ENDO - Novembro | Dezembro 2008
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ENDO - Novembro | Dezembro 2008
PUBLICAÇÃO BIMESTRAL | PREÇO UNITÁRIO 20 € ENDO Endocrinologia & Diabetes Obesidade NOVEMBRO | DEZEMBRO 2008 VOL. 2 | Nº 3 Estamos a * conseguir! * Finer, N; European Heart Journal Supplements (2005) 7 Supplement LL32-L38. ** Doentes obesos com um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 Kg/m2 ou doentes com excesso de peso com um IMC igual ou superior a 27 Kg/m2 com comorbilidades associadas, e que não responderam adequadamente a um regime de emagrecimento devidamente concebido, i.e. a doentes que tiveram dificuldades em atingir ou manter uma perda de peso > 5% num período de 3 meses. …menos peso, mais saúde…com Reductil** INFORMAÇÕES ESSENCIAIS COMPATÍVEIS COM O RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO DENOMINAÇÃO DO MEDICAMENTO Reductil®, 10mg cápsulas duras / Reductil® 15mg cápsulas duras COMPOSIÇÃO QUALITATIVA E QUANTITATIVA Uma cápsula dura de Reductil® 10mg contém 10mg de cloridrato monohidratado de sibutramina (equivalente a 8,37mg de sibutramina). Uma cápsula dura de Reductil® 15mg contém 15mg de cloridrato monohidratado de sibutramina (equivalente a 12,55mg de sibutramina). FORMA FARMACÊUTICA Reductil®, 10mg cápsulas duras - Com a parte superior de cor azul e a parte inferior de cor amarela. Reductil® 15mg cápsulas duras - Com a parte superior de cor azul e a parte inferior de cor branca. INDICAÇõES TERAPÊUTICAS Reductil® está indicado como terapêutica adjuvante de um programa de controlo do peso corporal em: - Doentes obesos com um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg/m2 - Doentes com excesso de peso com um IMC igual ou superior a 27 kg/m2 que apresentam outros factores de risco relacionados com a obesidade tais como diabetes tipo 2 ou dislipidémia. Nota: Reductil® só deve ser prescrito a doentes que não responderam adequadamente a um regime de emagrecimento devidamente concebido, i.e. a doentes que tiveram dificuldades em atingir ou manter uma perda de peso> 5% num período de 3 meses. O tratamento com Reductil® 10mg/15mg só deve ser administrado como parte integrante de uma abordagem terapêutica de redução de peso a longo prazo, sob a vigilância de um médico com experiência no tratamento da obesidade. Uma abordagem adequada do tratamento da obesidade deverá incluir modificações dietéticas e comportamentais para além de um aumento da actividade física. Esta abordagem integrada é essencial a uma alteração persistente dos hábitos e comportamentos alimentares, fundamental para manter a longo prazo o nível de redução de peso atingido, após a suspensão do tratamento com Reductil·. Os doentes devem alterar o seu estilo de vida no decurso do tratamento com Reductil®, de modo a manterem o seu peso após a suspensão do tratamento com o fármaco. Os doentes deverão ser informados de que poderão recuperar o peso se não cumprirem estas recomendações. Recomenda-se que o doente seja mantido sob vigilância médica mesmo após a suspensão do tratamento com Reductil®. Posologia e modo de administração Adultos: A dose inicial é de uma (1) cápsula de Reductil® 10mg administrada por via oral, sem mastigar, uma vez por dia, de manhã, com líquido (por ex. um copo de água). A cápsula pode ser tomada com ou sem alimentos. Nos doentes em que a resposta a Reductil® 10mg é insuficiente (definida por uma perda ponderal inferior a 2 kg após quatro (4) semanas de tratamento), a dose pode ser aumentada para uma (1) cápsula de Reductil® 15mg uma vez por dia, desde que Reductil® 10mg seja bem tolerado. O tratamento deve ser suspenso nos doentes que responderam inadequadamente a Reductil® 15mg (definido por uma redução ponderal inferior a 2kg após quatro (4) semanas de tratamento). Os doentes que não responderam à terapêutica têm um risco superior de efeitos indesejáveis (ver secção “Efeitos indesejáveis”). Duração do tratamento: O tratamento deve ser suspenso em doentes que não responderam adequadamente, i.e. cuja redução ponderal tenha estabilizado em menos de 5% do seu peso inicial, ou cuja perda ponderal no período de três (3) meses após o início da terapêutica tenha sido inferior a 5% do seu peso inicial. O tratamento não deve ser mantido em doentes que tenham readquirido 3kg ou mais após terem registado uma redução ponderal prévia. Nos doentes com patologias concomitantes, o tratamento com Reductil® 10mg/15mg só deverá prosseguir se for demonstrado que a perda de peso induzida está associada a outros benefícios clínicos, nomeadamente, melhoria do perfil lipídico em doentes com dislipidémia ou controlo glicémico na diabetes tipo 2. Reductil® 10mg/15mg só deverá ser administrado até um período máximo de um ano. Os dados disponíveis relativamente ao uso por um período superior a um ano, são limitados. Contraindicações Hipersensibilidade conhecida ao cloridrato monohidratado de sibutramina ou a qualquer dos excipientes; Obesidade de causas orgânicas; Antecedentes de perturbações major do comportamento alimentar; Doença psiquiátrica. Sibutramina demonstrou potencial actividade antidepressiva em estudos de experimentação animal, pelo que não se poderá excluir a hipótese do fármaco induzir um episódio de mania em doentes com patologia bipolar; Síndrome de Gilles de la Tourette ; Uso concomitante, ou uso durante as últimas duas semanas, de inibidores da monoaminoxidase ou de outros fármacos com acção sobre o sistema nervoso central, utilizados no tratamento de doenças do foro psiquiátrico (tais como antidepressivos, antipsicóticos) ou na redução ponderal, ou de triptofano para o tratamento de perturbações do sono; Antecedentes de doença coronária, insuficiência cardíaca congestiva, taquicardia, doença arterial oclusiva periférica, arritmias ou doença cerebrovascular (acidente vascular cerebral ou AIT); Hipertensão inadequadamente controlada (> 145/90 mmHg; ver secção “Advertências e precauções especiais de utilização”); Hipertiroidismo; Insuficiência hepática grave; Insuficiência renal grave e em doentes com insuficiência renal terminal em diálise; Hiperplasia benigna da próstata com retenção urinária; Feocromocitoma; Glaucoma de ângulo fechado; Antecedentes de uso de drogas ilícitas, consumo abusivo de medicamentos ou de álcool; Gravidez e aleitamento; Crianças e adolescentes até aos 18 anos de idade, devido a dados insuficientes; Doentes com idade superior a 65 anos, devido a dados insuficientes. Advertências e precauções especiais de utilização Advertências: Deve proceder-se à monitorização da pressão arterial e da frequência cardíaca em todos os doentes submetidos a um tratamento com Reductil® 10mg/15mg, visto que a sibutramina tem provocado aumentos clinicamente relevantes da pressão arterial em alguns doentes. Nos primeiros três meses de tratamento, estes parâmetros devem ser verificados em intervalos de 2 semanas; entre o 4 e o 6 mês estes parâmetros devem ser verificados uma vez por mês e posteriormente em intervalos regulares, até um máximo de três meses. O tratamento deve ser suspenso nos doentes para os quais, em duas consultas consecutivas, seja detectado um aumento da frequência cardíaca em repouso ≥10 bpm ou da pressão arterial sistólica/diastólica ≥10 mmHg. O tratamento deve ser também suspenso em doentes hipertensos, anteriormente bem controlados, se a pressão arterial for superior a 145/90 mm/Hg em duas medições consecutivas (ver secção “Efeitos indesejáveis, alterações cardiovasculares”). Em doentes com síndroma de apneia do sono devem ser tomados cuidados especiais na monitorização da pressão arterial. No uso concomitante de sibutramina com simpaticomiméticos, ver secção “Interacções medicamentosas e outras formas de interacção”. Embora a sibutramina não tenha sido associada à ocorrência de hipertensão pulmonar primária, é importante vigiar, devido às preocupações gerais com os fármacos anti-obesidade, no decurso de check-ups de rotina, o aparecimento de sintomas tais como dispneia progressiva, dor torácica e edema maleolar. O doente deve ser aconselhado a consultar imediatamente um médico caso se manifestem estes sintomas. Reductil® 10mg/15mg deve ser administrado com precaução a doentes com epilepsia. Têm sido observados aumentos dos níveis plasmáticos de sibutramina em doentes com insuficiência hepática ligeira a moderada. Embora não tenham sido referidos efeitos adversos, Reductil® 10mg/15mg deve ser usado com precaução nestes doentes. Embora só os metabolitos inactivos sejam excretados por via renal, Reductil® 10mg/15mg deve ser utilizado com precaução em doentes com insuficiência renal ligeira a moderada. Reductil® 10mg/15mg deve ser administrado com precaução a doentes com antecedentes familiares de alterações motoras ou verbais. As mulheres em idade fértil devem utilizar medidas contraceptivas adequadas durante o tratamento com Reductil® 10mg/15 mg. Existe a possibilidade de consumo abusivo de fármacos com acção ao nível do SNC. No entanto, os dados clínicos 45,20€ 49,20€ disponíveis não revelam quaisquer sinais de consumo abusivo com a sibutramina. Determinados fármacos anti-obesidade estão associados a um aumento do risco de valvulopatias cardíacas. No entanto, dados clínicos com sibutramina não revelam quaisquer sinais de um aumento desta incidência. Doentes com antecedentes de perturbações major do comportamento alimentar, tais como anorexia nervosa ou bulimia nervosa estão contra-indicados. Não existem dados disponíveis de sibutramina no tratamento de doentes com perturbações alimentares compulsivas. Sibutramina deve ser administrada com precaução em doentes com glaucoma de ângulo aberto com história familiar de risco de pressão intra-ocular elevada. Tal como com outros agentes que inibem a recaptação da serotonina, há um potencial aumento de risco de hemorragias (incluindo ginecológicas, gastrointestinais e outras hemorragias cutâneas ou das mucosas) em doentes sob tratamento com sibutramina. Assim, a sibutramina deverá ser administrada com precaução em doentes com predisposição para hemorragias e que tomem concomitantemente outros medicamentos que afectem a hemostase ou a função plaquetária. Foram reportados casos muito raros de depressão, tendência para suicídio e suicídios em doentes sob tratamento com sibutramina. Recomenda-se pois especial atenção em doentes com história de depressão. Em caso de ocorrerem durante o tratamento com sibutramina, sinais ou sintomas de depressão, deve-se considerar a suspensão de sibutramina e iniciar tratamento apropriado. Reductil® 10mg/15mg contém lactose e portanto não deve ser usado em doentes com alguns problemas hereditários de intolerância à galactose, deficiência de lactase ou má absorção à glucose-galactose. Interacções medicamentosas e outras formas de interacção A sibutramina e os seus metabolitos activos são eliminados por metabolismo hepático; a principal enzima envolvida é a CYP3A4 e poderão igualmente contribuir a CYP2C9 e a CYP1A2. Deve ter-se especial cuidado durante a administração concomitante de Reductil® 10mg/15mg com fármacos que afectam a actividade da enzima CYP3A4. Entre os inibidores da CYP3A4 incluem-se o cetoconazol, itraconazol, eritromicina, claritromicina, troleandomicina e a ciclosporina. Um estudo sobre interacção medicamentosa revelou que a administração concomitante de cetoconazol ou eritromicina com sibutramina induziu um aumento das concentrações plasmáticas (AUC) dos metabolitos activos da sibutramina (23% ou 10% respectivamente). Verificaram-se aumentos médios da frequência cardíaca até 2,5 batimentos por minuto em relação à administração isolada de sibutramina. A rifampicina, fenitoína, carbamazepina, fenobarbital e a dexametasona são indutores da enzima CYP3A4 e podem acelerar o metabolismo da sibutramina, embora este facto não tenha sido objecto de estudos experimentais. A utilização simultânea de vários fármacos, que aumentam os níveis de serotonina no cérebro, pode originar interacções graves. Este fenómeno é designado por síndrome da serotonina e poderá ocorrer, em caso raros, em associação com o uso simultâneo de um inibidor selectivo da recaptação da serotonina [ISRS] com certos fármacos utilizados no tratamento da enxaqueca (como o sumatriptano e a dihidroergotamina), ou conjuntamente com certos opiáceos (como a pentazocina, petidina, fentanil, dextrometorfano), ou em caso de utilização simultânea de dois ISRS. Dado que a sibutramina inibe a recaptação de serotonina (entre outros efeitos), Reductil® 10mg/15mg não deve ser utilizado concomitantemente com outros fármacos que também elevem os níveis cerebrais de serotonina. Não foi avaliado sistematicamente o uso concomitante de Reductil® 10mg/15mg com outros fármacos que sejam susceptíveis de aumentar a pressão arterial ou a frequência cardíaca (por ex. simpaticomiméticos). Entre os fármacos deste tipo incluem-se determinados medicamentos para o tratamento da tosse, constipação e alergias (por ex., efedrina, pseudoefedrina) e certos descongestionantes (por ex. xilometazolina). Recomenda-se precaução ao prescrever Reductil® 10mg/15mg a doentes que estejam a utilizar estes medicamentos. Reductil® 10mg/15mg não afecta a eficácia de contraceptivos orais. Em doses únicas, a sibutramina não afectou adicionalmente o rendimento cognitivo ou psicomotor quando administrada concomitantemente com álcool. Contudo, regra geral, o consumo de álcool não é compatível com as medidas dietéticas recomendadas. Não existem dados disponíveis sobre o uso concomitante de Reductil® 10mg/15mg com orlistat. Devem decorrer duas semanas entre a suspensão do tratamento com sibutramina e o início do tratamento com inibidores da monoaminoxidase. Efeitos indesejáveis A maioria dos efeitos adversos notificados com sibutramina ocorreu na fase inicial do tratamento (durante as primeiras 4 semanas). A sua intensidade e frequência diminuíram no decurso do tempo. Regra geral, estes efeitos não foram graves, não justificaram a interrupção do tratamento e foram reversíveis. Os efeitos adversos observados nas fases II/III dos ensaios clínicos encontram-se especificados no quadro que se segue, por sistema orgânico (muito frequentes> 1/10, frequentes <1/10 e> 1/100: Sistema cardiovascular (ver informação abaixo descrita): Frequente – Taquicardia, Palpitações, Aumento da pressão arterial/hipertensão, Vasodilatação (hot flush). Doenças gastrointestinais: Muito frequente – Obstipação; Frequente – Náuseas, Agravamento de hemorróidas. Sistema nervoso central: Muito frequente – Xerostomia, Insónias; Frequente – Tonturas, Parestesias, Cefaleias, Ansiedade. Pele: Frequente - Sudorese Funções sensoriais: Frequente - Disgeusia Sistema cardiovascular Foram observados aumentos médios da pressão arterial sistólica e diastólica em repouso de 2 - 3 mmHg e aumentos médios da frequência cardíaca de 3 - 7 batimentos por minuto. Não poderá excluir-se a hipótese de se registarem, em casos isolados, aumentos mais acentuados da pressão arterial e da frequência cardíaca. Qualquer aumento clinicamente significativo da pressão arterial e da frequência cardíaca tende a ocorrer na fase inicial do tratamento (primeiras 4 - 12 semanas). Nestes casos, a terapêutica deve ser interrompida, ver secção “Advertências e precauções especiais de utilização”. Relativamente ao uso de Reductil® 10mg/15mg em doentes hipertensos, ver secção “Contra-indicações” e “Advertências e precauções especiais de utilização”. Efeitos adversos clinicamente significativos observados em estudos clínicos e após comercialização descritos por sistema orgânico: Doenças do sangue e do sistema linfático: Trombocitopenia, Púrpura de SchönleinHenoch.. Perturbações cardiovasculares: Fibrilhação auricular, taquicardia paroxistica supraventricular. Doenças do sistema imunitário: Foram notificados casos de reacções de hipersensibilidade alérgica que vão desde ligeiras erupções cutâneas e urticária até angioedema e anafilaxia. Perturbações do foro psiquiátrico: Agitação. Depressão em doentes com e sem antecedentes de história de depressão (ver secção “Advertências e precauções especiais de utilização”). Doenças do sistema nervoso: Convulsões; Sindrome de serotonina em combinação com outros agentes que afectem a libertação de serotonina (ver secção “Interacções medicamentosas e outras formas de interacção”); Perturbação transitória da memória de curta duração. Afecções oculares: Visão turva. Doenças gastrointestinais: Diarreias, vómitos e hemorragias gastrointestinais. Afecções dos tecidos cutâneos e subcutâneas: Alopecia, rash, urticária, reacções hemorrágicas cutâneas (equimoses, petéquias). Doenças renais e urinárias: Nefrite intersticial aguda, glomerulonefrite mesangio-capilar, retenção urinária. Doenças dos orgãos genitais e da mama: Alteração da ejaculação/orgasmo, impotência, irregularidades no ciclo menstrual, metrorragia. Exames complementares de diagnóstico: Aumentos reversíveis das enzimas hepáticas. Outros: Foram observados casos raros de sintomas de abstinência, nomeadamente, cefaleias e aumento do apetite. Rev: 10/2007 Abbott Laboratórios, Lda. Estrada de Alfragide, 67 - Alfrapark - Edifício D - 2610-008 Amadora. Medicamento Sujeito a Receita Médica. Para mais informações deverá contactar o titular da autorização de introdução no mercado. 93,65€ Abbott Laboratórios, Lda. Estrada de Alfragide, 67 Alfrapark - Edifício D. 2610-008 Amadora . Tel.: 21 4727100 . Fax: 21 4714482 Contribuinte e Matrícula na Conserv. do Reg. Com. da Amadora Nº 500 006 148 . Capital Social: 7.386.850 Euros 2008/PPDC/123 ENDO Endocrinologia & Diabetes Obesidade Vol. 2 | Nº 3 Novembro/Dezembro 2008 Índice Editorial Endocrinologia — um erro de nomenclatura? 67 Artigo Original Estudo prospectivo do estado de nutrição e do perfil lipídico tendo em conta o polimorfismo genético da fosfatase ácida de baixo peso molecular (LMW-PTP) em crianças saudáveis 68 Prospective study of nutricional status and lipid profile considering the genetic polimorphism of low weight acid phosphatase in healthy children A Guerra, C Rego, AP Silva, EMB Castro, C Nóbrega, A Aguiar, MP Bicho Exercício físico num programa de controlo do peso: associação com a qualidade de vida, bem-estar subjectivo e peso corporal 74 Physical activity in a weight management program: Associations with quality of life, subjective well-being, and body weight AL Palmeira, PJ Teixeira, S Martins, T Branco, C Minderico, MN Silva,1 PN Vieira,1 JT Barata,1 S Serpa,1 LB Sardinha Artigo de Revisão Hipotiroidismo — Quando suspeitar e como diagnosticar 85 Hypothyroidism – when to suspect and how to diagnose Teresa Dias Mecanismos básicos do comportamento alimentar 90 João Martin Martins, Sónia do Vale Artigo Breve Tumores neuroendócrinos do tubo digestivo: sintomas e sinais 103 12º Congresso Português de Obesidade — Programa e Resumos 107 Isabel Claro Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 63 ENDO Endocrinologia &Diabetes Obesidade Editor-Chefe A Galvão-Teles Lisboa Editores Associados Davide Carvalho Pedro Teixeira Porto Lisboa Conselho Editorial A Almeida Santos António Sérgio Carlos Calhaz Jorge Eduardo Barreiros Edward Limbert Estela Monteiro F Allen Gomes Fernando Baptista Flora Correia Francisco Carrilho Germano de Sousa H Bicha Castelo Isabel do Carmo J A Melo Gomes J Canas da Silva J Garcia e Costa J L Themudo Barata J M Pereira Miguel J P Lima Reis J Pereira Coelho J Rocha Mendes Jaime Branco João Martin Martins Jorge Caldeira José Camolas José Luís Medina L Bettencourt Sardinha Luís Barreiros Luís Sobrinho Luís Távora Manuela Carvalheiro M M Almeida Ruas M Sobrinho Simões M Neves e Castro M Daniel Vaz Almeida Mário Mascarenhas Teresa Dias Zulmira Jorge Coimbra Porto Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Coimbra Lisboa Porto Coimbra Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Covilhã Lisboa Porto Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Porto Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Coimbra Coimbra Porto Lisboa Porto Lisboa Lisboa Lisboa Revisão Sofia Nunes de Oliveira Lisboa Secretária Fátima Neves Lisboa 64 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Propriedade FGT - Fame, Glory and Trust, Lda. Endereço para o envio de manuscritos e correspondência A Galvão - Teles Rua Rodrigo da Fonseca, 151 - 1º Dto 1070 - 242 Lisboa [email protected] Empresa Editora Administração, Paginação e Publicidade Ad Médic, Lda. Calçada de Arroios, 16 C - Sala 3 1000-027 Lisboa T.: 21 842 97 10 F.: 21 842 97 19 e-mail: [email protected] www.admedic.pt Depósito Legal 53 453/92 ISSN 0872 - 0711 Tiragem 3.000 exemplares Assinaturas Portugal - €75 Instituições - €100 Europa - €100 Instituições - €120 Cópia única - €40 (estrangeiro - €65) Montagem e Impressão Selenova - Artes Gráficas, Lda. Estrada Nacional 116, Km 20/21 Casais da Serra, Milharado Endocrinologia, Diabetes & Obesidade é uma publicação Bimestral da FGT - Fame, Glory and Trust, Lda. Toda a correspondência relativa a assinaturas, números anteriores, pedidos de separatas e publicidade deve ser dirigida à Ad Médic. Editorial Endocrinologia — um erro de nomenclatura? Manuel Neves-e-Castro Ginecologista e Genicatra O s sufixos –logos, e –logia significam o conhecimento de…, a ciência de…Portanto Endocrinologia significa etimologicamente o estudo, o conhecimento das glândulas de secreção interna ou endócrinas, e não o tratamento das respectivas doenças. Porém,se se aceitar a designação Endocrinatria, o sufixo -atria já tem o significado de tratamento de… Vejamos outros exemplos de nomenclaturas que a meu ver são incorrectas, pelos razões acima apontadas: • Cardiologia, deveria ser Cardiatria; • Nefrologia, deveria ser Nefratria; • Andrologia, deveria ser Andratria; • Reumatologia, deveria ser Reumatria, etc. Mas no caso da Reumatologia a incorrecção parece-me ainda maior já que esta especialidade se ocupa também do tratamento das doenças osteoarticulares. Assim, tendo o ôsso como componente mais importante, deveria designar-se por Osteartria. Se quizermos usar Osteologia, isso significa o estudo da fisiologia do osso e não aquele capítulo da Anatomia em que são descritos os ossos, que deveria designar-se por Morfosteologia. Outros exemplos há em que as nomenclaturas já me parecem correctas,como: • Psiquiatria e Psicologia; • Geriartria e Gerontologia; • Pediatria e Pedologia e muitos outros . Mas quem é que terá a coragem de fazer estas correcções? Pelo meu lado já resolvi em parte o problema da minha especialidade,a Ginecologia, que é aceite como o estudo e tratamento das doenças da Mulher, medicina do género, ao contrário do que eu penso (Ginecatria). Como já não encontrava um radical grego para definir o género feminino recorri ao radical latino “femino”. E assim designei por Feminologia o estudo da Mulher, e acrescentei, para ser mais completo, Holística, que significa a totalidade do seu ser, recordando a definição de Saúde, da OMS: “Um estado de bem estar físico, psíquico e social e não apenas a ausência de doença” que é uma definição holística da Saúde. Portanto sinto-me resignado com Ginecologia que, tal como é geralmente aceite, deveria ser Ginecatria, e Feminologia Holística que é o verdadeiro significado de Ginecologia.Um dia talvez me venha a intitular de modo diferente… Se esta reflexão não for suficiente para a mudança, pelo menos espero ter sido bastante para se pensar. r Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 67 Artigo Original Estudo prospectivo do estado de nutrição e do perfil lipídico tendo em conta o polimorfismo genético da fosfatase ácida de baixo peso molecular (LMW-PTP) em crianças saudáveis Prospective study of nutricional status and lipid profile considering the genetic polimorphism of low weight acid phosphatase in healthy children A Guerra,1 C Rego,1 AP Silva,2 EMB Castro,3 C Nobrega,2 A Aguiar,1 MP Bicho2 Serviço de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Serviço de Pediatria, UAG da Mulher e da Criança. H. S. João. Laboratório de Genética - Faculdade de Medicina de Lisboa.3Departamento de Bioquímica - Faculdade de Farmácia do Porto. 1 2 Resumo A propensão para a obesidade tem subjacentes factores ambientais e genéticos desde o nascimento. Avaliou-se em sessenta crianças saudáveis, de um a oito anos de idade, num estudo de cohorte, a associação de parâmetros antropométricos com o perfil lipídico, estratificados pelo genótipo da enzima polimórfica fosfatase ácida de baixo peso molecular (ACP1). Foram observados parâmetros antropométricos na altura do nascimento, aos 12, 24, 60 e 96 meses de idade para avaliar o estado nutricional e às 24, 60 e 96 semanas avaliados o colesterol total, o colesterol das LDL, a Apolipoproteina B. O polimorfismo genético da ACP1 eritrocitária foi determinado por focagem isoelétrica em gel de poliacrilamida. As frequências alélicas dos alelos *A e *B da ACP1 nesta amostra foram respectivamente 20.8% e 79,2%. O peso, a razão comprimento/peso e o BMI mostraram um incremento dos 12 aos 96 meses. Subida mais discreta mas significativa foi observada nos parâmetros do perfil lipídico. Homozigóticos para o alelo *A revelaram o Z-score mais elevado para o peso e comprimento com diferenças significativas quando comparado com os genótipos AB e BB desde 24 até aos 96 meses. O BMI também foi maior para AA. Nenhuma associação foi observada entre parâmetros antropométricos nem os polimorfismos da ACP1 e as variáveis do perfil lipídico. O genótipo AA parece associado com BMI mais elevados em crianças saudáveis. Uma baixa actividade enzimática bem como a proporção relativa de isoformas lentas e rápidas pode estar implicada. Contudo, o perfil lipídico, não parece dependente do polimorfismo genético da ACP1. Introdução A prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças e adolescentes aumentaram especialmente em países mais industrializados e estão associados com um risco significativo de complicações mesmo em adolescentes e adultos jovens.1,2,3,4 Além de factores ambientais como hábitos alimentares desde o nascimento, o fundo genético individual contribui para acumulação patológica de gordura no corpo. A enzima citosólica fosfatase ácida de baixo peso 68 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Palavras-chave: ACP1, LMW-PTP, crianças, estado nutrição, perfil lipídico. Abstract The tendency become obese has underlying environmental and genetic factors since birth. The association of anthropometric parameters and serum lipid profile stratified by low-molecular-weight acid phosphatase (ACP1) polymorphic phenotypes was evaluated in sixty healthy children aged one to eight years old in a cohort study. The erythrocyte ACP1 genetic polymorphism was determined by isoelectrical focusing in polyacrylamide gel. The frequencies of ACP1 alleles *A and *B were 20.8% and 79,2% respectively. Weight, length/height and BMI showed a strong increase from 12 till 96 months of age. A weaker but significant increase from 24 to 96 months was also found for lipid parameters. Homozygots for *A allele showed the highest Z-score for weight and length with significant differences when compared to AB and BB groups from 24 up to 96 months. BMI was also higher in the AA group. No associations were found between anthropometric parameters and between ACP1 polymorphism and lipid variables. Genetic phenotype AA of ACP1 was associated with the highest degree of body surface and body mass in healthy children. Lower enzymatic activity as well as relative proportion of fast and slow isoforms may be implicated in this phenomenon. Lipid profile on the contrary, seems not be dependent on the ACP1 genetic polymorphism. Keywords: ACP1, LMW-PTP, childrens, nutricional status, lipid profile. molecular (LMW-PTP) ou ACP1 (locus genetico), é uma enzima polimórfica que influencia parâmetros metabólicos e com uma possível associação à massa corporal.5 ACP1, uma enzima intracelular, identificada nos eritrócitos, é geneticamente distinta da fosfatase ácida lisossómica, e pertence à grande família enzimática, (inclui mais de 50 isoenzimas), das fosfotirosina proteína fosfatases (PTP).6,7 As enzimas da família da PTP são responsáveis por funções importantes como a transdução de si- Polimorfismo genético da fosfatase ácida são devidas à existência de isoenzimas identificadas em electroforese com migração rápida Nascimento 12 meses 24 meses 60 meses 96 meses (f) ou lenta (s).11,12,13 (n=103) (n=78) (n=69) (n=56) (n=50) A ACP1 apresenta seis fe0.12 (0.9) 0.06 (1.1) 0.39 (1.2) 0.62 (1.2) –0.45 (0.8) Peso (ZSC) notipos genéticos (AA, BB, –0.45 (1.0) 0.18 (1.0) 0.69 (1.0) 0.29 (1.1) –0.16 (0.9) Comp./peso (Zsc) CC, AB, AC e BC).14 Cada um — 0.38 (0.7) 0.35 (1.1) 0.49 (1.2) 0.57 (0.9) BMI deles tem dois isoenzimas – f e — 0.25 (0.74) 0.11 (0.75) –0.6 (1.5) –1.92 (0.1) Pregas cutân. (Zsc) s – com proporções diferentes — — 153.8 (26.4) 155.4 (18.3) 166.1 (20.6) Total chol. (mg/dl) de alelos como se segue: Af e As - 2:1, Bf e Bs - 4:1, Cf e Cs — — 97.2 (28.7) 93.6 (20.6) 99.4 (17.1) LDL-chol. (mg/dl) - 1:4.15 — — 112.7 (24.4) 65.4 (11.3) 65.1 (9.3) Apo B (mg/dl) Esta proteína tirosina fosPregas cutâneas: somatório das pregas tricipital e subescapular fatase (LMW-PTP) que está nal e o crescimento celular. Esta enorme diversidade presente em todas as células e tecidos humanos, inenzimática para uma única proteína está associada cluindo adipócitos do tecido adiposo16 pode ter uma com uma regulação estreita das complexas e inte- associação entre alguns dos seus fenótipos genéticos e a predisposição para a obesidade.17,18 Os porgradas vias metabólicas das células eucariotas.6 A LMW-PTP é codificada no cromossoma 2, lo- tadores do alelo *A da fosfatase ácida eritrocitária cus ACP1 (2p25), perto dos loci da Apolipoproteína (ACP1 A), tem menor actividade enzimática quanB e da POMC (pro-opiomelanocorticotrofina).8,9,10 do comparada com a de outros alelos da PTP-LMW Além da sua actividade como PTP, a LMW-PTP tem tendo sido descrito por outros autores assim como também actividade como flavina mononucleótido também pelo nosso grupo, em estudos transversais (FMN) fosfatase. Esta especificidade para diferentes em outras amostras, nas populações de crianças e substractos, conducentes também a distintas impor- adolescentes como favorecendo o aumento de mastantes funções bioquímicas e localização subcelular sa corporal e os níveis de lípidos do sangue.17,19,20 Quadro 1. Estado nutricional (parâmetros antropométricos e índice de massa corporal) e lípidos séricos (colesterol total, LDL-colesterol e Apolipoproteína B) num período de 7 anos de follow-up) (média e desvio padrão). Objectivos O objectivo deste estudo é o de avaliar de modo prospectivo (de um a oito anos de idade), a associação de parâmetros antropométricos e do perfil lipídico, com os genótipos da PTP-LMW. 100 90 80 60 Coeficientes de correlação Percentagem (%) 70 50 40 30 20 10 0 1,2 1,1 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 a a a a a a c 12 meses 24 meses 60 meses Peso Comp./altura *A *B A-A A-B B-B Figura 1. Frequência relativa dos alelos *A e *B e genótipos da fosfotirosina fosfatase de baixo peso molecular (LMW-PTP) numa população de crianças (n=60). a a b a a) p < 0,001 b) p < 0,01 96 meses BMI Pregos cutâneos c) p < 0,05 Figura 2. Incremento dos parâmetros nutricionais durante um período de 7 anos de follow-up (coeficientes de correlação). Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 69 Polimorfismo genético da fosfatase ácida 5 Comprimento/altura Z-scores Peso Z-scores 5 a 4 a a 3 2 1 0 –1 –2 3 A – AA (n=6) 24 meses 60 meses B – AB (n=13) 96 meses C – BB (N=41) a) p < 0,001 a b 1 0 –2 12 meses a 2 –1 A B C Nascimento 4 A B C Nascimento 12 meses A – AA (n=6) a) p < 0,001 24 meses 60 meses B – AB (n=13) 96 meses C – BB (N=41) b) p < 0,05 Figura 3. Peso (Z-scores) (média e C.I. a 95%): avaliação prospectiva de acordo com os genótipos da LMW-PTP (n=60). Figura 4. Altura (Z-scores) (média e C.I. a 95%): avaliação prospectiva de acordo com os genótipos da LMW-PTP (n=60). População e métodos Neste estudo longitudinal, participaram sessenta crianças saudáveis envolvidas num estudo de alguns parâmetros de risco cardiovascular desde o nascimento. Todas tiveram parto de termo com peso ao nascer de acordo com a idade gestational. O protocolo do estudo foi revisto pelo comité de ética local, e foi obtido consentimento informado dos pais. Foram avaliadas a razão comprimento/altura, e as pregas tricipital e subescapular21 e foi calculado o índice de massa corporal.22 Dados de estatística do Centro Nacional de Saúde foram usados como referência.23 O estado nutricional foi avaliado desde o nascimento até aos 96 meses. Os parâmetros antropométricos foram medidos na altura do nascimento, aos 12, 24, 60 e 96 meses (± 2 semanas) de idade. Uma amostra de sangue venoso colhida após 12 horas de jejum foi obtida aos 24, 60 e 96 meses. Os níveis séricos de colesterol total (TC), do colesterol das LDL (LDL-c), e Apolipoproteína B (ApoB) foram avaliados, de acordo com os procedimentos laboratoriais recomendados.24,25,26,27 O polimorfismo genético da LMW-PTP eritrocitária foi avaliado por focagem isoeléctrica em gel de poliacrilamida (PAGE), de acordo com o autor com modificações minor.28 Os testes da ANOVA e o coeficiente de correlação de Pearson foram usados na análise estatística do estudo. Foram consideradas diferenças estatisticamente significativas valores de p<0.05. altura, pregas corporais e índice de massa corporal) os parâmetros de lípidos séricos (colesterol total, LDL-colesterol e Apolipoproteína B) estão esquematizados no Quadro 1. As frequências dos alelos *A e *B da LMW-PTP nesta amostra e os genótipos foram 20.8% e 79,2% respectivamente (Figura 1). O peso, a razão comprimento/altura e o índice de massa corporal mostraram um significativo aumento desde os 12 aos 96 meses de idade (Fig. 2, 3, 4 e 5). Assistiu-se assim a um incremento dos parâmetros nutricionais durante o período de follow up de 7 anos verificando-se coeficientes de correlação significativos no peso e razão comprimento/altura com p<0,001 bem como no BMI (p<0,01) e pregas cutâneas (p<0,05) ao longo do tempo (Figura 2). Verificou-se que os indivíduos com o alelo A da ACP1 apresentam maior peso (Z-scores, média e C.I. a 95 %) que os outros genótipos (p<0,001) numa avaliação prospectiva (Figura 3). A altura (Zscores, média e C.I. a 95 %) tambem foi superior nos indivíduos ACP1 A, na mesma avaliação prospectiva, diferindo dos outros genótipos (p<0,001, aos 24 e 60 meses e p=0,01 aos 96 meses) (Figura 4). O índice de massa corporal (Z-scores, média e C.I. t 95%) foi superior no genótipo A de forma significativa aos 60 meses (p<0,05), (Figura 5). Um fraco mas significativo aumento foi verificado nos parâmetros lipídicos dos 24 aos 96 meses, durante um período de 6 anos de follow-up (coeficientes de correlação), sendo p<0,01 para a Apolipoproteína B e p<0,05 para o colesterol total e o colesterol da LDL (Figura 6). Resultados O estado nutricional (peso, razão comprimento/ 70 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Polimorfismo genético da fosfatase ácida 5 BMI Z-scores 4 c c 3 2 1 0 –1 –2 A B C Nascimento 12 meses A – AA (n=6) 24 meses 60 meses B – AB (n=13) 96 meses C – BB (N=41) c) p < 0,05 Coeficientes de correlação Figura 5. Índice de massa corporal (Z-scores) ( média e C.I. t 95 % ): avaliação prospectiva de acordo com os genótipos da LMW-PTP (n=60). 1,2 1,1 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 24 meses Colesterol total Apoliproteína b) p < 0,01 b b c c c 60 meses 96 meses LDL-colesterol c) p < 0,05 Figura 6. Aumento dos lípidos séricos durante um período de 6 anos de follow-up (coeficientes de correlação). Em suma, as crianças homozigóticas para o alelo *A revelaram assim o Z-score mais elevado para o peso e a altura com diferenças significativas quando comparados com os genotipos AB e BB desde os 24 aos 96 meses (Figuras 3 e 4). O BMI foi também mais elevado nos indivíduos AA desde os 36 meses de idade (Figura 5). Nenhuma associação foi encontrada entre os polimorfismos da PTP-LMW e variáveis do perfil lipídico. Nenhuma correlação foi igualmente observada entre os parâmetros antropométricos e parâmetros lipídicos nas diferentes etapas de avaliação. Discussão A ACP1 (Fosfatase ácida locus 1) ou cLMW-PTP, fosfotirosina fosfatase, citosólica, de baixo peso molecular, apresenta seis fenotipos genéticos (AA, BB, CC, AB, AC e BC) e duas isoformas (f - fast e s - slow), dependendo da mobilidade electroforéti- ca para o ânodo. A cada alelo correspondem duas isoformas – f e s – em diferentes fracções, variando como segue: Af e As - 2:1, Bf e Bs - 4:1, Cf e Cs 1:4.15 O fenótipo da ACP1 mais frequente parece ser o BB, tal como se verificou noutras populações da Europa distintas, sendo raro o alelo C . O fenótipo B, expressa a maior concentração da isoforma fast (f), seguido do alelo A. Não encontrámos alelo C na nossa amostra. A insulina como também outros factores de crescimento inicia sua acção activando a auto-fosforilação intra-molecular de resíduos de tirosina na subunidade β do seu receptor, aumentando a actividade de tirosina cinase e provavelmente inibindo a actividade de fosfotirosina fosfatase através da geração de H2O2 (peróxido de hidrogénio) resultado da activação por fosforilação do complexo da NADPH oxidase.31,32 A ACP1 nos glóbulos vermelhos, principal célula onde é medida a sua actividade e onde é realizada a fenotipagem está envolvida na regulação de vários mecanismos bioquímicos tais como: 1) Defosforilação de péptidos com fosfotirosina no receptor de insulina; 2) Defosforilação de fosfomonoesteres endógenos como FMN; 3) Defosforilação de resíduos de tirosina da proteína da banda 3. A proteína da banda 3, é a principal proteína fosforilada de tirosina da membrana dos glóbulos vermelhos envolvida na regulação da actividade da via glicolítica.12, 32 No adipócito, tal como no eritrócito, a ACP1 está envolvida na defosforilação de fosfomonoesteres seus substractos artificiais paranitrofuril fosfato (pNPP) e endógenos como da proteína ligante de lípidos fosforilada do adipócito (ALBP) tendo igualmente importância na defosforilação de outros resíduos de tirosina (tirosil) fosforilados das proteí nas celulares.16 O isoforma f é mais eficiente que a isoforma s na desfosforilação da proteína da banda 3 do eritrócito, sendo que menor concentração da isoforma f pode aumentar a fosforilação de tirosinas da cauda citoplasmática da proteína da banda 3, que neste estado cursa com aumento consequente de algumas actividades de enzimas da via glicolítica como aldolase, Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 71 Polimorfismo genético da fosfatase ácida fosfofrutocinase e 3P-gliceraldeído desidrogenase e que, ao deixarem de estar adsorvidas à proteína da banda 3, ficam mais activas e aumentam a actividade global da glicólise. No nosso estudo, verificamos que crianças homozigóticas para o alelo *A, tinham um Z-score mais alto para peso, comprimento e BMI que manifestaram cedo e são mantidos com o passar do tempo com uma certa estabilidade. Este facto pode ser relacionado parcialmente com a menor proporção da isoforma rápida f, e maior da lenta s, associada a uma menor actividade da enzima descrita para o alelo A, em relação ao alelo B. De facto, estudos de outros e do nosso grupo, tem revelado maior BMI associado ao genótipo AA em crianças,17, 19 e em adultos jovens,34 assim como associado a menores actividades enzimáticas. Parece também existir uma correlação positiva de baixa actividade enzimática de variantes da ACP1 (AA e AB) com história familiar positiva para obesidade.17 Por outro lado, as isoformas ACP1 lentas s, estão associadas com efeitos metabólicos aumentados da insulina. De facto resultados sugerem que a actividade mais baixa da isoforma lenta da ACP1 está associada a aumento dos efeitos metabólicos da insulina.32,35 Provavelmente estas duas características associadas (maior presença de isoformas lentas s associadas a baixa actividade da ACP1) contribuem para o aumento do BMI, peso e comprimento observado nestas crianças com o genótipo AA no nosso estudo. Parece deste modo o papel do polimorfismo genético deste gene estar relacionado com os mecanismos intrínsecos desta enzima como modulador da transdução de sinal de vias complexas relacionadas com o metabolismo e o crescimento. Também podemos especular um outro possível mecanismo para explicar uma relação forte do genótipo AA da ACP1 com a tendência para a obesidade que é um possível desequilíbrio de linkage com algum polimorfismo do gene da pro-opiomelanocorticotrofina (POMC) com locus próximo, no mesmo cromossoma 2p. A proteína codificada por este gene é precursora da hormona estimulante dos melanócitos - α (MSH) que inibe o apetite sendo a quantidade de POMC formada, importante na regulação da ingestão calórica.9,10,15 72 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Conclusões O fenótipo genético AA da LMW-PTP está associado com os níveis mais elevados da massa e da superfície corporal em crianças saudáveis. A baixa actividade enzimática como também a proporção relativa das isoformas rápida e lenta pode estar implicada neste fenómeno. O perfil lipídico pelo contrário, parece não estar dependente do polimorfismo genético da PTP-LMW. r Bibliografia 1. Wabitsch M. Overweight and obesity in European children: definition and diagnostic procedures, risk factors and consequences for later health outcome. Eur J Pediatr 2000; 159 (suppl 1): S8-S13. 2. Must A, Strauss RS. Risks and consequences of childhood and adolescent obesity. Int J Obes Relat Metab Disord 1999; 23: 2-11. 3. 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Bottini E, Lucarini N, Amante A, Bottini N, Faggioni G. The genetics of signal transduction and the outcome of diagnostic tests in growth retardation. Journal of Endocrinology 2001; 171: 267-71. Correspondência António Guerra Serviço de Pediatria, Hospital de São João, Porto. [email protected] Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 73 Artigo Original Exercício físico num programa de controlo do peso: associação com a qualidade de vida, bem-estar subjectivo e peso corporal Physical activity in a weight management program: Associations with quality of life, subjective well-being, and body weight AL Palmeira,1,2 PJ Teixeira,1 S Martins,1 T Branco,1 C Minderico,1 MN Silva,1 PN Vieira,1 JT Barata,1 S Serpa,1 LB Sardinha1 Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Estrada da Costa, Cruz-Quebrada, Portugal Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande, Lisboa, Portugal 1 2 Resumo Objectivo: Analisar as associações entre o exercício, a qualidade de vida (QV) e bem-estar subjectivo (BES), em participantes num programa de controlo do peso de longa duração, e verificar se estas associações são independentes das alterações registadas no peso. Métodos: A amostra foi constituída por 142 mulheres participantes no Programa PESO – Promoção do Exercício e Saúde na Obesidade, com a duração de 16 meses (IMC=30,2±3,7 kg/m2; 48% obesas; Idade=38,3±5,8 anos). A QV foi avaliada através dos questionários SF-36 e pelo Impacto do Peso na Qualidade de Vida: o BES pelo Questionário de Auto-Estima de Rosenberg, Perfil de Estados de Humor e Inventário de Depressão de Beck (,80<α<,92). A variável exercício resultou do questionário Estados de Mudança para o Exercício. O peso foi avaliado numa balança electrónica. Todas as avaliações decorreram aos 0 e 16 meses Resultados: A perda de peso foi de -4,5±6,7% (p<,001). Setenta e dois por cento das participantes reportaram estar num estado de mudança activo no final do programa, evoluindo de 26% no momento inicial (p=,020). As participantes fisicamente activas no final do programa obtiveram melhorias superiores na saúde mental, sintomas de depressão e perturbação emocional. As participantes que aumentaram o seu nível de exercício durante o programa obtiveram resultados melhores nestas variáveis quando comparadas com as que não alteraram o estado de mudança para o exercício (p<,05). Independentemente dos resultados no peso, as alterações nos sintomas de depressão diferenciaram as participantes activas das inactivas (OR=0,46 [IC 95%: 0,25 a 0,87]), enquanto que a melhoria na saúde mental identificou as que se tornaram activas no decorrer do programa (OR=2,11 [IC 95%: 1,17 a 3,81]). Conclusões: Durante o tratamento comportamental da obesidade, o exercício regular origina, para além de dispêndio energético acrescido, alterações positivas ao nível psicossocial, algumas das quais independentes da perda de peso. Este é o primeiro estudo em Portugal a observar estas associações. A inclusão do exercício em programas de gestão do peso deverá tomar em consideração estes “Para perder peso terei de comer melhor e fazer mais exercício...”. A metáfora da balança energética é evidente no discurso de quem procura perder peso, sendo comum 74 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade efeitos paralelos, de maneira a proporcionar melhores resultados no combate à obesidade. Palavras-Chave: Controlo do Peso; Exercício; Psicologia; Mulheres Abstract Purpose: To analyse the associations between exercise, weight, quality of life (QoL) and subjective well-being (SWB) in participants of a long-term weight loss program, and as a secondary purpose to analyse the independence of these associations from the results on weight loss. Methods: Subjects were 142 females who entered the PESO: Promotion of Exercise and Health in Obesity (BMI=30.2±3.7kg/m2; 48% obese; age=38.3±5.8y), a 16 months duration program. The QoL was measured with the SF-36 and the Impact of Weight on Quality of Life – Lite. The SWB was measured by the Rosenberg Self-Concept/SelfEsteem Scale, the Beck Depression Inventory, and the Profile of Moods State (,80<α<,92). The exercise variable was self-reported stage of change (SOC). Body weight was measured with an electronic scale. All variables were measured at baseline and 16 months. Results: Weight loss was -4,5±6,7% (p<,001). Seventy two percent of the participants reported being in an active SOC at the end of the program, evolving from 26% at baseline (p=,020). The physically active participants obtained greater improvements in mental health, depression symptoms and emotional disturbance. The participants that improved their exercise level also obtained better results on these variables, when compared with the ones that maintained either an active or inactive SOC (p<,05). Regardless of weight outcomes, the depression symptoms differentiated the active from the inactive SOC (OR=0,46 [IC 95%: 0,25 to 0,87]), while mental health identified the participants that became active during the program (OR=2,11 [IC 95%: 1,17 to 3,81]). Conclusion: During obesity behavioural treatment, the outcomes of regular exercise go beyond the caloric expenditure, resulting in positive psychosocial changes. Some of these changes are independent of weight loss. This is the first study in Portugal that observed these associations. The inclusion of exercise in weight management programs should consider these parallel outcomes, for the accomplishment of better results on obesity treatment. Keywords: Weight Management; Exercise; Psychology; Women reconhecer no exercício o valor associado ao acrescido dispêndio calórico. Mas será o impacto do exercício limitado a este factor durante um programa de perda de peso? Existirão outros benefícios associa- Exercício, psicologia e controlo de peso dos à prática regular de exercício, actuando por vias alternativas (e afectando o peso indirectamente), no sentido de melhores resultados? Não se duvida que o dispêndio calórico tem uma importância essencial nesta equação, mas trabalhos recentes colocam a hipótese que esses mecanismos também poderão passar pelos benefícios psicológicos do exercício regular,1,2 os quais influenciariam positivamente a adesão às tarefas (muitas vezes difíceis) de gestão do peso, promovendo um sentimento de “utilidade instantânea” da prática de exercício. O conceito de utilidade instantânea resulta dos paradigmas da Psicologia Positiva e Hedónica,3-5 sendo definido como o grau da disposição que o indivíduo apresenta para a continuidade ou interrupção da experiência que está a ser vivenciada, portanto com um valor de modificação comportamental intrínseco.6 Algumas citações retiradas de autores especialistas no estudo das variáveis psicossociais em cenários de controlo do peso consubstanciam esta hipótese. Por exemplo, Berger1 escreve “Ao praticar mais exercício, os indivíduos obesos podem melhorar os seus estados de humor, sentir-se mais positivos acerca de si próprios e gerir o seu stress enquanto aumentam o dispêndio calórico. A prática de exercício poderá ainda ajudar na redução da influência de factores psicológicos [negativos] no seu padrão alimentar” (pág. 56, tradução livre). Numa meta-análise recente sugere-se que a redução dos sintomas de depressão é significativa a longo prazo mas não a curto prazo, sendo estas reduções independentes da perda de peso observada. Os resultados na autoestima espelham os da depressão, com aumentos significativos a longo prazo, enquanto que a curto prazo os aumentos apresentaram efeitos moderados não significativos. Saliente-se, no entanto, que as alterações na auto-estima foram moderadas pela perda de peso, no sentido em que maiores perdas de peso influenciaram os ganhos de auto-estima.9 Sublinhando estes efeitos Schwartz e Brownell7 defendem que “pode facilmente imaginar-se que a capacidade de perder peso será melhorada através de benefícios na depressão, ansiedade, auto-estima e imagem corporal” (pág. 53, tradução livre). Estas afirmações são reforçadas no recente trabalho metaanalítico de Maciejewski e colegas8 que, após rever as associações entre a perda de peso e variáveis de qualidade de vida e bem-estar subjectivo, avança- ram com um critério de melhorias em 5-10% nestas variáveis para representar o sucesso do programa (espelhando os critérios clínicos de sucesso em termos de peso perdido). Existe já um consenso acerca dos benefícios psicológicos do exercício em populações não obesas, ilustrados através do “factor bem-estar” (feel-good factor) avançado por Biddle e Mutrie10. É hoje claro que, em populações normoponderais, os praticantes de exercício regular se apresentam com menor perturbação emocional, maior auto-estima e imagem corporal mais positiva, menos depressão, menos ansiedade e menor reactividade ao stress.11 Mas será que este efeito também é sentido entre os indivíduos obesos, onde a relação com o exercício é muitas vezes condicionada pelo exacerbar das barreiras já conhecidas para os não-obesos? Os estudos que se apresentam seguidamente assinalam uma resposta positiva a esta questão, sendo defendido que os benefícios psicológicos do exercício proporcionam um reforço positivo e mais imediato quando comparados com a perda de peso per se,12 que é mais demorada e que nem sempre se encontra associada a ganhos de saúde (p.ex., no caso de restrições alimentares mal conduzidas). Esses estudos prevêem a existência de um conjunto de concomitantes psicossociais associados ao sedentarismo e à obesidade, que, se considerados, poderão possivelmente aumentar a eficácia dos tratamentos através do incremento do exercício regular, por via dos seus efeitos psicológicos. Berger1 definiu um esquema onde esses concomitantes foram apresentados sob a forma de um ciclo sedentarismo/obesidade. Neste ciclo é evidente a existência de resultados psicossociais comuns aos problemas do sedentarismo e obesidade, salientando-se efeitos negativos ao nível emocional e cognitivo (ver Figura 1, assinalam-se a sublinhado os resultados psicossociais comuns). Um estudo de Darby e colegas13 incidiu sobre a resposta emocional de um grupo de mulheres obesas e pós-menopáusicas a um teste submáximo para avaliação do VO2max, antes e depois de participarem num programa de controlo do peso de seis meses, baseado no manual LEARN.14 Ao contrário do esperado, a resposta emocional foi sempre positiva, independentemente do teste ter sido aplicado antes ou depois do programa. O nível de aptidão física e a composição corporal, que melhoraram significatiVol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 75 Exercício, psicologia e controlo de peso Sedentarismo ou exercício insuficiente concomitantes psicossociais • Ansiedade • Redução na energia e vigor • Depressão • Reduzida auto-eficácia • Reduzida auto-estima • Estados de humor negativos • Stress Obesidade Obesidade concomitantes psicossociais • Ansiedade • Redução na energia e vigor • Depressão • Fadiga • Reduzida auto-estima • Reduzida qualidade de vida • Estados de humor negativos • Stress • Ostracismo social Sedentarismo Figura 1. Ciclo Sedentarismo/Obesidade. Os concomitantes psicossociais a sublinhado são comuns aos problemas do sedentarismo e obesidade. Adaptado de Berger.1 vamente durante o programa, não influenciaram os benefícios emocionais sentidos, representados por reduções na Tensão, Depressão, Raiva e Confusão e aumentos no Vigor (medidos pelo Profile of Moods State – POMS) imediatamente após a conclusão do teste de VO2max. Noutro estudo, Ekkekakis e Lind mostraram que, se se permitir que o exercício seja realizado com a intensidade escolhida pela participante, a resposta emocional avaliada por uma escala de prazer-desprazer não é diferente entre mulheres normoponderais e obesas. Estes autores indicam que os efeitos do exercício na resposta emocional em obesos são suportados por mecanismos idênticos aos observados em normoponderais15. Recentemente, foi proposto que o exercício oferece uma valência acrescentada nas populações com excesso de peso, ao proporcionar uma forma de regulação emocional alternativa à ingestão de alimentos de conforto,16 o que, a confirmar-se, originará uma utilidade tripartida do exercício no controlo do peso: i) melhor regulação emocional, ii) dispêndio calórico amplificado, e iii) redução na ingestão calórica.1 Os benefícios psicológicos do exercício são também evidentes a longo prazo, avaliando variáveis do bem-estar subjectivo como a auto-estima,17 depressão e distresse.8 Na revisão de literatura efectuada, não se encontraram estudos que reportem estes efeitos crónicos em populações com excesso de peso, mas vários autores referem que é plausível que os mecanismos explicativos dos benefícios psicológicos em normoponderais10 se mantenham, ou 76 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade sejam até acrescidos nas pessoas obesas, como no caso já referido da redução dos alimentos de conforto.1,16, 19 Recentemente, propôs-se que estes resultados ao nível psicológico exercerão um efeito recíproco na perda de peso, proporcionando elementos que reforçarão a adesão ao programa de tratamento, quer a curto,20 quer a longo prazo.21 O presente estudo procurará alargar os resultados reportados nessas investigações, introduzindo uma variável indicadora da adesão ao exercício no decorrer do programa. Estar-se-á assim a procurar dar resposta à questão gerada por Berger:1 Será que o exercício proporciona um aumento do bem-estar subjectivo e qualidade de vida nos indivíduos obesos? Face ao exposto, é objectivo deste estudo analisar a associação entre o exercício e a qualidade de vida, bem-estar subjectivo e peso em participantes num programa de controlo do peso de longa duração. Como extensão a este objectivo, ir-se-á verificar se as melhorias no bem-estar subjectivo e qualidade de vida obtidas nas participantes são independentes dos resultados registados no peso. Metodologia Participantes O estudo foi realizado com mulheres recrutadas na comunidade através de anúncios em jornais, brochuras, um sítio na Internet e mensagens de email, para participarem num programa de controlo do peso. Exercício, psicologia e controlo de peso Os critérios de inclusão implicavam uma idade superior a 24 anos, estado pré-menopáusico, ausência de gravidez, IMC entre 24,9 e 40 kg/m2, e ausência de doença e/ou medicação que influenciasse a composição corporal. Estes critérios foram aferidos por uma extensa equipa de especialistas, entre os quais um médico, que fez o rastreio clínico da situação das candidatas. Após este processo foram seleccionadas 142 mulheres (IMC=30,2±3,7 kg/m2; 48% obesas; Idade= 38,3±5,8 anos), que iniciaram o programa de tratamento de obesidade de 16 meses. Nos primeiros 4 meses, todas as participantes receberam a mesma intervenção, após o que foram colocadas aleatoriamente em dois grupos experimentais (10 reuniões com periodicidade mensal; reuniões mensais mais duas sessões semanais de exercício estruturado, realizadas ao fim-de-semana) ou para um grupo de controlo. Estes grupos não foram considerados na presente análise, sendo os dados colapsados para o tratamento estatístico, visto que não existiram diferenças entre os grupos nas alterações de peso exclusivamente resultantes do período de manutenção (p=,192). O atrito da amostra foi de 6% aos 4 meses e 33% aos 16 meses, pese embora algumas análises presentes na secção Resultados registem um número ligeiramente inferior de sujeitos, devido a erros pontuais no preenchimento dos instrumentos psicométricos. Intervenção A intervenção nos primeiros 4 meses foi composta por 15 sessões semanais, com a duração de 120 minutos, versando sobre conteúdos educacionais e/ou práticos. Durante este período, a assiduidade média às sessões foi de 83%, sendo cada grupo constituído por 32-35 mulheres, divididos em dois grupos sucessivos de participação (ou cohorts). A intervenção está descrita com maior detalhe noutra publicação.22 Resumidamente, os conteúdos incluíram tópicos sobre exercício (e.g., barreiras para a prática, que equipamento usar, quais os exercícios mais indicados), nutrição (e.g., composição de um plano alimentar equilibrado, papel dos diversos nutrientes) e modificação comportamental (e.g., promoção da auto-eficácia, motivação, gestão do tempo e stresse). Parte destes conteúdos derivaram de uma adaptação do programa de tratamento da obesidade LEARN.14 Após os 4 meses, as sessões mensais individualizaram estes conteúdos às características das participantes e apenas foram introduzidos temas associados à manutenção, mantendo-se o mesmo figurino das sessões. No seu conjunto, as sessões deste programa foram conduzidas por dois doutorados e seis mestres ou licenciados, nas áreas de fisiologia do exercício, psicologia e nutrição. Instrumentos Variáveis Psicossociais Os dados foram recolhidos em dois períodos: no início do programa e aos 16 meses, correspondendo ao momento final da intervenção. As participantes compareceram a duas sessões de avaliações, em cada um destes momentos, para completarem as baterias de questionários. Qualidade de Vida A qualidade de vida geral foi avaliada através do SF-36,23 um questionário de 36 itens que resultam num factor composto de saúde física e outro de saúde mental. Foi também utilizado o questionário Impacto do Peso na Qualidade de Vida – Reduzido,24 um instrumento desenhado especificamente para a avaliação da qualidade de vida relacionada com o peso, constituído por 31 itens cotados numa escala de Likert de 5 pontos resultando em 5 dimensões e um score total, a variável usada no presente estudo (α=,94 no presente estudo). Em ambos os instrumentos os valores mais altos representam mais qualidade de vida. Bem-estar subjectivo (auto-estima, emoções e depressão) A auto-estima foi avaliada pelo Questionário de Auto-Estima de Rosenberg25 composto por 10 itens cotados numa escala de Likert de 4 pontos. Valores mais altos deste instrumento representam maior autoestima (α=,84). A perturbação emocional foi avaliada através do Perfil de Estados de Humor (POMS),26 constituído por 65 itens cotados numa escala de Likert de 5 pontos. O POMS deriva em seis dimensões e possibilita o cálculo de um score total onde os maiores valores representam maior perturbação emocional (α=,92). Os sintomas de depressão foram avaliados pelo Inventário de Depressão de Beck,27 composto por 21 itens cotados numa escala de Likert de 4 pontos. Este inventário resulta num score total de depressão, onde os maiores valores representam maior sintomatologia depressiva (α=,80). Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 77 Exercício, psicologia e controlo de peso Estados de mudança para o exercício Os estados de mudança foram avaliados por seis afirmações relacionadas com o exercício,28 sendo solicitado à participante para escolher a que melhor definia a sua situação. Este instrumento resulta na classificação de cada indivíduo como encontrando-se no estado de pré-contemplação, contemplação, preparação, acção, manutenção ou retorno. Foram criadas duas variáveis derivadas dos estados de mudança: a) uma para permitir a comparação entre as participantes que se encontravam num estado de mudança activo no final do programa vs. as que se encontravam num estado inactivo — denominou-se esta variável Nível Final de Exercício; e b) outra para permitir a comparação entre as participantes que evoluíram para um estado de mudança activo vs. as que se mantiveram no mesmo estado (fosse ele activo ou inactivo) — denominou-se esta variável Alterações no Exercício. A variável Nível Final de Exercício foi calculada através dos resultados deste instrumento aos 16 meses. Foram assim criados dois grupos de participantes: Activas, que apresentavam um estado de mudança activo (acção ou manutenção); Inactivas, que apresentavam um estado de mudança inactivo (pré-contemplação, contemplação e preparação) na avaliação final. A variável Alterações no Exercício foi calculada com os resultados das respostas aos estados de mudança no início e no final do programa. Os dois grupos criados diferenciam as participantes que evoluíram de um estado inactivo para um activo das que se mantiveram inactivas ou activas. Assim, por exemplo, uma participante que tenha evoluído do estado contemplação para a acção faria parte do grupo que evoluiu na actividade física. Por outro lado, se a participante já estivesse no estado acção no início e nele se mantivesse no final faria parte do grupo que não evoluiu, o mesmo se passando para as que permaneceram, por exemplo, no estado contemplativo durante o programa (nota: nenhuma participante regrediu de um estado activo para inactivo durante o programa). Peso Corporal O peso foi medido duas vezes em cada uma das avaliações (0 e 16 meses), com uma precisão de 0,1 kg, com as participantes vestidas com roupas leves e sem sapatos. Foi usada uma balança electrónica (SECA Modelo 770, Hamburgo, Alemanha). 78 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Procedimentos Operacionais A aplicação das baterias de testes psicométricos decorreu num gabinete isolado, sem distracções e na presença de um dos elementos da equipa de investigação, que teve formação específica sobre a aplicação dos testes. Devido ao amplo conjunto de instrumentos psicométricos, decidiu-se dividir a aplicação em duas baterias, de forma a reduzir o cansaço e automatismo na resposta. Estatísticos No presente estudo, optou-se por uma análise sem recorrer à metodologia “intenção para tratamento” (intention-to-treat),29 pelo que não foram realizados cálculos para imputação de dados de participantes que não tenham finalizado a intervenção, na ausência de uma proposta de cálculo para os dados psicométricos em falta no final do programa. A última medição disponível para algumas das participantes em falta no final do programa havia sido realizada aos 4 meses, data temporalmente demasiado distante para proceder a cálculos de imputação semelhantes aos previstos para o peso. Este estudo contém duas correntes de análise, derivadas das duas variáveis de exercício que foram criadas: • Na primeira, centralizada na variável Nível Final de Exercício, foi realizada uma ANOVA Mixed Models para a análise das diferenças início-16 meses nas variáveis peso, bem-estar subjectivo e qualidade de vida, tendo como factor a variável Nível Final de Exercício. Além deste procedimento foram analisados dois modelos de regressão logística: a) para aferição da predição da pertença nos grupos de Nível Final de Exercício através das variáveis de bem-estar subjectivo e qualidade de vida; e b) para a mesma aferição mas controlando para as alterações no peso, de forma a identificar as variáveis que manteriam o seu poder preditivo independentemente dos resultados obtidos ao nível do peso. Para a regressão logística foram usadas variáveis de mudança resultantes do residual da regressão do valor final no valor inicial. Este é um procedimento que tem sido assinalado como mais preciso na análise da mudança do que os procedimentos de subtracção.30 • Na segunda corrente de análise, centrada na vari- Exercício, psicologia e controlo de peso ável Alterações no Exercício, a comparação entre as participantes que se mantiveram no estado de mudança versus as que evoluíram para estados activos foi efectuada através de testes t para amostras independentes. As comparações foram efectuadas com base nas alterações (representadas pelos residuais explicados em cima) nas variáveis peso, bem-estar subjectivo e qualidade de vida, durante o programa. Esta opção resulta do facto das participantes que se mantiveram activas terem valores iniciais e finais no bem-estar subjectivo e qualidade de vida superiores às que se mantiveram inactivas, o que iria mascarar os resultados das análises emparelhadas, visto que na variável Alterações no Exercício as que se mantiveram activas ou inactivas fazem parte do mesmo grupo. Desta forma, analisaram-se os residuais das alterações início-16 meses, que poderão representar melhor o impacto que a evolução (ou estabilidade) nos estados de mudança pode originar. As análises de regressão logística obedeceram aos mesmos modelos que na corrente de análise anterior. Os procedimentos estatísticos foram efectuados no SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 14), tendo como critério de significância p<,05. Para a definição da classificação da magnitude do efeito (effect size) seguiram-se os critérios definidos por Cohen e colegas: reduzida para valores <0,30; média para valores de 0,30 a 0,80; e elevada para valores >0,80.30 Resultados A distribuição das participantes pelos estados Activo e Inactivo foi diferente, comparando o início com o final do programa (χ2=5,38, p=,020). Na Figura 2 pode verificar-se que 26% das participantes reportou encontrar-se num estado de mudança activo no início do programa, enquanto que no final do programa essa percentagem evoluiu para 72%. Durante os 16 meses do programa as participantes perderam em média (±DP) -3,6±5,5% do seu peso inicial. No entanto, a perda de peso foi mais significativa no grupo das Activas (-4,3±5,8%) quando comparado com o das Inactivas (-1,6±3,7%). Os restantes resultados revelaram que as participantes Activas obtiveram melhorias na saúde mental, sintomas de depressão e perturbação emocional, ao passo que as Inactivas pioraram nestes domínios durante o decorrer do programa (ver a coluna ES Início do programa 26% Activas 74% Inactivas Fim do programa (16 meses) 28% 72% X2=5.38, p=,020 Figura 2. Distribuição das participantes pelos estados activo e inactivo no início e final do programa. – magnitude do efeito no Quadro 1). A diferença nos efeitos do programa entre estes grupos foi significativa. Ao analisar-se a variável Alterações no Exercício verificou-se que as mudanças no peso não foram diferentes entre as participantes que evoluíram para um estado activo relativamente às que se mantiveram inactivas ou activas. Contrastando com a ausência de diferenças ao nível do peso, verificou-se que as alterações nas variáveis psicossociais foram diferentes nos grupos em estudo. Os resultados na qualidade de vida e bem-estar subjectivo mostraram que as participantes que evoluíram para um estado activo apresentaram melhorias superiores na perturbação emocional, saúde mental (magnitudes do efeito médias) e sintomas de depressão (magnitude do efeito pequena). O impacto do peso na qualidade de vida obteve melhorias marginalmente significativas (p=,051, magnitude do efeito pequena). Estes resultados estão apresentados no Quadro 2. Seguidamente, procurou-se identificar quais os factores que melhor caracterizam a pertença aos dois grupos criados. Construíram-se para esse efeito quatro modelos de regressão logística hierárquica: a) dois para a identificação da pertença nos grupos Nível Final de Exercício (um sem controlar para as alterações no peso e outro controlando para estas alterações); e b) dois para a identificação da pertença nos grupos Alterações no Exercício (seguindo a mesma lógica da análise Nível Final de Exercício). Os modelos que não controlaram para as alterações no peso introduziram as variáveis na regressão segundo o método de selecção Forward:LR. Para controlar para as alterações no peso forçou-se no primeiro passo a entrada das alterações no peso e, seguidamente, introduziram-se as mudanças na qualidade de vida e bem-estar subjectivo com o método de Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 79 Exercício, psicologia e controlo de peso Quadro 1. Média, desvio-padrão e ANOVA mixed models para comparação da evolução do peso, qualidade de vida e bem-estar subjectivo entre as participantes activas e inactivas Início Variáveis 16 meses Tempo x Grupo n M DP M DP ES F p 22 65 76,8 76,3 9,8 10,2 75,2 72,0 10,4 10,3 -0,16 -0,42 4,11 ,046 22 65 78,7 82,0 12,9 13,0 79,0 85,9 11,9 11,1 0,03 0,32 2,01 ,160 21 65 49,7 51,3 8,1 7,8 52,6 54,2 9,1 7,6 0,34 0,38 0,01 ,998 21 65 48,0 44,9 10,0 10,3 39,9 46,8 14,6 12,8 -0,66 0,17 8,31 ,005 22 64 22,1 22,2 3,9 3,6 23,8 23,5 4,2 4,3 0,41 0,33 0,14 ,707 21 61 7,5 6,9 5,4 5,8 8,5 3,5 9,3 4,6 0,14 -0,65 8,11 ,006 21 61 28,9 23,7 36,1 31,0 31,9 11,7 30,5 26,6 0,09 -0,42 5,03 ,028 Peso (kg) Inactivas Activas Qualidade de Vida Impacto Peso QV (IPQV-L) Inactivas Activas Saúde Física (SF-36) Inactivas Activas Saúde Mental (SF-36) Inactivas Activas Bem-Estar Subjectivo Auto-Estima (Rosenberg) Inactivas Activas Sintomas de Depressão (IDB) Inactivas Activas Perturbação Emocional (POMS) Inactivas Activas Nota: ES – Effect Size/Magnitude do Efeito 80 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade tomas de depressão superiores em dobro ao grupo das Inactivas, independentemente das alterações de peso que possam ter registado ao longo do programa (Quadro 3). Os modelos que analisaram as Alterações no Exercício também foram significativos, embora com Média dos sintomas de depressão selecção Forward:LR, proporcionando desta forma a análise da associação multivariada destas últimas variáveis na pertença aos grupos, para além das alterações no peso. Ambos os modelos de previsão do Nível Final de Exercício foram significativos, seleccionando os sintomas de depressão que, ao serem menores nas Activas, permitiram a sua identificação em relação às Inactivas (Figura 3). Mais especificamente, o primeiro modelo previu correctamente 80,0% dos casos, registando uma percentagem de acertos de 98,2% na definição do grupo das Activas [χ2(1, N=74)=10,65, p=,001]. No modelo controlando para as alterações no peso estas percentagens de acertos diminuíram sensivelmente (78,4% de acertos totais e 96,4% de acertos nas Activas), sem impacto substancial na significância do modelo [χ2(1, N=74)=11,55, p=,003]. A interpretação dos Odds Ratio fica simplificada ao inverter-se o seu valor (i.e., para o primeiro modelo: 1/0,41=2,43; e para o segundo: 1/0,46=2,17), proporcionando assim a ideia de que as Activas obtiveram melhorias nos sin- Nível final de exercício 9,00 Inactivas 8,00 Activas 7,00 6,00 5,00 4,00 3,00 Início do programa Final do programa (16 meses) Figura 3. Alteração dos sintomas de depressão dos 0 para os 16 Meses nos grupos segundo o critério vível final de exercício. As activas obtiveram reduções nos sintomas de redução significativamente superiores às inactivas (p=,041). Exercício, psicologia e controlo de peso Quadro 2. Média, desvio-padrão, teste t para amostras independentes para comparação das alterações na qualidade de vida e bem-estar subjectivo entre as participantes que transitaram para um estado de mudança activo com as que se mantiveram inactivas ou activas. Mantiveram-se inactivas ou activas 0-16m (n=45) Mudaram para activas alteração 0-16m (n=43) Variáveis M DP M DP ES t p Peso (kg) -3,4 5,0 -3,8 6,0 0,06 0,17 ,864 1,8 2,0 -3,6 9,8 8,5 15,6 4,2 3,9 2,7 10,4 8,2 12,4 -0,24 -0,23 -0,44 -1,98 -0,31 -2,84 ,051 ,759 ,006 1,6 -4,4 -1,3 4,4 31,9 7,3 1,2 -11,9 -3,2 3,4 20,6 5,0 0,09 0,29 0,31 -0,21 2,06 2,89 ,832 ,044 ,005 Qualidade de Vida Impacto peso qualidade de vida (IPQV-L) Saúde física (SF-36) Saúde mental (SF-36) Bem-Estar Subjectivo Auto-estima (Rosenberg Sintomas de depressão (IDB) Perturbação emocional (POMS) Nota: Os valores das médias e desvio-padrão são resultado das diferenças Início-16 meses. O cálculo do teste t foi efectuado com os residuais, representando a evolução dos resultados dos 0 para os 16 meses. ES=Effect Size/Magnitude do Efeito um poder explicativo menor, identificando correctamente cerca de 60% dos casos, com maior acerto no reconhecimento do grupo que evoluiu para um estado activo (67,6% e 66,7% sem controlar e depois de controlar para as alterações no peso, respectivamente). Neste caso, a variável escolhida foi a percepção de saúde mental, verificando-se que as participantes do grupo que evoluiu para um estado activo melhoraram cerca de 2 vezes mais nesta variável (Figura 4 e Quadro 4). Discussão rações no peso, as participantes que aumentaram a prática regular de actividade física durante o programa, obtiveram o dobro das melhorias na saúde mental, diferenciando-se das mulheres que mantiveram o nível inicial de exercício. Verificou-se, igualmente, uma interacção significativa entre o peso perdido e o nível de exercício no final do programa: as mulheres mais activas perderam duas vezes e meia mais peso do que o perdido pelas inactivas. Estes resultados adicionam suporte empírico à hipótese gerada por Berger,1 de que o exercício poderia representar uma melhoria ao nível do bem-estar subjectivo e qualidade de vida num programa de controlo do peso. Note-se que, na regressão logística, a definição de pertença dos grupos activos ou que iniciaram a prática mostrou melhorias duas vezes superiores nos sintomas de depressão e na saúde mental, respectivamente. Esta ordem de grandeza O presente estudo teve como objectivo analisar as associações entre o exercício físico, o peso, a qualidade de vida e o bem-estar subjectivo em participantes num programa de controlo do peso de longa duração. Pretendeu-se, ainda, verificar se estas associações eram independentes das alterações registadas no peso. Os principais resultados Quadro 3. Regressão logística para análise da pertença aos grupos revelaram: i) melhorias mais evidentes segundo o critério nível final de exercício nas variáveis saúde mental, sintomas de Modelo depressão e perturbação emocional no Sem controlar para as Alterações no Peso grupo que, no final do programa, indiPasso Variáveis B Wald p OR 95% IC cava realizar exercício regularmente; Fwd Sintomas de depressão (IDB) -0,88 8,12 ,004 0,41 (0,23-0,76) ii) que, independentemente das alteModelo rações no peso, as participantes mais Controlando para as alterações no peso activas no final do programa obtiveram Passo Variáveis B Wald p OR 95% IC mais do dobro das melhorias nos sintoE Alterações de peso -0,34 0,97 ,324 0,71 (0,36-1,39) mas de depressão o que as diferenciou Fwd Sintomas de depressão (IDB) -0,77 5,79 ,016 0,46 (0,25-0,87) das participantes inactivas; iii) que, Nota: OR – Odds Ratio; 95% IC – Intervalo de Confiança de 95%. Passo: Fase de entrada no modelo; também independentemente das alte- E – Forçando a Entrada; Fwd – Método de Selecção Forward: LR. Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 81 Exercício, psicologia e controlo de peso Média da saúde mental Alterações no exercício Mantiveram-se activas ou inactivas 48,0 Alteraram para Activo 45,0 42,0 Início do programa Final do programa (16 meses) Figura 4. Evolução da saúde mental dos 0 para os 16 Meses nos grupos de alterações no exercício. As participantes que se tornaram activas obtiveram melhorias mais significativas na saúde mental (p=,009). estranhar que estivessem fortemente associados no presente estudo (dados não apresentados). Estas melhorias a nível psicológico poderão ter proporcionado um factor importante no controlo da ingestão nutricional das participantes, contribuindo dessa forma para uma melhor adesão ao plano alimentar, além de um sentimento geral de bem-estar que poderá ter resultado no sentimento de utilidade instantânea, como defendido por Kanheman6. Este sentimento poderá servir como um indicador essencial da manutenção do interesse pela tarefa em que cada indivíduo se encontra envolvido. O estado psicológico positivo alcançado pelas participantes que reportaram estar a praticar regularmente exercício é suportado por uma literatura extensa em estudos com populações não-obesas.11,17,18, 32,33 onde o paradigma de bem-estar sugerido por Biddle e Mutrie,10 tem sido repetidamente comprovado. Crê-se que os mecanismos propostos para o efeito do exercício na população não-obesa34 serão igualmente aplicáveis na população obesa, podendo até alguns mecanismos ser mais evidentes nestes indivíduos. Por exemplo, em situações de stresse, os indivíduos obesos sedentários poderão procurar acrescidamente conforto em alimentos, dormir pior, ter mais dificuldades nas tarefas motoras do dia a dia e, devido ao cansaço acumulado, encontrar mais uma razão para não fazer exercício.1,16,19 A prática regular de exercício irá fornecer um antídoto para estas situações, pois promove sensações de bem-estar comparáveis ou mesmo superiores às obtidas pelos snacks,16 regula os ritmos circadianos promovendo um sono suficiente35 e eleva o nível de energia para fazer face aos agentes promotores de stress. Outro mecanismo foi recentemente avançado, nos resultados certamente terá tido repercussões na vivência das participantes ao longo do programa. A literatura científica revista é escassa na consubstanciação desta tese,1,8 mas indica que esta possibilidade deve ser explorada na criação de novas abordagens no tratamento da obesidade. Foi sugerido um conjunto de mecanismos psicológicos associados ao exercício que poderão ser um importante trunfo no tratamento da obesidade1. Entre estes, salienta-se a possibilidade do exercício proporcionar um mecanismo de auto-regulação emocional, substituindo os chamados alimentos de conforto,16,31 reduzindo assim a ingestão calórica. No entanto, esta hipótese não pode ser analisada no presente estudo. Os resultados obtidos revelaram que o exercício esteve associado aos melhores resultados nos sintomas de depressão, perturbação emocional e saúde mental, quer analisando o Nível Final de Exercício, quer na análise das Alterações no Exercício. Saliente-se que as variáveis saúde Quadro 4. Regressão logística para análise da pertença aos grupos mental, perturbação emocional e sinto- segundo o critério alterações no exercício mas de depressão têm uma proximidade Modelo conceptual e psicométrica evidente. Por Sem controlar para as Alterações no Peso exemplo, alguns dos itens que medem a Passo Variáveis B Wald p OR 95% IC saúde mental referem-se a sintomas de Fwd Saúde mental (SF-36) 0,72 6,94 ,008 2,06 (1,20-3,53) depressão, visto que estes sintomas serão Modelo indicadores de psicopatologias e assim Controlando para as alterações no peso de situações comprometedoras da saúde Passo Variáveis B Wald p OR 95% IC mental. Poder-se-á indicar que a saúde E Alterações de peso 0,09 0,10 ,752 1,09 (0,62-1,95) mental é um factor hierarquicamente suFwd Saúde mental (SF-36) 0,75 6,09 ,014 2,11 (1,17-3,81) perior à perturbação emocional e sinto- Nota: OR – Odds Ratio; 95% IC – Intervalo de Confiança de 95%. Passo: Fase de Entrada no Modelo: mas de depressão, pelo que não será de E – Forçando a Entrada e Fwd - Método de Selecção Forward: LR. 82 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Exercício, psicologia e controlo de peso sendo proposto que o exercício reduz a carga alostática,36 proporcionando um retorno à homeostase mais rápido e eficaz, sendo por isso reconhecido como uma estratégia de coping especialmente direccionada para as populações obesas. A sugestão referida anteriormente,7 onde as melhorias do estado psicológico serão importantes potenciadores da capacidade de perder peso do sujeito, não explicitava o papel que o exercício pode ter no alcance dessas melhorias, centrando-se nas alterações da imagem corporal como factor modificador do estado psicológico. Com o presente estudo, crê-se que se torna possível considerar o exercício regular como mais um mecanismo potenciador de uma condição psicológica positiva e proporcionadora de melhores resultados nos programas de controlo de peso. É interessante notar que o exercício influenciou o estado psicológico das participantes de forma parcialmente independente aos resultados obtidos no peso. Seria interessante se Blaine e colegas9 e Maciejewski e colegas8 tivessem avaliado esta possibilidade nos seus estudos meta-analíticos do impacto de programas de controlo do peso no bem-estar psicológico. Recorde-se que naqueles estudos foi sugerido que as melhorias observadas na depressão foram independentes da perda de peso, resultado semelhante ao agora obtido relativamente ao impacto que o exercício teve nas variáveis psicológicas. Esta independência torna-o um elemento especial como parte de intervenções de curta ou longa duração, visto que os resultados do exercício ao nível psicológico são, de uma forma geral, rapidamente alcançados,1 podendo dessa forma mediar o desenvolvimento das capacidades das participantes nas tarefas que lhes são apresentadas para controlo do peso. Poder-se-á, desta forma, estar a actuar na componente sedentarismo do ciclo representado na Figura 1. Ao se alterarem os concomitantes psicossociais negativos dever-se-á interferir nos concomitantes da obesidade, levando as participantes a um estado emocional, cognitivo e comportamental mais adaptado à perda e gestão do peso. A metáfora referida por Galvão Teles,37 ao indicar que o tratamento da obesidade terá de se apoiar num “tripé” constituído por um plano alimentar equilibrado, actividade física regular e um estado psicológico adequado é reforçada no presente estudo, pois propõe a existência de uma reciprocidade intrínseca à actividade física (e alimentação) e a obtenção de um estado psicológico óptimo nas participantes deste programa de tratamento do excesso de peso. Saliente-se que os efeitos psicológicos detectados não serão apenas agudos, sendo potencialmente mantidos por períodos alargados de tempo. O Programa PESO propôs às participantes um conjunto alargado de actividades físicas, procurando adaptálas às características específicas e gostos de cada uma. Não foi possível, neste estudo, controlar o tipo de exercício que foi realizado individualmente mas, casuisticamente, emergiu a ideia que colectivamente as participantes escolheram prioritariamente esquemas de exercício envolvendo marcha e actividades análogas. Esta forma de actividade física tem sido assinalada como uma das mais eficazes na promoção de exercício em populações obesas38 e respeita as características dos exercícios promotores de bem-estar psicológico, isto é, actividades aeróbias fechadas e previsíveis, que proporcionam respiração abdominal e rítmica e sem competitividade inter-indivíduo.11 Além disso, permitem à participante a escolha da intensidade do exercício, o que foi recentemente identificado como um factor importante para o alcance de estados emocionais positivos resultantes do exercício em mulheres obesas.15 Será importante verificar se estes resultados são replicados em estudos futuros, analisando com maior profundidade o tipo, intensidade e frequência de exercício a que cada participante aderiu, bem como aspectos motivacionais e auto-regulatórios inerentes à adesão comportamental. Poder-seá desta forma contribuir para o desenvolvimento de programas de exercício com maior probabilidade de sucesso a longo prazo nesta população. Em conclusão, a análise dos resultados de um programa de tratamento de peso não se deve reduzir à perda de peso, visto que esta coexiste com alterações psicossociais e comportamentais, nomeadamente a actividade física, importantes. Estes resultados paralelos interagem entre si, de forma até certo ponto independente das alterações no peso, proporcionando um cenário positivo onde se desenrolam mais eficazmente as tarefas associadas à gestão do peso. r Agradecimentos Este estudo foi apoiado pela Fundação de Ciência e Tecnologia e pelo Município de Oeiras. Os autores Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 83 Exercício, psicologia e controlo de peso reconhecem ainda o apoio da Roche Farmacêutica Química, Becel e Compal por terem proporcionado pequenas doações. Desejamos ainda expressar o nosso agradecimento a todas as participantes do programa PESO pelo seu empenho neste projecto de investigação. Bibliografia 1. Berger BG. Subjective Well-Being in Obese Individuals: the Multiple Roles of Exercise. Quest 2004;56:50-76. 2. Palmeira AL, Teixeira PJ. Exercício, Qualidade de Vida e Bem-Estar: Aplicações no Contexto da Obesidade. Endocrinologia, Metabolismo e Nutrição 2006;15(1):33-9. 3. Seligman ME, Csikszentmihalyi M. Positive psychology. An introduction. Am Psychol 2000;55(1):5-14. 4. Csikszentmihalyi M. Flow. The Psychology of Optimal Experience. New York: Harper Perenial; 1990. 5. Kahneman D, Diener E, Schwartz N, editors. Well-Being: Foundations of Hedonic Psychology. New York: Russel Sage Foudantion; 1999. 6. Kahneman D. Objective Hapiness. In: Kahneman D, Diener E, Schwartz N, editors. Well-Being: The Foundations of Hedonic Psychology. New York: Russel Sage Foundation; 1999. p. 3-25. 7. Schwartz MB, Brownell KD. Obesity and Body Image. 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Palmeira Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Departamento de Educação Física, Desporto e Lazer Campo Grande, 1749-028, Lisboa, Portugal e-mail: [email protected] Artigo de Revisão Hipotiroidismo — Quando suspeitar e como diagnosticar Hypothyroidism – when to suspect and how to diagnose Teresa Dias Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do HSM Resumo O hipotiroidismo é a síndrome clínica resultante da deficiência de hormonas tiroideias. O hipotiroidismo pode ser primário (lesão tiroideia), secundário (lesão hipofisária) ou terciário (lesão hipotalâmica) ou ainda ser devido à resistência periférica às hormonas tiroideias (causa rara). O hipotiroidismo primário representa mais de 95% dos casos de hipotiroidismo. A tiroidite de Hashimoto é a causa mais frequente de hipotiroidismo primário e o tumor hipofisário é a principal causa de hipotiroidismo secundário. A suspeita de hipotiroidismo é, regra geral, colocada pela história e pelo exame físico; todavia, determinados achados laboratoriais, nomeadamente, hipercolesterolemia, hiponatremia, aumento da creatinaquinase (CPK), anemia, hiperprolactinemia e hiperhomocisteínemia podem ser os primeiros indicadores de uma situação de hipotiroidismo. De igual modo, alterações encontradas ocasionalmente noutros exames auxiliares de diagnóstico, como sejam derrame pericárdico, baixa voltagem dos complexos electrocardiográficos e tumor hipofisário, podem também fazer suspeitar de hipotiroidismo. Dada a falta de especificidade das manifestações clínicas, o diagnóstico de hipotiroidismo baseia-se na determinação dos doseamentos séricos da tiroxina livre (FT4) e da tirotrofina (TSH) que indicam se o hipotiroidismo é primário subclínico, primário clínico ou central (secundário ou terciário). A ecografia tiroideia e o doseamento dos anticorpos anti-tiroideus são úteis na avaliação do doente com hipotiroidismo. Os doentes com evidência bioquímica de hipotiroidismo central requerem avaliação complementar das outras hormonas da hipófise e estudo neuroradiológico da re- O hipotiroidismo resulta da deficiência de hormonas tiroideias. Esta deficiência afecta praticamente todo o corpo e traduz-se, na clínica, por uma grande multiplicidade de sintomas e de sinais. O hipotiroidismo classifica-se em primário, se a lesão se localiza ao nível da tiroideia, secundário se a lesão se localiza na hipófise ou terciário se a lesão se localiza no hipotálamo. Pode ainda ser devido (raramente) a resistência periférica às hormonas tiroideias (Quadro 1).1 O hipotiroidismo primário representa mais de 95% dos casos de hipotiroidismo e a tiroidite de Hashimoto é de longe a causa mais frequente de hipotiroidismo. A apresentação clínica de doentes com hipo- gião selar e supra-selar. Palavras-chave: hipotiroidismo, suspeita, manifestações clínicas, exames laboratoriais, exames de imagem, diagnóstico, tiroxina livre, tirotrofina. Abstract Hypothyroidism is a clinical syndrome caused by thyroid hormones deficiency. It can be primary (thyroid lesion), secondary (pituitary lesion), terciary (hypothalamic lesion) or due to peripheral resistance to thyroid hormones (very rare). Primary hypothyroidism represents over 95% of total hypothyroidism cases and Hashimoto thyroiditis is the most frequent cause. Pituitary tumour is the main cause of secondary hypothyroidism. The suspicion of hypothyroidism arises from the medical history and physical examination, although certain laboratory results such as hypercholesterolemia, hyponatremia, increased CPK, anemia, hyperprolactinemia and hyperhomocisteinemia could be the first indicators of hypothyroidism. Given the lack of specificity of the clinical manifestations, the diagnosis of hypothyroidism is based on the levels of free thyroxin and thyrotropin that indicate whether the hypothyroidism is primary subclinical, primary and clinical, or central (secondary or terciary). Ultrasound study of the thyroid gland and levels of anti-thyroid antibodies are useful in the patient evaluation. Patients with biochemical evidence of central hypothyroidism require further evaluation of remaining pituitary hormones as well as neuroradiological study of the sellar and suprasellar region. Key-words: hypothyroidism, laboratory, clinical signs, imaging, diagnosis, thyroxin, thyrotropin. tiroidismo é muito variável, dependendo da idade de início, do tipo de hipotiroidismo, da duração e da gravidade da deficiência de hormonas tiroideias. Na criança, a deficiência de hormonas tiroideias condiciona atraso do desenvolvimento psicomotor (incluindo atraso mental) e atraso de crescimento. No adulto, o hipotiroidismo é melhor tolerado e as manifestações clínicas são menos evidentes quando há uma perda gradual da função da tiroideia (como acontece na maioria dos casos de hipotiroidismo primário) do que quando se instala de forma mais aguda como, por exemplo, nas situações de tiroidectomia total em que não é feita terapêutica de substituição. Por outro lado, quando o hipotiroidismo é de causa central, isto é, devido a patologia hipofisáVol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 85 Hipotiroidismo Quadro 1. Etiologia do hipotiroidismo Primário 1. Tiroidite de Hashimoto a. Com bócio b. Atrofia da tiroideia (estádio final de doença auto-imune da tiroideia) c. Hipotiroidismo neonatal (passagem placentária de TRAb) 2. Terapêutica da D. Graves com 131I 3. Tiroidectomia por D. Graves, bócio nodular ou neoplasia 4. Ingestão excessiva de iodo 5. Tiroidite sub-aguda (transitório) 6. Deficiência de iodo 7. Erros congénitos da síntese das hormonas tiroideias 8. Fármacos a. Lítio b. Amiodarona c. Anti-tiroideus d. a-interferão e. Etionamida Secundário Hipopituitarismo devido a adenoma hipofisário, hipofisectomia, destruição hipofisária Terciário Disfunção hipotalâmica (raro) Resistência periférica à acção da hormona tiroideia (muito raro) TRAb – anticorpos bloqueadores dos receptores da TSH Adaptado de Ref. 1. ria ou hipotalâmica (secundário ou terciário) a clínica é menos exuberante e as manifestações de outras deficiências hormonais associadas, como sejam as da insuficiência supra-renal e as do hipogonadismo, podem, de algum modo, subestimar as manifestações clínicas do hipotiroidismo. Hipotiroidismo — quando suspeitar A suspeita de hipotiroidismo é normalmente colocada pela história clínica e pelo exame físico. Ocasionalmente, o diagnóstico de hipotiroidismo pode ser pela primeira vez suspeitado face a alterações em determinados exames laboratoriais e de imagem realizados no decurso de uma avaliação médica efectuada por outras razões. Manifestações clínicas De um modo geral, as manifestações clínicas do hipotiroidismo (Quadro 2) reflectem a lentificação generalizada dos processos metabólicos e a acumulação de glicosaminoglicanos (sobretudo ácido hialurónico) nos tecidos intersticiais, devido à deficiência de hormonas tiroideias.1 Assim se explica, por 86 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Quadro 2. Hipotiroidismo: sintomas e sinais Astenia Fraqueza muscular Intolerância ao frio Obstipação Diminuição da audição Lentificação do raciocínio Lentificação da fala Lentificação dos movimentos Atraso dos reflexos Depressão Mialgias e parestesias Atraso mental Atraso de crescimento Alterações menstruais Infertilidade Abortos de repetição Diminuição da líbido Disfunção sexual eréctil Aumento de peso Edemas peri-orbitários Edema da face Edemas periféricos Derrame pericárdico Bócio Macroglossia Rouquidão Pele grossa, descamativa, fria Carotenemia Queda de cabelo Queda de pêlos Galactorreia S. canal cárpico Bradicardia Hipertensão diastólica exemplo, por um lado o aumento de peso, a obstipação e a bradicardia (reflexo do hipometabolismo) e, por outro, os edemas peri-orbitários, a rouquidão e a macroglossia (reflexo da acumulação de glicosaminoglicanos). Nos casos mais graves, a acumulação de glicosaminoglicanos dá origem ao típico aspecto de mixedema. No adulto, muitos dos sintomas e dos sinais de hipotiroidismo, nomeadamente o cansaço, a intolerância ao frio, a fraqueza muscular, a lentificação do raciocínio, a diminuição da audição, a depressão, a diminuição da líbido, a disfunção sexual eréctil, a pele seca e a obstipação, são comuns a outras doenças e, por outro lado, são relativamente frequentes durante o processo natural de envelhecimento pelo que, muitas vezes, não são valorizados como possíveis manifestações de hipotiroidismo. Em certos casos, contudo, a coexistência de determinados sintomas e sinais permitem fazer suspeitar de imediato de uma situação de hipotiroidismo (Quadro 3). Exames laboratoriais Na prática clínica, determinados exames laboratoriais podem, ocasionalmente, levantar a suspeita de hipotiroidismo (Quadro 4). É o caso da detecção em análises de rotina de hipercolesterolemia, de aumento da creatinaquinase (CK), de hiponatremia ou de anemia. A frequência de hipotiroidismo em doentes com hipercolesterolemia é elevada. Numa avaliação de 1210 doentes com colesterol total > 200 mg/dL, 1.3% tinham hipotiroidismo declarado e 11.2% tinham hipotiroidismo subclínico.2 Num Hipotiroidismo Quadro 3. Sintomas e sinais que quando associados são fortemente suspeitos de hipotiroidismo Astenia Depressão, demência precoce Voz rouca Edema da face e/ou periférico Pele grossa, descamativa e fria Queda de pêlos Obstipação Alterações menstruais Abortos de repetição outro estudo, dos 1509 doentes que apresentavam hiperlipidemia, 4.2% tinham hipotiroidismo.3 Nesta perspectiva podemos também afirmar que a dislipidemia é uma alteração frequente no doente hipotiroideu. Num estudo que incluiu 295 doentes com hipotiroidismo, 56% tinham hipercolesterolemia, 34% tinham hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, 1.5% tinham hipertrigliceridemia e apenas 8.5% tinham um padrão lipídico normal.4 A hipercolesterolemia no hipotiroidismo deve-se sobretudo à acumulação das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) em consequência da redução do número de receptores celulares para as LDL, resultando na diminuição do seu catabolismo.5 Outros mecanismos possivelmente responsáveis pelo aumento das concentrações do colesterol no hipotiroidismo são uma diminuição na actividade dos receptores ou um aumento significativo da oxidação das LDL.6,7 Todos os doentes com hipercolesterolemia devem ser investigados no sentido de ser excluído hipotiroidismo antes do início de fármacos antilipidemiantes. A homocisteína (outro factor aterogénico) pode estar aumentada no hipotiroidismo e, geralmente, normaliza após terapêutica com hormona tiroideia.8 A hiponatremia é também um achado frequente no hipotiroidismo moderado a grave, pelo que a função tiroideia deve ser avaliada em todos os doentes com baixa de sódio não explicada. A hiponatremia, cujo mecanismo não é de todo conhecido, resulta da diminuição do filtrado glomerular, com consequente diminuição da excreção de água e redução das concentrações de sódio por hemodiluição.9,10 A presença de anemia e de níveis elevados da enzima muscular CK requerem também a determinação da função tiroideia. São vários os mecanismos que contribuem para a anemia no hipotiroidismo e, por isso, vários tipos de anemia podem estar presen- Quadro 4. Exames laboratoriais ocasionais que permitem suspeitar de hipotiroidismo Hipercolesterolemia Hiponatremia Aumento da CK Anemia Hiperprolactinemia Hiperhomocisteínemia tes. Destes mecanismos destacam-se: a diminuição da síntese de hemoglobina por défice de tiroxina; a deficiência de ferro por aumento das perdas devido às menorragias, bem como à diminuição da absorção intestinal de ferro; a deficiência de folatos por diminuição da absorção intestinal de ácido fólico e a anemia perniciosa com défice de vitamina B12.1 A documentação de hiperprolactinemia implica também a exclusão de hipotiroidismo. A prolactina (PRL) pode estar aumentada por várias razões: no hipotiroidismo primário, devido à estimulação pela hormona hipotalâmica estimuladora da tirotrofina (TRH); no hipotiroidismo central, devido a macroadenoma hipofisário que produza PRL e/ou que comprima a haste hipofisária. Exames de imagem e electrocardiograma O radiograma de torax convencional de um doente com hipotiroidismo pode evidenciar um aumento da silhueta cardíaca (Figura 1) devido, em parte, ao edema intersticial e à dilatação do ventrículo esquerdo, bem como a derrame pericárdico que, geralmente, não tem significado hemodinâmico. Ocasionalmente, a detecção ecocardiográfica de um pequeno derrame pericárdico ou a existência de bradicardia e de complexos de baixa voltagem no electrocardiograma de rotina, podem, de igual modo, fazer suspeitar do diagnóstico de hipotiroidismo.1 Os tumores hipofisários, particularmente os macroadenomas, são a causa mais frequente de hipotiroidismo de origem central (Figura 2). Nestes casos o hipotiroidismo é devido à compressão das células hipofisárias produtoras de tirotrofina (TSH), à interrupção da circulação hipotálamo-hipofisária ou, mais raramente, a hemorragia aguda ou enfarte (apoplexia hipofisária).11 Por outro lado, a cirurgia ou a radioterapia dos adenomas hipofisários (ou de outros tumores), podem causar hipotiroidismo central. Cerca de 10 a 25% dos doentes com macroadenomas hipofisários têm hipotiroidismo quer Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 87 Hipotiroidismo Figura 1. Radiograma de torax de doente com hipotiroidismo: derrame pericárdico. Figura 2. RMN da região selar. Volumoso macroadenoma da hipófise (seta). inicialmente, quer após terapêutica cirúrgica ou radioterapia.11 A detecção acidental, em exames de imagem (TAC/RMN), de uma massa hipofisária obriga à investigação não só de hipotiroidismo, mas também da função hipófise-supra-renal e da função hipófise-gónada. Nos casos de hipotiroidismo primário grave e de longa evolução, a TAC ou a RMN podem evidenciar um aumento da hipófise, devido à hiperplasia e hipertrofia das células produtoras de TSH. Esta situação, de falso tumor hipofisário, regride após terapêutica com hormona tiroideia. Hipotiroidismo – como diagnosticar A suspeita de hipotiroidismo requer confirmação laboratorial e identificação da causa da deficiência de hormonas tiroideias que, em conjunto, permitem classificar o hipotiroidismo em primário ou central. 88 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade A confirmação do diagnóstico faz-se através dos doseamentos séricos da TSH e da tiroxina livre (FT4). A identificação da causa de hipotiroidismo é, regra geral, sugerida pela história clínica. Assim, por exemplo, história de cirurgia tiroideia, de terapêutica de hipertiroidismo com 131I, de radioterapia cervical (efectuada por ex. por linfoma de Hodgkin), de ingestão de fármacos que alteram a síntese das hormonas tiroideias (ex: lítio, amiodarona, anti-tiroideus, α-interferão, etionamida) ou co-existência de doença auto-imune no próprio ou na família, sugerem que o hipotiroidismo é primário; história de radioterapia ou de traumatismo do crânio, grave hemorragia pós-parto (S. Sheehan) ou manifestações de hipogonadismo, sugerem que o hipotiroidismo é de causa central. O hipotiroidismo primário, particularmente o devido a tiroidite crónica auto-imune ou tiroidite de Hashimoto (a causa mais frequente de hipotiroidismo primário) é um processo que evolui gradualmente, desde formas subclínicas até ao hipotiroidismo clínico.12,13 O hipotiroidismo primário diz-se subclínico quando a TSH está aumentada e a FT4 está normal; diz-se clínico quando a FT4 está baixa e a TSH aumentada. No hipotiroidismo central a FT4 está baixa e a TSH pode estar normal, baixa ou mesmo ligeiramente aumentada (Quadro 5). Nas situações de hipotiroidismo central a TSH baixa sugere patologia de origem hipofisária (hipotiroidismo secundário), enquanto a TSH normal ou elevada sugere patologia hipotalâmica (hipotiroidismo terciário). A razão porque alguns doentes com hipotiroidismo central têm a TSH normal ou aumentada deve-se ao facto da TSH produzida ter actividade biológica diminuída mas manter imunoactividade.14 Esta diminuição da bioactividade parece ser devida a alterações da glicosilação das subunidades da TSH, dependente do controlo da TRH.15 Convém salientar que os doentes com doença grave (não tiroideia) podem ter hipotiroidismo central transitório e, posteriormente, na fase de recuperação da doença sistémica, apresentarem a TSH elevada. Esta situação deve ser diferenciada do verdadeiro hipotiroidismo, pois não requer terapêutica com hormona tiroideia.1 Outro aspecto importante a considerar na interpretação dos doseamentos da TSH é a possibilidade de determinados fármacos poderem alterar a secreção desta hormona hipofisá- Hipotiroidismo Quadro 5. Hipotiroidismo: diagnóstico laboratorial Primário subclínico FT4 N TSH ↑ Primário clínico FT4 ↓ TSH ↑ ↑ Central (2º e 3º) FT4 TSH ↓ N, ↓ ou ↑ Quadro 6. Fármacos que alteram a secreção da TSH Fármacos que aumentam a TSH Fármacos que diminuem a TSH Metoclopramida Dopamina Domperidona Glucocorticóides Amiodarona Fenitoína Ipodato de sódio Salicilatos Análogos da somatostatina Quadro 7. Prevalência de anticorpos anti-tiroideus Ac. anti-tiroglobulina % Ac. anti-peroxidase % População em geral 5–20 8–27 Tiroidite auto-imune 80–90 90–100 Adapatdo das Ref. 16, 17. ria (Quadro 6). A ecografia da tiroideia e o doseamento dos anticorpos anti-tiroideus (anti-tiroglobulina e antiperoxidase) são exames complementares úteis na avaliação do doente com hipotiroidismo. A ecografia permite a caracterização do volume da tiroideia (normal/aumentada/diminuída ou atrófica) bem como da sua estrutura (existência ou não de nódulos/aspectos sugestivos de tiroidite). A prevalência de anticorpos anti-tiroideus é elevada na tiroidite auto-imune (Quadro 7)16,17 o que constitui um excelente dado no diagnóstico desta patologia. Assim, por exemplo, num doente com FT4 baixa e TSH ligeiramente aumentada (5-10μUI/mL), a concentração elevada de anticorpos anti-peroxidase sugere hipotiroidismo primário devido a tiroidite crónica auto-imune (tiroidite de Hashimoto), enquanto a ausência de anticorpos anti-peroxidase e a existência de alterações de outras hormonas hipofisárias sugerem hipotiroidismo de causa central. A prova de estimulação da TSH com TRH raramente é utilizada no diagnóstico diferencial entre hipotiroidismo primário e central. A suspeita de hipotiroidismo central requer a avaliação não só da função hipófise-tiroideia, mas também da função hipófise-supra-renal, da função hipófise-gónada e da hormona de crescimento, bem como o estudo neuroradiológico da região hipotálamo/hipofisária. r Bibliografia 1. Cooper DS, Greenspan FS, Ladenson PW. The thyroid gland. In: Gardner DG, Shoback D (eds). Greenspan’s Basic & Clinical Endocrinology. Lange Mc Gaw Hill 2007; 209-80. 2. Bruckert E, De Gennes JL, Dairou F, et al. Frequency of hypothyroidism in a population of hyperlipidemic subjects. Presse Med 1993; 22:57. 3. Diekman T, Lansberg PJ, Kastelein JP, et al. Prevalence and correction of hypothyroidism in a large cohort of patients referred for dyslipidemia. Arch Intern Med 1995; 155:1490. 4. O’ Brien T, Dinneen SF, O’ Brien PC, et al. 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Lisboa-Portugal. e-mail: [email protected] Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 89 Artigo de Revisão Mecanismos básicos do comportamento alimentar João Martin Martins, Sónia do Vale e Florbela Ferreira Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospital de Santa Maria e Faculdade de Medicina de Lisboa. Resumo O ser humano obtem energia pela oxidação dos compostos de carbono. A alimentação fornece esses compostos orgânicos e permite além disso a contínua renovação dos constituintes corporais. O equilíbrio entre a ingesta calórica e os gastos energéticos é assegurado, por um sistema de controlo de tipo cibernético. O ponderostato inclui centros hipotalâmicos da fome e da saciedade – núcleo arqueado, núcleo paraventricular e área hipotalâmica lateral – actuando através de sistemas anabolicos – neuropeptido Y, proteína relacionada com o agouti (AgRP), orexinas e hormona de concentração da melanina (MCH) - e de um sistema catabólico – pró-opiomelanocortina (POMC), hormona de estimulação dos melanocitos (MSH), transcripto relacionado com a cocaína e anfetamina (CART), corticoliberina (CRH), tiroliberina (TRH) e oxitocina. Este sistema modula a ingesta alimentar e simultaneamente os gastos energéticos periféricos fundamentalmente pela intervenção do sistema nervoso vegetativo e a um nível molecular pelos ciclos do substrato, proteínas desacopladoras (UCP) e receptores activados de proliferação dos peroxisomas (PPAR). A intervenção do ponderostato é desencadeada por sinais com origem no tecido adiposo – leptina, no tubo digestivo – grelina, colecistocinina, péptido YY, e orgãos metabólicamente centrais – glicose, aminoácidos, ácidos gordos, cinase activada pelo AMP (AMPK), insulina, incretinas e glicocorticóides. A eficácia do ponderostato é notável, e mesmos os casos extremos de obesidade, podem ser explicados pelos efeitos cumulativos de desiquilibrios energéticos que raramente ultrapassam os 5%. Adicionalmente o ponderostato é modulado pelo sistema límbico e córtex associativo, factores cognitivos e emotivos, que definem o apetite. Ainda neste caso a influência exerce-se através dos sistemas neurotransmissores centrais, nomeadamente os sistemas serotoninérgicos, noradrenérgico, dopaminérgico e gabaminérgico. Mais recentemente tem vindo a adquirir importância crescente o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico, que constitui o sistema de gratificação universal implicado no componente hedónico da alimentação. As alterações são particularmente evidentes nas doenças do comportamento alimentar – anorexia, bulimia, voracidade alimentar – em muitas doenças psqiuiátricas, ou sob a influência de psicotropos – antidepressivos e neurolépticos, ou ainda com antagonistas do sistema endocanabinóide. As vias bioquímicas envolvidas, constituem o alvo de intensa investigação no sentido de desenvolver fármacos CONCEITOS BÁSICOS O ser humano surgiu tardiamente na evolução da vida na terra e utiliza como forma principal de energia, a energia química que obtêm pela oxidação dos compostos de carbono. Naturalmente que em últi- 90 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade para o tratamento da obesidade e das doenças do comportamento alimentar. Abstract Human beings derive the chemical energy they use in everyday life, by the oxidation of organic compounds. Eating replenishes those compounds and also allows for the replacement of body components. In healthy states, a strict equilibrium between caloric intake and energy expenditure is maintained by a control system of the cybernetic type. This control system includes several hypothalamic nuclei modulating hunger and satiety – arcuatus nucleus, paraventricular nucleus and the lateral hypothalamic area – acting through anabolic pathways – Y neuropeptide, agouti related protein (AgRP), orexins and melanin concentrating hormone (MCH) – and catabolic pathways – proopiomelanocortin (POMC), melanocyte stimulating hormone (MSH) cocaine and amphetamine related transcript (CART) , corticotrophin releasing hormone (CRH), TSH releasing hormone (TRH) and oxytocin. Besides controlling intake the system also regulates energy expenditure, mainly through the autonomic nervous system and at the molecular level by way of futile cycles, uncoupling proteins (UCP) and the activated receptors of proliferating peroxisomes (PPAR). The energy controlling system is set in motion by signals from the adipose tissue – leptin – from the gut – ghrelin, colecystokinin, YY peptide – and from metabolically central organs – glucose, amninoacids, fatty acids, AMP activated kinase (AMPK) , insulin, incretin hormones and adrenal steroids. The energy controlling system is extremely effective and most cases of obesity, can be explained by the cumulative effects of energy unbalances that rarely exceed 5%. The limbic system and the associative cortex modulate the function of the energy controlling system accounting for the cognitive and emotive component of eating behaviour (appetite). Central neurotransmitter systems, like the serotoninergic, noradrenergic, dopamingergic and gabaminergic are particularly important in this regard. More recently the dopaminergic mesocorticolimbic system, the universal rewarding system, is assuming a major role, accounting for the pleasurable component of eating. Abnormalities of this control are evident in eating behaviour disorders – anorexia, bulimia and craving – in several psychiatric disorders and under the influence of common psychotropic drugs – anti-depressive and neuroleptic agents or the antagonists of the endogenous endocannabinoid system. Research and industry are actively exploring the biochemical pathways just described, looking for safe and effective drugs to be used in the treatment of obesity and eating behaviour disorders; some of these may reach clinical practice in the near futur. ma análise estes compostos de carbono, têm uma origem vegetal sendo produzidos pelos organismos fotossintéticos que utilizam a energia solar para reduzir e condensar compostos de carbono progressivamente mais complexos, depois ingeridos pelos Comportamento alimentar Modulação Cortical Efectores Periféricos Sensores Periféricos Sensores Periféricos Sensores Periféricos Unidade de Processamento Central (“Central Processing Unit”) (CPU) Sensores Periféricos Efectores Periféricos Efectores Periféricos Efectores Periféricos Variável Figura 1. Organização de tipo cibernético do ponderostato (ver texto). animais e pelos seres humanos. A alimentação fornece energia e nutrientes aos sistemas vivos. Estes são os seus valores calórico e nutritivo respectivamente, que devem ser sempre distinguidos. A energia permite naturalmente o funcionamento do sistema, mas o fornecimento dos nutrientes permite além disso a constante renovação dos constituintes corporais.1-3 Na metáfora frequentemente utilizada, em que a alimentação é comparada ao fornecimento de gasolina ao automóvel, esquece-se a natural vantagem dos sistemas biológicos: a alimentação fornece a gasolina que permite o funcionamento do automóvel e as peças que permitem a sua constante renovação. Como seria de esperar, dada a sua importância vital, a alimentação é estritamente regulada, nos seus componentes calórico e nutritivo, ou seja existe claramente um sistema homeostático que regula em cada momento e de forma estrita a ingesta calórica e nutritiva. Este sistema homeostático, acopla estritamente a ingesta aos gastos energéticos e nutritivos. Em termos simples, o sistema garante que se aumentarem os gastos energéticos, aumentará também a ingesta calórica e vice-versa. Na versão simplificada que consideraremos, iremos referir-nos apenas aos componentes do sistema que regulam a ingesta calórica e os gastos energéticos — o popularizado ponderostato — deixando por agora de lado o componente do sistema que realiza o controlo nutritivo.4-7 No contexto que temos vindo a referir, a obesidade define-se simplesmente como um excesso da gordura corporal, para além dos limites convencionais de 15-20% no sexo masculino e 20-25% no sexo feminino, limites estes que embora convencionais foram seleccionados, na medida em que a partir desses limites, há uma associação estatisticamente significativa com diversas morbilidades. Neste sentido a obesidade, deve ser entendida simplesmente como uma perturbação do ponderostato, na medida em que a ingesta calórica é por definição ser superior aos gastos energéticos, resultando num excesso acumulado sob a forma de triacilgliceróis no tecido adiposo.7,8 ORGANIZAÇÃO BÁSICA DO PONDEROSTATO Como acontece com a regulação de outros comportamentos vitais, a regulação do comportamento alimentar, e o seu estrito acoplamento com os gastos energéticos, é garantido por um sistema com uma organização de tipo cibernética, ou seja auto-controlada, dispondo de centros, sensores periféricos, vias aferentes e vias eferentes que desencadeiam as respostas adequadas (Figura 1).1-6 No caso específico do ponderostato, a maior parte dessas estruturas começam agora a ser conhecidas com algum detalhe. Os centros correspondem a diversos núcleos hipotalâmicos, primeiramente identificados por Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 91 Comportamento alimentar A B Figuras 2a e 2b. Cortes antero-posterior e frontal do encéfalo, evidenciando o núcleo arqueado (1) os núcleos medianos (dorso- e ventromediano e paraventricular) (2) e os núcleos laterais (fornix e área hipotalâmica lateral) (3) (ver texto). Stellar. Assim existe um centro da fome localizado ao nível do hipotálamo lateral, que inclui os núcleos do fornix e a área hipotalâmica lateral e um centro da saciedade ao nível do hipotálamo mediano e ventral que inclui os núcleos dorso- e ventromediano e o núcleo paraventricular. A existência destes centros foi demonstrada de forma conclusiva por experiências clássicas de estimulação eléctrica e de destruição cirúrgica, que desencadeiam apropriadamente hiperfagia ou anorexia (Figuras 2a e 2b).1-6,9-15 Os sinais periféricos, que referiremos a seguir, atingem o hipotálamo ao nível do nucleo arqueado, uma região apropriadamente desprovida de barreira hemato-encefálica e com uma elevada densidade de receptores hormonais, onde influenciam a actividade de diversos neurónios do núcleo arqueado, que podem ser englobados em dois grupos fundamentais: 1) um grupo catabólico, de que o mediador principal seria o POMC (pró-opiomelanocortina) 92 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade ou a α-MSH que resulta do seu processamento hipotalâmico e o transcripto relacionado com a cocaína e anfetamina (CART); 2) um grupo anabólico de que os mediadores principais seriam o neuropéptido Y e a proteína relacionada com a agouti (AgRP), sendo que aliás estes dois péptidos são frequentemente co-segregados pelas mesmas populações neuronais. Estes neurónios do núcleo arqueado, ditos de primeira ordem, enviariam projecções sobre outras populações neuronais ditas de segunda ordem; por um lado o núcleo paraventricular do hipotálamo mediano e ventral, correspondendo ao centro da saciedade, e que teria como principais mediadores a corticoliberina (CRH), a tiroliberina (TRH) e a oxitocina, que induzem a saciedade e cuja função seria estimulada pelo grupo catabólico e inibida pelo grupo anabólico; por outro lado a ÁREA hipotalâmica lateral incluindo diversos núcleos adjacentes ao fornix, correspondendo ao clássico centro da fome, e de que os principais mediadores seriam as orexinas e a hormona de concentração da melanina (MCH); a actividade destes neurónios induziria a fome, e seria estimulada pelo grupo anabólico e inibida pelo grupo catabólico (Figura 2).1-6,9-15 Recordemos que numa organização de tipo cibernético, estes centros que correspondem à verdadeira unidade de processamento central do sistema (central processing unit – CPU), devem receber e integrar/interpretar informações periféricas diversas e iniciar as respostas adequadas; em termos simples a unidade de processamento central deve integrar as diversas informações periféricas indicando o estado adequado das reservas energéticas disponíveis e iniciar as respostas adequadas que tendem a manter essas reservas energéticas.1-6,9-15 As respostas iniciadas pelos centros antes referidos também começam agora a ser conhecidas em algum detalhe. Naturalmente que uma primeira resposta será a induzir ou inibir a ingesta alimentar ou seja induzir a fome ou a saciedade. Mas como seria de esperar essa não é a única resposta induzida pela unidade de processamento central; para um adequado funcionamento do sistema, os centros hipotalâmicos devem igualmente iniciar respostas periféricas que aumentam ou diminuem os gastos energéticos. Em grande parte este último efeito depende da activação/inibição central do sistema nervoso vegetativo simpático, cujo núcleo central Comportamento alimentar corresponde ao locus ceruleus da protuberância. A activação central do sistema nervoso vegetativo simpático, resulta num aumento dos gastos energéticos periféricos em grande parte através de três mecanismos fundamentais: 1) primeiro um aumento da actividade dos ciclos do substrato, conjuntos de uma reacção e da respectiva reacção inversa que a serem realizadas simultaneamente não têm qualquer efeito útil, no que diz respeito à concentração dos substractos e produtos, mas resulta apenas num gasto de energia, dissipada sob a forma de calor; 2) depois por um aumento da expressão das proteínas desacopladoras (uncoupling proteins – UCP) que presentes na membrana mitocondrial interna do tecido adiposo branco e castanho, resultam na dissipação do gradiente protónico normalmente utilizado para a produção de ATP, dissipando a energia da oxidação dos substractos sob a forma de calor; 3) finalmente pela modulação relativa dos receptores activados de proliferação dos peroxisomas (peroxisome proliferated activated receptors – PPAR) de que os tipos fundamentais α e γ, têm efeitos opostos, os primeiros conduzindo à utilização energéticos dos ácidos gordos, os segundos conduzindo ao seu armazenamento sob a forma de triacilglicerois no tecido adiposo. Naturalmente que a inibição do sistema nervoso vegetativo tem os efeitos opostos.1-6,9-15,16-25 A extrema elegância do sistema torna-se agora aparente. Se for detectado um excesso de reservas energéticas disponíveis, o sistema simultaneamente inibe a ingesta alimentar e aumenta os gastos energéticos periféricos, enquanto que se houver um défice de reservas energéticas, o sistema simultaneamente induz um aumento da fome e uma diminuição dos gastos energéticos periféricos. Torna-se portanto aparente, que de facto há um acoplamento estrito entre a ingesta calórica e os gastos energéticos periféricos, e que muito mais do que simplesmente regular a ingesta alimentar, o sistema acopla essa ingesta aos gastos energéticos. Até por isso é apropriada a designação referida previamente de sistema anabólico ou sistema catabólico. Se a organização do ponderostato em termos de centros e de respostas efectoras é relativamente simples e clara, o problema torna-se mais complexo, quando consideramos os sensores periféricos e o tipo de informação que transmitem. Por isso o tema será tratado em seguida, separadamente. No entanto em termos lógicos o problema é simples. O sistema deve ser informado das disponibilidades energéticas e da sua utilização e os sensores devem detectar essas variáveis biológicas. Assim em termos lógicos os sensores devem ser pelo menos de três tipos diferentes: 1) com origem no tecido adiposo informando das reservas energéticas disponíveis; 2) com origem no tubo digestivo informando da ingesta alimentar; 3) com origem em orgãos metabolicamente activos, sobretudo fígado e músculo, informando da utilização energética.1-6,9-15 Veremos a seguir que é de facto esta a organização do sistema. INFORMAÇÕES PERIFÉRICAS Na organização do ponderostato que temos vindo a considerar, é lógica a existência de estímulos periféricos com origem no tecido adiposo, no tubo digestivo e em órgãos metabolicamente activos. Alguns destes estímulos são relativamente bem conhecidos. Tecido adiposo A leptina é uma glicoproteína com um peso molecular de aproximadamente 16 kDa produzida pelos adipocitos, preferencialmente pelos adipocitos do tecido adiposo subcutâneo, em relação directa com a magnitude desses depósitos de tecido adiposo. A leptina informa portanto a unidade de processamento central do nível de reservas energéticas sob a forma de triacilgliceróis do tecido adiposo. Apropriadamente portanto os níveis estão elevados nos sujeitos com obesidade, em que esses depósitos estão aumentados. A leptina circula ligada a uma proteína de transporte específica que é uma das formas do receptor de leptina, atravessa a barreira hematoencefálica por um mecanismo de transporte activo que utiliza como transportador uma outra forma do receptor de leptina. Finalmente a leptina actua em receptores próprios, existentes em abundância no núcleo arqueado do hipotálamo. A esse nível a leptina actua em duas populações de neurónios, onde os seus receptores são abundantes: neurónios medianos que produzem os péptidos orexigenos como o NPY e o AgRP, cuja expressão/actividade diminuem, e neurónios laterais, que produzem os péptidos anorexigenos POMC e a MSH dele derivada, cuja expressão/actividade aumentam. A leptina induz desta forma a saciedade, diminuindo a Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 93 Comportamento alimentar ingesta alimentar, mas simultaneamente e em parte pelo menos através da CRH resulta numa estimulação central do sistema nervoso vegetativo simpático — locus ceruleus — que como vimos resulta num aumento dos gastos energéticos periféricos. O significado teleológico da leptina é portanto claro e coerente: quando as reservas energéticas estão aumentadas, a leptina aumenta e induz a saciedade e o aumento dos gastos energéticos periféricos tendendo a repor a níveis normais essas reservas energéticas.26-37 Os ratinhos ob/ob com delecção do gene da leptina, e os ratinhos db/db, e os ratos Zucker fa/fa com delecção do gene do receptor da leptina apresentam hiperfagia — com aumento da amplitude e da frequência dos episódios de ingesta alimentar, além de apresentarem obesidade e diabetes. No entanto em humanos só se conhecem menos de dez famílias com deficiência do gene da leptina ou dos seus receptores. Actualmente pensa-se que a resistência à leptina da obesidade humana corresponde a um defeito pós-receptor, com deficiente produção dos mediadores dos receptores de citocinas de que a leptina faz parte incluindo os STAT (signal transducer and activator of transcription) e a JAK (janus kinase). É de realçar o paralelismo entre a insulina e a leptina, na medida em que ambas aumentam quando aumenta o tecido adiposo, ambas são anorexisantes e a sua associação parece ser independente do índice de massa corporal (Body Mass Índex - BMI).26-37 Curiosamente e de forma um pouco paradoxal, muitos dos mediadores com origem no tecido adiposo, parecem ser produzidos não pelos adipocitos, mas sim pelos macrofagos do tecido adiposo, cujo número também aumenta na obesidade, por exemplo as citocinas pró-inflamatórias como o TNF-α e a IL-6. Estes mediadores associam a insulino-resistência e a inflamação crónica.38 Outros mediadores com origem no tecido adiposo, mas aparentemente sem relação directa pelo menos com o balanço energético são: 1) resistina um péptido com 114 aa, que circula como um homodimero, cujos níveis são mais elevados no tecido adiposo visceral, que produzem insulinoresistência e cujos níveis diminuem com as tiazolidenedionas (TZD) que são agonistas dos receptores PPARδ. 2) a adiponectina que melhora a sensibilidade à insulina e é anti-aterogénica e anti-inflamatória, cujos 94 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade níveis estão diminuídos na obesidade e cujos níveis aumentam com as TZD. A adiponectina actua através de receptores AdipoR1 e adipoR2.38 Tubo digestivo A grelina (growth hormone releasing peptide), é um péptido de 28 aa, produzido sobretudo nas células endócrinas do estômago, cujos níveis em circulação aumentam com o jejum, e diminuem rapidamente após a ingesta alimentar. É um dos péptidos orexigenos mais potentes conhecidos, tanto como o NPY. De facto inicia a ingesta alimentar e nesse sentido pode dizer-se que aumenta a fome e diminui a saciedade. A grelina provavelmente actua precisamente ao nível do núcleo arqueado estimulando os neurónios produtores de NPY/AgRP. Tal como em relação à leptina, os efeitos da grelina não se fazem sentir apenas no comportamento alimentar, mas igualmente nos gastos energéticos periféricos.39-48 Nos seres humanos com obesidade os níveis da grelina estão adequadamente suprimidos, mas por exemplo estão aumentados na obesidade do síndrome de Prader Willi. Os níveis estão cronicamente diminuídos, mais do que nos obesos – resposta apropriada - nos doentes sujeitos a gastrectomia; no entanto na perda de peso nos doentes obesos a grelina aumenta, enquanto que não aumenta nos doentes operados. Actualmente já existem potentes antagonistas orais dos receptores da grelina.39-48 Apesar da sua popularidade, a grelina é apenas o último de uma longa série de mediadores com origem no tubo digestivo que modulam o balanço energético. A colecistocinina (CCK) é um péptido produzido pelas células neuroendócrinas do intestino delgado em reposta à presença de determinados nutrientes no lúmen do tubo digestivo — aminoácidos, glicose ou ácidos gordos — que induz a saciedade, ou seja interrompe a ingesta alimentar, embora não influencie a frequência dos episódios de ingesta. Para além da estimulação da contracção da vesícula biliar, e da estimulação da secreção pancreática exócrina, os efeitos de saciedade da colecistocinina, parecem depender da acção sobre receptores CCKR1 de localização periférica, nomeadamente nas terminações vagais aferentes, um efeito essencialmente parácrino (que não exclui um efeito central, mas por transmissão a partir do vago); no entanto é possível Comportamento alimentar e provavelmente é mais importante nos humanos, que também actue centralmente através de receptores CCKR1 no núcleo arqueado do hipotálamo suprimindo a actividade dos neurónios NPY/AgRP, conforme é sugerido por alguns modelos animais com mutações do gene do CCKR1 que apresentam hiperexpressão do sistema NPY/AgRP. Curiosamente as mutações do gene do receptor CCKR1 — ratinhos obesos Otsuka Long-Evans Tokushima – Otsuka Long-Evans Tokushima fatty mice (OLEFT) — resultam num fenotipo caracterizado por obesidade e lítiase biliar.37,39-41,47-49 O peptido YY (PYY) é produzido no intestino delgado e no intestino grosso, e os seus níveis aumentam no período pós-prandial. É um potente agente anorexígeno, que aparentemente actua ao nível do núcleo arqueado antagonizando o NPY e estimulando o sistema POMC. Curiosamente os seus níveis são baixos nos doentes obesos, sugerindo alguma intervenção na patogénese da obesidade.37,39-41,47-49 O polipéptido insulinotrópico glucose-dependente também designado de polipeptido inibitório gástrico, é uma incretina, ou seja uma hormona produzida no tubo digestivo que potencia a secreção de insulina, que também parece ter efeitos na ingesta alimentar.37,39-41,47-49 Um elemento fundamental destes sinais periféricos com origem no tubo digestivo, frequentemente não individualizado parece ser o nervo vago (X). De facto múltiplos estímulos físicos — por exemplo a distensão gastrointestinal a alteração do pH gastrointestinal — ou químicos — a presença de nutrientes, ou mesmo várias hormonas gastrointestinais actuando de forma paracrina (e.g., CCK, uma vez que as terminações aferentes do vago apresentam receptores CCK1), começam por estimular as terminações nervosas aferentes do vago que é o responsável pela inervação sensitiva/aferente da maior parte das vísceras toraco-abdominais. O vago estabelece conexão central a múltiplos níveis incluindo de forma fundamental o núcleo do tracto solitário, e depois a área postrema, o núcleo parabraquial, o núcleo central da amígdala e diversos núcleos hipotalâmicos, nomeadamente o núcleo paraventricular, pelos quais pode modular os sinais da fome e da saciedade. De facto a ingesta alimentar associa-se ao aumento da expressão do c-fos e de outros marca- dores precoces da actividade neuronal em múltiplos locais de terminação central do vago. A importância deste circuito é bem evidente nas experiências de sham feeding — em que os alimentos ingeridos são drenados por fístula gástrica artificial — e em que a ingesta alimentar pode aumentar de forma brutal, ou pelas experiências de introdução entérica de soluções de nutrientes ou macromoléculas, mesmo sem valor nutritivo em que a ingesta alimentar pode ser reduzida de forma brutal. Talvez ainda mais relevante, serão os dados da cirurgia da obesidade – balões gástricos, banda gástrica ou bypass gastrointestinal, em que precisamente se pretende reforçar esta via inibitória.37,39-41,47-49 ORGÃOS METABOLICAMENTE ACTIVOS Tem sido mais díficil identificar de forma inequívoca este tipo de sinais, embora teleologicamente eles façam todo o sentido. Classicamente eram referidos alguns metabolitos circulantes com efeitos sobre a ingesta alimentar, por exemplo a glicose — a hipoglicemia induz indubitavelmente a fome, embora seja menos claro que a hiperglicemia induza a saciedade — os ácidos gordos — o aumento dos ácidos gordos em circulação associa-se de forma clara à saciedade — alguns aminoácidos — a baixa de alguns aminoácidos tem sido associada à ingesta alimentar e inclusive à ingesta alimentar selectiva para os hidratos de carbono — ou o ácido láctico que pela acidose que induz se acompanha de anorexia. Desta forma a utilização periférica dos substractos sob o ponto de vista energético, modularia o comportamento alimentar e eventualmente teria igualmente efeitos sobre os gastos energéticos periféricos. No entanto os mecanismos precisos destes efeitos permanecem ainda em muitos casos por esclarecer, admitindo-se no entanto que alguns deles como a glicose ou a acidose modulem a actividade eléctrica de neurónios dos centros hipotalâmicos implicados na fome e na saciedade.10,16-18 O problema parece ser mais subtil. Algumas moléculas chave, parecem funcionar como verdadeiros sensores do estado energético da célula e/ ou do organismo, induzindo as correspondentes alterações no comportamento alimentar e nos gastos energéticos periféricos. De entre estas moléculas fundamentais, uma que tem vindo a ganhar progressivamente mais importância é a cinase activada pelo Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 95 Comportamento alimentar AMP (AMPK). Recordemos que o AMP — adenosina-monofosfato é produzido dentro das células como resultado da utilização energética do ATP que produz primeiro o ADP e pela combinação de duas moléculas de ADP, uma nova molécula de ATP e uma molécula de AMP. O aumento do AMP é portanto um sinal universal da utilização e esgotamento relativo dos depósitos energéticos dentro da célula. É portanto provável que AMPK desencadeie a resposta adequada que consistirá no aumento da ingesta alimentar e na diminuição dos gastos energéticos compensadores. É fácil de admitir que assim seja, uma vez que a AMPK fosforila e activa vários factores de transcrição nuclear universais, podendo portanto genericamente induzir uma resposta anabólica, ao mesmo tempo que suprime a resposta catabólica. No entanto os mecanismos precisos desse efeito a montante (down stream regulation) permanecem por esclarecer em detalhe. Curiosamente muitos dos sinais que já considerámos e outros que iremos posteriormente considerar actuam em parte pelo menos pela modulação da AMPK, por exemplo a adiponectina e já agora alguns fármacos de utilização comum como a metformina.10,16-18 O problema é também mais complexo. Em vez de uma resposta do ponderostato, desencadeada simplesmente pela utilização energética dos nutrientes por órgãos metabolicamente activos, faz todo o sentido na organização cibernética do sistema, que ele seja adequadamente activado ou inibido por sinais gerais que induzem o catabolismo e/ou o anabolismo. É isso que de facto parece acontecer. Um desses sinais é a insulina. Os efeitos da insulina são difíceis de estudar experimentalmente, dada a hipoglicemia que a sua administração periférica provoca. No entanto é indiscutível que a insulina é a principal hormona anabólica e assim deveria reduzir a ingesta e aumentar a saciedade. De facto a administração central de insulina – que não provoca hipoglicemia — induz a saciedade e da mesma forma a diminuição da densidade de receptores de insulina especificamente no hipotálamo em ratos associa-se à hiperfagia e à obesidade. Aliás neste sentido a insulina aproxima-se da leptina e tal como a leptina os seus níveis aumentam directamente quando aumenta a quantidade de tecido adiposo e em particular do tecido adiposo visceral.10,11,16-18,47-49 Curiosamente, não só a insulina, como diversas 96 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade hormonas gastrointestinais produzidas em relação com a ingesta alimentar e que reforçam a secreção da insulina, vulgarmente designadas como incretinas, tem o mesmo efeito sobre o comportamento alimentar, o que faz obviamente sentido sob o ponto de vista teleológico e ganha crescente actualidade, devido ao recente desenvolvimento de fármacos nesta área como o análogo do GLP-1 (glucagon-like peptide) ou os inibidores da dipeptidilpeptidase IV, que degrada o GLP-1.47-49 Pelo contrário, deveriam ter um significado oposto os glicorticóides e as catecolaminas que induzem genericamente uma resposta catabólica e que portanto deveriam induzir a ingesta alimentar e diminuir os gastos energéticos periféricos de tipo compensador. Faltam no entanto claramente dados experimentais nesta área.10,11,16-18,50,51 EFICÁCIA DO PONDEROSTATO O sistema homeostático que temos vindo a descrever é extremamente eficaz, e essa eficácia é particularmente evidente precisamente nos casos de falência do sistema, ou seja nos casos vulgares de obesidade. A doente MAV recorreu à Consulta de Endocrinologia por obesidade. Tem 52 anos, uma altura de 1,65m e um peso de 98 kg. Apresenta portanto um Índice de Massa Corporal (IMC) de 36,0 kg/ m2, ou seja, uma obesidade grave. De facto se admitirmos que o peso “normal” seria de 60 kg, correspondendo a um IMC de 22,0 kg/m2, a doente apresenta um excesso ponderal de 38 kg; e se admitirmos que esse excesso ponderal corresponde essencialmente a gordura – o que sabemos não ser inteiramente verdade, porque na obesidade há também um aumento da massa magra – estes 38 kg de gordura em excesso correspondem a um excesso calórico de 342.000 kcal (valor calórico dos lípidos de 9 kcal/g) — o que também não é inteiramente verdade porque o tecido adiposo também tem cerca de 50% de água. Em resumo neste caso extremo, há no máximo um excesso calórico de facto brutal. Já alguém fez as contas, e se a gordura em excesso da população norte-americana fosse utilizada para produzir energia, daria para iluminar a cidade de Nova Iorque durante vários anos. Na história clínica, a doente refere que tem vindo a aumentar progressivamente de peso, desde o Comportamento alimentar casamento e gravidezes subsequentes, sem grandes oscilações ponderais. Este dado é credível, uma vez que vários estudos indicam que raramente os sujeitos aumentam mais de 2 kg por ano e que de facto na idade adulta o aumento ponderal médio é de cerca de 0,5 kg/ano52. Aos 22 anos, quando se casou a doente pesava 57 kg, ou seja um peso “ideal”, correspondendo a um IMC de 20.9 kg/m2. Mas analisemos então o que se passou, em 30 anos, a D. Antónia aumentou 41 kg e ganhou um excesso calórico de 342.000 kcal, parece de facto brutal; mas corresponde a apenas a um ganho de 1,4 kg – 12.300 kcal por ano, ou seja 116 g – 1050 kcal por mês, ou seja, ainda 4 g – 36 kcal por dia. 36 kcal/dia corresponde a um pacotinho de açúcar como aqueles que pomos no café, que tem 8 g de sacarose, ou seja 32 kcal. Ou seja mesmo neste caso extremo, com sucessivas aproximações, e em que nem sequer tivemos em consideração a redução da actividade física que ocorreu naturalmente também nesse período de tempo, o desiquilíbrio energético é mínimo, de facto supondo uma ingesta calórica diária de aproximadamente 2.500 kcal, esse desiquilíbrio entre a ingesta e os gastos é de apenas 1%. Este exemplo tão simples merece-nos várias reflexões. Em primeiro lugar sendo a obesidade uma “doença” que se define pela presença de gordura em excesso, não deixa de ser espantoso uma doença que resulta apenas de termos reservas energéticas em excesso. Em segundo lugar, que as grandes obesidades não precisam de grandes erros alimentares e que pelos seus efeitos cumulativos, pequenos desiquilíbrios têm estes efeitos dramáticos. Finalmente e particularmente relevante no contexto do nosso tema, estes dados sugerem claramente que existe um sistema homeostático que adequa a ingesta calórica aos gastos calóricos, já que mesmo no caso extremo considerado há uma notável aproximação entre ambos.53-55 A simplicidade dos cálculos numéricos apresentados suscita alguma incredulidade. Como é possível que pequenos excessos energéticos justifiquem obesidades tão graves? Tal é possível porque os efeitos são cumulativos; como dizia um investigador nesta área “it takes time to become obese; patients must accept that it also takes times to loose weight”. Finalmente é necessário enfatizar que os valores referidos são valores médios, sendo provável que o excesso energético seja frequentemente maior, contrabalançado com períodos de relativo equilíbrio. Mas o exemplo apresentado permite ainda outras conclusões. Dado que nunca foi demonstrado de forma inequívoca que os sujeitos destinados a tornarem-se obesos apresentem uma maior ingesta alimentar ou uma menor actividade física do que os sujeitos que permanecerão magros, parece inescapável, que o excesso calórico poderá resultar de menores gastos energéticos.53-55 Ora os gastos energéticos são razoavelmente constantes de indivíduo para indivíduos se referidos em relação à massa magra e correspondem grosso modo a 22, 29, 44 kcal/kg de peso corporal, supondo um indivíduo sedentário, com actividade física moderada ou com actividade física intensa respectivamente. A maior parte destes gastos energéticos (cerca de 70%) correspondem ao metabolismo basal, enquanto que cerca de 15-20% correspondem à actividade física e 5-10% correspondem ao efeito dinâmico dos alimentos e 5-10% correspondem à termogénese adaptativa.19-25,53-55 Embora possa haver diferenças discretas na termogénese adaptativa e no efeito dinâmico dos alimentos, nos sujeitos destinados a ser obesos, em relação aos sujeitos que permanecem normoponderais, tem sido postulado que os obesos, apresentariam menores gastos energéticos no metabolismo basal, apresentando portanto um metabolismo mais eficiente, que explicaria aliás por selecção natural em presença da fome habitual a extrema frequência da obesidade nas sociedades actuais (spendthrift hypothesis).19-25,53-55 Esta formulação é suportada por múltipla evidência. Recordemos que a obesidade humana se associa quase constantemente a níveis elevados de leptina e portanto por definição à resistência à leptina. Ora se os obesos são resistentes à leptina, então precisamente eles apresentarão uma menor saciedade, mas sobretudo menos gastos periféricos, resultantes de uma menor activação central do sistema nervosos vegetativo simpático, e menor intensidade dos ciclos do substracto e menor expressão das UCP e predomínio relativos dos PPARγ/ PPARα, que precisamente justificaria os menores gastos energéticos e um metabolismo mais eficiente.19-25,29-31,53-55 Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 97 Comportamento alimentar MODULAÇÃO CORTICAL DO PONDEROSTATO No Homem e eventualmente noutros mamíferos superiores, a actividade dos centros hipotalâmicos, como o ponderostato que temos vindo a descrever é modulada pelo sistema límbico e pelo córtex associativo e pré-frontal. Essa modulação é responsável pelo apetite em oposição à fome/saciedade controlada directamente pelo ponderostato. Essa distinção é reconhecida aliás na linguagem corrente: “não é que tenha fome, apetece-me”.1-6,49,56,57 Os factores do apetite são extremamente variados e complexos e só agora começam a ser conhecidos com algum detalhe: 1) Características físicas dos alimentos; 2) Condições da alimentação — comer sozinho ou acompanhado, em publico ou em privado, isoladamente ou lendo o jornal ou vendo a televisão; 3) Processos prévios de aprendizagem que conferiram à alimentação e a certos alimentos todo um signifcado particular; etc., etc. De facto no ser humano pelo menos, a alimentação além do seu significado teleológico vital, é também fonte de prazer e um processo cultural, de acordo com componentes cognitivos e afectivos.1-6,49,56,57 É neste contexto que devem ser entendidas as doenças do comportamento alimentar e a associação frequente das perturbações do comportamento alimentar com as doenças psiquiátricas e com a utilização de psicofámacos.58-68 Embora a multiplicidade de factores envolvidos não seja conhecida com exactidão, a base bioquímica desta modulação começa a ser esclarecida, com repercurssões clínicas evidentes. Dentro dos clássicos sistemas de neurotransmissores centrais alguns apresentam efeitos claros na modulação da ingesta alimentar e consequentemente também nos gastos energéticos periféricos, embora este último aspecto seja frequentemente esquecido: 1) Sistema noradrenérgico com origem fundamentalmente no locus ceruleus da protuberância com efeitos claros de inibição do comportamento alimentar, um efeito mediado pelos receptores alfa1; exemplo claro deste efeito ocorre com as anfetaminas; no entanto a indução da fome pode ocorrer com a estimulação dos receptores alfa-2; 2) Sistema colinérgico com origem fundamentalmente nos núcleos giganto-celulares do bulbo e protuberância sem efeitos marcados na ingesta ali98 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade mentar pelo menos de forma directa; 3) Sistema serotoninérgico com efeitos claros na inibição da ingesta alimentar, sendo utilizados clinicamente com esse objectivo; os anti-depressivos clássicos, nomeadamente os inibidores da monoamina-oxidase, podem aumentar a fome, pelos efeitos inespecificos sobre a transmissão noradrenérgica, dopaminérgica e serotoninérgica, enquanto que os anti-depressivos mais recentes, inibidores da recaptação da serotonina, diminuem a fome; 4) Sistema histaminérgico com efeitos de inibição da ingesta alimentar, donde o potencial ganho ponderal com os anti-histamínicos; 5) Sistema dopaminérgico com origem no núcleo accumbens e substância cinzenta periaqueductal com efeitos de inibição da ingesta alimentar, um efeito secundário a ter em conta com a utilização dos neurolépticos, que são genericamente agentes anti-dopaminérgicos; 6) Sistema gabaminérgico com uma distribuição ubiquitária no sistema nervoso central com efeitos discretos de indução da fome, um efeito secundário relativamente frequente dos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos; 7) Sistema glutaminérgico também com distribuição ubiquitária no encéfalo e também com discretos efeitos na indução da fome, um efeito que é utilizado por alguns anti-epilépticos do tipo do topiramato (Figura 3a e 3b).10,11,14,15,69-71 Particularmente importante parece ser a intervenção do sistema dopaminérgico mesocorticolímbico que representa o verdadeiro sistema de gratificação universal e que serve assim para reforçar o comportamento alimentar. Ou seja tornam o comportamento alimentar em si mesmo gratificante pela associação à estimulação do sistema dopaminérgico mesocorticolímbico. Um exemplo simples seria o de que a ingesta de alimentos saborosos, estimula o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico — veremos adiante que aparentemente estimula o sistema opióide que por sua vez estimula o sistema dopaminérgico - que assim reforça a ingesta alimentar; de forma paralela o comportamento alimentar em determinadas circunstâncias poderia ficar associado à estimulação desse sistema e seria assim reforçado. Entramos no campo do apetite, da influência dos psicotropos no comportamento alimentar e no âmbito das doenças do comportamento alimentar.72-84 Comportamento alimentar a b Figuras 3a e 3b. (3a) cortes horizontais sucessivos ao longo do tronco cerebral – A – pedúnculos cerebrais – (1) substância cinzenta periaqueductal (2) núcleo accumbens; B – protuberância – (3) locus ceruleus (4) núcleos da rafe (5) núcleos gigantocelulares; C – bulbo; (3b) projecções corticolímbicas dos sistemas dopaminérgico (1), noradrenérgico (2) e serotoninérgico (3) (ver texto). O sistema dopaminérgico mesocorticolímbico tem a sua origem em neurónios dopaminérgicos cujo corpo celular está na área tegmentar ventral, no mesencéfalo. Estes neurónios projectam-se no núcleus accumbens, no sistema límbico — hipocampo e amígdala – no córtex cingulato e no córtex prefrontal. Este sistema é inibido a montante por neurónios gabaminérgicos e essa inibição é anulada por neurónios opioidérgicos. Genericamente o sistema opióide e o sistema dopaminérgico reforçam o comportamento alimentar. Em particular o sistema dopaminérgico parece actuar através dos receptores D1, pos-sinápticos, enquanto que os receptores D2 seriam pré-sinápticos e inibitórios, enquanto que os efeitos dos opióides parecem ser mediados pelos receptores μ1.72-84 O sistema endocanabinóide apenas foi recentemente identificado. Os mediadores do sistema são lípidos endógenos — anandamida e 2-araquidonilglicerol — que se ligam aos receptores activados pelos derivados da Cannabis. Estes receptores são essencialmente de dois tipos o CB1 presente sobretudo no sistema nervoso central e o CB2 presente sobretudo nas células hematopoiéticas e imunológicas. Os endocanabinóides actuando através dos receptores CB1, induzem a fome, sobretudo de alimentos com elevado valor hedónico — gorduras e açucares livres. A leptina induz a saciedade, em parte pelo menos pela inibição do sistema endocanabinóide, enquanto que a hormona de concentração da melanina (MCH) induz a fome, em parte pelo menos pela estimulação deste sistema. O sistema endocanabinóide é um componente intrínseco do sistema de gratificação dopaminérgico mesocorticolímbico com origem no núcleo accumbens e na substância cinzenta periaqueductal. Como seria de esperar o sistema endocanabinóide também tem profundos efeitos sobre os gastos energéticos periféricos, estimulando a lipogénese, no tecido adiposo e no fígado, em parte pelo menos por efeitos directos no factor de transcrição nuclear SREBP-1c (sterol response element-binding protein-1c) que modula a expressão genética de enzimas chave na lipogénese, nomeadamente a carboxilase-1 do acetilcoenzima (ACC1) e a sintase dos ácidos gordos (FAS). Parte dos efeitos poderão também ser mediados pela adiponectina e AMPK. Além disso no músculo o sistema endocanabinoide endógeno diminui a expressão da proteína desacopladora, reduzindo os gastos energéticos periféricos.72-84 Os fármacos de desenvolvimento recente como o rimonabant que antagonizam o sistema endocanabinóide, ao nível do receptor CB1, abrem novas potencialidades no tratamento das perturbações do Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 99 Comportamento alimentar comportamento alimentar, reduzindo a gratificação da ingesta de alimentos hedónicos e simultaneamente os gastos energéticos periféricos.72-84 PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR A modulação cortical cognitiva e afectiva do ponderostato é extremamente relevante na prática clínica, nomeadamente no caso das obesidades mórbidas, com profundas alterações do comportamento alimentar e/ou doenças psiquiátricas ou utilização de psicotropos. Aliás parece provável que apenas alterações do ponderostato, não sejam suficientes para justificar as grandes obesidades, o que não quer com certeza dizer que estas perturbações do comportamento alimentar, também não estejam presentes em situações de excesso de peso ou de obesidade ligeira ou moderada. Um exemplo real pode servir de ilustração. A doente MFP de 48 anos foi internada no Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Santa Maria por obesidade mórbida, com feridas infectadas da parede abdominal e insuficiência renal aguda. Aos 48 anos, com 1,55 m, pesava 216 kg, correspondendo a um IMC de 90 kg/m2. De acordo com a história clínica sempre foi “cheinha” e ambos os progenitores e as três irmãs e as duas filhas também são obesas. No entanto aos 18 anos, na altura do casamento com 1,55m pesava 76 kg com um IMC de 31.6 kg/m2, uma obesidade ligeira. Aos 18 anos ficou grávida e aumentou 22 kg, aos 19 anos de novo grávida aumentou 18 kg e aos 21 anos, terceira gravidez com aumento de 20 kg, todas sem intercorrências medicamente significativas; depois das gravidezes nunca recuperava o peso prévio, de forma que aos 23 anos, depois do nascimento do último filho pesava 98 kg, IMC – 40.8 kg/ m2. Nessa altura deixou de trabalhar e ficou em casa a cuidar dos filhos; rapidamente os filhos foram para o infantário e com o marido a trabalhar, a senhora passava os dias em casa, tratando da lide doméstica e vendo televisão ou lendo revistas populares. Referia que frequentemente durante a manhã tinha crises de voracidade alimentar para os hidratos de carbono, sem bulimia, e que associava a períodos de maior ansiedade e tristeza. Aos 28 anos, pesava 125 kg, IMC 52.1 kg/m2. Nessa altura e em parte pela sua obesidade segundo a doente, o marido saiu de 100 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade casa e a doente teve uma depressão grave, não saindo de casa nem para passear e passou a tomar vários ansiolíticos e anti-depressivos, nomeadamente de tipo tricíclico. Aos 32 anos pesava 166 kg, IMC de 69.2 kg/m2. Recorreu então a vários médicos, mas como estava muito deprimida não cumpria o plano alimentar, nem o plano de exercício proposto e mesmo a medicação fazia apenas de forma irregular. No entanto por indicação de várias amigas, utilizou laxantes e diuréticos de forma irregular e muitas vezes depois da ingesta alimentar excessiva provocava o vómito. Numa dessas tentativas perdeu 12 kg, mas ao fim de 1 ano, tinha ganho esses 12 e mais 8 kg, de forma que aos 34 anos, pesava 182 kg, IMC 75.8 kg/m2. Nessa altura teve uma infecção respiratória que foi acompanhada de falência respiratória e obrigou ao internamento hospitalar com ventilação assistida. Desde a alta hospitalar há 5 anos, nunca mais saiu da cama, sendo o marido – que entretanto voltou ao domicílio conjugal - e as filhas que tratam da sua higiene, da sua alimentação e da lide doméstica. Aos 42 anos foi internada no SEDM com 216 kg. Este exemplo dramático, mas nem por isso raro, demonstra bem a importância das perturbações graves do comportamento alimentar, das doenças psiquiátricas associadas e da utilização não criteriosa dos psicotropos no desenvolvimento das grandes obesidades, que dificilmente resultarão apenas de perturbações minor do ponderostato, como aquelas que ocorreram no primeiro caso. Feitas as contas, durante vários períodos de tempo, o excesso calórico médio diário da doente era de 200-300 kcal, sendo certo que depois voltava por períodos a aparentes equilíbrios energéticos. Neste caso não basta de facto invocar alterações do ponderostato e é preciso considerar directamente as perturbações do comportamento alimentar. CONCLUSÕES A obesidade define-se simplesmente como um excesso de gordura corporal. Esta situação que atinge proporções epidémicas nas sociedades ocidentais, corresponde a uma falência do ponderostato que normalmente acopla de forma estrita o consumo calórico e os gastos energéticos. A organização do ponderostato é de tipo cibernético, com centros hipotalâmicos e sensores periféricos essencialmen- Comportamento alimentar te com origem no tecido adiposo, tubo digestivo e órgãos metabolicamente activos como o fígado e o músculo. Pequenas alterações do ponderostato, eventualmente de base genética e bioquímica poderão justificar a maior parte das obesidades ligeiras ou moderadas. No entanto a modulação corticolímbica do ponderostato e as perturbações do comportamento alimentar são provavelmente mais importantes para entender sobretudo as obesidades mórbidas. A elucidação progressiva a nível bioquímico destes sistemas poderá permitir a prazo um melhor entendimento destas situações e o desenvolvimento de terapêuticas farmacológicas mais eficazes. r Bibliografia 1. Stricker EM, Verbalis JG. Hormones and ingestive behaviors. in: Behavioral endocrinology. Becker JB, Breedlove SM, Crews D (eds). Capítulo 15, pps 453-372. Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, 1992. 2. Carlson NR. Ingestive behavior: Eating. In: Physiology of Behavior. Carlson NR (ed). Capítulo 13: 395-429. Fifth edition. Allyn and Bacon, Bóston,1994. 3. Hill A.J., Rogers P.J. Food intake and eating behavior in humans. in: Clinical Obesity. Kopelman P.G., Stck M.J. (eds). Capítulo 5: 86-111. Blackwell Science Ltd, Oxford, Reino Unido, 1998. 4. Schwartz MW., Woods SC., Porte Jr D., Seeley R.J., Baskin D.G. Central nervous system control of food intake. Nature; 2000; 404; April 6: 661-71. 5. Schwartz GJ. Biology of eating behaviour in obesity. 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Os sinais e sintomas atribuíveis aos TNE podem agrupar-se da seguinte forma: 1) Achados, em exames complementares de diagnóstico efectuados por queixas inespecíficas, em rastreios (rastreio do carcinoma do cólon ou recto) ou intra-operatoriamente; 2) Presença de uma síndroma clínica resultante da produção e libertação de produtos biológicos (síndroma carcinóide ou hipoglicémias no contexto de insulinoma); 3) Sintomatologia condicionada pelo crescimento/ invasão local e/ou à distância (dor abdominal, icterícia, hepatomegália metastática). Individualmente, abordaremos primeiro os TNE do tubo digestivo e em seguida os tumores endócrinos do pâncreas. tubo digestivo, ocupando o 3º lugar entre estes, mas o aumento da incidência verificado nas últimas 5 décadas pode representar, pelo menos em parte, um aumento do número de diagnósticos face à difusão da endoscopia digestiva alta. Definem-se 3 tipos; o tipo I, o mais prevalente, associado a gastrite crónica atrófica do corpo, muitas vezes no contexto de anemia perniciosa, com consequente hipocloridria e hipergastrinémia; o tipo II associado a hipergastrinémia no contexto de Síndroma de Zollinger-Ellison ou MEN-1 e o tipo III, não associado nem a atrofia da mucosa nem a hipergastrinémia, de maior agressividade. O tipo I é assintomático ou apresenta-se com clínica de anemia perniciosa; o tipo II apresenta sintomatologia resultante de hipergastrinémia (úlcera péptica, doença de refluxo gastroesofágico e/ou diarreia) e o tipo III apresenta-se geralmente sob a forma de uma síndroma dispéptica com epigastralgias e eventualmente anemia ferropénica. TNE do esófago São extremamente raros, localizam-se sobretudo no 1/3 distal, sendo reconhecida uma associação à metaplasia de Barrett; a principal sintomatologia é a disfagia associada a perda de peso significativa. TNE do jejuno/ileo São a 1ª localização para os TNE do tubo digestivo (cerca de 30%). Atingem sobretudo o íleo distal, são frequentemente múltiplos e com dimensão inferior a 2 cm. A apresentação clínica mais frequente é a dor abdominal intermitente, resultante por um lado da fibrose e retracção do mesentério que condiciona um pregueamento do delgado em forma TNE do estômago Correspondem actualmente a 11-14% dos TNE do TNE do duodeno Representam 2-3 % dos TNE do tubo digestivo. Descrevem-se 5 variedades: gastrinoma, somatostatinoma, TNE não funcionante, paraganglioma gangliocítico e carcinoma neuroendócrino indiferenciado. Cerca de 1/3 são assintomáticos; nos restantes a apresentação habitual é a dor abdominal, hemorragia digestiva alta ou icterícia. Vol. 2 | Nº 3 | NOV/DEZ 2008 103 Tumores neuroendócrinos de acordeão (kinking), com obstrução parcial e por outro da isquémia provocada pelo encarceramento dos vasos mesentéricos dependente do crescimento ganglionar. Com a metastização hepática surge habitualmente a síndroma carcinóide, resultante da incapacidade do fígado metabolizar adequadamente a serotonina produzida pelo TNE. Esta vai condicionar diarreia, flushing, doença valvular cardíaca direita e mais raramente obstrução brônquica intermitente e pelagra. Para a etiopatogenia da diarreia e flushing, contribuem também as aminas biogénicas e péptidos como as taqui e bradicininas e histamina. A doença cardíaca é habitualmente uma complicação tardia da doença, associando-se a níveis elevados de 5-HIAA, pelo que se preconiza o seu despiste regular com ecocardiografia trans-torácica quando estes são > 100 mg/24h. Embora a síndroma carcinóide não seja exclusiva dos TNE nesta localização, é sobretudo encontrada neste contexto. TNE do apêndice cecal São actualmente menos frequentes (4º lugar entre os TNE do tubo digestivo), sendo estimada uma incidência de 1 para cada 100 a 300 apendicectomias. A maioria tem dimensões inferiores a 1 cm. São geralmente assintomáticos ou podem mimetizar uma apendicite aguda. TNE do cólon Representam 8-11% do total de TNE do tubo digestivo. Localizam-se sobretudo no cego e cólon ascendente e tal como os TNE do delgado apresentam infiltração desmoplásica justa-tumoral. Do ponto de vista clínico apresentam-se com dor abdominal, alteração do trânsito intestinal e perda de peso. TNE do recto Constituem 15 a 18% dos TNE do tubo digestivo (2º lugar). Localizam-se sobretudo no 1/3 superior do recto e apresentam-se como lesões de coloração amarelada e aparência submucosa. Na maioria são assintomáticos, embora em fase mais avançada se verifique proctalgia e alteração do trânsito intestinal. Tumores endócrinos do pâncreas São habitualmente sistematizados em “funcionantes” se forem responsáveis por uma síndroma clíni104 Endocrinologia, Diabetes & Obesidade Quadro 1. Manifestações clínicas associadas aos tumores endócrinos do pâncreas funcionantes mais frequentes Tumor endócrino do pâncreas Manifestações clínicas Insulinoma Hipoglicémia Sintomas neuroglicopénicos: diplopia, confusão mental, amnésia, coma Sintomas activação adrenérgica: sudação, tremores, náuseas, fome Gastrinoma Úlcera péptica Complicada, resistente à terapêutica Doença de refluxo gastroesofágico Diarreia Precede, acompanha ou é subsequente à úlcera péptica VIPoma Diarreia secretória Hipocaliémia, acloridria/hipocloridria Acidose metabólica, desidratação, astenia, arritmias, hiperglicémia, flushing Glucagonoma Eritema necrolítico migratório Diabetes mellitus Perda de peso Pode atingir 20-30kg Trombose venosa profunda Somatostatinoma Diabetes mellitus Diarreia Litíase biliar ca específica (Quadro 1), e “não funcionantes” na situação oposta. Os tumores não funcionantes são actualmente os mais frequentes (20-50% total), são grandes e localizam-se sobretudo na cabeça do pâncreas. A apresentação clínica é dependente do crescimento/invasão de estruturas adjacentes (dor, icterícia, pancreatite recorrente, hemorragia digestiva alta) ou resultante da metastização à distância (hepatomegália, dor). r Bibliografia 1. Hemminki K, Li X. Incidence trends and risk factors of carcinoid tumors. A nationwide epidemiologic study from Sweden. Cancer 2001;92:2204-10. 2. Modlin IM, Lye KD, Kidd M. A 5-decade analysis of 13,715 carcinoid tumours. Cancer 2003;97:934-59. 3. Williams GT. Endocrine tumours of the gastrointestinal tract – selected topics. Histopathology 2007;50:30-41. 4. Warner RPP. Enteroendocrine Tumors Other than Carcinoid: A Review of Clinically Significant Advances. Gastroenterol 2005; 1668-84. 5. Endocrine Tumours of the Gastrointestinal Tract: Part I. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2005;19 (4). 6. Endocrine Tumours of the Gastrointestinal Tract: Part II. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2005;19 (5). 7. Handbook of Neuroendocrine Tumours. 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