S6A2 - “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin.
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S6A2 - “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin.
“Tempos Modernos”, de Charles Chaplin. Uma Analogia Entre o Descompasso da Modernidade dos Aviões e a Realidade dos Setores de Manutenção. MSc. Ana Maria Vieira Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Palavras Chave: Aviação, Condições de Trabalho, Manutenção de Aeronave, Novas Tecnologias. BIOGRAFIA Profª. Ana Maria Vieira: Mestre em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade continuada do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA, 2011). Pós-graduada em Comunicação (Universidade Cásper Líbero, 2002), com especialização em Comunicação Audiovisual (CINEUSP, 2003). Atuou como Capacitadora no projeto de Educomunicação do Núcleo de Educação e Comunicação (ECA/USP, 2003). Sua área de concentração é Gestão de Habilidades de Comunicação para a Segurança da Aviação. Atua como pesquisadora, consultora e instrutora de Segurança de Aviação. Vinte e cinco (25) anos do voo como tripulante internacional. Membro do Air Transport Research Society e World Conference on Transport Research. RESUMO Este artigo tem por objetivo levantar questões sobre o descompasso entre a modernidade tecnológica dos aviões e a realidade dos setores de manutenção, estabelecendo uma analogia com o filme “Tempos Modernos” (Modern Times, 1936), de Charles Chaplin. Faz-se necessário um olhar atento para entender esta realidade. No filme de Chaplin, os operários de manutenção eram obrigados a trabalhar sempre em ritmo bastante acelerado, situação que os deixava, muitas vezes, estafados e/ou neuróticos (robotizados), agravada pelas condições de trabalho. A relação “moderno x antigo” – temática do filme – transcende as épocas, e iremos usá-la aqui para mostrar que esta questão está presente na realidade atual, vivida pelos trabalhadores de manutenção. O que se percebe, a partir desse olhar, é que a emancipação das aeronaves trouxe consigo a modernidade. Porém, um dos resultados da pesquisa evidencia que a emancipação das condições humanas de trabalho, no que tange aos funcionários de manutenção aérea, não se efetivou. A conclusão aponta para a necessidade de um ambiente de trabalho menos coercitivo e, portanto, mais produtivo. Será que as empresas aéreas não deveriam pensar em programas para aumentar a produtividade e qualidade dos serviços, sem a necessária perda da "qualidade do ser"? A fim de realizar um debate mais amplo sobre o tema, este trabalho foi pautado pela abordagem qualitativa, por técnicas de pesquisa bibliográfica e documentais, entrevistas com pessoas que tiveram experiências associadas ao problema pesquisado e pela análise de exemplos que reforçam a compreensão do objeto estudado. Embora a maior quantidade das pesquisas analisadas esteja documentada em língua inglesa, o presente artigo não está restrito ao território norte-americano ou inglês. INTRODUÇÃO “Mais do que máquinas precisamos de humanidade” (Charles Chaplin) De acordo com a Federal Aviation Administration (FAA), cerca de 80 por cento dos erros de manutenção envolvem fatores humanos. O ambiente de manutenção de aeronaves tem problemas de fatores humanos exclusivos que são mais graves e mais duradouros do que em outros setores da aviação (ADAMS,2009). Outros estudos descreveram que o avanço da tecnologia na aviação contribuiu para a diminuição dos acidentes atribuídos a falhas mecânicas, entretanto, os acidentes atribuídos a fatores humanos não demonstraram a mesma redução (WIEGMANN E SHAPPELL, 2003). A automação reduziu a carga de trabalho da tripulação em voo, porém, esta redução não se aplicou às operações de manutenção (HOBBS, 2003). Hobbs e Williamson (2003) realizaram entrevistas com trabalhadores de manutenção das companhias aéreas e encontraram problemas de ordem técnica, tais como: falta de conhecimento para lidar com novas tecnologias, documentações inadequadas, - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1076 de 1112 - - - - - - - - - - pressão de tempo, problemas de comunicação, falhas na supervisão e turnos desumanos realizados em ambientes extremos e inóspitos. Dentre os riscos ocupacionais inerentes à profissão, destacam-se: limitações de tempo; pressões e cansaço provenientes de turnos desumanos; esgotamento mental, memória falha, falta de conhecimento e insuficiência de formação e/ou treinamento (HOBBS E WILLIAMSON, 2003). Trabalho em espaços restritos, necessidade de movimentar aeronaves em serviço para permitir manobras de outros aviões, obstrução da visibilidade, as altas temperaturas, iluminação insuficiente, ruídos e exposição a riscos atmosféricos e físicos elencaram-se como os principais fatores ambientais que prejudicam o desempenho do trabalho. Alguns trabalhos são realizados em pátio externo, à noite, com chuva, frio, iluminação deficiente, etc. (SERRA, 2004). Basicamente, a contribuição desse personagem de Chaplin para a empresa em que trabalha limitavase ao cumprimento de horário, à execução de inúmeras atividades no menor período de tempo possível, em um ambiente de trabalho coercivo e desumano. Muitas vezes descrito como uma sátira da era da máquina, Tempos Modernos aborda, na verdade, um tema mais amplo: os efeitos desumanos de muitos aspectos da modernidade. Utilizando os Depoimentos de Profissionais de Manutenção Aérea (DPMA) abaixo descritos, concedidos à autora do presente trabalho, através de entrevista pessoal e mensagens eletrônicas, podemos fazer uma analogia do ambiente de trabalho encontrado no filme de Chaplin e o cenário atual do ambiente de manutenção de aeronaves: Eu sinto que sou um escravo miserável dos tempos modernos. Trabalho em turnos desumanos, às vezes, mais de 20 horas, em um único dia, em uma situação muito estressante. Em um ambiente sujo (até os mictórios), perigoso e psicologicamente difícil. Alguns supervisores nos tratam de maneira severa e nos deixam frustrados e demandam prioridades em tempos irrealistas. Nosso salário e irrisório perto da demanda de trabalho, e o nível de estresse é horrível! Lamento muito... Muitos jovens acabam desanimando e abandonando a profissão. (DMPA, Depoimento A, 2009). Com mais de 20 anos de profissão e duas empresas aéreas de grande porte no currículo, deixei meu local de trabalho, que estava me pagando menos do que o equivalente ao meu salário de quando comecei. Trabalhava fins de semana, feriados, folgas, fazia horas extras sem remuneração, em um lugar em que me consideravam apenas um mal necessário não dando o devido valor ao profissional que sou. Eu sempre amei aviação, mas, preciso de uma qualidade de vida melhor. Boa sorte para qualquer um que optar por ficar! (DPMA, Depoimento B, 2009) O talento e humor de Charles Chaplin em sua obra Modern Times esforçam-se em delinear não somente concepções que abrangem as questões trabalhistas em si, mas também o impacto da industrialização, gerando a quebra dos valores humanos. Detendo nosso olhar sobre os Estados Unidos de 1929, onde se desenrola o enredo do filme, observamos que o declínio econômico, trazido pela grande depressão, causou um quadro de mazelas socioeconômicas. Atualmente, a conjuntura geopolítica internacional vem exercendo enorme pressão na economia das empresas aéreas. Para compensar os prejuízos e minimizar os custos de manutenção, as empresas aéreas vêm reduzindo progressivamente os salários, benefícios, custos de treinamento e empregando menos técnicos, como podemos observar neste outro depoimento, cedido por funcionário de manutenção de uma empresa aérea. Como podemos obter jovens estudantes interessados em manutenção de aeronaves? Bem, antes de tudo, não permitia que nenhum deles falasse comigo, pois eu teria que dizer-lhes [sic] para remover os bolsos das calças e das camisas que eles usam para guardar o dinheiro, pois eles deixariam de ter utilidade. Aconselho-os a investir em um carrinho de mão para transportar as dívidas que eles acumularão tentando sustentar sua família dignamente com uma renda miserável. Poderia também dizer como eu ainda amo trabalhar na aviação, mas estou [tão] farto da minha qualidade de vida, que mesmo essa alegria tem diminuído. (DPMA, Depoimento C, 2009) As empresas aéreas estão utilizando os aviões de forma mais intensiva, diminuindo o tempo em solo, afinal, a filosofia que impera atualmente é a de que “avião no chão é prejuízo”. Essa estratégia resulta em um aumento da pressão do tempo sobre os trabalhadores de manutenção. - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1077 de 1112 - - - - - - - - - - OS TRABALHADORES DE MANUTENÇÃO E A PRESSÃO DO TEMPO Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. (Charles Chaplin) Os efeitos negativos da pressão de tempo no desempenho humano foram relatados em vários estudos (McDaniel, 1990; Lin Su, 1998; Kellog, Hopko, Ashcraft, 1999). Segundo Zakey (1993, apud SUZUKI et al, 2008), sob pressão de tempo, ocorre a degradação do desempenho em tarefas complexas, devido à escassez de recursos cognitivos, conduzindo à adoção de estratégias simples e aumentado os erros de desempenho, fator este apontado como predominante em acidentes e incidentes de manutenção. Tempos Modernos começa com um enorme relógio, que preenche a tela inteira. O simbolismo é claro: a ditadura do relógio. Tempo é dinheiro. As empresas aéreas passaram a atribuir um valor singular ao tempo, que ‘vale dinheiro’. Para Hassard (2002), o tempo tornou-se uma “commodity” no processo de produção industrial. Ele afirma, também, que o relógio passou a ser onipresente nas organizações, um instrumento de coordenação e controle das empresas. Antes de o personagem de Chaplin surgir na tela, vemos o presidente da empresa assistindo ao desempenho dos trabalhadores em um monitor gigante e enviando as seguintes instruções para os seus supervisores: "seção 5 - acelerar; seção 7 mais velocidade." A "nova eficiência" e a necessidade de produtividade intensificou-se e transformou o local de trabalho em uma câmara de tortura. Nos tempos atuais, se colocarmos o personagem de Chaplin trabalhando na manutenção de aeronaves, ele sentiria esta mesma pressão do tempo, vinda de todas as frentes: cobrança do despacho para não causar atraso no horário do voo; chuva que está chegando; aeroporto que está para fechar; escassez de tempo para trocar aquela peça complicada; passageiro reclamando que irá perder a conexão; funcionários do aeroporto cobrando a liberação do portão para outro voo... E Chaplin teria que trabalhar com prazos irreais. Nos setores de manutenção das empresas aéreas, os delimitadores tradicionais do tempo estão sendo gradualmente abandonados. As mudanças organizacionais e inovações tecnológicas têm rompido as distinções entre: noite e dia, dias de trabalho e fins de semana, casa e trabalho, lazer e trabalho (HASSARD, 2002). Estas questões encontram-se representadas no resultado da pesquisa "Avaliação dos trabalhadores de manutenção de aeronaves e as horas de trabalho”, realizada pela Rhodes Associates Inc. Human Factors Consultants, (2003). Foram entrevistados mecânicos que representam diferentes tipos de operações (regional, aviação geral, militares, autônoma e helicópteros). As principais conclusões da pesquisa são as seguintes: • • • • • • • Mecânicos de aeronaves trabalham, em média, mais de 50 horas por semana. Muitos trabalham em dias de folga. Muitos trabalham por longos períodos, com poucos dias de folga para recuperação. Alguns trabalham com menos de 8 horas de descanso. Altos níveis de fadiga. Cerca de 9 a 12 por cento dos mecânicos de aeronaves em companhias aéreas relataram que tinham adormecido ao volante. Ocorrência de cochilos, muitas vezes em lugares desconfortáveis e improvisados nas próprias instalações dos hangares. O filme de Charles Chaplin traz uma série de críticas referentes ao tratamento à classe trabalhadora, que deveria cumprir cargas horárias extensas para aumentar a produtividade nas suas empresas, rendendo-se às normas de internato das companhias. Você trabalha nos fins de semana, trabalha a noite inteira para que todas as aeronaves estejam inspecionadas pela manhã. Ultrapassa mais de 60 horas de trabalho por semana e fica realmente cansado. Você lembra quantas vezes tem ultrapassando suas horas de trabalho e diminuído suas horas de laser com sua família e amigos. Sua empresa lhe enviou para workshops e você aprendeu que não deve trabalhar cansado e nem ultrapassar seu limite de horas, mas, “eles” dizem que há uma necessidade urgente ou então toda a equipe irá falhar nesta importante missão. Embora o seu corpo diga que você não pode mais, que você está cansado, sua mente lhe diz que você deve continuar para não ser punido ou perder seu emprego e, afinal, você não quer prejudicar sua equipe (XAVIER, 2005). - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1078 de 1112 - - - - - - - - - - Selma Balbino (2012), presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, denunciou em audiência pública no Senado Brasileiro, que as empresas aéreas forçam mecânicos a cumprir jornada dobrada de serviço, causando neles fadiga, o que facilita o cometimento de erros em atividades de manutenção. Traçando novamente um paralelo do filme com a realidade atual, vemos a situação da pressão do tempo se repetir nesta matéria publicada em um jornal brasileiro de grande circulação: “Técnicos reclamam de falta de funcionários e de pressão por vistorias rápidas nos aviões” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2007). O Jornal ouviu as reclamações dos profissionais que realizam esse trabalho tanto nas pistas (para vistorias mais rápidas) como na oficina de manutenção (inspeções principais). Mecânicos que trabalham com a manutenção de aeronaves das companhias aéreas reclamam principalmente do que consideram quantidade insuficiente de equipes e da cobrança para que as vistorias sejam feitas de maneira mais rápida. O principal motivo alegado é a necessidade de ter os aviões disponíveis na maior parte do tempo, especialmente porque sua permanência nos aeroportos representa redução de custos para as empresas. "Ficamos próximos da falha, às vezes, dependendo da empresa, tem um só mecânico para cuidar de três aviões”, disse Elias Winkler, diretor do Sindicato Nacional dos Aeroviários. A vistoria, antes da decolagem abrange itens como freios, asas, abastecimento, além da checagem de informações do computador do avião. Winkler diz que, em geral, são necessários de 15 a 20 minutos na inspeção de pista. Noé da Silva, diretor do sindicato dos aeroviários de São Paulo, afirma que leva "uns 40 minutos" no caso de um Boeing. Um mecânico que trabalha com Airbus diz considerar "ideal" meia hora. Já as companhias aéreas afirmam que a verificação pode durar só cinco minutos. Um engenheiro relata que os mecânicos têm de fazer uma "manutenção nervosa" nas aeronaves que pernoitam nos aeroportos - referência ao trabalho urgente e sob pressão nesses locais (FOLHA DE S. PAULO, 2007). Quase perdi meu emprego, no início deste ano, porque entrei em pânico sobre terminar um trabalho dentro dos limites de tempo insano que eles nos dão. O supervisor gritando porque não podíamos passar da hora, os passageiros gritando porque eles estavam atrasados, os Dov’s gritando no rádio para nos apressarmos ou a manutenção seria responsável pelo atraso. Para sobreviver e não enlouquecer tive que mudar meu foco, fazer tão rapidamente quanto possível em vez de fazê-lo corretamente. Mas, continuo achando que os atalhos são verdadeiros assassinos. A vantagem que vejo na profissão é que não tenho como levar o serviço para casa, mas, em compensação, o estresse vai junto comigo. (DPMA, Depoimento D, 2009) Destaca-se também neste filme o ambiente estressante causado pela tentativa de controle total do funcionário, através de uma vigilância pan-óptica e por um chefe de fábrica todo-poderoso. O capataz controla a linha de produção, no que diz respeito ao seu andamento, enquanto o chefe observa, em uma grande tela, os trabalhadores, lembrando o Big Brother da obra literária de George Orwell de 1949. Chaplin, exausto, tenta fazer uma pausa no banheiro e, de repente, aparece, em um telão dentro do banheiro, a imagem do rosto do chefe ordenando que ele volte ao trabalho. As audiências modernas assistindo a esta cena podem refletir sobre a realidade cotidiana de vigilância no local de trabalho. Qualquer um que tenha trabalhado em manutenção de aeronaves sabe que estresse e o setor de manutenção andam de mãos dadas. E o estresse facilmente pode afetar nosso juízo em momentos críticos. Todos estão familiarizados com as fontes externas de pressão. Isso normalmente vem de cima, muitas vezes através de várias camadas de supervisão; ninguém se importa se os mecânicos estão cansados, se eles possuem condições de realizar aquele trabalho, o que importa é não parar o trabalho para que a aeronave esteja pronta no tempo determinado (TYE, 2000). A FADIGA É UMA AMEAÇA REAL PARA OPERAÇÕES EFICAZES. “Não sois máquina! Homens é que sois!" Chaplin. O trabalho de manutenção do personagem de Chaplin é árduo, repetitivo, cronometrado, sem especialização, organização, estabilidade, planejamento, falta de controle e gerador de sérias sequelas psicológicas. - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1079 de 1112 - - - - - - - - - - O protagonista de Tempos Modernos sofre com a estafa que a vida moderna lhe impõe – a correria diária, a poluição sonora, as confusões entre as pessoas e a ameaça do desemprego, situação que gera problemas de estresse. Estressado com a execução de um trabalho cansativo e com a aviltante jornada de trabalho diária, ele perde a razão de tal forma que começa a apertar tudo o que se parece com parafusos, como os botões de uma blusa, por exemplo. Fora de seu juízo, o operário é despedido e, logo em seguida, internado em um hospital psiquiátrico. Um estudo realizado sobre a saúde mental dos trabalhadores de manutenção de aeronaves mostrou resultados de sintomas de transtorno de humor, depressão, ansiedade, grande uso de medicação ansiolítica e maior propensão a sofrerem de angústia mental e disfunção social quando comparados com o resto da população (ATTIA, 2006). Tarefas repetitivas podem ser entediantes e reduzir a excitação (ou seja, ser enfadonhas). Alguns mecânicos podem especializar-se determinados aspectos da manutenção, tais como motores. Como resultado, estão sujeitos a, possivelmente, efetuarem tarefas iguais ou semelhantes, várias vezes ao dia. O principal perigo com tarefas repetitivas associadas com a pressão do tempo é que os mecânicos se tornam robotizados e, para pouparem tempo, podem deixar de consultar o manual de manutenção ou as fichas de trabalho (JAR 66, 2002) Johnson et al.(2005) realizaram um estudo de caracterização e seleção de condições ambientais do local de trabalho de manutenção da aviação e a quantidade de sono obtido por pessoal de manutenção de aviação. Os dados demonstram claramente que o pessoal de manutenção de aeronaves dorme cerca de 5 horas por dia. Todos os especialistas em sono concordam que 5 horas não são suficientes para a recuperação do corpo e da mente (BATTELLE, 1998). Johnson et al.(2005) apontaram em sua pesquisa que a fadiga, ou seja, o cansaço, é ainda tabu para os trabalhadores da aérea de manutenção de aeronaves. A cultura de manutenção entende a fadiga como uma fraqueza, e não como um resultado inevitável de períodos de trabalho intenso e prolongado. Os efeitos da fadiga são semelhantes aos do álcool: •Julgamento prejudicado. • Atraso na tomada de decisões. • Perda de memória. • Tempo de atenção reduzido. • Atalhos e desvios de procedimento. Tal atividade exige um alto nível de competência, não admite erros e demanda uma importante carga física e mental de trabalho. Portanto, um ambiente de manutenção de aeronaves, ao abrigo destes efeitos apontados acima, causados pela fadiga, pode resultar em uma grande catástrofe. NOVAS TECNOLOGIAS FORMATOS x ANTIGOS O personagem do filme de Chaplin ressalta o desajuste à modernidade. Em uma cena, o protagonista volta à fábrica na condição de assistente de manutenção das máquinas, acompanhado pelo mecânico chefe, que é representado por um homem mais velho, retratando os antigos artesãos metalúrgicos. E este velho mecânico fica retido entre rolos, parafusos e demais mecanismos que movimentam a fábrica, demonstrando que a alta tecnologia "engole" o sistema de produção mais humanizado e artesanal. As aeronaves tornaram-se mais complexas e mais automatizadas, e muitos profissionais adquiriram sua formação básica em sistemas de controle mecânicos em vez de computadorizados. Em suma, complexidade contribui para erros (ICAO, 2002). No simpósio "Futuro da Manutenção de Aviação” (FAA, 2006), discutiu-se sobre a diferença entre o que as escolas estão ensinando e as competências ideais que um mecânico de avião deve possuir. Muitos oradores apontaram para as diferenças entre as habilidades mecânicas dos alunos que estão saindo das escolas e as habilidades necessárias para lidar com as aeronaves de alta tecnologia. O trecho transcrito abaixo foi extraído do fórum de debates realizado no evento promovido pela FAA sobre o futuro da manutenção de aviação: Manter o ritmo com a evolução da tecnologia é um desafio para qualquer mecânico de aeronaves. Para a próxima geração avançar, o treinamento necessita urgente de um ajustamento. Conhecimentos específicos sobre como unir um spar de madeira ou - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1080 de 1112 - - - - - - - - - - remendar um Stearman não são tão indispensável como bons conhecimentos de informática. O mundo está enfrentando uma fascinação explosiva em alta tecnologia, enquanto os alunos de manutenção estão nas escolas se esforçando para ficarem acordados durante as aulas sobre como diluir óleo e cola de caseína. Chegou o momento de fechar os livros em estruturas de madeira de aeronaves e motores radiais. Um conjunto de habilidades mais atualizadas que incorporem uma dose elevada de produtos eletrônicos é essencial para se trabalhar com as atuais aeronaves. Algumas das tecnologias ensinadas estão obsoletas e devem ser deixadas de lado e, depois de formados, se houver interesse, os alunos procuram estas especialidades específicas. (FAA, 2006) De acordo Xavier (2005), o trabalho de manutenção de aeronaves engloba reatividade, centenas de tarefas sendo executadas por um grande número de pessoas em sistemas altamente complexos e tecnologicamente avançados, dentro de uma área com grande potencial para gerar condições de falhas. Eventos ao redor do mundo envolvendo quedas ou acidentes graves com aeronaves alertam o mundo da aviação para o fato de que, embora os aviões estejam mais confiáveis, o ser humano tem potencial para obliterar qualquer um desses avanços tecnológicos. As empresas aéreas devem pautar a sua atuação no binômio Mudanças x Novas Tecnologias e corresponder aos desafios impostos pela revolução dos próprios meios tecnológicos. Aviões modernos com materiais de alta tecnologia são mais econômicos, mais leves e, teoricamente, mais duráveis. Tais equipamentos empolgam as empresas aéreas, que os compram por motivos econômicos. Entretanto, dispor de materiais modernos implica também uma manutenção igualmente moderna, com ferramentas avançadas. O que vem acontecendo ultimamente é a terceirização da manutenção, economia na aquisição de equipamentos e manutenções cada vez mais rápidas, lembrando o relógio no filme “Tempos Modernos”, que simboliza a obsessão do lucro em tempo recorde. O despreparo dos trabalhadores tem sido apontado como um dos fatores de exposição ao risco. Também há de se alertar que esse despreparo profissional compromete a segurança. As companhias aéreas entendem que o uso da moderna tecnologia não exige maior qualificação da mão-de-obra, pelo contrário, facilita o trabalho exigindo menos trabalhadores e, portanto, gerando menores custos para a empresa. Esta ideia equivocada pode ser comprovada através do depoimento do executivo chefe da Qantas Airways, Alan Joyce: “Novas tecnologias significam redução de manutenção durante os próximos sete anos” (ROSS, 2012). Joyce informou que terminará com 500 postos de trabalho de manutenção de aeronaves como parte de um esforço mais amplo para conter perdas em sua unidade de voos internacionais. Goglia (2002), membro do NTSB que investiga acidentes, afirma que corte de custos prejudica a manutenção e que a indústria precisa concentrar-se em melhorar e investir neste setor. Do contrário, poderá esperar por mais catástrofes. Eu apresentei, na minha empresa aérea, um projeto de investimento em novos treinamentos para o pessoal da manutenção, para suprir as necessidades de lidar com os aviões novos, mas eles disseram que possuem outras prioridades e não iriam participar. Eles disseram que eles não pagam para a formação dos contabilistas e advogados; então, por que deveriam pagar para mecânicos? (DPMA, Depoimento E, 2009) Uma maneira de nós, trabalhadores do setor de manutenção, mudarmos nossa situação seria nos destacarmos, ou seja, nos tornarmos visíveis para o público em geral. Neste caso os pilotos e comissários possuem mais vantagens, eles são “visíveis” para a população, lidam direto com os passageiros e podem aproveitar esta vantagem nas horas de negociações. Geralmente, as empresas pensam “o que está fora dos olhos fica fora da mente” de alguma forma, nós precisamos mudar isso. Os trabalhadores qualificados estão desaparecendo. Faltam pessoas com mais experiência para treinar os menos experientes. Isto me leva ao ponto da falta de treinamento. As empresas aéreas têm, através de corte financeiro, reduzido custos de formação o que não ajuda a desenvolver uma força de trabalho qualificada. Tudo isso leva à espiral descendente para o futuro da manutenção de aeronaves (DPMA, Depoimento F, 2009). Segundo Goglia (2002), para corrigir um problema, você deve antes admiti-lo e identificá-lo. “Se não começarmos a lidar com esses problemas, mais cedo - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1081 de 1112 - - - - - - - - - - ou mais tarde, vamos pagar o preço, e isso pode significar mais mortes”. Tecnologia High-Tech x Tech-Test. Lançado há quase 80 anos, "Tempos Modernos" torna-se um modelo para demonstrar que a tecnologia avançada era usada para gerar maior produtividade e lucro aos empresários enquanto as condições dos trabalhadores regrediam. Essa crítica se materializa com a “Máquina de Alimentação Bellows”, criada para que o funcionário não precisasse mais sair para alimentar-se, pois, a "tecnologia" permitia fazer mais coisas ao mesmo tempo. Chaplin é usado como cobaia de uma máquina cujo objetivo é alimentar o operário enquanto ele trabalha, diminuindo o tempo de almoço e aumentando o tempo das tarefas. A inovação rendeu mais problemas do que soluções, the Bellows Feeding Machine apresentou um problema e quase eletrocutou o personagem de Chaplin, mostrando metaforicamente que, quando não sabemos lidar com novas tecnologias, estas podem se voltar contra o homem. Comparando esta cena do filme Tempos Modernos com a situação atual, observamos uma similaridade: as companhias aéreas utilizam a tecnologia para trazer benefícios econômicos enquanto as condições dos trabalhadores continuam relegadas ao segundo plano. Relatórios da Aviation Safety Reporting System (ASRS) apontam falta de disponibilidade de peças, ausência de equipamentos necessários, ferramentas de baixa qualidade e inadequadas aos equipamentos. Ou seja, as condições de trabalho apontadas nos relatórios contrastam com as aeronaves de alta tecnologia. Os métodos tradicionais de inspeção, exercidos pelos trabalhadores da área de manutenção em contraposição aos materiais de alta tecnologia, podem representar um grande problema para a segurança aérea. Dr. Steven Nutt (2007), que estuda o uso do compósito na aviação, material de alta tecnologia, que ajudou a criar aviões mais econômicos e se tornaram a salvação para as empresas aéreas, declarou para um documentário da Geographic Channel, que fissuras microscópicas podem ocorrer com o tempo, provocando a delaminação e a perda do elemento e da força que aquela estrutura deveria ter, e, se essa fissura não for detectada, esse material, incrivelmente forte, pode decompor-se a 35.000 pés de altitude. Há dois métodos e padrões. O primeiro é a inspeção visual, que consiste simplesmente em andar em volta do avião procurando algum problema. É evidente que este método é capaz de identificar somente danos visíveis na superfície, danos que, por estarem em seu início, não podem ser detectados a olho nu. Faz-se necessário o uso de outra técnica para examinar a estrutura interna. O segundo teste é a rigidometria, vulgarmente conhecido como tec-teste: o mecânico bate levemente com uma moeda ou uma chave de fenda na superfície, procurando algum som estranho ou inesperado, esta técnica de inspeção não consegue detectar pequenas áreas de delaminação (TSB, 2006). A Transportation Safety Board (TSB, 2006) acredita que são necessários novos procedimentos para que as pessoas possam voar com segurança. “Você precisa da visão do raio-X do super-homem, mas isto é impossível, nós não temos essa visão, por isso temos que recorrer a novas técnicas de imagens, como o ultrassom, para examinar a estrutura e olhar sob a superfície, e tentar detectar o dano antes que eles fiquem graves demais”(NUTT, 2007) Emerge então a pergunta que não quer calar: As empresas farão os investimentos necessários para a aplicação das novas técnicas em manutenção? Segundo Serra (2002), o treinamento de mecânicos foi ficando progressivamente mais simplificado, ao mesmo tempo em que a complexidade dos aviões aumentou muito, requerendo uma capacitação tecnológica superior. Se a ANAC fizer um estudo contemporâneo dos requisitos básicos para a formação de Mecânicos de aeronaves, verificará que as questões das provas estão mais para a "Era de Lindbergh" e que as aulas nas “escolinhas” estão mais para lições de história. Os cursos não satisfazem as necessidades existentes no mercado aeronáutico, de pessoas qualificadas para solucionar com agilidade e competência (como exigido por eles ) os mistérios das tecnologias modernas. (DPMA, Depoimento G, 2009) Os trabalhadores estão sendo progressivamente moídos pela máquina, como na cena do filme - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1082 de 1112 - - - - - - - - - - “Tempos Modernos”, em que Chaplin é engolido pelas engrenagens, sugerindo que o trabalhador que não consegue acompanhar o ritmo da modernidade acaba engolido pelo sistema. CONCLUSÕES O trabalho de manutenção exige planejamento, supervisão, documentação, comunicação, concentração e demais tarefas suscetíveis aos efeitos da fadiga. O risco de fadiga nas operações de manutenção de aeronaves é alto o suficiente para justificar a busca de estratégias que possam reduzi-la. Manutenção de aeronaves é uma tarefa demasiadamente estressante. Os trabalhadores enfrentam permanente pressão para efetuarem seus serviços dentro de um exíguo espaço de tempo, de modo a evitar atrasos e cancelamentos nos voos. Nem sempre as condições de trabalho são as mais propícias para o desempenho da tarefa. Acresçase ainda a este cenário situações que envolvem utilização de equipamentos ou ferramentas inadequadas. Aprimorar o gerenciamento do estresse é uma necessidade premente do pessoal de manutenção na aviação, para evitar a suas esmagadoras consequências. O profissional de manutenção tem papel de destaque nas empresas aéreas, ele gera rentabilidade para a empresa, afinal, uma manutenção mal realizada compromete o lucro. Portanto, tal profissional deve ser valorizado, não pode ser visto somente como mais um dente na engrenagem da empresa. A “lei da pressa”, que prevalece no ambiente de manutenção, gera um ambiente coercivo e estressante, que afeta a integridade da saúde física e mental dos trabalhadores, contribuindo para o aumento dos acidentes e incidentes na aviação. Observa-se que as aeronaves vêm utilizando, cada vez mais, tecnologias e materiais avançados, que demandam maior qualificação dos profissionais de manutenção, maior investimento em treinamento por parte das empresas aéreas e uma readequação das escolas de formação. “Tempos Modernos” é todo permeado por uma rica simbologia, que evidencia a crítica chapliniana à modernidade e à forma como o homem passou a lidar com o avanço da tecnologia. O filme nos alerta para a seguinte questão: devemos aprender com o presente, a fim de melhorar o futuro, como forma efetiva de vencer a distância entre o retrógrado e o moderno. RECOMENDAÇÕES Com base no próprio tema central aqui abordado – O Descompasso da Modernidade dos Aviões e a Realidade dos Setores de Manutenção –, seguem abaixo algumas recomendações, que acreditamos poder contribuir para atenuar este descompasso: − O salário deve ficar em consonância com a responsabilidade associada à função. − As empresas devem abandonar a visão retrógrada de enxergar o mantenedor somente como um “consertador”, ele é um recurso importante da organização, no qual se deve investir. − As indústrias de aviação (fabricantes de aeronaves, etc.) precisam fazer parcerias com as escolas e emprestar seus recursos industriais. Com isso, as escolas poderão intensificar e melhor preparar o técnico de manutenção do século XXI. − Pressão não implica obter maior qualidade de serviços. Portanto, adotar um ambiente menos coercivo não significará menor produtividade. Significará um trabalho executado com maior "qualidade", com tomadas de decisões bem pensadas e, por conseguinte, mais assertivas; com menos erros. Um trabalho mais aperfeiçoado, com mais atenção aos detalhes e menos estresse, onde as pessoas executem com prazer o que sabem fazer de melhor, proporcionando, assim, um aumento de produtividade. O filme aqui abordado começa com as seguintes palavras: “Tempos Modernos é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a cruzada da humanidade em busca da felicidade”. Charles Chaplin anteviu, muito antes da existência do setor de RH, que o trabalho deve ser encarado como parte ativa da vida, e não como uma atividade desgastante e estressora. Deve, antes de tudo, contemplar o bemestar físico e psíquico de seu executor, trazer crescimento pessoal e intelectual; deve ser um elemento socializante. Enfim, deve ser visto como - - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1083 de 1112 - - - - - - - - - - uma atividade que preze pela segurança e humanização, em detrimento da pressa e da pressão. DPMA, Depoimentos de Profissionais de Manutenção Aérea. DEPOIMENTO G. Nov. 2009. Informação verbal, entrevista pessoal à autora do artigo sob condição de sigilo na identificação da fonte. REFERÊNCIAS ADAMS, C. Human Factors: Beyond the "Dirty Dozen”. Aviation Today, August 1, 2009 FAA conference on the future of Aviation Maintenance Technician (AMT). Virginia Beach, Va.,FAA, aviation industry, and educational institutes., Wednesday November, 2006. ATTIA, J.; D'ESTE, C.; SCHOFIELD, P.; BROWN, A.; GIBSON, R.; TAVENER M.; HORSLEY, K.; HARREX, W. & ROSS, J. Mental health in F-111 maintenance workers: the study of Health Outcomes in Aircraft Maintenance Personnel (SHOAMP) general health and medical study. 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