As Pequenas Memórias - Academia de Letras da Bahia

Transcrição

As Pequenas Memórias - Academia de Letras da Bahia
REVISTA
DA ACADEMIA
DE LETRAS DA BAHIA
R E V I S TA
DA AC A D E M I A
DE LETRAS DA BAHIA
Dezembro de 2010, n. 49
ISSN 1518-1766
Copyright © by Academia de Letras da Bahia, 2010
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Revista Anual de Literatura, Artes e Ideias
Ficha Catalográfica
Revista da Academia de Letras da Bahia, n. 49, dez. 2010
Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2010.
404 p.
Anual
INSN 1518-1766
1. Literatura brasileira -- Periódicos
–
CDU 860.0(05)
IMPRESSO NO BRASIL
Sumário
ARTIGOS E ENSAIOS
11
As pequenas memórias de José Saramago
DOMINIQUE STOENESCO
25
O poema “A Maciel Pinheiro”, de Castro Alves
WALDIR FREITAS OLIVEIRA
43
Wilson Lins, ensaísta e político, jornalista e cronista,
epigrama e memória
JOÃO EURICO MATTA
53
O conto de Monteiro Lobato: os mata-paus do
contista
ARAMIS RIBEIRO COSTA
69
A riqueza que veio do Oriente
MYRIAM FRAGA
79
Entre rosas brancas e rubras: “O dia do aniversário
de Odete”, conto de Luis Henrique
CÁSSIA LOPES
89
Um concerto ao desconcerto do mundo
ou: Antonio Brasileiro, universal
ALANA DE OLIVEIRA FREITAS EL FAHL
95
Aleilton Fonseca: O engenho do faz-de-conta
como aprendizagem da vida
RITA OLIVIERI-GODET
103
O nervo do conflito. Fenecimento e vitalidade na
poesia de Ivan Junqueira
RICARDO VIEIRA LIMA
127
Manifesto futurista: 100 anos de divulgação
O papel de Almachio Diniz
BENEDITO VEIGA
POESIA
141
Plínio o velho e a nuvem misteriosa
RUY ESPINHEIRA FILHO
147
Poemas
CYRO DE MATTOS
153
Seis Sonetos
LUIS ANTONIO CAJAZEIRA RAMOS
159
Quatro Poemas/ Quatre Poèmes
JEAN-ALBERT GUÉNÉGAN
TRADUÇÃO: DOMINIQUE STOENESCO / ODETTE BRANCO
170
A DÁDIVA / PUR PRÉSENT
MARC QUAGHEBEUR
TRADUÇÃO: LEONOR LOURENÇO DE ABREU / JOSÉ JERÔNIMO DE MORAIS
FICÇÃO
185
O dia do aniversário de Odete
LUIS HENRIQUE
195
Ruas desertas
CARLOS RIBEIRO
203
O mal do século
ANTÔNIO CARLOS SECCHIN
207
Coração escarlate
JANAÍNA AMADO
213
O inquérito
LIMA TRINDADE
DISCURSOS
221
Abertura do ano acadêmico de 2008
Edivaldo M. Boaventura
231
Helena Parente Cunha, escritora baiana
Edivaldo M. Boaventura
241
Saudação a Samuel Celestino
Edivaldo M. Boaventura
249
O legado de Jorge Calmon
Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia
Samuel Celestino
269
As duas histórias do Povoamento da Cidade do Salvador
PAULO ORMINDO DE AZEVEDO
281
Discurso do retrato
O Acadêmico Xavier Marques
ARAMIS RIBEIRO COSTA
291
Discurso de Saudação a Joaci Góes
JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES
309
Discurso de posse na Academia de Letras da Bahia
Joaci Góes
337
Roteiro encantado da Cidade do Salvador
FLORISVALDO MATTOS
347
Depoimenro sobre Pedro Moacir Maia
Celeste Aída Galeão
DIVERSOS
353
Instituição de Prêmios e Distinções
355
Medalha Arlindo Fragoso
Resolução nº 1/2009
357
Descrição da Medalha Arlindo Fragoso
359
Informações: Medalha Arlindo Fragoso
Formato, dimensões e acabamento
361
Efemérides 2008
370
Efemérides 2009
383
Quadro social da ALB
393
Endereços dos acadêmicos
Artigos e Ensaios
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As Pequenas Memórias
de José Saramago
ou o poder de reconstrução da memória
Dominique Stoenesco
Para o viajante que vem pela estrada da Golegã, como foi o
nosso caso naquele mês de outubro de 2007, por uma manhã
clara de um outono ainda com ares de verão, a alameda de faias
que anuncia a chegada à aldeia da Azinhaga oferece-lhe um paraíso
de sombras e uma lindíssima paisagem. Cercada pelas águas
do rio Tejo e pelo seu afluente, o rio Almonda, a Azinhaga
pode orgulhar-se pela beleza da reserva natural do Paúl do
Boquilobo, pelo seu patrimônio histórico e arquitetônico
(Igreja Matriz, Quinta da Broa) e pelos seus diversos
equipamentos públicos (biblioteca, escola básica,
polidesportivo, piscina, campo de tênis, etc.). Mas o motivo
principal que nos levou a esta localidade ribatejana foi ter sido
a Azinhaga a aldeia onde nasceu o escritor José Saramago, a 16
de Novembro de 1922, autor de As Pequenas Memórias1, o trigésimo
nono volume da sua obra.
Sorte nossa, ao perguntarmos pela casa de José Saramago à
primeira pessoa que cruzamos na aldeia, foi termos dado com
uma das suas melhores amigas de infância. Amável e sorridente,
Otelinda Nunes, uma senhora de 84 anos, foi-nos contando com
saudade, até chegarmos à casa natal do Prêmio Nobel, os tempos
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de criança em que iam remar no rio Almonda ou espreitar os
pássaros nos ninhos, tempos estes agora fixados neste livro.
Otelinda Nunes evoca ainda a imensa alegria que sentiu ao rever
recentemente o seu amigo Zé, em novembro de 2006, quando
a população da Azinhaga, numa grande festa, saiu à rua para
prestar homenagem ao escritor no dia do lançamento de As
Pequenas Memórias. Com emoção, Otelinda Nunes louva o mérito
do seu amigo de infância (“ele subiu pelas mãos dele”) e elogia
a sua memória extraordinária. Dos livros de Saramago que já
leu confessa que do que mais gostou foi de O Evangelho segundo
Jesus Cristo.
Vitalidade e criatividade
Torna-se quase uma banalidade afirmá-lo: a vitalidade e a
criatividade de José Saramago são impressionantes. Depois de
ter lançado As Pequenas Memórias na Azinhaga, no dia do seu
84° aniversário, José Saramago esteve em Santilhana del Mar
(Espanha), em Junho de 2007, onde foi homenageado pela
Universidade Menéndez Pelayo, na presença de intelectuais e
escritores ibero-americanos; neste mesmo mês, o Nobel da
Literatura criou uma fundação com o seu nome, cujos objetivos
principais são o estudo e a preservação da sua obra literária,
bem como de todo o seu espólio, o intercâmbio com as
literaturas da Lusofonia e também “tomar partido por grandes
e pequenas causas”. A sede da Fundação José Saramago será
partilhada por Lisboa e Lanzarote, onde o escritor vive, terá
uma delegação na Azinhaga e uma outra em Castril (Granada).
Note-se que o exclusivo desta informação e da publicação da
declaração de princípios da Fundação José Saramago foi dado
ao “Jornal de Letras, por própria iniciativa do autor, “num acto
de militância” 2, poucos dias depois, em pleno verão de 2007,
de Castril chega-nos a notícia do casamento civil de José
Saramago com Pilar del Río, jornalista e tradutora espanhola
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com quem vive há vinte anos; a 22 de Setembro de 2007, o
jornal Diário de Notícias publica uma entrevista na qual José
Saramago defende a construção de uma União ibérica,
provocando imediatamente uma acentuada polêmica; em
outubro, José Saramago esteve em Lisboa para entregar ao poeta
Valter Hugo Mãe, pela sua obra O Remorso de Baltazar Serapião, o
prêmio com o seu nome, promovido pelo Círculo de Leitores;
em meados de Novembro de 2007, após uma viagem por várias
partes do mundo e após ter proferido uma conferência na
Universidade de Córdoba (Argentina) e ter homenageado os
“desaparecidos”, o Prêmio Nobel regressa à Europa para
participar de uma das primeiras atividades da Fundação: a
organização de duas cerimônias ligadas aos 25 anos da
publicação do Memorial do Convento e aos 290 anos do Convento
de Mafra, lugar onde se situa uma parte da história relatada no
romance. Em fins de Novembro, apesar de estar doente, José
Saramago assistiu à inauguração da maior exposição sobre a sua
obra literária, em Lanzarote, onde vive há 14 anos. A exposição,
que deverá circular por vários países, teve lugar na Fundação
César Manrique, ocupava um espaço de 700 m2 e apresentava mais
de 500 objetos: manuscritos, textos datilografados, primeiras edições
em português e em espanhol de todas as suas obras, traduções,
estudos críticos, teses de doutorado, fotografias, audiovisuais,
recortes de imprensa, cartas de leitores, etc. Várias personalidades
de Espanha, entre as quais o ministro da Cultura, estiveram
presentes, porém o escritor lamentou a ausência de qualquer
representante do governo português. No domínio cinematográfico,
José Saramago continuva a colaborar na adaptação de Ensaio sobre
a Cegueira, de Fernando Meirelles, assim como na segunda versão
de A Jangada de Pedra, por Riestke van Raay e também na curtametragem de animação, de Juan Pablo Etcheverry, A Maior Flor do
Mundo, adaptação de um conto infantil publicado em 2001; e por
fim, o autor anunciava um novo livro, A Viagem do Elefante, que
então pensava concluir na Primavera próxima.
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As Pequenas Memórias é um relato autobiográfico de 150 páginas,
no qual o autor reconstitui as suas memórias de infância e
adolescência até os 16 anos. José Saramago saiu da Azinhaga
quando tinha dois anos, mudou-se com os pais para Lisboa, lá
frequentou a escola industrial, de onde saiu serralheiro mecânico,
entretanto foi regressando à aldeia natal para passar as férias com
os avós maternos.
As Pequenas Memórias, projeto adiado há mais de vinte anos,
esteve para se chamar O Livro das Tentações. Mas José Saramago
garante que não se tratava das tentações da carne, nem as do
poder ou da glória, pois considera que na infância o mundo se
nos apresenta todo como uma tentação e que está aí para ser
conhecido. O livro, afirma o autor, mudaria de nome por serem
incomparáveis as suas tentações com as de Santo Antão e ficaria
As Pequenas Memórias: “Sim, as memórias pequenas de quando fui
pequeno, simplesmente.” Porém, certas confissões íntimas ou
certas aventuras amorosas precoces não deixam de ser mesmo
tentações...
A reconstrução da memória
Escrito num estilo simples, mais convencional quanto à
estrutura, As Pequenas Memórias não é um livro na linha dos últimos
escritos pelo autor. No entanto, fiel à sua maneira de contar
histórias ou de narrar os acontecimentos reais da vida, as memórias
reconstituídas neste livro pelo autor confirmam seu gosto pela
digressão, pela analepse e pela ironia, sem esquecer igualmente
uma certa melancolia poética que lhe é tão própria. O seu processo
criativo, que dá aos relatos de As Pequenas Memórias um ritmo tão
fluente e dinâmico é-nos desvendado pelo próprio autor, quando
afirma:
Muitas vezes esquecemos o que gostaríamos de poder recordar,
outras vezes, recorrentes, obsessivas, reagindo ao mínimo
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estímulo, vêm-nos do passado imagens, palavras soltas,
fulgurância, iluminações, e não há explicações para elas, não
as convocamos, mas elas aí estão.
As memórias relembradas neste livro não têm apenas o valor
das próprias recordações ou experiências do autor. Apesar de
nos darem uma impressão de desordem na maneira como elas
se vão acumulando durante a narração, elas são também o
resultado de um árduo trabalho de reconstrução e de
reconstituição ao qual procede José Saramago. Um trabalho que
passa por um diálogo permanente entre o escritor e a sua própria
memória:
É como se trabalhasse a dois tempos. No primeiro dá-nos
aquilo que tem, que pode mostrar logo. No segundo como
que reconsidera – alto, há aqui mais alguma coisa que não
mostrei – e trabalha para completar o quadro.3
A memória é, pois, o fio condutor deste livro. No entanto,
José Saramago confessa que esta memória nem sempre é de fiar,
por vezes ela até pode ser traiçoeira, por isso surgem as dúvidas
em pleno relato:
Às vezes pergunto-me se certas recordações são realmente
minhas, se não serão mais do que lembranças alheias de
episódios de que eu tivesse sido actor inconsciente e dos
quais só mais tarde vim a ter conhecimento por me terem
sido narrados por pessoas que neles houvessem estado
presentes, se é que não falariam, também elas, por terem
ouvido contar a outras pessoas.
Outras vezes o autor reconhece uma falha da memória e
corrige-a, com um nada de ironia, como se quisesse ser perdoado
pelo leitor, antes de retomar o curso da narração:
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Acrescentei que estava na idade de onze anos quando do
episódio com a Domitília. Nada disso. Na verdade, eu não
teria mais que seis, e ela andaria pelos oito. Se, já espigado
como era então, tivesse os tais onze anos, ela estaria com treze,
e nesse caso a coisa teria sido mais séria e a punição do delito
não poderia limitar-se a duas palmadas no rabo de cada um...
Resolvia agora a dúvida, aliviada a consciência do pesadume
do erro, posso prosseguir.
Diálogo entre o escritor e a sua memória, dizíamos mais acima,
mas também diálogo com o leitor. Com efeito, frequentemente,
José Saramago interpela o leitor, confessa-lhe suas dúvidas ou
suas certezas e previne-o com elegância e simplicidade: “Lembrome (lembro-me mesmo, não é adorno literário de última hora) de
um poente belíssimo, e eu ali sentado na soleira da porta...”, ou:
“Senti dentro de mim, se bem me recordo, se não o estou a
inventar agora...”, ou ainda: “Graças a uns papéis que julgava
perdidos e que providencialmente se me apresentaram à vista
(...), a minha desorientada memória...”
Assim, em idas e voltas entre Azinhaga e Lisboa, segundo os
caprichos da memória, o leitor acompanha, quase de um só fôlego,
As Pequenas Memórias do escritor anfitrião. Selecionamos mais
abaixo alguns trechos dos episódios ligados à aldeia natal, à família,
às mudanças em Lisboa, aos vizinhos, às peripécias e aos lazeres
de infância, à escola, à entrada no mundo dos livros e à sua maneira
de entender o mundo e os acontecimentos.
O tempo e o espaço da memória
A aldeia natal
A Azinhaga é o espaço privilegiado do livro desde o seu
arranque:
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À aldeia chamam-lhe Azinhaga, está naquele lugar por assim
dizer desde os alvores da nacionalidade (já tinha foral no
século décimo terceiro), mas dessa estupenda veterania nada
ficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado (imagino
que desde a criação do mundo), e que, até onde alcançam
as minhas poucas luzes, nunca mudou de rumo, embora
das suas margens tenha saído um número infinito de vezes.
(...) Foi nestes lugares que vim ao mundo, foi daqui, quando
ainda não tinha dois anos, que meus pais, migrantes
empurrados pela necessidade, me levaram para Lisboa, para
outros modos de sentir, pensar e viver.
O nome
O nome, José Saramago, veio-lhe graças a um erro do notário,
que confundiu a alcunha com o apelido:
Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã
o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o
funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por
despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, com os
efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido
da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco,
acrescentar Saramago ao lacônico José de Sousa que meu
pai pretendia que eu fosse. (...) Sorte, grande sorte minha,
foi não ter nascido em qualquer das famílias da Azinhaga
que, naquele tempo e por muitos anos mais, tiveram de
arrastar as obscenas alcunhas de Pichatada, Curroto e
Caralhana.
A infância
José Saramago era um adolescente contemplativo. As paisagens
da sua terra natal têm uma presença constante nestas Pequenas
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Memórias. E assim como acontece com a memória, também a
paisagem, afirma o autor, reflete um estado de alma, por vezes lírica:
De súbito, porém, soprou uma brisa rápida. Arrepiou
os caules tenros das ervas, fez estremecer as navalhas verdes
dos canaviais e ondular as águas pardas de um charco. Como
uma onda, soergueu as ramagens estendidas da árvore,
subiu-lhe pelo tronco murmurando, e então, de golpe, as
folhas viraram para a lua a face escondida e toda a faia (era
uma faia) se cobriu de branco até à cima mais alta. Foi um
instante, nada mais que um instante, mas a lembrança dele
durará o que a minha vida tiver de durar.
Vários episódios do livro lembram os lazeres e as péripécias
do autor quando criança, de parceria com o seu primo José Dinis:
Um dia estava eu pescando num esteiro do Tejo, por uma
vez em paz e boa harmonia com o José Dinis. (...) Já tínhamos
pescado dois enfezados espécimes, quando apareceram dois
moços mais ou menos da nossa idade, que seriam do Mouchão
de Cima e que por isso não conhecíamos (nem era
recomendado que conhecêssemos), apesar de vivermos à
distância de um tiro de pedra. Sentaram-se atrás de nós, e a
conversa de costume começou: “Então o peixe pisca?”, e
nós que assim-assim, nada dispostos a dar-lhes confiança.
(...) Grande silêncio se fez, o tempo passou, às tantas um de
nós olhou para trás e os gajos já ali não estavam. Deu-nos o
coração um baque e fomos abrir a caldeira. Em lugar dos
peixes havia dois gravetos flutuando na água.
A família
As Pequenas Memórias é igualmente um livro sobre as lembranças
mais duras e penosas da infância do escritor. A família, por
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exemplo, foi o lugar de tensões e de conflitos, sobretudo com os
seus pais, cuja presença no livro é menor do que a dos avós. Na
entrevista ao Jornal de Letras, já mencionada mais acima, José
Saramago revela:
A morte do meu irmão, com quatro anos de idade, foi um
golpe duríssimo para os meus pais. E a minha mãe endureceu
com a morte do filho. Então a relação entre ela e mim, embora
nada conflituosa, tornou-se um pouco difícil. Passou a haver
na minha mãe uma certa secura.
Dentro do espaço privilegiado que constitui a Azinhaga, existe
um foco central, que é a casa dos avós do escritor:
Durante dez ou doze anos foi o lar supremo, o mais íntimo e
profundo, a pobríssima morada dos meus avós maternos,
Josefa e Jerónimo se chamavam, esse mágico casulo onde sei
que se geraram metamorfoses decisivas da criança e do
adolescente. Essa perda, porém, há muito que deixou de me
causar sofrimento porque pelo poder reconstrutor da memória,
posso levantar a cada instante as suas paredes brancas, plantar
a oliveira que dava sombra à entrada, abrir e fechar o postigo
da porta e a cancela do quintal...
Estes avós, que já tinham sido os protagonistas do discurso de
José Saramago em Estocolmo, em 1998, ao receber o Prêmio Nobel,
são as grandes referências de As Pequenas Memórias, como nesta cena
insólita quando o inverno penetrava mais rigoroso nas casas:
Todas as noites, meu avô e minha avó iam buscar às pocilgas
os três ou quatro bácoros mais fracos, limpavam-lhes as patas
e deitavam-nos na sua própria cama. Aí dormiriam juntos,
as mesmas mantas e os mesmos lençóis que cobririam os
humanos também cobririam os animais, minha avó num lado
da cama, meu avô no outro, e, entre eles, três ou quatro
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bacorinhos que certamente julgariam estar no reino dos
céus...”.
O tio Manuel, que um dia o jovem Saramago tinha
acompanhado à feira de Santarém, numa longa caminhada,
também aparece nestas memórias; assim como o tio Francisco
Dinis, que trabalhava como guarda numa herdade vizinha:
Ser guarda de uma herdade de tal tamanho e poder significava
pertencer à aristocracia da lezíria: espingarda caçadeira de dois
canos, barrete verde, camisa branca de colarinho sempre
abotoado, abrasasse o calor ou enregelasse o frio, cinta
encarnada, sapatos de salto de prateleira, jaqueta curta – e,
evidentemente, cavalo.
A mudança para Lisboa
Em 1924, o pai de José Saramago vai trabalhar como guarda
da segurança pública, em Lisboa. A família passa a viver em
condições modestas: “Meus pais e eu dormíamos no mesmo
quarto, eles na sua cama de casal, eu num pequeno divã, a bem
dizer um catre, por baixo da parte esconsa da água-furtada.” Em
pouco mais de dez anos mudaram dez vezes de casa. O itinerário
destas mudanças é rigorosamente traçado no livro, com todos os
nomes das ruas. Na Rua dos Cavaleiros, por exemplo, uma vizinha
lia em casa da família Saramago os fascículos do romance Maria,
a Fada dos Bosques (“que tantas lágrimas fez derramar às famílias
dos bairros populares lisboetas dos anos 20”). Um dos episódios
mais palpitantes contava como o “garboso cavalheiro que amava
Maria” salvara-a do cárcere onde a tinha metido uma castelã
lúbrica, sua rival. Diz-nos José Saramago que este “tão dramático
e perturbador episódio, apesar da pouca idade que tinha então,
nunca mais se me varreria da memória.
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A escola
A escola teve um papel determinante na formação do futuro
escritor: “Aprendi depressa a ler. Graças aos lustros da instrução
que havia começado a receber na minha primeira escola, a da
Rua Martens Ferrão.” Depois da instituição primária, o jovem
Saramago frequentou o Liceu Gil Vicente, onde esteve só dois
anos, por falta de recursos financeiros. Em 1937, com 15 anos,
tirou o curso de serralheiro-mecânico na Escola Industrial de
Afonso Domingues (Xabregas). A primeira grande experiência
de leitor deu-se com um livro esquecido, A Toutinegra do Moinho,
de Émile de Richebourg:
Habilíssima pessoa na arte de explorar pela palavra os corações
sensíveis e os sentimentalismos mais arrebatados. (...) Este
romance iria tornar-se na minha primeira grande experiência
de leitor. Ainda me encontrava muito longe da biblioteca do
Palácio das Galveias, mas o primeiro passo para lá chegar havia
sido dado.
Lugares de inspiração do futuro escritor
Outras rememorações revelam as fontes de inspiração de
futuros romances: José Saramago conta aquele dia em que tinha
ido de excursionista a Mafra: “Agora, quem sabe se por um
cúmplice aceno dos fados, uma piscadela de olhos que então
ninguém poderia decifrar, levavam-me a conhecer o lugar onde,
mais de cinquenta anos depois, se decidiria, de maneira difinitiva,
o meu futuro como escritor.” Na Rua dos Heróis de Quionga, o
jovem Saramago cruzava por vezes o sobrinho de um vizinho, de
nome Júlio, que era cego, e que inspirou o autor do Ensaio sobre a
Cegueira; a morte do irmão, aos quatro anos teve alguma influência
na redacção do romance Todos os Nomes: “Talvez não tivesse
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chegado a existir tal como o podemos ler, se eu, em 1996, não
tivesse andado tão enfronhado no que se passa dentro das
conservatórias do registo civil...”
O escritor-militante
Em As Pequenas Memórias também encontramos passagens que
confirmam o José Saramago escritor-militante, anticonformista,
com a sua maneira bem específica de entender o mundo, de
encarar a vida ou a morte. Sempre muito atento à atualidade
política, eis, logo nas primeiras páginas do livro, sua opinião sobre
a política agrícola da União Europeia:
Hectares e hectares de terra plantados de oliveiras foram
impiedosamente rasoirados há alguns anos.(...) Por cada pé de
oliveira arrancado, a Comunidade Europeia pagou um prémio
aos proprietários das terras, na sua maioria grandes
latifundiários, e hoje, em lugar dos misteriosos e vagamente
inquietantes olivais do meu tempo de criança e adolescente, em
lugar dos troncos retorcidos, cobertos de musgo e líquenes,
esburacados de locas onde se acoitavam os lagartos, em lugar
dos dosséis de ramos carregados de azeitonas negras e de
pássaros, o que se nos apresenta aos olhos é um enorme, um
monótono, um interminável campo de milho híbrido.(...)
Contam-me agora que se está voltando a plantar oliveiras, mas
daquelas que, por muitos anos que vivam, serão sempre pequenas.
Crescem mais depressa e as azeitonas colhem-se mais facilmente.
O que não sei é onde se irão meter os lagartos.
Outras passagens evocam a sua (má)educação religiosa, como
esta ironia sobre o Juízo Final, ao evocar aquele dia em que o
menino Saramago tinha arrancado uma maçaroca no eito do seu
primo, e rival, José Dinis: “Eu suspeito que no dia do Juízo Final,
quando se puserem na balança as minhas boas e más acções,
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será o peso daquela maçaroca que me precipitará no inferno...”
No entanto, é face à morte deste primo, contada nas últimas
páginas, que encontramos talvez a razão profunda da existência
deste livro:
Um dia, passado tempo, estando eu na Azinhaga, perguntei à
tia Maria Elvira: “Que é feito do José Dinis?” E ela, sem mais
palavras, respondeu: “O José Dinis morreu.” Éramos assim,
feridos por dentro, duros por fora. As coisas são o que são,
agora se nasce, logo se vive, por fim se morre, não vale a pena
dar-lhe mais voltas.
E José Saramago acrescenta esta frase em forma de
homenagem ao primo que morreu:Pequenas Memórias: “Quero crer
que hoje ninguém se lembraria do José Dinis se estas páginas não
tivessem sido escritas.” E ninguém se lembraria também do seu
irmão, dos seus avós, dos seus vizinhos...
“Deixa-te levar pela criança que foste” (O Livro dos Conselhos),
é a frase que está em epígrafe de As pequenas Memórias. Mais de
setenta anos depois, José Saramago cumpriu o conselho e oferecenos um ensaio autobiográfico que pode ajudar bastante a
compreender a personalidade do homem e do escritor.
NOTAS
1.SARAMAGO, José. As Pequenas Memórias. Lisboa: Caminho, 2006. 149 p.
2. Jornal de Letras, n° 959, Julho de 2007.
3. In Jornal de Letras, n° 942, novembro de 2006, entrevista a José Carlos de
Vasconcelos.
Dominique Stoenesco é francês de Besançon, professor de português como
língua estrangeira na França, é crítico, ensaísta e tradutor; coeditor da revista
Latitudes: cahiers lusophones, editada em Paris. É membro correspondente da
ALB. Tem traduções publicadas em livros e em diversas revistas.
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O poema “A Maciel Pinheiro”,
de Castro Alves
Waldir Freitas Oliveira
O poema “A Maciel Pinheiro”, datado de 1865, foi publicado
em 1870, em Espumas Flutuantes, e figura em todas as edições das
Obras Completas de Castro Alves. Foi por ele escrito, aos 18 anos,
na capital pernambucana, onde então se encontrava, cursando a
Faculdade de Direito do Recife.
Entre os seus companheiros, naquela escola, figuravam Maciel
Pinheiro e, singularmente, Fagundes Varela, então com 24 anos.
O poeta carioca já publicara, àquela altura, Noturnas (1861) e Vozes
da América (1864), e viajara, da Bahia para Recife, em março
daquele ano, a bordo do “Oiapock”; em companhia de Castro
Alves, estando o poeta baiano a regressar para Pernambuco, onde
passara a residir desde fevereiro de 1863, ano em que se matriculou
naquela faculdade, após o término das férias escolares que passara
com a família, na Bahia; e quanto ao carioca, seguia para o Recife,
obedecendo à ordem do seu pai, a fim de ali matricular-se na 3ª
série do curso de Direito, depois de haver requerido a sua
transferência da Faculdade de Direito de São Paulo, onde fora
aprovado, no ano anterior, com muito esforço, apenas com um
“simplesmente”, na 2ª série de curso idêntico. Em Recife, pois,
conviveram os dois poetas, no ano em que Castro Alves escreveu
o poema “A Maciel Pinheiro”.
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Acompanhando a narrativa de Edgard Cavalheiro, na biografia
que escreveu de Fagundes Varela (CAVALHEIRO, Edgard.
Fagundes Varela. São Paulo: Martins, 1940), nela encontramos um
trecho sugestivo:
A existência dos estudantes em Recife, em nada diferia da que
levavam os da Pauliceia. A mesma vida espiritual, intensa e
fecunda, o mesmo predomínio quase absoluto dos rapazes
em todas as festas e reuniões. As “repúblicas”, onde se
acolhiam, eram idênticas, como idênticas eram as associações
literárias, com os seus jornaizinhos e suas agitadas sessões.
No ano em que Varela ali estudou, informa Clóvis Bebilacqua,
circulava, embora, incertamente e por pouco tempo, grande
número de jornais, “representando as mais diversas correntes
de ideias”.
E, pouco mais adiante, referiu-se à repercussão que causara,
na época, entre os acadêmicos, a guerra do Paraguaai, que se
iniciara em novembro de 1864, com a invasão por tropas
paraguaias, de terras do Brasil, em Mato Grosso; havendo esse
ato de agressão por parte de Francisco Solano Lopez, despertado
na mocidade brasileira, um sentimento patriótico exaltado.
Disse, então:
A guerra do Paraguai produzia (...) forte vibração patriótica
entre os moços. O corpo acadêmico via-se desfalcado de
muitos dos seus membros, que partiam para o Sul, deixando
dobrada a folha do livro, enquanto iam morrer no campo de
batalha, como dizia Tobias Barreto, num popularíssimo poema.
(CAVALHEIRO, Edgar. Opus cit., p.213)
Entre os que haviam partido para a guerra figurara Maciel
Pinheiro, um jovem paraibano que cursava o quarto ano, naquela
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Faculdade e se tornara um verdadeiro ídolo frente aos seus colegas,
por haver tido a coragem de atacar, através da imprensa, o
professor de Direito Civil, Lourenço Trigo de Loureiro, tendo
sido por isso, punido pela direção da Faculdade, que depois de
havê-lo julgado, o condenou, considerando-o culpado por crime
de injúria, a quatro meses de prisão acadêmica, cumprida no andar
térreo do Colégio das Artes, por um prazo de três meses, embora
tendo a licença de dela ausentar-se para assistir as aulas do curso,
de frequência obrigatória.
Luís Ferreira Maciel Pinheiro, nascido em 1839, em João
Pessoa, cidade então chamada Paraíba, republicano convicto
opositor, portanto, da ideologia monárquica do velho civilista
português; enviara para o jornal Diário de Pernambuco, onde foi
publicada, uma carta na qual lhe criticava o rigor da disciplina
imposta em suas aulas, tanto quanto o autoritarismo com que o
visconde de Camaragipe, Pedro Francisco de Paula Cavalcanti de
Albuquerque, dirigia aquela Faculdade.
Pedro Calmon referiu-se à condenação de Maciel Pinheiro,
afirmando que ela cercara o condenado de uma aura de “martírio
ideológico”; e informou que os seus colegas iam visitá-lo, com
frequência em sua prisão, prestando-lhe, desse modo, sua
solidariedade. Disse então, que, nessas ocasiões, – “conversavam
as suas represálias, vociferando contra as instituições, o direito
civil, o velho Trigo de Loureiro, o feudalismo de Camaragipe.”
(CALMON, Pedro. História de Castro Alves. Rio de Janeiro: Livraria
José Olympio Editora, 1947, p. 104).
Vale notar, contudo, que tão logo eclodiu a guerra do Paraguai,
tanto Maciel Pinheiro como Trigo de Loureiro se apresentaram
como voluntários, oferecendo-se, pois, para participar da luta
contra Solano Lopez. Maciel Pinheiro, então, na flor dos seus 26
anos, enquanto o velho mestre, português de nascença, efetuava,
então, um gesto simplesmente simbólico, com 72 anos.
Não será razoável, no entanto, desconsiderar o valor do
“patriotismo” dos que se revoltaram com a agressão paraguaia e
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se dispuseram a dar a vida, se fosse isso preciso, em defesa do seu
país. A noção de “pátria” já participava, de modo efetivo, da
ideologia nacional – valendo notar que em 1822, o príncipe dom
Pedro, ao proclamar a independência do Brasil, tratara de
providenciar um hino no qual se exaltasse a soberania do novo
país surgido, de sua letra, havendo sido encarregado de Evaristo
da Veiga, na qual constando a afirmação de ser dever de
todos os brasileiros, aceitar a alternativa – a de “ficar a
pátria livre, ou morrer pelo Brasil”; tendo sido o próprio
príncipe, vale acentuar, português de nascença, quem compôs
a música desse hino.
Castro Alves não fora capaz, nem seria admissível desejarmos
que o fosse, um questionador da guerra do Paraguai. Solano
Lopez teria sido para ele, como para todos os brasileiros, em
sua época, um tirano, um agressor, alguém que desrespeitara o
Império e invadira o território do Brasil. E sendo francês no
pensamento, como teriam sido quase todos os letrados da sua
época, sentiu-se, naquele momento, convocado para a luta,
considerou-se um dos enfants de la patrie da Marselhesa. Só que
seu perdido amor por Eugênia Câmara, era, por certo, maior
que o seu patriotismo; e morrer por ela, sim, valeria mais a pena
que morrer pela patrie. E em vez de alistar-se para a luta, preferiu
segui-la, com ela havendo partido do Recife, em tournée a ser
realizada nas principais cidades do sul do país.
Sim, Castro Alves teria sido francês, tanto quanto era brasileiro.
Francês, por haver herdado da França, em razão do que lera nos
poetas franceses do seu tempo, os ideais de liberté, égalité e fraternité;
francês, por sua admiração incondicional por Victor Hugo, um
dos mais polêmicos e inflamados arautos da liberdade, na segunda
metade do século XIX; francês, por haver se tornado um leitor
constante de Lamartine e Musset.
Havendo sido, igualmente, inglês, pelas leituras que fizera de
Byron e, em razão da auréola de combatente pela liberdade que
então envolvia esse autor, dele se tornado um admirador.
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Mais que tudo, porém, mantinha-se fiel a Victor Hugo; e
embora o seguisse e tomasse como exemplo, permitia que isso,
por vezes, o confundisse; como, por exemplo, quando apesar
de haver composto o poema “As duas ilhas”, parodiando o poeta
francês e, tanto quanto ele, nele tendo demonstrado sua
admiração por Napoleão, iria, em seu poema “O Século”,
denunciá-lo como algoz, quando afirmou, em verso cáustico –
“Napoleão amordaça // a boca da populaça”. E causa-nos,
então, espanto verificar que tanto “As duas ilhas” como “O
Século” foram compostos, em Pernambuco, no mesmo ano,
em 1865. Incoerência por parte do poeta?... ou uma
consequência de sua admiração profunda por Victor Hugo?...
Idêntica ambiguidade podendo ser constatada quando, ainda
em 1865, lançou seu brado contra a Igreja de Roma e escreveu
–”Quebre-se o cetro do Papa.// faça-se dele, uma cruz”; embora
em “Jesuítas”, deles haja dito, naquele mesmo ano, haverem
sido eles, “grandes homens” e “apóstolos heróicos”, e, mais
ainda, que – “nada turbava aquelas frontes calmas, // nada
curvava aquelas grandes almas // voltadas p´ra amplidão”.
Mas ao lado dessa dubiedade, vale reassaltar, no campo da
religião, sua enorme ousadia, quando se dirigiu a Deus, chegando
ao ponto, em “Vozes d´África”, de desafiá-lo – “Deus! Ó Deus!
Onde estás que não respondes? //Em que mundo, em qu’estrela
tu te escondes // embuçado nos céus?”. E quando afirmou,
falando em nome da África, e então lhe perguntou, em tom de
reprovação – “Há dois mil anos te mandei meu grito, // que
embalde, desde então, corre o infinito... // Onde estás, Senhor
Deus?...”
Voltando, contudo, a tratar da guerra do Paraguai, deixou-se
Castro Alves comover pelo que se passava nos campos de batalha
sobre terras do sul; e em março de 1868, da sacada do prédio
onde funcionava o “Diário do Rio de Janeiro”, na rua do Ouvidor,
declamou para a multidão que por ela desfilava, o poema
“Pesadelo de Humaitá”, no qual retratou Solano Lopez como
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“o vil tirano” que haveria, afinal, de beijar os pés dos que lutavam
em defesa do Brasil.
Sobre o seu colega Maciel Pinheiro, escrevera, incluindo-as
como nota ao poema que lhe dedicou, as seguintes palavras:
Maciel Pinheiro é um destes moços que simbolizam o
entusiasmo e a coragem, a independência e o talento nas
academias. Poeta e jornalista, o moço estudante, aos reclamos
da Pátria, improvisou-se soldado. Hoje que o tempo e a
distância nos separam, é-me grato falar de um dos mais nobres
caracteres que tenho conhecido”.
Maciel Pinheiro regressou a Pernambuco sem que saibamos
se participou ou não, de algum combate; vindo a formar-se pela
Faculdade de Direito do Recife, no ano de 1867; havendo seguido,
depois de graduado, a carreira da magistratura. Republicano
exaltado, não teve, porém, a oportunidade de ver o Brasil
transformar-se em República, por haver morrido, em Recife, seis
dias antes da sua proclamação, no Rio de Janeiro.
Foi jornalista de alta qualidade, havendo chegado a dirigir um
dos mais destacados periódicos pernambuicanos – “A Província”,
dedicado à causa aboliconista, no qual também publicaram seus
artigos, Joaquim Nabuco e José Mariano.
No poema “A Maciel Pinheiro”, Castro Alves colocou,
contudo, como epígrafe, um verso misterioso – Dieu soit em aide
au pieux pèlerin; enigmático, apesar de haver indicado o seu autor
– BOUCHARD. E confesso não haver sido uma tarefa fácil, a
de localizar esse verso no contexto do poema do qual o poeta o
retirara, por desconhecê-lo; dando-se o mesmo em relação ao
seu autor. É que o nome Bouchard não aparece associado à poesia,
em qualquer dicionário ou enciclopédia de literatura; tudo levando
a crer nunca haver publicado um livro de poemas. Parti, então,
para a busca da solução do problema, invadindo o mundo
encantado da Internet.
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Ali, porém, também não encontrei qualquer Bouchard que
houvesse sido poeta. Fui, então, à procura, nesse mundo fabuloso,
do verso citado por Castro Alves; e afinal o encontrei. A indicação
de onde ele se encontrava, causou-me, porém, espanto. O verso
que fora utilizado por Castro Alves, como epígrafe para o seu
poema, fora publicado num livro de poemas de Lamartine –
Recueillements Poétiques.
Parti, então, à busca desse livro. Há várias edições desse livro.
E descobri que em sua primeira edição, a de 1863, e nela, somente
nela, haviam sido incluídos dois poemas de autoria de alguém
identificado como M.Bouchard – “L´Avenir Politique em 1837 – A
M. de Lamartine, par M. Bouchard” e “A M. de Lamartine, sur son
voyage em Orient, en 1833, par M. Bouchard.” E ao consultá-la,
encontrei a solução para o problema.
Dela consta, igualmente, o poema “Utopie”, de Lamartine; e
ao pé da sua primeira página, ali incluída, como nota de rodapé,
achava-se a informação, dada por seu editor – “L.Hachette, et
Cie. – Pagnerre – Furne et Cie.”: a de haver sido esse poema
dedicado por Lamartine, a M. Bouchard e referências a seu
respeito:
– “M. Bouchard, jovem poeta de grande esperança e alta
filosofia, havia enviado ao autor uma ode sobre o futuro
político do mundo, na qual cada uma de suas estrofes termina
com o verso Enfant des mers, ne vois-tu rien là-bas? . Esta ode e
outro poema enviado por M. Bouchard a M de Lamartine,
sobre sua viagem ao Oriente, foram incluídos neste volume
pelo editor.
Estava resolvida a questão. E pude certificar-me que foi na
referida edição que Castro Alves encontrou o verso de que se valera
como epígrafe, pelo fato de haver verificado que de outras edições
de Recueillements Poétiques, não constaram esses dois poemas. Fora
aquela uma concessão laudatória feita pelos editores da obra de
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Lamartine a M.Bouchard. E para satisfazer a curiosidade dos
estudiosos da obra de Castro Alves, irei aqui dar algumas notícias a
respeito do que teria aproximado Lamartine de Bouchard.
Começaremos por afirmar não haver, até hoje, descoberto o
nome completo de M. Bouchard. Como, contudo, encontramos
esses seus dois poemas, decidimos transcrever, ao final deste texto
um deles – A M. de Lamartine, sur son voyage en Orient, en 1833, e
em tradução livre para o português, as seis estrofes que compõem
este poema; bem como comentar o poema “Utopie” de
Lamartine, no qual pretendeu ele responder à pergunta que lhe
fora feita por Bouchard, em L´Avenir polkitique en1837 : – em
seu verso –Enfant des mers, ne vois-tu rien là-bas?.
Antes, porém, julgamos necessário dizer algo sobre a viagem
feita por Lamartine ao Oriente, em 1832-1833.
O poeta francês para ali seguiu, para visitar a Síria, o Líbano e
os Santos Lugares, numa tentativa de recuperar a fé cristã que
havia perdido. Donde haver Bouchard a ele se referido, na sua
viagem, como sendo um “pieux pèlerin”. E foi, provavelmente,
por ser o poema de Bouchard, de boa qualidade e possuir uma
extraordinária sonoridade, que Castro Alves, valorizando essas
suas qualidades (desde que a poesia que compunha era menos
para ser lida que para ser declamada), dele haver colhido o verso
com o qual Bouchard encerrava cada uma de suas estrofes, a fim
de colocá-lo como epígrafe em seu poema “A Maciel Pinheiro”.
Mudou, porém, por completo, a intenção que tivera o seu autor ao
compô-lo; e transformou seu companheiro na Faculdade de Direito
do Recife, num “peregrino audaz” que partira em viagem, para
longe, para ali ir lutar em defesa do seu país.
Em muito pouco, portanto, se parecem os dois poemas – o de
Bouchard e o de Castro Alves; eles, porém, se igualam, do ponto
de vista formal, pela presença de um verso repetido ao final de
cada estrofe, no qual aparece a figura de um “peregrino”; também
por apresentarem uma mesma técnica narrativa, tendo neles os
seus autores, feito alusão aos lugares que iriam ser vistos pelos
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viajantes; e, afinal, por possuírem uma métrica idêntica, ambos
compostos em versos decassílabos.
No poema de Bouchard, contudo, o autor, além de referir-se
aos lugares que seriam visitados por Lamartine, pedira a Deus
que o ajudasse ao longo dessa sua viagem; o que parece não haver
acontecido, ao menos na medida em que fora pedido, pois em
Beirute, a 7 de dezembro de 1832, faleceu Julia, a filha única de
Lamartine, com apenas dez anos de idade, que o acompanhva e à
sua esposa, na viagem, o que o deixou desolado.
Leiamos, então, o poema de Castro Alves, para com base nessa
leitura, poder melhor comentá-lo:
Partes, amigo, do teu antro de águias.
Onde gerava um pensamento enorme,
Tingindo as asas no levante rubro,
Quando nos vales inda a sombra dorme...
Na fronte vasta, como um céu de idéia,
Aonde os astros surgem mais e mais...
Quizeste a luz das boreais auroras...
Deus acompanhe o peregrino audaz....
Verás a terra da infeliz Moema
Bem como a Vênus se elevar das vagas;
Das serenatas ao luar dormida,
Que o mar murmura nas douradas plagas.
Terra de glórias, de canções e brios,
Sparta, Atenas, que não tem rivais...
Que à luz da pátria, deixa a lira e ruge...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E quando o barco atravessar os mares,
Quais pandas asas, desfraldando a vela,
Há de surgirt’esse gigante imenso.
Que sobre os morros campeando vela...
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Simb’lo de pedra, que o cinzel dos raios
Talhou nos montes, que se alteiam mais...
Atlas com a forma do gigante povo....
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Vai, nas planícies dos infindos pampas
Erguer a tenda do soldado vate...
Livre... bem livre a Marselhesa aos ecos
Soltar brandindo no feroz combate....
E após do fumo das batalhas tinto,
Canta essa terra, canta os seus gerais.
One os gaúchos sobre as éguas voam...
Deus acompanhe o peregrino audaz
E nesse lago de poesia virgem,
Quando boiares nas sutis espumas,
Sacode estrofes, qual do rio a garça
Pérolas solta das brilhantes plumas.
Pálido moço – como o bardo errante –
Teu barco voa na amplidão fugaz.
A nova Grécia quer um Byron novo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E eu, cujo peito como u’a harpa homérica
Ruge estridente do que é grande ao sopro,
Saúdo o artista que, ao talhar a glória,
Pega da espada, sem deixar o escopro.
Da caravana guarda a areia a pégada:
No chão da História o passo teu verás...
Deus, que o Mazeppa nas estepes guia...
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Vemos, então, que o poeta, nele se apoiou sobre o trajeto da
viagem marítima do companheiro, que deveria passar pela Bahia,
“a terra da infeliz Moema”, e pelo Rio de Janeiro, onde, à entrada
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da Guanabara, o Pão de Açúcar surge, em seu poema, como
“Atlas com a forma do gigante povo”, indo chegar, afinal, aos
pampas do Rio Grande do Sul, sobre os quais pretendia lutar
contra os paraguaios, sobre os seus gerais, E demonstrando o seu
conhecimento da poesia inglesa, nele, o poeta referiu-se a Byron,
o “bardo errante”, que partira para a Grécia, a fim de, arriscando
a própria vida, combater, ao lado do povo grego, contra os
conquistadores turcos; tanto quanto a um lendário herói polonês,
Ivan Mazeppa, personagem que fora cantado pelo poeta inglês,
em famoso poema composto em 1818-1819, publicado com o
nome de “Mazeppa”, no qual Byron descreveu a penosa jornada
do herói mítico, amarrado, nu, ao dorso de um cavalo selvagem,
solto nas estepes da Europa oriental, por um conde integrante da
corte de um rei sueco, que por haver descoberto o romance
clandestino mantido por Mazeppa, com a sua esposa, assim o
castigara.
Havendo, porém, esse cavalo selvagem, por ser originário
da Ucrânia, conduzido Mazeppa para aquele país, onde foi ele
recolhido por cossacos que o salvaram da morte, vindo ali a
tornar-se, graças aos seus conhecimentos e ao prestígio
crescente que, em razão disso, conseguiu obter, um príncipe
ucraniano. Sendo este poema, sem dúvida, um dos pontos
altos da poesia byroniana, pelo vigor da sua descrição,
especialmente quando descreve a corrida desenfreada do cavalo
bravio pelas estepes orientais da Europa, em pleno inverno,
tornando dramática a sua narrativa e valorizando a façanha de
Mazeppa – a de haver conseguido sobreviver a prova tão
amarga.
E eis, finalmente, conforme o prometido, o texto e a
tradução para o português, do poema de Bouchard, composto
sobre a viagem que iria realizar Lamartine, às terras do Oriente,
sem que, contudo, nela houvesse visitado todos os lugares por
ele mencionados como constantes, provavelmente, do seu
itinerário.
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A M. de Lamartine, sur son voyage en Orient, en 1833,
par M. Bouchard.
Sous le vent frais qui déroulait sa voile
Il est parti vers les bords éclatants,
Terre promise où brille son étoile,
Et que son âme espéra si longtemps.
Brise des mers, sois douce et parfumée!
Flots, calmez-vous; ciel, sois toujours serein!
Reverdecez, cèdres de l ´Idumée;
Dieu soit em aide au pieux pèlerin!
Sur cette Grèce au brûlant territoire,.
Jette, ô poète, un rayon d´avenir.
Lá chaque pierre est un feuikllet d´histoire;
Lá chaque pas presse un grand souvenir.
On reconnaît les descendants d´Alcide
Dans son vieux klephte et son brave marin:
Des champs d´ Argos aux monts de la Phocide,
Dieu soit en aide au pieux pèlerin!
Ta mission dans les cieux est écrite:
Cours promener ta vie aux rêves d´or
Dans ces déserts où l´Arabie s´abrite
Aux sphinx de Thèbe, au palais de Luxor.
Tu rediras, en voyant sous le sable
Os dieux géants de granit et d´arain:
´Vous seul, Seigneur, êtes impérissable!‘
Dieu soit en aide au pieux pèlerin!
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Transports sacrés, religieux délire,
Enthousiasme, aigle aux ailes de feu,
Electrisez le croisé de la lyre
Dans le Sion où souffrit l´Homme-Dieu.
Écho du ciel, ton hymne va descendre
Sur cette veuve au front pâle et chagrin:
Jérusalem va secouer sa cendre.
Dieu soit en aide au pieux pèlerin!
Tu les verras, ces rivages d´ Asie
Que l´oeil compare à des jardins flottants.
Où tout est fleurs, lumière et poésie,
Où le zéphir éternise un printemps;
Et la Stambul, reine aux mille coupoles,
Sous le soleil éblouissant écrin:
Mon coeur te suit aux bonis où t´envoles.
Dieu soit en aide au pieux pèlerin!
Va, jeune cygneà l´accent prophétique.
Va sous le ciel d´un monde plus riant,
Pour agrandir ton essor poétique,
Tremper ton aile aux parfums d´Orient;
Puis verse-nous ces trésors d´harmonie
Qu´attend ma muse au modeste refrain!
Dieu que j´implore a béni ton génie;
Dieu soit en aide au pieux pélerin!
E eis a tradução livre por mim efetuada, deste poema, mudada,
contudo, a métrica dos seus versos, por mim tornados, de
decassílabos em alexandrinos, sem manter, contudo, qualquer
preocupação pelas suas rimas:
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Para M de Lamartine, sobre sua viagem para o Oriente,
em 1833, por M. Bouchard
Levado pelo vento a desfraldar-lhe os panos,
O poeta partiu para encantadas plagas,
Para a terra sagrada onde rebrilha a estrela
Que a sua alma buscou durante um tempo enorme.
Brisa do mar, mostra-te amena, ante os seus passos!
Amaina, bravo mar, o ardor de tuas vagas!
Reverdecei, florindo, ó cedros da Iduméia;
– Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!
Sobre esta Grécia, ardendo em fogo as suas terras,
Lance o poeta o seu olhar profético.
Ali, onde se esconde em cada pedra, restos
Da História, e a cada passo, a memória de Alcides
Se revela, sob a forma heróica de um marujo
Ou de um klephte audaz, desde as planuras de Argos
Às montanhas da Fócida, altas frente aos seus passos.
– Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!
Tens por missão divina a de escrever poemas:
Busca, pois, no deserto escaldante da Arábia,
Ocultos sob a areia, os tesouros doirados!
Em Tebas, junto a Esfinge, em Luxor, no palácio,
Para depois contar-nos o que lá encontraste
– mil despojos de reis e deuses, figurados
Em bronze ou em granito: “Em verdade, Senhor,
Sois quem, por todo o tempo, haveis de ser lembrado!”
– Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!
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E entre enlevos de crença e soberbos delírios.
Envolvei e encantai, águia de fogo, o poeta,
Cruzado a entoar, em sua lira antiga,
Em Sion, o seu canto, ali, onde o Deus-Homem
Flagelado e ultrajado, elevou-se aos céus
– Jerusalém ingrata, em lamentos e pranto;
Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!
Tu, nessa estranha Ásia, irás chegar às plagas
Onde, alguém construiu jardins no ar suspensos,
Onde são flores tudo o que a vista alcança,
Onde, de doce zéfiro escoam primaveras,
Irás a Istambul, rainha de mil cúpolas
Que fulgem sob o sol, radiantes em brilho;
Daqui te seguirei, a implorar tuas prendas;
– Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante !
Segue, pois, alvo cisne, em sua ação profética,
Sob o céu ofuscante em seu luzir btilhante
Para fazer crescer seu pendor de poeta
Cercado pelo odor de essências do Oriente,
E inundar-nos de luz, com poemas de encanto
Como ansiosa espera a musa em mim oculta.
Ó Deus, abençoai, vos peço, o gênio do poeta;
– Vinde, ó Deus, ajudar o peregrino errante!*
E temos assim, finalmente, não somente analisado, à luz da
história da sua construção, o poema de Castro Alves; como
desvendado o mistério que em parte o cercava. – o de nele constar,
como epígrafe, um verso enigmático de um desconhecido M.
Bouchard. E o fato é que aqui acabamos por ser a ele apresentados,
restando-nos esclarecer alguns pontos no poema de Bouchard,
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relacionados a menções por ele feitas a nomes de lugares e pessoas,
como ainda a uma palavra grega – klephte, de circulação limitada,
e a que foi feita a Alcides, personagem da mitologia grega.
Bouchard nele mencionou os “cedros da Idumeia”, os “campos
de Argos”, as “montanhas da Fócida”, o deserto da Arábia, a
cidade de Tebas, em cujas proximidades, segundo supunha,
encontra-se a Esfinge; Luxor, onde se situam as ruínas de um
templo ou palácio do Antigo Egito; também a cidade de Sion e
os “jardins suspensos” da Babilônia, na Mesopotâmia. Vejamos,
então, o que podemos dizer a esse respeito.
A Idumeia é uma região situada ao sul da antiga Judeia, entre
o mar Morto e as terras situadas ao norte da península do Sinai,
confundindo-se, às vezes, com a região denominada Edom Nos
textos bíblicos encontram-se numerosas referências aos edomitas
e aos idumeus.
Quanto a Argos, que aparece no poema, em lugar de Argólida,
foi uma cidade de grande importância, na Grécia Antiga; da
primitiva, contudo, hoje somente restando ruínas. Ficava situada
em uma vasta planície, da qual se eleva o monte Larissa, sobre ele
havendo sido ela construída; e quanto à Fócida, tornou-se famosa
pelo fato de em suas terras situar-se o monte Parnaso, com quase
2.500 metros de altitude, a morada dos deuses, segundo a crença
dos gregos antigos.
As referências feitas ao deserto da Arábia, à cidade egípcia de
Tebas, à Esfinge, por ele colocada, por equívoco, nas cercanias
dessa antiga cidade; ao templo de Luxor, localizado às margens
do Nilo; e, finalmente, aos “jardins suspensos” contruídos por
Nabucodonozor, para o prazer de Semíranis, rainha da Babilônia,
revelam o seu empenho em demonstrar seus conhecimentos sobre
a região que era chamada, naquela época, Oriente, pelos europeus.
Por fim, Sion é o nome antigo de Jerusalém; tendo sido, vale
ressaltar, mencionado, várias vezes, por Castro Alves, em seu
poema – “Destruição de Jerusalém”, nele tendo a ela se referido
como “dissoluta” e “ímpia filha de Sião”; e logo adiante, como
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“dissoluta” e “filha ingrata de Sião”, mas, também, havendo-a
denominado – “formosa cidade de Sião.”
Devendo frisar-se, contudo, haver sido um equívoco, a idéia
de Bouchard a respeito de haverem sido as descobertas de estátuas
de deuses ou túmulos de antigos reis do Egito, efetuadas sob a
areia do deserto arábico, onde, em verdade, nenhum desses
achados foi, alguma vez, encontrado.
E para concluir esta apreciação, mencionemos a palavra grega
klephte, constante do poema de Bouchard, sem tradução em
qualquer língua europeia, usada para designar guerreiros
habitantes das montanhas da Grécia, nelas tendo vivido durante
os tempos da ocupação do país pelos turcos otomanos,
considerados pelos escritores românticos europeus da época,
como símbolos de luta da Grécia oprimida; quando, em verdade,
nada mais foram que integrantes de bandos de assaltantes, que
não se submeteram ao poder dos governantes turcos; sem
possuír, contudo, qualquer consciência de estarem a lutar,
mesmo que, em realidade, o tenham feito, em favor de uma
Grécia independente.
Sem devermos também esquecer a referência feita aos gregos,
por Bouchard, mencionando-os como – descendants d´Alcide;
valendo-se, provavelmente por necessidade poética da rima, do
pouco usado nome de Héracles (Hércules, para os latinos) – o de
Alcide, em verdade, um patronímico derivado do nome de Alceu,
avô do herói maior dos gregos. *
E para concluir, falemos do poema “Utopie”, de Lamartine, a
fim de entender até que ponto ele e Bouchard se aproximaram;
realçando o fato de haver sido Lamartine, além de poeta,
historiador e, até certo ponto, um pensador preocupado com os
destinos da humanidade.
Nele tentou Lamartine, visualizar o futuro do mundo em que
vivia, havendo-o composto, como informamos, em resposta a um
poema de Bouchard, que fora a ele dedicado – “L´Avenir politique
em 1837” ambos construídos em torno de um tema semelhante.
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Lamartine, nele também revela seu sonho por uma humanidade
nova, onde não mais existam guerras – la guerre, le grand suicide //
ce meurtre impie à mille bras – na qual os homens irão unir-se para
um trabalho comum de reconstrução, como se todos
pertencessem a uma só família; nela visando-se alcançar a
felicidade para todos, sem exceções. Tenta, então, valorizar as ideias
cristãs, considerndo-as capazes de mostrar aos homens, o rumo
certo para essa gigantesca tarefa; sem deixar, contudo, de assinalar,
no cenário da sua época, a importância do papel que passara a ser
desempenhado pelos seguidores do Islã, havendo mencionado
Maomé, em seu poema, com a denominação – le point d’acier de
Mahomet E, atento a esse fato novo – o da presnça do Islã na
Europa, escreveria, em 1854, a fim de realçar-lhe a importância,
uma biografia do fundador do Islamismo – La vie de Mahommet, e,
nesse mesmo ano, demonstrando, ainda uma vez, sua preocupação
com o Islã, uma Histoire de la Turquie.
Como historiador, escreveu, ainda, no que se refere à França,
em 1847, uma singular Histoire des Girondins; e, em 1849, uma
Histoire de la Révolution de 1848. Não seria, contudo, como
historiador ou pensador político, que seu nome iria ficar gravado
entre os dos grandes homens de letras do século XIX; havendo
sido, de modo essencial, como poeta romântico, que Lamartine
continuou, continua e continuará a ser lido e lembrado.
NOTAS
Tradução livre para o português, por Waldir Freitas Oliveira, em 21 de agosto
de 2009, do poema – “À M. de Lamartine, sur son voyage en Orient, en 1833, par
M. Bouchard”
Cf. GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: DIFEL;
Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil S.A.. s/d, p.205
__________
Waldir Freitas Oliveira é historiador, professor da UFBA, com vários livros
publicados. Ocupa a cadeira 18 da ALB. Este texto é uma conferência
pronunciada em 18/9/2009, no Curso Castro Alves, 2009. IV Colóquio de
Literatura Baiana. Academia de Letras da Bahia, Salvador, Bahia.
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Wilson Lins,
ensaísta e político, jornalista e cronista,
epigrama e memória
João Eurico Matta
No ano em que nasceu, em Pilão Arcado, Bahia, o sertanejo
sanfranciscano Wilson Mascarenhas Lins de Albuquerque, 1919,
o pensador e sociólogo germânico Max Weber, auto-identificandose como economista ( na ocasião o professor atuava, aos 55 anos,
como consultor da Assembleia Constituinte que redigia a Carta da
República de Weimar, e morreria, por doença, em 1920),
pronunciou, a convite da Associação Livre dos Estudantes de
Munique, duas profundas e magistrais conferências. Intitulavamse, respectivamente, A política como vocação e A ciência como vocação.
Em vias de conclusão da primeira delas, Weber dizia:
“... Todo aquele que se tenta realizar através da ação
política, ... se não teve em mente a responsabilidade perante
as consequências... , assim agindo não tem consciência das
potências diabólicas que estão em jogo. ... ‘O diabo é velho;
faz-te velho se o quiseres entender’. Nesta frase, não se trata
de anos, de idade. ... O que é decisivo não é a idade, mas sim
a educada capacidade de encarar de frente as realidades da
vida, suporta-las e estar à altura delas. É verdade que a política
se faz com a cabeça, mas de modo algum apenas com a cabeça.
... A política ... requer, ao mesmo tempo, paixão e medida ...”
( Weber, 1979, p. 95, 96, 99).
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A outra palestra, “A ciência como vocação”, na qual tanto
fala de religião e misticismo, Max Weber a encerra com uma evocação
elogiosa da sabedoria dos judeus no Antigo Testamento, advertindo
a juventude alemã:
Aprendamos a lição de que não basta ansiar e esperar. É
necessário fazer algo mais. E´ necessário deitar-se ao trabalho
e responder, como ser humano e como profissional, às
exigências de cada dia. E isto é simples e fácil se cada um
encontrar o demônio que maneja os fios da sua vida e lhe
prestar obediência. (Weber, 1979, p. 151).
Neste momento, lembro-me de um início de tarde de outubro
de 1979, no Palacete Catharino, quando, no costumeiro bate-papo
entre Conselheiros antes da sessão plenária do nosso Conselho
Estadual de Cultura, o presidente Ruy Santos, Nelson Sampaio,
Ary Guimarães e o próprio Wilson – Conselheiro desde 1971,
me esclareciam o orgulho genealógico do último pela origem
germânica do seu sobrenome Lins: o jovem jornalista redator de
O Imparcial de 1942, o ficcionista nietzscheano “afilhado” de
Rafael Spínola, tinha sido destemperado anti-Hitler, anti-nazista,
anti-fascista, nunca um anti-germânico! Não confundir, pois!
A vocação para o pensar filosófico e o exercício científico se
expressou, no contumaz e insaciável autodidata Wilson Lins, em
sua produção de ensaios ao longo de seis décadas, desde seu
livro de estreia aos 19 anos, publicado por seu pai em 1939,
Zaratustra me contou, considerado “metade ensaio, metade
romance” pelo Acadêmico Jorge Calmon, no discurso com que
o recepcionou nesta Academia, em 20 de setembro de 1967. Já
no Zaratustra... o escritor de 19 anos ressalta ( p. 121) O Valor do
Riso na Filosofia da Vida. O ensaísta vai marcar os quatro livros
seguintes: os dois da fase em que o jovem pensador esteve sem a
fé em Deus que tivera nos seus verdes anos de Juventude pliniana
ou Integralista, 12 Ensaios de Nietzsche – Ensaios (Bahia, Ed. O
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Imparcial, 1945) e A Infância do Mundo – Ensaios (Bahia, Ed. O
Imparcial, 1946 ). É neste último que se encontram os estudos,
de 1946, do ensaísta de 27 anos sobre a questão “-A Física Moderna
desligou-se do Materialismo?”, com epígrafe de James Jeans sobre “o
novo dualismo das figurações por partículas e por ondas...”, e
sobre o tema “O Continuum Quadridimensional”. Igual motivação
pelo estudo da teoria do conhecimento científico me levou a
publicar, em 1956 e 1957, na revista cultural Ângulos, ensaios
densos intitulados “Auguste Comte e a Crise da Física
Contemporânea” e “Os Intelectuais Soviéticos e a ‘luta ideológica’
entre cientistas físicos”.
Foi em 1952 que vieram a lume os ensaios do livro O Médio
São Francisco, Uma Sociedade de Pastores e Guerreiros (1aedição:
Salvador, Bahia, Ed. Oxumaré, 1952; 2a. edição: Bahia, Livraria
Progresso Editora, 1960; 3a. edição: São Paulo, Companhia Editora
Nacional – Coleção Brasiliana, 1983 ), em cujo prefácio nosso
saudosíssimo confrade, este ano centenário, Thales de Azevedo,
sentencia:
Escrito pela primeira vez há trinta anos e agora em versão
a ficar como última, O Médio São Francisco, de Wilson Lins,
continua um livro fundamental na literatura da antropologia e
da sociologia da vida rural brasileira e da história política do
nosso período republicano...
Dos anos da reconciliação com o Deus do cristianismo católico
é o pequeno volume Tempos Escatológicos – Ensaios (Bahia, Livraria
Editora Progresso, 1959).
Ademais deveriam citar-se, aqui, ensaios literários publicados
na Revista da Academia de Letras da Bahia e na Revista de Cultura da
Bahia, nos anos 1970 e 1980, além de Um baiano como os outros,
publicado na coletânea, com outros nove textos de nove eminentes
autores brasileiros, Um Praticante da Democracia: Otávio Mangabeira
(Salvador, Bahia, Conselho Estadual de Cultura, 1980); e
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Mandonismo e Obediência, publicado na coletânea, com outros três
textos de Cid Teixeira, Gustavo Falcón e Maria Alba Machado
Melo, “Coronéis e Oligarquias” ( Salvador, Bahia, Universidade
Federal da Bahia, Ianamá Cadernos de Educação Política, 1988 ). Creio
que merece menção especial, aqui, o admirável texto, metade
ensaio – metade memorialismo de filho amantíssimo, Franklin
Lins de Albuquerque, um Coronel contra o Coronelismo, com que Wilson
encantou o Conselho de Cultura baiano em sessão plena naquela
tarde de celebração pelo Centenário do Coronel: está publicado
na Revista de Cultura da Bahia, n. 14 ( jan. de 1979 a dez. de 1980),
p. 103-106. Há também o opúsculo Breve Notícia do Coronel Franklin,
1981. Esses ensaios são preciosos subsídios para o entendimento
da ciência acadêmica dos mestres e doutores, estrangeiros e
brasileiros que defenderam dissertações e teses sobre o assunto,
como O Coronelismo no Médio São Francisco – Um Estudo de Poder
Local, do Dr. Alírio Fernando Barbosa de Souza, pesquisa de 1973,
do Mestrado em Ciências Sociais de Machado Netto e Zahidé,
UFBA, publicada em Salvador, 1998, com prefácio de Ary
Guimarães.
A vocação de Wilson Lins para o que Max Weber chamou de
ação política se expressou por vinte e cinco anos, entre 1945 e 1971,
através do exercício de cinco mandatos de deputado estadual,
pelas legendas do PR (Partido Republicano), da UDN e, por fim,
da ARENA, e alguns anos de exercício do cargo de Secretário de
Estado da Educação e Cultura, no governo Juracy Magalhães
(1959-1963). Todavia, a versatilidade de seu talento polifacético,
ou a multiplicidade de seus “demônios” criativos, — chamada
de “Vários – Único Wilson Lins por seu amigo e confrade da
Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, prof. Germano
Machado, num registro-homenagem de julho de 1989, ao ensejo
do cinquentenário da publicação de Zaratustra me contou,
publicado no n. 2 da Revista da Academia de Letras e Artes Mater
Salvatoris – exigiria que Max Weber tivesse pronunciado quatro
outras conferências. A primeira, sobre “O Jornalismo como
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vocação”( aqui o cronista de imprensa, inclusive sob os
pseudônimos Quincas Borba e Rubião Braz, este que assinou
artigos de 1951 a 1960, em vários jornais); outra, sobre “A
Literatura como vocação”: aqui o ficcionista, o romancista e
contista Wilson Lins, de que se ocupa luminosamente, nesta
sessão, o nosso confrade, Acadêmico Aramis Ribeiro Costa,
atentos todos nós para o Wilson crítico literário, o pesquisador
de epigramas e o memorialista notável de Aprendizagem do
Absurdo – Uma casa após a outra, publicado em 1997 pelo
presidente Waldir Freitas Oliveira, do Conselho Estadual de
Cultura, e prefaciado por nosso saudoso confrade Josaphat
Marinho. Uma terceira palestra weberiana seria sobre “Negócio
Empresarial como vocação”, uma experiência dura de Wilson
nos anos 1970. E poderia haver ainda uma quarta fala , sobre
“Religião como vocação”.
Para um breve toque no tema “Jornalismo como vocação”
em Wilson Lins, à falta de uma fala de Weber, convido-os
todos a revisitar, em casa, páginas do Navegação de Cabotagem
– Apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei, de
outro saudoso confrade, Jorge Amado, especialmente as de
502 a 508, sob o subtítulo “(Bahia, 1943 – o pedido de
casamento)”, em que se conta a carinhosa história real de
como o fraterno amigo Jorge pediu ao coronel Franklin e
D. Sophia a mão em casamento de Anita para seu primo,
dela Anita, Wilson Lins, – um matrimônio felicíssimo, de
todos os filhos e todos os netos e bisnetos. Logo na pág.
502, nesse mesmo locus, se lê:
A azáfama no jornal, O Imparcial que o coronel Franklin
comprara dos integralistas, transformara-o em órgão de
combate ao Eixo nazi-fascista. ...
Após a virada da camisa, Wilson e seu irmão Teódulo
dirigiam O Imparcial, Wilson na redação, Teódulo no caixa.
(...)
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Pela tarde, rotina quase quotidiana, no Largo da Sé, na Praça
Municipal, no Campo Grande, os comícios: por baixo do pano
da guerra, do apoio às Nações Unidas, o veneno da denúncia
do Estado Novo na oratória de sotaque e sutileza. Wilson e eu
éramos habitués dos palanques antifascistas, com Edgard Matta,
Giocondo Dias, Luiz Rogério, João Falcão, Fernando Santana,
bons tempos aqueles, comandávamos a Bahia. ...
Rogo-lhes um parêntese para dizer que a admiração e afeto
de Wilson por meu pai, Edgard, durou décadas, com algumas
referências em crônicas, em artigo inteiro e em conversas, e até
num cativante epigrama da lavra do próprio Wilson, de 1984,
sobre minha devoção a “meu papai” (parafraseando expressão
histriônica de um dos então mais engraçados personagens
televisivos do humorista Chico Anísio) nas minhas falas no
Conselho de Cultura. Essas referências esclarecem o teor da
dedicatória autografada por ele num presente natalino que me
deu, o livro de João Cabral de Melo Neto, Agrestes – poesia (19811985), Editora Nova Fronteira, nos seguintes termos: “A João
Eurico, com a afeição herdada e os mais ardentes votos de um Feliz 1986.
Natal de 1985. (as.) Wilson Lins.” Curiosamente, na sua última
publicação em livro, Musa Vingadora (Crônica do Epigrama na
Bahia), Salvador, EDUFBA /Assembleia Legislativa do Estado,
1999, onde a dedicatória, datada de 16 de setembro, 1999, diz
“A João Eurico Matta, com a velha admiração, também para Geísa”,
Wilson reproduz, no penúltimo capítulo, intitulado “O Espírito
da Velha Cidade”, um epigrama de 1935 focalizando meu pai,
com o seguinte comentário ( pág. 147):
Dirigente comunista na Bahia, quando da organização da
Aliança Nacional Libertadora, não aprovou a escolha dos
membros da direção do movimento, mas evitou criar caso,
preferindo externar seu desacordo num epigrama que não saiu
da clandestinidade:
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“Cabral” não descobriu nada,
“Reis” não são de confiança.
Pobre da esquerda, coitada!
“Edgard” mata a Aliança.
Fecho o parêntese para citar, do mesmo livro ( pág. 133),
referência de Wilson a um semanário de combate políticopartidário, O Amigo do Povo, que ele próprio fundou em 1950,
embora por pouco tempo. Escreve ele: “Fausto Penalva, advogado
brilhante, panfletário dos mais temidos, orador dos mais eloquentes, quando
calhava, recorria ao epigrama. Candidato a deputado federal em 1950, foi
um dos diretores do semanário hidrófobo, O Amigo do Povo, em cujas colunas
metia a catana nos adversários do seu candidato a governador...” (que era
Juracy Magalhães).
É largamente sabido que Wilson Lins foi redator e cronista no O
Imparcial, no Diário de Notícias ( depois de vendido por Altamirando
Requião), no Diário da Bahia de Tarcilo Vieira de Mello, em A Tarde
de Dr. Simões Filho e no Jornal da Bahia de João Falcão. Conhecemonos em 1952 no Diário da Bahia, quando lhe fui apresentado por
Moniz Bandeira, nós ambos aos 17 anos, eu publicando numa coluna
cultural seis presunçosos artigos, sobre os filósofos Benedetto Croce
e George Santayana e outros temas; e Moniz Bandeira com uma
coluna sobre “grandes intelectuais baianos”, ilustrada por bicos-depena de seu irmão Carlos Augusto Bandeira, sobre Antônio Ferrão
Moniz, Pedro Kilkerry e Christiano Alberto Mueller, nosso professor
de Latin (aliás, na época, titular da cadeira da Academia de Letras da
Bahia que Wilson Lins ocuparia em 1967), além de publicar, no
mesmo Diário da Bahia, uma bem-humorada reportagem-entrevista,
com foto camuflada, sob o título “Rubião Lins ou Wilson Braz?”
Nessa década dos 1950, entretanto, fomos leitores assíduos das
crônicas sarcásticas de Rubião Braz, especialmente em A Tarde e
durante o governo Antônio Balbino, a que o cronista fazia irônica
oposição, ao “marinheiro”, ao portador de “cafubira”, “jetatura”
e “urucubaca”, ao “Barduíno Ciença” – da linguagem atribuída ao
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matuto barranqueiro, dito por Wilson, que bem-humoradamente
distingue entre “epigramistas do povo”, os “anônimos” e os
“epigramistas de ciência”. Em 1955, ano em que publicava a “novela”
Os Segredos do Herói Cauteloso, quando anunciava ou prometia três
“ensaios”, um sobre “Nietzsche e a cultura alemã”, bem como um livro
de crônicas sob o título “Política é o Diabo”, Wilson também publica,
de fato, papel e capa, de Rubião Braz,, identificando-o como “apenas
um escritor bem-humorado”, o livro de 143 págs. intitulado Os outros... –
Crônicas, – ao todo 37, quase todas deliciosas, sobretudo a mais longa,
“Astros sem contratos”, que me parece metade crônica – metade
ensaio, onde os personagens estão sob o que chama “as lentes da
cinepolítica nacional”. O autor, Rubião, dedica Os outros ... a José
Franklin, Wilson Filho e Antônio Fernando, os três filhos de Wilson.
Há, entretanto, outras crônicas de Wilson, reunidas em publicações
separadas, como as cinco que aparecem na plaqueta Godofredo Filho:
mestre de envelhecer ( 1984) e as onze publicadas no volume Otávio
Mangabeira e sua circunstância (Bahia, Conselho Estadual de Cultura,
1986), prefaciado por James Amado e louvado em artigo de Jorge
Amado ( que sucedeu Otávio, na ABL), na A Tarde, 10 de agosto de
1986, assim: “Um livro sério e alegre..., que nos restitui a humanidade
de Otávio Mangabeira, o homem, não o monumento. ...”
No que diz respeito à política como vocação, mesmo tendo a
ela dedicado 25 anos de sua vida, Wilson Lins deixa claro, nas
suas memórias de 1997, o seguinte (p. 159):
A verdade é que nunca esteve em meus planos fazer sucesso
na política. Entrei para ela levado pela circunstância de haver
nascido numa família de políticos e de vir a ser diretor de um
jornal no momento em que a democracia era restaurada no
país. No fundo, o que eu sempre quis ser foi escritor...
E na pág.163:
Não preciso lembrar que um dos meus fracos, desde cedo, foi
querer ser um romancista. Desisti, depois de cometer seis
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romances. Ficou-me, contudo, o hábito de espionar as pessoas,
de anotar-lhes as particularidades...
Na sua memorialística Aprendizagem do Absurdo, Wilson nos
conta como e por que, desde o pedido de Anita em casamento,
em 1943, ele e sua família mudaram 12 vezes de casa: ao longo
dessas doze mudanças domiciliares, uma escrita envolvente nos
mostra os momentos cruciantes de sua trajetória na vivência de
todas as suas vocações múltiplas, de todos os seus demônios.
Uma delas é a do homem religioso. Ele mesmo o diz (p. 224):
Católico cuja fé necessitou de três conversões para se firmar,
fui retirado da caatinga do São Francisco para ser transplantado
para o chão da Capital, e tive de me valer da ajuda de todos
esses padres, cônegos, monsenhores e bispos, para escapar da
punição final a que fazia jus pelas minhas heterodoxias...
Wilson Lins deixou a política em 1970 e engajou-se como
dirigente de uma empresa de crédito imobiliário, em que não foi
feliz, sem nenhuma culpa sua. Ele mesmo o diz (p. 243):
O ano agônico da intervenção na empresa (1974) havia me
surpreendido com o nascimento de três novos netos que
vinham juntar-se aos três que já me alegravam a velhice, como
se me quisesse lembrar que a senectude chegara para valer.
Não me restava senão esperar sem desesperar...”
Em seus derradeiros anos de vida, ao lado de sua querida Anita,
soube atravessar todas as vicissitudes materiais e os males da saúde
produzindo bens culturais, deixando acesas as luzes de suas
criações literárias e de pensador espirituoso, com bravura de
sertanejo do Médio São Francisco.
__________
João Eurico Matta é administrador, professor, crítico e ensaista. Ocupa a
cadeira 16 da ALB. Este texto foi uma palestra proferida em sessão de 07 de
outubro de 2004, na Academia de Letras da Bahia.
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O conto de Monteiro Lobato
Os mata-paus do contista
Aramis Ribeiro Costa
L ogo no início de um dos contos de Urupês, primeiro livro de
contos de Monteiro Lobato, há uma impressionante descrição de
um mata-pau, fenômeno certamente bem conhecido das gentes
da roça, porém estranho aos habitantes da cidade. O conto, um
dos mais apreciados do escritor paulista, recebe o nome desse
fenômeno da natureza. Chama-se “O Mata-Pau”. Tentarei
explicar, com a ajuda do próprio Lobato, o que seja isso.
Trata-se de uma planta parasita que, de alguma forma,
desenvolve-se numa árvore, na forquilha de um galho. Começa
fininha, com “dois filamentos escorridos para o solo” e “meia
dúzia de folhas”. O fiozinho vai descendo, encontra o solo,
transforma-se em raiz, "pega a beber sustância da terra", cria
fôlego, cresce, engrossa, vira tronco e mata a árvore mãe.
Descrições como esta, entremeadas de situações e diálogos,
servem com certa frequência a Monteiro Lobato como exemplo
e motivação para os seus contos. Nesse, o mata-pau árvore detona
a história de um mata-pau gente, que cresce, engrossa e mata
quem o cria. Exatamente como ocorre com a árvore.
Como se não bastasse a descrição literária, as primeiras edições
de Urupês traziam, na capa, o desenho de um mata-pau feito por J.
Wasth Rodrigues, onde se vê um tronco de árvore abraçando e
sufocando outro. Aliás, nessas primeiras edições, todo o volume –
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esse conto incluído - vinha também ilustrado por um “curioso sem
estudos”, que outro não era senão o próprio Lobato.
Vaticínio ou não, o contista Monteiro Lobato acabou sendo
senão morto, ao menos grandemente abafado, não por um, mas
por dois mata-paus: Jeca Tatu e a literatura infantil. Hoje, na
distância do tempo, podemos dizer que Jeca Tatu foi um
fenômeno transitório, que pouco sobreviveu ao seu autor. Mas, à
época, chegou a ser mais famoso que ele próprio, a ponto de
incomodá-lo, como incomodaram as pombas a Raimundo
Correia. Desabafa-se com o escritor e jornalista Léo Vaz, quando
a Revista do Brasil era abarrotada diariamente por correspondência
de todo o país sobre o personagem:
Seu Léo, este negócio do Jeca já me fede... Sempre tive
antipatia pelo Raimundo Correia, desde que me contaram que
ele não podia ouvir a menor alusão às suas “Pombas” sem se
irritar. Parecia-me isso um pedantismo ou cabotinismo
intolerável. Pois esse raio de Jeca Tatu está me fazendo pagar
a língua: já estou de Jeca até os gorgomilos. É Jeca de todo
jeito: assado, cozido, frito, picadinho, de escabeche, com farofa
ou de molho-pardo, que o correio me despeja, duas vezes por
dia!... E não fica nisso: todo sujeito que me encontra na rua,
no café, ou onde quer que seja, não acha outra amabilidade
para me dirigir, senão me atochar com coisas, façanhas,
patranhas, mentiras do Jeca... Eu vomito; eu preciso vomitar
o raio deste Jeca, ou arrebento!...
Sabemos todos a sua gênese. Nasce da laboriosa concepção
literária de um autor em busca de um personagem que se tornasse
um tipo brasileiro em confronto aos falsos tipos brasileiros do
romantismo, mas também, e talvez naquele momento sobretudo,
da justificada revolta de um fazendeiro diante das queimadas
sucessivas das suas terras, criminosamente praticadas pelos
caboclos. Indignado, escreve um artigo, ao qual intitula “Velha
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Praga”, e manda-o para as “Queixas e Reclamações” do jornal O
Estado de S. Paulo. Em lugar de publicá-lo modestamente na
referida seção, o jornal, que já conhecia o autor, estampa-o com
destaque, em local separado, provocando uma atenção especial e
uma consequente reação do público. Lobato envia outro artigo,
agora intitulado “Urupês”, que merece igual acolhida do jornal.
Se “Velha Praga” é apenas a denúncia de um crime, em que no
final desfilam nomes caricatos de caboclos como Manoel Peroba,
Chico Marimbondo e Jeca Tatu, o artigo “Urupês” segue além: é
uma catilinária que desanca o romantismo e o ufanismo nacionais,
e arrasa o caboclo, que agora não tem outro nome além de Jeca
Tatu. Jeca passa a ser o símbolo da preguiça, da inutilidade, do
pessimismo, da incompetência e da inconsequência do nativo rural
brasileiro. Um personagem nascido não de um romance ou de
um conto, mas de um artigo.
O próprio Lobato endossou a lenda, amplamente
desmistificada por Edgard Cavalheiro, seu principal biógrafo, de
que a acolhida do jornal e a reação do público foram decisivas
para a carreira do escritor. Na verdade não foram. Ao enviar os
dois artigos para O Estado de S. Paulo, embora ainda não tivesse
publicado um único livro, já era um escritor pronto, conhecido e
respeitado na pequena São Paulo da época. Com esses artigos ou
sem eles, teria dado seguimento à sua carreira de escritor e de
contista. Apenas, se já vinha publicando artigos em jornais e
contos em revistas, intensificou essas colaborações. De sorte que,
ao reunir os textos do primeiro livro, tinha em mãos um material
testado em letra de forma. Ia intitular esse livro, inicialmente,
Dez mortes trágicas; chegou a anunciá-lo desta forma na Revista
do Brasil, de sua propriedade; depois, Doze mortes trágicas. Mas,
como sempre, o senso de oportunidade prevaleceu. Incluiu, como
apêndice, o artigo provocador, modificou o final de um dos
contos, eliminando a tragédia e, seguindo a oportuna sugestão de
um amigo, cunhou para o volume o título vitorioso: Urupês. Um
golpe de publicidade, sem dúvida. Mas ali estava plantada, na
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forquilha de um galho, a parasitazinha, que iria crescer e virar
mata-pau.
O outro mata-pau do contista, a literatura infantil, nasceu
fortíssimo em 1921, com a publicação d'A Menina do narizinho
arrebitado, ponto de partida para todos os demais livros do autor
no gênero. Vale aqui um tardio mas necessário reparo. Em longo
e comovido artigo publicado em A Tarde em 6 de julho de 1948,
dois dias após a morte do pai de Emília, Anísio Teixeira afirmou:
A literatura infantil foi toda escrita como imenso
divertimento e só no fim é que começou a surpreendê-lo e
absorvê-lo como a sua obra maior.
É uma afirmação que surpreende, partindo de Anísio Teixeira,
amigo pessoal e grande admirador de Lobato. Porque é
equivocada, ou, pior ainda, pode levar o leitor a pensar
equivocadamente a respeito de Lobato e a sua obra infantil. Não
há dúvida de que o escritor divertiu-se bastante com a feitura dos
seus livros para crianças, uma obra repassada de humor e muita
travessura, bem à feição lobatiana, como também não há dúvida
de que ele foi surpreendido com o seu extraordinário êxito, bem
além das suas mais otimistas expectativas, surpresa que ocorreu
não “no fim”, como afirma o grande educador baiano, mas ainda
no início, com o primeiro livro. A surpresa dos últimos anos deveuse à sua imensa popularidade em decorrência dessa literatura,
que o tornava o escritor mais conhecido e mais amado do país. O
equívoco maior, entretanto, é afirmar que aquilo foi um “imenso
divertimento” que só no fim passou a ser levado a sério. Lobato
nunca fez nada, principalmente de grande vulto, apenas para
divertir-se. O seu atilado sentido comercial não permitiria. A prova
é que, ao imprimir esse primeiro livro por sua própria conta, fez
logo uma ousadíssima edição de cinquenta mil exemplares,
imprimiu mais quinhentos para serem distribuídos gratuitamente
nas escolas a título de propaganda, e anunciou na própria capa
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do volume que era um “segundo livro de leitura para uso das
escolas primárias”, ou seja, vinculou a obra à escola para sugerir
e estimular a vendagem, antecipando-se a uma tendência dos
futuros editores do gênero no Brasil. Além da distribuição gratuita
dos exemplares, realizou também uma grande propaganda na
imprensa em torno do lançamento, tratando o assunto com
seriedade e tino empresariais. A rápida vendagem da enorme
edição e a entusiasmada aceitação da garotada, animou-o a seguir
encarando o empreendimento como um excelente negócio que,
como tal, devia ser levado a sério. Aliás, atirou-se sôfrego à
literatura infantil em alguns momentos de grande aperto
financeiro, como uma taboa de salvação, chegando a considerar
Emília, em carta a Godofredo Rangel, em 1943, a “encantadora
Rainha Mab do meu outono”. Não há, pois, nenhum sinal de
simples divertimento nessa atividade de Monteiro Lobato, pelo
contrário, foi uma ocupação que, desde o início, jamais o deixou,
seduzindo-o e absorvendo-o extraordinariamente.
Também do ponto de vista estritamente literário, essa atividade
não foi tratada em nenhum momento como divertimento, mas
como uma arte que ele procurou aprimorar em cada livro e cada
edição. Da primeira edição do primeiro livro, A Menina do narizinho
arrebitado, ao último, Os Doze trabalhos de Hércules, até a preparação
da obra completa, Lobato não parou de reescrever e aperfeiçoar
a sua literatura para crianças, absolutamente consciente da
importância do que estava fazendo. O resultado foi, como se sabe,
algo inédito, não apenas na literatura brasileira, mas também na
literatura infantil universal, com a construção de uma saga ainda
hoje não superada por nenhum autor.
Mas, sobre a literatura infantil de Lobato não se pode falar de
forma tão aligeirada em texto tão curto. Exige estudo longo e
cuidadoso. Lembro apenas que foram tamanhos a força e o
encantamento dessa literatura voltada para as crianças, que a ela
ficou definitivamente associado o nome do autor. Ainda hoje,
para a maioria dos brasileiros, quando se pronuncia o nome de
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Monteiro Lobato, é no pai de Emília, de Narizinho, de Pedrinho,
de dona Benta, de tia Nastácia, do Visconde de Sabugosa, de
Rabicó, enfim, no criador do Sítio do Picapau Amarelo que se
pensa, bem mais do que no contista.
Mas volto a Urupês. Em 1918, Lobato já não era mais um
fazendeiro. Morava na capital e era assumidamente o que se
poderia chamar de um homem de letras. De colaborador da Revista
do Brasil, na qual vinha publicando contos e críticas, passara a
proprietário, e todo o seu interesse voltava-se para livros e
literatura. Nesse mesmo ano, imprimiu Urupês por sua própria
conta nas oficinas d’O Estado de São Paulo e distribuiu o livro pelas
poucas livrarias da então provinciana cidade de São Paulo. A capital
paulista tinha apenas “meia dúzia de livrarias mal arrumadas e
desertas”. E essa não era uma realidade unicamente paulistana.
Em todo o país havia pouco mais de trinta livrarias. Entretanto,
existiam mais de mil agências postais espalhadas pelos estados
brasileiros. O Lobato comerciante, que sempre coexistiu com o
escritor, não teve dúvidas. Enviou a cada agente postal uma carta,
pedindo indicação de comerciantes de toda espécie que aceitassem
o livro em consignação – um sistema até então não praticado.
Quase todos responderam, e o país foi inundado por exemplares
de Urupês, que passaram a ser vendidos em lojas de ferragens,
farmácias, bazares, bancas de jornal, papelarias, enfim, onde
houvesse um ponto de venda disponível. O sucesso foi imediato.
A primeira edição, de mil exemplares, saída em agosto, esgotouse em poucos dias; a segunda, de dois mil exemplares, em um
mês; e a terceira edição, de quatro mil exemplares, foi posta na
rua já no final desse ano.
Ao lado do enorme sucesso, porém, acontecia algo que
desgostava o autor. O livro fazia barulho na imprensa, mas não
era falado e discutido por causa dos contos, e sim em função da
parasitazinha lá plantada em forma de artigo, o mata-pau Jeca
Tatu. O orgulho nacional – que, àquele tempo, havia isso – ,
insuflado pelas imagens fantásticas dos índios de José de Alencar
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e Gonçalves Dias, sentiu-se ferido com o retrato da realidade
pintado por Lobato, e o artigo “Urupês” que, nas páginas d'O
Estado de São Paulo apenas provocara a reação de alguns leitores,
agora, posto em livro, tornava-se motivo de polêmica. Discutiase acirradamente o caboclo.
Estava o livro em sua terceira edição, permanecia a polêmica
na imprensa, quando Ruy Barbosa, do alto do seu imenso prestígio,
abriu uma conferência no Teatro Lírico, no Rio de Janeiro, com a
célebre pergunta:
Senhores:
Conheceis, porventura, o Jeca Tatu, dos Urupês, de
Monteiro Lobato, o admirável escritor paulista?
E por mais de meia dúzia de parágrafos, o tribuno baiano
seguiu avalizando e enaltecendo os conceitos de Lobato a respeito
do caboclo e da realidade rural brasileira. Foi uma surpresa e um
espanto. Ruy não costumava sair das suas alturas para citar, muito
menos para elogiar autores vivos, e abria uma surpreendente
exceção para Lobato e seu livro de estreia. A terceira edição de
Urupês esgotou-se rapidamente, e também a quarta, a quinta, a
sexta e a sétima. De toda parte vinham pedidos, o livro chegou
ao décimo quinto milheiro.
Era um acontecimento absolutamente inusitado nas letras
nacionais, sobretudo naquele começo de século em que, após a
morte de Machado de Assis, a literatura no Brasil, pelo menos na
prosa de ficção, atravessava uma fase de calmaria, quando nada
parecia acontecer de muito importante. Digo “nada parecia
acontecer”, porque, de fato, embora ainda sem grande penetração
popular, começavam a escrever e publicar um Lima Barreto, um
Simões Lopes Neto, um Valdomiro Silveira, sem esquecer os
baianos Xavier Marques, Afrânio Peixoto e Almachio Diniz, que
batalhavam – hoje se percebe que inutilmente, porque estão
ignorados ou esquecidos –, pela incorporação definitiva das suas
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obras no seletivo repertório da literatura nacional. Mas eram
escassos os novos livros à disposição do público e os lançamentos
não empolgavam. Subitamente Lobato preenchia a lacuna e
tornava-se um escritor conhecido e admirado em todo o país.
Enquanto a imprensa preocupava-se com os defeitos e as
qualidades de Jeca Tatu, com a justiça ou a injustiça do retrato
pintado pelo autor de Urupês, enquanto uns insultavam e outros
defendiam o autor do famigerado personagem-símbolo do
caboclo brasileiro, o público lia com grande gosto os contos do
livro, e dava mostras de querer mais. Então, sem nenhuma dúvida
o contista impressionava, independentemente do artigo polêmico.
A árvore, embora sufocada pelo mata-pau, não estava morta.
É preciso lembrar que o êxito do contista Monteiro Lobato
não estava apenas no resultado de uma série de circunstâncias
favoráveis, todas elas muito bem aproveitadas pelo autor. Ali
estava, naquelas narrativas trágicas ou tragicômicas, um escritor
de excepcional talento, que aliava uma boa literatura ao gosto e à
necessidade consumidora do público. Apesar de Urupês ser o
primeiro livro, os contos nele apresentados não eram de estreante.
Ao contrário de Machado de Assis, que se foi aprimorando no
gênero livro a livro, partindo da inexperiência de Contos fluminenses,
em 1870, alcançando a maestria de Papéis avulsos, em 1882, e, daí
por diante, seguindo em altíssimo nível até Relíquias de casa velha,
em 1906, Lobato aprimorou-se publicando em jornais e revistas.
Escreveu e reescreveu, fez, refez, modificou, leu muito, discutiu
exaustivamente o seu trabalho, sobretudo em cartas com
Godofredo Rangel e, quando se apresentou em livro, era um
contista maduro e passado a limpo. Seu volume de estréia, embora
não traga alguns de seus melhores contos, produzidos depois,
como “O Jardineiro Timóteo”, “Negrinha” e “O Colocador de
Pronomes”, é, em conjunto, o seu melhor livro de contos. Só um
escritor com o total domínio da linguagem e da técnica, com o
pleno sentido da relação espaço-tempo na ficção de curto fôlego,
com a segurança absoluta do seu objetivo dentro do gênero,
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realizaria com êxito contos como “Os Faroleiros”, “O Engraçado
Arrependido”, “A Colcha de Retalhos”, “A Vingança da Peroba”,
“O Mata-Pau”, “Bocatorta”, ou “O Comprador de Fazendas”.
Contos que beiram ora o dramalhão, ora a pieguice, ora a simples
anedota, ora a tragédia desnecessária, mas que, na sua mão segura
de narrador, no seu firme conhecimento da arte literária, nos
seus indiscutíveis recursos de frase e de efeito, tornam-se contos
primorosos, exemplares no gênero e na modalidade que
representam.
Essa modalidade estava definida desde o início. Numa carta
que escreveu de Areias, em 1909, a Godofredo Rangel, deixava
muito clara a sua concepção do gênero, bem como o seu objetivo
como contista. Diz Lobato:
Sou partidário do conto, que é como o soneto na poesia.
Mas quero contos como os de Maupassant ou Kipling, contos
concentrados em que haja drama ou que deixem entrever
dramas. Contos com perspectivas. Contos que façam o leitor
interromper a leitura e olhar para uma mosca invisível, com
olhos grandes, parados. Contos-estopins, deflagradores das
coisas, das idéias, das imagens, dos desejos, de tudo quanto
exista informe e sem expressão dentro do leitor. E conto que
ele possa resumir e contar a um amigo – e que interesse a esse
amigo.
Uma teoria que se afina às maravilhas com aquela outra famosa
de Edgar Allan Poe, em que o conto, como a anedota, deve ter
um só efeito, e esse efeito é preconcebido. Ou seja: o conto
constitui uma profusão de cenas e ações que preparam um efeito
em geral posto no desfecho. A história assim armada faz com
que a cena final determine um efeito regressivo que ilumina todo
o corpo da composição, dando-lhe significado. Exatamente o que
pensava Lobato, que via o fecho do conto como o fecho do soneto,
a chave de ouro, portanto, o ponto alto da composição.
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A admiração de Monteiro Lobato por Maupassant e por
Kipling era confessa, particularmente por Maupassant. Defendia
abertamente o conto linear, de princípio, meio e fim, o conto que
sempre conta uma história, e opunha-se terminantemente ao
conto que se convencionou chamar “de atmosfera”. Essa postura,
tão radical, teorizada ao jeito lobatiano, de forma agressiva e
polêmica, quase sempre divertida – e, como bem demonstrou
Jorge Amado, que terrível arma é o riso! – , fez com que Lobato,
apesar de ser considerado um renovador da prosa de ficção
brasileira, ignorasse os avanços técnicos do conto, não tomasse
conhecimento dos ilimitados recursos de ampliação ou
desestruturação de enredo, e limitasse ferrenhamente as suas
páginas à modalidade da sua preferência. Isso fez – e ainda faz –
a sua rejeição pelos adeptos do conto moderno. Mas não o afastou
à época do grande público, talvez pelo contrário. Dando razão ao
explosivo autor paulista, o grande público sempre preferiu o conto
clássico ao moderno, e não é segredo que as inovações do gênero,
que tanto o enriqueceram do ponto de vista da arte literária,
abrindo-lhe novas perspectivas de criação, apartaram-no
enormemente desse público mais amplo, que voltou a sua atenção
para o romance, numa sábia advertência de que a arte literária
não deve ser excludente, Tchekhov não deve excluir Maupassant.
Pelo contrário: na diversidade de opções, encontra-se uma riqueza
que não pode ser desprezada.
Também não é verdade que o contista Monteiro Lobato tenha
sido grandemente prejudicado pelo movimento modernista de
22. Apesar de não lhe terem perdoado a famosa crítica a Anita
Malfatti, os próprios líderes desse movimento, em particular
Oswald de Andrade, reconheciam no autor de Urupês o seu caráter
pioneiro e renovador, tanto na linguagem, como nos temas e no
ambiente genuinamente brasileiros, não tendo sido poucas as vezes
em que foi considerado um precursor do movimento. Os livros
de conto de Lobato – mesmo o mais fraco, Cidades mortas, lançado
às pressas no mercado, reunindo velhas páginas do início da sua
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experiência de contista ao lado de contos mais recentes, apenas
para aproveitar o êxito de Urupês ultrapassaram incólumes toda a
entusiasmada fase detonada pela revolucionária semana – paulista,
e chegaram pelo menos aos anos cinquenta do século passado
com edições renovadas, sem falar da coleção completa, editada
em capa dura – e quase obrigatória nas estantes dos intelectuais
do país. Então, subitamente, por longos anos, sua obra de contista
sumiu das prateleiras das livrarias, para só retornar recentemente.
O que terá ocorrido, afora as meras questões editoriais, os
interesses ou o desinteresse das grandes editoras, sobretudo da
editora responsável por sua obra?
Cabe aqui uma reflexão sobre um aspecto que, evidentemente,
não deve ter sido a causa do desaparecimento comercial desses
livros por tão longo tempo, mas que pode ter contribuído de
alguma forma para o gradual desinteresse que os envolveu. Se o
tipo de conto que escrevia não afastou Monteiro Lobato do grande
público, talvez até, pelo contrário, tenha sido um fator importante
para a sua popularidade como contista, o mesmo não pode ser
dito em relação à linguagem utilizada na sua escrita, uma linguagem
nitidamente inspirada em Camilo, outra de suas grandes e
confessadas admirações. Paradoxalmente, nesse ponto, pareceme que Lobato percorreu o caminho inverso, aquele que, mais
cedo ou mais tarde, afasta o público mais amplo. Sua linguagem
literária é um amálgama ríspido de termos eruditos, arcaísmos,
jargões, palavras técnicas, dizeres coloquiais populares,
regionalismos, onomatopeias e até de vocábulos inventados ao
sabor da escrita – os dicionários, hoje, registram cerca de setenta
desses vocábulos. Nela só não se encontram palavras chulas e de
baixo calão, que não eram admitidas na literatura da época. O
mais, há. É como se a língua fosse um ilimitado território sem
dono e sem regras, que servisse de todos os modos e maneiras na
construção peculiaríssima do seu texto, no qual, espelhando a
personalidade do autor, não faltam irreverência e ironia, ambas
tantas vezes transmudadas em humor, mesmo em narrações de
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tragédia. Enfim, uma colcha de retalhos de impressionante e
perigoso efeito, capaz de seduzir ou afastar o leitor – a depender
do gosto de cada um – mas, muito provavelmente, a apenas afastar
o grande público, sobretudo o grande público de hoje, que terá
inclusive em muitos trechos dificuldade para entendê-lo. Lobato
era um homem que lia dicionário para distrair-se e, por outro
lado, pregava alto e bom som que se devia escrever como se fala,
que a verdadeira língua é a do povo, que não se cansa de reinventála; nessa dubiedade de atitude e de pensamento, talvez resida a
explicação para o seu estilo desigual e costurado. Naturalmente,
com um instrumento de trabalho tão inusitado, seu texto já nascia
com cara e jeito inconfundíveis, cara e jeito de Lobato. Mas
também, por sua dificuldade de compreensão, tornava-se mais
um mata-pau do contista.
A história da literatura brasileira – contada aos retalhos de
épocas e regiões – , contaminada pelas idiossincrasias dos
historiadores e analistas, não tem dado a devida importância ao
fato de ter sido Lobato o primeiro grande escritor brasileiro a se
apresentar, na literatura adulta, basicamente como contista. Antes
dele, Machado de Assis, colocando-se artisticamente entre o conto
clássico e o moderno, soube elevar o gênero às alturas mais
exigentes da qualidade universal, uma qualidade que só tem sido
engrandecida com o passar do tempo, a ponto de estar
conseguindo, aos poucos e recentemente, a consagração de um
reconhecimento estrangeiro que vem se ampliando a partir de
estudiosos da nossa literatura em universidades de diversos países,
em particular da Europa. Porém Machado, em seu tempo, não se
apresentou basicamente como contista. Verdade que seus contos
sempre foram muito apreciados pelo público e, por sua facilidade
de publicação em jornais e revistas, contribuíram decisivamente
para divulgá-lo. Mas a sua obra, vasta e polígrafa, com incursões
significativas em todos os gêneros, alicerçava-se sobretudo no
romance para estabelecê-lo acadêmica e comercialmente. Os
emblemas da sua glória, enquanto vivo, foram de início a crítica
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literária e, posteriormente, os romances da segunda fase, Dom
Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Esaú e
Jacó e Memorial de Aires. O romancista eclipsou o crítico ainda em
vida, e o romance fez a sua nomeada por mais algum tempo após
a sua morte. Bem antes do reconhecimento unânime da
excepcional qualidade dos seus contos, discutia-se acaloradamente
se Capitu traiu ou não o desventurado Bentinho. Hoje, não há
dúvida, o contista Machado de Assis é, com muita justiça, tão
valorizado, estudado e lido quanto o romancista, havendo até
quem afirme ter sido ele bem maior como contista. Também
Afonso Arinos, o festejado autor de Pelo sertão, experimentou o
romance, a novela e o teatro nas mesmas proporções, já que, em
vida, publicou unicamente um livro de cada um desses gêneros.
Escreveu apenas nove contos, os cinco constantes de Pelo sertão, e
os quatro que formam o livro póstumo Histórias e paisagens. Coelho
Neto foi tão romancista quanto contista, ainda mais romancista.
Lima Barreto, embora também contista, foi bem mais romancista.
Lobato, desde o início da sua atividade literária até a derradeira
página de ficção para adultos, direcionou-se quase que unicamente
para o conto, propagando e sedimentando o gênero em nossas
letras, contribuindo decisivamente para a sua valorização como
arte literária no Brasil. Digo quase e não unicamente, porque há
também uma lamentável experiência dele com o romance, se é
que se pode chamar dessa forma a “pura obra da imaginação
fantasista”, para usar suas próprias palavras, que é o extravagante
O Choque das raças ou, como passou a ser chamado posteriormente,
O Presidente negro. Sem o maravilhoso pó de pirlimpimpim que levou
leitores de todas as idades, com absoluto encantamento, à Grécia
antiga, ao céu, ao País da Gramática, ao País das Fábulas e ao Reino
das Águas Claras, escreve, em 1926, em apenas três semanas, para
o rodapé do jornal A Manhã, um romance – ou novela? ou conto
espichado? ou simples fantasia? – de cunho futurista, no espírito
profético dos Verne, Wells, Huxley e Orwell, porém sem a
clarividência, a amplitude, a profundidade e o brilhantismo do
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melhor desses autores, onde ele, antecipando as ideias racistas e
criminosas de Hitler e do nazismo, que tantas consequências
funestas iriam causar à humanidade já na década seguinte,
absurdamente defende a eugenia como uma das principais
soluções para os problemas da espécie humana, em particular do
povo norte-americano que é considerado, na obra, como o maior
povo do mundo. Como se não bastasse, apresenta uma ideia
ofensiva sobre o caráter da mulher, além de uma visão estreita e
injusta sobre o papel da mulher na sociedade, veiculando, com a
maior naturalidade, sobre o negro, a mulher, o deficiente físico e
o deficiente mental, conceitos e soluções hoje universalmente
considerados como preconceituosos, injustos, cruéis, perigosos
e até criminosos. É de estarrecer. Dir-se-á que não passa de uma
brincadeira de Lobato, tão dado a provocações de todo tipo. Uma
brincadeira de mau gosto. Porém, surpreendentemente, o tom
não é irônico, muito menos de brincadeira. Um livro estranho –
e menor –, sem dúvida, que apenas tem o mérito de ser bem
escrito, com uma boa técnica, uma narrativa fluente, uma
linguagem despida dos artificialismos e dos arcaísmos dos contos
de Urupês, capaz de prender com interesse o leitor da primeira à
última página, mas cujo conteúdo não faz jus ao talento e ao
nome do escritor. Sobretudo não faz jus ao largo e generoso
espírito que foi Monteiro Lobato. De qualquer forma, O Presidente
negro não lhe confere o título de romancista, nem ele a isso aspirou
ao escrevê-lo e publicá-lo.
Lobato é, na ficção de adultos, apenas um contista. Seus
principais contos são longos, na tradição dos contos franceses,
que se inicia com Prosper Mèrimée, consagra-se universalmente
com Guy de Maupassant e tem em Jean Paul Sartre um de seus
cultores mais recentes. Mas não chegam à novela. Sua acanhada
tentativa de novela, “Os Negros”, inserida em Negrinha, confundese com os demais contos e passa por um deles. Ainda quando
trabalha enredos que se desdobram, pondo em risco a estrutura
fechada, ou quando essas narrativas se passam em tempo ficcional
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extenso, como é o caso do magistral “O Colocador de Pronomes”,
da última fase, em que a história do personagem é contada desde
antes do nascimento até a sua morte, Lobato não passa do conto.
Como se o seu espírito inquieto quisesse sempre resolver a
narrativa de forma rápida e compacta.
Voltando ao tema dos mata-paus do contista, vale lembrar
que Lobato, o homem impaciente, irrequieto, empreendedor,
tornou-se também, ele próprio, um mata-pau do contista. Ardia
intensamente cada vez que acendia e logo apagava. Tendo
publicado Urupês em 1918, praticamente encerrou sua carreira de
contista em 1923, com a publicação de O Macaco que se fez homem,
livro cujos contos, na arrumação definitiva das suas obras
completas, diluem-se entre Cidades mortas e Negrinha. Depois disso,
todo voltado para os seus sucessivos projetos, como editora, ferro,
petróleo e, em particular, a literatura infantil, raramente escreve
algum conto, sendo praticamente o único realmente bom após
essa fase, o célebre "A Facada imortal", de 1942, que alguns críticos
consideram seu melhor conto. Não compartilho dessa opinião,
embora o reconheça excelente.
De sua obra completa em capa dura para adultos, formada
por quinze alentados volumes, apenas os três primeiros são de
contos: Urupês, Cidades mortas e Negrinha. Nos demais, há ensaios,
artigos, críticas, crônicas, entrevistas, prefácios e cartas, além do
abominável O Presidente negro. Nesses três volumes iniciais há
algumas páginas que, embora agradáveis de serem lidas, não
correspondem à qualidade e à fama do contista. São páginas nas
quais prevalecem o pictórico, o panfletário e o caricatural sobre
os elementos ficcionais. Há outras que apenas se valem do curioso
do episódio – exatamente como uma anedota, como o divertido
“De Como Quebrei a Cabeça à Mulher do Melo”, que lhe valeu
um curioso processo na justiça. Mas, por outro lado, nesses três
volumes, pode ser encontrada com facilidade uma quinzena de
contos aos quais não seria exagero atribuir a dimensão das obrasprimas. Contos nos quais se sente o cuidadoso trabalho de
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elaboração que caracterizam as grandes obras literárias, onde não
há nada em excesso ou faltando, e cada frase, cada palavra é
fundamental para o conjunto do texto. Contos, finalmente, cuja
leitura transmite ao leitor a sensação de plenitude. Seriam eles, na
minha opinião: “Os Faroleiros”, “O Engraçado Arrependido”,
“A Colcha de Retalhos”, “A Vingança da Peroba”, “O Mata-Pau”,
“Bocatorta”, “O Comprador de Fazendas”, “O Estigma”, “Júri
na Roça”, “O Fígado Indiscreto”, “Negrinha”, “Bugio
Moqueado”, “O Jardineiro Timóteo”, “O Colocador de
Pronomes” e “A Facada Imortal”. Fora da literatura infantil –
que tem de ser analisada à parte – , é difícil prever o
comportamento comercial de uma nova edição da obra completa
de Lobato nos tempos de hoje. O início do século XXI trouxe-a
de volta às prateleiras das livrarias, e o resultado desse grande
empreendimento editorial certamente determinará o destino
desses livros nas próximas décadas. De qualquer forma, creio
que as quinze narrativas aqui apontadas poderão formar um
volume de seus melhores contos com absoluta garantia de êxito
comercial e acolhimento acadêmico – ainda hoje e sempre. Porque
a árvore dos contos de Monteiro Lobato é forte o bastante para
resistir e sobreviver aos mata-paus que ele próprio e outros
plantaram nas forquilhas dos seus galhos.
__________
Aramis Ribeiro Costa é médico e administrador hospitalar, graduado em
Letras, poeta, contista e romancista, é autor de 16 livros, como Episódio em
Curicica (2001), O fogo dos infernos (2002), Os bandidos (2005) e Reportagem urbana
(2008). Ocupa a cadeira 12 da ALB.
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A riqueza que veio do Oriente
Myriam Fraga
Na esteira da grande aventura marítima dos portugueses no
Oriente, iniciada a partir de 1498, por Vasco da Gama, ao descobrir
o chamado caminho das Índias, implantou-se naquela parte do
mundo uma política forjada sob a mais genuína aspiração de um
império a ser criado sob os ditames da cristandade. Conquistada
em 1510, por Afonso de Albuquerque, Goa transformou-se no
centro do poder dos portugueses na região e, pelo seu
desempenho na propagação da Religião Católica Romana, recebeu
o nome de Roma do Oriente.
Assim, mais que uma aventura mercantilista, o propósito dos
navegadores portugueses foi marcado não só pelo comércio das
especiarias, mas pelo espírito religioso que inspirava os ideais de
evangelização traduzidos na vocação missionária que via na
conquista uma oportunidade de impor a verdadeira doutrina –
muitas vezes a ferro e fogo –, no afã de salvar almas para maior
glória de Deus.
As marcas do que foi a imposição da cristandade nas Índias
estão presentes em muitas das manifestações artísticas que ainda
hoje servem de referência a essa notável epopeia. O encontro
entre povos tão diversos e tão distantes, postos de repente em
estreita relação, proporcionou, entre outras manifestações, o
surgimento de uma arte profundamente sincrética onde se
amalgamavam aspectos peculiares a cada cultura.
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Das várias práticas que contribuíram para essa miscigenação,
a de inspiração religiosa foi, sem dúvida, a mais importante,
não só pelas grandes realizações, na construção de mosteiros e
abadias, que atestam o poder e o interesse dos colonizadores,
mas, igualmente, pela fabricação de imagens religiosas de
pequenas dimensões, imprescindíveis à necessidade urgente da
catequese e ao culto doméstico, no exercício dos rituais
cotidianos.
Para isso, convocou-se mão de obra especializada em trabalhar
com os vários materiais disponíveis, principalmente o marfim das
presas do elefante, abundante àquela época, e que, pela
maleabilidade e textura, se prestava à perfeição para esculpir
imagens e objetos de pequenas dimensões.
Pequenas imagens femininas do paleolítico, provavelmente
representando deusas da fertilidade, como a famosa Vênus
Calipígia, esculpidas em marfim, foram encontradas em estações
arqueológicas nos mais diversos pontos da Europa, o que
comprova a presença desses animais naquela parte do mundo.
Expulsos do Hemisfério Norte pelas glaciações da era terciária,
esses grandes mamíferos deslocaram seu habitat para as regiões
mais quentes da África e da Ásia, onde logo se tornaram objetos
de desejo por vários motivos inclusive, e principalmente, pelo
precioso material de que eram constituídas suas presas.
O mamute desapareceu, mas o elefante, aclimatado,
multiplicou-se e, com o passar do tempo, tornou-se o principal
fornecedor de matéria prima de grande procura não só para o
fabrico de objetos de uso comum como para a criação de obras
de arte.
Aos poucos, após várias gerações, acentuam-se as diferenças
físicas entre os elefantes africanos e os asiáticos, diferenças que
são também observadas no tamanho e na textura do material de
que são constituídas suas presas. O marfim africano, mais duro e
resistente, sempre foi preferido para a confecção de esculturas,
placas e miniaturas, enquanto o marfim de origem asiática, de
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menores proporções e de consistência mais frágil, era considerado
mais difícil de ser trabalhado.
Embora tenham sido utilizadas outras fontes naturais do
marfim, como os caninos da morsa e do hipopótamo, o incisivo
do nerval e o chifre do rinoceronte, o material mais cobiçado,
mais precioso e raro, sempre foi o marfim extraído das presas do
elefante e do seu ancestral, o mamute, amplamente utilizado, desde
tempos imemoriais, na fabricação de utensílios, objetos de adorno
e estatuetas de inspiração laica ou religiosa.
De grande ductilidade ao corte e durabilidade e resistência
extremas, o marfim das presas do elefante – que não são os
caninos, como, habitualmente, as presas dos outros mamíferos,
mas os incisivos, – é considerado como o "verdadeiro" marfim,
valioso e estimado por suas qualidades que incluem a coloração
cremosa, a maciez ao tato, o brilho e a resistência, que parecem
conferir vida aos objetos esculpidos.
O caminho das Índias
Alcançar o Oriente pela via marítima, evitando os territórios
dominados pelos infiéis, era o grande sonho dos navegantes
portugueses que, aos poucos, foram avançando na exploração da
costa ocidental da África acreditando que este roteiro os levaria
ao encontro das cobiçadas e lendárias regiões do Oriente cada
vez mais difíceis de alcançar por via terrestre.
Durante o percurso, ao travar conhecimento com as
populações locais, foram pontilhando sua trajetória com a criação
de postos estratégicos onde estabelecer feitorias, e assim consolidar
a conquista e a posse do território.
Desde a Serra Leoa ao reino de Benin (atual Nigéria), passando
pela Costa do Marfim, foram criados pontos de comércio,
facilitadores de trocas e de reconhecimento entre os autóctones
e os recém chegados. Entre os objetos de permuta, os marfins
africanos, da Costa Ocidental, alcançaram grande prestígio em
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Lisboa na fabricação de peças de adorno, joias e adereços que
logo passaram a circular por toda a Europa.
A importação do marfim africano pela metrópole incluía não
só o material ainda a ser trabalhado, mas igualmente peças
executadas em oficinas locais por artesãos autóctones, seguindo
os modelos copiados dos artistas portugueses. Entre os muitos
objetos fabricados nessas circunstancias destacam-se os
“olifantes”, trompas de caça esculpidas numa única peça, com
incrível perícia, pelos “sherbros”, de Serra Leoa.
Quanto à qualidade, o marfim africano pode ser dividido em
dois grandes grupos: o marfim duro e o marfim mole. O primeiro
provindo de dentes de elefantes que habitavam zonas muito
arborizadas, próximas de rios e de pântanos, como as regiões
encontradas na Guiné, no Congo e no Gabão. Mais pesado que
o marfim mole, de consistência granulada e sem veios, tornavase esbranquiçado à medida que envelhecia e, por suas qualidades,
era mais utilizado em esculturas e miniaturas. O marfim mole,
retirado das presas de animais procedentes de certas regiões de
clima seco, como as regiões de savana da Etiópia, do Egito e da
Costa de Zanzibar, por estarem sempre expostos aos raios solares,
eram mais frágeis e ressecados, de menor porte e consistência
mais difícil de ser trabalhada.
As esculturas em marfim afro-portuguesas, consideradas de
grande valor artístico, atualmente são encontradas em diversos
museus, espalhados pelo mundo e constituem um precioso arquivo
do que foi o encontro da civilização europeia, representada pelos
portugueses, com a riquíssima cultura dos povos que habitavam
a África Ocidental.
Em 1548, Vasco da Gama arrisca-se a dobrar o cabo da Boa
Esperança, antes chamado das Tormentas, e bordejando a costa
leste do imenso e misterioso continente africano finalmente abre
as portas do Oriente aos Portugueses, inaugurando a cobiçada
rota marítima que levaria diretamente às fabulosas riquezas
propagadas por Marco Pólo.
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A missão
Se o século XVI foi o século da conquista, os séculos XVII e
XVIII caracterizaram-se pela catequese. Já nos fins do século
XVI era intensa a atividade missionária desenvolvida por inúmeras
ordens religiosas, principalmente franciscanos e dominicanos –
além dos jesuítas, notáveis evangelizadores, – e o culto às imagens
tornou-se um dos meios mais utilizados na conversão dos gentios.
Como foi dito anteriormente, a grande aventura dos
portugueses na Índia não foi meramente uma empresa
mercantilista, mas também e principalmente uma missão
evangelizadora. O catolicismo empenhava-se no esforço de conter
os ventos da Contra Reforma que abalavam os alicerces do
Vaticano. Desse modo o importante não era simplesmente
conquistar impérios, mas principalmente arrebanhar almas a
serviço de Deus, na salvação pela fé.
Retomava-se, mais uma vez, a messiânica ideia da fundação do
Quinto Império que viria colocar Portugal no mesmo patamar atingido
pelos antigos impérios: o Assírio, o Babilônico, o Grego o Romano.
Para que esse sonho viesse a se realizar, no entanto, era preciso afirmarse a hegemonia portuguesa, pela espada e pela oração.
A chegada dos portugueses na Índia e o intenso processo de
colonização e catequese que se seguiu, contribuíram para o
surgimento de uma arte que incorporava antigos procedimentos
a novos motivos criando uma intensa fabricação de imagens de
marfim de inspiração cristã, embora fortemente influenciadas,
em sua concepção estética, por cânones orientais de representação.
É difícil mensurar a febre evangelizadora de que foram
acometidos os missionários que aportavam aos milhares no grande
Império Português do Oriente. Para se ter uma ideia, só em Goa,
a capital desse império, em 1548, Frei Aleixo de Setúbal, em apenas
três anos, ministrou o batismo a 7.000 almas.
Centenas de Igrejas, Centros de evangelização, Conventos,
Colégios e Seminários, todos empenhados em difundir a fé cristã
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e arrebanhar o maior número possível de fiéis, foram construídos.
Era necessário e urgente proceder-se a conversão do gentio e
certamente uma das formas mais eficiente de introduzi-los no
conhecimento da doutrina era através da reverência a imagens
que servissem de ilustração às palavras dos missionários.
Mais do que nas ideias, difíceis de propagar sem o
conhecimento da língua, o aprendizado, nos primeiros, tempos
apoiava-se nas figuras. Aproveitando a natural tendência à
representação iconográfica dos povos a serem conquistados, a
atividade missionária utilizava-se principalmente de imagens dos
santos das devoções portuguesas, criando dessa maneira um
primeiro canal de entendimento e aceitação entre povos de cultura
aparentemente tão diversa.
A utilização de técnicas e materiais locais, por artesãos
autóctones, sob a inspiração cristã ocidental, deu origem a uma
proposta especial de arte em que se encontram, integrados,
elementos essenciais de cada cultura, fazendo com que nessas
pequenas esculturas anônimas, estivessem inscritos os signos dessa
pretendida comunhão.
A leitura da doutrina era feita de maneira que pudesse ser
assimilada, ao menos parcialmente, pelos recém convertidos que aos
poucos iam tentando uma aproximação entre a nova religião e o
repertório de antigas crenças num sincretismo que se torna mais
evidente quando traduzido nas características das imagens produzidas.
Como a Metrópole já não conseguisse atender às solicitações
vindas das colônias, incrementou-se o aproveitamento das oficinas
locais para suprir a demanda, sempre crescente, de imagens que
servissem à catequese.
Essas imagens, produzidas nas colônias da Ásia, principalmente
no Indostão continental e na ilha do Ceilão (atual Siri-lanka),
genericamente denominadas, respectivamente, indo-portuguesas
e cíngalo-portuguesas, evidenciam de forma inequívoca a
permeabilidade de culturas diversas, integradas na realização de
um objetivo comum de expressão artística.
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A principio denunciando, na rigidez de sua concepção e nos
traços fisionômicos, o apego aos modelos orientais, pouco a pouco
essas esculturas foram evoluindo para um talho mais livre, mais
próximo à estética europeizante, que vai se afirmando através de
várias gerações de entalhadores.
O aprimoramento das técnicas, a assimilação dos motivos
religiosos e do espírito da Renascença, que então eclodia na Europa,
estão sinalizados em detalhes do vestuário, no desenho dos cabelos,
na própria postura das imagens que, a princípio hieráticas, vão se
distanciando cada vez mais do protótipo europeu anteriormente
produzido segundo os cânones rígidos da Idade Média.
Por inspiração da Contra-Reforma, investia-se na propagação
dos dogmas do catolicismo, entre eles o culto à Virgem Maria,
através da fabricação de milhares de imagens de Nossa Senhora,
representada sob as mais variadas invocações, não só na
Metrópole, mas igualmente nas colônias nas quais ia-se
cristalizando uma arte da imaginária que, mais tarde, seria
genericamente denominada de indo-portuguesa.
Além das imagens da Virgem, também foram fartamente
reproduzidas na iconografia dessa época, as imagens do Bom
Pastor, com suas peanhas, ricamente trabalhados, e do menino
Jesus Salvador do Mundo, assumindo muitas vezes posições
características da figura do Buda.
A intensa movimentação empreendida entre a Metrópole
lusitana e suas colônias, permitiu a expansão do comércio e,
consequentemente, a troca de produtos entre os vários portos
sob a sua jurisdição.
No Brasil a entrada da cultura indo-portuguesa se fez
principalmente através da Bahia, pelo porto de Salvador, então
chamado de porto da Bahia e daí, seguindo as pegadas naturais da
colonização, foi-se entranhando pelas terras do recôncavo baiano,
através do curso dos rios que desembocam neste grande estuário.
Caravelas carregadas de louças, sedas, especiarias e outros
produtos de procedência das colônias do Oriente, aportavam na
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Bahia, no Brasil, onde se abasteciam de água e víveres e também
de mercadorias que iriam desembarcar em Lisboa, ao tempo em
que supriam a florescente cidade do Salvador das preciosidades
trazidas do outro lado do mundo; entre elas, as imagens de marfim
fabricadas nas feitorias do Oriente.
A Bahia do Setecentos foi um importante pólo de comércio
das pequenas esculturas religiosas esculpidas em marfim, que era
empregado igualmente na feitura de pés, mãos e rostos de imagens
executadas em madeira.
Por suas dimensões, essas discretas preciosidades deveriam reinar
em ambientes domésticos, no agasalho dos nichos, em oratórios
particulares, na cabeceira dos monges, nas capelas, enfim, em todos
os lugares onde se fizessem necessárias ao culto e à oração.
Por esse motivo é difícil encontrarem-se imagens de marfim
na monumentalidade barroca das igrejas baianas. Uma exceção é
o crucificado da Igreja da Misericórdia de Salvador, Bahia, imagem
rara pelas suas dimensões, destacando-se soberana entre volutas
e colunas e dominando toda a capela-mor.
Provavelmente, assim como as imagens, também aqui devem
ter aportado os artesãos que as esculpiam, mas ao contrário de
Lisboa, onde se encontram registros de oficinas especializadas
no talho do marfim, no Brasil, ao que parece, não existem provas
da existência de oficinas para esta finalidade. Talvez tenha
concorrido para isso, além da dificuldade de aquisição do material
a ser trabalhado, a facilidade com que as imagens podiam ser
importadas de seu lugar de origem.
Ao que parece a maioria das imagens fabricadas na Bahia eram
feitas de madeira com rostos e mãos de marfim o que lhes conferia
grande beleza e originalidade. E reconhecidamente os grandes
escultores especializados em fabricar imagens em barro cozido
de que são notáveis exemplos as imagens de Frei Agostinho da
Piedade. As realizações em tamanho natural para guarnecer altares
das inúmeras igrejas atestam a existência de oficinas e santeiros
na cidade do Salvador mas acredito que não havia, como nas
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colônias do Oriente, uma predominância especial na produção
de imagens de marfim
No entanto é preciso salientar que os estudos e pesquisas sobre o
assunto são relativamente recentes e não me consta que existam
trabalhos já realizados, ou em andamento, sobre esta atividade, na Bahia.
Desse modo podemos afirmar, embora sem comprovação, que a
maioria das peças encontradas no Brasil é de procedência oriental, marcos
de um sonho de conquista que, se não se realizou na consolidação
do grande império, deixou sua pegadas em quatro continentes.
REFERÊNCIAS
TAVARES E TÁVORA, Bernardo Ferrão de. Imaginária luso-oriental. Coleção
presenças da imagem - Imprensa Nacional Casa da Moeda. Edição sob os
auspícios de comissariado para a XVII exposição europeia de arte, ciência e
cultura. Lisboa 1983 - Conselho da Europa.
PAULINO, Francisco Faria (coordenação e textos). A expansão portuguesa e a
arte do marfim. Fundação Colouste Gulbenkian. Comissão Nacional para as
comemorações dos descobrimentos portugueses. Lisboa, 25 de junho a 15
de setembro de 1991.
WOODHOUSE ,Charles Platten . Ivories - A history and guide. Van Nostrand
Reinhold Company: New York, 1976.
Museu dos Transportes e Comunicação. Arte do Marfim. Porto, 1998. Catálogo
de Exposição da Coleção de José Luiz de Souza Lima.
Centro Cultural Banco do Brasil - Museu Rio de Janeiro. Arte do Marfim: Do
Sagrado e da História na Coleção Souza Lima do Museu Histórico Nacional. Catálogo
de exposição. Rio de Janeiro. De 13 de outubro a 19 de dezembro de 1993.
Curadoria e texto Lucila Morais Santos.
Marfins d'Além-Mar no Museu de arte antiga Lisboa. Texto de Maria Helena Mendes
Pint. 1988.
__________
Myriam Fraga é diretora da Fundação Casa de Jorge Amado (FCJA), é poeta
e ficcionista, autora de diversos livros, como Poesia Reunida (2008). Ocupa a
cadeira 13 da ALB.
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Entre rosas brancas e rubras:
“O dia do aniversário de Odete”,
conto de Luis Henrique
Cássia Lopes
Como pensar uma data e o que ela significa para cada face hu-
mana? Os marcos de comemoração, de uma maneira geral, são
atribuídos alheios à vontade do sujeito, referem-se aos dias vagos, impostos como convenções sociais que podem apenas trazer a alegria por ser um feriado ou ainda podem guardar o sentido celebratório inócuo para aquele segmento objeto de tal episódio festivo. Destoando um pouco desse âmbito, encontra-se o
dia do aniversário. Neste caso em particular, parece haver um
sentido simbólico: o do nascimento e, portanto, pede de cada
rosto certo contato com o mundo social ou, no mínimo, imaginariamente, recorre à lembrança daqueles a quem se atribui o
valor afetivo das amizades e do amor. Por outro lado, essa data
também pode suscitar do aniversariante a necessidade de refletir
sobre sua história, ou mesmo demonstrar o interesse de se evadir
da previsibilidade dos gestos e de falas esperadas para esse dia.
Por todos esses signos, nota-se uma ambivalência: há quem se
entusiasme e crie expectativas em torno dessa data, mas existem
aqueles a quem esse dia traz enorme incômodo. É exatamente
nesse contexto ambivalente que se insere a riqueza de imagens e
os diálogos do conto de Luis Henrique Dias Tavares: “O dia do
aniversário de Odete”.
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É impossível reduzir uma biografia a uma simples data
comemorativa, mas este é o desafio a que alguns artistas se
propõem. Como traçar as nuances biográficas a partir apenas de
um flash de realidade, no recorte do pão que alimenta o cotidiano?
Odete é uma administradora hospitalar que vive sozinha com
sua mãe idosa e duas auxiliares domésticas. Ao longo de vinte
anos, construiu íntima relação com uma médica ginecologista,
chamada Ana, com quem divide seus aniversários há duas décadas:
trata-se de uma trama amorosa, suas vidas aparecem emaranhadas
no conto, estendendo-se durante uma longa jornada de
convivência que, engenhosamente apresentada em cenas furtivas,
deixa ver os limites, a impossibilidade da entrega completa das
amantes.
Os quarenta anos de Odete, personagem do conto, permitem
rastrear denso tecido de valores, de cunho psicológico, moral,
religioso, político e social em apenas um lapso de tempo. O
episódio inicia-se às seis horas da manhã e conclui sua trama às
nove e trinta minutos daquela mesma manhã, caracterizando tão
bem este tipo de narrativa curta. Nesse breve espaço de tempo,
vai ser apresentada ao leitor a travessia de Odete até chegar aos
quarenta anos de vida. O aniversário emerge, portanto, como
mote para a apresentação da personagem: ela própria é
desconhecida para aqueles com quem convive diariamente, e
aquela data presume um convite para a redescrição daquele
personagem diante de seus hábitos.
No ritmo intenso dos telefonemas de Ana, situa-se o enredo
da narrativa: entre a rotina das duas amantes e a diferença na
forma como cada uma delas vive o sentimento amoroso, no modo
diverso de se posicionar frente à outra. Ana mostra-se mais certa
do seu desejo e assume um andar mais decidido e ansioso em
relação a Odete. Desde as seis horas da manhã, acorda movida
pelos preparativos daquele esperado encontro, numa cegueira
impulsionada pela paixão e pela promessa de felicidade acenada
pelo amor: a ânsia de Ana a impede de ver que a amante não
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gosta de acordar cedo, muito menos demonstra entusiasmo pelo
dia do aniversário. Parece que Ana utiliza um idioma e Odete
outro, mas elas se mostram inseparáveis, embora uma imagine
saciar a outra com todos os mimos cabíveis às relações amorosas
idealizadas.
Baseada em diálogo despretensioso com um amigo médico,
Ana constrói a teoria do enlace amoroso a partir dos meandros
da pele: nesse domínio da cútis, duas pessoas podem ser
diametralmente opostas, mas se permitem estar distante do duelo
e da inimizade; pois como diziam aqueles versos de Manuel
Bandeira: “Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo/
porque os corpos se entendem/ mas as almas não.”1 Aqui, no
entanto, mostra-se o conflito: Odete não consegue entregar-se
completamente à outra, ajustar-se a uma cena de abertura para
os segredos guardados, levando Ana a indagar, por instantes, o
motivo de o abraço não se desenvolver para um encontro mais
intenso e livre entre as duas.
Nesse arco de reflexão, entra um aspecto que vai irrigar a leitura
deste conto: o problema do laço, do elo. Torna-se claro que o
interesse do autor não é idealizar uma relação dita homossexual
como o lugar da diferença absoluta, do exercício de liberdade
para além da lógica patriarcal, numa contraposição simplista ao
casamento heterossexual. O escritor leva-nos, felizmente, a romper
com esse binarismo redutor para trazer a complexidade presente
nas relações humanas: estas, paradoxalmente, podem libertar e
aprisionar ao manter as pessoas nos seus mesmos lugares, quando
encenam os papéis já previsíveis na cena social e, ao mesmo tempo,
galvanizam as funções para os atores no palco familiar. Desse
modo, a questão posta sobre a mesa refere-se aos modos de
perpetuação dos gestos, a disposição corporal que descansa sobre
as mesmas práticas diárias durante anos, as roupas escolhidas à
revelia do desejo de quem dela faz uso; tudo aquilo que se mostra
como âncora e impede o sujeito de revirar as águas de sua história
individual e coletiva.
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Por esse ângulo, a ambiência do conto, os signos e as imagens
que constituem o aniversário de Odete, sua falta de entusiasmo
diante do rosto da mãe e das auxiliares, o vestido dado, a agenda
organizada pela outra – Ana –; toda essa montagem de elementos
permite assinalar para uma problemática desenvolvida nessa
narrativa: a questão do elo, das relações de poder na rede amorosa,
aquilo que leva alguém a estar ao lado de outro no decorrer do
tempo. No caso em análise, vê-se que o laço de Odete por Ana
dá-se menos na esfera da paixão desmedida e mais no abraço
cômodo do habitus, sendo aquilo que leva o corpo a perseverar
no cotidiano das representações, na hexis da conformação dos
gestos, submetidos às limitações impostas pelo trabalho, pela casa,
pelo campo social.2 O sujeito, nesse caso, recebe o que lhe dão e
aceita todos os presentes como uma maneira simples de suportar
a existência, de conferir segurança diante dos reveses, dos conflitos
e das angústias inesperadas.
Nesse contexto de Odete, o elo interpessoal foge a uma análise
maniqueísta; ele não é em si um mal ou um bem, mas traz a
névoa da neutralidade. Parece que tudo ali se passa à revelia de
Odete, como ela se representa numa determinada posição frente
ao mundo, e o desejo vai sendo negado em nome dessa disposição
para receber, para acolher o quem vem do outro. A marca da
indiferença faz-se constante e leva cada corpo a se orientar no
espaço, a se perder no passado, negando ao presente a sua
capacidade de atuação.
Se a hexis do corpo é estruturante, por outro lado carrega a
força inibidora, que estaria mais a serviço da perpetuação da
espécie e menos da criação. As portas, no entanto, não estão
completamente fechadas para Odete, porque há a memória
involuntária; há o impensado na própria personagem, algo que
foge ao seu controle. Assim, quando ela recebe o ramalhete de
Ana, ela lembra de separar duas rosas: uma rubra, outra branca,
tal como o pai a presenteava costumeiramente. Assim, no presente
dado, a memória recorta uma cena do passado, atualiza e revira o
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túmulo do pai na imagem transposta para o médico por quem
Odete demonstra, no mínimo, uma relação de transferência
amorosa.
No quadro pintado para o aniversário, surge um ramalhete de
quarenta rosas, em dois tons: rubro e branco, mas a moldura não
guarda somente a imagem das flores. Delineia-se também uma
metáfora do que se passava com as duas personagens, imersas e
encontradas em suas diferenças; por outro lado, remete ao dado
biográfico de Odete, que costumava receber do pai sempre duas
rosas com esses mesmos tons: um sinal profético do que
aconteceria em sua vida ou a inscrição de uma marca, insígnia do
feminino que, no seu contraponto, remeteria à inscrição
inconsciente do signo dito masculino: uma oferenda à filha como
simbologia da feminilidade enquanto construção cultural e
histórica. O certo é que o pai morto reaparece em cena no dia do
aniversário de várias formas e não só pela via da memória trazida
pelas flores:
Mas, como responder àquele homem que lhe aparecera
num acaso (ele era o único médico no hospital na noite em
que o pai começava a morrer); àquele homem gentil para quem
agora colocava rosas na mesa; como lhe dizer que existia Ana
e que Ana era tudo?
Com os dedos lambuzados de manteiga, Odete lambeu-os.
Nessa cena, a atmosfera familiar é fraturada pela memória
involuntária. No seu trajeto pelo passado, Odete chega à imagem
do médico que havia cuidado do pai no hospital. Esta mesma
memória confere o sentido metafórico para a maneira como
Odete lambe os dedos lambuzados de manteiga, símbolo fálico,
a indicar uma nítida montagem erótica, que também acentua a
atitude de transgressão diante da imagem da amiga/amante,
dedicada e ansiosa, cujo desvelo acaba também por asfixiá-la.
Aqui o sujeito perde-se na força de descontinuidade do tempo,
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com a qual se permite ruminar imagens e romper os hábitos no
jogo erótico, motriz e transporte para o deslocamento do sujeito
frente a seu desejo.
Odete não abre o cartão preso ao ramalhete, gesto silencioso,
revelador da previsibilidade e do descaso diante da médica amante.
O desenho do enamorado revela-se mais em Ana, na sua vontade
de agradar, na sofreguidão em possuir o outro, enquanto Odete
enreda a fantasia erótica, no espelho da própria imagem que a
faz desejar outro, que não Ana. Assim, revela-se o conflito, a
ambivalência apenas vista pelo leitor. Há uma representação que
Odete assume para Ana: ela declara que nunca se envolveu com
homens, mas a travessia pela narrativa demonstra o contrário: já
havia se envolvido com um amigo do pai e foi ao apartamento a
convite dele:
Ele fora gentil. Mas a despira com rapidez e a carregara
para o pequeno sofá ao pé da parede. Despira-se também,
mas se mantivera de cueca. E ali, naquele apartamento, quando
o homem não fugira à urgência, ela trançara as pernas. Ele
ejaculara sobre suas coxas. Como todos os outros...
Sem emendas, como a túnica inconsútil usada pelos
personagens próprios a contos bem elaborados, é formidável
andar pela maneira como o escritor costura tão bem as cenas e as
imagens, ao explorar de forma laboriosa as ambiguidades das
montagens narrativas, levando o leitor a se surpreender e a pensar
de outro modo. O pai de Odete não aparece simplesmente como
fantasma, mas como inscrição que traz as suas identificações e
modulagens culturais. O pai está morto, porém vivo na memória
involuntária; já a mãe apresenta-se corporalmente viva, fala e se
comunica em dia do aniversário de Odete, contudo se mostra
negada, desqualificada no quadro de idealizações afetivas da filha.
Observa-se, dessa maneira, um jogo de ausência e presença, que
remonta também ao conflito da personagem: o que está na ordem
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do possível é negligenciado ou pouco vivido – enquanto
possibilidade real de usufruto da presença do outro –, no entanto
o que se mostra ausente – o pai, o médico – são trazidos
imaginariamente como maneira de ativar e se consumir no desejo
irrealizável.
Se a união das amantes dá-se geralmente sob o crivo do
erotismo, numa luta constante contra a morte e ativação da
vontade de viver o desejo, por outro lado o erótico, segundo
George Bataille, ativa também o signo da morte ao se tentar ser
um com o outro: “parece a quem ama que só o ser amado pode,
neste mundo, realizar o que os nossos limites proíbem, ou seja, a
plena confusão entre dois seres, a continuidade entre dois seres
descontínuos”.3 Assim, Ana move-se pelo impossível, o querer
possuir Odete, um acordo irretocável de vidas aleatórias, fusão
pretendida em meio às condições familiares desconhecidas que
levam a outra a seu total desconhecimento.
Nessa angústia própria das amantes, Ana aposta na força
persuasiva dos hábitos construídos durante vinte anos: a exigência
dos corpos decorre também de uma prática contínua vivida no
cotidiano, muito embora traga a ameaça súbita da separação. O
horizonte mostra-se inseguro exatamente quando as relações
perseveram, sem que se abra o campo de atuação para aquele
que vive o relacionamento amoroso: assim, a trama das
personagens descortina o declínio da cultura do binômio
homossexualismo/ heterossexualismo para, justamente,
ultrapassar a cartografia dos preconceitos que se alimentam desta
dicotomia e, nesse acorde narrativo, ampliar o exercício de
liberdade de diferentes personagens, para além deste conto,
tirando-as do solo da estagnação.
Se o lume do desejo alimenta-se, para alguns viventes, de uma
impossibilidade, o conto retorna a reflexão quando esta
impossibilidade também é construída por fatores históricos, de
identificações que impedem a esfera de atuação do desejo na
síncope da fala, no estado de ausência diante também das cenas
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oferecidas pelo drama familiar. Assim, o jogo do aniversário de
Odete afirma-se entre a ausência/presença do pai morto –
expresso no desejo declarado de visitar o túmulo do pai – e a
mãe viva e, ao mesmo tempo, morta, rejeitada no descaso de
seu delírio, muitas vezes lúcido. Assim, dá-se um conflito na
ordem do familiar e do cultural que ecoa na escolha amorosa de
Odete.
Não se trata de mergulhar nas profundezas desta personagem,
numa análise interminável, para identificar suas nuances histéricas.
É apenas um flash de uma vida com toda a sua complexidade,
uma história alcançada não só pela indagação de sua biografia,
pela reflexão entre a atividade sexual e a atividade erótica, na
eliminação dos preconceitos enraizados culturalmente, mas se
trata de ver como as mãos do imaginário, neste conto – esta
imagem das mãos é bem explorada na narrativa – encenam o seu
conflito. A metáfora do côncavo das mãos se por um lado traz o
tema da ausência, a dobra uterina, enquanto construção ontológica
do sujeito historicamente forjado como feminino, por outro lado
traz, nos dedos, o tema da presença do falo. O falocentrismo
compulsório, entendido atualmente nas suas relações de poder e
requisitado pela revisão de preceitos e normas que acabam sendo
colocadas criticamente pelo conto.
Assim, o desfecho da narrativa, na imagem desconcertante e
risível do “dedo de Deus” é uma saída extraordinária, não só por
trazer a denúncia ao folocentrismo: o dedo de Deus como marca
do impessoal, o símbolo do patriarcado universalmente aceito é
corroído pela vertente irônica e cômica apresentada ao final do
conto. A resposta de Ana ao pedido de Odete mostra-se em um
jogo alegórico que ultrapassa a dimensão da cena narrativa, por
saber atestar não apenas como a categoria “dedo de Deus” está
presente no arquivo daquele corpo de Odete através de discursos
construídos pela cultura: a religião, a família, antropologia que
resgata o Totem da horda primeva, a anatomia estudada na clínica
médica, de que Ana, enquanto ginecologista, tenta rastrear e
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subverter; sim, há isso, mas há a comicidade que desbanca todo
esses preceitos legitimados.
Enfim, o conto é um outro almoço posto sobre a mesa; é rico,
instigante, exatamente porque traz a noção instável sobre as
relações amorosas e sociais, revê naturalizações discursivas ao
afirmar o corpo enquanto arquivo histórico, mas que traz não só
o passado inscrito, mas o impensável. O corpo que abre as portas
para promessa de um futuro, mais heterogêneo, nada binário e
que traga a transfiguração de valores pela arte, pela via da
contingência da linguagem, da ironia e por meio da criação de
um outro vocabulário. A arte de narrar presente no conto de
Luis Henrique Dias Tavares aponta para esta direção: não a
convergência de verdades já instituídas, retomadas nas
acomodações dos hábitos e dos monopólios interpretativos, mas
aposta na imaginação, nas integrações de outras performances:
uma maneira bem diversa de entender as datas de aniversário.
NOTAS
BANDEIRA, Manuel. A arte de amar. In: Estrela da vida inteira. 17 ed. Rio
de Janeiro: José Olímpio, 1990, p. 185.
1
COELHO, Teixeira. A cultura e o seu contrário: cultura, arte e política pós2001. São Paulo: Iluminuras, 2008. p. 28-29.
2
BATAILLE, George. O erotismo. Trad. João Bénard da Costa. 3. ed.Lisboa:
Antígona, 1988. p. 19.
3
__________
Cássia Lopes é ensaísta, cronista, Professora Adjunta do Instituto de Letras
da Universidade Federal da Bahia. Este texto resulta da sua apresentação na
Academia de Letras da Bahia, no evento Encontros Literários, acerca do
escritor Luis Henrique Dias Tavares, em 6 de novembro de 2009.
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Um concerto ao desconcerto
do mundo
ou: Antonio Brasileiro, universal
Alana de Oliveira Freitas El Fahl
Tão frágeis somos! Frágeis e imensos.
Antonio Brasileiro
A contradição é a condição do poeta moderno. Os poetas da
modernidade não mais habitam o mundo etéreo, nem tampouco
usam halos, pois estão imersos no fértil turbilhão das ruas.
Assim é o poeta Antonio Brasileiro, poeta de muitas faces e
homem de muitas artes que apresenta na sua obra poética uma
reflexão lírico-filosófica acerca de um dos motivos literários mais
cantados na literatura ocidental, o desconcerto do mundo. O poeta
explora em sua obra a tentativa vã de compreender a dinâmica
do mundo. Filiando-se à tradição camoniana, a sua poesia reflete
muitas vezes sobre a instabilidade do mundo e a fragilidade da
condição humana, sendo que essa só pode ser superada pela magia
da arte.
Daí a marca da metalinguagem na obra do autor, ele sabe que
a contribuição do artista para os homens comuns é justamente a
sua obra, ainda que incompreendida, ainda que seja um pobre
elefante, ainda que seja inútil a poesia...
O poeta se sabe gauche, se sabe deslocado das engrenagens
vigentes. Porém, como não mais habita o Parnaso, ele convive
com os outros homens, mas não como os outros homens, as
diferenças são divisores de água, ainda que imperceptíveis, como
fica claro no poema Divisor de Águas1 (A pura mentira, 1984):
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Prezados senhores, somos todos
da mesma cepa se vistos de binóculos.
Mas não somos os mesmos.
Eu, com meus poemas indecifráveis
vós, com vossas gravatas coloridas
eu, com esta consciência de mim
vós, com vossa mesa farta
eu, buscando o sempre inatingível
vós, com vossas gravatas coloridas
eu, meditando muito sobre vós
vós, com sua mesa farta.
Não somos da mesma cepa, mas vistos
de binóculo somos os mesmos.
Eis uma grande injustiça.
O poema acima funciona como uma teoria sobre a condição
do poeta no mundo moderno. Vivendo os mesmos reveses dos
mortais comuns, mas com a maldição de pensar demais sobre
aquilo que os outros querem esquecer.
Brasileiro constrói de forma suave uma espécie de cosmologia
do mundo moderno, com seus dramas e sonhos, obviamente não
ergue verdades, pois como ele mesmo já poetizou, a verdade é uma
só, são muitas...
Segundo Otávio Paz2, a poesia moderna reside na tensão entre
a analogia e a ironia, sendo a primeira ecos do pensamento
mítico, resquícios de um universo de correspondências. Já a
segunda, a própria consciência da finitude humana a forja, é
quando o homem se dá conta da sua condição limitada de
mortal.
Essa dialética se faz presente na poética do autor, ao dedilhar
a sua lira, ele busca a compreensão do ser-estar no mundo, nos
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revelando algumas verdades, por vezes relacionadas às mitologias
como no poema Camelot (Licornes no quintal,1989):
Richard Burton acaba de morrer.
Foi pela manhã. Ou à tarde. Não importa.
Um ídolo morre a dez mil léguas de mim
e está tudo muito bem.
Errado fui eu em idolatrar.
Não falarei do ilusório que é tudo.
Apresso-me em viver, só isso.
Recolho-me à minha mesa
Abro o caderno e escrevo
escrevo escrevo escrevo:
sim, eu passarei, meus versos não.
Ó ilusão mínima, ração necessária
para continuarmos.
É interessante no poema a sua construção perfeitamente clara
entre a analogia e a ironia. O título Camelot nos remete aos mitos
pretéritos, reflexo de um mundo analógico que sobrevive no
presente, não mais idealizado pelos heróis das novelas de cavalarias
medievais, mas sim pelos astros do cinema, uma das nossas
mitologias modernas.
Porém, a ironia surge com força no conteúdo do poema que
constata a nossa finitude, a nossa condição imperfeita. Sempre
ameaçados pela indesejável das gentes, não resta mais o que fazer
ao poeta, senão escrever, esse é o seu legado à humanidade, ração
necessária para continuarmos...
Essa mesma relação também se revela no poema Sísifo e a
Lágrima (Cantar da amiga, 1996), no qual o título já denuncia a
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descrença nas utopias, ao atribuir a fraqueza humana, lágrima, ao
mito, Sísifo, símbolo do eterno sacrifício da travessia humana,
como podemos ver no poema:
Há coisas que não decifro.
E nem por isso sofro.
Estar no mundo é que é o
difícil.
O sol é uma bola imensa
Eu, pó de mésons
Em torno a mim nenhuma só
tormenta.
A tarde é linda, pássaros
Chilreiam. Na radiola
Uma sonata para o violino
de Bach.
Neste poema, mais uma vez, a consciência da incompletude
humana retorna. Como sugere Hugo Friedrich3, o homem
moderno vive sob o reino de uma idealidade vazia, e nesse caso
só o canto, seja ele dos pássaros, de Bach, ou da própria poesia
pode esvanecer suas dores. A poesia moderna se sabe imperfeita
na tentativa de ler a complexidade do mundo, todavia ela canta
justamente esse limite, esta tensão, essa impossibilidade.
O poema moderno não mais pode soar como um acalanto,
como uma ode, ele faz parte de um mundo fragmentário, de um
mundo adverso, de um mundo desconcertado, e como não há
como consertá-lo, só lhe resta fazer um concerto para ele, e para
aqueles que ainda são capazes de aprecià-lo, ainda que este
concerto venha na forma de um Poemeto (Cantar de Amiga, 1996):
Não há o que temer
Nem aplaudir.
O que somos é só
Este fremir.
Parte de mim é bela.
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Parte é aquela
vontade de fugir.
Este Poemeto de Brasileiro representa um dos poemas mais
significativos dessa longa tradição de tentar decifrar os códigos
da máquina do mundo, atestando a condição que para T.S.Eliot4
deve possuir um grande poeta, ou seja, tradição e talento
individual.
Porém, como podemos ver, o livro do mundo é indecifrável,
mas nele o nosso poeta também imprimiu seus versos. Também
compôs seu homem, para recitá-lo perante os outros homens.
NOTAS E REFERÊNCIAS
Todos os poemas do autor aqui citados estão reunidos na sua
Antologia Poética. Salvador: Casa de Jorge Amado; Copene, 1996.
1
PAZ, Otávio. A nalogia e Ironia – in Os Filhos do Barro. Trad. Olga
Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
2
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna; da metade do
século XIX a meados do século XX. Trad. Marise M. Curioni e
Dora F. Da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
3
ELIOT, T.S. A Essência da Poesia. Trad. Maria Luiza Nogueira. Rio
de Janeiro: Arte Nova, 1972.
4
____________
Alana de Oliveira Freitas El Fahl é Professora de Literatura Portuguesa da
Universidade Estadual de Feira de Santana, é Doutora em Teorias e Críticas
da Literatura e da Cultura (UFBA) e Mestre em Literatura e Diversidade
Cultural (UEFS).
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Aleilton Fonseca:
o engenho do faz-de-conta como
aprendizagem da vida
Rita Olivieri-Godet
“E
u narro, no gosto de contar o causo, até melhor que a
realidade. A cura de tudo é o jeito de contar. Acredite se quiser,
até no faz-de-conta a gente aprende o que é a vida”, afirma a
narradora de Nhô Guimarães,1 revelando o que para mim constitui
o cerne do processo de criação de Aleilton Fonseca, a alavanca
que o impulsiona a escrever: narrar para ir além do sem sentido
da vida, imprimindo-lhe a força da descoberta do novo nas nossas
retinas tão fatigadas (tomando emprestado a expressão ao poeta),
transformando o ato de narrar, a um só tempo lúdico e sofrido,
na essência mesmo da experiência de aprendizagem da vida. Claro
que a literatura e a arte de uma maneira geral conduzem o ser
humano a fazer esse tipo de experiência, mas o que quero ressaltar
aqui é o lugar central que esse modo de conceber a literatura
ocupa na obra de Aleilton Fonseca. Além de constituir sua
motivação primeira, desdobra-se na temática e na arquitetura da
obra, como revela a dimensão metadiscursiva de sua narrativa e o
estatuto particular do narrador que aponta para o entrelaçamento
entre experiência e escrita.2
A edição bilíngue da antologia de contos As marcas do fogo &
outras histórias deste jovem escritor brasileiro, nascido na Bahia em
1959, permite que leitores brasileiros e franceses mergulhem num
“tempo de vivências” que os leva a usufruir plenamente de uma
experiência única: o prazer que emana de um texto literário cuja
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fatura explora, com maestria, o poder mágico da linguagem e os
artifícios da arte de narrar. Para os leitores franceses, a edição de
Les marques du feu (Paris: Lanore, 2008), em tradução de Dominique
Stoenesco, foi oportuna por permitir o contato com a obra de um
escritor que cada vez mais vem se firmando no cenário artístico de
um país que prima pela qualidade e pela originalidade de sua
produção literária. Para os leitores brasileiros, o reencontro com
esse conjunto de contos rigorosamente selecionados por um leitor
estrangeiro pode igualmente levar a novas descobertas que o prazer
de reler bons textos sempre proporciona. Poeta, contista e
romancista, Aleilton Fonseca é também professor de literatura
brasileira e crítico literário, além de editor da revista Iararana - revista
de arte, crítica e literatura (Salvador).
Sabe-se que um grande escritor é antes de tudo um bom leitor.
Aleilton Fonseca busca estabelecer na sua obra um diálogo
profícuo com a tradição literária universal. Cultiva com talento a
herança do gênero do conto, tanto na sua forma tradicional e
popular, marcada pela importância da intriga que se deixa
atravessar pela oralidade, quanto pela herança moderna que se
manifesta, sobretudo, na perda da inocência do ato de narrar, na
dimensão poética e/ou ensaística dos textos, na arquitetura enxuta
dos seus contos, assim como no relato de fatos aparentemente
anódinos para deles extrair a dimensão oculta significativamente
existencial e até mesmo metafísica, à maneira de um Machado de
Assis. Dessa conjunção de tradições surge um texto original.
Apoiado numa engenhosa construção da intriga – inspirada no
modo tradicional de narrar próprio das fontes populares que
alimentam o universo do autor – pontuado por um metadiscurso
que reflete sobre o modo de narrar, o texto explora dessa maneira
a natureza das relações entre o real e a ficção. Daí decorre o
desdobramento do narrador característico de um número
expressivo de contos nos quais um narrador letrado compartilha
o narrar com um narrador iletrado que lhe transmite o “causo’ a
ser narrado, ou a vivência que vale a pena ser evocada. Em vários
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textos, ouve-se apenas a voz do narrador iletrado que dirige a
palavra a um interlocutor urbano reduzido ao silêncio, mas cheio
de admiração pelo que vai descortinando através do caso narrado.
À sua maneira, o escritor busca realizar a síntese entre os
imaginários arcaico e moderno que moldam referentes identitários
diversos e constituem o patrimônio cultural do Brasil.
A maior parte dos relatos são apresentados como oriundos de
vivências do autor, inserindo no universo ficcional a figura do
escritor enquanto personagem, recorrentemente representado
como um viajante à procura de vivências e conversas, em busca
de “um conto que [eu] pudesse escrever” (“Jaú dos bois”). Essa
flutuação de instâncias ficcionais que tende a abolir as fronteiras
entre autor, narrador e personagem, além de refletir sobre o lugar
da enunciação e a identidade complexa de quem a assume,
preocupação característica da narrativa contemporânea, faz com
que a voz que emana do texto circule tanto nos espaços de tradição
oral e popular do interior do Brasil como nos da modernidade,
traduzindo experiências, olhando criticamente as novidades da
cidade grande e dos hábitos modernos. Essa é a perspectiva
trabalhada no conto “O desterro dos mortos” que, com ironia
sutil, questiona “a lógica dos procedimentos e da forma de morrer
modernos”. O conto examina, sob aspectos diversos, o caráter
inexorável da morte, um dos temas centrais da obra do escritor.
Artífice e mago, Aleilton Fonseca explora aspectos de um
imaginário arcaico que aflora numa linguagem rica em
neologismos e ancorada numa sintaxe inusitada, na trilha do
caminho inaugurado por João Guimarães Rosa, a exemplo do
texto “Nhô Guimarães” que encerra As marcas do fogo & outras
histórias. Numa linguagem extremamente inventiva e saborosa, o
texto realiza um reaproveitamento lúdico dos dados biográficos
do escritor mineiro, faz uso de procedimentos narrativos próprios
de sua obra, explora as relações entre experiência e relato.
Consegue dessa maneira recriar uma atmosfera rosiana num texto
que não é mais de Rosa, radicalizando assim o diálogo intertextual
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na experiência de falar o outro sem ser o outro. Texto que nos
leva a refletir sobre a própria identidade da voz autoral e sobre as
questões levantadas por T. S. Eliot no ensaio em que discute as
relações entre talento individual e tradição literária.
Sua obra dialoga igualmente com a tradição literária baiana e
é possível ler nos seus contos alusões explícitas e implícitas, às
obras de escritores como Castro Alves, Herberto Sales, ou Jorge
Amado. Um procedimento caro ao menino grapiúna amadiano
encontra-se na referência ao menino que observa e testemunha
fatos que serão relatados pelo “narrador do futuro”, no conto
“O canto de Alvorada”. Um dos elementos centrais que as obras
de Jorge Amado e Aleilton Fonseca compartilham consiste no
fato de se alimentarem de experiências vividas junto a
comunidades ancoradas em tradições populares e de se colocarem,
enquanto sujeitos escritores, como mediadores dessas vivências.
Homens urbanos, modernos, mas que trazem em si as marcas
dessas referências culturais, sujeitos culturalmente híbridos que
constroem suas obras a partir de conexões que estabelecem entre
as culturas acadêmica e popular.
Aleilton Fonseca explora a memória literária partindo de um
esteio sólido para inaugurar uma voz própria, demarcando-se
corajosamente dos modismos que afetam uma certa produção
literária contemporânea que se compraz em participar do universo
da encenação espetaculosa. Eu diria que diante da vulgaridade e
da banalidade que tomaram conta de um determinado tipo de
produção “pós-moderna”, a narrativa de Aleilton Fonseca pode
parecer anacrônica. No entanto, em vez de ser visto como um
defeito, esse traço pode ser um mérito: estar em desacordo com os
usos e costumes de uma moda imposta pela lógica do mercado,
que corresponde, na verdade, aos usos e costumes de nossa época,
é para mim, uma atitude louvável.
Buscando o efeito oposto ao do impacto chocante ou ao das
emoções de superfície, a narrativa de Aleilton Fonseca constróise quase em surdina, com extrema delicadeza e apurada
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sensibilidade. Alguns contos perseguem particularmente a
intensidade da aura poética. É o caso de “O sorriso da estrela”
no qual a lavra lírica do discurso penetra no mundo das fantasias
infantis e das brincadeiras inocentes, instaurando uma atmosfera
onírica que contrasta com a dureza da realidade e a dor da perda
de um ser amado. O estranhamento provocado pelo imaginário
infantil e delirante da menina Estela remete para a abrangência
do espaço mágico da ficção, para a capacidade que esta tem de
contemplar “a vontade de se ampliar”3, alargando a percepção
do sujeito e levando-o a ultrapassar o horizonte do possível.
Em contato com a obra de Aleilton Fonseca, nós, leitores
“pós-modernos”, redescobrimos encantados que o mundo é
plural, a realidade é múltipla e que um outro modo de olhar o
mundo é capaz de nos fazer enxergar qualidades e valores do
ser humano que se fazem cada vez mais raros no nosso
quotidiano de simulacros de emoções. De repente nos
redescobrimos sensíveis, através dos personagens dos contos
do escritor baiano, seres capazes de amar intensamente e de
cultivar sólidas amizades, pessoas solidárias que se emocionam
com as coisas simples da vida, que sofrem com as perdas, mas
que aprendem com elas, gente capaz de vasculhar a memória
do passado para reviver momentos excepcionais, de dor ou de
prazer, incorporando-os ao presente, redimensionando o tempo,
personagens que se abrem para o espaço do sonho. Mas atenção,
não se trata de uma visão idílica da condição humana. Em vez
disso, o que Aleilton Fonseca projeta no seu universo ficcional
é uma visão complexa, pluridimensional do ser humano. Assim
por exemplo, o conto “O canto de Alvorada”, centrado no relato
de uma rinha de galos, encenação alegórica do potencial de
violência próprio da condição humana, afasta-se da
representação estereotipada e linear característica da atual forma
de tratamento dessa temática, restabelecendo a dimensão
contraditória inerente a todo ato humano. Fica evidenciado o
efeito especial que o conto explora a partir de registros
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contrastantes. O realismo cru das descrições da briga dos galos
e das manifestações violentas da plateia alterna com o registro
lírico característico da evocação do amor desmedido que os
donos nutrem pelos seus galos. O mesmo lirismo é utilizado
para lembrar o respeito que os protagonistas demonstram ter
por um ritual que lhes foi ensinado pelos seus pais e que se
transforma assim num legado afetivo e cultural.
O narrador dos contos de Aleilton Fonseca vai construindo
pontes entre o espaço público e o espaço íntimo do sujeito. Em
“As marcas do fogo”, a viagem baudelairiana que o narradorpersonagem realiza pela paisagem urbana de Salvador é duplicada
pela viagem interior provocada pelo encontro inesperado da
paixão. O lirismo emerge na evocação da paisagem urbana
vislumbrada por um “viajante na sua própria terra”, um flâneur
que se abandona docemente ao acaso e acaba descobrindo os
turbilhões da paixão. Nos contos desse autor, a viagem no espaço
e no tempo, revolvendo o “velho baú de lembranças”, constitui a
matéria da escrita que surge como um espaço de mediação a partir
do qual o sujeito interroga o mundo e se auto-questiona. Instaurase assim um fluxo contínuo entre a experiência vivida que dá
origem ao texto e o texto que alimenta e busca o sentido da vida.
Afinal, a vida é o que se pode contar, ou, melhor dizendo, é o que
merece ser contado. Vida e relato encontram-se assim
inextricavelmente entrelaçados, cabendo à memória ocupar um
lugar central nesse processo de (re)construção de sentidos que o
narrador faz questão de compartilhar com o leitor.
“Nem toda experiência que se vive merece uma narrativa”,
afirma o narrador benjaminiano de “As marcas do fogo”, história
de amor que também pode ser lida como uma mise en abyme do
próprio processo de criação literária tal qual o autor o concebe.
Escavar a palavra para transformá-la em experiência rara, eis o
que persegue Aleilton Fonseca, consciente de que narrar e viver
se assemelham nas escolhas perigosas (no sentido rosiano) que
nos impõem para vivenciar experiências plenas.
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NOTAS:
Texto incluído na edição bilíngüe (francês/português) da antologia de contos
As marcas do fogo & outras histórias que faz parte do romance homônimo escrito
em homenagem a João Guimarães Rosa, lançado em 2006.
1
Sobre o papel do narrador nos contos de Aleilton Fonseca e sua vinculação
com a perspectiva teórica desenvolvida por Walter Benjamin no seu célebre
ensaio, remeto ao posfácio intitulado “O conto de Aleilton Fonseca: a
permanência do narrador”, de autoria de Rita Aparecida Coelho Santos, in
Aleilton Fonseca, O desterro dos mortos, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001,
p. 113-121.
2
3
“As marcas do fogo”.
Rita Olivieri-Godet é Doutora em Letras (USP), com Pós-Doutorado na
França, é professora titular de Literatura Brasileira na Universidade Rennes 2
(França), tem diversos artigos e livros publicados no Brasil e na França. É
autora do ensaio premiado pela UBE-RJ, Construções identitárias na obra de João
Ubaldo Ribeiro (2009).
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O nervo do conflito
Fenecimento e vitalidade na poesia
de Ivan Junqueira
Ricardo Vieira Lima
mas quem te contemplasse saberia
que eras enfim o nervo do conflito
Ivan Junqueira
(Soneto “XIII” A rainha arcaica )
A morte, enquanto símbolo, representa, em regra, o perecimento
e a destruição da existência. Ela designa o fim absoluto de todas
as coisas. Mas é também a introdutora ao mundo desconhecido
do Inferno ou do Paraíso. Nesse sentido, ela é revelação e
introdução. Filha da noite e irmã do sono, a morte desde sempre
tem sido objeto das reflexões dos homens nos campos científico,
religioso, filosófico ou artístico.
Sob outro aspecto, em todo ser humano, durante todos os
seus níveis de existência, simultaneamente coexistem a morte e a
vida, configurando uma tensão entre duas forças contrárias. É a
partir dessa tensão que a morte adquire um sentido iniciático de
renovação e renascimento. Mors janua vitae (a morte, porta da
vida). E é dessa tensão, desse “nervo do conflito”, enfim, que se
abastece e se funda a singular obra poética de Ivan Junqueira.
Conquanto os quatro temas básicos dessa poesia sejam a tensão
morte/vida; o fluir do tempo; o amor (relacionado sempre a um
sentimento de perda) e a arte (com destaque para a metapoesia),
é sobre o primeiro tema que o poeta mais tem se debruçado, ao
longo de uma carreira de mais de 40 anos e de 11 livros de poemas
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publicados (incluindo-se, nesta contagem, duas reuniões de obra
e duas antologias). Não por acaso seu livro de estreia chama-se
Os mortos e sua obra mais recente, O outro lado. Com efeito, a maior
parte de seus poemas trata desse tema, direta ou indiretamente, o
que tem levado a crítica, de uma forma geral, a considerar
Junqueira como “o poeta da morte”. Acrescente-se o fato de
Ivan fazer uso frequente de um vocabulário arcaico e erudito,
opção esta que, aliada à aparente morbidez de seus versos,
aproxima-o, inevitavelmente, de um poeta como Augusto dos
Anjos. Mas tal aproximação, contudo, não deve ser feita sem
restrições. Enquanto “o poeta do Eu” canta a putrefação da carne,
Ivan Junqueira, mais contido e mais metafísico, lamenta com
frequência a existência da morte, fazendo de sua própria poesia
um autêntico libelo à vida.
Por essa razão, não compactuamos com aqueles que consideram o autor de O grifo “o poeta da morte”. Ao contrário, fazemos coro com o poeta e ensaísta Ruy Espinheira Filho, que, analisando a poética junqueiriana, saudou a “arte de um poeta maduro que fala do que deve falar a arte: da vida. Porque é dela que
falamos quando o tema é a morte.”1
Não obstante Junqueira seja um poeta abrasado, obcecado e
torturado pela unidade2, de acordo com a certeira observação do
poeta e crítico Marco Lucchesi, sua percepção da tensão morte/
vida sofreu mudanças significativas com o passar dos anos. Assim, constatamos que a poesia de Ivan Junqueira divide-se em
quatro fases.3 Na primeira, a que chamamos “O poeta é maior
que a morte”, a ideia de fenecimento, para o jovem Ivan, é algo
que não o atinge diretamente, já que na sua poesia inicial, como
seria de se esperar, a morte é sempre a alheia. Uma década mais
tarde, sobrevém a fase “A morte é maior que o poeta”, na qual
Junqueira adquire a consciência da efemeridade de sua própria
vida, o que geraria o famoso tom de lamento, que, a partir dessa
época, passaria a ser uma das marcas mais evidentes do seu ofício poético. Na terceira fase, iniciada com o advento de A sagração
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dos ossos, Ivan afirma que “A vida é maior que a morte”, uma vez
que a arte é maior que a morte e, se arte é vida e é produzida pelo
homem e destinada a eternizá-lo, então o homem, repleto de vida
(ou de arte), suplanta a morte. Em sua quarta e atual fase, o poeta
descobre, enfim, que morte e vida se equivalem, pois são apenas
faces de uma mesma moeda.
A seguir, analisaremos, detalhadamente, cada uma das fases
acima citadas, as quais configuram, em conjunto, a tensão vida/
morte, “nervo do conflito” da poesia junqueiriana.
1a fase: O poeta é maior que a morte
“Os mortos”, primeiro poema do primeiro livro - homônimo,
aliás - de Ivan Junqueira, é prova de que, na época, a morte, para
o poeta, era sempre a alheia. Inspirado no poema “A mesa”, de
Carlos Drummond de Andrade (autor que exerceu grande
influência na poesia junqueiriana), o eu-lírico, no texto de Ivan,
dirige-se a determinados mortos (no caso de Drummond, todavia,
o único destinatário é o pai do narrador). No poema do autor de
Sentimento do mundo, o que deveria ser um sobrenatural
banquete, torna-se um acontecimento afetivo e coloquial. Já no
texto de Ivan Junqueira, prevalece um certo tom de mistério
metafísico, que, logo de início, confere ares de gravidade ao poema:
Os mortos sentam-se à mesa,
mas sem tocar na comida;
ora fartos, já não comem
senão côdeas de infinito.
Quedam-se esquivos, longínquos,
como a escutar o estribilho
do silêncio que desliza
sobre a medula do frio. (p. 16)4
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Um dado curioso, já revelado em entrevistas pelo poeta, é o
de que “os mortos” em questão foram, sobretudo, pessoas com
as quais Ivan ligou-se literária e espiritualmente, no início de sua
trajetória: os escritores Aníbal Machado (à memória de quem o
livro é dedicado), Hélcio Martins, Odylo Costa, filho, Otto Maria
Carpeaux e Willy Levin. O poeta não os nomeia em seu texto,
mas roga
Que se revelem, definam
os motivos de sua vinda.
Ou então que me decifrem
seu desígnio: pergaminho. (p. 17)
De todo modo, como já dissemos, a morte, nessa primeira
fase, é menor que o poeta, o qual parece não acreditar, de fato,
no fim da existência humana do artista:
Quem serão estes assíduos
mortos que não se extinguem?
De onde vêm? Por que retinem
sob o pó de meu olvido? (p. 17)
Essa convicção se mantém ao longo de todo o livro, como no
caso do poema “Sonho”. Nesse texto de alta carga metafórica,
Ivan inaugura seu bestiário com a figura do pássaro, que na lírica
junqueiriana representa a vida, a liberdade. Ou a poesia. Mas o
pássaro do poema é feito de cinza, e logo sua carne agoniza e é
dissolvida por um golpe de vento. O poeta, porém, não se
conforma e resolve agir:
Rápido, semeio tua lembrança na concha de uma onda,
onde a contemplo sob as águas em colóquio
e onde, liberto de fórmulas e palavras,
fecundo a solidão com o pólen de meu júbilo. (p. 23)
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O último verso, isolado do restante do poema, ressalta a atitude
do eu-lírico perante o fenecimento do pássaro: ao fecundar a
solidão com o pólen de sua alegria, o poeta busca recriar a vida
que se perdeu.
Em outros poemas de Os mortos (1964), a exemplo de
“Crônica”, “Ritual” ou “Baladilha”, a morte, quando inevitável,
é sempre a alheia - ora tragando uma criança inocente, ora a amada
do poeta. Não obstante, no antológico poema que encerra a obra,
intitulado “Signo & esfinge”, Ivan olha para si mesmo e, ao
autoanalisar-se, compõe esta que é uma das mais belas estrofes
da língua portuguesa:
Toda esfinge exibe um signo
visível de seu enigma,
embora quem o pressinta
jamais lhe decifre a escrita. (p. 55)
para no final reafirmar sua vitória sobre a morte, e concluir:
Frente à esfinge, a sós contigo,
a tudo então renuncias.
Agora, sim: tábula prima,
abre-se o enigma. És infinito. (p. 57)
No livro seguinte, Três meditações na corda lírica, escrito em 1968,
mas publicado somente quase dez anos depois, em 1977,
Junqueira, confessadamente influenciado pelo T.S. Eliot dos Four
quartets (traduzido por ele em 1967), a partir da própria epígrafe
escolhida, pinçada de Burnt Norton, reflete sobre o fluir do tempo.
Contudo, não deixa de lembrar que
O que passou [...]
mais vivo está que toda essa harmonia
de chaves e colcheias retorcidas (p. 60)
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onde o poeta, ainda “maior que a morte”, percorre o
caminho que retorna ao limo, à fina
limalha do que é findo e ainda respira
para depois, o mesmo, erguer-se a ti,
ao que serás, porque estás vivo aqui,
agora e sempre, antes e após de tudo. (p. 61)
E, se “Tudo se move e muda nesta esfera, / onde amor aglutina
e ódio esfacela (p.61) / [...] a condição do ser é não ser término”
(p. 64; o grifo é nosso), mensagem predominante da primeira
fase da poesia de Ivan Junqueira.
2a fase: A morte é maior que o poeta
Escritos entre 1969 e 1975, mas divulgados apenas no volume
A rainha arcaica (1980), os oito poemas que formam o conjunto
de textos intitulado Opus descontínuo, se por um lado nos dão a
impressão, a partir do próprio título do bloco, de que carecem de
“sistematização e de coerência interna”5, para o leitor mais atento,
todavia, o que avulta é justamente o oposto: com efeito, há uma
notável unidade que permeia praticamente todos os poemas da
série. Logo, acreditamos que a descontinuidade em questão referese, em verdade, à mudança (consciente ou não) da weltanschauung
do poeta, em comparação com a fase anterior de sua própria
obra.
Em Opus descontínuo, a epígrafe que antecede os poemas já
demonstra isso. Retirada do livro bíblico de Ezequiel (VII, 25),
sua mensagem é desoladora: “Vem a destruição; eles buscarão
paz, mas não há nenhuma.”
O poema que abre essa pequena série, “Carpe diem”, inspirado
na famosa máxima latina, incita o leitor, portanto, a “aproveitar o
momento”, já que
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toda a esperança
ó ave implume
cega e torta
é sempre espera
sem resposta
E o tempo cruza lento a noite morta (p. 69)
A ideia de finitude das coisas prossegue nos poemas “O cofre”,
“Canção estatuária” e “Alta, a rainha”. Esses textos, notadamente
o segundo, antecipam o admirável ciclo de quatorze sonetos que
constituirá A rainha arcaica, conforme veremos adiante. E atestam
que o poeta já possui uma nova consciência: sabe que não é maior
que a morte. Senão, vejamos. No primoroso soneto decassilábico
“Quase uma sonata”, o eu-lírico dirige-se à amada: “É música o
rigor com que te moves / à fluída superfície do mistério” (p. 71),
como a prepará-la para a morte (“o mistério”):
Espaço e tempo são teu solo. E colhem,
não tanto a luz que entornas, mas o pólen
com que ela cinge e arroja as coisas mortas
além da espessa morte que as enrola. (p. 71)
Em sua fantasia erótica, por fim o poeta imagina a amada nua,
imersa no mar, símbolo da vida e da morte. Compara-a, então, ao
próprio mar, mas, neste símile, a mulher, envolta em música,
transcende o símbolo:
É música o silêncio que te cobre
quando lampeja à noite tua nudez,
em franjas derramada sobre o leito
das águas, onde as algas te incendeiam
porque semelhas, mais que o mar profundo
o intemporal princípio e fim de tudo. (p. 71)
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embora não transcenda a morte. Esse sentimento de perda, que
agora domina o poeta, continua em “Epitáfio”:
De tua história, nada;
ou tudo, se quiseres:
entre uma e outra data,
a fábula de seres
[...]
o amor, vale dizer:
sua forma álgida e rara,
avessa à coisa amada
– e, súbito, colher
a morte, flor cediça,
dentro da vida. (p. 75)
e deságua num dos mais niilistas poemas da obra junqueiriana:
À beira do claustro
o monge se inclina
e na pedra aprende
o que a pedra ensina:
que a vida é nada
com a morte por cima,
que o tempo apenas
este fim lhe adia (p. 76)
(“Lição”)
O aparecimento do ciclo de sonetos A rainha arcaica, bem
como a publicação de Cinco movimentos (1982), comprovam o
nascimento de um novo poeta: disposto a defrontar-se com o
“códice da língua”6, Ivan Junqueira faz seu périplo rumo à
grandeza do idioma, i.e., resolve enfrentar o desafio de
empreender uma ousada releitura da obra de Camões, a partir
do mito de Inês, a bela infanta “que despois de ser morta foy
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Rainha.” (p. 86). Nessa aventura mítica e metalinguística, o poeta
tece uma intrincada rede intertextual, que abarca o clássico
episódio do Canto III de Os Lusíadas; a prosa de Fernão Lopes
e alguns versos de Garcia de Resende, Fernando Pessoa e Jorge
de Lima. Não há espaço, aqui, para analisar a importância desses
quatorze sonetos e, de resto, se o fizéssemos sairíamos do tema
deste ensaio. Mas é preciso dizer, ao menos, que boa parte desses
textos estão entre os melhores da língua, a exemplo dos sonetos
“I”, “II”, “V”, “VII”, “IX”, “XIII” e “XIV”. Com relação a
“Cinco movimentos”, o Camões inspirador é o da Lírica. Cada
movimento é representado por um soneto. No todo, o conjunto,
imbuído de um invulgar lirismo amoroso de cunho levemente
erótico - embora em Ivan o amor seja sempre sinônimo de perda
e sofrimento, como já dissemos -, presta uma belíssima
homenagem ao talento do maior poeta da língua portuguesa de
todos os tempos.
Para não sairmos de vez do assunto deste estudo, citaremos,
abaixo, alguns versos dos referidos poemas que corroboram a
tese da morte maior que o poeta:
Foram dois, sim, que deles guardo a injúria,
sepulta neste pélago do mundo,
onde mais nada me apetece ou pulsa
e em vão meus lábios rezam a pedras mudas. (p. 84)
(soneto “IX” de A rainha arcaica)
E te amo além porque te sei perdida,
e mais te amara fosse eterna a vida. (p. 89)
(soneto “IV” de Cinco movimentos)
Segundo a simbologia cristã, o grifo é a imagem do demônio.
No bestiário medieval, o grifo é uma ave fabulosa com bico e
asas de águia, e corpo de leão. Ele é a força cruel.
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Na obra poética de Ivan Junqueira, esse animal fantástico
representa a morte e, no plano estritamente literário, a ameaça de
perecimento da poesia do autor. Assim, no poema que abre o
volume O grifo (1987), eis que surge o próprio, esse monstro da
delicadeza:
Um grifo hediondo aos poucos se aproxima
e pousa a sua garra sobre o livro;
remexe nas imagens e nos signos,
e apaga-lhes a música e o sentido. (p. 92)
[...]
E assim a besta odiosa as garras finca
nas insondáveis páginas do livro,
quebrando aqui as vértebras do ritmo,
ali, o timbre oculto de uma rima. (p. 93)
(“A garra do grifo”)
Esse terrível poema dá o tom do restante da obra. Em O grifo,
o poeta chega ao auge de seu pessimismo. Nada vivifica. Nada
germina ou dá frutos. No poema “Áspera cantata”, por exemplo,
destacam-se os antológicos versos: “É sobre ossos e remorsos /
que trabalho.” (p. 94)
A crítica, em geral, não tem compreendido o verdadeiro alcance
dessas palavras. Em regra, tem usado esses versos para justificar
um pretenso culto à morte, por parte do poeta. Enganam-se
aqueles que pensam assim. Mais adiante, explicaremos melhor
essa questão.
Por hora, importa dizer que concordamos com Antonio Carlos
Secchin, o qual lucidamente afirmou, a respeito da poesia
junqueiriana, que “a preservação de uma inegável ‘pureza’ lexical
em Ivan convive com a exploração dos meandros mais sombrios
e inconfessáveis do ser humano, e o mergulho desse discurso
requintado na matéria da miséria e da contingência gera uma zona
de atrito responsável por alguns dos mais fecundos resultados de
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sua poesia”.7 De fato, é com admiração e espanto que o leitor se
dá conta de que, quanto mais o poeta mergulha na miséria da
condição humana, mais aumenta a beleza de seus versos.
Desse modo, tanto em O grifo, quanto no livro seguinte, A sagração
dos ossos, o que vemos é um poeta absolutamente senhor de seus
meios, no domínio pleno de sua expressão. Conquanto a poesia
junqueiriana corteje o mistério e seus eflúvios, não há mistérios
para Ivan, no que tange ao exercício dos vários tipos de poesia e ao
manejo das formas fixas. Réquiens, baladas, madrigais, toadas,
canções, elegias, sonetos, terzinas, dísticos, oitavas, tudo lhe serve,
tudo é propício ao poeta que domina a arte do verso. Virtuosi ou
master (na concepção poundiana), Ivan Junqueira não teme
decassílabos, redondilhas (menores e maiores), tetrassílabos,
hexassílabos, octossílabos e alexandrinos. Sua variedade rítmica e
métrica, assim como o notável uso que faz da rima toante (herança
de João Cabral, por supuesto), o transformam num caso único no
panorama da poesia brasileira contemporânea.
Isso explica porque o leitor consegue apreciar, em O grifo, a
dolorosa beleza de poemas como “Corpus meum”, “Meu pai”,
“Penélope: cinco fragmentos”, “A morte”, “Eles se vão” ou
“Morrer”, poema paradigmático da segunda fase da lírica
junqueiriana:
Pois morrer é apenas isto:
cerrar os olhos vazios
e esquecer o que foi visto;
é não supor-se infinito,
mas antes fáustico e ambíguo,
jogral entre a história e o mito;
[...]
é nada deixar aqui:
memória, pecúlio, estirpe,
sequer um traço de si;
é findar-se como um círio
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em cuja luz tudo expira
sem êxtase nem martírio. (p. 99)
3a fase: A vida é maior que a morte
Com a publicação de A sagração dos ossos (1994), aos 30 anos de
carreira, Ivan obtém o reconhecimento quase unânime de seus
pares e da crítica especializada. O livro arrebata dois relevantes
prêmios nacionais: o Jabuti de Poesia e o Luísa Cláudio de Sousa,
do Pen Club do Brasil.
O êxito obtido pelo poeta é plenamente justificável. A sagração
dos ossos sintetiza, admiravelmente, os principais temas e
processos formais da poesia junqueiriana e inaugura uma nova
fase, em que o pessimismo do poeta diante da interrupção da
vida é relativizado pela descoberta de que a morte, afinal, não
representa o fim de tudo.
A obra se inicia com o poema “Onde estão?”, que retoma a
clássica tópica medieval do “Ubi sunt?”. Nesse sentido, o texto é
um desdobramento natural de “Eles se vão”, do livro anterior.
No poema inaugural do volume, sob o efeito, ainda, da perda de
parte de sua família – pai, mãe e irmãs –, Ivan indaga:
Onde estão os que partiram
desta vida, desvalidos?
Onde estão, se não ouvimos
deles sequer uma sílaba?
Onde o pai, a mãe, a ríspida
irmã que se contorcia
sob a névoa dos soníferos
e a gosma da nicotina? (p. 138)
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No texto seguinte, “O enterro dos mortos”, o poeta lamenta
o fato de não haver podido assistir seus familiares no momento
da fatal despedida:
Não pude enterrar meus mortos:
baixaram todos à cova
em lentos esquifes sórdidos,
sem alças de prata ou cobre.
Nenhum bálsamo ou corola
em seus esquálidos corpos:
somente uma névoa inglória
lhes vestia os duros ossos. (p. 140)
Até aqui, desolação. De repente, tudo muda: Ivan, por
intermédio da palavra, confere a dignidade tardia aos seus mortos:
Quero esquecê-los. Não posso:
andam todos à minha roda,
sussurram, gemem, imploram
e erguem-se às bordas da aurora (p. 140)
em busca de quem os chore
ou de algo que lhes transforme
o lodo com que se cobrem
em ravina luminosa. (p. 141)
Opera-se a transfiguração: ao rememorar seus familiares, o poeta
transforma o lodo (esquecimento) que cobria os mortos em ravina
luminosa (acolhida, reconhecimento), sendo que a ravina de que
fala Junqueira é, em verdade, seu próprio texto poético.
O poeta começa a driblar a morte. É uma mudança de
perspectiva, que se completa quando Ivan resolve refletir sobre a
arte. Segundo Christina Ramalho, autora do estudo, até o
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momento, mais abrangente sobre a poética junqueiriana, “A
sabedoria [...] residirá na aceitação tácita do ciclo da vida, no qual
o valor da matéria se extingue e somente o poder da memória
poética pode se fazer oração, ladainha, canto de sagração e
perpetuação lírica dos mortos. [...] Como sagrar os ossos é sagrar
a própria vida neles contida por meio do recurso lírico e da
memória residual faz-se mister a revisão metalinguística da própria
poesia e da missão do poeta.”8
Essa revisão tem início a partir de “Poética”, texto em que
Ivan Junqueira repensa a arte:
A arte é pura matemática
como de Bach uma tocata
ou de Cézanne a pincelada
exasperada, mas exata. (p. 145)
Após uma primeira tentativa de definição, o poeta, que
pretende que a arte seja concebida com o que chama de ostinato
rigore, ou seja, “a curva austera das arcadas / ou o rigor de uma
pilastra” (p. 145), prossegue:
enfim, nada que lembre as dádivas
da natureza, mas a pátina
em que, domada, a vida alastra
a luz e a cor da eternidade. (p. 145)
Observe-se que, para Junqueira, importa construir uma arte
banhada de vida, com “a luz e a cor da eternidade”. Essa ideia é
ratificada na estrofe final do poema:
Despencam, secas, as grinaldas
que o tempo pendurou na escarpa.
Mas dura e esplende a catedral
que se ergue muito além das árvores. (p. 145)
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As grinaldas, com o passar do tempo, secam e morrem. Mas
a catedral, metáfora da arte e do homem, dura, esplende e se
ergue “muito além das árvores”.
Essa permanência do homem, por meio da arte que ele produz
ou consome – arte esta que se destina a eternizá-lo –, é retomada
no melhor poema da obra, "Terzinas para Dante Milano". Numa
comovida e comovente homenagem ao amigo morto, Ivan
agradece a Milano pelo que este lhe deu: um "íntimo segredo /
que me fez teu herdeiro e teu irmão." (p. 155) Mas, qual seria esse
segredo? A resposta está contida na mais bela estrofe da ode:
E foi lá, entre esfíngico e campestre,
que me ensinaste a ver como o homem pode
tornar-se eterno sendo o que é, terrestre. (p. 154)
Por outro lado, a eternidade em vida passa, é claro, pela
continuação da espécie. Em “Octavus”, o poeta celebra o filho
pequeno, cheio de vida e alegria. E conclui: “Dos que já fiz, é o
quarto, / mas só o chamam de oitavo.” (p. 165) Como se sabe, o
símbolo matemático do infinito é o número oito deitado.
“A sagração dos ossos”, poema que encerra o livro, resume
exemplarmente a terceira fase da poesia junqueiriana: o poeta
sagra os ossos para louvar a vida. Pois bem. Prometemos explicar
o verdadeiro significado dos versos “É sobre ossos e remorsos /
que trabalho.” (p. 94) O osso é o símbolo da firmeza, da
permanência. É o que fica, o que resta, é o caroço da imortalidade.
Como a parte menos perecível do corpo é formada pelos ossos,
estes exprimem, de fato, a materialização da vida. Portanto, ao
sagrar os ossos, o poeta louva a vida.
4a fase: A morte equivale à vida
Treze anos após a publicação de A sagração dos ossos, Ivan
Junqueira lança O outro lado,9 volume composto de 35 poemas
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escritos no período de 1998 a 2006. Se em textos como
“Prólogo”, “Estruge a voz do vento” e “A árvore” permanece
a visão niilista do poeta, em contrapartida, poemas como
“Não vês, meu pai?”, e sobretudo o inesquecível “O rio”,
metáfora do tempo e da vida, demonstram cabalmente que a
morte não pode e não deve ser vista como o “ponto final”
da existência humana. Afinal, a exemplo de Leonardo Da
Vinci, Ivan sabe que “o homem é a medida de todas as
coisas”, e que, de acordo com a letra de “God”, a simbólica
canção de John Lennon, “Deus é um conceito através do
qual medimos a nossa dor”.
De fato, parece ser essa uma das funções do Deus “déspota,
deposto”, “ambíguo e pretérito”, na poesia junqueiriana. Em O
outro lado, o nome de Deus é citado não menos do que sete vezes,
quantitativo bastante expressivo, se considerarmos que, até o
presente volume, Deus aparecera apenas outras sete vezes, ao
longo da obra do poeta.
Todavia, essa nova e acentuada “presença divina” não permite
concluir que estejamos diante de um poeta religioso ou de
alguém que tenha sido objeto de uma recente conversão. O Deus
de Ivan Junqueira, por vezes próximo ao “deus canhoto”
drummondiano, não é uma presença religiosa, nem representa
as qualidades do homem idealizadas. Ao contrário, é a medida
da dor humana. Ivan não deseja, jamais desejou, “restaurar a
poesia em Cristo”. Para ele, Deus é o imponderável, o mistério,
aquilo que o homem não consegue controlar e chama de
“fatalidade” ou “destino”.
Nesse sentido, a epígrafe que abre o livro é sintomática. Ivan
Junqueira retirou-a da obra de Fernando Pessoa: “Há um poeta
em mim que Deus me disse”. Esse verso retrata, com precisão, o
patamar alcançado pelo autor. Até a publicação de A sagração
dos ossos, Junqueira era mais conhecido – e reconhecido – como
crítico literário, ensaísta e tradutor. A sagração arrebatou os mais
significativos prêmios literários do país e alçou Ivan à condição
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de um dos maiores poetas brasileiros vivos. A partir desse feito,
ele foi, aos poucos, abandonando os demais afazeres, para poder
dedicar-se, quase que com exclusividade, à sua própria poesia.
Daí o trecho inicial de “Prólogo”, esse admirável poema-abertura
de O outro lado: “Eu sou apenas um poeta / a quem Deus deu voz
e verso.”10 (p. 11)
Não obstante, Junqueira, ainda que lentamente, começa a
despedir-se das coisas, dos amores, da vida. Primeiro, refletindo
sobre seu ofício:
A mão que escreve é aquela
que compôs alguns versos,
odes, canções de gesta
e elegias sem metro,
às quais ninguém deu crédito
nem ouvidos. Aquela
que ergueu um brinde aos féretros
de uma insepulta Grécia. (p. 20)
(“A mão que escreve”)
Em “São duas ou três coisas”, primoroso soneto composto
com a paixão e o rigor formal que lhe são peculiares, Ivan produz
um texto ambíguo, onde não fica claro se está falando de um
amor platônico, fantasioso, irrealizado, ou ainda uma vez mais,
da finitude de sua obra poética:
São duas ou três coisas que eu sei dela,
e nada mais além de seu perfume.
Sei que nas noites ermas ela assume
esse ar de quem flutua na janela,
[...]
Sei que ela vive no halo de uma vela
e queima, sem consolo, em minha cela. (p. 23)
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O poeta das despedidas precoces, aquele que “finge partir para
permanecer mais”11 – de acordo com a arguta observação de
Eduardo Portella – , prossegue, agora, em “Vai tudo em mim”:
Vai tudo em mim, enfim, se despedindo
neste pomar sem ramos ou maçãs,
sem sol, sem hera ou relva, sem manhãs
que me recordem o que foi e é findo. (p. 31)
Ainda sob o mesmo tom elegíaco, destacam-se peças como
“Indagações”, “Eis que envelheces”, “Carta régia”, “A tênue luz”,
e principalmente os irretocáveis “Testamento” e “O testemunho”,
poemas que, ao lado do antológico e caudaloso "O rio", estão
entre os melhores do livro.
Quanto ao aspecto formal da obra, avultam as elegias e os
sonetos, com destaque, ainda, para o notável uso da terça rima
dantesca, recurso que Ivan soube, como poucos na língua, tornar
seu. O mesmo se pode dizer com relação à presença da assonância
no verso junqueiriano, conferindo-lhe rara musicalidade, a
exemplo de: “os ratos roem os restos” (p. 17); “traçam a trêmula
trama" (p. 33) ou "a fria fauna do que é findo aflora” (p. 15).
A par do comprovado domínio das formas poéticas
tradicionais, Junqueira realizou, desta vez, um saudável retorno
ao início de sua carreira, investindo novamente em poemas de
fatura mais prosaica, onde o verso é branco e sem metro, como
nos casos de “A árvore”, “Una voce poco fá” ou “Baía formosa”,
o qual surpreende por apresentar duas belas estrofes que
funcionam como haicais independentes do resto do poema:
o pássaro na relva
dia (grama)
entre o solene e o banal
[...]
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arbustos retorcidos
o gemido esguio das casuarinas
fazia frio na baía (p.67)
Poeta de temas e dicção classicizantes, era de se esperar que,
como exímio cultor dos princípios da chamada ars antiqua, Ivan
se debruçasse sobre a tópica existencial do “Para onde vamos?”,
indagação fundamental do poema “O outro lado”, que intitula o
livro:
Diz-me: o que haverá do outro lado,
quando do corpo a tua alma
se desgarrar e, arrebatada,
romper o mármore das lápides
e a pompa vã dos epitáfios,
que não são mais do que palavras
ou frases fátuas sob as pálpebras
da úmida noite em que jazes? (p. 91)
[...]
A eternidade? Deus? O Hades?
Uma luz cega e intolerável?
A salvação? Ou não há nada? (p. 93),
conclui o poeta, eivado de dúvidas, num tom pessimista
semelhante ao do Raimundo Correia de “Fetichismo”.
Mas Ivan Junqueira sabe que não há partida possível para quem
apostou tudo “no infinito e na beleza” (p. 43). O poeta que
acreditava que a vida era maior que a morte, descobre, enfim,
que morte e vida são apenas faces de uma mesma moeda, já que
somos “o princípio / e o fim, na mesma medida” (p. 53); “a um
só tempo o êxtase e a agonia” (p. 79); temos “a nossa vida, sempre
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diante / da morte” (p. 85), ou estamos “na extrema fronteira
entre a vida e a morte.” (p. 43)
Essa dicotomia morte/vida se apresenta de forma indissociável
nos versos de “O mesmo: o terceiro”:
Mas afinal somos um mesmo,
tal como o fogo e a labareda
ou um do outro o igual modelo,
rebentos de uma única cepa (p. 101)
e refulge, soberana, nas estrofes finais do referido “Não vês, meu
pai?”:
Não vês que, morto, estou vivendo
em meio às névoas do teu sonho,
onde sem dor me recomponho
e com teu sangue afim me entendo?
Não vês, meu pai, que a vida é sonho
e que só nele foi se erguendo
da morte quem a teve, ardendo,
e enfim triunfou sobre o medonho? (p. 29)
Assim, a lírica junqueiriana, como um todo, pode ser lida
também como uma elegia única - a elegia de uma despedida sem
partida, formada por um sublime e coeso conjunto de textos,
incorporados que estão ao cânone da poesia brasileira.
NOTAS
1
ESPINHEIRA FILHO, Ruy. Animal efêmero. In: JUNQUEIRA, Ivan.
Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 293.
2
Cf. LUCCHESI, Marco. A poesia é maior que a morte. In: JUNQUEIRA,
Ivan. Poesia reunida, p. 313.
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3
Recusamos, aqui, a idéia de faces para esta classificação, em oposição à
análise empreendida pelo romancista e ensaísta Per Johns, no tocante à
poesia junqueiriana (Da magia de um pequeno unicórnio na treva a todos
os rios do mundo. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida, p. 336), uma
vez que acreditamos que a poesia de Ivan Junqueira possui, de fato, aspectos
diferentes e sucessivos.
4
O número entre parênteses ao lado das citações ou transcrições dos
versos ou estrofes corresponde ao
número da página, conf. JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida.
5
Cf. JARDIM, Paulo de Tarso. Poesia passada e poesia presente. In:
JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida, p. 260.
6
Cf. JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida, p. 86.
7
SECCHIN, Antonio Carlos. O exato exaspero. In: JUNQUEIRA, Ivan.
Poesia reunida, p. 277.
8
RAMALHO, Christina. Fênix e harpia: faces míticas da poesia e da
poética de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Letras, 2005, p. 71-72.
9
JUNQUEIRA, Ivan. O outro lado. Rio de Janeiro: Record, 2007.
10
O número entre parênteses ao lado das citações ou transcrições dos
versos ou estrofes corresponde ao
número da página, conf. JUNQUEIRA, Ivan. O outro lado.
11
Cf. PORTELLA, Eduardo. O legado do poeta. In: JUNQUEIRA, Ivan.
O outro lado (orelhas).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FISCHER. Apuro artesanal. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia
reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 261-262.
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Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 285-286.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1976, 7ª edição.
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BARBOSA FILHO, Hildeberto. A sagração dos ossos. In:
JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 305307.
BERNARDINI, Aurora F. Inês de Castro além da redoma do mito.
In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p.
252-253.
BRANDÃO, Junito. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. 2 v.
Petrópolis: Vozes, 1991.
BRUNEL, Pierre (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1998, 2ª edição.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1999, 13ª edição.
ELIOT, T.S. Poesia. Tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira.
São Paulo: Arx, 2004.
ESPINHEIRA FILHO, Ruy. Animal efêmero. In: JUNQUEIRA,
Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 293-294.
______. Forma e essência. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São
Paulo: A Girafa, 2005, p. 339-340.
JARDIM, Paulo de Tarso. Poesia passada e poesia presente. In:
JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 259260.
JOHNS, Per. Dédalo de arcaicas escrituras. In: JUNQUEIRA, Ivan.
Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 263-274.
______. Da magia de um pequeno unicórnio na treva a todos os rios
do mundo. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa,
2005, p. 336-338.
JUNQUEIRA, Ivan. Os mortos. Rio de Janeiro: Atelier de Arte, 1964.
______. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Record, 1999.
______. Melhores poemas. Seleção e introdução de Ricardo Thomé. São
Paulo: Global, 2003.
______. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005.
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______. O outro lado. Rio de Janeiro: Record, 2007.
LEMOS, Tite de. Os mortos. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida.
São Paulo: A Girafa, 2005, p. 225-227.
______. Ode à poesia. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São Paulo:
A Girafa, 2005, p. 247-249.
LIMA, Ricardo Vieira. Revelações do poeta da morte (entrevista). In:
Tribuna Bis, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 13.12.1994.
______. Versos para exorcizar a morte (entrevista). In: Cultural, A
Tarde, Salvador, 10.07.1999.
______. Despedida sem partida (resenha). In: Prosa & Verso, O Globo,
Rio de Janeiro, 22.12.2007.
LUCCHESI, Marco. A poesia é maior que a morte. In: JUNQUEIRA,
Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 313-314.
PORTELLA, Eduardo. O legado do poeta. In: JUNQUEIRA, Ivan.
O outro lado (orelhas).
PY, Fernando. Os mortos: boa estréia. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia
reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 228-229.
______. A sagração dos ossos. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida.
São Paulo: A Girafa, 2005, p. 297-299.
RAMALHO, Christina. Fênix e harpia: faces míticas da poesia e da poética de
Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2005.
SECCHIN, Antonio Carlos. O exato exaspero. In: JUNQUEIRA, Ivan.
Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 277-281.
SEFFRIN, André. Exatidão transbordante. In: JUNQUEIRA, Ivan.
Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 315-316.
TELES, Gilberto Mendonça. As duas vozes do poeta. In:
JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p.
233-246.
THOMÉ, Ricardo. Ivan Junqueira: a poesia do palimpsesto
(introdução). In: JUNQUEIRA, Ivan. Melhores poemas. Seleção e
introdução de Ricardo Thomé. São Paulo: Global, 2003.
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VEIGA, Elisabeth. O grifo: agônico e iluminado. In: JUNQUEIRA,
Ivan. Poesia reunida. São Paulo: A Girafa, 2005, p. 275-276.
______. Ruptura na tradição. In: JUNQUEIRA, Ivan. Poesia reunida.
São Paulo: A Girafa, 2005, p. 295-296.
_____________
Ricardo Vieira Lima é jornalista, crítico literário e poeta. É diretor do Sindicato
dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e colaborador das revistas
Poesia Sempre, Metamorfoses e Revista Brasileira, publicada pela Academia Brasileira
de Letras. Organizou e prefaciou a antologia Anos 80, da coleção Roteiro da
Poesia Brasileira (Editora Global, 2010). Seu livro inédito, Aríete, ganhou o
Prêmio Jorge Fernandes de Poesia, da União Brasileira de Escritores – RJ.
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Manifesto futurista
100 anos de Divulgação
O papel de Almachio Diniz
Benedito Veiga
Na oportunidade do “Encontro 100 ANOS DO MANIFESTO
FUTURISTA E SUAS REPERCUSSÕES NO BRASIL”,
realizado sob o patrocínio da Universidade Estadual de Feira de
Santana-PPGLDC, da Academia de Letras da Bahia, da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia e da Comunità Italiana,
entre os dias 8 a 10 de julho de 2009, em Feira de Santana e
Salvador, fui convidado pela Comissão Organizadora do evento,
para fazer um depoimento sobre Almáquio Diniz Gonçalves e o
referido manifesto, no dia 10 de julho, na Academia de Letras da
Bahia, como docente da UEFS, que sou, e especialista em pesquisa
em periódicos.
Percorrendo os periódicos baianos, encontro nos arquivos do
Serviço de Obras Raras da Biblioteca Central do Estado da Bahia,
nos Barris, a tradução feita por Almáquio Diniz Gonçalves do
Manifesto Futurista, com sua publicação em Salvador, na primeira
página do Jornal de Notícias, número 8945, da quinta-feira, 30 de
dezembro de 1909.
Com tal documento em mãos, ao que parece, a primeira
tradução integral feita no Brasil do texto do Manifesto Futurista, de
Fillippo Tommaso Marinetti, publicado no Le Figaro, de Paris, em
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20 de fevereiro de 1909, algumas considerações preliminares,
quanto a sua estreia receptiva, devem ser anotadas para procura
de respostas ou caminhos:
Primeira: Quando foi tal texto efetivamente divulgado no
Brasil?
Segunda: Qual sua recepção crítica, ao ser dado a público e, se
seguidamente, foi objeto de questionamentos, aceitações e
divergências?
Terceira: Que obras foram produzidas, traduzindo uma
transposição das idéias desse manifesto para as criações literárias
nacionais?
Torna-se claro que, sem se atinar para essas perguntas e
encaminhamentos, nada pode ser de concreto avaliado.
Seguindo os passos de uma pesquisa em fontes primárias de
periódicos, chego, no momento, aos seguintes encaminhamentos,
por vezes, não necessariamente conclusivos.
O dado inicial requerido pode ter a resposta encontrada - até
este instante – na tradução citada, de Almáquio Diniz Gonçalves,
divulgada com a maior evidência e destaque, o que, de certa forma,
já indicia o respeito da notícia e de suas prováveis repercussões.
O texto ocupa duas colunas e meia da página inicial de oito
colunas.
É conveniente lembrar que ambos – o proprietário do
periódico, Aluísio de Carvalho, e o autor da tradução – tinham
certeza da importância e do pioneirismo da divulgação, como
está expresso nas próprias palavras da notícia:
Damos histórico abaixo, em tradução do nosso colaborador
dr. Almáquio Diniz o histórico e o manifesto do Futurismo, a
mais moderna das escolas literárias do mundo latino.
Fundação do ilustre escritor italiano o sr. F. T. Marinetti,
que é também diretor da importante revista de arte – Poesia –
o aludido manifesto aí foi publicado nos números 1-2 do
ano 5°.
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Cremos que somos o primeiro jornal brasileiro que se ocupa
deste assunto, podendo-se, entretanto, dizer que o futurismo
repercutiu nos principais órgãos da imprensa internacional [...].
(DINIZ, 1909, p. 1).
O dono do jornal, Aluísio de Carvalho, quando da fundação
da Academia de Letras da Bahia, em 7 de março de 1917, seria o
Titular-Fundador da Cadeira N° 2. Carvalho, como indica a
Enciclopédia de literatura brasileira, realizada sob a direção de Afrânio
Coutinho e J. Galante de Souza, era, além de jornalista e político,
poeta, com o pseudônimo de Lulu Parola. (COUTINHO e
SOUZA, 2001, p. v.i-444).
Diniz, como indica Marieta Alves, em Intelectuais e escritores
baianos – Breves biografias, “[...] nascido em Salvador, no dia 7 de
maio de 1880. Era filho do professor e farmacêutico Adolfo Diniz
Gonçalves e de Maria Rosa Guimarães. [...] Em 1899 aos 19 anos
diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais”. No momento em
questão, como indica a biógrafa, residia em Salvador, sendo
professor da Faculdade Livre de Direito, que no futuro tornarse-ia a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
Acrescenta Alves que “Em 1904, com a aposentadoria do
professor Leovigildo Filgueiras, [Almáquio Diniz] tomou posse
da cadeira de Filosofia do Direito [...]”, (ALVES, 1977, p. 82),
lecionando por dez anos.
Brito Broca, em A vida literária no Brasil - 1900, fornece algumas
indicações das atividades memorialistas do escritor, assenta ele
que: “Segundo Almáquio Diniz teria sido o poeta baiano Pethion
de Vilar, em 1900, [...] um dos primeiros, senão o primeiro, a falar
em Nietzche no Brasil, citando uma frase de Zaratustra”.
(BROCA, 1960, p. 112). O mesmo autor transcreve duas cartas,
dirigidas a José Veríssimo por Diniz, retratando a índole belicosa
e, em certo sentido, contraditória do soteropolitano, em desavença
sobre sua candidatura à Academia Brasileira de Letras. (BROCA,
1960, p. 284-285).
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Tomando em conta Antônio Loureiro de Souza, em Baianos
ilustres, Almáquio Diniz Gonçalves “transferiu, em 1915, com a
família, para o Rio de Janeiro”; [...] “em 1918, submeteu-se a
concurso para lente substituto de Direito Civil na Faculdade
Nacional de Direito [...]. “Candidato, 4 vezes, à Academia Brasileira
de Letras, não logrou eleger-se” [...]. (SOUZA, 1979, p. 270).
Almáquio era, nas palavras de Edith Mendes da Gama e
Abreu, em seu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia,
em 1938, ao ocupar a vacância, por morte, da cadeira 37, saudando
o seu antecessor e seu primeiro ocupante, como um preocupado,
confor me característica de seu tempo, com “um labor
multímodo”. (GAMA E ABREU, 1942, p. 154).
Diniz era, além de jurista e jornalista, romancista e poeta, “[...]
deixando 180 trabalhos, onde o talento anda a par da erudição”.
Entre suas obras destaca-se o seu polêmico A carne de Jesus, de
1910, sobre o qual a acadêmica Edith da Gama e Abreu lançou
um protesto, deixando escrito: “Foi esse livro o grande erro de
Almáquio. [...] Só a pobre falibilidade do homem, na mesmice do
irresponsável, levantaria outrora o patíbulo do Calvário, como
talha hoje a cruz de um diagnóstico...”. (GAMA E ABREU, 1942,
p. 152-153).
Avulta, como dos mais importantes relatos biográficos de
Almáquio Diniz, o discurso de Gama e Abreu, que serve ainda
para apontar os maiores reveses da existência do escritor, assim
descritos: “E viu destruídas diante de si três grandes ambições,
talvez as mais intensas: entrar na Academia Brasileira de Letras,
ser catedrático da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro,
representar seu Estado no Parlamento Nacional”. (GAMA E
ABREU, 1942, p. 154).
Este oportuno desvio serve para amostrar, ao que parece, o
espírito também iconoclasta, rebelde e, sem dúvida, sonhador de
Almáquio Diniz.
O item seguinte diz respeito ao burburinho que o Manifesto
Futurista teve ou não no meio intelectual brasileiro/baiano.
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Evidente que sua publicação já demonstra o interesse do tradutor
em, pelo menos, guardar alguns instantes para reflexões e
conclusões imediatas.
As colocações textuais mostram-se esclarecedoras e até
esperançosas de qualquer manifestação contextual, como parecem
indicar as informações fornecidas dos 17 principais periódicos,
divulgadores do Manifesto Futurista, no mundo ocidental, além de
Le Figaro, como o órgão de estreia: franceses, Le Temps, Les Annales,
Le Gaulois, Le Siècle, Le Journal des Débats, Comoedia e L´Echo de Paris;
ingleses, Daily Telegraph e The Sun; alemãs, Kolnische Zeitung, Frankfurter
Zeitung e Vossische Zeitung; madrileno, El Liberal, gregos, Athensi e Le
monde hellenique, platinos, La Nación e El Diário Español, etc. São
citados também 20 nomes de personalidades, de adesões ou
rejeições, algumas já consagradas e até hoje recordadas, como os
franceses: Juliette Adam, mulher de letras, dona de um salão de
grande influência; Paul Adam, responsável por romances
tumultuados; Henry Bataille, escritor dramático; e Pierre Loti,
narrador impressionista, ligado a paisagens e a civilizações exóticas.
(DINIZ, 1909. p. 1). (DINIZ, 1909, p. 1).
Cita Diniz, talvez, a última criação de Marinetti, La donna è
móbile, lançado em Turim, sem deixar de incluir Le roi Bambance,
que fez sucesso em Paris.
Certamente para mostrar a tendência ao impulsivo e ao
temperamental, de algum modo ligada às marcas de época, Diniz
traz fato da vida pessoal do autor, referindo-se que Marinetti
“bateu-se em duelo com o sr. Charles Henry Hirsch, em que este
foi ferido”. (DINIZ, 1909, p. 1).
Por fim, antes do texto da tradução, dirige-se Diniz Gonçalves,
não apenas à mocidade, repetindo Marinetti:
Queremos impelir a mocidade para os vandalismos
intelectuais mais audaciosos, a fim de que ela viva com o gosto
das belas loucuras, a paixão do perigo e o ódio de todos os
conselheiros prudentes.
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Queremos preparar uma geração de poetas potentes e
musculosos, que saibam desenvolver o seu corpo animoso tão
bem quanto a sua alma sonora. Estes poetas, ébrios de orgulho,
apressar-se-ão em por fora de suas cátedras pedagogos e peões,
como as contra-correntes das multidões poeirentas das velhas
idéias andrajosas [...].
Glorificação do instinto e do faro no animal humano, culto
da intuição divinizadora, individualismo selvagem e cruel,
desprezo da antiga sabedoria [...]. (DINIZ, 1909, p. 1).
Mas, por igual, a todos voltados às criações artísticas: “E não
alongamos mais esta notícia, abrindo logo espaço para o que nos
parece interessante, muito ao nosso mundo intelectual”. (DINIZ,
1909, p. 1).
A última questão, ao que se saiba, logo de saída, o Manifesto
Futurista não ensejou qualquer obra, de aceitação ou revide, na
literatura brasileira/baiana. É oportuno se observar, no entanto,
que o texto traduzido já é uma posição assumida.
Dando crédito, mais uma vez, aos registros da história da
literatura brasileira, a respeito das origens do modernismo, Manuel
Bandeira, com Carnaval, é citado por Mário de Andrade como
provável precursor das idéias em obra literária, em seu ensaio “O
movimento modernista”, de 1967:
Em São Paulo, esse ambiente estético fermentava em
Guilherme de Almeida e num Di Cavalcanti pastelista,
“menestrel de tons velados” como o apelidei numa
dedicatória esdrúxula. Mas creio ser um engano esse
evolucionismo a todo transe, que lembra nomes de um
Nestor Vitor ou Adelino de Magalhães, como elos
precursores. Então seria mais lógico evocar Manuel Bandeira,
com o seu Carnaval”. (ANDRADE, 1967, p. 225).
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Somente dez anos depois do lançamento do Manifesto
Futurista, este teve o seu primeiro trabalho fixado em temas e
composições, e não necessariamente futurista, como atesta
Francisco de Assis Barbosa, em “Cronologia da vida e da obra
de Manuel Bandeira”:
1919 − Publicação do Carnaval (edição do autor). A Revista
do Brasil, dirigida então por Monteiro Lobato, disseca o livro
em poucas palavras; João Ribeiro torna a ter com o poeta
expressões de entusiasmo. Carnaval entusiasma igualmente a
geração paulista que iniciava a revolução modernista.
(BARBOSA. 1958, p. ciii).
A propósito, é bom se fazer uma correção importante, levandose em conta a publicação da resenha do Manifesto Futurista, por
Almáquio Diniz Gonçalves, nas anotações de Mário da Silva Brito,
arroladas no “Capítulo 48. A revolução modernista”, de A literatura
no Brasil, sob a direção de Afrânio Coutinho, assim está
erroneamente expresso:
Regressando da Europa, em 1912, Oswald de Andrade
fazia-se o primeiro importador do “futurismo” de Marinetti,
de que tivera apenas notícia no Velho Mundo. O Manifesto
Futurista, de Marinetti, anunciando o compromisso da
literatura com a nova civilização técnica, pregando o combate
ao academismo, guerreando as quinquilharias e os museus e
exaltando o culto às “palavras em liberdade”, foi-lhe revelado
em Paris. (BRITO, 1999, p. v. vi-4).
A história da literatura brasileira precisa de ser constantemente
refeita e que tenha em vista, sempre, as dimensões continentais
de nosso País.
O carisma de Oswald de Andrade talvez seja o responsável
por este equívoco, seguidamente repetido, como por exemplo
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em Oswald de Andrade: biografia, livro publicado em 2007, de Maria
Augusta Fonseca, citando e aprovando conclusões, não corretas,
de Paulo Duarte:
[...] o modernismo chegava pela primeira vez no Brasil em
1912, com o regresso de Oswald de Andrade de Paris, trazendo
no bolso o Manifesto futurista de Marinetti e a notícia do novo
movimento, ao qual dera sua adesão, inclusive a posição de
Paul Fort que, em sua nova poesia, pusera abaixo a métrica e a
rima. (DUARTE, 1985, p. 26).
O fato da divulgação do Manifesto Futurista por Almáquio Diniz
Gonçalves já ultrapassa, de há muito, as fronteiras do Estado da
Bahia e mesmo as do Brasil.
Gilberto Mendonça Teles, em Vanguarda européia e modernismo
brasileiro, ao introduzir o movimento futurista em suas origens e
comentando sua expansão, acrescenta: “Diga-se, de passagem,
que esse manifesto foi no mesmo ano publicado no Jornal de
Notícias, da Bahia, em 30 de dezembro de 1909, tendo no entanto
passado despercebido”. (TELES, 1997, p. 85).
Luciana Stegagno-Picchio, em sua História da literatura brasileira,
livro publicado em 1972, pela editora Sansoni-Accademia, de
Florença-Milão, e, posteriormente traduzido no Brasil, em 1997,
pela Nova Aguilar, já registra o acontecido, com apenas um
equívoco do momento, 1910, em vez de 1909:
O Manifesto de Marinetti fora publicado em Paris, no Figaro,
em 20 de fevereiro de 1909, e imediatamente tinha sido
traduzido na Bahia, em 1910, por Almáquio Diniz. Só será
conhecido de fato, porém, após a divulgação feita anos depois,
no Rio, por Graça Aranha, que, posteriormente, reproporá os
textos marinettianos quando da visita do já academizado
Marinetti ao Brasil (Futurismo − Manifestos de Marinetti e seus
companheiros, 1926). (STEGAGNO-PICCHIO, 1997, p. 466).
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No entanto, seguindo à risca os caminhos dos trabalhos com
periódicos, o professor José Aderaldo Castello (CASTELLO,
1999, p. 60), da Universidade de São Paulo, em A literatura brasileira:
origem e unidade, volume II, já assentava:
Almáquio Diniz divulgaria o primeiro manifesto futurista
em jornal de Salvador no mesmo ano do seu aparecimento na
Europa, 1909. E ao redivulgá-lo anos mais tarde, juntamente
com a notícia crítica sobre “O Romance de Marinetti” −
Mofarca, il Futurista, de 1910, esclarecia como o obteve:
Foi em 1909. Recebi, casualmente, um número da revista –
“Poesia” − de que era redator F. T. Marinetti. Nela vinha o
primeiro manifesto futurista. Naturalmente recebi estranhas
impressões diante do esquisito da criação literária ali contida
De pronto, no “Jornal de Notícias” − da Bahia, de 30 de
dezembro de 1909, sob o título “Uma nova escola literária” −
publiquei precedido de algumas palavras elucidativas, o
manifesto do Futurismo. (DINIZ, 1926).
Como se pode provisória, mas comprovadamente concluir,
ao que tudo indica, somente mais de uma dezena de anos mais
tarde, Marinetti teria seu Manifesto Futurista debatido e seguido,
ao menos em parte, no Brasil.
E, ao que tudo direciona, foi Almáquio Diniz Gonçalves o
primeiro tradutor brasileiro do texto integral do Manifesto Futurista,
divulgando seu trabalho, como colaborador do Jornal de Notícias,
de Salvador-Bahia, em 30 de dezembro de 1909.
REFERÊNCIAS
ALVES, Marieta [Maria Amélia de Carvalho Santos Alves]. Intelectuais
e escritores baianos: breves biografias. Salvador: Fundação Museu da Cidade
− FUNCISA, 1977. p. 82. [GONÇALVES, Almáquio Diniz].
135
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DE
L ETRAS
DA
B AHIA , n. 49, 2010
ANDRADE, Mário. O movimento modernista. In: ANDRADE, Mário.
Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1967. p. 221-246.
BARBOSA, Francisco de Assis. Cronologia da vida e da obra de Manuel
Bandeira. In: BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: José
Aguilar, 1958. p. ci-cvi.
BRITO, Mário da Silva. A revolução modernista. In: COUTINHO,
Afrânio (Direção) e COUTINHO, Eduardo de Faria (Co-direção). A
literatura no Brasil. 5. rev. e ed. atual. São Paulo: Global, 1999. v. v.
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. 2. ed. rev. aum. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1960.
CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade. São
Paulo: EDUSP, 1999.
COUTINHO, Afrânio e SOUZA, J. Galante de (Dir.). Enciclopédia de
literatura brasileira. 2. ed. rev. atual. e ilu. sob a coordenação de Graça
Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: FBN/
DNL: ABL, 2001. v. i.
DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec/
Secretaria Municipal de Cultura, 1985.
GAMA E ABREU, Edith Mendes da. Discurso de posse. Revista da
Academia de Letras da Bahia, Salvador, vi, p. 149-163, 1942.
[GONÇALVES], Almáquio Diniz. Uma nova escola literária. Jornal de
Notícias, Salvador, p. 1, 30 dez. 1909. [Resenha do Manifesto Futurista].
STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. História da literatura brasileira.
Tradução Pérola de Carvalho e Alice Kyoko. rev. atual. bibliog. Paulo
Roberto Dias Pereira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
SOUZA, Antonio Loureiro de. Baianos ilustres. 3. ed. ver.. São Paulo:
IBRASA; Brasília: INL, 1977. p. 269-270.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro.
Apresentação e crítica dos manifestos, prefácios e conferências
vanguardistas. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
Benedito Veiga é ensaísta, professor e pesquisador da UEFS, autor de vários
livros, como o recente Dona Flor, uma história de cinema (2009).
136 O MANIFESTO FUTURISTA
Traduzido e publicado por Almachio Diniz
no Jornal de Notícias,em Salvador-Bahia
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Poesia
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POESIA
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PLÍNIO O VELHO
E A NUVEM MISTERIOSA
SEGUNDO PLÍNIO O MOÇO
E UMA ANÁLISE DE UMBERTO ECO COM BREVES
CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UM POETA
SEGURAMENTE PERSONA NON GRATA
Ruy Espinheira Filho
I
Era o nono dia
antes das calendas de setembro.
Embora comandasse a frota
Plínio o Velho apenas estava
em Miseno
posto em sossego.
Tomara um banho de sol
em seguida um banho frio
comera reclinado uma leve refeição
agora estudava. E foi quando
cerca da sétima hora
a mãe de seu sobrinho
Plínio o Moço
indicou-lhe ao longe a aparição.
E ele pediu as sandálias
e subiu a um lugar de onde poderia
ver melhor
o que se elevava e se abria
como uma estranha árvore
no horizonte.
141
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A CADEMIA
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DA
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II
Acesa a chama da alma
das interrogações da ciência
Plínio o Velho pediu que preparassem
uma liburna
para ver de perto a
nubem inusitata
como escreveria seu sobrinho a Tácito
25 anos mais tarde
(o que bem poderia não ter ocorrido
não houvesse ele
o Moço
ao convite do Velho
sentido mais forte a flama
dos estudos que fazia em casa).
E então se ia o Velho
mas uma mensagem da mulher de Casco
Rectina
chegou-lhe com pedido de socorro
pois
de sua vila ameaçada só
poderia fugir pelos caminhos
do mar. E o Moço conta
que aquilo para que estava preparado
com ânimo de estudioso
o Velho passou a executar em espírito
heróico.
E ordenou trirremes
em rota de salvação.
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DE
L ETRAS
DA
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III
E lá se foi
até que começaram a vir
pedras e cinzas sobre as naves
quando
contra os conselhos do seu piloto
manda o Velho manobrar
a Stabia
observando que a sorte
ajuda os corajosos. Lá
ao medo de Pomponiano
abraçou-o
confortou-o
encorajou-o
fez-se conduzir ao banho
depois reclinou-se e jantou
alegremente
dizendo que aquelas labaredas
não passavam de fogos deixados acesos
por camponeses em fuga
e que lhes queimavam os casebres. E assim ditas
tais palavras
foi descansar
dormiu profundamente
enquanto o pátio de acesso ao quarto
subia tanto
com as sujas nuvens que desciam
que um pouco mais lhe impediria
a saída. E quando então
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R EVISTA
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L ETRAS
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saiu
a casa se movia
dançava
e todos puseram travesseiros na cabeça
atados com lenços. E em meio às vozes
do medo
o Velho era a razão
mais forte. E foram à praia
porém o mar não se submeteu
ao almirante. Era tudo noite
em pleno dia. E ali, na praia,
o Velho
deitou-se sobre um lençol
e bebeu duas vezes água fresca
mas um cheiro de enxofre pôs em fuga as pessoas
que o acordaram
e ele
apoiando-se em dois servos levantou-se
para logo cair. E quando
voltou a luz do dia
(o terceiro desde que o vira
pela última vez)
seu corpo foi encontrado
ileso
coberto pelas vestes
como se estivesse apenas
adormecido.
144 R EVISTA
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DE
L ETRAS
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IV
Com espírito heróico
escreveu o moço
sobre a decisão de navegar
do Velho. Mas não sabia
ele
o Velho
o que o Moço saberia. Via apenas uma
nubem inusitata
talvez um incêndio (como concluiu) de casebres
de onde vinham as cinzas
nas proximidades de um vulcão (já o dissera)
extinto. Assim,
por que não banhar-se
cear e dormir
tranqüilamente? Amanhã
seria um novo e luminoso
dia.
Fora-se o Velho
até ali
nas ondas
sem nada saber
da estranha árvore no céu.
Sem nada desconfiar
do engano de sua ciência.
Sem nada pressentir
da morte à sua espera
na praia. A morte
sem heroismo algum
talvez apenas
um especialmente incômodo
desapontamento.
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L ETRAS
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V
Mas o Moço escreveu a carta
25 anos depois. Ele amava o Velho
que lhe era um herói mesmo bem antes
daquela viagem. Um herói do espírito.
E um herói há de ser sempre
heróico
e heroicamente findar. E assim,
sem dúvida,
aquilo que estava preparado com ânimo de
estudioso
executou em espírito heróico. E assim foi
na carta
e apenas nela
ficou
que dos relatos de Tácito só sabemos
até nove anos antes
da nuvem à qual viajou
o Velho.
Aquele ilustre
ali
no sono da morte
desamparado pela ciência
e pelos deuses
que nenhum deles o advertira das fúrias
da Terra
nem mesmo o deus mais jovem
ressuscitado não havia
50 anos
e que
na verdade
nunca dera muita importância às coisas do reino
deste mundo.
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POEMAS
Cyro de Mattos
O MENINO E O MAR
Era a primeira vez
Que tinha ido ver o mar.
Todo alegre, de calção,
Peito nu e pé no chão.
Quando viu tanta água
Fazendo barulho
Sem parar, disse:
– Pai, me dê sua mão.
____________
Obs: O poema “O Menino e o Mar” foi um dos vencedores do 5º Concurso
Poético Cancioneiro Infanto-Juvenil do Instituto Piaget de Almada, Portugal,
concorrendo com centenas de poetas de países de língua portuguesa.
147
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Cyro de Mattos
MARAMATA
Para Soane Nazaré de Andrade
Vozes duma canção
Nas vagas do verde,
Por entre os azuis
Batem, voltam,batem
Contando minha história.
Vejo em aflição o mar
Na barra de Ilhéus.
Afogam-se as ondas
Dos que silenciam
Com o navio Itacaré.
Todo esse desespero
De índios nadadores
Mergulha no sangue.
Bebem o extermínio
Ventos, luas e marés.
148 R EVISTA
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Cyro de Mattos
No Engenho de Santana
África agora se atreve
Na certeza de manhãs,
Batucam que batucam
Tambores sem cambão.
Rio acima o sonho flui,
Ondas da vegetação
Inundam o olho azul
Animado pelas galhas
Do príncipe europeu.
Tudo que sei de mim
Por terra, ar e mar
Flutua nas espumas,
Na clave dos ocasos
Vem de longe cantando.
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Cyro de Mattos
SONETO DE ITABUNA
Encontro-me no verde de teus anos,
Como sonho menino nos outeiros,
Afoitas minhas mãos de cata-ventos
Desfraldando estandartes nessas ruas.
São meus todos esses frutos maduros:
Jaca, cacau, mamão, sapoti, manga.
E esta canção que trago na capanga
É o vento soprando nos quintais.
Quem me fez estilingue tão certeiro
Nos verões das caçadas ideais?
Quem nesse chão me plantou com raízes
Fundas até que me dispersem ventos
Da saudade e solidão? Ó poema!
Ó recantos! Ó águas do meu rio!
150 R EVISTA
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Cyro de Mattos
A ÁRVORE E A POESIA
A árvore dá as flores
A poesia dá no perfume
Os fios sem fim do sonho
A árvore dá os frutos
A poesia dá as palavras
Onde põe suas verdades
A árvore dá a casca
A poesia dá as rugas
Do tempo no galope
A árvore dá as folhas
A poesia dá nas visões
As vestes da vida e da morte
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R EVISTA
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L ETRAS
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Cyro de Mattos
PASSARINHOS
Eram passarinhos
No frescor dos sonhos,
Na lã da aurora.
Eram passarinhos
Que bicavam as frutas
Nas manhãs maduras.
Eram passarinhos
De cantares afoitos
No arco-íris das ruas.
Eram passarinhos
Dispersos nas penas
Das rações duras.
152 R EVISTA
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SEIS SONETOS
Luís Antonio Cajazeira Ramos
SONETO PERIPATÉTICO
Se a solidão adensa com seus frios
humores o silêncio de geleiras,
a esperança derrete como guizos
de festa o gelo em cores de aquarelas.
E se a esperança se contorce em risos,
como a graça incontida de donzelas,
a solidão imposta-se de brios,
como um asco escolástico de freiras.
Essas inseparáveis inimigas
giram em roda efêmera de intrigas...
E a gente atesta, no avançar das pernas,
que a solidão esperançosa, tanto
quanto a esperança solitária, entanto,
são nada, nada mais além de eternas.
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Luís Antonio Cajazeira Ramos
O POETA EM MIM
Há um poeta em mim que Deus me disse...
Fernando Pessoa
O poeta disse que há um Deus em mim.
E disse sem dizer – ou não dissesse.
Ah, poeta, eu sou o Deus de tua prece,
erva daninha axial de teu jardim.
Melhor: eu sou o totem do esconjuro
que dá sentido a teu mundéu de fé.
Ainda melhor: sou tudo o que não é
senão o escuro que disfarça o escuro.
Que Deus te disse!... Tua própria voz
abre horizontes, mas os fecha em nós.
E o fado triste alegra-se em destino.
Eu creio, poeta, pois que Deus me disse,
olhando a hora como quem sorrisse:
tu és meu bálsamo do desatino.
154 R EVISTA
DA
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Luís Antonio Cajazeira Ramos
SEM GUARIDA
A.G
A saudade reside em meu portão.
Às vezes entro e saio sem notá-la.
Quando a encaro, porém, falta-me a fala.
Não há palavras para a solidão.
Terrível o lugar de seu plantão.
Sentinela invasora, não se abala.
Se entro ou saio, fuzila-me sem bala.
Caso contrário, prende-me no chão.
Tento ficar em casa em companhia.
Tento entrar e sair acompanhado.
Mas seu olhar me caça noite e dia.
Penso mudar de casa e dar um basta.
Mas nessas horas ela adianta o fado.
Mais se aproxima, e tudo mais se afasta.
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Luís Antonio Cajazeira Ramos
SPECTOR
Se você fosse você, como seria e o que faria?
Clarice Lispector
Clarice, “se eu fosse eu” não faz sentido.
É como se eu pudesse ser alguém.
Pois nem ser eu sei ser, quanto mais quem
houvesse além de si haver havido.
Melhor deixar aquém o ser contido
e se deixar além de todo além.
Há muito que essa vida não faz bem
a quem vive pensando ou comovido.
Melhor não ser Clarice nem ser eu,
Clarice, nem ser eu a te dizer
o que é melhor – a ti, que já morreu
em mim o que queria conhecer
o que sentia, o que queria meu
um jeito, no sem jeito de viver.
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Luís Antonio Cajazeira Ramos
A VER BALEIAS
Eu agora só faço o que for fácil.
Dificuldade é tudo - o que não quero.
Que tudo é mais que tudo lero-lero.
Enchi o saco, Conselheiro Acácio.
Pois a vida é tão simples, tola, breve.
Nada chega senão num piscar d'olhos.
Vou levar-me até onde o vento leve.
Bem além do Arquipélago de Abrolhos.
Sem limites, vou longe... Mas que droga!
Longe é profundo. E tão desconhecido.
E metafísico, amplo mar que afoga.
Eu quero o raso, só meus pés imersos.
Desaprender o dito, o ouvido, o lido.
Jogar conversa fora e fazer versos.
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R EVISTA
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Luís Antonio Cajazeira Ramos
SONETO DO ABANDONO
Um dia teus amigos, meu amigo,
não mais terão pudores e cuidados
para encontrar motivos fabulados
no intuito de escapar de estar contigo.
Um verá nuvens negras no céu claro.
Um quisera a enxaqueca pôr de cama.
Um a dona que passa sua alma inflama.
E assim todos se vão... E era tão caro
a ti veres o zelo às tuas dores!...
Acresce a tantas faltas a mais certa:
o fim da solidão. Pois quando fores
seguir a todos mais, nenhum alerta:
a tua dor maior são essas flores
sorrindo sobre a tumba sempre aberta.
158 R EVISTA
DA
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L ETRAS
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POESIA/TRADUÇÃO
QUATRO POEMAS / QUATRE POÈMES
Jean-Albert Guénégan
Tradução:
Odette Branco
Dominique Stoenesco
Poète né à Morlaix, petite ville
située au nord du Bretagne, en
1954. Auteur de plusieurs
recueils de poèmes, de récits, de
souvenirs d’enfance et de livres
d’artistes. Traduit en langue
bretonne, portugaise et italienne.
Mentionné dans diverses revues
comme Avel IX, A l’index et
anthologies comme Poètes de
Bretagne de Charles Le Quintrec
en 2008. Il participe chaque
année au Printemps des Poètes,
anime des soirées de lecture en
médiathèque, dans les centres
culturels et dans les établissements
scolaires.
Poeta nascido em Morlaix, no
norte da Bretanha, em 1954. É
autor de livros de poesia, de ficção,
de recordações de infância e de
livros de arte. Foi traduzido em
língua bretã, em português e em
italiano. Sua obra tem referências
em diversas revistas, como Avel IX,
À l’index ou Latitudes-Cahiers
lusophones e também na antologia
Poètes de Bretagne, de Charles Le
Quintrec, publicada em 2008. JeanAlbert Guénégan participa todos os
anos do Printemps des Poètes, organiza
encontros de leitura em mediatecas,
em centros culturais ou em estabelecimentos escolares.
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R EVISTA
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L ETRAS
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Jean-Albert Guénégan
JE RECONNAIS BIEN LÀ
Je reconnais bien là
mon pays d’Armor
quand le ciel râle après l’océan,
qu’ils se mordent et se croquent.
Je me tais et toute vie aussi
puisque passe le dernier jour
emportant avec lui
un élu des cieux.
La main sur l’horizon
noir mais pas mort,
je peux vous le dire
Armor fiévreux des tempêtes,
îles que je hume la nuit seulement,
je ne veux pas rester à terre
et c’est un vent criant contre son sort
qui noie mes yeux.
Mon âme ancrée dans les sables roses
s’accroche fort
au granit de Trégastel.
De ce mal terrien me reste
la mélancolie des mouettes
au vol signé de croix,
gravant leurs peurs dans la pierre.
Ici, tout est de roc
même les échos du large…
Ils disent que la vie est courte
prendre les rames de ce bateau de pierre
serait le médaillon de ma vie.
(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté)
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DA
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DE
L ETRAS
DA
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Jean-Albert Guénégan
RECONHEÇO BEM AÍ
Reconheço bem aí
minha terra de Armor
quando o céu protesta contra o mar,
quando eles se trincam, se mordem.
Calo-me, a vida também,
pois passa o último dia
levando
um eleito dos céus.
A mão no horizonte
negro mas não morto,
posso afirmar:
Armor febril de tempestades,
ilhas que respiro à noite somente,
não quero ficar em terra
e é um vento bradando contra sua sina
que afoga meu olhar.
Minha alma ancorada na areia rosa
agarra-se com força
ao granito de Trégastel.
Sobra-me dessa dor térrea
a melancolia das gaivotas
num voo em sinal de cruz,
gravando seus medos na pedra.
Aqui, tudo é rocha,
até os ecos do alto-mar
dizem que a vida é breve,
pegar nos remos deste barco de pedra
seria a apoteose da minha vida.
(Inédito – extrato de Três espaços de liberdade)
161
R EVISTA
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L ETRAS
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Jean-Albert Guénégan
OUESSANT
Ouessant
armure contre mes tempêtes,
sentinelle de mes solitudes
mon haleine que je réapprends,
mes paupières neuves sur le lointain,
gifle à ma nouvelle personne.
Un vieil homme défiguré
d'avoir trop vécu à côté de sa vie,
d'avoir trop levé
les haltères de son âme
me dit :
“Vois-tu jeune homme,
ici on peut se regarder
se modifier, se reconstruire,
se dire qu'il est encore temps”.
(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté )
162 R EVISTA
DA
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DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
Jean-Albert Guénégan
OUESSANT
Ouessant
armadura contra minhas tempestades,
sentinela das minhas solidões,
alento que reaprendo,
pálpebras pousadas no longíncuo,
afronta ao meu novo ser.
Um homem velho desfigurado
por ter vivido demais fora de sua vida,
por ter erguido demais
os halteres da alma
disse-me:
“Sabe, jovem, aqui podemos olhar-nos
modificar-nos, recontruir-nos,
dizer-nos que ainda é tempo”.
(Inédito - extrato de Três espaços de liberdade)
163
R EVISTA
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L ETRAS
DA
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Jean-Albert Guénégan
À OUESSANT
A Ouessant
la baisse du jour
est une intuition.
Pas de cris mais…
Des claquements d'ailes.
Les mouettes soupèsent
le clocher des prières,
quelque chose ou quelqu'un dans le regard.
(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté )
164 R EVISTA
DA
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L ETRAS
DA
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Jean-Albert Guénégan
EM OUESSANT
Em Ouessant
o entardecer
é uma intuição.
Sem gritos mas...
Asas a baterem.
As gaivotas a pesarem
o sino das orações,
algo ou alguém no olhar.
(Inédito - extrato de Três espaços de liberdade )
165
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L ETRAS
DA
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Jean-Albert Guénégan
DÉS L’AUBE
Dès l'aube
à Ouessant
vent et grêle,
pluie à genoux
devant ses ombres.
Appauvri
par son peu de lumière
le matin s'estompe,
le jour se renie.
Il n'y a que la brume
dans le monologue de ses ruelles
qui peut rapprocher
l'île de son âme.
(Inédit – extrait de Trois espaces de liberté )
166 R EVISTA
DA
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DA
BAHIA , n. 49, 2010
Jean-Albert Guénégan
DESDE A ALVORADA
Desde a alvorada
em Ouessant
vento e geada,
chuva, de joelhos
face às suas sombras.
Empobrecida
pela sua pouca luz
a manhã esvaece,
o dia renega-se.
Só a bruma
no monólogo das suas vielas
pode aproximar
a ilha da sua alma.
(Inédito - extrato de Três espaços de liberdade )
167
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R EVISTA
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BAHIA , n. 49, 2010
POESIA/TRADUÇÃO
Marc Quaghebeur
Tradução:
Leonor Lourenço de Abreu
José Jerônimo de Morais
Escritor e crítico belga, de língua francesa, nascido
em Tournai, em 1947. Diretor dos Arquivos e Museu
da Literatura em Bruxelas. Sua obra teórica, na área
das literaturas francófonas, propõe uma articulação
entre Estética e História. Como poeta, publicou, entre
1979 e 1989, cinco coletâneas do “Ciclo da Morta”:
Só a erva (L’Herbe seule); Chiennelures; O Ultraje
(L’Outrage); Pássaros (Oiseaux); À Morta (À la morte).
Em seguida, na década de noventa, as “Áreas dos
Anciãos” (As Velhas (Les Vieilles); Os Carmelitas de
Saulchoir (Les Carmes du Saulchoir); A Noite de Yuste
(La Nuit de Yuste)), onde se dá a passagem para a
prosa poética. Esta concretiza-se através dos
pequenos poemas em prosa de Claro-escuros (Clairs
obscurs, 2006). Marc Quaghebeur acabou de escrever
um romance.
169
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A DÁDIVA / PUR PRÉSENT
Marc Quaghebeur
Embora o primeiro texto que se encontra em Claro-escuros (Clairs
obscurs, Cognac, Le Temps qu’il fait, 2006) “A festa do Santíssimo”
(La Fête-Dieu), tenha sua origem em um acontecimento ocorrido
no centro da França, foi o Brasil dos anos noventa que, na
realidade, desencadeou o processo de escrita de minhas pequenas
prosas. Em poucas linhas, extremamente ritmadas e trabalhadas,
todas elas condensam episódios da segunda metade do século
vinte, procurando universalizar o acontecimento ou a figura que
lhes deu origem. O trabalho da língua e da forma visa, por
conseguinte, extrair, da anedota, o essencial. De certo modo, este
trabalho inscreve-se numa determinada tradição clássica francesa
do século dezessete, conjugada à modernidade.
Livro de escritor peregrino que não concebe a literatura fora
do binômio enraizamento/desengajamento, Claro-escuros reúne
uma parte das pequenas prosas poéticas escritas entre 1995 e
2003. A publicação do livro foi precedida de publicações em
revistas. Em 1999, a revista suíça Écriture (Escritura), n°53,
publicou alguns textos sob o título de “Destinos” (Destins),
numa versão menos adensada que a da edição definitiva. Em
2005, a revista belga Traversées (Travessias), n°40, publicou alguns
outros que a lógica de composição do livro me havia forçado a
abandonar.
O título que eu desejava dar ao livro, Luzes de sombras (Lumières
d’ombres), não obteve o aval do editor. Optamos então por Claro170 R EVISTA
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escuros, que evidencia o caráter pictórico da minha escrita, ao passo
que Luzes de sombras poria em destaque a forma de representação
do mundo em gestação neste livro.
Foram as minhas estadas no Brasil, em 1995 e 1996, que
desencadearam fundamentalmente a gênese desse tipo de escrita,
que poderíamos qualificar de impressão quintessenciada. A
descoberta de Salvador e da Bahia levou-me à convicção de que
o Brasil é portador de um potencial significativo para o futuro do
mundo. Isso me impulsionou para formas de expressão distintas
das anteriores.
“Todos os santos” remete para uma cena diurna numa das
praias de Salvador; “O Passante”, para uma noturna. “A Praia”,
por sua vez, situa-se num local onde as correntes marinhas são
traiçoeiras (Itacimirim).
“Rio Graciosa” remete para o barco que traz de volta os
visitantes de Cairu; “O Caminhante” é um encontro em Cachoeira;
e “A Foz”, uma outra cena patética que aconteceu em Maragogipe,
junto a um antigo posto de gasolina transformado em bar
improvisado. Por sua vez, “O Anônimo” provém da minha
descoberta de Maragogipinho e de suas olarias. “Filho
acontecido”, “A Voz” e “O Falanstério” configuram a
metamorfose literária de vicências de pessoas de quem me tornei
amigo, em Salvador.
Ainda de Salvador, a história de “Bruxaria”, cada vez mais
universal em nossos dias (outros a têm vivenciado). Uma nova
Inquisição vem se instalando. Vê-se, neste caso, até onde pode
chegar a sua perversão. Por fim, “O Descanso” decorre de
uma escala imprevista do meu avião de retorno a Bruxelas,
em Recife.
Desde então eu não voltei ao Brasil, mas acabo de publicar,
em Porto Alegre, Entre Real e Surreal : antologia da literatura belga de
língua francesa (Tomo Editorial, 2009), cuja edição brasileira é da
responsabilidade de Zilá Bernd, Leonor Lourenço de Abreu e
Robert Ponge.
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Todos os Santos
À l’écart, un regard. Un tronc blanc mord le sable. L’enfant
noir s’aventure.
Il tremble, s’agrippe aux bords de l’arbre mort, hésite. Se raidit,
puis s’assoit, extatique.
Au loin, de grands métis s’affairent. Oiseau étriqué, l’infant
poursuit seul l’antienne torturée de l’exclusion.
Celle des pierres tendres de l’Aleijadinho. Des bois flagellés de
Francisco Manoel das Chagas.
(In : Clairs obscurs)
Todos os Santos
À parte, um olhar. Um descolorido tronco jogado na areia. O
menino se achega. Ele é negro.
Ele treme, se agarra aos nós da árvore morta, hesita; se apruma
e senta-se, extático.
Ao largo, atléticos mestiços se divertem. Qual ave canhestra, o
infante percorre, solitário, a eterna via crucis da exclusão.
Aquela das pedras macias do Aleijadinho. Dos troncos
flagelados de Francisco Manoel das Chagas.
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Le Passant
Coup de blanc. À l’Est, de très longs canards noirs. Quelque
lumière, bois de lune. À l’Ouest, l’obscur. Et les rayures
chatoyantes d’un Lido. Au centre, un bruit qui froisse. Rame et
ressasse.
L’homme n’entrevoit que des bétons. Tout avant, violacée qui
s’égoutte, comme entre ciel et terre, une vitrine. Falaise.
Au rivage, la silhouette, ses babioles invendues. Nulle barque.
Nul hamac.
Obstiné un clignotement équivoque. L’homme a pressé le pas.
Il a le dos voûté. Il funambule.
(In : Clairs obscurs)
O Passante
Um clarão. Ao nascente, negras nuvens, etéreos patos
longilíneos no horizonte. Difusa luz, bosque ao luar. Ao poente,
escuridão. E as raias cambiantes de um vago restaurante. À beiramar, passos sussurrantes. Ondas em vai e vem.
O homem nada mais vislumbra, além da barreira de concreto.
Logo em frente, esparramando roxo, como entre céu e terra, uma
vitrine. Falésia.
Pelo areal, sua silhueta, as quinquilharias inegociadas. Nenhum
barco. Nenhuma rede.
Enigmático piscar de luzes, persistente. O homem termina
apressando o passo, encurvados os ombros, funâmbulo.
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La Plage
La lumière est au zénith. À peine entrevoit-on quelque calotte
d’écume.
Un homme nage. Il croit retourner vers les sables. Vers la femme
qui l’y attend. Son horizon pourtant s’éloigne.
Jadis l’eau du grand fleuve qui le vit naître avait failli l’engloutir.
(In : Clairs obscurs)
A Praia
Sol a pino. Apenas algumas franjas de espuma se vislumbram.
Um homem a nadar. Imagina estar de volta às areias. Para a
mulher que lá o espera. Seu horizonte, no entanto, se vai
distanciando.
Outrora, escapara de ser tragado pela correnteza do imenso
rio que o viu nascer
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Rio Graciosa
Entre les mangroves une barge. Le soir approche. À l’avant,
un homme au port hiératique; un regard. À le voir on devine ce
qu’ont dû être les autochtones.
Entre ses mains, une caisse de friskos. Le premier acheteur
trouve un billet: i1lui donne droit à un second cornet. Tous se
précipitent. L’Indien sourit. Des éclats fusent.
Le nombre de cadeaux équivaut à peu près à celui des achats.
L’Indien continue de sourire.
Ses traits se sont figés.
(In : Clairs obscurs)
Rio Graciosa
No meio do manguezal, um barco. O entardecer avança. À
proa, de porte hierático, um homem. Um olhar. Ao vê-lo, imaginase como teriam sido os nativos.
Carregava uma caixa de isopor, com picolés. O primeiro freguês
encontra o brinde para mais um picolé. Todos acorrem. O índio
sorri. Risadas espocam.
Quase tantos brindes quantos os picolés vendidos!
O índio continua sorrindo.
Os traços se crispando.
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Le Marcheur
Ses bras défilent, moulinent ou frappent.
Le parcours paraît suivre un chemin secret mais codé. Aucun
regard. Forêt d’âge et de poussier, ébouriffés, ses traits figés parfois
s’éveillent.
L’axe dévie. Un essuie-glace y est passé. Un bref instant, la
marche devient valse. Le pas repart.
La forme a dépassé la cinquantaine. Par tous les temps elle
porte un manteau bleu.
Jamais un mot. L’homme, dit-on, descend d’une caste de vieux
sages.
(In : Clairs obscurs)
O Caminhante
Avança, braços em compasso de marcha, ou de turbilhão, de
ameaça talvez.
Os passos, parece, seguem um secreto caminho, p’ra ele já
sinalizado, sem precisar olhar. Esquálidos e emaranhados cabelos
de antanho, seus traços vincados por vezes se animam.
Muda de foco, arranca um limpa-parabrisa. Por instantes a
marcha é valsa. E o passo irrompe.
Já passou dos cinquenta a figura. Nem importa o tempo, veste
sempre um sobretudo azul.
Jamais ouve-se-lhe uma palavra. O homem, dizem, descende
de uma casta de velhos sábios.
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L'Embouchure
Ici s’excise en lisière la baie. Au gré des bancs, profond des
terres, elle paraît. Ainsi le fleuve. Il se confond avec leur manne
verte.
Aux anses, comme alluviale, une bourgade. Quartiers et rues
bancals s’y agglomèrent. Le vent les laisse. Au centre, une aubette.
Point de pompes. Des socles. On y a posé quelques chaises. Deux
hommes les bariolent. A leur côté, des femmes sirotent les élixirs
de la torpeur.
Sur vient midi. Frénétique, l’un bondit. L'autre le suit,
cérémonieux. Jusqu’à la guimbarde qu’il touche, secoue, voudrait
cabrer. L’autre opine du chef, puis fait silence. Ebahis et voûtés,
ils s’en retournent.
Les femmes n’ont pas tourné la tête. De longue date, elles ne
les gaussent même plus.
(In : Écriture)
A Foz
Aqui a baía se recorta da orla. Ao capricho de sulcos em
ondulações desde as profundezas, ela se desenha. Assim, também
o rio. Ele se confunde com o entorno, maná verde.
Nas enseadas, modeladas pelo vai-e-vem de ondas e arroios,
um vilarejo. Emaranhado de ruas e vielas que até o vento esquece.
No centro, um antigo posto de gasolina. Nenhuma bomba.
Apenas vestígios. Umas poucas cadeiras ali postas. Matizadas por
dois homens. Ao lado, as mulheres bebericam o torpor de seus
amavios.
Dá meio-dia. Sobressaltado, um deles dispara. O outro o segue,
cauteloso. Até ao calhambeque, agarra-o, sacode, como gostaria
de fazê-lo corcovear! O outro acena, depois é tudo silêncio.
Aturdidos e cabisbaixos, eles retornam.
As mulheres sequer se voltam. Há muito, elas nem mesmo
fazem gozação deles.
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L'Anonyme
Sur la place, on débouche d’un coup. Comme par inadvertance.
Un liseré bleu anime les façades. L’ensemble est d’un blanc presque
lisse. On dirait un confin intérieur. Rien ni personne. En contrebas,
quelques cabanes; d’informes murs de glaise; quelques treillis. Des
toits, longs feuillages séchés. Un silence absolu.
L’intemporel.
Des silhouettes assises marmonnent la pénombre. Un long pied
nu, la roue. Boue sur le tour, une main. Elle se joue, anime, se
fige. Quelque spatule crée la forme.
Sur l’établi, des gnomes et des bêtes; des coquilles. Une femme.
Elle est venue jadis de l’en deçà des mers. Des mains noires en
ont revisité les lèvres, le visage.
Son nom : Nossa Senhora da Conceiçao.
(In : Clairs obscurs)
O Anônimo
Desemboca-se de chofre sobre o largo. Como que sem querer.
Uma barra azul dá vida às fachadas. O conjunto é de um branco
monôtono. Podia-se comparar a uma fronteira sem aléns. Nada e
ninguém. Abaixo, alguns barracões; paredes sem prumo, de taipa;
uma ou outra cerca. Por cobertura, longas palhas de coqueiro.
Silêncio absoluto.
O intemporal.
Silhuetas sentadas sussurram a penumbra. À roda, um pé
descalço, comprido. Sobre o torno, argila; e uma mão. Ela se
diverte, adeja, se imobiliza. Alguma espátula cria a figura.
Sobre a bancada, gnomos e bichos; conchas. Uma mulher. Vinda
outrora do lado de lá do mar. Mãos negras retocaram lábios e
rosto.
Seu nome: Nossa Senhora da Conceição.
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Fils prodigué
Toujours, le benjamin apparut comme une exception heureuse.
Un soir d’ivresse, l’aîné évente le secret de sa naissance que
tous, sauf lui, partageaient. Le fils interroge sa mère. L’émotion
est intacte.
Son père convoyait de lourds charrois. Il avait coutume de
descendre dans l’auberge qu’elle avait ouverte après s’être séparée
du père de ses douze autres enfants. Il y a peu, il s'est installé à
deux pas de la ville de leurs amours.
Le fils s'y rend. S'enquiert de l’homme. Entre dans le café où il
a ses habitudes. Salue. Deux regards se croisent. Les yeux
s'embuent.
Aucun doute.
Tout s’est joué avant les mots.
(In : Clairs obscurs)
Filho acontecido
De todo o sempre o caçula é visto como feliz surpresa.
Num entardecer de bebedeira, o mais velho desvela um segredo
de todos sabido, exceto do caçula. E este interpela sua mãe. Total
a emoção.
O pai conduzia pesadas carretas. E costumava parar na pensão
que sua mãe abrira, depois de separar-se do pai de seus doze
filhos. Mudara-se ele, há pouco, para bem perto da cidade de
seus amores.
Para lá dirige-se o caçula. Informa-se. Entra no bar que o
homem costuma frequentar. Cumprimenta. Cruzam-se dois
olhares. Olhos marejam.
Nenhuma incerteza.
Tudo se perfaz antes mesmo das palavras.
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La Voix
Elle avait gagné le Grand-Nord et y recevait, de temps à
autre, des appels d’un lointain parent de sa colocataire. La
belle Amérindienne émut le correspondant anonyme habitué
à des accents plus gras-seyants. Il lui proposa d’apprendre sa
langue par ses soins.
La réceptionniste daubait gaiement le moderne trouvère.
Elle ne refusa pas l’invitation à le rejoindre au bord des lacs et
s’en revint par le chemin des écolières. Le Mississippi remplaça
le Saint-Laurent. Puis quelque baie de l’hémisphère Sud.
Un sabir inimitable y exalte en permanence le curieux
mentor.
Trois langues s’y emmêlent.
A Voz
Ela havia se estabelecido no Gigante do Norte, onde, de
tempos em tempos, atendia as ligações de um contraparente
de sua co-locatária (OU co-inquilina / colega de pensão). A
bela ameríndia cativara o correspondente anônimo, afeito a
sons mais guturais. Propôs-lhe este aprender sob os desvelos
dela a língua exótica.
Debicava brincalhona do moderno trovador a recepcionista.
Não recusa, contudo, o convite para encontrar-se com ele à
beira dos lagos e de lá retornar com a despreocupação de
escolares sem pressa. O Mississipe em lugar do São Lourenço.
Mais tarde será alguma baía no hemisfério sul.
Um jeito de falar impossível de imitar, enredando
permanentemente o curioso aprendiz.
Três falares nele se entrelaçam.
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Le Phalanstère
Son prénom le rattache à la Grèce. Son nom, aux douceurs
tropicales; son parcours, aux engagements de l’après-guerre. A
son fils il a donné un nom romain mais sur la vie porte un regard
enjoué, rarement frontal.
De ce savoir-vivre, ses enfants ont hérité.
Un jour, le fils, qui vient d’emménager dans l’ancien
appartement de sa sœur, voit débarquer son père à l’improviste.
Avec ses cliques et ses claques.
Lui aussi vient de tomber amoureux.
Chacun finira par regagner son logis.
O Falanstério
Seu nome próprio o remete à Grécia. O sobrenome, às doçuras
tropicais; sua trajetória, aos engajamentos do após-guerra. A seu
filho deu um nome romano, mas sobre a vida seu olhar é divertido,
dificilmente radical.
Desse jeito de estar bem com a vida, seus filhos souberam
partilhar.
Um belo dia, recém-instalado no antigo apartamento da irmã,
o filho vê desembarcar, sem aviso prévio, o pai. Com seus teres e
haveres.
Também ele tinha se deixado cair de amores.
Cada qual acabará por voltar para seu canto.
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La Sorcellerie
Il n’a jamais caché son faible pour les femmes. Elles le lui
rendent bien.
Un courrier le convoque. L’enquête démarre. Une étudiante a
porté plainte. De longue date elle est majeure.
Pour une fois, il n’avait pas répondu aux avances qu’on lui faisait.
(In: Traversées)
Bruxaria
Nunca ele escondeu o seu fraco pelas mulheres. E elas
costumam retribuir.
Um ofício o convoca. O inquérito está lançado. Uma estudante
prestou queixa. Há muito que ela é de maior.
Ora, desta vez, havia ele resistido a olhares e insinuações.
La Halte
Tôles percluses, treuils grinçants, le vent louvoie. Tousse
l’espace, tanne, lacère. Troue la cire des paysages.
Grives furieuses, les longues eaux l’attellent. Le brouillard lace
leurs roulis. On entend croître un râle.
Quelque fatigue pleure.
Soupir d’aise.
(In: Clairs obscurs)
O Descanso
Balançam as coberturas dos hangares; rangem estridentes
roldanas; lufadas enlouquecidas. Espasmos no ar, nuvens
desgarradas, relâmpagos. Despedaça-se a moldura das paisagens.
Qual tordos enlouquecidos, as borrascas envolvem o espaço.
A neblina vai esbatendo o desassossego. Ouve-se um derradeiro
estertor.
Exsuda uma súbita languidez.
Suspiros de alívio.
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Ficção
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O dia do aniversário de Odete
Luis Henrique
ANA (6 horas)
Aquele era o dia em que Odete completava quarenta anos.
Ana acordou muito cedo, mas ficou estirada no aconchego dos
cobertores (era junho). Enquanto isso, repassava mentalmente
os mínimos detalhes do programa para o dia do aniversário de
Odete.
Às seis, com o dia ainda turvo, ligou para Odete.
– Dete, minha querida, quis ser a primeira. Muitas felicidades,
minha querida. Você é-me muito preciosa, e eu a quero muito.
Ouvia, do outro lado, a respiração de Odete, uma respiração
pesada como se ela segurasse os pulmões. Mas isso acontecia
sempre que Odete acordava ou quando tinha algum problema e
relutava em revelá-lo ou dividi-lo com outra pessoa.
– Tudo bem? – perguntou.
E a voz de Odete, a querida voz de Odete, veio como um
jato:
– Estou bem, Ana. E muito obrigada por me acordar... Você
sabe, Ana, eu não gosto de aniversários.
Rápida, Ana cortou:
– Não se trata de aniversário, minha querida, mas do seu
aniversário. Vamos comemorá-lo, como acertamos.
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– Seja, Ana, mas é porque você quer.
– Digamos que é porque nós queremos – acentuou Ana.
Em seguida, desligou. E acompanhou os gestos da florista
que estaria preparando o grande ramalhete de rosas brancas e
rubras (as preferidas de Odete) que encomendara com as maiores
recomendações. Dissera, lembrava-se, que não colocassem laços
e laçarotes; que deixassem as rosas serem rosas. Com um detalhe:
deviam borrifá-las, para que as gotas de água semelhassem orvalho.
E que fossem quarenta, exatamente quarenta, vinte brancas e
vinte rubras.
Ana decidiu verificar. Discou para a casa de flores.
– Aqui é a doutora Ana. As rosas que encomendei?
– Já estão saindo, doutora.
– Bem.
– Chegarão às sete horas, como a doutora recomendou.
– Ah, isso é ótimo. E muito obrigada.
Desligou e, ainda deitada, recolheu a carta que estivera
escrevendo para Odete, uma carta que desejara carinhosa,
conquanto sem arrebatamentos. Uma carta que deveria transmitir
a Odete um pouco do que sentia por ela e a amizade que as unia
há cerca de vinte anos.
Para ser preciso: dezenove anos, dez meses e vinte dias,
calculou Ana, sorrindo levemente, porque se lembrara da mocinha
magra e pálida que descobrira na primeira fila dos que assistiam
ao seu concurso para professor-assistente de Ginecologia na
Faculdade de Medicina.
– Sou Odete – ela se apresentara, tímida e trêmula. E acrescentara:
– Quase morri com a arguição daquele professor baiano...
– O doutor Magalhães Neto?
– Bárbaro!
Riram-se. E desde então ficaram amigas.
“Amigas”, conferiu Ana, e releu o trecho que escrevera:
“Nesses anos você foi tudo na minha vida.” Sentia que não
conseguira expressar com exatidão o que desejava transmitir a
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Odete no dia em que alcançava os quarenta, idade que sabia muito
difícil para as mulheres (e para muitos homens). Sabia por
experiência própria (já completara cinquenta), e sabia também
como médica. Como escrever, porém, a respeito de sentimentos
que amassavam uma inclinação para o carinho e a ternura com
outras tendências mais dominantes, como, por exemplo, para a
posse física e espiritual, algo forte que a fazia desejar ser Odete, e
não apenas ter Odete?
Uma questão de pele, dissera-lhe, certa feita, em Paris, o seu
antigo colega de medicina e amigo masculino mais duradouro,
Héron de Alencar, com aquele seu ar grave, mas simpático, o
rosto muito tranquilo e bonito tomando uma expressão severa.
Na ocasião, discutiram isso, e Héron falara pausadamente (era
mestre em ouvir e ainda maior mestre em expor uma situação ou
um pensamento) a respeito de um casal que conhecera já na altura
dos quarenta anos de casamento, um casal em tudo desigual (ela,
imediata e fútil, e ele, um empresário, ponderado e sério), um
homem e uma mulher que tinham o evidente prazer da mútua
companhia.
– Pele – dissera Héron.
Estavam entendidos que a palavra pele não significava
exclusivamente o corpo (os braços, as pernas, a boca, o ventre),
mas se completava muito mais em tudo, que até permitia a
adivinhação do querer.
– Conheci-os, – disse Héron, com as mãos entrelaçadas – e
da última vez que os vi, ambos às vésperas dos sessenta anos,
pegavam-se, os dedos nos dedos e, às vezes, as pernas nas pernas.
Sim, era possível, bem possível, que Héron estivesse com
razão. Que não fosse só e só uma elocubração intelectual de
homem fino e inteligente, essa verdade: as pessoas se querem na
pele. No caso dela, porém, se sabia que o seu querer por Odete
podia ser uma questão de pele, jamais chegaria à certeza dos
sentimentos e motivos de Odete. Porque era obrigada a concluir
que estavam íntimas e estranhas há quase vinte anos...
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Um pouco perturbada com a linha do seu pensamento, Ana
se ergueu da cama. Era uma mulher forte, de seios fartos, mãos
de dedos compridos (dedos de cirurgia) e pés chatos e grandes.
Tinha estatura média, e podia se passar por elegante com a maior
rapidez.
ODETE (6h30min)
Odete acordou mal-humorada. Detestava acordar cedo. E
muito embora Ana soubesse disso, não conseguira segurar a
ansiedade e tivera de lhe telefonar às seis da manhã. Aquilo era
mesmo de Ana!
Ana. Naquele longo tempo de convivência, mais de vinte anos,
acreditava, Ana sempre estivera presente em sua vida. Com efeito,
podia-se recordar da presença de Ana em todos os seus episódios
(acontecimentos). Por último, não fosse Ana e com certeza teria
sido muito difícil, quase impossível, hospitalizar o pai e dar-lhe
ao menos o lenitivo da operação de próstata que o deixara com
uma sobrevida de três anos. E quando ele morrera, após longa
agonia (ah, aquele coração batendo alto!), não fora Ana quem a
sustentara no seu desprezo de si mesma, na sua tristeza, saudade
e amargura?
Odete levantou-se. Vivia com a mãe e duas serviçais
domésticas, uma das quais atendente de enfermagem. Idosa, a
mãe, com quem jamais se entendera, estava escorregando
rapidamente para a esclerose. Ganhara agora um rosto de menina,
com a pele muito fina, os olhos pequenos e orelhas pesadas e
grandes. Era ela quem se encontrava sentada na sala e a olhava
com insistência.
– Que é – indagou Odete. – Nunca me viu?
A senhora idosa suspirou:
– Hoje é o seu aniversário, minha filha, parabéns.
– Grande coisa... – disse Odete.
Em seguida, chamou:
– Flora!
E ordenou:
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– Meu café. Como sabe, café bem quente.
Odete tomava pela manhã uma simples xícara de café preto,
com duas ou três bolachas. Gostava de manteiga. Por isso, as
bolachas tinham de vir aquecidas, para que as lambuzasse de
manteiga. Comia, então, com os dedos, permitindo que eles
também ficassem amanteigados, para lambê-los com renovado
prazer. Ana dizia: “Você abusa da manteiga.” Mas Odete era uma
mulher esguia, de rosto comprido e belo, não obstante o forte
nariz da família paterna, os Valenttis, uma antiga família do Veneto.
Tinham vindo para o Brasil nos anos setenta do século XIX (faziase a unidade da Itália) e tinham se estabelecido na colônia Santa
Felicidade, em Curitiba. Seu pai subira de agricultor a engenheiro
hidráulico. E fora um dos únicos a sair daquele vespeiro de
Valenttis e Matallamossos. Na ocasião da revolução de 30,
transferiu-se para o Rio.
– Mãe, – falou Odete – que idade tinha o pai quando veio
para o Rio?
– Já não lembro, Odete. Vinte e dois?
– Deve ser. E era bonito?
– Foi o homem mais bonito do seu tempo.
Por um instante, com aquela dor que ainda sentia ao se lembrar
do pai, Odete viu o homem alto e desempenado que sempre
chegava em casa com dois botões de rosa para ela – um, de rosa
branca, e outro de rosa rubra.
– Rosas para minha filha – ele dizia, e tinha uma inclinação na
qual Odete encontrava uma graça ilimitada.
Tocaram a campainha. Maria, a enfermeira atendente, foi
atender e logo voltou com um ramalhete de rosas brancas e rubras.
Estendia-lhe um cartão. E ela não precisava abrir e ler: era de
Ana, sempre Ana. Teria palavras amigas e carinhosas.
– Onde boto? – indagou Maria.
– Na sala – disse Odete, que vacilou um pouco e, em seguida,
completou: – Por favor, Maria, reserve duas, uma branca e uma
rubra, para a minha mesa do hospital.
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Mal dera a ordem, verificou que o novo hábito de uma rosa
na sua mesa de administradora hospitalar era por causa do doutor
Roberto, o médico de meia idade que assistira os últimos
momentos do seu pai e que lhe dissera em certo fim de tarde
particularmente pesado: “Você ainda é bonita, Odete. Por que
não se casa?” E a quem respondera com duas tolices: “Não me
caso por causa do meu trabalho e de minha mãe. Ademais, não
sou bonita, doutor.”
Por causa do trabalho? Não, de modo algum. O trabalho era
apenas sobrevivência. E tampouco, também, por causa da mãe,
como sabia muito bem. Mas, como responder àquele homem
que lhe aparecera num acaso (ele era o único médico no hospital
na noite em que o pai começava a morrer); àquele homem gentil
para quem agora colocava rosas na mesa; como lhe dizer que
existia Ana e que Ana era tudo?
Com os dedos lambuzados de manteiga, Odete lambeu-os.
Sentiu então que ia chorar e, como tinha os olhos da mãe
acompanhando-a, derrubou uma cadeira.
– A senhora não deixa de me olhar – reclamou. – Que coisa!
– É porque você está muito bem, Odete. Muito bonita.
– Nada disso – disse Odete. – É porque a senhora não quer
saber o que eu vou fazer hoje.
– E eu não sei? – fez a senhora.
– Sabe?
– Sei. Vai passar o dia com doutora Ana.
Sim, havia isso, nem sempre explicável, nas pessoas
esclerosadas. Elas tinham uma singular mistura de clarividência e
delírio.
Naquele começo de manhã, foi-lhe insuportável.
– E daí, mãe? – falou Odete. – A senhora sabe muito bem
que Ana é a minha melhor amiga.
Saiu da sala, na sua forma arrebatada, e foi para o quarto. O
telefone tocou.
– Dete? – era Ana.
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– Sim, sou eu, Ana. Já estou quase pronta.
– Dete, Dete! – musicou Ana. – Não é nada, minha querida.
Quis somente ouvir sua voz. Já viu o dia?
– Não...
– Está lindo. Não há uma só nuvem no céu.
– Vou olhar, Ana.
– Olhe, minha querida. E não esqueça: eu gosto imensamente
de você.
– Ana...
– Não diga nada, Dete. Logo estaremos juntas. Ana desligou.
Odete ia dizer-lhe que gostaria de passar no túmulo do pai,
mas era quase certo que Ana não permitiria.
– O quê? – diria Ana. – Cemitério num dia como este?! E
logo no seu aniversário! Nada disso, minha querida filha.
De repente, subiu-lhe novo impulso para o choro e, como se
voltasse novamente a ser a menina medrosa e chorona que fora
aos quinze anos, Odete deixou que o choro a tomasse.
ANA (7h30min)
Ana fez café e torradas e esquentou o leite. Vivia só, mas
atendia bem às suas necessidades domésticas, às quais aceitava, a
não ser lavar pratos e talheres. Resolvera, porém, essa parte,
colocando tudo no detergente, quase sempre de um dia para dois
ou três depois.
Ana gostava de comer lentamente, mordendo cada torrada
na ponta, mastigando bem e sorvendo o café aos goles.
Ana parou a torrada nos dentes, trincou-a e sorriu. Estava
recordando a primeira vez que levara café com torradas para
Odete quebrar o jejum na cama. Tinham vindo do teatro para o
seu apartamento e tinham dormido abraçadas. Naquela ocasião,
como antes, como sempre, sentira que Odete jamais seria
totalmente sua, – Odete era tão mulher! – mas ela, Ana, ela era
uma coisa de Odete.
Mais uma vez perturbada, Ana guardou o que sobrara das
torradas e do leite e despejou o resto do café na pia. Em seguida,
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correu (correu!) para o quarto e começou a reunir o que ia vestir
naquele dia especial: calça de linho, blusa rosa choque e sapato de
bico estreito. Escolhera-os em companhia de Odete, numa butique
de Ipanema.
Enquanto se vestia, recordou, parada, recente diálogo com
Odete, um diálogo pesado, difícil, no começo da noite, num
domingo.
– Tudo bem entre nós, Odete? – perguntara.
(Não tinham conseguido. Haviam-se acasalado, mas não
tinham conseguido.)
Sob o silêncio de Odete, continuara, muito atenta:
– Isso acontece com todos os casais.
– Eu não disse nada, Ana – fez Odete.
Insistira:
– Mas está calada e distante.
– Cansada... – disse Odete.
– Ultimamente você está sempre cansada – queixou-se Ana.
– Há algum problema?
– Não. Que bobagem!
– Eu a conheço, Dete – disse Ana. E, quase em seguida,
colocara: – Será que conheço?
– Conhece como ninguém, Ana.
E ela, Ana, tomara uma decisão. E perguntara:
– Você sente falta de homem, Dete?
Viu Odete escapulir, como uma onda que recua.
– Falta? – ela disse. – Falta, como, Ana?
– Você sabe muito bem, Dete.
Odete se recompora. Ela acamou o travesseiro, uma e outra
vez. E sorriu:
– Como posso saber, Ana? Nunca experimentei homem...
Riram, então, perdidamente, e se abraçaram e embolaram.
Com essas lembranças, Ana terminou de se vestir.
Ligou para Odete:
– Dete?
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– Eu – atendeu Odete.
– Estou saindo.
– E eu estou pronta.
– Mais cinco minutos e estou em sua porta. Quer que eu suba?
– Não precisa, Ana. Mamãe sabe que vou a Teresópolis com
você.
– Então, até logo, querida.
Ana desligou e desceu para a garagem. Morava na Bulhões de
Carvalho, muito próximo da Rainha Elisabete, avenida na qual
ficava o edifício de Odete.
(ODETE, 9 horas)
Odete colocou o fone na posição de descanso e ficou parada.
Estava com um vestido azul, presente de Ana.
Lembrava-se agora de uma pergunta de Ana, para a qual dera
uma resposta incompleta. Porque, quando Ana indagara se ela
sentia falta de homem, ela respondera com uma mentira. Na
verdade, tivera muitos namorados entre os quinze e os vinte anos,
e a todos concedera intimidade. Na altura dos vinte, passara toda
uma tarde com o engenheiro Navarro, um homem casado, vinte
anos mais velho que ela e amigo de seu pai. O namoro começara
meio de brincadeira, mas ele a desafiara ao lhe dizer: “Você só
namora meninos. Tem medo de homem?” E um dia, de maneira
aberta e franca, ele a convidara para ir a um apartamento.
– Meu pai... – começara a dizer, na sua vacilação.
E ele garantira:
– Ninguém saberá.
Ele traçou um pequeno mapa de Copacabana e indicou com
um x em vermelho o prédio da Sá Ferreira em que a esperaria.
Ele fora gentil. Mas a despira com rapidez e a carregara para
o pequeno sofá ao pé da parede. Despira-se também, mas se
mantivera de cueca. E ali, naquele apartamento, quando o homem
não fugira à urgência, ela trançara as pernas. Ele ejaculara sobre
suas coxas. Como todos os outros...
Foi tudo. E não se repetira.
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– São uns bobos, esses homens – dizia-se Odete. Mas agora
estava vestida e vibrante.
Deixou a cama e o armário na desarrumação que seria
consertada por uma das serviçais e saiu para a sala. Ao contrário
do que se supunha, a mãe estava acordada. Mergulhada, no
entanto, na regressão, fez uma recomendação severa:
– Não venha tarde. Lembre-se que seu pai gosta de jantar cedo.
ANA E ODETE (9h35min)
Ana parou o carro e buzinou. Como em todas as outras
ocasiões, Odete estava atrasada. Mas antes que terminasse a
manobra para encostar o carro, Odete, a querida Odete, apareceu.
Estava simplesmente linda, naquela idade madura em que as
mulheres são perfeitas.
Odete riu:
– Você parece querer me devorar, Ana.
E Ana, no mesmo tom:
– Tenho essa intenção, minha querida.
Beijaram-se carinhosamente. Ana soltou o freio do carro,
olhou para um lado e outro. Alegre, Odete riu:
– Você vai me dar o dedo de Deus, Ana?
Ana ficou séria:
– Vou, minha querida. Isso, e tudo que você queira. Pois eu
lhe pertenço, Dete.
(in: Almoço posto na mesa. Salvador: EGBA, 1990.)
Luis Henrique é historiador, ficcionista, autor premiado de dezenas de livros
de história e de ficção; é professor titular de História da UFBA, Doutor
Honoris Causa da UNEB. Ocupa a cadeira nº 1 da ALB.
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Ruas desertas
Carlos Ribeiro
A
ssim vou, amigo, agora, andando por essas ruas claras da
Cidade Baixa e que se parecem tanto com aquelas ruas em que
andei sem saber que andar por elas seria um dia um sonho
longínquo, um renascimento. Então eu renascia naqueles passos?
A tarde escoava-se lentamente nas varandas das casas antigas com
mistérios que eu um dia conheci e que continuam ali. Veja: o
passado é este presente de vozes de crianças que brincam por
detrás da parede branca e só ouço as vozes, e penso que daquelas
existências permanecerão apenas vozes sem corpo, como uma
canção. Essa rua me surpreende, porque me desperta sensações
que pareciam mortas e enterradas. Ruas vivas com crianças, velhos
conversando nos portões, donas de casa mergulhadas em sua
rotina, ecos de missas dominicais, contas, crucifixos, oratórios,
amizades e intrigas, vendedores ambulantes e cães vadios e pessoas
temerosas, a ameaça da carrocinha que era sempre uma promessa
e uma dúvida: ficaríamos do lado dos cães vadios contra esses
monstros que querem transformá-los em sabão? E eu olhava
desconfiado, quando tomava banho, para o sabonete, pensando
se não seria ele algum daqueles cães do nosso bairro. Como teria
sido seu nome: rex? sultão? caçador? E nem tinha coragem de
esfregar-me mais para que o que restou dele não escoasse pelo
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bueiro e não restasse dele nada mais que uma vaga lembrança
espumosa. E nos reuniríamos, campeões, nossa turma invencível,
para impedir a matança que nunca aconteceu ou que somente o
tempo se encarregou de fazer? Ele levou todos os cachorros vadios
da rua, e a rua, e o meu olhar – este mesmo olhar que tenta
recuperar o irrecuperável. Ando devagar como quem saboreia
um prato raro. Talvez o último. Aquela rua é o que restou de uma
cidade que se voltou contra si própria com seus edifícios afiados
como navalhas, com suas esquinas angulosas, com suas ruas sem
moradores, entregues a passantes distraídos, ruas sem memória.
Carros não cruzam avenidas aqui, nem perturbam o ruído do
tempo. Estou numa rua do Bonfim, em cujo final se vê o mar. O
mar se estende diante das casinhas simples que dormem à beira
do mangue. Podemos sentir o cheiro da lama e dos sargaços,
podemos sentir o cheiro do tempo e das horas que não passam.
Que dinheiro paga esse privilégio, meu irmão? Que dinheiro pode
pagar um cheiro e um sentimento? Como sois ricos sem saberes!
Vocês têm todas as manhãs essa rotina branda de abrir a janela
para as águas da Baía de Todos os Santos e de respirarem esse ar
de mar. Eu sigo bordejando as casas e seu passado. Para quê? O
que faço ali, caminhando feito um desocupado numa tarde de
terça-feira? O que faço aqui?
Paro diante do hospital e maternidade da Sagrada Família ou
do que dizem que é: uma construção quadrada, um desses
modernos edifícios padronizados que são iguais em todas as áreas
da periferia. São simples, baratos e talvez até eficientes. Mas não
é o que procuro. “Esta é a parte nova do hospital”, me informam.
Passo direto e contorno o prédio até a antiga construção. Lá está
o grande portão diante da praça ladeada de árvores frondosas. Já
é noite quando me aproximo do muro sobre o qual pousam
estátuas de mármore de mulheres em estilo greco-romano, com
sua graça e altivez clássicas. Na parte superior dos dois lados do
portão de ferro estão duas estátuas empunhando uma tocha. O
portão está trancado. Ando até ele, perturbando a tranquilidade
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dos namorados que estão por ali espalhados. Encosto meu rosto
e vejo o jardim malcuidado e o caminho de pedra que segue até
as escadarias. A frente do prédio é imponente, com 12 colunas
(seis na parte de cima e mais seis na parte de baixo). O prédio me
hipnotiza. Transporta-me. Nasci ali, há 40 anos e posso ver a
criança chorando, ponto de luz que se acende e tantos passos que
me trouxeram até ali, tanto tempo depois. Vejo meu pai que não
sabe que o futuro já terminara, ou melhor, que o único futuro
sou eu, que os vejo em tantos momentos. Ele ganha vida e faz
novamente, em mim, tudo o que já fizera em vão. Lá vai ele
acendendo as luzes. A casa se ilumina e com elas todos aqueles
objetos secretos da memória: a TV grande com frisos amarelos,
coberta por uma capa de pano feita pela minha mãe, na qual
bordou a imagem do indiozinho que era símbolo da única
emissora que existia naquele tempo, a TV Itapoan, a máquina de
costura preta com desenhos dourados, com o suporte de madeira,
o carretel de linha, a agulha e o pedal que minha mãe manipulava
tão bem, sentada próximo à janela, iluminada pela luz que vinha
lá de fora pela janela e que parecia eterna ali aos meus olhos, o
aquário iluminado no quarto, com filtros dos quais saíam
bolhinhas de oxigênio e os peixinhos – paulistinhas, finos com
listras pretas e amarelas, os beijadores, espadas, caudas-de-véu,
tricogasteres –, e as plantas que olhadas de perto pareciam habitar
um mundo submarino distante que, na realidade, só existia no
espaço/tempo longínquo da minha fantasia. Ando mais um pouco
pelo quarto e vejo o baú de madeira do meu irmão mais velho,
onde ele colocava sua coleção de revistas em quadrinhos, e se
abro a sua pesada tampa posso ainda ver exemplares antigos de
Tarzan e dos Sobrinhos do Capitão, que eu lia sentado num canto
mal iluminado do quarto, enquanto minha mãe passava pelo
corredor para a cozinha, de onde vinha um ruído distante, um
ruído que vem do fundo do tempo e que eu agora procuro
discernir, inutilmente, e tudo aqui é tomado por esta sensação de
inutilidade, quando não de desesperança ou de melancolia. “Corra,
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menino! Veja o que está acontecendo lá no fundo do corredor!”,
grito eu com as mãos crispadas segurando a grade do portão. O
menino corre, corre e lá no fundo do corredor vê rostos que se
voltam em sua direção e sorriem. Vê a mesa posta, uma toalha
branca bordada com fios dourados, pratos e xícaras brancas, de
vidro grosso e resistente, um bule de café, pães e biscoitos. Do
fogão vem um cheiro forte de ovos estrelados misturados com
arroz na manteiga e bananas da terra fritas. E as mãos laboriosas,
sempre ocupadas, pegando objetos, carregando-os para um lado
e outro: da mesa para o fogão, do fogão para os armários, dos
armários para a geladeira que era também branca e feita de um
material grosso e resistente, uma geladeira compacta que prometia
nunca acabar. E a minha mãe pergunta ao menino, meu filho,
deseja alguma coisa?, mas ela pergunta vagamente, quase
mecanicamente, e o menino não responde, e ela nem se lembra
se perguntou alguma coisa, e o menino volta pelo corredor,
devagar, para dizer-me que não há nada lá, no fundo do corredor,
e chega diante da janela e olha para a escuridão das ruas, porque
já está escuro e o mundo vestiu aquele casaco grosso e fascinante
da noite, do mistério, e as luzes se acenderam no mundo, e o
mundo é como uma grande árvore de Natal. Menino, que vês
assim nessa escuridão? Ele gosta de olhar pela janela, gosta de
ver os fios que ligam os postes de iluminação, o emaranhado de
fios sujos que passam ali bem perto da janela e que ele teme e
respeita, porque lhe disseram que nunca deveria estirar as mãos e
tocá-los para não virar fumaça, por isso ele se limitava a olhá-los
e os fios tinham o poder de associar suas lembranças a um
domingo de carnaval quando sua mãe o vestiu com um pierrô e
carregou-o pelas ruas movimentadas, com toda aquela gente
fantasiada, caretas, arlequins, colombinas e o cheiro de lançaperfume no ar. O menino sentia aquele cheiro que lhe dava uma
vaga sensação de inebriamento e felicidade; era um cheiro que
abria as portas para um mundo novo de sensações, um mundo
mágico no qual a combinação do cheiro com o colorido das
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fantasias e com o movimento dos corpos e as músicas – marchas,
ranchos e frevos – faziam brotar no seu espírito um novo mundo.
O cheiro era uma porta pela qual atravessava do mundo natural
para esse mundo superficial que era uma espécie de transgressão
(ele não sabia disto ainda) e, talvez por isto, era-lhe ainda mais
prazeroso. O perfume era como a luz elétrica nas ruas e nas casas:
eles alteravam o ciclo da natureza, permitindo-lhes sensações e
experiências novas - como a maçã pendente aos olhos de Adão.
Seria isto que lhe fez associar os velhos fios entrelaçados nos
postes ao cheiro das lanças perfumes e àqueles carnavais? Mas o
menino não sabia disto, pensei segurando as grades. Lá estava
ele, pequenino, sobre os ombros da mãe em meio ao movimento
das ruas. Seus olhos, lá de cima, abarcavam uma extensão ampla
de foliões dançando ao som dos frevos e das marchas do trio
elétrico Jacaré e dos sambas do bloco Filhos do Porto. Pierrôs e
caretas derramavam suas cores na Praça Castro Alves. Serpentinas
cortavam o céu lilás. Confetes azuis, vermelhos, verdes, brancos
e amarelos caíam como chuva dos altos edifícios, sobre as cabeças,
em todas as direções. Risos e sons afloravam numa sinfonia
improvável. Havaianas de riso fácil espalhavam cheiros inebriantes,
brandindo lança-perfumes dourados, que passavam de mão em
mão, borrifando desejos, alterando olhares, despertando
sentimentos ocultos. Ciganas, em fantasias de cetim, refaziam a
mágica ancestral só a elas permitida, de tornar mais visível o que
escondem com tanto capricho. Deusas abriam as portas de
sensações novas, estranhas, que confundiam o menino,
despertando-lhe um desejo confuso de algo que não sabia
discernir. Neste momento, o tempo se congela e só o espírito do
menino movimenta-se sobre a multidão. Desprendendo-se da
mãe, ele se movimenta entre as pessoas, deslizando por entre os
abrigos de ônibus da Praça da Sé, aprofundando-se nas estreitas
ruas do Pelourinho, pelos corredores dos sobrados, pelas sacadas
dos velhos casarões, planando livre sobre os terraços, aspirando
o misterioso perfume da festa, despindo mulheres com um olhar
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faminto que a tudo devora, navegando rios de suor nos desvãos
dos seios, escalando deliciosas colinas que arfam iluminadas pela
luz crepuscular e alcançando, como heróico alpinista, os cumes
dos bicos dos peitos, dos quais salta em voo livre, rolando
alegremente pelos ventres cobertos por penugens douradas, que
se adensam em luxuriante floresta tropical. E ali o menino se
detém, diante do mistério profundo e já não mais sabe para onde
ir - e o mundo volta a se movimentar. O menino se vê novamente
nos ombros da mãe e as pessoas se agitam à sua volta, o som das
músicas arrefece e a noite chega com as luzes amistosas das igrejas
e dos bares. E tudo fica mais quieto. São seis horas. O mistério
cresce perante os olhos fascinados do menino, que não entende
o nervosismo dos gestos da sua mãe e o olhar surpreso do seu
irmão que aos poucos se acalma quando alcançam a avenida larga
e menos movimentada, longe agora da agitada multidão. O som
das bandas fica cada vez mais distante e sua mãe comenta coisas
incompreensíveis com as suas tias. O menino sente um prazer
mais familiar quando, agora, entram pela porta do apartamento,
e todos riem, ou mesmo, gargalham, e o menino ri também
fascinado com aquela manifestação de alegria, mas sem saber
por que riem, e pergunta, mas ninguém lhe responde. Ele corre
para a janela e se esquece do que se passa dentro do apartamento
e fica, como ficara tantas outras vezes, mergulhado no silêncio da
noite, na semi-escuridão das ruas, no aspecto misterioso dos postes
enfileirados como esqueletos caminhando para o desconhecido
– e lá vão eles descendo a rua e a ladeira e sobre eles aqueles
chapéus de luzes amareladas, porque as cidades de antigamente
tinham essa aparência amarelada. E tudo fica mais quieto, cada
vez mais quieto. Poucas pessoas – foliões desgarrados – descem
as ladeiras do centro histórico, aos tropeços, e o menino não
entende porque pessoas andam assim parecendo que vão cair a
qualquer momento. Está mergulhado nesse pensamento quando
sente uma coisa agarrar-se subitamente no seu braço esquerdo,
como se um espinho lhe furasse a pele. Olha, num átimo de
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segundo, e vê o monstro agarrado no seu braço e um zumbido
rascante fere-lhe os ouvidos. O menino sacode o braço, gritando
com todas as forças, desesperado, até que lhe acodem e espantam
o monstro e sua mãe toma-o nos braços e suas tias e o seu irmão
riem, dizendo: “Era apenas uma cigarra. Ela não faz mal!”, mas
logo vêem que ele chora mais e, agora, soluça. Dão-lhe água e
alguém diz que parassem de rir, e ele continua soluçando baixinho,
sem entender como podem rir dele, que quase fora devorado pelo
monstro. Pela primeira vez, sente a noite como o lugar de onde se
pode esperar qualquer coisa, um buraco negro do qual pode surgir
o mais terrível ser, monstros com horríveis antenas e garras
dispostos a despedaçar quem encontrem pela frente. Sua mãe deitao na cama e quer levantar-se, mas ele a segura firmemente pelo
pescoço, ela tenta ainda desvencilhar-se do seu braço, mas ele ameaça
o choro e ela cede e ficam os dois ali, na penumbra, deitados – e
longe, bem longe, a música continua tocando.
Carlos Ribeiro é jornalista e ficcionista, Doutor em Letras (UFBA), é professor
da UFRB, autor de dezenas de reportagens e livros de ensaios, crítica e ficção
(romance e conto). Ocupa a cadeira nº 5 da ALB.
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Mal do século
Antônio Carlos Secchin
C
asimiro adentra no quarto, atrasou-se vinte minutos para a
entrevista que marcamos. Sabes que horas são?, pergunto-lhe,
tentando disfarçar o suor ansioso que meu rosto inunda. Quase
meia-noite em Paris, responde-me sorrindo, e despe o paletó.
É um menino. Examino-lhe as mãos. Dedos finos como devem
ser os de uma fada.
Tenho tido muitos sonhos, e nada pior para um poeta do que
sonhar de verdade, na cegueira da noite. Os restos dos sonhos
me perseguem durante o dia, e não sei o que fazer com tantas
cenas estúpidas. Já não basta tê-las sofrido no pesadelo? Precisam
retornar à luz do sol? Ontem sonhei com o baile. Na extremidade
esquerda do salão, aquela mulher me obrigava a desejá-la. Cabelos,
olhos, leque e véus – negros, negros. Levei-a à valsa. Rodamos ao
som da orquestra, em doidas espirais. Aproximei-a de meus lábios.
Quando ia beijá-la, percebi que seu rosto se transformara numa
caveira. A nosso lado, quatro pares de esqueletos também
dançavam. Tíbias, metatarsos, perônios e fêmures cobertos por
finas rendas e sedas francesas. Fugi apavorado, atravessei uma
alameda, pulei uma cerca de arame farpado e só me tranquilizei
ao perceber que finalmente chegava a um ambiente familiar: logo
reconheci a paisagem de Paris. As estáveis estrelas se estilhaçavam
ao arrepio das águas do Sena. O vento invernal uivava nas frinchas
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das portas. Meu Deus, mas que voz era aquela, que recortava
como agudo estilete o negrume noturno? Aproximou-se de mim
o vulto, sempre cantando, e de sua boca saíam canções que já
ouvira na infância: era Isaura, antiga mucama da casa. Não entendi
o que uma escrava saída de Niterói vinha fazer em Paris. E só
encontrava uma explicação: ela viera cantar para mim. Sentou-se
no chão, as costas largas apoiadas contra a amurada. Deita, Nhonhô.
Dorme aqui no meu colo.
Dedos finos. Treze anos, e, como as fadas, ele também não
tem barba. Mas, diferente delas, escreve poemas. Veio a meu
quarto mostrar seus versos. Enquanto me passa um caderno
manuscrito, percebo que não consegue desviar o olhar do anel
de ametista que uso no anular direito. “Treze primaveras” é o
título que deu ao caderno, numa caligrafia bem talhada e
masculina. Começo a folheá-lo. Casimiro se ergue da poltrona
e vem sentar-se a meu lado, na cama. Faço esforço para me
concentrar nos versos.
Não gosto dos poemas. O rapaz já leu muito, mas leu mal.
Como é possível aceitar que alguém, aos 13 anos, rime “ananás”
com “tra-lo-ás”? Decerto é influência do pai dele, português e
verdureiro. Prossigo a leitura. Casimiro achega-se ainda mais,
como se quisesse acompanhar minha reação a cada um dos versos.
Virgens, sonhos, desmaios, será que a poesia é só isso? O que lhe
parece, Manuel Antônio? Não tenho coragem de lhe dizer a verdade:
ele jamais será um poeta. Possivelmente daqui a dois anos estará
trabalhando de peito nu e tamancas na quitanda do pai, e as folhas
das “Treze primaveras” servirão para embrulhar bananas. Quem
nasceu Casimiro nunca chegará a Maciel Monteiro. São ótimos os
poemas, afirmo. Estou certo de que serás um grande escritor. É
impressionante a tua cultura literária. Faz muito tempo que...
Deita, Nhonhô. Dorme aqui no meu colo. A lembrança volta a
rodopiar na minha cabeça. Distraído, aproximo em demasia os
poemas da chama inoportuna de uma vela. Nossas mãos
rapidamente se tocam no afã de impedir que o caderno se queime.
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Casimiro José se levanta, ajeita as folhas, dirige-se para a porta.
Não sei se acreditou no que eu disse, ou se desconfiou de que eu
repetia o mesmo elogio para todos. Peço: Não partas tão cedo!
Insisto: Vamos falar mais de poesia.
Teatralmente, acendo um charuto e, andando à roda do
menino, recito-lhe “Se eu morresse amanhã!”. Entre as estrofes,
simulo uma tosse discreta, para dar mais drama à leitura. Ao vêlo em êxtase, emendo com “Lembrança de morrer”, e aí sou eu
mesmo que acredito na história, terminando em lágrimas a
declamação. Recomponho-me rapidamente, e, num impulso, abro
a gaveta da escrivaninha e dela retiro um maço de papel. Toma,
vou te emprestar meus últimos poemas, a parte quatro de um livro que se
chama Lira dos vinte anos, mas peço-te que m’os devolva até o próximo
domingo, 25 de abril, quando vou partir em viagem. Há muito tempo venho
escrevendo o livro, mas o que fiz recentemente me leva a querer jogar fora todo
o resto. Leio, então, o primeiro poema da nova seção: “Meus oito
anos”. Belíssimo!, entusiasma-se o rapaz.
Com meus originais sob o braço, prepara-se para sair, segura
a maçaneta. Por três segundos ponho a mão sobre a dele, tentando
impedi-lo de completar o gesto. Percebe que estou confuso. Virase de súbito e nossos rostos ficam milimetricamente próximos.
Faz um gesto carinhoso em meus cabelos, os corações são
trezentos tamborins. Casimiro aperta o meu ombro, e depois,
deixando com delicadeza os dedos percorrerem o meu braço,
suavemente me responde: Não.
Antônio Carlos Secchin é poeta, crítico e ensaísta; professor titular da UFRJ,
com vários livros publicados em ensaio, crítica e poesia. Ocupa a cadeira nº
19 da Academia Brasileira de Letras. É membro correspondente da ALB.
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Coração escarlate
Janaina Amado
– Um segundo antes de a lâmina romper o céu e encobrir
para sempre o sol, ainda consegue pensar que tudo aquilo é uma
tremenda injustiça. Afinal ele nada tem a ver com os malditos
conflitos entre muçulmanos e judeus, sendo apenas um turista,
atordoado pela beleza milenar de Jerusalém. É seu último
pensamento. Os nervos explodem, o pescoço abre-se, na calçada
o sangue macula pela bilionésima vez a terra santa. Dor infinita
rasgando entranhas. Ainda leva a mão à garganta, num derradeiro
gesto, inútil como a guerra. Violento tremor rompe os últimos
filamentos do pescoço, e então a cabeça morena, pequena e
pontuda de Leopoldo começa a rolar ladeira abaixo, distanciandose do corpo, no alto. Ouve o que confusamente parecem repiques
de sinos, ou trombetas misturadas a marés, e mergulha para
sempre no outro mundo.
Silêncio. Leopoldo sente-se pairar no vácuo, ele próprio ou o
que resta dele ou a sua essência – não sabe – suspenso acima do
mundo. Ao mesmo tempo, vê-se dentro do antigo corpo,
ensanguentado em solo palestino. Percebe-se também no interior
da cabeça, estraçalhada agora contra um poste, que lhe
interrompeu a rolagem ladeira abaixo. Os olhos da antiga cabeça
estão arregalados de espanto e medo.
Descobrir-se em tantas dimensões confunde. Não sabendo
quem é, deixa-se flutuar no espaço. Não sente mais dor, apenas
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letargia. Tem certeza de que está em outra dimensão quando
enxerga a si mesmo – ou ao que um dia fora, ou ao que fora e
ainda é, ou ... – de uma perspectiva aérea, divisando lá embaixo,
embaralhados entre si, fragmentos de sua vida.
Avista-se desembarcando sozinho em Jerusalém, dias atrás: o
cinqüentão elegante, desenvolto, cabelos grisalhos, casaco preto
bem talhado, habituado a circular nas altas rodas do mundo. Mas
– de onde está, Leopoldo agora enxerga – dois buracos trazia
por olhos, no coração, mandacarus, e aquele espanto desolado
nas mãos. Ombros baixos e boca amarga, a do homem que chegara
a Jerusalém.
À época, não sabia a razão da viagem repentina, contrariando
sócios e clientes, temerosos por sua segurança. Não era judeu
nem tinha interesse especial por Israel. Aquela vontade súbita de
ir, e pronto: entrara na agência, comprara a passagem, reservara
o hotel. Agora Leopoldo está enxergando, inscrito a sangue no
corpo que desembarcara em Jerusalém: Saudade da morte. “Se
você está decidido a se destruir, Léo, realmente eu não posso
fazer mais nada”, revê o desespero amoroso no olhar do amigo,
o único capaz de compreendê-lo então, intuindo sentimentos que
ele próprio, Leopoldo, desconhecia.
Cansaço mortal, sentia. De todos e tudo. Muros altos da rua
onde morava, desertos que nunca vira. Difícil mover-se. Solidões.
Vontade de detonar a ciranda de poder, sedução e dinheiro em
que a vida se transformara. Quase enlouqueceu o pessoal da
agência. Ninguém mais o entendia. Anúncios de néon,
hologramas, pop-ups, gigantescas modelos absolutamente iguais
em poses para os clics, colunistas, colunáveis... Futilidades. Lixo.
Ir pra onde? Procurar o quê? Interferências dos sócios, ataques
de nervos das mulheres, brigas terríveis, no trabalho, em casa,
em público. Madrugadas inteiras pelas ruas úmidas de São Paulo,
mãos enterradas nos bolsos, cabisbaixo em meio às putas,
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travestis e mendigos que sequer via, talvez por isso não o
incomodassem. Fedor. Entulhos. Sede, mas sede de água pura,
água de mina.
Saudade insuportável de Helena, que um dia se enchera das
suas traições, jogara as roupas numa mala e fora embora chorando.
Crateras pelo corpo inteiro. Helena de rosto lavado, Helena
descalça, olho no olho, Helena gosto de pitanga com hortelã,
cabelos secados ao vento. Helena inteira, mulher. Ele, estilhaços
que feriam plantas, luas, fêmeas... Procurando o quê? Não sabia.
Caríssimas garotas de programa, alpinistas sociais, portentos de
quem devia puxar o saco, ninguém mais tinha nome em sua vida.
Rondas de festas, clientes, fusões, poder, trabalho, cocktails,
vaidades, traições, mais trabalho, dietas, recepções, disputas,
liftings, trabalho insano, jantares de negócio com direito a todas
as sacanagens, fortunas, prêmios, seduções. Sua vivacidade
esvaindo-se em anúncios, escorrendo em outdoors, em
campanhas, em sites, em marketing político... Puta que pariu!
Um dia quisera mais. Um dia sonhara com coisas realmente
bonitas. Pipas colorindo céus... à noite, sob estrelas, papos
intermináveis com amigos sobre melhorias no bairro, no país.
Jovens ao redor de uma mesa recheada de risadas e projetos
sociais, vontade de mudar o mundo, esperança, compromissos...
Coisas que valiam a pena, iluminavam semblantes. Cadê Helena?
Helena se casou, Helena se mudou. Cantava cirandas, os olhos
sorridentes. Decerto se escondeu em algum sítio poeirento,
plantando chuchu sem agrotóxico. "A cara dela", pensou com
desdém, vontade de sair gritando de dor enquanto pensava. Mãos
vazias. Dois buracos em cada mão, olhos desolados e aquele
desespero por onde sua energia escoava, transformada em cartão
postal.
Ondas concêntricas agitam o ar em torno de Leopoldo.
Encantado, percebe: o ser alado em que se transformou pode
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girar de todas as formas, em parafuso, mergulho, dobradura,
ponta-cabeça... Ângulos inusitados do mundo lá embaixo, da
cidade santa, do seu corpo e cabeça separados em Jerusalém.
Deixa-se flutuar, expandindo as novas possibilidades.
Lembranças muito antigas do seu ser. Vê-se transportado até
um tempo em que flutuava nu, despreocupado, livre, nutrido por
um cordão mágico que o estimulava a crescer e explorar o útero
em volta. Paz, proteção, sensações que ignora desde quando fora
expulso daquele vácuo primordial.
Sente-se puxado para baixo com violência. “Ainda não
pertenço inteiramente a este mundo”, é a sensação ou idéia ou
inspiração ou reminiscência que o assalta, enquanto despenca
veloz rumo ao corpo desprotegido em Jerusalém. Em volta dele
soam as primeiras sirenas de polícia, passantes fogem em várias
direções.
Momento quase religioso, o do retorno ao corpo. Pela primeira
vez Leopoldo dá-se conta da sua extrema fragilidade. Cisco no
universo, capaz no entanto de carregá-lo, identificá-lo durante
toda uma existência “Esse corpo era eu”, reflete, ondas de amor
formando-se à sua volta.
É aspirado para dentro do corpo. Barulhos ensurdecedores
de gases, correntezas, fluidos. Move-se instintivamente, assustado.
É jogado dentro de uma cavidade escura, de espessas paredes
rugosas. Toca, cheira meticulosamente cada ruga, calo, mancha,
aspereza, curva, reentrância. Repetidas vezes. Emocionado,
percebe as marcas internas do tempo, calendários do seu corpo. O
buraco fétido apareceu, está claro agora, quando completou a
lucrativa fusão da sua agência com os italianos, deixando à míngua
o primeiro sócio. E a ferida que ainda supura parece tão... antiga!
Enxerga o menino, rostinho colado à janela salpicada de garoa; lá
fora, o corpo esguio da mãe, abraçado a um desconhecido,
desaparece para sempre no nevoeiro de São Paulo.
Leopoldo é tragado por uma correnteza vermelha, densa, que
o conduz até o lugar mais macio, acolhedor e feliz onde jamais
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estivera. Enfim relaxado, pode entregar-se às madressilvas
encarnadas, aos sussurros mansos dos rios, aos foles que nunca
param de tocar, às pétalas aladas sobre a neve, aos desvarios de
bocas entreabertas, às curvas dos cachos de crianças, aos arrepios
das nucas, à vegetação rarefeita dos cumes das montanhas. Sabese instantaneamente desejado, perdoado, consolado – amado.
Do mundo das madressilvas encarnadas, Leopoldo enxerga a
antiga cabeça, espatifada contra um poste de Jerusalém.
Amorosamente a envolve – a ela, que por toda a vida o guiou
até a fama e a fortuna, mas jamais lhe concedeu um segundo
sequer de amor, perdão, esperança, compaixão. Com cuidado,
limpa-a de todas as sujeiras, da terra e do sangue que nela se
grudaram, e também do excesso de miolos. Fecha para sempre
seus olhos, beija-a, e a reúne ao corpo, recompondo a figura
que um dia fora.
Nesse momento, Leopoldo divisa a menina palestina. Ela acaba
de vir ao mundo num beco escuro da medina, em meio à noite de
guerra, horror e mísseis. É apenas um corpinho nu, chorando
sobre a calçada. Leopoldo envolve a menina em sua onda quente,
e nela enterra o seu bem mais precioso, aquele em que acaba de
se transmutar, um coração escarlate.
________
Janaína Amado é baiana, publicou o romance Dandara (S.Paulo, Ed. Maltese,
1995), o longo conto “Píncaros Precipícios”, no livro coletivo Dezamores
(S.Paulo, Ed. Escrituras/Sesc, 2003), e três livros para crianças. É também
historiadora, com diversas publicações na área.
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O inquérito
Lima Trindade
Não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita
(Mateus 6:1-4)
– Bem, seu Renato, serei breve e bastante direto – Admirava
a calma dele neste instante da conversa, após discorremos sobre
a Copa de Mundo de Futebol, as eleições presidenciais e as chuvas
no Nordeste, e tentava adivinhar se, por trás da expressão tranquila
(poderia dizer insultuosa?), um borrão emergia entre os olhos
escuros impenetráveis (ou seriam sorridentes?).
– Estou à disposição.
– O senhor (tento falar sem baixar a vista), o senhor realmente é...
– Ora, mas é claro...
– Veja, não estou lhe pedindo que entre em detalhes e minúcias,
basta apenas que me responda com sim ou não – Demonstro
firmeza (ele aparentou tanta naturalidade na resposta!). Talvez,
Deus o queira, eu resolva tudo de maneira limpa, evitando os
desvios desnecessários e a falsa impressão de cumplicidade que
dois homens em nossa situação possam crer possuir. Adoto um
tom de voz grave, apropriado para não permitir dúvidas de quem,
entre nós, controla os rumos, ainda que infortunadamente mal
traçados. – Simples assim. O senhor, como um funcionário antigo
(ou deveria dizer experiente?), sabe bem que a política da nossa
empresa sempre foi a mais democrática possível (aqui, faço uma
pausa e esboço um meio sorriso). Nós sempre nos empenhamos
para acompanhar a evolução dos tempos...
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– Sim, mas...
– Não me interrompa, por favor. E fale baixo (procuro assumir
o controle). Quanto mais baixo falar, melhor.
– Doutor, escute...
– Doutor, seu Renato? (finjo irritação) De que doutor o senhor
está falando? Não sou doutor de merda nenhuma! – Cuspo a
frase como quem recusa um pacto sórdido, ignominioso. – Se
estou no comando da empresa hoje, isso se deve a muito jogo de
cintura. Fique sabendo que tive de rebolar (o que estou dizendo?
Deveria ter dito “suar muito”) para me adaptar a todo tipo de
situação na vida. Quando Juscelino tava no governo, fui
progressista. Com Jânio, enchi-me de esperanças de varrer o país
(sim, sim, reparo que aumenta a distância entre minha mesa e a
cadeira dele; cresço visivelmente). Já na época dos militares, vesti
a farda e parti para a guerra. Só não me rendi ao Jango. Pois aí,
seu Renato, aí seria demais. Não sou louco. Não estou aqui para
me acabar de trabalhar e entregar o suor das minhas mãos no
bolso de desocupado nenhum!... E, depois (respiro fundo), se
não lutei pela abertura democrática, não posso ser condenado.
Chorei com sinceridade a morte do Tancredo. (Ele parece se
enervar. Cruza as pernas e torce os dedos das mãos) Tive a sorte
de antecipar o mais do mesmo que se inaugurava. Não pestanejei.
Prestei apoio irrestrito aos “novos” partidos no poder. Seu Renato
não imagina quantos caixas de eleições fortaleci. É claro que obtive
retorno à altura. Uma boa empresa não se sustenta sem uma boa
política de lobbies.
(O telefone toca)
– Alô. Não. Não posso atender ninguém agora. Anote as
ligações e diga que estou numa reunião importante. Não, dona
Lucy. Somente após o almoço. Obrigado.
– Senhor...
– Olha, só vou falar mais uma vez, paciência tem limite! E não
tolerarei mais o senhor cortando minha linha de raciocínio (chegou
o momento de acuá-lo). Eu me preparei um dia inteiro para esta
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conversa, seu Renato. Um dia inteiro! E o senhor poderia até se
considerar na rua se não... (pausa) – É quando perco a medida
tênue entre o que aconteceu e o agora, sobreponho minha
ansiedade (deveria ter aumentado a dose do lexotan) ao opaco
dele, ao cristalino turvo dos olhos, à serenidade do rosto e à
impaciência dos gestos furtivos. – Está vendo? Está vendo, o
senhor? Está me tirando do sério! Não foi para isso que lhe
chamei... Gostaria que entendesse.
– ...?
– Esquerdo. O senhor é um esquerdo! (falei, enfim)...
– Esquerdo, não. Canhoto! Prefiro que me chamem de canhoto.
É o termo apropriado, o jeito que me agrada. Essa estória de
“esquerdo” é coisa da Idade Média, de gente que...
– Sim, está certo, está certo... Tudo bem. Desculpe-me. Era
esse mesmo o termo que eu pretendia utilizar (tudo se demonstra
mais complicado). No entanto...
– O senhor não precisa se justificar. É comp...
– Grato. Muito grato. Apesar de jovem, você me parece uma
pessoa ajuizada. É até difícil acreditar que o senhor realmente
seja es... canhoto! Antigamente era bem mais fácil identificar vocês
pelo modo de agir. Agora, não se nota diferença alguma. Parece
mesmo que se tornou moda ser esquerdo (escapou) neste mundo
de meu Deus. Vão lentamente invadindo os teatros, os cinemas,
as tevês... Aliás, o teatro já foi um ambiente estritamente familiar.
Ou, pelo menos, na cidadezinha onde nasci, era. Não tinha história
de Nelson Rodrigues, não! Sacanagem nunca foi coisa pra se exibir
publicamente. É pra se fazer ali ó: duas pessoas e quatro paredes.
As peças eram todas coordenadas pela Igreja, com temas cristãos,
que é o certo (recordo do padre João e seus braços peludos
segurando a hóstia). Isso era arte! Arte com “a” maiúsculo. As
crianças vestidinhas de anjo e o pequeno coral repetindo o refrão...
Ah, como tenho saudades daquele tempo! Discutir política, então,
era coisa só para gente de bem. Bunda-suja que fosse se lavar na
sua própria casa; lavrador, lavrar; capataz, cuidar; porque tradição
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de família não se obtém dum dia pro outro, duma hora pra outra.
Família que manda, ou esteja disputando o mando com outra,
tem a benção de Deus para isso... Coisas de es... canhotos!? A
gente ouvia falar (vagamente). Posso até dizer que já usei dessa
mão, quando era menino pequeno, mas quando se é criança, a
gente faz as coisas sem maldade, não é mesmo? Se os pais ficassem
sabendo, davam uma surra danada... E se eu souber do meu filho
(Deus me livre e guarde), dou surra também... Não leve para o
lado pessoal, seu Renato. Eu não sou este poço de ignorância que
o senhor está pensando. Leio muito, é importante a gente conhecer
o comportamento humano. Sei que gente famosa como Leonardo
da Vinci foi canhoto, e sei que a lista não para por aí. É por isso que
eu estou lhe dizendo tudo isso, para o senhor saber que, mesmo
sendo canhoto, o senhor não será despedido, ouviu? O senhor pode
ficar sossegado. Nós acompanhamos a evolução dos...
– Percebo o que quer dizer, seu Otaviano. O senhor não
desconhece que há uma lei que proíbe a discriminação de
canhotos, não é mesmo?
– Eu? Não, não... E não é por isso...
– Seu Otaviano...
– Sim, seu Renato?...
– O senhor não precisa se preocupar.
– Eu? Me preocupar? (Que impetulância!) Ora, mas me
preocupar com o quê?...
– Eu não direi nada...
– Não dirá nada?
– Não, não falarei nada do que aconteceu no Clube no último
sábado... O fato de ter visto o senhor, ao sair da piscina e se
dirigir para relaxar na sauna... O fato de tê-lo visto usando a mão
esquerda!
– ...
– ...
– O senhor pode sair, seu Renato.
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Lima Trindade nasceu em Brasília, DF. Vive em Salvador desde 2002. É
autor do romance Supermercado da Solidão (2005) e dos livros de contos Todo
sol mais o Espírito Santo (2005) e Corações Blues e Serpentinas (2007). É mestre
em Teoria da Literatura pela UFBA. Edita mensalmente, desde 1999, a
revista eletrônica Verbo21 (www.verbo21.com.br) e tem vários textos
publicados em jornais e revistas do Brasil e exterior: Revistas Cult, LSD,
Iararana, sites Bestiário, Germina e Confraria do Vento; jornais Correio
Braziliense e A Tarde, entre outros.
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Discursos
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Abertura do Ano Acadêmico
de 2008
Edivaldo M. Boaventura
Presidente da Academia de Letras da Bahia
O ano acadêmico que, ora, se inicia é rico de eventos significa-
tivos para a história, a literatura e a política. Comemoram-se o
bicentenário da chegada da Corte Portuguesa, o quarto centenário do padre Antônio Vieira, o primeiro do governador e acadêmico Luís Viana Filho e os cem anos de falecimento de Machado
de Assis. Todos os quatro eventos marcam profundas vinculações
com a nossa Companhia.
Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia e Braskem
Neste clima de festa comemorativa, compartilhamos a nossa alegria, com a empresa Braskem ao procedermos à entrega
do Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem de
Poesia 2007 a Rodrigo Petrônio Ribeiro, jovem e promissor poeta paulista. Lançamos o novo prêmio de contos referente ao
ano 2008 e o livro Floração de imaginários: o romance baiano no
século 20, do escritor e professor Jorge de Souza Araujo, vencedor do Prêmio Braskem de Ensaios 2006. Cumpre a Academia, dessa maneira, uma das suas finalidades: “promover a concessão de prêmios, ou concedê-los, para composições literárias” (Art. 67, alínea c).
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O incentivo dessa singular premiação nacional concretiza-se
pela parceria com a Braskem, representada, neste ato, por
Humberto Garrido, da diretoria de relações institucionais, e por
José Cerqueira, velho e querido companheiro de promoções livreiras desde o tempo da Copene. À Braskem o nosso reconhecimento e a vontade de continuar com essa parceria no estimulo
à produção intelectual, pois, premiar é reconhecer o mérito. Não
premiar é punir pelo indiferentismo. Salve, pois, a Braskem que
merece todos os nossos aplausos.
Acadêmico Cláudio Veiga, membro benfeitor
Festejamos a premiação e celebremos a entrega do título de
benfeitor ao confrade Cláudio de Andrade Veiga. Exercita-se,
assim, o dispositivo que categoriza o membro benfeitor: “Será
outorgado o título de membro benfeitor a quem prestar relevantes serviços à Academia, só podendo ser concedido esse título se
aprovado em plenário por dois terços da maioria absoluta dos
membros efetivos” (Art.16, parágrafo primeiro).
Por esse motivo, uma das primeiras decisões da atual diretoria
foi outorgar este honroso título ao ex-presidente. Após vinte e
seis anos de profícua gestão, o confrade Cláudio Veiga afastou-se
da presidência deste Sodalício, em junho de 2007. Para dar continuidade, elegemos nova diretoria para completar o biênio 2007/
2008, em 13 de julho de 2007. No seu período, a Academia experimentou uma fase de alta representatividade, desempenhando
novas funções e tornando-se uma das instituições culturais mais
expressivas da Bahia. Ganhamos a nova sede, o Solar Góes Calmon,
graças à doação do saudoso confrade governador Antônio Carlos
Magalhães, sua sucessão condigna ocorrerá oportunamente tão logo
o estatuto seja reformado.
Na gestão de Cláudio Veiga, procedeu-se à transferência da
sede da Academia do Terreiro de Jesus para o nobre solar Góes
Calmon, em 7 de março de 1983. A partir daquele momento, a
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Academia passou a ter acentuado desempenho com a realização
de atividades literárias e eventos marcantes a serviço das demandas comunitárias e das ofertas crescentes da produção e disseminação do conhecimento. Cláudio Veiga liderou a organização racional do novo espaço, ambientando-o às funções e aos serviços
acadêmicos, destacadamente, biblioteca, arquivo, contabilidade,
diretoria e secretaria.
Ao nosso homenageado de hoje, o ensaísta Cláudio Veiga, a
Academia muito deve. Cultor da língua e literatura francesas, estudioso da literatura comparada, teórico e prático da tradução,
haja vista a sua monumental Antologia da poesia francesa do século IX
ao XX, pesquisador de estudos baianos, no contexto luso-franco-brasileiro, é um dos pilares desta Academia.
O professor Cláudio Veiga é, portanto, um fautor que muito
favorece a realização da Academia de Letras da Bahia. Tanto sabe
construir o conhecimento com comprovada obra universitária,
coerente e significativa, como soube fazer a Academia, dirigindo-a com sabedoria por mais de duas décadas.
A sua gestão constituiu-se num paciente e sábio agregado de
pessoas, de livros e de variados equipamentos. Promoveu a
integração de vários acervos – Álvaro Nascimento, Odorico
Tavares, Waldir Oliveira e outros. Incorporou parte do espólio
de Edith Mendes da Gama e Abreu e as estatuetas de "biscuit"
do doutor Eliezer Audíface. Perpetuou em bronze os vultos de
Cervantes, Otávio Mangabeira, Arlindo Fragoso, Pedro Calmon
e Jorge Amado. Dentre em pouco complementaremos a galeria
com a inauguração do busto de Jorge Calmon, oferta do presidente da Associação Baiana de Imprensa (ABI), o nosso confrade
Samuel Celestino.
É notável a realização de cursos, como o de Castro Alves e
de Folclore, de concursos literários – o exemplo magnífico da
Braskem – , de lançamentos, palestras, exposições, edição anual
da nossa Revista, publicações e renovadas posses solenes. Com
o nosso confrade homenageado manteve-se a linha de erudição
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da Academia, que a converte numa entidade cimeira da cultura
baiana.
O reconhecimento pelo seu trabalho o introduz no selecionado grupo dos membros benfeitores, composto por Heitor Praguer
Fróes, Jorge Calmon e por mim. O título, como todos os diplomas, é apenas um símbolo de reconhecimento.
Por oportuno, peço vênia para agregar trecho da pena de prata do nosso confrade Hélio Pólvora, reproduzindo um excerto
do editorial do Boletim número um:
A conjugação de temperamentos e atividades diversas argamassou, ao longo dos anos, os objetivos programáticos desta Casa,
retirando-a de um conciliábulo de cultura ornamental para a
amplitude de órgão que serve à cultura e está comprometido com
a educação extracurricular do Estado da Bahia.
Seu presidente anterior o Professor Emérito Cláudio Veiga,
assim a modelou, ao longo do seu vitorioso mandato. Coubelhe casar, com uma eficiência que nele era discreta, por temperamento, o que se convencionou chamar de Ilustre Companhia
com os objetivos pragmáticos da instituição dinâmica, que se
conjuga, participa, interfere, estimula. Assim tem sido a Academia de Letras da Bahia. Basta lembrar os seus diversos cursos
voltados para os estudantes de letras, as exposições, os lançamentos de livros, as recepções, as sessões de saudade, as conferencias de personalidades nacionais e estrangeiras, o intercâmbio com intelectuais de outros centros brasileiros e do Exterior.
Suas publicações, sobretudo a sua Revista, refletem um intercâmbio dinâmico, altamente propulsor – uma permuta de experiências, pesquisas e saber.
A contribuição de Jorge Calmon
Destaque-se por dever de justiça o quanto foi relevante para o
sucesso da gestão Cláudio Veiga a colaboração valiosa e saudosa
de Jorge Calmon e o trabalho de Carlos Cunha.
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Graças ao prestígio pessoal, o confrade Jorge conseguiu engrandecer o nome da Academia e ampliar o seu patrimônio
edificado, com a construção de um pavilhão que leva o seu nome.
A doação dos pratos brazonados, que tanto embelezam a nossa
refinada sala de reunião, recompôs o cenário de finesse do início
do século XX da antiga sala de jantar do casal Julieta e Francisco
Marques de Góes Calmon. Aqui citamos apenas alguns exemplos do muito que Jorge Calmon enriqueceu moral e materialmente o nosso Sodalício.
A dedicação de Carlos Cunha
Aos serviços prestados por Jorge Calmon, soma-se a dedicação do poeta Carlos Cunha. A Academia reconhece o seu trabalho diligente e as muitas iniciativas culturais, bem assim a publicação da revista, lançamento de livros e outras muitas realizações do diretor cultural.
O apoio do Estado
Assim, pude acompanhar de perto e colaborar com a gestão
Cláudio Veiga, nos primeiros anos. Como secretário de Educação e Cultura da Bahia, de 1983 a 1987, colaborei com recursos
necessários para o seu funcionamento e coloquei à disposição
pessoal dos quadros do governo estadual, mediante convênio.
Por esse e outros serviços, a Academia tornou-me membro benfeitor, juntamente com o acadêmico Jorge Calmon, em 1986.
Entendo que cabe ao Estado estimular e apoiar as atividades culturais. As academias, principalmente, as de letras mantêm conhecido relacionamento com o poder público desde as
suas origens francesas. Recordemos que o saber é uma forma
de domínio, como a religião é um saber de salvação. Um exemplo ilustre é o da Academia Portuguesa da História, criada por
D. João V, e da Academia de Ciências de Lisboa, que inclui
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uma seção de letras, instituída por D. Maria I, ambas são
mantidas pelo Estado português. Outro exemplo incentivador
do relacionamento
do Estado com a cultura é o apoio financeiro da poderosa e
portentosa República Federal Alemã a cem orquestras sinfônicas. Não faz muito Frans Krajcberg doou as suas esculturas ao
Estado da Bahia acolhidas com alegria pelo governador Jaques
Wagner. Bem haja o bom senso governamental em apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais,
conforme ordena a Constituição Federal de 1988. O Estado
moderno pode assumir duas posições em face da cultura: fomentar indiretamente as atividades culturais ou planejar diretamente a função cultura.
O apoio da Secretaria da Cultura da Bahia para o funcionamento desta Companhia é imprescindível. Como presidente,
temos discutido com os seus dirigentes, a fim de que se conceda o suporte para as nossas atividades comunitárias. Graças
à compreensão de homens cultos e inteligentes, como o doutor Paulo Henrique de Almeida, superintendente da Secretaria
da Cultura, renovou-se o convênio de manutenção, aprovado
pelo secretário Márcio Meirelles. O suporte público é imprescindível à sobrevivência da entidade porque as nossas atividades são dirigidas à comunidade sob as mais variadas formas de
cursos, concursos, simpósios, conferências. Presentemente, o
acadêmico Aleilton Fonseca, doutor em letras e professor da
Universidade Estadual de Feira de Santana, a vitoriosa UEFS,
prepara para este ano, vasto programa de simpósios, dirigido
ao público universitário.
A construção permanente da Academia
Além da premiação com a parceira da Braskem e da entrega
do título de membro benfeitor, há algumas indicações para o ano
que se inicia.
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Reforma do estatuto e do regimento.
Dando continuidade às realizações da diretoria eleita para o
biênio 2007-2008, é premente que se proceda às reformas do
estatuto e do regimento. A comissão composta pelo vice-presidente Waldir Freitas Oliveira, Ary Guimarães e Aramis Ribeiro
Costa discute o substitutivo elaborado por este último confrade.
O site da academia.
Vale anunciar que se encontra em pleno funcionamento o site
da Academia http://academiadeletrasdabahia.or.br). A partir do
novo regimento será criado o cargo de Diretor de Informática.
Para o cruzamento das informações uma conexão deverá se estabelecer entre o setor de informática e a diretoria de arquivo
visando a alimentação do site.
O Boletim da ALB.
Com o objetivo de divulgar os eventos da Casa, a diretoria
criou o Boletim. O nosso house organ circulou com o número
zero (experimental) e primeiro número contou com editorial do
confrade Hélio Pólvora, contemplando ainda a última página escrita pelo saudoso Pedro Moacir Maia, que nos deixou em 8 de
janeiro deste ano. O confrade Fernando da Rocha Peres fará proximamente a oração da saudade.
A galeria dos ex-presidentes.
Para o projeto de criação da galeria dos ex-presidentes, iniciamos a pesquisa sobre a memória da Academia. O trabalho do
jovem historiador Bruno Lopes do Rosário, encarregado do arquivo, identificou, por ordem cronológica, as imagens dos seguintes presidentes: Ernesto Carneiro Ribeiro, Gonçalo Moniz
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de Aragão, Braz do Amaral, José Joaquim Seabra, Carlos Ribeiro, João Garcez Fróes, Pinto de Carvalho, Aloysio de Carvalho
Filho, Thales de Azevedo, José Calasans Brandão da Silva,
Monsenhor Manoel de Aquino Barbosa, Estácio de Lima, Jorge Calmon, Hélio Simões, Cláudio Veiga e Edivaldo M.
Boaventura
Discursos de tomado de posse.
Este projeto liga-se à publicação dos discursos de tomada de
posse dos Acadêmicos. Inspirou-nos a publicação de alentados
tomos com as falas dos recipiendários da Academia Brasileira. A
sucessão das cadeiras com as referências cronológicas dos seus
ocupantes fornece um perfil da cultura baiana. Entendimentos
prévios estão sendo estabelecidos com o confrade Ubiratan Castro, diretor da Fundação Pedro Calmon. A propósito, os 90 anos
da Academia devem motivar sobremaneira a elaboração de alentada dissertação de mestrado com utilização do método reputacional
na área da cultura ou da produção do conhecimento.
Tombamento do Solar Góes Calmon.
Atendendo ao nosso pedido de tombamento do prédio e dos
bens móveis, o acadêmico Ubiratan Castro, em outra necessária
colaboração com esta Companhia, deu início ao processo, designando a bibliotecária Rosane Rubim, gerente de divulgação e promoção do livro, para o acervo da biblioteca; a arquiteta Sônia
Ivanoff, para o tombamento do edifício; e o museólogo Eduardo
Fróes, para os bens móveis. O belo Solar Góes Calmon, antiga
morada e museu, e seu precioso acervo devem estar sob a proteção do Estado. Considere-se que o “Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de
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acautelamento e preservação” (CF/1988, Art.216,1º). Conforme
esta diretriz de conservação do patrimônio, a histórica mesa de
reunião da sede da Academia, no Terreiro de Jesus, acaba de ser
restaurada pelo artesão Edilson Costa Dias e posta na sala dos
retratos, no primeiro andar. O zelo pelo solar impõe o cuidado
pela sua manutenção e conservação.
Iniciativas e sugestões.
Dentre muitas outras iniciativas com vista ao desenvolvimento organizacional da Academia, a diretoria cogita:
1) a elaboração do planejamento estratégico com determinação da missão, visão, objetivos, estratégias e ações programadas
da Academia;
2) criação do prêmio de pesquisa em literatura em conexão
com os cursos de mestrado e doutorado em letras das universidades;
3) integração do arquivo ao sistema estadual de arquivos do
Estado da Bahia;
4) obtenção do Qualis para a revista da Academia, na categoria de revistas de língua, literatura e cultura, para que o nosso
periódico siga as normas da indexação e assim possa servir melhor aos colaboradores e à comunidade científica;
5) oficialização da Comissão de Eventos com uma programação de simpósios a cargo do acadêmico Aleilton Fonseca;
6) operacionalização dos pontos de cultura do Ministério da
Cultura, conforme sugestão do acadêmico Paulo Ormindo de
Azevedo;
Reconhecimento à professora Doralice Alcoforado.
Neste momento, igualmente, homenageamos a memória da
professora Doralice Alcoforado, do Instituto de Letras da UFBA,
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que se disponibilizou e conduziu com extrema dedicação a coordenação do Curso de Folclore, inspiração de Hildegardes Viana.
Enfim, há muito a ser empreendido em cooperação com entidades públicas e privadas, como a Secretaria de Cultura, Assembleia
Legislativa da Bahia e Braskem, respondendo às expectativas da
comunidade que muito espera do trabalho dos integrantes desta
Casa, tanto dos acadêmico como dos funcionários.
Muito obrigado pelas presenças e mais ainda pela atenção.
Salvador, 13 de março de 2008.
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Helena Parente Cunha,
escritora baiana
Edivaldo M. Boaventura
Presidente da Academia de Letras da Bahia
O Seminário Helena Parente Cunha: as formas informes do desejo se
realiza no momento em que a Academia de Letras da Bahia busca
novos paradigmas e novas estratégias de atuação. Volta-se para o
estudo da literatura baiana sem desprezar o contexto nacional e
internacional, muito pelo contrário, considera-a no conjunto das
manifestações e dos movimentos insurgentes. A Academia segue
o preceito da investigação científica de pesquisar o que está mais
próximo, sur place.
Muito cedo, manifestou-se a inspiração poética de Helena. Os
primeiros poemas datam da infância e desde então escreve. O
seu livro inicial é de versos, Corpo no cerco (1978), anos depois,
deu-nos Maramar (1980) e continua com O outro lado do dia (1995),
poemas de uma inspirada viagem ao Japão. O outro lado do dia
ou o outro lado do mundo? Depois que atravessamos a imaginária
linha morta, é muito difícil distinguir espaço de tempo, dia de
noite. O choque do oriente é fascinante para todo ocidental.
Prossegue Helena com Além de estar (2000), Contos e cantares (2005)
e chego à estação dos Caminhos de quando e além (2007) com todas
as princesas adormecidas, infantes despertadores, com começos,
sonos e sonhos. Na Estação 47, paro:
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A caminhada é caminho de muitos degraus e subidas
e idas
e paradas recuadas e descidas e mais subidas e enfim o
fim do trajeto
em ser a chegada do retorno à casa do pai.
Nem sempre os caminhos são planos e retos. Não.Há buracos
e crateras,são longos, como quer Sophia de Mello Breyner
Andersen:
Mas espera-me
E por mais longos que sejam os caminhos.
Eu regresso.
Começou a carreira docente ainda na sua alma mater, a
Universidade Federal da Bahia, como professora de italiano,
assistente da professora e doutora Gina Magnavita Galeffi, vínculo
também afetivo que manteve ao longo da vida. Mudando-se para
o Rio, em 1958, retornou anos depois ao magistério superior,
com mestrado, doutorado e livre docência, na Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual foi
diretora, exercendo outras funções na administração acadêmica.
Prossegue na caminhada, como pesquisadora do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
e exerce intensa atividade na graduação e pós-graduação,
orientando dissertações de mestrado e teses de doutorado.
Participa de associações científicas e literárias que promovem
congressos e concursos. Detém, dentre outros, o prêmio Cruz e
Sousa, do Estado de Santa Catarina com o exitoso romance Mulher
no espelho, marco na sua carreira literária.
Em termos de Bahia, Helena pertence a primeira geração com
formação específica, em letras, diplomada pela Faculdade de
Filosofia da Bahia, juntamente com Cláudio Veiga, Joselice
Macedo de Barreiro, Zilma Gomes Parente de Barros, Moema
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Parente Augel e tantos outros colegas que começam a chegar à
Academia. Só para continuar com uma improvisada sociologia
geracional, a próxima geração é a de Evelina de Carvalho Sá
Hoisel, realizadora deste seminário.
Não obstante ter sido Helena professora titular de Teoria da
Literatura, continuou ligada à fundante cultura italiana. Como
professora visitante, integrou simpósios, na Itália e em outros
países, e traduziu Pirandello. Organizou Racconti (1998), antologia
bilíngüe italiano e português.
As influências que marcam a sua caminhada, além de Gina e
Romano Galeffi, são também as de Eduardo Portella, Geraldo
França de Lima, que é seu professor e amigo por toda vida,
Cassiano Ricardo, sobre o qual escreveu o ensaio Jeremias, a palavra
poética (1979), uma leitura de Cassiano e Paulo Rónai.
Trabalha, intensamente, na pós-graduação e incentiva jovens
talentos. Dentro dessa diretriz, organizou com os seus orientandos
uma coletânea de ensaios, intitulada Desafiando o cânone: aspectos da
literatura de autoria feminina dos anos 70/80, prosa e verso (1999). Nelly
Novaes Coelho complementa, na apresentação, que o desafio ao
cânone é gesto de transgressão: “que, desde o início do século, vem
sendo assumido pelas mulheres e aprofundando a ruptura do
nosso tempo com a tradição herdada”.
Com uma produtiva jubilação acadêmica, Helena tornou-se
logo a seguir professora emérita, continuando, por opção, a
ministrar cursos na graduação e na pós-graduação e prosseguiu
com Desafiando o cânone (2): ecos de vozes femininas na literatura
brasileira do século XIX (2001), Além do Cânone (2004) e Olhares
pós-moderno (2007).
Como na poesia, igualmente na narrativa, especialmente,
conto e romance, obteve pleno êxito. Publicou o livro de contos:
Os provisórios (1980), de onde colhi esse belo trecho para o meu
livro de viagens A segunda casa: “na varanda dos fundos, as
samambaias despencavam suas fitas em aconchegamentos de
verde”. Chegaram em seguida: Cem mentiras de verdade (1985) e
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A casa e as casas (1996). Lançou, quando da sua incorporação à
esta Companhia, Vento Ventania Vendaval (1998). Para Antônio
Houaiss, no prefácio, esses contos são encantatórios:
“Estupendos poemas em prosa, por vezes mais poéticos do que
poemas assim intencionados. Sinto que Helena Parente Cunha
cresceu mais ainda com este livro-livrinho-livrão. Parabéns a
ela e a nós”.
O êxito do romance Mulher no espelho (1983) ensejou tradução
em alemão e inglês. Nos Estados Unidos, a versão em inglês,
Woman between mirrors, chegou a ser um dos best sellers da Série
Pan-American da University of Texas Press e teve que ser
reimpresso dentro de poucos meses, informa a tradutora Naomi
Lindstrom. Segue-se o segundo romance, As doze cores do vermelho
(1988). A narrativa chama a atenção para os mecanismos de sua
construção. Em vez de capítulos, os segmentos constituem
módulos. Continua ainda Lindstrom: “nota-se uma busca contínua
de novas funções da corrente vanguardista, com seu enfoque na
construção inovadora do texto narrativo, e outra corrente centrada
no esforço por comunicar a experiência íntima vivida pelos
protagonistas”. Deu em seguida à estampa Claras manhãs de Barra
Clara (2002).
A ficção é seu campo preferido de trabalho de criação, pois
neste tipo de narrativa pode expor sua perplexidade diante das
injustiças da vida cotidiana. Acerca do conto, Helena foi explícita:
“O conto é o estilo literário que permite a vazão desta necessidade
de mostrar sua indignação diante do autoritarismo e de qualquer
cerceamento de liberdade. Essas pequenas histórias sempre
partem de um acontecimento real, mas ao escrever são envolvidas
de tal forma na fantasia que ficam transfiguradas”.
Se a ficcionista revela a criadora, a ensaísta vem armada da
parafernália acadêmica, dos pressupostos teóricos e
metodológicos da teoria da literatura. O ensaio, aliás, é o
instrumento mais apropriado para a expressão do scholar.
Referenciemos alguns: O lírico e o trágico em Leopardi (1980), escrito
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na vertente da literatura italiana; Os melhores contos de João do Rio
(1990) e, especialmente, os experimentos de metodologia
psicanalítica aplicada à análise literária, Mulheres inventadas 1: leitura
psicanalítica de textos na voz masculina (1994), que tive a honra de
prefaciar.
A psicanálise deu inegavelmente a Helena Parente Cunha uma
nova dimensão e um instrumento analítico que envolvem o tema
central deste livro que são as mulheres inventadas. No particular,
é importante insistir na especificação do gênero masculino.
A mulher projetada ou desejada encontra na ensaística de
Helena uma razão e, o que é mais importante, um sentimento
mais do que explicativo, explanatório.
A contribuição psicanalítica se aproximou da literatura e fez
acrescer ao somatório da titular de Teoria da Literatura, da
conhecedora da Língua e Literatura Italiana, da erudita estudiosa
de Leopardi e Cassiano Ricardo, novos enfoques interdisciplinares.
Como acadêmica, redobrou a sua capacidade de análise com essa
metodologia. E o corte que realiza nas figuras deste livro é
analítico.
Estruturalmente parte da poesia cortês exemplificando com
as medievais cantigas de amiga. Terreno onde o domínio
cognoscitivo de Helena é conhecido pela intimidade com a cultura
latina. As categorias são explicitadas como o complexo de Édipo
e de castração, o eterno retorno e o amor fusional, o desejo de
repetição e o nirvana.
Depois dessas assertivas teóricas e metodológicas, da visão
oriental do mundo à reflexão psicanalítica, com o domínio pleno
dessas e outras variáveis, explora os pré-socráticos relacionados
com o mundo do Oriente. Filosofia e Literatura se encontram
nessa encruzilhada interdisciplinar. Todo o ensaio aliás, sobre as
Mulheres inventadas é uma temática de fronteira.A sua leitura
psicanalítica, isto é, o desejo de completude e a busca da unidade
perdida, recupera o poema “Uma menina”, de Afonso Henrique,
onde grava a relação fusional materna de mãe. Poderosa é a parte
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referente à mulher-mãe-natureza. A mãe-natura, para os antigos,
na sua feminilidade plena de fertilidade. A simbologia é por demais
forte e vigorosa. Toda ela voltada para os cenários de produção e
de criação.
No conjunto da análise, não poderia faltar o nosso Castro
Alves com o seu poema “Adormecida”, um belo momento da
literatura brasileira. Os recuos e avanços do manso jasmineiro
deixam sentir as agressões e dubiedades do poeta em enfrentar a
adormecida. A languidez é total no verso, único e singular – “numa
rede encostada molemente”.
Continuando a sua trajetória denunciadora da sexualidade
reprimida, aborda o cancioneiro popular. Instala-se em “Amélia”,
aquela que “foi mulher de verdade”, como figura central da
construção masculina. Rica figura do imaginário nacional, que
não só exige análise psicológica e psicanalítica como também
sociológica para a compreensão global do seu papel doméstico e
da sua personalidade feminina.
A propósito o nosso cancioneiro popular é pleno e satisfeito
de mulheres inventadas, mas como traidoras, cúmplices, ingratas,
infiéis, adúlteras. Há muita “dor de corno” na nossa canção
popular brasileira. Aqui Helena abre uma nova vereda analítica e
ao mesmo tempo denunciadora do nosso comportamento social
tão mal estudado ainda. Como é fonte de investigação, torna-se
um núcleo temático de novas propostas de pesquisas.
Depois de lermos Mulheres inventadas não podemos ver Amélia,
nem Laura, nem Gabriela, nem a outra, como antigamente. A
intervenção de Helena é instigante. Pergunto-me: que sucederá,
por exemplo, com as mulheres inventadas pelo poeta Vinícius de
Moraes, erotismo ou medo?
A galeria inclui Gabriela, a indomável personagem de Jorge
Amado. Gabriela é a voz da natureza: “Gabriela simboliza o
feminino confundido com a Natureza e o misterioso poder
oculto”. Prossegue com Jorge de Lima, nas complicadas relações
sexuais do nosso inconsciente escravocrata, tão ao gosto do
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enorme Gilberto Freyre, que, praticamente introduziu Freud na
sociologia do Brasil. A leitura abrange Caetano Veloso, Petrarca,
Fernando Pessoa e tantos outros que inventaram outras mulheres.
Se são mulheres inventadas “na voz masculina”, foram
recriadas pela poderosa hermenêutica de Helena Parente Cunha.
Em suma, “Como acadêmica, redobrou a sua capacidade de
análise com essa metodologia. E o corte que realiza nas figuras
deste livro é por dentro, não é literal, apenas.” O enriquecimento
empírico é evidente e prossegue em Mulheres inventadas 2: visão
psicanalítica, descompromissada e interdisciplinar de textos na voz masculina
(1997). A propósito, Maria Rita Kehl, na apresentação, testemunha
que:
Minha afinidade com estes dois Mulheres Inventadas passa
em primeiro lugar pela escolha da autora em abordar seu tema,
desde esta tênue franja onde se dá o encontro entre a literatura
e a psicanálise – pela palavra, pela dimensão imaginária, pelos
cortes simbólicos que ambas, cada uma a seu modo, sabem
produzir.
A sua produção abrange mais de duas dezenas de livros, além
das traduções, co-autorias, com publicações em revistas e jornais,
inúmeras comunicações em congressos, viagens ao exterior para
aulas e conferências, especialmente, nas universidades italianas,
alemãs e norte-americanas. Integra associações literárias e
científicas. Destacam-se como indicadores de qualidade a
participação em antologias de poemas e contos, tanto no Brasil
como no exterior, e as traduções de seus contos e romances para
as línguas estrangeiras modernas. A sua obra desperta interesse
como objeto de análise em dissertações e teses e deste seminário.
A Academia de Letras da Bahia começa este ano acadêmico
de 2009 com estatuto e regimento reformados. Com o
crescimento dos centros urbanos da Bahia de expressividade
demográfica e cultural, não caberia mais a condição restritiva
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do domicilio na capital baiana, para o ingresso nesta Companhia.
A reforma retirou a dependência da residência na capital,
reforçando o topônimo Bahia, explicite-se que a Academia de
Letras é de toda a Bahia e não tão somente de sua capital
soteropolitana.
Já o ano passado, realizamos com sucesso, graças ao trabalho
escolar da nossa confrade Evelina de Carvalho Sá Hoisel, o Colóquio
da poesia de Myriam Fraga, concluindo-o com a sua Poesia reunida,
editada conjuntamente com a Assembleia Legislativa da Bahia.
O passo seguinte, para 2009, foi projetar o Seminário Helena
Parente Cunha: as formas informes do desejo. Veremos, na medida
do possível, a obra e a autora, no seu conjunto temático. O nosso
desejo é buscar a obra plena da professora de teoria da literatura
nas suas múltiplas manifestações em poemas, contos, romances,
ensaios e traduções.
Dando continuidade à inclinação para o estudo dos nossos
autores, pensamos, dentre muitos outros, na obra franco-brasileira
de Cláudio Veiga, no significado da contribuição literária de Ruy
Espinheira Filho e Hélio Pólvora.
Helena volta, exatamente, depois de dez anos a esta Academia,
confirmando o estatuto da correspondência. É a permanência
da presença da escritora e da docente com a excelência de sua tão
apreciada scholarship. Diria que não é tanto um retorno. Não.
Percebo, sinto, desejo e chego até a querer que seja uma chamada.
Uma completa chamada da obra, da pessoa e também da amizade.
E nessa chamada ela vem acompanhada das irmãs Zilma Barros
e Moema Augel.
O tempo universitário é também o momento do nascimento
das amizades, decantadas pela admiração dos talentos e pelas
afinidades eletivas. À fraternidade estudantil com Moema seguiuse o escolar diálogo acadêmico com Zilma, ambas se integram
na crescente admiração erudita e afetiva a Helena.
Não sou tão somente eu, idiograficamente, desejando, mas é a
própria Academia de Letras da Bahia, nomoteticamente, atuante
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que, distingue Helena pelo conjunto da obra, pelo peso significante
da construção científica e artística.
Dentro dos novos paradigmas kuhneanos da Academia,
considere-se o conjunto da sua obra. A escritora Helena Parente
Cunha é a primeira ensaísta e ficcionista que tem os trabalhos
acadêmicos conjuntamente apreciados neste seminário. O
primeiro ensaio de conjunto foi a poesia de nossa Myriam Fraga.
Toda Academia exercita-se pela palavra, pela convivência e
pelos prêmios, pois, não premiar é punir. E punir pelo silêncio.
Assim, tomo a iniciativa de propor que a Academia de Letras
da Bahia crie e conceda pela primeira vez o prêmio pelo conjunto
da obra a Helena Parente Cunha, referente ao ano de 2009.
__________
Palavra de abertura do Seminário Parente Cunha – As formas informes do
desejo, Academia de Letras da Bahia, Salvador, 20 a 22 de maio de 2009.
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Saudação a Samuel Celestino
Edivaldo M. Boaventura
Esta é uma noite transfigurada pela passagem do legado de
Jorge Calmon a Samuel Celestino. De mestre a discípulo assegurase a herança maior da liberdade de expressão.
Estamos, de um lado, em face da herança acadêmica de Jorge
Calmon, cuja sombra realizadora cobre de lembranças edificantes
a Academia, e, do outro, a chegada alvissareira de Samuel Celestino
da Silva Filho.
A liderança de Jorge Calmon desenvolveu-se plenamente na
imprensa, alcançou os mais elevados postos em A Tarde. Do jornal,
transbordou para a comunidade a sua capacidade de servir.
Dentre as muitas organizações de que participou, destacamse o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a Associação
Bahiana de Imprensa e a Academia de Letras da Bahia. Nesta
ingressou em 7 de julho de 1965, quando completava cinquenta
anos. Como servidor da cultura, foi um mestre da tradição.
Com ele obtivemos a sede, este belo Solar Góes Calmon. Com
o seu apoio, ampliamos a biblioteca, cujo novo pavilhão, com
muita justiça, tem o seu nome. Era sócio titular, acadêmico de
número e membro benfeitor. Serviu a esta instituição com
abnegada dedicação. Quando presidente, de 1977 a 1979, instituiu
cursos permanentes como o Curso Castro Alves, que funciona
até hoje. Um de seus últimos gestos de carinho foi restituir o
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requinte da antiga sala de jantar com pratos brasonados,
embelezando o nosso sítio predileto de reunião.
Se grandes foram as suas contribuições, maiores, os contributos
morais no engrandecimento deste sodalício. O processo de escolha
de candidatos, defensivamente, por ele concebido, é um exemplo
que bem atesta o seu estilo.
Iniciamos o processo sucessório com a declaração da vacância
da cadeira número 23. Somos reconhecidos à acadêmica Consuelo
Pondé de Sena pela tocante oração da saudade. Naquele singular
momento, Jorge Calmon Filho depositou na Academia medalhas
e insígnias de seu pai. A Academia agradece mais uma vez à família
a significativa doação.
A Academia encontrava-se em face do dilema de transmitir o
seu legado de realizações. Cuidadosamente, preparamos a
sucessão, conforme o rito por ele prescrito. Sucessão que implica
escolha em um restrito universo de números fechados (numerus
clausus). Recorde-se que sucessão se aproxima de sucesso, ambos
os lexemas têm a mesma raiz latina: successione, successu.
A Cadeira número 23, que de hoje em diante será de Samuel
Celestino, tem como patrono Antônio Januário de Faria, orador
imaginoso e fluente, componente da Escola Médica Baiana.
Também foi médico o seu fundador, João Américo Garcez Fróes,
professor de Medicina Legal. O poeta Sílvio Valente, que não
poupou os seus professores da Faculdade de Direito, excepcionou:
“O velho Fróes é uma instituição”.
Na Bahia culta, para onde nos movemos, sempre encontramos
médicos. A cultura médica é uma constante no contexto erudito
baiano e a pesquisa médica é pioneira e talvez seja ainda a mais
desenvolvida entre nós. Há médicos na literatura, na educação e,
também, na política, com inúmeros desses profissionais exercendo
o cargo de prefeitos municipais. Nesta Companhia, o partido dos
médicos é forte, tanto ontem como hoje. Presentemente, para
honra da Companhia, contamos com o reitor e governador
Roberto Santos, com Aramis Ribeiro Costa, conhecedor dos atos
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constitutivos, o qual nos presta relevantes serviços na revisão das
normas da Casa, e com José Carlos Capinan, poeta e compositor,
também formado em Medicina.
O jornalista Jorge Calmon sucedeu a um médico. A propósito,
Paul Valéry, conhecedor dos mistérios e das funções dos
Sodalícios, ensina que não há especialidade nas Academias; pelo
contrário, existe plena liberdade na escolha dos candidatos. Pode
um poeta suceder a um general e um romancista, a um historiador.
Assim procede a Academia Francesa, nosso paradigma maior.
Não havendo obrigação de tomar novos membros dentro de
uma mesma categoria profissional, surgem, comunitariamente,
personalidades significativas que trescalam tendências, tradições,
desejos e anseios de convivência acadêmica. Jornalistas
profissionais que se expressam muito bem pelas letras têm sido
bem vindos a esta Academia.
Como toda sucessão, a de Jorge Calmon foi ponderada, pois
não se tratava apenas de uma simples substituição. A instituição
fundada por Arlindo Fragoso pesou e indagou: a quem entregar
o legado de Jorge Calmon Moniz de Bittencourt? Era o nosso
problema.
Um nome se impôs pelo consenso à nossa consideração. Um
nome de talento ligado ao antecessor por fortes laços profissionais,
de amizade, de competência e de credibilidade. Confessadamente,
Samuel Celestino tem não somente reconhecido como enaltecido
o aprendizado com Jorge Calmon. A sucessão aconteceu dentro
da mesma linha de ocupação profissional, de jornalista para
jornalista, ambos profissionais de imprensa, ambos de A Tarde.
Em uma palavra, a sucessão se efetivou pelo vínculo da
aprendizagem envolvida pelo respeito e aquecida pela saudade.
O jornalismo entrou na vida do recipiendário em razão da
política. Samuel Celestino é baiano de Itabuna, fez o curso
secundário, em Salvador, nos Colégios Estaduais Severino Vieira
e Central da Bahia. Em 1965, estudava Direito e participava do
movimento estudantil universitário quando foi trabalhar como
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“foca” no Jornal da Bahia, o aguerrido jornal fundado pelo feirense
João Falcão.
O que o conduziu a procurar este jornal elaborado por um
grupo de jovens idealistas “foi, basicamente, a necessidade de
uma maior participação política, a partir do jornalismo”.
Uma vez formado em Direito pela Universidade Federal da
Bahia,em 1967, Celestino encontrava-se entre a carreira jurídica
e o jornalismo. O jornalismo venceu o jovem advogado. No final
de 1968, quando foi exarado o Ato Institucional nº 5, nos
chamados anos de chumbo, passou a dedicar-se ao jornalismo
político. De repórter especial e repórter político do Jornal da Bahia,
passou algum tempo no Diário de Notícias, prestou assessoria
jurídica e jornalística e chegou a ser gerente do extinto Banco do
Estado da Bahia (Baneb); efetivamente, a sua vocação sempre foi
o jornalismo político.
Em 1975, ingressou em A Tarde para chefiar a editoria de
política. Já era, então, comentarista político. Anos depois,
demite-se como repórter e cria a sua empresa de consultoria
em 1988, a Fórum Comunicações, e passa a assinar a coluna
diária Samuel Celestino Comenta. Foi um momento decisivo na
sua carreira de jornalista. Por algum tempo, chefia a sucursal
da Empresa Brasileira de Noticias (EBN), do Ministério da
Justiça.
Em 1999, quando deu à estampa o seu livro Política, fatos e
tendências, Samuel conta como aconteceu o chamado:
Meu querido mestre Jorge Calmon trouxe-me para A Tarde
para ser o editor político do jornal, posto em que permaneci
durante 14 anos, ininterruptos, até que, cansado das duras tarefas
da redação, sem horário para, à noite, concluí-las, resolvi parar.
E mudar.
Já redigia e assinava, enquanto editor, artigos e comentários
políticos para o jornal. Uma, duas vezes por semana. Jorge gostava
do meu estilo, então, me propôs a coluna, como uma forma de
me “alforriar” da redação.
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Um novo desafio, aceito de imediato. Em 1988 deixei, então, a
editoria trocando-a pela coluna diária.
E o sucesso da coluna tem sido marcante, digo eu.
Mas Samuel escreve para o jornal todos os dias, há mais de
trinta anos. Desenvolve, em estilo direto e bem fundamentado, o
acontecer da vida política, quer a política nacional e especialmente
a política baiana, que conhece profundamente, quer a vida
partidária. Discute, preferencialmente, os problemas econômicos,
como os da região cacaueira, privatizações, transportes,
comunicações, turismo.
Conduzido pelo hábito e pelo gosto de escrever, currente calamo,
afirma-se cada vez mais como um profissional, intelectualmente
independente. A redação foi sua tenda de aprendiz. O
desenvolvimento profissional possibilitou o sucesso em várias
frentes da comunicação. Ilustra bem a sua capacidade criativa o
seu site Bahia Notícias com 13 a 150000 acessos/dia.
Ainda é Jorge Calmon, jornalista experimentado, que, ao tratar
do comentarista de política, traçou o perfil de Samuel Celestino:
O comentarista político é esse profissional. Afora a autonomia
de texto, que é condição elementar, tem de possuir maturidade,
para opinar com segurança, independência – ou seja,
desvinculação de compromissos – e amplo conhecimento dos
fatos ocorridos na cena pública. Deve, também, saber o suficiente
de Ciência Política e de Direito Público.
A formação jurídica adquirida na Faculdade de Direito dotou
o jornalista Samuel do lastro teórico indispensável ao comentário
político.
Além desses reconhecidos requisitos, o espírito público e a
credibilidade o credenciaram junto aos políticos, aos leitores de
A Tarde e aos colegas. A determinação do seu temperamento
enérgico e a imparcialidade no informar o qualificam como um
dos melhores críticos brasileiros da política. Como dizia Getúlio
Vargas: “Entendida, como deve ser, a profissão de jornalista
confina com o exercício de um sacerdócio”.
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A classe dos profissionais da imprensa acatou a sua liderança
e o escolheu, primeiramente, para presidente da Associação Baiana
de Cronistas Políticos (1968-1970); em seguida, para vicepresidente e, logo, para presidente da Associação Baiana de
Imprensa (ABI), a partir de 1986 até o momento. Neste posto de
liderança, distingue-se pelo prestígio e pelo respeito da
comunidade baiana.
Sempre reconhecido ao seu mestre, empreendeu pela ABI o
levantamento da memória da imprensa baiana, iniciando pelo bem
lançado vídeo “Jorge Calmon”, recentemente exibido.
O reconhecimento do destacado papel na imprensa deste novo
acadêmico expressa-se em inúmeros títulos, medalhas e
condecorações recebidos.
As suas colunas são testemunhas do tempo. Transmudam-se
em fontes de pesquisa. Os acontecimentos políticos,
diuturnamente comentados, documentam vivamente a história
política baiana, matéria do maior interesse de nossa confreira
Consuelo Novais Sampaio. É um exemplo, como fonte de
informação, o comentário sobre a tentativa de pacificação do
governador Luiz Viana Filho. Textualmente, observa Samuel:
Não foi contado, até onde eu li neste final de semana em que
se reverenciou o centenário de nascimento de Luiz Viana Filho,
que, como governador da Bahia, após ter sido chefe da Casa Civil
do primeiro presidente do ciclo militar, marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco, foi ele quem tentou realizar [...] um
movimento rotulado de “Pacificação Nacional”.
A ditadura só iria recrudescer com o AI-5, em dezembro de 1968.
Luiz Viana Filho e o governador de São Paulo, Abreu Sodré,
tão elegante quanto o governador baiano, iniciaram conversações
políticas que tinham como propósito introduzir, na classe política,
um clima de concórdia, de modo que pudesse haver uma
interlocução aberta, cujo objetivo era o retorno à democracia. O
movimento fracassou, como a história registra, e veio a renascer
no governo Ernesto Geisel, com Golbery do Couto e Silva e a
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tese da “distensão política, lenta e gradual”, passo importante
para a revogação do AI-5.
Com a desenvoltura com que escreve, Samuel traça um
simpático perfil do político e escritor Luiz Viana Filho, com quem
tinha “atritos afáveis” e explica: “porque a ele dirigia muitas
perguntas, algumas das quais impertinentes e ousadas para a
época”. Constantemente, em suas crônicas, escreve pequenos
tópicos, aprecia personalidades e narra curiosidades que dão mais
colorido à sua coluna.
Ao concluir esta resposta, como se denomina a saudação
acadêmica, começo por dizer que a escolha de Samuel Celestino
reforça a presença dos jornalistas na Academia. A tradição vem
de longe. Desde a criação deste sodalício tivemos jornalistas entre
os fundadores do nível de Simões Filho, Aloysio de Carvalho
Filho (Lulu Parola); Virgílio de Lemos; o próprio Arlindo Fragoso,
fundador da Academia e, ainda, Torquato Bahia e Homero Pires.
Mais recentemente, Altamirando Requião, Lafayette Spínola,
Leopoldo Braga, Luiz Monteiro da Costa, Odorico Tavares,
Antônio Loureiro de Souza, Cruz Rios, Guido Guerra. A tradição
continua, presentemente, com Florisvaldo Mattos, poeta agrário
e editor-chefe de A Tarde, Hélio Pólvora, pena de prata e
competente editorialista do jornal de Simões Filho, e João Carlos
Teixeira Gomes, lutador destemido da imprensa e excelente
articulista.
Há jornalistas que buscam, fora das redações, a sua afirmação
de escritor, produzindo e publicando pelo hábito e pelo prazer
de escrever. Por outro lado, dificilmente encontraremos
estudiosos, professores, críticos literários, homens de letras e
acadêmicos que não se tenham exercitado em crônicas, artigos e
colaborações para o jornal. O consenso demonstra o
relacionamento universal muito estreito entre o jornal e a literatura.
Nesta tomada de posse, percebemos a sua trajetória plena de
afirmações com veredas florescentes de uma liderança
confirmada.
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A Academia entrega-lhe o legado de Jorge Calmon e o insere
na ilustre coorte dos jornalistas.
A convivência é o nosso mister.
A Academia é uma honraria, mas é, também, serviço.
A Academia tem por missão construir e disseminar o
conhecimento sem fronteiras.
A Academia de Letras da Bahia está aberta à comunidade
baiana porque tem muito a receber e, mais ainda, a doar.
A nossa Academia é uma encarnação coletiva da Bahia e o
símbolo de sua cultura diante do Brasil.
Seja bem vindo ao nosso convívio, meu caro confrade Samuel
Celestino.
Discurso de saudação a Samuel Celestino Silva Filho, em sua posse na cadeira
nº 23 da Academia de Letras da Bahia – Sessão solene, em 21 de agosto de
2008. Edivaldo M. Boaventura ocupa a cadeira nº 39 da ALB.
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O legado de Jorge Calmon
Discurso de posse na
Academia de Letras da Bahia
Samuel Celestino
D
uas vezes hesitei ao ouvir, não um convite, muito menos uma
convocação, mas apenas uma citação que vinculava meu nome a
esta Academia de Letras da Bahia, casa da inteligência, da erudição
e do talento, que abrigou – e acolhe – personagens notáveis
representantes de gerações sucessivas, a partir de 1917.
Na primeira, tentei fazer de conta que não ouvi quando Jorge
Calmon, meu antecessor na cadeira número 23, citou a Academia.
A segunda, ouvi atentamente olhando nos olhos do meu querido
amigo, acadêmico e presidente Edivaldo Boaventura, mas nada
disse.
Estava, então, mergulhado na tristeza. Aconteceu na porta da
Igreja do Campo Santo, no dia do funeral de Jorge.
No início, o impacto se diluiu, quase instantaneamente, no
sentimento de perda que me asfixiava. Depois, o que dissera Jorge
em vida, e o que me confidenciara Edivaldo, no início da tarde
do dia da morte do meu querido amigo, ganhou forma com o
passar dos meses.
Sempre com a minha presença à distância, não raras vezes,
dispersa.
Nunca, em momento algum da minha já longa trajetória como
jornalista, absolutamente dedicado e arrebatado pela profissão,
estabeleci objetivos. As coisas e os fatos aconteceram em minha
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vida simplesmente porque tiveram que acontecer, na maioria das
vezes independente da minha vontade.
Meus objetivos nunca se situaram em postos, cargos,
conquistas, mas sim em princípios que procurei trilhar da melhor
forma possível, sempre aprofundando as minhas convicções e
crenças.
Verão, mais adiante, no relato que farei, que assim foi. Estou
plenamente convencido de que esses princípios transformam a
minha vida numa pena, senão numa folha, impulsionada pelo
movimento dos ventos.
Entendo, porém, para diluir a crença no destino, no
determinismo, que os ventos que impelem a vida muitas vezes
não surgem simplesmente da calmaria. Eles precisam ser soprados.
Nasci no sul da Bahia, em Itabuna, onde se desenvolveu uma
cultura peculiar no Estado. Para a região migraram, nos
primórdios, os tropeiros, a maioria deles oriunda de Sergipe, que
penetraram na Mata Atlântica, então intacta e exuberante,
recolhendo o cacau nos caçuás de cipó, com aselhas que os
prendiam às cangalhas acomodadas nos costados dos burros.
Cacau era então quase nativo. O macaco jupará, que não
chegava a ser propriamente um macaco, apenas a ele se
assemelhava, espécie infelizmente extinta, se encarregava de
disseminar o fruto lançando, mata a dentro, os caroços das
amêndoas com as quais se alimentava.
À sombra daqueles cacauais surgiu uma cultura diferenciada,
formada por tropeiros, sírio-libaneses, e jagunços que ganharam
vida na obra de Jorge Amado e Adonias Filho, entre outros
escritores da região.
Com o passar do tempo – é sempre assim – a memória da
infância se aviva e nos devolve, numa dimensão imensa,
absolutamente fora do real, aos limites dos primeiros tempos. As
crianças têm essa força mágica da fantasia que, pelo menos no
meu caso, mantenho e a cultivo, às vezes até aumentando ainda
mais os limites de menino.
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É a fantasia que me ajuda – e muito – a escrever, oferecendome saídas para temperar os temas áridos do jornalismo político.
Para uma criança, tudo é imenso e novo, sempre com o
significado da descoberta. Quando vi Itabuna, já com olhos de
adulto, me decepcionei. Tive a nítida percepção de que o meu
mundo havia encolhido. A casa dos meus pais, a rua da picula –
que se chamava, curiosamente, Rua dos Artistas – ou, oficialmente,
Rua Querubim Oliveira, para onde eles se mudaram ao deixar o
bairro do Pontalzinho.
A velha padaria, batizada com o nome de Padaria Liberal, numa
evidente alusão à política, depois Padaria Celeste. A casa da avó
Josefa, ou Zefinha, como a chamavam – que eu imaginava um
sítio com um jardim imenso. No entanto, era pequena, mas tinha
pés de romãs no quintal, que me fascinavam.
Fui alfabetizado numa escolinha na própria casa da avó. Fiz o
primário na escola pública Lúcia Oliveira, que brincávamos
dizendo "Lúcia Oliveira pega o pinto na carreira, pega aqui, pega
acolá, mas deixa o pinto no lugar"...
Já adulto, percebi que não havia mais o Padre Nestor, o mais
famoso da cidade, senão o único, subindo a ladeira da Santa Casa
da Misericórdia, a ladeira da padaria, com a sua batina que já não
era negra, mas avermelhada pelo sol e pelo tempo, entregando a
mão direita para a reverência dos meninos e distribuindo bênçãos.
Não havia mais o taciturno e mentecapto Jupará, nome do
macaco a que me referi, que carregava na cabeça caixões
mortuários, ocupados ou não. Era uma figura esquisita que trajava
sempre uma capa pesada de lã, que os guardas noturnos da época
usavam nas noites úmidas, e às vezes frias, da região.
Foi um susto, uma fascinação que invadiu os meus sentidos,
ao chegar pela velha estrada de rodagem, vindo de Itabuna, numa
boléia de caminhão, e avistei, em Ilhéus, o mar pela primeira vez.
A impressão que senti foi como se o mar nascesse na areia da
praia e fosse crescendo, crescendo, sempre para cima. O mar,
para mim, era uma ladeira.
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Naqueles tempos – tempos de muita riqueza – o dinheiro
brotava das matas do cacau. Uma, duas, três vezes por ano. Meu
pai também se embrenhou naquelas matas.
O velho Jeremias Celestino da Silva, avô paterno e patriarca
da família, casado com Jardelina Paganelli da Silva, chegou a
Itabuna com dez filhos decidido a criá-los. Isso lá pela primeira
década do século passado. Eram seus filhos oito homens e
duas mulheres, com nomes estranhos que eu nunca entendi o
porquê.
Jeremias, presbiteriano de formação rígida, batizou a sua prole
com nomes bíblicos e, curiosamente, com nomes também
germânicos.
Samuel, meu pai, ganhou nome bíblico e se associou nos
negócios ao irmão Otto, de nome germânico. Transformaram-se
em comerciantes. Cabia ao pai percorrer as trilhas dos cacauais
para vender, nas roças, máquinas de costura.
Eram, então, representantes da Singer. O comércio prosperou.
Durante a segunda guerra, a Singer desativou a sua linha de
montagem para fabricar armamento bélico para os aliados.
Os irmãos experimentaram o comércio da torrefação de café
e, posteriormente, transformaram-se em padeiros, proprietários
da Padaria Celeste.
Minha mãe, Adalgisa, tinha as suas raízes fincadas nas terras
de Ilhéus. Filha do Coronel Abdias Lúcio de Carvalho, cuja figura,
na fotografia envelhecida onde o conheci, me impressionava pelo
bigode espesso e pelo fardão bonito da Guarda Nacional, e da
avó Josefa, a quem já me referi.
Foi a família que me despertou para a política, para o jornalismo
político. Meu tio, Jeremias, mesmo nome do avô, era conhecido
pelo apelido de Mimia, teimoso candidato à prefeitura de Itabuna.
Mimia foi um autêntico tropicalista. Tropicalista e o primeiro
demagogo que conheci. Perdia todas as campanhas eleitorais, mas
não se abatia. Logo, depois da derrota, mandava pichar as ruas
da cidade com o slogan “Mimia vem aí”.
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Em uma de suas campanhas políticas, Mimia adoeceu. Trazido
para Salvador, os médicos diagnosticaram câncer pulmonar. Seus
adversários, impiedosos, picharam o muro do cemitério com o
slogan que ele criara: “Mimia vem aí!”
O slogan que o levaria à prefeitura levou-o ao cemitério.
Assimilei aquela lição da atividade política. Nasci na Rua do
Pontalzinho, aparado pela parteira Dona Otaciana, no dia 26 de
setembro de 1943. Fui o primeiro filho homem de meus pais,
Samuel Celestino da Silva e Adalgisa Carvalho da Silva. Prestolhes homenagem e dedico-lhes imensa saudade. Ambos mortos,
me transportam até aonde cheguei, inclusive transpor os umbrais
desta insigne Academia de Letras, que sintetiza a cultura e, como
assinalou, sabiamente, o acadêmico Geraldo Machado, no seu
discurso, ao assumir a cadeira número 4 desta Casa, "o diálogo
entre épocas, movimentos e mentalidades". Sei que Samuel e
Adalgisa estariam felizes sabendo que alastrei meus limites, com
os instrumentos da educação e da cultura que me ajudaram a
adquirir.
Tinha eu, então, 11 anos de idade. Foi em 1955, quando a
família se mudara para Salvador. Minha irmã mais velha, Yara, já
estudando na Capital, passara no vestibular de Direito.
Iracy e Ines, brilhantes estudantes do colégio Ação Fraternal
de Itabuna, estavam no mesmo caminho e haveriam de se formar
em Medicina, também com brilho invulgar. Foi assim, e em razão,
que meus pais deixaram Itabuna, para educar os seus seis filhos
em Salvador.
Eu era o do meio. Abaixo de mim, em idade, seguem-se Ires e,
por último, o caçula, Reub. Ela arquiteta; ele economista. Todos
formados conforme queriam os pais. Com exceção de Ires e Ines,
que se encontram no exterior, os demais estão aqui presentes
nesta solenidade.
Foi difícil entender Salvador e a ela me acostumar.
Repentinamente, descobri o quanto Itabuna era pequena e foi
assim que encerrei o meu ciclo de vida nas terras grapiúnas.
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Fomos todos educados em escola pública. Fiz o ginásio no
então Instituto Normal da Bahia, hoje Isaias Alves, e no Severino
Vieira. No Colégio Estadual da Bahia, Central, comecei no então
curso Científico, pensando em me encaminhar para Medicina ou
Engenharia. Passei, no entanto, para o curso Clássico no terceiro
ano, para estudar latim e francês, porque mudara a minha direção
para o curso de Direito. E acabei, sempre em processo de
mudança, apaixonado pelo jornalismo. Vê-se, por aí, que eu só
tinha como certeza a vida e os princípios que me foram legados,
sem estabelecer, ou determinar, um objetivo fixo no futuro para
tomá-lo como meta, como objetivo.
Assim posto, chego a esta Academia, para minha honra,
impulsionado estranhamente pelo destino.
Em 1963, aprovado no vestibular de Direito da UFBA,
ingressei na Faculdade acompanhado de um bando de meninos e
meninas alegres, soltos e sonhadores, vindos de escolas diferentes,
de Salvador e do interior baiano. Da minha parte, estava disposto
simplesmente a ser. O quê, só teria resposta no ano seguinte,
quando procurei o Jornal da Bahia, para fazer testes, juntamente
com outros estudantes universitários. Fui aprovado, depois de
quatro meses "focando", ou seja, trabalhando de graça.
O contato com a Universidade e com a redação do jornal, a
fermentação intelectual e política na qual mergulhei; e a ditadura
que eclodiu no rompimento institucional de 1964, marcaram o
meu caminho, definitivamente.
Amava a Escola de Direito e amava o jornalismo. O Direito
era a formação intelectual com professores magistrais; o jornal
era a prática, a vida correndo rápida em minhas veias em forma
de notícia, em forma de indignação política, sentindo a força do
autoritarismo me asfixiar, ao tempo em que gerava em mim uma
força rebelde que até então desconhecia.
Era a força da liberdade que me invadia. Não estava somente
em mim. Eletrizava a redação do jornal, penetrava na escola de
Direito, na Universidade, levava-me às ruas em passeatas, guiava
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os meus dedos na redação de panfletos da resistência política.
Esta foi a luta da juventude de uma geração.
Foi a geração dos anos 60. Aprendi a amar tudo o que
significasse ser livre, e a odiar a prepotência, a arrogância e a
força. Detesto a prepotência, como tento traduzir no exercício
do meu jornalismo.
Creio que foi esse conjunto de sentimentos que forjou o
jornalista e me puxou inteiro do Direito, ao me formar em 1967,
e gritou no meu coração que meu caminho estava ali, na redação
de um jornal.
O curioso é que o Direito também continuou presente, e a me
interessar. Era uma coisa e outra, mas numa só atividade.
Enquanto a ditadura fora o fator sufocante que realimentava a
minha indignação, e me conduzia sempre à resistência e a me
rebelar, o jornalismo se tornou o estuário desse sentimento.
Na legalidade, somente o jornalismo poderia me conceder essa
oportunidade de estar vinculado a duas situações paradoxais que
se entrelaçavam e se excluíam, porque era o bem contra o mau; o
direito contra as trevas; a liberdade contra os grilhões da força.
Fiquei no Jornal da Bahia até 1970. Depois de um pequeno
período de pouco mais de um ano no Diário de Notícias, jornal
integrante da Rede dos Diários e Emissoras Associados, me afastei
do jornalismo por três anos, para ser o que jamais imaginei, até
por ser um mundo para mim estranho: gerente do Banco do
Estado da Bahia.
Aguentei três anos cumprindo ordens, emprestando dinheiro
e pedindo depósitos, ao invés de juntar letras e formar palavras
para relatar ou analisar fatos. Em 1974, a minha vida se cruzou
com a do meu grande mestre, Jorge Calmon.
Permitam-me, agora, um corte nesta crônica para homenagear
e honrar meus antecessores nesta cadeira de nº. 23, reverenciar
as suas memórias. Permitam-me, também, alertá-los a todos, que,
para completar o que pretendo, voltarei, justo com Jorge Calmon,
falecido no dia 18 de dezembro de 2006, o último acadêmico a
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honrar, não somente esta cadeira, mas o sodalício, e este palacete
que abriga a Academia de Letras da Bahia.
Ao ser fundada em 1917, cuidaram os seus iniciadores de
organizar a Academia de Letras da Bahia obedecendo ao modelo
clássico francês de estabelecer, para cada uma das suas quarenta
cadeiras, um patrono ilustre da sua época e tempo.
Para a cadeira n.23, a escolha do patrono recaiu sobre o nome
ilustre de Antônio Januário de Faria, personagem hoje pouco
referenciado em razão da memória que o tempo, implacável
mesmo com os ditos imortais, se encarrega de apagar, para dar
espaço às gerações que se sucedem, no constante e eterno
processo estabelecido pelo Criador.
Januário de Faria fora médico e cientista, mas, também, cultor
das letras, além de ser considerado um orador fluente. Durante
oito anos foi Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, que
ajudara a fundar e a fazer a Gazeta Médica da Bahia. Segundo
Jorge Calmon, foi "Homem do mundo, galante e espirituoso, mas
gozara, entretanto, do acatamento da sociedade do seu tempo,
que lhe perdoava as veleidades de leão da moda, tolerando os
seus anéis de brilhantes e suas gravatas primaveris", autêntico
"produto e símbolo da fase romântica, dourado período em que
o sentimento revestia as coisas e as idéias, numa fuga à nova
realidade imposta pela ciência e pelo revolucionário processo
industrial".
Uma personalidade complexa mesmo para a época, porque
conseguia reunir as condições de faceiro e austero; extravagante
e respeitável; afetado e sóbrio; desprezando a província, mas
preocupado com os seus problemas.
Um homem, como os intelectuais do século XIX, voltado para
a França, embora de grande brasilidade. Enfim, uma personalidade
contraditória que, exatamente por isso, exerceu profunda
fascinação sobre seus contemporâneos.
Morreu em 1873. Sobreviveu-lhe a reputação de homem de
talento cultivada pelos discípulos, de um dos quais terá partido,
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certamente, a lembrança do seu nome para compor a galeria dos
patronos da Academia, como um dos representantes da cultura
médica.
Deve ser ele considerado um dos vanguardeiros da estirpe de
professores, cientistas, grandes médicos, que foram também
homens de cultura geral e de inteligência atuante.
O primeiro ocupante da cadeira 23 foi o médico João Américo
Garcez Fróes, um homem então considerado brilhante desde os
seus aprendizados no engenho do pai, Coronel Américo de Souza
Fróes, de onde fora trazido para Salvador, de modo a dar
continuidade aos seus estudos e formação no então Colégio Sete
de Setembro, que se situava no Portão da Piedade aonde,
posteriormente, viria se instalar o Colégio Antônio Vieira, que
teria, mais tarde entre os seus alunos, o nosso Jorge Calmon.
Extremamente inteligente e estudioso João Fróes acumulou
medalhas de mérito e outras tantas medalhas de ouro na sua
carreira estudantil, até se tornar Doutor em Medicina, catedrático
de duas Faculdades. A segunda seria a Faculdade de Direito. De
ambas fora professor emérito. Foi presidente desta Academia de
Letras da Bahia; membro da Academia Nacional de Medicina;
contemplado com a Medalha de Ouro da Exposição Nacional de
1908 e a Medalha Pirajá da Silva, Oficial da Ordem do Mérito
Médico Nacional, entre outros títulos e homenagens que
acumulou.
Foi um destacado baiano da juventude à morte, já nonagenário.
Iluminou-se com invulgar arrebatamento para as letras e a cultura,
que foram, realmente, o seu grande interesse. Ao que consta,
deixou, cedo, a clínica, no auge da notoriedade.
Aposentou-se da cátedra médica, para mais adiante, afastar-se
por força da idade, da outra cátedra, na Faculdade de Direito.
Quero findar a minha abordagem sobre João Fróes com um
relato de Jorge Calmon. Escreveu o jornalista: "Conheci-o, ainda
na minha infância, debruçado sobre o leito de meu pai arquejante
de dispnéia, procurando amenizar-lhe o sofrimento, vencer a crise
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com a proficiência do médico e o carinho do amigo. Tinha ao seu
lado, com ela conferindo opiniões, a esposa, médica também,
igualmente grande figura da medicina da Bahia, Dra. Francisca
Praguer Fróes, mulher singular, cujo recato, ou aparente frieza,
ocultava, por timidez ou por formação, um oceano de ternura,
sobretudo uma generosidade de reconhecida lembrança".
Esta cadeira que a generosidade dos meus queridos confrades
acadêmicos neste dia me entrega, teve apenas dois ocupantes:
João Fróes e Jorge Calmon, ambos de invulgar esplendor. Ambos
deixaram esta vida nonagenários, depois de trajetórias que a
Bahia soube reverenciar. Deles não imagino – não tenho esta
pretensão – ser herdeiro também de um pouco do seu
brilhantismo.
Desejo que me iluminem e me ensinem o caminho da longa
vida. Que o meu sucessor espere, e espere muito, porque almejo
ocupar esta cadeira 23 ainda por longo tempo, assim Deus queira,
nonagenário também.
Jorge Calmon Moniz de Bittencourt, segundo ocupante da
cadeira 23, nasceu em Salvador no dia 7 de julho de 1915, último
filho do casal Pedro Calmon Freire de Bittencourt e Maria Romana
Moniz de Aragão Calmon de Bittencourt. Bacharel em Direito,
exerceu inúmeros cargos públicos, de natureza cultural,
educacional e política, entre os quais Secretário de Interior e
Justiça, ministro do Tribunal de Contas da Bahia, professor titular
de História da América da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Ufba.
Membro desta Academia, foi seu presidente e sócio
benemérito. Na política, foi deputado à Assembleia Constituinte
de 1947, deputado da mesma Assembléia e líder da maioria.
Jorge foi, sobretudo, um jornalista. Ingressou em A Tarde como
"foca" a convite do fundador do jornal, Ernesto Simões Filho,
de quem foi amigo e discípulo, amizade que perdurou com os
filhos do fundador, Dona Regina de Mello Leitão, que costumava
chamar de "minha patroa", e Renato Simões.
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Por longos anos foi diretor redator-chefe do maior jornal
baiano de todos os tempos. Presidiu a Associação Bahiana de
Imprensa, da qual foi também sócio benemérito e morreu na
condição de presidente da Assembleia Geral da entidade que tanto
amava, assim como amava a ALB. Como presidente da Assembléia
Geral, sentava-se sempre ao meu lado esquerdo, nas
enriquecedoras e democráticas reuniões da ABI que eu presido,
pronto a segurar no meu braço, e com um leve aperto, dizer
baixinho: "Assim que puder, passe-me a palavra".
Era um grande momento, e a certeza de que ouviríamos
palavras sóbrias, ponderadas, mas, sobretudo, sábias. Nunca
reclamou nas inúmeras vezes em que, findas as manhãs, as
reuniões invadiam o início das tardes. Depois do quê,
confraternizávamos com comportadas doses de uísque – o dele
sempre sem gelo – e, a seguir, o almoço da diretoria.
Jorge Calmon recebeu inúmeras condecorações, entre as quais
a Ordem do Mérito do Congresso Nacional, no grau de
comendador; Ordem do Mérito da Bahia, no grau de Grande
Oficial; Ordem do Mérito das Comunicações, como Grande
Oficial; Medalha Machado de Assis, da Academia Brasileira de
Letras e Medalha do Mérito Jornalístico da Associação Bahiana
de Imprensa.
Desde muito moço foi sócio do Instituto Geográfico e Histórico
da Bahia, do qual foi, até a morte, seu presidente de honra.
Feita está síntese biográfica do mestre, retorno ao corte que
fiz neste meu falar para homenagear meus ilustres antecessores.
Ressalto um dos fatos mais marcantes da minha vida: o meu
encontro definitivo com Jorge Calmon, em 1974, quando estava
torto na vida, gerenciando uma agência de banco, no único e
curto período em que fiquei longe de uma redação de jornal.
A política levou-me àquela situação imposta pela minha
inabalável crença na liberdade e na independência da profissão.
Jorge me convidou a ir ao seu gabinete em A Tarde. Para a minha
surpresa, mal sentara à sua frente, sem entender muito aquele
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convite, declarou à queima roupa: "Quero-o, aqui, como editor
de política.".
Meditei um minuto e o respondi com um "não".
Perguntou ele: "Você quer mesmo continuar como gerente de
banco?"
Respondi de outra maneira, imaginando que escaparia:
– "Tenho problemas pessoais e políticos com o governador
do Estado. Não posso ser editor de política".
Devolveu o redator-chefe: "Aqui ele não interfere, asseguro".
Ofereceu-me, assim, a sua primeira lição de independência
jornalística, em plena ditadura militar, independência que cultivei
e preguei ao longo da minha já extensa carreira.
Continuei na minha posição:
– "Não, Dr. Jorge".
A Tarde tinha, então, uma linha muito conservadora para as
minhas posições políticas. Revelei a ele este meu pensamento,
que rebateu:
– "Não tenho um nome para a editoria, Samuel.
Sorriu e arrematou:
– "Arrisco com você".
Sem saída, aquiesci ficar um mês, até que ele encontrasse um
editor menos contestador e menos brigão do que eu.
Findou o prazo de 30 dias, ele não procurara ninguém e jamais
permitiu que eu me afastasse do jornalismo, ligando-se a mim
nos puxões de orelha com que constantemente me brindava; nos
poucos elogios que me fazia diretamente, e no imenso afeto com
que me distinguia.
Virou mestre, amigo, conselheiro e só vez por outra fazia um
mimo, repetindo o mesmo, sempre a mesma adjetivo, a um texto
mais cuidadoso que produzia, sem que o consultasse antes de
publicar: "Magnífico". Ou, então, uma repreensão, através de um
dos seus bilhetinhos à redação: "Mais atenção, você faz melhor".
Situação semelhante aconteceria 10 anos depois, em 1984. Assim
foi quando me convidou para ser candidato a vice-presidente, numa
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chapa para a presidência da Associação Bahiana de Imprensa, ABI,
cujo presidente era, então, o seu querido amigo Afonso Maciel
Neto, a quem sucedi, dois anos depois, em 1986 e lá estou, no
mesmo posto, há 22 anos, já no 11° mandato.
Estou lá apenas como consequência da teimosia de Jorge
Calmon, que nunca aceitou meus insistentes pedidos de
afastamento do cargo, ele que fora presidente da entidade e, até
morrer, presidente da Assembleia Geral. Respondia-me,
invariavelmente, da mesma forma, sempre que eu anunciava a
minha saída, às vezes sem esconder certa irritação:
– "Então me indique um substituto, ou espere eu morrer.
Quando isso acontecer, faça o que bem entender com a entidade."
E arrematava sempre: "Mas não espere que eu morra tão cedo."
Cumpri e cumpro a sua vontade, mas avisei aos meus pares,
que farei o último mandato, abrindo, assim, o processo sucessório
na minha querida ABI, de tão grandes tradições e lutas.
De outra feita, o mesmo Jorge, elegantemente teimoso e
impositor, ligou-me e disparou:
– "Samuel, vamos comemorar o aniversário dos 80 anos do
Josaphat Marinho!"
– "Estou informado" – respondeu.
– "Nem tanto" – atalhou. "A Comissão organizadora do evento
escolheu você, por unanimidade, para saudá-lo. Prepare o
discurso!".
– "Que unanimidade?" – questionei atônito.
E ele, dando risada:
– "A unanimidade de 800 pessoas ausentes e dos cinco amigos
presentes à reunião!" – E desligou o aparelho.
Fiz o discurso, mas o iniciei desviando meus olhos do mestre
Josaphat para os dele e disparei:
– "É uma honra saudar um homem da inteligência e da
integridade do senador Josaphat Marinho. Estou aqui, nesta noite,
em nome de 800 pessoas ausentes que, certamente, por motivo
de força maior, não puderam participar de uma estranha reunião
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da Comissão Organizadora deste evento. É um prazer falar em
nome delas sobre um homem de cultura invulgar que completa
80 anos de idade servindo à Bahia e ao Brasil, com absoluta
coerência política, ética e intelectual."
Jorge, na mesa, não conteve o riso, cochichando com seu
amigo, o saudoso baiano e mestre Josaphat Marinho.
Meus caros meus amigos.
Meu mestre em jornalismo, ao ingressar nesta Academia de
Letras da Bahia, anotou, com notável precisão, em seu discurso
de posse, que "o jornalista é o depositário do contrato feito pela
sociedade com uma instituição particular – a imprensa – para
que proteja o interesse público, fiscalize os governos, denuncie
os abusos, clame contra as violências, ampare as liberdades,
advogue pelos desprotegidos, zele pelo Direito, propugne pelo
progresso, pela prosperidade coletiva, para a construção pacifica
e harmoniosa do futuro".
É uma bela síntese!
Ser jornalista é, de fato, ser detentor de um mandato público,
conseqüência daquele contrato tácito a que aludiu Jorge Calmon,
entre a sociedade e a imprensa, entre os cidadãos e a imprensa,
exatamente para defender, de forma intransigente, os princípios
democráticos, razão maior dos valores da liberdade e da cidadania.
O fascinante exercício do jornalismo diário permite que se
conheçam pessoas notáveis, extraordinárias; travar diálogos e
trocar pensamentos; entender formas de pensar e as suas lógicas,
mas, também, conhecer escroques escondidos falsamente sob a
proteção do manto dos bons.
Seria absolutamente impossível desfilar, aqui, nomes de
personalidades que conheci ao longo da profissão que abracei.
Para não cometer deslizes, citarei apenas um dos maiores; um
grande estadista a quem dediquei grande admiração, desde a
campanha da anti-candidatura no momento mais crítico da
ditadura militar: o bravo andarilho das liberdades, um dos maiores
construtores da nova democracia brasileira. E o cito porque foi
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tragado pelo mar imenso, que jamais o devolveu. O caçador de
nuvens, como se referiu a si próprio, o deputado Ulysses
Guimarães. O grande mascate das liberdades, desaparecido num
acidente aéreo próximo à Praia dos Sonhos. O destino não poderia
oferecer-lhe lugar com nome mais apropriado.
Recorria, nos momentos de mau agouro, nos momentos do
medo que ameaçava se alastrar pelo Brasil que mal saíra do regime
militar, a uma citação que me ocorre lembrá-la. Ulysses Guimarães
se escudava no genial Luís de Camões. Passeava pelos Lusíadas e
falava sobre o velho do Restelo. Um personagem camoniano, que
era a antítese do deputado.
O velho apareceu na praia lisboeta do Restelo amaldiçoando e
condenando a expedição de Vasco da Gama, que partiria para
descobrir o Caminho Marítimo das Índias. Surgiu, também, em
outras ocasiões, quando as naus lusas zarpavam para abrir os
horizontes do mundo, desbravando mares "nunca dantes
navegados".
O velho, ranzinza, dobrado sobre seu próprio corpo,
esbravejava, rogava pragas, dizia que a expedição não ia dar certo.
Esganiçava gritando aos bravos navegantes que eles seriam
tragados pelos demônios do mar. Se os valentes marujos
portugueses o ouvissem, não teriam conquistado os mares. Se os
brasileiros se acovardassem diante dos tiranos, não chegariam à
democracia. Cito o velho do Restelo e cito Ulysses para dizer
que, em momento algum da minha profissão, dei importância
maior ao ouvir as vozes do mau agouro, aos impropérios dos
tiranos e dos arrogantes.
Jamais duvidei da nobreza do jornalismo. Em razão, nunca
me abati diante das adversidades episódicas; das ameaças e das
bravatas dos prepotentes. Para mim, meu mar sempre foi maior
do que o esganiçar e as insolências dos poderosos.
Considero que exercício do jornalismo diário exige basicamente
três pressupostos que transferem credibilidade ao profissional:
independência em relação aos fatos e às circunstâncias; a ética; e
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o compromisso inarredável com a verdade. Há quem se vincule à
notícia, dando-lhe prioridade. É um erro. Prioridade à notícia é
eleger o sensacionalismo, correndo-se o risco do cometimento
de injustiças, às vezes irreparáveis. A notícia, sim, mas quando ela
for o exato reflexo da verdade.
A imprensa, aqui e no mundo, está, como sempre esteve, em
constante processo de transição. Ao chegar nesta Casa, nesta
Academia, Jorge Calmon anotara que, desde que ingressara na
imprensa, três décadas antes de ocupar a cadeira 23,
transformações sensíveis se operaram.
Disse ele: "A imprensa foi deixando, de ser apenas um
instrumento de ação política, de ser uma aventura romântica de
homens que empenhavam sua inteligência a troco de nada, para
se tornar a empresa sui-generis que atualmente é, metade espírito,
metade matéria; metade serviço público, metade indústria; metade
opinião e notícia e metade anúncio".
E perguntou:
– "O que será do jornalismo, futuramente?
– "Não é fácil predizer" – respondeu ele mesmo – "A técnica
está impondo alterações profundas na área das comunicações.
Desde que, no século passado – isto no século XIX – com a
invenção do telégrafo e do telefone, as comunicações deixaram
de depender dos meios de transporte. Foram-se sucedendo
inovações no aspecto material, que trouxeram modificações até
na própria natureza dos veículos de publicidade.
Sem prejuízo da sobrevivência do jornal, surgiram o rádio,
primeiro, e a televisão, depois. Nem um, nem outra importaram,
em verdade, no sacrifício do jornal, que continuou existindo.
Mas – dizia ele – para que o rádio e, ultimamente, a televisão
pudessem ocupar os seus lugares, o jornal teve de fazer
concessões; teve ceder parte de um território de que dantes ele
era senhor absoluto.
Acentuou, então, com a sua percepção e inteligência
inigualáveis sobre a imprensa: "A técnica ainda não se deu por
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satisfeita. Não parou; não parará. Descobertas tão surpreendentes
quanto as já conseguidas, estão à vista. Depois de ter alcançado a
comunicação de longa distância e o transporte mais rápido que o
som, a técnica está cuidando substituir as fontes de energia em
uso, pela energia solar, que já alimentou as 3.600 células do Telstar,
na sua viagem pioneira, abrindo o caminho para que outros
satélites comandem, do espaço, o complexo diálogo dos povos."
Se Jorge fosse um pouquinho, somente um pouquinho além
do que antecipara, chegaria fatalmente à conclusão de que a
humanidade estava dando um passo para mergulhar no epicentro
de mais um revolução da comunicação, a mais importante da
jornada do Homem no Planeta, uma revolução que não terá fim,
porque ela é a essência do próprio homem.
A linearidade da comunicação instantânea, em rede, a Web,
quebrou a curvatura do mundo. Bill Gates, em A Estrada do Futuro
afirma que a revolução das comunicações está tão-somente no
começo e vai durar muitas e muitas décadas, recebendo muitas
ferramentas, ou aplicações para atender às necessidades por
enquanto ainda imprevistas.
Para mim, como afirmei acima, a revolução da comunicação
jamais terá fim. A discussão sobre o futuro da imprensa, aludida
por Jorge Calmon, ainda é uma pergunta presente, mas já há
respostas no horizonte com a avassaladora invasão da internet,
produzindo informação limpa, real e instantânea, a ameaçar, sim,
o jornal, revolução que nasceu com a invenção de Johann
Gutenberg, com a prensa mecânica, em meados do século XV.
Observem com Jorge foi importante. Escrevi, após a sua morte,
que ele foi um homem singularíssimo. Na verdade, direi, ele foi
pluralíssimo na sua singularidade. Não foi apenas o homem de
imprensa. Afirmo, com absoluta segurança, que ele foi o maior
incentivador da cultura, especialmente das artes e das letras
baianas. Incrível como poderia estar como se fosse quase
onipresente, envolvido em tantos projetos, eventos e
manifestações da cultura na Bahia.
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Um político disse-me um dia: “Jorge Calmon transcendeu à
profissão de jornalista. Ele extrapolou da sua arte e hoje é o maior
defensor da cultura no Estado.”
“Nos seus últimos anos, num estranho pacto com o tempo,
ele conseguia – além das suas inúmeras atividades culturais e
profissionais – encontrar momentos livres para brindar os leitores
de A Tarde com crônicas semanais publicadas às segundas feiras.
Isso, se não bastassem as suas inúmeras responsabilidades diárias.
Anotei então, numa crônica publicada, tentando desvendar o
seu enigma:
“Acho que o seu segredo, o segredo de Jorge, estava numa
pequena caderneta que ele guardava no bolso esquerdo interno
do seu paletó. Ali, com letra miúda, que mal escondia sua extrema
paciência, anotava absolutamente tudo.”
Creio que foi naquela pequenina agenda que Jorge aprisionou
o tempo, para permanecer eternamente jovem e conseguir ser o
incansável combatente pela imprensa e pela cultura, até o fim
dos seus dias, aos 92 anos de idade.
A minha rebeldia e a minha combatividade como jornalista,
encontravam nele uma espécie de cúmplice silencioso. Ou quase.
Ria quando eu me rebelava, mas com os lábios fechados tentando
esconder ou disfarçar o riso. Batia em meu ombro e dizia:
– “Vá em frente, não deixe nada sem resposta”.
Foi quem me incentivou a escrever alguns livros para
documentar a história política contemporânea da Bahia e do
Brasil que vivi e vivo. Parei no primeiro volume, ao publicar
Política, Fatos e Tendências, em 1999. Se o tempo me permitir, irei
adiante.
Foi ele quem, também, pela primeira vez, falou para mim
sobre esta Academia de Letras.
Fatos supervenientes, entretanto, fizeram-no nunca mais tocar
na questão, mas eu o entendi perfeitamente e tenho a certeza de
que ele sabia que eu compreendia as suas razões, porque elas se
prendiam aos cuidados que tinha com esta Casa, um de seus
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arrebatamentos, um dos seus amores, assim como a ABI e o
Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.
Volto ao que já disse no início. Foi no dia do seu sepultamento,
na manhã em que eu, segurando na alça do seu ataúde, o tirei,
com seus filhos e os genros, do veículo que o levou do necrotério
do à capela do Campo Santo.
Por ali fiquei, no portal da Igreja, aguardado os amigos
chegarem, mergulhado na tristeza do discípulo que perdera o
mestre.
Já não era manhã, passara a ser tarde, quando o meu querido
amigo Edivaldo Boaventura, honrado presidente desta Academia,
a quem particularmente agradeço nesta hora e por quem tenho
especial carinho, disse-me sereno e triste:
– “Samuel, ele gostaria de tê-lo como sucessor na sua cadeira
da Academia de Letras.”
Permaneci calado, porque o agradecimento ficou preso na
garganta. Retornei, pedi à família para cobrir o caixão com a
bandeira da Associação Bahiana da Imprensa, onde consta a
inscrição: In primis veritas. Ou, traduzindo, “A verdade em primeiro
lugar”.
Senhores acadêmicos, meus amigos,
Estou chegando ao fim deste já longo discurso. Peço, no
entanto que me permitam olhar, daqui de cima, deste púlpito,
para a minha querida Mirella, e confessar que a amo, agradecendo
pelos seus cuidados e paciência comigo. Beijar e agradecer aos
meus filhos Vanessa, Leonardo, Ariel, e o pequeninho Daniel, o
nosso Dandan, com seis anos apenas, alegria de Mirella, e minha
de todos os dias
Peço, agora, caro presidente, permissão para quebrar o rito
desta solenidade e pedir a Mirella que o traga Dandan para perto
de mim, de maneira que eu conclua, ao seu lado este discurso.
Agradeço, também, aos meus irmãos já citados, Yara, Iraci,
Ines, Ires e Reub, aos meus cunhados Fernando, Luís Lessa, Mauro
Menezes e Lucinha, à minha sogra Ineide e reverenciar, saudoso,
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o meu sogro Edson que, se vivo estivesse, seria, seguramente,
uma das mais alegres e felizes presenças neste auditório.
Abraçar os meus amigos que aqui estão. Permitam que, em
nome deles, cite José Henrique Ramos representando a todos.
A vocês, caros e queridos acadêmicos, quero agradecer por
me fazer chegar, numa estranha e bela coincidência, à cadeira
número 23. Creio que jamais poderei resgatar o débito desta
generosidade, mas os afianço que honrarei as melhores e as mais
elevadas tradições desta casa, desta Academia de Letras.
Devo reafirmar, por fim, que nada mais sou do que uma mera
pena aliada do vento, num bailado efêmero ditado pelo destino.
Com este sentimento de liberdade, assumo o sodalício, para deixálo somente quando a pena repousar em qualquer canto, em
qualquer espaço, e a Academia de Letras da Bahia, então e
novamente, declarar vaga a cadeira 23, que pertenceu a João
Américo Garcez Fróes e ao meu grande mestre, último nome
que cito neste discurso, por ter para mim um significado maior:
Jorge Calmon Moniz de Bittencourt.
Muito obrigado.
__________
Discurso do acadêmico Samuel Celestino Silva Filho, proferida na Academia de
Letras da Bahia, no dia 21 de agosto de 2008, ao tomar posse na cadeira nº 23.
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As Duas Histórias
do Povoamento da Cidade
do Salvador
Paulo Ormindo de Azevedo
Alguém da família teria que falar nesta solenidade de doação
da biblioteca de Thales de Azevedo a esta casa, atendendo a
uma vontade expressa de sua esposa e parceira, D. Mariá,
solenidade que coincide com os 60 anos da publicação do
Povoamento da Cidade do Salvador. Gostaria que cada um dos meus
irmãos aqui presentes pudesse dar seu testemunho sobre a
memória que guarda de nossos pais. Na impossibilidade deste
mosaico, resolveram os mesmos confiar a mim esta honrosa,
mas difícil missão. Fui o escolhido provavelmente por ser um
aprendiz de alarife, aquele que se supõe deve saber reunir os
tijolinhos da memória na reconstrução virtual de seu gabinetebiblioteca na sua nova casa.
Que posso oferecer de novo a este auditório qualificado de
estudiosos de sua obra, ex-alunos, bibliotecários, leitores, amigos
e familiares? Não sou um historiador nem antropólogo para avaliar
o conteúdo de sua obra. Só posso dar aqui um depoimento
pessoal, falar de seu trabalho solitário, de sua curiosidade lúdica e
atenção para tudo que ocorria em sua volta, de onde advém a
diversidade de sua obra. Mas essa historia afetiva pode permitir
um insight da elaboração do Povoamento da Cidade do Salvador, não
de todo inútil para os aqui presentes.
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Thales de Azevedo publicou o Povoamento da Cidade do Salvador
quando tinha 45 anos, vinha do interior, onde praticou a medicina
em Castro Alves, era basicamente um funcionário publico e havia
publicado apenas alguns artigos sobre catolicismo e medicina e
um único livrinho, Gaúchos (76p.), em 1943, sobre áreas culturais
do Estado do Rio Grande do Sul, província que ele mais amou e
se ocupou depois da Bahia, berço de sua esposa e onde viveu
durante alguns anos sua avó, uma cabocla sergipana filha de um
alferes que lutou na malfadada Guerra do Paraguai. Quando
iniciou o trabalho já tinha uma família grande e ao entregar os
originais do livro possuía oito filhos e quase igual numero de
agregados.
Ele havia resistido à tentação de “pegar um Ita no norte e ir
para o Rio morar” como fizera seu irmão Renato e os amigos
Anísio Teixeira, Herbert Fortes, Pirajá da Silva, Rômulo Almeida
e outros, que tentar a sorte longe de sua Bahia, pois “pobre de
quem acredita na gloria e o dinheiro para ser feliz”, como
confessaria, mais tarde, o mesmo Caymmi.
Por esta razão recusou convite de Josué de Castro, com quem
estagiou no Rio, e permaneceu na Bahia, tendo aceito, em 1942,
convite do Prof. Isaias Alves para fundar e reger a 1ª Cadeira de
Antropologia e Etnografia na recém criada Faculdade de Filosofia,
mais tarde incorporada à UFBA. Como outros antropólogos e
etnógrafos nordestinos, a exemplo de Gilberto Freyre e Câmara
Cascudo, ele estava mais interessado em desvendar os segredos
de seu povo, que tentar uma aventura na velha capital do país, o
Rio de Janeiro.
Salvador tinha na época cerca de 274.910 habitantes e serviços
públicos e abastecimento alimentar muito deficientes. Estava
isolada na costa brasileira, com poucas e péssimas estradas de
barro no interior. Economicamente vivia o marasmo de uma crise
que se arrastava desde o final do século anterior, com o apagar
das fornalhas dos engenhos do Recôncavo e a queda vertiginosa
do preço do cacau pelo crack da Bolsa de Nova York. Com a
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entrada do Brasil na guerra muitos baianos vão para a Itália e não
retornam e instala-se na cidade a Base Baker da marinha norteamericana. A francesia baiana de antanho (1985) cede lugar a
americanização e o consumo. A ditadura Vargas agonizava com
ás derrotas do nazi-fascismo na Europa.
Mas a partir de 1946, a Bahia passa a viver um período de
abertura democrática, de modernização administrativa e
renovação cultural, com Otavio Mangabeira no Governo do
Estado da Bahia, tendo como secretários de estado intelectuais
de sua geração e amizade, como Anísio Teixeira, que
revolucionaria a educação e a cultura baiana, e Nestor Duarte,
que criaria as primeiras colônias agrícolas e pesqueiras, no interior,
com imigrantes europeus e japoneses.
O preço do cacau começava a se recuperar, o Conselho
Nacional de Petróleo intensificava a prospecção do óleo negro
na Bahia e os estudos para a construção da Refinaria de Mataripe.
A Hidrelétrica de Paulo Afonso começa a sair do papel e Edgar
Santos criava, em 1946, a Universidade da Bahia, atual UFBA.
O convite de Oswaldo Valente, diretor do Arquivo Municipal,
em 1943, para escrever uma das dez monografias comemorativas
dos 400 anos de Salvador era uma honra, um desafio e,
principalmente, uma maneira de reforçar o orçamento da família
grande, milagrosamente multiplicado por D. Mariá. A elaboração
do Povoamento de Salvador, entre 1943 e 1949, ocorreu num
dos períodos de maior atividade profissional, acadêmica e
jornalística de Thales de Azevedo.
Nós, seus filhos, somos testemunhas de quanto esforço lhe
demandou cumprir, no prazo, o contratado e conciliar as múltiplas
atividades de médico do Serviço de Saúde Publica; clinico
particular com consultório no Ed. de A Tarde, na Praça Castro
Alves, e depois no Ed. da Farmácia Caldas; professor de
Antropologia e Etnografia da Faculdade de Filosofia, hoje
integrante da UFBA; diretor e professor de Pesquisa Social da
Escola de Serviço Social, depois incorporada a UCSAL e
colaborador semanal do jornal A Tarde.
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Tal diversidade de atividades se devia não só a sua inquietação
intelectual como à necessidade de amealhar recursos para manter
a família numerosa. Em carta de 1948 ele se queixava da
dificuldade de dar forma final a enorme quantidade de dados e
observações que anotara nos cinco anos anteriores de pesquisa
em arquivos e livros.
Acrescente-se a isso os transtornos com a ampliação e reforma
continuada da Vila Augusta, na Princesa Isabel no. 31, e o
nascimento de mais três filhos. Primeiro foi a aquisição e reforma
da casa vizinha gêmea, seguida da construção de um segundo
andar nos dois imóveis, para aluguel e reforço do orçamento
familiar. Depois a construção de um anexo quase tão grande
quanto a casa original. Obras concebidas e administradas por D.
Mariá, embora desenhadas e calculadas pelo amigo da família,
Eng. Jaime Cerqueira Lima.
Mas apesar desses transtornos, D. Mariá, provedora de tudo
da família, deu a meu pai a condição de um intelectual em
dedicação exclusiva, não obstante as obras, sua condição de
funcionário público mal remunerado e médico à contra gosto. À
tia Belinha, professora solteirona reprimida, que a criara desde os
quatro anos quando ficou órfã de mãe, Mariá atribuiu a função
de explicadora dos meninos, dispensando meu pai de um dos
poucos encargos que lhe caberia.
Ela multiplicou o orçamento familiar criando um patrimônio
do nada. Esse tino para os empreendimentos imobiliários ela havia
herdado do avô, Eng. Pedro Julio David, um dos colaboradores
de Antonio Lacerda na construção do Parafuso e de seu filho,
Eng. Jaime David.
Em meio a esse canteiro de obras permanente, meu pai
trabalhava em seu gabinete no Povoamento da Cidade do Salvador. O
ritual de trabalho era eventualmente interrompido para chupar
cana, sentado em seu banquinho, rodeado pelos filhos. Este era
um dos poucos momentos que ele brincava com nós contando
histórias de sua infância e adolescência. Fora do gabinete a poeira
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era tanta, que os brinquedos que nós ganhávamos nos aniversários
eram guardados no porão para a “casa nova”. Quando esta ficou
pronta já éramos adolescentes e os brinquedos haviam perdido a
graça.
O gabinete era um santuário onde poucas pessoas podiam
entrar e ele passava a maior parte do dia quando estava em casa,
dormindo inclusive ali a sesta. Nele ele guardava livros e as últimas
novidades em maquinas fotográficas, projetores de slides,
gravadores de som e por ultimo uma copiadora de mão comprada
nos Estados Unidos com a qual copiava trechos de documentos
e jornais em arquivos para uso próprio e para presentear os alunos
e amigos pesquisadores.
Num armário, que era uma verdadeira pandora, escondia
preciosidades como um bebê japonês que dormia imperturbável
qualquer que fosse a posição em que caísse, um microscópio com
laminas diversas, minerais, insetos dessecados, slides e um
epidiascópio e um radio de galena feitos por ele próprio. Os
meninos, nas raras oportunidades que entravam no gabinete, se
encantavam não só com essas curiosidades como com uma estante
giratória que mugia como um boi, quando acionada.
Os livros se acomodavam de forma precisa, mas aparentemente
desordenada, em cadeiras, tamboretes e em estantes que subiam
até o teto. Ali e na sala vizinha ele recebia amigos e orientandos,
mesmo depois que foi aposentado compulsoriamente.
Apreciando perplexo uma foto de seu labiríntico gabinete, que se
exibe nesta casa, o então diretor da Biblioteca Nacional, escritor
Affonso Romano de Sant’Anna, sentiu um estalo e sentenciou:
“é natural, toda criação é precedida do caos”.
Meu pai era um tímido e um workholic, o que deu a muitas
pessoas a falsa impressão de homem muito austero e fechado.
Para D. Mariá, ao contrario, a vida era literalmente uma festa.
Enquanto construía, ela fazia, nas horas vagas, balões para o São
João, fantasias para os filhos brincarem o carnaval, bolos para
aniversários de todos os filhos e empregados, além de opíperos
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jantares baianos para visitantes ilustres. A meu pai era reservada
a redação do testamento de Judas e a confecção do presépio de
Natal.
De todas as festas ele participava, com exceção do carnaval,
que detestava. Não obstante a diversidade de temperamentos, o
casamento funcionava muito bem, com uma divisão de trabalho
muito clara e um pacto tácito de um não interferir nas atividades
do outro. Outra paixão de minha mãe eram as viagens. Numerosas
foram as férias com toda a família na longínqua Porto Alegre, na
casa do seu tio Firmo e da irmã Belita, de onde surgiu o interesse
de meu pai pelo Rio Grande do Sul.
Frequentes foram também as férias nas casas de Dona Lôla e
do tio João, em Itaparica, na fazenda Rio Seco, em Alagoinhas,
do tio Carlos, ou na casa de férias adquirida na Rua Domingos
Rabelo, em Itapagipe, com fundos para o Estaleiro, atual Alagados,
locais onde meu pai aproveitava o tempo para dedicar-se a seu
hobby predileto, a pintura, e a longas conversas com os vizinhos
com indisfarçável interesse sociológico.
Mas me permita vos contar, agora, outra história menos
familiar. Foi neste cenário e circunstancias que foi escrito o
Povoamento da Cidade do Salvador. A Bahia não tinha bibliotecas
especializadas e ele se valeu do acervo do historiador e
tupinicólogo Frederico Edelweiss, que conheceu e se tornou
amigo na Casa Tude, de sua madrinha Isabel, onde trabalhou
como caixeiro, enquanto estudava medicina, e voltara a se
encontrar como colega na Faculdade de Filosofia. Ali estavam
todos os livros de história baiana e etnologia indígena que
precisava. Passava horas na casa de Frederico e Margarida
anotando informações.
Paralelamente formava sua própria biblioteca com os títulos
mais atuais das ciências sociais, em inglês e em francês, importados
pelos correios. As notas tomadas nos arquivos eram interpretadas
à luz das ciências sociais para escrever o livro que o projetaria
nacionalmente. Na bibliografia do Povoamento da Cidade do Salvador
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não faltam referencia aos fundadores da antropologia cultural
norte-americana, como Franz Boas, Melville Herskovits, Margaret
Mead, Ruth Benedict e Charles Wagley, da chamada Escola da
Columbia e aos sociólogos Robert Park, Donald Pierson e Lynn
Smith, da Escola de Chicago, ou ainda de cientistas sociais
europeus, como Alfred Métraux e Paul Rivet ligados à UNESCO.
No isolamento baiano, sem ninguém da área para trocar ideias,
esse autodidata em ciências sociais e historia recriaria, sem saber,
a História Nova, aquela iniciada por Marc Bloch e Lucien Lebvre
com a fundação da revista Annales na década de 1930, na França,
que iria revolucionar esta disciplina, mas que sofreria um severo
revés durante a II Grande Guerra, com o próprio Bloch sendo
fuzilado pelos nazistas, em 1944. Thales de Azevedo não tinha
nenhum conhecimento deste movimento, nem podia ter. A
segunda fase desta escola, que é considerada a mais importante,
iniciada por Ferdinand Braudel com sua famosa tese “O
Mediterrâneo”, onde introduz o conceito de “longa duração”, só
seria publicado na França em 1949, mesmo ano de Povoamento
da Cidade do Salvador.1
Como a Escola dos Annaes, ele via uma unidade metodológica
entre a História e as Ciências Sociais, rejeitando a crônica linear,
positivista, ainda vigente entre os historiadores brasileiros. Mais
tarde ele diria:
Foram vários anos de esforço que deram lugar a escrever
Povoamento da Cidade do Salvador, em que fatos históricos
foram tratados na perspectiva sócio-antropológica, tentando
explicações e interpretações dos eventos no quadro diacrônico
da sociedade em que se verificaram.2
E faz isso sem alarde, como um fato natural, tão evidente que
dispensava uma polêmica “desconstrução” da historiografia
tradicional. A Historia é tratada nesse livro como ciência
multidisciplinar, que se valia da economia, da antropologia, da
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sociologia e da ecologia humana como atestam os capítulos Século
XVII – Riquezas e reveses, O sustento da infantaria, Mecanismos de
integração biossocial, Começa a mestiçagem e O processo ecológico. Com
rigor cientifico, lança mão dos dados demográficos disponíveis
para quantificar a marcha do povoamento, como nos capítulos
Em muito crescimento, Os censos do século XVIII, Séculos XIX e XX e
Causas de morte. Em seu livro nenhuma tentativa de rígida
periodização. Os temas ligados por sutis relações são tratados
como um grande painel. E nisto e na remissão de citações e dados
comprobatórios para notas de roda-pé está um de seus maiores
méritos. O livro é um trabalho de rigor cientifico e, ao mesmo
tempo, uma obra literária, que dá enorme prazer de se ler.
Com uma visão que se poderia dizer marxista, ele relativiza a
importância dos grandes protagonistas para focar a dinâmica social
e o povo. Isto é evidente em capítulos como Católica e boa tenção,
Antigos habitantes, Portugal despovoado e pobre, Reexportação e vadiagem,
e na importância dada à vida cotidiana, tema tão caro à Escola
dos Annaes, com capítulos como a Cidade do Salvador, O problema
da carne, Condimentos, sal e preguiça, Pão de trigo e vinho, Os jejuns, ou
ainda aos problemas ambientais, como em o Cansaço da terra,
derrubadas e clima, Água e A formiga.
Caramuru não é tratado como um herói ou protagonista, senão
como um simples agente social, fazendo algumas vezes o jogo
dos contrabandistas franceses e outras dos colonizadores
portugueses. É possível identificar neste livro preocupações
expressas em artigos anteriores, especialmente referentes a
doenças transmitidas pelos brancos aos índios, deficiências
alimentares da população e mestiçagem.
Esta foi a sua grande obra seminal, cujos temas seriam, mais
tarde, aprofundados e muitas vezes revistos, em trabalhos como
Civilização e mestiçagem (1951), Les élites de couleur dans une ville brésilliene
(1953, 1955), Catolicismo no Brasil um campo para a pesquisa social
(1955), Democracia racial: ideologia e realidade (1975) e Social change in
Brazil (1963), além de novos temas de vida cotidiana, como Namoro
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á Antiga: tradição e mudança (1970,1975, 1986) e A praia, espaço de
socialidade (1988)3.
Povoamento da Cidade do Salvador foi um dos três únicos
livros entregues no prazo e publicados pela Prefeitura Municipal
do Salvador em 1949, dos dez encomendados. Mas, seis meses
depois, eram quinze as obras entregues à comissão julgadora do
premio literário instituído pela Companhia Aliança da Bahia para
comemorar o quarto centenário da fundação da cidade, no valor
de Cr$ 100.000,00. A Comissão formada pelo Governador Otávio
Mangabeira (presidente), Lucia Miguel Pereira (relatora), Augusto
Frederico Schmidt, Alceu de Amoroso Lima e Anísio Teixeira,
após a leitura de todas as obras apresentadas “com a maior atenção
e simpatia” assim se pronunciou:
Afinal, considerando não só a importância das pesquisas
originais realizadas pelo concorrente Thales de Azevedo para
a elaboração do seu trabalho, como também o alcance do tema
deste, pareceu de justiça à Comissão classificá-lo em primeiro
lugar4.
Um ilustre concorrente propôs à Comissão dividir o premio,
mas foi rejeitado. O livro ganhou ainda mais dois prêmios:
Caminhoá, do Governo do Estado da Bahia, no mesmo ano, e
Larragoiti Junior, de Interpretação do Brasil e Portugal, da
Academia Brasileira de Letras, em 1951, e três edições, a última
de 19695. Seu sucesso foi imediato e introduziu seu autor em
universidades brasileiras, norte-americanas e européias. Para isto
concorreu também a intuição e generosidade de Anísio Teixeira,
então Secretario de Educação e Saúde, de convidá-lo para dirigir
juntamente com o professor norte americano Charles Wagley o
convenio Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia –
Columbia University (1949-53), de adequação do sistema
educacional a diversidade cultural do estado, e integrar a equipe
da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, por
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ele criada em 1951, para onde foi transferido o convenio e onde
ocupou os cargos de Secretário Geral, Vice-Presidente e
Presidente (1951-67).
O Prof. Charles Wagley, por sua vez, abriu as portas da Columbia
University convidando-o a realizar seminários, na transição dos anos
50 para 60, e examinar a tese de PhD de Marvin Harris, seu
orientando na Bahia, sobre Rio de Contas. Harris viria a ser um
dos teóricos da antropologia mais festejados na America do Norte.
Por outro lado, o mesmo programa viria a se ocupar de relações
raciais, a pedido de Alfred Métraux, do Departamento de Ciências
Sociais da UNESCO e Thales foi encarregado de escrever Les élites
de couleur dans une ville brésiliene, publicado no ano de 1953.
Em consequência desses sucessos e de uma intensa produção
intelectual ele foi convidado na década de 1960 a dirigir um
seminário de pós-graduação no Luso-Brasilian Center da
University of Wisconsin (1960-61) de que resultou Social Change
in Brasil, de 1963, e recebeu convites para dar cursos e conferencias
em universidades do Peru, Espanha e Portugal terminando com
um curso sobre Brasil na Columbia University, durante todo o
ano de 1971. Na mesma década de 1960, foi convidado a integrar
bancas de exames de livre docência e doutorado da USP, tendo
como postulantes nomes do porte de Egon Schaden, Maria Isaura
Pereira de Queiroz, Otavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso e
Florestan Fernandes.
Povoamento da Cidade do Salvador mudaria, de uma hora
para outra, a vida da família, com tantos prêmios, viagens e estadias
fora acompanhado de grande parte da prole. De família modesta,
com uma vida semi-rural, com casa de fogão a lenha, sem carro
nem geladeira e quintal de uma tarefa onde o inesquecível Antonio
Bispo caçava sariguês e juritis e produzia grande parte da
alimentação doméstica, lavrando a horta, cuidando das plantações
e fruteiras, limpando a cocheira, o chiqueiro e o galinheiro,
passamos à condição de uma família bem viajada, com uma das
casas mais bem apetrechadas da cidade.
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Os direitos autorais de Les elites de couleur dans une ville brésiliene
se converteriam em uma reluzente station wagon Chevrolet 1953,
que Thales nunca quis dirigir e Mariá sempre se mal disse por
não ter aprendido, para não depender dos filhos. Antes do
desembarque da camionete, que ficara com Wagley e Cecilia em
Nova York cumprindo quarentena de uso, e fora por eles
premunitoriamente batizada de Good Luck, chegou à Barra Avenida
um enorme container de madeira com o recheio de uma casa
inteira, que minha mãe havia comprado naquela cidade. Fogão
elétrico GE, geladeira Westinghouse, lavadora de roupa Thor,
toca disco Hi-Fi, radio Halicraft para ouvir a BBC, cadeiras e
mesas de jardim, presentes e uma espreguiçadeira basculante de
alumínio e lona que meu pai adorava dormir a sesta no seu
gabinete, com os pés acima da cabeça.
Estas são as duas histórias do Povoamento da Cidade do Salvador,
que vos prometi contar. Uma familiar que para nos filhos é muito
cara, mas que será inevitavelmente esquecida, e outra cujo interesse
só tem aumentado com os anos e não passará, pois a parir de
agora será estudada e preservada nesta biblioteca, que homenageia
o seu nome, Thales de Azevedo.
NOTAS E REFERÊNCIAS
1. Ferdinand Braudel estivera no Brasil, entre 1935 e 1937, com outros
intelectuais franceses, inclusive Levy-Strauss, assessorando a
estruturação da Universidade de São Paulo (USP), mas os dois não
devem ter publicado nada importante no país, pois Thales não o incluiu
entre os autores citados ligados àquela universidade, como Roger
Bastide, Herbert Baldus, Emílio Willems, Egon Schaden e o estreante
Florestan Fernandes.
2. AZEVEDO, Thales. Roteiro de trabalho in BRANDÃO, Maria de
Azevedo Thales de Azevedo, dados de uma assinatura. Salvador: ABA;UFBA,
1993, p. 56.
3.Vide BRANDÃO, Maria de Azevedo. Thales de Azevedo, dados de uma
assinatura. Salvador: ABA;UFBA, 1993.
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4.Premio Aliança da Bahia in Povoamento da Cidade do Salvador. S. Paulo:
Cia. Editora Nacional, Serie 5ª, Brasiliana, vol. 281, 1955.
5
- Povoamento da Cidade do Salvador. Salvador: Prefeitura Municipal de
Salvador, 1949; Povoamento da Cidade do Salvador. 2ª edição revista e
com índices de autores, localidades e assuntos. S. Paulo: Cia. Editora
Nacional, Serie 5ª, Brasiliana, vol. 281, 1955; Povoamento da Cidade do
Salvador, 3ª edição com um longo Prefacio, onde o autor revisa toda a
bibliografia surgida depois da publicação da 2ª edição. Salvador: Editora
Itapuã, 1969.
__________
Discurso proferido na solenidade de comemoração de 60 anos da publicação
de Povoamento da Cidade do Salvador e doação do acervo bibliográfico do autor
à Biblioteca Estadual Thales de Azevedo, no dia 26 de agosto de 2009, quando ele, se vivo, completaria 105 anos.
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Discurso do Retrato
O Acadêmico Xavier Marques
Aramis Ribeiro Costa
Na fantasia imortal de Oscar Wilde, ao ver-se magnificamente
retratado, no esplendor de sua mocidade, pelo pintor Basílio
Hallward, o jovem Dorian Gray deseja ardentemente que o retrato envelheça em seu lugar. A paixão do artista ao pintá-lo e o
intenso desejo do vaidoso Dorian realizam o milagre. Posta na
parede, a imagem amorosamente criada por Hallward vai se
modificando com o passar dos anos, adquirindo os traços devastadores do tempo, enquanto o modelo conserva o aspecto moço
e belo. Mas não apenas isso: o rosto da tela passa a suportar o
peso de suas paixões e de seus pecados, registra as marcas da dor
e dos pensamentos, enquanto ele próprio mantém o seu aspecto
jovem e sem máculas. Se possuíssem os retratos pintados esse
estranho poder, certamente seriam poucas as paredes no mundo
para contê-los, e a profissão de pintor a mais valorizada entre
todas as outras. Infelizmente os retratos, magistralmente executados por excelentes artistas ou capturados por prosaicas câmaras fotográficas, a não ser na fantasia de Wilde e no desejo do
perverso Dorian, não assumem nossas velhices em nosso lugar.
Têm, entretanto, o poder igualmente valioso de reter a nossa
imagem num instante específico e levá-la para além de nós mesmos, aos tempos ignotos da posteridade. Cada instante é um
instante único que os retratos imortalizam, enquanto duram. E
por isso e para isso é que posamos esperançosos para eles.
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Por mais imaginoso que tenha sido o autor d“A Noiva do
Golfinho”, jamais lhe terá passado pela cabeça repetir a façanha do personagem Dorian Gray. Mas, ao posar com seu vistoso fardão verde-musgo da Academia Brasileira para o pintor
Guttmann Bicho, pseudônimo do petropolitano Galdino da
Costa Bicho, terá pensado certamente na posteridade, e no conhecimento que essa posteridade devia ter da sua imagem. A
presunção talvez se destinasse modestamente aos meios familiares, tendo sido a família a responsável por estendê-la à Academia, ciente do valor do parente retratado para as nossas letras, e da responsabilidade desta instituição como portadora
de tão precioso legado. Dessa forma, fez bem o acadêmico
Xavier Marques e fez melhor a sua família ao nos doar o retrato, pois agora podemos contemplá-lo como ele o fora num de
seus mais luminosos momentos, nem tão jovem quanto Dorian
Gray, nem tão idoso quanto ao partir para sempre nesta Cidade do Salvador que ele tão bem recriou em seus contos, novelas e romances.
Senhor presidente, senhores acadêmicos, senhoras e senhores:
Francisco Xavier Ferreira Marques nasceu em Itaparica – A
Intrépida – em 3 de dezembro de 1861, uma terça-feira, filho
de Vicente Avelino Ferreira Marques, um proprietário de embarcação, um barqueiro que fazia o transporte de pessoas e cargas entre a ilha e a cidade, e Florinda Agripina Ferreira Marques. Era no tempo do rei. O segundo imperador, apesar de
muito moço, já era velho no trono. E a província da Bahia encontrava-se presidida pelo advogado Joaquim Antão Fernandes
Leão, que logo no ano seguinte seria substituído pelo proprietário rural Antônio Coelho de Sá e Albuquerque. Os presidentes de província, nomeados pelo imperador e vindos muitas vezes
de outras partes, duravam pouco e pouco se comprometiam
em seus governos, bem mais motivados por suas próprias carreiras políticas, no oceano encapelado de influências e privilégios que era a monarquia.
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Não será difícil imaginar a Ilha de Itaparica, a maior das
cinquenta e seis ilhas da Baía de Todos-os-Santos, em meados do
século dezenove, quando as águas imensas da baía eram cortadas
por incontáveis vapores e barcos a vela, o mar o único meio de
comunicação da Cidade do Salvador com o mundo. Em toda a
ilha dois ou três arrabaldes rústicos de marítimos e praieiros, pessoas que viviam de maneira simples do mar de fauna riquíssima,
um mar que oferecia em abundância dos mariscos diversos e crustáceos saborosíssimos às magníficas baleias que enriqueceram os
grandes armadores daquele tempo. Aquele ambiente de
saveirisitas, barqueiros, pescadores, baleeiros, tratadores e vendedores de peixes seria de fundamental importância para a obra do
futuro escritor, em particular para o segmento que ele próprio
denominou de “Praieiros”, conjunto de ficções-curtas que envolve algumas de suas obras mais notáveis, entre elas a mais conhecida, Jana e Joel. Na convivência daqueles homens e mulheres
humildes, mas também orgulhosos de suas capacidades e do papel histórico da gente da ilha nas lutas pela independência da
Bahia, episódios de menos de quarenta anos antes de seu nascimento, Xavier Marques aprendeu costumes, histórias e segredos
do mar que serviriam de subsídio para essas ficções praieiras e
marítimas, algumas de invulgar conhecimento do assunto. E não
foi uma convivência pequena, pois só aos vinte e um anos de
idade é que deixou a ilha para morar em Salvador.
Órfão de mãe aos seis anos, educado pelo pai com importante
ajuda dos tios maternos, sobretudo uma tia materna, as únicas
referências que se tem da escolaridade de Francisco Xavier Ferreira
Marques são a orientação de seus estudos pelo cônego Bernardino
de Sousa, que o acompanhou quando ele se transferiu para Salvador, e os seus estudos primários em Itaparica com o professor
Genuíno da Silva Rosa Embiruçu Camacã, um ensino que, além
do latim e do francês, deve ter sido da mais alta qualidade, pois
lhe deu a base dos seus conhecimentos de língua e de escrita,
habilitando-o a lecionar também em escolas primárias ao chegar
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à capital. Dos povoados praieiros e pesqueiros de sua ilha natal,
da convivência com aquela gente simples e humilde que vivia do
mar, de suas próprias incursões no mar na embarcação do pai, o
moço Francisco, além do aprendizado curricular com o competente professor e do conhecimento daquelas línguas de fundamental importância para a cultura da época, trouxe o gosto e o
pendor da literatura. A falta de outras referências curriculares
leva a crer num grande empenho autodidata para adquirir o seu
inegável aprendizado literário. A julgar por seu vocabulário erudito e seu estilo escorreito, devia ser um grande leitor. Escrevia
poesia e pequenos contos. Também aqui não será difícil identificar, pelo estilo de seus escritos, a leitura e a admiração por Camilo
Castelo Branco, aliás, uma admiração nacional que sobreviveu ao
século do escritor lusitano. Discreto, retraído, ainda assim Xavier
Marques, já com este nome literário definido, começou a publicar as poesias no Jornal de Notícias, e logo, graças ao apoio do
redator João Augusto Neiva, tornou-se um colaborador efetivo
daquele vespertino de apenas seis anos de existência, mas já de
público cativo. Em 1884, aos vinte e três anos de idade, publicou
o seu primeiro livro, Temas e Variações, de poesias, pela LithoTypografia de João Gonçalves Tourinho, um volume de cento e
noventa e três páginas, hoje uma raridade bibliográfica. Suas colaborações no Jornal de Notícias deviam ser de qualidade, e grande
o seu interesse pela atividade jornalística, pois aquele mesmo redator João Augusto Neiva, ao deixar o cargo, conseguiu que ele o
substituísse. Iniciava-se dessa forma a carreira do jornalista.
Da redação à direção do jornal foi um passo. E como, junto
com o jornalista seguia o escritor, foi nas oficinas do Jornal de
Notícias que ele imprimiu, em 1886, o seu primeiro livro em prosa
de ficção, Simples Histórias, um conjunto de doze contos em volume de formato pequeno e fino, quinze centímetros por dez e
oitenta e duas páginas. Um livro que, mais tarde, ele próprio excluiria da sua bibliografia, sem se dar conta, talvez, da sua importância histórica para a literatura baiana. Sacramento Blake, em
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seu extenso e quase esquecido Dicionário Bibliográfico Brasileiro, registra um ou dois nomes de supostos autores de prosa de ficção
na Bahia antes dele. Autores cujas obras hoje dificilmente encontraríamos em alguma biblioteca. Porém Xavier Marques, com esse
pequeno livro que ele próprio injustamente desprezou, tornouse, de fato e de direito, pela existência ainda hoje palpável dessa
também raridade bibliográfica e por seu próprio nome de autor
mais tarde conhecido e respeitado, o fundador da prosa de ficção
na Bahia, o iniciador de uma nova, fecunda e altamente qualificada fase na história da literatura baiana.
Começou a se destacar como jornalista e ao mesmo tempo
como escritor. Em 1887 publicou, pela Tipografia e
Encadernadora Empresa Editora, o romance Uma Família Baiana;
no ano seguinte, pela Imprensa Popular, um novo romance, Boto
e Cia, no qual recriou, com a precisão do jornalista e a criatividade
do ficcionista, a Bahia do século, com suas figuras características
de comerciantes, funcionários, cabos eleitorais, beatas e pais-desanto; nesse mesmo ano, publicou Melo Moraes Filho, um estudo biobibliográfico. Em meados de 1890, foi nomeado terceiro
oficial da Câmara dos Deputados, um cargo que exerceria até a
aposentadoria, na condição de primeiro oficial. E em 1891 deixou o Jornal de Notícias pelo Diário da Bahia, para exercer a função
de redator político. Jornal mais antigo e de maior prestígio, de
linha abolicionista e republicana, contava àquela época com o
apoio e a colaboração de personalidades notáveis como Ruy Barbosa, Manuel Vitorino e Luiz Vianna, e tinha a direção de Augusto
Álvares Guimarães, grande amigo e cunhado de Castro Alves,
casado com a irmã predileta do poeta, Adelaide. E fazia acirrada
concorrência à Gazeta da Bahia, numa demonstração da vitalidade e do prestígio social da imprensa diária em Salvador na segunda metade do século XIX, período em que não menos de vinte e
oito jornais disputaram, de forma concomitante ou sucessiva, a
preferência do público. A editora situava-se à Rua dos Capitães,
na tipografia de Epifânio Pedrosa, e foi ali que Xavier Marques
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imprimiu, em 1896, Insulares, seu segundo livro de poesias, segunda e última incursão editorial no gênero que iria abandonar
definitivamente pela prosa de ficção.
Permaneceu no Diário da Bahia até 1896, daí transferindose, por um curto período, para o jornal A Bahia. Fez parte do
corpo de redatores do Diário de Notícias e da Gazeta do Povo e,
certamente graças à sua atividade de redator político e de seus
relacionamentos políticos, particularmente com José Joaquim
Seabra, que exercia o seu primeiro governo na condição de mais
influente líder político da Bahia e do qual se tornou um correligionário, elegeu-se em 1915 deputado estadual, reelegendo-se seguidamente em mais duas legislaturas. No início de 1916 ingressou em O Democrata, órgão do Partido Republicano Democrata,
tornando-se redator-chefe e diretor. Nesse período de dez anos,
de 1896 a 1916, de intensas atividades jornalísticas e políticas,
não esqueceu o escritor. Pelo contrário. É desse período a produção dos Praieiros, com a publicação, em 1899, pela Typographia
Bahiana, de Cincinnato Melchiades, da novela Jana e Joel, sua obra
de maior repercussão; e em 1902 das novelas mais curtas “Maria
Rosa” e “O Arpoador”, apresentadas num único volume também pela Typographia Bahiana. Da publicação de Pindorama, em
1900, ainda pela Typographia Bahiana, romance da época do descobrimento à feição indianista de Alencar, obra premiada pela
Comissão do IV Centenário do Brasil, na Bahia. Do romance
Holocausto, no mesmo ano, por H. Garnier, Livreiro-Editor, do
Rio de Janeiro. Da edição de seu romance histórico O Sargento
Pedro, em 1910, mais uma vez pela Typographia Bahiana. D’A
Vida de Castro Alves, em 1911, pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, deliciosa biografia, uma das primeiras do Poeta
dos Escravos, que serviu de referência a todas as outras após ela,
por haver o seu autor conhecido e entrevistado as irmãs, o cunhado, e vários amigos do poeta. E finalmente de dois ensaios, A
Arte de Escrever, Teoria do Estilo, em 1913, pela Livraria Francisco
Alves do Rio de Janeiro, e Dois Filósofos Brasileiros, em 1916, pela
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Revista dos Tribunais, também do Rio. A aceitação de suas obras
fez com que algumas delas alcançassem, nesse mesmo período,
novas edições.
Compreensível, portanto, que Arlindo Coelho Fragoso não o
esquecesse ao compor a famosa lista dos quarenta para a fundação da Academia de Letras da Bahia. Aqui, uma curiosidade que
envolve a história desta Casa. Ao convocar os quarenta para a
fundação da Academia, entre os quais elegantemente não se incluiu, Arlindo Fragoso enviou aos seus convidados dois modelos
de carta. Um deles para os que moravam na Bahia, e outro para
os que aqui não residiam, e que eram apenas quatro, Ruy Barbosa, Afrânio Peixoto, Clementino Fraga e Almáquio Diniz, residentes no Rio de Janeiro. Se hoje conhecemos o teor da carta
enviada aos que moravam na Bahia, isso se deve justamente à
que ele remeteu a Xavier Marques, cujo original foi encontrado
por Renato Berbert de Castro, quem mais e melhor até agora
registrou a história desta Casa. Dizia a carta:
Bahia, 2 de março de 1917.
Exmo. Sr. Xavier Marques:
Tenho a honra de solicitar, como fineza que muito saberei agradecer, o comparecimento de V. Exa. à reunião
que, em 7 do corrente, deverá ser realizada, às 8 horas da
noite, na sala de sessões da Câmara dos Snrs. Deputados, à
Ladeira da Praça, para o fim especial de se instituir, com
um limitado número de representantes, e sob o alto patrocínio, que é justo presumir não lhe faltará, do Governo do
Estado, uma Associação de Homens de Letras, em cujo
quadro não me era lícito esquecer o nome de V. Exa., que
as tem servido com indiscutível realce.
Nenhuma condição de escola ou doutrina, ou preferência de ideias políticas, religiosas ou filosóficas, impedirá o
funcionamento de uma nova sociedade, que reunindo es 287
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píritos superiores, terá como indiscutível dever o mais absoluto respeito à independência mental dos que deverão
compô-la.
Digne V. Exa. aceitar por tão distinto obséquio o testemunho veraz do meu mais sincero reconhecimento.
Arlindo Fragoso
Deu-lhe Arlindo Fragoso a Cadeira de número 33, cujo patrono
é Castro Alves, justa escolha que homenageava o biógrafo.
Curioso que só em 1918, aos cinquenta e sete anos de idade,
Xavier Marques viajou pela primeira vez ao Rio de Janeiro. Isto
é significativo, pois, já no ano seguinte, do dia 24 de julho, foi
eleito para a Academia Brasileira de Letras, o que atesta o reconhecimento dos imortais daquela Casa à sua obra de escritor,
mesmo estando ele à distância. Eleito para a Cadeira de número 28, cujo patrono é Manuel Antônio de Almeida, na vaga do
fundador Inglês de Sousa, foi empossado em 17 de setembro
de 1920, tendo sido recebido por Goulart de Andrade. Em 1919,
quando se retirou do jornal O Democrata, abandonou a imprensa diária para tornar-se um colaborador. Nesse ano publicou
dois livros, o romance A Boa Madrasta, pela Livraria Castilho,
do Rio de Janeiro, e o excelente livro de contos A Cidade Encantada, pela Livraria Catilina, na Bahia. É n’A Cidade Encantada
que se encontra o mais antologiado de seus contos, “A Noiva
do Golfinho”, além do ótimo “Mariquita”, que reconstitui e
preserva de forma encantadora o bairro do Rio Vermelho do
início do século passado, quando era um arrabalde de pescadores e local de banhos para enfermos. Em 1921 foi eleito deputado federal, e durante esse mandato residiu no Rio de Janeiro,
tendo exercido, nesse período, a função de secretário da Academia Brasileira, mantendo, à semelhança do que fazia na Bahia,
uma fecunda colaboração com a imprensa, em particular o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil, a Revista da Semana, e A Tribuna.
Em 1922, reeditou o romance Boto & Cia pela Livraria Editora
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Leite Ribeiro, do Rio de Janeiro, agora totalmente reescrito e
com novo título: O Feiticeiro. Também nesse período de residência na Capital Federal, na vertente do seu constante interesse
pela História do Brasil ligada à Bahia, que já lhe motivara o
romance O Sargento Pedro, publicou, em 1924, pela Livraria Francisco Alves, o Ensaio Histórico Sobre a Independência. Ao término
do mandato, voltou a residir num dos ambientes preferidos de
suas histórias, em meio à gente de seus personagens, a Cidade
do Salvador. Daí por diante, casado com dona Georgina Coelho Dórea, pai de Rute Georgina, Olga e Hugo, Xavier Marques dedicou-se à continuidade de sua obra de escritor, à publicação de novos livros e, tão importante quanto, à republicação
de outros. Mais difícil que editar livros, é reeditá-los.
Em 1930 publicou o romance As Voltas da Estrada, pela Livraria Freitas Bastos, do Rio de Janeiro; em 1933, Letras Acadêmicas, também no Rio; ainda em 1933, pela Escola de Aprendizes
Artífices, na Bahia, o volume Cultura da Língua Nacional; e finalmente, em 1936, Terras Mortas, livro de contos, publicado pela
Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro. Uma produção, portanto, vasta e de qualidade, quase toda voltada à fixação
e recriação ficcional do povo, da terra e da história da Bahia, à
qual se somaram os livros publicados após a sua morte, como
os dois volumes de Ensaios editados pela Academia Brasileira
em 1944.
Senhor presidente, senhores acadêmicos, senhoras e senhores:
O acadêmico Xavier Marques, era, no seu tempo, um dos
que frequentavam a Academia de Letras da Bahia. Nem mesmo quando houve o famoso cisma de 1938, com a entrada de
dona Edith Mendes da Gama e Abreu, quando parte dos acadêmicos afastou-se para fundar a Ala das Letras e das Artes,
deixou a Academia de contar com a sua interessada presença.
Por outro lado, o respeito e a consideração desta Casa por
Xavier Marques não se encerraram com sua morte em 30 de
outubro de 1942. Além das sessões regimentais, das habituais
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datas comemorativas e da colocação de seu nome em concurso literário, a Academia fez publicar, em 1997, na presidência de
Cláudio Veiga, uma primorosa reedição d’A Vida de Castro Alves,
obra há muito esgotada. E, já neste palácio de cultura que confortavelmente nos abriga, seu retrato, este mesmo que hoje
reinauguramos, era um dos três que, por longos anos, no alto da
escada de acesso à maior de nossas bibliotecas, davam as boas
vindas àqueles que buscavam nosso bem mais precioso, os livros.
Se o tempo não imprimiu nesse retrato as marcas das dores,
dos pensamentos, das paixões, dos eventuais pecados e do envelhecimento físico do escritor retratado, como na fábula perversa
de Oscar Wilde e seu personagem Dorian Gray, por outro lado
foi implacável na devastação da própria tela. Esses bichinhos
miúdos e gigantescos, bem mais imortais que os próprios acadêmicos, que rivalizam com a humanidade em poder de destruição
e que, um dia, poderão superá-la, como os cupins, as traças e as
brocas, além do mofo e do desgaste natural das tintas, foram implacáveis com a imagem a óleo do nosso ilustre romancista. Felizmente acudiu-a o presidente Edivaldo Boaventura, que não mede
o olhar e a mão, quando se trata de preservar os bens preciosos da
Academia. Entregue ao artista José Dirson Argolo, a imagem esguia, imponente e respeitável de Xavier Marques, no seu fardão
verde-musgo da Academia Brasileira, nos ressurge na tela com o
brilho e a beleza artística do passado. O brilho e a beleza artística
do primeiro escritor a recriar ficcionalmente a Bahia em seus contos, novelas e romances.
À semelhança da obra, a imagem também se imortaliza.
__________
Discurso proferido no salão nobre da Academia de Letras da Bahia no dia 1º
de outubro de 2009, na sessão de inauguração do retrato restaurado do escritor Xavier Marques.
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Discurso de Saudação
a Joaci Góes
João Carlos Teixeira Gomes
Prezado amigo e confrade, Prof. Edivaldo Boaventura, eficien-
te e devotado presidente desta instituição; demais componentes
da ilustre mesa que preside os trabalhos; caro e operoso amigo
Joaci Góes, que neste momento aqui se empossa; senhoras e
senhores,
Hoje é mais um dia de festa para a nossa Academia, tradicional
centro aglutinador das tradições humanísticas da Bahia, bem mais
do que um simples cenáculo de cultivadores da literatura. É
oportuno destacar este fato no início do meu discurso, pois não
devemos esquecer nunca, nesta época de amargo empobrecimento
da vida cultural baiana, se comparada a décadas ainda tão próximas,
que a Bahia sempre foi considerada um centro irradiador de cultura
no plano nacional, reverente aos seus valores. Mas já dizia Camões
que mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Hoje,
convivemos mais com zoada do que com refinamento. Entretanto,
não sejamos nunca resignados.
A Academia abre suas portas para receber o seu mais novo
integrante, Joaci Góes, baiano de Ipirá, de prestigioso currículo,
e cuja personalidade tem-se projetado, ao longo de uma vida
laboriosa, sobre os múltiplos vetores de empresário, político,
jornalista e escritor. Ocupa hoje a vaga aberta com o falecimento
do nosso sempre lembrado e querido amigo Pedro Moacir Maia,
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em cadeira que tem a pródiga tradição dos luminares já mencionados
pelo nosso homenageado, ao me preceder na tribuna.
É pois uma data de alegria para sua vasta legião de admiradores
e amigos. Autor de dois livros sobre a inveja e o ódio, raros na
bibliografia brasileira, em ambos Joaci Góes esmiúça, com
competência e erudição, os desvãos da misteriosa alma humana,
sob o embate de algumas das suas emoções mais perturbadoras e
violentas. Nada mais precisaria escrever para que ingressasse nesta
casa, mas já nos brinda com opulenta obra sobre vocação.
Ao completar a leitura dos dois volumes citados, tomei, pois,
do Rio de Janeiro, a iniciativa de indicar o nome de Joaci Góes a
uma das vagas existentes na Academia, sem favorecimentos, pelo
critério exclusivo do mérito. Foi um compromisso de elementar
justiça. Atentei para o fato de que vivemos hoje na Bahia e no
Brasil uma lamentável época de retração da crítica, de pobreza de
bons resenhistas de suplementos literários, que aliás escasseiam,
da perda de qualidade dos leitores interessados em comentar os
livros importantes, muitas vezes negligenciados.
Já não temos hoje em nosso universo de leitores nomes do
porte de Carlos Chiacchio, Pinto de Aguiar, que de tão obcecado
leitor acabou transformando-se em grande editor, fundador da
memorável editora baiana “Progresso”, Carvalho Filho,
Godofredo Filho e Hélio Simões, que, sendo escritores, tanto
dignificavam também o exercício da leitura, com preciosas críticas
e sugestões aos autores, nascidas de conhecimento e de
sensibilidade humanística. Reina frequentemente nos meios
literários a insidiosa conspiração do silêncio, morte da literatura.
Era preciso vencê-la e por isso fiz a presente indicação, afinal
vitoriosa, numa decisão que honra a Academia.
Não posso nem devo alongar-me, porque a festa é do confrade
que chega. Mas, para evitar a pecha de usurpador, não quero
incorrer na de omisso.
É da praxe acadêmica que falemos ao público sobre os aspectos
mais destacados da vida e da obra do novo conviva, por mais
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conhecidas e louvadas sejam as suas qualificações. Tenho o dever
protocolar de fazê-lo, mas esta obrigação é também um prazer e
um privilégio, pela causa da boa literatura.
E já que falei em praxe, não pretendo observá-la, entretanto,
no tratamento, suprimindo as “excelências” e os “ilustríssimos”.
A Academia é sobretudo uma amorável reunião de pessoas
dedicadas às letras e às humanidades, que se organizam para
perpetuar a tradição do saber e da escrita. Os credos e as distâncias
aqui se anulam. É, enfim, uma confraria de iguais, que detestam a
retumbância das etiquetas e o desnivelamento das hierarquias.
Se os fatos ligados a mim são hoje e aqui irrelevantes, quero
iniciar, contudo, com uma confissão pessoal. Jornalista como Joaci
Góes, também, como ele, em determinado momento da minha
vida, quis ser político. E isto porque Joaci encarnou, para mim, o
ideal do político em seu mais alto sentido, em seu significado mais
profundo: o daquele que, sacralizado na carreira pelo voto do povo,
soube colocar-se a serviço das aspirações públicas, com uma atitude
inédita, eu diria mesmo assombrosa, nos dias que correm: no auge
do seu prestígio, tendo à sua disposição a força eleitoral e os votos
que quisesse para reeleger-se à Câmara Federal, Joaci Góes
renunciou à vida pública, desiludido com o que testemunhara na
convivência parlamentar. E olhem que ele integrava a Constituinte
que tinha o dever de levar o Brasil à redemocratização, após a longa
noite política da ditadura de 64.
Fazia parte de um grupo de deputados comprometidos com a
abertura, alguns devotados e até mesmo heróicos nos seus
compromissos para com os destinos do País, outros uns
oportunistas que iludiram a consciência democrática da Nação.
Assim, entretanto, é a vida pública, numa dualidade que, mais,
talvez, do que uma realidade política, traduz as oscilações do frágil
caráter humano, quando confrontado com seus interesses.
Joaci Goés integrava, ao lado de Ulysses Guimarães, Teotônio
Vilela, Leonel Brizola, Mário Covas, Tancredo Neves, Sobral Pinto,
Barbosa Lima Sobrinho, Rômulo Almeida, Waldir Pires e outros
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pró-homens da resistência ao militarismo recalcitrante, apoiado
pela subserviência e pelo oportunismo dos políticos beneficiários
do golpe, a grei ilustre dos combatentes que fustigavam a opressão
e se recusavam a viver sob as trevas. Espero não ter resvalado nas
omissões indesejáveis, mas não era certamente muito mais extensa
essa lista de bravos.
No âmago daquelas duras lutas políticas, em anos de ainda
dúbia e dificultosa definição de rumos para o país angustiado,
destacou-se, inclusive, como coordenador da Bancada Federal
do PMDB da Bahia, que iria ajudar nossa terra a libertar-se da
tirania local, e sobretudo como o relator do Código de Defesa
do Consumidor, cuja Comissão presidiu no Parla-mento,
obtendo-lhe, enfim, a aprovação, para o que foi decisiva sua
presença em debates e palestras realizados em todo País, em
1991. Foi o itinerante cruzado da defesa do bolso do povo,
num país que apenas privilegiava o interesse de quem
produzia e vendia, mesmo produzindo com defeito e
vendendo sem ética.
Só essa notável vitória seria em si mesma suficiente para
consagrá-lo como representante da sociedade brasileira no
Congresso. Tendo ajudado a redefinir os caminhos do País após
o regime de exceção, prestigiado como o parlamentar que obteve
a elevação de recursos orçamentários de modestos onze por cento
para quarenta, destinados especificamente ao Nordeste, conhecido
pela ampla difusão do Código de Defesa do Consumidor e com
seu nome sempre lembrado para o Senado ou para o governo do
Estado, certos rumos da vida congressual ainda assim não se
coadunavam com a sua visão da função social e dos objetivos da
política, e por isso mesmo Joaci Góes encerrou por moto próprio
a militância. Foi cuidar dos negócios privados e fundar uma
universidade.
Já antes, em l969, por seu convite, o arquiteto Lúcio Costa, um
dos construtores de Brasília, veio a Salvador para projetar o bairro
Patamares, uma das mais significativas realizações da Goés-Cohabita,
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por ele fundada e presidida, dentro do espírito empreendedor legado
pelo seu pai, o Sr. João Góes, o estimado “Sêo” Goesinho. Tempos
depois, tendo realizado um curso em 1975 em Stanford, construiu
em Porto Seguro uma universidade, tomando como modelo o campus
norte-americano, cujo funcionamento observou nos EUA. O
primeiro complexo das Faculdades do Descobrimento, esse o nome
da nova instituição, recebeu o nome de Roberto Santos, em
homenagem ao grande governador, padrão de moralidade política e
de respeito à coisa pública. Não satisfeito, Joaci doou ainda a Porto
Seguro uma magnífica biblioteca aberta ao público, a que deu o nome
de “João Ubaldo Ribeiro”, numa homenagem ao escritor já
prestigiado nacionalmente.
O lugar comum do jargão político costuma definir o
Parlamento como “o eixo da democracia”, “o suporte da
democracia” e coisas do mesmo gênero. Mas não são necessárias
tantas palavras: o Parlamento É a democracia. Até os piores
regimes autoritários que o mundo já conheceu, como o nazismo
de Hitler e o comunismo stalinista, não dispensavam o ornamento
e a simulação de presumíveis casas congressuais, como o Reichstag
e a Duma, para fingir que ouviam representantes do povo, todos
silenciados pela obediência servil ou pelo medo do chicote
opressor, o látego dos tiranos.
Por isso, senhoras e senhores, já encerrada a minha atividade
jornalística numa redação, pensei certo dia em candidatar-me a
deputado federal. Movia-me o idealismo. Achava digno continuar
a dura luta jornalística de toda a minha vida – mais de 20 anos de
presença diuturna num matutino, em tempos temerários, como
lembrava o belo título do livro de Nestor Duarte – no cenário do
Parlamento Nacional.
Peço licença ao nosso homenageado, que lá esteve e não quis
continuar, para ampliar esta breve confissão, pela primeira vez
tornada público: no início dos anos 90, agendei no Rio de Janeiro
uma reunião com Leonel Brizola para discutir as bases da minha
candidatura. Eu o admirava pela coerência política e pela bravura
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revelada no episódio traumático da deposição de Jango. O breve
sonho logo se dissipou. Um dia antes do encontro, com prazo
definido e generoso, Brizola anunciava em jornais cariocas que
apoiaria, na Bahia, forças políticas que eu considerava
retrógradas e abomináveis, com as quais nunca subiria num
palanque. Acabei ficando de uma vez no Rio, para não ter que
testemunhar no plano baiano o retorno da hipocrisia, da
impostura e da opressão.
Não tive, pois, a ventura de Joaci Góes e não pude tornarme deputado em luta pela consolidação democrática. Mas
confesso que, em meus livros e artigos de jornal, sempre usei a
palavra “democracia” no Brasil com grandes reservas.
Nem sei mesmo ainda hoje se, salvo de referência ao curto
hiato do governo Juscelino, podemos empregá-la no País sem
constrangimento conceitual. Não me refiro à democracia formal,
aquela fundada na presumível partição dos poderes e no
ambivalente jogo das simulações institucionais, no jogo, enfim,
do faz de conta. Penso efetivamente na democracia como o
predomínio do império das leis a serviço da plenitude da
cidadania e das aspirações coletivas. Já escrevi em meu livro
Memórias das Trevas, e o repeti várias vezes em artigos, que no
Brasil o poder não está nunca a serviço da sociedade, mas sim
do grupo que o detém.
É uma contrafação histórica, cujo desdobramento levou
à degradação que todos os brasileiros estão testemunhando
nos dias que correm, sob o espanto da desmoralização
progressiva do Parlamento, incluindo Câmara e Senado, da
derrocada das instituições, sem excluir parte da imprensa, e
dos tribunais. Predomina hoje no País, mais do que nunca, a
ideologia do oportunismo, acintosa e corrosiva, promovida
por conhecidos (e diariamente citados) políticos
desavergonhados, íntimos dos cofres públicos e privados. Só
não os cito nominalmente aqui porque, além de notoriamente
conhecidos, não pretendo perturbar com revelações óbvias
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este clima de confraternização e de festa. Mas todo momento
é importante quando se trata de denunciar e combater a
fraude das instituições e o esvaziamento da democracia. A
consciência social não pode acomodar-se e deve agir como um
instrumento de libertação.
Creio, meu bravo amigo Joaci Góes, que não estou
deslustrando a sua investidura ou tampouco importunando o
auditório que veio ouvi-lo, pois, afinal, estou evocando fatos
que em sua trajetória política foram tenazmente combatidos.
Da sua atividade no Congresso recebemos um legado de
realizações e decência parlamentar, coroado pela auto-desejada
e refletida interrupção de uma carreira vitoriosa, como protesto.
Neste particular, pôde o amigo mostrar-se digno das lições de
compostura e honradez pessoal historicamente legadas à Bahia
pelo grande líder Otávio Mangabeira, o “democrata irredutível”,
como bem o definiu Paulo Segundo da Costa na biografia que
lhe dedicou, e do qual o ágil poeta Sílvio Valente disse, com
graça, nestes tercetos:
Jamais no peito a grande voz calou-se!
E árvore antiga, hoje se enflora e exulta,
Dando a mangaba cada vez mais doce.
São de Otávio Mangabeira estas palavras proféticas:
“Amaldiçoada a corrupção, desgraçadamente a grande lepra da
atualidade na República!”. Se vivo estivesse e avaliasse a vida
nacional, estou convencido de que acharia ter despencado, hoje,
num leprosário. Não nos esqueçamos de que dele também é a
frase famosa, segundo a qual “pense em um absurdo, na Bahia há
um precedente”. Basta evocarmos a inconcebível mudança do
nome do aeroporto Dois de Julho, data sagrada e intocável dos
baianos, para sentirmos a dura veracidade da frase. Nenhuma
terra esquece o que deve aos seus heróis.
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XXX
Preciso agora falar do nosso homenageado como o jornalista
que, durante tantos anos, a partir de 1975, orientou e dirigiu,
num clima de ameaças da ditadura, sempre hostil à imprensa, o
jornal Tribuna da Bahia, fundada em 1969 pelo saudoso Elmano
Castro, com sentido renovador. Foi a Tribuna, suplantando o
veículo cuja redação eu comandava, o Jornal da Bahia, iniciado em
1958, o primeiro órgão da imprensa baiana a usar o sistema “offset” de impressão, considerável avanço tecnológico para a época.
Sua redação era integrada por jovens competentes e dedicados,
sob a chefia, primeiro, do saudoso jornalista Quintino de Carvalho,
e, tempos depois, por João Ubaldo Ribeiro, que já começava a
trajetória literária que o consagraria como romancista.
Foi a Tribuna, sob a direção de Joaci Góes, o jornal pelo
qual respirava o Governo Democrático de Waldir Pires, acossado
noite e dia pelo desrespeito e pelas agressões, não só políticas
como pessoais, do seu rival e implacável opositor, derrotado nas
urnas. Mas, através de uma transação indecente, conseguira este
retransmitir na Bahia a programação de poderosa emissora de
TV, cujo noticiário local usava para difamar o novo governo.
Eu o integrava, então, como discreto assessor, mas,
incomodado com a falta de reação, inclusive na Assembléia
Legislativa da Bahia, fui procurar um dia Joaci Góes, que me
recebeu gentilmente em seu apartamento na Federação. Disselhe que estava acontecendo um desastre e que era preciso reagir
com firmeza às seguidas tentativas de humilhação e deboche.
Propus, então, escrever na Tribuna uma série de artigos
contestando as infâmias. Como se tratava de iniciativa
exclusivamente pessoal, deveria fazê-lo sob pseudônimo. Essa
velha prática do jornalismo brasileiro não me agradava e eu jamais
a utilizara antes na minha carreira, mas a ela precisava recorrer,
porque não tinha nenhuma autorização oficial para lançar-me
àquele tipo de luta. Joaci Góes entendeu minha posição,
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concordou e organizamos ali, espontaneamente, uma espécie de
complô embrionário da resistência. São fatos trazidos a público
pela primeira vez e engrandecem a trajetória do jornalismo
independente.
Lembro outro episódio: foi a Tribuna o jornal que noticiou
com mais destaque a vitória que obtive em 1972 – um dos anos
mais tenebrosos da ditadura, com mortes seguidas nas prisões –
triunfando, num Tribunal Militar, sobre os arreganhos do então
governador da Bahia, desejoso de encarcerar-me numa das
masmorras do golpe. Escapei graças à competência do advogado
Heleno Fragoso, em julgamento de grande repercussão nacional.
Também Joaci Góes teve que enfrentar as intimidações do
governador e do regime que o sustentava, particularmente no
momento em que assinou um manifesto contra a cassação do
deputado Francisco Pinto, alvo da fúria castrense porque se
colocara contra a vinda, ao Brasil, do general Pinochet, o nazista
que comandava o Chile, depois de matar Allende.
Essa ocorrência impediu que o nosso homenageado pudesse
inscrever-se num curso na Escola Superior de Guerra, por veto
do Serviço Nacional de Informações, o SNI, órgão ativo da
repressão. Eram assim tratados os jornalistas independentes,
naqueles tempos selvagens. Lutávamos como podíamos, pois,
segundo a frase de Leonor Roosevelt que nosso homenageado
gosta de lembrar, “ninguém é capaz de humilhá-lo sem o seu
consentimento”. Não consentíamos, nunca consentimos, mas a
luta era muito perigosa e desigual. Entretanto, lutamos. Não nos
deve preocupar o medo de perder as batalhas, mas sim o de não
participar delas.
É preciso registrar inclusive, fato pouco divulgado, que a
censura se tornava bem mais intolerante e drástica em relação à
imprensa do Norte e Nordeste, pois o golpe era mais cauteloso
ao vigiar os jornais do Sul, para evitar a repercussão internacional
das interdições e dos vetos. Um grupo de homens despóticos se
julgava no direito, que jamais pode existir numa sociedade
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civilizada, de dizer aos cidadãos o que eles deviam pensar ou
fazer. A tirania é a mais repulsiva das manifestações do poder.
Mas certas discriminações, sobretudo no plano cultural,
continuam presentes na vida do Brasil. Os valores regionais, e
são muitos em variados domínios, precisam deixar suas áreas para
triunfar nacionalmente. A Bahia, por exemplo, quase não existe
hoje para os jornais, os suplementos, as editoras e as iniciativas
culturais do Rio e de São Paulo, a não ser como a terra extravagante
do acarajé, do coco e da axé.
Não há duvida de que vamos perdendo, há anos, densidade
cultural. E se somos propositadamente isolados, pois é óbvio o
intuito de colonialismo interno, era o caso de reagirmos fazendo
do nosso rincão uma comunidade cada vez mais sólida,
independente e determinada, social e culturalmente.
XXX
É o momento de falarmos de Joaci Góes como escritor,
prestigiado por suas duas obras básicas, os livros A inveja nossa de
cada dia e Anatomia do ódio, respectivamente de 2001 e 2004, ambos
editados pela Topbooks de José Mario Pereira, aqui presente, o
editor do qual o reputado crítico Wilson Martins disse ser o único,
no Brasil, com visão e competência cultural, presentes em tantas
obras já divulgadas, inclusive de autores do passado.
O grosso volume de 526 páginas que o nosso homenageado
dedicou ao estudo da inveja é livro que lemos com delícia e...
temor.
A cada passo receamos identificar-nos naquelas páginas
recheadas de invejas e invejosos célebres nas crônicas do mundo,
imemorialmente. Nas ciências, na literatura, nas artes, na música,
nos esportes, nas universidades, nos laboratórios, na política, nas
administrações públicas e privadas, nas academias, é claro, não
há quem já não tenha sentido inveja de uma descoberta, um livro,
um soneto, um quadro, uma melodia inspirada, uma jogada
magistral, uma conquista, um avanço, uma excepcional realização,
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qualquer maravilha, em suma, que tenha sido concebida já não
diríamos por um rival, mas por um simples mortal que nos superou
em capacitação, fantasia, força criadora, inventividade, domínio
dos seus meios de expressão.
A república das letras e das artes, por exemplo, costuma ser
povoada não por convictos democratas, mas por monarcas
absolutistas, cada qual desejoso de impor a todos as suas leis (por
isto são implacáveis as teorias e as escolas) e levantar todos os
troféus. É no terreno da criação artística, das letras e das
humanidades, sempre propensas a exaltar formalmente a
dignidade da convivência humana, que a inveja costuma espalhar
suas tropas mais aguerridas. Um romance de excepcional êxito
de público e crítica pode fulminar um rival ou levá-lo a uma longa
depressão. O grande Borges lembrou, com exatidão, que diante
de um belo verso sentimo-nos inclinados a recitá-lo em voz alta.
Eis uma forma sutil de apropriação, pois, na verdade, gostaríamos
de tê-lo escrito. Já os pastiches, por sua vez, são invejas
dissimuladas.
Joaci Góes começa o seu alentado livro, elogiado pelo
prefaciador José Ângelo Gaiarsa, psicanalista afamado, que logo
o considerou exemplo de “documentação e argumentação
impecáveis”, lembrando que “a inveja é o mais presente e o mais
nocivo de todos os sentimentos (...), o maior segredo (...) e o
mais inconfessável de todos os pecados”. Também “um modo
de ver carregado de amargura”, presente desde os tempos bíblicos,
pois nos Evangelhos ficamos sabendo que Lúcifer acabou sendo
um anjo amaldiçoado e decaído, por revelar-se enciumado com o
poder de Deus. O demônio nasceu da inveja.
Efetuando exaustivo levantamento da longa crônica da inveja
em todos os tipos de atividade, estudando o que sobre ela
escreveram ou como a ela reagiram filósofos, publicistas, poetas,
músicos, chefes de Estado e uma densa relação de fontes
estudadas, Joaci a revelou como uma realidade transistórica,
imutável e permanente na vida humana. Ela se instala como um
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lobo feroz no universo emocional de homens e mulheres, em
geral com efeitos devastadores.
Mostra o nosso homenageado, com pena detalhista, que à
inveja não ficaram imunes os mais altos poetas, os mais inspirados
pintores e músicos, cientistas, descobridores, gênios de todas as
épocas e lugares. É um fenômeno que transcende os homens
para instaurar-se entre nações, citando o autor o anti-judaísmo
de Hilter como expressão de antiga inveja da Alemanha para com
as práticas e as tradições dos judeus, execrados longo tempo pelo
cristianismo.
Em trecho relevante, a investigação nos adverte que é
unicamente em virtude dos mecanismos sociais de convivência
que o ser humano invejoso (potencialmente, todos nós) contém
os seus impulsos destrutivos diante do objeto que o subjuga. Diz
ele: “A convivência social exerceria um papel imperativamente
repressivo do qual nasce o conformismo.” Quer dizer:
invejosos...mas conformados com o êxito alheio, fato que não se
manifesta apenas na órbita das altas criações, mas nas simples
relações entre vizinhos, em que um lamenta e deseja o carro novo
do outro....
Num plano mais ambicioso, a inveja seria até mesmo, no rol
das reações humanas em escala universal, “um modelador em
grande medida da História”. Fato curioso: na longa lista de
personalidades citadas no livro para fundamentar a ampla
conceituação da inveja e suas consequências, nosso autor relaciona
apenas homens, todos luminares e famosos. Não surpreende a
sua generosidade para com as mulheres, desde quando, entre as
suas teses mais estimulantes, está a de que a inveja do homem
nasce basicamente da rivalidade que eles exercitam entre sí, levados
pelo instinto de competição e de dominação “de coisas e pessoas”,
o que naturalmente inclui a luta pela posse das fêmeas. “O macho
– diz ele – encararia a vida como se fosse um campeonato
interminável”, com o objetivo do “controle da hierarquia”.
Controle, enfim, nos negócios, na política, na guerra, na criação,
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na vida e, naturalmente, no amor, que exacerba sentimentos de
disputa, confronto e posse.
Não devo mais, como é claro, por questões de limite de tempo,
estender-me sobre o livro de estréia do nosso homenageado, que
assim começou onde muita gente acaba. Mas se há uma palavra
que define com absoluta propriedade o que acabei de analisar, só
me cabe dizer: é uma obra...invejável!
XXX
Gostaria de ressaltar que não me movem, neste discurso, as
obrigações acadêmicas de recipiendário, mas sim a formação e o
interesse do obstinado leitor e crítico literário que sempre fui, no
jornalismo, nos livros e no magistério, fato que me levou a indicar
o nome de Joaci Góes para a Academia como um ato de justiça
intelectual e cultural.
Seu segundo livro, o também alentado Anatomia do ódio, de
compactas 471 páginas, constitui a reafirmação das suas qualidades
de ensaísta, integrando-se numa linha pouco usual na literatura
brasileira, onde são raras as obras de reflexão sobre a condição
humana no quadro das suas emoções fundamentais, fora,
naturalmente, da ficção. Por este aspecto, de certa forma Joaci
vincula-se a uma tradição que vem da literatura ibérica dos
chamados Séculos de Ouro, na vertente do ensaísmo moralizante,
em que se destacou, por exemplo, Baltasar Gracián, com projeções
na poesia cáustica de Francisco de Quevedo. Reformadores da
alma, empenhados em neutralizar-lhe os venenos com o antídoto
da literatura, numa tradição que remonta ao estoicismo de Sêneca.
Não se preocupem, porém, que não vim aqui para fazer crítica
literária. O que desejo é apenas destacar o interesse pela leitura
de um livro que nos fala do ódio com uma profundidade e vastidão
rara em nossas letras (ou em outras, certamente), além de trazer
sobre o tema, no final, uma relação de breves pensamentos, alguns
deliciosos, como este de Byron: “O ódio é, de longe, o prazer
que dura mais. Os homens amam com pressa, mas odeiam
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devagar”. Reflitam também sobre esta jóia de Gandhi: “Olho
por olho e o mundo acabará cego”.
E, no entanto, apesar de tanto sabermos do mal que esse
sentimento nos causa, não há dúvida de que a história do mundo,
desde os tempos primitivos, é uma história de ódios. Esta lição
eu e nosso homenageado aprendemos diariamente à frente de
um jornal, onde nos acostumamos a conviver com “a cobiça e a
desordem do mundo”, para usar a expressão de Gay Talese, ao
estudar a trajetória do New York Times. Raro era o dia em que
não nos obrigávamos a noticiar uma agressão, um homicídio
tenebroso, a irrupção de uma guerra ou de um atentado, egoísmos,
injustiças de governos, perseguições religiosas ou políticas,
racismo, discriminações etárias, supressão de direitos, expansão
do terrorismo e dos crimes políticos ou habituais.
Nossa experiência jornalística já nos havia revelado a
intensidade do ódio político que se voltou contra nós na Bahia.
Joaci Góes, pois, ao escrever seu livro, não se entregou a um
mero exercício intelectual, mas sim exprimiu o que lhe foi dado
apreender no enfrentamento pessoal do rancor e da intimidação.
Livros assim nascidos ajudam a compreender melhor a condição
humana com o objetivo de aperfeiçoá-la.
O grande reformador Luís Calvino, em sua obra fundamental
A instituição da religião cristã, asseverou que Deus permitiu aos
homens as guerras, os crimes e a violência para que eles
percebessem que este mundo é falso, precário e fugaz, e se
voltassem para a vida eterna. Mas não é possível esquecer que a
pátria do homem é antes o mundo físico e que ele tem aqui um
compromisso com a dignidade e a decência da vida.
Anatomia do ódio é uma codificação da trajetória da violência
humana sobre os destinos do mundo, pontilhado de crueldades,
permanentes conflitos devastadores, acumulação progressiva dos
arsenais de destruição e dos aparelhos repressivos de governos,
instauração de regimes despóticos com seus sistemas
institucionalizados de tortura e morte, esmagando os princípios
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universais do Direito e da dignidade humana, sempre aviltados pelas
tiranias. Vivemos sob o temor de que a vastidão dos arsenais
atômicos acabe rompendo o equilíbrio mantido a custo pelo ser
humano, dilacerado entre o impulso da violência e o instinto de
sobrevivência que as guerras neutralizam. A insânia do homem já
o fez despejar duas bombas atômicas sobre populações civis.
Milhares de pessoas morreram carbonizadas ou se evaporaram em
segundos, sob o impacto de um turbilhão de fogo e radiotividade.
Esse hediondo crime levou quem o autorizou a ser considerado
herói em seu país, da mesma forma que as praças do mundo inteiro
estão repletas de estátuas de guerreiros, invasores e assassinos. Não
espanta que seja assim, se o homem, semeador de desertos e de
mundos mortos, é também capaz de destruir os santuários da
natureza de que ele precisa para sobreviver.
“O ódio é uma das emoções mais dolorosas e das mais difíceis
de lidar com sabedoria”, diz-nos Joaci, para, mais adiante, analisar
o ódio que nasce da opressão, não apenas a política, mas a que se
instaura também nas relações familiares ou de trabalho, além dos
ódios universais nascidos das guerras e das invasões, como a
recente, do Iraque, pelos Estados Unidos, que plantaram no
mundo árabe um caldeirão de ódios e de ressentimentos, embriões
de retaliação e vingança.
O ódio é a usina de ódios, mostra-nos a história dos povos,
inclusive nas nações mais cultas. A notável França de escritores,
pintores e filósofos, eixo da cultura universal, foi também a
sanguinária França dos massacres dos protestantes, na noite de
São Bartolomeu, e dos banhos de sangue do Grande Terror
revolucionário, quando, como canibais, os cidadãos de Paris,
entusiastas da guilhotina, também decapitavam cabeças “lentamente
com serras”, marchavam com elas na ponta de chuços e estacas,
obrigavam as vítimas “a beber o sangue dos mortos” e promoviam
“estupros em série”, segundo revela David Andress no livro O
Terror. No seu famoso Dicionário Filosófico, Voltaire faz uma revelação
surpreendente: o rei judeu David, o “Ungido do Senhor”, vencedor
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de Golias, era um homem que, dominado pela violência, degolava
“crianças de peito”, chefiava 600 bandidos invadindo terras dos
aliados e matando velhos, mulheres e meninos, traía amigos e
espalhava a morte e a carnificina nas disputas tribais, revelando
uma personalidade desequilibrada e agressiva.
Com maior ou menor amplitude, Joaci Góes assinala os
confrontos nascidos das discriminações políticas, religiosas, étnicas,
econômicas, gerando os guetos da miséria e da exclusão social.
Parte relevante é aquela em que aborda os efeitos da socialização
sobre a maneira com que homens e mulheres reagem ao sentimento
de ódio, os condicionamentos do sexo no contexto das reações
violentas, não raro traduzindo bloqueios e interdições religiosas,
éticas ou históricas. Em suma, efetua um levantamento exaustivo,
mas sempre aliciante, da humana condição diante das solicitações
extremas do ódio, da raiva, da ira e da cólera, sob cujo influxo,
diríamos nós, o homem libera a sua congênita animalidade de
predador. Em alguns momentos, nosso homenageado aproxima
as preocupações de análise presentes nos dois livros citados, quando
diz, por exemplo: “A inveja (...) é um tipo de ódio contínuo, secreto,
ardendo em banho-maria”. Ou ainda: “A ira interage com muitas
emoções, tais como: temor, compaixão, arrependimento, alegria,
vergonha, remorso, amor, culpa, tristeza, ciúme, cobiça,
ressentimento, inveja. Estas emoções tanto podem preceder quanto
suceder o sentimento de cólera”.
Busquei, pois, passar ao público uma idéia do conteúdo dos
livros iniciais de Joaci Góes, seus salvo-condutos para a cadeira
que hoje assume, e bem sei que outros estão chegando, inclusive
“A força da vocação”, em que, lembrando Confúcio, ele nos diz
que “escolha bem sua profissão, e você não terá que trabalhar um
dia sequer em sua vida”. Em gestação já se encontra o seu livro de
memórias, que pressupõe o registro de uma vida dinâmica,
completada nas atividades de articulista e comentarista.
Nós o saudamos, pois, com emoção e com alegria, desejando
que, no convívio acadêmico, possa encontrar novos estímulos à
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sua vocação de escritor, empenhado em transformar a educação
num fator de elevação moral e intelectual do povo brasileiro, como
é do seu confessado propósito.
XXX
Minhas senhoras e meus senhores, caro homenageado: o
homem tem a obsessão de tudo catalogar, classificar e dividir.
Até o seu breve percurso existencial é fracionado em idades, a
última das quais recebe as ultrajantes palavras com que se execram
a velhice e a proximidade da morte inapelável. Mas a idade do
homem, a partir de quando ele adquire a consciência do mundo,
é uma só, inconsútil. Todo o tempo fugaz do ser humano deve
ser o tempo do amor e da amizade, da reverência à beleza e ao
impulso mágico que nos impele ao grande balé da vida, como
frágeis dançarinos do acaso.
Não nascemos para a lamúria, para a renúncia ou para o
desespero. E nós, escritores, que de alguma forma fomos
contemplados com o dom da palavra, devemos procurar usá-la
para iluminar a obscura consciência do homem, sempre
indecifrável em seus desvãos. Por mais irrelevantes que sejam
esse dom e o nosso papel, temos todos o dever de, com a magia
e o mistério do verbo, conduzir para além essa luz abençoada,
farol do mundo, que nos ajuda a dilatar as nossas esperanças e
construir os nossos destinos, sob o império dos sonhos, matriz
das utopias, mas também da lucidez e da vontade soberana.
Muito obrigado a todos os presentes e ao nosso homenageado,
o novo acadêmico Joaci Góes.
_____________
Discurso de saudação a Joaci Góes, em sua posse na cadeira nº 7 da Academia
de Letras da Bahia – Sessão solene, em 24 de setembro de 2009. João Carlos
Teixeira Gomes ocupa a cadeira nº 15 da ALB.
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Discurso de posse
na Academia de Letras da Bahia
Joaci Góes
A cadeira que passamos a ocupar nesta augusta Academia tem
como patrono e ocupantes algumas das figuras maiores da
inteligência nacional, nas pessoas de José da Silva Lisboa, o
visconde de Cairu, o filólogo Ernesto Carneiro Ribeiro, o
historiador Francisco Borges de Barros, o jurista Aloísio de
Carvalho Filho, o cientista político Nelson de Souza Sampaio e o
meu antecessor imediato, o homem de letras e esteta Pedro Moacir
Maia, que nos deixou em 8 de janeiro de 2008. É de evidência
palmar que o ciclo de notáveis que ocuparam a cadeira número
sete sofre interrupção na solenidade desta noite.
A admissão de nossa presença meio a tantas figuras ilustres
do passado e do presente, na vida intelectual da Bahia e do Brasil,
decorre, para mim, de uma afortunada associação entre a
generosidade e o culto à diversidade dos membros desta casa que
fazem dela um corte transversal exemplar da inteligência baiana,
em múltiplos campos de ação.
Nos idos da adolescência acompanhei com encantamento o
pensador católico Gustavo Corção, discorrer em seu livro Nas
fronteiras da técnica sobre o caráter necessariamente intelectual de
todo obrar humano, não havendo razão, segundo sustentava, para
a distinção corrente entre trabalho físico e trabalho intelectual. O
trabalho do operário, do ourives, do cientista, do escritor, do
empresário, do artista ou do filósofo, seria igualmente intelectual,
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variando, apenas, o modo de aplicação da inteligência e o nível de
qualidade da atividade executada.
Aos membros desta Academia que sufragaram nosso nome, a
quem nunca terei como ser suficientemente reconhecido,
certamente não se aplica a advertência de Ludwig von Mises,
luminar da escola de economia de Viena, cada vez mais
reconhecido como um dos maiores economistas de todos os
tempos – sucessor de Carl Menger e mestre do Nobel Frederick
Hayek –, ao verberar em A mentalidade capitalista que: “a inútil
arrogância dos escritores e dos artistas boêmios considera as
atividades dos homens de negócios como pouco intelectuais e
enriquecedoras. A verdade é que os empresários e os
organizadores de empresas comerciais demonstram maior
capacidade intelectual e intuitiva do que o escritor e o pintor
médios. A inferioridade de muitos intelectuais se manifesta
exatamente no fato de não reconhecerem o quanto de capacidade
e raciocínio é necessário para desenvolver e fazer funcionar com
sucesso uma empresa comercial.... A corrupção moral, a
licenciosidade e a esterilidade intelectual de uma classe de
pretensos autores e artistas é o preço que a humanidade deve
pagar a fim de que pioneiros inventivos não sejam impedidos de
concluir seus trabalhos”.
Não terá sido como empresário, apenas, que fomos admitidos
nessa confraria de mulheres e homens notáveis. Nossa já longa
experiência empresarial haverá de ter somado ao conjunto dos
atributos que compõem nossa modesta biografia, seja como
jornalista ou político que não cederam quando o guante da
intolerância se abateu sobre a alma da Bahia, emasculando-a, seja
como articulista e conferencista, seja, ainda, como relator do
Código do Consumidor, a lei mais popular do País, ou como
autor de alguns ensaios.
Essas pequenas credenciais, suficientes para manter em bom
nível minha auto-estima, nem de longe se aproximam do mínimo
necessário para emparelhar com meus notáveis antecessores.
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Ainda que não possam ser avaliados para ingresso em
academias, há outros fatores em minha vida largamente
contributivos para a elevação de minha auto-estima. A começar
pela qualidade dos pais de quem nasci, João Góes, o velho e bom
Seu Gosinho e Mariana, a extraordinária D. Zilu, exemplos
incomparáveis de retidão, amor ao trabalho e dedicação à família.
Deles absorvi, por síntese osmótica, o exercício do entendimento
intuitivo de que integridade é obediência ao que não é exigido, de
tal modo que se o mundo fosse feito de gente como eles, não
haveria, então, necessidade do aparato de instituições como a
polícia e o Poder Judiciário. Seguiu-se a comunidade de meus
irmãos, caldo de cultura simulador e antecipatório das alegrias e
dores do mundo, comunidade composta pelo primogênito e
saudoso Joilson, há seis meses tragado pela gratuita, cruel e
crescente violência das ruas, Jacira, Jéferson, Julival e os gêmeos
Joildo e Joilda. Desse núcleo, já considerável, formou-se família
numerosa de cunhados e sobrinhos que aí estão, para satisfação
do outono de minha existência, concorrendo com sua criatividade
e trabalho diversificado e fecundo para o progresso de nossa terra.
Sinto-me feliz também por ter nascido na fazenda São Bento, no
município de Ipirá, berço, dentre outros homens e mulheres
ilustres, de Eugênio Gomes, um dos mais sofisticados críticos
literários do País e membro da Academia Brasileira de Letras,
bem como do desembargador Carlos Dultra Cintra, com quem a
Bahia contraiu o débito irresgatável de haver libertado o seu Poder
Judiciário da submissão a forças que desnaturaram e
comprometeram sua missão, ao lado de outros magistrados, a
quem homenageio na pessoa do irrepreensível Ministro do
Superior Tribunal de Justiça Paulo Furtado, aqui presente na
pessoa de sua mulher a competente juíza Verônica Furtado.
Em Lídice, companheira querida de toda a vida, encontrei o
destino do meu coração, e com ela tive os amados filhos Joaci,
que me substitui com a vantagem de muitos corpos na atividade
empresarial e Alex, poeta, cantor e compositor dos melhores.
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Por último, fui premiado com a indizível felicidade do nascimento
de Maria Eduarda e Daniel, Duda e Dan, a quem dediquei o meu
último livro, A força da vocação, estendendo a dedicatória aos
pais Jô e Gabriela e a todos que concorrem para o aprimoramento
da educação deles e de todas as crianças do Brasil.
E como classificar o bem que faz a minh’alma a legião dos
amigos queridos aqui presentes?
Voltemos, porém, à memória dos meus antecessores na cadeira
n° 7, começando pelo patrono.
José da Silva Lisboa, figura notória nos livros de história do
Brasil, como o visconde de Cairu, nasceu em Salvador a 16 de
julho de 1756 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro a 20 de agosto
de 1835, aos setenta e nove anos, portanto. Como a enriquecer a
moldura de sua excepcional biografia, ele que conquistou o
baronato em 1825, e o viscondado no ano seguinte, aos setenta
anos, nasceu na capital do Brasil-colônia e morreu na capital do
Brasil-império.
O visconde de Cairu, patrono dos economistas brasileiros, é
reconhecido como um dos maiores vultos do Brasil em todos os
tempos, tendo se distinguido como economista, historiador,
publicista, jurista e político eminente, com acentuada vocação
para o exercício das relações humanas de que são testemunho as
ações diplomáticas que empreendeu com êxito. Segundo Alceu
de Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, Cairu foi o “verdadeiro
patriarca da independência moral e intelectual do Brasil”.
Filho do arquiteto português Henrique da Silva Lisboa e de
Helena Nunes de Jesus, aqui fez os estudos preparatórios, com
ênfase em filosofia, música e piano, como era o padrão da época.
Seguiu para Portugal, aos dezoito anos, onde se graduou em
filosofia e direito aos vinte e dois, em 1778, na Universidade de
Coimbra. No mesmo ano de sua formatura, foi nomeado
professor assistente das cadeiras de grego e de hebraico do Colégio
das Artes de Coimbra e designado professor de filosofia nacional
e moral para a cidade do Salvador, na Bahia, cadeira que regeu
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por 19 anos, paralelamente ao ensino de grego, ao longo de cinco
anos. Na sequência de sua formatura, bacharelou-se em cânones
pela Universidade de Coimbra, onde concluiu os cursos de
Filosofia e Medicina.
Atento ao surgimento das teorias que agitavam o Século XVIII,
José da Silva Lisboa, aderiu ao pensamento liberal do pai da
economia, o escocês Adam Smith, seu contemporâneo, trinta e
três anos mais velho, ainda hoje aclamado como o maior dos
economistas, cujas ideias centrais permanecem atuais.
Na linha da arguição do autor do conceito da mão invisível a
guiar a conduta do homo-economicus, o visconde de Cairu
pregava que um país só progride se seus agentes econômicos
dispuserem do máximo de liberdade para acumular riqueza e
gastar o que ganharem como quiserem.
Sob a inspiração dessa crença, tão logo D. João desembarcou
no Brasil em 1808, Cairu pediu-lhe audiência para propor a
abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional. O
Visconde desconhecia que, por razões estratégicas, ditadas pela
guerra contra Napoleão, a corte portuguesa, em sintonia com a
Inglaterra, sua aliada histórica, já se decidira pela abertura dos
portos na denominada “Convenção Secreta de Londres”.
Aos quarenta e cinco anos, em 1801, José da Silva Lisboa
publicou, em Portugal, o primeiro de sete volumes de sua obra
inaugural sob o caudaloso título de Princípios do Direito Mercantil e
Leis da Marinha para uso da mocidade portuguesa, que compreende o seguro
marítimo, o câmbio marítimo, as avarias, as letras de câmbio, os contratos
mercantes, os tribunais e as causas de comércio. Os outros seis tomos
viriam a lume até 1808, quando publicou, também, as Observações
sobre o comércio franco no Brasil, em dois volumes.
Em sua obra máxima, o tratado Princípios de economia política,
primeiro livro do gênero escrito em língua portuguesa, publicada
em 1804, abraçou, pioneiramente as ideias expostas por Smith
em A riqueza das nações, sendo, portanto, o primeiro a divulgar os
princípios clássicos da economia liberal. Nessa obra, entre as várias
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causas da infelicidade dos povos, destacou as seguintes: 1) “A
crença de que os metais preciosos constituem a única e verdadeira
riqueza dos indivíduos e países”; 2) “A esperança de que será
mais seguro e vasto emprego quanto menores forem as trocas
internacionais”; 3) “A opinião de que os Estados são como os
jogadores e que um não pode ganhar sem que o outro perca,
nem ser rico sem que os mais se empobreçam”; 4) “A persuasão
de que a quantidade de trabalho mecânico e penoso e o esforço
de viver – e não a inteligência que bem dirige e alivia o trabalho
com auxílio de instrumentos e máquinas e o esforço de melhorar
a condição e ter gozos da vida – são as principais causas da
indústria e riqueza das Nações”.
Aos seus múltiplos títulos como hebraísta, helenista,
economista e jurista, o patrono da cadeira que passamos a ocupar
era, também, adepto da ortodoxia católica em matéria de política.
Nesse mesmo ano escreveu Observações apologéticas acerca da crítica
que faz contra Smith o autor das Memórias Políticas sobre as verdadeiras
bases da Grandeza das Nações. Nessa obra, Silva Lisboa invectivava
as críticas que então Rodrigues de Brito dirigira ao pai da
economia, no terceiro volume de sua obra intitulada Memórias
Políticas.
Quando o Príncipe Regente D. João chegou à Bahia, em 1808,
José da Silva Lisboa era funcionário da Mesa de Inspeção da
Agricultura e Comércio. A ele os comerciantes de Salvador
incumbiram de redigir e fundamentar as razões pelas quais
pleiteavam a suspensão do embargo do comércio com Portugal,
então sob ocupação francesa. A Carta Régia de 24 de janeiro de
1808 oficializou a medida.
Um mês depois de chegar ao Rio de Janeiro, na comitiva de D.
João, José da silva Lisboa foi nomeado desembargador do Paço e
da Consciência e Ordens. Quatro meses mais tarde tornou-se
deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e
Navegação do Estado do Brasil. Em 1809 recebeu a incumbência
de organizar um código de comércio. Em 1810 foi agraciado com
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a mercê do hábito de Cristo. Em 1815 foi encarregado das obras
para a impressão. Em 1821 integrou a lista dos membros da junta
para o exame das leis constitucionais e inspetor-geral dos
estabelecimentos literários.
Para colaborar no seu propósito de evitar a separação do Brasil
de Portugal, Silva Lisboa fundou o jornal O Conciliador do Reino
Unido, onde defendeu os direitos do Príncipe e enfatizou as
vantagens da monarquia continental. Ao perceber, porém, a
irreversível marcha do Brasil pela autonomia política, entregouse ao combate pela independência, publicando o livro As
reclamações, de grande repercussão, onde expôs suas idéias
independentistas.
Advogado da centralização do poder, combateu através do
seu Rebate brasileiro a Confederação do Equador e o Typhis
Pernambucano de Frei Caneca, hebdomadário que teve 29 edições,
em sua curta vida de sete meses e meio, de dezembro de 1823 a
agosto de 1824. É dessa época a publicação do Apelo à honra
brasileira contra a facção Federalista de Pernambuco.
Mais tarde foi escolhido, sucessivamente, deputado e senador
do Império. Em 1832 pugnou pela criação de uma universidade
no Rio de Janeiro, fato que só veio a ocorrer quase um século
depois.
José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, foi ainda um arguto
historiador dos fastos do seu tempo.
Em 1815 publicou as Memórias sobre a vida de Lord Wellington; em
1818, as Memórias sobre os benefícios políticos de El-Rey Dom João VI; ao
longo da década de 1820 trouxe a lume vários volumes de sua
inacabada História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil.
Nosso patrono o é também da última das vinte cadeiras de
sócios correspondentes que a Academia Brasileira de Letras criou
para corrigir imperdoáveis omissões quando de sua fundação.
Ernesto Carneiro Ribeiro, fundador, primeiro ocupante da
cadeira n° 7 e primeiro presidente da Academia, autor do clássico
Serões Gramaticais, um marco da língua portuguesa, nasceu em 12
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de setembro de 1839, na ilha de Itaparica, e morreu em Salvador
em 13 de novembro de 1920. Observe-se que, além de Carneiro
Ribeiro, a ilha de Itaparica tem sido um berçário de notáveis, a
exemplo do frade franciscano e poeta barroco do século XVIII,
o Frei Manuel de Santa Maria, conhecido como Frei Itaparica,
o historiador Ubaldo Osório, o romancista Xavier Marques e a
figura solar de João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores romancistas
do mundo. Isso sem falar em Maria Felipa de Oliveira, valente
mulher negra, envolvida na lenda e na aura de grande e polêmica
heroína da Guerra da Independência do Brasil. A crédito de
sua existência, militam os registros pioneiros de Ubaldo Osório,
em sua história sobre A ilha de Itaparica, e de Xavier Marques
que a fez personagem do seu romance Sargento Pedro. De tal
modo Ubaldo Osório se impressionou com as façanhas
atribuídas a Maria Felipa, que batizou uma filha, mãe de João
Ubaldo, com o nome de nossa heroína. As personagens Maria
da Fé, em Viva o Povo Brasileiro, de Ubaldo, e Rosa Palmeirão,
em Mar Morto, de Jorge Amado, certamente se inspiraram em
nossa Joana D´Arc.
Carneiro Ribeiro formou-se em Medicina em 1864. Cursou a
ciência de Hipócrates porque à época não havia escola de Direito
na Bahia. Os estudos filológicos, porém, a que se dedicou desde
cedo, constituíam sua verdadeira vocação, sendo o magistério a
profissão de toda a sua vida.
Entre seus alunos, além de Francisco Borges de Barros, seu
sucessor nesta Academia, destacam-se o oceânico Ruy Barbosa,
Euclides da Cunha e o virtuoso homem público Rodrigues Lima.
O momento mais alto de sua biografia, sem dúvida, foi a polêmica
que sustentou com o mais famoso de seus discípulos, Ruy Barbosa,
tendo a língua portuguesa como tema, a partir da redação do
novo código civil. Se um dia o Brasil e a língua portuguesa se
impuserem ao mundo, essa discussão histórica, composta d´As
primeiras impressões, da Réplica e da Tréplica, será reconhecida como
o maior monumento filológico de todos os tempos.
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Francisco Borges de Barros, sucessor do mestre e amigo
Ernesto Carneiro Ribeiro, não é um nome conhecido do grande
público, não obstante o prestígio que desfrutou junto a seus coevos
e que desfruta, hoje, junto aos estudiosos da nossa história.
Esta figura singular, cuja biografia contribui para aureolar o
município de Santo Amaro, também como berço de notáveis,
morreu pobre, depois de prolongada moléstia. O longo
tratamento médico a que se submeteu, bem como as despesas
dos seus funerais, foi custeado por amigos e instituições a que
serviu com competência e desvelo. Morto pouco antes de
completar 53 anos, dedicou sua vida íntegra ao trabalho e ao
estudo, fazendo quase sempre do seu trabalho, como diretor do
arquivo público, o objeto dos estudos que tanto enriqueceram
nossa historiografia. Destacou-se pelas pesquisas que realizou nas
áreas da História, Geografia e Genealogia.
Nascido em 1882, Borges de Barros renunciou às maciezas
da aristocracia rural de que era herdeiro por longa tradição
familiar, para graduar-se em direito em 1903, tendo realizado
curso brilhante, ao lado de seu parente ilustre, Moniz Sodré,
futuro senador e governador da Bahia, famoso criminalista, autor
do clássico As três escolas Penais, leitura obrigatória para os
estudantes de direito. Foi dos primeiros a trabalhar pela criação
da pinacoteca do Estado, de qualidade reconhecida. Parecia
inspirar-se em Leon Tolstoi que recomendava o conhecimento
da própria aldeia, antes de aventurarmo-nos à exploração do
mundo, de tal modo se dedicava ao estudo da realidade à sua
volta. Nessa linha de operosidade, legou-nos extensa bibliografia,
parte substancial dela em suas contribuições aos jornais O
Regenerador, A Tarde, Gazeta do Povo, A Notícia, Jornal de Notícias,
A Cidade e outras publicações. Em 1913 publicou seu primeiro
livro O Duque de Caxias na Política do Império, seguindo-se Memória
e História de Ilhéus, em 1914, Anais da Capitania de Ilhéus, em 1915,
À Margem dos Assuntos e À Margem da História da Bahia, em 1916.
O ano de sua mais copiosa produção foi 1923, com Terras da
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Bahia, Penetração das Terras Baianas, Bandeirantes e Sertanistas e
aquele que é, provavelmente, seu magnum opus, o Dicionário
Geográfico e Histórico da Bahia.
Publicou ainda Esboço Coreográfico da Bahia; Memória Histórica do
Município de Belmonte; J.J. Seabra; O Castelo da Torre de Garcia d´Ávila;
Do Amazonas ao Paraná, obra dedicada à excursão política de Seabra
como candidato a vice-presidente da República; Documentos sobre
a Independência na Bahia; A Revolução de 1798; Antigas Capitanias da
Bahia; Povoadores dos Sertões da Bahia; Revolução Republicana de 1817;
Revolução dos Farrapos; Recursos Minerais da Bahia; O Comércio da Bahia
na Época Colonial; Confederação dos Guerens; Batalha de Pirajá; Sesmarias
da Bahia; Primórdios das Sociedades Secretas na Bahia.
Conquistou o prêmio Caminhoá de literatura histórica.
Merece destaque, pelo seu caráter afetivo, o estudo que realizou
de seu pago, Patatiba, que ele descreveu como “imensa faixa de
terra, que se prolonga do sudoeste ao nordeste do município de Santo Amaro,
desde o arraial de São Braz até os engenhos Brejos, Glória, Vitória e Pedra,
daí seguindo para o nordeste até as matas seculares que bordam as cabeceiras
dos Sergi-mirim e Paraúna”.
Borges de Barros foi diretor do Arquivo Público, Inspetor de
Monumentos do Estado, presidente da Associação dos
funcionários Públicos, conselheiro interino do Tribunal de Contas,
Grão-mestre da Maçonaria local e chefe de gabinete nos dois
quatriênios do governo de J.J. Seabra.
A edição de A Tarde de 16 de fevereiro de 1935, ao noticiar o
sepultamento de Borges de Barros, assinala: “Como dissemos
ontem, o inditoso escritor morreu paupérrimo, tendo a Maçonaria,
de que foi grão-mestre, custeado as despesas dos funerais. Por
sua vez, a Associação dos funcionários Públicos teria avocado
outras despesas com a moléstia e tratamento de seu benemérito
presidente”.
Pelo que transparece dos escândalos em turbilhão que
diariamente nos indignam, já não há tantos servidores públicos
honrados como antigamente.
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Aloísio de Carvalho Filho, nascido e morto em Salvador, em
03 de março de 1901 e 28 de fevereiro de 1970, respectivamente,
a princípio eleito para a cadeira 26, permutou-a pela 7 com o
Monsenhor Francisco de Paiva Marques, com apoio no argumento
de que “as afinidades espirituais que, dada a forma de atividade
intelectual de cada um, os colocam melhor nos lugares que
solicitam”.
Aloísio de Carvalho Filho que já muito antes de sua morte
gozava da reputação de ser um dos maiores penalistas brasileiros,
foi também, jornalista, advogado e um político ilustre. Deputado
federal de 1934 a 35, foi colhido pela morte na metade do terceiro
mandato de senador da República, sendo substituído pelo seu
suplente, Antônio da Silva Fernandes, personalidade modelar
como pecuarista inovador e deputado estadual em sucessivas
legislaturas. Em paralelo ao brilho invulgar no cumprimento de
qualquer dessas atribuições, o jurisconsulto Aloísio de Carvalho
Filho primava pela exemplaridade de sua postura. Tenho para
mim que o rigor comportamental com que Aloísio de Carvalho
Filho vestia sua conduta trazia a subliminar intenção de realçar o
contraste entre seu comportamento pessoal e o de seu famoso
pai, o jornalista Aloísio de Carvalho, conhecido como Lulu Parola,
personalidade singularmente heterodoxapara os costumes do
tempo.
À frente do coro das mais respeitáveis vozes que proclamam,
à unanimidade, o valor moral e intelectual de Aloísio, recordome do carinho, admiração, respeito e vigor apologético com que
seu discípulo e substituto na Cátedra de Direito Penal da Faculdade
de Direito, Raul Affonso Nogueira Chaves, meu mestre, paraninfo
e amigo querido, referia-se ao louvado comentarista do Código
Penal.
O saudoso mestre Raul Chaves incorporava ao seu rico acervo
pedagógico a prática de apontar em obras da literatura universal,
situações, passagens e personagens típicas do delito sob exame.
Dentre muitas, lá estavam as de Shakespeare, Agatha Christie,
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Balzac, Dostoyewisky, Morris West e do nosso Machado de Assis.
O estudo da galeria de personagens delinqüentes na obra
machadiana era enormemente facilitada pelos trabalhos
produzidos por Aloísio, como Crime e criminosos na obra de Machado
de Assis, e o seu delicioso O processo Penal de Capitu, que continuam
a correr mundo.
Nelson de Souza Sampaio foi o amigo e discípulo querido de
Aloísio que o substituiu nesta Academia. Amizade e mútua
admiração iniciadas quando Nelson, ainda cursando os primeiros
anos da Faculdade de Direito, saudou, em nome da classe, o mestre
Aloísio que se ausentaria do magistério, para cumprir mandato
de deputado constituinte, como registrou Pedro Moacir Maia,
meu eminente antecessor, no seu magnífico discurso de posse
nesta Casa, estampado no número 48 da Revista da Academia de
Letras da Bahia, cujo pleno teor subscrevo e incorporo a esta
arenga.
Um pequeno trecho do discurso, então proferido por Nelson,
que contava, apenas, dezenove anos, serve para dar a medida do
intelectual erudito, culto, refinado e preciso que viria a enriquecer
a Ciência Política em nosso País: “Queremos que a lei traga em si
o sentido dinâmico que lhe permita acompanhar a evolução sem
pôr em risco a sua estabilidade; a lei que traga em si as forças de
sua contínua adaptação”. E numa demonstração do espírito de
tolerância que estava na base da inabalável higidez democrática
que o acompanhou ao túmulo: “Pregamos, sim, o justo equilíbrio
entre as forças renovadoras e as forças conservadoras da
sociedade, no sentido de uma colaboração recíproca para a criação
e a seleção de valores”.
Fui aluno de Ciência Política do professor Nelson Sampaio,
no primeiro ano do curso de Direito da Universidade Federal da
Bahia. Nele, todos admirávamos o scholar, excepcionalmente
dotado de pendor para as lides acadêmicas, além do cavalheiro
de gestos pausados, impecavelmente vestido, dono do tempo, de
tal modo a lufa-lufa não fazia parte de sua vida.
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Meio a extensa e qualificada bibliografia que nos legou, sendo
o excelente Ideologia e ciência política o título mais conhecido,
há uma monografia que merece destaque especial. Antes de
menciona-la, narrarei sugestivo episódio.
Corriam o ano de 1987 e os trabalhos da Constituinte para a
qual me elegera. Encontrava-me jantando, em Brasília, com o
deputado Miro Teixeira, quando se aproxima o advogado Saulo
Ramos, então Consultor Geral da República do governo Sarney,
com o qual o PMDB baiano começava a se desentender. Feitas as
apresentações, Saulo Ramos exclamou: “Bahia! Terra do jurista
brasileiro de maior prestígio internacional”. Em lugar dos
esperados Augusto Teixeira de Freitas, o Jurisconsulto do Império,
Ruy Barbosa ou Orlando Gomes, Saulo arrematou: -Nelson de
Souza Sampaio! Fiquei muito surpreso. Nome reconhecido como
grande autoridade em Ciência Política, Nelson não figurava entre
nossos maiores juristas. Seguiu-se a explicação de Saulo: “Participei
de um congresso de Direito Constitucional em Paris, em que o
nome do professor Nelson Sampaio foi unanimemente aclamado
como autor de trabalho definitivo sobre os limites do poder de
reforma constitucional. Não sei de outro brasileiro que tenha
realizado façanha semelhante para a formação de um dos ramos
do conhecimento jurídico.”
Se, em 1980, não tivesse prevalecido o viés burocrático de
nossa universidade ao indeferir requerimento de Nelson Sampaio
para dedicar-se em regime de tempo integral, durante, apenas,
um ano, à preparação de um tratado, a partir do desenvolvimento
de seu conhecido estudo “Prerrogativas do Poder Legislativo”,
em lugar de um, possivelmente teríamos dois clássicos de sua
autoria de reconhecimento universal.
Sucedendo a Nelson Sampaio, tragicamente desaparecido em
20 de dezembro de 1985, Pedro Moacir Maia toma posse da
cadeira n° 7 em 10 de março de 1987, sendo saudado pelo
inesquecível Jorge Calmon Moniz de Bittencourt. Ao chegar a
esta Academia, Pedro Moacir juntou-se ao seu querido irmão, já
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acadêmico, e o melhor dos seus amigos, o consagrado contista
Carlos Vasconcelos Maia, de saudosa memória.
Filho caçula do comerciante Manoel de Almeida Maia e
Asterolina Vasconcelos Maia, Pedro Moacir nasceu em Salvador,
a 27 de junho de 1929. Órfão de mãe em plena infância, a avó e a
tia Zeca dividiram com seu pai a tarefa de cria-lo e educa-lo.
Ingressou na escola de Direito, em atenção às solicitações paternas,
abandonando-a dois anos depois de frequenta-la, para graduarse em línguas neolatinas e letras, em 1956, pela Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da Universidade Federal da Bahia, onde
mais tarde ensinaria Literatura Portuguesa, paralelamente ao
ensino de Português, entre 1957 e 1960, no Colégio Estadual da
Bahia, onde cursou o secundário. Entre 1959 e 1960, publicou
artigos no Jornal da Bahia, sob a rubrica comum de “Livros e
revistas de arte”. Dedicou toda sua existência fecunda aos labores
intelectuais vinculados à educação e à cultura em geral, como
professor, contista, crítico literário, cronista, tradutor e historiador
da arte. No exercício desse variado mister, encontrou o leito de
sua verdadeira vocação.
Iniciou sua atividade magisterial pelo Colégio Estadual da
Bahia, o mesmo velho Central de Abílio César Borges, Carneiro
Ribeiro, Castro Alves, Rui Barbosa e de tantas personalidades
ilustres que integram a história da Bahia contemporânea em suas
múltiplas dimensões, algumas delas integrantes desta Academia e
muitas outras presentes a esta solenidade. Foi aí que tive a honra
de ser seu aluno, integrando uma de suas primeiras turmas.
Logo depois ocupou a secretaria do Instituto de Estudos
Portugueses da faculdade em que se formou, daí seguindo para
lecionar no Senegal, na Faculté de Lettres et Sciences Humaines,
da Université de Dakar, de janeiro de 1961 a julho de 1970,
encarregando-se, paralelamente, dos assuntos culturais da
Embaixada do Brasil naquele país africano, entre 1964 e 1970.
Suas atividades em Dakar incluíam conferências, a publicação
de artigos e a organização e montagem de exposições diversas
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sobre assuntos brasileiros, na Universidade e em outras instituições
senegalesas.
Fazendo coro com o regozijo expresso pelo reitor Edgard
Santos por havê-lo recomendado ao professor Pierre Nardin,
diretor da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da
Universidade de Dakar, que logo reconheceu o grande valor do
jovem mestre brasileiro, o jornalista Márcio Moreira Alves
publicou na revista Visão, em 14 de setembro de 1962, artigo sob
o título “O magricela de Dacar” em que exaltou a atuação de
Pedro Moacir no continente africano, conforme reproduzido pela
A Tarde, em março de 2008. Moreira Alves dá testemunho da
inteligência e do empenho diuturno de Pedro Moacir em
promover as coisas brasileiras, fazendo de sua sala um mostruário
de fotos, de artes plásticas e de livros, entre os quais centenas de
obras dos principais romancistas, poetas e sociólogos brasileiros.
Moreira Alves, o mesmo que em 1968, como deputado federal,
deu a justificativa que os militares queriam para editar o AI 5, ao
concitar as jovens brasileiras a não namorarem os integrantes das
forças armadas, nem comparecerem às festas do sete de setembro,
destacou a indignação de Pedro Moacir contra quatro dos seis
outros brasileiros que também lá se encontravam, por gazetear o
trabalho e dar vazão a velhos preconceitos, inclusive raciais.
Observou Moreira Alves que Pedro Moacir fazia do campus
da própria universidade onde residia, “um escritório de
propaganda unitário e móvel”.
Da África, o difusor maior do significado histórico e valor
estético de nossa azulejaria migrou para a embaixada do Brasil na
Argentina, onde respondeu de 1970 a 1976 como diretor do Centro
de Estudos Brasileiros, ensinou português, deu cursos diversos sobre
as artes no Brasil, organizou e montou exposições de variada
temática, particularmente de autores argentinos e brasileiros. É
oportuno destacar os cursos que ofereceu, sobre a literatura do
Nordeste brasileiro, para graduados no Instituto de Letras da
Facultad de Letras de la Universidad de Buenos Aires, as
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conferências que proferiu sobre arte e literatura brasileiras, bem
como cursos sobre o nosso Modernismo e sobre Castro Alves.
Completou Pedro Moacir seu périplo diplomático-cultural na
América Latina como diretor do Centro de Estudos Brasileiros
da Embaixada do Brasil, em Santiago do Chile, entre setembro
de 1976 e dezembro de 1981, onde, além de ensinar português,
deu vários cursos, como “Algunos momentos o aspectos del arte
em Brasil”, no Departamento de História da Universidade do
Chile, em 1978; “Cristianismo y Barroco”, na Facultad de Teologia
de la Universidad Católica de Chile, em 1980, repetindo-o em
1981. A exemplo do que fizera em Buenos Aires, organizou e
montou diversas exposições de artistas ou temas brasileiros e
chilenos, deu entrevistas, escreveu artigos e proferiu conferências
para difundir a cultura brasileira.
Foram, portanto, vinte anos de vida no exterior, dedicados a
atividades como professor, conferencista, tradutor, curador de
exposições e organizador de seminários e congressos. Foi membro
da College Art Association of América, da American Society for
Hispanic Art and Historical Studies, da Tile Heritage Foundation,
dos Estados Unidos e da Tiles and Architectural Ceramics Society
da Inglaterra. Foi condecorado pelos governos do Brasil, Senegal,
Argentina, Chile e Portugal.
Acrescido dessa rica bagagem, Pedro Moacir retornou a
Salvador, querido torrão natal, onde assumiu a direção do Museu
de Arte Sacra, aí permanecendo de 1982 a 1989, e reassumiu o
magistério no Instituto de Letras, até sua aposentadoria.
Foi no momento do retorno que se deu o acontecimento maior
de sua vida: a realização do grande e velho amor com a desde
sempre eleita do seu coração, Celeste Aída Galeão, mulher
exemplar pela beleza, inteligência, caráter, erudição, a mais de
reconhecida pela sua qualificada germanofilia. Para merecer este
encontro definitivo de sua´lma, Pedro Moacir esperou vinte e
um anos, sete a mais do que Jacob serviu a Labão para merecer
Raquel, serrana bela.
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A atividade intelectual de Pedro Moacir à frente do Museu de
Arte Sacra, mais uma vez, evidenciou-se intensa. Já a partir de
1982, aí organizou encontros, conferências, cursos diversos como
um sobre “A arte paleocristã”, exposições, lançamentos de livros
e discos, concertos ao vivo. Instituiu o (novo) Livro do Tombo
do acervo artístico do Museu, além da fototeca completa dessas
mesmas obras de arte.
Esta figura exemplar de nossas letras, a exemplo de Freud, em
lugar de fazer da publicação de livros seu objetivo principal,
preferiu entregar-se à produção de textos específicos, sob a forma
de artigos, destinados a publicações especializadas – livros, revistas
ou jornais-, com marcante presença no caderno cultural de A
Tarde, nos últimos vinte e cinco anos da vida.
Sua produção como editor-amador compreende dezessete
livros, e cerca de cento e vinte plaquettes, sob a marca Edição
Dinamene, entre 1949 e 1981, fim do seu périplo no exterior.
Entre 1982 e 2005, a partir de quando sua saúde começou a
declinar, produziu cinco livros sobre artes na Bahia.
A fotografia, como arte, integrava o amplo leque de seus
interesses intelectuais, de que é exemplo a grande quantidade de
livros, estatuetas e quadros sobre o assunto que enriqueciam seu
habitat estético.
Em 1987, sob o patrocínio de importante organização bancária,
editou o melhor trabalho existente sobre o Museu de Arte Sacra,
com textos e fotos que enchem os olhos e esclarecem o significado
dos seus altares, pinturas e afrescos, lápides tumulares, azulejaria,
esculturas, crucifixos, calvários, ourivesaria e prataria, utensílios
religiosos, móveis e diferentes ângulos de sua exuberante
arquitetura.
São de 1990 seus textos sobre “Os cinco sentidos, os trabalhos dos
meses e as quatro partes do mundo em painéis de azulejos, no Convento de
São Francisco em Salvador”. Data de 1995 o livro Adoração dos Pastores
e dos Magos em Painéis de Azulejos.
Em 2002, publicou Vistas e festas lisboetas em azulejos na Bahia,
em que faz um estudo completo da azulejaria inspirada no tema
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do título, encontradiça na Ordem Terceira de São Francisco, seu
claustro e seu consistório.
Muito no estilo de sua vocação de infatigável caçador de
manifestações estéticas, participou, em 2003, da reedição do livro
Azulejos – Reitoria da Universidade Federal da Bahia, como editor e
autor das legendas explicativas da azulejaria daquele palácio
universitário.
Membro altamente participativo da vida da ALB, como seu
segundo-secretário, no biênio 1989/90, e primeiro-secretário em
biênios seguintes, organizou exposições de livros raros e/ou
ilustrados de autores como Jorge Amado (1985), Manuel Bandeira
(1986), Castro Alves (1986) e Machado de Assis (1989). Ainda na
sede da ALB, proferiu conferências sobre obras e autores
brasileiros, tendo, igualmente, organizado e escrito textos para
catálogos de diversas exposições.
Graças à vitoriosa iniciativa do poeta Fernando da Rocha Peres,
autor do prefácio, veio a lume, postumamente, em maio de 2008,
o livro Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinos
Benjamin de Garay e Raúl Navarro, com introdução, ensaios e notas
de Pedro Moacir, que adquiriu essa correspondência quando
exercia o cargo de adido cultural na embaixada brasileira na
Argentina. Impresso na Ufba, foi lançado aqui mesmo, nesta
Academia. Prova adicional de seu gosto requintado é o preito
dedicado a dois vasos sang-de-boeuf, em porcelana rubra, de sua
propriedade, reputados seu bem mais valioso, conforme
testemunho de Celeste Aída Galeão, que escreveu a orelha,
companheira e musa nos derradeiros 25 anos de uma existência
dedicada à fruição dos valores e prazeres da estética.
Pedro Moacir deixou alguns trabalhos inéditos, como uma
Antologia comentada de Manuel Botelho de Oliveira, O Movimento Caderno
da Bahia (1948-1952) e O tema da natividade em azulejos portugueses na
Bahia.
Consoante seu desejo, sua biblioteca foi doada ao Mosteiro
de São Bento.
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Meio à rica galeria de vultos das artes cujas obras reverenciava,
Pedro Moacir nutria especial admiração pelos artistas plásticos
austríacos Gustav Klimt e Egon Schiele que, à exceção do talento,
nada tinham em comum. Enquanto Klimt exaltava a beleza de
delicadas e frágeis figuras humanas, Schiele dilacerava tragicamente
as figuras de suas construções pictóricas.
Produto de sua infatigável vocação de esteta, as artesanais
edições Dinamene tiveram tiragens limitadas, de acesso restrito a
amigos e colecionadores, dentre os quais o empresário e seu
admirador José Mindlin, o mais famoso bibliófilo brasileiro, que
afirmou serem elas “pequenos primores gráficos que celebram a
supranacionalidade da poesia”.
José Mindlin recorda, no caderno cultural de A Tarde de 29 de
março de 2008, em memória de Pedro Moacir, os trinta anos de
amizade com ele, amizade construída a partir do interesse comum
sobre o livro, seu conteúdo e formatos gráficos: “Nossos
encontros, tanto em Salvador como em São Paulo, sempre foram
fonte de prazer, agradáveis, estimulantes. Admirava-o de longa
data, como excelente artista gráfico e polivalente homem de
cultura. O amor aos livros é um poderoso fator de união
espiritual; e ele nos uniu desde o longínquo primeiro encontro.
Antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, admirava suas
plaquetas avulsas da Dinamene, caprichosamente impressas,
sempre em tipo uniforme, com que divulgou poesias preferidas
de Bandeira, Drumond e João Cabral, entre outros... A existência
de Pedro Moacir foi profícua para o meio cultural brasileiro e
vai fazer muita falta a nós, seus amigos, e ao desenvolvimento
da sensibilidade baiana”. Entre os amigos referidos por Mindlin
encontravam-se o médico memorialista Pedro Nava e o crítico
baiano Wilson Rocha.
O historiador e acadêmico Waldir Freitas Oliveira, ao ensejo
da morte de Pedro Moacir, observou: “Que posso dizer dele,
senão que sempre o considerei um dos mais sérios intelectuais da
minha geração? Não fazia alardes do seu vasto conhecimento.
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Não era de falar muito. Mas como sabia das coisas! Poucos eram
os assuntos sobre os quais não tivesse opinião formada.”
Segundo a consagradora expressão de Carlos Drummond de
Andrade na conhecida crônica escrita no já remoto 1973, sob o
título “Dinamene e seu anjo músico”, as edições Dinamene seriam
“ourivesaria gráfica”. Advertiu, ainda, Drummond: “Bibliófilos,
já sei que estais excitadíssimos, de gula e olhos acesos. As tiragens
são limitadíssimas, e eu preveni que Maia não vende”... .. “Como
um príncipe, oferece as edições aos amigos do verbo, que são
também seus amigos”.
A escritora austríaca Glória Kaiser, no seu discurso de posse
como Membro Correspondente Estrangeira desta Academia, em
maio de 2006, disse que “os ensaios de Pedro Moacir Maia sobre
azulejos são preciosos e conduzem nosso olhar para obras muito
especiais da cultura lusitana. Além disso, os textos escritos pelo
professor Pedro Moacir são obras de arte que podem ser lidas e
relidas com prazer. Cada uma de suas frases é carregada de sentido
profundo e de poesia. Trazem-me à lembrança um ensaio
maravilhoso sobre Antônio Vieira e Christina da Suécia.”
Mas é com a opinião da psicanalista Urânia Maria Tourinho
que mais me identifico, ao arrematar em feliz síntese: “Para mim,
Pedro foi um professor da beleza”.
Dinamene foi a pranteada amante chinesa de Luís Vaz de
Camões que naufragou com ele na viagem que o transportava
para ser julgado em Goa pelos delitos administrativos que teria
cometido em Macau, onde se encontrava. Segundo a lenda, entre
salvar os manuscritos dos Lusíadas ou a amante, Camões preferiu
a literatura. Atormentado pelo remorso de sua Escolha de Sofia,
passou a dedicar o melhor do seu estro a cantar a desditosa amada.
A esse conjunto de manifestações públicas, apropriadamente
laudatórias de Pedro Moacir, gostaria de acrescentar algumas
memórias do tempo em que dele fui aluno em 1958, no Colégio
Central, no curso de literatura que deu aos que concorreriam ao
vestibular daquele ano.
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A admiração que provocava em seus alunos o então jovem
professor, formado há, apenas, dois anos, era unânime, pela
didática, pela capacidade de despertar genuíno interesse pelo tema
exposto, pela espontânea camaradagem da convivência e,
sobretudo, pela enorme sensibilidade para identificar o belo em
contextos triviais ou incomuns. Intuitivamente, Pedro Moacir
orientava o seu magistério pelo reconhecimento da supremacia
da compreensão sobre o aprendizado papagueado, irrefletido,
consoante a distinção piagetiana entre o simples aprender e o
compreender profundo.
Registre-se que o Central regurgitava de animação cultural,
com a presença de jovens talentosos que logo despontariam para
as letras e as artes, como João Ubaldo Ribeiro, Glauber Rocha,
Raymundo Pinto, Raimundo Laranjeira, Ciro Matos, Antônio
Guerra Lima, João Carlos Teixeira Gomes, Hélio Contreiras,
Glauber e Anecy Rocha, Fernando da Rocha Peres, Affonso Manta
Alves Dias e muito mais. A Jogralesca e a geração Mapa saíram
dessa tropa de elite que enchia as paredes do Central com murais
que abrigavam suas criações, sob a forma de crônicas, artigos e
poesias.
Recordo-me de um verso de Iracy Celestino em que ela falava
do sofrimento pelo contraste entre seu abatimento emocional
“enquanto a natureza arrebenta lá fora em gargalhadas de sol”.
No dia seguinte, o seu namorado e depois marido Joca escrevia:
“Que os teus ouvidos sejam como esponjas às minhas palavras
molhadas de amor”.
Pedro Moacir vibrava com a atmosfera intelectual do velho
Central. Em uma aluna do primeiro ano, Ana Maria, Pedro
pespegou o apelido de Capitu, que permanece até hoje, referindose sucessivas vezes a ela para explicar o que Machado de Assis
queria dizer quando se referia aos olhos de ressaca de sua mais
famosa personagem.
De outra feita, amigavelmente questionado no dia seguinte à
eleição, pelo seu voto de Minerva, da miss Primavera do Central,
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argumentou: “Entendo que vocês prefeririam aquela garota
morena, dotada de curvas generosas, no que teriam razão se as
candidatas desfilassem nuas. Como desfilaram vestidas, não
podemos excluir do julgamento o todo formado pela beleza do
corpo, o vestuário e suas cores, incluindo as meias, os sapatos, o
penteado, os adereços, o modo de andar, a dicção, o conteúdo da
conversa e o modo de falar. O sentido de beleza que se deve
valorizar não pode estar dissociado da harmonia do conjunto”.
Ali se manifestava, naquele pequeno episódio, na plenitude de
sua vocação primeira, o refinado esteta que seria por toda vida.
O jovem poeta Affonso Manta, então com dezessete anos,
que dividia comigo a tarefa de editar o mural “O Alvorada”, me
mostrava, diariamente suas criações poéticas. Ao ler algumas
poesias de Affonso, a meu pedido, Pedro Moacir concluiu que o
garoto de Poções era um bom poeta. Elogiou particularmente
uma em que Affonso inquiria à mãe e ao mundo onde ficara o
seu segredo, aquele momento mágico e indefinível que molda o
destino dos homens. E, às tantas, Affonso indagava, “Onde ficou
meu segredo, minha mãe, onde ficou? Será que ficou no monte,
nas cercanias, na fonte? Será que ficou no sino, no sino do velho
Jacó? Jacó Sineiro era velho, morreu de triste, coitado, era quem
batia o sino nas festas do povoado. Com seu jornal de notícias,
estridente e galhofeiro, celebrava casamento de Janeiro até Janeiro.
E quanto noiva feliz Jacó não levou no sino, quanto velho, quanta
velha, quanto corpo de menino. Um dia a notícia veio e espalhouse pelo outeiro. Quem bateu o sino velho que enterrou Jacó
Sineiro?”
Inspirado na sensibilidade de Pedro Moacir e em homenagem
a ele, Affonso escreveu em nosso “O Alvorada” estes versos:
“A beleza, poeta, existe na aparência das coisas mais sutis, das
brisas mais caladas, existe no mistério incluso da inocência, no
despudor das rosas desfolhadas”.
Em outra oportunidade, quando se falava dos grandes
romancistas vivos, veio à baila o nome de William Somerset
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Maugham, à época com 84 anos de idade, cujo romance Servidão
Humana, figurava desde 1915, ano de sua publicação, como uma
das obras mais aplaudidas do século XX. Para estupefação geral,
Pedro Moacir, serenamente, como sempre, disse que à exceção
de alguns contos integrantes do livro Contos dos mares do sul, tudo
o mais produzido por Maugham não passava de bem composta
sub-literatura. Muitos anos decorridos daquela que me pareceu
uma afirmação pretensiosa, tomei conhecimento de que o
diagnóstico literário de Pedro Moacir passou a ser o conceito
assentado por parcela ponderável da crítica revisionista da obra
do famoso escritor inglês nascido em Paris.
Personalidade avessa aos extremos, Pedro Moacir era
moderado no aplauso como na crítica. Amante de uma boa piada,
sorria, no entanto, com a discrição dos pudorosos. Não obstante
sua circunspecção, certa vez, ao falar da poesia brasileira do Século
XIX, com a expressão revestida da habitual seriedade
descontraída, disse que o pernambucano (Antonio Peregrino)
Maciel Monteiro (1804-1868), médico, político, diplomata e poeta
bissexto, considerado o introdutor da sensualidade e do lirismo
erótico em nossa poesia, discípulo de Lamartine e Victor Hugo,
autor do conhecido soneto “formosa, qual pincel em tela fina”,
apesar do caráter circunstancial de sua poesia, era muito invejado
pelo sucesso que fazia com as mulheres, a ponto de Silvio Romero
ter dito dele que “trazia as mãos calosas de arribar saias de seda”.
Senhoras e senhores acadêmicos, senhoras e senhores
convidados:
Consciente do muito que tenho a fazer, para reduzir a distância
abissal que me separa dos vultos ilustres que me antecederam
nesta cadeira de n° 7, assumo nesta noite, tão grata aos meus
sentimentos, o solene compromisso de fazer dela o púlpito para
continuar defendendo, com ênfase crescente, o significado da
educação para a redenção dos povos, a nossa redenção.
O primeiro passo consiste em assoalhar a denúncia do
continuado declínio do prestígio cultural e político de nossa terra,
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nas últimas décadas, em compasso com a queda da qualidade do
ensino no estado. As sucessivas avaliações do MEC vêm
apontando a Bahia como detentora de um dos mais baixos
rendimentos educacionais no Brasil. Consectário inelutável desse
panorama desolador é a própria Universidade Federal da Bahia
que caiu de uma das primeiras posições, quando a cursei, para o
37° lugar entre as universidades brasileiras.
Quero observar que nunca uma Faculdade de Direito reuniu,
a um só tempo, em qualquer lugar ou época, no Brasil, uma plêiade
de professores com a qualidade dos mestres do meu tempo, do
nosso tempo, a exemplo de Orlando Gomes de quem no corrente
ano a Bahia e o Brasil cultos celebram o centenário de nascimento.
Temos aqui, nesta noite, os dois remanescentes daquele time de
notáveis, os professores e queridos amigos Edson O´Dwyer e
Luis Viana Neto.
O pior de tudo é que estamos em baixa, na qualidade e na
quantidade, já que à exceção da Universidade Federal do
Recôncavo, em implantação, contamos, apenas, com a UFBA,
ao tempo em que estados como Pernambuco e Minas Gerais,
contam, respectivamente, com 3 e 7 universidades federais. A
prestação jurisdicional em nossa terra vem de ser considerada
pelo CNJ como a de mais baixo desempenho entre as vinte e
sete unidades da Federação. A segurança em nosso estado saiu
do plano da preocupação para um clima de alarme permanente
e geral, de tal modo se agigantam o crime e a violência em suas
mais torpes e cruéis modalidades. Enquanto não formos capazes
de dar conseqüência ao entendimento de que fora da educação
não há solução possível para os males que nos afligem, e de que
a educação é o caminho mais curto entre a pobreza e a
prosperidade, a barbárie em que nos encontramos e o patamar
de civilidade que almejamos, seremos, desgraçadamente,
condenados a conviver com o inquietante cisma social que
ameaça e compromete quando não destrói nossa paz individual
e coletiva.
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Já em 1989, no discurso de posse na cadeira 15, João Carlos
Teixeira Gomes, o Joca, romancista, crítico literário, grande poeta
maior e um dos mais talentosos jornalistas brasileiros,
denunciando nossa perda de prestígio cultural, observava que “as
instituições de cultura da Bahia têm uma responsabilidade muito
grande. Vivemos numa terra apontada como centro cultural
importante em todo o país, mas há muitos anos não temos sabido
justificar essa fama. Tudo nos falta. Não temos editoras, raras
são as revistas especializadas, entre as quais merecem louvor a da
Empresa Gráfica da Bahia e a da Fundação Casa de Jorge Amado,
as bibliotecas enfrentam dificuldades para preservar e atualizar
seu acervo. Nossa vida cultural é fragmentária e dispersa, com
suas manifestações tratadas como se fossem algo de supérfluo,
mero luxo ou adorno de civilização.”
Decorridos vinte anos do diagnóstico de Joca, o cenário para
o livro e o escritor no Brasil, em geral, e na Bahia, em particular,
se afigura ainda mais difícil, como se depreende da inteligente
análise da excepcional poeta Myriam Fraga no seu discurso de
saudação ao ingresso de Evelina Hoisel nesta Academia:
“Frente aos surpreendentes avanços das artes ditas industriais,
no seio de uma sociedade que parecia mais disposta a privilegiar
as manifestações culturais protagonizadas através do espetáculo,
alicerçando assim uma postura que conduzia à festa, à
carnavalização, às manifestações coletivas, o livro, como
instrumento tradicional de veiculação de literatura, parecia estar
cada vez mais condenado à marginalidade e à exclusão.
Protagonistas do solitário ato de recriar o mundo através do
silêncio, aos escritores caberia apenas o lado escuro do palco.”
É oportuno lembrar que das três maiores fontes de poder – a
força, a riqueza e o conhecimento –, a força predominou dos
primórdios da história até o início da Revolução Industrial, a partir
de quando o dinheiro assumiu a supremacia como a principal
fonte de poder, liderando até o começo da década de 1970. Desde
então, o conhecimento desbancou a força e o dinheiro como o
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centro do poder. Hoje, como nunca, em função do conhecimento,
os ricos, pessoas, empresas e povos, podem ser os pobres de
amanhã e vice-versa.
A baixa prioridade atribuída na prática à educação pública,
em gritante conflito com os discursos eleitoreiros, como o meio
mais confiável para vencermos nossas crescentes desigualdades,
a corrupção e a violência, caracteriza fenômeno merecedor de
diagnóstico no campo da psiquiatria social, uma vez que insistimos
na perseguição de resultados diferenciados a partir das mesmas
causas, atitude característica dos portadores de doenças mentais.
Todas as pessoas esclarecidas sabem, no Brasil e no mundo,
que nesta quadra da história em que vivemos, o conhecimento é,
acima da força e das riquezas materiais, a principal fonte de poder,
dos indivíduos e dos povos, como nos ensinam países como o
Japão, a Coréia do Sul e todos os países europeus. As exceções
são Estados Unidos e Noruega que têm feito uso inteligente de
suas riquezas naturais, particularmente o petróleo, ao aplicarem
os recursos delas originados no desenvolvimento de sua infraestrutura física e educacional, entendida a educação como o
amálgama de conhecimento e valores éticos e morais.
Ao partilhar com moderado entusiasmo das prometidas
riquezas do pré-sal, atento para a experiência histórica que adverte
que as riquezas naturais podem ser uma maldição, a exemplo dos
países do Oriente Médio e da vizinha Venezuela que nada,
absolutamente nada, conseguem produzir, além do óleo que jorra
do sub-solo. Exauridas as reservas ou condenado o petróleo à
obsolescência, o que restará desses povos infelizes será uma
multidão errante e esfomeada a clamar por abrigo e esmolas
internacionais.
Atuar na contramão desta verdade universal constitui, sim,
caso que reclama ajuda da psiquiatria social.
Senhoras e senhores,
Menos de dois lustros separam esta augusta Casa do seu
centenário. “Servir à Pátria, honrando as letras”, este o nosso
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comando supremo. Penso que serviremos com vigor redobrado
a esses dois elevados valores, se fizermos da educação o objetivo
maior de nossa ação coletiva. Até porque o processo educacional
exige atenção permanente, o que significa dizer que sua boa
condução depende da compreensão e da sensibilidade de cada
um dos sucessivos e passageiros governos. A Academia de Letras
da Bahia é uma instituição comprometida com a perenidade. A
docemente ilusória imortalidade dos seus membros será alcançada
na medida do significado de suas obras para a construção sólida
do presente e do futuro. E nada há que possa competir com o
compromisso com a educação como meio para alcança-la. Aí
então, a Academia poderia passar a incluir, como prática, na lápide
tumular de cada um dos seus saudosos membros, a iniciar-se pela
de Pedro Moacir Maia, que dedicou toda a sua vida a educação, o
imortal verso de Horácio” “Exegi monumentum aere perenius”.
“Eu construí um monumento mais duradouro do que o bronze”.
Discurso do acadêmico Joaci Góes, proferida na Academia de Letras da Bahia,
no dia 24 de setembro de 2009, ao tomar posse na cadeira nº 7.
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Roteiro encantado
da cidade do Salvador
Florisvaldo Mattos
Recebo com orgulho e extremamente honrado o Título de
Cidadão da Cidade do Salvador, que me concede nesta solenidade
a Câmara Municipal, nos termos da Resolução nº 1.914/09, com
que a ilustre vereadora Vânia Galvão entendeu coroar a minha
condição de habitante deste venerável lugar. A ela com estas
palavras iniciais manifesto minha profunda gratidão, extensiva a
todos os seus pares que acataram este benévolo gesto.
A lei do eterno retorno, de inspiração estóica, mas tão bem
acolhida, reformada e consagrada por Nietzsche, pressupõe que
tudo no universo se reduz a um ciclo de repetições. Enredados
nos labirintos de um niilismo cíclico, estaríamos todos eternamente
condenados a repetir exatamente o que eternamente estamos
condenados a repetir.
Diz Nietzsche, no aforismo 341 de seu Zaratustra: “Esta vida,
tal como tu a vives agora e tal como a viveste, terás que vivê-la
ainda uma vez mais e um número infinito de vezes; nada de novo
haverá nela, senão que cada dor e cada prazer, cada pensamento
e cada gemido, e todo o infinitamente pequeno e grande de tua
vida terá que retornar para ti, e tudo na mesma ordem e na mesma
sucessão (...)”. Para o filósofo, o eterno relógio de areia da
existência não cessará de se inverter sempre.
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Perdoem-me este pedantismo, mas evoco tais palavras,
porque, neste egrégio momento, se repete no meu coração uma
imensidade, a mesma que a história pode registrar, mas a poesia,
com seus misteriosos poderes, talvez inverter. Aludo a uma frase
que, num poema, transportei para a voz de um guerreiro
defensor desta cidade, quando ocupada e humilhada pelos
holandeses, e a este exortavam os salvos pelas armas que se
queimassem os barcos com os vencidos dentro. A tão ácido
pleito se negava atender Dom Fradique de Toledo Osório, o
vencedor espanhol, nesta mesma gloriosa praça onde se ergue
esta veneranda Casa, matriz do poder legislativo no Brasil. Em
resposta à demanda, vocativos versos no ano de 2000 calam os
rudes clamores: “Não é celebração que dignifique/ o instante que medeia
imensidades,/ as duas, a do oceano que rompemos/ com graves riscos, dor
e sofrimentos,/ e a outra tão grande quanto mais completa/ que é a glória
de salvar esta cidade (...).
Valendo-me de faculdade que nos permitem os arcanos da
poesia, ousei inverter a lei do eterno retorno, pondo na fala de
um guerreiro do século 17 o conteúdo de uma frase pronunciada
por J. J. Seabra, ao retornar de um dos exílios a que a dura regra
política baiana de então o forçara. Recebido com vivas por
correligionários no porto de Salvador, segundo relatos confiáveis,
a retórica de Seabra esculpiu a idéia de que aquele instante refletia
a apoteose de duas imensidades – a do mar que acabara de
atravessar e a da glória que era para ele viver na cidade do Salvador.
Servi-me do mesmo recurso poético com que Konstantinos
Kaváfis, em um poema evocativo do célebre episódio das
Termópilas, beirando o inefável, adverte os 300 infelizes hoplitas
ali massacrados “que Efialtes finalmente há de surgir,/ e que os medas
finalmente passarão”. Ou outro poema em que este grego moderno,
invocando os idos de março, assinala quão diverso teria sido o
destino de Júlio César, se a caminho do Senado parasse e ouvisse
o apressado Artemidoro com “as momentosas novas” da
conspiração de que seria vítima logo mais. “(...) Lê sem mais demora,/
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são coisas capitais que te interessam muito”, adverte César a voz do
modernismo restaurador de Kaváfis.
Em pleno século 20, poeta alerta os espartanos sobre a
iminência da traição que os levaria à derrota ante os persas, e a
César estar o seu filho Brutus logo ali ardiloso à espreita, a
desmonstrarem ambas construções poéticas, imperativamente,
como ensina o cubano Nicolás Guillén, que o passado passado
não passou. E, por isso, é possível repeti-lo, posto que, nesta
fantástica imensidade, que é Salvador, o passado, com sua força
histórica, o presente, com as problemáticas que o injuriam, e o
futuro, com sua luminosa carga de esperanças, dialogam e se
comungam.
São exercícios da imaginação que cometo nesta augusta
cerimônia, urdida pela generosidade da vereadora Vânia Galvão,
que eu, em lance piegas, quase infantil, de minha inveterada
resistência a beneplácitos que se traduzam em prêmios e honrarias,
surpreso, de logo, com sinceridade e sem falsa modéstia, lhe
confessei não me sentir merecedor. Mas antes que se consumasse
imperdoável gesto de deselegância, tive a iluminação de me
corrigir, para que se efetivasse, nesta noite, a nobreza e a dignidade
da entrega desta honrosa láurea. E aqui estou a viver esta minha
imensidade particular que é tornar-me um jamais sonhado
Cidadão da Cidade do Salvador.
Os do interior, venhamos todos de abrasantes sertões lapeados
de caatingas e mandacarus ou de verdejantes terras prenhes de
chuva e vasto úbere produtivo, travamos com esta vetusta cidade
um compromisso para o qual só vejo uma palavra capaz de
traduzi-lo – amor.
Nasci na hoje Uruçuca, antiga vila de Água Preta do Mocambo,
de que muito também me orgulho, na gloriosa e sofrida região
cacaueira, embora a autoridade jurídica de um cartório me tenha
tornado ilheense para toda a vida. A imensidade de Salvador
entrará na minha magra biografia por efeito de uma desigualdade
cultural. Nos primeiros anos 50, a riqueza do cacau não permitia
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privilégios de curso preparatório de vestibular e universidade a
seus filhos. E é assim que, por obra de um desequilíbrio regional,
me vi certa noite desembarcando em Salvador, justamente numa
vertiginosa segunda-feira gorda de Carnaval, quando o trio-elétrico
era novidade e já uma comoção, arrastando multidões pela Praça
Castro Alves e Rua Chile.
É ali que a imensidade de Salvador me acolhe, me envolve e
me conquistará definitivamente. Aqui obtive diploma universitário,
tornei-me jornalista profissional, constituí família, tive filhos e
tenho netos; aqui desempenhei cargos, públicos e privados,
compus o corpo docente da Facom-UFBA; e hoje estou editorchefe de A Tarde, que acaba de completar 97 anos de fundação e
de liderança em jornalismo impresso. Escrevi e publiquei livros
de poesia e ensaio, capazes de despertar em muitos espíritos a
generosidade ou a afoiteza de me reconhecer poeta e escritor. E
é nesta condição que desejo referir-me a esta imensidade que,
histórica, política e culturalmente, identifica-se pelo topônimo de
Salvador.
Estou convencido de que, bem mais que políticos e
administradores ágeis e sábios, fizeram por esta imen-cidade muitos
artistas – escritores, pintores, músicos e poetas. Os melhores
discursos, decretos e obras subsistiram através da pintura de
Carybé, José Rescala, Diógenes Rebouças, Calasans Neto, Sante
Scaldaferri e Mestre Didi; da música de Caymmi, Batatinha,
Waltinho Queiroz e Gerônimo; da escrita sensual ou transgressora
de Jorge Amado, Vasconcelos Maia, João Ubaldo Ribeiro, Guido
Guerra, e também do canto entoado por um randioso rol de
poetas. Se fosse olhá-la pelas lentes da antropologia, diria que
Salvador, mais que um sítio urbano, um município, é uma nação
ou, talvez, uma coalizão multicultural.
Desde os primeiros vagidos que animaram a consciência da
brasilidade, a poesia fez desta cidade um de seus mais comoventes
temas. De viola a tiracolo, frequentando bodegas e bordéis e
refletindo os humores de seu tempo, o século 17 colonial,
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decantou-a Gregório de Mattos em clave bárbara de sátira e
sarcasmo, como que a despertar-lhe a consciência ou puni-la em
suas dessemelhanças. E, por isso, via ele “a cada canto um grande
conselheiro/ Que nos quer governar cabana e vinha/ Não sabem governar
sua cozinha,/ E podem governar o mundo inteiro”; gente “que a vida do
vizinho e da vizinha” (...) “Pesquisa, escuta e esquadrinha,/ Para levar à
Praça, e ao Terreiro” (a praça, esta aqui mesmo defronte, e ali adiante
o Terreiro de Jesus). Ou a célebre entrada do poema, que, no
século 20, serviria de emblema à contracultura: “Triste Bahia! Oh
quão dessemelhante/ Estás, e estou do nosso antigo estado!/ Pobre te vejo a
ti, tu a mi empenhado,/ Rico te vejo eu já, tu a mi abundante. // A ti
tocou-te a máquina mercante,/ Que em tua larga barra tem entrado,/ A
mim foi-me trocando, e tem trocado/ Tanto negócio, e tanto negociante.”
Deixo de lado as referências de Manoel Botelho de Oliveira e
Frei Manuel de Santa Maria Itaparica, que, cantando maravilhas
da Baía de Todos os Santos e suas ilhas, lantejoularam Salvador
de luminosidade e aromas, e salto para o século 19, quando até
um retraído frade romântico, Junqueira Freire, entre círios de altar
e visões de torres solitárias, ao sopro de serenas brisas salitradas,
captava “a insaciável vista” e nela o “sussurro das travessas vagas”.
Mas é o estro épico de Castro Alves que deixará seu rastro nas
cercanias heróicas, hoje nossos subúrbios ferroviários, ao cantar
“a pugna imensa,/ que se travara nos cerros da Bahia”, onde o “Anjo da
morte pálido cozia/ Uma vasta mortalha em Pirajá”, e sentir a voz da
“Liberdade peregrina” elevar-se “clara e divina” , “subida na
pirâmide/ Formada pelos mortos de Cabrito”, no aceso de batalhas que
iriam perenizar independência do Brasil.
Este roteiro sensível manda-me também evocar os sons de
liras e atabaques modernistas, daqui e de fora, começando pelos
acordes sensuais do alagoano Jorge de Lima, que em 1915, então
estudante da veneranda Escola de Medicina do Terreiro, já cantava
esta soteramadapólis, “a Bahia do Salvador”, para ele “tão cheia de
altos e baixos”, mas “Bahia, gostosa dos dendês, jilós, acaçás e pimentas-decheiro”, desconhecida dos turistas de mau gosto, que não iam “além
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de tua Rua Chile asfaltada, de tuas avenidas que o Seabra alargou”; uma
Bahia de professores retóricos e médicos literatos, injetando no
jovem de 17 anos “a ampola de água suja de doutrinas sem fé”, mas
também “Bahia de ruas santas”, de “fortes bem-aventurados”,
do “acarajé de feijão branco, dos aberéns de milho e dos carurus de quiabos”;
da feira de Água de Meninos, dos “campeões negros de regatas, e depois
disso tudo, o Bonfim”.
Jorge de Lima parece ter encontrado a chave, pois é
justamente o espírito reformista de Seabra, a se espalhar por
um novo espaço urbano, que irá bifurcar o canto da cidade, seja
com poetas a celebrarem sua totalidade plástica, centrados na
exuberante paisagem, seja com os que penetrarão em seus
recantos, fazendo emergir bairros, ruas, praças, monumentos,
sancionando comportamentos, consagrando costumes. O poeta
agora é deveras um habitante, e os olhos da poesia, seguindo
firmemente a rota das mudanças, miram horizontes que levam
à padronização e burocratização dos ambientes. Agora
descobrem pontos de confraternização, bares e cafés
movimentados; o luxo dos clubes e dos cabarés, portas e fundos
de livraria. Bafejados pela luz elétrica, parece mesmo que os
sobrados e as igrejas sobem nos montes e agora os espiam de
cima através das janelas acesas. A velha a urbe semelha expressar
toda a originalidade do mundo.
Este mover-se entre o sagrado e o profano, de flerte com o
sensual e o virtuoso, vai perdurar no olhar sociológico de
Gilberto Freyre, hóspede de Salvador em 1944, num poema
infartado de cor local, a radiografar férvido e dengoso cenário
urbano, quando proclama: “Bahia de cores quentes, carnes/ morenas,
gostos picantes/ eu detesto teus oradores. Bahia/ de Todos os Santos/
teus ruibarbosas, teus/ otavios mangabeiras/ mas gosto de tuas iaiás,
tuas/ mulatas, teus angus/ tabuleiros, flor de papel,/ candeeirinhos/ tudo
à sombra de tuas igrejas/ todas cheias de anjinhos/ bochechudos/ sãojoões
sãojosés meninozinhos/ deus/ e com senhoras gordas se/ confessando a
frades mais magros/ do que eu”.
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A lira bissexta do pernambucano arremata seus acordes
modernistas com a sincera promessa de um dia voltar a vagar
pelo “seio moreno brasileiro” da cidade, pelos “tabuleiros escancarados/
em x (esse x é o futuro do Brasil)”, a casas e sobrados “cheirando a
incenso comida alfazema e cacau”.
Talvez repercutindo as andanças de Marinetti pela Cidade
Baixa, o feirense Eurico Alves enxerga a velha urbe com lentes
de utopia futurista; vislumbra “gestos orgulhosos em ânsia de mãos
metálicas e, pela escalada da altura, a dança alucinada de fumo, no ar,sobre
a larga/ paisagem cúbica dos arranha-céus”, “gritos petrificados de torres
altas”, muito altas, com “alucinações humanas borborinhando nas avenidas
longas” para enfim revelar-se “a pulsação mágica das fábricas/ cantando;
e a gritaria ensurdecedora de lanchas e transatlânticos no porto,/ gindastes
rilhando, arquejando./ Buzinas, apitos, sirenas, guinchos./ E o céu cinzento
de massas enormes de cimento armado. // Bahia! // E, à noite, o caminho
de Sant´Iago/ dos reclamos, titulos e dísticos luminosos”. Pode parecer
alucinação futurista, mas não para quem numa Bahia de 1930
escrevia em versos convictos: “Ao som nervoso das sirenes orgulhosas,/
eu vou pelas usinas, pelas fábricas, pelos bas-fonds e oficinas. (...) “O meu
canto é o canto das usinas, dos operários macerados que verei passar/
empurrados e mordidos ela fome de crianças que os esperam chorando”...
Mais adiante, dois outros modernos irão cobrir a cidade com
uma pátina de boemia. Godofredo Filho, outro feirense, um ícone
na defesa do patrimônio histórico-cultural, detém-se na Ladeira
de Misericórdia, que para ele “é ladeira sem princípio/ ou por princípio
sem fim”, mas “é ladeira da Bahia,/ cruel ladeira perdida, que por boca da
ironia/ se diz da Misericórdia”. Inverossímel ladeira, também “o
íngreme caminho/ por onde outrora subiram,/ coléricos e espantados,/ tantos
negros sofredores,/ sob o relho dos feitores” (...). Ladeira de vozes perdidas,
de histórias e, por isso, também até de sombrios ardores renovados
na memória: “Ah, quantos sábados tristes/ do amor estival das tardes/
não rolei nas pedras lisas/ de teu ardente convite,/ buscando Lalu dormindo,/
afagando Durvalina,/ ou, na carne incandescida,/ sentindo a pua dos ossos/
do prenúncio do esqueleto/ de Eva Maria Fernandes”.
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No mesmo timbre hedonista, de sensorialidade explícita, o
conquistense Camillo de Jesus Lima cifra num soneto o dia-adia do porto, onde “dormem os barcos, como que sonhando”, para
exaltar a cidade-musa, “cheia de ladeiras como a vida”, como também
invocar delícias do paladar: “Ah! Meu sarapatel das Sete Portas!/
Negras velhas mercando, num lamento/ Triste e guiado, pelas horas
mortas”.
Atingiria o infinito, se prosseguisse na listagem dos que
lançaram aos quatro pontos cardeais desta imensidade urbana
versos pungentes de denso lirismo, os da minha geração, ou os
de antes e depois. Dos de antes, ainda com moldura parnasiana,
ao sul, Bráulio de Abreu saúda o planger do sino da Penha, que
acorda fiéis para a missa das sete, enquanto uma fábrica apita e a
cerração é forte e, “longe, os barcos estão no Porto dos Tainheiros”. Dos
meus, dos que comigo vibraram nos símbolos tipográficos da
revista Mapa, Fernando da Rocha Peres, ferrenho vigilante de
incolumidades barrocas, descortina “esta cidade ao mar deitada”, a
receber “a maresia como dádiva/ de um sal que é seu”; “ esta cidade igual
a nenhuma/ lugar como não existe/ no mapa é só na imaginação/ nos becos
do meu delírio”.
Voltados para o norte, líricos em dicção também modernista,
navegam Myriam Fraga e Ruy Espinheira Filho. Ela avistando
“Na ponta do Padrão/ Dois olhos cegos/ De desespero acendem/ Todo o
mar”, “ou fálica escultura”, que embebeda a cidade de azul, com
“ouro duro de escama”; enquanto dele, em tempos de treva
discricionária, os olhos testemunham “a invisibilidade das ondinas/
a lenta morte dos arrecifes/ e os canhões de Amaralina”; mas, para o
poeta, “parece a vida estar completa/ na paz que o azul ensina” e “a brisa
ilude a vigilância/ dos canhões de Amaralina”. E, se também fosse
evocar os crepúsculos, aí então se instalaria em sua plenitude o
infinito, na voz de um Jair Gramacho postado nos altos do Rio
Vermelho, a mirar rebanhos de nuvens e a indagar perplexo: “Que
faço aqui sozinho neste monte/ À beira deste abismo ensanguentado?”; e
“como num passe/ a noite irmã do sono mostra a face”.
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DA
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L ETRAS
DA
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Não poderia encerrar esta fala sem referir a outra imensidade
que me liga a Salvador, pois foi aqui perto, na rua Virgílio Damásio,
nº 3, que, compondo a equipe de repórteres estreante de um
novo jornal, já com o diploma de bacharel em direito na mão, há
precisos cinquenta e um anos, agarrou-me a fatalidade de ser
jornalista para toda a vida, condição a que permaneço agradecido,
sincero e fiel.
Aproveito a ocasião para uma profissão de fé. Proclamo
firmemente a crença de que os jornais diários impressos não
desaparecerão, mesmo diante da avassaladora concorrência dos
meios eletrônicos, os antigos (reformulados) e os novos em sua
marcha de fascínios. Assim como foram capazes de enfrentar e
vencer sucessiva concorrência do rádio e da televisão, estou certo
de que eles subsistirão. Para tanto, como ensina a história,
estratégias e novas atitudes se impõem, de acordo com as
exigências de mercado. É a consciência de que se tomou nesta
década “A Tarde”, um jornal que nos seus 97 anos não para de se
renovar, de cogitar e adotar opções editoriais e gráficas que
vitalizem e acelerem a sua relação e identificação com o leitor.
Não para ser refém de suas veleidades e caprichos, mas para
acompanhar as suas demandas e, pela informação responsável e
tecnicamente aprimorada, indicar-lhe os caminhos por onde possa
superar seus dramas e carências.
Provam-no diuturnamente as árduas reuniões de suas equipes
integradas de profissionais,em trabalhos de planejamento,
programação e avaliação, para levar aos leitores a informação de
qualidade, atual, atraente e veraz, identificada com seus anseios,
suas preocupações, o seu dia-a-dia.
Se obrigatoriamente voltado para o Mundo e o País, em defesa
da democracia, dos direitos humanos e da paz entre os povos, através
da notícia confiável, da opinião oportuna e sensata, contrário ao
sensacionalismo duvidoso e, como disse certa feita aqui neste
mesmo recinto o saudoso jornalista Jorge Calmon, “cioso da honra
e dignidade alheias, mais amigo dos fracos que dos poderosos, fiel,
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R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
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sinceramente fiel, ao interesse público”, A Tarde muito intensamente
se mostra um jornal empenhado na defesa e promoção do
desenvolvimento da Bahia, e notadamente desta sua capital, de sua
pluralidade sóciocultural, como um diário digno de sua
contemporaneidade.
Sou de um tempo de repórteres de paletó e gravata pela cidade,
no contato com as fontes, em que a ética do jornalista se
emparelhava com a do cidadão, infensa a modismos e estrelismos,
mas, recordando a interrogação de um verso de Sá de Miranda –
Ó cousas todas vãs, todas mudaves/ qual é o coração que em vós confia?” –
, talvez pelos trinta e três anos de magistério, ministrando teoria e
prática de jornalismo, me tenha acostumado, e disto fiz um modo
pessoal e calmo de ser, a acompanhar a marcha de tempos incertos
e eletrizantes, em cenários do que hoje foi ontem e será amanhã.
Finalmente, encerro, parafraseando um pensamento de Mino
Carta, acerca de outro grande jornalista, Cláudio Abramo, que
para mim define a essência do jornalismo: opera nas esquinas do
efêmero, sem perder de vista a perspectiva do perene.
Discurso pronunciado em sessão solene, em 22/10/2009, por ocasião da
concessão do Título de Cidadão do Salvador pela Câmara Municipal.
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DA
A CADEMIA
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Depoimento
Sobre Pedro Moacir Maia
Celeste Aída Galeão
Quero dar um curto depoimento de alguém que conviveu
intimamente com Pedro Moacir Maia por vinte e cinco anos.
Nesse tempo a seu lado pude testemunhar seu prazer na busca
do conhecimento, seu extremo amor aos livros, sua dignidade,
sua honestidade moral e intelectual, sua integridade, ao lado de
sua finíssima sensibilidade estética. Tais qualidades, ele as
conservou mesmo quando já ciente de que morreria em breve,
vítima do câncer que o corroía, a ponto de o cir urgião
oncologista frisar que muito admirava seu comportamento tão
digno.
Aliando essa dignidade a seus conhecimentos literários e a
seu senso estético, Pedro lia para si e, enriquecendo sua fruição
também para mim, nos seus últimos dias de vida, o poema
“Sonho póstumo”, de Vicente de Carvalho, cujo eu-lírico queria
morrer num belo dia de sol e dizia-me que Bilac, que sabemos
ser outro parnasiano, esperava ao contrário morrer num dia
turvo e sombrio. Peço licença para ler aqui as duas estrofes
iniciais da primeira parte de “Sonho póstumo” e as duas finais,
ou seja, a sexta parte:
347
R EVISTA
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A CADEMIA
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L ETRAS
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I
Poupem-me, quando morto, a sepultura: odeio
A cova, escura e fria.
Ah! deixem-me acabar alegremente, em meio
Da luz, em pleno dia.
o meu último sono eu quero assim dormi-lo:
– Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo.
E a primavera ao lado.
VI
O derradeiro sono, eu quero assim dormi-lo:
Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado.
Amortalhe-me a noute estrelada; arda o dia
Depois, claro e risonho;
E seja a dispersão na luz e na alegria
O meu último sonho.
Pedro lia-me também naqueles dias um soneto de Martins
Fontes, da coletânea Guanabara, cujo eu-lírico desejava queimarse no braseiro de uma tarde de verão. Assim diz esse poema de
Martins Fontes:
348 R EVISTA
DA
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L ETRAS
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Meu coração em oferenda ao sol
Sol, sacrificador, cremante amigo,
Incendeia, incinera-me, sem dó!
Em meu último adeus, eu te bendigo,
beijo-te a luz, ao reduzir-me a pó!
Livre das impurezas do jazigo,
Lázaro não serei, nem serei Jó.
Comigo fica, ou leva-me contigo.
Até na morte não me deixes só.
Candentissimamente brasileiro,
chamejando a ofertar-te o coração,
ouro quero tornar-me em teu braseiro!
Faze que eu reproduza a combustão
de uma tarde no Rio de Janeiro,
de um ocaso escarlate no verão!
Era Pedro preparando-se para a morte como outrora
preparava-se para os concertos, as peças teatrais, os filmes a que
iria assistir ou as exposições de arte que iria visitar. Mas ele não
me disse como queria que fosse o dia em que se findaria,
provavelmente para não me fazer ainda mais doer a alma.
Pedro orgulhava-se de possuir os muitos volumes da coleção
completa das revistas L’Oeil e Master drawings e de ser membro
associado do Metropolitan Museum of Art, do College Art
Association e de outras instituições de renome internacional. Do
Metropolitan ele encomendava todo fim-de-ano cartões de Natal
e calendários e contava que, cada uma das muitas vezes que visitara
o museu, adquirira objetos com os quais presenteava amigos e
amigas, além daqueles que guardava para si, para deleite próprio.
349
R EVISTA
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DE
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Recebia regularmente os catálogos da Scholar's Bookshelf
(literatura e história) e escolhia com cuidado os livros que iria
encomendar. Era emocionante vê-lo abrir as caixas cheias dos
livros que chegavam e, a cada um que pegava, tecer comentários
que demonstravam sua erudição. Depois desse ritual, ele sentavase para folhear e ler de início diagonalmente um a um, inebriandose com as ilustrações, segunda fase do contato com as “oferendas”
que selecionava para leitura cuidadosa e aprofundada posterior.
Seu gosto apurado tinha prazer na champagne, no bom vinho,
no lagostim, na lagosta e no camarão, que desfrutávamos
religiosamente todo domingo. Dentre nossas viagens à Europa
podemos destacar duas que o fizeram orgulhoso de mim: uma
aos arquivos de Erich Fried, de quem eu traduzira alguns poemas
e sobre o qual escrevera um artigo e a outra, de novo a Viena,
para o lançamento do livro de Aloïs Hergott, edição bilíngue em
alemão e em tradução minha para o português. E como era grande
o interesse de Pedro pelo meu trabalho!
Pedro o companheiro, Pedro o amigo, Pedro o professor.
Tomou a si a paternidade da obra de seu queridíssimo irmão
Vasconcelos Maia e todos aqueles que o foram procurar pedindolhe informações e aconselhamentos sobre essa obra encontraram
nele o informante capaz, responsável, generoso e incansável a
seu respeito. Principalmente a respeito de Vasconcelos Maia, mas
não só sobre ele; sobre qualquer um que Pedro conhecesse bem.
E eram muitos.
Certa vez em que Pedro fez aqui mesmo nesta sala da Academia
uma conferência sobre Debret, mostrando lindas aquarelas e
pinturas, o já falecido acadêmico, professor Helio Simões, disse de
nosso Pedro numa entonação entusiástica: “tem gosto para tudo!”.
É assim que, tomada pela mesma admiração, se manifesta em
mim de repente uma saudade infindável, de repente um orgulho
imenso de sua pessoa.
Discurso proferido na Sessão da Saudade dedicada a Pedro Moacir Maia, na
Academia de Letras da Bahia, em 2009.
350 Diversos
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INSTITUIÇÃO DE PRÊMIOS E DISTINÇÕES
RESOLUÇÃO N° 01/2010
ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA
Cria prêmios e distinções
O presidente da Academia de Letras da Bahia, no uso de suas
atribuições e com fundamento no Art.71 do seu Regimento,
institui os seguintes prêmios e distinções.
Considerando que, além de outros meios que possa adotar
oportunamente, para preenchimento dos seus fins, propõe-se a
Academia a promover a concessão de prêmios, ou concedê-los,
para composições literárias, bem assim, a outorga de distinções.
Considerando que é muito próprio à vida acadêmica o estímulo
de premiação como forma de apoio à criação literária e artística.
Art.1º Fica criada a Medalha Arlindo Fragoso, distinção máxima
a ser concedida por este Sodalício em homenagem ao seu
fundador.
Art.2° Fica, igualmente, instituídos o Diploma de Honra ao Mérito a
ser outorgado a confrade ou a terceiro em reconhecimento à
excepcionalidade da qualidade do trabalho prestado à Academia
ou ao desenvolvimento cultural da Bahia, e o Diploma de Amigo
da Academia de Letras da Bahia a ser concedido a pessoa física ou
jurídica que tenha prestado relevantes serviços ao funcionamento
da Academia.
353
R EVISTA
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Art.3º Anualmente e em conformidade com o parecer da comissão
adrede nomeada para esse específico fim, a Academia,
reconhecendo e distinguindo o mérito do escritor, devidamente
avaliado pelas produções publicadas ao longo de sua vida,
outorgará o Prêmio pelo Conjunto da Obra, referente ao ano, no valor
de R$5.000,00 (cinco mil reais), com o devido apoio financeiro e
institucional da empresa Eletrogóes.
Art.4° Continuam mantidos os demais prêmios em vigor e em
futuro próximo a Academia instituirá premiações por categorias
literárias, especificadamente, literatura infantil, ficção, tradução,
teatro, memória, ensaio, viagem e outros.
Art.5º Revogam-se as disposições em contrário.
Salvador, Bahia, 02 de setembro de 2010.
Edivaldo M. Boaventura
Acadêmico de número, benfeitor e Presidente
354 R EVISTA
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MEDALHA ARLINDO FRAGOSO
ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA
RESOLUÇÃO Nº 1 / 2009
DE 1º DE DEZEMBRO DE 2009
Institui a MEDALHA ARLINDO FRAGOSO FUNDADOR
DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA.
O Presidente da Academia de Letras da Bahia, no uso de suas
atribuições/legais,
RESOLVE:
Art. 1º - Fica instituída a MEDALHA ARLINDO FRAGOSO
FUNDADOR DA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, com
a finalidade de galardoar pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou
estrangeira, que, por seus méritos hajam prestados relevantes
serviços as letras nacionais ou a esta Academia.
Art. 2º - A Medalha instituída por esta Resolução terá as
características e especificações de formato indicadas em Ato único
da Diretoria da Academia.
Art. 3º - A concessão da condecoração será precedida de indicação
feita à Diretoria acompanhada de justificativa, que deliberará por
maioria de votos.
Art. 4º - A entrega da Medalha dar-se-á, solenemente, aos
agraciados ou aos seus representantes.
355
R EVISTA
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L ETRAS
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- Parágrafo Único: A Medalha poderá ser, também,concedida
Post mortem, sendo a entrega feita aos familiares ou
representantes do homenageado.
Art. 5º - Ao Presidente da Academia caberá diligenciar os demais
atos que se fizerem necessários ao cumprimento desta Resolução.
Art. 6º - Esta Resolução entrará em vigor na data da sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
Salvador, 1º de dezembro de 2009.
Edivaldo M. Boaventura
Presidente da Academia de Letras da Bahia
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DESCRIÇÃO DA MEDALHA ARLINDO FRAGOSO
Fundador da Academia de Letras da Bahia
REVERSO
ANVERSO
DESCRIÇÃO DA MEDALHA
I – 1. INSÍGNIA
Elíptica, de prata dourada, com 56 mm de altura, 46 mm de largura
e, pendente de fita disposta em colar.
I – 2. Anverso: no centro, a efígie em perfil, do Professor Arlindo
Fragoso. Em volta, bordadura duplamente perfilada, contendo o
título ‘‘ARLINDO FRAGOSO - FUNDADOR DA
ACADEMIA’’, pontuado por uma estrela colocada no centro
Da curva superior da bordadura. As letras serão romanas e
maiúsculas.
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I – 3. Reverso: no reverso, três tochas acesas e cruzadas,
sobrepostas, em curva, a dois ramos de oliveira, folhados, frutados
e, laçados em ponta. Em volta, bordadura duplamente perfilada,
contendo as inscrições: ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA
e, separada por dois pontos, a data ‘‘7 - III – 1917’’ colocada no
Centro inferior da bordadura.
II – PASSADEIRA
Para segurar a Insígnia, é composta ao alto, de garra, argola e
presilha, permitindo a passagem da Fita.
III – FITA
De gorgorão grosso ou seda chamalotada, escarlate, com largura
de 40 mm.
IV – ROSETA DE LAPELA
Integrará esta Condecoração, uma Roseta de lapela, com 10mm
de diâmetro, recoberta com o tecido da Fita, em sua cor.
Salvador, 23 de novembro de 2009.
Victor Hugo Carneiro Lopes.
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INFORMAÇÔES: MEDALHA ARLINDO FRAGOSO
Fundador da Academia de Letras da Bahia
(INFORMAÇOES FÍSICAS PARA SEREM REMETIDAS À
EMPRESA CUNHADORA, ACOMPANHADAS DE UMA
CÓPIA DE RETRATO DO PROF. ARLINDO FRAGOSO)
FORMATO, DIMENSÕES E ACABAMENTO.
1. DA INSÍGNIA DA MEDALHA.
Elíptica, de prata dourada, com eixos de 56 mm X 46
mm e espessura de 2 mm.
No Anverso: centro fosco, com figuras, letras e perfis
divisórios, em relevo polido; sob as letras, fundo fosco.
No reverso: centro fosco, com figuras em relevo
polido; em volta, letras e perfis periféricos também em
relevo polido.
2. DA PASSADEIRA
Garra, argola, presilha, conforme desenho da Medalha.
3. DA FITA
De seda chamalotada ou gorgorão grosso, de cor escarlate,
medindo 40 mm de largura.
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4. DA ROSETA DE LAPELA
Circular, com 10 mm de diâmetro, coberta com tecido da
Fita em sua cor.
5. DO ESTOJO
Estojo ‘‘comendador’’, forrado internamente com veludo
azul e, externamente com percalina azul.
OBSERVAÇÃO:
Todas as partes metálicas serão inteiramente douradas, mediante
a banho eletrolítico.
Salvador, 23 de novembro de 2009.
Victor Hugo Carneiro Lopes
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Efemérides
2008
Março
13 – Sessão especial de abertura do ano acadêmico: a) entrega
do Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem/
Poesia 2007; b) Lançamento do novo Prêmio/Conto 2008; c)
Lançamento do livro Floração de Imaginário: o romance baiano
no século 20 do escritor Jorge de Souza Araújo, vencedor do
Prêmio/Ensaio 2006; entrega do título de Membro Benfeitor do
acadêmico, Professor Doutor Cláudio de Andrade Veiga.
13 – Reunião da Diretoria
28 – Centenário do Governador e acadêmico Luiz Viana Filho, sessão solene na Reitoria da UFBA.
Abril
09 – Reunião da Diretoria
10 – Sessão solene para a posse da Professora Doutora Yeda
Antonita Pessoa de Castro na cadeira nº11, de que foi último
ocupante o professor Oldegar Franco Vieira, sendo saudada pela
acadêmica Consuelo Pondé de Sena.
11 – Visita dos alunos da 8ª série do Colégio Adventista de
Salvador. Na oportunidade o acadêmico Carlos Ribeiro proferiu
uma palestra sobre a crônica.
361
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16 – Lançamento do livro Micropoderes e macroviolências,
da jornalista Suzana Varjão.
17 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos
Consuelo Pondé de Sena, Cláudio Veiga, João Eurico Matta,
Aleilton Fonseca e convidados. Palestra do Padre Gilson Magno:
A cultura latina na contemporaneidade.
Maio
08 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmico Waldir
Freitas Oliveira, Cláudio Veiga, Aramis Ribeiro Costa, Edivaldo
M. Boaventura, João Eurico Matta. Palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira: A ilha de Robinson Crusoé.
13 – Seminário sobre a vinda de D. João VI para o Brasil/
IGHB/ALB.
29 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Rubem
Nogueira, Roberto Santos, Aramis Ribeiro Costa, Consuelo
Sampaio, Cláudio Veiga, Waldir Freitas Oliveira, Luis Henrique
Dias Tavares, Consuelo Pondé de Sena, João Eurico Matta,
Myriam Fraga, Evelina Hoisel, Cid Teixeira. Palestra da acadêmica Consuelo Pondé de Sena: Dom João VI, a cultura e a Bahia.
Junho
04 a 06 – Poesia e Memória: Seminário Myriam Fraga: Prof.
Dr. Edivaldo Boaventura (ALB) e Profª. Drª. Evelina Hoisel, coordenadora do Seminário. (ALB/UFBA): Abertura; Prof. Dr.
Boris Schnaiderman (USP): Uma leitura da poesia de Myriam
Fraga; Mesa-redonda: Mútiplos olhares sobre as paisagens líricas: Profª. Drª. Angélica Soares (UFRJ): Vias e desvios da viagem
erótica-amorosa na poesia de Myriam Fraga: Uma leitura ecofeminista; Profª. Drª. Cleise Mendes (UFBA): Sensibilidade
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histriônica e imagem poética em Myriam Fraga; Profª. Drª. Cássia
Lopes (UFBA): A trouxa de sonhos de Myriam Fraga; Mesa-redonda poesia, mito e memória - professores Jerusa Pires Ferreira
(PUC/SP) - O livro dos Adynata; Evelina Hoisel (UFBA/ALB) A memória nas paisagens líricas; Antonia Torreão Herrera (UFBA)
– Um olhar lírico sobre o mito; coordenadora: Profª Drª. Nancy
Rita Ferreira Vieira - (UFBA). Depoimentos de escritores:
Fernando da Rocha Peres (ALB). Florisvaldo Mattos (ALB); Coordenador: Aleilton Fonseca (ALB). Depoimentos de escritores:
José Carlos Capinan (ALB): Claudius Portugal; coordenador: Ruy
espinheira Filho (ALB); conferência da Profª. Drª. Helena Parente Cunha (UFRJ): A polifonia poética de Myriam Fraga na
dissonância pós-moderna. Coordenador Prof. Dr. Francisco Lima
(UEFS); lançamento do livro Poesia reunida, de Myriam Fraga.
12 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Edivaldo
Boaventura, Waldir Freitas Oliveira, Rubem Nogueira, Consuelo
Pondé de Sena, Cláudio Veiga, Myriam Fraga, João Eurico Matta.
Palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira: Relendo Robinson
Crusoé.
18 – Sessão especial para comemoração ao centenário de nascimento do poeta e acadêmico José Luiz de Carvalho Filho (19082008), sendo orador o confrade João Eurico Matta.
Julho
10 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos
Edivaldo M. Boaventura, Evelina Hoisel, Geraldo Machado,
Consuelo Pondé de Sena, Cláudio Veiga, Roberto Santos, Waldir
Freitas Oliveira, Aramis Ribeiro Costa, Paulo Ormindo, Consuelo
Sampaio, Aleilton Fonseca, Carlos Ribeiro, Myriam Fraga, João
Eurico Matta. Discussão e votação da proposta de reforma do
Estatuto e do Regimento.
363
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25 – Sessão especial para apresentação da Camerata Castro Alves.
28 a 31 – Curso de Línguas e culturas Africanas. Coordenadora: Yeda Pessoa de Castro. Promoção ALB e UNEB.
31 – Lançamento do livro Música na rua e outros poemas, do
Prof. Samuel Leandro Oliveira de Mattos (Editus 2008).
Agosto
1º – Curso de Línguas Africanas ministrado pela acadêmica
Yeda Pessoa de Castro (ALB/UNEB).
07 – Lançamento do livro Amores partidos de Antonio Lins
em homenagem à memória do acadêmico Wilson Lins.
14 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos
Aramis Ribeiro Costa, Cláudio Veiga, Edivaldo M. Boaventura,
Paulo Ormindo, Hélio Pólvora, Consuelo Sampaio, João Eurico
Matta, Myriam Fraga. Discussão e aprovação do projeto de reforma do Regimento, nos termos dos artigos 80 e 81 do Regimento aprovado em 04 de agosto de 1988.
21 – Sessão solene para a posse do jornalista Samuel Celestino
da Silva Filho na cadeira nº23 de que foi último ocupante o acadêmico Jorge Calmon, sendo saudado pelo confrade Edivaldo
M. Boaventura.
27 – Sessão especial para a Conferência Afrânio Peixoto o
médico, escritor e o homem público. Palestras: Afrânio Peixoto:
Mestre da arte de escrever: Profª. Drª. Dalila Machado; Afrânio
Peixoto e a Psiquiatria Brasileira: Prof. Dr. Augusto C. Conceição; Afrânio Peixoto e a Medicina Legal: Prof. Dr. Eduardo
Saback; A Dimensão Pública de Afrânio Peixoto: Prof. Dr.
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Lamartine de Andrade Lima. Lançamento do livro Paranóia, de
Afrânio Peixoto, edição fac-similar.
Setembro
04 – Homenagem póstuma ao acadêmico Pedro Moacir Maia,
cad. nº07; sendo orador o acadêmico Fernando da Rocha Peres.
Lançamento do livro Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus
tradutores argentinos: Bejamin de Garay e Raul Navarro.
11 – Homenagem póstuma à acadêmica Zélia Gattai Amado
(1916-2008), cad. nº21; sendo oradora a confreira Myriam Fraga.
23 – Visita dos alunos do curso de arquivologia/UFBA, acompanhados da Profª. Zeny Duarte.
24 a 26 - Curso Castro Alves/2008 - III Colóquio de Literatura Baiana. Sessões de comunicações de Literatura Baiana 1, 2 e 3
e a conferência do poeta e ensaísta Alexei Bueno: O caráter dramático e a coreografia da poesia de Castro Alves; sessões de comunicação de Literatura Baiana 4, 5 e 6; Prof. Artur Bispo dos S.
Neto (UFAL): As imagens oníricas da violência no poema O navio negreiro de Castro Alves; Prof. Adeítalo Manoel Pinho
(UEFS): Castro Alves como esteio do Sistema Literário Baiano;
Sessões de comunicações de Literatura baiana 7, 8 e 9; Dr.
Edivaldo M. Boaventura (ALB): Leitores de Castro Alves: depoimentos, leituras e comentários de poemas; juntamente com os
professores: Consuelo Pondé de Sena (ALB), João Eurico Matta
(ALB); Lançamento O olhar de Castro Alves - ensaios críticos de
literatura baiana de Aleilton Fonseca (organizador).
25 – Visita do Ministro do Tribunal de Contas da União e
imortal da ABL, Dr. Marcos Vinícios Vilaça, à ALB, sendo recebido pelo Presidente Dr. Edivaldo M. Boaventura.
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Outubro
02 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Edivaldo
M. Boaventura, Aleilton Fonseca, Consuelo Sampaio, Fernando
da Rocha Peres, Luis Henrique Dias Tavares, Cláudio Veiga,
Consuelo Pondé de Sena, Aramis Ribeiro Costa, João Eurico
Matta, Paulo Ormindo, Carlos Ribeiro. Palestra do acadêmico
Waldir Freitas Oliveira: Idealizando os mares do Sul.
09 – Inauguração da galeria em homenagem aos seus Presidentes: Ernesto Carneiro Ribeiro, Gonçalo Moniz, Braz do
Amaral, José Joaquim Seabra, Carlos Ribeiro, João Garcez Fróes,
Pinto de Carvalho, Aloysio de carvalho Filho, Thales de Azevedo, José Calasans, Mons. Manoel de Aquino Barbosa, Estácio
de Lima, Jorge Calmon, Hélio Simões, Cláudio Veiga e Edivaldo
M. Boaventura, sendo oradora a acadêmica Consuelo Pondé de
Sena.
16 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos
Geraldo Machado, Consuelo Sampaio, Luis Henrique Dias
Tavares, Aramis Ribeiro Costa, Waldir Freitas Oliveira,
Consuelo Pondé de Sena, Yeda Pessoa de Castro, Edivaldo M.
Boaventura, Cláudio Veiga, Evelina Hoisel, Samuel Celestino,
Florisvaldo Mattos, Fernando da Rocha Peres, Armando
Avena, Myriam Fraga, Anna Amélia Vieira Nascimento, João
Eurico Matta. Indicação de candidatos à vaga do acadêmico
Antônio Carlos Magalhães.
30 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Edivaldo
M. Boaventura, Cláudio Veiga, Consuelo Pondé de Sena, Aramis
Ribeiro Costa João Eurico Matta. Palestra da escritora e jornalista-brasilianista italiana Antonella Rita Roscilli: A vida da lembrança:
Zélia Gattai Amado.
366 R EVISTA
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Novembro
06 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos
Edivaldo M. Boaventura, Cláudio Veiga, Consuelo Pondé de Sena,
Evelina Hoisel, João Eurico Matta, Ubiratan Castro. Palestra do
poeta José Carlos Limeira: Literatura de expressão negra.
13 – Reunião da Diretoria
18 – Seminário Machado de Assis e Guimarães Rosa: diálogo
e aproximações. Profº. Marli Fantini (UFMG/CNPq): Testemunho poético em grande sertão: veredas, de Guimarães rosa;
Reescritura de Machado de Assis depoimentos dos escritores:
Rinaldo de Fernandes, Hélio Pólvora, Carlos Ribeiro, Suênio de
Campos Lucena, Aleilton Fonseca; Hélio de Seixas Guimarães
(USP): Machado de Assis e seus leitores: Quem lê quem; Lançamento dos livros; Capitu mandou flores: conto para Machado de
Assis nos cem anos de sua morte; (contos de Machado de Assis e
recriações de vários autores); Rita no pomar romance de Rinaldo
de Fernandes. Coordenação: Mirella Márcia (UFBA) e Aleilton
Fonseca (UEFS/ALB).
20 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos
Rubem Nogueira, Florisvaldo Mattos, Waldir Freitas Oliveira,
Aramis Ribeiro Costa, Edivaldo M. Boaventura, Mons. Gaspar
Sadoc, Hélio Pólvora, Roberto Santos, Samuel Celestino, Cid
Teixeira, Consuelo Pondé de Sena, Consuelo Sampaio, Luis
Henrique Dias Tavares, Cláudio Veiga, Francisco Senna, Evelina
Hoisel, Anna Amélia Vieira Nascimento, Yeda Pessoa de Castro,
Myriam Fraga, Fernando da Rocha Peres, João Eurico Matta,
Geraldo Machado. Eleição para sucessão ao acadêmico Antonio
Carlos Magalhães, cadeira nº37.
21 – Lançamento do livro Entre nós da poeta paraibana e Professora Universitária Regina Lyra.
367
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24 – Colóquio Internacional Vieira na Bahia: comemoração
do quarto centenário do padre Antonio Vieira. Profº. Dr. Edivaldo
M. Boaventura; Minicurso: A retórica do sermão da sexagésima:
a hermenêutica bíblica como fundamento da argumentação e da
estilística - Prof. Murilo Cavalcante (UFAL); Antonio Vieira e as
relações de poder - Profª. Drª. Miguel Maria Corrêa Monteiro
(Univ. de Lisboa); Lançamento da Revista Estudos Lingüísticos e
Literários (número dedicado ao estudo da obra do Padre Antonio Vieira); Minicurso - A retórica de Vieira e o cânone literário Prof. Dr. José Nivaldo Farias (UFAL); Mesa redonda: Leitura de
Vieira. Vieira e Mattos: aproximações - Prof. Dr. Fernando da
Rocha Peres (UFBA/ALB); Vieira: quando o púlpito é clamor Prof.ª Drª. Maria Teresa Abelha Alves (UFRJ/CNPq); Vieira no
IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiro - Profª.
Drª. Maria de Fátima Ribeiro (UFBA); Minicurso: A retórica sagrada vieirense - Profª. Drª Ana Cláudia Aymoré; Mesa-redonda:
Vieira na Bahia (grupo de Estudos Vieiranos) O perfil biográfico
de Antonio Vieira através dos sermões - Profª. Drª. Ana Cláudia
Aymoré (UFAL); Viera nos arquivos de Salvador - Profª. Drª.
Célia Marques Telles (UFBA); A retórica de Vieira - Profº. Dr.
José Nivaldo de faria (UFAL); Vieira e a Inquisição - Profª. Drª.
Adma Fadul Muhana (USP); Encerramento.
Dezembro
04 – Lançamento do livro Travessias singulares: pais e filhos.
Coletânea de contos com a participação dos acadêmicos Armando Avena, Aramis Ribeiro Costa, Carlos Ribeiro, Hélio Pólvora e
Aleilton Fonseca.
09 – Sessão comemorativa do cinquentenário de jornalismo
do acadêmico João Carlos Teixeira Gomes, sendo orador o
confrade Samuel Celestino da Silva Filho.
368 R EVISTA
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11 – Reunião da Assembleia Geral para eleição da Diretoria
para o biênio 2009/2010 e confraternização de Natal.
18 – Sessão especial para o recebimento da doação da Revista
Seiva pelo Dr. João Falcão e lançamento do livro A história da
Revista Seiva: a primeira revista comunista do Brasil.
369
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Efemérides
2009
Março
05 – Reunião da Diretoria
19 – Sessão especial de abertura do ano acadêmico: a) Posse da
Diretoria para o biênio 2009-2010; b) entrega do Prêmio Nacional
Academia de Letras/Braskem /Conto 2008; c) lançamento do livro
Venho de um país selvagem, do poeta paulista Rodrigo Petrônio
Ribeiro, vencedor do Prêmio Poesia/2007.
23 – Curso Manuel Querino – Personalidades negras. Prof. Edivaldo
Boaventura; Profª. Drª. Maria das Graças de A. Leal (UNEB):
Manuel Querino: Vida e obra; Profª. Msc. Sabrina Glendhill (Pós
Afro CEAO/UFBA): Manuel Querino e a luta contra o racismo científico;
Prof. Msc. Carlos Antonio Reis (UNESP): Raça, identidade nacional
e interpretação do Brasil na visão de Manuel Querino; Prof. Luis Alberto
Freire (UFBA): Manuel Querino como Vasari: a história da arte como
biografia dos artistas; Debate e encerramento; Profª. Jaqueline
Melo de Souza (UEFS): O molde de um homem: debates acadêmicos
e embates pessoais de Theodoro Sampaio na capital do Império
brasileiro: Prof. José Carlos Santana (Magnífico Reitor da
Universidade Estadual de Feira de Santana), Prof. Esp. Moisés
de Oliveira Santana (UNEB) e Francisco Dias Coelho: O coronel
negro da Chapada Diamantina. Debates: Profª. Msc. Mônica Celestino
dos Santos (FSBA): Cosme de Farias, anjo da guarda dos excluídos da
Bahia; Prof. Dr. Jorge Araújo (UEFS): Jorge de Lima e o idioma poético
afro-nordestino; Profª. Drª. Florentina da Silva Souza (UFBA):
Aspectos da obra do escritor Lima Barreto; Prof. Dr. João Eurico Matta
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(ALB): A sociologia das organizações de Alberto Guerreiro Ramos;
Debate e encerramento.
26 – Lançamento da Revista da ALB nº48.
Abril
16 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos Waldir
Freitas Oliveira, Consuelo Pondé de Sena. Palestra do acadêmico
Waldir Freitas Oliveira: Lúcio Cardoso, o corcel de fogo.
29 – 1º Oficina do Circulo Baiano de Leitura – Palestra sobre a leitura,
proferida pela escritora Maria Lúcia Martins e entrega do 1º
romance – Essa terra, do escritor Antonio Torres.
30 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Presidente
Edivaldo M. Boaventura, Hélio Pólvora, Cláudio Veiga,
Florisvaldo Mattos, Ubiratan Castro, Cid Teixeira, Mons. Gaspar
Sadoc, Francisco Senna, Luis Henrique Dias Tavares, Waldir
Freitas Oliveira, Rui Espinheira Filho, Roberto Santos, Consuelo
Pondé de Sena, Evelina Hoisel, João Eurico Matta, Aramis
Ribeiro Costa, Geraldo Machado Myriam Fraga, Carlos Ribeiro.
Indicação de candidatos à vaga do acadêmico Pedro Moacir
Maia, cadeira nº07.
Maio
7 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Presidente
Edivaldo M. Boaventura, Consuelo Pondé de Sena, Florisvaldo
Mattos, Cláudio Veiga, Rui Espinheira Filho, Aramis Ribeiro
Costa, Luis Henrique Dias Tavares, Evelina Hoisel, Myriam Fraga,
Paulo Ormindo, Aleilton Fonseca, João Eurico Matta, Geraldo
Machado, Carlos Ribeiro. Indicação de candidatos à vaga da
acadêmica Zélia Gattai Amado, cadeira nº21.
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20 a 22 – Seminário Helena Parente Cunha. Abertura: Prof. Dr.
Edivaldo M. Boaventura (ALB) e Profª. Drª. Evelina Hoisel
coordenadora do seminário (ALB); Mesa-redonda: Profª. Drª.
Célia Marques Telles (UFBA) Estilhaços e espelhos; Profª. Drª. Isabel
Brandão (UFAL): Convergências entre o real e simbólico em as doze cores
do vermelho, de Helena Parente Cunha; Profª. Drª. Antonia Torreão
Herrera (UFBA): Cem mentiras de verdade: sem mentiras, de verdade?;
Profª. Drª. Lúcia Leiro (UNEB): Rasgos e estilhaços: uma leitura
dos personagens mulheres nas narrativas de Helena Parente
Cunha; Profª. Drª. Rosana Ribeiro Patrício (UEFS): Cantos e cantares
– rituais das palavras na poesia de Helena Parente Cunha.
Depoimentos: No entre-espaço da afetividade e do saber, coordenação:
Prof. Dr. Aleilton Fonseca (ALB/UEFS). Profª. Drª. Moema
Angel (Alemanha), Profª. Drª. Ivia Alves (UFBA), Profª. Drª.
Angélica Soares (UFRJ); Mesa-redonda: Mulheres inventadas –
Coordenação: Profª. Drª. Márcia Rios (UNEB); Profª. Drª.
Eliana Mata Chiossi (UFBA): As escrituras de Helena em doze estações
radicais; Profª. Drª. Nancy Rita F. Vieira (UFBA): A casa, seus
silêncios, seus desejos; Profª. Ms. Lílian Almeida de O. Lima (UNEB):
Femina – perfis femininos na contística de Helena parente Cunha; Prof.
Dr. Aurélio Gonçalves (UFBA): A poética de Helena Parente Cunha:
evocação da figura paterna; Fala da escritora Helena Parente
Cunha. Coordenação: Profª. Myriam Fraga (ALB); noite de
autógrafos.
27 – Seminário Novas Letras – Intimidade e confissão na literatura
feminina. Mesa-redonda com Renata Belmonte, Angela Vilma,
Vanessa Buffone, Adelice Souza, Mônica Menezes e Kátia Borges
Realização ALB/Fundação Pedro Calmon.
28 – Sessão solene para posse do arquiabade Dom Emanuel d’
Able do Amaral na cadeira nº37 de que foi último ocupante o
acadêmico Antonio Carlos Magalhães, sendo saudado pelo
confrade Fernando da Rocha Peres.
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29 – Segunda reunião do Círculo de Baiano de Leitura. Coordenação:
escritora Maria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).
Junho
1º - Sessão ordinária coma presença dos acadêmicos Cláudio
Veiga, Florisvaldo Mattos, Samuel Celestino, Yeda Pessoa de
Castro, Carlos Ribeiro, Edivaldo Boaventura, Anna Amélia Vieira
Nascimento, João Carlos Teixeira Gomes, Waldir Freitas Oliveira,
Luis Henrique Dias Tavares, Mons. Gaspar Sadoc, Evelina Hoisel,
Consuelo Novais Sampaio, Dom Emanuel d’ Able do Amaral,
Fernando Peres, Myriam Fraga, Roberto Santos, Aramis Ribeiro
Costa, Hélio Pólvora, Consuelo Pondé de Sena, João Eurico Matta,
Paulo Ormindo Azevedo. Eleição para à vaga do acadêmico Pedro
Moacir Maia, cadeira nº07.
08 – Sessão ordinária a que estiveram presentes os acadêmicos
Cláudio Veiga, Geraldo Machado, Aleilton Fonseca, Florisvaldo
Mattos, Samuel Celestino, João Eurico Matta, Waldir Freitas
Oliveira, Edivaldo Boaventura, Dom Emanuel d’ Able do Amaral,
Mons. Gaspar Sadoc, Consuelo Pondé de Sena, Ruy Espinheira
Filho, Evelina Hoisel, Aramis Ribeiro Costa, Fernando da Rocha
Peres, Myriam Fraga, Armando Avena, Ubiratan Castro, José
Carlos Capinan, Consuelo Sampaio. Eleição à vaga da acadêmica
Zélia Gattai Amado, cadeira nº21.
17 – Seminário Novas Letras – Novos meios de mídia, cinema e
literatura. Conferências: A explosão de blogs e sites literários com
Gerana Damulakis e Goulart Gomes; A narrativa literária e
cinematográfica nos games com Thiago Pereira Falcão; Tecnologia,
educação, cultura e o nosso momento histórico com Edvaldo Souza Couto;
Lançamento do livro A luz das narrativas de Carlos Ribeiro.
18 – Reunião da Diretoria.
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Julho
10 – Seminário 100 anos do Manifesto Futurista e suas Repercussões no
Brasil. Mesa-redonda Perfil e contribuições de Almáquio Diniz,
coordenação: Prof. Dr. Aleilton Fonseca (UEFS/ALB); Manifesto
Futurista e o papel de Almáquio Diniz Gonçalves: Profº. Dr. Benedito
José de Araújo Veiga (UEFS); Almáquio Diniz: Perfis e
Comentários – Prof. Dr. Adeítalo Manoel Pinho (UEFS). Mesa
de encerramento – Um mundo novo: o cinema segundo os futuristas
e os modernistas – coordenação: Prof. Dr. Cláudio Cledson
Novais (UEFS) – Prof. Dr. Andrea Santurbano (UFSC) – Prof.
Me. Idmar Boaventura (UEFS).
16 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Edivaldo
M. Boaventura, Cláudio Veiga, Waldir Freitas Oliveira, Consuelo
Pondé, Dom Emanuel d’ Able do Amaral, José Carlos Capinan,
Consuelo Sampaio, Luis Henrique Dias Tavares, Myriam Fraga,
Eveliva Hoisel, Aramis Ribeiro Costa, João Eurico Matta, Cleise
Mendes. Palestra do acadêmico Waldir Freitas Oliveira: Roger
Casement, um rebelde irlandês no Brasil do século passado.
27 – 3ª Reunião do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação: escritora
Maria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).
29 – Seminário Novas Letras – A ficção baiana e o mar. Conferências:
A transição ornamental em Jana e Joel, de Xavier Marques, na visão
crítica de David Salles com Jacques Salah; O mar na literatura baiana
com Aramis Ribeiro Costa; A correspondência entre a realidade e a
ficção no léxico de Jana e Joel com Denise Gomes.
30 – Reunião informal dos acadêmicos para discussão e trocas
de ponto de vista sobre os candidatos à sucessão do saudoso
acadêmico Ary Guimarães.
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Agosto
06 – Homenagem póstuma ao saudoso acadêmico Ary Guimarães
(1933-2009), cadeira nº08 sendo orador o confrade Luis Henrique
Dias Tavares.
13 – Reunião da Diretoria com a programação: Situação financeira,
Ponto de Cultura, Revista nº49, selo editorial, site da ALB,
Biblioteca e Arquivo.
19 a 20 – Seminário Políticas Públicas, Movimentos Sociais, Gênero
e Políticas Públicas com Márcia Tavares – Doutoranda pela UFBA;
Bárbara Caldeira – Doutoranda pela Univ. Burgos/Espanha;
Helaine Souza – Mestranda UCSAL e Movimentos Sociais, Mídia e
governo com Jorge Almeida – Doutor pela UFBA; Pedro Caribé –
Centro de Comunicação Democrática e Cidadania FACOM/
UFBA e Shayana Busson – Mestranda UCSAL; Políticas Públicas
de /para/ com juventude – Mary Castro – Doutoranda pela Univ.
Flórida /EUA, Éden Valadares – Coord. Estadual da Juventude,
Augusto Vasconcelos – Mestre pela UCSAL e Reflexões sobre
cidadania – Denise Vitale – Doutora pela USP, Haroldo Cajazeira
– Mestre pela UFBA – Leandro Paraense – Mestre pela UFBA.
24 – Lançamento do livro Histórias de negro, 2ª edição revisada e
aumentada do acadêmico Ubiratan Castro de Araújo.
26 - Seminário Novas Letras – A atualidade de Jorge Amado. Lívia,
substituta simbólica de Guma com Nancy Vieira; Do recente milagre
dos pássaros. Uma leitura de um conto de Jorge Amado com Edilene
Dias Matos; Jorge Amado e Roberto Drummond: Quincas Berro D’
Água e mortos não dançam valsa com Eliana Mara Chiossi.
Lançamento do livro Construções identitárias na obra de João Ubaldo
Ribeiro, de autoria da Profª. Rita Olivieri – Godet, titular da cadeira
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de literatura brasileira da Universidade de Rennes II, na França;
A sonoridade e o silêncio em narrativas de Jorge Amado – João Edson
Rufino; Jorge Amado; 40 anos de Tenda dos Milagres – Benedito
Veiga; - Jorge Amado, escritor de sua gente – Charles Kiefer.
31 – 1ª visita guiada à ALB, pelos alunos da Escola de Engenharia
Eletromecânica da Bahia – Coordenação da bibliotecária Genilda
de Oliveira Santana (ALB) – Ponto de Cultura.
- 4ª Oficina do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação: escritora
Maria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).
Setembro
1º - Sessão solene para a posse do escritor francês Dominique
Stoenesco, como membro correspondente, sendo saudado pelo
confrade Aleilton Fonseca.
04 – Encontros Literários na ALB: Hélio Pólvora e Mayrant Gallo
(ficção), comentários: Antonia Herrera e Gerana Damulakis,
coordenação do poeta Luis Antonio Cajazeiras Ramos. (Ponte
de Cultura).
16 a 18 – Curso Castro Alves – IV Colóquio de Literatura Baiana,
coordenação acadêmico Aleilton Fonseca. Sessões de
comunicações de Literatura Baiana; Leituras de Castro Alves:
depoimento e comentários de poemas, Aleilton Fonseca (UEFS/
ALB); Myriam Fraga (FCJA/ALB); Sessões de comunicação de
Literatura Baiana; Leituras de Castro Alves: Depoimento e
comentários de poemas, João Eurico Matta (ALB); Lançamento
do livro Jorge Amado e os ritos de baianidade; Sessões de comunicação
de Literatura Baiana; Em torno do poema a Maciel Pinheiro, de Castro
Alves, Waldir Freitas Oliveira (ALB); Toque Lírico: Castro Alves e
outros tons de amor; voz: Suely Kantto e violão: Cau Cruz.
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17 – Lançamento dos livros Poética e De Marti a Fidel do acadêmico
correspondente de Alberto Moniz Bandeira.
21 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Francisco
Senna, Consuelo Novais, João Carlos Texeira Gomes, Samuel
Celestino, Rubem Nougueira, Cláudio Veiga, Waldir Freitas
Oliveira, Luis Henrique Dias Tavares, Cid Teixeira, Consuelo
Pondé de Sena, Evelina Hoisel, Edivaldo Boaventura, Rui
Espiheira Filho, Fernando da Rocha Peres, Myriam Fraga,
Ubiratan Castro, Roberto Santos, Paulo Ormindo, Cleise Mendes,
Aleilton Fonseca, Mons. Gaspar Sadoc, Carlos Ribeiro, Aramis
Ribeiro Costa, Dom Emanuel d’ Able do Amaral, Hélio Pólvora,
João Eurico Matta, Geraldo Machado. Indicação de candidatos à
vaga do acadêmico Ary Guimarães, cadeira nº08.
24 – Sessão solene para a posse do bacharel em Direito, empresário
e escritor Joaci Góes na cadeira nº07 de que foi o último ocupante
o acadêmico Pedro Moacir Maia, sendo saudado pelo confrade
João Carlos Teixeira Gomes.
29 – 5ª Oficina do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação da escritora
Maria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).
30 – Seminário Novas Letras: poesia na Bahia, hoje e ontem. Mesaredonda com Ruy Espinheira Filho, Roberval Pereyr, Kátia Borges
e Myriam Fraga.
Outubro
1º - Sessão especial. Programação: Palestra do acadêmico Aramis
Ribeiro Costa: O acadêmico Xavier Marques, com inauguração do
retrato restaurado pelo Prof. José Dirson – Apresentação da
cantora soprano Guiomar Contente, interpretando Memórias ao
escritor Xavier Marques, acompanhada do violonista Francisco
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Pinheiro Reis – Apresentação especial da Banda de Música
Maestro Cap. P.M João Antonio Wanderley, da Polícia Militar
do estado da Bahia, executando o Hino Nacional Brasileiro e
os seguintes dobrados: Memória do escritor Xavier Marques, O
Sargento Pedro, Mulheres militares, Tenete P.M Antonio Borges Gomes,
(Ten. Borges), composições inéditas lembrando livros e
romances do autor, da autoria do seu neto Maestro e compositor
Celso Xavier Marques e a Célere canção invicta Hino da Polícia
Militar.
02 – Encontros Literários na ALB: Ruy Espinheira Filho e Maria
Lúcia Martins, comentários de Ligia Teles e Valdomiro Santana/
coordenação do poeta Luis Antonio Cajazeira Ramos (Ponto de
Cultura).
06 – Reunião da Secretaria da Cultura / Fundo de Cultura.
14 – Seminário Novas Letras – A literatura infanto-juvenil: Seminário
o Lobo mau. – Mesa-redonda, Lilica Gramacho, Gláucia Lemos,
Maria Antonia Ramos Coutinho, Gal Meirelles e Antonio Carlos
Barreto. Recital de poesia: Grupo de crianças da Biblioteca
Calabar.
19 – Semana Hermann Hesse. Palestra inaugural: Hermann Hesse –
Nas estepes do século XX: Prof. Dr. Tércio Redondo – FIED/SP.
Realização ALB/Goethe Institut.
21 – Sessão ordinária a que compareceram os acadêmicos Cláudio
Veiga, Joaci Góes, Anna Amélia Vieira Nascimento, Samuel
Celestino, Mons. Gaspar Sadoc, Consuelo Pondé, Edivaldo
Machado Boaventura, Francisco Senna, Geraldo Machado, Luis
Henrique Dias Tavares, Consuelo Sampaio, Paulo Ormindo,
Fernando Peres, Waldir Freitas, D. Emanuel d’ Able do Amaral,
Cleise Mendes, Roberto Santos, Carlos Ribeiro, Myriam Fraga,
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José Carlos Capinan, Ubiratan Castro, Armando Avena, Aleilton
Fonseca, João Eurico Matta, Evelina Hoisel. Eleição de sucessão
ao acadêmico Ary Guimarães, cadeira nº08.
29 – Sessão ordinária com a presença dos acadêmicos Consuelo
Pondé, Edivaldo Boaventura, Myriam Fraga, João Eurico Matta
e convidados. Palestra da escritora italiana Antonella Rita Roscilli,
Anarquista graças a Deus de Zélia Gattai: da palavra à imagem.
Exibição de trechos da mini-série Anarquistas, graças a Deus (TV
Globo, 1984).
30 – Colóquio Euclides da Cunha pelos Cem anos de sua ausência e
pelos Cinquenta anos do confrade Aleilton Fonseca. Mesaredonda: coordenação: Edivaldo Boaventura (ALB); O Parque de
Canudos: Edivaldo Boaventura (ALB); A formação intelectual de
Euclides da Cunha: José Carlos Barreto (UEFS); Aleilton Fonseca faz
Canudos redivivo: Maria Lúcia Martins (ALJ); o lançamento do livro
O Pêndulo de Euclides, romance de Aleilton Fonseca.
Novembro
05 – Comemoração dos 160 anos de nascimento de Rui Barbosa. Debate
e lançamento do livro A raiz das coisas, Rui Barbosa: o Brasil no
mundo, do embaixador – Carlos Cardim, com participação de
Antonio Luis Calmon Teixeira (IGHB e IAB) César Faria (ALJB)
e Edivaldo Boaventura (ALB); Lançamento do livro O advogado
Rui Barbosa (5. ed.) acadêmico Rubem Nogueira entrega do
Diploma de Honra ao Mérito aos autores.
06 – Encontros Literários na ALB (ficção): Luis Henrique Dias
Tavares e Adelice Souza, comentários de Cássia Lopes e João
Eurico Matta. Com a coordenação do poeta: Luís Antonio
Cajazeira Ramos. (Atividade vinculada ao Ponto de Cultura
Espaço das Letras).
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12 – Reunião da Diretoria.
- 7ª Oficina do Círculo Baiano de Leitura. Coordenação: escritora
Maria Lúcia Martins (Ponto de Cultura).
18 – Sessão solene para a posse do escritor e membro da ABL,
Antonio Carlos Secchin, como membro correspondente, sendo
saudado pelo confrade Aleilton Fonseca.
19 – Seminário Novas Letras – Novembro Negro – A arte Negra:
literatura e cinema. Letras Biopóliticas: José Eduardo Aqualusa,
Ferréz e Mv. Bill na cena afro-brasileira, Henrique Freitas (UFBA)
– O protagonismo do negro no filme etnográfico e na etnoficção, Mohamed
Bamba (UFBA) – O Ritual afro-brasileiro de matar e de comer
num texto de ficção, Valdomiro Santana (FPC).
25 – Lançamento do livro A força da vocação – no desenvolvimento
das pessoas e dos povos, do acadêmico Joaci Góes.
26 – Homenagem dos Centenários dos acadêmicos Lafaiete Spinola,
Eloyvaldo Chagas Oliveira e Ortando Gomes, sendo oradores os
acadêmicos: Aleilton Fonseca, Waldir Freitas oliveira e João Eurico
Matta.
30 – Curso Quilombo no Brasil, ministarado pela Profª. e acadêmica
Yeda Pessoa de Castro (ALB/UNEB).
Dezembro
1º a 04 – Curso Quilombo no Brasil, ministarado pela Profª. e
acadêmica Yeda Pessoa de Castro (ALB/UNEB).
02 – Sessão especial. Com a palavra o escritor – Antonio Miranda,
apresentação de Myriam Fraga. Lançamento do Catálogo do acervo
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de documentos, volume I, reunindo a produção ativa do escritor
Jorge Amado. Evento realizado pela Fundação Casa de Jorge
Amado.
04 – Encontros Literários na ALB (poesia): Myriam Fraga e Ildásio
Tavares, comentários de Evelina Hoisel e Gustavo Felicíssimo;
coord. do poeta Luis Antonio Cajazeira Ramos (Ponto de Cultura).
10 – Lançamento do livro A construção da Uniersidade Baiana do
acadêmico Edivaldo Boaventura, na biblioteca Reitor Macedo
Costa, Campus de Ondina.
15 – Congraçamento de acadêmicos e funcionários, entrega de
distinção Diploma de Honra ao mérito à Marcelo Nilo, José
Dirson Argolo, Sylvia Athayde, Waldir F. Oliveira e João Eurico
Matta; entrega de certificados à Carlos Paiva, José Raimundo Lima,
Levi Vasconcelos, Marcos Lessa, José Antonio cajazeira Ramos,
Maria Lúcia Martins, Antonella Roschilli, José Nilton C. Pereira,
Ubiratan Castro, Fernanda Bezerra; entrega de Diploma amigo
da ALB, ao Prof. José Nilton C. Pereira e ao Presidente da
Assembleia Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo.
16 – Seminário Novas Letras – Variedades Culturais literatura, música
e cordel. Palestras: O trânsito dos poetas faústicos na literatura Ocidental
(Dêmisson Padilha Filho); A ludicidade na literatura de cordel (Antonio
Carlos Barreto); Cartas contemporâneas (Sapiranga e Fabrício Rios
interpretam Elomar).
17 – Sessão solene para a posse do compositor Paulo Costa Lima
na cadeira nº08, de que foi o último ocupante o acadêmico Ary
Guimarães, sendo saudado pelo confrade Edivaldo Machado
Boaventura.
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Quadro Social da ALB
Cadeira 1 Patrono: Frei Vicente de Salvador
Fundador: José de Oliveira Campos
2º Titular: Júlio Afrânio Peixoto, fundador da Cadeira 25, por
transferência consentida pela Academia
3º Titular: José Wanderley de Araújo Pinho
Titular atual: Luís Henrique Dias Tavares
Posse em 14.06.1968
Cadeira 2 Patrono: Gregório de Mattos e Guerra
Fundador: Aloysio Lopes Pereira de Carvalho, conhecido por
Lulu Parola
2º Titular: Luis Viana Filho
Titular atual: Paulo Ormindo David de Azevedo
Posse em 20.06.1991
O quadro dos titulares da Academia de Letras da Bahia foi eleborado e revisado pelo acadêmico Renato Berbert de Castro (1924-1999), sendo sempre atualizado pela Secretaria da ALB.
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Cadeira 3 Patrono: Manuel Botelho de Oliveira
Fundador: Arthur Gonçalves de Sales
2º Titular: Eloywaldo Chagas de Oliveira
Titular atual: Anna Amélia Vieira Nascimento
Posse em 26.03.1992
Cadeira 4 Patrono: Sebastião da Rocha Pita
Fundador: Braz Hermenegildo do Amaral
2º Titular: João da Costa Pinto Dantas Júnior
3º Titular: Jayme de Sá Menezes
Titular atual: Geraldo Magalhães Machado
Posse em 31.10.2003
Cadeira 5 Patrono: Luís Antônio de Oliveira Mendes
Fundador: Carlos Chiacchio
2º Titular: Antônio Luís Cavalcanti Albuquerque de Barros
Barreto
3º Titular: Carlos Benjamin de Viveiros
4º Titular: José Silveira
5º Titular: Guido Guerra
Titular atual: Carlos Jesus Ribeiro
Posse em 31.05.2007
Cadeira 6 Patrono: Alexandre Rodrigues Ferreira
Fundador: Manoel Augusto Pirajá da Silva
2º Titular: Thales Olímpio Góes de Azevedo
3º Titular: Dom Lucas Cardeal Moreira Neves
Titular atual: Cleise Furtado Mendes
Posse em 15.04.2004.
Cadeira 7 Patrono: José da Silva Lisboa Visconde de Cairu
Fundador: Ernesto Carneiro Ribeiro
2º Titular: Francisco Borges de Barros
3º Titular: Aloísio de Carvalho Filho. Eleito para a Cadeira 26,
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permutou esta, obtendo acordo da Academia, pela Cadeira 7,
com monsenhor Francisco de Paiva Marques, quando ambos
ainda não-empossados.
4º Titular: Nélson de Souza Sampaio
5º Titular: Pedro Moacir Maia
Titular atual: Joaci Fonseca de Góes
Posse em: 24.09.2009
Cadeira 8 Patrono: Cipriano José Barata de Almeida
Fundador: Luís Anselmo da Fonseca
2º Titular: Francisco Peixoto de Magalhães Netto
3º Titular: Adriano de Azevedo Pondé
4º Titular: Ari Guimarães
Titular atual: Paulo Costa Lima
Posse em 17.12.2009
Cadeira 9 Patrono: Antônio Ferreira França
Fundador: José Alfredo de Campos França
2º Titular: Edgard Ribeiro Sanches
3º Titular: Antônio Luís Machado Neto
Titular atual: Cláudio de Andrade Veiga
Posse em 18.05.1978
Cadeira 10 Patrono: José Lino dos Santos Coutinho
Fundador: Antônio Muniz Sodré de Aragão
2º Titular: Altamirando Alves da Silva Requião
Titular atual: Monsenhor Gaspar Sadoc
Posse em 16.10.1990
Cadeira 11 Patrono: Francisco gê Acaiaba de Montezuma, Visconde de
Jequitinhonha
Fundador: Antônio Ferrão Moniz de Aragão
2º Titular: Otávio Torres
3º Titular: Oldegar Franco Vieira
Titular atual: Yeda Pessoa de Castro
Posse em 10.04.2008
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Cadeira 12 Patrono: Miguel Calmon, Marquês de Abrantes
Fundador: Miguel Calmon du Pin e Almeida
2º Titular: Alberto Francisco de Assis
3º Titular: Afonso Rui de Sousa
4º Titular: Itazil Benício dos Santos
Titular atual: Aramis de Almada Ribeiro Costa
Posse em 25.11.1999
Cadeira 13 Patrono: Francisco Moniz Barreto
Fundador: Egas Moniz Barreto de Aragão, literariamente
conhecido por Pethion de Villar
2º Titular: Afonso de Castro Rebelo Filho
3º Titular: Walter Raulino da Silveira
4º Titular: Odorico Montenegro Tavares da Silva
5º Titular: Luís Fernando Seixas de Macedo Costa
Titular atual: Myriam de Castro Lima Fraga
Posse em 30.07.1985
Cadeira 14 Patrono: Francisco Gonçalves Martins, Visconde de São
Lourenço
Fundador: Bernardino José de Sousa
2º Titular: Alberto Alves Silva
3º Titular: Edgard Rego Santos
4º Titular: Raul Batista de Almeida
5º Titular: Carlos Vasconcelos Maia
6º Titular. Epaminondas Costalima
Titular atual: Gláucia Maria de Lemos
Posse em 21.10.2010
Cadeira 15 Patrono: Ângelo Moniz da Silva Ferraz, Barão de
Uruguaiana
Fundador: Otaviano Moniz Barreto
2º Titular: Hèlio Gomes Simões
Titular atual: João Carlos Teixeira Gomes
Posse em 08.06.1989
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Cadeira 16 Patrono: José Tomáz Nabuco de Araújo
Fundador: Eduardo Godinho Espínola
2º Titular: Orlando Gomes dos Santos
Titular atual: João Eurico Matta
Posse em 10.05.1989
Cadeira 17 Patrono: Antônio Ferrão Moniz
Fundador: Gonçalo Moniz Sodré de Aragão
2º Titular: Leopoldo Braga
3º Titular: Carlos Eduardo da Rocha
Titular atual: Ruy Espinheira Filho
Posse em 15.09.2000
Cadeira 18 Patrono: Zacarias de Góes e Vasconcelos
Fundador: José Joaquim Seabra
2º Titular: Augusto Alexandre Machado
3º Titular: Dom Avelar Brandão Vilela
Titular atual: Waldir Freitas Oliveira
Posse em 27.10.1987
Cadeira 19 Patrono: João Maurício Vanderley, Barão de Cotegipe
Fundador: Severino dos Santos Vieira
2º Titular: Arlindo Coelho Fragoso. Fundador da Cadeira 41,
criada em caráter provisório, transferiu-se para esta, após a morte
de Severino Vieira, ocorrida a 27 de setembro de 1917, a fim de
que fosse extinta a temporária.
3º Titular: Deraldo Dias de Morais
4º Titular: Guilherme Antônio Freire de Andrade Filho
5º Titular: Godofredo Rebelo de Figueiredo Filho
Titular atual: Cid José Teixeira Cavalcanti
Posse em 25.03.1993
387
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
Cadeira 20 Patrono: Augusto Teixeira de Freitas
Fundador: Carlos Gonçalves Fernandes Ribeiro
2º Titular: Epaminondas Berbert de Castro
3º Titular: Lafayette Ferreira Spínola
4º Titular: Ivan Americano da Costa
5º Titular: Joaquim Alves da Cruz Rios
Titular atual: Aleilton Santana da Fonseca
Posse em 15.04.2005
Cadeira 21 Patrono: Francisco Bonifácio de Abreu, Barão da Vila da
Barra
Fundador: Filinto Justiniano Ferreira Barros
2º Titular: Estácio Luís Valente de Lima
3º Titular: Jorge Amado
4º titular: Zélia Gattai Amado
Titular atual: Antonio Brasileiro Borges
Posse em: 10.06.2010
Cadeira 22 Patrono: José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio
Branco
Fundador: Ruy Barbosa
2º Titular: Ernesto Carneiro Ribeiro Filho
3º Titular: Aloísio Henrique de Barros Porto
Titular atual: Clóvis Álvares Lima
Posse em 08.05.1980
Cadeira 23 Patrono: Antônio Januário de Faria
Fundador: João Américo Garcez Fróes
2º Titular: Jorge Calmon Moniz de Bittencourt
2º Titular atual: Samuel Celestino Silva Filho
Posse em 21.08.2008
Cadeira 24 Patrono: Demétrio Ciriaco Tourinho
Fundador: Luís Pinto de Carvalho
388 R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
2º Titular: Luís Menezes Monteiro da Costa
3º Titular: Renato Berbert de Castro
Titular atual: Francisco Soares de Senna
Posse em 27.04.2000
Cadeira 25 Patrono: Pedro Eunápio da Silva Deiró
Fundador: Júlio Afrânio Peixoto. Com o consentimento da
Academia, transferiu-se para a Cadeira 1 após a morte de seu
fundador, José de Oliveira Campos.
2º Titular: Francisco Hermano Santana
3º Titular: Raimundo de Sousa Brito
4º Titular: Luís Augusto Fraga Navarro de Brito
Titular atual: Fernando da Rocha Peres
Posse em 16.06.1988
Cadeira 26 Patrono: Dom Antônio de Macedo Costa
Fundador: Padre José Cupertino de Lacerda
2º Titular: Alberto Moreira Rabelo, único membro da
Academia que faleceu antes de tomar posse.
3º Titular: Monsenhor Francisco de Paiva Marques.
Eleito para a Cadeira 7, permutou esta pela Cadeira 26, com
Aloísio de Carvalho Filho, quando ambos ainda nãoempossados.
4º titular: César Augusto de Araújo
Titular atual: Roberto Figueira Santos
Posse em 10.08.1971
Cadeira 27 Patrono: Francisco Rodrigues da Silva
Fundador: Frederico de Castro Rebelo
2º Titular: Antônio Gonçalves Vianna Júnior
3º Titular: Jaime Tourinho Junqueira Aires
4º Titular: Antônio Loureiro de Souza
Titular atual: James Amado
Posse em 26.04.1990
389
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
Cadeira 28 Patrono: Luís José Junqueira Freire
Fundador: Francisco Torquato Bahia da Silva Araújo
2º Titular: Homero Pires de Oliveira e Silva
3º Titular: José Calasans Brandão e Silva
Titular atual: Consuelo Pondé de Sena
Posse em 14.03.2002
Cadeira 29 Patrono: Agrário de Souza Menezes
Fundador: Antônio Alexandre Borges dos Reis
2º Titular: Manços Chastinet Contreiras
3º Titular: Colombo Moreira Spínola
4º Titular: Jorge Faria Góes
Titular atual: Hélio Pólvora
Posse em 08.03.1994
Cadeira 30 Patrono: Joaquim Monteiro Caminhoá
Fundador: Antônio do Prado Valadares. Permutou a cadeira
com Roberto José Correia, titular da 38.
2º Titular: Roberto José Correia
3º Titular: Alfredo Vieira Pimentel
4º Titular: Nestor Duarte Guimarães
5º Titular: Josaphat Ramos Marinho
Titular atual: Paulo Furtado
Posse em 24.04.2003
Cadeira 31 Patrono: Belarmino Barreto
Fundador: Ernesto Simões da Silva Freitas Filho
2º Titular: José Luís de Carvalho Filho
Titular atual: Florisvaldo Mattos
Posse em 23.11.1995
Cadeira 32 Patrono: André Pinto Rebouças
Fundador: Teodoro Fernandes Sampaio
2º Titular: Isaías Alves de Almeida
3º Titular: Zitelmann José Santos de Oliva
390 R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
Titular atual: Gérson Pereira dos Santos
Posse em 28.11.1991
Cadeira 33 Patrono: Antônio de Castro Alves
Fundador: Francisco Xavier Ferreira Marques
2º Titular: Heitor Praguer Fróes. Tomou posse em 15 de
novembro de 1931, na Cadeira 34, transferindo-se para esta,
após a morte de Xavier Marques
3º Titular: Waldemar Magalhães Mattos
Titular atual: Ubiratan Castro
Posse em 17.11.2004
Cadeira 34 Patrono: Domingos Guedes Cabral
Fundador: José Virgílio da Silva Lemos
2º Titular: Heitor Pragues Fróes. Transferiu-se para a Cadeira
33, depois do desparecimento de Xavier Marques
3º Titular: Adalício Coelho Nogueira
4º Titular: Walfrido Moraes
Titular atual: Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Posse em 27.10.2005
Cadeira 35 Patrono: Manoel Vitorino Pereira
Fundador: Antônio Pacífico Pereira
2º Titular: Afonso Costa
3º Titular: Rui Santos
4º Titular. Rubem Rodrigues Nogueira
Titular atual: João da Costa Falcão
Posse em 09.09.2010
Cadeira 36 Patrono: Joaquim Jerônimo Fernandes da Cunha
Fundador: Afonso de Castro Rebelo
2º Titular: Mosenhor Manuel de Aquino Barbosa
3º Titular: Hildegardes Vianna
Titular atual: José Carlos Capinan
Posse em 17.08.2006
391
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , n. 49, 2010
Cadeira 37 Patrono: João Batista de Castro Rebelo Júnior
Fundador: Almachio Diniz Gonçalves
2º Titular: Edith Mendes da Gama e Abreu
3º Titular. Antonio Carlos Magalhães
Titular atual: Dom Emanuel d’Able do Amaral
Posse em: 28.05.2009
Cadeira 38 Patrono: Alfredo Tomé de Brito
Fundador: Oscar Freire de Carvalho
2º Titular: Roberto José Correia. Permutou sua cadeira com
Prado Valadares, fundador da Cadeira 30.
3º Titular: Antônio do Prado Valadares
4º Titular: Cristiano Alberto Müller
5º Titular: Wilson Mascarenhas Lins de Albuquerque
Titular atual: Armando Avena Filho
Posse em 28.04.2005
Cadeira 39 Patrono: Francisco de Castro
Fundador: Clementino Rocha Fraga Filho
Titular atual: Edivaldo Machado Boaventura
Posse em 06.08.1971
Cadeira 40 Patrono: Francisco Cavalcanti Mangabeira
Fundador: Otávio Cavalcanti Mangabeira
2º Titular: Manoel Pinto de Aguiar
Titular atual: Consuelo Novais Sampaio
Posse em 26.11.1992
Obs.:
Cadeira 41 Criada em caráter provisório para que Arlindo Fragoso,
idealizador e organizador da Academia, não lhe ficasse de fora, devendo
ser extinta com o falecimento de qualquer um dos 41 fundadores.
Patrono: Manuel Alves Branco, Visconde de Caravelas (2º). Fundador
Arlindo Coelho Fragoso. Com a morte de Severino Vieira, em 27 de
setembro de 1917, para a sua Cadeira, de número 19, foi transferido
Arlindo Fragoso, e supressa a cadeira provisória.
392 R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
B AHIA , n. 49, 2010
Endereços dos acadêmicos
LUIZ HENRIQUE DIAS TAVARES
Princ. Leopoldina, 214, aptº 1003, Graça
Salvador - BA - 40150-080
(71) 245-3524
[email protected]
PAULO ORMINDO DE AZEVEDO
Rua João da Silva Campos, 1132, Itaigara
Salvador - BA - 41840-060
(71) 3358 7571
[email protected]
ANNA AMÉLIA VIEIRA NASCIMENTO
Rua Cândido Portinari, 19, Barra
Salvador - BA - 40140-680
(71) 3247 3312
[email protected]
GERALDO MAGALHÃES MACHADO
R. Edith Mendes da Gama e Abreu, nº300
Edfº. Port Saint James, aptoº1403, Itaigara
Salvador - BA - 41815-010
(71) 3353-5356
[email protected]
393
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
CARLOS RIBEIRO
R. do Timbó, 680 Edf. Villa Etruska, aptoº503
Caminho das Árvores
Salvador - BA - 41820-660
(71) 3011-7019/ (71) 8899-5864
[email protected]
CLEISE MENDES
Av. Araújo Pinho, 114/1301, Canela
Salvador - BA - 40110-050
(71)3337 0312
[email protected]
JOACI GÓES
Av. Amaralina, 885 – Edf. Amaralina Center – Loja 9
Salvador -BA - 41900-020
(71) 3444-2308 / (71)8814-3631
[email protected]; [email protected]
Paulo Costa Lima
Rua Sabino Silva, nº282, Edf. Saint Mathieu, aptoº401
Jardim Apipema - Salvador -BA - 40155-250
(71) 8832-1545 /(71)3235-5676
[email protected]
CLÁUDIO VEIGA
Rua Luís de Camões, 51, Matatu
Salvador - BA - 40270-090
(71) 3244 2614
[email protected]
YEDA PESSOA DE CASTRO
Rua Rodrigues Dórea, Qd 23 Lt 3 - Jardim Armação
Salvador -BA - 41750-030
(71) 3461-9033
[email protected]
394 R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
MONSENHOR GASPAR SADOC
Rua Crisipo de Aguiar, 12, aptº 102
Salvador - BA - 40080-310
(71)3336 0346
ARAMIS RIBEIRO COSTA
Rua Piauí, 439, aptº 1103, Pituba
Salvador - BA - 41830-280
71-3240 4969
[email protected]
MYRIAM FRAGA
Rua Waldemar Falcão, 761, aptº 301, Brotas
Salvador - BA - 40295-001
(71) 3356 4611
[email protected]
GLÁUCIA LEMOS
Rua Ceará, 853, apto. 203 - Pituba
Salvador -BA 4l830-450
(71)3240-3688/(71)9147-9904
[email protected]
JOÃO CARLOS TEIXEIRA GOMES
Rua Espírito Santo, 15, aptº 802, Pituba
Salvador - BA - 41830-190
(71) 3240 1712 / (21) 2246-0790
JOÃO EURICO MATTA
Rua Afonso Celso, nº301, Edf. Concórdia, aptoº302 - Barra
Salvador - BA - 40140-080
(71) 3247-0869/ (71)8880-0869
[email protected]
395
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
RUY ESPINHEIRA FILHO
Caixa Postal 10333
Salvador - BA - 41520-970
(71)3287 2225/ (71) 9973-8711
[email protected]
WALDIR FREITAS OLIVEIRA
Rua Tiradentes, 52, Abrantes
Camaçari - BA - 42840-000
(71) 3623 1434
[email protected]
CID TEIXEIRA
Rua das Violetas, 85, Pituba
Salvador - BA - 41810-080
(71) 3452 7202
[email protected]
ALEILTON FONSECA
Rua Rubem Berta, 267, aptº 402, Pituba
41810-045
(71) 3345 1519 / (71)88761519
[email protected]
ANTONIO BRASILEIRO
Rua Alto do Paraná, 300 – Bairro Sim
44.042-000 Feira de Santana - BA 44042-000
(75)3625-8512
[email protected]
CLÓVIS LIMA
Av. Sete de Setembro, 750, aptº 404, Mercês
Salvador - BA - 40060-001
(71) 3329 4178
396 R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
SAMUEL CELESTINO
Rua do Ébano, nº159 - Edf. Henri Matisse Aptº.1301
Caminho das Árvores
Salvador - BA - 41820-370
(71) 3341-4485 / 71- 3359-7741
[email protected]
FRANCISCO SENNA
Rua Prof. Milton Oliveira, nº73
Edf. Palazzo Anacapri, aptoº202 - Barra
Salvador - BA -40.140-100
(71)9967-0685
FERNANDO DA ROCHA PERES
Av. Sete, 2901, ala norte, aptº 202, Ladeira da Barra
Salvador - BA - 40130-000
(71)3336 3670
ROBERTO SANTOS
Rua Basílio Catalã de Castro, Quinta do Candeal, quadra B, lote 19
Salvador - Bahia - 40280-550
(71) 3276 57549
[email protected]
JAMES AMADO
Rua Edith Gama Abreu, 53, aptº 1203 - Itaigara
Salvador - BA - 41815-010
(71) 3358 5203
CONSUELO PONDÉ DE SENA
Av. Princ. Leopoldina, 288, aptº 301, Graça
Salvador - Ba - 40150-080
(71) 3336 6205
[email protected]
397
R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
HÉLIO PÓLVORA
Av. Sete de Setembro, 1862/1202, Corredor da Vitória
Salvador - BA - 40080-004
(71) 3337 0169
[email protected]
PAULO FURTADO
Orlando Gomes, Costa Verde, Rua A, q. H, 1.3
Salvador - BA - 41650-120
(71) 3367 9481
[email protected]
FLORISVALDO MATTOS
Rua Sócrates Guanaes Gomes, 107,
Aptº 1901, Cidade Jardim
Salavador - BA - 40296-720
(71) 3353 9785
[email protected]
GÉRSON PEREIRA DOS SANTOS
Rua Dr. João Ponde, 86, aptº 501, Barra
Salvador - BA - 40150-810
(71) 3264 3436
UBIRATAN CASTRO
Rua Dr. Clemente Ferreira, 117, aptº 11
Salvador - BA - 41110-200
(71) 3237 2364
[email protected]
EVELINA HOISEL
Rua Mons. Gaspar Sadoc, 48, Jardim de Alá
Salvador - BA - 41750-200
(71) 3343 5789
[email protected]
398 R EVISTA
DA
A CADEMIA
DE
L ETRAS
DA
BAHIA , n. 49, 2010
JOÃO FALCÃO
R. Profº Clementino Fraga, 163/301 - Jd. Atlântico
Ondina -Salvador - BA - 40170-050
(71) 3356 4611
[email protected]
JOSÉ CARLOS CAPINAN
Rua Tamoios, 96, Rio Vermelho
41940-040 – Salvador - BA - 41940-040
(71) 3345 2080
[email protected]
DOM EMANUEL D’ABLE DO AMARAL
Largo São Bento, 01 Centro
Salvador - BA - 41205-220
(71) 2106-5272 /8151-1053
[email protected]
ARMANDO AVENA
Jardim Gantois, 346, Rua C, Piatã
Salvador - BA - 41680-170
(71)3115 3694
[email protected]
EDIVALDO M. BOAVENTURA
Rua Dr. José Carlos, 99, aptº 801, Acupe
Salvador - BA -40290-040
(71)3276 1242
[email protected]
CONSUELO NOVAIS SAMPAIO
R. Catarina Paraguaçu nº02 aptoº805 - Graça
Salvador - BA - 40150-200
(71)3331-3694/3012-1010/9976-4656
[email protected]
399
R EVISTA
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L ETRAS
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MEMBROS CORRESPONDENTES
ANTONIO CARLOS SECCHIN
Av. Atlântica, 2112, aptº801
Copacabana - Rio de Janeiro - RJ - 22021-001
(21) 2236-1112
[email protected]
ANTONIO CELESTINO
Casa do Ribeiro – São João Del Rei
4830 – Póvoa do Lanhoso – Portugal
ÁTICO FROTA VILLAS-BOAS DA MOTA
Rua Dr. Manoel Vitorino, 411 - Coité
Macaúbas -BA - 46500-000
(77) 3473-1292
CYRO DE MATTOS
Travessa Rosenaide, 40 / 101 – Zildolândia
45600-395 – Itabuna – BA
(73) 3211-1902 /(73) 88461883
[email protected]
DOMINIQUE STOENESCO
26 bis, allée Guy Mocquet - 94170
Le Perreux-sur-Marne
França
(003133) 1 48 72 16 56 / (003133) 06 08 65 50 23
[email protected]
FLANKLIN W. KNIGHT
2902 W. Strathmore Avenue
Baltimore, Maryland 21209 -USA
400 R EVISTA
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GLÓRIA KAISER
Dr. Robert Siegerst, 15
A 8010 – Graz
Áustria – Europa
HELENA PARENTE CUNHA
Rua das Laranjeiras, 280/200
Rio de Janeiro- RJ -22240-001
((21) 2285 2130 / (21) 9974 4119
[email protected]
ISA MARIA CARNEIRO GONÇALVES
Rua Milton Melo, 413 - Santa Mônica
Feira de Santana -BA - 44050-560
(75) 3625-2416
[email protected]
LUIS ALBERTO VIANNA MONIZ BANDEIRA
Reilinger Strasse, 19, D - 68789
DEUTSCHLAND – Alemanha
VAMIREH CHACON
Universidade de Brasília
Instituto de Ciência Política
Brasília - DF - 70910-900
401
Revisão e acompanhamento gráfico:
ALEILTON FONSECA
Digitação:
LUCIA PAIM
Preparação e fechamento de arquivos
MARCEL SANTOS
Impressão:
VIA LITTERARUM
Tiragem
600 exemplares