão objeto de gestão pelos particulares hão de ser previsíveis, de modo a que se
possa atribuir a um ou outro contratante os efeitos de sua verificação. Ao ser repartido
entre os contratantes, o risco previsível passa a integrar a álea normal do contrato,
compreendida como o risco externo ao contrato, o qual, embora não integre a sua causa,
mantém com ela relação de pertinência, por representar o risco econômico previsível
assumido pelos contratantes ao escolher determinado tipo ou arranjo contratual. A
definição da álea normal irá se operar no concreto regulamento de interesses, mostrando-se
possível que determinado evento previsível não se insira na álea normal e, portanto, não
figure como fato previsto, objeto de gestão pelas partes. Por outro lado, as partes poderão
Como elucida o autor: “em linha teórica e geral, pode-se continuar a sustentar a subsistência, em nosso
ordenamento, de um princípio que tende a se desinteressar pelo equilíbrio contratual compreendido como
correspondência de valores (objetivos) entre as prestações trocadas, tal sendo a consequência lógica do
reconhecimento da autonomia privada como instrumento para a atuação da liberdade de iniciativa econômica.
(...) o legislador, portanto, se absteve de considerar a validade do contrato com base em valorações
quantitativas do sinalagma, tendo, ao revés, deslocado a própria valoração sobre a função teleológica da
correspectividade, que é aquela destinada a satisfazer os interesses de ambas as partes, às quais apenas
compete estabelecer quais valores econômicos atribuir às prestações que satisfazem aos seus interesses”
(CAMILLETTI, Francesco. Profili del problema dell’equilibrio contrattuale. In: Collana diritto privato.
Milano: Giuffrè, 2004. v. 1. p. 44; tradução livre).
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alargar a álea normal, incluindo na gestão do risco eventos previsíveis que ordinariamente
não sejam associados a determinada espécie negocial (e que, portanto, no comum dos
casos, seriam considerados fatos extraordinários).
Deste modo, as partes, ao distribuírem os riscos econômicos previsíveis a
partir das cláusulas contratuais, procedem à gestão positiva da álea normal. Aludida
alocação de riscos, que será identificada com base na vontade declarada 7 pelos
contratantes, estabelece o equilíbrio econômico do negócio. Tal equação econômica, que
fundamenta o sinalagma ou a correspectividade entre as prestações, deve ser observada no
curso da relação contratual, em atenção aos princípios da obrigatoriedade dos pactos e do
equilíbrio dos contratos. Dentre os diversos instrumentos à disposição dos contratantes
voltados à gestão positiva dos riscos, a cláusula resolutiva expressa assume destacada
relevância, como se verá a seguir.
Ao lado da gestão positiva da álea normal, os contratantes poderão optar
por gerir negativamente os riscos econômicos previsíveis supervenientes, deixando,
deliberadamente, em branco certos elementos da relação contratual, a serem determinados,
em momento futuro, pela atuação de uma ou ambas as partes, de terceiro ou mediante
fatores externos, segundo o procedimento contratualmente previsto para a integração da
lacuna. Trata-se do contrato incompleto.
2. A cláusula resolutiva expressa como instrumento de gestão positiva dos riscos
Dentre as diversas formas de gestão positiva dos riscos econômicos,
situa-se a cláusula resolutiva expressa. Fruto da autonomia privada dos contratantes, que
ajustam, livre e conscientemente, sua inclusão no contrato, a cláusula resolutiva expressa
permite ao credor, uma vez verificado o evento nela previsto, desvincular-se de relação
jurídica estéril, incapaz de cumprir o programa negocial traçado pelas partes, de forma
célere, mediante simples declaração receptícia de vontade. Revela-se, assim, aquela que é,
sem sobra de dúvidas, uma das extraordinárias vantagens da cláusula em comparação com
7
Sobre a teoria da declaração, originada no Séc. XX e em pleno vigor na teoria contratual contemporânea,
assinala Vincenzo Roppo: “no contrato, é importante não apenas a efetiva vontade individual, em como esta
se forma na esfera psíquica do sujeito, mas também a sua projeção social externa, e, em particular, o modo
pelo qual a vontade das partes é percebida pela contraparte. Esta percepção é determinada essencialmente
pelo modo como a vontade, objetivamente, vem manifestada externamente; por isso o teor objetivo da
declaração de vontade” (ROPPO, Vincenzo. Il contrato. In: IUDICA, Giovanni; ZATTI, Paolo (Org.).
Trattato di diritto privato. Milano: Giuffrè, 2001. pp. 38-39; tradução livre).
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sua congênere – a cláusula resolutiva tácita: a possibilidade de resolver a relação
obrigacional extrajudicialmente, sem que tenha, o credor, que se socorrer do Poder
Judiciário.8
Mas não é tudo. A cláusula resolutiva expressa consente ao contratante
não inadimplente, ainda, transferir ao devedor o risco de sua insatisfação.9 Não obstante se
afirme, usualmente, que a cláusula se destina a regular tão só o inadimplemento absoluto,10
não há óbice à inclusão, em seu suporte fático, de riscos diversos, desde que sua
verificação11 conduza à disfuncionalização da relação obrigacional. Embora, em sua
origem, o instituto estivesse ligado, de fato, ao inadimplemento absoluto, sua percepção
histórico-relativa impõe a ampliação de seus confins, a permitir a gestão de outros riscos
que, uma vez implementados, impeçam a promoção da função econômico-individual do
negócio.
Tome-se como exemplo a impossibilidade da prestação superveniente e
inimputável
ao
devedor,
que
acarreta
a
resolução
ipso
iure
da
obrigação,
independentemente de sentença constitutiva, liberando o devedor da prestação. 12 Trata-se,
aqui, de impossibilidade provocada por caso fortuito ou força maior,13 caracterizada,
8
Para o desenvolvimento do tema, confira-se TERRA, Aline de Miranda Valverde. Cláusula resolutiva
expressa e resolução extrajudicial. Civilistica.com. Rio de Janeiro. v.2. n.3. jul./set. 2013. Disponível em:
<http://civilistica.com/wp-content/ uploads/2015/02/Terra-civilistica.com-a.2.n.3.2013.pdf>. Acesso em: 30
nov. 2015.
9
GARRIDO, María Luisa Palazón. El remedio resolutorio en la propuesta de modernización del derecho de
obligaciones en España: un estudio desde el derecho privado europeo. In: DOHRMANN, Klaus Jochen
Albiez (Dir.); GARRIGO, María Luisa Palazón; SERRANO, Maria Del Mar Méndez (Coord.). Derecho
privado europeo y modernización del derecho contractual en España. Barcelona: Atelier Libros Jurídicos,
2011. p.425.
10
Veja-se, por todos: PROENÇA, José Carlos Brandão. A resolução do contrato no direito civil: do
enquadramento e do regime. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p.76. A rigor, como aponta Guido Alpa,
“mesmo nessa hipótese, o problema a resolver é um problema de distribuição dos riscos” (ALPA, Guido.
Manuale di diritto privato. 8 ed. Padova: CEDAM, 2013. p.540, tradução livre).
11
Sobre a contemporânea conformação do inadimplemento absoluto, confira-se: TERRA, Aline de Miranda
Valverde. A contemporânea teoria do inadimplemento: reflexões sobre a violação positiva do contrato, o
inadimplemento antecipado e o adimplemento substancial. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo;
GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MEIRELES, Rose Melo Vencelau (Org.). Direito Civil. 1. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2015. v. 2. p. 183-200.
12
A superveniência de caso fortuito não faz surgir para o credor o direito potestativo de resolver a relação
obrigacional: a lei incide diretamente sobre o fato, resolvendo o contrato automaticamente, conforme
esclarece Judith Martins-Costa: “Nos casos em que a impossibilidade é informada por culpa e o devedor não
infringe dever de diligência – mas a prestação, ainda assim, se torna impossível – teremos, então, a
impossibilidade não-imputável, que libera o devedor e o desonera do pagamento de perdas e danos, afastando
a possibilidade de o credor invocar o direito à resolução, pois há extinção ipso iure” (MARTINS-COSTA,
Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense,
2004. v.5. t. 2. p.271).
13
Utilizam-se as expressões como sinônimas, na esteira do entendimento predominante na doutrina nacional.
Sobre a identidade dos conceitos, confira-se FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da
imprevisão. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p.129 et seq.
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15
fundamentalmente, como se depreende do parágrafo único do artigo 393 do Código Civil,
pela inevitabilidade e necessariedade do acontecimento.14
A classificação da superveniência como caso fortuito é feita em concreto,
e requer análise dos elementos exteriores ao obrigado e das peculiaridades de sua atividade
econômica, tomando como parâmetro a possível conduta de outros indivíduos, em
condições objetivas análogas.15 Tudo depende, então, das específicas condições de fato em
que se verifica o evento.16
Para a resolução do contrato e liberação do devedor requer-se, ainda, que
o evento inevitável e necessário conduza à impossibilidade objetiva da prestação. 17 A
exigência deve, contudo, ser entendida nos seus devidos termos, não se demandando do
devedor esforços maiores do que os razoáveis para o adimplemento da obrigação. Inserese, assim, no conceito técnico-jurídico de impossibilidade, a necessidade de o devedor
despender esforço extraordinário para o adimplemento da prestação.18
A despeito das regras oferecidas pela teoria legal do risco, podem as
partes gerir os acontecimentos inevitáveis e necessários, predeterminando, por exemplo,
quais eventos consideram caso fortuito capaz de impossibilitar a execução da prestação.
Admite-se, outrossim, que uma das partes assuma o risco da impossibilidade causada por
caso fortuito. O próprio Código Civil permite, no caput do artigo 393, que os contratantes
convencionem o deslocamento do risco do fortuito em favor do credor, fazendo com que
persista a responsabilidade do devedor mesmo se a inexecução decorrer de evento
14
Adota-se a teoria objetiva, que se contrapõe à subjetiva, a qual equipara o caso fortuito e a força maior à
ausência de culpa, pelo que se daria o fortuito sempre que a inexecução não se pudesse imputar ao devedor.
Para exposição detalhada de ambas as teorias, consulte-se SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de direito
civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1957. v.2. p.459 et seq.
15
A esse respeito, Agostinho Alvim destaca que "a necessariedade do fato há de ser estudada em função da
impossibilidade de cumprimento da obrigação, e não abstratamente" (ALVIM, Agostinho. Da inexecução
das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1965. p.312).
16
FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. op. cit. p.151.
17
Como destaca Arnoldo Medeiros da Fonseca, o caso fortuito ou força maior podem ter como consequência
“a impossibilidade objetiva de executar, permanente ou temporária, total ou parcial, como também uma
dificuldade maior, ou onerosidade imprevista, o que normalmente sucede quando acarreta a perda ou
deterioração de produtos que iam ser destinados à satisfação de prestações genéricas. Como porém, nesse
terreno, a liberação do devedor está também subordinada à impossibilidade absoluta de executar, segundo os
princípios tradicionais, não aludem geralmente os autores à eventualidade de ter o caso fortuito como
consequência apenas uma onerosidade maior da prestação, e elevam aquela impossibilidade de execução a
condição elementar do próprio fortuito. De nossa parte, preferimos evitar tal confusão, embora reconheçamos
que, nesse campo, surja também, como requisito essencial à liberação do obrigado, esse novo elemento: a
impossibilidade de prestar” (FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. op. cit.
p.152-153, grifos no original).
18
“A impossibilidade definitiva é a que inviabiliza para sempre a prestação ou que somente pode ser prestada
mediante esforço extraordinário. [...] A simples dificuldade não exonera, mas a desproporcionalidade do
custo para o cumprimento da prestação é equiparável à impossibilidade” (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado.
Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991. p.99-100).
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16
inevitável, para o qual este não tenha concorrido. Homenageia-se a autonomia privada,
reconhecendo-se que a solução adotada como regra pela lei pode não se coadunar com os
interesses concretos envolvidos no negócio.19
Por se tratar de exceção, a assunção do risco deve ser expressa.20
Imprescindível, ainda, a indicação, um por um, de todos os fatos inevitáveis pelos quais o
contratante assume a responsabilidade.21
Comprometendo-se o devedor a prestar mesmo que sobrevenha o risco
assumido, a impossibilidade decorrente do caso fortuito indicado na cláusula não o exonera
da obrigação, mas configura, em vez disso, inadimplemento absoluto. A gestão da
superveniência do evento inevitável e necessário transforma um risco econômico
extraordinário (embora previsível) em um risco de inadimplemento no âmbito do concreto
regulamento de interesses (fato previsto). O inadimplemento, nesse caso, não decorre de
inexecução culposa, mas da assunção contratual do risco: embora o caso fortuito exclua o
nexo de causalidade entre a conduta do devedor e a inexecução da prestação, a assunção
expressa do risco estabelece um nexo de imputação entre o evento inevitável e o devedor, a
atribuir-lhe a responsabilidade pela inexecução.
De todo modo, o que releva para esta exposição são os efeitos do
deslocamento convencional dos riscos: enquanto, pela teoria legal do risco, a
impossibilidade da prestação causada por caso fortuito resolve automaticamente o contrato
e afasta qualquer responsabilidade do devedor pelos prejuízos sofridos pelo credor,
havendo assunção expressa do risco, sua concretização conduz ao inadimplemento
absoluto, e abre para o credor a possibilidade de optar entre resolver a relação obrigacional,
19
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. 2.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. v.1.
p.712.
20
Não se admite a assunção tácita do risco relativo à superveniência de caso fortuito e força maior, conforme
destaca FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1958. p.180, nota de rodapé n.º 8. Daí a ressalva de Agostinho Alvim, para quem, na dúvida se
houve ou não a assunção do risco, “resolve-se em sentido negativo; se se questiona acerca da sua extensão,
corta-se a dúvida a favor do devedor” (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas
conseqüências. op. cit. p.320).
21
Agostinho Alvim observa que “para que se entenda assumido o risco do caso fortuito extraordinário, é
necessário referência expressa" (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências.
op. cit. p. 320). Em sentido contrário, Arnoldo Medeiros da Fonseca não exige a indicação de cada um dos
riscos assumidos pelo contratante: "Só os riscos decorrentes de casos fortuitos que foram ou podiam ser
previstos na data da obrigação consideram-se assumidos pelo devedor, no caso de dúvida, pois as exceções
devem ser interpretadas restritivamente” (FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da
imprevisão. op. cit., p.181, grifos no original).
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ou manter o contrato e exigir o equivalente pecuniário, sem prejuízo, em ambos os casos,
das perdas e danos.
Nesse cenário, a cláusula resolutiva expressa participa decisivamente da
gestão do risco da superveniência do caso fortuito, disciplinando os efeitos dele
decorrentes: apenas mediante sua aposição no contrato, a relação obrigacional poderá ser
resolvida extrajudicialmente, não de forma automática, mas mediante declaração do
credor.22 Indispensável, para tanto, a concomitância da assunção do risco e da atribuição,
ao credor, do direito potestativo de proceder à resolução extrajudicial da relação
obrigacional. Essas duas declarações podem mesmo constar da cláusula resolutiva;
impreterível, contudo, que constem, de fato, expressas do contrato.
Por outro lado, de acordo com a disciplina legal do risco, quando a
impossibilidade é parcial ou temporária, a tornar inútil para o credor a prestação por
circunstâncias inimputáveis ao devedor – em decorrência de caso fortuito, ato de terceiro,
ou até ato do devedor sem culpa –, não se processa a resolução automática do vínculo
obrigacional, nascendo para o lesado o direito formativo de resolver a relação.
Isso porque, quando a impossibilidade é temporária, a configuração do
inadimplemento absoluto dependerá da demonstração de que o cumprimento posterior
conduz à perda de utilidade da prestação para o credor. O mesmo se passa em relação à
impossibilidade parcial, em que só parte da obrigação é afetada pela superveniência,
aplicando-se o artigo 235 do Código Civil. Em ambos os casos, portanto, ao credor caberá
pleitear a resolução em face da inutilidade da prestação, que se processará judicialmente,
caso não conste do contrato cláusula resolutiva expressa, tendo em vista a necessidade de o
juiz aferir se a prestação já não atende, efetivamente, ao interesse do credor.
A gestão legal do risco de impossibilidade temporária ou parcial
inimputável permite, então, que o credor pleiteie a resolução judicial da relação
obrigacional, se a prestação se tornou inútil, ou a receba no estado em que se encontra – na
impossibilidade parcial –, se lhe conservar alguma utilidade. No entanto, aqui também
podem as partes, regulando seus interesses de acordo com o programa contratual,
determinar, ex ante e de comum acordo, que eventos passíveis de conduzir à
Aurora Martínez Flórez admite a possibilidade no âmbito do ordenamento jurídico espanhol: “Desde
nuestro punto de vista, sin embargo, y sin perjuicio de que las consecuencias sean distintas en una y otra
hipótesis, no existe obstáculo en nuestro ordenamiento para que por la vía de la cláusula resolutoria las
partes estén distribuyendo o transmitiendo el riesgo a la medida de sus intereses” (FLÓREZ, Aurora
Martínez. Las cláusulas resolutorias por incumplimiento y la quiebra. Madrid: Civitas, 1999. p.23, nota de
rodapé n.º 9).
22
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impossibilidade temporária ou parcial e, consequentemente, à inutilidade da prestação,
autorizam a resolução de pleno direito, em alteração, assim, aos efeitos legais da
superveniência.
Para tanto, basta a previsão do referido evento necessário e irresistível no
suporte fático da cláusula resolutiva expressa, não se exigindo, ao contrário do que se passa
quando a impossibilidade decorrente do fortuito é total, a assunção do risco pelo devedor.
Isso porque as partes não alteram a partilha legal dos riscos, limitando-se a modificar os
efeitos de sua verificação. Por outro lado, se o devedor assumir o risco de forma expressa,
há alteração da alocação legal, e a ocorrência do evento configurará inadimplemento
absoluto, a permitir ao credor pleitear, também, indenização por perdas e danos.
Imprescindível à resolução, ademais, que a impossibilidade parcial ou
temporária decorrente do evento fortuito conduza, inequivocamente, à inutilidade da
prestação para o credor. A cláusula resolutiva expressa não se presta à promoção de
caprichos, de modo que apenas os atrasos ou as imperfeições que ofendam
substancialmente a obrigação, e comprometam a consecução do programa negocial, podem
integrar seu suporte fático. Não é suficiente que a prestação se torne menos valiosa, sem
repercussões na sua utilidade; indispensável que se torne incapaz de promover o interesse
perseguido pelas partes.
Ao lado do caso fortuito, outro risco cuja gestão positiva pode ser
realizada por meio da cláusula resolutiva expressa é aquele relativo ao vício redibitório,
entendido como o defeito oculto que torna a coisa imprópria ao uso a que se destina ou que
lhe diminui o valor de tal modo que, se o credor soubesse da sua existência, não realizaria
o negócio pelo mesmo preço (art. 441, CC).
Tais defeitos são designados redibitórios justamente porque, quando
descobertos, conferem ao credor a possibilidade de redibir a coisa, resolvendo a relação
obrigacional, a tornar ineficaz o negócio com a restituição da coisa defeituosa ao antigo
dono.23 Para tanto, deverá o adquirente recorrer ao Judiciário, ajuizando a ação redibitória,
cujo efeito é exatamente aquele da ação de resolução: a extinção do vínculo obrigacional.24
É o que também observa Arnoldo Wald: “A própria etimologia do adjetivo ‘redibitório’ explica a
finalidade do instituto, que assegura a devolução do objeto ao seu titular anterior” (WALD, Arnoldo. Direito
civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos. 18.ed. ref. São Paulo: Saraiva, 2009. v.2. p.321).
24
“Os vícios redibitórios são inerentes à coisa vendida; são chamados redibitórios porque podem dar lugar à
resolução do contrato” (CARVALHO SANTOS, João Manoel de. Código Civil brasileiro interpretado. 6.ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958. v.15. p.335).
23
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19
A disciplina dos vícios redibitórios se fundamenta, conforme destaca
Caio Mário da Silva Pereira, no “princípio da garantia sem a intromissão de fatores
exógenos, de ordem psicológica ou moral”,25 e se insere no âmbito da teoria legal do
risco.26 Tal garantia visa assegurar a posse útil da coisa ao credor e, por ser consequência
da própria natureza jurídica do contrato comutativo,27 que pressupõe relativa equivalência
entre as prestações, independe da culpa ou má-fé do alienante28 – a relevância do
conhecimento, ou não, do vício oculto pelo alienante se restringe à imposição, ou não, do
dever de indenizar.
Para Jorge Cesa Ferreira da Silva, os vícios redibitórios se reconduzem à
categoria dicotômica do inadimplemento, qualificando-se os casos de redibição como
inadimplemento absoluto. De acordo com o autor, as regras sobre vícios comungam do
mesmo fundamento de proteção das regras relativas ao inadimplemento absoluto e à mora.
Por essa razão, em vez de incluir os vícios redibitórios em uma terceira categoria de
inadimplemento, “mais correto seria reagrupar as regras sobre vícios na classificação
dicotômica: mora e inadimplemento absoluto. Os casos de redibição seriam regulados
como inadimplemento absoluto, os de redução proporcional do valor (quanti minoris),
como impossibilidade parcial [...]”.29
De toda sorte, qualquer que seja o entendimento adotado acerca da
natureza jurídica do vício redibitório, não se pode deixar de reconhecer que, tanto no
inadimplemento absoluto quanto no vício redibitório que retira a utilidade do bem para o
adquirente, há um incumprimento da prestação; e, em ambos os casos, a consequência para
o credor é a mesma: frustração do escopo econômico perseguido. Não é por outra razão
25
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
2015. v.3. p.107.
26
Para Orlando Gomes, trata-se de garantia de natureza especial, pelo que não se aplicam as regras da teoria
geral dos riscos (GOMES, Orlando. Contratos. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 95).
27
Embora tradicionalmente associada aos contratos comutativos, a garantia por vícios redibitórios há de
incidir também nos contratos aleatórios, ainda que de forma diferenciada, reconhecendo-se aos negócios
aleatórios o equilíbrio entre as prestações. V., sobre o tema, BANDEIRA, Paula Greco. Contratos aleatórios
no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 190-193.
28
BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 11. ed. São Paulo: Livraria
Francisco Alves, 1958. v.4. p. 215.
29
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
p.199-201, grifos no original. Na mesma direção, Raquel Salles, partindo da compreensão do
inadimplemento como o não cumprimento imputável, subjetiva ou objetivamente, da prestação devida,
entende plenamente possível a configuração dos vícios redibitórios como inadimplemento por imputação
objetiva. Por essa razão, a autora admite a inclusão de defeitos ocultos no suporte fático da cláusula
resolutiva expressa, a autorizar a resolução extrajudicial da relação obrigacional, dispensando o ajuizamento
da ação redibitória (SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. Autotutela pelo inadimplemento nas relações
contratuais. Tese (Doutorado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. p.198-199).
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que, nas duas situações, o ordenamento jurídico oferece ao credor instrumentos de tutela
que, embora diversos, produzem igual resultado: a extinção da relação obrigacional.
Posto isso, afigura-se lícito e legítimo aos contratantes, valendo-se da
alocação de riscos previamente determinada pelo legislador, pactuar, de antemão, na
cláusula resolutiva expressa, quais vícios ocultos comprometem irremediavelmente a
utilidade da prestação para o credor, a dispensar o ajuizamento da ação redibitória para a
resolução do negócio.
A exigência de que a redibição se processe judicialmente decorre da
necessidade de o juiz verificar se a alegação de perda de utilidade da prestação pelo credor
é, de fato, procedente. Dessa forma, é imprescindível que os contratantes indiquem, de
antemão e de comum acordo, em que circunstâncias a prestação não terá mais a utilidade
necessária à promoção da função econômico-individual do contrato,30 não bastando a
simples referência a vícios redibitórios na cláusula resolutiva. Do contrário, considerar-se-á
a previsão contratual mera cláusula de estilo, remetendo o credor à via judicial.
3. O contrato incompleto como instrumento de gestão negativa dos riscos
De outra parte, ao lado da gestão positiva de riscos, desponta o contrato
incompleto, assim compreendido como o negócio jurídico que emprega técnica de gestão
negativa da álea normal do contrato.31 Dito diversamente, em algumas hipóteses, a
autonomia privada preferirá não alocar positivamente o risco econômico previsível no
momento da assinatura do contrato, deixando essa decisão para momento futuro, quando e
se o risco se verificar. Trata-se da denominada gestão negativa. Nessa hipótese, os
particulares deixam lacunas no negócio, que significam a ausência de determinado
elemento da relação contratual que, no entender das partes, será afetado pela oscilação da
álea normal. A lacuna representa precisamente essa não tomada de decisão pelos
contratantes, que remetem a distribuição dos efeitos do risco para momento futuro, por
ocasião de sua verificação.
30
Não é necessário, portanto, que a prestação já não tenha qualquer utilidade em abstrato, mas apenas que o
defeito lhe retire a idoneidade de promover o concreto escopo econômico do contrato. Nesse sentido, confirase GAROFALO, Luigi. Garanzia per vizi e azione redibitória nell'ordinamento italiano. Rivista di Diritto
Civille, Padova. v.47. p.249, jan./fev. 2001.
31
Sobre o tema, seja consentido remeter a BANDEIRA, Paula Greco. Contrato incompleto. Rio de Janeiro:
Atlas, 2015, passim.
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21
Em determinados casos, os particulares não conseguem chegar a um
acordo quanto a determinada alocação de riscos; as partes desconhecem certos aspectos
mercadológicos ou fatores econômicos que poderão afetar o negócio; ou, ainda,
simplesmente, não querem decidir sobre a alocação de certo risco de antemão. A despeito
disso, desejam concluir o contrato e se vincular em caráter definitivo. Por isso, optam por
firmar contrato incompleto, que permite, a um só tempo, instaurar o vínculo jurídico
definitivo e postergar a decisão quanto à alocação de determinado risco para momento
futuro. Trata-se, em uma palavra, da não alocação voluntária do risco econômico (álea
normal), isto é, do decidir não decidir.
Em outros termos, sobretudo em operações econômicas complexas,
marcadas pela duração no tempo e pela incerteza dos resultados, os particulares poderão
concluir contrato em caráter definitivo, mas, concomitantemente, optar por não alocar ex
ante certos riscos econômicos previsíveis, por entenderem que essa solução melhor atende
aos seus interesses in concreto. Nesses casos, a autonomia privada celebrará contrato
incompleto, o qual representa solução obrigatória, porém flexível, pois permite a abertura
do regulamento contratual diante do implemento do risco, postergando, para momento
futuro, a decisão quanto à alocação de riscos, segundo critérios já contratualmente
definidos.
Diz-se que o regulamento contratual incompleto fornece solução
obrigatória, pois estabelece o procedimento que as partes deverão seguir diante da
ocorrência do risco para distribuir os ganhos e as perdas econômicas dele resultantes; e, ao
mesmo tempo, traduz resposta flexível, vez que as partes irão amoldar o contrato ao novo
contexto instaurado com a verificação do risco. O contrato incompleto se adapta, desse
modo, à nova realidade contratual.
No contrato incompleto, portanto, as partes, deliberadamente, optam por
deixar em branco determinados elementos da relação contratual, como forma de gestão
negativa do risco econômico superveniente (rectius, álea normal), os quais serão
determinados, em momento futuro, pela atuação de uma ou ambas as partes, de terceiro ou
mediante fatores externos, segundo o procedimento contratualmente previsto para a
integração da lacuna.
Quando e se o risco se concretizar, as partes distribuirão os ganhos e as
perdas econômicas dele decorrentes, por meio da integração das lacunas, segundo o
procedimento definido originariamente no contrato. O preenchimento da lacuna ocorrerá
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pela atuação de uma ou ambas as partes, de terceiro ou mediante fatores externos,
consoante os critérios pactuados.
Eis a função do regulamento contratual incompleto: consentir às partes
não alocar ex ante os efeitos decorrentes da variação da álea normal do contrato,
remetendo essa decisão para momento futuro, como solução que melhor atende aos
interesses dos particulares no caso concreto.
A não alocação dos riscos econômicos supervenientes, mediante lacunas,
a serem integradas em momento futuro, de acordo com critérios predefinidos, por uma ou
ambas as partes, por terceiro ou mediante fatores externos, quando (e se) houver a
verificação do risco, traduz os efeitos essenciais que integram a causa do contrato
incompleto. O traço distintivo da causa do contrato incompleto corresponde, portanto, à
gestão negativa da álea normal do contrato.
Assim sendo, com vistas a se qualificar determinado contrato como
incompleto, há de se verificar se o negócio tem por função gerir negativamente a álea
normal do contrato. Identificado esse traço distintivo da causa do regulamento contratual
incompleto, qualifica-se o concreto negócio como contrato incompleto.
Nesse procedimento unitário de interpretação e qualificação, deve-se
investigar, portanto, a causa in concreto, ou seja, a função econômico-individual ou função
prático-social do contrato, considerada objetivamente, e identificada no caso concreto, que
exprime a racionalidade desejada pelos contratantes. A função econômico-individual do
regulamento contratual incompleto há de abranger, em definitivo, o escopo dos
contratantes em gerir negativamente a álea normal do contrato.
A perspectiva funcional do contrato incompleto permite, assim, o
estabelecimento de critérios para a caracterização dos negócios incompletos e de novos
parâmetros interpretativos que guiarão sua execução, figurando o regulamento contratual
incompleto como negócio jurídico que atende efetivamente aos interesses concretos dos
particulares na gestão de riscos atinentes a complexas operações econômicas, não raro
desprotegidos pela insuficiente técnica legislativa regulamentar.
De fato, os tipos contratuais tradicionais disponibilizados pelo
ordenamento jurídico se mostram, no mais das vezes, insatisfatórios à proteção dos
interesses da autonomia privada no exercício de suas atividades. Máxime em complexas
operações econômicas que se protraem no tempo e se revestem de forte incerteza, com
possibilidade de superveniência de diversos riscos econômicos.
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23
A autonomia privada elegerá, por conseguinte, nessas hipóteses, o
contrato incompleto, com o escopo de gerir negativamente a álea normal do contrato,
protegendo os seus interesses contra a oscilação da álea normal, a qual, uma vez verificada,
acarretará o desequilíbrio entre as prestações, com ganhos econômicos para um dos
contratantes e respectivas perdas para o outro, distribuídos ex post mediante os critérios
indicados ex ante pelas partes. Por outro lado, o contrato incompleto, justamente por não
conter disciplina exaustiva dos elementos da relação contratual, exige dos contratantes
padrões de cooperação mais elevados relativamente aos contratos dotados de gestão
positiva dos riscos, a sofrer incidência diferenciada dos princípios da boa-fé objetiva, da
função social, da solidariedade social e do equilíbrio econômico dos pactos.
4. Considerações Finais
Há, no ordenamento jurídico brasileiro, duas formas voluntárias de gerir
a álea normal dos contratos: a gestão positiva e a gestão negativa.
Pela gestão positiva, as partes alocam os riscos econômicos previsíveis
segundo seus interesses, por vezes de forma diversa daquela prevista em lei. Dentre os
vários instrumentos postos à disposição das partes, a cláusula resolutiva expressa se
destaca pela diversidade de opções que oferece aos contratantes.
A cláusula resolutiva expressa concede ao credor transferir ao devedor o
risco de sua insatisfação, ou apenas disciplinar os efeitos decorrentes da concretização de
riscos já imputados, pela lei, à contraparte. De regra, utiliza-se o instituto como mecanismo
de gestão de específico risco contratual: o inadimplemento absoluto. No entanto, a
autonomia privada faculta às partes valer-se da cláusula também para (a) redistribuir as
perdas da superveniência de caso fortuito e força maior, bem como (b) para alterar os
efeitos de alocação anteriormente feita pelo legislador.
No primeiro caso, os riscos passíveis de figurar na cláusula são aqueles
que, uma vez concretizados, conduzem à disfuncionalização da relação obrigacional, ou,
dito de outro modo, à incapacidade de o vínculo jurídico promover a função econômicoindividual para o qual foi concebido. Podem os contratantes gerir acontecimentos
inevitáveis e necessários, atribuindo a um deles, expressa e especificamente, as
consequências de sua concretização. Assumindo o devedor a obrigação de prestar, a
despeito da verificação do evento pré-determinado, a impossibilidade da prestação que dele
resulte configura inadimplemento absoluto, e autoriza o credor a executar o contrato pelo
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equivalente ou a resolver a relação extrajudicialmente, sem prejuízo, em ambos os casos,
da indenização por perdas e danos.
No segundo caso, incluem-se no suporte fático da cláusula os vícios
redibitórios. Os contratantes, valendo-se da alocação de riscos previamente determinada
pelo legislador, pactuam, de antemão, que tipos de vícios ocultos comprometem
irremediavelmente a utilidade da prestação para o credor, a dispensar o ajuizamento da
ação redibitória para a resolução do negócio.
A gestão negativa, por sua vez, implementa-se por meio do contrato
incompleto, no qual as partes, de forma deliberada, não alocam ex ante o risco econômico
previsível superveniente; as perdas e ganhos econômicos decorrentes do evento futuro são
distribuídos posteriormente, quando de sua efetiva verificação, mediante o preenchimento
da lacuna contratual, de acordo com os critérios já definidos no contrato. O contrato
incompleto consiste assim, em uma palavra, em negócio jurídico que emprega técnica de
gestão negativa da álea normal do contrato e que, por se revelar como solução flexível, se
apresenta, no mais das vezes, como medida que atende de modo mais efetivo aos interesses
das partes in concreto.
Assim sendo, há de se identificar no caso concreto o modo de alocação
de riscos – positivo ou negativo – empregado pelos contratantes, a partir da interpretação
da vontade declarada das partes, que poderá ser expressa ou implícita, extraída da
interpretação sistemática e finalística das cláusulas contratuais.
Por outro lado, os riscos que fujam à esfera de previsibilidade dos
contratantes no caso concreto consistirão em riscos econômicos imprevisíveis, razão pela
qual não poderão constituir objeto de gestão pelas partes (não alocação involuntária do
risco). Nessa hipótese, presentes os demais pressupostos, aplicar-se-á a teoria da excessiva
onerosidade prevista nos arts. 478 e ss. do Código Civil.
Trata-se, portanto, a cláusula resolutiva expressa e o contrato incompleto,
de institutos alicerçados sobre a autonomia privada, e que conferem às partes a
possibilidade de gerir os riscos a que seu negócio está exposto de forma mais eficaz e
consentânea com as peculiaridades do negócio concreto, a fim de melhor promover a
consecução dos interesses perseguidos.
Recebido em 03/01/2016
1º parecer em 20/01/2016
2º parecer em 14/02/2016
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SITUAÇÕES JURÍDICAS PATRIMONIAIS: FUNCIONALIZAÇÃO OU
COMUNITARISMO?
Patrimonials Rights: Functionalitazion or Comunitarianism?
Daniel Bucar
Doutorando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Especialista em Direito Civil pela Università degli Studi di Camerino
Professor de Direito Civil do IBMEC/RJ
Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado.
Daniela de Carvalho Mucilo
Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Especialista em Direito Civil pela Università degli Studi di Camerino
Professora de Direito Civil na Faculdade de Direito do Sul de Minas
Advogada.
Resumo: O artigo busca apresentar reflexos do debate entre pensadores liberais e
comunitários no Direito. A controvérsia também afeta o conceito que em doutrina
brasileira se confere à função social e o ensaio apontará as divergências, seguidas de uma
proposta conclusiva do debate.
Palavras-chave: Liberalismo. Comunitarismo. Função Social.
Abstract: The article aims to present reflections of the debate between liberals and
communitarians in Law. The controversy also affects the concept that the brazilian doctrine
gives to the social function and the essay will indicate the differences, followed by a
conclusive proposal of the debate.
Keywords: Liberalism. Communitarianism. Social function.
Sumário: Introdução – 1. Liberalismo x Comunitarismo: A Dicotomia Histórica – 2.
Leitura Liberal da Função Social das Situações Patrimoniais – 2.1. Uma Nota sobre a
Doutrina Administrativista: O Interesse Público – 3. Concepções Não Liberais da Função
Social das Situações Patrimoniais – 4. A Função Social é Expressão do Comunitarismo
Contemporâneo? – 5. Conclusão
Introdução
A previsão da função social da propriedade na Constituição da República
(artigos 5º, XXIII, 170, III) e, posteriormente, a mesma função como limite da liberdade de
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contratar no Código Civil (artigo 421) suscita, em doutrina, o debate acerca da extensão
interpretativa que deve ser conferida ao termo, cujo próprio conceito ainda atrai alguma
incerteza.1
Como medida de superação da ótica jurídica individualista,2 a discussão
encerra, em verdade, confronto que se confunde com a origem da própria ideia de
ordenamento jurídico e traz ao ambiente de discussões duas antigas vertentes de
pensamento moderno: de um lado, os liberais e, de outro, os chamados comunitaristas. Ao
passo que liberais defendem o distanciamento estatal frente à liberdade dos indivíduos, os
comunitaristas adotam posição de uma pretensa intervenção na esfera pessoal em prol da
coletividade.
Não é, portanto, de outra forma que se desenvolve o litígio ideológico em
torno da função social das situações jurídicas patrimoniais,3 acerca de cujo debate o
presente estudo pretende adentrar, mediante a análise, inclusive, da acepção que liberais e
comunitaristas imprimem ao tema.
1. Liberalismo x Comunitarismo: A Dicotomia Histórica
Embora os escritos acerca dos ideais comunitaristas, em contraposição
aos liberais, tenham sido largamente divulgados a partir da segunda metade do século XX,
a discussão encontra-se há muito enraizada no tempo, sendo possível confundir o início do
debate com a própria idade moderna. Enquanto os liberais se sentem herdeiros de Locke,
Hobbes, Stuart Mill e, sobretudo, Kant, os comunitaristas encontram seus pilares no
pensamento de Hegel e Marx.
As premissas do pensamento liberal remontam à era renascentista
europeia, quando se inicia o processo de secularização do Estado, em contraposição ao
governo excessivo da nobiliarquia dinástica. A burguesia ascendente, que já gozava de
prestígio por conta do acúmulo de riquezas, mas permanecia afastada do centro do poder,
inicia um processo de contestação da legitimidade do poder concentrado na mão da
SCHREIBER, Anderson. Função Social da Propriedade na Prática Jurisprudencial Brasileira. In: Direito
Civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 245.
2
TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: Temas de Direito Civil, 4. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 341.
3
Unificam-se propriedade e contrato, em que incidirá a função social, no termo “situações juírdicas
patrimoniais”. Compreende-se que tal função, como instrumento de qualificação da tutela a ser emprestada,
não é diferenciada em razão do lócus de aplicação, seja na propriedade ou no contrato.
1
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27
nobreza e do clero, o que resulta na doutrina do liberalismo-individulalista. A liberdade
passa a ser o valor máximo ser perseguido e o movimento se espraia em vários aspectos da
realidade, desde o filosófico até o social, passando pelo econômico, o religioso 4 e é
refletido, finalmente, na ordem jurídica oitocentista.
Em linhas gerais, os liberais clássicos defendiam a ideia de liberdade
racional a partir da consciência do indivíduo e a total desconfiança do Estado, o qual não
teria outra função senão difundir e impor uma concepção de vida alheia, o que significaria
um paternalismo supressor da individualidade. Para esta corrente, o Estado deve ser neutro
em relação à concepção individual sobre o bem5 e o pluralismo de interesses deve ser
apenas um dado a ser constatado - derivado das somas de visão de mundo - e não imposto
ao indivíduo.6 De tais premissas, percebe-se que sobressai a relevância, para os liberais,
das regras de mercado como fruto da liberdade (negativa), cujo valor, precedente ao
próprio Estado, é assegurado por direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico.7
A teoria liberal, portanto, valoriza o indivíduo em relação ao grupo
social, o qual, autônomo, não se define por suas interdependências econômicas, sociais,
religiosas, éticas, sexuais e culturais, visto que a ele é dada a liberdade de rejeitar qualquer
proposição externa, por conta da sua racionalidade.
Renovado após a crise do Estado do Bem Estar social e do socialismo
soviético, o liberalismo ganha novos contornos no fim do Século XX com a globalização
do mercado. Hayek8 e, com tendência mais moderada, Rawls e Dworkin, despontam como
pensadores liberais que voltam a marcar a dicotomia histórica. Ao afirmar que os
indivíduos são pessoas livres e iguais9 e que o Estado deve ser neutro e respeitar a
WOLKMER, Antonio Carlos. Cultura jurídica moderna, humanismo renascentista e reforma protestante.
Revista
Sequência,
nº
50,
jul.
2005,
p.
12.
Disponível
em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15182/13808. Acesso em 10.09.2013.
5
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 3. ed., 2004, p. 129
6
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 3. ed., 2004. p. 81
7
“A reflexão liberal não parte da existência do Estado, encontrando no governo um meio de atingir essa
finalidade que ele seria para si mesmo, mas da sociedade que vem estar numa relacão complexa de
exterioridade e interioridade em relação ao Estado. FOUCAULT, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de
France. Trad. Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 90.
8
HAYEK, F. A. A arrogância fatal. Os erros do socialismo. Versão digital disponível em
http://www.libertarianismo.org/livros/fahaarroganciafatal.pdf. Acesso em 20.05.2013.
9
“Em virtude do que podemos chamar suas capacidades morais e as capacidades da razão (de raciocínio, de
pensamento e capacidae de inferência relacionada com estas capacidades, dizemos que as pessoas são livres.
E em virtude de possuírem essas capacidades em grau necessário a que sejam plenamente cooperativos da
sociedades, dizemos que as pessoas são iguais” RAWLS, John. Justiça como equidade: uma concepção
política, não metafísica. Trad.: Regis Castro Andrade. Revista de Cultura Política nº 25, 1992. p. 37.
4
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28
liberdade,10 Rawls e Dowrkin, respectivamente, relêem as premissas liberais e imprimem
novos contornos ao liberalismo clássico, sem, contudo, afastar de suas premissas básicas: a
garantia da liberdade e da autonomia pessoal frente a um Estado que deve apenas tutelar o
exercício livre deste primado.
Em contraposição às ideias liberais, o comunitarismo surge como
movimento ideológico pouco após o liberalismo, sendo, por muitos, datado no pósrevoluções francesas e industrial.11 Na realidade, a forma primitiva do comunitarismo é
identificada na crítica marxista à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, para
quem a carta, sob o pretexto de difundir a liberdade, tinha como verdadeiro objetivo
proteger a propriedade burguesa. O sarcasmo marxista contra a Declaração reside na
célebre constatação de que, não obstante o texto tratar de direitos dos homens, não se via
na sociedade esta categoria de forma homogênea; porém, burgueses e proletários.12
Assim, contra a atomização generalizada do indivíduo liberal, Marx
propõe uma reorganização radical da sociedade, fundada na abolição da propriedade
privada com sua substituição para aquela coletiva dos meios de produção, de forma a
eliminar os confrontos éticos, políticos e econômicos entre classes. É, portanto, nesta
maximização do interesse da coletividade em detrimento de interesses individuais que
repousa o traço de identificação do comunismo marxista com a ideologia comunitária.13
O início do Século XX, no entanto, apresentou dificultosas e opostas
experiências comunitárias, baseadas no interesse da coletividade, que impôs a este ideário
um certo asilo. Seja o totalitarismo experimentado nos países da extinta Cortina de Ferro,
seja aquele imprimido pelos regimes nazi-fascistas, cuja semelhança reside no
desconhecimento do valor da pessoa, a defesa de uma ideologia comunitária se tornou um
tabu.14 Não obstante a presença da comunidade no Estado do Bem Estar Social, foi
necessário que pensadores norte americanos reavivassem com novos argumentos teóricos
DWORKIN, Ronald. Ética privada e igualistarismo político. Trad.: Antoni Domenèch. Barcelona, Ed.
Paidós, 1993, p. 59.
11
Embora possa se identificar as raízes do comunitarismo na concepção organicista, própria da Idade Média,
apenas se concebe como movimento ideológico estruturado no Século XIX. PAZÉ, Valentina.
Comunitarismo.
Enciclpedia
delle
Scienze
Sociali.
Treccani.
Disponível
em:
http://www.treccani.it/enciclopedia/comunitarismo_(Enciclopedia-Scienze-Sociali)/ . Acesso em 12/05/2015.
12
PAZÉ, Valentina. Comunitarismo. Enciclpedia delle Scienze Sociali. Treccani. Disponível em:
http://www.treccani.it/enciclopedia/comunitarismo_(Enciclopedia-Scienze-Sociali)/. Acesso em 12/05/2015.
13
PAZÉ, Valentina. Comunitarismo. Enciclpedia delle Scienze Sociali. Treccani. Disponível em:
http://www.treccani.it/enciclopedia/comunitarismo_(Enciclopedia-Scienze-Sociali)/. Acesso em 12/05/2015.
14
BRUGGER, WINFRIED. O comunitarimo como teoria social e jurídica por trás da Constituição Alemã.
Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 11. p. 55.
10
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29
para uma contraposição ao ideário liberal, conhecido com o comunitarismo
contemporâneo.
Identifica-se em autores como Alasdair Macintyre, Michael Sandel,
Michael Walzer, Charles Taylor, entre outros, uma teoria comunitária, com algumas
variantes, em que se identifica, como elementos comum, a noção em torno de uma
“prioridade à comunidade em relação ao indivíduo, na medida em que ele é essencialmente
um ser produzido culturalmente”.15 Não se trata suprimir a expressão individual,16
diversamente procura-se levá-la em consideração a partir dos olhos da comunidade.
Para um cotejo sintético de ambos paradigmas, é válida a citação de
Maia:
De modo simplificado, o principal traço caracterizador da grande divisão
em torno da qual o debate sobre modelos de democracia vem se
desenrolando na cultura anglo-saxônica é o seguinte: as vertentes liberais
sublinham a importância dos direitos individuais como prioritários em
relação à autonomia coletiva; já as correntes comunitarianas e
republicanas asseveram – inspirados em Rousseau – a primazia da
vontade coletiva em face dos direitos individuais.17
Dentre as variantes do comunitarismo, três despontam com primazia: o
conservador, o universalista-igualitário e o liberal. Em resumo, enquanto o conservador
prega o respeito à individualidade quando diante de uma sociedade homogênea, 18 o
universalista-igualitário busca o sentido da comunidade global, nos direitos humanos,
desconhecendo, inclusive, as fronteiras territoriais. Por fim, o comunitarismo liberal, que
evita os exageros das duas correntes citadas, legitima os interesses da pessoa considerados
a partir de um núcleo menor (família), que confere legitimidade à sociedade e, por fim, à
humanidade. Pretende-se, desta forma, compreender a validade das obrigações morais a
partir dos menores núcleos até alcançar toda a comunidade.19
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 3. ed., 2004. p. 86
Muito embora a crítica é no sentido de conduzir, de forma paternalista, a autonomia. FANRSWORTH,
Alan. Contracts. 4. ed. New York: Aspen, 2004. p. 29.
17
MAIA, Antônio C. Revista Jurídica da PUC-RJ. Disponível em: <http://wwwpucrio.br/sobrepuc/depto/direito/revista/online/rev11antonio.html> Acesso em 10.09.2013.
18
O que seria utópico, pois na atualidade a maioria dos Estados são marcados pelo multiculturalismo.
BRUGGER, WINFRIED. O comunitarimo como teoria social e jurídica por trás da Constituição Alemã.
Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 11. p. 63.
19
BRUGGER, WINFRIED. O comunitarimo como teoria social e jurídica por trás da Constituição Alemã.
Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 11. p. 65.
15
16
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30
Verifica-se que o fio condutor de ambas variantes sempre perpassa,
diversamente do liberalismo, pelos interesses da comunidade, de forma que a autonomia
individual somente se justifica com a validação conferida pelo grupo maior.
Para o Direito, ambas correntes imprimiram - e ainda imprimem consequências metodológicas e interpretativas. Na realidade, é possível identificar,
inclusive, ser no debate da amplitude da autonomia privada que ambas escolas surgiram e
se desenvolveram:20 para liberais, que concebem a liberdade como um dado pré-jurídico, a
autonomia privada, protegida pelo Estado e por ele também incentivada, deverá ser imune
a influências externas; já para a concepção comunitária, o exercício da autoregulamentação apenas se legitima, se atendidos os interesses da coletividade.
Neste confronto bilateral, entretanto, é válido tratar de uma terceira via
proposta por Habermas. Para o filósofo alemão, interesses individuais e coletivos, embora
tidos como fenômenos contrapostos, são, em verdade, situações complementares. Mais que
complementares, duas faces de uma mesma moeda, pois, além de ambas não subsistirem
de per si, moldam-se e têm origem mútua e conjuntamente.
Na medida em que ser humano apenas se reconhece como tal quando
inserido em sociedade e esta, da mesma forma, somente é reconhecida a partir da
coexistência próprio ser humano, o poder de auto e heteroregulamentação, da mesma
forma, surge da simbiose sociedade/homem que, mediante diálogo e concessões mútuas,
partilha as competência e atribuições de regulamentação.21
Trata-se, em verdade, da noção de cooriginariedade dos interesses,
notadamente refletidos em autonomia pública e da autonomia privada, que, defendida por
Habermas,22 propõe não ser possível verificar a precedência ou sobreposição de um
fenômeno em relação a outro. Em uma sociedade democrática, onde a autonomia privada
“O conceito de liberdade acima exposto carrega de forma ínsita uma relação de oposição entre o exercício
da autonomia privada e os então chamados limites externos ao exercício da autonomia, provenientes de leis
de caráter geral com origem no poder político estabelecido. Esta relação de oposição acaba por gerar uma
tensão que, de forma simplificada, pode ser identificada como a causa originária do debate entre liberais e
comunitaristas, tendo-se que aqueles evocam uma visão kantiana acerca da interpretação recíproca dos
conceitos de direitos do homem e soberania popular, ao passo que estes partem de uma concepção
rousseauniana.” SILVA, Denis Franco. O princípio da Autonomia: da Invenção `Reconstrução. In: MORAES,
Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios de Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Renovar, 2006.
p. 140.
21
“Neste sentido, as identidades individuais e sociais se constituem a partir da sua inserção em uma forma de
vida compartilhada, na medida em que aprendemos a nos relacionar com os outros e com nós mesmos através
de uma rede de conhecimento recíproco, que se estrutura através da linguagem” CITTADINO, Gisele.
Pluralismo, Direito e Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 3. ed., 2004. p. 91.
22
HABERMAS, Jurgen. Facticidad y validez. sobre el derecho y el estado democratico de derecho en
términos de teoría del discurso. 4. ed. Madrid: Trotta, 2005. p. 165.
20
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constitui a legitimação para o exercício da autonomia pública - e vice-versa,23 ambas
formas de regulamentação são delimitadas simultaneamente e, através de um processo
dinâmico, dialogam de modo perene.
Postas as divergências entre as escolas liberal e comunitária, bem como
da terceira via habermasiana, não é indene de reflexos a interpretação que se dá à função
social das situações patrimoniais no ordenamento brasileiro. Os prismas interpretativos a
partir de cada visão, a propósito, são tão díspares quanto as próprias escolas.
2. A Leitura Liberal da Função Social das Situações Patrimoniais
Na medida em que condiciona o exercício das situações patrimoniais no
ordenamento brasileiro, a função social ganha contornos interpretativos próprios em
doutrina, a partir das lentes tingidas pela ideologia a que se filia o observador. Embora se
apresente, de certa maneira, paradoxal uma leitura liberal da função social, já que, em tese
e a prima facie, ambos os conceitos parecem configurar uma contradição terminológica, é
possível encontrar textos que promovem a conjugação lógica e racional dos termos.
Ao assimilar a função social à supressão do exercício da autonomia
privada do indivíduo, visto que própria de regimes totalitários, Sztajn é incisiva ao limitar
seu significado a um compromisso moral com a responsabilidade social, reafirmando, de
toda sorte, que o termo não pode ser enfrentado como limitador da liberdade contratual:
Será que um código de direito privado - mesmo que seja visto como a
constituição do homem comum, na dicção de Miguel Reale - deve conter
dispositivos que induzam as pessoas a agirem tendo em vista interesses
de terceiros, a distribuir benesses ou agir de conformidade com interesses
do Poder Público? Esse sentido que se daca à expressão “função
social”no ordenamento italiano à época do fascismo. Prever função social
para a empresa, assim como para a propriedade, nada mais era que meio
para facilitar a intervenção ou controle do Estado sobre a atividade
econômica ou a propriedade fundiária, de vez que a titularidade sobre
esses bens era reconhecida na medida em que satisfizessem o interesse
nacional. Contudo, os italianos, assim como os alemães, não se atreveram
a ipor função social aos contratos! Foram contidos por algum sentido de
prudência.
Nesse sentido: “Trata-se da codependência desses dois tipos de autonomia, vez que uma é condição para o
exercício da outra”. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Saúde, Corpo e autonomia privada. Rio de Janeiro:
Renovar, 2010. p. 151.
23
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32
Retrospecto histórico permite constatar que recorre à “função social” é
característica de regimes não democráticos (...).24
Quanto ao exercício da empresa, que não se faz sem contratos, a função
social que se pretende venha ela a exercer implica liberdade de contratar
com responsabilidade social. Mas não se supõe sirva para comprometer a
continuação e estabilidade que a atividade requer e que devem dominar a
sua preservação.25
Parece seguir a mesma trilha Salomão Filho. Com efeito, ao alargar o
conceito analisado e entender que a função social é a própria função “de toda e qualquer
relação da vida civi”,26 constata-se um esvaziamento do próprio termo para permitir a
manutenção do status quo. Também perfilha o mesmo entendimento Theodoro de Mello,
que, embora reconheça um interesse externo na função social, entende, no entanto, que não
se lhe pode permitir uma virtude solidária:
O princípio dirige-se, portanto, a inspirar a interpretação de todo o
microssistema do direito dos contratos e integrar suas normas, bem como
para limitar a liberdade privada, impedindo que se ajustem obrigações
atentatórias aos demais princípios, valores e garantias sociais. Deverá
inspirar, ainda, a interpretação do próprio ajuste, porquanto não se
admitirá sua execução de modo a contrariar os interesses e fins que a
sociedade vislumbrou em determinado tipo contratual.
Mas não poderá o aplicador do direito arvorar-se de realizador de
políticas tendentes a realizar a redistribuição de riquezas e a política
social que entender mais justa. A autonomia da vontade é garantia que só
cede em face do interesse público e nos termos da lei. Sö a deformidade,
o absurdo e o teratológico exercício do direito de contratar, que atente
contra a regularidade das relações privadas e leve a aviltar os próprios
fundamentos, as garantias e os valores sociais que sustentam e protegem
a liberdade é que será passível de invalidação por intervenção do juiz.27
Ainda sob ares liberais, mas com a internalização do discurso da análise
econômica do direito, Timm segue o mesmo modelo do livre exercício da autonomia
privada, defendendo, inclusive, uma reversão de paradigma contratual brasileiro, que é a
proteção da parte mais fraca. Neste sentido, afirma que:
SZTAJN, Rachel. A função social do contrato e o direito dc empresa. Revista de Direito Mercantil,
Industrial Econômico e Financeiro. n. 139. São Paulo: Malhciros. p. 31.
25
SZTAJN, Rachel. A função social do contrato e o direito dc empresa. Revista de Direito Mercantil,
Industrial Económico e Financeiro. n. 139. São Paulo: Malhciros. p. 48.
26
SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. n. 132. São Paulo: Malheiros Editores. p. 13.
27
MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. A função social do contrato e o princípio da boa-fé no Código
Civil brasileiro. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 16. São Paulo, mar./abr. 2002. p. 149.
24
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33
A análise econômica do Direito pode ser empregada para explicar a
função social do contrato em um ambiente de mercado . Esta perspectiva
permite enxergar a coletividade não na parte mais fraca do contrato, mas
na totalidade das pessoas que efetivamente, ou potencialmente, integram
um determinado mercado de bens e serviços.28
A interpretação econômica conferida à função social, destacada pelo
trecho acima transcrita, não é decerto, desconhecida da experiência judiciária brasileira,
que já teve oportunidade de subjugá-la a fatores de mercado quando se trata de situação
paritária.29 Tratou-se da análise de aplicação da teoria da imprevisão em contrato de
fornecimento estabelecido entre produtor de soja e respectivo comprador. Por conta de
inesperada valorização da soja, que já havia sido comprada e paga pelos compradores por
meio de aquisição de colheita futura, os produtores solicitavam a revisão do contrato com
fundamento em prejuízos que teriam com a manutenção do preço anteriormente acordado.
O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça que, não obstante pudesse ser resolvido à
luz da teoria suscitada, optou por analisar os fatos à luz da função social, relegando-a a
segundo plano na interpretação contratual:
A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel
primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua
colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos
todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios
termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura.30
Sob perspectiva diversa, mas ainda em tom liberal, é possível identificar
em doutrina tendência que, apesar de reconhecer um papel limitador da função social,
defende a permanência de um núcleo mínimo de liberdade, onde se entrincheira a vontade
do titular da situação patrimonial, imune a controle externo. Neste sentido, Arruda Alvim:
Penso também que apesar de profundas limitações que vieram se
avolumando no mundo inteiro em relação ao direito de propriedade, há
TIMM, Luciano Benetti. Função Social do Direito Contratual no Código Civil Brasileiro: Justiça
Distributiva vs. Eficiência Econômica. Revista dos Tribunais. Vol. 876, São Paulo: out. 2008. p. 35.
29
Aliás, constata-se uma tendência em aplicar a lógica de mercado, dissipada da função social, em situações
patrimoniais entre iguais, não obstante o controle se encontrar no Código Civil: “Concreção do princípio da
autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito
Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da
função social da empresa. Reconhecimento da contrariedade aos princípios da obrigatoriedade do contrato
(art. 1056 do CC/16) e da relatividade dos efeitos dos pactos, especialmente relevantes no plano do Direito
Empresarial, com a determinação de que o cálculo dos prêmios considere a realidade existente na data em
que deveriam ser pagos. (...)”. STJ, 3ª Turma, REsp 1.158.815/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j.
em 07.12.2012.
30
STJ, 3ª Turma, REsp. 783.404/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 28.06.2007.
28
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34
um núcleo essencial e irredutível desse direito, na linha do que é
extensamente reconhecido na Alemanha, através da sua doutrina e
pronunciamentos de seu tribunal constitucional.31
A constatação da permanência de um núcleo duro e inatingível da
situação patrimonial, com efeito, também chegou a ser abraçado pelo Poder Judiciário no
pós-Constituição de 1988. Cuidou-se de a analisar a irregularidade de desmatamento
ocorrido em propriedade rural, a qual, no entanto, foi considerada lícita em razão da
impossibilidade da intervenção externa no seu exercício:
O fato de o legislador constitucional garantir o direito de propriedade,
mas exigir que ela atenda a sua função social (art. 5, XXIII) não chegou
ao ponto de transformar a propriedade em mera função e um pesado ônus
e injustificável dever para o proprietário. Lembra Celso Ribiero Bastos,
nos seus Comentários à Constituição de 1988, que:
o primeiro ponto a notar é que o Texto acabe por repelir de vez alguns
autores afoitos que quiseram ver no nosso direito constitucional a
propriedade transformada em mera função. Em de um direito do
particular, seria um ônus, impondo-lhe quase o que seria um autêntico
dever.32
Portanto, em que pese a própria função em análise portar consigo um
adjetivo social, a leitura liberal se inclina a compreender tal acepção como uma forma
tendente a eliminar a autonomia, para o que faz alerta quanto ao perigo totalitário da
expressão e seu viés anti-econômico. Contudo, um discurso neste sentido parece negar o
próprio paradigma da realidade contratual e proprietária adotada na Constituição da
República. Quanto a este ponto, retorna-se mais adiante, sem antes, porém, analisar o
percurso da função social nos passos empreendidos aos olhos de publicistas.
2.1. Uma Nota sobre a Doutrina Administrativista: O Interesse Público
Se para civilistas a função social guarda uma pretensão de limitar a
liberdade do exercício das situações patrimoniais; aos administrativistas, a sua previsão na
Constituição da República e no Código Civil, dá lastro à ampliação da denominada
ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Função Social da Propriedade. Principais Controvérsias no
Novo Código Civil. Editora Saraiva, São Paulo, 2006. p. 21
32
STJ, 1ª Turma, REsp. 32.222/PR, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 21.06.1993.
31
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35
doutrina da intervenção do Estado na propriedade privada, o que se faz em nome de um
interesse público.
Nesta linha, Baptista, apoiada no festejado administrativista espanhol
Garcia de Enterria,33 adverte que:
Nos dias atuais, ante a necessidade de se atender à função social prevista
na norma constitucional, é imperioso reconhecer que a propriedade
privada se acha mais e mais constrita a dar conta de diversas finalidades
de interesse público, somente sendo assegurada na medida em que forem
atingidos tais fins.34
Refletindo as vertentes doutrinárias que tratam o tema, o Superior
Tribunal de Justiça também já teve oportunidade de se manifestar quanto à aplicação da
função social, atrelada a um interesse público, cogitando, inclusive, na prevalência deste
sobre o direito privado:
2. (...) Prestar contas significa demonstrar e comprovar todos os
componentes de débito e de crédito vinculados à relação jurídica
estabelecida entre as partes. Tratando-se de contrato de compra e venda
de ações colocadas no mercado em razão de programa de desestatização,
cabe ao ente financeiro responsável pela operação prestar contas sobre a
transação efetuada, informando a quantidade de moeda utilizada na
aquisição, datas, preços, a efetiva entrega para a Câmara de liquidação e
custódia; re-venda das ações e a que preços; quais os dividendos
recebidos; o saldo do empréstimo por ocasião de sua liquidação, sem
prejuízo de outras informações que advieram do ajuste firmado.
3. A função social do contrato veta seja o interesse público ferido pelo
particular.
4. Recurso especial não-conhecido.35
A manutenção do critério de interesse público e a ótica intervencionista,
entretanto, além de reinaugurar o discurso liberal, não condiz com uma contemporânea
concepção de autonomia privada em um ordenamento que reconhece eficácia das normas
constitucional, retirando-lhe um papel meramente político (próprio do liberalismo).
Para o citado jurista, a intevenção, justificadora da função social, de pauta em três níveis: delimitação
administrativa, limitação administrativa e potestatividade ablativa real (expropriação). GARCIA DE
ENTERRIA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramon. Curso de derecho administrativo, 9. ed., Madrid:
Civitas, 1999, v. 2. p. 103.
34
BAPTISTA, Patrícia F.. Limitação e Sacrifícios de Direito: O conteúdo e as Consequências dos Atos de
Intervenção da Administração Pública sobre a Propriedade Privada. Revista de Direito (Rio de Janeiro), v. 7,
2003. p. 63.
35
STJ, 4ª Turma, REsp 1062589/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 24.03.2009.
33
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36
Com efeito, a visão de intervenção/não intervenção, tal como posta,
influenciou - e ainda influencia - todo o aparato dogmático do direito privado, encontrando
na concepção do direito subjetivo, notadamente na denominada teoria dos limites externos
desta situação jurídica, o seu ápice acadêmico.36 Por esta teoria, entende-se que o direito
subjetivo é tutelado pelo ordenamento jurídico, na medida em que não transborda os
limites de atuação que a lei lhe impôs. Assim, dentro daquele limite e sem a intervenção do
Estado, a autonomia da vontade é soberana, encastelada e é apenas condicionada ao puro
interesse egoísta do indivíduo, sem qualquer influência externa.37
O isolamento que a doutrina jurídica moderna e liberal impôs à
autonomia, a ponto de submetê-la ao arbítrio da vontade, fez surgir o dogma da suposta
não intervenção estatal sobre seu exercício, contrapondo-a, portanto, à ideia de
heteronomia. Sob este aspecto, nenhum fator externo poderia condicionar a autonomia,
que, como direito moral nato, precederia a heteronomia. No entanto, conforme já se
advertiu,
interesse
público
e
interesse
privado38
são
espaços
simultâneos
e
complementares, que não permite, em uma situação estática, a verificação de uma
proeminência de um em relação a outro. Cabe simplesmente à axiologia do sistema,
encontrada no Texto Fundamental, valorar o exercício, ou não, da situação patrimonial.
Assim, uma concepção positiva ou negativa da intervenção, tende a
reeditar o discurso do liberalismo, apartando a Administração Pública e seus interesses da
própria sociedade, tal qual inspiraram-se os liberais clássicos.
Em doutrina brasileira, é possível identificar como defensores desta teoria: GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva. p. 8: “O direito subjetivo, em verdade, não constitui nem
poder da vontade, nem interesse protegido, mas apenas um poder de agir e de exigir determinado
comportamento para a realização de um interesse, pressupondo a existência de uma relação jurídica. Seu
fundamento é a autonomia dos sujeitos, a liberdade natural que se afirma na sociedade e que se transforma,
pela garantia do direito, em direito subjetivo, isto é, liberdade e poder jurídico”. DINIZ, Maria Helena. Curso
Geral de Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. 26. ed.. São Paulo: Saraiva. p. 11. “O direito subjetivo é
subjetivo porque as permissões, com base na norma jurídica e em face dos demais membros da sociedade,
são próprias das pessoas que as possuem, podendo ser, ou não usadas por elas”.
37
A conhecida frase “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro” é própria para
ilustrar o que aqui se expõe. Seu autor, Herbert Spencer, conhecido pela teoria do darwinismo social, é figura
expoente do pensamento liberal do século XIX e bem demonstra a concepção negativa da liberdade, adotada
pela teoria dos limites externos do direito subjetivo. A frase original, “every man has freedom to do all that
he wills, provided he infringes not the equal freedom of any other man” encontra-se em SPENCER, Herbert.
Social Statics: or, The Conditions essential to Happiness specified, and the First of them Developed. London:
John Chapman, 1851, p. 67. Disponível em http://oll.libertyfund.org/title/273, acesso em 10.10.2013.
38
Como se ainda fosse possível manter a summa diviso. Em sentido que não mais existe: PERLINGIEIRI,
Pietro. O direito civil na legalidade constitucional; tradução de: Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p. 144.
36
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37
3. Concepções Não Liberais da Função Social das Situações Patrimoniais
Para analisar outras três interpretações conferidas à função social, opta-se
por generalizá-las sob um viés negativo de adesão à concepção liberal, visto que não é
possível, de pronto, assimilá-las a uma vertente comunitarista.
A primeira corrente não liberal é identificada por aqueles que defendem
ser a função social - especificamente - do contrato uma forma de ratificação do
compromisso de equilíbrio das prestações do ajuste.39 Ainda seguindo a trilha do
equilíbrio, mas não das prestações e, sim, da vulnerabilidade de algum contratante,
Azevedo afirma que:
A intervenção do Estado, no âmbito contratual, abriu as portas a um novo
tempo, em que se mitigaram os malefícios do liberalismo jurídico, com a
proteção social ao mais fraco.
(...)
O novo Código Civil não ficou à margem dessa indispensável
necessidade de integrar o contrato na sociedade, como meio de realizar os
fins sociais, pois determinou que liberdade contratual (embora se refira
equivocadamente à liberdade contratar) deve ser “exercida em razão e
nos limites da função social do contrato”. Esse dispositivo (art. 421)
alarga, ainda mais, a capacidade do juiz proteger o mais fraco, na
contratação, por exemplo, possa estar sofrendo pressão econômica ou os
efeitos maléficos de cláusulas abusivas ou de publicidade enganosa.4041
“A aplicação da função social ao contrato deve, portanto, garantir o equilíbrio das prestações”. WALD
Arnoldo. Revista Trimestral de Direito Civil. A dupla função econômica e social do contrato. Rio de Janeiro:
Ed. Padma, Ano 5, Vol. 17, jan/mar 2004, p. 5
40
AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo Código Civil Brasileiro: Tramitação; função social do contrato; boafé objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis). Revista Jurídica n. 4,
abr. 2003, São Paulo: LTr. p. 11.
41
Honorários de 50%. A interpretação do instituto da lesão deve ser sempre promovida em conjunto, no
Código Civil, com todas as normas legais que estabelecem cânones de conduta, como a do art. 421 (função
social do contrato), 422 (boa-fé objetiva) e 187 (vedação ao abuso de direito). Na hipótese dos autos, a
necessidade da recorrente era clara. Ela pode ser constatada, tanto pelos termos de sua petição inicial, na qual
descreve situação de penúria, notadamente em função do vício de seu filho em entorpecentes, como na inicial
da ação de execução ajuizada pelos advogados em face da recorrente (fls. 31 a 37, e-STJ), na qual pode se
destacar a seguinte passagem:(REsp 1155200/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 02/03/2011)
39
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38
Esta perspectiva, portanto, tende a imprimir os reflexos da função social
internamente aos contratos, não havendo efeitos externos e tampouco aceitando influência
de interesses estranhos aos contratantes.42
Em contrapartida, uma outra vertente imprime à função social dos
contratos uma modulação ao princípio de sua relatividade. Significa dizer que o contrato,
inserido no tecido social, propaga seus efeitos a terceiros além das partes contratantes.43
No entanto, não obstante se tenha buscado garantir uma tutela externa do próprio crédito,
acaba por fortalecer a própria posição dos contratantes, visto que a relativização do vínculo
intersubjetivo também teria o condão de impor a terceiros o respeito ao próprio contrato.44
Por fim, identifica-se uma terceira corrente, da mesma forma não liberal,
para a qual a função do social das situações patrimoniais agrega ao controle de sua
proteção, a avaliação se há no pacto a observação de interesses coletivos. Neste sentido,
Azevedo afirma que a função social determina a ineficácia superveniente do pacto quando
para tanto concorrer qualquer uma das seguintes hipóteses: a “impossibilidade de obtenção
do fim último visado pelo contrato, (...), juntamente com a ofensa a interesses coletivos
(meio-ambiente, concorrência, etc.) e a lesão à dignidade humana”.45
Mais incisivo na abertura do controle externo quanto ao merecimento de
tutela, Tepedino, quanto à propriedade, afirma que o atendimento à sua função social
ocorre pela utilização dos bens privados e o consequente exercício do domínio, com
respeito e promoção das situações jurídicas subjetivas existenciais e sociais por ela
atingidas.46 E, na mesma linha, mas em sede contratual, Konder afima que a referida
função preserva interesses extracontratuais socialmente relevantes, preenchidos pelos
KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: Estudo comparativo sobre o
controle da autonomia negocial. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 43. Rio de Janeiro, jul./set. 2010. p. 3
43
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio De Janeiro: Renovar, 2006, p. 245
e ss.
44
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. In TEPEDINO,Gustavo e FACHIN, Luiz
Edson (coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar,
2008. p. 398.
45
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos
jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos
relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstancias e onerosidade excessiva. Sinalagma e
resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. Revista dos Tribunais, São
Paulo, ano 94, v. 832, fev. 2005. p. 133.
46
TEPEDINO, Gustavo. A função social da propriedade e o meio ambiente. Revista Trimestral de Direito
Civil. Rio de Janeiro, n. 37, jan/mar. 2009. p. 141.
42
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39
princípio das dignidade, livre iniciativa, igualdade substancial e solidariedade social
(consumidores, livre concorrência, meio ambiente e às relações de trabalho.47
Embora díspares entre si, as três correntes acima se destacam do
liberalismo clássico, na medida em que, além de não reconhecer um espaço de liberdade
contratual imune a controle externo, propõem uma leitura com uma prospecção de
interesses externos ao ambiente individualista do contrato.
4. Conclusão: A Função Social é Expressão do Comunitarismo Contemporâneo?
Entendido o comunitarismo contemporâneo como um conjunto de ideias
em que a comunidade é legitimada para conceber o justo sem, no entanto, suprimir a
expressão individual (como feito em regimes totalitários), parece que, tomada a função
social como internalização, nas situações patrimoniais, de interesses coletivos para
legitimar o seu exercício, é lícito encontrar na função social um dos reflexos deste ideário.
No entanto, afora esta vertente de pensamento, nenhuma outra acepção
teria respaldo na doutrina comunitária; da mesma forma, se tomar por consideração
correntes comunitárias tendenciosas a suprimir o valor individual, também não se poderia
encontrar semelhança em uma compreensão mais solidária da função social, visto que a
expressão da pessoa, não é eliminada pelo referido controle.
Portanto, apenas haverá compreensão da função social como reflexo de
ideais comunitários se e quando houver sintonia entre o solidarismo próprio da função
social, com o respectivo interesse coletivo do comunitarismo, sem jamais suprimir uma
liberdade pessoal, a qual sempre será tutelada na medida e na forma do próprio
ordenamento.
KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: Estudo comparativo sobre o
controle da autonomia negocial. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 43, jul./set. 2010. p.
68. Note-se que o autor compartilha da mesma opinião também esboçada por Tepedino, para quem a função
social do contrato “deve ser entendida como princípio que, informado pelos princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana (art. 1, III), do valor social da livre iniciativa (art. 1, IV) – fundamentos da
República – e da igualdade substancial (art. 3, III) e da solidariedade social (art. 3, I) – objetivos da
República, impõe às partes o dever de perseguir, ao lado de seus interesses individuais, a interesses
extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são
por ele atingidos”. TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. In TEPEDINO,
Gustavo. FACHIN, Luiz Edson. O Direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utopias Contemporâneas. Estudos
em Homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 399.
47
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40
Recebido em 01/02/2016
1º parecer em 02/02/2016
2º parecer em 14/02/2016
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41
ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS: COMPENSAÇÃO ECONÔMICA E
EQUILÍBRIO PATRIMONIAL
Compensatory aliments: compensable alimentary and patrimonial equilibrium
Luciano L. Figueiredo
Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito do
Estado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Direito pela Universidade Salvador
(UNIFACS). Professor de Direito Civil da Faculdade Baiana de Direito (FBD); Escola dos Magistrados da
Bahia (EMAB) e Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Professor Visitante de Especializações Lato
Sensu de Direito Civil. Palestrante. Autor de Artigos Científicos e Livros Jurídicos. E-mail:
[email protected]
Resumo: O presente paper objetiva perquirir resposta ao seguinte tema-problema: é
possível, no Brasil, a utilização do instituto dos alimentos para verificação de compensação
financeira e equilíbrio patrimonial em função do término de um enlace sócio-afetivo? A
indagação leva à significação do instituto dos alimentos, seu conceito, sua extensão e
modalidades. Perpassa pela visão dos alimentos em decorrência de términos afetivos e a
(im) possibilidade de cumulação dos alimentos regulares com os ditos compensatórios.
Para verticalização do conteúdo proposto, o artigo perpassará pelo conceito e legitimados
ao pleito alimentar; a obrigação alimentar decorrente de términos de casamentos e uniões
estáveis e, então, adentrará na problemática do cabimento dos alimentos compensatórios,
verificando os fatos geradores da ausência de partilha de bens; meação desequilibrada e
fruição exclusiva por um dos consortes do patrimônio comum. Após o desenvolvimento
das ideias, avança o paper às suas impressões conclusivas, com a análise dos caminhos
futuros derredor do assunto.
Palavras-Chaves: Alimentos Compensatórios; Compensação Econômica; Equilíbrio
Patrimonial.
Abstract: The present paper has the purpose to search for an answer to the follow
problem: is it possible, in Brazil, the use of aliment system to verify finance compensation
and patrimonial equilibrium due to the end of a socio-affective relationship? This question
directs us to the meaning of payment of aliment, its definition, extension and types. It also
examines all points of view related to unmarried couples break ups and the (im) possibility
of cumulate regular aliments and compensating ones. With the objective of verifying
that suggested content , this article will present who is legitimated to contest the right to
claim aliment, the conditions and elements necessary to the obligation of maintenance as a
result of the end of relationships (married and unmarried ones) and, subsequently, it will
deal with the compensatory aliments problem, by verifying the facts that lead to the
absence of the necessity of splitting the patrimony; unbalance division of the family state
and the exclusive use by just one of them. After all the elucidation, this work will reach the
conclusion of the ideas and proposals of solutions to the problematic involved on the
theme.
Keywords: Compensatory aliments; compensable alimentary; patrimonial equilibrium.
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Sumário: Introdução – 1. Alimentos aos Bocados.1 O que são e para quem são os
Alimentos? – 2. Alimentos Familiares – 3. Alimentos Compensatórios – 3.1 Inexistência
de Partilha de Bens – 3.2 Desequilíbrio Econômico na Meação – 3.3 Fruição Exclusiva de
Patrimônio Comum – 4. Conclusões
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Antoine de Saint- Exupéry
O Pequeno Príncipe
Introdução
Há muito é premissa em direito que o ser, para ser humano, há de gozar
de um mínimo existencial; do chamado patrimônio mínimo. Mister que o sujeito digno
tenha acesso ao mínimo de habitação, vestuário, educação, lazer, cultura... O homem, sem
seus elementos mínimos de sobrevivência, deixa de ser humano; coisificando-se.
Doutrinariamente, Luiz Edson Fachin2 abordou, em monografia
específica, a necessidade de tutela jurídica do patrimônio mínimo, o qual é de titularidade
de todo e qualquer sujeito e contempla bens materiais e imateriais mínimos necessários à
vida digna. Caminhando na mesma linha de pensamento e sob a vestimenta de mínimo
existencial, Ana Paula Barcelos3 entende ser necessário, para conferência de dignidade,
que toda pessoa tenha acesso à saúde básica, ensino fundamental, justiça... O direito há de
proteger este arcabouço de bens.
Em verdade, as luzes de um mínimo existencial foram lançadas tempos
antes, pelo próprio Constituinte, ao garantir o salário mínimo. Como legado do Presidente
Getúlio Vargas,4 o art. 7, IV da Constituição Cidadã aborda o tema, instituindo um salário
mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, devendo ser capaz de atender às
necessidades básicas vitais do sujeito e de sua família, como moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
1
Utiliza-se aqui, propositadamente, da referência à excelente obra sobre o tema alimentos da Professora
Maria Berenice Dias: Alimentos aos Bocados. Trata-se de livro específico sobre o assunto que transita, com
maestria, pelas diversas hipóteses de deferimento dos alimentos. DIAS, Maria Berenice. Alimentos aos
Bocados. São Paulo: RT, 2013.
2
FACHIN, Luiz Edson. O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de janeiro, Renovar: 2001.
3
BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia dos Princípios Constitucionais – O Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana. Rio de janeiro, Renovar: 2002.
4
Atribui-se a Getúlio Vargas a instituição do salário mínimo, através da Lei de número 185/1936 e do
Decreto-Lei de número 399/38. O salário mínimo, todavia, apenas ganhou vigência no país em maio de 1940,
quando o Decreto-Lei número 2.162 fixou os valores.
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43
Ainda em um olhar constitucional, desde 2010 – em virtude da Emenda
Constitucional de número 64 – a alimentação restou inclusa dentre os direitos sociais, ao
lado da moradia, da proteção à maternidade, à infância, ao lazer e à assistência aos
desamparados.5
Infere-se, portanto, que como centro de um ordenamento unificado, a
Constituição Cidadã é clara em sinalizar ser a manutenção de recursos dignos uma
preocupação da ordem do dia. Tal sinalização contamina todo o ordenamento jurídico
nacional e, inclusive, o tema alimentos. Alimentos traduzem um direito social, integrante
dos direitos e garantias fundamentais e, por conseguinte, da personalidade de cada
indivíduo. Trata-se, nesse pensamento, de uma cláusula pétrea.
Logo, vaticina Maria Berenice Dias6 que os alimentos devem ser
estudados, significados e compreendidos como um conjunto de recursos e bens capazes de
assegurar a integridade biopsíquica dos indivíduos. Mas estes alimentos apenas seriam
devidos na hipótese de necessidade para manutenção da vida, segundo um padrão social;
ou também seriam devidos com o escopo de manutenção de um equilíbrio patrimonial após
o desfazimento do enlace afetivo?
Aqui coloca-se o tema-problema central deste paper: é possível a
utilização, no Brasil, do instituto dos alimentos para verificação de compensação financeira
e equilíbrio patrimonial em função do término de um enlace sócio-afetivo?
Para responder a problemática posta, este artigo perpassará pelos
seguintes assuntos: a) Alimentos aos Bocados. O que são e para quem são os Alimentos?;
b) Alimentos Familiares; c) Alimentos Compensatórios – Inexistência de Partilha de Bens;
Meação Desequilibrada e Fruição Exclusiva de Patrimônio Comum –; e d) Conclusões.
1. Alimentos aos Bocados. O que são e para quem são os Alimentos?
Alimentos, em uma concepção lata, é um instituto da teoria geral do
direito, capaz de transitar por diversos braços do Direito Civil. Fala-se em alimentos nas
obrigações, nos contratos, na responsabilidade civil e nas famílias. Relaciona-se ao
essencial para a manutenção da integridade físico-psíquica de cada indivíduo, dizendo
respeito à sua personalidade e ligando-se aos direitos e garantias fundamentais.
5
6
Conferir o art. art. 6º da CF/88.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 450.
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44
Da significação do aludido conceito, já é possível afastar algumas falsas
premissas. Alimentos não traduzem um tema afeto apenas ao direito das famílias, sendo
possível falar-se em alimentos voluntários ou, até mesmo, alimentos decorrentes da
reparação civil, como ensina Carlos Roberto Gonçalves.7 Atento ao caráter amplo dos
alimentos, firma a doutrina8 que, no que tange à origem, os alimentos podem advir de
relações familiares (alimentos legítimos ou civis); de doação (alimentos convencionais ou
voluntários) e da prática de um ato ilícito (alimentos indenizatórios, compensatórios ou
ressarcitórios).
Legítimos são os alimentos oriundos de um elo familiar. Dialogam com o
chamado solidarismo familiar, ética relacional e boa-fé objetiva nas relações afetivas.
Caminham com o ideal de mútua assistência. Detalhando os alimentos civis, verbera o
Código Civil9 que podem os parentes, cônjuges ou companheiros pedir, uns aos outros, os
alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender as necessidades de educação.
Logo, os alimentos legítimos não dirão respeito apenas à subsistência,
como o era à época do Código Civil de Beviláqua.10 Hoje, em nítido avanço, ao falar-se em
alimentos legítimos, deve-se lembrar também da manutenção de um padrão social do
credor, transitando pelas variadas necessidades do ser, como saúde, habitação, vestuário...,
consoante recorda Álvaro Vilaça de Azevedo.11
O estabelecimento da verba alimentar familiar demandará não apenas a
verificação da necessidade do credor, segundo a manutenção de seu padrão social; mas,
também, a possibilidade do devedor, em claro olhar à proporcionalidade.12 É aquilo que
avalizada doutrina13 denominada como binômio necessidade x possibilidade/capacidade.
Então, acaso um parente, cônjuge ou companheiro necessite (credor de alimentos) e, ao
mesmo tempo, existam pessoas no âmbito familiar em condições de fornecê-los (devedor
de alimentos), restará configurado o imprescindível binômio necessidade x possibilidade,
surgindo o sucesso no pleito alimentar.
7
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. Volume 6. 8 ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 502-503.
8
GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 502.
9
Nessa linha, conferir o art. 1.694 do CC/02.
10
Art. 396. De acordo com o prescrito neste Capítulo podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos
de que necessitem para subsistir.
11
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 307-308.
12
Nessa linha, conferir o art. 1.694 do CC/02, § 1 o, bem como o art. 1.695.
13
Sobre o tema, a título de exemplo, coloca-se a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves. GONÇALVES,
Carlos Roberto, op. cit., p. 512-513.
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45
Voluntários, de seu turno, são alimentos que decorrem da autonomia
privada, brotando da liberdade e da intervenção estatal mínima. Sua extensão, forma de
pagamento, prazos, montantes... decorrem de condutas pautadas na liberdade, como
recorda Rodrigo da Cunha Pereira.14 Trata-se do festejado e conhecido direito de civil
mínimo, desistincionalizado e sem intervenções indevidas, analisado na obra de Leonardo
Barreto Moreira Alves15.
Veem-se alimentos voluntários na doação em forma de subvenção
periódica, como estampada no artigo 545 do Código Civil.16 É o exemplo de um cidadão
que, por autonomia, decide doar, mensalmente, cestas básicas a uma determinada
instituição de caridade. Outro exemplo salutar é o legado sob forma de alimentos –
alimentos testamentários –, nas pegadas do art. 1.920 do Código Civil.17 Ocorre quando o
de cujus indica o direcionamento de aluguéis – provenientes de um imóvel locado,
pertencente ao espólio – a um determinado herdeiro.18
Ressarcitórios são os alimentos cujo fato gerador é a responsabilidade
civil. Aqui há o descumprimento de uma obrigação jurídica primária, a geração de um
dano causada pelo descumprimento e o consequente dever de indenizar. Dialogam com a
responsabilidade civil e possuem casuística ampla, decorrente do dever de não lesar
(neminem laedere). Tem como parâmetro o famoso princípio da reparação integral,19
encontrando limite, segundo o texto legislado, na extensão do dano.
Trazendo exemplos sobre alimentos ressarcitórios, recorda-se da
casuística do homicídio, quando a indenização consistirá, dentre outras coisas, na prestação
de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável
14
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 157.
15
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo de
incidência da autonomia privada no Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 141.
16
Vide art. 545 do CC/02.
17
Vide art. 1.920 do CC/02.
18
Esta última situação já fora, até mesmo, contemplada em julgado oriundo da Casa Judicial Paulista:
LEGADO DE ALIMENTOS – Disposição testamentária que beneficia herdeira – Valores provenientes de
renda de imóvel locado, pertencente ao espólio – Decisão agravada que, em inventário, determina o
levantamento das quantias depositadas em juízo em favor da legatária, bem como ordena à inquilina que faça
o pagamento da quantia correspondente ao legado de alimentos diretamente à beneficiária da quantia –
Correção - Disposição testamentária plena e eficaz – Legado de alimentos devidos desde a morte da testadora
(artigo 1926 CC/2002) – Decisão mantida – Recurso desprovido, na parte conhecida (TJSP, 1ª Câmara de
Direito Privado, AG nº 994092729370 SP, Rel. De Santi Ribeiro, Data de Julgamento 16/03/2010).
19
Segundo o Código Civil vigente a indenização mede-se pela extensão do dano (CC, art. 944). Registra-se,
porém, a existência de importante posicionamento doutrinário caminhando no sentido de que este limite não
impossibilita a adoção da teoria do desestímulo no Brasil, como advoga o Enunciado 379 do Conselho da
Justiça Federal. Registra-se, porém, que este artigo não aprofundará esta questão, diante do recorte
epistemológico proposto.
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da vida do de cujus.20 Segundo as lições de Heloísa Helena Barbosa,21 “o artigo estabelece
a indenização que cabe aos sucessores”, estando legitimados a postular reparação os que
dependiam economicamente do morto, “além dos que sofreram a perda pela morte,
geralmente os integrantes da sua família, em sentido estrito”.
Outra situação apta a ocasionar alimentos ressarcitórios é a lesão ou
ofensa à saúde, quando “o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos
lucros cessantes até o final da convalescença, além de algum tipo de prejuízo que o
ofendido alegue ter sofrido”.22 O mesmo vale caso a dita ofensa decorra de exercício de
atividade profissional, quando por negligência, imprudência ou imperícia for causada a
morte do paciente, seja agravado o seu mal ou haja lesão que gere inaptidão laboral.23
Digno de nota que, sob o ponto de vista processual, uma vez ordenado o
pensionamento deve o magistrado preocupar-se com o seu adimplemento, atentando-se às
garantias. Ora, sendo naturalmente um largo período de pagamento alimentar há, via de
consequência, maior risco de descumprimento. Nessa toada, na forma do vigente artigo
475-Q do Código de Processo Civil,24 deve-se determinar, em face do condenado, a
constituição de capital apto a garantir o pagamento desta indenização, através de garantias
reais (verbi gratia uma hipoteca), desconto em folha, garantias pessoais (verbi gratia uma
fiança), etc.25
A necessidade de constituição de garantia para as hipóteses de
condenações que envolvam alimentos ressarcitórios é premissa não apenas legal, mas
também jurisprudencial, como se vê da Súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça. O
Tribunal da Cidadania impõe as ditas garantias independentemente da situação econômica
20
Vide art. 948, II do CC/02.
In PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Código Civil Anotado. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 524.
22
Vide art. 949 do CC/02.
23
Vide art. 951 do CC/02.
24
Vide art. 475-Q do CPC/73.
25
No Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), o art. 475-Q encontrará correspondência no art.
533; cita-se: Art. 533. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao
executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal
da pensão. § 1o O capital a que se refere o caput, representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis
suscetíveis de alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável
e impenhorável enquanto durar a obrigação do executado, além de constituir-se em patrimônio de afetação. §
2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de
pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou
garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz. § 3 o Se sobrevier modificação nas condições
econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação. § 4 o A
prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário-mínimo. § 5o Finda a obrigação de prestar
alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas.
21
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47
do demandado.26 Além disso, visando conferir maior atualidade e poder aquisitivo aos
alimentos fixados, a Súmula 490 do Supremo Tribunal Federal aduz que o valor do salário
mínimo referido em eventual decisão deve ser o vigente ao tempo da sentença, com suas
respectivas atualizações.27
D’outra banda, versando sobre os alimentos reparatórios, estabelece o art.
950 a prerrogativa do lesado em exigir o arbitramento e o pagamento da indenização
alimentar ressarcitória de uma só vez, em uma única prestação. Segundo o Enunciado 48
do Conselho da Justiça Federal, há presença de direito potestativo ao lesado, quem poderá
exigir o pagamento em parcela única, atento à extensão do dano, eventual desproporção
entre a gravidade da culpa e o dano, culpa concorrente e a capacidade econômica do
ofensor.
Caso, porém, haja impossibilidade econômica do devedor, o Enunciado
381 do mesmo Conselho da Justiça Federal firma que o Juiz poderá fixar forma diversa de
pagamento, em atenção à função social, consoante um juízo de ponderação de interesses.
Decerto, ordenar pagamentos alimentares empresariais por lesões em uma única prestação
poderia ocasionar o término da empresa, com cerceamento de novos postos de trabalho,
ausência de circulação de riquezas e quebra da função social. Caso o condenado seja uma
pessoa física, o pagamento concentrado poderá desembocar em sua insolvência e
necessidade de pleito alimentar em face de outrem, o que não se pode tolerar.
Tendo em vista o recorte deste artigo científico – (im) possibilidade de
alimentos compensatórios por términos afetivos – avança à verticalização dos alimentos
familiares, com especial enfoque aos alimentos decorrentes de términos de casamentos e
uniões estáveis.
2. Alimentos Familiares
Alimentos familiares, legítimos ou civis, como já visto, são aqueles
decorrentes de relação de parentesco, casamento e união estável. Ligam-se à obrigação
alimentar – quando decorrerá do parentesco entre pais e filhos, sendo recíprocos – ou ao
dever assistencial alimentar – quando fruto de casamento, união estável ou ligados aos
26
Súmula 313, STJ - Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou
caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do
demandado.
27
Súmula 490, STF “A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser
calculada com base no salário mínimo vigente no tempo da sentença e ajustar-se às variações ulteriores”.
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demais parentes, conforme colocam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.28
A primeira polêmica entabulada sobre o tema alimentos familiares
decorre de sua natureza jurídica. Há, em sede doutrinária, dois posicionamentos principais:
a) Para a primeira tese, os alimentos constituem direito da personalidade,
em virtude de seu fundamento ético-social. De rigor, o alimentando não possui interesse
econômico algum, pois a verba perseguida não aumentará o seu patrimônio, nem servirá de
garantia aos credores. Apresentam-se os alimentos como manifestação do direito à vida,
ligado ao solidarismo familiar e sendo personalíssimo. Nesse sentido posicionam-se, por
exemplo, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald29 e Maria Berenice Dias.30
b) Já para o segundo posicionamento, os alimentos constituem direito
especial de caráter patrimonial e finalidade pessoal, conexo a um interesse familiar
superior. Apresenta-se como uma relação prestacional de crédito e débito. É o que pensam,
por exemplo, Orlando Gomes31 e Maria Helena Diniz.32
Independentemente da perseguida, hoje os alimentos são intuito personae
– ou, ainda, necessarium personae –, pois devidos em razão de qualidades específicas das
pessoas que integram uma relação de conjugalidade, convivência ou parentalidade. E não
poderia ser diferente, afinal de contas os alimentos justificam-se por força de aspectos
fáticos inerentes à figura do credor, tais como idade avançada, doença, falta de emprego,
incapacidade etc. Tanto é assim que o Código Civil é claro ao prescrever que o casamento,
a união estável, o concubinato ou a indignidade do credor, em relação ao devedor,
acarretarão na extinção do crédito alimentar.33 Mais uma ilustração do caráter pessoal desta
28
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Salvador: Juspodivm, 2012,
p. 784.
29
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 680.
30
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 450.
31
GOMES, Orlando. Direito de Família. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
32
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 556.
33
Vide o art. 1.708 do CC/02. Ressalta-se, porém, que, em regra, pouco importa o casamento, a união estável
ou o concubinato do devedor, ao passo que não é capaz de alterar a obrigação alimentar. Ademais, o credor
poderá constituir namoro, não sendo este fato capaz, igualmente, de extinguir o seu crédito alimentar. Neste
sentindo, um precedente do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO DE FAMÍLIA. CIVIL. ALIMENTOS.
EX-CÔNJUGE. EXONERAÇÃO. NAMORO APÓS A SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DEVER DE
FIDELIDADE. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. I – Não autoriza exoneração da obrigação de
prestar alimentos à ex-mulher o só fato desta namorar terceiro após a separação. II – A separação judicial põe
termo ao dever de fidelidade recíproca. As relações sexuais eventualmente mantidas com terceiros após a
dissolução da sociedade conjugal, desde que não se comprove desregramento de conduta, não têm o condão
de ensejar a exoneração da obrigação alimentar, dado que não estão os ex-cônjuges impedidos de estabelecer
novas relações e buscar, em novos parceiros, afinidades e sentimentos capazes de possibilitar-lhes um futuro
convívio afetivo e feliz. III – Em linha de princípio, a exoneração de prestação alimentar, estipulada quando
da separação consensual, somente se mostra possível em uma das seguintes situações: a) convolação de
novas núpcias ou estabelecimento de relação concubinária pelo ex-cônjuge pensionado, não se caracterizando
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relação jurídica.34
Visitando a classificação doutrinária sobre o assunto, percebe-se que os
alimentos legítimos podem ser avaliados de acordo com a sua extensão, dividindo-se em
civis ou côngruos e, finalmente, indispensáveis, naturais ou necessários.
Nas lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,35 o
codificador nacional teve inspiração em direito comparado, afinal o Código Civil chileno,
no seu art. 323, disciplina os chamados alimentos côngruos, destinados “à manutenção do
credor em todos os seus aspectos vitais e sociais”. Na mesma linha coloca-se o Código
Civil argentino, quando no art. 372 inclui dentro dos alimentos as despesas ordinárias e
extraordinárias.
No Brasil, os alimentos côngruos estão previstos, como regra, no art.
1.694 do Código Civil. Prestam-se à manutenção do status quo, de modo a assegurar a
mantença do padrão de vida (condição social) até então existente. Justo por isso, verbera
Orlando Gomes36 envolver a prestação alimentar um rol exemplificativo, variável em cada
situação.
Aqui passa a ser entendida a possibilidade jurídica de amplas notícias
veiculadas na mídia derredor de pensões alimentícias em valores astronômicos para os
padrões nacionais. Exemplifica-se com a devida por Alexandre Pato a Sthefany Brito,37 no
valor de cerca de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais, por determinado período; ou
por Fernando Collor a Roseane Collor, em trinta salários mínimos mensais; 38 ou, ainda,
naquela que a mídia adjetiva como a maior pensão alimentícia existente no Brasil: a devida
por Flávio Maluf a Jaqueline Coutinho Torres Maluf,39 no valor de R$ 217.000,00
(duzentos e dezessete mil reais) mensais.
como tal o simples envolvimento afetivo, mesmo abrangendo relações sexuais; b) adoção de comportamento
indigno; c) alteração das condições econômicas dos ex-cônjuges em relação às existentes ao tempo da
dissolução da sociedade conjugal (STJ, Quarta Turma, REsp nº 111476-MG, rel. Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, Data de Julgamento 25/03/1999).
34
Malgrado o caráter personalíssimo, o Código Civil vigente, inovando a legislação pretérita, firma a
possibilidade de transmissão dos alimentos, como bem posto no art. 1.700. Nessa linha posicionam-se, por
exemplo, FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, volume 6. 7.
ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 680.
35
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 831.
36
GOMES, Orlando, op. cit., p. 427.
37
Disponível em: http://ambito-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/2282771/juiza-fixa-pensao-sthefany-britoem-20-dos-ganhos-de-alexandre-pato. Acesso em: 22.09.15.
38
Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/11/stj-fixa-pensao-de-r-20-mil-para-ex-mulherde-collor-por-mais-3-anos.html. Acesso em: 22.09.15.
39
Disponível em: https://areadetrabalho.wordpress.com/2008/01/22/filho-de-paulo-maluf-paga-pensaoalimenticia-milionaria/. Acesso em: 22.09.15.
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Já os alimentos ditos necessários visam apenas à sobrevivência do credor,
sem nenhuma atenção à manutenção de seu padrão social. São excepcionais e estão
previstos no §2º do art. 1.694 e no parágrafo único do art. 1704, ambos do Código Civil.
Trata-se de modalidade diretamente relacionada à situação jurídica da culpa pelo término
do relacionamento. Explica-se. Na literalidade do Código Civil, o culpado pelo término do
relacionamento estará, em regra, alijado de eventual pleito alimentar. Caso, porém, o
culpado venha a necessitar de alimentos, não tenha aptidão para o trabalho e nem parentes
em condições de prestá-los, o inocente pelo término do relacionamento será obrigado
adimplir com esta verba, em valor mínimo necessário à sobrevivência (alimentos
necessários).40
Entende-se por culpado pelo término do relacionamento aquele que
infringiu gravemente um dos deveres relacionais e tornou impossível à continuidade da
vida em comum. Reflexão interessante, porém, gira em torno da suposta abolição do
instituto jurídico da culpa, em decorrência da Emenda Constitucional 66/2010, e de seus
efeitos em relação aos dois supracitados preceitos normativos do Código Civil.
Entendendo-se que o instituto da culpa nas dissoluções afetivas, definitivamente, foi
retirado do mundo jurídico pela Emenda do Divórcio, a consequência seria o
reconhecimento da não recepção superveniente dos artigos supracitados, de modo a não
mais se aceitar a aludida classificação de alimentos necessários e sua extirpação do
ordenamento jurídico nacional. Trata-se, aqui, do posicionamento francamente majoritário,
defendido, por exemplo, por Maria Berenice Dias.41
Seguindo na seara familiarista, outra classificação bastante comum gira
em torno da finalidade, ou mesmo do momento processual no qual os alimentos são
fixados. Fala-se em alimentos provisórios, provisionais, definitivos e transitórios.
Provisórios são os alimentos disciplinados na Lei de Alimentos – Lei
Federal 5.478/1968.42 Para estes, exige-se a prova pré-constituída do parentesco, da
conjugalidade ou, finalmente, da união estável. São antecipatórios dos efeitos da tutela
jurisdicional – modalidade específica de antecipação dos efeitos da tutela. Podem ser
40
Vide art. 1.694 e 1.704, ambos do CC/02.
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 575.
42
Art 4º Ao despachar o pedido, o Juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor,
salvo se o credor expressamente declarar que dêles não necessita. Parágrafo único. Se se tratar de alimentos
provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da comunhão universal de bens, o Juiz determinará
igualmente que seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados
pelo devedor.
41
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concedidos, até mesmo, de ofício, pelo magistrado, desde que não haja expressa
manifestação de vontade na inicial firmando sua desnecessidade.43
Outrossim, o próprio texto legislativo da Lei Maria da Penha, em seu art.
22, também contempla modalidade específica de alimentos in limine, nos casos de
urgência, perante o Juizado de Violência Doméstica.44
Já nos provisionais não há prova pré-constituída. Estão previstos no art.
852 do Código de Processo Civil vigente, como ação cautelar típica.45 Igualmente
lembrados no art. 1.706 do Código Civil,46 em um viés material.
Definitivos são os alimentos emanados de sentença, que serão mantidos
rebus sic stantibus, enquanto as coisas assim continuarem. Havendo alteração fática – seja
na necessidade, ou na possibilidade – tem-se por possível o ajuizamento de uma ação
revisional, exoneratória de alimentos, ou apresentação de petição avulsa ao Juiz de
Família.47 Portanto, como o perdão da ausência de técnica, os alimentos definitivos não são
tão definitivos assim...
Hodiernamente há interessante construção doutrinária e jurisprudencial
em oposição ao caráter temporal indeterminado dos alimentos entre cônjuges e
companheiros. Há um comprovado receio de que, em determinadas situações, a estipulação
de pensão alimentar por prazo indeterminado ocasione ao credor acomodação, sem
nenhum tipo de incentivo na busca de meios próprios à subsistência e crescimento
financeiro. Pior. Alimentos definitivos podem gerar, até mesmo, um enriquecimento sem
causa, no momento em que aquele credor passa a ter novas fontes de renda e, ainda assim,
mantém-se recebendo créditos alimentares.
Nascem, então, os alimentos transitórios ou resolúveis, os quais tem por
43
Os pretórios nacionais caminham no sentido da necessidade de comprovação da relação de parentesco para
percepção dos alimentos provisórios. Eis julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: AGRAVO
DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. Ausentes os requisitos
autorizadores à fixação de alimentos provisórios, que reclama, na hipótese de investigação de paternidade,
elementos de convicção que evidenciem a relação de parentesco perseguida, deve ser mantida a decisão
recorrida. NEGADO SEGUIMENTO (TJRS, Sétima Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70052960085,
Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 23/01/2013).
44
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o
juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas
de urgência, entre outras: […] V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
45
Vide art. 852 do CPC/73. Registra-se que o Novo Código de Processo Civil, com vigência programada
para Março de 2016, foi omisso sobre o tema, não regulando artigo equivalente ao hoje vigente.
46
Vide art. 1.706 do CC/02.
47
Vide art. 471 do CPC/73. Tal artigo, registra-se, tem correspondência no art. 505 no Novo Código de
Processo Civil, o qual passará a viger em marco de 2016.
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escopo evitar o enriquecimento sem causa e o abuso; ou, ainda, a desproporcionalidade que
em certos casos pode advir da fixação alimentar por prazo indeterminado. Servem a
viabilizar o retorno do credor de alimentos, dentro de um determinado espaço pré-fixado
de tempo, ao mercado de trabalho. A verba será ajustada segundo um termo ad quem, após
o qual tais alimentos serão automaticamente cancelados. Evita-se o ócio do credor que, em
conduta abusiva, poderia beneficiar-se eternamente da cláusula rebus sic stantibus e jamais
retirar-se da situação fática de necessidade. Traduzem a certeza de que os alimentos não se
prestam a uma prévia aposentadoria ou a um sucedâneo previdenciário.
A linha do pagamento transitório aqui explicitada já fora acolhida pelo
próprio Superior Tribunal de Justiça, quando no REsp. número 1.025.769/MG firmou
serem tais alimentos cabíveis “quando o alimentando é pessoa com idade, condições e
formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho,
necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em
que se emancipará da tutela do alimentante – outrora provedor do lar – que será então
liberado da obrigação a qual se extinguirá automaticamente”.
Tem-se ainda, nesses alimentos aos bocados, a possibilidade dos
chamados gravídicos, instituídos pela Lei 11.804/2008, em favor da mulher gestante e
devidos pelo suposto pai, levando-se em consideração à participação da genitora.
Alimentos gravídicos englobarão tudo aquilo que for necessário para o bom
desenvolvimento fetal, sendo automaticamente convertidos em pensão regular após o
nascimento com vida, cabendo ao suposto pai o pedido de revisão.48
Tendo em vista o recorte eleito para este paper, dentre os alimentos
familiares, aqueles que ganham maior importância são o entre cônjuges e companheiros,
decorrentes de um dever assistencial alimentar e intimamente ligados à mútua assistência.
Em tais alimentos não há grandes discussões quanto ao obrigado.
Obviamente, será o ex-cônjuge ou ex-companheiro. O seu fato gerador será, justamente,
um dos importantes deveres pessoais do casamento e da união estável: a mútua
assistência.49 Tal assistência é tanto moral, como material. Assim, devem os cônjuges e
companheiros prover-se reciprocamente, objetivando alicerçar a vida a dois. Enquanto
existir união estável ou casamento, com a presença de fato da entidade familiar, é possível
48
Tendo em vista o recorte metodológio eleito, não é o escopo deste artigo científico o debate sobre a
titularidade, repetibilidade ou demais questões aprofundadas sobre os alimentos gravídicos. A inserção de
notícia sobre esta forma alimentar no tópico em questão visa, tão somente, demonstrar como vem se
alargando as notícias e modalidades alimentares no cenário nacional.
49
Na forma dos arts. 1.566 e 1.723, ambos do Código Civil.
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afirmar a mútua assistência e, por via de consequência, a desnecessidade do pleito
alimentar apartado, porquanto sua subsistência dentro do próprio liame obrigacional. Logo,
não há lógica nem motivo de ser ajuizada ação de alimentos no curso de um casamento ou
união estável. Contudo, é possível que haja uma ruptura da vida em comum – seja na união
estável, seja no casamento – percebendo-se uma separação de fato, divórcio ou dissolução
da união estável. Aqui a mútua assistência relacional projeta-se, sob seu prisma material,
colocando-se a possibilidade de eventual pleito alimentar. Afinal, como posto por Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,50 “o simples fato de ter sido dissolvida a relação
jurídica matrimonial não pode implicar na cessação dos efeitos que dela decorrem. São
coisas distintas”.
Pois bem. Os alimentos entre cônjuges e companheiros, até então
tratados, são os comezinhos, pagos mês a mês e com o escopo de manutenção de um
padrão social, além de adimplemento das necessidades básicas vitais, segundo os
balizamentos gerais já mencionados. Mas será que para além destes alimentos, seria
possível enxergar, no ordenamento jurídico nacional, outros que visem uma espécie de
compensação financeira pelo deslinde afetivo?
Sobre isto que se passará a abordar.
3. Alimentos Compensatórios
A primeira notícia sobre o tema é a percepção de que, no Brasil, não há
norma expressa e sistemática, dentro do Código Civil, que regule sobre os alimentos
compensatórios entre cônjuges e companheiros, com fato gerador no desequilíbrio
econômico-financeiro advindo do término afetivo.
Malgrado este aparente obstáculo, o dito não vem sendo motivo para a
ausência de análise do tema, o qual tem penetrado o direito brasileiro através da doutrina,
do direito estrangeiro e da jurisprudência.
Olhando para o direito alienígena, vê-se que o artigo 270 do Código Civil
Francês prevê a possibilidade de prestação de alimentos compensatórios entre os cônjuges,
quando a ruptura do casamento ocasionar desequilíbrio econômico e o cônjuge mais
abalado financeiramente não mais possa ostentar o status social vivenciado ao longo da
vida a dois. Cita-se:
50
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 796.
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L'un des époux peut être tenu de verser à l'autre une prestation destinée à
compenser, autant qu'il est possible, la disparité que la rupture du
mariage crée dans les conditions de vie respectives. Cette prestation a un
caractère forfaitaire. Elle prend la forme d'un capital dont le montant est
fixé par le juge.51
Ainda segundo a normatização francesa, um dos consortes pode ser
obrigado a dar ao outro prestação destinada a compensar, dentro de suas possibilidades, a
disparidade que a ruptura do casamento ocasionaria nas condições de vida. Esta prestação
tem um caráter de crédito, tomando forma de capital, cujo valor é fixado pelo juiz. Assim,
na forma do art. 271 do Code de France, “la prestation compensatoire est fixée selon les
besoins de l'époux à qui elle est versée et les ressources de l'autre en tenant compte de la
situation au moment du divorce et de l'évolution de celle-ci dans un avenir prévisible”.52
Outra importante notícia estrangeira advém da Espanha. O ordenamento
Espanhol dedica o art. 97, do seu respectivo Código Civil, para regrar o tema alimentos
compensatórios; in verbis:
El cónyuge al que la separación o el divorcio produzca un desequilibrio
económico en relación con la posición del otro, que implique un
empeoramiento en su situación anterior en el matrimonio, tendrá
derecho a una compensación que podrá consistir en una pensión
temporal o por tiempo indefinido, o en una prestación única, según se
determine en el convenio regulador o en la sentencia.53
Tais influências internacionais, sem dúvidas, vêm chegando ao Brasil,
através de avalizada doutrina. Mencionando, por exemplo, a influência Espanhola, Rolf
Madaleno54 cita Jorge O. Azpiri, definindo alimentos compensatórios como:
[...] uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em
favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, onde se
produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de
51
Tradução livre: Um dos esposos pode ser obrigado a prestar ao outro, prestação destinada a compensar,
dentro da sua possibilidade, a disparidade que a ruptura do casamento cria nas respectivas condições de vida.
Essa prestação possui um caráter forfetário. A prestação toma forma de capital cujo montante é fixado pelo
juiz.
52
Tradução livre: A prestação compensatória será fixada segundo as necessidades do cônjuge a quem se deve
pagar e os recursos do outro, levando em conta a situação no momento do divórcio e a evolução desta no
futuro possível.
53
Tradução livre: O cônjuge a quem a separação ou o divórcio produza um desequilíbrio econômico em
relação à posição do outro, que implique um agravamento de sua situação em relação ao seu casamento
anterior, terá direito a uma indenização que poderá consistir em uma pensão temporária ou por tempo
indeterminado, ou em uma prestação única, segundo o que se determine no acordo de regulamentação ou no
julgamento.
54
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 728.
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vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando,
deste modo, a disparidade social e econômica com a qual se depara o
alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações
materiais, seu estilo de vida e a sua subsistência pessoal.
Em terras brasilis, o fundamento da aludida compensação alimentar é a
mútua assistência. Ensina Maria Berenice Dias55 que “sua origem está no dever de mutua
assistência (CC, 1.566 III) e na condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos
encargos da família que os cônjuges adquirem com o casamento (CC, 1.565). Este vínculo
de solidariedade existe não somente entre os cônjuges, mas também entre os
companheiros (CC, 1724)”.
O fato gerador da compensação será a dissolução do casamento ou da
união estável, tendo como fito reestabelecer o equilíbrio econômico entre os consortes,
porquanto o disparate no status econômico e social causado pela dissolução afetiva. Se o
desequilíbrio não foi ocasionado pelo término afetivo, não há que se falar em alimentos
compensatórios. Concorda-se com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,56
quando afirmam não ser o caso de compensação alimentar quando há “diminuição de
padrão social gerada em ambos os cônjuges por conta da necessidade de se manter com
novas despesas dali por diante”.
Segundo Maria Berenice Dias,57 alimentos compensatórios não se
confundem com os usualmente decorrentes das relações familiares, os quais devem, em
regra, ser fixados com termo certo, assegurando-se ao alimentando tempo hábil para a sua
inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho. Arremata a Autora que tais
alimentos compensatórios “não tem por finalidade suprir as necessidades de subsistência
do credor, mas corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta
alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação”. Na mesma
linha, também realizando a diferenciação entre a compensação alimentar e os alimentos
regulares, ensina Rolf Madaleno58 que:
A pensão compensatória resulta claramente diferenciada da habitual
pensão alimentícia, porque põe em xeque o patrimônio e os ingressos
financeiros de ambos os cônjuges, tendo os alimentos compensatórios o
55
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 595.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm,
2013. v. 6. p. 814-816.
57
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 595.
58
Responsabilidade
civil
na
Conjugalidade
e
Alimentos
Compensatórios. Disponível
em: www.rolfmadaleno.com.br. Acesso em: 23.09.15
56
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propósito específico de evitar o estabelecimento de um desequilíbrio
econômico entre os consortes. Os alimentos compensatórios estão à
margem de qualquer questionamento causal da separação, ou do divórcio
dos cônjuges e da dissolução da união estável, e ingressam unicamente as
circunstâncias pessoais da vida matrimonial ou afetiva, na qual importa
apurar a situação econômica enfrentada com o advento da separação e se
um dos consortes ficou em uma situação econômica e financeira
desfavorável em relação à vida que levava durante o matrimônio, os
alimentos compensatórios corrigem essa distorção e restabelecem o
equilíbrio material.
Como adverte Rodrigo da Cunha Pereira,59 prestam-se os alimentos
compensatórios à manutenção do padrão social ou econômico de alguém em situações nas
quais a relação matrimonial é longa e o histórico de cooperação conjugal resta
comprovado. Justifica-se quando um dos cônjuges sofre queda brusca no padrão social e
econômico que mantinha até então, de modo a necessitar de pensão alimentícia reparatória.
O pensamento doutrinário vem sendo incorporado pelas Casas Judiciais
Nacionais. Há um bom número de julgados defendendo a tese da compensação alimentar
no Brasil e sua diferenciação dos alimentos regulares. Cita-se decisão do Superior Tribunal
de Justiça:60
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO
JUDICIAL.
PENSÃO
ALIMENTÍCIA.
BINÔMIO
NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. ART. 1.694 DO CC/2002. TERMO
FINAL.
ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS
(PRESTAÇÃO
COMPENSATÓRIA).
POSSIBILIDADE.
EQUILÍBRIO
ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CÔNJUGES. JULGAMENTO
EXTRA PETITA NÃO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC NÃO DEMONSTRADA.
[...]. 4. Em tais circunstâncias, a suposta contrariedade ao princípio da
congruência não se revelou configurada, pois a condenação ao pagamento
de alimentos e da prestação compensatória baseou-se nos pedidos
também formulados na ação de separação judicial, nos limites delineados
pelas partes no curso do processo judicial, conforme se infere da
sentença. 5. Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação
compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de
subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia
59
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p.134.
STJ, Quarta Turma, REsp nº 1.290.313, rel. Min. Antonio Carlos, DJe 07/11/2014. Registra-se que há
julgados de outros PRETÓRIOS NACIONAIS, à exemplo do Distrito Federal: ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. Alimentos
compensatórios são pagos por um cônjuge ao outro, por ocasião da ruptura do vínculo conjugal. Servem para
amenizar o desequilíbrio econômico, no padrão de vida de um dos cônjuges, por ocasião do fim do
casamento. Agravo não provido. (TJ/DF. 6ª Turma Cível, Agravo de Instrumento 20090020030046AGI,
Rel. Des. Jair Soares, j. 10/06/2009).
60
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regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave
desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de
vida do cônjuge desprovido de bens e de meação. 6. Os alimentos
devidos entre ex-cônjuges devem, em regra, ser fixados com termo certo,
assegurando-se ao alimentando tempo hábil para sua inserção,
recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite
manter, pelas próprias forças, o status social similar ao período do
relacionamento. 7. O Tribunal estadual, com fundamento em ampla
cognição fático-probatória, assentou que a recorrida, nada obstante ser
pessoa jovem e com instrução de nível superior, não possui plenas
condições de imediata inserção no mercado de trabalho, além de o
rompimento do vínculo conjugal ter-lhe ocasionado nítido desequilíbrio
econômico-financeiro. [...]
O que se deseja, na aludida compensação alimentar e como advogam
Flávio Tartuce e José Simão, é a vedação à onerosidade excessiva ou ao desequilíbrio
negocial quando do término do casamento ou da união estável. Há nítido diálogo do
instituto da compensação alimentar com os princípios da boa-fé objetiva e função social
dos contratos.61 Propugnando o mesmo pensamento, ensinam Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald :62
o fundamento que pode servir para a admissibilidade excepcional dos
alimentos compensatórios é a boa-fé objetiva, quando o comportamento
do outro, durante a convivência, gerou uma justa expectativa de
manutenção mesmo no caso de uma dissolução. Dessa maneira, para
evitar a frustração da justa expectativa despertada pelo comportamento
recíproca, seria possível defender os alimentos em perspectiva
compensatória, fixados em valor proporcional ao padrão de vida mantido
anteriormente.
Visando, portanto, compensação e equilíbrio financeiro, nada obsta que a
verba dos alimentos compensatórios seja quitada em uma única parcela, valendo-se, por
analogia, da regra dos alimentos reparatórios – esculpida no parágrafo único do art. 950 do
CC, já tratada neste paper. Ainda na analogia, haverá ao lesado direito potestativo a este
pagamento em uma única parcela (Enunciado 48 do CJF), desde que haja possibilidade
financeira e razoabilidade em relação ao lesante condenado (Enunciado 381 do CJF), em
um juízo de ponderação de interesses.
Outrossim, nada impede que os alimentos compensatórios sejam pagos
de forma fracionada no tempo. Não poderá, porém, ser a verba fixada por prazo
indeterminado. O descompasso financeiro a ser reparado não poderá perdurar toda a vida,
61
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. 8ª ed. Vol. 5. Direito de Família. São Paulo:
Método, 2013, p. 425.
62
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 814-816.
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sob pena de confundir-se alimentos compensatórios com alimentos para a subsistência. De
ordinária, então, a pensão alimentícia compensatória não será vitalícia.
Fato, que, tendo em vista o caráter neófito da temática no país, persiste
certo nível de desencontro entre doutrina e jurisprudência nacionais, mormente no que
concerne aos fatos geradores da aludida compensação alimentar. Em interessante estudo
sobre o tema, Marcellus Polastri Lima e Renata Vitória Oliveira63 perceberam três das
principais causas de deferimento de alimentos compensatórios: a) o desequilíbrio
econômico ocasionado pela ausência de partilha ou bens a serem partilhados; b) o
desequilíbrio econômico ainda que existente partilha de bens e c) a compensação pela
utilização, por somente um dos cônjuges, do patrimônio comum.
Sobre estas causas e sua (in)admissibilidade no cenário nacional que se
passará a abordar.
4.1 Inexistência de Partilha de Bens
A casuística demonstra que, por vezes, seja por conta da escolha do
regime de bens, seja em razão da ausência de aquisição patrimonial nos moldes da
comunicabilidade do respectivo regime, a dissolução afetiva não vem acompanhada de
partilha patrimonial. Exemplifica-se com casais que optaram pelo regime de separação
convencional de bens ou, ainda, pela comunhão parcial sem aquisições onerosas durante o
casamento.
Em contextos tais é possível verificar uma clara desigualdade patrimonial
quando da ruptura do relacionamento, sendo viável, segundo Flávio Tartuce, 64 “que um
dos consortes pleiteie ao outro uma verba extra, a título de alimentos compensatórios,
visando a manter um mínimo de equilíbrio na dissolução da união”.
A base de cálculo dos alimentos compensatórios, para casos como este,
poderá ser, segundo Rolf Madaleno,65 “uma pensão proporcional aos bens e às rendas que
conformaram o patrimônio particular e incomunicável construído durante a relação
afetiva do casal”. Visará esta pensão, segue o Autor, “reduzir os efeitos deletérios
63
LIMA, Marcellus Polastri; OLIVEIRA, Renata Vitória. Revista IBDFAM: Família e Sucessões. v. 9
(maio/jun.). Belo Horizonte : IBDFAM, 2015, p. 84.
64
TARTUCE,
Flávio.
Alimentos
Compensatórios:
Possibilidade.
Disponível
em:
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/alimentos-compensatorios-possibilidade/10796.
Acesso
em: 22.09.15
65
MADALENO, Rolf, op. cit., p. 727.
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surgidos da súbita indigência social, causada pela ausência de recursos pessoais, quando
todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro, mas que deixaram de aportar com a
separação ou com o divórcio”.66
Apesar de sedutor, o instituto na casuística em questão tem importantes
obstáculos jurídicos à sua implementação; afinal: a) a escolha do regime de bens é feita
com autonomia, sem vícios de consentimento, devendo ser respeitada; b) caso desejassem,
os consortes poderiam ter alterado o regime de bens no curso do relacionamento, não
havendo prisão obrigacional em um determinado regime de bens e c) a aquisição
patrimonial fora das hipóteses de comunicabilidade ou em regime restritivo é ato lícito, o
qual não deve ser mitigado pelo direito por via transversa.
A questão, como dito, não é das mais simples.
Na jurisprudência nacional há decisões de diversas Casas Judiciais
Nacionais abraçando a tese e deferindo tais alimentos. Exemplifica-se com arestos dos
Tribunais de Justiça do Distrito Federal e São Paulo:
CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA.
ALIMENTOS. EX-CÔNJUGES. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE.
QUANTUM. RAZOABILIDADE.NECESSIDADE DE EXAME DE
PROVAS. MATUNEÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
[...] 2. Em observância ao princípio da solidariedade, que norteia a
obrigação alimentar, é possível que, no caso de desemprego e de
inexistência de bens, o cônjuge varão garanta ao ex-consorte, alimentos
compensatórios, que, em caráter transitório, visam a ajustar o
desequilíbrio econômico e a reequilibrar suas condições sociais. 3. Não
sendo o agravo de instrumento a via própria para a discussão aprofundada
de circunstâncias fáticas que demandam dilação probatória, impõe-se a
confirmação da decisão que arbitrou os alimentos compensatórios em
patamar aparentemente razoável ante os critérios que devem pautar a sua
fixação. 4. Recurso não provido.67
CIVIL
DIVÓRCIO
LITIGIOSO
ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS, A SEREM PRESTADOS DURANTE 12 (DOZE
MESES). MULHER QUE SE ENCONTRA DESEMPREGADA, EM
VIRTUDE
DE
HAVER-SE
DEDICADO
ÀS
TAREFAS
DOMÉSTICAS, NA ÉPOCA EM QUE FOI CASADA COM O
APELANTE. BINÔMIO NECESSIDADE X POSSILIBIDADE.
SENTENÇA MANTIDA. APELO IMPROVIDO 1."Produzindo o fim do
66
67
MADALENO, Rolf, op. cit., p. 726-728.
TJ-DF, 4ª Turma Cível, AGI nº 20140020066405 DF, Rel. CRUZ MACEDO, DJe 08/08/2014.
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casamento desequilíbrio econômico entre o casal, em comparação com o
padrão de vida de que desfrutava a família, cabível a fixação de alimentos
compensatórios. Em decorrência do dever de mútua assistência (CC
1.566 III), os cônjuges adquirem a condição de consortes, companheiros e
responsáveis pelos encargos da família (CC 1.565). Surge, assim,
verdadeiro vinculo de solidariedade (CC 265), devendo o cônjuge mais
afortunado garantir ao ex-consorte alimentos compensatórios, visando a
ajustar o desequilíbrio econômico e a reequilibrar suas condições sociais.
Faz jus a tal verba o cônjuge que não perceber bens, quer por tal ser
acordado entre as partes, quer em face do regime de bens adotado no
casamento, que não permite comunicação dos aquestos"(in Divórcio Já,
Maria Berenice Dias, RT, 2012, pág. 122).68
Agravo de instrumento. Execução de alimentos. Alimentos
compensatórios (art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 5.478/68) pactuados
como contrapartida pela renúncia da agravada a parte de sua meação.
Verba ressarcitória que não está dotada de caráter provisional.
Peculiaridade que obsta a imposição da pena de prisão, providência
excepcional, somente aplicável como medida assecuratória da
subsistência do alimentando. Recurso provido.69
Malgrado sedutor, em atenção ao pilar da autonomia privada e exercício
regular de direito, com todas as vênias e pelos argumentos contrários delineados, não há de
ser acolhida a tese de compensação na hipótese.
4.2 Desequilíbrio Econômico na Meação
Outra casuística de deferimento dos alimentos compensatórios dar-se-á
quando no término do casamento ou da união estável o casal tiver patrimônio a ser
partilhado; porém, a simples partilha for incapaz de gerar equilíbrio econômico razoável.
Assim far-se-á necessário o arbitramento de alimentos compensatórios, em favor do
cônjuge ou companheiro que sofrerá queda no padrão de vida desfrutado na constância da
união.
Equilíbrio econômico-financeiro não diz respeito apenas aos valores de
venda dos bens, mas também se relaciona aos possíveis frutos gerados pelos mesmos.
Veja-se que bens com valores próximos podem ocasionar rendimentos diversos, seja a
68
TJ/DF, 5ª Turma Cível, Acórdão nº 636744, 20110710144307APC, Rel. JOÃO EGMONT, DJe
27/11/2012.
69
TJ-SP, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Rômolo Russo, Data de Julgamento: 04/09/2015.
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título de aluguel, seja por conta de distribuições de lucros empresariais. Ilustram a situação
Marcellus Polastri Lima e Renata Vitória Oliveira,70 com a seguinte casuística:
Vê-se, portanto, que haver ou não partilha de bens pode ser critério
indiferente para a fixação dos alimentos compensatórios, já que, por
exemplo, pode um dos cônjuges ter em sua propriedade uma rentável
empresa enquanto que ao outro reste apenas bens que não tenham retorno
financeiro imediato, por exemplo, a casa onde habita o redor de alimentos
compensatórios.
O fato de existir a meação não é óbice objetivo ao indeferimento dos
alimentos compensatórios, pois mesmo diante de uma partilha, como no exemplo posto,
vê-se desequilíbrio socioeconômico entre os ex-cônjuges ou conviventes merecedor de
reparo, sendo devida pensão compensatória.
4.3 Fruição Exclusiva de Patrimônio Comum.
Outra hipótese de deferimento dos alimentos compensatórios ocorre
quando um dos cônjuges utiliza, de maneira exclusiva, bem comum do casal capaz de gerar
rendimentos. Ensina de Maria Berenice Dias:71
[...] permanecendo na administração exclusiva de um dos bens que
produzem rendimentos, o outro faz jus à metade dos seus rendimentos à
título de meação dos frutos do patrimônio comum, até a ultimação da
partilha. Dita estratégia acaba, ao menos, servindo de instrumento de
pressão para a divisão do patrimônio comum que, de modo geral,
permanece nas mãos do varão, que administra sozinho, e fica, na maior
parte das vezes, com a totalidade dos do lucro médio dos bens.
Diferentemente das duas outras hipóteses trabalhadas, a aqui analisada
tem embasamento legal no paragrafo único do art. 4º da Lei de alimentos, segundo o qual:
“Se se tratar de alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da
comunhão universal de bens, o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor,
mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor.”.
Data venia, há na hipótese compensação financeira por força da
copropriedade e vedação ao enriquecimento sem causa, independentemente do matrimônio
ou da união estável, bem como do regime de bens. Se ambos os consortes são
coproprietários do bem em condomínio e um deles utiliza-o de forma exclusiva, o outro
70
71
LIMA, Marcellus Polastri; OLIVEIRA, Renata Vitória, op. cit., p. 81-89.
DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 595.
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haverá de ser compensado na metade dos frutos que deixou de aferir, além da meação.
Cita-se precedente oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVO. FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO
ESTÁVEL, PARTILHA E ALIMENTOS. - PROCEDÊNCIA PARCIAL
NA ORIGEM. RECURSO DO RÉU. [...] (3) ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS.
PATRIMÔNIO
COMUM.
DESVIRTUAMENTO DOS FINS DA VERBA ALIMENTAR. VERBA
INDEVIDA. SENTENÇA EXTRA PETITA. PRESSUPOSTOS À
PERCEPÇÃO DA VERBA ALIMENTAR AUSENTES. - Parcela da
doutrina e da jurisprudência sustentam a existência dos chamados
alimentos compensatórios, que cumpririam funções diversas: (1)
reequilíbrio econômico financeiro dos companheiros, amparando o mais
desprovido, ou (2) indenizar o outro pela fruição exclusiva de bem
comum. - No que diz com a primeira função (melhor seria chamá-los de
alimentos sociais), não se presta o instituto a, como se possível fosse,
manter o padrão social ostentado à época da união estável; devem ser
arbitrados, isso sim, à vista da nova condição que ostentam (normalmente
de maiores dificuldades). Tocante à segunda finalidade, é dizer que, aqui,
de alimentos não se trata, porquanto não serve a verba a fixar
contraprestação pelo uso exclusivo de patrimônio comum pelo
companheiro adverso, para o que deve valer-se o interessado dos meios
ordinários a evitar o enriquecimento ilícito de condômino. - Na hipótese,
o pedido de alimentos teve espeque na alegada incapacidade da autora de
prover o próprio sustento, o que não se verifica (alimentanda jovem,
saudável e em exercício de atividade laborativa). Destarte, é extra-petita
a sentença que defere os alimentos na modalidade compensatória haja
vista que o pedido de alimentos não tinha esse caráter. [...] SENTENÇA
ALTERADA. RECURSO DO RÉU CONHECIDO EM PARTE E
PARCIALMENTE
PROVIDO.
RECURSO
DA
AUTORA
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.72
Outros julgados, porém, advogam a possibilidade de pleito desta verba na
seara familiarista, sob a rubrica dos alimentos, fundados no enriquecimento sem causa e
fruição indevida do bem comum. Vejam-se precedentes oriundos do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECLARATÓRIA DE UNIÃO
ESTÁVEL. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE ALUGUEL PELO USO
EXCLUSIVO
DE
PATRIMÔNIO
COMUM.
ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS. CABIMENTO.
Cabível a fixação de alimentos compensatórios a ser repassados pelo
companheiro que, depois de rompida a relação, permanece na
administração do patrimônio ou usufruindo dos bens comuns, de forma
72
TJSC, Apelação Cível n. 2015.001024-1, de Araranguá, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 19-02-2015.
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exclusiva, como forma de compor eventual desequilíbrio patrimonial, o
que se verifica na hipótese dos autos. DERAM PROVIMENTO. (Agravo
de Instrumento Nº 70064477797, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: José Pedro de Oliveira Eckert, Julgado em
16/07/2015).73
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS.
DIVÓRCIO LITIGIOSO. CABIMENTO. 1. Considerando que o
patrimônio comum está sob a administração exclusiva do recorrente, bem
como está produzindo renda, cabível fixação dos alimentos ditos
compensatórios, que tem suporte no art. 4º, parágrafo único, da Lei de
Alimentos. 2. Tratando-se de uma decisão provisória, poderá ser revista a
qualquer tempo, desde que venham aos autos elementos de convicção que
justifiquem a revisão. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº
70065462921, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/08/2015).74
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PEDIDO DE
ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS. ALIMENTOS PROVISÓRIOS.
FILHO MENOR. MAJORAÇÃO. I - Cabível a fixação de alimentos
compensatórios a ser repassados pelo varão que, depois de rompida a
relação, permanece na administração do patrimônio ou usufruindo dos
bens comuns, de forma exclusiva, como forma de compor eventual
desequilíbrio patrimonial, o que se verifica na hipótese dos autos. II Mantidos os alimentos provisórios ao filho menor, porquanto fixados
proporcionalmente ao binômio alimentar. DERAM PARCIAL
PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70066259540, Sétima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino
Robles Ribeiro, Julgado em 25/08/2015).75
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECONHECIMENTO DE UNIÃO
ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. ARBITRAMENTO DE
ALUGUERES. VIABILIDADE. REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
INDEFERIMENTO. Passado mais de ano e dia da separação de corpos
do casal, não se cogita de deferimento de reintegração de posse do imóvel
comum. Aluguel pelo uso exclusivo de bem comum. Viável, a título
compensatório, a fixação de aluguéres ou alimentos a serem pagos pelo
ex-cônjuge que, após a separação, ficou na posse exclusiva de um imóvel
que é comum. Precedentes do STJ. DERAM PARCIAL PROVIMENTO.
73
TJ-RS, Oitava Câmara Cível, AI nº 70064477797 RS , Rel. José Pedro de Oliveira Eckert, DJ 20/07/2015.
TJ-RS, Sétima Câmara Cível, AI nº 70065462921 RS , Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, DJ
04/09/2015.
75
TJ-RS, Sétima Câmara Cível, AI nº 70066259540 RS , Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro, DJ
28/08/2015.
74
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(Agravo de Instrumento Nº 70059631028, Oitava Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 17/07/2014).76
Na mesma linha há julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C ALIMENTOS E
REGULAMENTAÇÃO
DE
GUARDA
ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS - DESEQUILÍBRIO PATRIMONINAL - POSSE
EXCLUSIVA SOBRE PATRIMÔNIO COMUM - VALOR MINORAÇÃO - DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA
Diversamente dos alimentos fundados no dever de mútua assistência
(artigo 1566, III, do CC/2002), a verba alimentar de cunho compensatório
visa recompor eventual desequilíbrio patrimonial verificado em situações
em que, por exemplo, um dos cônjuges exerça com exclusividade a posse
do patrimônio comum.77
APELAÇÃO CÍVEL - ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS - EXCÔNJUGE - ADMINISTRAÇÃO EXCLUSIVA DA EMPRESA DO
CASAL - VERBA DEVIDA - METADE DO LUCRO MÉDIO DA
EMPRESA - TERMO FINAL - PARTILHA DE BENS. O ex-cônjuge
varão que se encontra na administração da empresa de propriedade do
casal deve destinar ao ex-cônjuge virago verba alimentar de natureza
compensatória, fixada em valor correspondente à metade do lucro médio
da empresa, até que se ultime a partilha de bens.78
Não é diverso o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:79
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 649.050 - MG
(2015/0004092-4) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO AGRAVANTE : N M C ADVOGADOS : RAFAEL
VINICIUS NORMANDIA DA CRUZ E OUTRO (S) RAFAEL
VINICIUS NORMANDIA DA CRUZ AGRAVADO : S M P C
ADVOGADOS : ELAINE MENDONCA DA SILVA E OUTRO (S)
ELAINE MENDONCA DA SILVA PROCESSO CIVIL. AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 211/STJ. ADEQUAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
MANUTENÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. DECISÃO
76
TJ-RS, Oitava Câmara Cível, AI nº 70059631028 RS , Rel. Rui Portanova, DJ 18/07/2014.
TJ-MG, 2ª Câmara Cível, AI nº 10382140004526001 MG , Rel. Afrânio Vilela, Data de Publicação
11/06/2014.
78
TJ-MG, 2ª Câmara Cível, AC nº 10480130046711002 MG , Rel. Afrânio Vilela, Data de Publicação
19/05/2014.
79
STJ, Agravo em Recurso Especial nº 649.050/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
77
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Vistos etc. Trata-se de agravo em recurso especial interposto por N M C
em face da decisão que negou seguimento a recurso especial, aviado
pelas alíneas a e c do art. 105, III, da Constituição Federal contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado (eSTJ
fl.
407):
"APELAÇÃO
CÍVEL
ALIMENTOS
COMPENSATÓRIOS - EX- CÔNJUGE - ADMINISTRAÇÃO
EXCLUSIVA DA EMPRESA DO CASAL - VERBA DEVIDA METADE DO LUCRO MÉDIO DA EMPRESA - TERMO FINAL PARTILHA DE BENS. O ex-cônjuge varão que se encontraria
administração da empresa de propriedade do casal deve destinar ao excônjuge virago verba alimentar de natureza compensatória, fixada em
valor correspondente à metade do lucro médio da empresa, até que se
ultime a partilha de bens." Em suas razões, infirmou especificamente as
razões da decisão agravada (e-STJ fls. 412/417). Os embargos de
declaração foram rejeitados. (e-STJ fl. 383-387) No recurso especial, a
parte recorrente alega ofensa aos arts. 2º, 128, 264, 460, 515, caput, todos
do Código de Processo Civil. Aduz que o juiz deveria decidir nos limites
em que foi proposta a ação, visto que no caso dos autos houve uma
decisão extra petita que autorizou a inovação recursal sobre alimentos
compensatórios. Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ fl. 402/405). É
o breve relatório. Passo a decidir. A pretensão recursal não merece
provimento, na medida em que a decisão de admissibilidade está correta.
Com efeito, quanto à suposta violação aos arts. 264 e 515 do Código de
Processo Civil, o recurso especial não pode ser conhecido, pois, sobre a
matéria de que trata essa norma, não houve emissão de juízo pelo acórdão
recorrido. Desta feita, mesmo com a oposição dos embargos de
declaração a questão suscitada não foi apreciada pelo Tribunal a quo.
Incide, portanto, a orientação disposta na Súmula 211/STJ. Conforme
demonstrado: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA.
SÚMULA
211/STJ.
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1.- O
conteúdo normativo dos artigos 757, 760 e 781 do Código Civil não foi
objeto de debate no v. Acórdão recorrido, carecendo, portanto, do
necessário prequestionamento viabilizador do Recurso Especial. Incide,
na espécie, a Súmula 211 desta Corte. 2.- O agravo não trouxe nenhum
argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus
próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no
REsp 1444437/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 05/06/2014) -g.n. Ademais, o
recorrente não alegou, em suas razões, a ofensa do v. acórdão quanto ao
art. 535 do Código de Processo Civil no que tange a este dispositivo, ou
acerca da respectiva matéria. Destarte, resta patente a incidência da
Súmula 211/STJ. Veja-se: AGRAVO REGIMENTAL. INVENTÁRIO.
PARTILHA.
UNIÃO
ESTÁVEL.
AUSÊNCIA
DE
PREQUESTIONAMENTO DOS PRECEITOS LEGAIS DITOS
VIOLADOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INCIDÊNCIA DAS
SÚMULAS 282 E 356 DO STF. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO.
ACÓRDÃO FIRMADO NAS PREMISSAS FÁTICAS DOS AUTOS.
SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
APLICAÇÃO DE MULTA. 1. Não ocorreu o prequestionamento dos
artigos tidos por violados, apesar da oposição de embargos de declaração.
2. O STJ não reconhece o prequestionamento pela simples interposição
de embargos de declaração (Súmula 211). Persistindo a omissão, é
necessária a interposição de recurso especial alegando-se afronta ao art.
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535 do Código de Processo Civil, sob pena de perseverar o óbice da
ausência de prequestionamento. 3.(...). 4. Agravo regimental não provido
com aplicação de multa (AgRg no AREsp 150.545/SP, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2013,
DJe 01/07/2013) -g.n Destarte, o desprovimento do recurso é medida que
se impõe, tendo em vista que o acórdão recorrido carece do necessário
prequestionamento. Assim, correta se mostra a decisão agravada,
devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, nos termos dos
artigos 544, § 4º, inciso II, alínea a, do CPC e 253, parágrafo único,
inciso II, alínea a, do RISTJ (redação dada pela Emenda Regimental nº.
16, de 19/11/2014). Ante o exposto, nego provimento ao agravo para
manter a decisão agravada pelo seus próprios fundamentos. Intimem-se.
Brasília (DF), 26 de junho de 2015. MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO Relator
Trata-se esta hipótese da mais tranquila, seja diante do embasamento
legal da Lei de Alimentos, seja por conta do regramento pertinente ao tema condomínio,
seja em razão da vasta jurisprudência favorável derredor do assunto.
5. Conclusões
O direito fortalece-se, progressivamente, como instrumento de tutela do
ser humano digno. Tal dignidade perpassa, sabidamente, pela necessidade de verificação
de um patrimônio mínimo. Institutos como alimentos vem sendo revisitados,
ressignificados e ampliados, com o escopo de garantia de um mínimo existencial.
Tanto em uma análise de direito comparado, como em um viés de
doutrina e jurisprudência nacionais, amplia-se a noção dos alimentos. Fala-se em alimentos
voluntários, ressarcitórios e legítimos (familiares). Estes, familiaristas, igualmente vem
ganhando espaço. Defende-se a possibilidade de pleito, ao lado dos alimentos regulares,
daqueles intitulados como compensatórios, com vistas à busca de equilíbrio econômicofinanceiro pelo término do relacionamento.
Não é crível que em términos afetivos um dos consortes sofra os
impactos da indulgência social, com grande baixa patrimonial, após anos de investimento
pessoal e sem nenhum tipo de compensação financeira. Tú es responsável por aquilo que
cativas. Afeto exige responsabilidade. Responsabilidade leva a reparações.
Esta noção, porém, não há de ser defendida às cegas. Assim, verificandose os fatos geradores da compensação alimentar no Brasil, conclui-se que:
a) No que tange à compensação alimentar por ausência de bens a
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partilhar – seja em função da escolha do regime de bens, seja em razão da inexistência de
bens passíveis de comunicação – não comungamos da possibilidade. Primus por ter sido a
escolha do regime de bens realizada segundo padrões jurídicos permitidos, em livre
manifestação de vontade e sem nenhum tipo de vício de consentimento. Secundus por ser
permitido aos consortes alteração de regime de bens durante o relacionamento. Logo, não
haveria prisão obrigacional no regime primitivo, conferindo o ordenamento jurídico
faculdade de mudança. Se mudança não houve, foi porque desejo comum não existiu.
Tertius por não haver nenhuma ilicitude apta a reparação, ao passo que o regime de bens
fora eleito em regular exercício da autonomia e a ausência de aquisições patrimoniais é
conduta lícita;
b) Em relação à partilha que gere desequilíbrio patrimonial, concorda-se
com a possibilidade de alimentos compensatórios, mormente quando os bens, malgrado
com valores similares, gerem frutos diversos. O equilíbrio patrimonial aqui é premissa de
partilha igualitária, devendo os bens serem analisados não apenas segundo o seu valor
venal, mas também consoante seus parâmetros de rendimentos;
c) No que tange a alimentos compensatórios em virtude de fruição
exclusiva de patrimônio comum, enxerga-se, de fato, a necessidade de reparação, com
fulcro no regramento condominial. Se duas pessoas são coproprietárias de um bem, o qual
é exclusivamente usufruído por apenas umas delas, é clarividente a incidência
normatização buscando o equilíbrio financeiro. Nada impede que o tema seja, inclusive,
analisado em Vara de Família e sob a rubrica de alimentos, diante de economicidade,
celeridade e conexão do assunto em relação à competência.
Recebido em 21/10/2015
1º parecer em 24/10/2015
2º parecer em 04/02/2016
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CONTRATOS EXISTENCIAIS: CONTEXTUALIZAÇÃO, CONCEITO E
INTERESSES EXTRAPATRIMONIAIS
Existential contracts: contextualization, concept and moral interests
Rafael Ferreira Bizelli
Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis” da Universidade Federal
de Uberlândia – UFU. Foi bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIC-CNPq-UFU. Ganhador do
Prêmio Destaque UFU em Iniciação Científica e Tecnológica no ano de 2013. Advogado inscrito na
OAB/MG.
Resumo: O artigo analisará a “nova” categoria dos contratos existenciais, provisoriamente
conceituados como aqueles em que o interesse de pelo menos uma das partes contratantes
não se volta ao lucro, compreendendo sua contextualização e efeitos. Para seu melhor
estudo, será abordado o tema da funcionalização do direito, da eficácia dos direitos
fundamentais nas relações privadas e a passagem da autonomia da vontade para a
autonomia privada.
Palavras-chave: Funcionalização do Direito; direitos fundamentais; autonomia privada;
contratos existenciais; interesses extrapatrimoniais.
Abstract: The article will examine the "new" category of existential contracts,
provisionally conceptualized as those in which the interest of at least one of the contracting
parties not to return to profit, studying its contextualization and effects. For a better study,
we will study the theme of functionalization of law, the effectiveness of fundamental rights
in private relationships and the passage of freedom of choice for private autonomy.
Key-words: Functionalization of Law; fundamental rights; private autonomy; existential
contracts; moral interests.
Sumário: Introdução – 1. A Funcionalização do Direito – 2. Eficácia dos direitos
fundamentais nas relações privadas – 3. Da autonomia da vontade para a autonomia
privada – 4. Contratos existenciais: algumas observações – 5. Conclusão
Introdução
Trata-se de tema inicialmente doutrinário, dogmático, fruto da
criatividade e da ciência jurídica enquanto atividade intelectual, desvinculado do caso
concreto. Entretanto, aqui está a importância da doutrina: trata-se de tema plenamente
aplicável a milhares de situações concretas, que confere maiores e melhores possibilidades
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de se tutelar as situações existenciais/extrapatrimoniais da pessoa, isto é, situações
relacionadas diretamente à dignidade humana, vértice da Constituição Federal de 1988. A
procura de melhores meios de se tutelar a dignidade e a personalidade humana através do
instituto do contrato é o que justifica esse trabalho.
Atualmente, vivemos no período pós-social, pautado pelo neoliberalismo,
onde o Estado cada vez mais se retira do mercado – ou dele é retirado –, desregulando-o
paulatinamente,1 dando espaço para uma “sociedade de direito privado”. 2 Presenciamos,
hoje, uma tensão entre a Lex Mercatoria e nossa Carta Magna, tensão que representa o
conflito entre as demandas neoliberais e os anseios sociais-democráticos.3
Feito isso, o nosso trabalho, portanto, enquanto juristas, é buscar
soluções para a preservação e promoção da dignidade e personalidade com as ferramentas
que temos e que podemos construir, ao invés de apenas esperar “a boa vontade legislativa”,
haja vista o atual cenário mostrar-se desalentador.4
Utilizamos, como marcos teóricos, os autores Pietro Perlingieri, 5 Antonio
Junqueira de Azevedo6 e Teresa Negreiros.7
1
Nessa ordem sócio-econômica, de natureza cada vez mais multifacetada e policêntrica, o direito positivo
enfrenta dificuldades crescentes na edição de normas vinculantes para os distintos campos da vida sócioeconômica; suas “regras de mudança”, suas “regras de reconhecimento” e suas “regras de adjudicação”, que
até então asseguravam a operacionalidade a funcionalidade do sistema jurídico, revelam-se agora ineficazes;
direitos individuais, direitos políticos e direitos sociais há tempos institucionalizados são crescentemente
“flexibilizados” ou “desconstitucionalizados”. Cf. FARIA, José Eduardo. O Direito na economia
globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 15.
2
Acerca do da expressão: “Não é um termo preciso, mas antes a denominação de um tipo, por conseguinte,
não se pode certamente fornecer uma definição exata, mas apenas referir as características mais importantes.
Neste contexto, assume evidentemente uma importância fundamental o fato de o direito privado não
desempenhar, nesta ordem social, um papel marginal, mas antes um papel constitutivo. Domínios
importantes da vida jurídica e econômica devem, consequentemente, ser regulamentados através de meios de
direito privado.” Cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. A liberdade e a justiça contratual na sociedade de direito
privado. In: MONTEIRO, Antônio Pinto. Contratos: actualidade e evolução. (Congresso Internacional
organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa). Porto: Universidade
Católica Portuguesa, 1997, p. 51.
3
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 19-21.
4
Gustavo Tepedino, acerca das dificuldades para a promoção da pessoa humana frente à lógica do mercado,
nos alerta: “De nada adiantaria aguardar a intervenção reformista do legislador, sendo mais útil, ao revés, e
urgente, procurar soluções interpretativas que ampliem a proteção da pessoa humana, atribuindo-se a máxima
efetividade social aos princípios constitucionais e aos Tratados internacionais que ampliam o leque de
garantias fundamentais da pessoa humana.” Cf. TEPEDINO, Gustavo. A incorporação dos direitos
fundamentais pelo ordenamento brasileiro: sua eficácia nas relações privadas. In.: Temas de Direito Civil.
Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 46.
5
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008; PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Trad. De MariaCristina De Cicco.
3. ed., ver., e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
6
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Diálogos com a doutrina: entrevista com Antonio Junqueira de
Azevedo. In: Revista Trimestral de Direito Civil. v. 9, n. 34, p. 304-305. Rio de Janeiro: Padma, abr./jun.
2008.
7
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
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O objetivo geral dessa pesquisa é analisar a existência ou não dos
chamados contratos existenciais, apontando suas principais características para, ao final,
oferecermos um conceito suficiente do instituto. Para que tal objetivo maior seja
alcançado, traçamos outros mais específicos que, juntos, nos levarão ao principal.
Inicialmente, nos remeteremos ao movimento de funcionalização do
Direito, iniciado na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial,
quando a comunidade jurídica internacional despertou-se para a importância da
preservação e promoção da dignidade humana, a chamada “virada kantiana”.
Em seguida, analisaremos a eficácia horizontal dos direitos e garantias
fundamentais nas relações privadas, com suas subteorias. Tais estudos nos permitirão
compreender a passagem da autonomia da vontade para a autonomia privada, fenômeno
que marcou e transformou os rumos do Direito Privado.
Compreendias essas premissas teóricas, passaremos ao estudo específico
da pesquisa, os contratos existenciais, buscando demonstrar o dualismo entre situações
jurídicas patrimoniais e existenciais, bem como a necessidade de diferentes
regulamentações para cada tipo de situação.
1. A funcionalização do direito
A história do Direito é marcada por grandes transformações e evoluções
de paradigmas. Assim se deu com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, e
deste para o Estado Pós-Social. São transformações que influenciaram não somente o
sistema jurídico, mas toda a sociedade, das políticas públicas aos modos de produção, das
ideologias aos costumes, dentre inúmeras outras áreas.
Passada a onda liberal,8 instala-se o constitucionalismo social. No Brasil,
inicia-se o Estado Social com a Constituição de 1934. Surge, então, devido ao adjetivo
8
No constitucionalismo liberal, o âmbito de incidência dos direitos fundamentais era restrito, atuando
exclusivamente na relação Indivíduo-Estado, pois, perante o Estado, todos os indivíduos eram iguais e não
caberia à Constituição, vista apenas como Carta Política que regulava as relações estatais, interferir na vida
privada. Assim, os direitos fundamentais eram oponíveis somente ao Estado. Para regular a vida privada
existia o Código Civil, cujo maior expoente fora o Código Napoleônico. Afirma Daniel Sarmento que “o
código civil desempenhava o papel de constituição da sociedade civil (...) nos postulados do racionalismo
jusnaturalista, que tinham seu centro gravitacional na ideia de autonomia privada”. Cf. BARROSO, Luís
Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do direito constitucional
no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. nº 9, 2007, p. 23. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-
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“social”, outra função dos direitos fundamentais, além daquela de resguardo perante o
poder estatal (entendido como direito público subjetivo). A esta nova função dá-se o nome
de dimensão objetiva dos direitos fundamentais.9 Da função meramente negativa, surge a
função positiva, prestacional.
Na doutrina de Robert Alexy,10 os direitos fundamentais não têm mais
somente a tarefa de defender o indivíduo perante o Estado, mas também exercem uma
função de prestação, que subdivide-se em três atribuições: a) função de organização e
procedimento, que se revela na exigência de normas que criem órgãos, instituições e
procedimentos voltados à realização dos direitos fundamentais; b) função de prestação em
sentido estrito, que vincula o Estado a prover as demandas sociais e econômicas da
sociedade, caracterizando-se por pretensões normativas de índole positiva, em oposição à
mera função de defesa exercida no Estado Liberal; c) a função de proteção, que obriga o
Estado a proteger os direitos fundamentais dos particulares de investidas indevidas dos
próprios particulares.
O Estado Liberal cedeu lugar ao Estado Social, de modo que as políticas
legislativas tiveram que se adequar às novas demandas da sociedade. Como reflexo desse
fenômeno, o Direito sofreu transformações, na medida em que se adaptava para garantir e
promover esses novos anseios. Dentre todos os ramos do Direito, talvez o que mais teve
que se modelar aos novos tempos foi o Direito Civil (Direito Privado como um todo).
Nas palavras de Teresa Negreiros, na obra “Teoria do contrato: novos
paradigmas”,11
(...) o Direito não está recluso em si mesmo, e que, por isso, tanto quanto
outros ramos, o direito civil responde às demandas sociais, e estas, uma
vez alteradas, resultam em correspondentes alterações nos institutos
jurídicos. Com efeito, é hoje incontestável o fato de que o direito civil se
mostrou tão suscetível às transformações econômicas, sociais e
filosóficas quanto os demais ramos do Direito.
LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf>. Acesso em 25/02/2012; SARMENTO, Daniel. Direitos
Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. 3. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 12.
9
O Estado deve não apenas abster-se de violar tais direitos, tendo também de proteger seus titulares diante de
lesões e ameaças provindas de terceiros. Este dever de proteção envolve a atividade legislativa,
administrativa e jurisdicional do Estado, que deve guiar-se para a promoção dos direitos da pessoa humana.
Cf. SARMENTO, op. cit., p. 129.
10
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad Ernesto Garzón Valdez, Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1997, p. 430.
11
NEGREIROS, op. cit., p. 6.
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Com a passagem da ideologia liberal, de índole individualpatrimonialista, onde o Direito era visto como instrumento de proteção de liberdades e
garantias individuais, para a ideologia social, o Direito passou a ser visto como
instrumento de promoção, não só dos indivíduos, agora considerados como membros de
uma coletividade e não como sujeitos de direito isolados em sua esfera íntima, mas
também da própria sociedade, em diversas áreas. Desse modo, o Direito passou a ter uma
nova tarefa, uma função promocional.12
A Constituição Federal de 1988 apresenta um forte caráter solidarista em
seu texto, a ponto de o constituinte erigir à categoria de objetivo fundamental da República
a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, como se observa em seu artigo 3º,
inciso I. Há várias outras passagens na Magna Carta que acentuam esse aspecto solidário.
Nesse ponto é que se faz importante o surgimento da função promocional
do Direito. O ordenamento, antes individualista, tinha como objetivo somente a proteção
do patrimônio e da liberdade; agora, imbuído pela axiologia constitucional da
solidariedade, recebe a missão de promover toda a sociedade, protegendo, além dos
interesses individuais, os coletivos e difusos (interesses metaindividuais). Nesse diapasão,
os institutos de direito privado como a propriedade e o contrato, por exemplo, devem ter
uma dupla função: promover o interesse pessoal do proprietário e do contratante, mas
também promover o desenvolvimento social.13
Os direitos subjetivos do proprietário e do contratante, agora, passam a
ser relativizados, na medida em que devem ser funcionalizados em prol da sociedade. Não
se trata de uma “perda” de direitos subjetivos, mas sim de sua funcionalização, de modo
que não podem mais ser individualmente considerados, mas sim inseridos num contexto
social.
Segundo Claudio Luiz Bueno de Godoy, 14
Enfim, não estranha que ganhasse corpo essa relativização dos direitos
subjetivos, no mesmo instante em que se impunha – como ainda se impõe
– um novo modelo de Estado. Um Estado, como já se disse, posto que
não de interferência absoluta, como, por exemplo, no modelo italiano
corporativo, antes referido, incumbido não só de um mister negativo,
protetor do lícito e repressivo do ilícito, mas também de uma atuação
12
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. de Daniela Beccaccia
Versiani. Rev. técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri: Manole, 2007, p. 13.
13
NEGREIROS, op. cit. p. 1-24.
14
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2007. p. 116.
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ativa promocional até de alteração da ordem, em que o direito deixa de
ser enfocado tão-somente por sua estrutura orgânica, científica, como se
fosse um sistema autônomo e independente, para ser examinado pela sua
função, de que é pressuposto sua consideração como um subsistema
integrado ao sistema social.
Foi pontuado, em outra oportunidade, que15
(...) a autonomia privada dos indivíduos, adiante analisada, deverá se
manifestar não somente para a persecução de interesses particulares, mas
também deverá haver uma utilidade social, algo que promova o interesse
coletivo, isto é, o ato de autonomia privada deve voltar-se, ao mesmo
tempo, para a satisfação de interesses privados e sociais, onde se percebe,
então, a incidência do princípio constitucional da solidariedade. Não mais
se admitem atos egoístas. Ressalte-se, por oportuno, que o ato privado
que promova a dignidade do agente, indiretamente, atende ao princípio da
solidariedade, posto que promoção da dignidade humana, fundamento da
república, é um dos objetivos visados pelo solidarismo. Não se pode
pensar que o solidarismo exige somente contratos com efeitos
essencialmente sociais, altruísticos. O interesse coletivo também é
atendido quando se satisfazem os interesses particulares, desde que lícitos
e de acordo com a axiologia constitucional.
Ainda quanto ao processo de funcionalização do Direito, importa analisar
uma mudança na técnica legislativa. Como sua tarefa inicial era apenas proteger bens
jurídicos individualmente considerados, como liberdade e propriedade, o Estado Liberal se
valia, basicamente, de normas protetoras-repressivas, de modo que, por meio de
intimidações legislativas, o Estado visava preservar os interesses tutelados. No Estado
Social, por sua vez, na medida em que visa a promoção dos indivíduos e da sociedade, ao
lado da função protetora, surge a técnica de encorajamento, através das sanções positivas,
com o objetivo de estimular a prática de atos considerados socialmente úteis e desejáveis.16
Norberto Bobbio compara as tarefas do Estado contemporâneo com as
tarefas do Estado Liberal e conclui que, devido a esse acúmulo de atribuições, o Direito
passa a ter a função promocional. Em suas palavras:17
Assim, porém, quem observar as tarefas do Estado contemporâneo e as
comparar com as tarefas dos Estados de outras épocas, sobretudo a de
controlar e dirigir o desenvolvimento econômico, não pode deixar de
perceber que o Estado, por meio do direito, desenvolve também uma
15
BOYADJIAN, Gustavo Henrique Velasco; BIZELLI, Rafael Ferreira. A cláusula geral da função social do
contrato: enfoque específico na sua eficácia externa, sob a perspectiva civil-constitucional. In: Revista de
Direito Privado. Ano 15, vol. 58, abr.-jun./2014, p. 111-137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 119.
16
BOBBIO, op. cit., p. 13 e 24.
17
BOBBIO, op. cit., p. 100-101.
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função de estímulo, de provimento, de provocação da conduta dos
indivíduos e dos grupos, que é a antítese exata da função apenas protetora
ou apenas repressora (...). Quando o Estado pretende encorajar certas
atividades econômicas (e não apenas econômicas), vale-se, com maior
frequência, do procedimento do incentivo ou do prêmio, isto é, do
procedimento da sanção positiva (...). Trata-se de um fenômeno
macroscópico, que não pode passar despercebido: ele caracteriza a
produção jurídica dos Estados contemporâneos (...).
Percebe-se, desse modo, uma correlação entre a utilização de normas
protetoras-repressivas com o ideal individualista e a utilização de normas promocionais, de
encorajamento, com o ideal solidarista do Estado Social, o que demonstra a adequação do
Direito às demandas sociais de cada tempo.
Assim,
constatada
a
nova
função
dos
direitos
fundamentais,
genericamente denominada de função prestacional, que impõe aos Poderes Públicos sua
proteção e promoção, cabe ao Estado, por meio da legislação, adotar técnicas de
encorajamento, de modo que os particulares guiem suas condutas sob o norte da proteção e
promoção da dignidade humana. No campo contratual, como se verá, surge o fenômeno do
dirigismo contratual.
O Direito Privado, por conseguinte, deixa de ser patrimonialista,
passando a ser personalista, funcionalizado em prol da pessoa humana, e não para o
patrimônio! Em sede de contratos existenciais, onde os interesses predominantes são de
ordem extrapatrimonial, posto que relacionados à dignidade e à personalidade de ao menos
uma das partes contratantes, a função promocional do direito, de efetivação dos direitos
fundamentais se mostra importante instrumento para a preservação desses interesses,
devendo a legislação infraconstitucional, portanto, ter como objetivo sua proteção e
promoção, utilizando-se tanto da técnica tradicional das sanções negativas, como da
moderna técnica das sanções premiais.
Dentre
as
consequências
da
influência
do
solidarismo
e
da
funcionalização do Direito Privado, uma das mais importantes foi a passagem da
autonomia da vontade para a autonomia privada, que será adiante analisada, após o estudo
da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
2. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas
Nesse movimento de funcionalização do direito e de incidência do
princípio constitucional da solidariedade nas relações privadas, ganha relevo a discussão
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acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais entre os particulares. Nesse
espeque, além da teoria da negação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações
privadas, três teorias se destacam: a) teoria da eficácia mediata ou indireta dos direitos
fundamentais; b) teoria dos deveres de proteção e; c) teoria da eficácia imediata ou direta
dos direitos fundamentais.
Segundo Daniel Sarmento,18 a doutrina da negação da eficácia dos
direitos fundamentais surgiu na Alemanha, mas foi nos Estados Unidos da América que
teve maior difusão, sendo lá considerada praticamente um axioma. Os adeptos dessa teoria
defendem, em síntese, que os direitos fundamentais representam exclusivamente direitos
de defesa perante o Estado, alegando que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais
fulminaria a autonomia da vontade, desfigurando o Direito Privado. Por sua vez, a teoria
americana do state action, baseada na premissa de que os direitos fundamentais vinculam
somente o Estado, representa o ideal liberal norte americano de exaltação da autonomia
privada, de sorte que qualquer ingerência estatal nesse campo caracterizar-se-ia como
afronta mortal às bases sobre as quais se assenta a sociedade norte-americana. Entretanto,
buscando amenizar a rigidez dessa teoria, a Suprema Corte Americana vem criando
mecanismos para permitir a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, a
exemplo da denominada public function theory. Desse modo, segundo alguns precedentes
daquela corte, quando um particular exercer atividade tipicamente estatal, ou atividade
particular patrocinada pelo Estado, estará vinculado também aos direitos fundamentais.
Wilson Steinmetz19 explica, suscintamente, o funcionamento judicial
desse artifício:
Um particular demanda judicialmente contra outro particular para fazer
valer um direito individual constitucional ou uma pretensão fundada.
Recebida a demanda, o juiz ou tribunal (i) verifica se a demanda é contra
o Estado (funcionário, agência, entidade pública, etc.) ou um particular.
Se o demandado não é o Estado, então o juiz ou tribunal (ii) verifica se a
ação ou ações do demandado-particular podem ser imputadas, por alguma
razão, ao Estado, isto é, se ela(s) podem ser subsumidas ao conceito de
state action.
O mesmo autor, ainda, elabora a seguinte objeção a essa teoria: haverá
casos em que facilmente se imputará a atitude do particular ao Estado, como as empresas
18
SARMENTO, op. cit., p. 188-191.
STEINMETZ. Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004,
p. 179.
19
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que atuam sobre concessão; em outros, claramente a atitude não poderá ser imputada;
ocorre, todavia, que haverá casos limites, em que a atitude poderá ou não ser imputada, o
que gerará insegurança jurídica, necessitando, portanto, de claros limites a serem
construídos pela doutrina e jurisprudência.
Por fim, Steinmetz tece a afirmação – com a qual plenamente
concordamos – de que essa teoria tem aplicabilidade somente na Constituição americana,
posto que essencialmente liberal. Essa teoria, portanto, não se aplicaria nas constituições
redigidas no contexto do Estado Social de Direito, haja vista que essas constituições não
visam somente regular a atividade estatal, mas também regular a vida social, a economia,
entre tantos outros campos. Assim, exclui-se, desde já, a possibilidade de se utilizar essa
teoria no ordenamento jurídico brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988.
A teoria da eficácia indireta ou mediata foi criada na Alemanha, na
década de 50, e tornou-se a concepção dominante no direito germânico. Em síntese, essa
teoria defende que os direitos fundamentais não ingressam no campo privado como direitos
subjetivos, assim reconhecidos somente perante o Estado, mas tão somente através da
atividade legislativa infraconstitucional ou da atividade jurisdicional.20 Sua influência no
direito privado seria indireta, isto é, atuariam como ordem de valores a nortear a
interpretação e aplicação das normas privadas.
A atuação dos direitos fundamentais entre os particulares se daria em
dois planos: primeiro, vinculando o legislador privado, que teria o dever de respeitá-los e a
obrigação de promovê-los ao promulgar novas leis; segundo, norteando a atividade
jurisdicional, que deveria utilizar-se dos direitos fundamentais como valores, como ordem
axiológica, na aplicação dos institutos do direito privado, de modo que eles respeitassem,
ao mesmo tempo, os direitos fundamentais e a autonomia privada dos particulares. Essa
ingerência no direito privado se daria através das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos
indeterminados, que serviriam como “janelas abertas” para a infiltração das normas
constitucionais.21
De forma semelhante, Canaris, maior expoente da teoria dos deveres de
proteção, sustenta que somente o Estado está diretamente vinculado aos direitos
fundamentais. Desse modo, o Estado tem uma dupla função: não apenas abster-se de lesar
os direitos fundamentais, mas também o dever de protegê-los quando provenientes de
20
21
SARMENTO, op. cit., p. 197-201.
MARTINS, Fernando Rodrigues. Princípio da Justiça Contratual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 240-241.
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lesões ou ameaças de terceiros (particulares). O professor alemão, ainda, denomina essas
duas funções de “proibição de intervenção” e de “imperativo de proteção”,
respectivamente. Para ele, a influência dos direitos fundamentais frente aos particulares
encontra-se na vinculação imediata do legislador do Direito Privado ao respeito aos
direitos fundamentais e na aplicação judicial do Direito Privado pelo Poder Judiciário, que
deverá se abster de um julgamento causador de lesão aos direitos fundamentais, bem como
buscar a efetiva sua efetiva proteção.22
A teoria da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais nas
relações privadas, por sua vez, diz respeito à incidência dos mandamentos constitucionais
referentes aos direitos e garantias fundamentais nas relações entre particulares, vinculandoos de forma imediata e direta a esses preceitos. Isto é, não se necessita de outra atividade
(legislativa ou jurisdicional) para se fazer valer entre os particulares. Nas palavras de Luís
Roberto Barroso, 23
(...) em uma perspectiva de avanço social, devem-se esgotar todas as
potencialidades interpretativas do Texto Constitucional, o que inclui a
aplicação direta das normas constitucionais no limite máximo do
possível, sem condicioná-las ao legislador infraconstitucional.
No mesmo sentido, na obra “Perfis do Direito Civil”, a lição de Pietro
Perlingeri:24
(...) a norma constitucional pode, também sozinha (quando não existirem
normas ordinárias que disciplinem a fattispecie em consideração) ser a
fonte da disciplina de uma relação jurídica de direito civil.
Dentre as várias objeções à teoria da eficácia direta e imediata dos
direitos e garantias fundamentais nas relações privadas, destacam-se as que alegam a teoria
ser antidemocrática, gerar insegurança jurídica e interferir na autonomia privada. Dentre
essas críticas, entendemos como mais importante a que se preocupa com a autonomia
privada.
Como dito anteriormente, com o advento do constitucionalismo social, a
autonomia perdeu seu caráter absoluto e pode, portanto, sofrer limitações frente a outros
22
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo
Mota Pinto. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 28-36 e 52-74.
23
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996, p.
260.
24
PERLINGERI. op. cit., p. 11.
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direitos e princípios fundamentais. Ao contrário do que defende a doutrina adversária,
verifica-se que a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas
vem, entre outros motivos, inclusive para garantir a autonomia privada nas relações em que
essa não se faz presente em sua forma real, como nos casos de contratos onde uma das
partes é hipossuficiente. Desse modo, essa teoria, ao tentar garantir a liberdade, a igualdade
e, em último caso, a dignidade do hipossuficiente, acaba por garantir sua autonomia
privada, pois fornece-lhe os meios de equiparar-se à parte mais forte.
Importante, nesse ponto, que se faça alusão ao conceito de “condições
mínimas de liberdade”. Uma vez que se constata empiricamente que a liberdade e a
igualdade formal não garantem que a pessoa exerça sua autonomia privada plenamente em
razão de desigualdades socioeconômicas, faz-se necessário um mecanismo que restabeleça
essa igualdade. Nesse ponto, a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais tem importantíssima função, na medida em que, ao permitir que a parte
hipossuficiente levante algum direito fundamental como direito subjetivo frente à parte
dominante, estar-se-á promovendo a preservação desse seu direito fundamental e, por
conseguinte, da sua dignidade. Veja que, se a alegação do direito fundamental não fosse
possível, o mesmo restaria prejudicado contra a vontade da parte hipossuficiente, haja vista
que ela não possui poder de barganha frente à parte dominante. Nesse caso, somente a
parte dominante estaria exercendo sua autonomia privada, ao passo que a autonomia
privada da parte hipossuficiente estaria comprometida pela desigualdade socioeconômica.
Não admitir a invocação do direito fundamental como direito subjetivo frente ao particular
quando há a relação de hipossuficiência é sentenciar que a autonomia privada da parte
dominante está acima dos direitos fundamentais da parte hipossuficiente.
Foi mencionado, no capítulo 2 deste estudo, a função de prestação dos
direitos fundamentais. Faremos, de forma singela, uma correlação entre a função de
prestação na subespécie de atribuição de proteção dos direitos fundamentais e a teoria ora
defendida, da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Como alinhavado acima, a função de proteção obriga o Estado a proteger
os direitos fundamentais dos particulares de investidas indevidas dos próprios atores
privados. Fernando Martins25 ensina que
25
MARTINS, op. cit., p. 232.
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Os direitos fundamentais, nessa senda, condicionam o Estado a agir no
sentido de proteger o indivíduo com o amparo, fomento e preservação
dos direitos fundamentais, considerando, especialmente nos dias que
correm, a intensidade de atividades particulares, cada vez mais
preponderantes sobre aquelas próprias do setor público, o manejo de
banco de dados por empresas ou associações privadas, as tecnologias
avançadas com larga utilização comercial, a biogenética, a genética dos
alimentos.
Nota-se, portanto, que as ofensas aos direitos fundamentais, hoje, não
têm como remetente somente o Estado, como fora outrora no Estado Liberal. Pelo
contrário, inúmeros danos causados aos direitos fundamentais, como o direito à imagem, à
honra, à privacidade, à intimidade, à integridade psicofísica, são provenientes de atuações
de agentes privados.
Necessário, aqui, um raciocínio lógico: se o Estado tem o dever de
proteger os direitos fundamentais dos particulares frente às investidas dos próprios
particulares, significa dizer que os particulares não possuem o direito de investirem entre
si. Dito de outra maneira: o particular que ofende um direito fundamental de outro
particular só deve ser coibido pelo Estado porque, justamente, não possui esse direito.
Logo, conclui-se que, como o particular não possui o direito de ofender um direito
fundamental alheio, é porque – e aqui se mostra evidente – a esse direito fundamental está
submetido, vinculado, haja vista que, se assim não o fosse, não estaria proibido de ofendêlo.
Desse modo, negar a eficácia direta dos direitos fundamentais nas
relações privadas é, de fato, autorizar o desrespeito e fomentar o descaso para com os
próprios direitos fundamentais.
Defende-se, portanto, que a função de prestação na atribuição de
proteção dos direitos fundamentais tem como um de seus instrumentos a teoria da eficácia
direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações particulares. Negar essa teoria é
transformar a função de proteção em mera retórica, desprovida de efetividade.
Importante que se entenda o seguinte: a teoria da eficácia direta e
imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas não significa necessariamente o
abandono da legislação infraconstitucional. Caso haja essa legislação e ela seja suficiente e
adequada para a efetivação e proteção do direito fundamental, ela deve ser usada. Por outro
lado, caso não haja a legislação ou a mesma seja insuficiente ou inadequada, a incidência
do direito fundamental deverá ser direta.
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Não é outra a conclusão de Wilson Steinmetz.26 Vejamos:
Quanto à forma (o modo, o “como”) e ao alcance (a extensão, a medida),
a vinculação dos particulares a direitos fundamentais – sobretudo a
direitos fundamentais individuais – se materializa como eficácia imediata
“matizada” (“modulada” ou “graduada”) por estruturas de ponderação
(ordenadas no princípio da proporcionalidade e seus elementos) que, no
caso concreto, tomam em consideração os direitos e/ou princípios
fundamentais em colisão e as circunstâncias relevantes. Ademais, nos
casos concretos para os quais há regulação (concretização) legislativa
específica suficiente e conforme a Constituição e aos direitos
fundamentais, o Poder Judiciário, em virtude dos princípios democráticos
e da separação de poderes, não deve, de plano e sem a apresentação de
razões jurídico-constitucionais de peso (ônus de argumentação), afastarse da solução legislativa, isto é, o Poder Judiciário não deve sobrepor-se,
de imediato e sem satisfazer um ônus de argumentação constitucional
racional e objetiva, às ponderações do Poder legislativo concretizadas em
regulações específicas de direito privado.
A priori, parece-nos que essa última posição se mostra a mais coerente,
haja vista que defende a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas de
qualquer maneira, exigindo a atuação legislativa infraconstitucional como meio para tal, o
que garantiria maior segurança jurídica, mas, ao mesmo tempo, admitindo a aplicação
direta
dos
direitos
fundamentais
quando
for
omissa
ou
falha
a
legislação
infraconstitucional, de modo que a pessoa não restará prejudicada pela inércia legislativa.
Em sede de contratos existenciais, onde os interesses extrapatrimoniais,
relacionados à dignidade e à personalidade de ao menos uma das partes contratantes, são
de primeira ordem, são a razão de ser do contrato, importante que se adote a teoria mais
protetiva, isto é, a teoria que, ao menos em tese, ofereça os melhores meios de proteção e
promoção desses valores. Desse modo, inconteste que a teoria da eficácia direta matizada
dos direitos fundamentais nas relações privadas se mostra a teoria mais bem preparada a
regular as situações subjetivas extrapatrimoniais presentes nos contratos existenciais.
3. Da autonomia da vontade para a autonomia privada
Fernando Noronha nos alerta, no início do seu capítulo “O princípio da
autonomia privada”, que essa expressão tende a substituir a cunhada por Gounot, em 1912,
do “princípio da autonomia da vontade”.27
26
STEINMETZ, op. cit., p. 295-296.
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O princípio da autonomia da vontade para a liberdade contratual
representava o ápice do liberalismo.28 Era o princípio máximo do Estado burguês, onde
todos eram iguais perante a lei e detinham a liberdade de escolha. Tal liberdade contratual
absoluta deu origem à máxima pacta sunt servanda, segundo a qual as partes deveriam
seguir, obrigatoriamente, o que haviam estipulado no contrato, já que esse representava o
resultado da vontade livre das partes, fazendo lei entre elas. Com o Estado Social e,
principalmente, com o Estado Democrático de Direito, as relações entre particulares
passam a sofrer interferências constitucionais, numa busca pela igualdade material e justiça
social, onde os princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana mitigam o
caráter absoluto do princípio da liberdade contratual, e essas relações, agora não mais
fundadas na autonomia da vontade, passam a ser regidas pelo princípio da autonomia
privada, o que significa que as partes detêm a liberdade de compactuar, mas devem
obedecer aos limites legais.29
Em outras palavras, enquanto que a autonomia da vontade fazia com que
não se encontrassem obstáculos dentro do ordenamento jurídico para que o indivíduo
exercesse sua liberdade contratual, já que os indivíduos eram considerados livres e iguais
perante a lei – igualdade formal –, a autonomia privada se mostra como um corolário do
princípio da igualdade substancial, do solidarismo e da funcionalização do direito, na
medida em que o caráter absoluto dos direitos subjetivos são mitigados, relativizados em
prol da sociedade, de modo que o ordenamento, agora, principalmente através da axiologia
constitucional, fornece parâmetros legais para que o indivíduo exerça sua liberdade
contratual.
O resultado do exercício dessa atual liberdade contratual fundada na
autonomia privada continua a fazer lei entre as partes. Entretanto, seu traço distintivo em
relação ao princípio antecessor reside justamente na imposição de limites legais a essa
liberdade. Corroborando com esse entendimento, Luigi Ferri defende que o negócio
jurídico é a fonte normativa que ocupa o escalão mais baixo no sistema escalonado de
27
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé,
justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 111.
28
NORONHA. op. cit., p. 113.
29
PACHECO, Keila Ferreira. Abuso de direito nas relações obrigacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006,
p. 163-173.
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fontes e, desse modo, encontra-se subordinado à lei, o que significa dizer que o negócio
jurídico será válido se estiver em conformidade com a lei, posto que fonte superior.30
Ferri afirma que a autonomia privada é o poder normativo dos
particulares. Em suas palavras,31
Com la expresión “autonomia privada” he designado el poder atribuído
por la ley a los indivíduos de crear normas jurídicas em determinados
campos a ellos reservados... pueden tener um contenido cualquiera las
normas de formación privada o negociales, dentro, se entende, de los
limites negativos que la ley impone a la autonomía privada.
Fernando Noronha também oferece seu conceito de autonomia privada, juntamente
com o conceito de Larenz. Observa-se que, em ambos, há a ressalva ao limite à liberdade.
Vejamos:32
(...) pode-se dizer que autonomia privada consiste na liberdade de as
pessoas regularem através de contratos, ou mesmo de negócios jurídicos
unilaterais, quando possíveis, os seus interesses, em especial quanto à
produção e à distribuição de bens e serviços. Na lição de Larenz e mais
concretamente, “é a possibilidade, oferecida e assegurada aos
particulares, de regularem suas relações mútuas dentro de determinados
limites por meio de negócios jurídicos, em especial mediante contratos”.
Nota-se, portanto, que a autonomia privada é o poder dos particulares de
criarem normas jurídicas privadas que regulamentem situações a eles relacionadas. Esse
poder, no entanto, não é absoluto, posto que o conteúdo dessas normas privadas deve estar
em conformidade com a lei – fonte superior -, isto é, em conformidade com o ordenamento
jurídico. Importante que se interprete o vocábulo “lei” em sentido amplo, de modo a
abarcar todo o sistema jurídico.
A autonomia privada se mostra limitada, portanto, pelos princípios
constitucionais, pelo valor da dignidade da pessoa humana, pelos direitos fundamentais,
pelo princípio da solidariedade e, a nível infraconstitucional, pela proteção aos direitos da
personalidade e pela função social33-34 dos contratos, entre outras normas de ordem
pública, além dos bons costumes.35
30
FERRI, Luigi. La autonomia privada. Trad. Luis Sancho Mendizábal. Granada: Editorial Comares, S.L.,
2001, p. 71-72.
31
FERRI, op. cit., p. 73 e 306.
32
NORONHA, op. cit., p. 115.
33
Quanto à função social, foi aprovado o Enunciado nº 23 na I Jornada de Direito Civil do Conselho da
Justiça Federal, com o seguinte texto: “A função social do contrato, prevista no art.421 do novo Código
Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio,
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Ainda, de acordo com o que se sustentou acima, outro limite à autonomia
privada, atualmente observado, é a aplicação da teoria da eficácia direta e imediata dos
direitos fundamentais nas relações privadas, de modo que o contrato não pode dispor de
cláusulas que atinjam negativamente os direitos fundamentais.
Assim, como os contratos existenciais são contratos que tratam de um
objeto que, pelo menos para uma das partes, mostra-se essencial, nele é que a autonomia
privada sofrerá a maior limitação possível, uma vez que os direitos e garantais
fundamentais incidirão com toda sua força normativa, impedindo que o regramento
particular contra eles disponha.
Defende-se, portanto, que, nos contratos existenciais, onde o paradigma
da essencialidade encontra o seu ápice, a autonomia privada sofra sua maior mitigação,
sendo legítima, nesses contratos, uma maior ingerência estatal, sempre com o objetivo de
resguardar a parte hipossuficiente, a parte que tem no objeto contratual um bem
existencial, essencial.
Essa ingerência estatal pode aparecer sob a forma de normas específicas
que regulamentem e/ou restrinjam o conteúdo desses contratos – a exemplo do Código de
Defesa do Consumidor e da Consolidação das Leis do Trabalho –, com vistas a atender ao
interesse público de proteção e promoção dos valores e interesses extrapatrimoniais. Tratase do fenômeno do dirigismo contratual, acima mencionado quando do estudo da
funcionalização do direito.
Nas palavras de Paulo Luiz Netto Lôbo,36
quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.
Vê-se, portanto, que a função social é limite à autonomia privada.
34
Nesse aspecto merece referência os termos do art. 421 do Código Civil: “em razão” e “nos limites” da
função social dos contratos. O primeiro termo dá a entender que o contrato deve ser formado tendo como
objetivo precípuo a função social, a promoção da coletividade. Não nos parece ser esse, contudo, o melhor
entendimento. Cremos haver um duplo objeto em qualquer contrato: a satisfação do interesse particular,
como objeto direto, e a promoção da coletividade, como objeto indireto, onde se verifica a função social dos
contratos. O termo “em razão da função social dos contratos” deve ser interpretado em consonância com a
funcionalização do direito, com a utilização das normas de encorajamento. Por sua vez, o termo “nos limites
da função social dos contratos” refere-se ao conteúdo do contrato, isto é, a função social passa a ser requisito
de validade do contrato. Desse modo, o contrato que não cumpre um mínimo de função social ou que
deliberadamente a ofenda, como nos casos de terceiro ofensor, terceiro ofendido e ofensa a interesses
metaindividuais, deve ser considerado nulo, não merecendo a proteção do ordenamento. Ainda, ressalte-se
que os limites impostos pela função social incidem tanto no plano interno como no externo do contrato, como
visto acima. Cf. BOYADJIAN; BIZELLI, op., cit., p. 134-135.
35
CABRAL, Érico de Pina. A “autonomia” no direito privado. In: Obrigações e Contratos: princípios e
limites. Org.: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011,
p. 96.
36
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Dirigismo contratual. In: Obrigações e Contratos: princípios e limites. Org.:
TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 403.
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O dirigismo contratual forma com a liberdade contratual uma das grandes
antinomias do direito (...). O dirigismo contratual pode ser entendido
como forma jurídica de controle da liberdade contratual, por razões de
ordem econômica ou pública (...). Os contratos têm de cumprir uma
função social, que é medida por sua conformidade à ordem econômica
dirigida e ao consequente favorecimento do contratante débil.
Ainda sobre o dirigismo contratual, Giselda Hironaka37 o define
(...) como sendo uma técnica destinada a revelar melhor a proteção dos
interesses do elemento economicamente fraco, restringindo a liberdade
contratual do elemento economicamente forte, especialmente no que se
refere à discussão do conteúdo do negócio. Trata-se da sujeição da
vontade dos contratantes ao interesse público, como se por atuação de um
verdadeiro freio que moderasse a liberdade contratual.
Percebe-se, com todo esse aparato teórico e normativo, que a ciência
jurídica caminha no sentido da personalização do direito, isto é, no sentido de maior
preocupação com a figura da pessoa humana em detrimento do patrimônio, objeto por
excelência do direito civil em épocas passadas. É nessa toada que se originou a moderna
classificação de Antonio Junqueira de Azevedo entre contratos existenciais e contratos de
lucro, bem como o novo paradigma contratual da essencialidade, de Teresa Negreiros, e a
divisão entre situações subjetivas existenciais e situações subjetivas patrimoniais de Pietro
Perlingieri.
4. Contratos existenciais: algumas observações
Antes de analisarmos especificamente o contrato existencial, necessário
que se faça a seguinte observação: o ordenamento jurídico admite a existência de interesses
patrimoniais e existenciais (morais, extrapatrimoniais), haja vista a proteção à dignidade,
direitos fundamentais e direitos da personalidade. Contratos existenciais, como se verá, são
institutos que, apesar de lidarem com objetos patrimoniais, refletem interesses
extrapatrimoniais.
Analisando as situações jurídicas subjetivas, Pietro Perlingieri, 38 na obra
“O Direito Civil na Legalidade Constitucional”, afirma que o
37
HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. In: Obrigações e Contratos:
princípios e limites. Org.: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011. p. 747.
38
PERLINGIERI, op. cit., p. 669.
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85
(...) fundamento justificador da situação é o interesse, que pode ser
patrimonial, existencial ou, por vezes, um e outro juntos, já que algumas
situações patrimoniais são instrumentos para a realização de interesses
existenciais ou pessoais. No ordenamento jurídico encontram espaço
tanto as situações patrimoniais e entre essas a propriedade, o crédito, a
empresa, a iniciativa econômica privada, quanto aquelas não patrimoniais
(os chamados direitos da personalidade) às quais cabe, na hierarquia das
situações subjetivas e dos valores, um papel primário.
Já se analisou, em outra oportunidade – num estudo acerca dos danos
extrapatrimoniais, especificamente o dano existencial – a possibilidade de haver interesses
juridicamente tutelados desprovidos de patrimonialidade. Vejamos: 39
Procurando resolver as imperfeições da teoria da diferença, de cunho
liberal e patrimonialista, a doutrina, acompanhando a passagem do
constitucionalismo liberal para o social, desenvolveu a teoria do interesse.
Tal teoria, nas palavras de Sérgio Severo, entende o dano como “a lesão
de interesses juridicamente protegidos”. Ao definir o dano como qualquer
lesão a um interesse juridicamente tutelado, a teoria do interesse amplia o
conceito de dano, desvinculando-o da ideia patrimonialista. Isso ocorre
porque, agora, o que o Direito protege é o interesse, e não o patrimônio
de uma pessoa. Desse modo, é sabido que as pessoas possuem todos os
tipos de interesses, desde os interesses patrimoniais até os
extrapatrimoniais. O vocábulo interesse, assim, abarca os danos
patrimoniais e os danos extrapatrimoniais. A partir dessa teoria é que foi
reconhecida a reparação por dano moral, visto que houve uma
“libertação” da ideia de que somente os bens materiais poderiam ser
reparados. Já que a pessoa possui o interesse em não ter seus direitos
fundamentais, direitos da personalidade, ou de simplesmente não se sentir
magoada, qualquer ação que se conduza contrariamente a esse interesse
se configura em dano e, por isso, deve ser reparado. Adotamos nesse
trabalho, portanto, conceito de dano como toda e qualquer lesão a
interesse juridicamente tutelado.
Percebe-se, por conseguinte, que é plenamente possível a existência de
interesses juridicamente tutelados desprovidos de patrimonialidade, o que não se confunde
com o direito à reparação civil dos danos causados a esses interesses. Dito de outra
maneira, o dano a um interesse extrapatrimonial gera o direito patrimonial à indenização.
Pietro Perlingieri40 afirma, sinteticamente, que
A concepção exclusivamente patrimonialista das relações privadas,
fundada sobre a distinção entre interesse de natureza patrimonial e de
39
PACHECO, Keila Ferreira; BIZELLI, Rafael Ferreira. A cláusula geral de tutela da pessoa humana:
enfoque específico no dano existencial, sob a perspectiva civil-constitucional. In: Revista de Direito Privado.
Ano. 14, vol. 54, abr.-jun./2013, p. 11-43. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013, p. 16-17.
40
PERLINGIERI, op., cit., p. 760.
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86
natureza existencial, não responde aos valores inspiradores do
ordenamento jurídico vigente. Também os interesses que não têm caráter
patrimonial são juridicamente relevantes e tutelados pelo ordenamento.
Nesse sentido, em artigo sobre o tema, André Gustavo Corrêa de
Andrade41 distingue
(...) a patrimonialidade da prestação e a extrapatrimonialidade do
interesse do credor ou dos bens afetados. Embora a prestação tenha
conteúdo patrimonial, o interesse do credor na prestação pode, conforme
as circunstâncias, apresentar um caráter extrapatrimonial, porque ligado à
sua saúde ou de pessoas de sua família, ao seu lazer, à sua comodidade,
ao seu bem-estar, à sua educação, aos seus projetos intelectuais.
Corroborando com o exposto,42
A patrimonialidade ínsita ao vínculo obrigacional não significa que,
notadamente nas relações de consumo, o inadimplemento fique,
necessariamente, adstrito ao campo patrimonial. Como é cediço,
interesses extrapatrimoniais podem ser a razão preponderante do contrato,
nada obstante a patrimonialidade da prestação.
Tendo se fixado a importante distinção entre objeto prestacional e
interesse, onde o primeiro possui patrimonialidade e o segundo poderá conter, também,
extrapatrimonialidade, passamos ao estudo dos contratos existenciais.
Os contratos existenciais foram pensados por Antonio Junqueira de
Azevedo, segundo o qual a dicotomia contratual do século XXI refere-se aos contratos
existenciais e aos contratos de lucro. Essa dicotomia estaria para esse século assim como a
dicotomia contratos de adesão e paritários estava para o século passado, de modo que, ao
operador do direito, a importância está em, ao saber classificar determinado contrato como
41
ANDRADE, André Gustavo Correa de. Dano Moral em Caso de Descumprimento de Obrigação
Contratual. In: Revista de Direito do Consumidor, v. 53, p. 55 – jan./mar. 2005. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
42
OLIVA, Milena Donato. Dano moral e inadimplemento contratual nas relações de consumo. In: Revista de
Direito do Consumidor, 93, p. 13 – maio/2014. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
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existencial ou de lucro, estará a saber qual regime normativo deverá ser aplicado.43 Ainda
com o mesmo autor:44
Os contratos existenciais têm como uma das partes, ou ambas, as pessoas
naturais; essas pessoas estão visando a sua subsistência. Por equiparação,
podemos também incluir nesse tipo de contrato, as pessoas jurídicas sem
fins lucrativos. Ora, as pessoas naturais não são “descartáveis” e os juízes
têm que atender às suas necessidades fundamentais; é preciso respeitar o
direito à vida, à integridade física, à saúde, à habitação, etc. de forma que
cláusulas contratuais que prejudiquem esses bens podem ser
desconsideradas. Já os contratos de lucro são aqueles entre empresas ou
entre profissionais e, inversamente, se essas entidades ou pessoas são
incompetentes, devem ser expulsas, “descartadas”, do mercado ou da
vida profissional. No caso desses contratos de lucro, a interferência dos
juízes perturba o funcionamento do mercado ou o exercício das
profissões.
Percebe-se, então, que contratos existenciais são aqueles cuja prestação
consiste num objeto, num bem da vida destinado à subsistência da pessoa humana, sem que
esta almeje lucro algum, como os contratos de “atendimento à saúde, à manutenção da
vida, ao salvamento em situações periclitantes, acesso à moradia, à propriedade imobiliária
como bem de família, à educação, ao trabalho, à energia elétrica, ao transporte, aos meios
de comunicações e provedores virtuais, dentre outras possibilidades”.45
Por sua vez, contratos de lucro são firmados entre particulares em igual
posição socioeconômica, onde ambos buscam a circulação de riquezas, espaço em que a
autonomia privada encontra seu ápice. Aqueles, por sua vez, geralmente são formados por
particulares em posições díspares, onde uma parte tem no objeto do contrato um bem
existencial e o outro contratante tem a prestação contratual apenas como mercadoria,
visando o lucro. Antonio Junqueira de Azevedo, então, afirma que cada categoria
contratual merece um tratamento normativo específico, pois produzem efeitos diferentes.
Em suas palavras,46
43
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos
jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos
relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma e
resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. In: Revista dos Tribunais. n.
832, p. 115 . São Paulo: Revista dos Tribunais, fev. 2005.
44
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Diálogos com a doutrina: entrevista com Antonio Junqueira de
Azevedo. In: Revista Trimestral de Direito Civil. v. 9, n. 34, p. 304-305. Rio de Janeiro: Padma, abr./jun.
2008.
45
MARTINS, Fernando Rodrigues; PACHECO, Keila Ferreira. Contratos existenciais e intangibilidade da
pessoa humana na órbita privada. Homenagem ao pensamento vivo e imortal de Antonio Junqueira de
Azevedo. In: Revista de Direito do Consumidor. v. 79, p. 265. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul. 2011.
46
AZEVEDO, op. cit., p. 304-305.
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Outro ponto interessante seria a exposição analítica das diferenças de
efeitos entre as duas categorias de contrato, por exemplo, quanto à boa-fé,
quanto à função social, quanto ao dano moral (a nosso ver, cabe dano
moral nos contratos existenciais mas não nos contratos de lucro), etc.
Na mesma toada, a Professora Teresa Negreiros propõe o “paradigma da
essencialidade” para uma reclassificação dos contratos, de sorte que, quanto mais essencial
o bem da vida objeto do contrato, maior deverá ser a ingerência de normas de ordem
pública, pois mais intensa sua função social, haja vista a “primazia das situações
existenciais sobre as situações patrimoniais”47.
O chamado paradigma da essencialidade busca a caracterização do bem
contratado – como bem essencial, útil ou supérfluo –, e essa qualificação passa a ser
considerada um fator determinante para a disciplina contratual. Assim, quanto maior a
essencialidade, maior será a interferência estatal em sua formação, desenvolvimento e
(in)adimplemento48.
No mesmo sentido, dispõe Ruy Rosado de Aguiar Júnior49 que
O objetivo da adoção do paradigma da essencialidade é a de dispensar
aos contratos classificados como existenciais um regime jurídico que
permita a realização da sua função social, seja interna (equivalência), seja
externa (realização dos fins sociais para os quais existe o contrato),
garantindo e assegurando os valores inerentes à dignidade da pessoa.
Ao menos em uma das partes de um contrato existencial, por
conseguinte, o interesse envolvido estará diretamente relacionado com a dignidade e/ou à
personalidade do contratante, visto que destinado à sua (sobre) vivência, de modo que são
interesses, portanto, ditos extrapatrimoniais. Na linha exposta acima, por envolver
interesses extrapatrimoniais, amparado na funcionalização do direito, possuem a notável
função social, fundamental no ordenamento e na sociedade, de proteção e promoção da
dignidade e da personalidade da parte contratante, razão pela qual devem submeter-se a um
regime normativo ainda mais limitador da autonomia privada, bem como será legítima a
atuação do juiz, no caso concreto, de preservação ou revisão do contrato, para garantir o
adimplemento em favor da parte que almeja a prestação dita por essencial/existencial, de
modo que as situações existenciais devem se sobrepor às patrimoniais.
47
NEGREIROS, op., cit., p. 449.
NEGREIROS, op. cit., p. 388.
49
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Contratos relacionais, existenciais e de lucro. Revista Trimestral de
Direito Civil – V. 45 jan./mar. 2011 Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 106.
48
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Na análise dos contratos existenciais, há de se levar em conta a existência
de interesse extrapatrimonial por uma parte contratante, além do interesse patrimonial.
Dito de outra maneira, enquanto que para a parte dominante o objeto representa apenas
interesse patrimonial, visto que visa o lucro, para a parte vulnerável/hipossuficiente o
objeto apresenta duas ordens de interesses, sendo a primeira extrapatrimonial e a segunda
patrimonial. Verifica-se, portanto, que para a parte vulnerável, a extrapatrimonialidade do
objeto é mais importante do que a sua patrimonialidade, haja vista não ter em conta o
lucro, mas sim um bem existencial, relacionado ao mínimo existencial.
Verifica-se, assim, que a “nova” categoria dos contratos existenciais,
cujo objeto prestacional relaciona-se com a existência digna da pessoa, por ser, para ela,
essencial, merece um tratamento normativo específico, adequado para a proteção da parte
hipossuficiente.
Demonstrado, portanto, que há contratos em que o objeto prestacional
configura-se um bem essencial, um interesse existencial para uma das partes, relacionado,
por conseguinte, à sua dignidade e personalidade, imperioso, mais uma vez, que se
reconheça a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas,
posto que, como visto, essas mesmas relações privadas podem tratar de direitos
fundamentais, como saúde (contrato com empresas de seguro saúde), educação (contratos
com instituições de ensino), moradia (contratos de aluguel, contratos de compra e venda
pelo Programa Minha Casa Minha Vida, etc.), entre outras situações.
Ainda, ao se verificar esses possíveis conteúdos prestacionais,
relacionados a bens e interesses fundamentais, é necessário reconhecer que a parte
contratante cujo interesse é existencial na relação jurídica encontra-se em posição de
desvantagem em relação à outra parte, cujo interesse na relação rege-se pelo lucro. Isso
porque, claramente, a parte que tem o interesse existencial não poderá exercer plenamente
sua autonomia privada, pois, invariavelmente, necessita do bem prestacional, dele não
podendo abrir mão, o que faz com que, em regra, concorde com cláusulas abusivas. Desse
modo, esse contratante encontra-se em posição de vulnerabilidade jurídica em relação à
outra parte, situação adversa que obriga o direito a ter ferramentas aptas a corrigir esse
desequilíbrio para restaurar a harmonia da relação.
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Quanto à proteção dos vulneráveis, Cláudia Lima Marques e Bruno
Miragem50 afirmam que
O direito privado não pode prescindir do reconhecimento da fraqueza de
certos grupos da sociedade, que afinal se apresente como ponto de
encontro entre a função individual que tradicionalmente lhe é
reconhecida, e sua função social, firmada no direito privado solidário que
emerge da Constituição.
O estudo da proteção dos vulneráveis se justifica porque, uma vez que
um contratante tem o objeto por essencial e o outro contratante visa apenas o lucro,
percebe-se que o primeiro se mostrará hipossuficiente/vulnerável, com sua liberdade
contratual limitada em decorrência do poderio socioeconômico da outra parte.
Embora tratando especificamente da vulnerabilidade do consumidor,
Fernando Martins e Keila Pacheco apontam que a vulnerabilidade possui intenso arrimo
constitucional, pois “encontra seu fundamento no princípio da igualdade substancial e parte
da presunção de que a intensa discrepância entre os agentes econômicos (fornecedor e
consumidor), independente do exercício da capacidade, merece promoção e tutela”.51
Quanto ao tema da proteção dos vulneráveis, Ricardo Luis Lorenzetti nos
brinda com as noções dos diferentes paradigmas possíveis de serem utilizados pelo jurista.
Na obra “Teoria da Decisão Judicial”, o autor argentino esboça as premissas teóricas de 06
(seis) paradigmas, sendo que, ao nosso tema de estudo, interessa-nos o “Paradigma de
Acesso aos Bens Jurídicos Primários” e o “Paradigma Protetivo”.
Quanto ao primeiro, Paradigma de Acesso, Lorenzetti52 afirma que
(...) protege os excluídos. Seu fundamento constitucional é a igualdade
real de oportunidades, e seu princípio estruturante é o acesso aos bens
jurídicos primários. O jurista que adota essa visão está disposto a
abandonar a neutralidade a respeito do mercado e a modificar as suas
atribuições, está inclinado a intervir em todo tipo de relações, prioriza os
resultados em relação às formas e por isso aceita um direito de menor
qualidade formal, prioriza os critérios de justiça material (invoca com
frequência os fundamentos sociológicos e econômicos).
50
MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 2.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 17.
51
MARTINS, Fernando Rodrigues; PACHECO, Keila Ferreira. Vulnerabilidade financeira e economia
popular: promoção de bem fundamental social em face da prática de institutos lucrativos ilusórios (das
pirâmides ao marketing multinível). In: Revista de Direito do Consumidor. Vol. 98/2015, p. 105-134, mar.abr./2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
52
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial. Fundamentos de Direito. Trad. Bruno Miragem.
Notas de Claudia Lima Marques. 2. ed., ver., e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 230.
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Aplicado aos contratos existenciais, nota-se a total pertinência desse
paradigma, pois relaciona-se ao acesso de bens primários. Bens primários são aqueles, no
sentido aqui aplicado, considerados de primeira necessidade, isto é, indispensáveis à
existência da pessoa. Bens primários são, portanto, existenciais, essenciais.
Em seguida, Lorenzetti trabalha com o “Paradigma Protetivo”, que
também pode ser utilizado na temática dos contratos existenciais. Nas palavras do autor,53
O paradigma protetivo tutela os vulneráveis e é consistente com o
paradigma do acesso (...). O paradigma protetivo está voltado, em
contrapartida, para quem não for vulnerável e estiver no mercado. Seu
fundamento constitucional é a igualdade. Seu princípio estruturante é o da
proteção à pessoa. O jurista que adota essa visão está disposto a buscar a
igualdade e, portanto, a intervir em todos os tipos de relações. Prioriza o
resultado sobre as formas e critérios de justiça material (...). surge um
dos princípios de interpretação em favor do devedor, o favor debilis, em
favor do consumidor, e logo em favor do indivíduo particular.
Nota-se, aqui, que a proteção aos contratos existenciais novamente se
justifica. Apesar de não haver uma coincidência total entre as categorias, grande parte dos
contratos existenciais serão, também, contratos de consumo. Priorizando, novamente, o
critério da justiça material, o jurista que adota esse paradigma deve levar-se por princípios
protetivos da pessoa humana, da pessoa hipossuficiente, da pessoa vulnerável. Na proposta
de Teresa Negreiros, o jurista deve dar prevalência às situações existenciais sobre as
patrimoniais.
Por esse paradigma, por exemplo, justifica-se a intervenção jurisdicional
determinando a revisão contratual, nas hipóteses em que, apesar de lícito, frente às
peculiaridades do caso concreto o contrato se mostrar leonino, oneroso a uma das partes.
Assim, uma vez constatada a presença desses interesses fundamentais em
relações travadas entre particulares (parte forte e parte vulnerável), ao mesmo tempo em
que há outras relações privadas destituídas desse caráter essencial (partes paritárias), como
nos contratos de lucro (ex.: trespasse), necessário que a doutrina e jurisprudência
delimitem campos de atuação normativa distintos. Não se mostra razoável aplicar iguais
diplomas legislativos para situações tão díspares, para situações que tratem de interesses
tão opostos.
Feitos os apontamentos acima, podemos conceituar os contratos
existenciais, portanto, como aqueles em que, ao menos para uma das partes contratantes,
53
LORENZETTI., op. cit., p. 251.
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não há objetivo de lucro, de modo que, para esta parte, o objeto prestacional se caracteriza
mais pela sua expatrimonialidade do que pela sua patrimonialidade, haja vista ser um
objeto relacionado à existência da pessoa, essencial à plenitude de sua dignidade e/ou
personalidade, o que, por caracterizar uma situação subjetiva existencial, exige a proteção
e aplicação de ferramentas normativas específicas, distintas das comumente utilizadas para
as situações essencialmente patrimoniais.
5. Conclusão
Procuramos, ao longo do trabalho, elaborar fundamentos que, de alguma
forma, possam contribuir para que a comunidade jurídica trabalhe cada dia mais com
melhores mecanismos de proteção e promoção da pessoa humana, da sua dignidade e
personalidade.
Como visto, o direito passou a ter uma função promocional, tendo a
missão de transformar a sociedade, buscando a realização social, o que levou à mitigação
do caráter absoluto de alguns institutos – para o presente trabalho, contrato e autonomia.
Ao estudarmos o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais
nas relações privadas, defendemos a teoria da eficácia direta e imediata, como ferramenta
da função de prestação na atribuição de proteção do Estado, na classificação de Alexy.
Adotou-se, ainda, sua aplicação mitigada, o que significa que o jurista deverá utilizar a
legislação infraconstitucional para operacionalizar os direitos fundamentais, mas, no caso
de sua omissão ou falha, está autorizado a aplica-los diretamente.
Em seguida, foi analisada a passagem da autonomia da vontade para a
autonomia privada, que, basicamente, significa a passagem da liberdade contratual
absoluta para a liberdade contratual regulada, isto é, a autonomia se faz nos moldes daquilo
permitido pelos princípios constitucionais.
Por fim, chegamos ao estudo específico dos contratos existenciais, onde
se apontou sua contraposição aos contratos de lucro, bem como sua principal característica:
hipossuficiência e/ou vulnerabilidade de uma das partes contratantes em decorrência do
seu interesse extrapatrimonial no objeto prestacional ser mais relevante do que a
patrimonialidade do objeto. Foi constatada a possibilidade de situações jurídicas serem
mais bem caracterizadas pelos interesses extrapatrimoniais (relacionados à dignidade e
personalidade) do que pelos interesses patrimoniais, isto é, situações em que a
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extrapatrimonialidade é o interesse de primeira ordem, relegando ao segundo plano o
aspecto patrimonial.
Aqui, o principal exemplo é o contrato existencial.
Necessário que doutrina e jurisprudência, portanto, voltem os olhos para
essa diferença e construam, paulatinamente, ferramentas normativas distintas para cada
grupo contratual, haja vista ser incoerente e inadequado aos valores de realização social
elencados na Constituição Federal de 1988 que se apliquem os mesmos institutos para
situações tão divergentes: as patrimoniais e as existenciais.
Por fim, defende-se a adoção dos paradigmas do acesso e da proteção,
como meios para que o operador do direito possa realizar uma hermenêutica e aplicação
concreta do direito adequadas aos valores constitucionais de proteção da pessoa humana.
Recebido em 23/07/2015
1º parecer em 27/07/2015
2º parecer em 27/07/2015
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SEÇÃO DE DOUTRINA:
Doutrina Estrangeira
DISCIPLINA DEL CONTRATTO, TUTELA DEL CONTRAENTE DEBOLE
E VALORI COSTITUZIONALI
Disciplina do contrato, tutela do contratante hipossuficiente e valores
constitucionais
Vito Rizzo
Prof. Ordinario di Diritto Civile, Dipartimento di Giurisprudenza,
Università degli Studi di Perugia.
Riassunto: I principi ordinamentali fissati dalla Costituzione, delineando un nuovo assetto
di valori, abbiano avuto la capacità non solo di influenzare il legislatore nell’emanazione di
norme speciali che fossero espressione settoriale di quegli interessi giuridicamente tutelati,
ma anche di determinare una nuova interpretazione dei più classici istituti del diritto dei
contratti che vengono oggi riletti proprio alla luce di quei principi applicabile.
Così, l’attenzione per il c.d. professionista debole non è nuova neanche all’interno
dell’ordinamento italiano che ha preso in considerazione tale contraente nella disciplina di
diverse figure negoziali che, nonostante vedano la luce fra soggetti necessariamente
professionali, lasciano comunque emergere una situazione di debolezza di un contraente
rispetto all’altro.
Tale obiettivo protettivo viene ad essere perseguito proprio attraverso l’applicazione a tali
figure negoziali dei medesimi strumenti di tutela normalmente previsti nelle norme
consumeristiche.
Gli strumenti di tutela predisposi ruotino intorno alla previsione di vincoli di forma scritta
affiancati da oneri attinenti la previsione di un contenuto vincolato del contratto e la
necessaria formulazione delle clausole in maniera chiara e trasparente con evidenti finalità
informative.
Parole chiavi: Contratto; valori costituzionali; tutela del contraente debole; nuova
interpretazione.
Resumo: Os princípios regulamentadores estabelecidos pela Constituição, delineando uma
nova ordem de valores, tiveram a capacidade não só de influenciar o legislador na
elaboração de normas especiais que eram expressão setorial desses interesses juridicamente
tutelados, mas também de determinar uma nova interpretação dos institutos mais clássicos
do direito dos contratos, que passam a ser relidos à luz dos referidos princípios aplicáveis.
Assim, o foco sobre o chamado profissional hipossuficiente não é novo, mesmo dentro do
ordenamento jurídico italiano, que levou em conta que tal contratante na disciplina de
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diferentes figuras negociais que, apesar de analisar uma relação entre sujeitos
necessariamente profissionais, ainda deixam emergir uma posição de vulnerabilidade de
um contratante em relação ao outro. Este objetivo de proteção deve ser perseguido
precisamente através da aplicação a tais figuras negociais dos mesmos instrumentos de
tutela normalmente previstos nas normas consumeristas. Os instrumentos de tutela
predispostos giram em torno da previsão de vínculos de forma escrita acompanhados de
ônus referentes à previsão de um conteúdo vinculado do contrato e à necessária formulação
das cláusulas de forma clara e transparente com evidentes finalidades informativas.
Palavras-chave: Contrato; valores constitucionais; tutela do contratante hipossuficiente;
nova interpretação.
Sommario: 1. Evoluzione del contratto e nuove esigenza di tutela. – 2. Il fondamento
costituzionale delle discipline a tutela dei contraenti deboli. – 3. La forma del contratto nel
codice civile e nelle norme di settore: il neoformalismo. – 4. Segue: La forma nei contratti
di vendita di pacchetti turistici. – 5. La nullità del contratto nel codice civile e nelle norme
di settore: la nullità di protezione. – 6. Conclusioni
1. Evoluzione del contratto e nuove esigenza di tutela
I radicali cambiamenti ai quali si è progressivamente assistito in ambito
economico, hanno portato alla necessità di rapportarsi al contratto in termini molto diversi
rispetto al passato. Il contratto, infatti, appare essere lo strumento giuridico principale
attraverso il quale la moderna economia si esprime e, tutto ciò, pone un necessario
parallelismo evolutivo fra modifiche strutturali del mercato e cambiamenti normativi in
tema di contratto.1
1
G. Vettori, (a cura di), Materiali e commenti sul nuovo diritto dei contratti, Padova, 1999; P. Perlingieri,
Nuovi profili del contratto, in Rass. dir. civ., 2000, p. 545 ss., in Id., Il diritto dei contratti fra persona e
mercato. Problemi di diritto civile, Napoli, 2003, p. 417 ss.; Id., El dercho civil en la legalidad constituzional,
cit., p. 299 ss.; A. Gentili, I principi del diritto contrattuale europeo: verso una nuova nozione di contratto?, in
Riv. dir. priv., 2001, p. 20 ss.; V. Roppo, Contratto di diritto comune, contratto del consumatore, contratto
con asimmetria di potere contrattuale: genesi e sviluppi di un nuovo paradigma, in Il contratto del duemila,
Torino, 2002, p. 23 ss.; Id., Parte generale del contratto, contratti del consumatore e contratti asimmetrici
(con postilla sul «terzo contratto»), in Riv. dir. priv., 2007, p. 669 ss.; P.G. Monateri, Ripensare il contratto:
verso una visione antagonista del contratto, in Riv. dir. civ., 2003, I, p. 409 ss.; V. Rizzo, Recenti itinerari del
contratto e vessatorietà, in Temi e problemi della civilistica contemporanea, Quaderni Rass. dir. civ., Napoli,
2005, p. 37 ss.; F. Criscuolo, Diritto dei contratti e sensibilità dell’interprete, Napoli, 2003, p. 168 ss.; G.P.
Calabrò, Tutela del contraente debole e mercato: la dialettica tra norme e valori, in P. Perlingieri e E. Caterini
(a cura di), Il diritto dei consumi, Napoli, 2005, I, p. 35 ss.; M. Pennasilico, L’interpretazione dei contratti del
consumatore, ivi, p. 148 ss.; F. Galgano, Lex mercatoria, autonomia privata e disciplina del mercato, in M.
Paradiso (a cura di), I mobili confini dell’autonomia privata, Milano, 2005, p. 680 ss.; Id., Prefazione, in V.
Ricciuto e N. Zorzi (a cura di), Il contratto telematico, Tratt. dir. comm. dir. pubbl. ec. diretto da F. Galgano,
XXVII, Padova, 2002, p. XV; N. Lipari, Interpretazione e integrazione del regolamento contrattuale, in Atti
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Nelle relazioni economiche, soprattutto ove ci si focalizzi sui rapporti
negoziali che si realizzano con la distribuzione al pubblico di beni o servizi, spicca con
sempre maggior incidenza la nascita di disequilibri negoziali fondati sulla fatto che i
contraenti che si contrappongono nella singola vicenda contrattuale, posseggono
conoscenze, capacità e forza negoziale completamente distinte. Ad uno “scaltro”
professionista, si contrappone – solitamente – un “ingenuo” consumatore che, proprio in
funzione delle sue peculiari caratteristiche,2 necessita di una disciplina di favore che si
distanzi dalla comune normativa contenuta nel codice civile italiano la quale,
evidentemente, non risulta più del tutto adeguata a disciplinare correttamente i moderni
traffici economici.3
Una disparità di forza negoziale che, indubbiamente, ha prodotto
l’emersione di nuove problematiche che, se da un lato hanno determinato una forte rilettura
degli istituti civilistici relativi al contratto,4 dall’altro ha determinato parimenti l’esigenza
di una riconsiderazione dello stesso concetto di autonomia privata.5 Questa, infatti, non
potrà più essere considerata quale strumento attraverso cui dare piena ed integrale forza
vincolate alla volontà dei contraenti, ma diventa strumento assiologicamente valutabile che
incontrerà giuridica cogenza solo ove realizzi interessi che siano meritevoli di essere
tutelati in un’ottica costituzionale.6 Tale sindacato di meritevolezza, apparentemente
previsto solo in relazione alle figure negoziali atipiche in funzione di una errata
del Convegno «Il diritto delle obbligazioni e dei contratti: verso una riforma?», Treviso 23-25 marzo 2006, in
Riv. dir. civ., 2006, n. 6, p. 235.
2
L. Mezzasoma, Il consumatore e il professionista, in G. Recinto, L. Mezzasoma e S. Cherti (a cura di),
Diritti e tutele dei consumatori, Napoli, 2014, p. 13 ss.
3
G. Alpa, Art. 1, in G. Alpa e L. Rossi Carleo (a cura di), Codice del consumo. Commentario, Napoli, 2005,
p. 26; R. Calvo, I contratti del consumatore, in Tratt. dir. comm. dir. pubbl. ec. diretto da F. Galgano, Padova,
2005, p. 2.
4
V. diffusamente infra.
5
R. Di Raimo, Autonomia privata e dinamiche del consenso, Napoli, 2003, p. 141 ss., il quale si sofferma sui
vari strumenti che sono stati, nel tempo, utilizzati al fine di fornire adeguata tutela al contraente debole.
6
P. Perlingieri, Il diritto civile nella legalità costituzionale secondo il sistema italo-comunitario delle fonti, 3ª
ed., Napoli, 2006, p. 321 s., ove, criticando le ricorrenti ricostruzioni dell’autonomia negoziale quale istituto
fondato sulla volontà delle parti, afferma: «Queste costruzioni si fondano interamente sul dogma
dell’autonomia privata che, tuttavia, non può essere assunto a postulato. Occorre chiedersi invece quali siano
gli aspetti nei quali si manifesta l’autonomia negoziale. Tradizionalmente si risponde che essa si traduce
innanzitutto nella libertà di negoziare, di scegliere il contraente, di determinare il contenuto del contratto o
dell’atto, di scegliere, talvolta, la forma dell’atto stesso. È necessario verificare se tali libertà trovino
riscontro effettivo nella teoria degli atti, per la fisionomia che questa assume in base ai princípi generali
dell’ordinamento. È da tali princípi che si desume la valutazione di meritevolezza dell’autonomia negoziale:
essa, pertanto, non è un valore in sé. Indispensabile si rivela il riesame della nozione alla luce del giudizio di
meritevolezza dei singoli atti posti in essere sí da dedurre se questi, singolarmente considerati, possano essere
regolati, almeno in parte, dall’autonomia negoziale».
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interpretazione dell’art. 1322, comma 2, c.c.,7 è oggi necessario per qualunque
manifestazione di autonomia negoziale non potendosi ammettere che un atto che abbia
forza di legge fra le parti possa essere strumento attraverso cui realizzare interessi che si
pongano in contrasto con l’assetto valoriale del nostro ordinamento. Ciò ha determinato,
peraltro, la necessità di non vedere più nell’autonomia negoziale uno strumento intriso
esclusivamente di interessi patrimoniali ma, al contrario, l’emersione della centralità dei
valori e dei principi non patrimoniali anche all’interno del diritto civile, hanno portato ad
affermare come tutti i processi economici debbano necessariamente essere valutati alla
luce della gerarchia dei valori che domina il nostro ordinamento e fra i quali spicca, in
particolare, proprio quello della piena tutela della persona.8
Il proliferare di norme di settore che hanno inciso sulla nozione stessa di
autonomia negoziale e, come si vedrà diffusamente in seguito, su alcuni degli istituti
classici del diritto dei contratti, non sembra assolutamente esente da tale caratterizzazione.
Le disposizioni a tutela dei contraenti deboli,9 infatti, oltre a trovare piena giustificazione
quali norme volte a disciplinare i rapporti di natura economica fra un professionista ed un
consumatore, trovano anche la loro giustificazione valoriale nell’esigenza di tutelare la
persona-consumatore avverso tutte quelle attività poste in essere dal professionista che
possano ledere situazioni giuridiche costituzionalmente rilevanti dello stesso.10
Si affermerebbe peraltro una verità solo parziale ove si tralasciasse di
evidenziare come tutte tali considerazioni, in passato limitate alla sola contrattazione fra
professionista e consumatore e che trovano in tale ambito il loro terreno di elezione,
7
Sul tema, G. Berti de Marinis, El control sobre el merecimiento de tutela de la causa de los contratos, en
Actualida Juridica Iberoamericana, 2014, I, p. 113 ss.
8
Cfr. P. Perlingieri, Le insidie del nichilismo giuridico. Le ragioni del mercato e le ragioni del diritto, in Id.,
L’ordinamento vigente e i suoi valori, Napoli, 2006, p. 233 (già in Rass. dir. civ., 2005, p. 1 ss.): «La realtà
non è riconducibile agli aspetti economici. Le ragioni del mercato sono espressioni di una realtà ben piú
complessa, caratterizzata anche da spinte di natura diversa ispirate da ragioni che sono non soltanto
mercantili, ma anche etiche e/o religiose, umanitarie e solidali e che si propongono persino come contestative
delle mere ragioni del mercato»
9
In generale, sul punto, G. Villanacci, Manuale di diritto dei consumi, Napoli, 2007, p. 12; E. Minervini,
Codice del consumo, in Dig. disc. priv., Sez. civ., Agg., III, 1, 2007, p. 183 s.; G. Villanacci, Il diritto dei
consumi e le istanze di tutela del contraente debole nel codice del consumo e nel T.U.I.F., in Id. (a cura di),
Consumo e consumismo fenomeno sociale e istanze di tutela, Napoli, 2009, p. 81 ss.; G. Alpa, G. Conte e L.
Rossi Carleo, La costruzione del diritto dei consumi, in G. Alpa (a cura di), I diritti dei consumatori, I, in
Tratt. dir. priv. Un. eur., III, diretto da G. Ajani e G.A. Benacchio, Torino, 2009, p. 2 ss.; G. Alpa, Il diritto
dei consumi: un laboratorio per i giuristi, in G. Alpa, G. Conte, V. Di Gregorio, A. Fusaro e U. Perfetti (a
cura di), Il diritto dei consumi. Aspetti e problemi, Napoli, 2010, p. 11 ss.; L. Mezzasoma, La protecciόn del
consumidor y del usuario en el ordinamiento italiano (la nociόn de consumidor y usuario), in Práctica
Derecho de daños, La Ley, num. 116/2013, p. 8 ss.
10
L. Mezzasoma, Consumatore e costituzione, in Rass. dir. civ., 2015, p. 313 ss.; Id., Consumidor y
Constitución, in Aa. Vv., Homenaje al Prof. Guillelmo Figallo Adrianzén, Lima, in corso di pubblicazione.
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espandono la loro validità anche a quelle contrattazioni fra professionisti che risultano
caratterizzate dai medesimi disequilibri che sono presenti nelle contrattazioni di natura
consumeristica.11
Proprio
l’emersione
di
tali
nuove
problematiche
anche
nella
contrattazione fra imprese, ha indotto una parte della dottrina a coniare, addirittura, la
definizione di “terzo contratto” che, contrapponendosi al “primo” contratto disciplinato dal
codice civile ed al “secondo” contratto disciplinato dalle disposizioni a tutela del
consumatore, raggrupperebbe una disciplina specifica per le contrattazioni disequilibrate
fra professionisti.12
Di là dalle specifiche problematiche connesse a tali profili, appare
evidente la necessità di inquadrare l’evoluzione dei singoli istituti attinenti il contratto
proprio all’interno di tale contesto generale fatto da un lato di profonde modifiche
economiche e di altrettanto incisivi interventi normativi frutto del tentativo di fronteggiare
le nuove esigenze poste dalla realtà sociale e, dall’altro, di valori costituzionali ormai
radicati che ne giustificano l’applicazione e ne condizionano l’interpretazione.
2. Il fondamento costituzionale delle discipline a tutela dei contraenti deboli
Questa particolare incisività dei valori costituzionali all’interno della
disciplina legale dei contratti è evidente, in particolare, nelle normative di settore a tutela
dei consumatori che trova la sua disposizione di riferimento nel c.d. Codice del consumo
G. Amadio, Nullità anomale e conformazione del contratto (note minime in tema di “abuso dell’autonomia
contrattuale”), in Riv. dir. priv., 2005, p. 289 ss., per il quale «l’identificazione del contraente debole con
riguardo esclusivo alla dimensione (e legislazione) consumeristica è definitivamente superata, e accanto ad
essa si è fatta strada l’immagine del professionista debole, protagonista di una contrattazione “terza” per così
dire rispetto alle prime due: nella quale, l’asimmetria di potere contrattuale assume connotazioni così
peculiari, da richiedere con ogni probabilità un approccio protettivo differenziato».
12
R. Pardolesi, Prefazione, in G. Colangelo, L’abuso di dipendenza economica tra disciplina della
concorrenza e diritto dei contratti. Un’analisi economica e comparata, Torino, 2004, p. XII s.; G. Gitti,
Prefazione, in Id. (a cura di), Autonomia privata e le autorità indipendenti. Metamorfosi del contratto,
Bologna, 2006, p. 12; A. Gianola, Autonomia privata e “terzo contratto”, in P. Rescigno (a cura di),
Autonomia privata individuale e collettiva, Napoli, 2006, p. 131 ss.; V. Roppo, Parte generale del contratto,
contratti del consumatore e contratti asimmetrici (con postilla sul “terzo contratto”), in Riv. dir. priv., 2007,
p. 697; G. Gitti e G. Villa, Introduzione, in Idd. (a cura di), Il terzo contratto, Bologna, 2008, p. 7; E.
Navarretta, Luci ed ombre nell’immagine del terzo contratto, in G. Gitti e G. Villa (a cura di), Il terzo
contratto, cit., p. 317 s.; C. Camardi, Tecniche di controllo dell’autonomia contrattuale nella prospettiva del
diritto europeo, in Eur. dir. priv., 2008, p. 847; F. Bocchini e E. Quadri, Diritto privato, 3ª ed., Torino, 2008,
p. 624; F. Macario, Dai «contratti delle imprese» al «terzo contratto»: nuove discipline e rielaborazione delle
categorie, in Jus, 2009, p. 311 ss.; E. Minervini, Il «terzo contratto», in Contratti, 2009, p. 493 ss.; R. Franco,
Il terzo contratto: da ipotesi di studio a formula problematica. Profili ermeneutici e prospettive assiologiche,
Padova, 2010, passim; M. Tamponi, Liberalizzazioni, “terzo contratto” e tecnica legislativa, in Contr. impr.,
2013, p. 91 ss.
11
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99
(d.lg. 6 settembre 2005, n. 206). È proprio all’interno di tale testo normativo –
continuamente oggetto di modifiche e novelle –,13 che si individuano le principali
disposizioni a tutela del consumatore che viene definito quale “persona fisica che agisce
per scopi estranei all’attività imprenditoriale, commerciale, artigianale o professionale
eventualmente svolta”.14
La rilevanza sotto un profilo costituzionale della posizione del
consumatore – e del contraente debole in generale – emerge, seppur sotto certi profili in
maniera impropria, già dai primi articoli del codice del consumo che, all’art. 2 c. cons.,
enuncia i diritti fondamentali dei consumatori.15 La disposizione menzionata è stata
oggetto di attenzione da parte della dottrina che, pur apprezzando l’elencazione di diritti
riferibili al consumatore, ne ha però evidenziato l’imprecisa formulazione.16
All’interno di tale disposizione vengono infatti individuati quali diritti
fondamentali del consumatore situazioni giuridiche che già all’interno della Carta
13
Tali continui adattamenti e modifiche sono il chiaro indice di come il legislatore senta il bisogno di
adattare la normativa consumeristica alle sempre mutevoli esigenze di tutela che il mercato genera. In
particolare, per quanto riguarda le modifiche più recenti, si veda il d.lg. 2 agosto 2007, n. 146, con il quale è
stata modificata la disciplina delle pratiche commerciali delle pubblicità e delle altre comunicazioni; il d.lg.
23 ottobre 2007, n. 221, con il quale è stata inserita un’apposita disciplina per la commercializzazione a
distanza di servizi finanziari ai consumatori; la l. 24 dicembre 2007, n. 224, come modificata poi dalla l. 23
luglio 2009, n. 99, con la quale viene modificata la disciplina dell’azione collettiva introducendo la c.d.
azione di classe; il d.lg. 13 agosto 2010, n. 141 con il quale è stata modificata la disciplina del credito al
consumo; il d.lg. 25 maggio 2011, n. 79 con il quale sono state modificate le normative riguardanti i contratti
di multiproprietà e di vendita di pacchetti turistici (oggi contenuti nel codice del turismo, il d.l. 24 gennaio
2012, n. 1, con il quale è stato introdotto l’art. 37 bis cod. cons. relativo alla tutela amministrativa contro le
clausole vessatorie e, da ultimo, il d.lg. 21 febbraio 2014, n. 21 che modifica la disciplina relativa ai contratti
a distanza ed ai contratti negoziati fuori dai locali commerciali.
14
Sulla problematica dell’individuazione della nozione di consumatore v. già E. Minervini, Tutela del
consumatore e clausole vessatorie, Napoli, 2001, p. 42 ss. e, piú recentemente, F. Mazzasette, La nozione di
consumatore: una questione ancora aperta, in G. Cavazzoni, L. Di Nella, L. Mezzasoma, e V. Rizzo, (a cura
di), Il diritto dei consumi: realtà e prospettive, Napoli, 2008, p. 83 ss.; L. Mezzasoma, La protecciόn del
consumidor y del usuario en el ordinamiento italiano (la nociόn de consumidor y usuario), in Práctica
Derecho de daños, La Ley, num. 116/2013, settembre-ottobre 2013, p. 8 ss. e, da ult., Id., Il consumatore e il
professionista, cit., p. 13 ss.
15
G. Alpa, I diritti dei consumatori e il «Codice del consumo» nell’esperienza italiana, in Contr. impr./Eur.,
2006, p. 18 ss.; G. Vettori, Art. 2, in Codice del consumo annotato con la dottrina e la giurisprudenza, a cura
di E. Capobianco e G. Perlingieri, Napoli, 2009, p. 11; G. Chinè, Art. 2, in Codice del consumo, a cura di V.
Cuffaro, 3ª ed., Milano, 2012, p. 13 s. Tale disposizione rappresenta la trasposizione all’interno del codice
del consumo dell’art. 1 della l. 30 luglio 1998, n. 281 che aveva introdotto per la prima volta l’elencazione di
situazioni giuridiche garantite al contraente debole. Sul punto, v., R. Colagrande, Disciplina dei diritti dei
consumatori e degli utenti, in Nuove leggi civ. comm., 1998, p. 700 ss.; E. Minervini, I contratti dei
consumatori e la legge 30 luglio 1998, n. 281, in Contratti, 1999, p. 938 ss.; G. Alpa, Art. 1, in G. Alpa e V.
Levi (a cura di), I diritti dei consumatori e degli utenti, Milano, 2001, p. 4 ss.; Id., La codificazione del diritto
dei consumatori. Aspetti di diritto comparato, in Nuova giur. civ. comm., 2009, p. 244; S. Benucci, La
disciplina dei diritti dei consumatori e degli utenti, in G. Vettori (a cura di), Squilibrio e usura nei contratti,
Padova, 2002, p. 162 ss.; V. Cuffaro, La tutela dei diritti, in N. Lipari (a cura di), Trattato di diritto privato
europeo, IV, Padova, 2003, p. 701.
16
Per qualche riferimento sul punto, v. G. Berti de Marinis, Disciplina del mercato e tutela dell’utente nei
servizi pubblici economici, Napoli, 2015, p. 226 ss.
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costituzionale vengono riconosciute e garantite a qualunque individuo.17 Un esempio su
tutti è quello del diritto alla salute che, enunciato dall’art. 2 c. cons., è espressamente
riconosciuto dall’art. 32 cost. quale diritto fondamentale dell’individuo. Proprio per tale
ragione l’art. 2 c. cons. è stato criticato per la sua ridondanza e, sotto certi aspetti, per la
sua superfluità.18 Non va infatti dimenticato che il Codice del consumo è una norma
ordinaria che, in quanto tale, non può stabilire “Diritti fondamentali”;19 contestualmente va
ribadita la portata immediatamente precettiva delle norme costituzionali che, in quanto tali,
trovano diretta applicazione anche nei rapporti interprivatistici a prescindere dalla presenza
di disposizioni ordinarie che ne siano specifica attuazione.20
Tutto ciò lascia emergere come nonostante la completa assenza
all’interno della Costituzione italiana di qualunque esplicito riferimento alla tutela del
consumatore,21 la sua rilevanza possa ricavarsi – come si avrà modo di specificare a breve
– in via interpretativa delle disposizioni costituzionali vigenti. Va infatti specificato che il
contraente debole assume rilievo costituzionale sotto un duplice profilo: da un lato, infatti,
il consumatore è una persona e, dall’altro, è un operatore economico. Tale duplice veste
rende applicabile allo stesso tanto le disposizioni costituzionali che tutelano la persona in
quanto tale, come pure quelle che regolano i rapporti economici.22
Il fatto che il consumatore sia, in primo luogo, una persona comporta che
lo stesso godrà di tutte le tutele costituzionali che risultano espressione del principio
personalista.23 Tale valore fondamentale è il fulcro dell’intero sistema costituzionale
Sul punto, v. G. Alpa, La codificazione del diritto dei consumatori. Aspetti di diritto comparato, cit., p.
241.
18
Per tali osservazioni v. P. Perlingieri, Il diritto civile nella legalità costituzionale secondo il sistema italocomunitario delle fonti, cit., p. 513 s.
19
G. Alpa, Art. 2, in Codice del consumo. Commentario, a cura di G. Alpa e L. Rossi Carleo, cit., p. 31; D.
Memmo, Art. 2, in Codice ipertestuale del consumo, a cura di M. Franzoni, Torino, 2008, p. 11; G. Chinè,
Art. 2, in Codice del consumo, a cura di V. Cuffaro, cit., p. 12 s.
20
Sulla necessità di assicurare immediata efficacia diretta e precettiva alle disposizioni costituzionali v. già S.
Pugliatti, La retribuzione sufficiente e le norme della costituzione, in Riv. giur. lav., 1949/50, I, p. 189. Tale
prospettiva è ulteriormente sviluppata da P. Perlingieri, Salvatore Pugliatti ed il «principio della massima
attuazione della Costituzione», in Rass. dir. civ., 1996, p. 807 ss.; in Id., L’ordinamento vigente e i suoi
valori, Napoli, 2006, p. 295 ss. e in Id., Interpretazione e legalità costituzionale. Antologia per una didattica
progredita, Napoli, 2012, p. 405 ss.
21
Su tale profilo, L. Mezzasoma, La protección del contratante débil en la legislación italiana, en Rev. Jur.
de Daños, 2012, 2, p. 1 ss.
22
L. Mezzasoma, Consumatore e costituzione, cit., p. 314.
23
In questo senso, M. Pennasilico, Metodo e valori nell’interpretazione dei contratti. Per un’ermeneutica
contrattuale rinnovata, Napoli, 2011, p. 265 il quale ammette espressamente la necessità di riconoscere alla
«“persona – consumatore” il primato del quale la persona tout court già gode sul piano dei valori e dei
princípi che informano il vigente ordinamento italo – comunitario».
17
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101
italiano e, trovando la sua concreta espressione nell’art. 2 cost., che enuncia l’esigenza di
tutelare l’essere umano in qualunque esternazione della sua personalità.24
Le discipline di settore che si occupano di contraente debole, quindi, oltre
a trovare la loro giustificazione costituzionale nella necessità di provvedere alle peculiari
esigenze che si rinvengono nella persona-consumatore, trovano un ulteriore e connesso
appiglio costituzionale nella necessità di veder rispettato il principio di uguaglianza
sostanziale previsto dall’art. 3, comma 2, cost. Tale disposizione impone infatti alla
Repubblica di “rimuovere gli ostacoli di ordine economico e sociale, che, limitando di fatto
la libertà e l’uguaglianza dei cittadini, impediscono il pieno sviluppo della persona
umana”.25
Il principio di uguaglianza, infatti, non si limita a richiedere un
trattamento non discriminatorio degli individui ma impone allo Stato di intervenire
affinché vengano rimosse quelle situazioni di disequilibrio che caratterizzano determinati
soggetti rispetto ad altri. Inteso in tale ultimo senso, è chiara la connessione fra art. 3,
comma 2, cost. e le discipline a tutela del contraente debole. Il consumatore è, infatti, un
soggetto che si trova in una situazione di genetica debolezza rispetto alla propria
controparte contrattuale e, tutto ciò, può qualificarsi quale uno di quegli “ostacoli di natura
economica e sociale” che “impediscono il pieno sviluppo della persona umana”. La
posizione di forza nella quale viene a trovarsi il professionista potrebbe infatti portare
quest’ultimo ad abusare della stessa determinando la necessità di interventi mirati che
abbiano la funzione di riequilibrare i rapporti di forza fra le parti imponendo al solo
professionista l’adempimento di ampi e dettagliati oneri in favore del consumatore.26
Ma come anticipato, la figura del contraente debole – oltre che quale
persona da tutelare –, assume specifico rilievo costituzionale anche quale operatore del
mercato. Inteso in tal senso, il consumatore è qualificabile quale ultimo anello della catena
distributiva di prodotti e di servizi o, visto in altro modo, dovrebbe essere inteso come il
soggetto che è in grado di condizionare l’andamento del mercato attraverso le proprie
scelte di consumo. Perché ciò possa avvenire in modo virtuoso, è però necessario che
24
Sul personalismo quale valore fondante il nostro sistema ordinamentale v. già P. Perlingieri, La personalità
umana nell’ordinamento giuridico, Napoli, 1972, pp. 13 s. e 163 ss. e Id., Il diritto civile nella legalità
costituzionale secondo il sistema italo-comunitario delle fonti, cit., p. 434.
25
Sull’art. 3 Cost. e sul principio di eguaglianza formale e sostanziale v. P. Perlingieri, o.u.c., p. 448 ss. ove
si afferma la necessità di interpretare i due commi dell’art. 3 unitariamente, in funzione della realizzazione
dell’«eguaglianza nella giustizia sociale»
26
L. Mezzasoma, Consumatore e Costituzione, cit., p. 320.
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venga salvaguardata l’effettività e la genuinità delle scelte contrattuali del contraente
debole in modo da porre le basi per una adeguata disciplina del mercato. Il fatto di tutelare
il consumatore in maniera tale da garantirgli la possibilità di effettuare scelte consapevoli,
oltre a garantire una adeguata protezione alla persona-consumatore, determina la
possibilità di ottenere anche – pur se in maniera mediata – una piena tutela del mercato. Le
scelte del consumatore, ove siano pienamente ponderate, permetterebbero a tale soggetto di
premiare i professionisti più virtuosi e di sanzionare quelli che, al contrario, non
garantiscono la fornitura di beni e l’erogazione di servizi di qualità.
Non è un caso che la gran parte delle discipline a tutela del contraente
debole ruotino intorno all’esigenza di garantire al consumatore che venga rispettato il
principio di trasparenza sia nella fase informativa che in quella contrattuale proprio al fine
di permettere al contraente di prefigurarsi in maniera corretta il contenuto normativo ed
economico del contratto che va a stipulare con il professionista.27
Il tutto si pone chiaramente in linea con le più moderne concezioni del
mercato.28 Questo, infatti, nonostante trovi un riconoscimento costituzionale all’art. 41
cost. che sancisce la piena libertà di iniziativa economica, va però sempre inquadrato nella
gerarchia dei valori interna alla stessa Carta costituzionale che subordina il profilo dell’
“avere” a quello dell’ “essere”.29
Il mercato, in tale quadro culturale, diventa uno degli strumenti attraverso
i quali un singolo individuo può realizzare la propria personalità assumendo carattere
servente rispetto al principio personalista.30 I valori che regolano l’iniziativa economica
privata non sono, quindi, solo economici ma risultano essere in primo luogo esistenziali.31
Prova di ciò, è rintracciabile nello stesso dettato costituzionale che, se da un lato garantisce
Sull’incidenza del principio di trasparenza nello specifico contesto della tutela del contraente debole, V.
Rizzo, Trasparenza e «contratti del consumatore (la novella al codice civile), Napoli, 1997, p. 16 ss.
28
Secondo P. Perlingieri, La tutela del consumatore tra normative di settore e codice del consumo, in G.
Cavazzoni, L. Di Nella, L. Mezzasoma e V. Rizzo (a cura di), Il diritto dei consumi: realtà e prospettive, cit.,
p. 19, infatti, «è bene da un lato riconoscere al mercato, cioè alla produzione e al consumo, una effettiva
centralità nel sistema – cessando l’attività d’impresa, cesserebbe anche la produzione –, dall’altro ribadire
che tutto ciò che in tale contesto attiene ad un momento economico (…) ha comunque una propria ratio di
natura personalista ed esistenziale da privilegiare rispetto alle rationes speculative delle operazioni
finanziarie».
29
P. Perlingieri, Il diritto civile nella legalità costituzionale secondo il sistema italo-comunitario delle fonti,
cit., p. 165 ss.
30
Per una configurazione del mercato quale statuto normativo v. P. Perlingieri, o.u.c., p. 477 ss.
Analogamente, F. Criscuolo, Autonomia negoziale e autonomia contrattuale, in Trattato di diritto civile del
Consiglio nazionale del notariato diretto da P. Perlingieri, IV, 1, Napoli, 2008, p. 21.
31
Su tali profili, v. P. Perlingieri, Mercato, solidarietà e diritti umani, in Rass. dir. civ., 1995, p. 91 ss.; Id.,
Conclusioni, in A. Bellelli, L. Mezzasoma e F. Rizzo (a cura di), Le clausole vessatorie a vent’anni dalla
direttiva CEE 93/13, Napoli, 2013, p. 175 s.
27
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la libertà di iniziativa economica, dall’altro la sottopone al limite espresso dell’utilità
sociale in modo da rendere evidente la collocazione servente delle attività economiche
rispetto al pieno ed integrale sviluppo della personalità dei singoli individui.32
Tali considerazioni, come anticipato all’inizio, non possono che avere
una forte incidenza proprio sul piano della corretta disciplina dell’autonomia negoziale
che, da sempre intesa quale fondamento della libertà di iniziativa economica privata, segue
questa evoluzione perdendo i caratteri di intangibilità che la caratterizzavano risultando
profondamente influenzata dai valori non patrimoniali che assumono una collocazione
assiologica sicuramente più elevata rispetto a quelli patrimoniali.33
Proprio l’influenza di tali principi e valori, oltre a giustificare penetranti
interventi settoriali a tutela del contraente debole, ha determinato un profondo
ripensamento di istituti classici del diritto dei contratti che vengono reinterpretati al fine di
adattare la disciplina contrattuale al mutato assetto di valori e di interessi determinato dalla
nuova realtà economico-sociale.34
3. La forma del contratto nel codice civile e nelle norme di settore: il neoformalismo
Uno degli istituti che maggiormente ha risentito della suddetta
evoluzione, è proprio quello della forma del contratto.35 Tale vincolo, infatti, nonostante
chiaramente conosciuto e disciplinato dal codice civile, ha subito una profonda rilettura
che può essere compresa solo alla luce dell’evoluzione generale che ha riguardato il
contratto e la stessa autonomia negoziale.36
Il codice civile italiano del ’42, come noto, disciplina la forma del
contratto qualificandola all’art. 1325, n. 4, c.c. quale uno degli elementi essenziali dello
stesso. Dal tenore della suddetta norma, quindi, si desume che la carenza dell’elemento
32
Cfr., P. Perlingieri e M. Marinaro, Art. 41, in P. Perlingieri, Commento alla Costituzione italiana, 2ª ed.,
Napoli, 2001, p. 284 ss.
33
Cosí P. Perlingieri, o.u.c., p. 319 ss. In prospettiva analoga F. Criscuolo, Autonomia negoziale e autonomia
contrattuale, cit., p. 186 ss. e M. Pennasilico, Metodo e valori nell’interpretazione dei contratti, cit., p. 153
ss.
34
Sulla necessità di subordinare i valori economici a quelli che tutelano la persona in quanto tale, P.
Perlingieri, La tutela del consumatore tra liberismo e solidarismo, in Riv. giur. Molise e Sannio, 1995, p. 97;
Id., Il diritto privato europeo tra riduzionismo economico e dignità della persona, in Eur. dir. priv., 2010, p.
345 ss.
35
La forma del contratto è sempre stata caratterizzata da una evoluzione strumentale ad adattarla alle
mutevoli esigenze del caso concreto. In questo senso, v. A.M. Siniscalchi, Solemnitates e probationes all’alba
della prima codificazione italiana, in Riv. dir. civ., 2005, I, p. 378 ss.
36
Per qualche riferimento, G. Berti de Marinis, La forma del contratto nel sistema di tutela del contraente
debole, Napoli, 2013, p. 9 ss.
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formale – come pure l’assenza dell’accordo, dell’oggetto e della causa del contratto –,
determini la nullità del contratto.37
Tuttavia – specifica l’art. 1325, n. 4, c.c. – che la forma è elemento
essenziale del contratto solo quando la stessa è prevista sotto pena di nullità così
esprimendo quello che nella dottrina classica è stato universalmente definito come
principio di libertà delle forme negoziali. Il senso della norma, cioè, sarebbe quello
secondo cui solo ove vi sia una espressa statuizione che imponga il vincolo di forma
scritta,38 ricorrerà una delle ipotesi di forma vincolata mentre, ove la legge taccia sul punto,
la scelta circa lo strumento attraverso cui effettuare la relativa manifestazione della volontà
doveva essere lasciato alla libertà dei contraenti.39 Proprio in tal senso, il principio della
libertà di forma veniva ad essere ricondotto nell’alveo dell’autonomia negoziale intesa
come potere assoluto dei contraenti non solo di scegliere se contrattare, con chi concludere
il contratto, quale contenuto dare allo stesso ma, in aggiunta ciò, quale forma dare al
singolo atto di autonomia negoziale.40
Andando ad individuare, sempre rimanendo all’interno del tessuto
codicistico, le norme che impongono vincoli di forma, si deve fare riferimento all’art. 1350
c.c. il quale, effettua una lunga elencazione – sebbene non esaustiva – degli “atti che
devono farsi per iscritto”. Senza dilungarsi eccessivamente sulla disposizione, giova qui
segnalare come oggetto dell’elencazione siano tutti quei contratti che hanno ad oggetto il
trasferimento, la costituzione o l’estinzione di diritti reali su beni immobili, nonché alcuni
atti – quali, ad esempio, la locazione ultranovenale – che, nonostante determini il sorgere
di un diritto di godimento e non di un diritto reale, limita a tal punto il godimento del
proprietario del bene locato che viene anch’essa sottoposta al necessario vincolo formale.41
37
U. Breccia, La forma, in Trattato del contratto a cura di V. Roppo, I, Milano, 2006, p. 498.
Sul fatto che sia esclusivo onere del legislatore individuare ipotesi di forma scritta ad substantiam e sulla
contestuale marginalizzazione del ruolo dell’interprete sul punto, v. V. Roppo, Il contratto, in Tratt. dir. priv.
Iudica e Zatti, 2ª ed., Milano, 2011, p. 236.
39
Così la dottrina tradizionale: G. Stolfi, Teoria del negozio giuridico, Padova, 1961, p. 162; G. Osti,
Contratto, in Noviss. Dig. it., IV, Torino, 1957, p. 509; A. De Cupis, Sul contestato principio di libertà delle
forme, in Riv. dir. civ., 1986, II, p. 204; G. Cian, Forma solenne ed interpretazione del negozio, Padova,
1969, p. 16; C.M. Bianca, Diritto civile, III, Milano, 2000, p. 273.
40
A. Genovese, Le forme volontarie nella teoria dei contratti, Padova, 1949, p. 17; G. Stolfi, Teoria del
negozio giuridico, Padova, 1961, p. 181; A. Liserre, Formalismo negoziale e testamento, Milano, 1966, p. 31;
M. Giorgianni, Forma degli atti (dir. priv.), in Enc. dir., XVII, Milano, 1968, p. 1004
41
Su tali profili, diffusamente, L. Bigliazzi Geri, U. Breccia, F.D. Busnelli e U. Natoli, Diritto civile, Torino,
1986, p. 629; A. Liserre, Forma, in Il contratto in generale, XIII, in Tratt. dir. priv. Bessone, Torino, 1999, p.
402; A. Barenghi, art. 1350, in Codice civile, diretto da P. Rescigno, I, 7ª ed., Milano, 2008, p. 2474 ss.; R.
Favale, art. 1350, in Codice civile annotato con la dottrina e la giurisprudenza, a cura di G. Perlingieri, 3ª ed.,
Napoli, 2010, p. 590 ss.; S. Pagliantini, art. 1350, in Dei contratti in generale, II, a cura di E. Navarretta e A.
38
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Solo in tali casi, quindi, il legislatore ha inteso sanzionare l’informalità del negozio con la
nullità dello stesso.42
Chiara appare la ratio che domina le disposizioni formali nel codice
civile: la forma viene intesa quale strumento volto a presidiare tutti quei rapporti
economici che, ponendoci nell’ottica del legislatore del 1942, attenevano i beni di maggior
rilevanza economico-produttiva. Calandoci per un momento nella struttura economica del
1942, infatti, appare evidente come la proprietà su beni immobili, la conservazione della
stessa, lo sfruttamento della rendita connesso al diritto di proprietà costituissero gli
elementi centrali dei rapporti economici dell’epoca. Di qui, il presidio formale sugli atti
che hanno il potere di incidere su tali rapporti.43 Un vincolo di forma che, dunque, aveva
l’equidistante funzione di conferire certezza ai traffici commerciali che l’ordinamento
riteneva di maggior rilievo.
L’evoluzione subita dal mercato, ha invece reso evidente come oggi
questo si esplichi, sotto un profilo sia qualitativo che quantitativo, attraverso atti
completamente distinti dalle transazioni immobiliari. Rapporti di natura finanziaria,
bancaria, consumeristica, assicurativa e, in generale, gli atti aventi ad oggetto la
prestazione di determinati servizi, rappresentano il fulcro intorno al quale ruotano oggi la
grande maggioranza degli scambi commerciali e, per l’effetto, la più rilevante
movimentazione di denaro.
Non è un caso che, attualmente, proprio all’interno di tali settori si sia
riscontrato un massiccio proliferare di norme di settore statuenti vincoli di forma che sono
stati qualificati, in maniera estremamente incisiva, come vincoli neoformali.44
Orestano, in Comm. cod. civ. Utet, Torino, 2011, p. 5 ss.; F. Addis, art. 1350, in Codice civile commentato, a
cura di G. Bonilini, M. Confortini e G. Granelli, 4ª ed., Torino, 2012, p. 3027 ss.
42
G. B. Ferri, Forma ed autonomia negoziale, in Quadrimestre, 1987, p. 322, il quale afferma: «che il
principio della libertà della forma sia vigente nel nostro sistema, mi sembra non possa essere messo in
dubbio. Innanzitutto perché tale principio rappresenta un momento fisiologico dell’autonomia privata. In
sostanza all’idea di autonomia privata è connaturata quella della libertà di scegliere la forma, attraverso cui
esplicitare le manifestazioni di tale autonomia». Lo stesso A. prosegue commentando l’art. 1325, n. 4, c.c.:
«il sistema generale in cui tale norma necessariamente s’inserisce è (e non può non essere che) quello in cui,
quando non sia prevista legalmente una certa forma, ad integrare il requisito formale (indispensabile perché
la regola negoziale possa, in qualche modo, manifestarsi ed essere, dunque, oggettivamente percepibile) sia
quella forma che l’autore o gli autori del negozio avranno scelto. Se cosí non fosse la specificazione
contenuta nello stesso n. 4 dell’art. 1325 cod. civ. non avrebbe alcun senso. E, tutto questo, altro non è che il
principio di libertà della forma, cui, come s’è detto, allude però, espressamente, l’art. 1352 cod. civ.».
43
Immediata è la connessione con le esigenze di trascrizione degli atti sottoposti ai suddetti vincoli formali.
44
G. Chinè, Il diritto comunitario dei contratti, in A. Tizzano (a cura di), Il diritto privato dell’Unione
europea, I, in Tratt. dir. priv. Bessone, XXVI, Torino, 2006, p. 796; E. Morelato, Nuovi requisiti di forma nel
contratto, Padova, 2006, p. 1; U. Salvestroni, Spunti sul vecchio e nuovo formalismo, in Aa. Vv., Studi in
onore di Giorgio Cian, II, Padova, 2010, p. 2255 ss.; E. Fazio, Dalla forma alle forme. Struttura e funzione
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La qualificazione degli stessi quali vincoli “neoformali” coglie in
maniera estremamente incisiva le peculiarità che caratterizzano tali nuovi limiti
all’autonomia negoziale i quali, con sempre maggior decisione, presentano delle
caratteristiche in parte distinte rispetto a quelle che comunemente venivano riscontrate nei
vincoli di forma previsti dal codice civile.45 Tale irrigidimento formalista che sembra
ormai caratterizzare il nostro ordinamento,46 si giustifica proprio per le nuove funzioni
assolte dal tali vincoli neoformali.47
Questa nuova tendenza, sicuramente non riconducibile esclusivamente a
normative comunitarie,48 trova però principalmente espressione quale recepimento nel
nostro ordinamento di disposizioni provenienti dall’Unione europea che, proprio al fine di
del neoformalismo negoziale, Milano, 2011, p. 63 ss.; R. De Rosa, L’analisi funzionale della forma, Milano,
2011, p. 99 ss.; F. Addis, «Neoformalismo» e tutela dell’imprenditore debole, in M. Pennasilico (a cura di),
Scritti in onore di Lelio Barbiera, Napoli, 2012, p. 25 ss.
45
Riferimenti sul punto in N. Irti, Idola libertatis, Tre esercizi sul formalismo, Milano, 1985, p. 28 ss.; Id.,
Studi sul formalismo negoziale, Padova, 1997, p. 79 ss. Per qualche considerazione generale sulla rinnovata
tendenza al formalismo, si veda anche G. Alpa, La rinascita del formalismo. Aspetti di diritto contrattuale, in
Riv. dir. civ., 1984, I, p. 461 ss.
46
Un sostanziale irrigidimento formalista è stato notato diffusamente da parte della dottrina, Cfr., Tale
irrigidimento formalista è stato notato, fra gli altri, da V. Rizzo, Contratti del consumatore e diritto comune
dei contratti, in R. Favale e B. Marucci (a cura di), Studi in onore di Vincenzo Ernesto Cantelmo, Napoli,
2003, p. 620 ss.; A. Jannarelli, La disciplina dell’atto e dell’attività: i contratti fra imprese e fra imprese e
consumatori, in Trattato di diritto privato europeo a cura di N. Lipari, III, Padova, 2003, p. 48 ss.; G. Marino,
La forma del contratto fra codice civile e normativa comunitaria (seconda parte), in Dir. form., 2003, p. 1775;
S. Pagliantini, La forma del contratto, appunti per una voce, in Studi senesi, CXVI, 2004, p. 116; F. Di
Giovanni, La forma, in E. Gabrielli (a cura di), I contratti in generale, II, in Trattato dei contratti diretto da P.
Rescigno e E. Gabrielli, Torino, 2006, p. 767 ss.; U. Breccia, La forma, in Trattato del contratto a cura di V.
Roppo, I, Milano, 2006, p. 535 ss.; F. Venosta, Profili del neoformalismo negoziale: requisiti formali diversi
dalla semplice scrittura, in Obbl. contr., 2008, p. 872 ss.; L. Modica, Vincoli di forma e disciplina del
contratto. Dal negozio solenne al nuovo formalismo, Milano, 2008, p. 119 ss.; F. Criscuolo, Autonomia
negoziale e autonomia contrattuale, in Tratt. dir. civ. CNN diretto da P. Perlingieri, Napoli, 2008, p. 221 ss. e
spec. p. 231 ss.
47
La dottrina ha notato un’evidente evoluzione del vincolo di forma soprattutto in merito alle funzioni che lo
stesso sembra ormai essere orientato a realizzare: P. Perlingieri, La forma legale del licenziamento
individuale come «garanzia», in Rass. dir. civ., 1986, p. 1069 ss.; V. Rizzo, Le «clausole abusive»
nell’esperienza tedesca, francese, italiana e nella prospettiva comunitaria, Napoli, 1994, p. 538; R.
Amagliani, Profili della forma nella nuova legislazione sui contratti, Napoli, 1999, p. 74 ss.; D. Valentino,
Obblighi di informazione, contenuto e forma negoziale, Napoli, 1999, p. 243 ss.; T. Febbrajo,
L’informazione ingannevole nei contratti del consumatore, Napoli, 2006, p. 65 ss.; S. Polidori, Riflessioni in
tema di forma dell’appalto privato, in Rass. dir. civ., 2007, p. 702 ss.; S. Landini, Formalità e procedimento
contrattuale, Milano, 2008, p. 113 ss.; S. Pagliantini, La forma nei principi acquis del diritto comunitario dei
contratti: textform, forme di protezione e struttura del contratto, in G. De Cristofaro (a cura di), I «princìpi»
del diritto comunitario dei contratti, Torino, 2009, p. 108 ss.; L. Modica, Formalismo negoziale e nullità: le
aperture delle Corti di merito, in Contr. impr., 2011, p. 16 ss.
48
Si veda, ad esempio l’evoluzione che ha subito, per esigenze evidentemente protettive, il contratto di
locazione. In merito v. M. Benincasa, Formalismo e contratto di locazione, Milano, 2004, p. 122 ss.; M.
Falabella, Locazione abitativa conclusa verbalmente e nullità dedotta dal locatore, in Giur. merito, 2009, p.
653 ss.; A. Piras, Locazione di immobili adibiti ad uso abitativo stipulata verbalmente e validità del contratto,
in Riv. giur. sarda, 2009, p. 144 ss.; N. Scripelliti, Locazione di fatto e nullità per violazione di forma scritta,
in Arch. loc. cond., 2010, p. 630 ss.; A.M. Siniscalchi, La violazione dell’onere di forma nella locazione
abitativa, in Obbl. contr., 2011, p. 826 ss.; M. Treppaoli, La nullità per difetto di forma di un contratto di
locazione abitativa a scopo transitorio, in Riv. giur. sarda, 2011, p. 132 ss.
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regolamentare il mercato in maniera maggiormente equilibrata, è andata ad introdurre
nuovi vincoli di forma per determinati contratti. Tale è stata la portata dei suddetti
interventi ed il proliferare di nuovi vincoli formali caratterizzati, peraltro da ratio
giutificatrici di estrema rilevanza valoriale, che da più parti – sebbene con argomentazioni
e soluzioni diverse – si è arrivato addirittura a mettere in dubbio l’attualità del principio di
libertà delle forme di cui in precedenza si è dato brevemente atto.49
E non è un caso che ambito principale, sebbene non esclusivo, all’interno
del quale si registra un fermento – tanto quantitativo che qualitativo – sotto un profilo
formale è proprio quello dei rapporti di natura lato sensu consumeristica.50
All’interno di tale settore, si marcano in maniera estremamente chiara le
sostanziali differenze fra vincolo di forma codicistico e vincoli neoformali. Mentre i
vincoli codicistici riguardano esclusivamente la conclusione del contratto e sono
caratterizzati dall’equidistanza e da finalità riconducibili alla realizzazione della sola
certezza dei traffici; i vincoli neoformali, al contrario, riguardano l’intero procedimento di
formazione del contratto – dalla fase precontrattuale a quella esecutiva –, sono
caratterizzati da finalità protettive di uno solo dei contraenti (il soggetto debole) e vedono
sommarsi alla finalità di garantire la certezza dei traffici giuridici quella di creare rapporti
negoziali trasparenti ed equilibrati.
Si intende, quindi, come attualmente il vincolo di forma veda
completamente mutare le proprie funzioni originarie poiché lo stesso diventa strumento
protettivo valutabile sotto un profilo valoriale. Se da un lato è evidente come la previsione
di vincoli formali non sia da sola sufficiente a riequilibrare i rapporti caratterizzati da
genetico disequilibrio, è innegabile che questa, unita a tutte le disposizioni che tendono a
disciplinare il processo formativo del contratto arricchendolo di contenuti che, oltre ad
essere preindividuati, devono anche essere espressi in maniera chiara e trasparente,
descrive un articolato congegno protettivo che garantisce al contraente debole una
opportuna protezione contro lo squilibrio informativo. Non va infatti trascurato che è
proprio sotto il profilo informativo che si manifesta in maniera più evidente e penetrante la
49
Per le distinte posizioni dottrinali sul punto, v. O. Prosperi, Forme complementari ed atto recettizio, in Riv.
dir. comm., 1976, p. 189 ss.; N. Irti, Idola libertatis, Tre esercizi sul formalismo, Milano, 1985, p. 28 ss.; Id.,
Studi sul formalismo negoziale, Padova, 1997, p. 79 ss.; B. Grasso, La forma tra «regola» ed «eccezione» (a
proposito di un libro recente), in Riv. dir. civ., 1986, p. 49 ss.; P. Perlingieri, Forma dei negozi e formalismo
degli interpreti, Napoli, 1989, passim.
50
S. Polidori, Forme legali poste a tutela dei consumatori: funzioni e disciplina, in Rass. dir. civ., 2013, p.
119 ss.
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presenza di squilibrio all’interno dei rapporti di natura consumeristica. Il contraente
debole, cioè, è tale principalmente proprio perché fa fatica a reperire le informazioni
necessarie affinché lo stesso possa formare in maniera piena la propria volontà. La forma,
con la sua capacità di rallentare i traffici commerciali assoggettandoli a contenuti
trasparenti e verificabili, gioca sicuramente un ruolo di primario rilievo al fine di veicolare
correttamente le informazioni necessarie al fine di rendere edotto il contraente protetto
circa le caratteristiche del contratto che va a stipulare.
4. Segue: La forma nei contratti di vendita di pacchetti turistici
Limitando per brevità l’indagine ad alcuni dei rapporti consumeristici più
significativi, appare evidente come le caratteristiche sopra descritte si riscontrano
sicuramente all’interno dei contratti aventi ad oggetto la vendita dei c.dd. pacchetti turistici
tutto compreso. Tale figura negoziale, già al centro dell’attenzione del legislatore sia
internazionale51 che comunitario,52 è stata in un primo momento regolamentata nel codice
del consumo.53 Successivamente, però, proprio le peculiarità che caratterizzano tale settore,
il legislatore nazionale ha deciso di inserire tutte le disposizioni in materia di turismo,
compresa ovviamente la disciplina negoziale dello stesso, all’interno di un unico testo
normativo denominato codice del turismo.54
51
Sotto il profilo formale, il contratto di vendita di pacchetti turistici venne in un primo momento disciplinato
attraverso la Convenzione di Bruxelles del 23 aprile 1970, predisposta da Undroit e ratificata dal nostro
Ordinamento con l. 27 dicembre 1997, n. 1084.
52
Si tratta della Direttiva 314/90/CEE recepita in Italia con l. 17 marzo 1995, n. 11, la quale tratta del profilo
formale di tali contratti all’art. 6.
53
L’art. 6 del d.lg. n. 111 del 1995, è stato integralmente recepito, in un primo momento, nell’art. 85 c. cons.
Per una trattazione generale dell’argomento, si rinvia a S. Busti e A. Santuari (a cura di), Attività alberghiere
e di trasporto nel pacchetto turistico all inclusive: le forme di tutela del turista consumatore, Trento, 2006, p.
191 ss.; A. Turco, Il contratto di viaggio e il contratto di vendita di pacchetti turistici, in M. Riguzzi e A.
Antonini (a cura di), Trasporti e turismo, in Tratt. dir. priv. eur. diretto da A. Ajani e G.A. Benacchio, X,
Torino, 2008, p. 437 ss. Nella prospettiva spagnola, per l’esame della materia sotto l’aspetto specifico della
tutela del turista quale consumatore, si veda J.A. Torres Lana, M.N. Tur Faúndez e J.D. Janer Torrens, La
protecciòn del turista como consumidor, Valencia, 2003, p. 15 ss.
54
Il «Codice della normativa statale in tema di ordinamento e mercato del turismo» è stato approvato con
d.lg 23 maggio 2011, n. 79, e risponde all’esigenza di autonomizzare l’àmbito in parola dalla normativa piú
concretamente consumeristica sulla scorta delle peculiarità che contraddistinguono il turista dal consumatore.
Per qualche riflessione generale sul codice del turismo v. E.M. Tripodi e G. Cardosi, Il Codice del turismo.
Guida alla nuova disciplina dopo il D.Lgs. n. 79/2011, Rimini, 2011, passim; V. Cuffaro, Un codice
“consumato”, in Corr. giur., 2011, p. 1189 ss.; S. Caterbi, La nuova normativa in tema di turismo, in Resp.
civ. prev., 2011, p. 2393 ss.; M. Cocuccio e M. La Torre, I contratti del turismo organizzato, in Corr. merito,
2011, p. 1156 ss.; E. Malagoli, Il nuovo codice del turismo: contenuti e garanzie, in Contr. impr./Eur., 2011,
p. 813 ss.; N. Soldati, Brevi note a margine del codice del turismo, in Contratti, 2011, p. 815 ss.; P.
Quarticelli, Il contratto di vendita di pacchetto turistico nel nuovo Codice del turismo, in Contratti, 2012, p.
205 ss. Va in primo luogo segnalato che per effetto dell’entrata in vigore del suddetto codice è stata
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I vincoli di forma imposti per tale tipologia di negozi, e che di seguito si
andranno ad analizzare, vedono quale funzione principale da assolvere proprio quella di
garantite certezza dei traffici, conoscibilità dei contenuti negoziale e trasparenza degli
stessi.55 Il contratto di vendita di pacchetti turistici appare, infatti, uno dei prototipi
negoziali alla stregua dei quali verificare l’evoluzione dei vincoli formali nell’attuale
sistema ordinamentale.
Non è un caso, infatti, che il primo momento temporale nel quale emerge
l’incidenza dei vincoli formali all’interno di tali contratti sia proprio, in contrapposizione
ad una visione “codicistica” del vincolo di forma, proprio quella delle trattative
preliminari.56
Un primo profilo di incidenza formale in ambito precontrattuale, emerge
in tutta evidenza nella fase c.d. pubblicitario-informativa concretizzantesi nella
regolamentazione di quello che viene definito quale opuscolo informativo.57 Tale
strumento, disciplinato dall’art. 38 c. tur., rappresenta la integrale trasposizione – pur con
qualche modifica58 – dell’art. 88 c. cons.59 Tale opuscolo, pur rappresentando uno
strumento pubblicitario meramente discrezionale – che, cioè, non deve necessariamente
essere predisposto da parte del professionista – , oltre ad avere un contenuto vincolato con
finalità evidentemente informative,60 viene chiaramente assoggettato ad un vincolo di
espressamente abrogata la l. 27 dicembre 1977, n. 1084, con la quale si rendeva esecutiva in Italia la
Convenzione internazionale sul contratto di viaggio (CCV) che, fino all’emanazione del codice del turismo,
nonostante l’emanazione del d.lg. n. 111 del 1995 poi confluito nel codice del consumo, per quanto non
disciplinato da tale ultimo testo normativo, veniva considerata dalla dottrina comunque applicabile. In questo
senso A. Tamburro, In tema di responsabilità del tour operator per l’attuazione degli obblighi di
organizzazione e per l’esecuzione delle prestazioni complesse nel pacchetto turistico, in Dir. trasp., 2005, p.
1058; D. Riccio, Gli obblighi di protezione del consumatore, ivi, 2006, p. 944.
55
Cfr., le considerazioni di G. Tassoni, Il contratto di viaggio, Milano, 1998, p. 197; E. Morelato, Nuovi
requisiti di forma nel contratto, cit., p. 70.
56
M. Messina, M. Messina, “Libertà di forma” e nuove forme negoziali, Torino, 2004, p. 147, la quale rileva
che l’esigenza di trasparenza accomuni tutti i diversi vincoli di forma che non riguardano solo ed
esclusivamente il vincolo di forma scritta del contratto ma attengono anche la fase precontrattuale che risulta
costantemente scandita da nuovi oneri formali.
57
Su cui, in generale, E. Graziuso, La vendita di pacchetti turistici. Aspetti sostanziali, processuali e
risarcitori, Milano, 2013, p. 78 ss. Insiste sulla rilevanza di tale strumento quale fattore determinante al fine
di riconsocere la tutela più ampia possibile al turista consumatore, G. Villanacci, Il rapporto di consumo, in
Id. (a cura di), Manuale di diritto del consumo, Napoli, 2006, p. 278 s.
58
Si veda, per le modifiche che hanno interessato tale disposizione rispetto alla precedente disciplina, G.
Berti de Marinis, La tutela del turista consumatore nella disciplina contrattuale del codice del turismo, in Le
Corti umbre, 2014, p. 6 ss.
59
Su cui, v. le considerazioni di F. Ricci, Art. 88, in G. Alpa e L. Rossi Carleo (a cura di), Codice del
consumo. Commentario, cit., p. 584 ss.; C. Alvisi, Art. 88, in M. Franzoni (diretto da), Codice ipertestuale
del consumo, Torino, 2008, p. 423 ss.; F. Longobucco, Art. 88, in E. Capobianco e G. Perlingieri (a cura di),
Codice del consumo annotato con la dottrina e con la giurisprudenza, Napoli, 2009, p. 547 ss.
60
Così, infatti, recita l’art. 38, comma 1, c. tur.: “L'opuscolo indica in modo chiaro e preciso: a) la
destinazione, il mezzo, il tipo, la categoria di trasporto utilizzato; b) la sistemazione in albergo o altro tipo di
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forma scritta. Il fatto che il legislatore si riferisca ad un “opuscolo” rende evidente come in
tutti i casi nei quali il professionista intenda pubblicizzare i propri servizi turistici dovrà
farlo predisponendo un documento scritto da consegnare al turista consumatore contenente
tutte le informazioni previste dall’art. 38, comma 1, c. tur. Quella in parola sembra essere
una norma che tenta di bilanciare due distinte esigenze: da un lato troviamo la necessità del
professionista di farasi conoscere nel mercato ed attrarre a sé il maggior numero possibile
di cliente; dall’altro si riscontra quella del consumatore di non essere ingannato da
informazioni pubblicitarie che, al fine di risultare il più possibile allettanti, risultino poco
veritiere. I vincoli contenutistici previsti dalla norma rafforzati dalla necessaria
predisposizione delle suddette informazioni per iscritto, lascia emergere la finalità
protettiva delle disposizioni in parola volta a generare una trasparente pubblicità
informativa.61
Ma anche passando alla fase propriamente informativa, non manca la
previsione di oneri formali aventi, come i precedenti, spiccate finalità protettive. Ed infatti,
il legislatore del codice del turismo, nel disciplinare le informazioni che devono essere
fornite al turista-consumatore, prevede all’art. 37, comma 1 che: “Nel corso delle trattative
e comunque prima della conclusione del contratto, l'intermediario o l'organizzatore
forniscono per iscritto informazioni di carattere generale concernenti le condizioni
applicabili ai cittadini dello Stato membro dell'Unione europea in materia di passaporto e
visto con l'indicazione dei termini per il rilascio, nonché gli obblighi sanitari e le relative
formalità per l'effettuazione del viaggio e del soggiorno”. Tale disposizione, che riproduce
alloggio, l'esatta ubicazione con particolare riguardo alla distanza dalle principali attrazioni turistiche del
luogo, la categoria o il livello e le caratteristiche principali con particolare riguardo agli standard qualitativi
offerti, la sua approvazione e classificazione dello Stato ospitante; c) i pasti forniti; d) l'itinerario; e) le
informazioni di carattere generale applicabili al cittadino di uno Stato membro dell'Unione europea in
materia di passaporto e visto con indicazione dei termini per il rilascio, nonche' gli obblighi sanitari e le
relative formalita' da assolvere per l'effettuazione del viaggio e del soggiorno; f) l'importo o la percentuale di
prezzo da versare come acconto e le scadenze per il versamento del saldo; g) l'indicazione del numero
minimo di partecipanti eventualmente necessario per l'effettuazione del viaggio tutto compreso e del termine
entro il quale il turista deve essere informato dell'annullamento del pacchetto turistico; h) i termini, le
modalita', il soggetto nei cui riguardi si esercita il diritto di recesso ai sensi degli articoli da 64 a 67 del
decreto legislativo 6 settembre 2005, n. 206, nel caso di contratto negoziato fuori dei locali commerciali o a
distanza; i) gli estremi della copertura assicurativa obbligatoria, delle eventuali polizze assicurative
facoltative a copertura delle spese sostenute dal turista per l'annullamento del contratto o per il rimpatrio in
caso di incidente o malattia, nonche' delle eventuali ulteriori polizze assicurative sottoscritte dal turista in
relazione al contratto.
61
G. Berti de Marinis, La tutela del turista consumatore nella disciplina contrattuale del codice del turismo,
cit., p. 8 s.
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pressoché fedelmente il precedente art. 87 c. cons.,62 esprime il chiaro intento della
disciplina di settore di fornire standard informativi di elevato livello al fine di
salvaguardare una corretta e genuina formazione del consenso da parte del consumatore.63
Tutto questo, peraltro, non soltanto nella fase precontrattuale dal momento che, il secondo
comma della stessa disposizione, si riferisce ad informazioni che devono essere date prima
dell’inizio del viaggio e, dunque, non necessariamente prima della conclusione del
contratto.64 Ebbene, in entrambe le circostanze, il legislatore si premura di vincolare la
fornitura delle suddette informazioni ad un vincolo di forma che imporrà al professionista
di mettere i suddetti dati a disposizione del consumatore su di un supporto scritto.
Se, come visto, i vincoli formali si espandono con finalità protettive
anche nella fase informativo-pubblicitaria, non va comunque trascurato come le medesime
caratterizzazioni protettive siano rintracciabili anche nelle nuove previsioni formali
riguardanti la conclusione del contratto. I contratti di vendita di pacchetti turistici, infatti,
non sono rimasti immuni da tale evoluzione che ha portato, in generale, a vendere nel
contratto non più esclusivamente uno strumento attraverso cui creare rapporti negoziali ma
anche un mezzo attraverso cui veicolare informazioni dal professionista che le detiene al
consumatore che ne risulta sprovvisto.65
In tale contesto, la forma necessariamente scritta del contratto, assolve a
strumento attraverso cui non solo garantire una solida certezza nei traffici commerciali, ma
anche una più corretta e trasparente veicolazione dei contenuti informativi. Ne sia prova il
fatto che la dottrina ha letto in diretta connessione l’art. 36 c. tur. che impone stringenti
62
In generale, sulla disposizione, F. Longobucco, Art. 87, in E. Capobianco e G. Perlingieri (a cura di),
Codice del consumo annotato con la dottrina e con la giurisprudenza, cit., p. 543.; F. Romeo, Art. 37, in
Commentario breve al diritto dei consumatori, in G. De Cristofaro e A. Zaccaria, cit., p. 1445.
63
In tal senso, C. Alvisi, Recesso e disdette turistiche, in Dir. tur., 2005, p. 213. In generale, sulla tendenza
ad imporre obblighi informativi precontrattuali all’interno delle contrattazioni asimmetriche, L. Di Donna,
Obblighi informativi precontrattuali. La tutela del consumatore, Milano, 2008, p. 5 ss. Sulle funzioni di tali
oneri informativi, cfr., F. Greco, Informazione pre-contrattuale e rimedi nella disciplina della intermediazione
finanziaria, Milano, 2010, p. 2 ss.
64
Sull’incidenza dei vincoli informativi anche nella fase esecutiva del contratto, G. Tassoni, Art. 37, in V.
Cuffaro (a cura di), Codice del consumo, cit., p. 881 s. In merito, v. pure, le considerazioni di C. Alvisi, Art.
87, in M. Franzoni (diretto da), Codice ipertestuale del consumo, cit., p. 412 che, con riferimento alle
informazioni che devono essere fornite prima della partenza, afferma: “gli obblighi di informazione sanciti al
secondo comma della disposizione in commento trovano la loro fonte nel contratto già perfezionato.
L’omessa informazione genera, pertanto, responsabilità contrattuale dell’organizzatore o del venditore,
dovendosi intendere tali obblighi informativi come specificazione del contenuto dell’obbligo di buona fede
nell’esecuzione del contratto (ex art. 1375 c.c.) e l’elencazione della norma in commento non tassativa”.
65
Non è un caso, che affianco agli oneri formali, venga ad essere imposto anche stringenti vincoli
contenutistici. Cfr., M. Maggiolo, Il contratto predisposto, Padova, 1996, p. 113 ss.; G. Villanacci, Il rapporto
di consumo, in Id. (a cura di), Manuale di diritto del consumo, cit., p. 281.; C. Alvisi, Art. 86, in M. Franzoni
(diretto da), Codice ipertestuale del consumo, cit., p. 399; F. Ricci, Art. 86, in G. Alpa e L. Rossi Carleo (a
cura di), Codice del consumo. Commentario, cit., p. 578 s.
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vincoli contenutistici con l’art. 35 c. tur. che, invece, prevede la necessaria formalizzazione
dello stesso.66 Tale ultima disposizione, che riproduce in maniera quasi integrale il disposto
dell’art. 87 c. cons. oggi abrogato,67 impone la redazione di tali contratti per iscritto in
termini «chiari e precisi»68 e prevede l’obbligo per il professionista di consegnare una
copia del contratto sottoscritto dal professionista – non più anche solo timbrato come
recitava la precedente normativa inclusa nel codice del consumo – al turista-consumatore.69
Ci troviamo, quindi, dinanzi ad un esempio pratico della evoluzione del
contratto che da mera espressione della libertà dei contraenti, diventa strumento in parte
eteroregolamentato volto a produrre scambi che, oltre che economicamente vantaggiosi,
siano anche equi.70
I principali dubbi interpretativi prodotti dalla disposizione, che
evidenziano peraltro un approccio estremamente rigido da parte della dottrina, attengono
alla corretta individuazione della natura del suddetto vincolo di forma. Ed infatti, nella
scarsa chiarezza del disposto normativo, ad una dottrina che qualifica il vincolo imposto
dall’art. 35 c. tur. quale espressione di un precetto di forma scritta ad substantiam,71 si
contrappone l’orientamento maggioritario che, evidenziando come il legislatore non abbia
sanzionato espressamente con la nullità l’informalità del contratto, ritiene che tale vincolo
66
In questo senso, F. Ricci, Art. 86, in G. Alpa e L. Rossi Carleo (a cura di), Codice del consumo.
Commentario, cit., p. 578; F. Longobucco, Art. 86, in E. Capobianco e G. Perlingieri (a cura di), Codice del
consumo annotato con la dottrina e con la giurisprudenza, cit., p. 535, ove fa notare che “la norma in esame si
pone in rapporto di complementarietà con quella precedente ed è volta a stabilire il c.d. contenuto minimo di
garanzia del contratto, che pertanto deve essere inserito nel documento redatto in forma scritta”.
67
S. Caterbi, La nuova normativa in tema di turismo, cit., p. 2404.
68
Sul concetto di chiarezza e precisione applicato alla specifica tematica dei pacchetti turistici, V. Roppo, I
contratti del turismo organizzato, in V. Rizzo (a cura di), Diritto privato comunitario, Napoli, 1997, p. 309.
Sulla trasparenza quale principio di carattere generale, V. Rizzo, Trasparenza e «contratti del consumatore»,
cit., passim e, spec., p. 24 ss.
69
Intende tale modifica quale chiaro indice della volontà di rafforzare il vincolo di natura formale, P.M.
Putti, Viaggi, vacanze e circuiti tutto compreso, in G. Alpa (a cura di), I diritti dei consumatori, II, in Tratt.
dir. priv. eur. diretto da A. Ajani e G.A. Benacchio, III, Torino, 2009, p. 497, il quale, però, ribadisce la
natura meramente informativa dell’onere di forma.
70
Cfr., M.E. La Torre, Il contratto di viaggio «tutto compreso», in Giust. civ., 1996, II, p. 32 ss,; F.
Longobucco, Art. 86, in E. Capobianco e G. Perlingieri (a cura di), Codice del consumo annotato con la
dottrina e con la giurisprudenza, cit., p. 535; C. Alvisi, Art. 36, in M. Franzoni (diretto da), Codice
ipertestuale del consumo, cit., p. 1441.
71
In questo senso, E. Morelato, Nuovi requisiti di forma nel contratto, cit., p. 72. Questa posizione sembra
essere avallata anche dalla giurisprudenza. V. Trib. Bari, 8 agosto 2000, in Dir. trasp., 2001, p. 783; Trib.
Bari, 27 luglio 2005, in Dir. mar., 2006, p. 881. In senso critico rispetto a tale impostazione G. Silingardi,
Forma ed elementi del contratto, in G. Silingardi e F. Morandi (a cura di), La «vendita di pacchetti turistici»,
Torino, 1998, p. 43 s.; L. Pierallini, I pacchetti turistici. Profili giuridici e contrattuali, Milano, 1998, p. 24 s.
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abbia finalità meramente informative e, come tale, rappresenterebbe un tertium genus72 fra
il vincolo di forma ad substantiam e quello previsto ad probationem.73
La dottrina dominante fonda la propria posizione oltre che sul dato
letterale secondo cui la norma prescrive la “redazione” del contratto per iscritto e non la
sua “conclusione” nelle medesime forme,74 sul fatto che la norma prevede esclusivamente
che tale documento venga ad essere firmato (nell’originari versione della disposizione era
equiparata alla firma anche l’apposizione di un timbro)75 dal professionista senza
specificare la necessaria presenza anche della sottoscrizione del consumatore. Ciò,
evidentemente, portava a collocare tale vincolo formale al di fuori dei classici schemi
previsti dall’ordinamento in funzione dei quali la previsione di un onere di forma scritta
può essere assolto esclusivamente con la sottoscrizione di tutti i contraenti.76
A tali posizioni si sommano quelle che, pur condividendo l’impossibilità
di qualificare il vincolo formale in parola quale espressione di una forma scritta ad
substantiam, individuano il fondamento di tale impostazione in una lettura finalisticamente
orientata della disposizione. Secondo tale ricostruzione, infatti, la funzione del vincolo
formale viene ad essere ricondotta a ragioni meramente informative in favore del turistaconsumatore77 e, in quanto tale, risulterebbe del tutto sproporzionata l’erogazione di una
sanzione qual è quella della nullità del contratto informale.78
Gli orientamenti sopra descritti, però, non sembrano convincenti in
quanto non sembrano cogliere la reale funzione del vincolo di forma e, sulla scorta di ciò,
Così, G. Ciurnelli, Il contratto di viaggio, in G. Zuddas e G. Ciurnelli, Il contratto d’albergo. Il contratto di
viaggio, Perugia, 1992, p. 92; S. Monticelli, I contratti di viaggio, in G. Ciurnelli, S. Monticelli e G. Zuddas,
Il contratto d’albergo. Il contratto di viaggio. I contratti del tempo libero, Milano, 1994, p. 165 ss.; L.
Pierallini, I pacchetti turistici. Profili giuridici e contrattuali, cit., p. 25; A. Lezza, I contratti di viaggio, in N.
Lipari (a cura di), Diritto privato europeo, Padova, 1997, p. 875; C. Pollastri, art. 85, in Aa. Vv., Codice del
consumo, Milano, 2006, p. 665 ss. A tale soluzione di giungerebbe valorizzando le analogie con le previsioni
formali già previste dalla CCV.
73
Aveva ricostruito in tal senso il vincolo di forma previsto per i contratti di vendita di pacchetti turistici,
M.E. La Torre, I pacchetti turistici, profili giuridici e contrattuali, in Giust. civ., 1996, II, p. 35.
74
Critico sul punto, A. Flamini, Viaggi organizzati e tutela del consumatore, Napoli, 1999, p. 88.
75
Su tale originaria equiparazione, oggi assente nella vigente normativa, v. E. Morelato, Nuovi requisiti di
forma nel contratto, cit., p. 73.
76
Sul punto, v. L. Pierallini, I pacchetti turistici. Profili giuridici e contrattuali, cit., p. 25; N. Paolucci, I
servizi turistici, in F. Carigella e G. De Marzo (a cura di), I contratti dei consumatori, Torino, 2007, p. 512;
D. Romeo, L’acquisto di viaggi e vacanze “tutto compreso”. I contratti per servizi turistici, in C. Iurilli e G.
Vecchio (a cura di), Il nuovo diritto dei consumatori, Torino, 2009, p. 215.
77
F. Romeo, Art. 35, in Commentario breve al diritto dei consumatori, diretto da G. De Cristofaro e A.
Zaccaria, cit., p. 1440.
78
Cfr. G. Ciurnelli, Il contratto di organizzazione internazionale di viaggio, in Riv. giur. circol. trasp., 1989,
p. 686; M. Eroli, L’informatica nel turismo, in P. Cendon (a cura di), Il diritto privato nella giurisprudenza,
VIII, Torino, 2004, p. 362; L. Rossi Carleo, La vendita di pacchetti turistici, in L. Rossi Carleo e M. Dona, Il
contratto di viaggio turistico, in Tratt. dir. civ. CNN, diretto da P. Perlingieri, Napoli, 2010, p. 67 ss.; G.
Tassoni, art. 35, in V. Cuffaro (a cura di), Codice del consumo, cit., p. 875.
72
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le potenzialità protettive dello stesso ove venga considerato, come sembra più corretto,
quale onere previsto ad substantiam actus. In questo senso, nonostante vada ribadita la
funzione informativa del vincolo in parola, non può trascurarsi come lo stesso venga
previsto anche al fine di garantire una maggiore certezza del traffico giuridico e, in
particolare, un supporto durevole all’interno del quale il turista consumatore trova (e
troverà) cristallizzato il proprio rapporto negoziale in modo da rendere più agevole la
verifica della corretta esecuzione della prestazione da parte del professionista79. Ma se così
stanno le cose, appare evidente l’esigenza di un rafforzamento del vincolo di forma
attraverso la sua qualificazione quale elemento essenziale del contratto la cui carenza
determini nullità. Tale sanzione, infatti, ponendo nel nulla l’intero rapporto negoziale,
stimolerebbe in maniera più decisa il professionista a predisporre in maniera corretta il
regolamento negoziale così garantendo al turista-consumatore uno strumento di
informazione trasparente e di controllo circa la corretta esecuzione delle prestazioni
gravanti sul professionista.80
La giurisprudenza, in maniera sicuramente più decisa rispetto alla
dottrina, si è resa conto di tali esigenze e peculiarità e nelle pur poche occasioni nelle quali
ha avuto la possibilità di cimentarsi con la problematica, si è orientata per sanzionare con
la nullità il contratto di vendita di pacchetti turistici concluso informalmente. Tale
soluzione è stata adottata ora individuando nella previsione della forma scritta un elemento
essenziale dei contratti in parola,81 ora qualificando l’art. 35 c. tur. quale norma imperativa
che, se violata, viene sanzionata con la nullità ai sensi dell’art. 1418, comma 1, c.c..82
Non si intende qui nascondere il fatto che l’erogazione di una sanzione
qual è quella della nullità del contratto informale possa nascondere – pur se solo
apparentemente come si vedrà nel prosieguo – delle insidie rintracciabili nel fatto che tale
sanzione ha la caratteristica di poter essere attivata da chiunque. Tale caratteristica,
desumibile dall’art. 1421 c.c., potrebbe infatti permettere un esercizio abusivo della stessa
al professionista che, dopo aver dato vita ad un contratto viziato, se ne voglia liberare al
79
E. Morelato, Nuovi requisiti di forma nel contratto, cit., p. 73.
S. Polidori, Riflessioni in tema di forma dell’appalto privato, in Rass. dir. civ., 2007, p. 712 s.
Analogamente G. Colacino, Le forme negoziali nel nuovo diritto dei contratti: le c.d. forme di protezione, in
Studium iuris, 2010, p. 258.
81
Trib. Bari, 8 agosto 2000, in Dir. trasp., 2001, con nota critica di B. Fiore, Pacchetti turistici: forma del
contratto, danno da vacanza rovinata e limite risarcitorio, p. 783 ss.
82
Trib. Bari, 27 luglio 2005, in Dir. mar., 2006, p. 881.
80
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fine di sottrarsi agli impegni contrattualmente presi.83 Ma tali critiche possono essere
agevolmente superate attraverso la presa di coscienza che anche l’istituto della nullità,
come quello della forma, è stato oggetto di una rilettura attualizzata che, correttamente
interpretata, permette una corretta soluzione del caso concreto che non pregiudichi in alcun
modo le esigenze protettive proprie della norma violata.
5. La nullità del contratto nel codice civile e nelle norme di settore: la nullità di
protezione
Ed infatti, passando all’analisi dell’evoluzione che ha riguardato lo
strumento invalidante della nullità, è sempre più frequente il ricorso da parte del legislatore
a forme di nullità c.dd. relative.84
Come le norme di carattere sostanziale si orientano in senso assiologico
al fine di garantire una piena tutela del contraente svantaggiato, così è anche per le
disposizioni aventi carattere sanzionatorio.85 Queste, cioè, devono adattare la propria
struttura e disciplina alle concrete esigenze della singola e peculiare fattispecie al fine di
poter realizzare, pur in un momento patologico, le finalità che il sistema ordinamentale
intende perseguire.86
Le nullità c.dd. relative, offrono un chiaro esempio di tale evoluzione
poiché, discostandosi dal comune schema disegnato dal codice civile per le nullità
83
P. Stanzione e A. Musio, I contratti relativi alla fornitura di servizi turistici, in Idd. (a cura di), La tutela del
consumatore, in Tratt. dir. priv. Bessone, Torino, 2009, p. 385; F. Romeo, Art. 35, in Commentario breve al
diritto dei consumatori, diretto da G. De Cristofaro e A. Zaccaria, cit., p. 1439 s. Il rischio suesposto, non
sembra, peraltro, peregrino poiché non sono mancate in giurisprudenza sentenze che hanno riconosciuto
anche al professionista la possibilità di far valere la nullità del contratto di viaggio organizzato per
informalità dello stesso. Cosí, Trib. Treviso, 4 aprile 2003, in Dir. tur., 2004, p. 128. In senso critico nei
confronti dell’orientamento giurisprudenziale esposto, S. Polidori, Riflessioni in tema di forma dell’appalto
privato, cit., p. 713.
84
Su cui v., L. Modica, Formalismo negoziale e nullità: le aperture delle Corti di merito, cit., p. 16 ss. In
generale sul tema delle nullità di protezione, M.P. Mantovani, Il sistema delle nullità di protezione e
l’esercizio del potere giudiziale nel diritto dei consumatori, in Obbl. contr., 2010, p. 444 ss.; A. Gentili, La
«nullità di protezione», in Eur. dir. priv., 2011, p. 77 ss.
85
Sul fermento normativo che ha interessato la materia contrattuale con particolare riferimento alla fase
patologica del rapporto negoziale, v. L. Ferroni, La moderna concezione costituzionale e comunitaria di
autonomia negoziale e la nuova filosofia cui si informa il regime delle invalidità, in Id., Saggi di diritto civile,
Pesaro-Urbino, 2003, p. 17 ss.
86
Sulla necessità di adeguare i rimedi sanzionatori alle finalità perseguite dalle norme sostanziali violate, P.
Perlingieri, Nuovi profili del contratto, in Rass. dir. civ., 2000, p. 568 ss.; Id., La nullità del contratto fra
esigenze protettive e principio di conservazione, in Ann. Fac. Econ. Benevento, 2003, n. 9, p. 205 ss.; Id., Il
diritto civile nella legalità costituzionale, cit., p. 352, il quale afferma: «la disciplina dei contratti del
consumatore, del contraente debole, sconvolge la teoria classica della nullità e rafforza l’idea che il concreto
assetto d’interessi esige, anche sotto il profilo patologico, una disciplina che si desume non già dalla mera
riconduzione al tipo, ma dalle peculiarità del caso».
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contrattuali, prevede una limitazione dei soggetti legittimati a farle valere restringendoli ai
soli contraenti protetti secondo il paradigma previsto dall’art. 36, comma 3, c. cons..87
L’evoluzione in parola si coglie in maniera piena ove si ponga attenzione
al fatto che il codice civile, all’art. 1421 c.c.88 individua quali soggetti legittimati ad
esperire l’azione di nullità “chiunque vi ha interesse e può essere rilevata d’ufficio dal
giudice” facendo salve, però, le circostanze nelle quali sussistano “diverse disposizioni di
legge”.89
Dietro la regola generale della rilevabilità assoluta, lo stesso legislatore
del’42 individua delle possibili deroghe che lo stesso sembra assoggettare alla presenza di
una espressa previsione in tal senso da parte del legislatore.90
Il problema sorge proprio nel verificare che portata assegnare a tale
espressa deroga e, in particolare, alla natura eccezionale delle disposizioni che prevedono
una rilevabilità relativa della nullità. Tale posizione si basava sulla circostanza per cui le
disposizioni che prevedevano una limitazione della legittimazione ad agire in tema di
nullità erano del tutto marginali dovendosi rintracciare la regola generale nella rilevabilità
assoluta.91
87
La tematica della disciplina della nullità relativa è di grande interesse ed appare portatrice di non secondari
riflessi sistematici. Basti per ora il rilievo di come la tematica della legittimazione ristretta, con specifico
riferimento alla rilevabilità d’ufficio, è stata oggetto di numerose riflessioni in dottrina. Sul punto v. S.
Monticelli, Nullità, legittimazione relativa e rilevabilità d’ufficio, in R. Favale e B. Marucci (a cura di), Studi
in memoria di Vincenzo Ernesto Cantelmo, cit., p. 259 ss.; F. Venosta, Nuovi profili della nullità, in Id., Tre
studi sul contratto, cit., p. 211 ss.; E. Minervini, Dei contratti del consumatore in generale, 2ª ed., Torino,
2010, p. 89 ss.; I. Prisco, Il rilievo d’ufficio della nullità tra certezza del diritto ed effettività della tutela, in
Rass. dir. civ., 2010, p. 1227 ss.; R. Senigaglia, Il problema del limite al potere del giudice di rilevare
d’ufficio la nullità di protezione, in Eur. dir. priv., 2010, p. 385 ss. Ulteriormente dibattuta è stata la questione
della convalidabilità o meno dei vizi che determino tale sanzione. V., su tutti, S. Polidori, Nullità relativa e
potere di convalida, in Rass. dir. civ., 2003, p. 931 ss.; S. Monticelli, La recuperabilità del contratto nullo, in
Notariato, 2009, p. 174 ss. Per un’attenta analisi dei profili di piú stretta attualità della problematica, v. G.
Perlingieri, La convalida delle nullità di protezione e la sanatoria dei negozi giuridici, 2ª ed., Napoli, 2011, p.
35 ss.; Id., La convalida delle nullità di protezione. Contributo allo studio della sanatoria del negozio nullo, in
Aa. Vv., Studi in onore di Giorgio Cian, II, cit., p. 1901 ss.; G. Bilò, Rilevabilità d’ufficio e potere di
convalida nelle nullità di protezione del consumatore, in Riv. trim., 2011, p. 483 ss.; I. Prisco, Le nullità di
protezione, Napoli, 2012, p. 60 ss.
88
S. Polidori, art. 1421, in Codice civile annotato con la dottrina e la giurisprudenza, a cura di G. Perlingieri,
Napoli, 2010, p. 1041 ss.
89
S. Polidori, Discipline della nullità e interessi protetti, Napoli, 2001, p. 77; F. Di Ciommo, La rilevabilità
d’ufficio delle nullità negoziale tra (artificiosi) limiti processuali ed incertezze giurisprudenziali, in Foro it.,
2006, I, c. 2109 s.
90
Cfr., S. Polidori, o.l.u.c.
91
Non mancavano, però, autori che ricostruendo la ratio delle singole disposizioni, arrivavano ad ipotizzare
una rilevabilità relativa anche in relazione a nullità per le quali il legislatore non aveva specificato alcunché.
In questo senso, D. Barbero, Sistema del diritto privato italiano, Torino, II, 1965, p. 434, il quale analizzando
la ratio della sanzione della nullità prevista dal legislatore all’art. 122, comma 5, della l. 22 aprile 1941, n.
633, quando il contratto di edizione a termine non indichi il numero minimo di esemplari da stampare,
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Tali posizioni, tuttavia, meritano di essere rianalizzate alla luce
dell’evoluzione dell’ordinamento che, con sempre maggiore frequenza, individua ipotesi
nella quali la sanzione della nullità viene ad esser posta a totale ed esclusiva disposizione
del contraente protetto precludendo, per tal via, la sua rilevabilità da parte del
professionista. In questo senso, sia sufficiente richiamare l’art. 127, comma 2 del d.lg. n.
385 del 1993 (Testo unico bancario);92 negli artt. 23, comma 3; 24, comma 2 e 30 , comma
7 del d.lg. n. 58 del 1998 (testo unico finanziario);93 nell’art. 2 del d.lg. n. 122 del 2005
(vendita di immobili da costruire),94 nell’art. 36, c. cons.95 e nell’art. 167 codice delle
assicurazioni private.96
A tale proliferazione quantitativa di ipotesi che si inquadrano all’interno
dell’espressa limitazione dei soggetti legittimati ad esercitare l’azione di nullità, va
necessariamente affiancato il dato qualitativo consistente nella presenza della previsione di
sanzioni invalidanti con chiara finalità protettiva che, tuttavia, non sono espressamente
qualificate da parte del legislatore come nullità relative. Ed proprio in relazione a tali
ultime ipotesi che risulta di estremo rilievo comprendere se la “relatività” dell’esercizio
dell’azione di nullità possa essere esteso anche ad ipotesi non espressamente previste dal
legislatore. All’interno di tale ipotesi rientrerebbe non soltanto il già profilato problema
della nullità del contratto di vendita di pacchetti turistici per difetto di forma,97 ma anche –
riscontrando in quella norma una previsione dettata a tutela esclusiva dell’autore, propendeva per limitare la
legittimazione a proporre l’azione di nullità solo a quel soggetto.
92
Si vedano sul punto G. Carriero, La trasparenza delle condizioni contrattuali nel Testo Unico: regole
generali e controlli, in Dir. banca merc. fin., 1994, p. 433 ss. e, piú in generale, G. Castaldi, Il testo unico
bancario: tra innovazione e continuità, Torino, 1997, p. 45 ss.; G. Molle e L. Desiderio, Manuale di diritto
bancario e dell’intermediazione finanziaria, Milano, 2000, p. 3 ss.; U. Morera, Contratti bancari (disciplina
generale), in Banca borsa tit. cred., 2008, p. 166 ss.; G. Colacino, o.u.c., p. 255 ss.
93
Sul punto si vedano i commenti ai singoli articoli contenuti in G. Alpa e F. Capriglione (a cura di),
Commentario al testo unico delle disposizioni in materia di intermediazione finanziaria, I, Padova, 1998, p.
258 ss.; A. Bertolini, Problemi di forma e sanzioni di nullità nella disciplina a tutela dell’investitore, cit., p.
2344 ss.; E. Guerinoni, Le controversie in tema di contratti di investimento: forma, informazione,
ripensamento e operatore qualificato, in Corr. giur., 2011, p. 36 ss.; V. Sangiovanni, Mancata sottoscrizione e
forma del contratto di intermediazione finanziaria, in Corr. merito, 2011, p. 140 ss.
94
V., per tutti, L. Mezzasoma, Il «consumatore» acquirente di immobili da costruire, cit., p. 138 ss.
95
Per qualche commento sulla disposizione, v. G. Passagnoli, artt. 36-38, in Codice del consumo,
Commentario, a cura di G. Vettori, cit., p. 384 ss.; E. Capobianco, art. 36, in Codice del consumo annotato
con la dottrina e la giurisprudenza, a cura di E. Capobianco e G. Perlingieri, cit., p. 199 ss.; C. Pongibò, art.
36, in Commentario al codice civile, Codice del consumo, a cura di P. Cendon, cit., p. 433 ss.; A. Barenghi,
art. 36, in Codice del consumo, a cura di V. Cuffaro, cit., p. 279 ss.
96
Si rinvia a E. Ferrante, art. 167, in Commentario al codice delle assicurazioni, a cura di M. Bin, Padova,
2006, p. 510 ss.; M. Crocitto, Commentario al codice delle assicurazioni private, Matelica, 2006, p. 239. Da
ultimo, sul punto, v. A. Redi, La «Nullità di protezione» nel codice delle assicurazioni private, in G.
Cavazzoni, L. Di Nella, L. Mezzasoma e F. Rizzo (a cura di), La tutela del consumatore assicurato tra codice
civile e legislazione speciale, cit., p. 323 ss.
97
V. supra.
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per rimanere in ambito consumeristico – la nullità prevista per mancanza di forma scritta
nei contratti di multiproprietà.98 La materia è stata di recente oggetto di un sostanziale
intervento normativo comunitario attraverso la direttiva 2008/122/CE99 che, recepita con
d.lg. 23 maggio 2011, n. 79, ha determinato una totale riforma della disciplina in parola la
quale, nonostante ancora contenuta all’interno del codice del consumo, ha visto
profondamente riarticolare la propria disciplina.100
Senza trattare, per brevità, le numerose novità introdotte, giova qui
segnalare che nel recepire la disciplina comunitaria da ultimo segnalata, il legislatore
nazionale ha ribadito la posizione già espressa nella disciplina previgente prescrivendo un
vincolo di forma scritta sanzionando espressamente la sua carenza con la nullità del
contratto. Tale vincolo è imposto dall’attuale art. 72 c. cons. che riproduce sul punto il
previgente art. 71 c. cons. prescrivendo un vincolo di forma scritta ad substantiam.101
Nonostante l’espressa previsione della sanzione della nullità, però,
appare evidente come permanga il problema di verificare la disciplina da assegnare a tale
sanzione invalidante. Va segnalato, infatti, che il legislatore non specifica se si tratti o
meno di una nullità relativa. Ciononostante, però, proprio facendo leva sulle considerazioni
poco sopra riportate, la dottrina è pressoché unanime nel ritenere che legittimato a far
valere un eventuale vizio formale di tali contratti sia il consumatore o il giudice ma
esclusivamente nell’interesse del primo.102
E. Coscetti, La multiproprietà immobiliare, in Riv. giur. ed., 2010, p. 799 ss.; R. Galasso, L’oggetto della
multiproprietà e la disciplina del contratto, in Giur. it., 2011, p. 61 ss. Vede nella multiproprietà uno degli
esempi che testimoniano l’evoluzione del diritto di proprietà e, conseguentemente, delle caratteristiche che
classicamente lo distinguono, F. Marinelli, Miti e riti della proprietà, in Rass. dir. civ., 2008, p. 378 ss.
Ulteriori spunti in tal senso in Id., Un’altra proprietà: l’enfiteusi, ivi, 2007, p. 634 ss.
99
Per qualche riflessione circa la direttiva 2008/122/CE, v. L. Soldà, La multiproprietà, in G. Grasselli (a
cura di), La proprietà immobiliare, Padova, 2010, p. 142 ss.
100
In particolare va segnalato che all’art. 2, la normativa da ultimo menzionata procede, previa abrogazione
della normativa previgente, a sostituire completamente il Titolo IV, Capo I, del codice del consumo che
appare, anche nella disposizione degli articoli, completamente riformato. V. in generale, R. Pennazio, Il
disegno di legge comunitaria 2009, in Contr. impr./Eur., 2009, p. 1064. Sulle novità introdotte in tema di
multiproprietà dalla riforma in parola, si rinvia a G. Trapani, La nuova multiproprietà nel c.d. “Codice del
turismo”, in Contratti, 2011, p. 941 ss.; Id., La nuova multiproprietà, in Studi e materiali, 2011, p. 1139 ss.;
C. Sforza Fogliani, Multiproprietà, locazioni ed altri temi immobiliari, in Arch. loc. cond., 2012, p. 1 ss.
101
G. Franchi, art. 71, in Aa. Vv., Codice del consumo, cit., p. 631; G. Capaldo, artt. 70-72, in Codice del
consumo, Commentario, a cura di G. Vettori, cit., p. 633 s.; A. Turco, art. 71, in Codice del consumo
annotato con la dottrina e la giurisprudenza, a cura di E. Capobianco e G. Perlingieri, cit., p. 484 s.; M.
Costanza, art. 71, in Commentario al codice civile, Codice del consumo, a cura di P. Cendon, Milano, 2010,
p. 708 s.; P.F. Giuggioli, La multiproprietà, in F. Delfini e F. Morandi (a cura di), I contratti del turismo,
dello sport e della cultura, in Trattato dei contratti, diretto da P. Rescigno e E. Gabrielli, XIII, Torino, 2010,
p. 156 s.; M. Ermini, art. 72, in Codice del consumo, a cura di V. Cuffaro, cit., p. 514 s.
102
E. Gabrielli e A. Orestano, Contratti del consumatore, cit., p. 255; M. Messina, “Libertà di forma” e
nuove forme negoziali, cit., p. 159; E. Morelato, Nuovi requisiti di forma nel contratto, cit., p. 165.; A.
98
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119
Le ragioni che sono alla base di tale opportuno orientamento, sono da
rintracciare proprio in una corretta analisi di quelle che sono le intime funzioni da
assolvere per mezzo della norma sostanziale violata. Nel caso di specie – in piena analogia
con quanto poco sopra affermato in tema di contratti di vendita di pacchetti turistici –, la
forma vincolata viene ad essere prevista per ragioni di certezza dei traffici e trasparenza del
regolamento e, tutto ciò, in funzione della presenza di evidenti esigenze protettive della
parte debole.103 Di fronte a tali dati, appare del tutto coerente, pur nel silenzio della legge,
interpretare la stessa sanzione derivante da una eventuale informalità del contratto in senso
protettivo e, cioè, limitando la rilevabilità del vizio solo da parte del soggetto protetto.
Appare infatti evidente, come accennato, che ritenere tali nullità come
rilevabili anche da parte del professionista aprirebbe ipoteticamente la porta a possibili
utilizzi distorti dello strumento invalidante che, congeniato quale tutela per il contraente
debole, potrebbe finire per compromettere le ragioni dello stesso.
Ma se la nullità relativa poteva essere considerata una sanzione
“eccezionale” all’interno di un sistema che vedeva solo in rarissime ipotesi il
restringimento dei soggetti legittimati ad agire, sicuramente non lo è più oggi in cui non
soltanto si riscontra una crescita quantitativa delle ipotesi testuali di nullità relativa ma, a
tale dato, si somma la presa di coscienza, sotto un profilo valoriale, dell’esigenza di
proteggere il contraente debole anche in una fase patologica del rapporto negoziale. Tale
evoluzione non può lasciare indifferente l’interprete nel momento in cui debba verificare la
natura eccezionale o meno di un determinato fenomeno giuridico.104
Ma se così è, allora, non dovrebbero più sussistere remore al fatto di
estendere la limitazione dei soggetti legittimati a far valere la nullità ai soli contraenti
protetti dalla norma violata in maniera tale da garantire soltanto a questi i benefici derivanti
dalla sanzione invalidante. Una estensione della nullità relativa che si fonda, quindi, su un
corretto approccio ermeneutico volto a privilegiare la materiale realizzazione dei valori
propri dell’ordinamento evitando che, dietro interpretazioni formalistiche delle
disposizioni, si possano celare risultati dannosi e sconvenienti.105
Finessi, art. 71, in Commentario breve al diritto dei consumatori, diretto da G. De Cristofaro e A. Zaccaria,
cit., p. 631.
103
A. Finessi, o.l.c., il quale nota che «nel timesharing la forma scritta richiesta ad substantiam si intreccia
con la regola di trasparenza che si traduce, nella fase delle trattative, nell’obbligo di consegnare il documento
informativo e, in sede di redazione del contratto, nella previsione di un contenuto minimo obbligatorio,
creandosi così una combinazione di forma ad substantiam e forma ad informationem».
104
G. Vettori, Autonomia privata e contratto giusto, in Riv. dir. priv., 2000, p. 44.
105
Sulla tematica, v. P. Perlingieri, Il diritto civile nella legalità costituzionale, cit., p. 374.
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120
Se la ratio della norma è quella di proteggere il contraente debole
attraverso lo strumento della nullità, il restringimento dei soggetti legittimati ad avvalersi
del rimedio appare essere una diretta conseguenza delle finalità di tutela espresse dalla
norma.106
Ma proseguendo oltre nell’interpretazione delle disposizioni richiamate,
vi è da chiedersi se effettivamente la nullità codicistica descritta dall’art. 1421 c.c. sia
effettivamente tanto distante rispetto alle previsioni di nullità relativa o se, al contrario, sia
prospettabile una ricostruzione unitaria delle invalidità negoziali.107
Le classiche posizioni della dottrina108 e della giurisprudenza,109 infatti,
hanno interpretato in maniera estremamente ampia l’inciso dell’art. 1421 c.c. che, nel
descrivere i soggetti legittimati a far valere il vizio, li individua in “chiunque vi ha
interesse”. Ed infatti, da un lato si tendeva a riconoscere in ogni caso piena legittimazione
ad agire ai contraenti essendo il loro interesse insito nel fatto di aver concluso un contratto
nullo e, dall’altro, richiedendo al fine di considerare presente la legittimazione dei terzi, un
mero interesse a veder dichiarata la nullità del contratto.110
A tale impostazione si è modernamente però sostituita una lettura più
attuale e che tiene conto in maniera maggiormente appropriata della nullità. In funzione di
tale orientamento, ciò che viene criticato è la stessa esistenza di una legittimazione c.d.
assoluta descritta dall’art. 1421 c.c. poiché, a ben vedere, la norma non sancisce un potere
illimitato di rilevare la nullità del contratto ma vincola tale opportunità alla presenza di un
106
S. Polidori, o.u.c., p. 106, secondo il quale «nel mutato scenario che ne deriva, le disposizioni le quali
espressamente restringono a una sola delle parti l’accesso all’azione di nullità possono ben essere applicate
per analogia, allorché il legislatore, pur comminando il rimedio per tutelare la parte debole del rapporto (e
dunque ancorando l’opzione ordinamentale ad una ratio simile a quella che ha ispirato le previsioni di nullità
relativa), tace sul punto della legittimazione all’azione. In sostanza, la legittimazione relativa, cosí come, del
resto, la parzialità necessaria della nullità che colpisce una singola clausola, diventano tratti di disciplina
costante della nullità di protezione, che non necessitano di un’espressa previsione testuale, emergendo
semplicemente dalla ratio legis la necessità di applicare a quelle tipologie di nullità lo statuto che consente un
ottimale realizzazione dell’interesse». Nello stesso senso G. Passagnoli, Nullità speciali, Milano, 1995, p.
187.
107
Propende per tale soluzione, G. Perlingieri, La convalida delle nullità di protezione e la sanatoria dei
negozi giuridici, cit., p. 89.
108
F. Peccenini, art. 1421, in Della simulazione. Della nullità del contratto. Dell’annullabilità del contratto,
in Comm. cod. civ. Scialoja-Branca, Bologna-Roma, 1998, p. 167; F. Di Marzio, La nullità del contratto, cit.,
p. 997.
109
Cass., 27 luglio 1994, n. 7017, in Rep. Foro it., 1994, voce Contratto in generale, p. 734, n. 437; Cass., 2
maggio 2007, n. 10121, in Società, 2008, p. 855.
110
Ne è prova il fatto che la giurisprudenza tende a negare la presenza di legittimazione ad agire in capo al
terzo solo ove lo stesso agisca per il mero scopo di veder realizzato il precetto legale che sancisce la nullità
del contratto. In questo senso, Cass., 17 marzo 1981, n. 1553, in Rep. Foro it., 1981, voce Contratto in
generale, p. 634, n. 256; Cass., 12 luglio 1991, n. 7717, in Rep. Foro it., 1991, voce Contratto in generale, p.
675, n. 341; Cass., 11 gennaio 2001, n. 338, in Rep. Foro it., 2001, voce Contratto in generale, p. 795, n.
456.
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121
interesse che lungi dal poter essere confuso con la sussistenza di un mero vantaggio per la
parte ricorrente, deve più concretamente individuarsi nel fatto che colui che agisce lo
faccia al fine di veder realizzare un interesse meritevole di tutela alla luce dei valori propri
del nostro ordinamento.111
Una posizione che, come pare evidente, ha la capacità di ridurre ad unità
un fenomeno che solo apparentemente sembra caratterizzato da un netta scissione interna.
Aderendo a tale ricostruzione, infatti, si deve necessariamente concordare sul fatto che sia
sempre onere dell’interprete verificare se il soggetto che materialmente esercita l’azione
sia o meno titolare di un interesse meritevole di essere tutelato. In tal senso, dunque,
qualunque nullità presenta profili di relatività dal momento che chiama l’interprete di
analizzare l’azione sotto un profilo assiologico.112
Ma se così è, appare altrettanto chiaro che calando tale discorso
nell’ambito che ci interessa, i casi legislativamente previste di nullità relativa altro non
sono se non ipotesi nelle quali è stato lo stesso legislatore ad effettuare un bilanciamento di
valori tale da portarlo ad escludere che il professionista sia soggetto titolare di interessi
meritevoli di essere tutelati attraverso un’azione di nullità.113 Il fatto che tale analisi sia
stata compiuta dal legislatore in determinate e specifiche ipotesi, non esclude che lo stesso
interprete lo debba fare in tutti gli altri casi nei quali il legislatore abbia taciuto sul punto.
Tale interpretazione, quindi, facendo leva proprio sul dettato del codice
civile corroborato dalla sempre più forte scelta del legislatore di ricorrere allo strumento
della nullità relativa, permette di considerare come estendibile la limitazione dei soggetti
legittimati a far valere il vizio a qualunque nullità che presenti finalità protettive di uno
solo dei contraenti in modo da precludere all’altro di avvalersi degli eventuali effetti
favorevoli della nullità.114
Né va trascurato come risulti del tutto connesso a tale profilo anche
quello dell’eventuale sanabilità del vizio che determini l’erogazione di una sanzione qual è
quella della nullità. Sotto tale profilo, il codice civile è estremamente chiaro nel ribadire
che il contratto nullo, contrariamente a quanto avviene per il contratto annullabile, non può
111
S. Polidori, Discipline della nullità e interessi protetti, Napoli, 2001, p. 123 ss.
S. Polidori, Discipline della nullità e interessi protetti, cit., p. 128.
113
R. Favale, Nullità del contratto per difetto di forma e buona fede, cit., p. 561 ss.; Id., Forme per la validità
del contratto e tutela dei contraenti, cit., p. 973 ss. Per qualche ulteriore considerazione in tal senso, v. D.
Russo, Profili evolutivi della nullità contrattuale, Napoli, 2008, p. 72 ss.
114
S. Pagliantini, L’azione di nullità tra legittimazione ed interesse, in Riv. trim., 2011, p. 426 ss
112
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122
essere convalidato (art. 1423 c.c.) ma esclusivamente convertito in altro contratto “del
quale contenga i requisiti di sostanza e di forma” (art. 1424 c.c.).
La ragione che all’interno del codice civile determinava una scelta così
netta, doveva rintracciarsi nel fatto che la nullità disciplinata dal codice civile era sanzione
che si poneva quale presidio di interessi di natura generale che, quindi, non potevano in
alcun modo essere messi nella disponibilità del singolo contraente. L’idea di fondo, cioè, è
che la presenza di un contratto nullo all’interno dell’ordinamento recasse un danno
all’intera società e, come tale, doveva assolutamente essere rimosso non potendo trovare
alcun accoglimento.
Da ciò, il divieto di convalida. Ma v’è da domandarsi se tali presupposti
sussistano effettivamente anche nelle ipotesi nelle quali il legislatore sanzioni con la nullità
relativa un determinato contratto. Appare infatti evidente che, in tutte le circostanze nelle
quali si proceda – tanto legislativamente quanto per via interpretativa – a limitare la cerchia
dei legittimati ad agire solo a determinati soggetti, si riconosce che l’interesse tutelato da
una certa invalidità non sia più generale e facente capo all’intera collettività ma, al
contrario, appartenente al singolo contraente. La dottrina ha infatti evidenziato tale
ulteriore sostanziale differenza fra la nullità codicistica e la nullità di protezione che,
sebbene con qualche distinzione, sembra riconoscere la possibilità che in determinate
circostanze si possa procedere a sanare il vizio invalidante. Ciò accade in tutte le
circostanze nelle quali il presidio invalidate viene posto a tutela di interessi non
superindividuali ma ricadenti nella sfera del singolo contraente e, evidentemente, quando
l’interesse della norma violata si sia comunque realizzato nonostante la presenza di un
vizio genetico.115
Così sarebbe, sempre per rimanere all’interno dei temi trattati, nei casi
nei quali ricorra un vincolo di forma con finalità protettive la cui violazione, tuttavia, non
abbia determinato una effettiva lesione dell’interesse del consumatore a ricevere in
maniera corretta, tempestiva ed appropriata le informazioni che necessitava al fine di
concludere il contratto. Secondo la dottrina, potrebbero ricorrere tali circostanze proprio
per quanto riguarda la forma prevista per i contratti di vendita di pacchetti turistici e di
115
S. Monticelli, La recuperabilità del contratto nullo, in Notariato, 2009, 174 ss.; G. Perlingieri, La
convalida delle nullità di protezione. Contributo allo studio della sanatoria del negozio nullo, in Aa. Vv.,
Studi in onore di Giorgio Cian, II, Padova, 2010, 1901 ss.; Id., Sanatoria e responsabilità del notaio ex art.
28, l. 16 febbraio 1913, n. 89, in Corti umb., 2013, 15 ss.; S. Bilò, Rilevabilità d’ufficio e potere di convalida
nelle nullità di protezione del consumatore, in Riv. trim., 2011, 483 ss.
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multiproprietà conclusi informalmente nelle circostanze nelle quali la presenza della
suddetta violazione non abbia sortito conseguenze negative sotto il profilo informativo.116
6. Conclusioni
Da quanto detto appare evidente come i principi ordinamentali fissati
dalla Costituzione, delineando un nuovo assetto di valori, abbiano avuto la capacità non
solo di influenzare il legislatore nell’emanazione di norme speciali che fossero espressione
settoriale di quegli interessi giuridicamente tutelati, ma anche di determinare una nuova
interpretazione dei più classici istituti del diritto dei contratti che vengono oggi riletti
proprio alla luce di quei principi apicali.117
Né deve pensarsi che tale evoluzione si arresti a questo punto dal
momento che numerosi sono gli interventi normativi posti in cantiere da parte degli
organismi comunitari che sembrano destinati a concretizzarsi in tempi ragionevoli in
disposizioni che, come quelle sopra enunciate, danno ulteriore conferma dell’evoluzione in
atto.
Si pensi alla nuova Proposta di direttiva del Parlamento europeo e del
Consiglio relativa ai pacchetti turistici e ai servizi turistici assistiti [COM(2013)0512]118
che ha l’intento di ridisegnare integralmente la disciplina dei contratti di vendita dei
pacchetti turistici uniformandola alle sempre mutevoli esigenze che caratterizzano i settori
maggiormente dinamici della nostra economia. La proposta di direttiva, infatti, sembra
approntare una tutela maggiormente specifica e puntuale del turista consumatore proprio al
fine di stimolare l’equilibro contrattuale in un settore che, come pare evidente, è
caratterizzato dalla presenza di un genetico squilibrio fra le posizioni dei contraenti.119
116
G. Perlingieri, La convalida delle nullità di protezione e la sanatoria dei negozi giuridici, 2ª ed., Napoli,
2011, 59 s., secondo il quale, la convalida del contratto relativamente nullo sarebbe ammissibile quando, “pur
essendosi violata la forma richiesta o la procedura cronologicamente imposta, questa violazione (ha
comportato la nullità ma) non ha determinato per il contraente debole pregiudizi sostanziali o svantaggi
concreti (in tali casi l’interesse finale, come ad esempio l’equilibrio contrattuale, potrebbe risultare
preservato). [...] Si è in costanza di un mero vizio strutturale di nullità che, come tale, non ha determinato
necessariamente un disvalore del regolamento di interessi, ovvero non è penetrato nell’area del valore. A tale
gruppo appartengono, ad esempio, le norme sulla forma di cui agli artt. 117, comma 3, t.u. banc.; 23, comma
1, e 30, comma 7, t.u. fin.; 71 c. cons., in materia di multiproprietà; 85 c. cons., in materia di vendita di
pacchetti turistici”
117
V. supra.
118
Tale direttiva è destinata a modificare il regolamento (CE) n. 2006/2004 e la direttiva 2011/83/UE e che
abroga la direttiva 90/314/CEE del Consiglio
119
Sul punto, diffusamente, R. Santagata, La nuova disciplina dei contratti del turismo organizzato nel
codice del turismo «dimidiato», in Nuove leggi civ. comm., 2012, p. 1110 ss., ed ivi, per ulteriori riferimenti.
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124
Ma, ancora, si pensi alla proposta di Regolamento europeo sulla vendita
[COM(2011)613 def.]120 la quale nasce dall’obiettivo di dotare tutti gli Stati membri di una
disciplina uniforme relativa alle transazioni transfrontaliere in modo da agevolare e
stimolare i traffici commerciali fra i singoli ordinamenti dell’Unione.121 La scelta dello
strumento regolamentare, pur con le peculiarità del caso di specie,122 appare essere il
chiaro indice della volontà di imporre una disciplina uniforme ed immediatamente
vincolante per i singoli Stati la quale si presenta come evidente espressione di politiche di
armonizzazione massima del diritto europeo.123 Anche tale provvedimento, ancora in fase
di approvazione, appare essere la manifestazione dell’esigenza di disciplinare gli atti
negoziali in senso maggiormente aderente al mutato quadro valoriale all’interno del quale
l’autonomia privata deve oggi svolgersi. Una grande attenzione è infatti riservata alla fase
precontrattuale nella quale forte centralità è data agli oneri informativi (artt. 23 ss.) ed al
necessario espletamento di un controllo contenutistico sul regolamento negoziale volto a
sanzionare tutte quelle clausole che determinano irragionevoli squilibri fra le posizioni dei
contraenti. Proprio sotto tale ultimo profilo, la proposta di Regolamento sulla vendita apre
scenari di estremo interesse dal momento che, pur con una disciplina diversa, prescrive
l’esigenza di effettuare un sindacato di vessatorietà tanto per i contratti stipulati fra un
professionista ed un consumatore come per i contratti stipulati fra professionisti.124 Ciò
lascia emergere quanto sia ormai un dato acquisito il fatto che limitare al solo consumatore
l’ambito di efficacia delle disposizioni a tutela della parte debole, rischia di privare di
Si veda pure, per qualche riferimento, G. Berti de Marinis, La tutela del turista consumatore nella disciplina
contrattuale del codice del turismo, cit., p. 6 ss.
120
Su cui, in generale, v. G. D’Amico e M. Basile, al VII Congresso Giuridico-forense, tenutosi a Roma nei
giorni 15-17 marzo 2012, pubblicate in Contratti, 2012, f. 7; C. Castronovo, Sulla proposta di regolamento
relativo a un diritto comune europeo della vendita, in Eur. dir. priv., 2012, p. 315; G. De Cristofaro, Il
(futuro) «diritto comune europeo» della vendita mobiliare: profili problematici della proposta di
regolamento presentata dalla Commissione UE, in Contr. impr./Eur., 2012, p. 366 ss.
121
G. Pongelli, La proposta di regolamento sulla vendita nel processo di creazione del diritto privato
europeo, in Nuova giur. civ. comm., 2012, II, p. 666 ss.
122
Si tratta, infatti, di uno strumento regolamentare di natura opzionale nel senso che se da un lato la
disciplina delle vendite ivi contenuta è immodificabile da parte degli Stati membri, dall’altro la concreta
applicazione della normativa viene rimesso alla volontà dei contraenti che, nel momento della conclusione
del contratto, saranno chiamati ad optare per l’assoggettamento del loro rapporto negoziale alle disposizioni
previste nel regolamento ovvero rigettarle. Su tale profilo, v. A. Rocco, L’istituzione di uno strumento
opzionale di diritto contrattuale europeo, in Contr. impr./Eur., 2011, p. 798 ss.; J. Basedow, An Optional
Instrument and the Disincentives to Opt in, in Contr. Impr./Eur., 2012, p. 38 ss.
123
M. Meli, Proposta di regolamento - Diritto comune europeo della vendita, in Nuove leggi civ. comm.,
2012, p. 201.
124
V. artt. 79 ss. della Proposta di Regolamento.
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protezione soggetti che, nonostante abbiano natura professionale, si trovano in una
posizione di sostanziale debolezza rispetto alla propria controparte.125
Tale attenzione per il c.d. professionista debole non è nuova neanche
all’interno dell’ordinamento italiano che ha preso in considerazione tale contraente nella
disciplina di diverse figure negoziali che, nonostante vedano la luce fra soggetti
necessariamente professionali, lasciano comunque emergere una situazione di debolezza di
un contraente rispetto all’altro. Così è, ad esempio, nei contratti di subfornitura disciplinati
dalla l. 18 giugno 1998, n. 192 nella quale si tutela il subfornitore (soggetto
imprenditoriale)
quale
contraente
debole
rispetto
al
committente
(anch’esso
imprenditore).126 Tale obiettivo protettivo viene ad essere perseguito proprio attraverso
l’applicazione a tali figure negoziali dei medesimi strumenti di tutela normalmente previsti
nelle norme consumeristiche. Così, ad esempio, l’art. 2 della l. n. 192 del 1998 impone il
vincolo di forma scritta per tali contratti la cui funzione protettiva127 è dimostrata dal fatto
che lo stesso venga affiancato dalla previsione di oneri contenutistici da assolvere
uniformandosi al principio di trasparenza.128
Ed analoghe considerazioni possono essere fatte in relazione al contratto
di franchising disciplinato dalla l. 6 maggio 2004, n. 129.129 Anche in questo caso il
legislatore ha sentito il bisogno di riequilibrare una posizione di disparità che si viene a
creare all’interno di un contratto stipulato, come il precedente, necessariamente fra soggetti
che rivestono la qualità di imprenditori sulla scorta del fatto che uno di questi (il
franchisee) si trova in una posizione di evidente soggezione nei confronti del franchisor130.
125
Su tali profili, diffusamente, L. Mezzasoma, Il consumatore e il professionista, in G. Recinto, L.
Mezzasoma e S. Cherti (a cura di), Diritti e tutele dei consumatori, cit., p. 13 ss.
126
U. Ruffolo, Il contratto di subfornitura nelle attività produttive. Le nuove regole della legge 18 giugno
1998, n. 192: “correzione” della autonomia contrattuale a tutela del subfornitore come professionista
debole?, in Resp. comun. impr., 1998, p. 406; P.M. Putti, Contratto di subfornitura: forma e contenuto, in G.
Alpa e A. Clarizia (a cura di), La subfornitura, Commento alla legge 18 giugno 1998, n. 192, Milano, 1999,
p. 78; G. Gioia, I rapporti di subfornitura, in Giur. it., 1999, p. 671.
127
O. Lombardi, Forma legale e tecniche formative del contratto. La disciplina della subfornitura nelle
attività produttive, Napoli, 2005, p. 63 s.
128
F. Delfini, art. 2, in Aa. V.v., La subfornitura. Legge 18 giugno 1998, n. 192, Milano, 1998, p. 22; E.
Minervini, Le regole di trasparenza nel contratto di subfornitura, in Giur. comm., 2000, I, p. 116.; D.
Mantucci, Profili del contratto di subfornitura, Napoli, 2004, p. 155 s.; B. Graziani, Contratto di
subfornitura: forma e contenuto, in C. Berti e B. Graziani (a cura di), La disciplina della subfornitura nelle
attività produttive, Milano, 2005, p. 52
129
Preliminarmente, v. R. Baldi, Il contratto di agenzia. La concessione di vendita, il franchising, Milano,
2001, p. 153; A. Frignani, il contratto di franchising, Milano, 1999, p. 319 ss. Puntualizza i rischi che
sarebbero potuti derivare una normativizzazione del contratto in parola L. Peters, Franchising: to legislate, or
not to legislate, that is the question!, in Dir. comm. int., 1994, p. 615 ss.
130
L. Delli Priscoli, Franchising e tutela dell’affiliato, Milano, 2000, p. 113; C. Vaccà, Franchising: una
disciplina in cerca di identità, in Contratti, 2004, p. 885.
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126
Non deve quindi sembrare strano che, come nella disciplina sulla subfornitura, anche qui
gli strumenti di tutela predisposi ruotino intorno alla previsione di vincoli di forma
scritta131 affiancati da oneri attinenti la previsione di un contenuto vincolato del contratto e
la necessaria formulazione delle clausole in maniera chiara e trasparente con evidenti
finalità informative.132
In conclusione, appare evidente la forte incidenza che il mutamento
dell’assetto valoriale che ormai caratterizza il nostro ordinamento ha avuto – e continua ad
avere – per una piena comprensione non solo delle discipline di settore che impongono
limitazioni all’autonomia negoziale, ma anche per guidare l’operatore del diritto nella
corretta interpretazione delle norme e degli istituti che disciplinano il contratto. Questo,
infatti, non può essere inteso solo quale mero strumento attraverso cui realizzare interessi
esclusivamente economici. Al contrario, se correttamente interpretato, il contratto diventa
un mezzo attraverso cui garantire traffici commerciali che non siano soltanto produttivi di
ricchezza ma che aggiungano a tale loro caratteristica la capacità di realizzare quei valori
di equilibrio, uguaglianza, ragionevolezza e bilanciamento che trovano proprio all’interno
della nostra Costituzione la loro massima enunciazione. Ma, a ben vedere, tali principi non
sono propri solo dell’ordinamento italiano ma compongono quel complesso di valori
condivisi da tutti gli Stati membri che proprio intorno agli stessi dovrebbero creare e
stimolare la nascita di un comune diritto privato europeo. Soltanto stimolando le comuni
radici valoriali europee, infatti, sembra potersi prospettare il superamento di tutte quelle
tendenza volte ad ostacolare la creazione di norme comuni e condivise. Se, da un lato,
appare evidente l’impossibilità di imporre norme uniformi in maniera rigida ed autoritaria,
dall’altro non ci si può esimere dal valorizzare proprio quei punti di contatto che, se
concretamente coltivati, hanno la capacità di creare un terreno fertile affinché, con il
tempo, si possa giungere in maniera maggiormente naturale alla condivisione della
disciplina di interi ambiti privatistici.
Vincolo imposto dall’art. 3, comma 1 della l. n. 129 del 2004. Si veda, sul punto, F. Bortolotti, La nuova
legge sul franchising, prime impressioni, in Contr. impr./Eur., 2004, p. 110; F. Quattrocchio, Forma e
contenuto del contratto, in O. Cagnasso (a cura di), Norme per la disciplina dell’affiliazione commerciale,
Torino, 2005, p. 98; G. De Nova, La nuova legge sul franchising, in Contratti, 2004, p. 763; A. Frignani,
Franchising. La nuova legge, Torino, 2004, p. 73.
132
V. Pandolfini, Gli obblighi informativi nella nuova legge sul franchising, in Contratti, 2005, p. 73 ss.
131
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PARECER
A COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS SOBRE AS OBRAS MUSICAIS E
FONOGRAMAS TRANSMITIDOS VIA INTERNET
Copyrights on Music and Phonograms Transmitted via Internet
Gustavo Tepedino
Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Sócio fundador do escritório Gustavo Tepedino Advogados
Resumo: As tecnologias ampliaram os meios de disponibilização de obras artísticas. A
despeito da diversidade estrutural das novas modalidades de transmissão tecnológica, tais
ferramentas desempenham a mesma função das modalidades tradicionais de radiodifusão.
Incide, em consequência, o art. 29 da Lei 9.610/98, deflagrando-se, após a autorização
prévia e expressa do autor, a cobrança de direitos autorais como forma de remuneração
pela utilização de sua obra. Com efeito, o que caracteriza a execução pública de obra
musical pela internet é a sua disponibilização decorrente da transmissão em si considerada,
tendo em vista o alcance potencial de número indeterminado de pessoas.
Palavras-chave: Direitos autorais; Internet; Execução pública.
Abstract: The technologies have expanded the ways of providing artistic works. Despite
the structural diversity of new technological forms of transmission, these tools perform the
same function of traditional forms of broadcasting. Therefore, art. 29 of Law 9.610/98
must be applied, protecting copyright after the prior written consent of the author, as
compensation for the use of his work. Indeed, what characterizes the public performance of
musical works over the Internet is making it available due to the transmission itself
considered, given the scope of potential unknown number of people.
Keywords: Copyrights; Internet; Public performance.
Sumário: 1. Síntese – 2. A evolução dos bens jurídicos e as novas tecnologias. Identidade
de função dos bens jurídicos: incidência da mesma disciplina jurídica. Transmissão e
potencial retransmissão, via internet, das obras musicais, alcançando público
indeterminado e superior às mídias tradicionais – 3. Os direitos autorais como forma de
proteção à personalidade do autor. Necessidade de proteção nas variadas formas de
manifestação. Interpretação do art. 68, §§ 2º e 3º, Lei 9.610/98. Evolução dos conceitos de
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execução pública e local de frequência coletiva. Possibilidade de cobrança de direitos
autorais sobre as obras musicais e fonogramas transmitidos via internet – 4. Resposta aos
quesitos.
Honra-nos ESCRITÓRIO CENTRAL
DE
ARRECADAÇÃO
E
DISTRIBUIÇÃO –
ECAD, solicitando OPINIÃO DOUTRINÁRIA acerca de sua legitimidade para a cobrança de
direitos autorais com relação às obras musicais e fonogramas transmitidos via internet, por
meio de diferentes tecnologias, tais como webcasting, simulcasting, streaming e
podcasting.
A partir da indagação apresentada, o Consulente formula os seguintes
quesitos:
1. Como se caracteriza a execução pública musical na internet?
2. A internet é um ambiente de frequência coletiva?
3. Há transmissão na execução pública musical na internet?
4. Como o Marco Civil da Internet aprovado em 23 de abril de
2014 definiu a internet?
5. A transmissão de obras musicais e fonogramas na internet
configuram execução pública?
6. Comparativamente aos meios convencionais de radiodifusão,
a utilização de obras musicais e fonogramas no ambiente de
internet atinge um público indeterminado potencialmente
maior do que o de telespectadores e de ouvintes de rádio?
7. A transmissão de obras musicais via internet depende de
licença exclusiva e autônoma dos respectivos titulares
independentemente de licenciamentos concedidos para efeito de
transmissões por TV e rádio convencionais tal como eram
conhecidos e funcionavam antes do advento da internet?
Para responder a tais quesitos, desenvolveu-se a seguir a presente
OPINIÃO DOUTRINÁRIA em dois eixos temáticos, cujas conclusões se encontram
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sintetizadas em ementa, após a qual se seguirão seu desenvolvimento e as respostas
específicas aos quesitos formulados.
1. Síntese
As tecnologias ampliaram os meios de disponibilização de obras
artísticas. A despeito da diversidade estrutural das novas modalidades de transmissão
tecnológica, tais ferramentas desempenham a mesma função das modalidades tradicionais
de radiodifusão. Incide, em consequência, o art. 29 da Lei 9.610/98, deflagrando-se, após a
autorização prévia e expressa do autor, a cobrança de direitos autorais como forma de
remuneração pela utilização de sua obra, consistindo os direitos autorais em direito
fundamental dos autores em razão da execução pública e transmissão de sua criação
artística na internet, locus público de frequência coletiva, que se projeta para número
indeterminado de pessoas.
Além disso, a hipótese de transmissão simultânea em múltiplos
ambientes propiciados pela internet não gera duplicidade de cobrança sobre o mesmo fato
gerador (bis in idem) tendo em conta a diversidade dos ambientes de execução, assim
como ocorre nas mídias tradicionais retransmitidas por pluralidade de meios de difusão
(art. 31, Lei 9.610/98). Em consequência, para cada modalidade de utilização deve haver
uma autorização específica.
Por outro lado, não se confundindo a linguagem técnico-jurídica com a
vulgar, deve o intérprete atribuir ao texto legislativo o sentido próprio dos conceitos
jurídicos, em que a noção de publicidade da obra intelectual não é dada pelo (maior ou
menor) número de pessoas atingidas. Nessa esteira, a audição privada por uma única
pessoa em seu computador pessoal, ou, em contrapartida, o compartilhamento coletivo da
transmissão não serve de critério diferenciador da incidência normativa, já que o fato
gerador do direito autoral é a comunicação ao público (rectius, execução pública)
estabelecida com a transmissão, exposta a público indeterminado em local de frequência
coletiva (internet). Trata-se do mesmo substrato gerador da Súmula 63 do STJ, segundo a
qual “são devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em
estabelecimentos comerciais”, independentemente de ter sido a programação transmitida,
percebida ou escutada por um único ouvinte. Mostra-se, pois, irrelevante, no sistema
jurídico brasileiro, o quantitativo de pessoas que se encontram no ambiente de execução
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musical para a caracterização de local de frequência coletiva, bastando que se possa,
potencialmente, atingir uma coletividade de pessoas.
Em definitivo, o que caracteriza a execução pública de obra musical pela
internet é a sua disponibilização decorrente da transmissão em si considerada, tendo em
vista o alcance potencial de número indeterminado de pessoas.
2. A evolução dos bens jurídicos e as novas tecnologias. Identidade de função dos bens
jurídicos: incidência da mesma disciplina jurídica. Transmissão e potencial
retransmissão, via internet, das obras musicais, alcançando público indeterminado e
superior às mídias tradicionais
A transmissão das obras musicais e fonogramas via internet e suas
repercussões para o direito brasileiro situam-se, do ponto de vista dogmático, no âmbito do
debate doutrinário acerca da evolução dos bens jurídicos. Tradicionalmente, sob a
perspectiva estrutural dos fatos jurídicos que por muitos anos preponderou na teoria dos
bens, associava-se o conceito de bem à sua fruição de forma exclusiva, a traduzir direito
subjetivo atribuído a determinado titular em caráter privativo. Nesta esteira, apenas o
proprietário tinha direitos exclusivos sobre as coisas, em regime de pertinência que lhe
propiciava amplos poderes de disposição, uso e gozo, sem qualquer atribuição de deveres
ou ônus em razão de sua titularidade. Em uma palavra, a coisa objeto do domínio servia tão
somente a certa pessoa, que dela extraía todas as suas utilidades. Construiu-se, dessa
maneira, a doutrina do direito autoral a partir da propriedade (de coisa imaterial), tendo por
paradigma o dono da obra. Os bens jurídicos, por outro lado, como as criações artísticas e
intelectuais, eram descritos de forma estática, com classificações rígidas que desconheciam
o contexto fático em que se encontravam e a função a que se destinavam.
Entretanto, com o desenvolvimento do perfil dinâmico da relação
jurídica, constatou-se que a noção de bem pressupõe a sua aptidão funcional para constituir
objeto de direitos. 1
Diante desta premissa dogmática, o bem não se identifica com a coisa em
sentido material (ou não jurídico). Resulta, necessariamente, de processo de individuação,
de modo a determinar, no campo da realidade objetiva, parcela autônoma e unitária sobre a
1
Nesta perspectiva, seja consentido remeter a Gustavo Tepedino, Regime Jurídico dos Bens no Código Civil.
In: Sílvio de Salvo Venosa et al., 10 anos do Código Civil: desafios e perspectivas, São Paulo: Atlas, 2012,
p. 50.
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qual recaia interesse subjetivo cuja tutela justifique sua qualificação como bem jurídico. A
partir de tal individuação, o bem, extraído da realidade tangível (suporte fático de
incidência do direito), assume conteúdo e contornos inteiramente diversos da realidade
material, compatíveis com a função a que se destina.2 Pela mesma razão, o bem jurídico
pode representar coisas imateriais, incorpóreas3 ou intangíveis, a exemplo das obras
musicais, dos direitos autorais, da clientela, da marca, da informação, dentre outras. Nessa
perspectiva finalística devem ser analisadas as tecnologias de difusão, transmissão e
reprodução de obras musicais, com as novas mídias que a cada dia se multiplicam e se
renovam no espaço virtual. Cuida-se de bens jurídicos destinados não somente à
reprodução, execução, transmissão e retransmissão, como também à recepção, difusão e
publicização da liberdade de expressão, para o compartilhamento, em dimensão geográfica
ilimitada, de obras artísticas. Assim como as redes sociais e os chamados sites de
relacionamento congregam multidões a partir do recesso privado de cada um dos
participantes, sem aglomeração física do público, também a publicidade de obras
intelectuais ocorre sem a presença da multidão de outrora, por meio de sítios virtuais que
asseguram a publicidade da execução para número indeterminado de pessoas sem contato
físico.
Diante da mutação funcional dos centros de interesse, novos bens
jurídicos adquiriram papel preponderante na contemporaneidade, substituindo outros que,
ao longo do tempo, desapareceram do mercado de consumo. A Revolução Tecnológica
permitiu, a um só tempo, o surgimento de novos (i) bens imateriais, como as criações
intelectuais, a informação, o know-how, os interesses difusos, os e-books e as redes
sociais4; e (ii) meios técnico-científicos de veiculação destes bens imateriais, dentre os
2
Sobre o tema, Alberto Auricchio inicia o mais profundo estudo sobre a matéria (La individuazione dei beni
immobili, Napoli: Jovene, 1960) reproduzindo indagação frequente na manualística alemã: “Tício tem uma
fazenda que se compõe de uma casa colonial, um jardim, quatro campos, duas pastagens e um bosque:
quantos bens tem Tício?”. Em termos práticos, assim como a existência física de uma porção territorial,
materialmente dividida em diversos sítios, e intermediada por vias de acesso, pode conter, juridicamente, um
condomínio, um loteamento, ou uma propriedade única, o livro do qual se arrancam folhas, pode resultar em
bens distintos, ou em uma resma de papel diversa de obra literária. Salvatore Pugliatti alude a obra clássica
de Giuseppe Raimondi, em que o ancião cortava suas próprias unhas, recolhendo os pedacinhos “com
afetuoso escrúpulo”, colocando-os em uma caixinha “daquelas que mantinham as mulheres para as
recordações de família”. Motivado pelo “estranho afeto”, acrescenta Pugliatti, o universo recolhido
“constituía uma coisa em sentido jurídico, um bem de sua propriedade” (Cosa in senso giuridico (b – teoria
generale), in Enciclopedia del diritto, Milano: Giuffrè, 1962, v. XI, p. 58).
3
Sobre a problemática dos bens incorpóreos, v. Roberto de Ruggiero, Istituzioni di diritto civile, vol. II,
Milano: Casa Editrice Guiseppe Principato, 1934, pp. 300-301.
4
Gustavo Tepedino, Teoria dos bens e situações subjetivas reais: esboço de uma introdução, in Temas de
direito civil, t. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 138. Cf., ainda, Pietro Perlingieri e Francesco Ruscello,
Manuale di diritto civile, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1997, p. 170: “Em uma sociedade com
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quais se destaca a Internet, que permitiu conectar os computadores em todo o mundo,
propiciando a troca de dados e informações em todos os recantos do planeta. Na definição
da Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da internet, que
objetivou disciplinar os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no
Brasil5, a internet consiste em “sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos,
estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar
a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes” (art. 5º, I).
Na mesma esteira, a legislação estrangeira buscou definir o conceito de
internet, ressaltando traduzir-se em meio de transmissão de dados em rede de
computadores de alcance ilimitado, a qual qualquer cidadão pode se integrar, a denotar a
publicidade das informações veiculadas. Confira-se a definição do 31 U.S. Code § 5362:
“Internet – O termo ‘Internet’ significa a rede internacional de computadores de
interoperáveis redes de pacotes de dados comutados”.6
Ainda na esfera internacional, o caráter público das informações
transmitidas via internet é ressaltado pelo trabalho publicado pela CISAC, Confederação
Internacional de Sociedades de Autores e Compositores, que, ao conceituar “performing
rights”, ou seja, o direito de comunicar ao público obras protegidas pelos direitos autorais,
sublinha que esta execução pública poderá se efetivar pela transmissão da obra via
tecnologia avançada, em contínua evolução, dominada pela indústria e pelo comércio, pelos serviços e pelas
ideias, novos bens se individuam de modo cada vez mais frequente: o software (programas para
computadores), o know-how (procedimentos e conhecimentos empresariais não abrangidos por particulares),
a informação em si mesma”. No original: “In una società a tecnologia avanzata, in continua evoluzione,
dominata dall’industria e dal commercio, dai servizi e dalle idee, sempre più di frequente si individuano
nuovi beni: il software (programmi per gli elaboratori), il know-how (procedimenti e conoscenze aziendali
non coperti da privative), l’informazione in sé”.
5
Sobre os objetivos da Lei conhecida como Marco Civil da internet, registrou-se em outra sede: “(...).
Destina-se a regular tormentosos problemas surgidos pela evolução tecnológica, contrapondo liberdade e
responsabilidade. Quatro questões fundamentais tornam-se objeto da nova legislação: (i) a privacidade dos
usuários; (ii) o tratamento de dados pessoais; (iii) a responsabilidade civil dos provedores de aplicação ou de
conteúdo; (iv) a neutralidade da rede” (Gustavo Tepedino, Marco civil da internet e os novos problemas do
direito privado. In: Revista Tridimensional de Direito Civil, vol. 52, out./dez. 2012, p. v). Como sublinhado
pelo relator do Projeto de Lei, Alessandro Molon: “Nosso objetivo, assim, é que o Marco Civil da Internet, ao
preservar os direitos de todos os cidadãos e as características básicas da Internet, proteja a liberdade de
expressão e a privacidade do usuário, garanta a neutralidade da rede e promova a inovação, além de impedir
propostas autoritárias que venham a desfigurar a natureza aberta, não proprietária, descentralizada e
distribuída da Internet, para a promoção do desenvolvimento social e econômico do Brasil” (Marcos Alberto
Sant’Anna Bitelli, A lei 12.962/2014: o Marco Civil da Internet. In: Revista de Direito das Comunicações,
vol. 7, jan. 2014, p. 291 e ss.). V. tb. Marcus A. Martins, Do telégrafo à internet: o histórico da legislação
das comunicações do Brasil. In: Revista de Direito das Comunicações, vol. 7, jan. 2014, p. 13 e ss.; Geraldo
Frazão de Aquino Júnior, A responsabilidade civil no âmbito do Marco Civil da Internet. In: Revista dos
Tribunais Nordeste, vol. 5, mai./jun. 2014, pp. 257-277.
6
Tradução livre. No original: “Internet - The term “Internet” means the international computer network of
interoperable packet switched data networks”.
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plataformas digitais, com recurso, portanto, à internet. Veja-se a definição: “Direitos de
execução. O direito de comunicar o trabalho protegido pelo direito autoral ao público, seja
pela apresentação ao vivo, transmissão de rádio, transmissão a cabo ou disseminação por
meio de plataformas digitais, como o streaming” (grifou-se).7
Deste modo, o conceito de internet pressupõe a publicidade das
informações transmitidas, que alcança público irrestrito e ilimitado, de modo a permitir a
comunicação e a transmissão de dados intangíveis entre todos os computadores integrados
à rede mundial.
Neste cenário, os bens imateriais passam a constituir, de modo cada vez
mais frequente, objeto das mais variadas relações jurídicas; e, ao mesmo tempo, em razão
de sua imaterialidade, são transmitidos para número indeterminado de pessoas via internet,
de modo a reclamar imediata tutela jurídica.
Observa-se, assim, o redimensionamento da noção de bens – relativa e
mutável, de acordo com o contexto socioeconômico,8 – os quais compõem o patrimônio
dos sujeitos e consistem em objeto de múltiplo aproveitamento econômico, requerendo o
mesmo grau de proteção outrora dispensado aos bens corpóreos ou materiais.9 Deste modo,
a disciplina das coisas não se afigura estática e imutável, mas varia segundo o bem e a
relação jurídica na qual se insere. O ordenamento jurídico oferece, portanto, mecanismos
de tutela diferenciados consoante não apenas o bem, mas o conjunto de interesses (ou
finalidade) ao qual se refere e que identifica a disciplina jurídica aplicável.10
No original: “Performing rights. The right to communicate a copyright work to the public, whether by way
of live performance, radio broadcast, cable transmission or dissemination via digital platforms such as
streaming”.
8
Acerca da mutabilidade e dinamicidade do conceito de bem, anota Francisco Amaral: “O conceito de bem é
histórico e relativo. Histórico, porque a ideia de utilidade tem variado de acordo com as diversas épocas da
cultura humana, e relativo porque tal variação se verifica em face das necessidades diversas por que o homem
tem passado” (Direito civil: introdução, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 347).
9
Registra, ao propósito, Francesco Ferrara: “Quais bens são juridicamente protegidos depende da
determinação das normas positivas em conexão com as condições de civilização. Por isso o conceito de coisa
é relativo e mutável. Na vida moderna, a investigação dos bens se alargou, porque ao lado de simples objetos
corporais surgiram criações intelectuais (produtos científicos, literários, artísticos) capazes de uma autônoma
existência e desfrute econômico. O conceito de coisa se espiritualizou e de simples objeto corporal se elevou
a elemento impalpável e suprassensível de nosso patrimônio”. No original: “Quali beni siano giuridicamente
protetti, dipende dalle norme positive il determinare, in connessione alle condizioni di civiltà. Perciò il
concetto de cosa è relativo e mutevole. Nella vita moderna la cerchia dei beni s’è allargata, perchè a canto a
semplici oggetti corporali sono entrate delle creazioni intellettuali (prodotti scientifici, letterari, artistici)
come capaci d’un’autonoma esistenza e sfruttamento economico. Il concetto di cosa si è spiritualizzato, e da
semplice oggetto corporale si è elevato ad elemento impalpabile e soprasensibile del nostro patrimonio”
(Trattato di diritto civile, vol. I, Roma: Athenaeum, 1921, p. 730).
10
Pietro Perlingieri e Francesco Ruscello, Manuale di diritto civile, cit., p. 171.
7
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Nesse panorama de extraordinária transformação, os bens jurídicos,
independentemente de sua forma de exteriorização e de seu modo de veiculação, hão de ser
disciplinados pelas normas jurídicas identificadas a partir da função que desempenham.
Por outras palavras, por meio da função qualificam-se os bens jurídicos, determinando-se,
por conseguinte, a disciplina jurídica aplicável. Para cada bem, o ordenamento reserva
regime jurídico que o singulariza de acordo com sua específica destinação, finalidade e
função. No caso dos direitos de autor, devem ser protegidos como expressão da
personalidade e da dignidade humana, valor máximo do ordenamento, a prescindir do
modo de expressão ou de exteriorização da obra artística ou intelectual.11 À guisa de
exemplo, o livro eletrônico ou e-book, acessível por meio de algum serviço online, e não
mais por edição impressa, há de ser caracterizado como livro em razão de seu conteúdo
(obra literária) que desempenha idêntica função do formato físico, independentemente da
alteração do modo pelo qual é veiculado.12
Assim também ocorre com as obras musicais e fonogramas, os quais,
veiculados anteriormente apenas por mecanismos de radiodifusão (rádio e televisão
aberta), passaram a ser transmitidos pela televisão por assinatura, desenvolvidos
posteriormente com o surgimento dos videoclipes, e hoje são transmitidos pela internet,
que consiste no meio de transmissão mais eficaz da atualidade, atingindo formidável
número de pessoas, das mais variadas formas. Pode-se mesmo afirmar que a internet
consiste no meio capaz de atingir maior número de usuários relativamente a qualquer outro
mecanismo presente na contemporaneidade.
Nesta esteira, destaca-se o streaming como modo de transmissão das
obras musicais e fonogramas via internet, sendo a tecnologia que permite disponibilizar
conteúdos de livro, música, vídeo, ao vivo ou a pedido na internet. Transmite-se ao vivo e
em tempo real os dados em áudio e vídeo pela internet, sem download de conteúdo.13 O
11
Sobre o tema, v., por todos, Antônio Chaves, Direito de Autor: princípios fundamentais, Rio de Janeiro:
Forense, 1987, pp. 6-7.
12
Para o desenvolvimento pormenorizado da matéria, v. Gustavo Tepedino, Da incidência da imunidade
tributária sobre livro eletrônico. In: Soluções práticas de direito, vol. 1, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2012, pp. 166-168. Cf., ainda, José de Oliveira Ascensão, Direito da internet e da sociedade da
informação, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 99.
13
A Comissão Europeia, em seu manual de internet, conceitua o streaming como: “(...) a tecnologia de
transmissão ao vivo de imagens e sons na web. (…) web streaming permite às pessoas participar de reuniões,
conferências, workshop etc. no conforto de seus escritórios ou de suas casas usando o seu computador”. No
original: “(...) a technology to deliver live images and sound on the web (Internet or intranet) (…) Web
streaming allows people to follow a meeting, conference, workshop, etc. from the comfort of their own
offices
or
homes
using
their
PC”
(disponível
em:
http://ec.europa.eu/ipg/services/web_streaming/index_en.htm; acesso em 29.4.2015). A definição pode ser
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streaming funciona tal como a televisão, diferenciando-se apenas quanto à tecnologia de
transmissão. Como modalidades de utilização da tecnologia streaming, situam-se (i) o
simulcasting, que traduz a transmissão simultânea de programas ou eventos de difusão em
mais de um meio, ou de mais de um serviço ao mesmo tempo, como a transmissão do
mesmo programa em várias línguas ou na rádio e na internet, a multiplicar, quase que
ilimitadamente, os ambientes alcançados; e o (ii) webcasting, que consiste na transmissão
de sons ou imagens pela internet.14 Há, ainda, o podcasting, que consubstancia modalidade
de publicação de arquivos de mídia digital (áudio, vídeo, foto, PPS, etc.) pela internet,
mediante o feed RSS, que permite aos utilizadores acompanhar a sua atualização. Com
isso, torna-se possível o acompanhamento e/ou download automático do conteúdo do
podcast.15
Da mesma forma, os meios de comercialização das músicas se
reinventaram, sendo possível hoje adquirir esses bens imateriais em lojas online, de modo
que os CDs e DVDs se tornam, cada vez mais, meios obsoletos de acesso à obra musical.
também encontrada no Code of Federal Regulations (CFR), publicação anual lançada pelo Governo
Americano acerca de temas sujeitos à regulamentação federal, na parte relativa aos direitos autorais, nos
seguintes termos: “Stream significa a transmissão digital de uma gravação de som de uma obra musical para
um usuário final (1) Para permitir que o usuário final escute a gravação de som, enquanto mantém a conexão
de rede ao vivo para o serviço de transmissão, substancialmente no momento da transmissão, exceto na
medida em que a gravação de som permanece acessível para futura escuta de uma reprodução de streaming
cache; (2) Usando a tecnologia que é projetada de tal forma que a gravação de som não permanece acessível
para ouvir no futuro, salvo na medida em que a gravação de som permanece acessível para futura escuta de
uma reprodução de streaming cache; e (3) que também está sujeita a licenciamento como execução pública
da obra musical”. No original: “Stream means the digital transmission of a sound recording of a musical
work to an end user— (1) To allow the end user to listen to the sound recording, while maintaining a live
network connection to the transmitting service, substantially at the time of transmission, except to the extent
that the sound recording remains accessible for future listening from a streaming cache reproduction; (2)
Using technology that is designed such that the sound recording does not remain accessible for future
listening, except to the extent that the sound recording remains accessible for future listening from a
streaming cache reproduction; and (3) That is also subject to licensing as a public performance of the musical
work”
(disponível
em
http://www.ecfr.gov/cgi-bin/textidx?SID=d564f6d8537f945250af4a991a36ee21&mc=true&node=se37.1.385_111&rgn=div8; acesso em
29.4.2015).
14
Na definição do dicionário Merrian-Webster, webcasting consiste na “transmissão de sons e imagens (tal
como de um evento) por meio da World Wide Web”. No original: “a transmission of sound and images (as of
an event) via the World Wide Web” (disponível em: http://www.merriam-webster.com/dictionary/webcast;
acesso em 29.4.2015).
15
“Podcasting é um meio simples de entrega de arquivos de mídia por meio de seu download após a
solicitação do usuário. O arquivo baixado pode ser executado no computador ou transferido para ampla gama
de tocadores de mídia portáteis, dos quais o ipod é o mais conhecido exemplo. O áudio de MP3 é
provavelmente o formato mais conhecido, mas o podcasting não é limitado ao áudio, qualquer arquivo pode
ser
entregue
desta
maneira”
(disponível
em
http://reports.is.ed.ac.uk/areas/itservices/media/podcasting/service_definition.shtml; acesso em 29.4.2015).
No original: “Podcasting is a simple means of delivering a media file by downloading it after a user requests
it. The downloaded file can then be played on a PC, or transferred to a wide range of portable media players,
of which the iPod is the best known example. MP3 audio is probably the most well known file format, but
podcasting is not limited to audio, any file can be delivered in this manner”.
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Assim sendo, as mídias rígidas vão cedendo lugar à denominada nuvem,16 meio
tecnologicamente mais avançado de armazenamento de informações na rede via internet.
Na mesma linha de inovação tecnológica, possibilita-se ao artista ou compositor
disponibilizar suas músicas diretamente, com o objetivo de ampliar a divulgação de sua
obra para público potencialmente ilimitado.
Nessa esteira, ao se constatar que a música veiculada seja por rádio, seja
pela internet, constitui rigorosamente o mesmo bem jurídico imaterial obra musical ou
fonograma, por evidente identidade de função, diferenciando-se apenas na forma
tecnologicamente mais avançada de transmissão, há de se aplicar, como decorrência
necessária, idêntica disciplina jurídica.
De fato, a obra musical traduz bem imaterial que expressa determinada
composição derivada do intelecto humano, expressão da atividade artística e cultural de
determinado sujeito, a constituir a extensão de sua personalidade. A sua finalidade ou
função consiste em divulgar a criação artística ou intelectual de certa pessoa ao público.
Tal como na rádio, a música veiculada pela internet, por diversos meios de transmissão,
como o webcasting, simulcasting ou podcasting, expressa a mesma criação intelectual,
atingindo, inclusive, maior número de pessoas. Por outras palavras, a música transmitida
pela rádio ou pela internet não se altera, a despeito da diversidade de ferramentas e
mecanismos de transmissão.
Em consequência, por se tratar de idêntico bem jurídico – obra musical
ou fonograma –, com identidade de função, distinguindo-se apenas nos meios ou formas de
divulgação (via rádio, televisão ou internet), há de incidir a mesma disciplina jurídica
prevista no ordenamento brasileiro para o tratamento dos direitos, deveres e das relações
jurídicas pertinentes aos bens jurídicos obra musical e fonograma.
16
O National Institute of Standards and Technology (NIST) do governo norteamericano, com o intuito de
uniformizar os conceitos, define Cloud computing como “o modelo para permitir o onipresente e conveniente
acesso à rede sob demanda a um pool compartilhado de recursos computacionais configuráveis (p. ex. redes,
servidores, armazenamento, aplicações e serviços), os quais podem ser rapidamente fornecidos e liberados
com um esforço mínimo de gerenciamento ou interação com o provedor de serviços. Esse modelo de nuvem
é composto por cinco características essenciais, três modelos de serviços e quatro modelos de implantação”
(disponível em http://csrc.nist.gov/publications/nistpubs/800-145/SP800-145.pdf; acesso em 29.4.2015). No
original: “a model for enabling ubiquitous, convenient, on-demand network access to a shared pool of
configurable computing resources (e.g., networks, servers, storage, applications, and services) that can be
rapidly provisioned and released with minimal management effort or service provider interaction. This cloud
model is composed of five essential characteristics, three service models, and four deployment models”.
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3. Os direitos autorais como forma de proteção à personalidade do autor. Necessidade
de proteção nas variadas formas de manifestação. Interpretação do art. 68, §§ 2º e 3º,
Lei 9.610/98. Evolução dos conceitos de execução pública e local de frequência
coletiva. Possibilidade de cobrança de direitos autorais sobre as obras musicais e
fonogramas transmitidos via internet
No âmbito específico da disciplina jurídica pertinente aos bens musicais,
a proteção da autoria da obra é direito fundamental do autor destinado a preservar a sua
criação, como decorrência da tutela à sua personalidade.
Por outras palavras, atribui-se aos direitos autorais caráter dúplice
correspondente ao direito da personalidade (atributo moral) e ao direito patrimonial
relacionado à exploração econômica da obra. O elemento moral exprime a criação
intelectual do autor, ao passo que o elemento patrimonial representa a contrapartida
econômica pela produção intelectual, permitindo ao autor auferir lucros decorrentes da
exploração de sua obra.17
Deste modo, os direitos autorais, disciplinados pela Lei 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, têm por função ou finalidade, a um só tempo, (i) proteger as criações
intelectuais, nos campos literário, artístico e científico, assegurando ao autor da obra os
seus direitos morais (direitos de paternidade, integridade, etc.), enumerados no art. 2418,
Lei 9.610/98; e (ii) garantir ao criador da obra seus direitos patrimoniais de autor em razão
da exploração econômica da obra. No caso específico das obras musicais, a exploração
econômica se opera a partir da execução pública musical em local de frequência coletiva.19
Na seara dos direitos patrimoniais do autor, a exploração econômica da
obra pode se verificar diretamente pelo seu autor ou por terceiros, mediante sua
Sobre o caráter híbrido dos direitos autorais, como direito da personalidade – pelo atributo moral – e como
direito patrimonial – quanto ao aproveitamento econômico da obra, v., por todos, Carlos Alberto Bittar e
Carlos Alberto Bittar Filho, Tutela dos Direitos da Personalidade e dos Direitos Autorais nas Atividades
Empresariais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 11.
18
“Art. 24. São direitos morais do autor: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II - o de ter
seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de
sua obra; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer
modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em
sua reputação ou honra; V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI - o de retirar de circulação
a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização
implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando
se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou
assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a
seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado”.
19
Na dicção do art. 22, Lei 9.610/98: “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a
obra que criou”.
17
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autorização, a teor do disposto no art. 29, caput,20 Lei 9.610/98. O mesmo dispositivo
enumera, em caráter exemplificativo21, as modalidades de utilização da obra, dentre as
quais se destacam “VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou
científica, mediante: (...) i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de
qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;” e “X quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas”.22
Dentre tais modalidades possíveis de exploração das obras, inclui-se, de
modo inequívoco, a internet, meio utilizado com mais frequência no Brasil posteriormente
à edição da Lei 9.610/98, o qual, mediante a utilização de cabos de fibra ótica, permite a
troca de dados e informações em todos os lugares do mundo, criando rede apta a conectar
número extraordinário de computadores. Em consequência, as obras que sejam exploradas
pelo autor ou por terceiro por meio da internet hão de receber a mesma proteção jurídica
prevista no ordenamento para os direitos autorais.
No que concerne especificamente às obras musicais, na atualidade, como
se viu, existem diversas formas de exploração da obra musical na internet, dentre as quais
o webcasting, o simulcasting e o podcasting, a atrair, por conseguinte, a incidência da Lei
9.610/98. Tais tecnologias enquadram-se nos requisitos de incidência normativa,
“Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer
modalidades, tais como: (...)”.
21
Esclarece José de Oliveira Ascensão, em comentário ao dispositivo, tratar-se de enumeração meramente
exemplificativa (Direito da internet e da sociedade da informação, cit., p. 7). Na mesma direção: “Deve ser
observado que, de acordo com o discurso tradicional dos direitos autorais, os direitos patrimoniais do autor
sobre a sua obra não se esgotam na enumeração trazida pela Lei n. 9.610/98. Ou seja, as possibilidades de
utilização econômica da obra não são limitadas pela legislação, pois o rol de modalidades de utilização
indicado pela Lei não é taxativo” (Sérgio Said Staut Júnior, Direitos Autorais: entre as relações sociais e as
relações jurídicas, Curitiba: Moinho do Verbo, 2006, pp. 84-86).
22
Vejam-se, ainda, os demais meios de exploração da obra indicados, em caráter exemplificativo, pela norma
em questão: “Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer
modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical
e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou
produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros
para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra
ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção
para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos
em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação,
recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d)
radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência
coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer
tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e
figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as
demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que
venham a ser inventadas”.
20
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caracterizando as modalidades contemporâneas de exploração econômica das obras
musicais, executadas publicamente e disponibilizadas a público indeterminado.
Ao propósito do caráter público das informações e dados (aí incluídos, à
evidência, as obras musicais e fonogramas) transmitidos pela internet e de seu alcance a
público irrestrito, destaca a doutrina especializada:
Hoje o ciberespaço compõe o espaço público e seus sujeitos são todos
aqueles que tenham um computador ou celular com acesso à Internet.
Cada novo internauta pode ser produtor ou emissor de informações e
reorganizar por conta própria parte da conectividade global. (...) No
ciberespaço é possível uma comunicação direta, interativa e coletiva, sem
intermediários para o acesso a textos, música, e mundo virtual de cada
um. (...) Como visto, a Internet estabeleceu uma nova maneira de
relacionamento social e nova estrutura comunicacional, ao mudar a forma
de aquisição, transferência e uso da informação. O acesso a essa estrutura
passou a então significar o acesso ao espaço público, que, no regime
democrático instituído pelo texto constitucional, deve ser permitido a
todos.23
Na mesma direção, a jurisprudência, embora ainda não tenha enfrentado
com profundidade as repercussões da internet no espaço público e privado, já reconheceu o
seu caráter público e irrestrito:
Os provedores de pesquisa virtual realizam suas buscas dentro de um
universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se
restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou
informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa
forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a
consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente
ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial
de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa.
(...) 5. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo
ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à
informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de
violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia
da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88,
sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante
veículo de comunicação social de massa (STJ, Rcl 5072/AC, 2ª S., Rel.
p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Julg. 11.12.2013; grifou-se).
Além disso, os provedores de pesquisa realizam buscas no âmbito da
world wide web, um sistema de documentos em hipermídia que são
23
Régis Fernandes de Oliveira, Liberdade de Expressão e Internet. In: Revista de Direito das Comunicações,
vol. 4, jul. 2011, p. 27 e ss.
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interligados e executados na Internet, cujo acesso é público e irrestrito.
Dessa feita, sua função é restrita à identificação de páginas na web onde
determinado dado ou informação é livremente veiculado. Afinal, nos
termos da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) a liberdade de
expressão, de comunicação e de manifestação de pensamento é um dos
princípios que disciplinam o uso da Internet em nosso país (TJPR, AI
1235733-8, 11ª CC, Rel. Min. Gamaliel Seme Scaff, Julg. 15.4.2014;
grifou-se).
Portanto, no que se refere especificamente à função de execução e
transmissão de obras musicais e fonogramas, não há diferença entre as novas e as antigas
ferramentas, que se distinguem, evidentemente, pela tecnologia utilizada. Desta sorte,
verificada a execução da obra musical na internet, legitima-se a cobrança dos direitos
autorais.
Três questões fundamentais surgem do exame da legitimidade da
cobrança de direitos autorais na execução pública musical promovida por essas novas
tecnologias: (i) se tal utilização da obra depende de prévia e expressa autorização do autor,
enquadrando-se em uma das modalidades previstas no art. 29 da Lei 9.610/98; (ii) se
haveria execução pública em local de frequência coletiva, tal como previsto pelo art. 68, §§
2º e 3º, Lei 9.610/98; e (ii) se haveria modalidade autônoma de transmissão, nos termos do
art. 31 da mesma Lei 9.610/98.
Como se sabe, o legislador da Lei 9.610/98, informado certamente pelas
tendências que se consolidavam na literatura mundial da propriedade intelectual no final do
Século passado, antecipou-se à Revolução Tecnológica que se lhe seguiria, e em diversos
dispositivos mostrou-se deliberadamente abrangente, para abrigar as novas modalidades de
comunicação ao público (ou execução pública das obras).
Com esse propósito, já em suas disposições preliminares, conceitua, para
efeitos de aplicação da Lei, “publicação” e “comunicação ao público”, denotando a
preocupação do legislador em estender o campo de abrangência das normas de direitos
autorais a todas as hipóteses em que efetivamente ocorra a exploração da obra, mediante
sua publicação ou comunicação ao público. Consoante dispõe o art. 5°, Lei 9.610/98:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - publicação - o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao
conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer
outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo;
(...) IV - distribuição - a colocação à disposição do público do original ou
cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou
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execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer
outra forma de transferência de propriedade ou posse;
V - comunicação ao público - ato mediante o qual a obra é colocada ao
alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não
consista na distribuição de exemplares;
A dicção do dispositivo destina-se a alcançar todas as possíveis
circunstâncias em que a obra é comunicada ao público.24 Coerentemente com tal diretriz
normativa, o art. 7º da Lei 9.610/98 conceitua como obras intelectuais protegidas “as
criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível
ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) XII - os programas de
computador”. Vale dizer, o legislador pretendeu que quaisquer modalidades de criação que
viessem a ser inventadas deveriam estar sujeitas à proteção autoral.25
Já o art. 68, Lei 9.610/98 em seus §§2º e 3º, conceitua, respectivamente,
“execução pública” e “locais de frequência coletiva”, in verbis:
Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não
poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou líteromusicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. (...)
§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais
ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou
não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de
frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou
transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.
§ 3º Consideram-se locais de frequência coletiva os teatros, cinemas,
salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de
qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais,
estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais,
órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e
estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou
Sobre o objetivo da Lei 9.610/98, registrou-se em doutrina: “(...) todo o sistema de proteção dos direitos
autorais se funda na defesa do autor e na não utilização de sua obra, exceto mediante expressa autorização
legal ou com seu consentimento. O fundamento principal é a importância de fornecer ao autor mecanismos
de proteção à sua obra de modo a permitir que seja o autor devidamente remunerado e possa, diante dos
proventos auferidos com a exploração comercial de sua obra, seguir produzindo intelectualmente” (Sérgio
Vieira Branco Júnior, Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007, pp. 1-2). Ressalta o autor que as duas preocupações centrais nessa proteção consistem em: “(i)
enfatizar a necessidade de a obra, criação do espírito, ter sido exteriorizada; (ii) minimizar a importância do
meio em que a obra foi expressa. De fato, é relevante mencionar que serão protegidas apenas as obras que
tenham sido exteriorizadas. As ideias não são protegíveis por direitos autorais. No entanto, o meio em que a
obra é expresso tem pouco ou nenhuma importância, exceto para se produzir prova de sua criação ou de sua
anterioridade, já que não se exige a exteriorização da obra em determinado meio específico para que a partir
daí nasça o direito autoral” (pp. 42-46).
25
“Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas
em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) XII - os
programas de computador;”.
24
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aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras
literárias, artísticas ou científicas (grifou-se).
A tais dispositivos agrega-se o art. 31, que assegura independência a cada
meio de utilização, para fins de autorização concedida pelo autor, e o art. 4º, que impõe
interpretação restritiva aos negócios sobre direitos autorais, justamente no sentido de
ampliar a proteção do autor da obra artística ou intelectual.26
Atendendo-se à finalidade da Lei 9.610/98 de proteger, de forma efetiva,
os direitos autorais do criador da obra, o legislador considera execução pública 27 a
“transmissão por qualquer modalidade”, incluindo-se, assim, a execução de composições
musicais e fonogramas pela internet, que constitui atualmente o mais relevante meio de
transmissão das obras musicais e fonogramas28.
Da mesma forma, a referência a local de frequência coletiva29 indica
circunstância espacial apta ao compartilhamento da representação, execução, ou
transmissão de obras musicais, figurando a internet, por excelência, como local de
frequência coletiva, em que se permite a conexão em rede dos computadores existentes em
todas as partes do mundo, transmitindo quantidade significativa de obras musicais e
fonogramas.
Confirma-se, desse modo, a conclusão de que, assim como os bens
jurídicos se afiguram suscetíveis de contínua evolução, também os conceitos de execução
pública e de local de frequência coletiva alteram-se radicalmente com a Revolução
Eis o teor do art. 4º: “Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais”; e do
art. 31: “As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas
são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se
estende a quaisquer das demais”.
27
Tradicionalmente, caracterizava-se a execução pública como “uso de composições musicais (obra musical
– obra artística) com ou sem letra, em fonogramas, em obras audiovisuais (autorização de inclusão da obra
musical – sincronização, e a exibição propriamente dita da obra audiovisual com a obra musical inserida), na
radiodifusão (a emissão por rádio/televisão, é a retransmissão), em show, em música ao vivo (gerando nestes
últimos casos o direito para o músico acompanhante)” (Eduardo Pimenta, Princípios de Direitos Autorais:
um século de proteção autoral no Brasil, livro 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 376).
28
“O desenvolvimento tecnológico, aliado ao avanço da sociedade de informação, alterou profundamente a
maneira de se ouvir e consumir música, onde foi massificada a utilização das obras autorais sem autorização
dos titulares de seus direitos autorais e os meios digitais ganharam papel de destaque. Mais do que isso,
houve uma grande facilitação ao acesso e produção das obras autorais” (Marcos Wachowicz e Guilherme
Coutinho Silva, Novos moinhos de vento: direitos autorais musicais e sociedades informacionais. In: Marcos
Wachowicz, Direito da sociedade da informação & propriedade intelectual, Curitiba: Juruá, 2012, p. 357).
Na mesma direção, Patrícia Scorzelli, O Regime do Direito do Autor em Ambiente Digital, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2012, p. 76.
29
Vale ressaltar que a referência a locais de frequência coletiva pela lei considera-se meramente enunciativa
(Eduardo Monteiro de Castro Casassanta, Gestão coletiva dos direitos autorais: análise da Lei nº 9.610/98,
Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2009, p. 56). Nessa mesma direção, v., na jurisprudência, STJ, REsp
524.873, 2ª S., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julg. 22.10.2003.
26
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Tecnológica, justificando-se, nessa perspectiva, a adoção de hermenêutica destinada a
preservar a finalidade de proteção dos direitos autorais. Daí a enumeração exemplificativa
do § 3º do art. 68, Lei 9.610/98, acima transcrito, que se antecipa aos avanços tecnológicos,
de modo a tutelar os direitos autorais, na linguagem do legislador, “onde quer que se
representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas”.
Mostra-se
eloquente,
nessa
linha
de
raciocínio,
a
ampliação
jurisprudencial da noção de local de frequência coletiva, afastando a sua caracterização da
necessidade de aglomeração popular, o que permitiu incluir no conceito hotéis, motéis e
seus aposentos, lojas comerciais, considerando-se, portanto, a transmissão da música nestes
estabelecimentos como execução pública, para fins de recolhimento dos direitos autorais.
Como bem sublinhado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, na linha da
consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
(...) Não se pode pensar que nos termos da lei os motéis não sejam
considerados locais de frequência coletiva, porque não se pode confundir
o conceito para identificá-lo com espetáculos públicos, ou seja, com a
presença de muitas pessoas no local. Isso, com todo respeito, é um
equívoco que o legislador não cometeu. Basta a leitura do art. 68 da Lei
9.610/98 para espancar essa dificuldade. Lá estão bem claros os conceitos
de representação pública, execução pública e de frequência coletiva. E
neste último estão incluídos os hotéis e motéis, espraiado o conceito para
outros lugares, ou como diz a Lei ‘ou onde quer que se representem,
executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas’, como
antes indicado.30
O mesmíssimo raciocínio permite considerar a transmissão da obra
musical e fonogramas via internet como execução pública e a internet como novo locus
Confira-se a ementa do aludido acórdão: “Direito autoral. Aparelhos de rádio e de televisão nos quartos de
motel. Comprovação da filiação. Legitimidade do ECAD. Súmula nº 63 da Corte. Lei nº 9.610, de 19/2/98. 1.
A Corte já assentou não ser necessária a comprovação da filiação dos autores para que o ECAD faça a
cobrança dos direitos autorais. 2. A Lei nº 9.610/98 não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio
ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de frequência coletiva, escape da incidência da
Súmula nº 63 da Corte. 3. Recurso especial conhecido e provido (...). Não se trata mais de criar a diferença
do modo de retransmissão, tal o substrato da antiga jurisprudência. Agora o que importa é que exista a
transmissão em local de frequência coletiva, isto é, naqueles locais que a Lei indicou como tal, incluídos os
motéis e os hotéis. Demais disso, não se pode imaginar que, por exemplo, as televisões estejam nos quartos
exclusivamente para a transmissão dos canais abertos, mas, também, incluem, e nos motéis necessariamente,
a transmissão de fitas de vídeo, para diversão dos hóspedes. Aqui está a utilização da obra de titular de direito
autoral sem o pagamento devido. O mesmo se diga para os aparelhos de rádio, considerando que transmitem
obras musicais, particularmente nos motéis e hotéis com o objetivo de entretenimento dos hóspedes” (STJ,
RESP 556340/MG, 2ª S., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Julg. 28.4.2004). O mesmo já se julgou
a respeito de execução de músicas em supermercado (STJ, REsp 1.152.820, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Julg. 5.6.2014) e em clínica médica (STJ, REsp 1.067.706/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Julg. 8.5.2012).
30
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público de frequência coletiva, por conta do alcance potencial de extraordinário número de
pessoas, às quais são transmitidas diuturnamente composições musicais, com uso de
aplicativos, redes sociais, rádios online, por meio de variadas tecnologias, tais como o
simulcasting e o streaming, independentemente de eventual download de conteúdo.
Tal qual consolidado na jurisprudência construída para os meios
tradicionais de radiodifusão, o caráter público da execução independe do fato de o
destinatário da transmissão encontrar-se no recesso doméstico ou em ambiente que se sabe
privado. Ou, analogamente, como já decidiram os tribunais, pouco importa, para fins de
caracterização da execução pública, que a transmissão se opere por televisão aberta ou
fechada,31 discutindo-se, neste particular, apenas o preço, não já a cobrança dos direitos
autorais em si considerada. Tampouco importa o fato de a execução depender de iniciativa
individual, isto é, de o usuário acessar a internet. Nesse particular, a conexão com os meios
digitais equivale ao prosaico gesto de ligar a TV ou o rádio. Afinal, a iniciativa individual
de conexão com a rede de internet tem por premissa a execução pública do conteúdo na
rede mundial.32
No caso da transmissão simultânea de obras musicais na rádio e na
internet (simulcasting), os fatos geradores dos direitos autorais consistem em duas
transmissões distintas (via rádio e internet) autônomas, que alcançam públicos
potencialmente diversos, a justificar finalisticamente a proteção autoral, pela exponencial
ampliação de destinatários. Cada mídia se dirige a seu público próprio, dando azo à
específica autorização pelo autor, como previsto no art. 31 da Lei 9.610/98 e amplamente
Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Não resta dúvida, pois, que em face do disposto nos arts.
5º, II e V, 28, 29, VIII, letras “d” e “e”, e 68, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.610, de 19.2.1998, e a partir de 20.6.1998,
são devidamente exigíveis os direitos autorais dos estabelecimentos hoteleiros pela disponibilização nos seus
aposentos de rádio receptor e de aparelho de TV, inclusive de TV a cabo” (STJ, REsp 329.860, 4ª T., Rel.
Min. Barros Monteiro, Julg. 9.11.2004). No âmbito dos tribunais inferiores, confira-se a seguinte decisão:
“(...) Esta legislação deve ser observada também pelas operadoras de TV a cabo, como é o caso da ré, que
necessita de autorização prévia ou do pagamento de contraprestação pecuniária para execução pública de
obras musicais inseridas nas obras audiovisuais que transmite, sendo irrelevante que a transmissão se dê por
canal aberto ou fechado. O fato de distribuir sinais ou programas produzidos por terceiros não exime a
operadora de TV a cabo de observar a legislação de direito autoral [art. 30, I e parágrafo único da Lei
8.977/95]. Aliás, a transmissão representa forma específica de utilização da obra, que depende de autorização
prévia ou contraprestação pecuniária, podendo a execução musical ser relativa a obras musicais, líteromusicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais [art. 86 da Lei de Direitos Autorais]” (TJSP, Ap. Civ.
0145427-44.2008.8.26.0100, 4ª CDPriv., Rel. Des. Enio Zuliani, Julg. 7.3.2013).
32
Discussão análoga consiste na definição da noção de “público” na era digital: “Perguntou-se se esta
colocação não iria alterar a noção de público, vigente nos instrumentos internacionais sobre direito de autor.
Isto porque levaria a considerar como ‘público’ pessoas que acederiam às obras em lugares e tempos
diferentes, ao contrário do que acontece na própria radiodifusão, em que as pessoas estão dispersas mas a
recepção é simultânea. (...) Não obstante, pode sustentar-se uma similitude entre a obra disponível em rede e
a obra publicada, dada a disponibilidade geral e permanente da obra” (José de Oliveira Ascensão, Direito da
internet e da sociedade da informação, cit., pp. 107-109).
31
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145
praticado nas transmissões e retransmissões tradicionais, em que o mesmo programa,
transmitido na rádio e na televisão, requer autorizações distintas, pagamentos de direitos
autorais autônomos, diversos contratos de publicidade e assim por diante.
Além disso, não se afasta a cobrança de direitos autorais pelo fato de os
músicos espontaneamente oferecerem suas composições e projetarem sua imagem, em
favor de seu interesse pessoal, a partir das redes sociais. Ao propósito, seria materialmente
impossível ao legislador e ao judiciário avaliarem, caso a caso, as circunstâncias fáticas das
transmissões, para fins de recolhimento de direitos autorais, os quais, no sistema adotado
pelo Brasil e por diversos países do mundo, opera-se de maneira coletiva, sempre que
inexista autorização expressa do autor. Por tal motivo, a renúncia da cobrança deste direito
fundamental, na esteira da jurisprudência consolidada, há de ser comunicada previamente
ao ECAD, sob pena da exigibilidade dos direitos autorais pelo órgão arrecadador, em
benefício do conjunto dos compositores.33
Diante de nova e autônoma hipótese de incidência dos direitos autorais, o
ECAD, a associação das associações de titulares de obras musicais e fonogramas,
responsável pela arrecadação unificada dos direitos autorais, encontra-se legitimado,
consoante o disposto no art. 99,34 Lei 9.610/98, para efetuar, nos termos da lei, a cobrança
V., exemplificativamente, o seguinte precedente do STJ: “No mérito, foi reconhecido pelo acórdão
recorrido que, no evento em questão, os próprios autores das músicas eram os artistas contratados, não sendo,
por isso, devidos os direitos autorais. Merece reforma essa orientação, pois o cachê recebido pelo cantor
intérprete e a retribuição pelo uso da obra são parcelas inconfundíveis, decorrentes de situações jurídicas
bastante distintas, embora possa existir, eventualmente, confusão em relação aos sujeitos que as titulam. A
primeira parcela é direito conexo ao direito de autor, porquanto a atividade do intérprete caracteriza-se pela
execução de obras musicais. Decorre, porém, de uma relação negocial de prestação de serviços, em que o
cantor se obriga a realizar uma apresentação musical em troca de determinada contraprestação pecuniária. Ao
seu turno, a retribuição pelo uso da obra, atinente ao conteúdo patrimonial do direito de autor, à sua dimensão
econômica, constitui uma forma específica de se remunerar o trabalho intelectual na área das letras e das
artes – um ‘salário diferido’, como se costuma denominar (...). Destarte, independentemente do cachê
recebido pelos artistas em contraprestação ao espetáculo realizado (direito conexo), é devido o pagamento da
remuneração pela execução das músicas (direito de autor)” (STJ, REsp 1207447/RS, 3ª T., Rel. p/ acórdão
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julg. 12.6.2012). Na mesma direção, destacou o STJ em outro precedente
que “(...) O autor pode cobrar sponte sua os seus direitos autorais, bem como doar ou autorizar o uso gratuito,
dispondo de sua obra da forma como lhe aprouver, desde que, antes, comunique à associação de sua decisão,
sob pena de não afastar a atribuição da gestão coletiva do órgão arrecadador” (STJ, REsp 1114817/MG, 4ª
T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg. 3.12.2013). V. tb. STJ, REsp 1.404.258/RS, 3ª T., Rel. Min. Sidnei
Beneti, julg. 11.3.2014.
34
“Art. 99. A arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais e
literomusicais e de fonogramas será feita por meio das associações de gestão coletiva criadas para este fim
por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um único escritório central para arrecadação e
distribuição, que funcionará como ente arrecadador com personalidade jurídica própria e observará os §§ 1º a
12 do art. 98 e os arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-B, 100, 100-A e 100-B”.
33
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dos direitos autorais em caso de execução pública musical de obras musicais e fonogramas
via internet, incluindo-se aí o webcasting, o simulcasting e o podcasting.35
Em síntese, constatada a finalidade de proteção dos direitos autorais
como direitos fundamentais, também na transmissão das obras musicais e fonogramas via
internet há de se aplicar a disciplina jurídica prevista no ordenamento para as conhecidas
hipóteses de execução pública das músicas, com o consequente recolhimento de direitos
autorais na veiculação de obras musicais e fonogramas pela internet, independentemente da
tecnologia de transmissão adotada.
4. Resposta aos quesitos
1. Como se caracteriza a execução pública musical na internet?
Resposta: A execução pública musical na internet se caracteriza
pela disponibilização, transmissão e reprodução de obras musicais
e fonogramas na rede mundial de computadores, a caracterizar
local de frequência coletiva, vez que a internet permite a
transmissão de dados a público irrestrito e indeterminado,
conectado a esta rede. Pode-se mesmo afirmar que a internet
consiste no meio capaz de atingir maior número de usuários
relativamente
a
qualquer
outro
mecanismo
presente
na
contemporaneidade, estabelecendo a transmissão de dados e
informações. Desse modo, ao transmitir obras musicais e
Confira-se o seguinte precedente do TJSC: “Direito autoral. Reprodução simultânea em mais de um meio
de propagação sonora. Rádio tradicional e internet. Suposta cobrança em duplicata. Não ocorrência.
Necessidade de autorização prévia e expressa para qualquer das modalidades existentes. Proteção às verbas
decorrentes das criações. Agravo conhecido e desprovido. Havendo reprodução de obra de direito autoral por
duplicidade de veículos, simultaneamente (AM/FM e internet), e dependendo da autorização do autor a
propagação em qualquer das modalidades, aparenta ser correta a exigência de remuneração por um e pelo
outro meio de difusão” (TJSC, AI 2011.000771-6, 6ª CC, Rel. Des. Jaime Luiz Vicari, Julg. 14.7.2011).
Prossegue o relator no inteiro teor do acórdão: “Importante ressaltar que, por questão de obviedade, o público
que ouve a emissora pela via tradicional não se confunde com o outro grupo de pessoas que, de seus
computadores, recebem a propagação sonora via internet. Veja-se, destarte, que seria incoerente exigir o
pagamento dos valores apenas sobre o conteúdo difundido pela rádio AM/FM, se outros usuários, diferentes
dos primeiros, também são beneficiários da execução musical. Fica aparentemente evidente que os criadores
das obras autorais também têm seus trabalhos divulgados pela internet, modalidade de utilização que de igual
maneira depende de autorização. Ainda que assim não fosse, observa-se pontual a afirmação proferida pela
Magistrada, segundo a qual ‘embora em tempo simultâneo, cujo formato denomina de simulcasting, as
mesmas obras são disponibilizadas ao público por dois meios de transmissão completamente distintos’”.
35
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fonogramas a todos os computadores em rede, a internet opera a
execução pública musical.
2. A internet é um ambiente de frequência coletiva?
Resposta: Sim. Assim como ocorre com os bens jurídicos sujeitos
à contínua evolução, os conceitos de execução pública e local de
frequência coletiva, referidos nos §§ 2º e 3º do art. 68, Lei
9.610/98,
alteram-se
radicalmente,
justificando-se,
nessa
perspectiva, a intervenção legislativa destinada a preservar a
finalidade de proteção dos direitos autorais. Daí a enumeração
exemplificativa do § 3º do art. 68, que se antecipa aos avanços
tecnológicos, de modo a tutelar os direitos autorais, na linguagem
do legislador, “onde quer que se representem, executem ou
transmitam obras literárias, artísticas ou científicas”.
Nessa direção, a internet consiste em local de frequência coletiva
por excelência, com acesso a público irrestrito, que permite a
conexão em rede dos computadores existentes em todas as partes
do mundo, transmitindo quantidade significativa de obras musicais
e fonogramas às pessoas conectadas nesta rede mundial.
De outra parte, afasta-se da noção de local de frequência coletiva a
necessidade de aglomeração popular. Tal qual consolidado na
jurisprudência
construída
para
os
meios
tradicionais
de
radiodifusão, o caráter público da execução independe do fato de o
destinatário da transmissão encontrar-se no recesso doméstico ou
em ambiente que se sabe privado; ou, ainda, de a execução
depender de iniciativa individual, isto é, de o usuário acessar a
internet, tendo em conta que a iniciativa individual de conexão com
a rede de internet, exercida em ambiente privado, tem por premissa
a execução pública do conteúdo na rede mundial.
3. Há transmissão na execução pública musical na internet?
Resposta: Sim. Ao propiciar a troca de dados e informações em
todos os computadores integrados em rede, a internet estabelece a
transmissão destes dados. No que concerne às obras e musicais e
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fonogramas, a internet permite a sua transmissão, atingindo público
indeterminado de pessoas, a configurar a execução pública musical
via internet. E o conceito de transmissão na Lei Autoral brasileira
está adstrito à definição da execução pública musical e da
representação, ou seja, modalidades de comunicação ao público.
4. Como o Marco Civil da Internet aprovado em 23 de abril de
2014 definiu a internet?
Resposta: O Marco Civil da Internet, regulamentado pela Lei
12.965, de 23 de abril de 2014, definiu a internet, em seu art. 5º, I,
como “sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos,
estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a
finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais
por meio de diferentes redes”. Tal conceito, portanto, pressupõe a
publicidade das informações transmitidas, alcançando público
irrestrito, de modo a permitir a comunicação e transmissão de
dados entre todos os computadores integrados à rede.
5. A transmissão de obras musicais e fonogramas na internet
configuram execução pública?
Resposta: Sim. A transmissão de obras musicais e fonogramas na
internet, tecnicamente, corresponde à transmissão desses dados a
público potencialmente ilimitado, representado por todos os
computadores em rede. Em consequência, a transmissão de obras
musicais e fonogramas via internet configura execução pública, nos
termos da Lei 9.610/98, a deflagrar o licenciamento específico dos
direitos autorais de execução pública musical e a consequente
cobrança da devida retribuição. a cobrança de direitos autorais.
6. Comparativamente aos meios convencionais de radiodifusão,
a utilização de obras musicais e fonogramas no ambiente de
internet atinge um público indeterminado potencialmente
maior do que o de telespectadores e de ouvintes de rádio?
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Resposta: Sim. A internet permite a troca de dados e informações
em todos os lugares do mundo, criando rede apta a conectar
portentoso número de computadores. Deste modo, a internet
constitui novo locus público de frequência coletiva, por conta do
alcance potencial a colossal número de pessoas, às quais são
transmitidas diuturnamente composições musicais, com uso de
aplicativos, redes sociais, rádios online, por meio de variadas
tecnologias, tais como o webcasting, simulcasting e o podcasting,
de sorte a atingir, comparativamente aos meios tradicionais de
radiodifusão, público potencialmente maior do que o de
telespectadores e de ouvintes de rádio.
7. A transmissão de obras musicais via internet depende de
licença exclusiva e autônoma dos respectivos titulares
independentemente de licenciamentos concedidos para efeito de
transmissões por TV e rádio convencionais tal como eram
conhecidos e funcionavam antes do advento da internet?
Resposta: Sim. A transmissão de obras musicais via internet dirige-
se a público próprio, exigindo específica autorização do seu titular,
como previsto no arts. 29 e 31 da Lei 9.610/98. Por conseguinte,
requer licença exclusiva e autônoma dos titulares da obra musical
independentemente dos licenciamentos concedidos para as
transmissões por TV ou rádio convencionais, com o pagamento de
direitos autorais autônomos, diversos contratos de publicidade e
assim por diante.
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Os trabalhos a serem submetidos à Revista Brasileira de Direito Civil –
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3. Os arquivos do artigo e folha de rosto deverão ser separados e nominados de
acordo com o título do trabalho. O artigo não deverá ser identificado.
4. Os trabalhos para a seção de Doutrina deverão ter preferencialmente entre 15 e
35 laudas e ser redigidos em português, inglês ou qualquer idioma neolatino. Os
parágrafos devem ser alinhados a 3 cm da margem esquerda escrita. Não devem ser
usados recuos, deslocamentos, nem espaçamentos antes ou depois. Não se deve utilizar
o tabulador <TAB> para determinar os parágrafos: o próprio <ENTER> já determina
este, automaticamente. A fonte utilizada deve ser Times New Roman, corpo 12. Os
parágrafos devem ter entrelinha 1,5; as margens são de 3cm no lado esquerdo, 2,5cm no
lado direito e 2,5cm nas margens superior e inferior. O tamanho do papel deve ser A4.
5. Os trabalhos deverão ser precedidos por uma folha de rosto com o título do
trabalho (em inglês e português), nome do autor (ou autores), endereço, telefone, faz, email, situação acadêmica, títulos, instituições a que pertença e a principal atividade
exercida. Caso o trabalho tenha recebido financiamento para seu desenvolvimento por
instituição pública ou privada, indicar o nome da instituição”.
6. As referências bibliográficas deverão ser feitas de acordo com a NBR 6023/89
(Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT). A referência bibliográfica básica
deverá conter: sobrenome do autor em letras maiúsculas; vírgula; nome do autor em
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letras minúsculas; ponto; título da obra em itálico; ponto; número da edição; ponto;
palavra edição abreviada; ponto; local; dois pontos; editora (suprimindo-se os elementos
que designam a natureza comercial da mesma); vírgula; ano da publicação; ponto.
Exemplo: DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1993.
7. Os trabalhos deverão ser precedidos por um resumo analítico bilíngüe que não
ultrapasse 10 linhas, pela indicação de palavras-chaves em inglês e português e por
um Sumário, numerado, com as divisões do texto, separada cada divisão da outra por
um travessão. Exemplo: SUMÁRIO: 1. Realidade social e ordenamento jurídico – 2.
Regras jurídicas e regras sociais – 3. O jurista e as escolhas legislativas. – 4. O Código
Civil – 5. A Constituição – 6. A chamada descodificação.
8. Qualquer destaque que se queira dar ao texto, sempre com parcimônia, deve ser
feito com o uso do itálico. Não deve ser usado o negrito ou o sublinhado.
9. O Conselho Assessor da Revista reserva-se o direito de propor modificações ou
devolver os trabalhos que não seguirem essas normas. Todos os trabalhos recebidos
serão submetidos ao Conselho Assessor da Revista, ao qual cabe a decisão final sobre a
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