Paper: cogeração na revista ABEQ

Transcrição

Paper: cogeração na revista ABEQ
ANÁLISE TERMOECONÔMICA DE PLANTAS DE
COGERAÇÃO
João Francisco Peral Cespedes
Silvio de Oliveira Júnior
Engenheiro Mecânico pela Escola
Politécnica da USP e Licenciado em
Física pelo Instituto de Física da USP.
Pesquisador Senior do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo (IPT). Diretor do Instituto
Brasileiro do Frio (IBF).
Engenheiro Mecânico e Mestre em
Engenharia Mecânica pela Escola
Politécnica da USP. Doutor em
Engenharia de Processos pelo Institut
National Polytechnique de Lorraine,
França. Chefe do Agrupamento de
Engenharia Térmica do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo (IPT) e Professor da Escola
Politécnica da USP.
e-mail: [email protected]
e-mail: [email protected]
Trabalho publicado na Revista Brasileira de Engenharia Química, vol.17 - n° 4 –
Dez. 97/Jan. 98, pp. 21-27
ANÁLISE TERMOECONÔMICA DE PLANTAS DE COGERAÇÃO
João Francisco Peral Céspedes a e Silvio de Oliveira Júnior a, b
a) Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT)
b) Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP)
Resumo
O artigo trata da análise termoeconômica de plantas de cogeração. Em sua introdução é realizada
uma análise sucinta da questão da energia elétrica no Brasil e em seguida, a conceituação das
plantas de potência e cogeração em termos de ciclos, equipamentos e utilização final. Posteriormente,
a.
a.
realiza-se a análise exergética de unidades de cogeração, empregando combinadamente a 1 e a 2
leis da termodinâmica. A quarta parte do artigo trata da análise termoeconômica dos sistemas de
cogeração baseada em dois exemplos: cogeração de energia elétrica e vapor e cogeração de energia
elétrica e “água gelada” empregando chiller a absorção. Nas considerações finais é realizada uma
síntese dos resultados obtidos no cálculo dos dois exemplos citados de cogeração.
NOMENCLATURA
B
C
c
COP
H
n
p
Q
r
rη
S
T
W
α
β
η
θ
µo,i
σ
: fluxo de exergia (kW)
: custo ($ ou $/s)
: custo específico ($/kJ)
: coeficiente de eficácia
: fluxo de entalpia (kW)
: taxa anual de juros (%)
: pressão (bar)
: taxa de transferência de calor (kW)
: período de amortização do investimento (ano)
: relação de rendimentos (rη = ηb/ηe)
: fluxo de entropia (kW/K)
: temperatura (K, °C)
: potência (kW)
: relação entre a exergia química e o poder calorífico inferior
: relação calor/trabalho
: rendimento
: fator de Carnot (1-To/T)
: potencial químico da substância i no estado morto (J/mol)
: taxa de produção de entropia ( kW/K)
ÍNDICES
ag
b
: água gelada
: exergético
cald
comb
dest
e
equip
i
o
p
Q
rej
s
t
va
vb
: caldeira
: combustível
: destruída
: eletricidade, entrada, energia
: equipamento
: componente, investimento
: operacional, referência para cálculo da exergia
: processo
: carga de aquecimento/refrigeração
: rejeito
: saída
: turbina
: vapor a alta pressão
: vapor a baixa pressão
INTRODUÇÃO
Para atender o crescimento do consumo brasileiro de energia elétrica seriam
necessários investimentos anuais da ordem de US$ 6 bilhões. No ano de 1993, a
Eletrobrás investiu US$ 1,4 bilhão em lugar dos US$ 2,3 bilhões previstos (FSP
29.5.94).
A expansão do consumo de energia elétrica é superior ao crescimento da produção
interna do país. Mesmo em anos de queda do produto interno bruto (PIB), houve
crescimento do consumo de energia elétrica.
Se o país não investe em geração, transmissão e distribuição pode faltar energia
elétrica para atender novas ligações residenciais, industriais e comerciais; ou a
própria expansão do consumo das ligações já existentes.
A médio prazo, há risco de déficit de energia elétrica nas grandes cidades
brasileiras.
Com o crescimento da economia, haverá uma demanda adicional de energia elétrica
que poderá não ser atendida pela oferta de energia das usinas hidrelétricas e
térmicas atuais.
O Brasil utiliza cerca de 20% do seu potencial hidrelétrico. Para utilizar os restantes
80% teria de explorar quedas d’água distantes ou com baixo potencial individual,
que encareceriam mais as obras de novas hidrelétricas e a transmissão de energia.
O encarecimento das novas hidrelétricas seria também provocado pela necessidade
de controle ambiental das obras, caracterizadas pelo alagamento de grandes
regiões, deslocamento de populações e distribuição da flora e da fauna.
Os cenários montados pela Eletrobrás indicam a necessidade de que o Brasil
comece a aproveitar o potencial hídrico da Amazônia, na Bacia do Xingu entre 2005
e 2010.
Em 2011, a Eletrobrás prevê que o Brasil terá de consumir energia elétrica de
origem térmica, em grande escala, inclusive a gerada por usinas nucleares, a
carvão, a gás natural, eólicas e solares.
As centrais elétricas de serviço público geram cerca de 95% do total de eletricidade
do país. Dentro desse percentual, 96% tem origem hidraúlica.
No mundo do petróleo, há uma revolução à vista. Empresas multinacionais estão
investindo dezenas de bilhões de dólares na China, na Rússia e nas antigas
repúblicas soviéticas onde descobriram reservas hoje preliminarmente estimadas
em mais de 100 bilhões de barris. Representam 10% de todo o petróleo descoberto
no mundo até agora (O ESP 19.6.94).
Todo esse petróleo já existia. Extinta a União Soviética, aberta a economia chinesa,
todas as empresas multinacionais dirigiram-se para onde já sabiam existir as
maiores reservas de petróleo a serem exploradas, fugindo da dependência do Golfo
Pérsico.
A Ocidental Petroleum, a Texaco, a Exxon, a Amoco, a Shell e a Chevron estão
explorando petróleo na Rússia e no Casaquistão. A Amoco e a British Petroleum
estão no Azerbaijão. Na China estão a Exxon, a Texaco e a Elf.
Neste panorama de incertezas de fornecimento estável de energia elétrica e a
mudança de paradigma prevista para o petróleo e seus derivados, é oportuno
analisar-se, dentro do contexto brasileiro, a cogeração de energia elétrica e térmica,
particularmente dentro do contexto individual e industrial.
Dentro do setor industrial brasileiro, o consumo de energia em 1994 foi atendido em
48,8% por eletricidade (34,2% em 1977) e apenas 9,5% por óleo combustível
(28,3% em 1977). No setor químico, em 1994 a eletricidade contribuiu com 58,5%
do consumo de energia (BEN, 1995).
PLANTAS DE POTÊNCIA E COGERAÇÃO
A conversão termomecânica de energia é realizada em plantas chamadas de
potência, cujo objetivo é a geração de eletricidade e/ou potência mecânica para
acionamento de equipamentos como compressores, ventiladores, bombas, etc.
As plantas de potência normalmente estão conceitualmente baseadas nos ciclos
termodinâmicos de Rankine (que emprega turbina a vapor), Brayton (turbina a gás),
Diesel e Otto. Os processos que compõem estes ciclos, bem como os esquemas
das plantas de potência estão representados na Figura 1.
c=caldeira; TV=turbina a vapor; CD=condensador; cc=câmara de combustão; CP=compressor;
TG=turbina a gás; TC=trocador de calor
Figura 1. Plantas e ciclos de potência
Quando dois ciclos de potência são associados em série térmica, ou seja, o rejeito
térmico de um deles é o insumo energético do outro, tem-se o chamado ciclo
combinado, como mostrado na Figura 2. Objetiva-se, desta forma, otimizar o uso do
insumo energético consumido pelo primeiro ciclo para melhorar o rendimento global
dos dois ciclos.
T1
Qcomb
W1
1
Qrej
2
T2
W2
T0
Figura 2. Princípio de um ciclo combinado
Observando-se a Figura 2 pode-se mostrar que o rendimento global do ciclo
combinado (η) é:
η = η1 + η2 (1 − η1 )
(1)
onde η1 e η2 são os rendimentos dos ciclos 1 e 2.
A utilização de uma planta de conversão termomecânica de energia para fins de
geração elétrica e de aquecimento/refrigeração caracteriza uma instalação que é
normalmente denominada de planta de cogeração. A Figura 3 mostra duas
possibilidades de geração simultânea de eletricidade e vapor (aquecimento). A
configuração “a” mostra uma planta onde a geração de eletricidade é feita nos
moldes tradicionais (alta pressão e temperatura) e o rejeito da máquina térmica é
utilizado para fins de aquecimento de um dado processo ou em um equipamento
(topping cycle). Na configuração “b” a demanda de calor para processo ocorre a alta
temperatura (p.ex. fornos de cimento), sendo o rejeito térmico do processo utilizado
como insumo da planta de potência (bottowing cycle).
T1
Qcomb
W
Qcomb
Qp
Qrej
Qrej
Qp
T2
W
T0
(a)
(b)
Figura 3. Plantas de cogeração
Como exemplos de plantas de cogeração do tipo “a” (topping cycle) pode-se
destacar (ver Figura 4):
a) planta de potência com turbina a vapor de contrapressão;
b) planta de potência com turbina a vapor de condensação e com extração de vapor;
c) planta de potência com turbina a gás com caldeira de recuperação (para geração
de vapor a partir dos gases de escape da turbina a gás);
d) planta de potência com ciclo combinado: turbina a gás - turbina a vapor, sendo a
turbina a vapor do tipo de contra pressão ou condensação-extração.
Observe-se que o vapor/gases de escape dos quatro sistemas descritos podem ser
empregados por uma máquina de refrigeração com ciclo de absorção destinada a
produzir um efeito de resfriamento em um dado processo ou para fins de
condicionamento ambiental.
W
Combustível
C
W
Combustível
C
TV
TV
Qp
Qp
(a)
(b)
combustíve
l
combustíve
l
CC
CC
W
CR
CR
CP
CP
TG
Qp
ar
(c)
TV
TG
ar
Qp
(d)
onde: C = caldeira; TV = turbina a vapor; CP = compressor; CC = câmara de
combustão; CR= caldeira de recuperação; TG = turbina a gás.
Figura 4. Exemplos de plantas de cogeração
A escolha da configuração adequada, para uma dada aplicação industrial, depende
da relação eletricidade/calor (trabalho/calor) requerida pela unidade industrial. A
configuração 4a é adequada para situações onde a demanda de eletricidade é
pequena comparativamente à demanda de calor, e a configuração 4d é adequada
quando a demanda de eletricidade é comparável à demanda de calor. O emprego
de uma turbina de condensação-extração permite atender às diversas relações
eletricidade/calor e a configuração 4b é adequada para situações intermediárias
àquelas atendidas pela configuração 4a e 4d (El-Wakil, 1984).
FUNDAMENTOS DA ANÁLISE EXERGÉTICA DE PROCESSOS
A análise exergética consiste no emprego simultâneo da Primeira e Segunda Leis
da Termodinâmica na avaliação de desempenho de processos de conversão de
energia, permitindo a efetiva avaliação termodinâmica dos processos, uma vez que
quantifica as irreversibilidades que ocorrem durante o desenvolvimento destes
processos.
A exergia é definida como o trabalho que pode ser realizado quando um
sistema evolui do estado em que se encontra até um estado de equilíbrio
termodinâmico com os componentes comuns do meio ambiente (equilíbrio
mecânico, térmico e químico), através de processos reversíveis, interagindo
apenas com os componentes do meio ambiente.
O emprego combinado da Primeira e Segunda leis da Termodinâmica permite que
se estabeleça o balanço de exergia. Considerando-se o volume de controle
mostrado na Figura 5 pode-se escrever os balanços de energia e entropia, para
condições de regime permanente:
w
Hs,Ss
He,Se
Q
Figura 5. Volume de controle.
Balanço de Entalpia:
To, Po, µo,i
Q − W = H s − He
Q
Balanço de Entropia:
T
+ σ = S s − Se
(2)
(3)
Multiplicando-se a Equação 3 por (- To ) e somando-a à Equação 1 tem-se:
H s − H e − To ( S s − S e ) = Q (1 −
To
) − W − Toσ
T
(4)
A Equação 4 é o balanço de exergia válido para o volume de controle considerado.
Ele é formado pelos seguintes termos:
- variação entre os fluxos de exergia de entrada e saída = Be-Bs
Be-Bs = He-Hs - T0(Se-Ss)
(5)
- exergia transferida associada ao calor transferido = BQ = Q(1-T0 / T)
(6)
- exergia pura = trabalho (potência) realizado = W
(7)
- taxa de exergia destruída = Bdest = T0σ
(8)
A variação de exergia entre os fluxos de entrada e saída do volume de controle
caracteriza o máximo trabalho que poderia ser obtido entre os estados de entrada e
saída (trabalho reversível). Esta capacidade de realizar trabalho é igual à somatória
composta pelas seguintes parcelas:
- trabalho que seria obtido de um motor térmico reversível operando entre os níveis
de temperatura T e To , consumindo Q e rejeitando calor para o meio ambiente a To
(este trabalho é a exergia associada ao calor trocado);
- trabalho efetivamente realizado (exergia pura);
- trabalho disponível destruído devido à existência de processos irreversíveis
(exergia destruída = Toσ ).
A Equação 4, o balanço de exergia, pode ser considerada como a lei da degradação
da energia, uma vez que permite a quantificação da redução da capacidade de
realização de trabalho, devido à ocorrência de processos irreversíveis durante o
desenvolvimento de processos de conversão de energia.
Constata-se assim que a capacidade de realização de trabalho (exergia) não se
conserva, sendo sempre reduzida toda vez que houver algum processo irreversível
(expansão não resistida, perda de carga, mistura, troca de calor com ∆T finito,
reação química) ocorrendo no volume de controle analisado.
ANÁLISE EXERGÉTICA DE PLANTAS DE COGERAÇÃO
A análise exergética de plantas de conversão termomecânica permite caracterizar
como a exergia disponível (devido à queima do combustível, empregado como
insumo energético) é utilizada e destruída nos processos de conversão de energia
existentes na planta.
A performance exergética das plantas de cogeração pode ser feita a partir de uma
definição geral de rendimento (Oliveira et al 1990, Huang 1990, Tsatsaronis, 1995):
η= (efeito útil)/(insumo consumido)
(9)
Com esta formulação pode-se chegar às expressões dos rendimentos energético
(ηe) e exergético (ηb) de plantas de cogeração:
ηe =
ηb =
W +Q
Ecomb
W + BQ
Bcomb
(10)
(11)
onde BQ é a exergia transferida a um processo para fins de aquecimento ou
refrigeração (“produção” de água gelada).
Combinando-se as Equações 10 e 11, introduzindo-se a relação β = ( Q / W ) , o fator
de Carnot θ ( o que eqüivale a assumir que BQ = θ.Q ) e α = Bcomb / Ecomb , obtémse:
1 + θ.β 1
ηb
)( )
=(
1+ β α
ηe
(12)
Esta expressão permite obter com facilidade a relação entre os dois rendimentos,
dados β, o nível de temperatura a partir do qual se faz a troca de calor e
conhecendo α.
A Figura 6 apresenta o comportamento de ηb/ηe em função de β e parametrizada
em θ, para um combustível com α = 1. Nela observa-se que quando β→0 a relação
entre os rendimentos tende a 1, pois o efeito útil do sistema é a produção de
potência (exergia pura). Quando β→∞ a relação entre os rendimentos tende a θ,
pois o efeito útil é predominantemente uma transferência de calor
(aquecimento/refrigeração). Note-se, também, que para θ (em módulo) decrescente,
isto é, transferência de calor a temperaturas próximas de To, como é o caso dos
sistemas de condicionamento de ar, a relação entre os rendimentos cai para um
mesmo β, devido à menor quantidade de exergia associada à troca de calor.
Convém ressaltar que os dados apresentados na Figura 6 são facilmente corrigidos
para um combustível com α ≠ 1 simplesmente dividindo o valor de ηb/ηe do gráfico
pelo particular valor de α (que pode ser obtido, por exemplo, nas correlações
apresentadas por Szargut, 1989 e Bejan, 1988).
1,00
teta = 0,80
rend. exergético / rend. energético
0,80
teta = 0,60
0,60
teta = 0,40
0,40
teta = 0,20
teta = 0,10
0,20
teta = 0,02
0,00
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
14,0
16,0
beta
Figura 6. Comportamento de ηb/ηe em função de β para diferentes valores de θ.
A Tabela 1 apresenta os valores de W, Q, θ (fator de Carnot médio), β, ηe, ηb e
ηb/ηe, para sete tipos de sistemas, englobando unidades de cogeração e ciclos
combinados (os dados de operação dos três primeiros sistemas foram levantados a
partir de unidades descritas por Horlock, 1987).
Tabela 1 Características de sistemas de cogeração
Sistema
Ciclo Rankine + CR
(aquecimento distrital)
Turbina a gás com CR
W
(MW)
Q
(MW)
θ
β
ηe
ηb
rη
135,0
0
348,0
0
7,50
23,00*
32,21
0,201
2,60
0,901
0,382
0,424
0,346
0,346
0,273
2,34
7,19
3,54
0,769
0,891
0,882
0,417
0,379
0,382
0,542
0,425
0,433
0,472
0,628
0,461
0,599
0,336
0,361
0,331
0,395
3,20
9,10
Rankine com CR
Motor a combustão
(Diesel) com CR
7,48
6,70 0,215 0,90 0,751
Ciclo combinado (TG +
TV) com CR
26,03 32,21 0,273 1,24 0,770
Ciclo combinado
(TG+TV) com chiller a
compressão COP = 4,5
3,00
6,30 0,057 2,10 0,930
Turbina a gás com CR e
máq. a absorção COP =
3,00
5,39 0,057 1,80 0,839
1,1
* queima de combustível na CR; To=298K; TG=turbina a gás;
TV=turbina a vapor; CR=caldeira de recuperação
Dos resultados da Tabela 1 pode-se destacar:
- os maiores valores de β das unidades com ciclos Rankine e quando há consumo
adicional de combustível na caldeira de recuperação de unidades com turbina a
gás.
- os maiores valores de ηb/ηe para os sistemas de ciclos combinados e motor a
combustão, dada a importância relativa da potência produzida.
ANÁLISE TERMOECONÔMICA DE PLANTAS DE COGERAÇÃO
Numa planta industrial multi-produtos a definição dos custos de produção é feita a
partir de métodos de partição de custos que associam aos produtos os custos dos
insumos e equipamentos requeridos para sua obtenção. Para plantas de conversão
termomecânica a combinação de um método econômico com a análise
termodinâmica permite realizar a partição de custos de forma racional.
Para uma planta de cogeração a combinação da análise exergética com métodos de
partição de custos permite avaliar criteriosamente os custos de produção de
eletricidade e de aquecimento/refrigeração, uma vez que com o conceito de exergia
consegue-se valorizar diferentemente trabalho (= exergia pura) e calor (exergia = Q
(1-To/T)).
Para a planta de cogeração esquematizada na Figura 7, composta por uma caldeira
e uma turbina de contrapressão, os balanços de custo são, respectivamente, em
base exergética e desprezando os gases de chaminé:
va
.
We
Turbina
Combustível
Caldeira
(Cturbina)
(Ccaldeira)
vb
Figura 7. Esquema de cogeração para o balanço de custos
cva Bva = Bcomb ccomb + Ccald
(13)
ceWe + cvb Bvb = cva Bva + Ct
(14)
Introduzindo os rendimentos exergéticos da caldeira ( ηbcald ) e turbina ( ηb ) tem-se:
t
cva =
ccomb Ccald
+
ηbcald
Bva
ceηbt + (
Bvb
C
) (cvb − ce ) = cva + t
Bva
Bva
(15)
(16)
com:
Bva
Bcomb
(17)
We + Bvb
Bva
(18)
ηbcald =
ηbt =
Para uma planta de cogeração, esquematizada na Figura 8, com turbina a gás e
sistema de refrigeração a absorção, destinada a gerar eletricidade e “produzir” água
gelada, o balanço de custos torna-se:
ceWe + cag Bag = Bcomb ccomb + Cequip
(19)
Combustível
CC
.
We
CP
TG
água gelada
ar
CR
CA
onde: CP = compressor ; CC = câmara de combustão ; TG = turbina a gás ;
CR = caldeira de recuperação ; CA = chiller a absorção.
Figura 8. Planta de cogeração para gerar eletricidade e produzir água gelada.
Para uma dada planta são conhecidos os custos dos equipamentos (manutenção e
amortização), o custo exergético unitário do combustível (ccomb) bem como os fluxos
de exergia (Bva, Bvb, W e e Bcomb).
A determinação do custo unitário do vapor de alta pressão (cva) da planta
esquematizada na Figura 7 é feita diretamente a partir do balanço de custos da
caldeira. Para a determinação de ce e cvb dispõem-se apenas de uma equação.
Assim a equação adicional é definida pelo método de alocação de custos utilizado.
Para a alocação de custos pode-se ter os seguintes métodos:
- igualdade (ce = cvb);
- extração (cva = cvb);
- eletricidade como subproduto;
- vapor como subproduto.
A avaliação do desempenho econômico pode ser feita através do cálculo do custo
médio total da energia e exergia (cb) (eletricidade/vapor ou eletricidade/água gelada)
transferidas pelos sistemas durante suas vidas úteis de operação, através do
método do custo anual (IAEA, 1991), considerando-se o investimento inicial
(equipamentos, instalação e comissionamento) e os custos operacionais, que em
uma primeira aproximação podem ser associados aos insumos energéticos
(eletricidade e combustível):
cb = [ Ci ( n / (1-(1+n)-r) + Co] / (W e + Q θ)
(20)
Para exemplificar o uso da alocação de custos com base na exergia são
apresentadas duas plantas de cogeração, uma para geração de eletricidade e vapor
e outra para geração de eletricidade e produção de água gelada. No primeiro caso
emprega-se o critério da igualdade e no segundo caso o critério da eletricidade
como subproduto.
a) Planta de cogeração com turbina a vapor
A Figura 9 esquematiza a planta de cogeração que opera com uma turbina de
contrapressão, fornecendo informações sobre as condições de operação da caldeira
e da turbina a vapor.
va
.
m=5,5 kg/s
p = 20 bar
.
T = 400 C
óleo BPF
We = 1938 kW
Turbina
Caldeira
ar
vb
p = 2 bar
T = To
T = 185 C
po = 1 bar ; To = 25 C
Figura 9. Características da planta de cogeração para geração de eletricidade e
produção de vapor.
As características dos equipamentos são:
- rendimento energético da caldeira: 0,830
- rendimento exergético da caldeira: 0,341
- rendimento isentrópico da turbina: 0,75
- rendimento eletromecânico: 0,87
- combustível: óleo BPF
- custo do combustível (Agência para Aplicação da Energia, 1994): 0,1133 US$/kg
- custo dos equipamentos (Agência para Aplicação da Energia, 1994): 1200 US$/kW
- custo anual de manutenção: 1% do custo dos equipamentos
- horas anuais de operação (h): 6000
- fator de carga: 0,75
- fator de amortização anual: 0,17698
A análise termoeconômica deste sistema, empregando-se o critério de igualdade de
custos em base exergética dos produtos da planta de cogeração (eletricidade e
vapor a 2 bar), fornece os seguintes resultados:
ce = 52,80 US$/MWh
cvb = 9,2 US$/t
b) Planta de cogeração com turbina a gás e sistema de refrigeração a absorção
Considere-se agora uma planta de cogeração como a mostrada na Figura 8,
composta por uma turbina a gás e sistema de refrigeração a absorção destinada a
gerar eletricidade e “produzir“ água gelada para fins de condicionamento ambiental.
As características dos equipamentos são:
- potência elétrica gerada (MW): 2,5
- capacidade de refrigeração (MW): 4,7
- rendimento global da turbina a gás: 0,30
- rendimento térmico da caldeira de recuperação: 0,75
- COP do ‘chiller’ a absorção: 1,10
- tarifa do gás natural, base PCS (US$/MWh): 3,0
- custo do sistema de cogeração (Batista de Morais et al., 1992) (US$/kW): 841
- custo anual de manutenção: 1% do custo dos equipamentos
- horas anuais de operação (h): 6000
- fator de amortização anual: 0,17698
- fator de carga: 1,00
Utilizando-se para esta planta o critério de partição de custos que considera a
eletricidade como subproduto, obtém-se os seguintes valores de ce e cag (calculado
a partir de uma instalação destinada a produzir apenas água gelada com chiller a
absorção):
ce = 68.12 US$/MWh
cag = 0,20 US$/t
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O emprego da análise exergética é essencial na caracterização da performance
termodinâmica de plantas de cogeração, ponderando corretamente a influência da
eletricidade e do vapor/água gelada na performance global da planta. Além disso o
uso do conceito de exergia nos métodos de alocação de custos de produção
garante que os custos de eletricidade e vapor/água sejam estimados de forma
racional, caracterizando o real valor de cada um desses “produtos” das plantas de
cogeração.
Os valores obtidos de ce nos dois casos descritos anteriormente atestam a
potencialidade do uso de plantas de cogeração em plantas industriais. Por outro
lado os valores de cvb e cag atestam também a atratividade da geração de vapor e de
água gelada em plantas de cogeração.
Com relação ao custo do vapor gerado deve-se destacar que ele aumenta (em base
mássica) à medida que suas condições de pressão e temperatura aumentam, uma
vez que sua exergia também cresce com essas propriedades, atestando seu maior
“valor” termodinâmico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Econômica.
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