o direito da filiação - [email protected] Sítio

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MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS
O DIREITO DA FILIAÇÃO :
Os efeitos jurídicos decorrentes da aplicação
da reprodução assistida heteróloga
na vigência do casamento e após a morte do cônjuge varão
Trabalho apresentado ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito para a obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Prof.ª Especialista Viviane da
Silva Bernardes Rodrigues.
Brasília
2007
Trabalho de autoria de Mônica Pereira dos Santos, intitulado “O direito da filiação: os
efeitos jurídicos decorrentes da aplicação da reprodução assistida heteróloga na vigência do
casamento e após a morte do cônjuge varão”, requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em 06/11/2007, pela banca examinadora
constituída por:
Viviane da Silva Bernardes Rodrigues
Profª. Orientadora – Presidente da Banca
João Paulo Neves
Primeiro Examinador
Joel Arruda de Souza
Segundo Examinador
Brasília
2007
“Não ver fatos que estão diante dos olhos é manter
a
imagem
invisibilidade
da
Justiça
situações
irresponsabilidades:
é
cega.
Condenar
existentes
olvidar
é
que
à
produzir
a
Ética
condiciona todo o Direito e, principalmente, o
Direito de Família.”
Mauro Nicolau Júnior
RESUMO
SANTOS, Mônica. O direito da filiação: Os efeitos da reprodução assistida heteróloga na
vigência do casamento e após a morte do cônjuge varão. 2007. 92 f. Trabalho de conclusão de
curso (Graduação) - Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Taguatinga,
2007.
As técnicas de reprodução assistida consistem no auxílio médico empregado para garantir a
fecundação de gametas (esperma e ovo não fertilizado), incluindo a sua manipulação in vitro,
ou seja, fora do corpo humano. Essas técnicas são desenvolvidas há décadas, mas somente
alcançaram maior notoriedade no século XXI. E, ao mesmo tempo, despertaram grandes
polêmicas. Aplicáveis tanto na modalidade homóloga quanto heteróloga, tais procedimentos
permitem que a fecundação utilize material genético do casal interessado em ter filhos,
material genético de uma das partes do casal combinada ao material de doadores ou ainda a
fecundação utilizando material genético totalmente doado. Dividindo opiniões acerca da sua
aplicação, essas técnicas reprodutivas seguem viabilizando a concepção de filhos por casais
inférteis, o nascimento de prole de pais que já morreram e até mesmo a gestação nos úteros de
mulheres que não são as mães da criança gerada (maternidade sub-rogada). A despeito de sua
nobreza principiológica, não há como negar que a reprodução assistida acabou tomando
proporções muito maiores que a mera procriação e é em virtude dos seus diversos efeitos
patrimoniais e pessoais que merece ser estudada com maior cautela. Carecedoras de produção
legal mais ampla, as técnicas de reprodução assistida são questionadas principalmente em
relação aos valores bioéticos que vêm sendo construídos a partir dos avanços tecnológicos
alcançados e dos próprios valores defendidos no Direito de Família pátrio. Já incorporadas à
estrutura social moderna essas técnicas ainda necessitam de regulamentação de forma a
garantir estabilidade jurídica ao ordenamento no qual estão inseridas.
Palavras-chave: Direito de Família. Bioética. Filiação. Reprodução assistida. Heteróloga. Post
mortem. Efeitos.
ABSTRACT
SANTOS, Mônica. The rights of filiation: the effects of the assisted heterologue
reproduction during the marriage and after the death of the male partner. 2007. 92 p.
Monograph (Graduation) - Law School, Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2007.
The assisted reproduction technique consists in a medical support used to guarantee the
fecundation of gametes (sperm and unfertilized ova), including its in-vitro manipulation, it is,
the fecundation outside the human body. These techniques are being developed for decades,
though they have reached great notoriety only in the XXI century. And, at the same time, they
awoke huge polemic. Applied in the homologue and heterologue modalities, these
insemination procedures allow the fecundation using the genetical material of the couple
interested in having children, the genetical material of one in the couple combined to the
genetical material of a donor or even the fecundation using a completely donated material.
Dividing opinions due to their application, these reproduction techniques keep realizing the
conception of children by infertile couples, the birth of children whose parents have already
died and even the pregnancy in wombs of women who are not the mothers of the children
concepted (subrogation motherhood). Despite its noble principles, there is no way to deny that
the assisted reproduction has taken bigger proportions than the simple procriation and it is due
to its multiple personal and patrimonial effects that it must be analyzed with greater care. In
need of legal production, the techniques of human reproduction are questioned specially in
attention to the bioethical values that have been developed from the technological advance
and to the values defended by the Brazilian Family Law. Already incorporated to the modern
social structure, these techniques need their regulation as a way of guaranteeing the legal
stability to the ordenament in which they are inserted.
Key-words: Family Law. Bioethics. Filiation. Assisted human reproduction. Heterologue.
Post death. Effects.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................7
1. A CONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO JURÍDICO FAMILIAR.......................................9
1.1. Família: modelos clássicos e modernos.........................................................................9
1.2. A definição do Estado de família.................................................................................11
1.3. Parentesco ....................................................................................................................12
1.4. Filiação.........................................................................................................................15
1.4.1. A constituição da filiação: filhos naturais, adotivos e biogeneticamente
concebidos .........................................................................................................15
1.4.2. O princípio da Igualdade da filiação ................................................................16
1.4.3. A presunção da filiação na legislação brasileira................................................17
1.4.4. A determinação da filiação: a verdade jurídica, a verdade afetiva, a
verdade biológica e a verdade real ..............................................................................19
1.4.5. Os efeitos pessoais e patrimoniais da filiação ...................................................20
1.4.5.1. Os efeitos pessoais ...............................................................................21
1.4.5.2. Os efeitos patrimoniais.........................................................................22
1.4.5.2.1. Os alimentos ........................................................................22
1.4.5.2.2. A vocação hereditária..........................................................23
2. A EVOLUÇÃO CIENTÍFICA E AS NOVAS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO HUMANA .........................................................................................26
2.1. O direito à reprodução e as polêmicas acerca da reprodução assistida ....................26
2.2. As técnicas de reprodução assistida..........................................................................28
2.3. Os requisitos objetivos, subjetivos e formais à reprodução assistida .......................32
2.4. O material genético excedente: dispensabilidade, conservação ou doação? ...........38
3. A FILIAÇÃO DERIVADA DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA
HETERÓLOGA ...........................................................................................................41
3.1. A possibilidade da reprodução assistida no casamento e na união estável.................41
3.2. A reprodução assistida post-mortem do cônjuge ou companheiro ..............................44
3.2.1. A revogação do consentimento prestado ...........................................................46
3.2.2. A possibilidade da constituição do vínculo da filiação .....................................47
4. OS EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA FILIAÇÃO
CONCEBIDA POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA NA
VIGÊNCIA DO CASAMENTO E APÓS A MORTE DO CÔNJUGE ....................50
4.1. Os efeitos em relação ao casal ..................................................................................50
4.1.1. A constituição dos vínculos paterno-materno-filiais......................................51
4.2. Os efeitos em relação aos filhos gerados..................................................................53
4.2.1. O direito ao reconhecimento paterno .............................................................53
4.2.2. O conhecimento da identidade genética e a proteção ao sigilo......................54
4.2.3. O direito aos alimentos e à sucessão hereditária............................................56
4.3. Os efeitos em relação ao doador...............................................................................58
CONCLUSÃO........................................................................................................................60
7
INTRODUÇÃO
A infertilidade desde os tempos mais remotos é uma condição que assombra diversas
famílias, inviabilizando um dos desejos mais simples: a paternidade. A medicina desenvolveu-se
de forma a buscar na evolução científica uma forma de possibilitar cura para a infertilidade ou,
ao menos, potencializar a fecundidade.
As técnicas de reprodução assistida apresentaram-se à sociedade como uma forma de
famílias inférteis poderem ter filhos, utilizando o seu próprio material genético ou o material
genético de doadores, permitindo inclusive que a fertilização pudesse ocorrer fora do corpo
humano.
Fato é que muitos casais acabaram por encontrar nessas técnicas de reprodução
medicamente assistidas um meio de serem pais, mas sem se submeterem a longos e burocráticos
processos de adoção.
Hoje mundialmente consagradas, as técnicas reprodutivas começam a concentrar os
holofotes dos debates doutrinários de ordem ética e jurídica, em face da grande polêmica que
advém de sua aplicação. No Brasil não ocorre processo inverso, principalmente após essas
técnicas terem sido abruptamente introduzidas no ordenamento jurídico pátrio por meio da
edição do Código Civil em 2002.
Isso porque se percebeu que da aplicação dessas técnicas pode decorrer um sem número
de conseqüências de ordem jurídica, ética e emocional para todos que nelas estão envolvidos.
Pais, filhos gerados, doadores, médicos, sobre todos pode ser observado, seja diretamente ou
indiretamente, o peso da responsabilidade pelo procedimento.
De qualquer sorte, a evolução científica é algo que não pode ser negado ou simplesmente
proibido, pois vários são os filhos gerados a partir desses procedimentos, sendo que este número
tende a aumentar.
Justamente por ser polêmico e haver pequeno avanço legislativo no que lhe diz respeito é
que o tema merece a devida atenção científica.
O objetivo aqui não é esgotar o estudo do tema buscando soluções para os problemas que
dele emanam, mas sim verificar quais são os efeitos jurídicos incidentes sobre a filiação
proveniente das técnicas reprodutivas biomédicas aplicadas na vigência do casamento e após a
morte do cônjuge varão.
Nesse intuito, o presente estudo divide-se em quatro capítulos. O primeiro é dedicado ao
estudo dos temas basilares do Direito de Família, sendo visitados seus principais conceitos, de
forma a se compreender a formação do vínculo jurídico familiar e a constituição da filiação no
ordenamento brasileiro.
O segundo capítulo apresenta as técnicas de reprodução assistida hoje existentes e o
posicionamento legal no Brasil a seu respeito, sendo ainda abordadas algumas questões
polêmicas concernentes à sua aplicação.
8
No terceiro capítulo cuida-se da filiação oriunda das técnicas de reprodução assistida
heteróloga realizadas na vigência do casamento e após a morte do cônjuge varão, sendo o quarto
e último capítulo dedicado ao estudo dos efeitos jurídicos de ordem pessoal e patrimonial
advindos das técnicas reprodutivas aplicadas nestas duas modalidades.
Para alcançar os objetivos traçados, este estudo foi realizado utilizando o método de
análise compilativa doutrinária, sendo dada atenção especial à legislação pátria e às convenções
internacionais de direitos humanos e bioética.
9
1. A CONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO JURÍDICO FAMILIAR
1.1. Família: modelos clássicos e modernos
Atualmente, o verbete “família” aparece no Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa1
significando “pessoas aparentadas que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o
pai, a mãe e os filhos”, ou “comunidade constituída por um homem e uma mulher, unidos por
laço matrimonial, e pelos filhos nascidos dessa união” e ainda como “grupo formado por
indivíduos que são ou se consideram consangüíneos uns dos outros, ou por descendentes dum
tronco ancestral comum e estranhos admitidos por adoção”.
Mas a concepção de família nem sempre foi esta. A palavra família deriva do termo
latino “famulus”, utilizado na Roma Antiga para designar os “escravos domésticos”, um
grupo social que surgira à época. Em Roma, segundo Arnoldo Wald2, a família era constituída
pelo conjunto de pessoas que estavam sob o pater potestas, ou seja, sob o poder do
ascendente comum mais antigo. Observe-se que a autoridade familiar não tinha de se
concentrar necessariamente nas mãos do pai, mas sim do parente mais velho, podendo ser um
tio ou o próprio avô.
Fazia parte da família tanto a esposa, quanto os filhos, quanto as esposas dos filhos,
seus descendentes e os escravos, estando todos sob a autoridade do pater. O que importava na
constituição da família não eram os laços sanguíneos compartilhados (cognação), mas a
sujeição ao poder do pater que não era extinta mesmo após o casamento. A família era então
uma instituição religiosa, política, econômica e jurisdicional, estando sempre o poder
decisório nas mãos do pater. 3
Entretanto, esclarece Mônica Aguiar4, o fortalecimento do Estado Romano foi aos
poucos minando o poder patriarcal, já que não se poderia conceber que os poderes jurídico e
econômico estivessem concentrados nas mãos de outro ente que não o próprio Estado. Ainda,
a própria Igreja contribuiu para a descentralização do poder do pater com a disseminação do
Cristianismo, sendo o culto familiar por ele substituído.
A família, então, passou a enfrentar uma série de transformações acompanhando a
evolução social. Uma dessas transformações, segundo Silvio Venosa5, ocorreu com o advento
da Revolução Industrial, tendo a atividade agrícola familiar perdido status para o trabalho nas
fábricas. Como os salários percebidos pelos homens não eram suficientes para a subsistência
de todos os membros da família, passou a ser necessário que também a mulher abandonasse o
trabalho no lar para lançar-se à atividade laboral.
1
FAMÍLIA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3 ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 289. Verbete.
2
WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. - 14ª Ed. - São Paulo: Saraiva, 2002, p. 10.
3
FAMÍLIA. In: ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 13 ed. São Paulo:
Jurídica Brasileira, 2006. p. 398-399. Verbete.
4
AGUIAR, Mônica. Direito à Filiação e Bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 04.
5
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. Vol. VI. São Paulo: Atlas, 2006, p. 06.
10
Venosa também chama atenção para as conquistas das mulheres a partir do século XX
como um dos fatores determinantes para as sensíveis alterações da estrutura familiar. Isso
porque, a partir do momento em que a mulher lançou-se ao mercado de trabalho e começou a
dispor de valores sociais até então atribuídos tão somente aos homens, várias atividades que
eram antes responsabilidade da família, especialmente das mulheres, passaram a ser atribuídas
a outras instituições como a própria escola ou entidades assistenciais do Estado.
Hoje, a sociedade está diante de uma composição familiar bem diferente da família
romana. O poder antes centralizado na pessoa do pater hoje é compartilhado entre ambos os
pais, sendo, às vezes, exercido com exclusividade por um deles. Além disso, outros parentes
tornaram-se responsáveis pela estrutura familiar, já que as mudanças sociais possibilitaram a
formação de famílias de diversas espécies.
Na doutrina de Rui Ribeiro de Magalhães6 pode ser encontrada a classificação da
entidade familiar quanto à sua formação e quanto ao sistema ao qual se subordina. No
primeiro caso, a família pode ser classificada como monoparental, quando somente um dos
pais é responsável por seus dependentes, ou biparental, quando ambos os pais se
responsabilizam por prover seus descendentes. No segundo caso, a família pode ser matriarcal
ou patriarcal, dependendo nas mãos de quem esteja concentrado o poder decisório familiar.
Mas no que diz respeito às alterações na estrutura familiar, a evolução social não parou por aí.
“As uniões sem casamento, apesar de serem muito comuns em muitas civilizações do
passado, passam a ser regularmente aceitas pela sociedade e pela legislação.” 7
Assim, Guilherme Calmon da Gama8 observa que é possível ter a formação da família
a partir de um vínculo fundado ou não na união matrimonial, podendo a família ser formada a
partir do casamento dos ascendentes da prole como também pela sua união estável.
Rui Ribeiro de Magalhães9 ainda observa que a família contemporânea é basicamente
nuclear, sendo que ela inicia-se com a associação de duas pessoas e cresce à medida que vão
surgindo os filhos, estendendo-se sua formação pelos laços colaterais.
Ainda é possível observar que nem sempre as famílias têm sua formação originária
natural, ou seja, nem sempre a prole existente guarda relação biológica com os pais, o que
pode ser encontrado nas famílias nas quais a prole tem formação civil pela adoção, ou nos
casos em que a prole guarda relação consangüínea somente com um dos pais, mas a filiação é
atribuída a ambos. No caso, o que se tem é a formação socioafetiva da estrutura familiar.
Atualmente, no Brasil, a formação familiar independe da constituição de núpcias. A
concepção jurídica de família tornou-se bem mais ampla, abarcando composições familiares
diversas. Há atualmente na Constituição Federal brasileira, bem como em outros diplomas
6
MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de Família no Novo Código Civil Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Juarez
de Oliveira, 2003, p. 23.
7
VENOSA, 2006, p. 06.
8
GAMA, Guilherme Calmon da. A Nova Filiação - O Biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro: Ed.
Renovar, 2003, p. 543.
9
MAGALHÃES, 2003, p. 24.
11
legais, o reconhecimento da legalidade das uniões nas quais inexiste o vínculo matrimonial
formal, sendo direitos e deveres atribuídos a esses casais e também à sua prole. Assim, pode
se encontrar na sociedade brasileira famílias das mais diversas naturezas, sendo que em
muitas delas inexiste a presença dos pais: são as famílias constituídas pelos irmãos tão
somente, ou pelos avós e netos.
A lei brasileira, na opinião de Demian Diniz da Costa10, parece ter acompanhado a
evolução social. No que diz respeito à concepção de família, atribuiu-lhe uma conceituação
mais abrangente e despiu-lhe da vestimenta de moralismos e conceitos temporais para, assim,
chegar ao seu real significado.
1.2. A definição do Estado de família
O status familiae do Direito Romano era de fundamental importância naquela
sociedade para que se estabelecessem direitos e obrigações dentro daquela instituição.
Na doutrina de Silvio Venosa, o estado de família corresponde à “posição e a
qualidade que a pessoa ocupa na entidade família” 11, o vínculo que une uma pessoa da
família às demais, podendo ser esses vínculos jurídicos de duas ordens: 1) conjugal e 2) de
parentesco. O vínculo conjugal se estabelece pelo casamento ou pela relação extra
matrimonial, e o vínculo do parentesco pela descendência.
Venosa também ensina que o estado de família constitui característica personalíssima
das pessoas naturais, sendo instituído a partir da pessoa em si mesma e da sua relação com as
pessoas de sua família, sendo-lhe características:
a intransmissibilidade, já que não se pode transmitir de uma pessoa para a outra
a relação de parentesco;
a irrenunciabilidade, não sendo possível renunciar à relação existente;
a imprescritibilidade, já que não existe tempo de duração específico para
determinar as relações;
a universalidade, compreendendo todas as relações jurídico-familiares;
a indivisibilidade, sendo idêntico perante a família e demais membros da
sociedade;
a correlatividade, ligando os membros da família por laços recíprocos;
e a oponibilidade, sendo um estado argüível erga omnes.
Para Paulo Lôbo12 existem famílias de espécies diferentes, umas fundadas na união
matrimonial, outras na união estável, outras fundadas em uniões homossexuais e outras ainda
sem qualquer vínculo de parentesco. Apesar de muitas dessas famílias não serem legalmente
reconhecidas, possuem características comuns inerentes de entidades familiares, a saber, a
afetividade, a estabilidade e a convivência pública e ostensiva.
10
COSTA, Demian Diniz da. Famílias Monoparentais: Reconhecimento Jurídico. Rio de Janeiro: AIDE, 2002,
p. 24.
11
VENOSA, 2006, p. 20.
12
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 57-58.
12
Apesar de o estado de família, em regra, ser comprovado por escritura pública, seja na
forma de certidão de casamento, seja na forma de certidão de nascimento, em alguns desses
casos a sua comprovação será feita pela situação fática, dado à informalidade de algumas
entidades familiares, comprovando-se a sua existência pela presença dessas características que
lhes são inerentes.
1.3. Parentesco
De acordo com Pontes de Miranda, parentesco é “a relação que vincula entre si pessoa
que descendem umas das outras ou de autor comum (consangüinidade), que aproxima cada
um dos cônjuges dos parentes do outro (afinidade), ou que se estabelece, por fictio iuris, entre
o adotado e o adotante.”13
Maria Helena Diniz afirma ser o parentesco “a relação vinculatória existente não só
entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também
entre um cônjuge e os parentes do outro e entre adotante e adotado.”14A partir desse conceito
pode se chegar à divisão do parentesco em três tipos: o natural, o civil e o por afinidade.
O parentesco natural é determinado pelo vínculo sanguíneo da descendência. O
parentesco civil, por sua vez, é determinado pelo vínculo civil da adoção. No caso da
afinidade, o vínculo se estabelece a partir do casamento de duas pessoas, estando uma ligada,
a partir de então, à família da outra.
Entretanto, segundo Arnoldo Wald, a “afinidade não é parentesco, consistindo na
relação existente entre um dos cônjuges e os parentes do outro. É um vínculo que não tem a
mesma intensidade que o parentesco e se estabelece entre o sogro e genro, cunhados etc.” 15
Também Silvio Venosa compartilha de tal visão, deixando claro que a “afinidade distingue-se
do conceito de parentesco em sentido estrito.” 16
Ainda em relação à afinidade, Carlos Alberto Bittar chama a atenção para a
indissolubilidade de seus vínculos em linha reta, sendo que mesmo após a dissolução do
casamento ou da união estável serão mantidos os impedimentos legais para o matrimônio
entre aquelas pessoas ligadas por tal relação.17 Necessário observar que mesmo entre marido e
mulher não há o vínculo do parentesco, o que Silvio Venosa18 explica, já que a relação
existente entre eles é de natureza de vínculo conjugal que nasce no casamento e dissolve-se
quando o vínculo termina, seja na morte de um dos cônjuges, no divórcio ou na anulação do
casamento.
13
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. Vol. III. Campinas: Bookseller, 2001, p. 23.
DINIZ, 2003 apud NÓBREGA, Airton Rocha. Das Relações de Parentesco: Disposições Gerais. Consulex,
Brasília, n. 31, p. 31-34, out. 2004, p. 32.
15
WALD, 2002, p. 36.
16
VENOSA, 2006, p. 220.
17
BITTAR FIlHO, Carlos Alberto. Direito de família e Sucessões. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 56.
18
VENOSA, 2006, p. 222.
14
13
A obra de Paulo Lôbo aborda a relação de parentesco definindo-a como “a relação
jurídica estabelecida pela lei ou por decisão judicial entre uma pessoa e as demais que
integram o grupo familiar”19, podendo essa relação ser estabelecida pelos laços da
consangüinidade ou por fatores socioafetivos.
Observe-se que, neste caso, o autor trata do parentesco natural, aquele determinado
pelo vínculo sanguíneo, e também do parentesco civil, aquele estabelecido no caso de uma
adoção, por exemplo. Quanto à divisão do parentesco em civil e natural, Pontes de Miranda
observa não ser cabível. Isto porque a Lei nº. 8.560 de 1992, em seu artigo 10, revogou o
dispositivo do artigo 332 do Código Civil, equiparando, assim, o parentesco civil constituído
pela adoção ao parentesco natural, não podendo haver quaisquer discriminações. Também
Silvio Venosa corrobora com tal posicionamento20 embasando-se no dispositivo
constitucional do artigo 227, § 6° para tanto.
Chega-se então à idéia de que o parentesco, seja ele constituído a partir de vínculos
sanguíneos da descendência direta, seja pelos vínculos civis da adoção, terá sempre os
mesmos efeitos, cabendo a divisão somente para efeitos didáticos, conforme se apreende da
doutrina de Pontes de Miranda.21 De qualquer sorte, o Código Civil pátrio, em seu artigo
1.59322, estatui o parentesco dividindo-o em natural e civil, sendo que neste estão contidas a
afinidade e a adoção.
Airton Rocha Nóbrega23 observa que, no caso do parentesco por afinidade, esta
ligação somente ocorre entre os ascendentes, descendentes e irmãos do outro cônjuge, não se
estendendo aos seus colaterais.
Cabe aqui a observação de Paulo Lôbo de que “parentes afins não são iguais ou
equiparados aos parentes consangüíneos; são equivalentes mas diferentes”24, sendo as
finalidades que determinam seu estabelecimento de ordem diversa, aos consangüíneos
concedendo-se direitos, aos afins impedindo que direitos ou vantagens sejam adquiridos.
Ainda segundo Airton Rocha Nóbrega, o parentesco por afinidade em linha reta não se
extingue pela dissolução do casamento ou da união estável, ao contrário, subsiste, sendo
acumulado o parentesco na medida em que novos casamentos e uniões são constituídos. Insta
também observar que em relação à linha colateral, o parentesco somente se dissolve com a
morte dos companheiros ou cônjuges ou ainda com seu divórcio.25
Importante também entender a divisão do parentesco nas linhas reta e colateral. As
linhas determinam a série de pessoas ligadas pelo vínculo do parentesco. Quando há
parentesco em linha reta, há ligação de ascendentes e descendentes. A esse respeito, Airton
Rocha Nóbrega assevera:
19
LÔBO, 2008, p. 181.
VENOSA, 2006, p. 220.
21
MIRANDA, Pontes de . Tratado de Direito de Família. Vol. III. Campinas: Bookseller, 2001, p. 23.
22
“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.”
23
NÓBREGA, 2004, p. 32.
24
LÔBO, 2008, p. 189.
25
NÓBREGA, 2004, p. 33.
20
14
Oportuno notar que não se estabelece legalmente qualquer limitação relativa ao
parentesco na linha reta, o que significa dizer que nesse âmbito os parentes preservam essa
condição mesmo que posicionados em graus mais distantes.26
Quando o parentesco ocorre em linha colateral, também chamada de transversal, os
parentes estão ligados não por um vínculo sanguíneo direto entre eles, mas pela existência de
um ascendente que lhes é comum.27
De qualquer sorte, assim como o pater potestas do Direito Romano, o parentesco
estabelece entre os parentes direitos e obrigações jurídicas importantes. Observa-se que o
ordenamento jurídico brasileiro regula as relações de parentesco contemplando, nas palavras
de Airton Rocha Nóbrega, “um conjunto de dispositivos que enfocam os temas que tanto se
acham relacionados abordando e regulando aspectos alusivos a disposições gerais, filiação,
reconhecimento dos filhos, adoção e poder familiar”28. É da relação de parentesco que nascem
determinados direitos e deveres, além de determinadas atribuições, sendo estas “dotadas de
características peculiares que todos os membros vincularão, observadas as condições
respectivamente assumidas e desfrutadas por cada um, não se impondo, para isso, venham
externar concordância tácita ou expressa”.29 Alguns destes direitos, deveres e atribuições
serão abordados nos próximos capítulos da presente pesquisa.
Ainda, observa-se que a distância entre as gerações de parentes é importante na
legislação pátria. Essa contagem é feita em graus e se presta, segundo Airton Nóbrega, à
verificação da proximidade entre os parentes de forma que a distância entre eles produza
determinados efeitos, como é o caso da ordem da vocação hereditária. Para proceder nessa
contagem é preciso chegar-se primeiro em um ascendente comum aos parentes, para depois
fazer a contagem de gerações e determinar o grau de parentesco existente entre duas pessoas.
A aferição do grau de parentesco pode ser feita tanto na linha reta como na linha
colateral. Na contagem na linha reta não existe grandes dificuldades, contando-se um grau
para cada geração de descendentes ou ascendentes. No caso da contagem em linha colateral, é
necessário se proceder na contagem a partir de um dos parentes até se chegar a um ascendente
comum entre ele e o outro parente cujo grau de parentesco deseja-se verificar, continuado a
contagem até que se chegue à sua posição.
26
NÓBREGA, Ibidem, p. 32.
WALD, 2002, p. 36.
28
NÓBREGA, 2004, p. 32.
29
NÓBREGA, Ibidem, p. 31.
27
15
1.4.Filiação
1.4.1. A constituição da filiação: filhos naturais, adotivos e biogeneticamente concebidos
De acordo com WALD30, a filiação é a conseqüência natural da procriação, sendo os
filhos produto desse ato. Entretanto, historicamente observa-se que nem sempre o filho e os
pais guardam entre si laços consangüíneos.
Silvio Venosa31, por sua vez, demonstra ser a filiação um conceito relacional, sendo
uma relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas. O autor também afirma a
possibilidade de tal estado decorrer de um vínculo biológico ou não, como ocorre em casos de
adoção.
Relembrando-se o pater potestas romano, é possível ver já naquela sociedade a
existência do instituto da adoção. Conforme já mencionado, a autoridade do pater estendia-se
às pessoas que aderissem a seu clã, seja pelo casamento com seus descendentes, seja pelo
vínculo da servidão ou até mesmo por interesses econômicos ou religiosos. Assim sendo,
lembrando-se as palavras de Arnoldo Wald:
uma espécie de naturalização política e religiosa, uma modificação de culto
permitindo a saída de uma família e o ingresso em outra, a adoção garantiu o
desenvolvimento pacífico do mundo antigo, sendo considerada um dos grandes
catalisadores do progresso e da civilização.32
A adoção chegou até mesmo a ser utilizada como forma dos imperadores romanos
designarem seus sucessores, sendo somente mais tarde o instituto utilizado para que casais
estéreis viessem a ter filhos. A legislação brasileira atual estabelece a instituição da filiação
seja natural ou civil. A filiação natural obedece ao critério biológico, sendo os pais aqueles
que participam da concepção do filho. De outro lado, a filiação civil é aquela estabelecida
pela adoção. Assim, segundo Paulo Lôbo:
o estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a
alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente
considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a
mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade, em relação a ele.33
A prova da filiação é feita por meio do Registro Civil ou por Sentença judicial em
ações de estado. Igualmente possível é a prova da filiação por testamento e escritura de
reconhecimento e emancipação em que os pais reconhecem os filhos.34 Deve, nesse contexto,
30
WALD, 2002, p. 195.
VENOSA, 2006, p. 234.
32
WALD, 2002, p. 218.
33
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária.
Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 194, 16 jan. 2004. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4752. Acesso em:
24 abr. 2006.
34
WALD, 2002, p. 196.
31
16
ser incluída com efeitos probatórios da filiação a sua aparência. Assim, sendo pública e
notória a posse do estado de filho, resta a filiação configurada.35
Uma outra tipologia para a filiação vem sendo utilizada mais contemporaneamente
para determinar os filhos biogeneticamente concebidos, ou seja, os filhos concebidos com a
utilização de técnicas de assistência à reprodução. Essas técnicas são utilizadas, via de regra,
por casais que possuem incompatibilidades genéticas para a reprodução ou que possuem
algumas dificuldades para reproduzir naturalmente. Essas técnicas de assistência reprodutiva
serão melhor discutidas mais adiante.
1.4.2. O princípio da igualdade da filiação
O princípio da igualdade da filiação encontra-se hoje resguardado no rol dos direitos
fundamentais contemplados pela Constituição Federal de 1988, (art. 227, § 6°). Um diploma
mais contemporâneo ainda, contendo as mesmas previsões, é a Lei nº. 10.406 de 2002, o
Novo Código Civil Brasileiro. De acordo com os dois diplomas, não existe mais distinção
entre os filhos de origens diferenciadas, cabendo a todos os mesmos direitos na esfera legal.
Observe-se a letra da referida lei:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.36
Esse princípio, nos ensinamentos de Guilherme Calmon da Gama37, busca
compatibilizar os mesmos direitos e obrigações entre pais e filhos, sendo irrelevante para
tanto a origem da filiação. Assim, existindo entre pais e filhos o vínculo da parentalidade, seja
ele decorrente do vínculo civil ou natural, terão os filhos, todos eles, os mesmos direitos
legais, sem possibilidade de haver qualquer diferenciação.
Essa alteração legislativa é desdobrável em duas vertentes: a) a igualdade das
qualificações dos filhos e b) a igualdade dos direitos dos filhos. Segundo Marques e
Cachapuz38, a primeira vertente possibilitou a afirmação da igualdade entre os filhos,
independentemente de sua origem, proibindo consequentemente quaisquer qualificações
discriminatórias, que manifestadamente atentavam contra o princípio da dignidade da pessoa
humana tão aclamado na própria Constituição Federal.
Paulo Luiz Lôbo, comenta a alteração legislativa em face da necessidade de adequar as
determinações ao princípio constitucional constante do artigo 1º da Constituição Federal:
35
BITTAR FILHO, 2002, p. 59.
BRASIL. Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jan. 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 20 out. 2006.
37
GAMA, 2003., p. 435.
38
MARQUES, Cláudia Lima, CACHAPUZ, Maria Cláudia e VITÓRIA, Ana Paula. Igualdade entre os filhos no
direito brasileiro atual - direito pós moderno? Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 764, p. 11-32, 1999.
36
17
O princípio da dignidade humana pode ser concebido como estruturante e
conformador dos demais, nas relações familiares. A Constituição, no artigo 1º, o
tem como um dos fundamentos da organização social e política do país, e da
própria família (artigo 226, § 7º). (...) No estágio atual, o equilíbrio do privado e do
público é matrizado exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade
das pessoas humanas que integram a comunidade familiar, ainda tão duramente
violada na realidade social, máxime com relação às crianças. Concretizar esse
princípio é um desafio imenso, ante a cultura secular e resistente. No que respeita à
dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa viragem,
configurando seu específico bill of rigths, ao estabelecer que é dever da família
assegurar-lhe “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além de colocá-la “à salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos,
mas a cada membro da própria família. 39
A segunda vertente garantiu aos filhos o direito de verem exercitados na prática os
deveres decorrentes da paternidade, sem que para tanto houvesse uma diferenciação de
direitos entre os filhos concebidos na constância do casamento, os filhos reconhecidos, os
filhos adulterinos e os filhos adotados. Atualmente a denominação diferenciada não mais
perdura, cabendo sua utilização tão somente por questões históricas e didáticas.
Por fim, segundo se apreende da doutrina de Guilherme Calmon da Gama, o princípio
da igualdade de filiação visa atribuir á família:
função que não lhe era reconhecida, a de servir aos seus integrantes, permitindo que
eles possam ter os meios necessários - materiais e imateriais - para desenvolver
plenamente suas personalidades aptidões e qualidades, com a centralização na
pessoa dos filhos menores, diante da acolhida expressa da doutrina da proteção
absoluta, prioritária e integral da criança e do adolescente.40
1.4.3. A presunção da filiação na legislação brasileira
Outro princípio de fundamental importância para o Direito de família é o da presunção
da filiação. De acordo com tal princípio, é presumido como sendo filho de um casal a criança
que for concebida no período de sua convivência marital. Tamanha a importância da
presunção da filiação que esta não é ilidida sequer pela prova confessa do adultério, conforme
o que dispõe o artigo 1.602 do Código Civil. Isso porque, nas palavras de Carlos Alberto
Bittar, “não se pode afirmar, com absoluta certeza, que o filho foi gerado por conta do
relacionamento extraconjugal.”41
O mesmo diploma legal, em seu artigo 1.597, estabelece haver presunção da filiação
na constância do casamento nos seguintes casos de:
1. prole concebida 180 dias após ter se estabelecido a convivência conjugal;
39
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Constitucionalização do Direito Civil. In Mundo Jurídico - Revista de Informação
Legislativa, 1999 - mundojuridico.adv.br.
40
GAMA, 2003., p. 420.
41
BITTAR FILHO, 2002, p. 58.
18
2. prole concebida até 300 dias depois da dissolução da união seja por morte,
separação judicial, nulidade ou anulação;
3. prole concebida por fecundação artificial mesmo após a morte do marido;
4. filhos havidos a qualquer tempo pela utilização de fecundação artificial
homóloga;
5. filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, autorizada pelo marido.
Pontes de Miranda, entretanto, assevera que a presunção somente pode ser argüida
quando a concepção ocorrer na constância do casamento. “O que se presume é que, certa a
maternidade, se tem por pai o marido, salvo se ocorre algum dos casos previstos, na lei, para a
impugnação.”42
Silvio Venosa43 também aponta que, atualmente, há flexibilização da presunção da
paternidade em certas situações, mostrando na própria lei civil a relativização da presunção,
por exemplo, no caso de comprovada esterilidade do cônjuge varão à época da união. Ainda,
afirma que a presunção encontra definitiva relativização pelo dispositivo do artigo 1.601 do
Código Civil em vigência, que permite a contestação da paternidade dos filhos do casal feita a
qualquer tempo pelo pai. Todas essas alterações, afirma Venosa, ocorrem dado ao fato de hoje
a verdade jurídica acompanhar a verdade biológica, já que esta é comprovável com margem
quase inexistente para erros. Nesse ponto, a crítica à presunção da filiação ainda corrente:
Reitere-se que a posição moderna da tecnologia faz cair por terra o sistema de
presunções da paternidade na maioria dos casos. O sistema de presunções de
paternidade colocado no Código de 1916, e mantido em parte no vigente Código,
há muito se mostra anacrônico, não só porque a sociedade evoluiu nesse fenômeno,
como também porque a ciência permite atualmente apontar o pai (ou a mãe) com o
mais elevado grau de certeza.44
O posicionamento do civilista é de que, apesar de não mais perdurarem diferenciações
de direitos entre as filiações, aquelas que forem constituídas fora da união conjugal não
gozam da presunção de paternidade e devem ser reconhecidas voluntária ou coercitivamente.
Contudo, há aqueles que acreditam que também seria aplicável á união estável a presunção de
paternidade. Em relação ao artigo 1.597 do Código Civil, Paulo Lôbo afirma que “ainda que o
artigo sob comento refira-se à “constância do casamento” a presunção de filiação,
paternidade e maternidade, aplica-se à união estável”. 45 Igualmente, observando-se parágrafo
6º do artigo 226 da Constituição Federal pátria, inviável entender que persiste posicionamento
manifestadamente contrário ao princípio da igualdade entre as filiações, já que os filhos não
devem ser punidos pelos atos de seus pais, posicionamento que parece mais razoável.
42
MIRANDA, 2001, p. 47.
VENOSA, 2006, p. 234.
44
VENOSA, 2006, p. 236.
45
LÔBO, 2003, apud ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de Albuquerque. A fecundação Artificial
post-mortem e o direito sucessório. Esmape, Teresina, mai. 2002. Disponível em:
<http://www.esmape.com.br/downloads/mat_profa_mariarita/prof_maria_rita_7.do> Acesso em 10 set. 2007.
43
19
1.4.4. A determinação da filiação: a verdade jurídica, a verdade afetiva, a verdade
biológica e a verdade real
Até o final do século XX, a maternidade, dentro do ordenamento jurídico brasileiro,
sempre foi tida como certa. Isso porque, até então, a parentalidade era baseada em critérios
biológicos.
De acordo com tais critérios, a maternidade seria atribuída àquela mulher que
apresentasse as características biológicas de mãe, ou seja, a mãe seria sempre a mulher que
após passar pelo período de 40 semanas de gestação desse a luz a uma criança. Entendeu-se,
então, pela utilização do binômio gestação - parto, que a maternidade sempre poderia ser
definida com muita certeza, daí o brocado latino mater semper certa est. 46
Ocorre que a base biológica, até então utilizada, era acreditada como suficientemente
capaz de apontar quem teria vínculos maternos com a prole nascida, ao passo que somente
seria necessário discutir a identidade paterna, por nem sempre esta ser evidente.
A partir dessa certeza em relação à maternidade, foi construído um juízo antecipado
em relação à identidade da mãe, sempre que fossem encontrados na situação fática os critérios
biológicos observados, dando-se origem a uma presunção de maternidade. O ordenamento
legal absorveu essa presunção fundada no que ordinariamente acontece, a partir da dedução
de atos e fatos47 , determinando como mãe civil toda mulher que apresentasse essas mesmas
características biológicas (gestação/ parto). Apesar de comumente ser o vínculo biológico
levado em conta para a determinação da verdade real da filiação, é possível ver o vínculo da
filiação formado a partir de outras verdades.
Já nos primórdios da humanidade, observava-se a possibilidade da constituição da
filiação de outras formas. Guilherme Calmon da Gama48 ensina que ao lado da filiação natural
decorrente da conjunção carnal entre os cônjuges, a filiação civil (adoção) foi concebida na
Antiguidade da civilização humana contando com uma “ficção jurídica” para que os laços de
maternidade-paternidade-filiação fossem estabelecidos. Assim, a perpetuação das famílias era
garantida ainda que não fosse pelos laços da consangüinidade.
Observam-se, atualmente, formas de constituição ainda mais diversas criadas pelas
técnicas de reprodução assistida. Nesse sentido, a determinação da parentalidade e da filiação
pode ser feita de formas variadas, seguindo preceitos diversos. A doutrina de Guilherme
Calmon Nogueira da Gama49 elenca diferentes verdades a serem consideradas em se tratando
dessa determinação. Segundo o autor, essas verdades podem ser biológicas, jurídicas ou
afetivas.
46
AGUIAR, 2005, p. 02.
ACQUAVIVA, 2006, p. 673.
48
GAMA, 2003, p.472.
49
GAMA, 2006, passim.
47
20
Na verdade biológica está inserida a consangüinidade, estando firmada a filiação pelo
parentesco natural. A verdade jurídica (ou legal) pode ter origem ou não na consangüinidade,
sendo efetivamente observado o reconhecimento da filiação a partir de uma ficção jurídica
criada pela lei. Existe aí uma presunção do vínculo parentalidade-filiação pela aparência de
sua existência.
Para a verdade afetiva, é o afeto, o desejo, a vontade de ser pai/mãe a característica
determinante da relação. O que se leva em conta na formação do vínculo de filiação pela
verdade afetiva é o apego emocional que pais e filhos demonstram apesar de não serem
ligados pelos laços sanguíneos. Silvio Venosa lembra que esta “paternidade emocional,
denominada socioafetiva pela doutrina, que em muitas oportunidades, como nos demonstra a
experiência de tantos casos vividos ou conhecidos por todos nós, sobrepuja a paternidade
biológica ou genética.”50
Segundo Paulo Luiz Lôbo51, sempre houve no Direito de Família brasileiro um
conflito entre a filiação biológica e a filiação afetiva, sendo que sempre a primeira sobressaiuse à segunda. Entretanto, atualmente, a filiação afetiva vem sendo mais seriamente abordada.
No caso dos filhos adotados, não é a verdade biológica que determina a filiação. Pelo
contrário, observa-se não haver traço genético comum entre os pais e o filho. A filiação é
determinada, neste caso, pela verdade jurídica e pela verdade afetiva. Igual afirmação pode
ser feita quando um dos pais aceita como se fosse seu o filho que o outro, cônjuge ou
companheiro, gerou com terceiro, pouco se importando com a inexistência de vínculo
genético entre eles.
Mônica Aguiar aponta que a escolha de apenas uma dessas verdades para determinar o
vínculo parental será adstrito a um aspecto parcial da verdade. 52 Assim, não é a verdade real
da filiação encontrada. Essa verdade real, Paulo Lôbo ensina, “surge da dimensão cultural,
social e afetiva, donde emerge o estado de filiação efetivamente constituído”53, e não depende
essa verdade da existência de herança genética. Ela vai além dessa simplória presunção. Nesse
sentido, o doutrinador afirma que:
na realidade da vida, o estado de filiação de cada pessoa humana é único e de
natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive
biologicamente dos pais, na maioria dos casos. Portanto, não pode haver conflito
com outro que ainda não se constituiu.54
1.4.5. Os efeitos pessoais e patrimoniais da filiação
A filiação gera para os envolvidos na relação parental efeitos de ordens diversas. Esses
efeitos podem ser divididos em duas categorias: os efeitos pessoais e os efeitos patrimoniais.
50
VENOSA, 2006, p. 235.
LÔBO, 2004, p. 01
52
AGUIAR, 2005, p. 115
53
LÔBO, 2004, p. 11
54
LÔBO, Ibidem, p. 02
51
21
1.4.5.1. Os efeitos pessoais
Na ordem pessoal, podem ser encontrados o estabelecimento de vínculos paternomaterno-filiais, a formação dos impedimentos matrimoniais e o direito ao reconhecimento da
filiação por registro civil, com a conseqüente utilização, por parte do filho, do nome dos pais.
Ainda há um outro efeito de ordem pessoal gerado: o estabelecimento do poder familiar. Tal
expressão surge como um substituto da antiga expressão empregada - o pátrio poder.
A expressão “pátrio poder” utilizada pelo Código Civil de 1916, em vigor até o dia
dez de janeiro de 2002, fora consolidada legalmente tendo-se como foco um conjunto de
relações sociais diferentes das atualmente observadas. No Brasil, até então, as famílias eram,
em sua maioria, providas pelo trabalho dos maridos, seus chefes, detentores de todo o poder
decisório. Apesar de o matriarcado constituir um instituto bem mais antigo, a sociedade
brasileira parece não tê-lo absorvido, ficando as mulheres da família em posições secundárias.
O que ocorria nas famílias era observado em outros setores sociais e principalmente no
mercado de trabalho, cabendo às mulheres atividades com salários menores. 55 Entretanto, as
crises econômicas levaram mais e mais mulheres ao mercado de trabalho, muitas delas, mães
solteiras, viúvas, filhas que precisavam ajudar na renda familiar. O poder, antes exercido com
exclusividade pelos homens, passou a ser compartilhado com as mulheres.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, seria necessário amoldar a
legislação aos novos princípios isonômicos preconizados. Da mesma forma, a lei não poderia
dar as costas à realidade social então vivenciada. Ainda assim, catorze anos separaram a
promulgação da Constituição e a publicação do Novo Código Civil. A alteração da lei civil
proporcionou diversas mudanças, entre elas a alteração da expressão “pátrio poder” para o
“poder familiar”, poder atribuído aos pais, ambos, em relação à pessoa dos filhos enquanto
estes forem menores, constituindo um conjunto de direitos e deveres a serem observados.56
Assim, no rol de direitos/deveres decorrentes do poder familiar estão:
cuidar da educação e da criação dos filhos;
tê-los em sua guarda e companhia;
conceder ou negar-lhes o direito para casar;
nomear-lhes tutor, na forma legal;
representá-los ou assistí-los nos atos civis;
reclamá-los de quem os detenha ilegalmente;
exigir-lhes a prestação de obediência e respeitos.
Os deveres/direitos decorrentes do poder familiar estendem-se ao patrimônio dos
filhos, cabendo aos pais administrá-los. Eduardo Espínola deixa claro que há limites à
administração desses bens, não podendo os pais “alienar, hipotecar ou gravar de ônus reais os
55
56
BITTAR FILHO, 2002, p. 63-67.
BITTAR FILHO, Ibidem, p. 56.
22
imóveis dos filhos, nem contrair em nome deles obrigações que ultrapassem os limites da
simples administração”, ressalvadas as situações de autorizações judiciais prévias. 57 O autor
ainda chama atenção para as causas de suspensão, extinção e perda duração do pátrio poder.
Em regra, a suspensão, mediante ação judicial, decorre do exercício irregular do poder
familiar, observando-se abusos das prerrogativas por parte dos pais ou dilapidação do
patrimônio, pertencente aos filhos, sob sua administração. Igual medida é tomada em caso de
condenação dos pais a pena de reclusão por mais de 02 anos, em sentença irrecorrível. Porém,
a suspensão do poder familiar não é definitiva, estendendo-se somente pelo tempo
determinado pelo magistrado.
A extinção do poder familiar decorre de situações diversas, podendo ser elencadas a
maioridade dos filhos, sua emancipação ou a morte dos pais. Evidente que, nesse último caso,
o poder familiar é mantido em relação àquele sobrevivente. Pode ainda ocorrer dos pais
perderem o exercício do poder familiar, sendo que a perda advém de sentença judicial. São
causas para a perda do poder familiar os castigos imoderados, a prática de atos atentatórios
contra a moral e os bons costumes e o abuso reiterado da autoridade parental. 58
1.4.5.2. Os efeitos patrimoniais decorrentes da filiação
Na ordem patrimonial, encontra-se uma gama de conseqüências jurídicas decorrentes
do vínculo da filiação, sendo as principais a obrigação de alimentar e o direito à vocação
hereditária.
1.4.5.2.1. Os alimentos
Primeiramente, é necessário atentar-se para o real significado dos alimentos, pois não
correspondem simplesmente à alimentação. Na lição de Sílvio Venosa, os alimentos
compreendem também o custeio da moradia, do vestuário, da assistência médica e
educacional do alimentando, além de outras necessidades que ele apresentar. 59 A maior parte
dos doutrinadores da área de família compartilha do mesmo posicionamento de Venosa.60
A previsão dos alimentos na legislação brasileira pode ser encontrada no artigo 1.695
do atual Código Civil. Segundo este dispositivo, os alimentos são devidos àqueles que não
têm bens e nem dispõem de meios bastantes para proverem, por si próprios, a sobrevivência,
sendo que estão obrigados a provê-los os parentes que detêm tais condições.
O dever de alimentar advém de um binômio - possibilidade / necessidade. Se, por um
lado, o alimentado necessita da prestação alimentar, de outro, é necessário que aquele
chamado a prestá-la disponha de condições financeiras para arcar com tal ônus.
57
ESPÍNOLA, Eduardo. A Família no Direito Civil Brasileiro. Campinas: Bookseller, 2001, p. 552.
BITTAR FILHO, 2002, p. 67.
59
VENOSA, 2006, p. 376.
60
Nesse mesmo sentido podem ser sitados os doutrinadores Arnoldo Wald, Eduardo Espínola, Maria Helena
Diniz, Pontes de Miranda.
58
23
Não restam dúvidas de que os alimentos constituem um direito/obrigação recíproco
entre os parentes, sejam eles cônjuges, filhos, pais, avós. Contudo, importa-nos sobremaneira
a obrigação de alimentos em virtude da filiação. Aqui, os responsáveis diretos pelos alimentos
dos filhos são os pais, responsabilidade advinda do poder familiar. Mas também podem os
pais requerer alimentos dos próprios filhos, justamente em virtude da reciprocidade desse
direito/obrigação. Nas palavras de Rui Ribeiro de Magalhães, “a natureza jurídica da
obrigação alimentar é de direito parental e assentada nos laços de solidariedade familiar, de
maneira que o elenco dos obrigados a prestar alimentos pressupõe a reciprocidade para
requerê-los, a teor do art. 1.696 do Código Civil.” 61
MAGALHÃES ainda chama a atenção para o rol de obrigados e co-obrigados à
prestação alimentícia, lembrando que:
A obrigação de prestar alimentos pode ser dividida entre os diversos co-obrigados
se o parente que estiver em primeiro lugar não puder suportar sozinho o encargo.
[...] serão chamados os outros co-obrigados e a obrigação será partilhada na
proporção dos recursos de cada um.
É o próprio Código Civil que determina quais são os parentes que devem alimentos e
que podem igualmente requerê-los. No caso dos filhos, são os pais os devedores. Mas além
destes, na sua falta ou impossibilidade, podem ser evocados seus ascendentes, irmãos e
parentes de grau imediato para adimplir a prestação, conforme determinam os artigos 1.696,
1.697 e 1.698 da lei civil. Cabe aqui fazer uma observação a respeito dos alimentos. Uma vez
decorrente do poder familiar, não há questionamento de que cabem a ambos os pais o dever
de alimentar. Destarte, na “constância do casamento, fica óbvia a obrigação mútua de
sustentar os filhos. Já no caso de dissolução da sociedade conjugal e a subseqüente
dissociação da autoridade paterna, esta obrigação fica igualmente dividida.”62
Rui Ribeiro ainda chama a atenção para a mutabilidade da obrigação alimentícia,
podendo chegar-se à sua desobrigação, de acordo com cada situação fática. Isso porque, a
obrigação de alimentar se sujeita aos princípios da cláusula rebus sic stantibus. Assim, uma
vez sujeita a obrigação alimentícia aos fatores da necessidade/possibilidade, é perfeitamente
lógico que da inexistência superveniente de um ou outro fator verifique-se o seu aumento, a
sua redução ou até mesmo a sua desobrigação. 63
1.4.5.2.2. A vocação hereditária
Nas lições de Silvio Venosa, suceder é “substituir, tomar o lugar de outrem no
campo dos fenômenos jurídicos”64. A sucessão, assim, pode ocorrer tanto entre vivos, sendo
ocasionada por uma doação ou pela compra e venda de um bem, como em razão da morte
61
MAGALHÃES, 2003, p. 260.
COSTA, 2002, p. 82.
63
MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Op cit., p. 261.
64
VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil – Sucessões. São Paulo: Atlas, 2005, p. 01.
62
24
(causa mortis) do até então titular do bem. Nesse último caso, o ramo do Direito Civil
responsável pelo estudo desse fenômeno é o Direito das Sucessões.
O Direito das Sucessões traz em seu seio o princípio do droit de saisine, segundo o
qual os bens do de cujus transmitem-se aos seus herdeiros, sejam eles legítimos ou
testamentários. Porém, o princípio somente é cumprido quando da morte do legítimo
possuidor do patrimônio a ser sucedido. Assim, segundo Carlos Alberto Bittar Filho, “a
posse e a transmissão dos bens são transmitidas aos herdeiros no momento da morte do de
cujus.”65
A sucessão, nesse sentido, pode ser tanto legítima quanto testamentária. Na primeira,
é a lei que determina quais são as pessoas que podem receber o patrimônio de outrem após a
sua morte. No segundo caso, é a própria pessoa possuidora do patrimônio que, em vida,
determina a disposição de seus bens após a sua morte.
O testamento é a oportunidade concedida ao testador para fugir das determinações
legais, já que é a própria lei que estabelece a ordem das pessoas chamadas a suceder. Assim,
qualquer pessoa poderia ser aquinhoada seguindo os últimos desejos do possuidor originário
dos bens. Contudo, inexistindo tal registro, a ordem da vocação hereditária legítima é
seguida, sendo, a herança transmitida aos herdeiros legítimos. O mesmo ocorre em relação
aos bens que não forem inclusos no testamento ou quando ocorrer declaração de nulidade do
testamento ou caso este venha a caducar.66
Ainda que tenha sido concedido ao testador o direito de dispor de seu patrimônio
pela via testamentária, necessário observar que somente metade de seu patrimônio pode ser
assim disposta, ficando a outra metade resguardada aos herdeiros necessários. Essa metade
protegida é a legítima.
De acordo com o artigo 1.845 do Código Civil de 2002, os herdeiros necessários são
os descendentes, os ascendentes e os cônjuges, mas na ordem da vocação hereditária
também estão incluídos os colaterais. Todavia, registre-se que somente os herdeiros
necessários têm a proteção da legítima.
É ordem da vocação hereditária que determina a ordem na qual os parentes são
chamados para herdar. Importa dizer que os primeiros herdeiros são os filhos, e na sua falta
é que os demais mencionados na ordem da vocação hereditária irão ser chamados, sendo
que os mais próximos excluirão os mais distantes. Evidentemente, não se deixa de
considerar as ressalvas para a concorrência dos filhos com os cônjuges nas situações
dispostas no artigo 1.829, I, do código civilista, mas cabe ao presente trabalho tão somente o
estudo dos efeitos sucessórios decorrentes da filiação.
Perceba-se que ao determinar a linha da descendência no artigo 1.835 do Código de
2002, o legislador civil utilizou a expressão ‘filhos e outros descendentes’ para determinar a
linha da descendência. Assim, importa dizer que somente os filhos legítimos ou legitimados
65
66
BITTAR FILHO, 2002, p. 109-110.
BITTAR FILHO, 2002, p. 110.
25
podem concorrer com os demais descendentes (netos, bisnetos...), sendo primordial o
devido reconhecimento filial nas formas estipuladas pela lei. O que não quer dizer,
entretanto, que o filho que não foi devidamente reconhecido não tenha qualquer direito ao
patrimônio do de cujus. Pelo contrário, terá ele o mesmo direito que todos os outros, sendo,
entretanto, necessário o regular reconhecimento via Ação de Investigação de maternidade
ou paternidade, de acordo com cada caso concreto. Uma vez reconhecido, o filho participará
da legítima junto com os demais.
Como não mais existe discriminação na lei brasileira quanto à origem da filiação,
conforme o que já foi mencionado anteriormente, necessário lembrar que no momento da
partilha todos os filhos terão direitos iguais, percebendo quinhões equivalentes. Nas
palavras de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “todos os filhos, por serem
descendentes, são herdeiros necessários, e têm para si reservada a legítima, nos termos do
artigo 1.789 do Código Civil de 2002.”67 Em igual sentido está a doutrina de Silvio
Venosa.68
Porém, nada impede que o de cujus tenha deixado disposição testamentária
concedendo a este ou aquele filho uma parte maior de seu patrimônio, o que não importa
qualquer ilegalidade justamente pela concessão legal que o de cujus tinha para proceder de
tal forma. Porém, ressalte-se que a parte legítima será sempre igualmente dividida entre os
filhos, seja qual for sua origem, segundo o artigo 1.849 do Código Civil de 2002.
Uma das poucas exigências feitas aos herdeiros em geral é a capacidade para
69
herdar. A capacidade requerida não é a mesma capacidade para os demais atos da vida
civil. É a própria lei civil que determina as pessoas capazes para suceder (artigos. 1.798 e
1.799 CC/02), sendo igualmente elencadas as pessoas que são relativamente incapazes (art.
1.801 CC/02) bem como as indignas de serem aquinhoadas (art. 1.814 CC/02).
Assim, são legitimados para herdar as pessoas nascidas ou concebidas no momento
da abertura da sucessão. Carlos Alberto Bittar Filho chama atenção para o fato de o
nascituro também ser legitimado para suceder já que “a personalidade civil começa do
nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”70
O artigo 1.799 do Código Civil trata daqueles que podem ser aquinhoados via
testamento, sendo agraciadas as pessoa jurídicas já formadas ou aquelas a serem
estabelecidas sob a forma de fundações. Igualmente, podem suceder os filhos não
concebidos de pessoas indicadas no testamento, ficando os bens, após a partilha, confiados a
um curador nomeado pelo juiz. Nesse caso, se não nascida a pessoa em até dois anos, a lei
civil determina que os bens a ela destinados sejam rateados entre os herdeiros legítimos.
67
GAMA, 2003, p. 623.
VENOSA, 2005, p. 113.
69
VENOSA, Ibidem, p. 49 - 59.
70
BITTAR FILHO, 2002, p. 113.
68
26
2.
A EVOLUÇÃO CIENTÍFICA E AS NOVAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
HUMANA
2.1. O direito à reprodução e as polêmicas acerca da reprodução assistida
Para Demian Diniz da Costa, existe um direito de ter filhos no ordenamento jurídico,
“um direito fundamental do ser humano, assim como o direito das pessoas casarem com quem
elas quiserem e formarem uma família. ”71 Igual posicionamento é manifestado por Carlos
Cavalcanti de Albuquerque Filho que afirma ser a reprodução reconhecida “como direito
fundamental, embora não absoluto, assim como os demais direitos fundamentais”. 72
Também José Afonso da Silva vê a procriação como um direito. Para o autor, a
previsão traga no texto constitucional acerca da liberdade de fazer, de atuar ou de agir, como
princípio individual e, em defesa da integridade, que é sempre inspirada pela garantia da
dignidade pessoa humana e é nesse rol que o direito à procriação pode ser encontrado. 73
Porém, nem toda a doutrina acorda ser a reprodução humana, de fato, um direito.
Mônica Aguiar74 acredita não haver direito de procriar, mas sim a faculdade de todo ser
humano fazê-lo. Entender tal faculdade como direito personalíssimo traz à tona problemas de
solução inimaginável como, por exemplo, a possibilidade de incapazes acometidos de doenças
mentais serem submetidos às técnicas de reprodução assistida para potencializar um “direito”
do qual dispõem.
Semelhante posicionamento é o de Jorge Biscaia. Segundo ele, o filho, gerado ou por
gerar, “deve ser visto como um dom e não um direito absoluto dessa união.”75 Assim,
necessária uma “reflexão ética sobre o casal, sobre a maternidade/paternidade e sobre o
sentido do filho”76 de forma que as biotécnicas não se prestem à simples realização de
caprichos.
O autor português José Manuel Borges Soeiro77 opta por entender a procriação também
como um direito, porém não ilimitado, sendo sempre balizado no que seria de melhor interesse
da criança. Dos estudos de Anison Carolina Paludo resulta o entendimento de que a procriação
consiste em um direito, chamando em favor dessa argumentação a Declaração Universal dos
71
COSTA, 2002, p. 49.
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 09.
73
MENDES, Christine Keler de Lima. Mães substitutas e a determinação da maternidade: implicações da
reprodução mediamente assistida na fertilização in vitro heteróloga. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº. 180,
2006. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1310> Acesso em: 17
out. 2007. p. 02-06.
74
AGUIAR, 2005, passim.
75
BISCAIA, Jorge. Problemas éticos da reprodução assistida. Revista de Bioética e Ética Médica. Volume 11,
número 2. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2003. Disponível em: <http://www.crmms.org.br/revista/bio11v2/RevistaBioetica.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007.
76
BISCAIA, Jorge. Ibidem.
77
SOEIRO, José Manuel Borges. Bioética e Direito – a procriação assistida.
72
27
Direitos do Homem e os direitos á igualdade, dignidade e fundação familiar nela assegurados.78
Nesse mesmo sentido estão a inviolabilidade do direito à vida, do incentivo e da liberdade de
expressão à pesquisa e ao desenvolvimento científico, da liberdade de consciência e crença e o
livre planejamento familiar, direitos consagrados na Magna Carta de 1988.
A Igreja Católica, reconhecida pelo seu tradicionalismo, chega até a aceitar o estímulo da
realização de pesquisas que visem diminuir as causas da esterilidade humana, mas quanto às
técnicas de reprodução assistida, é taxativa: são moralmente inaceitáveis e gravemente
prejudiciais79. Isso porque, apesar de também entender a procriação como um direito, essa
instituição acredita que as técnicas de reprodução tolhem o direito que a criança possui de ter pai e
mãe conhecidos e, com relação ao casal, traem “o direito exclusivo de se tornar pai e mãe somente
um por meio de outro.”80 Assim, mesmo tendo esses casais a digna intenção de formarem sua
família, a Igreja não acredita ser justificável o uso de meios moralmente inadmissíveis.81 Nesse
sentido, o artigo 2.379 de seu Catecismo mantém o posicionamento de que:
A esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos que, depois de terem
esgotado os recursos legítimos da medicina, sofrerem de esterilidade unir-se-ão à
Cruz do Senhor, fonte de toda fecundidade espiritual. Podem mostrar sua
generosidade adotando crianças desamparadas ou prestando relevantes serviços em
favor do próximo.
Tamanho é o grau da polêmica que cerca a reprodução assistida que SOEIRO
transcreve o seguinte posicionamento de Kaufmann:
A afirmação de que toda a fecundação extra-conjungal é contrária à ética (posição
doutrinal oficial da Igreja Católica) é grotesca já que pelo processo normal são
procriadas muitas crianças em circunstâncias muito mais indignas e com muito
menos amor.82
Também contrário ao posicionamento da Igreja católica, Demian Diniz da Costa
reconhece haver um confronto entre o direito de gerar filhos e o direito de a criança ter uma
vida familiar, mas chama atenção ao fato de que, nem sempre, os ambientes familiares
previamente construídos são os melhores em se tratando de propiciar à criança as condições
78
“Artigo 3º: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”; “Artigo 7º: Todos são iguais
perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação.”; “Artigo 12: Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar
ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei
contra tais interferências ou ataques.”; “Artigo 16: Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição
de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais
direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. §1. O casamento não será válido senão como o
livre e pleno consentimento dos nubentes. §2. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem
direito à proteção da sociedade e do Estado.”
79
VATICANO. Catecismo da Igreja Católica. Tradução da CNBB. São Paulo: Vozes, 1999.
80
Ibidem. Parágrafo 2.376.
81
Ibidem. Parágrafo 2.399.
82
SERRÃO, Daniel. Estatuto do Embrião. Revista de Bioética e Ética Médica. Volume 11, número 2. Brasília:
Conselho Federal de Medicina, 2003. Disponível em: <http://www.crmms.org.br/revista/bio11v2/RevistaBioetica.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007.
28
afetivas das quais necessita na infância, assim como nem sempre os casais que podem procriar
naturalmente são pais melhores.83
De qualquer sorte, nos dizeres de Mônica Aguiar, “[...] o objetivo primordial da
utilização de técnicas de procriação assistida é tentar oferecer aos casais com problemas de
fertilidade chances idênticas às que os férteis têm de gerar filhos”. 84
Potencializadoras desse direito procriacional, essas técnicas acabaram igualmente
despertando um sem número de conseqüências jurídicas e éticas das mais diversas ordens,
conseqüências estas que serão analisadas mais adiante.
2.2. As técnicas de reprodução assistida
Historicamente, a filiação é considerada como uma forma de perpetuação da família.
Entretanto, muitos eram os casais que, a despeito de suas inúmeras tentativas, jamais
conseguiam ter filhos. Popularmente atribuía-se essa impossibilidade a um castigo divino, à
impotência masculina, à incompetência feminina em desempenhar suas “obrigações”. Hoje,
com o avanço da ciência, revelou-se uma explicação para o problema: a infertilidade.
Conforme já mencionado no Capítulo I, a questão da infertilidade era resolvida, em
algumas culturas, com a adoção. Outra possibilidade seria a geração dos filhos pelo varão do
casal e outra mulher. Nos casos em que a infertilidade era do homem, havia a possibilidade de
a mulher gerar o filho do casal com um irmão ou primo de seu cônjuge.85
Com a evolução social e a conseqüente evolução científica, procurou-se desenvolver
métodos que permitissem que também esses casais acometidos da esterilidade gerassem filhos
próprios. Nesse sentido é que um conjunto de técnicas científicas visando à geração de filhos
por casais portadores de problemas para promover a filiação da forma convencional foram
sendo desenvolvidas. Assim surgiu a reprodução assistida.
No início da década de 70 essas técnicas consistiam em despejar no órgão sexual feminino
ou no colo do útero o sêmen do homem quando fosse identificada a ovulação. O sucesso dessas
técnicas mal chegava a 4%. Mais tarde, em 1978, essas técnicas ganharam notoriedade após
nascer o primeiro bebê gerado in vitro, ou seja, fora do corpo humano. Em 1984, nascia na
Austrália a primeira criança gerada a partir de um embrião criopreservado, o bebê Zoe.86
O já conhecido posicionamento da Igreja Católica foi primeiramente manifestado em
1987. Três anos mais tarde é que vários países começaram a estabelecer diretrizes éticas e
legais sobre o tema e em 1992 o Conselho Federal de Medicina brasileiro publicou a
83
COSTA, Demian Diniz da. Famílias Monoparentais: Reconhecimento Jurídico. Rio de Janeiro: AIDE, 2002,
p. 49.
84
AGUIAR, 2005, p. 57.
85
MAGALHÃES, 2003, p. 02-03.
86
NETO, Marcílio José da Cunha. Considerações Legais Sobre Biodireito: A Reprodução Assistida à Luz do
Novo Código Civil. Disponível em:
<http://www.estacio.br/graduaçao/direito/publicaçoes/rev_novamer/art_res/cons_codciv.doc>. Acesso em: 08
out. 2007.
29
Resolução número 1.358 instituindo as “Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de
Reprodução Assistida”. 87
Hoje, as técnicas de reprodução assistida encontram-se absorvidas também pela lei
civil, mas com certas impropriedades. Marcílio José da Cunha Neto chama a atenção para a
utilização de termos como “concepção artificial” e “fecundação artificial” para designar as
técnicas de reprodução assistida. Tal denominação se revela inadequada, já que “a concepção
e a fecundação utilizam técnicas naturais com auxílio técnico e nunca de forma artificial”. E
segue afirmando o autor que, até então, “a ciência não conseguiu criar nenhum
espermatozóide, óvulo ou útero artificial para assim poder designar”.88
Cientificamente, as técnicas de reprodução científica podem ser desenvolvidas
seguindo duas modalidades: a inseminação artificial (IA) e a fertilização in vitro (FIV). No
primeiro caso, a fertilização ocorre dentro do próprio corpo humano, sendo introduzido no
aparelho reprodutor da mulher o esperma. No segundo caso, a fertilização é feita em tubos de
ensaio em laboratórios e, após a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, os embriões
formados são implantados no útero.89
Em razão do material genético utilizado, essas técnicas de reprodução assistida foram
colocadas em dois grupos: técnicas homólogas, que utilizam somente material genético do
casal, e técnicas heterólogas, que utilizam material genético de doadores combinados ou não
com o material genético do casal interessado em ter filhos.
No campo do Direito, segundo Eunice Dias Casagrande, a reprodução na modalidade
homóloga é a que menos apresenta contestações no campo jurídico, já que “não altera as
estruturas jurídicas existentes, na medida em que a paternidade biológica coincide com a legal.”90
Essas técnicas não abalaram o conceito da presunção de parentalidade, isto porque o
material utilizado pertence ao casal e a gestação ocorre no útero da interessada em ser mãe.
Assim, a maternidade poderia ser aferida sem qualquer problema pelos mesmos conceitos
biológicos da reprodução sexuada comum, sendo a mãe biológica e a mãe civil a mesma
pessoa.91 Igualmente, não haveria problemas em se determinar a paternidade, já que no
material genético da criança constariam traços do material genético do pai. É justamente
quando se adentra o campo das técnicas de reprodução heteróloga que os problemas começam
a aparecer. A maior polêmica surge quando se trata do congelamento de sêmen e da
possibilidade de utilização desse material sem o consentimento do cônjuge ou companheiro
87
NETO, Ibidem, passim.
NETO, op. cit., p. 06.
89
ESPÍNDOLA, José Sebastião. Contribuição jurídica para a legislação sobre fertilização humana assistida.
Revista de Bioética e Ética Médica. Volume 11, número 2. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2003.
Disponível em: <http://www.crm-ms.org.br/revista/bio11v2/RevistaBioetica.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007.
90
CASAGRANDE, Eunice Dias. Aspectos Jurídicos da Inseminação Artificial. Revista Consultor Jurídico. São
Paulo, 1999. 30 set.1999. Disponível em < http://conjur.estadao.com.br/static/text/20636,1> Acesso em 18 Jul.
2007.
91
GAMA, 2003, p. 727.
88
30
ou, ainda, após a sua morte.92 Nesses casos, os vínculos de parentalidade-filiação com base no
critério biológico começam a ser afastados.93
Necessário se faz lembrar que a inseminação heteróloga pode ser realizada tanto por
necessidade do casal, como por conveniência. A primeira repousa nos casos nos quais existe
infertilidade no âmbito do casal. A segunda diz respeito principalmente àqueles casos nos
quais a mulher deseja ter um filho sem, para tanto, envolver um homem. Demian Diniz da
Costa ainda observa que a reprodução assim realizada nada tem de ilegal e deve ser permitida.
O autor ainda chama atenção para o fato de que, nesse caso, a constituição da filiação é
realizada por apenas a mãe, não constando no registro da criança o nome do pai.94
Entre as técnicas heterólogas de reprodução também pode ser encontrada a
maternidade de sub-rogação. Também conhecida como útero de aluguel, mãe de aluguel, mãe
substituta, mãe de empréstimo ou barriga de aluguel, esta técnica tem levantado polêmica em
todo o mundo. 95
Recentemente, a sociedade brasileira pode acompanhar o desfecho de um caso de
maternidade de sub-rogação, um dos poucos de que se tem notícia no País, até então. Uma avó
se submeteu à técnica para dar à filha a chance de ser mãe, dando à luz aos próprios netos.96
O ponto principal dessa técnica é a gestação do filho almejado em um útero
temporariamente “doado”, cedido para este fim. Nesse caso, a mulher que passará pela
gestação e pelo parto pode não possuir qualquer vínculo genético com o filho gerado, sendo
apenas uma mãe portadora. Pode ocorrer ainda de, além de ceder o útero para a gestação, a
mulher também forneça material genético.97 Esse tipo de técnica permite variadas
composições de material genético do embrião, podendo ser formado a partir do material
genético: 1) do casal, 2) de um dos componentes do casal com o material genético de um
doador, 3) de doadores somente, 4) da doadora do útero com o material genético do homem
do casal, ou ainda 5) da doadora do útero combinado ao material genético de um doador.
É nesse ínterim que a presunção da parentalidade outrora certa se tornou
definitivamente mitigada. No caso de uma gestação sub-rogada, a quem seria atribuída a
maternidade afinal, àquela que se submeteu ao processo, a quem doou o material genético ou
a quem ofereceu o útero para a gestação? Levando-se em conta somente a verdade biológica
até hoje utilizada no ordenamento jurídico pátrio, em algumas situações, seria impossível
atribuir a parentalidade ao casal interessado em ter o filho.
A complexidade jurídica do tema é tamanha que em alguns países a adoção dessa
técnica chegou até mesmo a ser proibida. Dentre as principais questões acerca do tema tem-se
92
CASAGRANDE, 1999, passim.
GAMA, 2003, p. 751.
94
COSTA, 2002, p. 48.
95
MENDES, 2006, passim.
96
CARDOSO, Karina. Nascem netos gestados no ventre de mãe-avó. Jornal Cotidiano, Pernambuco, 27 set.
Disponível em <http://jc.uol.com.br/2007/09/27/not_150577.php> .
97
AGUIAR, 2005, p. 108.
93
31
a possibilidade da cessão temporária do útero a título oneroso e a complexa determinação da
maternidade 98quando a mãe cedente se recusa a entregar o filho à mãe interessada.
No Brasil, a maternidade sub-rogada é aceita, mas somente em última ratio99, nos casos
em que a “doadora” do útero e a mulher interessada no procedimento são da mesma família.
Ainda, não é permitido percepção de qualquer tipo de vantagem para ser uma mãe substituta.
Apesar do que dispõe a Resolução 1.358 do Conselho Federal de Medicina, parte da
doutrina reconhece a técnica como ilegal, seja ela realizada a título oneroso ou gratuito, em
atendimento à proibição à comercialização do corpo feita no texto constitucional em seu
artigo 5°de e, no segundo caso, em proteção dos vínculos familiares e jurídicos. Ainda assim,
na eventualidade da maternidade de substituição se efetivar, ainda que contrariamente ao
ordenamento jurídico, para o Direito a mãe da criança será determinada pelo parto e,
conseqüentemente, aquela que desejou receber a criança na sua família - ainda que seja
fornecedora do óvulo que foi fecundado - não terá qualquer vínculo jurídico com a criança
diante do critério do parto. Fica evidente que, para tal decisão, o aspecto utilizado para a
determinação da maternidade continua sendo o biológico, firmado no parto.
Porém, vários doutrinadores entendem nesse caso ser a verdade biológica insuficiente
para determinar o vínculo da filiação. Para Mônica Aguiar, quando o componente genético for
integralmente do casal outorgante, mãe será aquela que contribuiu com seu material genético,
ficando afastada a maternidade atribuída pelo parto.100 A doutrinadora acredita que o critério
primordialmente biológico adotado na fixação do direito parental deva ser superado, de forma
a atribuir a paternidade e a maternidade àqueles que se submeteram à técnica.101
O posicionamento de Silvio Venosa, todavia, corrobora para que seja considerada mãe
aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de
família é irrenunciável e não admite transação.102 Aceitando-se tal posicionamento, se o
óvulo pertencer à mãe substituta e o sêmen for o do marido do casal, o direito parental
acabará surgindo entre esses dois estranhos.
Conforme dito anteriormente, há um conjunto de critérios (ou verdades) a serem
analisados para se determinar a existência ou não dos vínculos parentalidade-filiação. Caberia
ao legislador determinar tais critérios. Como não há na lei esta determinação, ficará ao critério
do julgador fazer a análise da situação fática e optar pelo critério mais viável.
Nunca é demais lembrar que uma ou outra verdade não basta para a determinação do
vínculo materno-paterno-filial. Assim, Silvio Venosa lembra que nem sempre a opção por
uma verdade em detrimento das demais será uma solução ética ou moralmente aceita pelos
98
AGUIAR, 2005, p. 109-111.
O posicionamento que manifesta Silvio Venosa é o de que somente seja admitida essa técnica quando não
houver outra possibilidade de se promover a gestação. Ela deve ser objeto de solidariedade e afeto, daí advindo a
necessidade da mãe sub-rogada e a mãe interessada serem da mesma família. Direito Civil: direito de Família.
100
AGUIAR, op. cit., p. 115.
101
AGUIAR, 2005, p. 98.
102
VENOSA, 2006, p. 295.
99
32
envolvidos e pela sociedade.103 O que deve ser preferencialmente levado em conta é o
interesse do concebido, de ser criado em ambiente harmônico pelas pessoas que o desejaram e
possibilitaram seu nascimento com o emprego de técnicas de procriação assistida.104
2.3. Os requisitos subjetivos, objetivos e formais à reprodução assistida
Quando se fala em reprodução assistida, nenhum juízo é absoluto. É necessário que
sempre seja observada a técnica que é aplicada a cada caso concreto. Assim, os requisitos
necessários para cada técnica também não são, em regra, uma constante.
Em se tratando da reprodução assistida homóloga, os requisitos subjetivos são, quase
sempre, subentendidos em razão do tipo de procedimento utilizado. Porém, quando se fala na
reprodução assistida na modalidade heteróloga, o mesmo não ocorre. De qualquer sorte, ser
ou não o requisito subentendido varia em razão dele mesmo.
Um requisito a ser citado é a autorização conjugal para se submeter às técnicas
biomédicas de reprodução. Assim fica mais evidente a questão do requisito subentendido. Para
Mônica Aguiar, “é razoável o entendimento de que ambos, tanto o homem quanto a mulher,
devam consentir na realização da técnica que poderá resultar o nascimento de um filho.”105
Assim, além de aceitar se submeter às técnicas, o casal assume o compromisso de fornecer à
criança gerada um lar, sendo igualmente assumidos os deveres que advêm do poder familiar.
Em se tratando de combinação de sêmen do marido com o óvulo de doadora,
Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma ser a aceitação conjugal da mulher tácita, já que
o material genético será implantado no seu corpo. Assim, aceitar a implantação por si só já
compreenderia uma manifestação de vontade. Entretanto, quando o material genético da
mulher casada for misturado ao sêmen de um doador, ou quando todo o material genético
pertencer a doadores, é necessário que haja manifestação expressa de concordância do
marido. Nesse ponto, digna é a observação de Silvio Venosa106 ao criticar o legislador por não
estabelecer uma forma para que a autorização fosse concedida. A ausência de forma especial
para tal ato o deixa no rol das formas livres de manifestação volitiva, não carecedora de
qualquer formalidade.
A crítica de Silvio Venosa é válida justamente em razão das conseqüências jurídicas
da inseminação heteróloga. Isso porque, uma vez casadas as pessoas que se submetem à
técnica, a filiação será presumida, ainda que inexista a expressa autorização. É por isso
mesmo que quando ocorre uma inseminação artificial na modalidade heteróloga, a
autorização do marido é fundamental, vez que “a filiação por esse método obtida é
juridicamente sua e a paternidade não poderá ser posteriormente contestada.”107
103
VENOSA, Ibidem, p. 248.
AGUIAR, op. cit., p. 168.
105
AGUIAR, 2005, p. 77.
106
VENOSA, 2006, p. 244.
107
MAGALHÃES, 2003, p. 167.
104
33
Citando o doutrinador Luis Paulo Cotrim Guimarães, Nicolau Júnior observa estar “a
paternidade presumida quanto ao filho advindo por reprodução assistida, em qualquer
momento da relação conjugal, exigindo como requisito único, o consentimento marital.”108
Também este autor chama atenção para a inexistência de forma predeterminada de tal
manifestação, podendo inclusive ser feita de forma verbal.
Contudo, em se tratando de pessoas unidas sob a égide do companheirismo, há uma
situação diferenciada. Neste tipo de união inexiste a presunção de paternidade que é
sustentada no casamento. Dessa forma, ainda que houvesse a prévia autorização, a filiação
jamais poderia ser presumida. Caberia ao filho pleitear seu reconhecimento. Porém, uma vez
tendo sido a filiação constituída durante a união estável, por reprodução assistida heteróloga,
tendo havido autorização do companheiro para a realização do procedimento, o pleito filial
obteria êxito.109
Quanto à forma da autorização, a doutrina não está pacífica, já que para Demian Diniz
da Costa:
o consentimento do cônjuge deverá ser expresso através de formulário especial, é
obrigatório para a utilização das técnicas de reprodução artificial humana, (...),
prevendo, ainda, a revogação do consentimento, que poderá ocorrer até o momento
anterior á realização da técnica de reprodução assistida. 110
Talvez essa discordância se deva ao fato de haver na Resolução nº. 1.358 do Conselho
Federal de Medicina a previsão de formulário escrito111, mas tal cuidado não é reiterado no
texto do Código Civil.
Importante saber que essa autorização não deve ser revogada, caso contrário impossível
será a aplicação das técnicas de reprodução assistida. A revogação pode advir de uma ruptura
do plano parental ou da relação conjugal em si, e ocorrendo “não existe fundamento plausível
que justifique o nascimento de criança fruto de projeto parental que se desfez.”112
Porém, uma vez ocorrida a concepção ou iniciada a gestação, mas não há que se falar
em revogação de consentimento ou suspensão do projeto parental. O binômio parentalidadefiliação já estará formado. Permitir que depois de concluída a técnica o marido ou
108
NICOLAU JÚNIOR, Mauro. Inseminação artificial, clonagem do ser humano e sexualidade. Os efeitos
produzidos na família, do presente e do futuro. O necessário olhar ético ante os direitos fundamentais e os
princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 884, 4 dez. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7619>. Acesso em: 01 out. 2007.
109
GAMA, 2003, p. 740.
110
COSTA, 2002, p. 46.
111
“I – Princípios Gerais (...) 3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis
e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão
detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica
proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O
documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por
escrito, da paciente ou do casal infértil.
112
GAMA, 2003, p. 777.
34
companheiro simplesmente revogasse o consentimento prestado consistiria numa atitude
antijurídica e totalmente injusta.113
Outro requisito subjetivo observado na aplicação das técnicas é a condição de pessoa
casada ou em união estável.
Segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama, esta condição é “requisito importante
para possibilitar a constituição de vínculo de parentesco civil entre tal pessoa e a criança a
nascer.”114 Isso porque, afirma o autor, deve ser sempre observado o melhor interesse da
criança, já que se gerada por casados teria ela oportunidades a ser formada em uma família de
bases sólidas, seguras e autênticas. Nesses casos, ficaria evidente a existência prévia de um
plano parental entre os envolvidos, o que seria igualmente observado nas relações fundadas
no companheirismo.
É em face da inexistência de um plano parental que Silvio Venosa115 pugna pela
negativa de autorização à mulher solteira para se submeter a essas técnicas. Igual negativa, de
acordo com o autor, deveria ser dada àquelas mulheres que não mais possuíssem idade
cronológica reprodutiva, já que tais situações desencadeariam problemas sociais graves.
Nessas situações a criança gerada não teria um fim em si mesma, mas corresponderia a um
meio de alcançar determinados interesses pessoais, o que atenta contra os princípios da
dignidade humana e do melhor interesse da criança.
Todavia, é necessário observar que, analisando o texto da resolução número 1.358 do
Conselho Federal de Medicina, inexiste qualquer menção expressa de que a mulher solteira
não possa se submeter às técnicas. Nesse ponto, o debate é puramente doutrinário, dizendo
respeito ao que se entenderia melhor para a criança a ser gerada.
Ainda que existisse manifestação acerca dessa impossibilidade, Christine Keler de
Lima entende que essa determinação não seria legal. Até mesmo porque o direito de conceber
somente poderia ser limitado ou extraído caso a pessoa interessada não dispusesse de
condições psicológicas e nem apresentasse responsabilidade maternal, características
necessárias ao resguardo dos direitos da criança a ser concebida.116
Outros requisitos subjetivos, estes de ordem pessoal, também devem ser observados.
Conforme o texto da Resolução nº. 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, somente mulher
capaz acometida de esterilidade é que pode se submeter às técnicas de reprodução assistida.
Quando determina que deva ser mulher o indivíduo a se submeter à esse tipo de
reprodução, a Resolução do Conselho Federal de Medicina refuta a possibilidade de um
homem figurar. Isso porque somente seria possível que homem se submetesse a tais técnicas
se empregasse juntamente a maternidade de sub-rogação, e conceber tal possibilidade “viola
113
PALUDO, Anison Carolina. Bioética e Direito: procriação artificial, dilemas ético-jurídicos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2333>. Acesso
em:15 set. 2007.
114
GAMA, 2003, p. 771.
115
VENOSA, 2006, p. 246-247.
116
MENDES, 2006, passim.
35
princípios e valores basilares do ordenamento jurídico, notadamente a dignidade da pessoa da
mulher.”117 Primeiramente porque é a própria resolução que determina a existência de
parentesco entre a mãe “doadora” e a mãe interessada. Depois, ainda que fosse observado
existir tal relação, ficaria claro que a aplicação da técnica implicaria que ambas as mães
renunciassem à filiação em favor do homem, implicando um verdadeiro negócio jurídico.
Nesse sentido, a doutrina de Mônica Aguiar é taxativa afirmando não ser “cabível a
existência de qualquer negócio jurídico que tenha como objetivo a pessoa, haja vista que essa
atuação importaria em uma conduta contra a ontológica condição humana.”118
Quanto à capacidade, atenta-se para o alcance da idade civil mínima de 18 anos para a
mulher, bem como o exercício pleno das faculdades mentais, sem quaisquer problemas para
entender seus atos e manifestar sua vontade.
O terceiro requisito pessoal diz respeito à esterilidade, ou seja, à comprovada
impossibilidade de gerar sem a assistência ou intervenção médica. No entendimento de José
Sebastião Espíndola, existe uma limitação ética e moral na aplicação desses procedimentos,
sendo que seu livre acesso poderia traduzir-se em uma subutilização. O maior temor é que o
livre acesso faça com que motivos não tão nobres sejam ensejadores desses procedimentos.119
Também Mônica Aguiar se posiciona contra a permissão de mulheres férteis se
submeterem a essas técnicas, isso porque, segundo a doutrinadora, não há “razão plausível
para que se estenda, a pessoas que não apresentem qualquer limitação à sua capacidade
reprodutiva, o auxílio biomédico”.120
Igual importância apresentada pelos requisitos subjetivos é guardada pelos requisitos
objetivos. Nesse rol estão inclusos a gratuidade do procedimento, o sigilo e o anonimato, a
esterilidade ou o risco de transmissão de doenças e o projeto parental. Guilherme Calmon
Nogueira da Gama garante que é a presença desses requisitos que garante a legitimidade das
técnicas de reprodução assistida, fazendo com que sejam constituídos os vínculos de
parentalidade-filiação delas decorrentes.121 Esses requisitos são observados tanto em razão das
partes que se submetem às técnicas biomédicas quanto dos doadores de material genético.
É justamente em relação aos doadores que a regra da gratuidade é aplicada. Dentro das
regras do ordenamento jurídico brasileiro, os doadores de material genético não devem
receber qualquer tipo de pagamento pelo material doado. Isso porque, apesar do direito que
cada ser humano tem de dispor do próprio corpo, é contrário ao ordenamento jurídico pátrio a
comercialização do corpo humano e suas partes.
A doutrina de Guilherme Calmon Nogueira da Gama ensina que existe no direito
brasileiro o princípio da dignidade do ser humano, sendo que este princípio abrange o direito
117
GAMA, 2003, p. 788.
AGUIAR, 2005, p. 112.
119
ESPÍNDOLA, José Sebastião. Contribuição jurídica para a legislação sobre fertilização humana assistida.
Revista de Bioética e Ética Médica. Volume 11, número 2. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2003.
Disponível em: <http://www.crm-ms.org.br/revista/bio11v2/RevistaBioetica.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007.
120
AGUIAR, op. cit., p. 90.
121
GAMA, 2003, p. 792.
118
36
ao “respeito, à proteção e à promoção de sua integridade física e psíquica”.122 Permitir a
tangibilidade do corpo humano é uma ofensa direta a esses direitos. Ademais, o que deve
motivar a doação não é a percepção de um lucro, mas o altruísmo do ato em si.
Em relação ao sigilo e o anonimato, necessário entender um e outro, já que constituem
requisitos de ordens diversas. No título IV da Resolução do CFM acerca do tema, existe
previsão expressa desses dois requisitos.123
O sigilo do procedimento advém da mesma natureza do sigilo profissional. Este
requisito determina que o procedimento, importando tão somente aos que dele participaram,
deve ser mantido em segredo. O principal objetivo vislumbrado, segundo Guilherme Calmon
Nogueira da Gama é a preservação da intimidade das pessoas que se submetem ao processo.
O foco principal desse resguardo é a própria criança que será gerada, de forma a impedir
qualquer designação ou tratamento discriminatório.
O anonimato, por sua vez, é sustentado na determinação de que doadores e receptores
não devem conhecer um a identidade do outro. Esse requisito faz com que uma aproximação
das partes seja inviabilizada, resguardando os envolvidos.
Principalmente, esse é um requisito que favorece o doador de material genético, já que
assim fica certa, a seu ver, que qualquer obrigação de caráter parental no futuro não será formada,
já que nem mesmo os médicos que participam do procedimento conhecem a sua identidade.
Para admitir a legitimidade das técnicas de reprodução biomédica é necessário
observar a presença da esterilidade de uma ou ambas as partes do casal, ou ainda o risco de
transmissão de doenças caso a reprodução se dê naturalmente. A infertilidade já foi matéria
tratada dentro dos requisitos pessoais, dessa forma, maior ênfase será dada agora ao risco de
transmissão de doenças.
A mencionada Resolução do Conselho Federal de Medicina traz a seguinte disposição:
“As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças
genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de
diagnóstico e terapêutica.” 124
Nesse caso, há na estrutura legal espaço para que as técnicas sejam utilizadas para
repelir a transmissão de doenças genéticas, zelando-se novamente pelo melhor interesse da
criança a nascer. Guilherme Calmon Nogueira da Gama aponta que as doenças das quais trata
a Resolução são apenas aquelas relacionadas ao sexo da criança.125
122
GAMA, 2003, p. 794.
“2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.”; “3 - Obrigatoriamente será
mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em
situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente
para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.”
124
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Brasil, São Paulo - SP, 11 nov. 1992.
125
GAMA, op. cit., p. 808.
123
37
Inclusive, segundo o disposto na Convenção Sobre os Direitos do Homem e a
Biomedicina, essa é a única possibilidade de utilização de uma técnica de reprodução assistida
para escolher o sexo da criança que irá nascer.126
Por último, mas não de menor importância deve ser verificada a existência de um
projeto parental comum entre as pessoas que se submetem às técnicas reprodutivas assistidas.
Nesse ponto, novamente surge o debate acerca da possibilidade de uma mulher solteira se
submeter às técnicas de reprodução assistida.
Conforme restou observado anteriormente, a legislação não faz menção expressão da
impossibilidade de solteira realizar um procedimento biomédico dessa espécie, mas, sendo
suscitado o princípio do melhor interesse da criança, a doutrina se divide quanto à aceitação
da realização do procedimento.
Ainda assim, é preciso observar que, casados ou solteiros, médico perceber que aos
que desejam se submeter às técnicas fazem a solicitação visando “a atender projetos egoístas,
de pura satisfação narcisista, sem qualquer conteúdo relacionado ao bem-estar da futura
criança”127, pode ser negar-lhes a autorização para o procedimento. Isso porque o que deve
ter-se sempre em mente é que, apesar da filiação constituir-se em um direito de toda pessoa, o
direito à dignidade humana lhe sobrepuja. Esta parece uma decisão mais acertada do que a
simples inferência da existência ou não de um vínculo conjugal ou de companheirismo para
determinar a realização dos procedimentos.
Quanto aos requisitos formais, Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que esses
não existem justamente por haver no ordenamento jurídico um vazio a respeito das técnicas
de reprodução assistida. Porém, não pode o Poder Público simplesmente dar as costas à
situação, até mesmo porque proteger a criança a nascer é seu dever.
Utilizando-se os costumes e os princípios gerais de direito, na ausência da lei, o
doutrinador estabeleceu quatro requisitos formais fundamentais a serem observados quando
da realização das técnicas de produção assistida. São eles:
O prévio consentimento informado por escrito;
O registro médico dos procedimentos realizados;
O registro permanente do material genético utilizado;
O registro dos dados genéticos dos doadores.
Uma vez observando esses requisitos, a ausência ou incompatibilidade a um deles
deve importar o indeferimento da autorização para a realização de uma técnica de reprodução
assistida, assim como ocorre em relação aos requisitos para uma adoção.
126
“Artigo 14.º CAPÍTULO V Não é admitida a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida para
escolher o sexo da criança a nascer, salvo para evitar graves doenças hereditárias ligadas ao sexo.”
127
GAMA, 2005, p. 811.
38
2.4. O material genético excedente: dispensabilidade, conservação ou doação?
O aperfeiçoamento das diversas etapas da fecundação acabou por aumentar o número
de embriões saudáveis com potencial impantatório. Geralmente, de seis a oito embriões
podem ser conseguidos, porém, somente quatro podem ser implantados.128
É bem verdade que na utilização das técnicas de reprodução assistida in vitro vários
embriões são formados, até mesmo para que não se perca tempo caso uma primeira
implantação não seja bem sucedida. A despeito dessa prática, a Resolução nº. 1.358 do CFM
determina que não mais que quatro pré-embriões sejam transferidos para o útero, o que nem
sempre acontece.
Todavia, os embriões formados, ainda que não sejam implantados, já existem. O
debate que vem sendo travado científica, ética e juridicamente se dá em relação ao que
poderia ser feito com esses embriões depois de conclusa com sucesso a técnica aplicada. Três
são as possibilidades que têm sido levantadas: a preservação, o descarte e a doação.
Vários casais optam por manter esses embriões criopreservados, isto é, congelados,
para utilizá-los em futuras gestações, até mesmo porque, na fertilização heteróloga, “quando
um filho já foi gerado em um ciclo anterior, há o atrativo extra de dar à luz a uma criança com
a mesma herança genética do irmão.”129
Por outro lado, insurge-se a superpopulação de embriões como um novo entrave,
gerada pela:
[...] ausência de uma previsão legal que estabeleça um prazo para esta nova
transferência, somada ao desinteresse de muitos casais em procurar novamente as
clínicas (por motivos que vão desde a falta de estrutura emocional - ou dinheiro para atravessar um novo período de tentativas até a separação do casal, passando
pelo simples desejo de não ter mais filhos 130.
Assim, esses embriões acabam por ficar estocados nos centros de reprodução assistida,
esperando que alguma destinação lhe seja dada. Ocorre que o grande número de embriões
conservados acaba representando um risco para as próprias clínicas, uma vez que o material
pode se perder ou ser extraviado. Nesses casos, não seria difícil imaginar a responsabilização
das clínicas pela implantação de embriões trocados ou mesmo pela impossibilitação de um
cliente utilizar os gens depositados quando inexistente a possibilidade de uma nova colheita
do material genético.
Contudo, Daniel Serrão131 afirma que a própria conservação prolongada por si só pode
destruir a vida dos embriões. Por isso, para os cientistas, uma das destinações mais nobres
128
LEWICKI, Bruno. O homem construtível: responsabilidade e reprodução assistida. In: Temas de Biodireito e
Bioética. Organização de Heloisa Helena Barboza e Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.
99-154.
129
LEWICKI, 2001, passim.
130
Ibidem. p. 116.
131
SERRÃO, Daniel. Estatuto do Embrião. Revista de Bioética e Ética Médica. Volume 11, número 2. Brasília:
Conselho Federal de Medicina, 2003. Disponível em: <http://www.crmms.org.br/revista/bio11v2/RevistaBioetica.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007.
39
para os embriões excedentes seria a sua utilização em pesquisas.132 Existe nessa possibilidade
um grande debate ético e filosófico, implicando se entender, biologicamente, o que vem a ser
o termo embrião.
Segundo Daniel Serrão133, a fecundação consiste na fusão dos gametas masculino
(sêmen) e feminino (óvulo). Dessa fecundação resulta um conjunto de transformações,
apresentando-se um zigoto em sua última fase. O zigoto é uma célula única na qual estão
unidos os cromossomos provenientes dos dois gametas, mas já a partir dessa fase se pode
chamar de “embrião” o material obtido.
O que importa dizer é que o embrião humano, desenvolvido in vivo ou in vitro, desde
seu estágio inicial (zigoto), já apresenta natureza biológica humana, o que não se altera
durante seu desenvolvimento (de feto a velho). Para Daniel Serrão o “zigoto humano é a
primeira e mais simples forma de apresentação pública de um corpo humano”134, já é um ser
humano. Assim, quanto à possibilidade de destinar os embriões à pesquisa científica, o autor
argumenta que seria o mesmo que submeter qualquer pessoa a experiências desumanas e
mortais. Se submeter um ser nascido, porque dotado de vida, a essas experiências consiste
uma ilegalidade, fazer o mesmo com o embrião também seria.
Alessandro Rafael Bertollo de Alexandre afirma serem a dispensabilidade, a
conservação ou doação possibilidades juridicamente aceitáveis. Isso porque, lembra o autor, a
proteção legal somente ocorre a partir do nascimento ou quando esses embriões já são, de
fato, nascituros. Assim, afirma ser certo que:
“a maioria deles não resultará numa fecundação com sucesso, e, desta maneira, não
podem ser considerados nascituros, justo porque seu nascimento não é um fato
futuro e certo, muito pelo contrário, é um fato improvável e incerto. Em termos
jurídicos, é um absurdo cogitar que um embrião dotado de duas células (gametas)
possa ser algo mais que apenas duas células, se igualando aos nascituros
localizados em ventre materno.”135
Porém, para Marcílio José da Cunha Neto, a contrário senso, independe a quantidade
de células apresentadas para se entender que já existe ali um ser humano.136
Apesar de optar pela conservação dos embriões, SERRÃO afirma que o embrião
acabará perecendo. Assim, acredita que:
“[...] usá-lo para pesquisa, da qual possa resultar benefício para outros embriões,
para o processo de reprodução assistida ou para a saúde humana em geral é
132
BISCAIA, Jorge. Problemas éticos da reprodução assistida. Revista de Bioética e Ética Médica. Volume 11,
número 02. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2003. Disponível em: <http://www.crmms.org.br/revista/bio11v2/RevistaBioetica.pdf>. Acesso em: 09 out. 2007.
133
SERRÃO, op. cit., passim.
134
Ibidem.
135
ALEXANDRE, 2003, p. 04.
136
NETO, Marcílio José da Cunha. Considerações Legais Sobre Biodireito: A Reprodução Assistida à Luz do
Novo Código Civil. Disponível em:
<http://www.estacio.br/graduaçao/direito/publicaçoes/rev_novamer/art_res/cons_codciv.doc> Acesso em: 08
out. 2007.
40
eticamente aceitável segundo o princípio da proporcionalidade, porque sendo a
morte do embrião inevitável, a morte por motivo de pesquisa produz um
benefício.”137
Mesmo favorável à utilização dos embriões excedentes em pesquisas científicas,
Alberto Silva Franco pugna que a permissão para a utilização dos embriões excedentes deva
ser feita com extrema cautela. Isso para evitar que, propositalmente, sejam elaborados mais
embriões do que seria necessário e legalmente determinado para as técnicas de reprodução
assistida ou que embriões sejam constituídos com a finalidade exclusiva de serem utilizados
para essas experiências.138
Alessandro Rafael Bertollo de Alexandre segue afirmando ser possível a utilização dos
embriões para pesquisas terapêuticas, já que “se sacrifica um tipo de vida (não em termos
jurídicos, mas biológicos) com status jurídico inferior para propiciar benefícios para entes
dotados de personalidade jurídica.”139 Alberto Silva Franco, a seu turno, acredita que somente
é cabível nova destinação dos excedentes em casos de experimentação terapêutica “quando o
resultado que se espera da experiência possa concorrer para o bem do embrião” ou de
experimentação humana “quando o resultado puder beneficiar outros embriões, com a
obtenção de novos conhecimentos científicos,” mas desde que a morte do embrião seja
necessária e inevitável e “a sua degradação em objeto puder ser compensada pela prossecução
de importantes objetivos médico-científicos, aos quais ainda falta dar uma definição
suficientemente clara.”140 O discurso dos doutrinadores é uníssono para reconhecer que o
material depositado nos bancos é propriedade de quem os produziu, cabendo a essas pessoas
decidir a respeito de sua destinação.
Talvez o destino mais digno a ser dado aos embriões excedentes seja a sua doação
para implantação por outro casal. Nesse caso, o casal doador dos embriões respeitaria os
mesmos requisitos objetivos de sigilo e anonimato dos doadores de material genético em
geral, o que acabaria por despertar uma outra preocupação: uma possível união entre dois
irmãos.
De qualquer sorte, seja qual for a destinação que se pretenda dar aos embriões
excedentes, Daniel Serrão chama atenção para que os casais recebam informação completa
sobre os procedimentos desde antes de serem submetidos à técnicas de reprodução assistida,
de forma a eles mesmos exercerem o direito de determinar o destino do material genético não
utilizado.
137
SERRÃO, 2003, p. 112.
FRANCO, Alberto Silva. Genética Humana e Direito. 26 jul. 2003. Disponível em
<http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/4387> Acesso em 10 set. 2007.
139
ALEXANDRE, op. cit., p. 04.
140
FRANCO, 2003, p. 03.
138
41
3. A FILIAÇÃO DERIVADA DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA
Como o Direito tende a acompanhar as evoluções sociais, as diferentes filiações
geradas pelas técnicas de reprodução assistida foram inseridas no Código Civil de 2002. No
entanto, deve-se atentar para a necessidade de leis específicas nesse sentido. Silvio Venosa141
roga por um rigor legal maior, de forma a evitar que a sociedade venha a ser surpreendida por
problemas éticos e jurídicos de difícil solução.
Nicolau Júnior142 chama também atenção para o fato do legislador ter introduzido uma
possibilidade de filiação tão inovadora sem, entretanto, ter realizado uma regulamentação de forma
mais específica. Questões como a realização da reprodução em útero de mulher que não seja a
esposa, um possível reconhecimento do filho pelo doador de sêmen, a destinação dos embriões
excedentes, e a qualidade de herdeiros atribuída aos filhos gerados após a morte do pai são apenas
algumas das situações que, afirma o doutrinador, serão geradas com o passar do tempo.
Hoje mesmo, pouco mais de cinco anos após a entrada do Código Civil de 2002 em
vigor, já podem ser observadas inúmeras questões dignas de debate no que concerne a
reprodução assistida.
Na doutrina de Silvio Venosa143 algumas considerações podem ser encontradas em
relação às técnicas em si mesmas. Isso porque, segundo o doutrinador, apesar da filiação
derivada de técnicas biomédicas ter sido incluída na lei civil, não se pode dizer que essas
técnicas estejam regularizadas ou autorizadas. Tudo o que se tem em matéria legal a respeito
das técnicas de reprodução é a Resolução número 1.359 do Conselho Federal de Medicina,
que não tem caráter cogente, dado à sua natureza legal.144
Também é discutível, quanto à autorização conjugal para a realização das técnicas, a
forma do consentimento prestado pelo cônjuge, já que a Resolução nº. 1.358 do CFM
determina sua forma escrita, mas o Código Civil de 2002 não reitera tal posicionamento.145
A produção doutrinária acerca do tema é o que se tem para entender o procedimento e
determinar, juntamente com a escassa produção legal, a sua legitimidade.
Nesse capítulo, traz-se à baila duas polêmicas modalidades de reprodução sob intervenção
médica: a heteróloga na constância do casamento e a homóloga após a morte do cônjuge.
3.1. A possibilidade da reprodução assistida no casamento e na união estável
Conforme o que foi estudado no Capítulo II, para a realização da reprodução assistida
heteróloga pode-se tanto utilizar a combinação dos gametas de um dos componentes do casal
141
VENOSA, 2005, p. 245.
NICOLAU JÚNIOR, 2005, passim.
143
VENOSA, 2006.
144
MENDES, 2006, p. 12-15.
145
VENOSA, 2006, p. 244.
142
42
com os gametas de um doador, como pode ocorrer a utilização de material genético somente
de doadores.
Entretanto, é necessário entender que a aplicação dessa técnica somente é feita quando
se comprova a completa impossibilidade de o casal gerar filhos utilizando o seu próprio
material genético.
O Código Civil de 2002 inovou ao trazer em seu texto a constituição da filiação
formada mediante a utilização das técnicas de reprodução assistida, inclusive a heteróloga.
Mas a presença técnica no texto legal está longe de silenciar todos os problemas que podem
ser gerados com a sua utilização.
Os três últimos incisos do artigo 1.597 do Código Civil vigente determinam ser
presumida na constância do casamento a filiação que advém das técnicas de reprodução
assistida. O disposto no inciso V146 merece atenção.
Perceba-se que, pelo determinado na lei, haverá aí uma presunção de paternidade em
relação ao marido. Isso porque, no momento em que forneceu sua anuência para a realização
da fertilização heteróloga, o marido assumiu como sua a filiação procedente deste método e
não poderá impugnar a paternidade assumida.147
Nesse ponto, Mônica Aguiar chama a atenção para a possibilidade de uma mulher se
submeter às técnicas biomédicas, mas acabar engravidando por ter mantido relação carnal com
terceiro. Aí está visível uma grande insegurança jurídica traga pelo procedimento, já que, a priori,
não poderia o marido/companheiro contestar a paternidade da criança, por óbvio que a filiação
biológica não lhe pertenceria, uma vez que o casal havia se submetido à reprodução heteróloga.148
Então, seria possível que o cônjuge procedesse numa investigação de paternidade?
Existindo essa possibilidade, como seria comprovada a origem diversa da filiação? A resposta
para essas indagações não parece ser fácil.
Nesse sentido, Paulo Lôbo afirma que “se o marido autorizou a inseminação artificial
heteróloga não poderá negar a paternidade, em razão da origem genética, nem poderá ser
admitida investigação de paternidade.”
Contudo, a presunção da paternidade não é mais um valor absoluto e foi justamente o
avanço tecnológico que possibilitou sua relativização. Assim, ainda que o cônjuge concorde
com a utilização do procedimento de fertilização heteróloga, não parece correto afirmar que não
poderá investigar se aquele filho é realmente seu. Até mesmo porque o artigo 1.601 do Código
de 2002 prevê para o marido o direito imprescritível de contestar a paternidade dos filhos.149
Quanto à forma de investigar a paternidade, evidentemente não seria utilizado o seu
material genético, mas aquele material depositado na clínica, os embriões excedentes.
Inexistindo o embrião, seja porque foi doado ou destruído, restaria uma última possibilidade
146
“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...) V - havidos por fecundação
artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”
147
VENOSA, 2006, passim.
148
AGUIAR, 2005, p. 68.
149
VENOSA, op. cit., p. 234.
43
de verificar a filiação utilizando os bancos de registro que, de acordo com a Resolução 1.358
do Conselho Federal de Medicina, devem ser mantidos pelas clínicas de reprodução.150
Parece, assim, ficar mais evidente a importância da existência dos requisitos subjetivos,
objetivos e formais já comentados no capítulo anterior.
Um outro questionamento é feito a respeito de às pessoas que vivem em união estável
poderem se submeter às técnicas biomédicas heterólogas. Conforme a previsão da Resolução
nº. 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, também esse grupo está apto a realizar os
procedimentos de reprodução assistida em qualquer de suas modalidades.151
Porém, para Silvio Venosa a presunção da filiação, no caso da reprodução assistida
realizada por pessoas que convivam em união estável, inexiste.152
Também ALDROVANDI e FRANÇA afirmam que e a filiação decorrente de união
estável realmente não pode ter a paternidade presumida. Por outro lado, entendem que, no caso
de uma reprodução assistida ter sido utilizada para a concepção da criança gerada, tendo havido
expresso consentimento do companheiro para a realização do procedimento, fica gerado o
reconhecimento incontestável da paternidade. O mesmo entendimento somente não poderia ser
sustentado se ocorresse a realização do procedimento sem a autorização do companheiro.153
Paulo Lôbo entende que a presunção de paternidade de filhos gerados por reprodução
assistida também deve ser aplicada à união estável.154 Para o autor a presunção do estado de
filiação ocorre tanto quando os pais são casados quanto quando vivem em união estável.155
Também Guilherme Calmon Nogueira da Gama entende que as mesmas disposições aplicadas
ao casamento são utilizadas em relação à união estável, posto que “a família não-fundada no
casamento também é digna da proteção do Estado e, no âmbito das relações externas tendo
como base o companheirismo, tal proteção deve ser prestada, em igualdade de condições á
família fundada no casamento.” 156
Da mesma forma se coloca a doutrina de José Roberto Moreira Filho. Para o autor,
não importa diferença estarem as partes casadas ou em união estável, se as partes externaram
seu consentimento e se submeteram ao procedimento, “não resta dúvida de que, seja
homóloga ou heteróloga, a filiação pertencerá ao casal que a consentiu; e se presumirá
150
“As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças
infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano
para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos: (...) 2 - um registro permanente
(obtido através de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em
apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões.”
151
“2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após
processo semelhante de consentimento informado.”
152
VENOSA, 2006,. p. 253.
153
ALDROVANDI, Andrea; FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução assistida e as relações de parentesco.
Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3127>. Acesso em: 24 out. 2007.
154
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, passim.
155
LÔBO, Paulo Luiz. A paternidade socioafetiva e a verdade real. Revista CEJ, Brasília, n. 34, p. 15-21,
jul./set. 2006.
156
GAMA, 2003, p. 773.
44
legítima”.157 Assim, pode ser observada a possibilidade da realização de técnicas biomédicas
de reprodução tanto na constância do casamento quanto da união estável, sendo a partir de seu
emprego geradas conseqüências nos dois institutos.
3.2. A reprodução assistida post-mortem do cônjuge ou companheiro
Outra novidade trazida pelo Código Civil de 2002 foi o inciso III do artigo 1.597158. O
doutrinador Mauro Nicolau Júnior afirma que, de acordo com o disposto nesse inciso, uma
inseminação artificial poderá ser realizada a qualquer momento, até mesmo após a morte do
marido ou companheiro.159
Para José Carlos Teixeira Giorgis a inseminação artificial póstuma é um procedimento
controvertido em vários países do mundo e, apesar do reconhecimento legal, não parece ter
tido melhor sorte no Brasil. 160
A despeito de ter havido a inserção da presunção da paternidade para os casos de
reprodução assistida post-mortem, não há legalmente a regulamentação para a realização do
procedimento. Assim, ainda que haja previsão legal e interpretação doutrinária favorável para
a sua realização, a inseminação artificial post-mortem do cônjuge varão ou do companheiro
ainda vaga dentro de um território insólito, vez que inexiste no direito civil a segurança
adequada para a sua realização.161
Por isso, para Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, “a fecundação artificial post
mortem é temática aberta no nosso direito e, assim, apta as mais diversas interpretações”162.
Inúmeros são os questionamentos levantados quanto à aplicação dessa modalidade de
fertilização biomédica, entre eles destacando-se o bem estar da criança assim gerada, a
inexistência de um projeto parental, os efeitos sucessórios que a utilização da técnica
acarretaria e a revogação do consentimento ocasionada pela morte de uma das partes. Essas
questões parecem não ter sido elucidadas pela lei civil.
Evidente que não se afirma que após a morte do cônjuge ou companheiro uma mulher
fique impossibilitada de constituir filiação. O que se discute é a possibilidade jurídica de que a
filiação assim gerada também seja presumida como do cônjuge ou do companheiro morto.
Um dos primeiros entendimentos que devem ser firmados é que não existe uma
reprodução assistida heteróloga após a morte do cônjuge. O que pode ocorrer é a utilização do
157
MOREIRA FILHO, José Roberto. O direito civil em face das novas técnicas de reprodução assistida. Jus
Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2747>. Acesso em: 12 out. 2007.
158
“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...) III - havidos por fecundação
artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.”
159
NICOLAU JÚNIOR, 2005, passim.
160
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A inseminação póstuma. IBDFAM. 13 de out. de 2005. Disponível em
<http://www.ibdfam.com.br/public/artigos.aspx?codigo=209>. Acesso 10 de jun. 2007.
161
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. As inovações biotecnológicas e o direito das sucessões.
IBDFAM. 23 de abr. de 2007. Disponível em <http://www.ibdfam.com.br/public/artigos.aspx?codigo=310>.
Acesso 10 de jun. 2007.
162
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 05.
45
material genético que originariamente pertencia a um doador. Esse material, após a sua
doação, passa a pertencer ao casal interessado na técnica, por isso não há mais que se falar em
uma reprodução heteróloga. 163
Ainda, não se poderia vislumbrar a possibilidade de uma reprodução heteróloga após a
morte do cônjuge/companheiro e considerar que é seu o filho gerado. Isto porque seria
impossível colher a anuência do de cujus para que a esposa/companheira participasse do
procedimento e este requisito é essencial para o emprego de uma técnica de reprodução
assistida heteróloga.
A essencialidade deste requisito se encontra justamente nos efeitos que decorrem da
aceitação da filiação biomedicamente concebida, quais sejam aqueles decorrentes do
reconhecimento irretratável da filiação concebida.164
Não se quer dizer com isso que a reprodução heteróloga estaria inviabilizada para a
parte sobrevivente, pelo contrário. A mulher pode se submeter a uma técnica de reprodução
biomédica, mas a criança gerada não guardará vínculos de qualquer natureza com o seu
parceiro morto.
Dessa forma, para ser realizada após a morte, formando vínculos filiais entre o de cujus
e a criança a nascer, a reprodução assistida deveria ser obrigatoriamente autorizada pela outra
parte, cônjuge ou companheiro, da mesma forma que ocorre a sua autorização na vigência do
casamento ou da união estável. Cabe, entretanto, saber se a morte teria ou não o condão de
revogar esse consentimento previamente outorgado, uma questão a ser debatida mais adiante.
Outro ponto a entender diz respeito ao melhor interesse da criança. Nas palavras de
Paulo Lôbo, esse princípio significa que os interesses da criança devem ser colocados em
primeiro plano sempre na elaboração e aplicação de seus direitos.165
Segundo este princípio, o que deve ser levado em conta no direito não é o desejo dos
pais, mas o que de fato corresponderia ao melhor interesse dos filhos, ao seu bem estar. Isto
porque, apesar de ser responsabilidade de todos zelarem pela dignidade da criança, cabe à
família em primeiro lugar ser a guardiã dos seus direitos fundamentais.166
Para José Carlos Teixeira Giorgis, a realização de uma concepção após a morte de do
pai submete a criança assim gerada a uma estrutura familiar monoparental inadequada, “ou
seja, o filho já nasce órfão de pai, o que afetará seu pleno desenvolvimento, pois paternidade e
maternidade constituem valores sociais eminentes.” 167
Em contrário senso, Demian Diniz da Costa afirma que “a família monoparental não é um
desrespeito a esse direito fundamental da criança, basta que o genitor forneça afeto e condições
163
Ibidem, p. 05-07.
HIRONAKA, 2007, passim.
165
LÔBO, 2008, 53.
166
MENDES, 2006, passim.
167
GIORGIS, 2005, p. 02.
164
46
para que a criança se desenvolva em um ambiente digno.” 168 Assim, não haveria porque
acreditar-se que uma criança que nascesse sem o pai tem seu desenvolvimento prejudicado.
Apesar de a técnica não se ater ao melhor interesse da criança, já que esta é reduzida
“ao papel subalterno de continuador simbólico de uma vida conjugal prematuramente
desfeita” 169, José Carlos Teixeira Giorgis acredita ser possível a sua aplicação, já que o
Código Civil previu a possibilidade de a mulher conceber mesmo após a morte de seu
marido/cônjuge utilizando seu material genético crioconservado.
ALDROVANDI e FRANÇA. Também entendem haver no Novo Código Civil
proteção à realização da técnica de reprodução assistida post mortem. Entretanto, acreditam
que seria de melhor alvitre proibir a sua realização visto que “a reprodução assistida deve ser
utilizada com o objetivo de realização de um projeto parental, e, principalmente, deve
resguardar os interesses da criança, o que não ocorre quando da utilização da inseminação
post mortem, onde o interesse que prepondera é o da viúva e de seus familiares, que movidos
pelo sofrimento da perda, procuram em tal técnica um meio de "ressuscitar" o de cujus”.170
A doutrina de Eduardo de Oliveira Leite também não é favorável à aplicação da
técnica biomédica após a morte da outra parte interessada, e afirma ser ela injustificável,
justamente porque o casal não mais existe e o plano parental foi desfeito. Uma reprodução
ocorrida de tal forma acarretaria, ao ver do doutrinador, perturbações psicológicas graves,
tanto para a mãe quanto para a criança.171
3.2.1. A revogação do consentimento prestado
Tanto após a morte como na reprodução na vigência do casamento ou de uma união
estável, o consentimento mútuo das partes para a realização dos procedimentos biomédicos é
necessário. Esse consentimento consiste em um requisito fundamental para a aplicação das
técnicas biomédicas porque a partir de sua anuência é que decorre o reconhecimento
irrevogável da filiação concebida por essas técnicas. Ainda assim, a anuência para a
realização dos procedimentos biomédicos não tem caráter irrevogável.
No caso da realização de um procedimento biomédico na constância do casamento ou da
união estável, o consentimento já prestado pode ser revogado por qualquer das partes no casal,
mas evidente é que esta revogação não pode ser feita após a efetiva aplicação dos procedimentos.
Apesar de ser necessário para o emprego de todas as técnicas de reprodução assistida,
é na técnica post-mortem que o consentimento gera maior polêmica. Isso porque, para alguns
doutrinadores, o consentimento anteriormente manifestado pelo varão ficaria definitivamente
revogado com sua morte. Mas nem toda a doutrina sustenta esse argumento.
168
COSTA, 2002, p. 49
GIORGIS, 2005, p. 02.
170
ALDROVANDI; FRANÇA, 2002, p. 05.
171
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 05.
169
47
A respeito do consentimento para a realização da reprodução assistida post mortem
duas correntes doutrinárias são observadas: uma restritiva e outra protetiva.172 Para a corrente
restritiva, “mesmo que haja o consentimento prévio à criopreservação do sêmen e óvulo, na
inseminação artificial post mortem, a morte funciona como causa revogadora da permissão ao
emprego da técnica médica”.173 Esse entendimento é compartilhado por Mônica Aguiar. Para
a doutrinadora, “a morte funciona como causa revogadora da permissão ao emprego da
técnica médica” 174. Ainda que houvesse um projeto parental comum entre o de cujus e a parte
sobrevivente, a morte inviabiliza esse projeto.
Assim, caso a mulher utilizasse o material genético criopreservado, seria “possível
reconhecer apenas a filiação a matre, afastada, de plano, a presunção prevista no inciso
referido, por se tratar de norma inconstitucional, uma vez que violadora do comando expresso
do art. 5º, I da Constituição Federal”.175
A corrente protetiva, por sua vez, entende que o consentimento prestado em vida deve
ser protegido para além da morte, de forma a viabilizar o direito da criança à existência e o
direito à reprodução da parte que depositou o material genético, já que “ao depositar seu liquido
seminal em um Banco de Sêmen o indivíduo tinha a intenção de utilizá-lo para reproduzir” 176.
O vínculo de filiação entre a criança gerada e o pai falecido formar-se-ia automaticamente se a
esposa/companheira desse continuidade aos procedimentos de inseminação.
Necessário fazer uma última observação acerca da viabilidade da revogação do
consentimento pela morte. Conforme dispõe o artigo 9º da Convenção sobre os Direitos do
Homem e a Biomedicina177, na intervenção médica, deve-se respeitar a vontade previamente
manifestada quando a parte interessada não tem condições de manifestar sua vontade
novamente. Levando-se em conta tal dispositivo, não pareceria tão absurdo entender que a
morte do depositário do material genético não revogaria a sua intenção de dar continuidade a
um projeto parental previamente estabelecido com o seu cônjuge ou companheiro, ainda que
após a sua morte.
3.2.2. A possibilidade da constituição do vínculo da filiação
A constituição do vinculo da filiação pode ser observado seja na utilização das
técnicas homólogas seja na utilização das técnicas heterólogas de reprodução humana. Em
relação à mulher que se submeta a essas técnicas de fertilização, sempre haverá a formação do
172
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 08-10.
Ibidem, p. 12.
174
AGUIAR, 2005, p. 118.
175
Ibidem, p. 119.
176
PALUDO, 2001, p. 10.
177
“Artigo 9.º A vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um paciente que,
no momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade, será tomada em conta.”
173
48
vínculo da filiação no nascimento da criança gerada, desde que seja a mãe geradora a real
interessada na filiação.178
Conforme já foi previamente estudado, havendo a utilização de uma técnica
homóloga, o material genético utilizado é oriundo de ambos os membros do casal. Assim, a
determinação do vínculo da filiação ocorre levando-se em conta o critério biológico, tanto em
relação ao pai quanto à mãe.
Contudo, quando é empregada uma técnica heteróloga, o material genético pode
pertencer a apenas um dos membros do casal ou a nenhum deles. Ainda assim, em relação à
mulher, a verdade biológica da filiação fala mais alto, já que o parto será novamente o critério
determinante da formação do vínculo materno-filial.179
Já em relação ao homem, se não for seu o material genético utilizado, deverá haver um
prévio consentimento para que sua parceira se submeta a esse tipo de técnica, sendo que
somente assim é que o vínculo da paternidade-filiação será formado. A paternidade não será
baseada em um vínculo biológico, mas sim socioafetivo.180
Necessário observar que a constituição do vínculo da filiação ocorre com a presença
de um requisito formal necessário: a anuência marital. Como já foi dito anteriormente, se o
homem retira seu próprio material genético e o deposita numa clínica de inseminação
juntamente com sua esposa, fica evidente seu interesse em procriar e é tácita a autorização
para que aquele material depositado seja utilizado com esta finalidade. Porém, em se tratando
da modalidade heteróloga de fertilização, a anuência marital deve ser expressa. Uma vez
tendo ocorrido essa manifestação volitiva, não cabe mais ao marido/companheiro contestar a
paternidade do filho gerado. Entretanto, quando a fertilização ocorre após a morte do cônjuge
ou companheiro, a formação do vínculo da filiação é controversa.
Para uma parte da doutrina, o filho gerado após a morte do cônjuge não será filho
deste, mas tão somente da esposa ou companheira que se submeteu à técnica biomédica.181
Por outro lado, uma outra parte da doutrina acredita na formação do vínculo paterno-filial,
justamente porque ao depositar o material genético o marido/companheiro autorizou a
utilização do material depositado.182
A Resolução nº. 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina prevê que os casais devem
determinar, no ato do depósito do material, o que deverá ser feito com ele em casos de morte,
divórcio ou arrependimento. Uma terceira via doutrinária acredita ser essa determinação que
irá possibilitar ou não a utilização do material genético após a morte da outra parte.183
Levando-se em conta tão somente a verdade biológica, se fosse submetida a um teste
de DNA evidente que a criança teria a paternidade reconhecida, mesmo após a morte do pai,
178
AGUIAR, 2005, p. 114.
AGUIAR, 2005, passim.
180
VENOSA, 2006, p. 242.
181
AGUIAR, op. cit., p. 119.
182
PALUDO, 2001, 12-15.
183
HIRONAKA, 2007, passim.
179
49
se uma técnica homóloga fosse aplicada, ao passo que a paternidade seria afastada se o
material depositado pelo casal não fosse originariamente seu, mas o material excedente de
uma técnica heteróloga aplicada. Resta saber se seria esta a melhor decisão, tendo em vista o
melhor interesse da criança e a legislação vigente.
Fato é que a legislação pátria reconheceu a possibilidade de a mulher utilizar o
material embrionário existente para fertilização mesmo após a morte do
cônjuge/companheiro, denotando daí uma presunção da paternidade. Conforme observa Paulo
Lôbo, essa presunção, apesar de expressamente na lei civil se referir ao casamento, pode ser
aplicável a qualquer entidade familiar.184
184
LÔBO, 2008, p. 202.
50
4. OS EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA FILIAÇÃO CONCEBIDA POR
REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA NA VIGÊNCIA DO CASAMENTO OU
DA UNIÃO ESTÁVEL E APÓS A MORTE DO CÔNJUGE OU DO COMPANHEIRO
4.1. Os efeitos em relação ao casal
Desde que as técnicas de reprodução assistida in vitro começaram a ser aplicadas, foram
constituídas inúmeras situações jurídicas entre pais, filhos e doadores, apresentando efeitos tanto
de caráter pessoal quanto patrimonial.
Quando se fala em efeitos da reprodução assistida, não se pode esquecer que a falta de uma
legislação mais específica sobre o tema acaba permitindo que pessoas casadas, unidas sob a égide
da união estável ou ainda solteiras se submetam ao emprego dessas técnicas. Ainda, com a nova
edição do Código Civil em 2002, foi permitido que, até mesmo após a morte do varão do casal, a
esposa ou companheira se submeta a essas técnicas para poder gerar um filho utilizando material
genético que fora previamente depositado. Não há como negar que dessas situações surgem efeitos
variados, ainda que as técnicas empregadas sejam as mesmas.
O que, de fato, importa para o presente estudo não é a análise de todos os efeitos da
reprodução assistida em todas as suas modalidades, mas seus efeitos em situações mais
específicas, quais sejam na vigência do casamento e da união estável e após a morte do cônjuge ou
do companheiro varão.
Conforme fora dito anteriormente, quando uma técnica reprodutiva homóloga é utilizada, o
que se tem é a combinação do material genético dos próprios interessados. Nesse caso, não há
debate profundo, já que a filiação assim gerada, levando em conta o próprio critério biológico,
pertence a ambos integrantes do casal.
No caso de uma técnica reprodutiva heteróloga ser utilizada, o que se terá é a combinação
do material genético de apenas um ou, às vezes, nenhum dos membros do casal. Esta técnica não
permite que somente o critério biológico seja utilizado para determinar a verdade acerca da
filiação gerada.
O binômio paternidade-filiação daí proveniente depende de outras verdades além da
verdade biológica. Por isso mesmo é que, para ser aplicada, esta técnica depende dos requisitos
objetivos, subjetivos e formais exigidos. O atendimento aos requisitos é útil para que se possa
compreender a extensão dos efeitos da técnica empregada, lembrando-se que cada técnica
possibilita uma situação jurídica peculiar.
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho185 verifica que, quanto aos efeitos decorrentes da
reprodução post mortem, três correntes dividem a opinião doutrinária. A primeira, denominada
excludente, entende que os filhos gerados após a morte do genitor não têm qualquer direito, seja
de natureza pessoal ou patrimonial. Até mesmo porque a “procriação resultante de um desejo
185
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, passim.
51
unilateral foge à bilateralidade que caracteriza o autêntico projeto parental e, pois, não pode
provocar efeitos em relação a quem não se manifestou.” 186
A segunda corrente, denominada relativamente excludente, tende a reconhecer direitos
mitigados à criança gerada, inclusive efeitos de caráter patrimonial. Nesse caso, pelo critério
biológico, a filiação é atribuída ao de cujus, decorrendo daí um reconhecimento legal. Entretanto,
os filhos assim gerados não são herdeiros legítimos do “pai”.187
A terceira via, a inclusiva, reconhece plenos direitos à filiação gerada por inseminação
artificial post mortem, sem possibilidade alguma de que qualquer diferenciação seja feita por conta
da origem da filiação, até mesmo porque o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal
Brasileira veda não só que denominações discriminatórias sejam usadas mas também que
tratamentos discriminatórios sejam dispensados aos filhos tendo como fundamento a sua origem.188
4.1.1. A constituição dos vínculos paterno-materno-filiais
É necessário sempre se ter em mente que a reprodução assistida traz como um de seus
principais efeitos pessoais a constituição da filiação e da parentalidade, seja qual for a modalidade
empregada. A constituição desses vínculos paterno-materno-filiais faz com que nasçam direitos e
deveres entre os pais e o filho gerado.
Não é difícil observar a constituição desses vínculos em se tratando de uma técnica de
reprodução heteróloga aplicada na vigência do casamento ou da união estável, desde que tenham
sido atendidos todos os requisitos necessários à sua validação. Isso porque “a procriação assistida
heteróloga atribui a condição de filho (jurídico) à pessoa concebida com material fecundante de
outra pessoa que não de seu pai (e/ou sua mãe), com iguais direitos e deveres comparativamente
aos outros filhos.” 189 Contudo, na modalidade post-mortem, há divisão de entendimentos.
Segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka190, para observar a formação dos
vínculos materno-paterno-filiais advindos da reprodução assistida post-mortem, é necessário
observar a existência dos requisitos pessoais, materiais e formais comuns ao ato. Assim, uma vez
atendidos os requisitos necessários ao emprego da técnica, estaria constituído o vínculo da filiação.
Nicolau Júnior observa que em relação a este tipo de técnica, empregada após a morte do
cônjuge ou companheiro, apesar da controvérsia doutrinária que é observada, uma vez tendo sido
elencada a possibilidade da sua realização na lei civil, não restam dúvidas de que “o legislador
quis garantir a possibilidade da mulher usar o material crio-conservado após a morte do marido,
devendo a paternidade ser atribuída ao finado esposo.” 191 Uma vez realizada a técnica, ainda que
após a morte do outro interessado, a filiação constituída será atribuída tanto ao de cujus quanto á
186
AGUIAR, 2005, p. 119.
ALBUQUERQUE FILHO, op. cit, p. 21-25
188
Ibidem, loc. cit.
189
GAMA, 2003, p. 919
190
HIRONAKA, 2007, p. 07.
191
GIORGIS, 2005, p. 02.
187
52
parte sobrevivente. Assim sendo, pouco importaria se a filiação já estaria concebida antes da morte
ou se fora concebida após a morte de um dos membros do casal. Os filhos gerados, em respeito ao
artigo 226, §6º da Constituição Federal brasileira, não podem sofrer quaisquer discriminações.
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho bem argumenta que não é o fato de ter ocorrido a
morte de um dos genitores que vai “afastar aprioristicamente o direito do nascido, mediante
inseminação artificial póstuma, de ter consignado em sua certidão originária o nome dos pais,
embora eventualmente um já esteja falecido” 192. Para o doutrinador, apoiar o posicionamento do
não reconhecimento seria o mesmo que dizer que, mesmo sem o emprego de uma técnica
biomédica, tendo ocorrido a morte do pai antes da notícia da gravidez da esposa ou companheira,
ficaria afastado o plano parental e a criança nascida não poderia ser reconhecida após a sua morte.
Entretanto, uma outra parte da doutrina argumenta que tendo a concepção ocorrido após a
morte do cônjuge ou do companheiro, não poderia ser observada a formação desses vínculos.
Deste posicionamento compartilha Mônica Aguiar. A doutrinadora afirma que “a morte opera
como revogação do consentimento prestado e, portanto, o concebido será filho apenas do cônjuge
sobrevivente.” 193 Assim, conclui que o reconhecimento da filiação será feito apenas a matre. A
doutrinadora posiciona-se pelo afastamento da presunção de paternidade elencada no inciso III do
artigo 1.597 do Código Civil por ser norma que afronta a igualdade de direitos e obrigações entre
homens e mulheres e, assim, é dispositivo inconstitucional.
Levando-se em conta o princípio do melhor interesse da criança, esta não parece ser uma
solução razoável. Quanto à inconstitucionalidade do inciso III do artigo 1.597 do Código Civil, esta
não parece existir, posto que não traz diferenças de direitos entre homens e mulheres mas sim
potencializa o direito de reconhecimento do filho gerado a partir da reprodução assistida post mortem.
Os direitos do filho gerado se amparam no que Ingo Sarlet chama de “qualidade intrínseca
e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade”. Para o autor essa ‘qualidade’ implica um complexo de direitos e
deveres fundamentais “que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante de desumano, como venham a lhe garantir as condições mínimas para uma vida
saudável” 194. Esta qualidade é o princípio da dignidade humana.
Fato é que não se pode entender inexistir interesse em ser pai pelo simples advento da
morte. Muitas vezes, sabendo da morte que se aproxima, as pessoas desejam ter filhos para
completar suas famílias, para realizar o sonho de terem filhos ou para deixar àqueles que
sobreviverão uma lembrança sua. Esses desejos não são objeto de estudo do Direito e talvez seja
esta a razão pela qual seja tão difícil para alguns entender que um filho havido após a morte pode
ser o fruto de um projeto parental interrompido, mas não abandonado.
192
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 08.
AGUIAR, 2005, p. 118 et seq.
194
2001 apud GAMA, 2003, p. 135.
193
53
4.2. Os efeitos em relação aos filhos gerados
Sem sombra de dúvidas, na realização das técnicas de reprodução assistida heterólogas em
vida ou post-mortem do cônjuge ou do companheiro varão, os filhos gerados são a parte mais
afetada. Isto porque os efeitos dessas técnicas se colocarão de forma mais firme sempre em relação
aos direitos dos filhos, sejam direitos pessoais ou patrimoniais.
Necessário se ter em mente que a Constituição Federal de 1988 preconiza a proteção aos
filhos a despeito das ações de seus pais. Assim, não é possível penalizar os filhos pelas decisões
infortunas de seus genitores, ainda mesmo quando as técnicas de reprodução assistida são
empregadas.
4.2.1. O direito ao reconhecimento paterno
Quando os gens do pai e da mãe, partes do casal, são herdados pelo filho, decorrente da
fertilização natural ou medicamente conduzida, não há possibilidade, num primeiro plano, de ser
afastada uma ligação biológica e jurídica existente entre eles.
Os vínculos paterno-materno-filiais geram para os pais deveres e direitos em relação ao
filho e para este, direitos e obrigações em relação aos pais, decorrentes do parentesco existente
entre eles. Quando há aplicação da técnica heteróloga, na constância do casamento ou da união
estável, o casal pode até não estar ligado ao filho gerado por vínculos biológicos, mas é certa a
ligação por vínculos jurídicos.
Importa relembrar que a aplicação de uma técnica heteróloga na vigência do casamento
depende da prévia anuência de ambos os cônjuges. Essa anuência é fundamental para que seja a
filiação, a partir dessa manifestação, resultado de um projeto parental existente entre as duas partes
e, assim, responsabilidade também de ambas.
Isso porque, uma vez empregada uma técnica de reprodução com o resultado almejado, a
criança gerada, após o nascimento, será beneficiária de um conjunto de direitos decorrentes do seu
estado de filho. Um deles, o reconhecimento, que gera para o filho o direito de utilizar o nome dos
pais.195
Em relação à maternidade, geralmente o reconhecimento é de imediato determinado,
justamente pelo vínculo biológico da gestação e do parto. É em relação à paternidade que a maior
dificuldade pode ser observada, principalmente se o filho é resultado da aplicação de uma técnica
reprodutiva heteróloga.
Fato é que, nessa modalidade, o vínculo biológico entre pai e filho pode não existir, sendo
a criança concebida a partir do material genético de um doador. Mas resta entre os dois o vínculo
jurídico formado pelo consentimento que o pai manifestou para a aplicação da técnica.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama chama atenção para o fato de não ser o
consentimento, por si só, o reconhecimento da filiação. A vontade prévia à concepção é
195
OLIVEIRA, 1999 apud VENOSA, 2006, p. 277.
54
fundamental para que a paternidade seja estabelecida, mas é a vontade posterior que comprova a
paternidade.196
De qualquer sorte, se o reconhecimento não for feito voluntariamente pelo pai, mediante o
registro de nascimento, ele pode ser pleiteado em procedimento judicial de investigação de
paternidade.197 Nesse caso, não será observado necessariamente o vínculo biológico para a
determinação da paternidade.198 Evidente que, existindo o vínculo biológico, mais fácil é a
comprovação da paternidade utilizando exames de DNA. Contudo, se o vínculo biológico não
existir, a paternidade pode ser determinada a partir da comprovação da existência de um plano
parental à época do emprego da técnica reprodutiva e da própria autorização do marido ou do
companheiro para a utilização da técnica de reprodução.
Quando a técnica reprodutiva é aplicada após a morte do cônjuge ou companheiro, conforme
se observou no capítulo III, parte da doutrina acredita não ser possível o reconhecimento, já que não
se pode dizer que o consentimento foi mantido para além morte.199 Para Giselda Maria Fernandes
Novaes Hironaka, de fato, não se pode concluir pela presunção da paternidade tão somente porque
houve o depósito do material em clínica para conservação. É necessário que se observe que havia a
intenção de que o material fosse utilizado mesmo após a sua morte.200
Está nesse mesmo sentido o Enunciado número 106, elaborado durante a I Jornada de
Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários, que sugere que seja presumida a paternidade do
marido falecido quando houver autorização escrita para que a mulher utilize seu material genético
após a sua morte. Se houver essa autorização, verifica-se a constituição dos vínculos paterno-filiais
e consequentemente forma-se o direito do filho a ser reconhecido mesmo após a morte de seu pai.
4.2.2. O direito ao conhecimento da identidade genética e a proteção ao sigilo
A Resolução nº. 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina preza pela proteção da
identidade daquele que doa o material genético a ser utilizado nas fertilizações heterólogas e pela
proteção ao sigilo a respeito do próprio procedimento.
Contudo, essas duas disposições esbarram em um direito fundamental personalíssimo que
qualquer pessoa possui, o de saber sua identidade pessoal de forma a ser conhecida por quem
realmente é, direito que guarda estreita relação com o princípio da dignidade humana. Assim, a
criança gerada pelas técnicas de reprodução assistida tem o direito de saber a verdade material
acerca de sua origem.201 Assim, se de um lado existe o direito do doador não ser identificado, de
outro há o direito da criança conhecer sua origem genética.
196
GAMA, 2003, p. 847.
MAGALHÃES, 2003, p. 172-181.
198
VENOSA, 2006, p. 275.
199
AGUIAR, 2005, passim.
200
HIRONAKA, 2007, p. 06-07
201
AGUIAR, 2005, p. 72.
197
55
Guilherme Calmon Nogueira da Gama202 lembra que o sigilo e o anonimato foram criados
com o principal objetivo de proteger a criança. Nesse ínterim, os demais envolvidos ocupam
posição inferior. Daí a impossibilidade da relativizar do direito à identidade genética que possui a
criança. O embate jurídico entre esses dois direitos tem espaço reservado mais adiante. Ainda
assim, prudente observar de pronto que o direito à identidade genética é exercido não por simples
curiosidade, mas de forma a garantir à pessoa sua sobrevivência.
Para Mônica Aguiar203, nem o sigilo do emprego da técnica nem a proteção oferecida ao
doador podem ser obstáculos ao pleno exercício dessa faculdade que possui um indivíduo, já que é
seu direito inegável indagar a respeito de sua origem genética. O mesmo entendimento é
sustentado por Paulo Lôbo, in verbis:
Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar
sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar
medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida. Esse direito é
individual, personalíssimo, não dependendo de ser inserido em relação de família para
ser tutelado ou protegido. Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação
da paternidade. 204
Fernanda Balan esclarece que o conhecimento da origem genética não implica no
estabelecimento de vínculos entre o doador e o filho gerado, sendo os principais efeitos desse
conhecimento o “psicológico do conhecimento da origem genética, a preservação da saúde das pessoas
geradas pela técnica de reprodução assistida frente doenças genéticas e, os impedimentos matrimoniais.”
205
Bruno Lewicki acredita que o anonimato do doador, hoje, representa um dos maiores
problemas na reprodução assistida da modalidade heteróloga.206 A resolução do Conselho de
Medicina protege a identidade do doador e das partes participantes dos procedimentos de
fertilização, mas ouvida o direito dos filhos gerados terem ciência da realização desses
procedimentos, submetendo-os à inverdade da filiação.
A inverdade a respeito de sua origem acaba possibilitando que impedimentos matrimoniais
possam ser gerados. Uma vez desconhecidos os doadores e as pessoas geradas, nada impediria que
futuras relações incestuosas viessem a ocorrer, juntando os “pais” biológicos, doadores do material
genético, a seus “filhos” ou estes a seus irmãos biológicos.207
202
GAMA, 2003, p. 803.
Ibidem, p. 69.
204
LÔBO, 2004, p. 14.
205
BALAN, Fernanda. A reprodução assistida heteróloga e o direito da pessoa gerada ao conhecimento de sua origem
genética. 30 mar. 2006. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/25/44/2544/> Acesso em 01 out.
2007, p. 08.
206
LEWICKI, 2001, p. 121.
207
CUNHA NETO, Marcílio José da. Considerações Legais Sobre Biodireito: A Reprodução Assistida à Luz do Novo
Código Civil. Disponível em:
<http://www.estacio.br/graduaçao/direito/publicaçoes/rev_novamer/art_res/cons_codciv.doc> Acesso em: 08 out.
2007.
203
56
Nesse sentido Maria Helena Diniz também oferta seu posicionamento segundo o qual “[...]
no porvir, poder-se-á ter uma legião de seres humanos feridos na sua constituição psíquica e
orgânica, e, além disso, o anonimato do doador traz em seu bojo a possibilidade de incesto e de
degeneração da espécie humana.”208 A única forma de evitar essas situações é o conhecimento da
verdade acerca da origem genética de cada pessoa.
Fernanda de Fraga Balan defende que o anonimato seja respeitado, mas não de forma
absoluta, posto que “não poderá sobrepor-se aos riscos concretos de doenças hereditárias, que
poderiam ser prevenidas ou até mesmo tratadas com a quebra do anonimato.” 209 Nesse sentido, o
direito à vida deve prevalecer sobre os direitos à intimidade e à privacidade que amparam o doador.
Uma forma de viabilizar os direitos do doador e da criança seria a intervenção estatal para
o controle dos procedimentos procriacionais. Esse controle não ocorreria no sentido de proibir a
aplicação da reprodução assistida heteróloga, mas sim de manter uma base de dados a respeito dos
doadores e das crianças geradas a partir de seu material genético, de forma a alertá-los
previamente, no caso de um relacionamento interpessoal, a respeito do patrimônio genético
compartilhado. Evidentemente estaria-se diante de uma mini-estrutura do que Eric Arthur Blair210
chamou Big Brother. Resta saber se os envolvidos estariam dispostos a submeterem-se a ela.
De qualquer forma, algumas medidas visando esse fim foram previstas na Resolução 1.358 do
Conselho Federal de Medicina, mas cabe ao ordenamento jurídico concretizar outras no mesmo sentido.
4.2.3. O direito aos alimentos e à sucessão hereditária
Não há como se negar que uma vez constituída a filiação, os pais estão vinculados ao filho
pelo poder familiar que passam a exercer. Constituído por um grupo de direitos e um outro grupo
de obrigações, os pais passam a ser responsáveis pelos filhos gerados enquanto estes forem
menores. No rol de responsabilidades parentais de “assistir, criar e educar os filhos menores”211
está inserida a obrigação alimentar.
Em se tratando da filiação constituída na vigência da entidade familiar, não há debate
quanto à geração de direitos alimentares. Entretanto, quando as técnicas de reprodução são
aplicadas após a morte do cônjuge, há que se observar a formação do vínculo parental para que
esses direitos sejam exigíveis. Mas não há como se negar que uma vez implementado o plano
parental pelo casal, “as relações pessoais e patrimoniais que se estabelecem entre pais e filhos,
independentemente da origem e do tipo de vínculo (ou sua ausência), são absolutamente iguais.”212
É nesse sentido a afirmação de José Roberto Moreira Filho de que “não há dúvidas de que
o filho de uma pessoa, nascido por meio de qualquer das técnicas de reprodução assistida, terá os
208
DINIZ, Maria Helena. A ectogênese e seus problemas jurídicos. Consulex, Brasília, n. 30, p. 24-29, set. 2004.
BALAN, 2006, p. 08.
210
Sob o pseudônimo de George Orwell o autor escreveu a obra “1984”, na qual está inserida a idéia de uma estrutura
estatal dominante e onipresente – o Big Brother.
211
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 229.
212
GAMA, 2003, p. 930.
209
57
mesmos direitos e deveres dos demais filhos de tal pessoa.”213 Como os alimentos constituem
direito reclamado pelos filhos naturais, também o é aos filhos biogeneticamente concebidos.
Em relação aos efeitos hereditários na sucessão, o posicionamento doutrinário comunica-se
justamente com os entendimentos a respeito da constituição dos vínculos paterno-filiais em
decorrência de uma reprodução assistida na vigência do casamento ou da união estável e postmortem do cônjuge ou do companheiro.
No primeiro caso, em sendo a técnica de reprodução assistida heteróloga empregada na
vigência da união estável ou do casamento, pela presunção da filiação ou por sua aceitação via
consentimento para a aplicação das técnicas, os filhos concorrem à herança deixada pelo de cujus
nos mesmos moldes dos filhos naturalmente concebidos, vez que inexiste discriminação dos filhos
quanto a seus direitos tendo como fundamento a origem da filiação.214
No caso da técnica reprodutiva ser empregada após a morte do cônjuge ou companheiro,
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho elenca três entendimentos doutrinários acerca da
possibilidade de direito à sucessão: 1) a inexistência de qualquer direito, 2) a existência de direito
parcial por disposição testamentária; 3) a existência de direito à participação na herança nos
moldes dos demais filhos.215
No primeiro grupo estão inclusos justamente os que não entendem haver a constituição dos
vínculos paterno-filiais quando a filiação é gerada após a morte do cônjuge ou do companheiro e
os que entendem ocorrer a formação do vínculo, mas tão somente ele. Guilherme Calmon
Nogueira da Gama levanta que o vínculo somente é formado se o pai deixou permissão para que a
mãe realizasse a inseminação após a sua morte, mas “sem qualquer efeito patrimonial
relativamente ao espólio ou aos herdeiros do de cujus”.216
Silmara Juny de Abreu Chinelato217 está inserida no posicionamento defendido por aqueles
que entendem haver somente a possibilidade da sucessão testamentária para as pessoas geradas a
partir do material genético de pessoa morta quando a técnica aplicada é heteróloga.
Assim, para parte da doutrina fica evidente que para a filiação concebida biomedicamente
post-mortem, ainda que seja atribuída ao marido, os direitos sucessórios não vingarão.
Em defesa do último grupo, Anison Carolina Paludo sustenta que uma vez estabelecido
vínculo de filiação, o direito à herança não pode ser negado. A autora defende que os casos de
inseminação artificial post-mortem devem receber o mesmo tratamento dispensado à prole
eventual descoberta após a partilha, devendo o pleito de seus direitos ser feito via ação de petição
de herança.218 Os que se opõem a esse grupo defendem que somente o nascituro tem seus
interesses resguardados pela lei civil, pois já está concebido. O embrião ainda não implantado não
dispõe de capacidade para tanto pois não é ‘nascituro’ e, assim, não pode suceder .
213
MOREIRA FILHO, José Roberto, 2002, p. 13.
VENOSA, 2005, p. 112.
215
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, passim.
216
GAMA, 2003, p. 937-938.
217
2001 apud HIRONAKA, 2007.
218
PALUDO, 2001, passim.
214
58
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka chama a atenção para a nova abordagem que a
doutrina tem concedido ao conceito de ‘nascituro’, ampliando-o “para além dos limites da
concepção in vivo (no ventre feminino), compreendendo também a concepção in vitro (ou crioconservação).” 219 Destarte, o conceito de ‘nascituro’ compreende o ser concebido embora ainda
não nascido, mas sem que faça qualquer diferença o locus da concepção. Assim, o embrião,
mesmo que ainda não implantado no útero materno, já está concebido, sendo, de acordo com os
dispositivos do artigo 1.798 do Código Civil, igualmente herdeiro do cônjuge falecido.
Também Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho pugna pela participação irrestrita dos
filhos concebidos após a morte do pai na herança. Para o autor, esse procedimento não oferece
qualquer prejuízo ao direito sucessório, posto que a sua segurança é sempre relativa.220
Fato é que a partilha pode ser revista a qualquer tempo quando surja herdeiro
desconhecido, vez que a ação de petição de herança é dotada de caráter imprescritível. Assim, não
é bastante a alegação do fim da partilha para obstar o direito sucessório de filho concebido post
mortem do de cujus. Claro é que a inexistência de prazo para a utilização do material
crioconservado gera desconforto à ordem jurídica. Cabe ao legislador determinar um prazo para a
utilização desse material.
Também, pelo princípio da igualdade entre os filhos, não seria possível aplicar disposições
diversas aos filhos gerados por reprodução assistida post mortem, o que seria uma afronta ao
disposto na Constituição Federal em vigor.
4.3. Os efeitos em relação ao doador
O doador aqui considerado é a pessoa que fornece gametas (sêmen ou óvulos) para a
reprodução assistida heteróloga. A aplicação desse material em uma técnica reprodutiva, contudo,
depende da ciência e da autorização do doador.
Entretanto, de acordo com Mônica Aguiar, não se pode dizer que, pelo fato de estar ciente
da utilização do seu material genético em uma técnica reprodutiva, está o doador ligado a esse ato
de forma a constituir vínculos paternos ou maternos com a filiação gerada.221 Fato é que, apesar de
ceder seu material genético, o doador não tem qualquer interesse em ser pai ou mãe, sendo
inexigível qualquer responsabilidade decorrente da simples doação de material genético.
Para José Roberto Moreira Filho não pode ser atribuído ao doador qualquer vínculo de
filiação, não lhe sendo acarretadas “quaisquer obrigações ou direitos relativos à criança, uma vez
que, ao doar seu sêmen ele abdica voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma que o faz
quem entrega uma criança para adoção ou quem perde o poder - familiar.” 222
Ocorre que a vontade que o doador expressa está totalmente dissociada de um projeto
parental. Ao ceder seu material ele se torna meio para o projeto parental do casal interessado, mas
219
HIRONAKA, 2007, p. 06.
ALBUQUERQUE FILHO, 2002, p. 05-07.
221
AGUIAR, 2005, p. 31.
222
MOREIRA FILHO, 2002 apud ALDROVANDI; FRANÇA, 2002.
220
59
não pode ser, em hipótese alguma, considerado parte desse projeto, justamente por faltar-lhe
interesse nesse sentido.
É dessa forma que o requisito do anonimato, exigível tanto para os doadores quanto para o
casal interessado, se coloca de forma essencial para ilidir qualquer reivindicação de direito pessoal ou
patrimonial, seja da criança gerada, de seus pais ou do próprio doador.223 Assim também é colocada a
doutrina de Guilherme Calmon Nogueira da Gama.224 Nesse sentido, Mônica Aguiar afirma:
A manutenção do anonimato tem sua importância elevada quando se trata da
inseminação artificial realizada com gametas de pessoa estranha ao casal. Especialmente,
no que se refere aos efeitos decorrentes da possibilidade de que o genitor civil, marido ou
companheiro, arrependa-se, após o nascimento da criança, do consentimento emitido
quando da realização da técnica destinada a inseminar sua esposa ou companheira com
sêmen de terceiro. 225
Segundo Fernanda de Fraga Balan, tanto o sigilo a respeito do procedimento quanto o
anonimato das partes são justificáveis inclusive observando-se o melhor interesse da criança
gerada, de forma a facilitar a sua integração na família e evitar que tratamento discriminatório seja
a ela dispensado.226 Porém, a autora chama atenção ao fato de que o anonimato não pode ser
absoluto. Isso porque há riscos que decorrem do recebimento do material genético de pessoas
estranhas, principalmente no que diz respeito às doenças hereditárias. Assim, essa hipótese
relativisaria o anonimato e o sigilo, sendo concedida à pessoa nascida informações necessárias à
manutenção de sua saúde.
Conforme dito em tópico anterior, não se pode conceber que o direito ao sigilo e ao
anonimato se coloque acima de direitos mais importantes, como o princípio da dignidade humana
e o direito à vida. Para a autora, é “inconcebível que o anonimato do doador prevaleça em
detrimento da manutenção da saúde, ou até mesmo, da vida da pessoa concebida com o material
genético de terceiros”. 227
A seu turno, José Sebastião Espíndola atenta que, possivelmente, “a identificação do
doador ou doadora acarretará o afastamento de futuros doadores, em razão das conseqüências que
a identificação da paternidade traz ao mundo Jurídico” 228, sendo apenas a ressalva legal capaz de
afastar a constituição de direitos e deveres decorrentes de um possível vínculo parental.
223
GAMA, 2003, p. 801.
Ibidem, p. 799.
225
AGUIAR, 2005, p. 99.
226
BALAN, 2006, p. 05-10.
227
Ibidem, p.
228
ESPÍNDOLA, 2003, p. 102.
224
60
CONCLUSÃO
Várias são as questões que podem ser levantadas a favor e contra a aplicação das técnicas
de reprodução medicamente assistida anteriormente discutidas. A própria doutrina ainda encontrase dividida acerca da realização desses procedimentos e a produção legislativa é pouquíssimo
avançada, sendo que o único suspiro legal está presente nas normas inseridas no Código Civil
vigente e, ainda assim, são fonte de grandes controvérsias.
Fato é que não se pode ou deve obstar a realização de procedimentos biomédicos aos que
deles necessitam nem devem ser estabelecidas condições esdrúxulas para a sua aplicação, vez que
constitui-se direito de cada um a repodução e a Carta Magna de 1988 protegeu o livre
planejamento familiar. Contudo, de forma alguma deve-se conceber a aplicação desregrada de
procedimentos biomédicos, com o único intuito de satisfação pessoal apartada de qualquer vontade
de realmente tornar-se pai e mãe. Necessário ter-se em mente que o ser humano a ser gerado
também é detentor de direitos desde sua concepção, não se podendo olvidar que também esses
direitos devem ser preservados. A vulnerabilidade dos filhos gerados é incontestável.
Por todo o pesquisado, conclui-se que o emprego das técnicas de reprodução assistida é
possível, seja na modalidade homóloga ou heteróloga, na vigência da entidade familiar ou mesmo
após a morte do varão do casal. Porém, necessário é que sejam observados os requisitos
necessários à sua aplicação e que outras providências sejam tomadas, principalmente no que se
cuida às técnicas heterólogas.
É indispensável que a aplicação segura dessas técnicas conte com uma estrutura adequada
de controle de seu emprego, de modo que doadores, interessados e, principalmente, as crianças
geradas sejam protegidos dos danos futuros, seja pela excusa em constituirem-se seus direitos, seja
pela demanda, de uns em relação aos outros, pela constituição de direitos inexistentes pela
situação fática que se apresentar ou ainda pela incidência de incestos biológicos ou uniões entre
pais doadores e filhos concebidos a partir de seu material genético. Inegável dizer que, atualmente,
o Brasil não dispõe de estrutura tão complexa e organizada.
Ainda que disponível a estrutura adequada, necessário que sempre seja observado e
protegido o melhor interesse da criança concebida, dado à sua vulnerabilidade jurídica, biológica e
afetiva. Assim, esse estudo posiciona-se favorável à aplicação das técnicas e ao reconhecimento
dos direitos pessoais e patrimoniais da filiação delas decorrente, já que não há que se penalizar os
filhos pelos atos de seus pais. Sempre necessário, para tanto, que a intenção e a autorização prévia
das partes, juntamente com os demais requisitos subjetivos, objetivos e formais também
componham a situação fática, já que são esses os elementos, no atual posicionamento jurídico e
doutrinário, capazes de determinar a validade e a viabilidade dos procedimentos aplicados.
De qualquer sorte, não se pode negar ser necessária e urgente a devida regulamentação
legal das técnicas reprodutivas, de forma que restem pacificados os debates que circundam o tema.
61
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