ENDO - Novembro | Dezembro 2008

Transcrição

ENDO - Novembro | Dezembro 2008
PUBLICAÇÃO BIMESTRAL | PREÇO UNITÁRIO 20 €
ENDO
Endocrinologia
&
Diabetes
Obesidade
NOVEMBRO | DEZEMBRO 2008 VOL. 2 | Nº 3
Estamos a
*
conseguir!
* Finer, N; European Heart Journal Supplements (2005) 7 Supplement LL32-L38.
** Doentes obesos com um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 Kg/m2 ou doentes com excesso de peso com um IMC igual ou superior a 27 Kg/m2 com comorbilidades associadas, e que não responderam adequadamente a um regime de emagrecimento devidamente concebido, i.e. a doentes que tiveram dificuldades
em atingir ou manter uma perda de peso > 5% num período de 3 meses.
…menos peso, mais saúde…com Reductil**
INFORMAÇÕES ESSENCIAIS COMPATÍVEIS COM O RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO DENOMINAÇÃO
DO MEDICAMENTO Reductil®, 10mg cápsulas duras / Reductil® 15mg cápsulas duras COMPOSIÇÃO QUALITATIVA E QUANTITATIVA
Uma cápsula dura de Reductil® 10mg contém 10mg de cloridrato monohidratado de sibutramina (equivalente a 8,37mg de
sibutramina). Uma cápsula dura de Reductil® 15mg contém 15mg de cloridrato monohidratado de sibutramina (equivalente a
12,55mg de sibutramina). FORMA FARMACÊUTICA Reductil®, 10mg cápsulas duras - Com a parte superior de cor azul e a parte
inferior de cor amarela. Reductil® 15mg cápsulas duras - Com a parte superior de cor azul e a parte inferior de cor branca.
INDICAÇõES TERAPÊUTICAS Reductil® está indicado como terapêutica adjuvante de um programa de controlo do peso corporal em:
- Doentes obesos com um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg/m2 - Doentes com excesso de peso com um IMC
igual ou superior a 27 kg/m2 que apresentam outros factores de risco relacionados com a obesidade tais como diabetes tipo 2 ou
dislipidémia. Nota: Reductil® só deve ser prescrito a doentes que não responderam adequadamente a um regime de emagrecimento
devidamente concebido, i.e. a doentes que tiveram dificuldades em atingir ou manter uma perda de peso> 5% num período de 3
meses. O tratamento com Reductil® 10mg/15mg só deve ser administrado como parte integrante de uma abordagem terapêutica de
redução de peso a longo prazo, sob a vigilância de um médico com experiência no tratamento da obesidade. Uma abordagem
adequada do tratamento da obesidade deverá incluir modificações dietéticas e comportamentais para além de um aumento da
actividade física. Esta abordagem integrada é essencial a uma alteração persistente dos hábitos e comportamentos alimentares,
fundamental para manter a longo prazo o nível de redução de peso atingido, após a suspensão do tratamento com Reductil·. Os
doentes devem alterar o seu estilo de vida no decurso do tratamento com Reductil®, de modo a manterem o seu peso após a
suspensão do tratamento com o fármaco. Os doentes deverão ser informados de que poderão recuperar o peso se não cumprirem
estas recomendações. Recomenda-se que o doente seja mantido sob vigilância médica mesmo após a suspensão do tratamento com
Reductil®. Posologia e modo de administração Adultos: A dose inicial é de uma (1) cápsula de Reductil® 10mg administrada por
via oral, sem mastigar, uma vez por dia, de manhã, com líquido (por ex. um copo de água). A cápsula pode ser tomada com ou sem
alimentos. Nos doentes em que a resposta a Reductil® 10mg é insuficiente (definida por uma perda ponderal inferior a 2 kg após
quatro (4) semanas de tratamento), a dose pode ser aumentada para uma (1) cápsula de Reductil® 15mg uma vez por dia, desde que
Reductil® 10mg seja bem tolerado. O tratamento deve ser suspenso nos doentes que responderam inadequadamente a Reductil®
15mg (definido por uma redução ponderal inferior a 2kg após quatro (4) semanas de tratamento). Os doentes que não responderam
à terapêutica têm um risco superior de efeitos indesejáveis (ver secção “Efeitos indesejáveis”). Duração do tratamento: O tratamento
deve ser suspenso em doentes que não responderam adequadamente, i.e. cuja redução ponderal tenha estabilizado em menos de
5% do seu peso inicial, ou cuja perda ponderal no período de três (3) meses após o início da terapêutica tenha sido inferior a 5% do
seu peso inicial. O tratamento não deve ser mantido em doentes que tenham readquirido 3kg ou mais após terem registado uma
redução ponderal prévia. Nos doentes com patologias concomitantes, o tratamento com Reductil® 10mg/15mg só deverá prosseguir
se for demonstrado que a perda de peso induzida está associada a outros benefícios clínicos, nomeadamente, melhoria do perfil
lipídico em doentes com dislipidémia ou controlo glicémico na diabetes tipo 2. Reductil® 10mg/15mg só deverá ser administrado até
um período máximo de um ano. Os dados disponíveis relativamente ao uso por um período superior a um ano, são limitados. Contraindicações Hipersensibilidade conhecida ao cloridrato monohidratado de sibutramina ou a qualquer dos excipientes; Obesidade de
causas orgânicas; Antecedentes de perturbações major do comportamento alimentar; Doença psiquiátrica. Sibutramina demonstrou
potencial actividade antidepressiva em estudos de experimentação animal, pelo que não se poderá excluir a hipótese do fármaco
induzir um episódio de mania em doentes com patologia bipolar; Síndrome de Gilles de la Tourette ; Uso concomitante, ou uso durante
as últimas duas semanas, de inibidores da monoaminoxidase ou de outros fármacos com acção sobre o sistema nervoso central,
utilizados no tratamento de doenças do foro psiquiátrico (tais como antidepressivos, antipsicóticos) ou na redução ponderal, ou de
triptofano para o tratamento de perturbações do sono; Antecedentes de doença coronária, insuficiência cardíaca congestiva,
taquicardia, doença arterial oclusiva periférica, arritmias ou doença cerebrovascular (acidente vascular cerebral ou AIT); Hipertensão
inadequadamente controlada (> 145/90 mmHg; ver secção “Advertências e precauções especiais de utilização”); Hipertiroidismo;
Insuficiência hepática grave; Insuficiência renal grave e em doentes com insuficiência renal terminal em diálise; Hiperplasia benigna
da próstata com retenção urinária; Feocromocitoma; Glaucoma de ângulo fechado; Antecedentes de uso de drogas ilícitas, consumo
abusivo de medicamentos ou de álcool; Gravidez e aleitamento; Crianças e adolescentes até aos 18 anos de idade, devido a dados
insuficientes; Doentes com idade superior a 65 anos, devido a dados insuficientes. Advertências e precauções especiais de
utilização Advertências: Deve proceder-se à monitorização da pressão arterial e da frequência cardíaca em todos os doentes
submetidos a um tratamento com Reductil® 10mg/15mg, visto que a sibutramina tem provocado aumentos clinicamente relevantes
da pressão arterial em alguns doentes. Nos primeiros três meses de tratamento, estes parâmetros devem ser verificados em intervalos
de 2 semanas; entre o 4 e o 6 mês estes parâmetros devem ser verificados uma vez por mês e posteriormente em intervalos
regulares, até um máximo de três meses. O tratamento deve ser suspenso nos doentes para os quais, em duas consultas consecutivas,
seja detectado um aumento da frequência cardíaca em repouso ≥10 bpm ou da pressão arterial sistólica/diastólica ≥10 mmHg. O
tratamento deve ser também suspenso em doentes hipertensos, anteriormente bem controlados, se a pressão arterial for superior a
145/90 mm/Hg em duas medições consecutivas (ver secção “Efeitos indesejáveis, alterações cardiovasculares”). Em doentes com
síndroma de apneia do sono devem ser tomados cuidados especiais na monitorização da pressão arterial. No uso concomitante de
sibutramina com simpaticomiméticos, ver secção “Interacções medicamentosas e outras formas de interacção”. Embora a sibutramina
não tenha sido associada à ocorrência de hipertensão pulmonar primária, é importante vigiar, devido às preocupações gerais com os
fármacos anti-obesidade, no decurso de check-ups de rotina, o aparecimento de sintomas tais como dispneia progressiva, dor
torácica e edema maleolar. O doente deve ser aconselhado a consultar imediatamente um médico caso se manifestem estes
sintomas. Reductil® 10mg/15mg deve ser administrado com precaução a doentes com epilepsia. Têm sido observados aumentos dos
níveis plasmáticos de sibutramina em doentes com insuficiência hepática ligeira a moderada. Embora não tenham sido referidos
efeitos adversos, Reductil® 10mg/15mg deve ser usado com precaução nestes doentes. Embora só os metabolitos inactivos sejam
excretados por via renal, Reductil® 10mg/15mg deve ser utilizado com precaução em doentes com insuficiência renal ligeira a
moderada. Reductil® 10mg/15mg deve ser administrado com precaução a doentes com antecedentes familiares de alterações
motoras ou verbais. As mulheres em idade fértil devem utilizar medidas contraceptivas adequadas durante o tratamento com Reductil®
10mg/15 mg. Existe a possibilidade de consumo abusivo de fármacos com acção ao nível do SNC. No entanto, os dados clínicos
45,20€
49,20€
disponíveis não revelam quaisquer sinais de consumo abusivo com a sibutramina. Determinados fármacos anti-obesidade estão
associados a um aumento do risco de valvulopatias cardíacas. No entanto, dados clínicos com sibutramina não revelam quaisquer
sinais de um aumento desta incidência. Doentes com antecedentes de perturbações major do comportamento alimentar, tais como
anorexia nervosa ou bulimia nervosa estão contra-indicados. Não existem dados disponíveis de sibutramina no tratamento de doentes
com perturbações alimentares compulsivas. Sibutramina deve ser administrada com precaução em doentes com glaucoma de ângulo
aberto com história familiar de risco de pressão intra-ocular elevada. Tal como com outros agentes que inibem a recaptação da
serotonina, há um potencial aumento de risco de hemorragias (incluindo ginecológicas, gastrointestinais e outras hemorragias
cutâneas ou das mucosas) em doentes sob tratamento com sibutramina. Assim, a sibutramina deverá ser administrada com
precaução em doentes com predisposição para hemorragias e que tomem concomitantemente outros medicamentos que afectem a
hemostase ou a função plaquetária. Foram reportados casos muito raros de depressão, tendência para suicídio e suicídios em doentes
sob tratamento com sibutramina. Recomenda-se pois especial atenção em doentes com história de depressão. Em caso de ocorrerem
durante o tratamento com sibutramina, sinais ou sintomas de depressão, deve-se considerar a suspensão de sibutramina e iniciar
tratamento apropriado. Reductil® 10mg/15mg contém lactose e portanto não deve ser usado em doentes com alguns problemas
hereditários de intolerância à galactose, deficiência de lactase ou má absorção à glucose-galactose. Interacções medicamentosas
e outras formas de interacção A sibutramina e os seus metabolitos activos são eliminados por metabolismo hepático; a principal
enzima envolvida é a CYP3A4 e poderão igualmente contribuir a CYP2C9 e a CYP1A2. Deve ter-se especial cuidado durante a
administração concomitante de Reductil® 10mg/15mg com fármacos que afectam a actividade da enzima CYP3A4. Entre os
inibidores da CYP3A4 incluem-se o cetoconazol, itraconazol, eritromicina, claritromicina, troleandomicina e a ciclosporina. Um estudo
sobre interacção medicamentosa revelou que a administração concomitante de cetoconazol ou eritromicina com sibutramina induziu
um aumento das concentrações plasmáticas (AUC) dos metabolitos activos da sibutramina (23% ou 10% respectivamente).
Verificaram-se aumentos médios da frequência cardíaca até 2,5 batimentos por minuto em relação à administração isolada de
sibutramina. A rifampicina, fenitoína, carbamazepina, fenobarbital e a dexametasona são indutores da enzima CYP3A4 e podem
acelerar o metabolismo da sibutramina, embora este facto não tenha sido objecto de estudos experimentais. A utilização simultânea
de vários fármacos, que aumentam os níveis de serotonina no cérebro, pode originar interacções graves. Este fenómeno é designado
por síndrome da serotonina e poderá ocorrer, em caso raros, em associação com o uso simultâneo de um inibidor selectivo da
recaptação da serotonina [ISRS] com certos fármacos utilizados no tratamento da enxaqueca (como o sumatriptano e a
dihidroergotamina), ou conjuntamente com certos opiáceos (como a pentazocina, petidina, fentanil, dextrometorfano), ou em caso de
utilização simultânea de dois ISRS. Dado que a sibutramina inibe a recaptação de serotonina (entre outros efeitos), Reductil®
10mg/15mg não deve ser utilizado concomitantemente com outros fármacos que também elevem os níveis cerebrais de serotonina.
Não foi avaliado sistematicamente o uso concomitante de Reductil® 10mg/15mg com outros fármacos que sejam susceptíveis de
aumentar a pressão arterial ou a frequência cardíaca (por ex. simpaticomiméticos). Entre os fármacos deste tipo incluem-se
determinados medicamentos para o tratamento da tosse, constipação e alergias (por ex., efedrina, pseudoefedrina) e certos
descongestionantes (por ex. xilometazolina). Recomenda-se precaução ao prescrever Reductil® 10mg/15mg a doentes que estejam
a utilizar estes medicamentos. Reductil® 10mg/15mg não afecta a eficácia de contraceptivos orais. Em doses únicas, a sibutramina
não afectou adicionalmente o rendimento cognitivo ou psicomotor quando administrada concomitantemente com álcool. Contudo,
regra geral, o consumo de álcool não é compatível com as medidas dietéticas recomendadas. Não existem dados disponíveis sobre o
uso concomitante de Reductil® 10mg/15mg com orlistat. Devem decorrer duas semanas entre a suspensão do tratamento com
sibutramina e o início do tratamento com inibidores da monoaminoxidase. Efeitos indesejáveis A maioria dos efeitos adversos
notificados com sibutramina ocorreu na fase inicial do tratamento (durante as primeiras 4 semanas). A sua intensidade e frequência
diminuíram no decurso do tempo. Regra geral, estes efeitos não foram graves, não justificaram a interrupção do tratamento e foram
reversíveis. Os efeitos adversos observados nas fases II/III dos ensaios clínicos encontram-se especificados no quadro que se segue,
por sistema orgânico (muito frequentes> 1/10, frequentes <1/10 e> 1/100: Sistema cardiovascular (ver informação abaixo descrita):
Frequente – Taquicardia, Palpitações, Aumento da pressão arterial/hipertensão, Vasodilatação (hot flush). Doenças gastrointestinais:
Muito frequente – Obstipação; Frequente – Náuseas, Agravamento de hemorróidas. Sistema nervoso central: Muito frequente –
Xerostomia, Insónias; Frequente – Tonturas, Parestesias, Cefaleias, Ansiedade. Pele: Frequente - Sudorese Funções sensoriais:
Frequente - Disgeusia Sistema cardiovascular Foram observados aumentos médios da pressão arterial sistólica e diastólica em
repouso de 2 - 3 mmHg e aumentos médios da frequência cardíaca de 3 - 7 batimentos por minuto. Não poderá excluir-se a hipótese
de se registarem, em casos isolados, aumentos mais acentuados da pressão arterial e da frequência cardíaca. Qualquer aumento
clinicamente significativo da pressão arterial e da frequência cardíaca tende a ocorrer na fase inicial do tratamento (primeiras 4 - 12
semanas). Nestes casos, a terapêutica deve ser interrompida, ver secção “Advertências e precauções especiais de utilização”.
Relativamente ao uso de Reductil® 10mg/15mg em doentes hipertensos, ver secção “Contra-indicações” e “Advertências e
precauções especiais de utilização”. Efeitos adversos clinicamente significativos observados em estudos clínicos e após
comercialização descritos por sistema orgânico: Doenças do sangue e do sistema linfático: Trombocitopenia, Púrpura de SchönleinHenoch.. Perturbações cardiovasculares: Fibrilhação auricular, taquicardia paroxistica supraventricular. Doenças do sistema imunitário:
Foram notificados casos de reacções de hipersensibilidade alérgica que vão desde ligeiras erupções cutâneas e urticária até
angioedema e anafilaxia. Perturbações do foro psiquiátrico: Agitação. Depressão em doentes com e sem antecedentes de história de
depressão (ver secção “Advertências e precauções especiais de utilização”). Doenças do sistema nervoso: Convulsões; Sindrome de
serotonina em combinação com outros agentes que afectem a libertação de serotonina (ver secção “Interacções medicamentosas e
outras formas de interacção”); Perturbação transitória da memória de curta duração. Afecções oculares: Visão turva. Doenças
gastrointestinais: Diarreias, vómitos e hemorragias gastrointestinais. Afecções dos tecidos cutâneos e subcutâneas: Alopecia, rash,
urticária, reacções hemorrágicas cutâneas (equimoses, petéquias). Doenças renais e urinárias: Nefrite intersticial aguda,
glomerulonefrite mesangio-capilar, retenção urinária. Doenças dos orgãos genitais e da mama: Alteração da ejaculação/orgasmo,
impotência, irregularidades no ciclo menstrual, metrorragia. Exames complementares de diagnóstico: Aumentos reversíveis das
enzimas hepáticas. Outros: Foram observados casos raros de sintomas de abstinência, nomeadamente, cefaleias e aumento do
apetite. Rev: 10/2007 Abbott Laboratórios, Lda. Estrada de Alfragide, 67 - Alfrapark - Edifício D - 2610-008 Amadora. Medicamento
Sujeito a Receita Médica. Para mais informações deverá contactar o titular da autorização de introdução no mercado.
93,65€
Abbott Laboratórios, Lda.
Estrada de Alfragide, 67 Alfrapark - Edifício D. 2610-008 Amadora . Tel.: 21 4727100 . Fax: 21 4714482
Contribuinte e Matrícula na Conserv. do Reg. Com. da Amadora Nº 500 006 148 . Capital Social: 7.386.850 Euros
2008/PPDC/123
ENDO
Endocrinologia
&
Diabetes
Obesidade
Vol. 2 | Nº 3 Novembro/Dezembro 2008
Índice
Editorial
Endocrinologia — um erro de nomenclatura?
67
Artigo Original
Estudo prospectivo do estado de nutrição e do perfil lipídico tendo em conta o polimorfismo
genético da fosfatase ácida de baixo peso molecular (LMW-PTP) em crianças saudáveis
68
Prospective study of nutricional status and lipid profile considering the genetic
polimorphism of low weight acid phosphatase in healthy children
A Guerra, C Rego, AP Silva, EMB Castro, C Nóbrega, A Aguiar, MP Bicho
Exercício físico num programa de controlo do peso: associação com a qualidade de vida,
bem-estar subjectivo e peso corporal
74
Physical activity in a weight management program: Associations with quality of life, subjective well-being,
and body weight
AL Palmeira, PJ Teixeira, S Martins, T Branco, C Minderico, MN Silva,1 PN Vieira,1 JT Barata,1 S Serpa,1 LB Sardinha
Artigo de Revisão
Hipotiroidismo — Quando suspeitar e como diagnosticar
85
Hypothyroidism – when to suspect and how to diagnose
Teresa Dias
Mecanismos básicos do comportamento alimentar
90
João Martin Martins, Sónia do Vale
Artigo Breve
Tumores neuroendócrinos do tubo digestivo: sintomas e sinais 103
12º Congresso Português de Obesidade — Programa e Resumos
107
Isabel Claro
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 63
ENDO
Endocrinologia
&Diabetes
Obesidade
Editor-Chefe
A Galvão-Teles
Lisboa
Editores Associados
Davide Carvalho
Pedro Teixeira
Porto
Lisboa
Conselho Editorial
A Almeida Santos
António Sérgio
Carlos Calhaz Jorge
Eduardo Barreiros
Edward Limbert
Estela Monteiro
F Allen Gomes
Fernando Baptista
Flora Correia
Francisco Carrilho
Germano de Sousa
H Bicha Castelo
Isabel do Carmo
J A Melo Gomes
J Canas da Silva
J Garcia e Costa
J L Themudo Barata
J M Pereira Miguel
J P Lima Reis
J Pereira Coelho
J Rocha Mendes
Jaime Branco
João Martin Martins
Jorge Caldeira
José Camolas
José Luís Medina
L Bettencourt Sardinha
Luís Barreiros
Luís Sobrinho
Luís Távora
Manuela Carvalheiro
M M Almeida Ruas
M Sobrinho Simões
M Neves e Castro
M Daniel Vaz Almeida
Mário Mascarenhas
Teresa Dias
Zulmira Jorge
Coimbra
Porto
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Coimbra
Lisboa
Porto
Coimbra
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Covilhã
Lisboa
Porto
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Lisboa Lisboa
Lisboa
Porto
Lisboa
Lisboa Lisboa
Lisboa
Coimbra
Coimbra
Porto
Lisboa
Porto
Lisboa
Lisboa
Lisboa
Revisão
Sofia Nunes de Oliveira
Lisboa
Secretária
Fátima Neves
Lisboa
64 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Propriedade
FGT - Fame, Glory and Trust, Lda.
Endereço para o envio de manuscritos
e correspondência
A Galvão - Teles
Rua Rodrigo da Fonseca, 151 - 1º Dto
1070 - 242 Lisboa
[email protected]
Empresa Editora
Administração, Paginação e Publicidade
Ad Médic, Lda.
Calçada de Arroios, 16 C - Sala 3
1000-027 Lisboa
T.: 21 842 97 10
F.: 21 842 97 19
e-mail: [email protected]
www.admedic.pt
Depósito Legal
53 453/92
ISSN
0872 - 0711
Tiragem
3.000 exemplares
Assinaturas
Portugal - €75
Instituições - €100
Europa - €100
Instituições - €120
Cópia única - €40 (estrangeiro - €65)
Montagem e Impressão
Selenova - Artes Gráficas, Lda.
Estrada Nacional 116,
Km 20/21
Casais da Serra, Milharado
Endocrinologia, Diabetes & Obesidade é uma publicação
Bimestral da FGT - Fame, Glory and Trust, Lda.
Toda a correspondência relativa a assinaturas, números
anteriores, pedidos de separatas e publicidade deve ser
dirigida à Ad Médic.
Editorial
Endocrinologia — um erro de nomenclatura?
Manuel Neves-e-Castro
Ginecologista e Genicatra
O
s sufixos –logos, e –logia significam o conhecimento de…, a ciência de…Portanto
Endocrinologia significa etimologicamente
o estudo, o conhecimento das glândulas de secreção
interna ou endócrinas, e não o tratamento das respectivas doenças. Porém,se se aceitar a designação
Endocrinatria, o sufixo -atria já tem o significado de
tratamento de…
Vejamos outros exemplos de nomenclaturas que
a meu ver são incorrectas, pelos razões acima apontadas:
• Cardiologia, deveria ser Cardiatria;
• Nefrologia, deveria ser Nefratria;
• Andrologia, deveria ser Andratria;
• Reumatologia, deveria ser Reumatria, etc.
Mas no caso da Reumatologia a incorrecção
parece-me ainda maior já que esta especialidade se
ocupa também do tratamento das doenças osteoarticulares. Assim, tendo o ôsso como componente
mais importante, deveria designar-se por Osteartria. Se quizermos usar Osteologia, isso significa o
estudo da fisiologia do osso e não aquele capítulo da
Anatomia em que são descritos os ossos, que deveria designar-se por Morfosteologia.
Outros exemplos há em que as nomenclaturas já
me parecem correctas,como:
• Psiquiatria e Psicologia;
• Geriartria e Gerontologia;
• Pediatria e Pedologia e muitos outros .
Mas quem é que terá a coragem de fazer estas
correcções?
Pelo meu lado já resolvi em parte o problema
da minha especialidade,a Ginecologia, que é aceite
como o estudo e tratamento das doenças da Mulher, medicina do género, ao contrário do que eu
penso (Ginecatria). Como já não encontrava um
radical grego para definir o género feminino recorri
ao radical latino “femino”. E assim designei por Feminologia o estudo da Mulher, e acrescentei, para
ser mais completo, Holística, que significa a totalidade do seu ser, recordando a definição de Saúde,
da OMS: “Um estado de bem estar físico, psíquico e
social e não apenas a ausência de doença” que é uma
definição holística da Saúde.
Portanto sinto-me resignado com Ginecologia
que, tal como é geralmente aceite, deveria ser Ginecatria, e Feminologia Holística que é o verdadeiro
significado de Ginecologia.Um dia talvez me venha
a intitular de modo diferente…
Se esta reflexão não for suficiente para a mudança, pelo menos espero ter sido bastante para se pensar. r
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 67
Artigo Original
Estudo prospectivo do estado de nutrição e do perfil lipídico tendo
em conta o polimorfismo genético da fosfatase ácida de baixo peso
molecular (LMW-PTP) em crianças saudáveis
Prospective study of nutricional status and lipid profile considering the genetic
polimorphism of low weight acid phosphatase in healthy children
A Guerra,1 C Rego,1 AP Silva,2 EMB Castro,3 C Nobrega,2 A Aguiar,1 MP Bicho2
Serviço de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Serviço de Pediatria, UAG da Mulher e da Criança. H. S. João.
Laboratório de Genética - Faculdade de Medicina de Lisboa.3Departamento de Bioquímica - Faculdade de Farmácia do Porto.
1
2
Resumo
A propensão para a obesidade tem subjacentes factores ambientais e
genéticos desde o nascimento. Avaliou-se em sessenta crianças saudáveis, de um a oito anos de idade, num estudo de cohorte, a associação de parâmetros antropométricos com o perfil lipídico, estratificados pelo genótipo da enzima polimórfica fosfatase ácida de baixo
peso molecular (ACP1). Foram observados parâmetros antropométricos na altura do nascimento, aos 12, 24, 60 e 96 meses de idade
para avaliar o estado nutricional e às 24, 60 e 96 semanas avaliados o
colesterol total, o colesterol das LDL, a Apolipoproteina B. O polimorfismo genético da ACP1 eritrocitária foi determinado por focagem isoelétrica em gel de poliacrilamida. As frequências alélicas dos
alelos *A e *B da ACP1 nesta amostra foram respectivamente 20.8%
e 79,2%. O peso, a razão comprimento/peso e o BMI mostraram um
incremento dos 12 aos 96 meses. Subida mais discreta mas significativa foi observada nos parâmetros do perfil lipídico. Homozigóticos
para o alelo *A revelaram o Z-score mais elevado para o peso e comprimento com diferenças significativas quando comparado com os
genótipos AB e BB desde 24 até aos 96 meses. O BMI também foi
maior para AA. Nenhuma associação foi observada entre parâmetros antropométricos nem os polimorfismos da ACP1 e as variáveis
do perfil lipídico. O genótipo AA parece associado com BMI mais
elevados em crianças saudáveis. Uma baixa actividade enzimática
bem como a proporção relativa de isoformas lentas e rápidas pode
estar implicada. Contudo, o perfil lipídico, não parece dependente do
polimorfismo genético da ACP1.
Introdução
A prevalência de excesso de peso e obesidade em
crianças e adolescentes aumentaram especialmente
em países mais industrializados e estão associados
com um risco significativo de complicações mesmo
em adolescentes e adultos jovens.1,2,3,4 Além de factores ambientais como hábitos alimentares desde o
nascimento, o fundo genético individual contribui
para acumulação patológica de gordura no corpo.
A enzima citosólica fosfatase ácida de baixo peso
68 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Palavras-chave: ACP1, LMW-PTP, crianças, estado nutrição, perfil
lipídico.
Abstract
The tendency become obese has underlying environmental and genetic factors since birth. The association of anthropometric parameters and serum
lipid profile stratified by low-molecular-weight acid phosphatase (ACP1)
polymorphic phenotypes was evaluated in sixty healthy children aged one
to eight years old in a cohort study. The erythrocyte ACP1 genetic polymorphism was determined by isoelectrical focusing in polyacrylamide gel.
The frequencies of ACP1 alleles *A and *B were 20.8% and 79,2% respectively. Weight, length/height and BMI showed a strong increase from
12 till 96 months of age. A weaker but significant increase from 24 to
96 months was also found for lipid parameters. Homozygots for *A allele
showed the highest Z-score for weight and length with significant differences when compared to AB and BB groups from 24 up to 96 months. BMI
was also higher in the AA group. No associations were found between
anthropometric parameters and between ACP1 polymorphism and lipid
variables. Genetic phenotype AA of ACP1 was associated with the highest
degree of body surface and body mass in healthy children. Lower enzymatic activity as well as relative proportion of fast and slow isoforms may be
implicated in this phenomenon. Lipid profile on the contrary, seems not be
dependent on the ACP1 genetic polymorphism.
Keywords: ACP1, LMW-PTP, childrens, nutricional status, lipid profile.
molecular (LMW-PTP) ou ACP1 (locus genetico),
é uma enzima polimórfica que influencia parâmetros metabólicos e com uma possível associação à
massa corporal.5 ACP1, uma enzima intracelular,
identificada nos eritrócitos, é geneticamente distinta da fosfatase ácida lisossómica, e pertence à grande
família enzimática, (inclui mais de 50 isoenzimas),
das fosfotirosina proteína fosfatases (PTP).6,7
As enzimas da família da PTP são responsáveis
por funções importantes como a transdução de si-
Polimorfismo genético da fosfatase ácida
são devidas à existência de isoenzimas identificadas em electroforese com migração rápida
Nascimento 12 meses
24 meses
60 meses
96 meses
(f) ou lenta (s).11,12,13
(n=103)
(n=78)
(n=69)
(n=56)
(n=50)
A ACP1 apresenta seis fe0.12 (0.9)
0.06 (1.1)
0.39 (1.2)
0.62 (1.2)
–0.45 (0.8)
Peso (ZSC)
notipos genéticos (AA, BB,
–0.45 (1.0)
0.18 (1.0)
0.69 (1.0)
0.29 (1.1)
–0.16 (0.9)
Comp./peso (Zsc)
CC, AB, AC e BC).14 Cada um
—
0.38
(0.7)
0.35
(1.1)
0.49
(1.2)
0.57
(0.9)
BMI
deles tem dois isoenzimas – f e
—
0.25 (0.74) 0.11 (0.75)
–0.6 (1.5)
–1.92 (0.1)
Pregas cutân. (Zsc)
s – com proporções diferentes
—
—
153.8 (26.4) 155.4 (18.3) 166.1 (20.6)
Total chol. (mg/dl)
de alelos como se segue: Af e
As - 2:1, Bf e Bs - 4:1, Cf e Cs
—
—
97.2 (28.7)
93.6 (20.6)
99.4 (17.1)
LDL-chol. (mg/dl)
- 1:4.15
—
—
112.7 (24.4) 65.4 (11.3)
65.1 (9.3)
Apo B (mg/dl)
Esta proteína tirosina fosPregas cutâneas: somatório das pregas tricipital e subescapular
fatase (LMW-PTP) que está
nal e o crescimento celular. Esta enorme diversidade presente em todas as células e tecidos humanos, inenzimática para uma única proteína está associada cluindo adipócitos do tecido adiposo16 pode ter uma
com uma regulação estreita das complexas e inte- associação entre alguns dos seus fenótipos genéticos e a predisposição para a obesidade.17,18 Os porgradas vias metabólicas das células eucariotas.6
A LMW-PTP é codificada no cromossoma 2, lo- tadores do alelo *A da fosfatase ácida eritrocitária
cus ACP1 (2p25), perto dos loci da Apolipoproteína (ACP1 A), tem menor actividade enzimática quanB e da POMC (pro-opiomelanocorticotrofina).8,9,10 do comparada com a de outros alelos da PTP-LMW
Além da sua actividade como PTP, a LMW-PTP tem tendo sido descrito por outros autores assim como
também actividade como flavina mononucleótido também pelo nosso grupo, em estudos transversais
(FMN) fosfatase. Esta especificidade para diferentes em outras amostras, nas populações de crianças e
substractos, conducentes também a distintas impor- adolescentes como favorecendo o aumento de mastantes funções bioquímicas e localização subcelular sa corporal e os níveis de lípidos do sangue.17,19,20
Quadro 1. Estado nutricional (parâmetros antropométricos e índice de massa
corporal) e lípidos séricos (colesterol total, LDL-colesterol e Apolipoproteína B)
num período de 7 anos de follow-up) (média e desvio padrão).
Objectivos
O objectivo deste estudo é o de avaliar de modo
prospectivo (de um a oito anos de idade), a associação de parâmetros antropométricos e do perfil lipídico, com os genótipos da PTP-LMW.
100
90
80
60
Coeficientes de correlação
Percentagem (%)
70
50
40
30
20
10
0
1,2
1,1
1,0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
a
a
a
a
a
a
c
12 meses
24 meses
60 meses
Peso
Comp./altura
*A
*B
A-A
A-B
B-B
Figura 1. Frequência relativa dos alelos *A e *B e genótipos da fosfotirosina fosfatase de baixo peso molecular
(LMW-PTP) numa população de crianças (n=60).
a
a
b
a
a) p < 0,001
b) p < 0,01
96 meses
BMI
Pregos cutâneos
c) p < 0,05
Figura 2. Incremento dos parâmetros nutricionais durante
um período de 7 anos de follow-up (coeficientes de correlação).
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 69
Polimorfismo genético da fosfatase ácida
5
Comprimento/altura
Z-scores
Peso Z-scores
5
a
4
a
a
3
2
1
0
–1
–2
3
A – AA (n=6)
24 meses
60 meses
B – AB (n=13)
96 meses
C – BB (N=41)
a) p < 0,001
a
b
1
0
–2
12 meses
a
2
–1
A B C
Nascimento
4
A B C
Nascimento
12 meses
A – AA (n=6)
a) p < 0,001
24 meses
60 meses
B – AB (n=13)
96 meses
C – BB (N=41)
b) p < 0,05
Figura 3. Peso (Z-scores) (média e C.I. a 95%): avaliação
prospe­ctiva de acordo com os genótipos da LMW-PTP
(n=60).
Figura 4. Altura (Z-scores) (média e C.I. a 95%): avaliação
prospectiva de acordo com os genótipos da LMW-PTP
(n=60).
População e métodos
Neste estudo longitudinal, participaram sessenta
crianças saudáveis envolvidas num estudo de alguns
parâmetros de risco cardiovascular desde o nascimento. Todas tiveram parto de termo com peso ao
nascer de acordo com a idade gestational. O protocolo do estudo foi revisto pelo comité de ética local, e foi obtido consentimento informado dos pais.
Foram avaliadas a razão comprimento/altura, e as
pregas tricipital e subescapular21 e foi calculado o
índice de massa corporal.22 Dados de estatística do
Centro Nacional de Saúde foram usados como referência.23 O estado nutricional foi avaliado desde o
nascimento até aos 96 meses. Os parâmetros antropométricos foram medidos na altura do nascimento, aos 12, 24, 60 e 96 meses (± 2 semanas) de idade. Uma amostra de sangue venoso colhida após 12
horas de jejum foi obtida aos 24, 60 e 96 meses. Os
níveis séricos de colesterol total (TC), do colesterol das LDL (LDL-c), e Apolipoproteína B (ApoB)
foram avaliados, de acordo com os procedimentos
laboratoriais recomendados.24,25,26,27
O polimorfismo genético da LMW-PTP eritrocitária foi avaliado por focagem isoeléctrica em gel
de poliacrilamida (PAGE), de acordo com o autor
com modificações minor.28
Os testes da ANOVA e o coeficiente de correlação de Pearson foram usados na análise estatística
do estudo. Foram consideradas diferenças estatisticamente significativas valores de p<0.05.
altura, pregas corporais e índice de massa corporal)
os parâmetros de lípidos séricos (colesterol total,
LDL-colesterol e Apolipoproteína B) estão esquematizados no Quadro 1.
As frequências dos alelos *A e *B da LMW-PTP
nesta amostra e os genótipos foram 20.8% e 79,2%
respectivamente (Figura 1).
O peso, a razão comprimento/altura e o índice
de massa corporal mostraram um significativo aumento desde os 12 aos 96 meses de idade (Fig. 2, 3,
4 e 5). Assistiu-se assim a um incremento dos parâmetros nutricionais durante o período de follow up
de 7 anos verificando-se coeficientes de correlação
significativos no peso e razão comprimento/altura
com p<0,001 bem como no BMI (p<0,01) e pregas cutâneas (p<0,05) ao longo do tempo (Figura
2). Verificou-se que os indivíduos com o alelo A
da ACP1 apresentam maior peso (Z-scores, média
e C.I. a 95 %) que os outros genótipos (p<0,001)
numa avaliação prospectiva (Figura 3). A altura (Zscores, média e C.I. a 95 %) tambem foi superior nos
indivíduos ACP1 A, na mesma avaliação prospectiva, diferindo dos outros genótipos (p<0,001, aos
24 e 60 meses e p=0,01 aos 96 meses) (Figura 4).
O índice de massa corporal (Z-scores, média e C.I. t
95%) foi superior no genótipo A de forma significativa aos 60 meses (p<0,05), (Figura 5).
Um fraco mas significativo aumento foi verificado nos parâmetros lipídicos dos 24 aos 96 meses,
durante um período de 6 anos de follow-up (coeficientes de correlação), sendo p<0,01 para a Apolipoproteína B e p<0,05 para o colesterol total e o
colesterol da LDL (Figura 6).
Resultados
O estado nutricional (peso, razão comprimento/
70 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Polimorfismo genético da fosfatase ácida
5
BMI Z-scores
4
c
c
3
2
1
0
–1
–2
A B C
Nascimento
12 meses
A – AA (n=6)
24 meses
60 meses
B – AB (n=13)
96 meses
C – BB (N=41)
c) p < 0,05
Coeficientes de correlação
Figura 5. Índice de massa corporal (Z-scores) ( média e C.I.
t 95 % ): avaliação prospectiva de acordo com os genótipos
da LMW-PTP (n=60).
1,2
1,1
1,0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
24 meses
Colesterol total
Apoliproteína
b) p < 0,01
b
b
c
c
c
60 meses
96 meses
LDL-colesterol
c) p < 0,05
Figura 6. Aumento dos lípidos séricos durante um período
de 6 anos de follow-up (coeficientes de correlação).
Em suma, as crianças homozigóticas para o alelo *A revelaram assim o Z-score mais elevado para o
peso e a altura com diferenças significativas quando
comparados com os genotipos AB e BB desde os 24
aos 96 meses (Figuras 3 e 4). O BMI foi também
mais elevado nos indivíduos AA desde os 36 meses
de idade (Figura 5).
Nenhuma associação foi encontrada entre os polimorfismos da PTP-LMW e variáveis do perfil lipídico. Nenhuma correlação foi igualmente observada
entre os parâmetros antropométricos e parâmetros
lipídicos nas diferentes etapas de avaliação.
Discussão
A ACP1 (Fosfatase ácida locus 1) ou cLMW-PTP,
fosfotirosina fosfatase, citosólica, de baixo peso
molecular, apresenta seis fenotipos genéticos (AA,
BB, CC, AB, AC e BC) e duas isoformas (f - fast e
s - slow), dependendo da mobilidade electroforéti-
ca para o ânodo. A cada alelo correspondem duas
isoformas – f e s – em diferentes fracções, variando
como segue: Af e As - 2:1, Bf e Bs - 4:1, Cf e Cs 1:4.15
O fenótipo da ACP1 mais frequente parece ser
o BB, tal como se verificou noutras populações da
Europa distintas, sendo raro o alelo C . O fenótipo
B, expressa a maior concentração da isoforma fast
(f), seguido do alelo A. Não encontrámos alelo C
na nossa amostra.
A insulina como também outros factores de
crescimento inicia sua acção activando a auto-fosforilação intra-molecular de resíduos de tirosina na
subunidade β do seu receptor, aumentando a actividade de tirosina cinase e provavelmente inibindo a
actividade de fosfotirosina fosfatase através da geração de H2O2 (peróxido de hidrogénio) resultado da
activação por fosforilação do complexo da NADPH
oxidase.31,32
A ACP1 nos glóbulos vermelhos, principal célula onde é medida a sua actividade e onde é realizada
a fenotipagem está envolvida na regulação de vários
mecanismos bioquímicos tais como:
1) Defosforilação de péptidos com fosfotirosina no
receptor de insulina;
2) Defosforilação de fosfomonoesteres endógenos
como FMN;
3) Defosforilação de resíduos de tirosina da proteína da banda 3.
A proteína da banda 3, é a principal proteína fosforilada de tirosina da membrana dos glóbulos vermelhos envolvida na regulação da actividade da via
glicolítica.12, 32
No adipócito, tal como no eritrócito, a ACP1
está envolvida na defosforilação de fosfomonoesteres seus substractos artificiais paranitrofuril fosfato (pNPP) e endógenos como da proteína ligante
de lípidos fosforilada do adipócito (ALBP) tendo
igualmente importância na defosforilação de outros
resíduos de tirosina (tirosil) fosforilados das proteí­
nas celulares.16
O isoforma f é mais eficiente que a isoforma s na
desfosforilação da proteína da banda 3 do eritrócito,
sendo que menor concentração da isoforma f pode
aumentar a fosforilação de tirosinas da cauda citoplasmática da proteína da banda 3, que neste estado
cursa com aumento consequente de algumas actividades de enzimas da via glicolítica como aldolase,
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 71
Polimorfismo genético da fosfatase ácida
fosfofrutocinase e 3P-gliceraldeído desidrogenase e
que, ao deixarem de estar adsorvidas à proteína da
banda 3, ficam mais activas e aumentam a actividade global da glicólise.
No nosso estudo, verificamos que crianças homozigóticas para o alelo *A, tinham um Z-score mais
alto para peso, comprimento e BMI que manifestaram cedo e são mantidos com o passar do tempo
com uma certa estabilidade. Este facto pode ser
relacionado parcialmente com a menor proporção
da isoforma rápida f, e maior da lenta s, associada
a uma menor actividade da enzima descrita para o
alelo A, em relação ao alelo B. De facto, estudos de
outros e do nosso grupo, tem revelado maior BMI
associado ao genótipo AA em crianças,17, 19 e em
adultos jovens,34 assim como associado a menores
actividades enzimáticas.
Parece também existir uma correlação positiva de baixa actividade enzimática de variantes da
ACP1 (AA e AB) com história familiar positiva para
obesidade.17
Por outro lado, as isoformas ACP1 lentas s, estão associadas com efeitos metabólicos aumentados
da insulina. De facto resultados sugerem que a actividade mais baixa da isoforma lenta da ACP1 está
associada a aumento dos efeitos metabólicos da insulina.32,35
Provavelmente estas duas características associadas (maior presença de isoformas lentas s associadas
a baixa actividade da ACP1) contribuem para o aumento do BMI, peso e comprimento observado nestas crianças com o genótipo AA no nosso estudo.
Parece deste modo o papel do polimorfismo genético deste gene estar relacionado com os mecanismos intrínsecos desta enzima como modulador da
transdução de sinal de vias complexas relacionadas
com o metabolismo e o crescimento.
Também podemos especular um outro possível
mecanismo para explicar uma relação forte do genótipo AA da ACP1 com a tendência para a obesidade que é um possível desequilíbrio de linkage
com algum polimorfismo do gene da pro-opiomelanocorticotrofina (POMC) com locus próximo, no
mesmo cromossoma 2p. A proteína codificada por
este gene é precursora da hormona estimulante dos
melanócitos - α (MSH) que inibe o apetite sendo a
quantidade de POMC formada, importante na regulação da ingestão calórica.9,10,15
72 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Conclusões
O fenótipo genético AA da LMW-PTP está associado com os níveis mais elevados da massa e da superfície corporal em crianças saudáveis. A baixa actividade enzimática como também a proporção relativa
das isoformas rápida e lenta pode estar implicada
neste fenómeno. O perfil lipídico pelo contrário, parece não estar dependente do polimorfismo genético da PTP-LMW. r
Bibliografia
1. Wabitsch M. Overweight and obesity in European children: definition
and diagnostic procedures, risk factors and consequences for later health outcome. Eur J Pediatr 2000; 159 (suppl 1): S8-S13.
2. Must A, Strauss RS. Risks and consequences of childhood and adolescent obesity. Int J Obes Relat Metab Disord 1999; 23: 2-11.
3. Freedman DS, Srinivan SR, Valdez RA, Williamson DF, Berenson GS.
Secular increases in relative weight and adiposity among children over
two decades: The Bogalusa Heart Study. Pediatrics 1997; 99: 420-5.
4. Gunnel DJ, Frankel SJ, Nanchahal K, Peters TJ, Davey Smith G.
Childhood obesity and adult cardiovascular mortality: a 57-y followup study based on the Boyd Orr Cohort. Am J Clin Nutr 1998; 67:
1111-8.
5. Bottini E, Gloria-Bottini F, Borgiani P. ACP1 and human adaptability.
1. Association with common diseases: a case control study Hum Genet 1995; 96: 629-37.
6. Fischer EH, Charbonneau H, Tonks NK. Protein tyrosine phosphatases: a diverse family of intracellular and transmembrane enzymes.
Science 1991; 253: 401-6.
7. Dissing J, Johnsen AH, Sensabaugh GF. Human red cell acid phosphatase (ACP1). J Biol Chem 1991; 266: 20619-25.
8. Magenis RE, Koler RD, Lovrien E, Bigley RH, Duval MC, Overton
KM. Gene dosage: evidence for assignement of erythrocyte acid
phosphatase locus to chromosome 2. Proc Nat Acad Sci 1975; 72:
4526-30.
9. Searle AG, Peters J, Lyon MF, Hall JG, Evans EP, Edwards JH, Buckle
VJ. Chromossome maps of man and mouse. Ann Hum Genet 1989;
53: 89-140.
10. Lusis AJ, Sparkes RS. Chromosomal organization of genes involved
in plasmA lipoprotein metabolism: human and mouse ‘Fat Maps’. In:
Lusis AJ, Sparkes RS eds. Genetic factors in atherosclerosis: approaches and Model Systems. Monogr Hum Genet, Vol. 12. Karger: Basel,
1989: 79-94.
11. Sensabaugh GF. Genetic and non-genetic variation of human acid
phosphatase. In Markert CL ed. Isozymes I: Molecular Structure. Academic Press: New York, 1975: 367-80.
12. Bucciantini M, Stefani M, Taddei N, Chiti F, Rigacci S, Ramponi G.
Sequence-specific recognition substrates by the low Mr phosphotyrosine protein phosphatase isoforms. FEBS Letters 1998; 422: 213-7.
13. Bottini E, Gloria-Bottini F, Borgiani P. ACP1 and human adaptability.
1. Association with common diseases: a case control study Hum Genet 1995; 96: 629-37.
14. Hopkinson DA, Spencer N, Harris H. Red cell acid phosphatase variants: a new human polymorphism. Nature 1963; 199: 969-71.
15. McKusick VA. Phosphatase acid of erythrocyte. In: Mendelien Inheritance in man. 11th ed. Vol. 11994. The Johns Hopkins University
Press: Baltimore, 1131-2.
16. Shekels LL, Smith AJ, Van Etten RL, Bernlohr DA. Identification of
the adipocyte acid phosphatase as a PAO-sensitive tyrosyl phosphatase. Protein Sci 1992; 1: 710-21.
17. Lucarini N, Finuchi G, Gloria-Bottini F et al.. A possible component
of obesity in childhood. Observations on acid phosphatase polymorphism. Experientia 1990; 46: 90-1.
18. Paggi A, Borgiani P, Gloria-Bottini F, Russo S, Saponara I, Banci M,
Amante A, Lucarini N, Bottini E. Futher studies on acid phosphatase
in obese subjects. Disease Markers 1991; 9: 1-7.
Polimorfismo genético da fosfatase ácida
19. Pereira da Silva A, Sardinha LB, Llobet S,Marta MJ, Albergaria F, Torres AL, Monteiro C, Laires MJ, Halpern MJ, Bicho MP.. Polimorfismo
genético da fosfatase ácida do erotrócito e risco cardiovascular em
crianças e adolescentes saudáveis. Revista Portuguesa de Cardiologia
2001; 21(1):65-71.
20.­Guerra A, Rego C, Castro EMB, Sinde Susana, Silva D, Rodrigues P,
Crespo ME, Albergaria F, Bicho M. fosfatase ácida, polimorfismo genetico e factores de risco cardiovascular numa população pediatrica.
Rev Port Cardiol 2000; 19(6): 679-91.
21. Jelliffe DB, Jelliffe EFP. Direct assessment of nutricional status. Anthropometry: major measurements. In: Jelliffe DB, Jelliffe EFP, eds.
Community Nutritional Assessment with special reference to less
technically developed countries. Oxford University Press: New York,
1989: 68-105.
22. Lee J, Kolonel LN, Hinds W. Relative merits of the weight-corrected
for height indices. Am J Clin Nutr 1981;34: 2521-9.
23. Hamill PVV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche AF, Moore WM.
Physical growth: National Center for Health Statistics percentils. Am J
Clin Nutr 1979; 32: 607-29.
24. Alain CC, Poon LS, Chan CSG, Richmond W, FU PC. Enzymatic determination of total serum cholesterol. Clin Chem 1974; 20: 470-5.
25. Flegg HM. An investigation of the determination of serum cholesterol
by an enzymatic method. Amer Clin Biochem 1973; 10: 79.
26. Manual of laboratory operations, lipid research clinics program. Lipid
and lipoprotein analysis. Department of Health Education, Welfare
Pub. (NIH) 1974; I: 75.
27. Lindgren FT, Jensen LC, Hatch FT. In: Blood lipid and lipoproteins.
Nelson GJ and Wiley J eds. New York: Interscience, 1972:181-274.
Alain CC, Poon LS, Chan CSG, Richmond W, FU PC. Enzymatic determination of total serum cholesterol. Clin Chem 1974; 20: 470-5.
28. Burdett PE, Whitehead PH. The separation of the phenotypes of phosphoglucomutase, erythrocyte acid phosphatase, and some haemoglobin variants by isoelectric focusing. Analytical biochemistry 1977; 77:
419-28.
29. Hopkinson DA, Spencer N, Harris H. Red cell acid phosphatase variants: a new human polymorphism. Nature 1963; 199: 969-71.
30. Giblett ER. Genetic Markers in Human Blood. Blackwell Scientific
Publications: Oxford, 1969: 434-7.
31. Kahn CR, White MF. The insulin receptor and the molecular mechanism of insulin action. J Clin Invest 1988; 82 (4): 1151-6.
32. Goldstein BJ, Mahadev K, Wu X, Zhu L, Motoshima H. Role of Insulin-induced reactive oxygen species in the insulin signaling pathway.
Antioxid Redox Signal. 2005; 7(7-8): 1021-31.
33. Boivin P, Galand C. Biochem. The human red cell acid phosphatase is
a phosphotyrosine protein phosphatase which dephosphorylates the
membrane protein band 3. Biophys Res Comm 1986; 134: 557.
34. Pereira da Silva A, Marta MJ, Albergaria F, Torres AL, Vicente O, Gomes P, Freitas G, Pereira Miguel J, Bicho M. Associação dos polimorfismos genéticos da fosfatase ácida com a obesidade e outros factores
de risco cardiovascular, em adultos jovens. Revista de Obesidade, Diabetes e Complicações 2001; 1 (1): 3-18.
35. Bottini E, Lucarini N, Amante A, Bottini N, Faggioni G. The genetics
of signal transduction and the outcome of diagnostic tests in growth
retardation. Journal of Endocrinology 2001; 171: 267-71.
Correspondência
António Guerra
Serviço de Pediatria, Hospital de São João, Porto.
[email protected]
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 73
Artigo Original
Exercício físico num programa de controlo do peso: associação
com a qualidade de vida, bem-estar subjectivo e peso corporal
Physical activity in a weight management program: Associations with quality of life,
subjective well-being, and body weight
AL Palmeira,1,2 PJ Teixeira,1 S Martins,1 T Branco,1 C Minderico,1 MN Silva,1 PN Vieira,1 JT Barata,1 S Serpa,1 LB Sardinha1
Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Estrada da Costa, Cruz-Quebrada, Portugal
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande, Lisboa, Portugal
1
2
Resumo
Objectivo: Analisar as associações entre o exercício, a qualidade
de vida (QV) e bem-estar subjectivo (BES), em participantes num
programa de controlo do peso de longa duração, e verificar se estas
associações são independentes das alterações registadas no peso.
Métodos: A amostra foi constituída por 142 mulheres participantes no Programa PESO – Promoção do Exercício e Saúde na Obesidade, com a duração de 16 meses (IMC=30,2±3,7 kg/m2; 48%
obesas; Idade=38,3±5,8 anos). A QV foi avaliada através dos questionários SF-36 e pelo Impacto do Peso na Qualidade de Vida: o
BES pelo Questionário de Auto-Estima de Rosenberg, Perfil de Estados de Humor e Inventário de Depressão de Beck (,80<α<,92).
A variável exercício resultou do questionário Estados de Mudança
para o Exercício. O peso foi avaliado numa balança electrónica. Todas as avaliações decorreram aos 0 e 16 meses
Resultados: A perda de peso foi de -4,5±6,7% (p<,001). Setenta e
dois por cento das participantes reportaram estar num estado de
mudança activo no final do programa, evoluindo de 26% no momento inicial (p=,020). As participantes fisicamente activas no final do programa obtiveram melhorias superiores na saúde mental,
sintomas de depressão e perturbação emocional. As participantes
que aumentaram o seu nível de exercício durante o programa obtiveram resultados melhores nestas variáveis quando comparadas
com as que não alteraram o estado de mudança para o exercício
(p<,05).
Independentemente dos resultados no peso, as alterações nos sintomas de depressão diferenciaram as participantes activas das inactivas (OR=0,46 [IC 95%: 0,25 a 0,87]), enquanto que a melhoria
na saúde mental identificou as que se tornaram activas no decorrer
do programa (OR=2,11 [IC 95%: 1,17 a 3,81]).
Conclusões: Durante o tratamento comportamental da obesidade, o exercício regular origina, para além de dispêndio energético
acrescido, alterações positivas ao nível psicossocial, algumas das
quais independentes da perda de peso. Este é o primeiro estudo em
Portugal a observar estas associações. A inclusão do exercício em
programas de gestão do peso deverá tomar em consideração estes
“Para perder peso terei de comer melhor e
fazer mais exercício...”.
A metáfora da balança energética é evidente no discurso de quem procura perder peso, sendo comum
74 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
efeitos paralelos, de maneira a proporcionar melhores resultados
no combate à obesidade.
Palavras-Chave: Controlo do Peso; Exercício; Psicologia; Mulheres
Abstract
Purpose: To analyse the associations between exercise, weight, quality of
life (QoL) and subjective well-being (SWB) in participants of a long-term
weight loss program, and as a secondary purpose to analyse the independence of these associations from the results on weight loss.
Methods: Subjects were 142 females who entered the PESO: Promotion of Exercise and Health in Obesity (BMI=30.2±3.7kg/m2; 48%
obese; age=38.3±5.8y), a 16 months duration program. The QoL was
measured with the SF-36 and the Impact of Weight on Quality of Life
– Lite. The SWB was measured by the Rosenberg Self-Concept/SelfEsteem Scale, the Beck Depression Inventory, and the Profile of Moods
State (,80<α<,92). The exercise variable was self-reported stage of change
(SOC). Body weight was measured with an electronic scale. All variables
were measured at baseline and 16 months.
Results: Weight loss was -4,5±6,7% (p<,001). Seventy two percent of
the participants reported being in an active SOC at the end of the program, evolving from 26% at baseline (p=,020). The physically active
participants obtained greater improvements in mental health, depression
symptoms and emotional disturbance. The participants that improved
their exercise level also obtained better results on these variables, when
compared with the ones that maintained either an active or inactive SOC
(p<,05). Regardless of weight outcomes, the depression symptoms differentiated the active from the inactive SOC (OR=0,46 [IC 95%: 0,25 to
0,87]), while mental health identified the participants that became active
during the program (OR=2,11 [IC 95%: 1,17 to 3,81]).
Conclusion: During obesity behavioural treatment, the outcomes of regular exercise go beyond the caloric expenditure, resulting in positive psychosocial changes. Some of these changes are independent of weight loss. This
is the first study in Portugal that observed these associations. The inclusion
of exercise in weight management programs should consider these parallel
outcomes, for the accomplishment of better results on obesity treatment.
Keywords: Weight Management; Exercise; Psychology; Women
reconhecer no exercício o valor associado ao acrescido dispêndio calórico. Mas será o impacto do exercício limitado a este factor durante um programa de
perda de peso? Existirão outros benefícios associa-
Exercício, psicologia e controlo de peso
dos à prática regular de exercício, actuando por vias
alternativas (e afectando o peso indirectamente), no
sentido de melhores resultados?
Não se duvida que o dispêndio calórico tem uma
importância essencial nesta equação, mas trabalhos
recentes colocam a hipótese que esses mecanismos
também poderão passar pelos benefícios psicológicos do exercício regular,1,2 os quais influenciariam
positivamente a adesão às tarefas (muitas vezes difíceis) de gestão do peso, promovendo um sentimento de “utilidade instantânea” da prática de exercício.
O conceito de utilidade instantânea resulta dos paradigmas da Psicologia Positiva e Hedónica,3-5 sendo definido como o grau da disposição que o indivíduo apresenta para a continuidade ou interrupção
da experiência que está a ser vivenciada, portanto
com um valor de modificação comportamental intrínseco.6 Algumas citações retiradas de autores especialistas no estudo das variáveis psicossociais em
cenários de controlo do peso consubstanciam esta
hipótese. Por exemplo, Berger1 escreve “Ao praticar
mais exercício, os indivíduos obesos podem melhorar os seus estados de humor, sentir-se mais positivos acerca de si próprios e gerir o seu stress enquanto
aumentam o dispêndio calórico. A prática de exercício poderá ainda ajudar na redução da influência de
factores psicológicos [negativos] no seu padrão alimentar” (pág. 56, tradução livre). Numa meta-análise recente sugere-se que a redução dos sintomas
de depressão é significativa a longo prazo mas não
a curto prazo, sendo estas reduções independentes
da perda de peso observada. Os resultados na autoestima espelham os da depressão, com aumentos
significativos a longo prazo, enquanto que a curto
prazo os aumentos apresentaram efeitos moderados não significativos. Saliente-se, no entanto, que
as alterações na auto-estima foram moderadas pela
perda de peso, no sentido em que maiores perdas de
peso influenciaram os ganhos de auto-estima.9
Sublinhando estes efeitos Schwartz e Brownell7
defendem que “pode facilmente imaginar-se que a
capacidade de perder peso será melhorada através
de benefícios na depressão, ansiedade, auto-estima
e imagem corporal” (pág. 53, tradução livre). Estas
afirmações são reforçadas no recente trabalho metaanalítico de Maciejewski e colegas8 que, após rever
as associações entre a perda de peso e variáveis de
qualidade de vida e bem-estar subjectivo, avança-
ram com um critério de melhorias em 5-10% nestas
variáveis para representar o sucesso do programa
(espelhando os critérios clínicos de sucesso em termos de peso perdido).
Existe já um consenso acerca dos benefícios psicológicos do exercício em populações não obesas,
ilustrados através do “factor bem-estar” (feel-good
factor) avançado por Biddle e Mutrie10. É hoje claro que, em populações normoponderais, os praticantes de exercício regular se apresentam com
menor perturbação emocional, maior auto-estima
e imagem corporal mais positiva, menos depressão,
menos ansiedade e menor reactividade ao stress.11
Mas será que este efeito também é sentido entre os
indivíduos obesos, onde a relação com o exercício
é muitas vezes condicionada pelo exacerbar das
barreiras já conhecidas para os não-obesos? Os estudos que se apresentam seguidamente assinalam
uma resposta positiva a esta questão, sendo defendido que os benefícios psicológicos do exercício
proporcionam um reforço positivo e mais imediato
quando comparados com a perda de peso per se,12
que é mais demorada e que nem sempre se encontra
associada a ganhos de saúde (p.ex., no caso de restrições alimentares mal conduzidas). Esses estudos
prevêem a existência de um conjunto de concomitantes psicossociais associados ao sedentarismo e à
obesidade, que, se considerados, poderão possivelmente aumentar a eficácia dos tratamentos através
do incremento do exercício regular, por via dos seus
efeitos psicológicos. Berger1 definiu um esquema
onde esses concomitantes foram apresentados sob a
forma de um ciclo sedentarismo/obesidade. Neste
ciclo é evidente a existência de resultados psicossociais comuns aos problemas do sedentarismo e
obesidade, salientando-se efeitos negativos ao nível
emocional e cognitivo (ver Figura 1, assinalam-se a
sublinhado os resultados psicossociais comuns).
Um estudo de Darby e colegas13 incidiu sobre a
resposta emocional de um grupo de mulheres obesas e pós-menopáusicas a um teste submáximo para
avaliação do VO2max, antes e depois de participarem num programa de controlo do peso de seis meses, baseado no manual LEARN.14 Ao contrário do
esperado, a resposta emocional foi sempre positiva,
independentemente do teste ter sido aplicado antes
ou depois do programa. O nível de aptidão física e
a composição corporal, que melhoraram significatiVol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 75
Exercício, psicologia e controlo de peso
Sedentarismo ou exercício insuficiente
concomitantes psicossociais
• Ansiedade
• Redução na energia e vigor
• Depressão
• Reduzida auto-eficácia
• Reduzida auto-estima
• Estados de humor negativos
• Stress
Obesidade
Obesidade
concomitantes psicossociais
• Ansiedade
• Redução na energia e vigor
• Depressão
• Fadiga
• Reduzida auto-estima
• Reduzida qualidade de vida
• Estados de humor negativos
• Stress
• Ostracismo social
Sedentarismo
Figura 1. Ciclo Sedentarismo/Obesidade. Os concomitantes psicossociais a sublinhado são comuns aos problemas do
sedentarismo e obesidade. Adaptado de Berger.1
vamente durante o programa, não influenciaram os
benefícios emocionais sentidos, representados por
reduções na Tensão, Depressão, Raiva e Confusão e
aumentos no Vigor (medidos pelo Profile of Moods
State – POMS) imediatamente após a conclusão do
teste de VO2max. Noutro estudo, Ekkekakis e Lind
mostraram que, se se permitir que o exercício seja
realizado com a intensidade escolhida pela participante, a resposta emocional avaliada por uma escala
de prazer-desprazer não é diferente entre mulheres
normoponderais e obesas. Estes autores indicam
que os efeitos do exercício na resposta emocional
em obesos são suportados por mecanismos idênticos aos observados em normoponderais15. Recentemente, foi proposto que o exercício oferece uma
valência acrescentada nas populações com excesso
de peso, ao proporcionar uma forma de regulação
emocional alternativa à ingestão de alimentos de
conforto,16 o que, a confirmar-se, originará uma utilidade tripartida do exercício no controlo do peso:
i) melhor regulação emocional, ii) dispêndio calórico amplificado, e iii) redução na ingestão calórica.1
Os benefícios psicológicos do exercício são também evidentes a longo prazo, avaliando variáveis
do bem-estar subjectivo como a auto-estima,17 depressão e distresse.8 Na revisão de literatura efectuada, não se encontraram estudos que reportem
estes efeitos crónicos em populações com excesso
de peso, mas vários autores referem que é plausível
que os mecanismos explicativos dos benefícios psicológicos em normoponderais10 se mantenham, ou
76 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
sejam até acrescidos nas pessoas obesas, como no
caso já referido da redução dos alimentos de conforto.1,16, 19
Recentemente, propôs-se que estes resultados
ao nível psicológico exercerão um efeito recíproco
na perda de peso, proporcionando elementos que
reforçarão a adesão ao programa de tratamento,
quer a curto,20 quer a longo prazo.21 O presente estudo procurará alargar os resultados reportados nessas
investigações, introduzindo uma variável indicadora da adesão ao exercício no decorrer do programa.
Estar-se-á assim a procurar dar resposta à questão
gerada por Berger:1 Será que o exercício proporciona um aumento do bem-estar subjectivo e qualidade de vida nos indivíduos obesos?
Face ao exposto, é objectivo deste estudo analisar a associação entre o exercício e a qualidade de
vida, bem-estar subjectivo e peso em participantes
num programa de controlo do peso de longa duração. Como extensão a este objectivo, ir-se-á verificar
se as melhorias no bem-estar subjectivo e qualidade
de vida obtidas nas participantes são independentes
dos resultados registados no peso.
Metodologia
Participantes
O estudo foi realizado com mulheres recrutadas na
comunidade através de anúncios em jornais, brochuras, um sítio na Internet e mensagens de email, para
participarem num programa de controlo do peso.
Exercício, psicologia e controlo de peso
Os critérios de inclusão implicavam uma idade superior a 24 anos, estado pré-menopáusico, ausência
de gravidez, IMC entre 24,9 e 40 kg/m2, e ausência
de doença e/ou medicação que influenciasse a composição corporal. Estes critérios foram aferidos por
uma extensa equipa de especialistas, entre os quais
um médico, que fez o rastreio clínico da situação das
candidatas.
Após este processo foram seleccionadas 142 mulheres (IMC=30,2±3,7 kg/m2; 48% obesas; Idade=
38,3±5,8 anos), que iniciaram o programa de tratamento de obesidade de 16 meses. Nos primeiros 4
meses, todas as participantes receberam a mesma
intervenção, após o que foram colocadas aleatoriamente em dois grupos experimentais (10 reuniões
com periodicidade mensal; reuniões mensais mais
duas sessões semanais de exercício estruturado, realizadas ao fim-de-semana) ou para um grupo de
controlo. Estes grupos não foram considerados na
presente análise, sendo os dados colapsados para o
tratamento estatístico, visto que não existiram diferenças entre os grupos nas alterações de peso exclusivamente resultantes do período de manutenção
(p=,192). O atrito da amostra foi de 6% aos 4 meses
e 33% aos 16 meses, pese embora algumas análises
presentes na secção Resultados registem um número ligeiramente inferior de sujeitos, devido a erros
pontuais no preenchimento dos instrumentos psicométricos.
Intervenção
A intervenção nos primeiros 4 meses foi composta
por 15 sessões semanais, com a duração de 120 minutos, versando sobre conteúdos educacionais e/ou
práticos. Durante este período, a assiduidade média
às sessões foi de 83%, sendo cada grupo constituído por 32-35 mulheres, divididos em dois grupos
sucessivos de participação (ou cohorts). A intervenção está descrita com maior detalhe noutra publicação.22 Resumidamente, os conteúdos incluíram
tópicos sobre exercício (e.g., barreiras para a prática, que equipamento usar, quais os exercícios mais
indicados), nutrição (e.g., composição de um plano
alimentar equilibrado, papel dos diversos nutrientes) e modificação comportamental (e.g., promoção da auto-eficácia, motivação, gestão do tempo e
stresse). Parte destes conteúdos derivaram de uma
adaptação do programa de tratamento da obesidade
LEARN.14 Após os 4 meses, as sessões mensais individualizaram estes conteúdos às características das
participantes e apenas foram introduzidos temas
associados à manutenção, mantendo-se o mesmo figurino das sessões. No seu conjunto, as sessões deste programa foram conduzidas por dois doutorados
e seis mestres ou licenciados, nas áreas de fisiologia
do exercício, psicologia e nutrição.
Instrumentos
Variáveis Psicossociais
Os dados foram recolhidos em dois períodos: no
início do programa e aos 16 meses, correspondendo
ao momento final da intervenção. As participantes
compareceram a duas sessões de avaliações, em cada
um destes momentos, para completarem as baterias
de questionários.
Qualidade de Vida A qualidade de vida geral foi
avaliada através do SF-36,23 um questionário de 36
itens que resultam num factor composto de saúde
física e outro de saúde mental. Foi também utilizado o questionário Impacto do Peso na Qualidade de
Vida – Reduzido,24 um instrumento desenhado especificamente para a avaliação da qualidade de vida
relacionada com o peso, constituído por 31 itens
cotados numa escala de Likert de 5 pontos resultando em 5 dimensões e um score total, a variável usada
no presente estudo (α=,94 no presente estudo). Em
ambos os instrumentos os valores mais altos representam mais qualidade de vida.
Bem-estar subjectivo (auto-estima, emoções e depressão) A auto-estima foi avaliada pelo Questionário de
Auto-Estima de Rosenberg25 composto por 10 itens
cotados numa escala de Likert de 4 pontos. Valores
mais altos deste instrumento representam maior autoestima (α=,84). A perturbação emocional foi avaliada
através do Perfil de Estados de Humor (POMS),26
constituído por 65 itens cotados numa escala de Likert de 5 pontos. O POMS deriva em seis dimensões e possibilita o cálculo de um score total onde
os maiores valores representam maior perturbação
emocional (α=,92). Os sintomas de depressão foram
avaliados pelo Inventário de Depressão de Beck,27
composto por 21 itens cotados numa escala de Likert
de 4 pontos. Este inventário resulta num score total
de depressão, onde os maiores valores representam
maior sintomatologia depressiva (α=,80).
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 77
Exercício, psicologia e controlo de peso
Estados de mudança para o exercício Os estados de
mudança foram avaliados por seis afirmações relacionadas com o exercício,28 sendo solicitado à participante para escolher a que melhor definia a sua
situação. Este instrumento resulta na classificação
de cada indivíduo como encontrando-se no estado
de pré-contemplação, contemplação, preparação,
acção, manutenção ou retorno. Foram criadas duas
variáveis derivadas dos estados de mudança: a) uma
para permitir a comparação entre as participantes
que se encontravam num estado de mudança activo
no final do programa vs. as que se encontravam num
estado inactivo — denominou-se esta variável Nível
Final de Exercício; e b) outra para permitir a comparação entre as participantes que evoluíram para
um estado de mudança activo vs. as que se mantiveram no mesmo estado (fosse ele activo ou inactivo) — denominou-se esta variável Alterações no
Exercício. A variável Nível Final de Exercício foi calculada através dos resultados deste instrumento aos
16 meses. Foram assim criados dois grupos de participantes: Activas, que apresentavam um estado de
mudança activo (acção ou manutenção); Inactivas,
que apresentavam um estado de mudança inactivo
(pré-contemplação, contemplação e preparação) na
avaliação final. A variável Alterações no Exercício foi
calculada com os resultados das respostas aos estados de mudança no início e no final do programa.
Os dois grupos criados diferenciam as participantes
que evoluíram de um estado inactivo para um activo
das que se mantiveram inactivas ou activas. Assim,
por exemplo, uma participante que tenha evoluído
do estado contemplação para a acção faria parte do
grupo que evoluiu na actividade física. Por outro
lado, se a participante já estivesse no estado acção
no início e nele se mantivesse no final faria parte
do grupo que não evoluiu, o mesmo se passando
para as que permaneceram, por exemplo, no estado
contemplativo durante o programa (nota: nenhuma
participante regrediu de um estado activo para inactivo durante o programa).
Peso Corporal
O peso foi medido duas vezes em cada uma das
avaliações (0 e 16 meses), com uma precisão de 0,1
kg, com as participantes vestidas com roupas leves
e sem sapatos. Foi usada uma balança electrónica
(SECA Modelo 770, Hamburgo, Alemanha).
78 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Procedimentos
Operacionais
A aplicação das baterias de testes psicométricos
decorreu num gabinete isolado, sem distracções
e na presença de um dos elementos da equipa de
investigação, que teve formação específica sobre
a aplicação dos testes. Devido ao amplo conjunto
de instrumentos psicométricos, decidiu-se dividir
a aplicação em duas baterias, de forma a reduzir o
cansaço e automatismo na resposta.
Estatísticos
No presente estudo, optou-se por uma análise sem
recorrer à metodologia “intenção para tratamento”
(intention-to-treat),29 pelo que não foram realizados
cálculos para imputação de dados de participantes
que não tenham finalizado a intervenção, na ausência de uma proposta de cálculo para os dados psicométricos em falta no final do programa. A última
medição disponível para algumas das participantes
em falta no final do programa havia sido realizada
aos 4 meses, data temporalmente demasiado distante para proceder a cálculos de imputação semelhantes aos previstos para o peso.
Este estudo contém duas correntes de análise,
derivadas das duas variáveis de exercício que foram
criadas:
• Na primeira, centralizada na variável Nível Final
de Exercício, foi realizada uma ANOVA Mixed Models para a análise das diferenças início-16 meses
nas variáveis peso, bem-estar subjectivo e qualidade
de vida, tendo como factor a variável Nível Final de
Exercício. Além deste procedimento foram analisados dois modelos de regressão logística: a) para aferição da predição da pertença nos grupos de Nível
Final de Exercício através das variáveis de bem-estar
subjectivo e qualidade de vida; e b) para a mesma
aferição mas controlando para as alterações no peso,
de forma a identificar as variáveis que manteriam o
seu poder preditivo independentemente dos resultados obtidos ao nível do peso. Para a regressão logística foram usadas variáveis de mudança resultantes do residual da regressão do valor final no valor
inicial. Este é um procedimento que tem sido assinalado como mais preciso na análise da mudança do
que os procedimentos de subtracção.30
• Na segunda corrente de análise, centrada na vari-
Exercício, psicologia e controlo de peso
ável Alterações no Exercício, a comparação entre as
participantes que se mantiveram no estado de mudança versus as que evoluíram para estados activos
foi efectuada através de testes t para amostras independentes. As comparações foram efectuadas com
base nas alterações (representadas pelos residuais
explicados em cima) nas variáveis peso, bem-estar
subjectivo e qualidade de vida, durante o programa.
Esta opção resulta do facto das participantes que se
mantiveram activas terem valores iniciais e finais no
bem-estar subjectivo e qualidade de vida superiores
às que se mantiveram inactivas, o que iria mascarar
os resultados das análises emparelhadas, visto que
na variável Alterações no Exercício as que se mantiveram activas ou inactivas fazem parte do mesmo
grupo. Desta forma, analisaram-se os residuais das
alterações início-16 meses, que poderão representar
melhor o impacto que a evolução (ou estabilidade)
nos estados de mudança pode originar. As análises
de regressão logística obedeceram aos mesmos modelos que na corrente de análise anterior.
Os procedimentos estatísticos foram efectuados
no SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 14), tendo como critério de significância p<,05.
Para a definição da classificação da magnitude do
efeito (effect size) seguiram-se os critérios definidos
por Cohen e colegas: reduzida para valores <0,30;
média para valores de 0,30 a 0,80; e elevada para valores >0,80.30
Resultados
A distribuição das participantes pelos estados Activo e Inactivo foi diferente, comparando o início com
o final do programa (χ2=5,38, p=,020). Na Figura 2
pode verificar-se que 26% das participantes reportou encontrar-se num estado de mudança activo no
início do programa, enquanto que no final do programa essa percentagem evoluiu para 72%.
Durante os 16 meses do programa as participantes perderam em média (±DP) -3,6±5,5% do seu
peso inicial. No entanto, a perda de peso foi mais significativa no grupo das Activas (-4,3±5,8%) quando
comparado com o das Inactivas (-1,6±3,7%). Os
restantes resultados revelaram que as participantes
Activas obtiveram melhorias na saúde mental, sintomas de depressão e perturbação emocional, ao
passo que as Inactivas pioraram nestes domínios
durante o decorrer do programa (ver a coluna ES
Início do programa
26%
Activas
74%
Inactivas
Fim do programa
(16 meses)
28%
72%
X2=5.38, p=,020
Figura 2. Distribuição das participantes pelos estados
activo e inactivo no início e final do programa.
– magnitude do efeito no Quadro 1). A diferença
nos efeitos do programa entre estes grupos foi significativa.
Ao analisar-se a variável Alterações no Exercício
verificou-se que as mudanças no peso não foram
diferentes entre as participantes que evoluíram para
um estado activo relativamente às que se mantiveram inactivas ou activas. Contrastando com a ausência de diferenças ao nível do peso, verificou-se
que as alterações nas variáveis psicossociais foram
diferentes nos grupos em estudo. Os resultados na
qualidade de vida e bem-estar subjectivo mostraram
que as participantes que evoluíram para um estado
activo apresentaram melhorias superiores na perturbação emocional, saúde mental (magnitudes do
efeito médias) e sintomas de depressão (magnitude
do efeito pequena). O impacto do peso na qualidade
de vida obteve melhorias marginalmente significativas (p=,051, magnitude do efeito pequena). Estes
resultados estão apresentados no Quadro 2.
Seguidamente, procurou-se identificar quais os
factores que melhor caracterizam a pertença aos
dois grupos criados. Construíram-se para esse efeito quatro modelos de regressão logística hierárquica: a) dois para a identificação da pertença nos grupos Nível Final de Exercício (um sem controlar para
as alterações no peso e outro controlando para estas
alterações); e b) dois para a identificação da pertença nos grupos Alterações no Exercício (seguindo a
mesma lógica da análise Nível Final de Exercício). Os
modelos que não controlaram para as alterações no
peso introduziram as variáveis na regressão segundo o método de selecção Forward:LR. Para controlar para as alterações no peso forçou-se no primeiro
passo a entrada das alterações no peso e, seguidamente, introduziram-se as mudanças na qualidade
de vida e bem-estar subjectivo com o método de
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 79
Exercício, psicologia e controlo de peso
Quadro 1. Média, desvio-padrão e ANOVA mixed models para comparação da evolução do peso, qualidade de vida
e bem-estar subjectivo entre as participantes activas e inactivas
Início
Variáveis
16 meses
Tempo x Grupo
n
M
DP
M
DP
ES
F
p
22
65
76,8
76,3
9,8
10,2
75,2
72,0
10,4
10,3
-0,16
-0,42
4,11
,046
22
65
78,7
82,0
12,9
13,0
79,0
85,9
11,9
11,1
0,03
0,32
2,01
,160
21
65
49,7
51,3
8,1
7,8
52,6
54,2
9,1
7,6
0,34
0,38
0,01
,998
21
65
48,0
44,9
10,0
10,3
39,9
46,8
14,6
12,8
-0,66
0,17
8,31
,005
22
64
22,1
22,2
3,9
3,6
23,8
23,5
4,2
4,3
0,41
0,33
0,14
,707
21
61
7,5
6,9
5,4
5,8
8,5
3,5
9,3
4,6
0,14
-0,65
8,11
,006
21
61
28,9
23,7
36,1
31,0
31,9
11,7
30,5
26,6
0,09
-0,42
5,03
,028
Peso (kg)
Inactivas
Activas
Qualidade de Vida
Impacto Peso QV (IPQV-L)
Inactivas
Activas
Saúde Física (SF-36)
Inactivas
Activas
Saúde Mental (SF-36)
Inactivas
Activas
Bem-Estar Subjectivo
Auto-Estima (Rosenberg)
Inactivas
Activas
Sintomas de Depressão (IDB)
Inactivas
Activas
Perturbação Emocional (POMS)
Inactivas
Activas
Nota: ES – Effect Size/Magnitude do Efeito
80 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
tomas de depressão superiores em dobro ao grupo
das Inactivas, independentemente das alterações de
peso que possam ter registado ao longo do programa (Quadro 3).
Os modelos que analisaram as Alterações no
Exercício também foram significativos, embora com
Média dos sintomas de depressão
selecção Forward:LR, proporcionando desta forma
a análise da associação multivariada destas últimas
variáveis na pertença aos grupos, para além das alterações no peso.
Ambos os modelos de previsão do Nível Final
de Exercício foram significativos, seleccionando os
sintomas de depressão que, ao serem menores nas
Activas, permitiram a sua identificação em relação às Inactivas (Figura 3). Mais especificamente,
o primeiro modelo previu correctamente 80,0%
dos casos, registando uma percentagem de acertos
de 98,2% na definição do grupo das Activas [χ2(1,
N=74)=10,65, p=,001]. No modelo controlando
para as alterações no peso estas percentagens de
acertos diminuíram sensivelmente (78,4% de acertos totais e 96,4% de acertos nas Activas), sem impacto substancial na significância do modelo [χ2(1,
N=74)=11,55, p=,003]. A interpretação dos Odds
Ratio fica simplificada ao inverter-se o seu valor
(i.e., para o primeiro modelo: 1/0,41=2,43; e para
o segundo: 1/0,46=2,17), proporcionando assim a
ideia de que as Activas obtiveram melhorias nos sin-
Nível final de exercício
9,00
Inactivas
8,00
Activas
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
Início do
programa
Final do programa
(16 meses)
Figura 3. Alteração dos sintomas de depressão dos 0 para
os 16 Meses nos grupos segundo o critério vível final de
exercício. As activas obtiveram reduções nos sintomas de redução significativamente superiores às inactivas (p=,041).
Exercício, psicologia e controlo de peso
Quadro 2. Média, desvio-padrão, teste t para amostras independentes para comparação das alterações na qualidade
de vida e bem-estar subjectivo entre as participantes que transitaram para um estado de mudança activo com as que se
mantiveram inactivas ou activas.
Mantiveram-se inactivas
ou activas 0-16m (n=45)
Mudaram para activas
alteração 0-16m (n=43)
Variáveis
M
DP
M
DP
ES
t
p
Peso (kg)
-3,4
5,0
-3,8
6,0
0,06
0,17
,864
1,8
2,0
-3,6
9,8
8,5
15,6
4,2
3,9
2,7
10,4
8,2
12,4
-0,24
-0,23
-0,44
-1,98
-0,31
-2,84
,051
,759
,006
1,6
-4,4
-1,3
4,4
31,9
7,3
1,2
-11,9
-3,2
3,4
20,6
5,0
0,09
0,29
0,31
-0,21
2,06
2,89
,832
,044
,005
Qualidade de Vida
Impacto peso qualidade de vida (IPQV-L)
Saúde física (SF-36)
Saúde mental (SF-36)
Bem-Estar Subjectivo
Auto-estima (Rosenberg
Sintomas de depressão (IDB)
Perturbação emocional (POMS)
Nota: Os valores das médias e desvio-padrão são resultado das diferenças Início-16 meses. O cálculo do teste t foi efectuado com os residuais, representando a evolução
dos resultados dos 0 para os 16 meses. ES=Effect Size/Magnitude do Efeito
um poder explicativo menor, identificando correctamente cerca de 60% dos casos, com maior acerto no reconhecimento do grupo que evoluiu para
um estado activo (67,6% e 66,7% sem controlar e
depois de controlar para as alterações no peso, respectivamente). Neste caso, a variável escolhida foi
a percepção de saúde mental, verificando-se que as
participantes do grupo que evoluiu para um estado
activo melhoraram cerca de 2 vezes mais nesta variável (Figura 4 e Quadro 4).
Discussão
rações no peso, as participantes que aumentaram a
prática regular de actividade física durante o programa, obtiveram o dobro das melhorias na saúde mental, diferenciando-se das mulheres que mantiveram
o nível inicial de exercício. Verificou-se, igualmente,
uma interacção significativa entre o peso perdido e o
nível de exercício no final do programa: as mulheres
mais activas perderam duas vezes e meia mais peso
do que o perdido pelas inactivas.
Estes resultados adicionam suporte empírico à
hipótese gerada por Berger,1 de que o exercício poderia representar uma melhoria ao nível do bem-estar subjectivo e qualidade de vida num programa de
controlo do peso. Note-se que, na regressão logística, a definição de pertença dos grupos activos ou
que iniciaram a prática mostrou melhorias duas vezes superiores nos sintomas de depressão e na saúde
mental, respectivamente. Esta ordem de grandeza
O presente estudo teve como objectivo analisar as
associações entre o exercício físico, o peso, a qualidade de vida e o bem-estar subjectivo em participantes num programa de controlo do peso de longa
duração. Pretendeu-se, ainda, verificar se estas associações eram independentes das alterações registadas no peso. Os principais resultados
Quadro 3. Regressão logística para análise da pertença aos grupos
revelaram: i) melhorias mais evidentes segundo o critério nível final de exercício
nas variáveis saúde mental, sintomas de
Modelo
depressão e perturbação emocional no Sem controlar para as Alterações no Peso
grupo que, no final do programa, indiPasso Variáveis
B Wald p
OR
95% IC
cava realizar exercício regularmente;
Fwd Sintomas de depressão (IDB) -0,88 8,12 ,004 0,41 (0,23-0,76)
ii) que, independentemente das alteModelo
rações no peso, as participantes mais Controlando para as alterações no peso
activas no final do programa obtiveram
Passo Variáveis
B
Wald p
OR
95% IC
mais do dobro das melhorias nos sintoE
Alterações de peso
-0,34 0,97 ,324 0,71 (0,36-1,39)
mas de depressão o que as diferenciou
Fwd Sintomas de depressão (IDB) -0,77 5,79 ,016 0,46 (0,25-0,87)
das participantes inactivas; iii) que, Nota: OR – Odds Ratio; 95% IC – Intervalo de Confiança de 95%. Passo: Fase de entrada no modelo;
também independentemente das alte- E – Forçando a Entrada; Fwd – Método de Selecção Forward: LR.
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 81
Exercício, psicologia e controlo de peso
Média da saúde mental
Alterações no exercício
Mantiveram-se
activas ou
inactivas
48,0
Alteraram para
Activo
45,0
42,0
Início do
programa
Final do programa
(16 meses)
Figura 4. Evolução da saúde mental dos 0 para os 16 Meses
nos grupos de alterações no exercício. As participantes que
se tornaram activas obtiveram melhorias mais significativas
na saúde mental (p=,009).
estranhar que estivessem fortemente associados no
presente estudo (dados não apresentados). Estas
melhorias a nível psicológico poderão ter proporcionado um factor importante no controlo da ingestão nutricional das participantes, contribuindo
dessa forma para uma melhor adesão ao plano alimentar, além de um sentimento geral de bem-estar
que poderá ter resultado no sentimento de utilidade
instantânea, como defendido por Kanheman6. Este
sentimento poderá servir como um indicador essencial da manutenção do interesse pela tarefa em
que cada indivíduo se encontra envolvido.
O estado psicológico positivo alcançado pelas
participantes que reportaram estar a praticar regularmente exercício é suportado por uma literatura extensa em estudos com populações não-obesas.11,17,18,
32,33
onde o paradigma de bem-estar sugerido por
Biddle e Mutrie,10 tem sido repetidamente comprovado. Crê-se que os mecanismos propostos para o
efeito do exercício na população não-obesa34 serão
igualmente aplicáveis na população obesa, podendo
até alguns mecanismos ser mais evidentes nestes
indivíduos. Por exemplo, em situações de stresse,
os indivíduos obesos sedentários poderão procurar
acrescidamente conforto em alimentos, dormir pior,
ter mais dificuldades nas tarefas motoras do dia a
dia e, devido ao cansaço acumulado, encontrar mais
uma razão para não fazer exercício.1,16,19 A prática regular de exercício irá fornecer um antídoto para estas situações, pois promove sensações de bem-estar
comparáveis ou mesmo superiores às obtidas pelos
snacks,16 regula os ritmos circadianos promovendo
um sono suficiente35 e eleva o nível de energia para
fazer face aos agentes promotores de stress.
Outro mecanismo foi recentemente avançado,
nos resultados certamente terá tido repercussões na
vivência das participantes ao longo do programa. A
literatura científica revista é escassa na consubstanciação desta tese,1,8 mas indica que esta possibilidade deve ser explorada na criação de novas abordagens no tratamento da obesidade.
Foi sugerido um conjunto de mecanismos psicológicos associados ao exercício que poderão ser
um importante trunfo no tratamento da obesidade1.
Entre estes, salienta-se a possibilidade do exercício
proporcionar um mecanismo de auto-regulação
emocional, substituindo os chamados alimentos de
conforto,16,31 reduzindo assim a ingestão calórica.
No entanto, esta hipótese não pode ser analisada no
presente estudo. Os resultados obtidos revelaram
que o exercício esteve associado aos melhores resultados nos sintomas de depressão, perturbação emocional e saúde mental, quer analisando o Nível Final
de Exercício, quer na análise das Alterações no Exercício. Saliente-se que as variáveis saúde Quadro 4. Regressão logística para análise da pertença aos grupos
mental, perturbação emocional e sinto- segundo o critério alterações no exercício
mas de depressão têm uma proximidade Modelo
conceptual e psicométrica evidente. Por Sem controlar para as Alterações no Peso
exemplo, alguns dos itens que medem a
Passo Variáveis
B
Wald
p
OR
95% IC
saúde mental referem-se a sintomas de
Fwd Saúde mental (SF-36)
0,72
6,94
,008 2,06 (1,20-3,53)
depressão, visto que estes sintomas serão Modelo
indicadores de psicopatologias e assim Controlando para as alterações no peso
de situações comprometedoras da saúde
Passo Variáveis
B
Wald
p
OR
95% IC
mental. Poder-se-á indicar que a saúde
E
Alterações de peso
0,09
0,10
,752 1,09 (0,62-1,95)
mental é um factor hierarquicamente suFwd Saúde mental (SF-36)
0,75
6,09
,014 2,11 (1,17-3,81)
perior à perturbação emocional e sinto- Nota: OR – Odds Ratio; 95% IC – Intervalo de Confiança de 95%. Passo: Fase de Entrada no Modelo:
mas de depressão, pelo que não será de E – Forçando a Entrada e Fwd - Método de Selecção Forward: LR.
82 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Exercício, psicologia e controlo de peso
sendo proposto que o exercício reduz a carga alostática,36 proporcionando um retorno à homeostase
mais rápido e eficaz, sendo por isso reconhecido
como uma estratégia de coping especialmente direccionada para as populações obesas. A sugestão referida anteriormente,7 onde as melhorias do estado
psicológico serão importantes potenciadores da capacidade de perder peso do sujeito, não explicitava
o papel que o exercício pode ter no alcance dessas
melhorias, centrando-se nas alterações da imagem
corporal como factor modificador do estado psicológico. Com o presente estudo, crê-se que se torna
possível considerar o exercício regular como mais
um mecanismo potenciador de uma condição psicológica positiva e proporcionadora de melhores
resultados nos programas de controlo de peso.
É interessante notar que o exercício influenciou
o estado psicológico das participantes de forma parcialmente independente aos resultados obtidos no
peso. Seria interessante se Blaine e colegas9 e Maciejewski e colegas8 tivessem avaliado esta possibilidade nos seus estudos meta-analíticos do impacto
de programas de controlo do peso no bem-estar
psicológico. Recorde-se que naqueles estudos foi
sugerido que as melhorias observadas na depressão
foram independentes da perda de peso, resultado semelhante ao agora obtido relativamente ao impacto
que o exercício teve nas variáveis psicológicas. Esta
independência torna-o um elemento especial como
parte de intervenções de curta ou longa duração,
visto que os resultados do exercício ao nível psicológico são, de uma forma geral, rapidamente alcançados,1 podendo dessa forma mediar o desenvolvimento das capacidades das participantes nas tarefas
que lhes são apresentadas para controlo do peso.
Poder-se-á, desta forma, estar a actuar na componente sedentarismo do ciclo representado na Figura
1. Ao se alterarem os concomitantes psicossociais
negativos dever-se-á interferir nos concomitantes
da obesidade, levando as participantes a um estado
emocional, cognitivo e comportamental mais adaptado à perda e gestão do peso. A metáfora referida
por Galvão Teles,37 ao indicar que o tratamento da
obesidade terá de se apoiar num “tripé” constituído
por um plano alimentar equilibrado, actividade física regular e um estado psicológico adequado é reforçada no presente estudo, pois propõe a existência
de uma reciprocidade intrínseca à actividade física
(e alimentação) e a obtenção de um estado psicológico óptimo nas participantes deste programa de
tratamento do excesso de peso.
Saliente-se que os efeitos psicológicos detectados não serão apenas agudos, sendo potencialmente
mantidos por períodos alargados de tempo. O Programa PESO propôs às participantes um conjunto
alargado de actividades físicas, procurando adaptálas às características específicas e gostos de cada
uma. Não foi possível, neste estudo, controlar o tipo
de exercício que foi realizado individualmente mas,
casuisticamente, emergiu a ideia que colectiva­mente
as participantes escolheram prioritariamente esquemas de exercício envolvendo marcha e actividades
análogas. Esta forma de actividade física tem sido
assinalada como uma das mais eficazes na promoção
de exercício em populações obesas38 e respeita as características dos exercícios promotores de bem-estar
psicológico, isto é, actividades aeróbias fechadas e
previsíveis, que proporcionam respiração abdominal
e rítmica e sem competitividade inter-indivíduo.11
Além disso, permitem à participante a escolha da intensidade do exercício, o que foi recentemente identificado como um factor importante para o alcance de
estados emocionais po­sitivos resultantes do exercício
em mulheres obesas.15 Será importante verificar se estes resultados são replicados em estudos futuros, analisando com maior profundidade o tipo, intensidade
e frequência de exercício a que cada participante aderiu, bem como aspectos motivacionais e auto-regulatórios ine­rentes à adesão comportamental. Poder-seá des­ta­ forma contribuir para o desenvolvimento de
programas de exercício com maior probabilidade de
sucesso a longo prazo nesta população.
Em conclusão, a análise dos resultados de um
programa de tratamento de peso não se deve reduzir à perda de peso, visto que esta coexiste com
alterações psicossociais e comportamentais, nomeadamente a actividade física, importantes. Estes resultados paralelos interagem entre si, de forma até
certo ponto independente das alterações no peso,
proporcionando um cenário positivo onde se desenrolam mais eficazmente as tarefas associadas à
gestão do peso. r
Agradecimentos
Este estudo foi apoiado pela Fundação de Ciência e
Tecnologia e pelo Município de Oeiras. Os autores
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 83
Exercício, psicologia e controlo de peso
reconhecem ainda o apoio da Roche Farmacêutica
Química, Becel e Compal por terem proporcionado pequenas doações. Desejamos ainda expressar
o nosso agradecimento a todas as participantes do
programa PESO pelo seu empenho neste projecto
de investigação.
Bibliografia
1. Berger BG. Subjective Well-Being in Obese Individuals: the Multiple
Roles of Exercise. Quest 2004;56:50-76.
2. Palmeira AL, Teixeira PJ. Exercício, Qualidade de Vida e Bem-Estar:
Aplicações no Contexto da Obesidade. Endocrinologia, Metabolismo
e Nutrição 2006;15(1):33-9.
3. Seligman ME, Csikszentmihalyi M. Positive psychology. An introduction. Am Psychol 2000;55(1):5-14.
4. Csikszentmihalyi M. Flow. The Psychology of Optimal Experience.
New York: Harper Perenial; 1990.
5. Kahneman D, Diener E, Schwartz N, editors. Well-Being: Foundations
of Hedonic Psychology. New York: Russel Sage Foudantion; 1999.
6. Kahneman D. Objective Hapiness. In: Kahneman D, Diener E,
Schwartz N, editors. Well-Being: The Foundations of Hedonic Psychology. New York: Russel Sage Foundation; 1999. p. 3-25.
7. Schwartz MB, Brownell KD. Obesity and Body Image. Body Image
2004;1(1):43-56.
8. Maciejewski ML, Patrick DL, Williamson DF. A structured review of
randomized controlled trials of weight loss showed little improvement
in health-related quality of life. J Clin Epidemiol 2005;58(6):568-78.
9. Blaine BE, Rodman J, Newman JM. Weight loss treatment and psychological well-being: a review and meta-analysis. J Health Psychol
2007;12(1):66-82.
10. Biddle SJ, Mutrie N. Psychology of Physical Activity: Determinants,
Well-Being, and Interventions. London: Routledge; 2001.
11. Berger BG, Motl R. Physical Activity and Quality of Life. In: Singer
RN, Hausenblas HA, Janelle CM, editors. Handbook of Sport Psychology. New York: John Wiley & Sons; 2001. p. 636-71.
12. Kimiecik J. The intrinsic exerciser: Discovering the joy of exercise.
Boston: Houghton-Mifflin; 2002.
13. Darby LA, Berger BG, Carels RA, Owen DR. Mood states and physiological status of sedentary, obese women before and after graded exercise tests. Med Sci Sports Exerc 2003;35:S202.
14. Brownell KD. The LEARN program for weight control. Dallas, TX:
American Health Publishing Company; 1997.
15. Ekkekakis P, Lind E. Exercise does not feel the same when you are
overweight: the impact of self-selected and imposed intensity on affect and exertion. Int J Obes (Lond) 2006;30(4):652-60.
16. Thayer RE. Cal energy: How people regulate mood with food and exercise. New York: Oxford University Press; 2001.
17. Fox KR. The influence of physical activity on mental well-being. Public Health Nutr 1999;2(3A):411-8.
18. Dunn AL, Trivedi MH, Kampert JB, Clark CG, Chambliss HO. Exercise treatment for depression: efficacy and dose response. Am J Prev
Med 2005;28(1):1-8.
19. Cartwright M, Wardle J, Steggles N, Simon AE, Croker H, Jarvis
MJ. Stress and dietary practices in adolescents. Health Psychol
2003;22(4):362-9.
20. Palmeira AL, Teixeira PJ, Branco TL, Martins SS, Minderico CM,
Serpa SO, et al. I‘ve Lost Some Weight. But Am I Felling Better? Predictors of Subjective Well-Being in a Short-Term Behavioral Program
for Weight Management. In: Morris T, Terry P, Gordon S, Hanrahan S,
Ievleva L, Kolt G, et al., editors. XI World Congress of Sport Psychology; 2005; Sydney: International Society of Sport Psychology; 2005.
21. Palmeira AL, Teixeira PJ, Branco TL, Martins SS, Minderico CM, Barata JT, et al. Exploring the Role of Subjective Well-Being on Long-Term
Weight Management in Overweight and Obese Women. In: Oenema
A, Willemieke K, Brug J, editors. ISBNPA 2005; 2005; Amsterdam;
2005. p. 147.
84 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
22. Teixeira PJ, Palmeira AL, Branco TL, Martins SS, Minderico CM,
Barata JT, et al. Who will lose weight? A cross-cultural reexamination of predictors of weight loss in women. Int J Behav Nutr Phys Act
2004;1(1):12.
23. Ferreira PL. Measurement of the health status: development of the
portuguese version of the MOS SF-36 [A medição do estado de saúde:
criação da versão portuguesa do MOS SF-36]. Coimbra: Centro de
Estudos e Investigação da Saúde.; 1998.
24. Engel SG, Kolotkin RL, Teixeira PJ, Sardinha LB, Vieira PN, Palmeira AL, et al. Psychometric and Cross-National Evaluation of a
Portuguese Version of the Impact of Weight on Quality of Life-Lite
(IWQOL-Lite) Questionnaire. European Eating Disorders Review
2005;13(2):133-43.
25. Azevedo A, Faria L. Self-esteem in the scholl secondary level: Validation of the Rosenberg Self-Esteem Scale [A auto-estima no ensino secundário: Validação da Rosenberg Self-Esteem Scale]. In: Machado C,
Almeida LS, Gonçalves M, editors. Avaliação Psicológica. Formas e
Contextos. Braga: Universidade do Minho; 2004. p. 415-21.
26. Silva CF, Azevedo MHP, Dias MRC. The Profile of Mood State: Adaptation to the portuguese population [O Perfil de estados de humor.
Adaptação à população portuguesa]. Psiquiatria Clínica 1991:187-93.
27. Cunha JA. Manual for the Portuguese Version of Beck Scales. [Manual
da versão em português das escalas de Beck]. São Paulo: Casa do Psicólogo/The Psychological Corporation; 2001.
28. Palmeira AL, Gomes PF, Teixeira P. Validação Preliminar De Um Instrumento De Avaliação Dos Processos De Mudança No Exercício. In:
Ribeiro JLP, editor. V Congresso de Psicologia da Saúde; 2004; Lisboa; 2004.
29. Ware JH. Interpreting incomplete data in studies of diet and weight
loss. N Engl J Med 2003;348(21):2136-7.
30. Cohen J, Cohen P, West SG, Aiken LS. Applied Multiple Regression/Correlation Analysis for the Behavioral Sciences - 3rd Edition.
Mahwah, New Jersey: Laurence Erlbaum Associates; 2003.
31. Thayer RE, Newman JR, McClain TM. Self-regulation of mood: strategies for changing a bad mood, raising energy, and reducing tension. J
Pers Soc Psychol 1994;67(5):910-25.
32. Atlantis E, Chow CM, Kirby A, Singh MF. An effective exercise-based
intervention for improving mental health and quality of life measures:
a randomized controlled trial. Prev Med 2004;39(2):424-34.
33. Landers DM, Arent SM. Physical Activity and Mental Health. In:
Singer RN, Hausenblas HA, Janelle CM, editors. Handbook of Sport
Psychology. New York: John Wiley & Sons; 2001. p. 740-65.
34. Buckworth J, Dishman R. Exercise Psychology. Champaign, IL: Human Kinetics; 2002.
35. Atkinson G, Davenne D. Relationships between sleep, physical activity
and human health. Physiol Behav 2007;90(2-3):229-35.
36. McEwen BS. Protective and Damaging Effects of Stress Mediators.
New England Journal of Medicine 1998;338(3):171-9.
37. Galvão-Teles A. Estratégias de intervenção em Saúde no combate à
obesidade infantil. In. Albufeira: I Encontro de Alimentação e Saúde;
2006. Comunicação Pessoal.
38. Saris WH, Blair SN, van Baak MA, Eaton SB, Davies PS, Di Pietro L, et
al. How much physical activity is enough to prevent unhealthy weight
gain? Outcome of the IASO 1st Stock Conference and consensus
statement. Obes Rev 2003;4(2):101-14.
Correspondência
António L. Palmeira
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Departamento de Educação Física, Desporto e Lazer
Campo Grande, 1749-028, Lisboa, Portugal
e-mail: [email protected]
Artigo de Revisão
Hipotiroidismo — Quando suspeitar e como diagnosticar
Hypothyroidism – when to suspect and how to diagnose
Teresa Dias
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do HSM
Resumo
O hipotiroidismo é a síndrome clínica resultante da deficiência de
hormonas tiroideias. O hipotiroidismo pode ser primário (lesão
tiroideia), secundário (lesão hipofisária) ou terciário (lesão hipotalâmica) ou ainda ser devido à resistência periférica às hormonas
tiroideias (causa rara). O hipotiroidismo primário representa mais
de 95% dos casos de hipotiroidismo. A tiroidite de Hashimoto é a
causa mais frequente de hipotiroidismo primário e o tumor hipofisário é a principal causa de hipotiroidismo secundário. A suspeita
de hipotiroidismo é, regra geral, colocada pela história e pelo exame
físico; todavia, determinados achados laboratoriais, nomeadamente, hipercolesterolemia, hiponatremia, aumento da creatinaquinase
(CPK), anemia, hiperprolactinemia e hiperhomocisteínemia podem ser os primeiros indicadores de uma situação de hipotiroidismo. De igual modo, alterações encontradas ocasionalmente
noutros exames auxiliares de diagnóstico, como sejam derrame
pericárdico, baixa voltagem dos complexos electrocardiográficos
e tumor hipofisário, podem também fazer suspeitar de hipotiroidismo. Dada a falta de especificidade das manifestações clínicas, o
diagnóstico de hipotiroidismo baseia-se na determinação dos doseamentos séricos da tiroxina livre (FT4) e da tirotrofina (TSH)
que indicam se o hipotiroidismo é primário subclínico, primário
clínico ou central (secundário ou terciário). A ecografia tiroideia e
o doseamento dos anticorpos anti-tiroideus são úteis na avaliação
do doente com hipotiroidismo. Os doentes com evidência bioquímica de hipotiroidismo central requerem avaliação complementar
das ou­tras hormonas da hipófise e estudo neuroradiológico da re-
O
hipotiroidismo resulta da deficiência de
hormonas tiroideias. Esta deficiência afecta
praticamente todo o corpo e traduz-se, na
clínica, por uma grande multiplicidade de sintomas
e de sinais.
O hipotiroidismo classifica-se em primário, se a
lesão se localiza ao nível da tiroideia, secundário se
a lesão se localiza na hipófise ou terciário se a lesão
se localiza no hipotálamo. Pode ainda ser devido
(raramente) a resistência periférica às hormonas
tiroideias (Quadro 1).1 O hipotiroidismo primário
representa mais de 95% dos casos de hipotiroidismo e a tiroidite de Hashimoto é de longe a causa
mais frequente de hipotiroidismo.
A apresentação clínica de doentes com hipo-
gião selar e supra-selar.
Palavras-chave: hipotiroidismo, suspeita, manifestações clínicas,
exames laboratoriais, exames de imagem, diagnóstico, tiroxina livre, tirotrofina.
Abstract
Hypothyroidism is a clinical syndrome caused by thyroid hormones deficiency. It can be primary (thyroid lesion), secondary (pituitary lesion),
terci­ary (hypothalamic lesion) or due to peripheral resistance to thyroid
hormones (very rare). Primary hypothyroidism represents over 95% of
total hypothyroidism cases and Hashimoto thyroiditis is the most frequent
cause. Pituitary tumour is the main cause of secondary hypothyroidism.
The suspicion of hypothyroidism arises from the medical history and physical examination, although certain laboratory results such as hypercholesterolemia, hyponatremia, increased CPK, anemia, hyperprolactinemia
and hyperhomocisteinemia could be the first indicators of hypothyroidism.
Given the lack of specificity of the clinical manifestations, the diagnosis of
hypothyroidism is based on the levels of free thyroxin and thyrotropin that
indicate whether the hypothyroidism is primary subclinical, primary and
clinical, or central (secondary or terciary). Ultrasound study of the thyroid
gland and levels of anti-thyroid antibodies are useful in the patient evaluation. Patients with biochemical evidence of central hypothyroidism require
further evaluation of remaining pituitary hormones as well as neuroradiological study of the sellar and suprasellar region.
Key-words: hypothyroidism, laboratory, clinical signs, imaging, diagnosis,
thyroxin, thyrotropin.
tiroidismo é muito variável, dependendo da idade
de início, do tipo de hipotiroidismo, da duração e
da gravidade da deficiência de hormonas tiroideias.
Na criança, a deficiência de hormonas tiroideias
condiciona atraso do desenvolvimento psicomotor
(incluindo atraso mental) e atraso de crescimento.
No adulto, o hipotiroidismo é melhor tolerado e as
manifestações clínicas são menos evidentes quando
há uma perda gradual da função da tiroideia (como
acontece na maioria dos casos de hipotiroidismo
primário) do que quando se instala de forma mais
aguda como, por exemplo, nas situações de tiroidectomia total em que não é feita terapêutica de substituição. Por outro lado, quando o hipotiroidismo é
de causa central, isto é, devido a patologia hipofisáVol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 85
Hipotiroidismo
Quadro 1. Etiologia do hipotiroidismo
Primário
1. Tiroidite de Hashimoto
a. Com bócio
b. Atrofia da tiroideia (estádio final de doença auto-imune da tiroideia)
c. Hipotiroidismo neonatal (passagem placentária de TRAb)
2. Terapêutica da D. Graves com 131I
3. Tiroidectomia por D. Graves, bócio nodular ou neoplasia
4. Ingestão excessiva de iodo
5. Tiroidite sub-aguda (transitório)
6. Deficiência de iodo
7. Erros congénitos da síntese das hormonas tiroideias
8. Fármacos
a. Lítio
b. Amiodarona
c. Anti-tiroideus
d. a-interferão
e. Etionamida
Secundário
Hipopituitarismo devido a adenoma hipofisário,
hipofisectomia, destruição hipofisária
Terciário
Disfunção hipotalâmica (raro)
Resistência periférica à acção da hormona tiroideia (muito
raro)
TRAb – anticorpos bloqueadores dos receptores da TSH
Adaptado de Ref. 1.
ria ou hipotalâmica (secundário ou terciário) a clínica é menos exuberante e as manifestações de outras
deficiências hormonais associadas, como sejam as
da insuficiência supra-renal e as do hipogonadismo,
podem, de algum modo, subestimar as manifestações clínicas do hipotiroidismo.
Hipotiroidismo — quando suspeitar
A suspeita de hipotiroidismo é normalmente colocada pela história clínica e pelo exame físico. Ocasionalmente, o diagnóstico de hipotiroidismo pode
ser pela primeira vez suspeitado face a alterações em
determinados exames laboratoriais e de imagem realizados no decurso de uma avaliação médica efectuada por outras razões.
Manifestações clínicas
De um modo geral, as manifestações clínicas do hipotiroidismo (Quadro 2) reflectem a lentificação
generalizada dos processos metabólicos e a acumulação de glicosaminoglicanos (sobretudo ácido hialurónico) nos tecidos intersticiais, devido à deficiência de hormonas tiroideias.1 Assim se explica, por
86 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Quadro 2. Hipotiroidismo: sintomas e sinais
Astenia
Fraqueza muscular
Intolerância ao frio
Obstipação
Diminuição da audição
Lentificação do raciocínio
Lentificação da fala
Lentificação dos movimentos
Atraso dos reflexos
Depressão
Mialgias e parestesias
Atraso mental
Atraso de crescimento
Alterações menstruais
Infertilidade
Abortos de repetição
Diminuição da líbido
Disfunção sexual eréctil
Aumento de peso
Edemas peri-orbitários
Edema da face
Edemas periféricos
Derrame pericárdico
Bócio
Macroglossia
Rouquidão
Pele grossa, descamativa, fria
Carotenemia
Queda de cabelo
Queda de pêlos
Galactorreia
S. canal cárpico
Bradicardia
Hipertensão diastólica
exemplo, por um lado o aumento de peso, a obstipação e a bradicardia (reflexo do hipometabolismo)
e, por outro, os edemas peri-orbitários, a rouquidão
e a macroglossia (reflexo da acumulação de glicosaminoglicanos). Nos casos mais graves, a acumulação
de glicosaminoglicanos dá origem ao típico aspecto
de mixedema.
No adulto, muitos dos sintomas e dos sinais de
hipotiroidismo, nomeadamente o cansaço, a intolerância ao frio, a fraqueza muscular, a lentificação
do raciocínio, a diminuição da audição, a depressão,
a diminuição da líbido, a disfunção sexual eréctil, a
pele seca e a obstipação, são comuns a outras doenças e, por outro lado, são relativamente frequentes
durante o processo natural de envelhecimento pelo
que, muitas vezes, não são valorizados como possíveis manifestações de hipotiroidismo. Em certos
casos, contudo, a coexistência de determinados sintomas e sinais permitem fazer suspeitar de imediato
de uma situação de hipotiroidismo (Quadro 3).
Exames laboratoriais
Na prática clínica, determinados exames laboratoriais podem, ocasionalmente, levantar a suspeita de
hipotiroidismo (Quadro 4). É o caso da detecção
em análises de rotina de hipercolesterolemia, de aumento da creatinaquinase (CK), de hiponatremia
ou de anemia. A frequência de hipotiroidismo em
doentes com hipercolesterolemia é elevada. Numa
avaliação de 1210 doentes com colesterol total­­
> 200 mg/dL, 1.3% tinham hipotiroidismo declarado e 11.2% tinham hipotiroidismo subclínico.2 Num
Hipotiroidismo
Quadro 3. Sintomas e sinais que quando associados
são fortemente suspeitos de hipotiroidismo
Astenia
Depressão, demência precoce
Voz rouca
Edema da face e/ou periférico
Pele grossa, descamativa e fria
Queda de pêlos
Obstipação
Alterações menstruais
Abortos de repetição
outro estudo, dos 1509 doentes que apresentavam
hiperlipidemia, 4.2% tinham hipotiroidismo.3 Nesta
perspectiva podemos também afirmar que a dislipidemia é uma alteração frequente no doente hipotiroideu. Num estudo que incluiu 295 doentes com
hipotiroidismo, 56% tinham hipercolesterolemia,
34% tinham hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, 1.5% tinham hipertrigliceridemia e apenas
8.5% tinham um padrão lipídico normal.4 A hipercolesterolemia no hipotiroidismo deve-se sobretudo à
acumulação das lipoproteínas de baixa densidade
(LDL) em consequência da redução do número de
receptores celulares para as LDL, resultando na diminuição do seu catabolismo.5 Outros mecanismos
possivelmente responsáveis pelo aumento das concentrações do colesterol no hipotiroidismo são uma
diminuição na actividade dos receptores ou um aumento significativo da oxidação das LDL.6,7 Todos
os doentes com hipercolesterolemia devem ser investigados no sentido de ser excluído hipotiroidismo antes do início de fármacos antilipidemiantes.
A homocisteína (outro factor aterogénico) pode
estar aumentada no hipotiroidismo e, geralmente,
normaliza após terapêutica com hormona tiroideia.8
A hiponatremia é também um achado frequente
no hipotiroidismo moderado a grave, pelo que a função tiroideia deve ser avaliada em todos os doentes
com baixa de sódio não explicada. A hiponatremia,
cujo mecanismo não é de todo conhecido, resulta
da diminuição do filtrado glomerular, com consequente diminuição da excreção de água e redução
das concentrações de sódio por hemodiluição.9,10
A presença de anemia e de níveis elevados da enzima muscular CK requerem também a determinação da função tiroideia. São vários os mecanismos
que contribuem para a anemia no hipotiroidismo e,
por isso, vários tipos de anemia podem estar presen-
Quadro 4. Exames laboratoriais ocasionais que permitem
suspeitar de hipotiroidismo
Hipercolesterolemia
Hiponatremia
Aumento da CK
Anemia
Hiperprolactinemia
Hiperhomocisteínemia
tes. Destes mecanismos destacam-se: a diminuição
da síntese de hemoglobina por défice de tiroxina; a
deficiência de ferro por aumento das perdas devido
às menorragias, bem como à diminuição da absorção intestinal de ferro; a deficiência de folatos por
diminuição da absorção intestinal de ácido fólico e a
anemia perniciosa com défice de vitamina B12.1
A documentação de hiperprolactinemia implica
também a exclusão de hipotiroidismo. A prolactina
(PRL) pode estar aumentada por várias razões: no
hipotiroidismo primário, devido à estimulação pela
hormona hipotalâmica estimuladora da tirotrofina
(TRH); no hipotiroidismo central, devido a macroadenoma hipo­fisário que produza PRL e/ou que
comprima a haste hipofisária.
Exames de imagem e electrocardiograma
O radiograma de torax convencional de um doente
com hipotiroidismo pode evidenciar um aumento
da silhueta cardíaca (Figura 1) devido, em parte, ao
edema intersticial e à dilatação do ventrículo esquerdo, bem como a derrame pericárdico que, geralmente, não tem significado hemodinâmico. Ocasionalmente, a detecção ecocardiográfica de um pequeno
derrame pericárdico ou a existência de bradicardia
e de complexos de baixa voltagem no electrocardiograma de rotina, podem, de igual modo, fazer suspeitar do diagnóstico de hipotiroidismo.1
Os tumores hipofisários, particularmente os macroadenomas, são a causa mais frequente de hipotiroidismo de origem central (Figura 2). Nestes casos
o hipotiroidismo é devido à compressão das células hipofisárias produtoras de tirotrofina (TSH), à
interrupção da circulação hipotálamo-hipofisária
ou, mais raramente, a hemorragia aguda ou enfarte
(apoplexia hipofisária).11 Por outro lado, a cirurgia
ou a radioterapia dos adenomas hipofisários (ou
de outros tumores), podem causar hipotiroidismo
central. Cerca de 10 a 25% dos doentes com macroadenomas hipofisários têm hipotiroidismo quer
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 87
Hipotiroidismo
Figura 1. Radiograma de torax de doente com hipotiroidismo: derrame pericárdico.
Figura 2. RMN da região selar. Volumoso macroadenoma
da hipófise (seta).
inicialmente, quer após terapêutica cirúrgica ou
radioterapia.11 A detecção acidental, em exames de
imagem (TAC/RMN), de uma massa hipofisária
obriga à investigação não só de hipotiroidismo, mas
também da função hipófise-supra-renal e da função
hipófise-gónada.
Nos casos de hipotiroidismo primário grave e de
longa evolução, a TAC ou a RMN podem evidenciar um aumento da hipófise, devido à hiperplasia
e hipertrofia das células produtoras de TSH. Esta
situação, de falso tumor hipofisário, regride após terapêutica com hormona tiroideia.
Hipotiroidismo – como diagnosticar
A suspeita de hipotiroidismo requer confirmação
laboratorial e identificação da causa da deficiência
de hormonas tiroideias que, em conjunto, permitem
classificar o hipotiroidismo em primário ou central.
88 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
A confirmação do diagnóstico faz-se através dos doseamentos séricos da TSH e da tiroxina livre (FT4).
A identificação da causa de hipotiroidismo é, regra geral, sugerida pela história clínica. Assim, por
exemplo, história de cirurgia tiroideia, de terapêutica de hipertiroidismo com 131I, de radioterapia cervical (efectuada por ex. por linfoma de Hodgkin),
de ingestão de fármacos que alteram a síntese das
hormonas tiroideias (ex: lítio, amiodarona, anti-tiroideus, α-interferão, etionamida) ou co-existência
de doença auto-imune no próprio ou na família, sugerem que o hipotiroidismo é primário; história de
radioterapia ou de traumatismo do crânio, grave hemorragia pós-parto (S. Sheehan) ou manifestações
de hipogonadismo, sugerem que o hipotiroidismo é
de causa central.
O hipotiroidismo primário, particularmente o
devido a tiroidite crónica auto-imune ou tiroidite
de Hashimoto (a causa mais frequente de hipotiroidismo primário) é um processo que evolui gradualmente, desde formas subclínicas até ao hipotiroidismo clínico.12,13
O hipotiroidismo primário diz-se subclínico
quando a TSH está aumentada e a FT4 está normal;
diz-se clínico quando a FT4 está baixa e a TSH aumentada. No hipotiroidismo central a FT4 está baixa
e a TSH pode estar normal, baixa ou mesmo ligeiramente aumentada (Quadro 5). Nas situações de hipotiroidismo central a TSH baixa sugere patologia
de origem hipofisária (hipotiroidismo secundário),
enquanto a TSH normal ou elevada sugere patologia hipotalâmica (hipotiroidismo terciário). A razão
porque alguns doentes com hipotiroidismo central
têm a TSH normal ou aumentada deve-se ao facto
da TSH produzida ter actividade biológica diminuída mas manter imunoactividade.14 Esta diminuição
da bioactividade parece ser devida a alterações da
glicosilação das subunidades da TSH, dependente
do controlo da TRH.15
Convém salientar que os doentes com doença
grave (não tiroideia) podem ter hipotiroidismo central transitório e, posteriormente, na fase de recuperação da doença sistémica, apresentarem a TSH
elevada. Esta situação deve ser diferenciada do verdadeiro hipotiroidismo, pois não requer terapêutica
com hormona tiroideia.1 Outro aspecto importante
a considerar na interpretação dos doseamentos da
TSH é a possibilidade de determinados fármacos
poderem alterar a secreção desta hormona hipofisá-
Hipotiroidismo
Quadro 5. Hipotiroidismo: diagnóstico laboratorial
Primário subclínico
FT4 N
TSH ↑
Primário clínico
FT4 ↓
TSH ↑ ↑
Central (2º e 3º)
FT4
TSH
↓
N, ↓ ou ↑
Quadro 6. Fármacos que alteram a secreção da TSH
Fármacos que aumentam
a TSH
Fármacos que diminuem
a TSH
Metoclopramida
Dopamina
Domperidona
Glucocorticóides
Amiodarona
Fenitoína
Ipodato de sódio
Salicilatos
Análogos da somatostatina
Quadro 7. Prevalência de anticorpos anti-tiroideus
Ac. anti-tiroglobulina % Ac. anti-peroxidase %
População
em geral
5–20
8–27
Tiroidite
auto-imune
80–90
90–100
Adapatdo das Ref. 16, 17.
ria (Quadro 6).
A ecografia da tiroideia e o doseamento dos anticorpos anti-tiroideus (anti-tiroglobulina e antiperoxidase) são exames complementares úteis na
avaliação do doente com hipotiroidismo. A ecografia permite a caracterização do volume da tiroideia
(normal/aumentada/diminuída ou atrófica) bem
como da sua estrutura (existência ou não de nódulos/aspectos sugestivos de tiroidite). A prevalência
de anticorpos anti-tiroideus é elevada na tiroidite
auto-imune (Quadro 7)16,17 o que constitui um excelente dado no diagnóstico desta patologia. Assim,
por exemplo, num doente com FT4 baixa e TSH
ligeiramente aumentada (5-10μUI/mL), a concentração elevada de anticorpos anti-peroxidase sugere
hipotiroidismo primário devido a tiroidite crónica
auto-imune (tiroidite de Hashimoto), enquanto a
ausência de anticorpos anti-peroxidase e a existência de alterações de outras hormonas hipofisárias
sugerem hipotiroidismo de causa central. A prova
de estimulação da TSH com TRH raramente é utilizada no diagnóstico diferencial entre hipotiroidismo primário e central.
A suspeita de hipotiroidismo central requer a
avaliação não só da função hipófise-tiroideia, mas
também da função hipófise-supra-renal, da função
hipófise-gónada e da hormona de crescimento, bem
como o estudo neuroradiológico da região hipotálamo/hipofisária. r
Bibliografia
1. Cooper DS, Greenspan FS, Ladenson PW. The thyroid gland. In:
Gardner DG, Shoback D (eds). Greenspan’s Basic & Clinical Endocrinology. Lange Mc Gaw Hill 2007; 209-80.
2. Bruckert E, De Gennes JL, Dairou F, et al. Frequency of hypothyroidism in a population of hyperlipidemic subjects. Presse Med 1993;
22:57.
3. Diekman T, Lansberg PJ, Kastelein JP, et al. Prevalence and correction
of hypothyroidism in a large cohort of patients referred for dyslipidemia. Arch Intern Med 1995; 155:1490.
4. O’ Brien T, Dinneen SF, O’ Brien PC, et al. Hyperlipidemia in patients
with primary and secondary hypothyroidism. Mayo Clin Proc 1993;
68:860.
5. Thompson GR, Soutar AK, Spengel FA, et al. Defects of receptormediated low density lipoprotein catabolism in homozygous familial
hypercholesterlemia and hypothyroidism in vivo. Proc Natl Acad Sci
USA 1981; 78:2591.
6. Hoogerbrugge N, Jansen H, Staels B, e tal. Growth hormone normalizes low-density lipoprotein receptor gene expression in hypothyroid
rats. Metabolism 1996; 45:680.
7. Constantini F, Pierdomenico SD, De Cesare D, et al. Effect of thyroid function on LDL oxidation. Arterioscler Thromb Vasc Biol 1998; 18:732.
8. Hussein WI, Green R, Jacobsen DW, et al. Normalization of hyperhomocysteinemia with L- thyroxine in hypothyroidism. Ann Intern Med
1999; 131:348.
9. Schrier RW, Bichet DG. Osmotic and nonosmotic control of vasopressin release and the pathogenesis of impaired water excretion in adrenal, thyroid, and edematous disorders. J Lab Clin Med 1981; 98:1.
10. Skowsky WR, Kikuchi TA. The role of vasopressin in the impaired water excretion of myxedema. Am J Med 1978; 64:613.
11. Samuels MH, Ridgway EC. Central hypothyroidism. Endocrinol Metab Clin North Am 1992; 21:903.
12. Huber G, Staub JJ, Meier C, et al. Prospective study of the spontaneous
course of subclinical hypothyroidism: prognostic value of thyrotropin, thyroid reserve, and thyroid antibodies. J Clin Endocrinol Metab
2002; 87: 3221.
13. Diez JJ, IglesiasP. Spontaneous subclinical hypothyroidism in patients
older than 55 years: an analysis of natural course and risk factors for
the development of overt thyroid failure. J Clin Endocrinol Metab
2004; 89:4890.
14. Persani L, Ferretti E, Borgato S, et al. Circulating thyrotropin bioactivity in sporadic central hypothyroidism. J Clin Endocrinol Metab 2000;
85: 3631.
15. Miura Y, Perkel VS, Papenberg KA, et al. Concanavalin-A, lentil, and
ricin affinity binding characteristics of human thyrotropin: differences
in sialylation of thyrotropin in sera of euthyroid, primary, and central
hypothyroid patients. J Clin Endocrinol Metab 1989; 69: 985.
16. Tunbridge WM, Evered DC, Hall R, et al. The spectrum of thyroid disease in a community: the Whickham survey. Clin Endocrinol (Oxf)
1977; 7:481.
17. Vanderpump MPJ, Tunbridge WMG, French JM, et al. The incidence
of thyroid disorders in the community: a twenty-year follow-up of the
Whickham survey. Clin Endocrinol 1995; 43:55.
Correspondência
Teresa Dias
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo.
Hospital de Santa Maria. Piso 6. Av. Egas Moniz.
1649-035. Lisboa-Portugal.
e-mail: [email protected]
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 89
Artigo de Revisão
Mecanismos básicos do comportamento alimentar
João Martin Martins, Sónia do Vale e Florbela Ferreira
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospital de Santa Maria e Faculdade de Medicina de Lisboa.
Resumo
O ser humano obtem energia pela oxidação dos compostos de
carbono. A alimentação fornece esses compostos orgânicos e
permite além disso a contínua renovação dos constituintes corporais. O equilíbrio entre a ingesta calórica e os gastos energéticos
é assegurado, por um sistema de controlo de tipo cibernético. O
ponderostato inclui centros hipotalâmicos da fome e da saciedade – núcleo arqueado, núcleo paraventricular e área hipotalâmica
lateral – actuando através de sistemas anabolicos – neuropeptido
Y, proteína relacionada com o agouti (AgRP), orexinas e hormona
de concentração da melanina (MCH) - e de um sistema catabólico – pró-opiomelanocortina (POMC), hormona de estimulação
dos melanocitos (MSH), transcripto relacionado com a cocaína e
anfetamina (CART), corticoliberina (CRH), tiroliberina (TRH)
e oxitocina. Este sistema modula a ingesta alimentar e simultaneamente os gastos energéticos periféricos fundamentalmente pela
intervenção do sistema nervoso vegetativo e a um nível molecular
pelos ciclos do substrato, proteínas desacopladoras (UCP) e receptores activados de proliferação dos peroxisomas (PPAR). A intervenção do ponderostato é desencadeada por sinais com origem
no tecido adiposo – leptina, no tubo digestivo – grelina, colecistocinina, péptido YY, e orgãos metabólicamente centrais – glicose,
aminoácidos, ácidos gordos, cinase activada pelo AMP (AMPK),
insulina, incretinas e glicocorticóides. A eficácia do ponderostato
é notável, e mesmos os casos extremos de obesidade, podem ser
explicados pelos efeitos cumulativos de desiquilibrios energéticos
que raramente ultrapassam os 5%. Adicionalmente o ponderostato
é modulado pelo sistema límbico e córtex associativo, factores cognitivos e emotivos, que definem o apetite. Ainda neste caso a influência exerce-se através dos sistemas neurotransmissores centrais,
nomeadamente os sistemas serotoninérgicos, noradrenérgico,
dopaminérgico e gabaminérgico. Mais recentemente tem vindo
a adquirir importância crescente o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico, que constitui o sistema de gratificação universal
implicado no componente hedónico da alimentação. As alterações
são particularmente evidentes nas doenças do comportamento
alimentar – anorexia, bulimia, voracidade alimentar – em muitas
doenças psqiuiátricas, ou sob a influência de psicotropos – antidepressivos e neurolépticos, ou ainda com antagonistas do sistema
endocanabinóide. As vias bioquímicas envolvidas, constituem o
alvo de intensa investigação no sentido de desenvolver fármacos
CONCEITOS BÁSICOS
O ser humano surgiu tardiamente na evolução da
vida na terra e utiliza como forma principal de energia, a energia química que obtêm pela oxidação dos
compostos de carbono. Naturalmente que em últi-
90 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
para o tratamento da obesidade e das doenças do comportamento
alimentar.
Abstract
Human beings derive the chemical energy they use in everyday life, by the
oxidation of organic compounds. Eating replenishes those compounds
and also allows for the replacement of body components. In healthy states,
a strict equilibrium between caloric intake and energy expenditure is
maintained by a control system of the cybernetic type. This control system
includes several hypothalamic nuclei modulating hunger and satiety –
arcuatus nucleus, paraventricular nucleus and the lateral hypothalamic
area – acting through anabolic pathways – Y neuropeptide, agouti related
protein (AgRP), orexins and melanin concentrating hormone (MCH) –
and catabolic pathways – proopiomelanocortin (POMC), melanocyte
stimulating hormone (MSH) cocaine and amphetamine related transcript (CART) , corticotrophin releasing hormone (CRH), TSH releasing hormone (TRH) and oxytocin. Besides controlling intake the system
also regulates energy expenditure, mainly through the autonomic nervous system and at the molecular level by way of futile cycles, uncoupling
proteins (UCP) and the activated receptors of proliferating peroxisomes
(PPAR). The energy controlling system is set in motion by signals from the
adipose tissue – leptin – from the gut – ghrelin, colecystokinin, YY peptide – and from metabolically central organs – glucose, amninoacids, fatty
acids, AMP activated kinase (AMPK) , insulin, incretin hormones and
adrenal steroids. The energy controlling system is extremely effective and
most cases of obesity, can be explained by the cumulative effects of energy
unbalances that rarely exceed 5%. The limbic system and the associative
cortex modulate the function of the energy controlling system accounting
for the cognitive and emotive component of eating behaviour (appetite).
Central neurotransmitter systems, like the serotoninergic, noradrenergic,
dopamingergic and gabaminergic are particularly important in this
regard. More recently the dopaminergic mesocorticolimbic system, the
universal rewarding system, is assuming a major role, accounting for the
pleasurable component of eating. Abnormalities of this control are evident
in eating behaviour disorders – anorexia, bulimia and craving – in several
psychiatric disorders and under the influence of common psychotropic
drugs – anti-depressive and neuroleptic agents or the antagonists of the
endogenous endocannabinoid system. Research and industry are actively
exploring the biochemical pathways just described, looking for safe and
effective drugs to be used in the treatment of obesity and eating behaviour
disorders; some of these may reach clinical practice in the near futur.
ma análise estes compostos de carbono, têm uma
origem vegetal sendo produzidos pelos organismos
fotossintéticos que utilizam a energia solar para reduzir e condensar compostos de carbono progressivamente mais complexos, depois ingeridos pelos
Comportamento alimentar
Modulação Cortical
Efectores Periféricos
Sensores Periféricos
Sensores Periféricos
Sensores Periféricos
Unidade de Processamento Central
(“Central Processing Unit”)
(CPU)
Sensores Periféricos
Efectores Periféricos
Efectores Periféricos
Efectores Periféricos
Variável
Figura 1. Organização de tipo cibernético do ponderostato (ver texto).
animais e pelos seres humanos.
A alimentação fornece energia e nutrientes aos
sistemas vivos. Estes são os seus valores calórico
e nutritivo respectivamente, que devem ser sempre distinguidos. A energia permite naturalmente
o funcionamento do sistema, mas o fornecimento
dos nutrientes permite além disso a constante renovação dos constituintes corporais.1-3 Na metáfora
frequentemente utilizada, em que a alimentação é
comparada ao fornecimento de gasolina ao automóvel, esquece-se a natural vantagem dos sistemas
biológicos: a alimentação fornece a gasolina que
permite o funcionamento do automóvel e as peças
que permitem a sua constante renovação.
Como seria de esperar, dada a sua importância
vital, a alimentação é estritamente regu­lada, nos seus
componentes calórico e nutritivo, ou seja existe claramente um sistema homeostático que regula em cada
momento e de forma estrita a ingesta calórica e nutritiva. Este sistema homeostático, acopla estritamente
a ingesta aos gastos energéticos e nutritivos. Em termos simples, o sistema garante que se aumentarem os
gastos energéticos, aumentará também a ingesta calórica e vice-versa. Na versão simplificada que consideraremos, iremos referir-nos apenas aos componentes
do sistema que regulam a ingesta calórica e os gastos
energéticos — o popularizado ponderostato — deixando por agora de lado o componente do sistema
que realiza o controlo nutritivo.4-7
No contexto que temos vindo a referir, a obesidade define-se simplesmente como um excesso da
gordura corporal, para além dos limites convencionais de 15-20% no sexo masculino e 20-25% no
sexo feminino, limites estes que embora convencionais foram seleccionados, na medida em que a partir
desses limites, há uma associação estatisticamente
significativa com diversas morbilidades. Neste sentido a obesidade, deve ser entendida simplesmente
como uma perturbação do ponderostato, na medida
em que a ingesta calórica é por definição ser superior aos gastos energéticos, resultando num excesso
acumulado sob a forma de triacilgliceróis no tecido
adiposo.7,8
ORGANIZAÇÃO BÁSICA DO PONDEROSTATO
Como acontece com a regulação de outros comportamentos vitais, a regulação do comportamento alimentar, e o seu estrito acoplamento com os gastos
energéticos, é garantido por um sistema com uma
organização de tipo cibernética, ou seja auto-controlada, dispondo de centros, sensores periféricos,
vias aferentes e vias eferentes que desencadeiam as
respostas adequadas (Figura 1).1-6
No caso específico do ponderostato, a maior
parte dessas estruturas começam agora a ser conhecidas com algum detalhe.
Os centros correspondem a diversos núcleos
hipotalâmicos, primeiramente identificados por
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 91
Comportamento alimentar
A
B
Figuras 2a e 2b. Cortes antero-posterior e frontal do encéfalo, evidenciando o núcleo arqueado (1) os núcleos medianos (dorso- e ventromediano e paraventricular) (2) e os
núcleos laterais (fornix e área hipotalâmica lateral) (3) (ver
texto).
Stellar. Assim existe um centro da fome localizado
ao nível do hipotálamo lateral, que inclui os núcleos
do fornix e a área hipotalâmica lateral e um centro
da saciedade ao nível do hipotálamo mediano e ventral que inclui os núcleos dorso- e ventromediano e
o núcleo paraventricular. A existência destes centros
foi demonstrada de forma conclusiva por experiências clássicas de estimulação eléctrica e de destruição cirúrgica, que desencadeiam apropriadamente
hiperfagia ou anorexia (Figuras 2a e 2b).1-6,9-15
Os sinais periféricos, que referiremos a seguir,
atingem o hipotálamo ao nível do nucleo arqueado,
uma região apropriadamente desprovida de barreira
hemato-encefálica e com uma elevada densidade de
receptores hormonais, onde influenciam a actividade de diversos neurónios do núcleo arqueado, que
podem ser englobados em dois grupos fundamentais: 1) um grupo catabólico, de que o mediador
principal seria o POMC (pró-opiomelanocortina)
92 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
ou a α-MSH que resulta do seu processamento hipotalâmico e o transcripto relacionado com a cocaína e
anfetamina (CART); 2) um grupo anabólico de que
os mediadores principais seriam o neuropéptido Y
e a proteína relacionada com a agouti (AgRP), sendo que aliás estes dois péptidos são frequentemente
co-segregados pelas mesmas populações neuronais.
Estes neurónios do núcleo arqueado, ditos de primeira ordem, enviariam projecções sobre outras
populações neuronais ditas de segunda ordem; por
um lado o núcleo paraventri­cular do hipotálamo
mediano e ventral, correspondendo ao centro da
saciedade, e que teria como principais mediadores
a corticoliberina (CRH), a tiroliberina (TRH) e a
oxitocina, que induzem a saciedade e cuja função
seria estimulada pelo grupo catabólico e inibida
pelo grupo anabólico; por outro lado a ÁREA hipotalâmica la­teral incluindo diversos núcleos adjacentes ao fornix, correspondendo ao clássico centro da
fome, e de que os principais mediadores seriam as
orexinas e a hormona de concentração da melanina
(MCH); a actividade destes neurónios induziria a
fome, e seria estimulada pelo grupo anabólico e inibida pelo grupo catabólico (Figura 2).1-6,9-15
Recordemos que numa organização de tipo cibernético, estes centros que correspondem à verdadeira unidade de processamento central do sistema
(central processing unit – CPU), devem receber e integrar/interpretar informações periféricas diversas
e iniciar as respostas adequadas; em termos simples
a unidade de processamento central deve integrar as
diversas informações periféricas indicando o estado adequado das reservas energéticas disponíveis e
iniciar as respostas adequadas que tendem a manter
essas reservas energéticas.1-6,9-15
As respostas iniciadas pelos centros antes referidos também começam agora a ser conhecidas
em algum detalhe. Naturalmente que uma primeira
resposta será a induzir ou inibir a ingesta alimentar
ou seja induzir a fome ou a saciedade. Mas como seria de esperar essa não é a única resposta induzida
pela unidade de processamento central; para um
adequado funcionamento do sistema, os centros
hipotalâmicos devem igualmente iniciar respostas
periféricas que aumentam ou diminuem os gastos
energéticos. Em grande parte este último efeito
depende da activação/inibição central do sistema
nervoso vegetativo simpático, cujo núcleo central
Comportamento alimentar
corresponde ao locus ceruleus da protuberância.
A activação central do sistema nervoso vegetativo
simpático, resulta num aumento dos gastos energéticos periféricos em grande parte através de três
mecanismos fundamentais: 1) primeiro um aumento da activida­de dos ciclos do substrato, conjuntos
de uma reacção e da respectiva reacção inversa que
a serem realizadas simultaneamente não têm qualquer efeito útil, no que diz respeito à concentração
dos substractos e produtos, mas resulta apenas num
gasto de energia, dissipada sob a forma de calor; 2)
depois por um aumento da expressão das proteínas
desacopladoras (uncoupling proteins – UCP) que
presentes na membrana mitocondrial interna do
tecido adiposo branco e castanho, resultam na dissipação do gradiente protónico normalmente utilizado para a produção de ATP, dissipando a energia
da oxidação dos substractos sob a forma de calor; 3)
finalmente pela modulação relativa dos receptores
activados de proliferação dos peroxisomas (peroxisome proliferated activated receptors – PPAR) de que
os tipos fundamentais α e γ, têm efeitos opostos, os
primeiros conduzindo à utilização energéticos dos
ácidos gordos, os segundos conduzindo ao seu armazenamento sob a forma de triacilglicerois no tecido adiposo. Naturalmente que a inibição do sistema
nervoso vegetativo tem os efeitos opostos.1-6,9-15,16-25
A extrema elegância do sistema torna-se agora
aparente. Se for detectado um excesso de reservas
energéticas disponíveis, o sistema simultaneamente
inibe a ingesta alimentar e aumenta os gastos energéticos periféricos, enquanto que se houver um défice
de reservas energéticas, o sistema simultaneamente
induz um aumento da fome e uma diminuição dos
gastos energéticos periféricos. Torna-se portanto
aparente, que de facto há um acoplamento estrito
entre a ingesta calórica e os gastos energéticos periféricos, e que muito mais do que simplesmente
regular a ingesta alimentar, o sistema acopla essa
ingesta aos gastos energéticos. Até por isso é apropriada a designação referida previamente de sistema
anabólico ou sistema catabólico.
Se a organização do ponderostato em termos
de centros e de respostas efectoras é relativamente
simples e clara, o problema torna-se mais complexo,
quando consideramos os sensores periféricos e o
tipo de informação que transmitem. Por isso o tema
será tratado em seguida, separadamente. No entanto
em termos lógicos o problema é simples. O sistema
deve ser informado das disponibilidades energéticas e da sua utilização e os sensores devem detectar
essas variáveis biológicas. Assim em termos lógicos
os sensores devem ser pelo menos de três tipos diferentes: 1) com origem no tecido adiposo informando das reservas energéticas disponíveis; 2) com
origem no tubo digestivo informando da ingesta alimentar; 3) com origem em orgãos metabolicamente activos, sobretudo fígado e músculo, informando
da utilização energética.1-6,9-15 Veremos a seguir que
é de facto esta a organização do sistema.
INFORMAÇÕES PERIFÉRICAS
Na organização do ponderostato que temos vindo
a considerar, é lógica a existência de estímulos periféricos com origem no tecido adiposo, no tubo
digestivo e em órgãos metabolicamente activos.
Alguns destes estímulos são relativamente bem conhecidos.
Tecido adiposo
A leptina é uma glicoproteína com um peso molecular de aproximadamente 16 kDa produzida pelos
adipocitos, preferencialmente pelos adipocitos do
tecido adiposo subcutâneo, em relação directa com
a magnitude desses depósitos de tecido adiposo.
A leptina informa portanto a unidade de processamento central do nível de reservas energéticas sob
a forma de triacilgliceróis do tecido adiposo. Apropriadamente portanto os níveis estão elevados nos
sujeitos com obesidade, em que esses depósitos estão aumentados. A leptina circula ligada a uma proteína de transporte específica que é uma das formas
do receptor de leptina, atravessa a barreira hematoencefálica por um mecanismo de transporte activo
que utiliza como transportador uma outra forma
do receptor de leptina. Finalmente a leptina actua
em receptores próprios, existentes em abundância
no núcleo arqueado do hipotálamo. A esse nível a
leptina actua em duas populações de neurónios,
onde os seus receptores são abundantes: neurónios
medianos que produzem os péptidos orexigenos
como o NPY e o AgRP, cuja expressão/actividade
diminuem, e neurónios laterais, que produzem os
péptidos anorexigenos POMC e a MSH dele derivada, cuja expressão/actividade aumentam. A leptina induz desta forma a saciedade, diminuindo a
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 93
Comportamento alimentar
ingesta alimentar, mas simultaneamente e em parte
pelo menos através da CRH resulta numa estimulação central do sistema nervoso vegetativo simpático — locus ceruleus — que como vimos resulta
num aumento dos gastos energéticos periféricos. O
significado teleológico da leptina é portanto claro e
coerente: quando as reservas energéticas estão aumentadas, a leptina aumenta e induz a saciedade e o
aumento dos gastos energéticos periféricos tendendo a repor a níveis normais essas reservas energéticas.26-37
Os ratinhos ob/ob com delecção do gene da
leptina, e os ratinhos db/db, e os ratos Zucker fa/fa
com delecção do gene do receptor da leptina apresentam hiperfagia — com aumento da amplitude e
da frequência dos episódios de ingesta alimentar,
além de apresentarem obesidade e diabetes. No entanto em humanos só se conhecem menos de dez
famílias com deficiência do gene da leptina ou dos
seus receptores. Actualmente pensa-se que a resistência à leptina da obesidade humana corresponde
a um defeito pós-receptor, com deficiente produção
dos mediadores dos receptores de citocinas de que a
leptina faz parte incluindo os STAT (signal transducer
and activator of transcription) e a JAK (janus kinase).
É de realçar o paralelismo entre a insulina e a leptina, na medida em que ambas aumentam quando aumenta o tecido adiposo, ambas são anorexisantes e a
sua associação parece ser independente do índice de
massa corporal (Body Mass Índex - BMI).26-37
Curiosamente e de forma um pouco paradoxal,
muitos dos mediadores com origem no tecido adiposo, parecem ser produzidos não pelos adipocitos,
mas sim pelos macrofagos do tecido adiposo, cujo
número também aumenta na obesidade, por exemplo as citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α e
a IL-6. Estes mediadores associam a insulino-resistência e a inflamação crónica.38
Outros mediadores com origem no tecido adiposo, mas aparentemente sem relação directa pelo
menos com o balanço energético são: 1) resistina
um péptido com 114 aa, que circula como um homodimero, cujos níveis são mais elevados no tecido
adiposo visceral, que produzem insulinoresistência
e cujos níveis diminuem com as tiazolidenedionas
(TZD) que são agonistas dos receptores PPARδ. 2)
a adiponectina que melhora a sensibilidade à insulina e é anti-aterogénica e anti-inflamatória, cujos
94 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
níveis estão diminuídos na obesidade e cujos níveis
aumentam com as TZD. A adiponectina actua através de receptores AdipoR1 e adipoR2.38
Tubo digestivo
A grelina (growth hormone releasing peptide), é um
péptido de 28 aa, produzido sobretudo nas células
endócrinas do estômago, cujos níveis em circulação
aumentam com o jejum, e diminuem rapidamente
após a ingesta alimentar. É um dos péptidos orexigenos mais potentes conhecidos, tanto como o NPY.
De facto inicia a ingesta alimentar e nesse sentido
pode dizer-se que aumenta a fome e diminui a saciedade. A grelina provavelmente actua precisamente
ao nível do núcleo arqueado estimulando os neurónios produtores de NPY/AgRP. Tal como em
relação à leptina, os efeitos da grelina não se fazem
sentir apenas no comportamento alimentar, mas
igualmente nos gastos energéticos periféricos.39-48
Nos seres humanos com obesidade os níveis da
grelina estão adequadamente suprimidos, mas por
exemplo estão aumentados na obesidade do síndrome de Prader Willi. Os níveis estão cronicamente diminuídos, mais do que nos obesos – resposta
apropriada - nos doentes sujeitos a gastrectomia;
no entanto na perda de peso nos doentes obesos a
grelina aumenta, enquanto que não aumenta nos
doentes operados. Actualmente já existem potentes
antagonistas orais dos receptores da grelina.39-48
Apesar da sua popularidade, a grelina é apenas
o último de uma longa série de mediadores com
origem no tubo digestivo que modulam o balanço
energético.
A colecistocinina (CCK) é um péptido produzido pelas células neuroendócrinas do intestino delgado em reposta à presença de determinados nutrientes no lúmen do tubo digestivo — aminoácidos,
glicose ou ácidos gordos — que induz a saciedade,
ou seja interrompe a ingesta alimentar, embora não
influencie a frequência dos episódios de ingesta.
Para além da estimulação da contracção da vesícula
biliar, e da estimulação da secreção pancreática exócrina, os efeitos de saciedade da colecistocinina, parecem depender da acção sobre receptores CCKR1
de localização periférica, nomeadamente nas terminações vagais aferentes, um efeito essencialmente
parácrino (que não exclui um efeito central, mas por
transmissão a partir do vago); no entanto é possível
Comportamento alimentar
e provavelmente é mais importante nos humanos,
que também actue centralmente através de receptores CCKR1 no núcleo arqueado do hipotálamo suprimindo a actividade dos neurónios NPY/AgRP,
conforme é sugerido por alguns modelos animais
com mutações do gene do CCKR1 que apresentam
hiperexpressão do sistema NPY/AgRP. Curiosamente as mutações do gene do receptor CCKR1
— ratinhos obesos Otsuka Long-Evans Tokushima –
Otsuka Long-Evans Tokushima fatty mice (OLEFT)
— resultam num fenotipo caracterizado por obesidade e lítiase biliar.37,39-41,47-49
O peptido YY (PYY) é produzido no intestino
delgado e no intestino grosso, e os seus níveis aumentam no período pós-prandial. É um potente
agente anorexígeno, que aparentemente actua ao
nível do núcleo arqueado antagonizando o NPY e
estimulando o sistema POMC. Curiosamente os
seus níveis são baixos nos doentes obesos, sugerindo alguma intervenção na patogénese da obesidade.37,39-41,47-49
O polipéptido insulinotrópico glucose-dependente também designado de polipeptido inibitório
gástrico, é uma incretina, ou seja uma hormona produzida no tubo digestivo que potencia a secreção de
insulina, que também parece ter efeitos na ingesta
alimentar.37,39-41,47-49
Um elemento fundamental destes sinais periféricos com origem no tubo digestivo, frequentemente
não individualizado parece ser o nervo vago (X).
De facto múltiplos estímulos físicos — por exemplo a distensão gastrointestinal a alteração do pH
gastrointestinal — ou químicos — a presença de
nutrientes, ou mesmo várias hormonas gastrointestinais actuando de forma paracrina (e.g., CCK, uma
vez que as terminações aferentes do vago apresentam receptores CCK1), começam por estimular as
terminações nervosas aferentes do vago que é o responsável pela inervação sensitiva/aferente da maior
parte das vísceras toraco-abdominais. O vago estabelece conexão central a múltiplos níveis incluindo
de forma fundamental o núcleo do tracto solitário,
e depois a área postrema, o núcleo parabraquial, o
núcleo central da amígdala e diversos núcleos hipotalâmicos, nomeadamente o núcleo paraventricular,
pelos quais pode modular os sinais da fome e da saciedade. De facto a ingesta alimentar associa-se ao
aumento da expressão do c-fos e de outros marca-
dores precoces da actividade neuronal em múltiplos
locais de terminação central do vago. A importância
deste circuito é bem evidente nas experiências de
sham feeding — em que os alimentos ingeridos são
drenados por fístula gástrica artificial — e em que
a ingesta alimentar pode aumentar de forma brutal, ou pelas experiências de introdução entérica de
soluções de nutrientes ou macromoléculas, mesmo
sem valor nutritivo em que a ingesta alimentar pode
ser reduzida de forma brutal. Talvez ainda mais relevante, serão os dados da cirurgia da obesidade – balões gástricos, banda gástrica ou bypass gastrointestinal, em que precisamente se pretende reforçar esta
via inibitória.37,39-41,47-49
ORGÃOS METABOLICAMENTE ACTIVOS
Tem sido mais díficil identificar de forma inequívoca este tipo de sinais, embora teleologicamente eles
façam todo o sentido. Classicamente eram referidos
alguns metabolitos circulantes com efeitos sobre a
ingesta alimentar, por exemplo a glicose — a hipoglicemia induz indubitavelmente a fome, embora
seja menos claro que a hiperglicemia induza a saciedade — os ácidos gordos — o aumento dos ácidos
gordos em circulação associa-se de forma clara à saciedade — alguns aminoácidos — a baixa de alguns
aminoácidos tem sido associada à ingesta alimentar
e inclusive à ingesta alimentar selectiva para os hidratos de carbono — ou o ácido láctico que pela
acidose que induz se acompanha de anorexia. Desta
forma a utilização periférica dos substractos sob o
ponto de vista energético, modularia o comportamento alimentar e eventualmente teria igualmente efeitos sobre os gastos energéticos periféricos.
No entanto os mecanismos precisos destes efeitos
permanecem ainda em muitos casos por esclarecer,
admitindo-se no entanto que alguns deles como a
glicose ou a acidose modulem a actividade eléctrica
de neurónios dos centros hipotalâmicos implicados
na fome e na saciedade.10,16-18
O problema parece ser mais subtil. Algumas
moléculas chave, parecem funcionar como verdadeiros sensores do estado energético da célula e/
ou do organismo, induzindo as correspondentes
alterações no comportamento alimentar e nos gastos energéticos periféricos. De entre estas moléculas
fundamentais, uma que tem vindo a ganhar progressivamente mais importância é a cinase activada pelo
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 95
Comportamento alimentar
AMP (AMPK). Recordemos que o AMP — adenosina-monofosfato é produzido dentro das células
como resultado da utilização energética do ATP
que produz primeiro o ADP e pela combinação
de duas moléculas de ADP, uma nova molécula de
ATP e uma molécula de AMP. O aumento do AMP
é portanto um sinal universal da utilização e esgotamento relativo dos depósitos energéticos dentro da
célula. É portanto provável que AMPK desencadeie
a resposta adequada que consistirá no aumento da
ingesta alimentar e na diminuição dos gastos energéticos compensadores. É fácil de admitir que assim
seja, uma vez que a AMPK fosforila e activa vários
factores de transcrição nuclear universais, podendo
portanto genericamente induzir uma resposta anabólica, ao mesmo tempo que suprime a resposta
catabólica. No entanto os mecanismos precisos desse efeito a montante (down stream regulation) permanecem por esclarecer em detalhe. Curiosamente
muitos dos sinais que já considerámos e outros que
iremos posteriormente considerar actuam em parte
pelo menos pela modulação da AMPK, por exemplo a adiponectina e já agora alguns fármacos de utilização comum como a metformina.10,16-18
O problema é também mais complexo. Em vez
de uma resposta do ponderostato, desencadeada
simplesmente pela utilização energética dos nutrientes por órgãos metabolicamente activos, faz
todo o sentido na organização cibernética do sistema, que ele seja adequadamente activado ou inibido
por sinais gerais que induzem o catabolismo e/ou o
anabolismo. É isso que de facto parece acontecer.
Um desses sinais é a insulina. Os efeitos da insulina são difíceis de estudar experimentalmente,
dada a hipoglicemia que a sua administração periférica provoca. No entanto é indiscutível que a insulina é a principal hormona anabólica e assim deveria
reduzir a ingesta e aumentar a saciedade. De facto a
administração central de insulina – que não provoca hipoglicemia — induz a saciedade e da mesma
forma a diminuição da densidade de receptores de
insulina especificamente no hipotálamo em ratos
associa-se à hiperfagia e à obesidade. Aliás neste
sentido a insulina aproxima-se da leptina e tal como
a leptina os seus níveis aumentam directamente
quando aumenta a quantidade de tecido adiposo e
em particular do tecido adiposo visceral.10,11,16-18,47-49
Curiosamente, não só a insulina, como diversas
96 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
hormonas gastrointestinais produzidas em relação
com a ingesta alimentar e que reforçam a secreção
da insulina, vulgarmente designadas como incretinas, tem o mesmo efeito sobre o comportamento
alimentar, o que faz obviamente sentido sob o ponto de vista teleológico e ganha crescente actualidade, devido ao recente desenvolvimento de fármacos
nesta área como o análogo do GLP-1 (glucagon-like
peptide) ou os inibidores da dipeptidilpeptidase IV,
que degrada o GLP-1.47-49
Pelo contrário, deveriam ter um significado
oposto os glicorticóides e as catecolaminas que induzem genericamente uma resposta catabólica e
que portanto deveriam induzir a ingesta alimentar
e diminuir os gastos energéticos periféricos de tipo
compensador. Faltam no entanto claramente dados
experimentais nesta área.10,11,16-18,50,51
EFICÁCIA DO PONDEROSTATO
O sistema homeostático que temos vindo a descrever é extremamente eficaz, e essa eficácia é particularmente evidente precisamente nos casos de
falência do sistema, ou seja nos casos vulgares de
obesidade.
A doente MAV recorreu à Consulta de Endocrinologia por obesidade. Tem 52 anos, uma altura
de 1,65m e um peso de 98 kg. Apresenta portanto
um Índice de Massa Corporal (IMC) de 36,0 kg/
m2, ou seja, uma obesidade grave. De facto se admitirmos que o peso “normal” seria de 60 kg, correspondendo a um IMC de 22,0 kg/m2, a doente
apresenta um excesso ponderal de 38 kg; e se admitirmos que esse excesso ponderal corresponde
essencialmente a gordura – o que sabemos não ser
inteiramente verdade, porque na obesidade há também um aumento da massa magra – estes 38 kg de
gordura em excesso correspondem a um excesso
calórico de 342.000 kcal (valor calórico dos lípidos
de 9 kcal/g) — o que também não é inteiramente
verdade porque o tecido adiposo também tem cerca
de 50% de água. Em resumo neste caso extremo, há
no máximo um excesso calórico de facto brutal. Já
alguém fez as contas, e se a gordura em excesso da
população norte-americana fosse utilizada para produzir energia, daria para iluminar a cidade de Nova
Iorque durante vários anos.
Na história clínica, a doente refere que tem vindo a aumentar progressivamente de peso, desde o
Comportamento alimentar
casamento e gravidezes subsequentes, sem grandes
oscilações ponderais. Este dado é credível, uma vez
que vários estudos indicam que raramente os sujeitos aumentam mais de 2 kg por ano e que de facto
na idade adulta o aumento ponderal médio é de cerca de 0,5 kg/ano52. Aos 22 anos, quando se casou a
doente pesava 57 kg, ou seja um peso “ideal”, correspondendo a um IMC de 20.9 kg/m2.
Mas analisemos então o que se passou, em 30
anos, a D. Antónia aumentou 41 kg e ganhou um excesso calórico de 342.000 kcal, parece de facto brutal; mas corresponde a apenas a um ganho de 1,4 kg
– 12.300 kcal por ano, ou seja 116 g – 1050 kcal por
mês, ou seja, ainda 4 g – 36 kcal por dia. 36 kcal/dia
corresponde a um pacotinho de açúcar como aqueles que pomos no café, que tem 8 g de sacarose, ou
seja 32 kcal.
Ou seja mesmo neste caso extremo, com sucessivas aproximações, e em que nem sequer tivemos
em consideração a redução da actividade física
que ocorreu naturalmente também nesse período
de tempo, o desiquilíbrio energético é mínimo, de
facto supondo uma ingesta calórica diária de aproximadamente 2.500 kcal, esse desiquilíbrio entre a
ingesta e os gastos é de apenas 1%.
Este exemplo tão simples merece-nos várias reflexões. Em primeiro lugar sendo a obesidade uma
“doença” que se define pela presença de gordura
em excesso, não deixa de ser espantoso uma doença
que resulta apenas de termos reservas energéticas
em excesso. Em segundo lugar, que as grandes obesidades não precisam de grandes erros alimentares e
que pelos seus efeitos cumulativos, pequenos desiquilíbrios têm estes efeitos dramáticos. Finalmente
e particularmente relevante no contexto do nosso
tema, estes dados sugerem claramente que existe
um sistema homeostático que adequa a ingesta calórica aos gastos calóricos, já que mesmo no caso
extremo considerado há uma notável aproximação
entre ambos.53-55
A simplicidade dos cálculos numéricos apresentados suscita alguma incredulidade. Como é possível que pequenos excessos energéticos justifiquem
obesidades tão graves? Tal é possível porque os efeitos são cumulativos; como dizia um investigador
nesta área “it takes time to become obese; patients must
accept that it also takes times to loose weight”. Finalmente é necessário enfatizar que os valores referidos
são valores médios, sendo provável que o excesso
energético seja frequentemente maior, contrabalançado com períodos de relativo equilíbrio. Mas o
exemplo apresentado permite ainda outras conclusões. Dado que nunca foi demonstrado de forma
inequívoca que os sujeitos destinados a tornarem-se
obesos apresentem uma maior ingesta alimentar ou
uma menor actividade física do que os sujeitos que
permanecerão magros, parece inescapável, que o
excesso calórico poderá resultar de menores gastos
energéticos.53-55
Ora os gastos energéticos são razoavelmente
constantes de indivíduo para indivíduos se referidos
em relação à massa magra e correspondem grosso
modo a 22, 29, 44 kcal/kg de peso corporal, supondo um indivíduo sedentário, com actividade física
moderada ou com actividade física intensa respectivamente. A maior parte destes gastos energéticos
(cerca de 70%) correspondem ao metabolismo basal, enquanto que cerca de 15-20% correspondem
à actividade física e 5-10% correspondem ao efeito
dinâmico dos alimentos e 5-10% correspondem à
termogénese adaptativa.19-25,53-55
Embora possa haver diferenças discretas na termogénese adaptativa e no efeito dinâmico dos alimentos, nos sujeitos destinados a ser obesos, em
relação aos sujeitos que permanecem normoponderais, tem sido postulado que os obesos, apresentariam menores gastos energéticos no metabolismo
basal, apresentando portanto um metabolismo mais
eficiente, que explicaria aliás por selecção natural
em presença da fome habitual a extrema frequência
da obesidade nas sociedades actuais (spendthrift hypothesis).19-25,53-55
Esta formulação é suportada por múltipla evidência. Recordemos que a obesidade humana se
associa quase constantemente a níveis elevados
de leptina e portanto por definição à resistência à
leptina. Ora se os obesos são resistentes à leptina,
então precisamente eles apresentarão uma menor
saciedade, mas sobretudo menos gastos periféricos, resultantes de uma menor activação central do
sistema nervosos vegetativo simpático, e menor intensidade dos ciclos do substracto e menor expressão das UCP e predomínio relativos dos PPARγ/
PPARα, que precisamente justificaria os menores
gastos energéticos e um metabolismo mais eficiente.19-25,29-31,53-55
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 97
Comportamento alimentar
MODULAÇÃO CORTICAL DO PONDEROSTATO
No Homem e eventualmente noutros mamíferos
superiores, a actividade dos centros hipotalâmicos,
como o ponderostato que temos vindo a descrever
é modulada pelo sistema límbico e pelo córtex associativo e pré-frontal. Essa modulação é responsável
pelo apetite em oposição à fome/saciedade controlada directamente pelo ponderostato. Essa distinção
é reconhecida aliás na linguagem corrente: “não é
que tenha fome, apetece-me”.1-6,49,56,57
Os factores do apetite são extremamente variados e complexos e só agora começam a ser conhecidos com algum detalhe:
1) Características físicas dos alimentos;
2) Condições da alimentação — comer sozinho ou
acompanhado, em publico ou em privado, isoladamente ou lendo o jornal ou vendo a televisão;
3) Processos prévios de aprendizagem que conferiram à alimentação e a certos alimentos todo um
signifcado particular; etc., etc.
De facto no ser humano pelo menos, a alimentação além do seu significado teleológico vital, é também fonte de prazer e um processo cultural, de acordo com componentes cognitivos e afectivos.1-6,49,56,57
É neste contexto que devem ser entendidas as doenças do comportamento alimentar e a associação
frequente das perturbações do comportamento alimentar com as doenças psiquiátricas e com a utilização de psicofámacos.58-68
Embora a multiplicidade de factores envolvidos
não seja conhecida com exactidão, a base bioquímica desta modulação começa a ser esclarecida, com
repercurssões clínicas evidentes. Dentro dos clássicos sistemas de neurotransmissores centrais alguns
apresentam efeitos claros na modulação da ingesta
alimentar e consequentemente também nos gastos
energéticos periféricos, embora este último aspecto
seja frequentemente esquecido:
1) Sistema noradrenérgico com origem fundamentalmente no locus ceruleus da protuberância
com efeitos claros de inibição do comportamento
alimentar, um efeito mediado pelos receptores alfa1; exemplo claro deste efeito ocorre com as anfetaminas; no entanto a indução da fome pode ocorrer
com a estimulação dos receptores alfa-2;
2) Sistema colinérgico com origem fundamentalmente nos núcleos giganto-celulares do bulbo e
protuberância sem efeitos marcados na ingesta ali98 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
mentar pelo menos de forma directa;
3) Sistema serotoninérgico com efeitos claros na
inibição da ingesta alimentar, sendo utilizados clinicamente com esse objectivo; os anti-depressivos
clássicos, nomeadamente os inibidores da monoamina-oxidase, podem aumentar a fome, pelos efeitos inespecificos sobre a transmissão noradrenérgica, dopaminérgica e serotoninérgica, enquanto que
os anti-depressivos mais recentes, inibidores da recaptação da serotonina, dimi­nuem a fome;
4) Sistema histaminérgico com efeitos de inibição
da ingesta alimentar, donde o potencial ganho ponderal com os anti-histamínicos;
5) Sistema dopaminérgico com origem no núcleo
accumbens e substância cinzenta periaqueductal
com efeitos de inibição da ingesta alimentar, um
efeito secundário a ter em conta com a utilização
dos neurolépticos, que são genericamente agentes
anti-dopaminérgicos;
6) Sistema gabaminérgico com uma distribuição
ubiquitária no sistema nervoso central com efeitos
discretos de indução da fome, um efeito secundário
relativamente frequente dos ansiolíticos, sedativos e
hipnóticos;
7) Sistema glutaminérgico também com distribuição ubiquitária no encéfalo e também com discretos
efeitos na indução da fome, um efeito que é utilizado por alguns anti-epilépticos do tipo do topiramato (Figura 3a e 3b).10,11,14,15,69-71
Particularmente importante parece ser a intervenção do sistema dopaminérgico mesocorticolímbico que representa o verdadeiro sistema de gratificação universal e que serve assim para reforçar o
comportamento alimentar. Ou seja tornam o comportamento alimentar em si mesmo gratificante pela
associação à estimulação do sistema dopaminérgico
mesocorticolímbico. Um exemplo simples seria o
de que a ingesta de alimentos saborosos, estimula o
sistema dopaminérgico mesocorticolímbico — veremos adiante que aparentemente estimula o sistema opióide que por sua vez estimula o sistema dopaminérgico - que assim reforça a ingesta alimentar;
de forma paralela o comportamento alimentar em
determinadas circunstâncias poderia ficar associado
à estimulação desse sistema e seria assim reforçado.
Entramos no campo do apetite, da influência dos
psicotropos no comportamento alimentar e no âmbito das doenças do comportamento alimentar.72-84
Comportamento alimentar
a
b
Figuras 3a e 3b. (3a) cortes horizontais sucessivos ao
longo do tronco cerebral – A – pedúnculos cerebrais – (1)
substância cinzenta periaqueductal (2) núcleo accumbens;
B – protuberância – (3) locus ceruleus (4) núcleos da rafe (5)
núcleos gigantocelulares; C – bulbo; (3b) projecções corticolímbicas dos sistemas dopaminérgico (1), noradrenérgico (2) e serotoninérgico (3) (ver texto).
O sistema dopaminérgico mesocorti­colímbico
tem a sua origem em neurónios dopaminérgicos
cujo corpo celular está na área tegmentar ventral,
no mesencéfalo. Estes neurónios projectam-se no
núcleus accumbens, no sistema límbico — hipocampo e amígdala – no córtex cingulato e no córtex
prefrontal. Este sistema é inibido a montante por
neurónios gabaminérgicos e essa inibição é anulada
por neurónios opioidérgicos. Genericamente o sistema opióide e o sistema dopaminérgico reforçam o
comportamento alimentar. Em particular o sistema
dopaminérgico parece actuar através dos receptores
D1, pos-sinápticos, enquanto que os receptores D2
seriam pré-sinápticos e inibitórios, enquanto que os
efeitos dos opióides parecem ser mediados pelos receptores μ1.72-84
O sistema endocanabinóide apenas foi recentemente identificado. Os mediadores do sistema são
lípidos endógenos — anandamida e 2-araquidonilglicerol — que se ligam aos receptores activados
pelos derivados da Cannabis. Estes receptores são
essencialmente de dois tipos o CB1 presente sobretudo no sistema nervoso central e o CB2 presente
sobretudo nas células hematopoiéticas e imunológicas. Os endocanabinóides actuando através dos
receptores CB1, induzem a fome, sobretudo de alimentos com elevado valor hedónico — gorduras e
açucares livres. A leptina induz a saciedade, em parte pelo menos pela inibição do sistema endocanabinóide, enquanto que a hormona de concentração
da melanina (MCH) induz a fome, em parte pelo
menos pela estimulação deste sistema. O sistema
endocanabinóide é um componente intrínseco do
sistema de gratificação dopaminérgico mesocorticolímbico com origem no núcleo accumbens e na
substância cinzenta periaqueductal. Como seria de
esperar o sistema endocanabinóide também tem
profundos efeitos sobre os gastos energéticos periféricos, estimulando a lipogénese, no tecido adiposo e
no fígado, em parte pelo menos por efeitos directos
no factor de transcrição nuclear SREBP-1c (sterol
response element-binding protein-1c) que modula
a expressão genética de enzimas chave na lipogénese, nomeadamente a carboxilase-1 do acetilcoenzima (ACC1) e a sintase dos ácidos gordos (FAS).
Parte dos efeitos poderão também ser mediados
pela adiponectina e AMPK. Além disso no músculo o sistema endocanabinoide endógeno diminui a
expressão da proteína desacopladora, reduzindo os
gastos energéticos periféricos.72-84
Os fármacos de desenvolvimento recente como
o rimonabant que antagonizam o sistema endocanabinóide, ao nível do receptor CB1, abrem novas
potencialidades no tratamento das perturbações do
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 99
Comportamento alimentar
comportamento alimentar, reduzindo a gratificação
da ingesta de alimentos hedónicos e simultaneamente os gastos energéticos periféricos.72-84
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO
ALIMENTAR
A modulação cortical cognitiva e afectiva do ponderostato é extremamente relevante na prática clínica,
nomeadamente no caso das obesidades mórbidas,
com profundas alterações do comportamento alimentar e/ou doenças psiquiátricas ou utilização de
psicotropos. Aliás parece provável que apenas alterações do ponderostato, não sejam suficientes para
justificar as grandes obesidades, o que não quer com
certeza dizer que estas perturbações do comportamento alimentar, também não estejam presentes em
situações de excesso de peso ou de obesidade ligeira
ou moderada. Um exemplo real pode servir de ilustração.
A doente MFP de 48 anos foi internada no Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo
do Hospital de Santa Maria por obesidade mórbida, com feridas infectadas da parede abdominal e
insuficiência renal aguda. Aos 48 anos, com 1,55 m,
pesava 216 kg, correspondendo a um IMC de 90
kg/m2. De acordo com a história clínica sempre foi
“cheinha” e ambos os progenitores e as três irmãs e
as duas filhas também são obesas. No entanto aos
18 anos, na altura do casamento com 1,55m pesava
76 kg com um IMC de 31.6 kg/m2, uma obesidade
ligeira. Aos 18 anos ficou grávida e aumentou 22 kg,
aos 19 anos de novo grávida aumentou 18 kg e aos
21 anos, terceira gravidez com aumento de 20 kg,
todas sem intercorrências medicamente significativas; depois das gravidezes nunca recuperava o peso
prévio, de forma que aos 23 anos, depois do nascimento do último filho pesava 98 kg, IMC – 40.8 kg/
m2. Nessa altura deixou de trabalhar e ficou em casa
a cuidar dos filhos; rapidamente os filhos foram para
o infantário e com o marido a trabalhar, a senhora
passava os dias em casa, tratando da lide doméstica
e vendo televisão ou lendo revistas populares. Referia que frequentemente durante a manhã tinha
crises de voracidade alimentar para os hidratos de
carbono, sem bulimia, e que associava a períodos de
maior ansiedade e tristeza. Aos 28 anos, pesava 125
kg, IMC 52.1 kg/m2. Nessa altura e em parte pela
sua obesidade segundo a doente, o marido saiu de
100 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
casa e a doente teve uma depressão grave, não saindo de casa nem para passear e passou a tomar vários
ansiolíticos e anti-depressivos, nomeadamente de
tipo tricíclico. Aos 32 anos pesava 166 kg, IMC de
69.2 kg/m2. Recorreu então a vários médicos, mas
como estava muito deprimida não cumpria o plano alimentar, nem o plano de exercício proposto e
mesmo a medicação fazia apenas de forma irregular.
No entanto por indicação de várias amigas, utilizou
laxantes e diuréticos de forma irregular e muitas vezes depois da ingesta alimentar excessiva provocava o vómito. Numa dessas tentativas perdeu 12 kg,
mas ao fim de 1 ano, tinha ganho esses 12 e mais 8
kg, de forma que aos 34 anos, pesava 182 kg, IMC
75.8 kg/m2. Nessa altura teve uma infecção respiratória que foi acompanhada de falência respiratória e
obrigou ao internamento hospitalar com ventilação
assistida. Desde a alta hospitalar há 5 anos, nunca
mais saiu da cama, sendo o marido – que entretanto
voltou ao domicílio conjugal - e as filhas que tratam
da sua higiene, da sua alimentação e da lide doméstica. Aos 42 anos foi internada no SEDM com 216
kg.
Este exemplo dramático, mas nem por isso raro,
demonstra bem a importância das perturbações
graves do comportamento alimentar, das doenças
psiquiátricas associadas e da utilização não criteriosa dos psicotropos no desenvolvimento das grandes obesidades, que dificilmente resultarão apenas
de perturbações minor do ponderostato, como
aquelas que ocorreram no primeiro caso. Feitas as
contas, durante vários períodos de tempo, o excesso calórico médio diário da doente era de 200-300
kcal, sendo certo que depois voltava por períodos
a aparentes equilíbrios energéticos. Neste caso não
basta de facto invocar alterações do ponderostato e
é preciso considerar directamente as perturbações
do comportamento alimentar.
CONCLUSÕES
A obesidade define-se simplesmente como um excesso de gordura corporal. Esta situação que atinge
proporções epidémicas nas sociedades ocidentais,
corresponde a uma falência do ponderostato que
normalmente acopla de forma estrita o consumo
calórico e os gastos energéticos. A organização do
ponderostato é de tipo cibernético, com centros
hipotalâmicos e sensores periféricos essencialmen-
Comportamento alimentar
te com origem no tecido adiposo, tubo digestivo
e órgãos metabolicamente activos como o fígado
e o músculo. Pequenas alterações do ponderostato, eventualmente de base genética e bioquímica
poderão justificar a maior parte das obesidades
ligeiras ou moderadas. No entanto a modulação
corticolímbica do ponderostato e as perturbações
do comportamento alimentar são provavelmente
mais importantes para entender sobretudo as obesidades mórbidas. A elucidação progressiva a nível
bioquímico destes sistemas poderá permitir a prazo
um melhor entendimento destas situações e o desenvolvimento de terapêuticas farmacológicas mais
eficazes. r
Bibliografia
1. Stricker EM, Verbalis JG. Hormones and ingestive behaviors. in:
Behavioral endocrinology. Becker JB, Breedlove SM, Crews D (eds).
Capítulo 15, pps 453-372. Massachusetts Institute of Technology,
Cambridge, 1992.
2. Carlson NR. Ingestive behavior: Eating. In: Physiology of Behavior.
Carlson NR (ed). Capítulo 13: 395-429. Fifth edition. Allyn and Bacon, Bóston,1994.
3. Hill A.J., Rogers P.J. Food intake and eating behavior in humans. in:
Clinical Obesity. Kopelman P.G., Stck M.J. (eds). Capítulo 5: 86-111.
Blackwell Science Ltd, Oxford, Reino Unido, 1998.
4. Schwartz MW., Woods SC., Porte Jr D., Seeley R.J., Baskin D.G. Central nervous system control of food intake. Nature; 2000; 404; April 6:
661-71.
5. Schwartz GJ. Biology of eating behaviour in obesity. Obes Res 2004;
12: 102S-106S.
6. Gao Q., Horvath T.L. Neurobiology of feeding and energy expenditure. Annu Rev Neurosci 2006;
7. Martin Martins J., Sabino T. A etiopatogenia da obesidade revisitada.
Endocrinologia, Metabolismo & Nutrição 2001; 10; 2: 87-98.
8. Bray G.A. Obesity: an endocrine perspective. in: Endocrinology. DeGroot L.J., Besser G.M., Cahill G.F., Marshall J.C., Nelson D.H., Odell
W.D., Potts J.T., Rubenstein A.H., Steinberger E. (eds). Capítulo 141:
2303-37. Segunda edição, 1989. W.B. Saunders Company, Philadelphia, Estados Unidos da América.
9. Hernandez L., Murzi E., Schwartz D.H., Hoebel B.G. Electrophysiological and neurochemical approach to hierarchial feeding organization.
in: Obesity. Bjorntorp P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 14: 171-183.
J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América,
1992.
10. Schmidt C.J., Lovenberg W. Nutrients and the bichemical regulation
of brain function. in: Obesity. Bjorntorp P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 32: 391-8. J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América, 1992.
11. Leibowitz S.F. Brain neurotransmitters and hormones in relation to
eating behavior and its disorders. in: Obesity. Bjorntorp P., Brodoff
B.N. (eds). Capítulo 15: 184-205. J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América, 1992.
12. MW., Baskin D.G., Kaiyala K.J., Woods SC. Model for the regulation of
energy balance and adiposity by the central nervous system. Am J Clin
Nutr 1999; 69: 584-96.
13. Grill HJ, Kaplan JM. The neuroanatomical axis for control of energy
balance. Front Neurendocrinol 2002; 23: 2-40.
14. Leibowitz S., Wortley K.E. Hypothalamic control of energy balance:
different peptides, different funcionts. Peptides 2004; 473-504.
15. Williams G., Cai XJ., Elliott JC, Harrold JA. Anabolic neuropeptides.
Physiology & Behavior 2004; 81: 211-22.
16. Hriedman M.I. Control of energy intake by energy metabolism. Am J
Clin Nutr 1995; 62 (suppl): 1096S-1100S.
17. Bady I., Marty N., Dallaporta M., Emery M., Gyger J., Tarussio D., Foretz M., Thorens B. Evidence from Glut2-null mice that glucose is a
critical physiological regulator of feeding. Diabetes 2006; 55: 988-95.
18. K., Li B., Ki X., Suh Y., Martin R.J. Role of neuronal energy status
in the regulation of adenosine 5’-monophophate-activated protein
kinase, orexigenic neuropeptides expression, and feeding behaviour.
Endocrinology 2005; 146: 3-10.
19. Flat J.P. The biochemistry of energy expenditure. in: Obesity. Bjorntorp P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 8: 100-116. J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América 1992.
20. Westerterp K., Wilson S.A.J., Rolland V. Diet induced thermogenesis
measured over 24h in a respiratory chamber: effect of diet composition. Int J Obesity 1999; 23: 287-92.
21. Warden C. Genetics of uncoupling proteins in humans. Int J Obesity
1999; 23: S51-S52.
22. Lean M.E.J. Evidence for brown adipose tissue in humans. in: Obesity.
Bjorntorp P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 9: 117-29. J.B. Lippincott
Company, Philadelphia, Estados Unidos da América, 1992.
23. Lean M.E.J. Peroxisomne proliferators-activated receptor γ coactivator 1 coactivators, energy homeostasis and metabolism. Endocrine
Rev 2006; 27; 7: 728-35.
24. Hitman G.A. Molecular genetics of obesity. in: Clinical Obesity. Kopelman P.G., Stock M.J. (eds). Capítulo 4: 73-85. Blackwell Science
Ltd, Oxford, Reino Unido, 1998.
25. Barsh G.S., Farooqi S., O’Rahilly S. Genetics of body weight regulation. Nature 2000; 404: 644-51.
26. Coleman D.L. Obese and diabetes: two mutant genes causing diabetes-obesity syndromes in mice. Diabetologia 1978; 14: 141-8.
27. Zhang Y., et al. Positional cloning of the mouse obese gene and its human homologue. Nature 1994; 372: 425-32.
28. Halaas J.L., Gajiwala K.S., Maffei M., Cohen S.L., Chait B.T., Rabinowitz D., Lallone R.L., Burley S.K., Friedman J.M. Weight-reducing
effects of the plasma protein encoded by the obese gene. Science 1995;
269: 543-6.
29. Bray G.A., York D.A. Leptin and clinical medicine: a new piece in the
puzzle of obesity. J Clin Endocirnol Metab 1997; 82; 2771-6.
30. Auwerx J., Staels B. Leptin. Lancet 1998; 351: 737-42.
31. Friedman J.M., Halaas J.L. Leptin and the regulation of body weight in
mammals. Nature 1998; 395: 763-70.
32. Schwartz M.W., et al. Specificity of leptin action on elevated blood glucose levels and hypothalamic neuropeptide Y gene expression in ob/
ob mice. Diabetes 1996; 45: 531-5.
33. Schwartz M.W. et al. Leptin increases hypothalamic pro-opiomelanocortin mRNA expression in the rostral arcuate nucleus. Diabetes
1997; 46: 2119-23.
34. Cowley MA, et al. Leptin activates anorexigenic POMC neurons
through a neural network in the arcuate nucleus. Nature 2001; 411:
480-4.
35. Jeong K-H., Sakihara S., Widmaier E.P., Majzoub J.A. Impaired leptin
expression and abnormal response to fasting in corticotrophin-releasing hormone-deficient mice. Endocrinology 2004; 145; 7: 3174-81.
36. Morton GJ., Blevins JE, Williams DL, Niswender KD, Gelling RW,
Rhodes CJ, Baskin DG, Schwartz MW. Leptin action in the forebrain
regulates the hindbrain response to satiety signals. J Clin Invest 2005;
115: 703-10.
37. Geary N. Endocrine controls of eating: CCK, leptin, and ghrelin. Physiology & Behavior 2004; 81; 719-33.
38. Trujillo M.E., Scherer P.E. Adipose tissue-derived factors: impact on
health and disease. Endocrine Rev 2006; 27; 7: 762-78.
39. Badman M.K. The Gut and energy balance: visceral allies in the obesity wars. Science 2005; 307: 1909-14.
40. Moran T.H. Gut peptides in the control of food intake: 30 years of
ideas. Physiology & Behavior 2004; 82: 175-80.
41. Murphy K.G., Dhillo W.S., Bloom S.R. Gut peptides in the regulation
of food intake and energy homeostasis. Endocrine Rev 2006; 27; 7:
719-27.
42. Yoshihara F., Kojima M., Hosoda H., Nakazato M., Kangawa K. Ghrelin: a novel peptide for growth hormone release and feeding regulation. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 2002; 5: 391-5.
43. Cummings D.E., Weigle D.S., Frayo S., Breen P.A., Ma M.K., Dellinger
E.P., Purnell J.Q. Plasma Ghrelin levels after diet-induced weight loss
or gastric bypass surgery. N Engl J Med 2002; 346; 21: 1623-30.
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 101
Comportamento alimentar
44. Wortley K.E., Anderson K.D., Garcia K., Murray J.D., Malinova L., Liu
R., Moncrieffe M., Thabet K., Cox H.J., Yancopoulos G.D., Wiegand
S.J., Sleeman M.W.Genetic deletion of ghrelin does not decrease food
intake but influences metabolic fuel preference. Proc Natl Acad Sci
USA 2004; 101; 21: 8227-32.
45. Naleid A.M., Grace M.K., Cummings D.E., Levine A.S. Ghrelin induces feeding in the mesolimbic reward pathway beteen the ventral tegmental area and the nucleus accumbens. Peptides 2005; 26: 2274-9.
46. Saito E-S., Kaiya H., Tachibana T., Tomonaga S., Denbow D.M., Kangawa K., Furuse M. Inhibitory effect iof ghrelin on food intake is mediated by the corticotropin-releasing factor system in neonatal chicks.
Regulatory Peptides 2005; 125: 201-8.
47. Drucker D.J. The role of gut hormones in glucose homeostasis. J Clin
Invest 2007; 117; 1: 24-32.
48. Smith S.R., Blundell J., Burns C., Ellero C., Schoreder B.E., Kesty N.C.,
Chen K., Halseth A.E., Lush C.W., Weyer C. Pramlintide treatment
reduces 24-hour caloric intake and meal sizes, and improves control
of eating in obese subjects: a 6-week translational research study. Am J
Physiol Endocrinol Metab 2007;
49. Naslund E., Hellstrom P.M. Appetite signaling: from gut peptides and
enteric nerves to brain. Physiol Behav 2007; May 2007;
50. Pasquali R., Cantobelli S., Casimirri F., Capelli M., Bortoluzzi L., Flamia R., Labate M.M., Barbara L. The hypothalamic-pituitary-adrenal
axis in obese women with different patterns of body fat distribution. J
Clin Endocrinol metab 1993; 77: 341-6.
51. Rosmond R., Dallman M.F., Bjorntorp P. Stress-related cortisol secretion in men: relationships with abdominal obesity and endocrine,
metabolic and hemodynamic abnormalities. J Clin Endocrinol Metab
1998; 83: 1853-9.
52. Heitman B.L., Garby L. Patterns of long-term weight changes in
overweight developing Danish men and women aged between 30 and
60 years. Int J Obesity 1999; 23: 1074-8.
53. Bray G.A. An approach to the classification and evaluation of obesity.
in: Obesity. Bjorntopr P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 24: 294-308.
J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América
1992.
54. Pietilainen K.H., Kaprio J., Rissanen A., Winter T., Rimpela A., Viken
R.J., Rose R.J. Distribution and heritability of BMI in Finnish adolescents aged 16y and 17y: a study of 4884 twins and 2509 sigletons. Int
J Obesity 1999; 23: 107-15.
55. Stunkard A.J., Harris J.R., Pedersen N.L., McClearn G.E., The bodymass index of twins who have been reared apart. N Engl J med 1990;
322: 1483-7.
56. Finlayson G., King N., Blundell J.E.Liking vs. wanting food: importance for human appetite control and weight regulation. Neurosci Biobehav Rev 2007;
57. Berthoud H-R. Neural control of appetite: cross-talk between homeostatic and non-homeostatic systems. Appetite 2004; 43: 315-7
58. Foster D.W.Eating disorders: obesity, anorexia nervosa, and bulimia
nervosa. in: Williams Textbook of Endocrinology. Wilson J.D., Foster
D.W. (eds). Capítulo 25: 1335-65. Oitava edição 1992. W.B. Saunders
Company, Philadelphia, Estados Unidos da América.
59. Williamson D.A.Assessment of eating disorders. Pergamon Press,
New York, Estados Unidos da América, 1990.
60. Becker A., Grinspoon S.K., Klibanski A., Herzog D.B. Eating disoders.
N Engl J Med 1999; 340; 14: 1092-8.
61. Fairburn C.G., Harrison P. Eating disorders. Lancet 2003; 361: 407-16.
62. Williamson D.A., Kelley M.L.,Davis C.J., Ruggiero L., Bluoin D.C.
Psycopathology of eating disorders: a controlled comparison of bulimic, obese and normal subjects. J Cons Clin Psychol 1985; 53: 161-6.
63. Fernstrom J.D. Brain serotonin, food intake regulation, and obesity. in:
Obesity. Bjorntorp P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 34: 411-23. J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América, 1992.
64. Oren D.A., Rosenthal N.E. Environmental light, mood, and seasonal
affective disorder. in: Obesity. Bjorntorp P., Brodoff B.N. (eds). Capítulo 35: 424-35. J.B. Lippincott Company, Philadelphia, Estados Unidos da América, 1992.
65. Hill A.J., Rogers P.J. Food intake and eating behavior in humans. in:
Clinical Obesity. Kopelman P.G., Stck M.J. (eds). Capítulo 5: 86-111.
Blackwell Science Ltd, Oxford, Reino Unido, 1998.
66. Wurtman J.J. Disorders of food intake: excessive carbohydrate snack
intake among a class of obese people. Ann NY Acad Sci 1987; 499:
197-202.
102 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
67. Wurtman J.J., Wurtman R.J.,Gordon J.H., Henry P., Lipscomb A., Zeisel
S.H. Carbohydrate craving in obese people: suppression by treatments
affecting serotoninrgic transmission. Int J Eating Dis 1981; 1: 2-15.
68. Johansen J.E., Fetissov S.O., Bergstrom U.,, Nilsson I., Fay C., Ranscht
B., Hokfelt T., Schalling M Evidence for hypothalamic dysregulation in
mouse models of anorexia as well as in humans. Physiol Behav 2007.
69. Branson R., Potoczna N., Kral J.G., Lentes K-U., Hoeche M.R., Horber F.F. Binge eating as a major phenotype of melanocortin 4 receptor
gene mutations. N Engl J Med 2003; 348; 12: 1096-103.
70. Cone R.D. Studies on the physiological functions of the melanocortin
system. Endocrine Rev 2006; 27; 7: 736-49.
71. Lee S.W., Stanley G. NMDA receptors mediate feeding elicited by
neuropeptide Y in the lateral and perifornical hypothalamus. Brain
Res 2005; 1063: 1-8.
72. Hoebel B.G. Brain neurotransmitters in food and drug reward. Am J
Clin Nutr 1985; 42: 1133-50.
73. Volkow n.d., Wang G-J., Maynard L., Jayne M., Fowler J.S., Zhu W.,
Logan J., Gatley S.J., Ding Y-S., Wong C., Pappas N. Brain dopamine
is associated with eating behaviours in humans. Int J Eating Disord
2003; 33: 136-42.
74. MacDonald AF, Billington CJ., Levine AS. Alterations in food intake
by opioid and dopamine signalling pathways between the ventral tegmental area and the shell of the nucleus accumbens. Brain Res 2004;
1018: 78-85.
75. Gardner E.L.Endocannabinoid signalling system and brain reward:
emphasis on dopamine. Pharm Biochem Behav 2005; 81: 263-84.
76. Osei-Hyiaman D., Harvey-White J., Batkai S., Kunos G.The role of the
endocannabinoid system in the control of energy homeostasis. Int J
Obesity 2006; 30: S33-8.
77. Bisogno T., Ligresti A., di Marzo V.The endocannabinoid signalling
system: biochemical aspects. Pharmacol Biochemistry and Behav
2005; 81: 224-238.
78. M.R., Nunez E., Benito C., Tlón R.M., Romero J. Functional neuroanatomy of the endocannabinoid system. Pharmacol Biochemistry and
Behavior 2005;81: 239-47.
79. Pagotto U., Cervino C., Vicennati V., Marsicano G., Lutz B., Paquali
R. How many sites of action for endocannabinoides to control energy
metabolism? Int J Obesity 2006; 30: S39-S43.
80. Pagotto U., Vicennati V., Pasquali R.The endocannabinoid system and
the treatment of obesity. Ann Med 2005; 37: 270-5.
81. Després J-P., Lemieux I., Alméras N. Contribution of CB1 blockade to
the management of high-risk abdominal obesity. Int J Obesity 2006;
30: S44-S52.
82. Scheen A.J., Finer N., Hollander P., Jensen M.D., Van Gaal L.F. for the
RIO-Diabetes Study Group. Efficacy and tolerability of rimonabant in
overweight or obese patients with type 2 diabetes: a randomised controlled study.
83. Després JP., Golay A., Sjostrom L. for the Rimonabant in ObesityLipids Study Group. Effects of rimonabant on metabolic risk factors in
overweight patients with dyslpidemia. N Engl J Med 2005; 353: 212134.
84. Salamone J.D., McLaughlin P.J., Sink K., Makriyannis A., Parker L.A.
Cannabinoid CB(1) receptor inverse agonists and neutral antagonists:
effects on food intake, food-reinforced behavior and food aversions.
Physiol Behav 2007;
Correspondência
João Martin Martins
[email protected]
Artigo Breve
Tumores neuroendócrinos do tubo digestivo: sintomas e sinais
Isabel Claro
Serviço de Gastrenterologia , Instituto Português de Oncologia de Lisboa de Francisco Gentil, E.P.E.
O
s Tumores Neuroendócrinos (TNE) são
entidades raras, representando cerca de
2% dos tumores malignos gastrointestinais. A sua incidência global foi estimada recentemente em 2/100.000/ano para o sexo masculino
e 2,4/100.000/ano para o sexo feminino, reconhecendo-se no entanto que esta é muito superior se
considerarmos estudos de necrópsia.
Uma das características mais marcantes dos
TNE é a sua associação com outros tumores malignos, síncronos ou metacrónicos, podendo esta atingir 22,4% dos doentes.
Os sinais e sintomas atribuíveis aos TNE podem
agrupar-se da seguinte forma:
1) Achados, em exames complementares de diagnóstico efectuados por queixas inespecíficas, em
rastreios (rastreio do carcinoma do cólon ou recto)
ou intra-operatoriamente;
2) Presença de uma síndroma clínica resultante da
produção e libertação de produtos biológicos (síndroma carcinóide ou hipoglicémias no contexto de
insulinoma);
3) Sintomatologia condicionada pelo crescimento/
invasão local e/ou à distância (dor abdominal, icterícia, hepatomegália metastática).
Individualmente, abordaremos primeiro os TNE
do tubo digestivo e em seguida os tumores endócrinos do pâncreas.
tubo digestivo, ocupando o 3º lugar entre estes, mas
o aumento da incidência verificado nas últimas 5
décadas pode representar, pelo menos em parte, um
aumento do número de diagnósticos face à difusão
da endoscopia digestiva alta. Definem-se 3 tipos; o
tipo I, o mais prevalente, associado a gastrite crónica
atrófica do corpo, muitas vezes no contexto de anemia perniciosa, com consequente hipocloridria e hipergastrinémia; o tipo II associado a hipergastrinémia no contexto de Síndroma de Zollinger-Ellison
ou MEN-1 e o tipo III, não associado nem a atrofia
da mucosa nem a hipergastrinémia, de maior agressividade. O tipo I é assintomático ou apresenta-se
com clínica de anemia perniciosa; o tipo II apresenta sintomatologia resultante de hipergastrinémia
(úlcera péptica, doença de refluxo gastroesofágico
e/ou diarreia) e o tipo III apresenta-se geralmente
sob a forma de uma síndroma dispéptica com epigastralgias e eventualmente anemia ferropénica.
TNE do esófago
São extremamente raros, localizam-se sobretudo
no 1/3 distal, sendo reconhecida uma associação à
metaplasia de Barrett; a principal sintomatologia é a
disfagia associada a perda de peso significativa.
TNE do jejuno/ileo
São a 1ª localização para os TNE do tubo digestivo (cerca de 30%). Atingem sobretudo o íleo distal,
são frequentemente múltiplos e com dimensão inferior a 2 cm. A apresentação clínica mais frequente
é a dor abdominal intermitente, resultante por um
lado da fibrose e retracção do mesentério que condiciona um pregueamento do delgado em forma
TNE do estômago
Correspondem actualmente a 11-14% dos TNE do
TNE do duodeno
Representam 2-3 % dos TNE do tubo digestivo.
Descrevem-se 5 variedades: gastrinoma, somatostatinoma, TNE não funcionante, paraganglioma
gangliocítico e carcinoma neuroendócrino indiferenciado. Cerca de 1/3 são assintomáticos; nos
restantes a apresentação habitual é a dor abdominal,
hemorragia digestiva alta ou icterícia.
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 103
Tumores neuroendócrinos
de acordeão (kinking), com obstrução parcial e por
outro da isquémia provocada pelo encarceramento
dos vasos mesentéricos dependente do crescimento
ganglionar.
Com a metastização hepática surge habitualmente a síndroma carcinóide, resultante da incapacidade do fígado metabolizar adequadamente a serotonina produzida pelo TNE. Esta vai condicionar
diarreia, flushing, doença valvular cardíaca direita e
mais raramente obstrução brônquica intermitente e
pelagra. Para a etiopatogenia da diarreia e flushing,
contribuem também as aminas biogénicas e péptidos como as taqui e bradicininas e histamina. A
doença cardíaca é habitualmente uma complicação
tardia da doença, associando-se a níveis elevados de
5-HIAA, pelo que se preconiza o seu despiste regular com ecocardiografia trans-torácica quando estes
são > 100 mg/24h. Embora a síndroma carcinóide
não seja exclusiva dos TNE nesta localização, é sobretudo encontrada neste contexto.
TNE do apêndice cecal
São actualmente menos frequentes (4º lugar entre
os TNE do tubo digestivo), sendo estimada uma incidência de 1 para cada 100 a 300 apendicectomias.
A maioria tem dimensões inferiores a 1 cm. São geralmente assintomáticos ou podem mimetizar uma
apendicite aguda.
TNE do cólon
Representam 8-11% do total de TNE do tubo digestivo. Localizam-se sobretudo no cego e cólon ascendente e tal como os TNE do delgado apresentam
infiltração desmoplásica justa-tumoral. Do ponto
de vista clínico apresentam-se com dor abdominal,
alteração do trânsito intestinal e perda de peso.
TNE do recto
Constituem 15 a 18% dos TNE do tubo digestivo
(2º lugar). Localizam-se sobretudo no 1/3 superior
do recto e apresentam-se como lesões de coloração
amarelada e aparência submucosa. Na maioria são assintomáticos, embora em fase mais avançada se verifique proctalgia e alteração do trânsito intestinal.
Tumores endócrinos do pâncreas
São habitualmente sistematizados em “funcionantes” se forem responsáveis por uma síndroma clíni104 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade
Quadro 1. Manifestações clínicas associadas aos tumores
endócrinos do pâncreas funcionantes mais frequentes
Tumor endócrino
do pâncreas
Manifestações clínicas
Insulinoma
Hipoglicémia
Sintomas neuroglicopénicos:
diplopia, confusão mental, amnésia, coma
Sintomas activação adrenérgica: sudação, tremores, náuseas, fome
Gastrinoma
Úlcera péptica
Complicada, resistente à terapêutica
Doença de refluxo gastroesofágico
Diarreia
Precede, acompanha ou é subsequente à úlcera péptica
VIPoma
Diarreia secretória
Hipocaliémia, acloridria/hipocloridria
Acidose metabólica, desidratação, astenia, arritmias, hiperglicémia, flushing
Glucagonoma
Eritema necrolítico migratório
Diabetes mellitus
Perda de peso
Pode atingir 20-30kg
Trombose venosa profunda
Somatostatinoma
Diabetes mellitus
Diarreia
Litíase biliar
ca específica (Quadro 1), e “não funcionantes” na
situação oposta. Os tumores não funcionantes são
actualmente os mais frequentes (20-50% total),
são grandes e localizam-se sobretudo na cabeça do
pâncreas. A apresentação clínica é dependente do
crescimento/invasão de estruturas adjacentes (dor,
icterícia, pancreatite recorrente, hemorragia digestiva alta) ou resultante da metastização à distância
(hepatomegália, dor). r
Bibliografia
1. Hemminki K, Li X. Incidence trends and risk factors of carcinoid
tumors. A nationwide epidemiologic study from Sweden. Cancer
2001;92:2204-10.
2. Modlin IM, Lye KD, Kidd M. A 5-decade analysis of 13,715 carcinoid
tumours. Cancer 2003;97:934-59.
3. Williams GT. Endocrine tumours of the gastrointestinal tract – selected topics. Histopathology 2007;50:30-41.
4. Warner RPP. Enteroendocrine Tumors Other than Carcinoid: A Review of Clinically Significant Advances. Gastroenterol 2005; 1668-84.
5. Endocrine Tumours of the Gastrointestinal Tract: Part I. Best Pract
Res Clin Gastroenterol 2005;19 (4).
6. Endocrine Tumours of the Gastrointestinal Tract: Part II. Best Pract
Res Clin Gastroenterol 2005;19 (5).
7. Handbook of Neuroendocrine Tumours. Their current and future management. Martyn Caplin and Larry Kvols eds. 1st Edition. Bristol:
BioScientifica; 2006.
Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 105

Documentos relacionados