Abr/Jun 2010

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Abr/Jun 2010
ISSN 2175-2338
www.eurp.edu.br
Volume 2 n. 2 – Abr/Jun 2010
EURP
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Editor Científico
Wellington de Paula Martins
Editor Executivo
Francisco Mauad Filho
Conselho Editorial
Adilson Cunha Ferreira
João Francisco Jordão
Augusto César Garcia Saab Benedeti
Jorge Garcia
Carlos César Montesino Nogueira
Jorge Renê Arévalo
Carolina Oliveira Nastri
José Eduardo Chúfalo
Daniela de Abreu Barra
Luis Guilherme Nicolau
Fernando Marum Mauad
Procópio de Freitas
Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta
Simone Helena Caixe
Gerson Cláudio Crott
Secretária Executiva
Amanda Aparecida Vieira Fernandes
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2008
Expediente
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives – EURP
ISSN 2175-2338
Publicação oficial da EURP
Escola de Ultra-Sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto
Diretor Presidente
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Francisco Mauad Filho
Francisco Mauad Neto
Diretor de Pesquisa
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Fernando Marum Mauad
Wellington de Paula Martins
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Professores
Adilson Cunha Ferreira
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Augusto César Garcia Saab Benedeti
José Eduardo Chúfalo
Carlos César Montesino Nogueira
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Daniela de Abreu Barra
Luiz Alberto Manetta
Fernando Marum Mauad
Luis Guilherme Carvalho Nicolau
Francisco Mauad Filho
Márcia Regina Ferreira Patton
Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta
Procópio de Freitas
Gerson Claudio Crott
Simone Helena Caixe
Jorge Garcia
Wellington de Paula Martins
Jorge Renê Garcia Arévalo
SUMÁRIO
EURP v. 2, n. 2, p 51-103 – Abr/Jun 2010
ISSN 2175-2338
Classificação ultrassonográfica dos nódulos sólidos da mama
51
The Sonographic classification of solid breast masses
Alex S Leão, Carolina O Nastri, Wellington P Martins
Ecocardiografia na avaliação da doença de Chagas
55
Evaluation of Chagas’ disease by echocardiography
Arnaldo L Fonseca, Wellington P Martins
Marcadores ultrassonográficos e bioquímicos na detecção precoce
60
da pré-eclâmpsia
Sonographic and biochemical markers in the early detection of preeclampsia
Candice Goldhardt, Wellington P Martins
Doppler da artéria oftálmica na pré-eclâmpsia
65
Ophthalmic artery Doppler in preeclampsia
Christiano S Hallack, Carolina O Nastri, Wellington P Martins
Papel da ultrassonografia endoscópica na coledocolitíase
70
The role of ultrasonography in choledocholithiasis
Javier R Gonzales, Wellington P Martins
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010
A avaliação das efusões pleurais pela ultrassonografia
73
The evaluation of pleural effusions by ultrasound
Pábia F Simão, Wellington P Martins
Ultrassonografia em uroginecologia: técnica e aplicações clínicas
77
Ultrasonography in urogynecology: technics and clinical applications
Patrícia de A S Reis, Wellington P Martins
Determinação do sexo fetal através da ultrassonografia
83
Determination of fetal gender by ultrasound
Luiz G R Saucedo,Francisco Mauad Filho, Carolina O Nastri, Wellington P Martins
Ecocardiografia e o Coração do Atleta
93
Echocardiography and the Athlete`s Heart
Armando F Machado Filho, Wellington P Martins
A utilização da ecocardiografia na avaliação da cardiotoxicidade
102
por adriamicina
The use of echocardiography in the evaluation of adriamycin cardiotoxicity
José Antônio F Martins, Wellington P Martins
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010
Artigo de Revisão
Classificação ultrassonográfica dos nódulos sólidos da mama
Sonographic classification of solid breast masses
Alex S Leão1, Carolina O Nastri 1,2, Wellington P Martins 1, 2
A ultrassonografia é considerada principal adjuvante da mamografia na atualidade, é empregada como complemento na avaliação de lesões circunscritas, para diferenciação entre nódulos sólidos de cistos, na investigação da
densidade assimétrica e importante método utilizado no direcionamento de procedimentos diagnósticos e agulhamentos pré-cirúrgicos. Apesar da alta acurácia na diferenciação entre nódulos sólidos e císticos , que varia entre 95%
e 100%, sua capacidade de diferenciar nódulos sólidos benignos de malignos ainda é discutível, e a biópsia é o melhor recurso para o esclarecimento definitivo de uma lesão mamária sólida.
Palavras chave: Ultrassonografia mamária; Biópsia; Neoplasias mamárias.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 19/05/2010, aceito para publicação em
10/06/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Ultrasonography is still considered an adjunct to
mammography; it is used to supplement the evaluation of circumscribed lesions, to differentiate solid and
cystic nodules, in the investigation of asymmetric densities, and is an important method of targeting diagnostic and preoperative procedures. Despite the high
accuracy in differentiating between solid and cystic
nodules, which varies between 95% and 100%, its
ability to differentiate benign from malignant solid
nodules is still debatable, and biopsy is the best resource for the definitive clarification of a solid breast
lesion.
Keywords: Ultrasonography, Mammary; Biopsy;
Breast neoplasms.
52
Leão et al. – Nódulos de mama
Introdução
O câncer de mama representa a primeira causa de
mortalidade por câncer entre as mulheres, constituindo uma doença de elevada incidência em todo mundo
1
. No Brasil, são diagnosticados aproximadamente
32.000 novos casos por ano 1, estimaram-se 31.590
casos novos e 8.670 óbitos decorrentes dessa neoplasia 2. Nas últimas décadas sua incidência vem aumentando anualmente 1,5 a 2 % em todo mundo, principalmente nas áreas de tradicional baixa incidência,
como China e Japão. Por outro lado, outros países
desenvolvidos já estão conseguindo reduções significativas nas suas taxas de mortalidade por câncer de
mama. Acredita-se que essa redução seja devida principalmente ao seu diagnóstico precoce e às novas
opções terapêuticas 2. Houve um aumento do interesse dos órgãos de saúde pública nos últimos anos, os
quais têm direcionado esforços contínuos no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de rastreamento do câncer de mama 1. Além da redução da
mortalidade, o diagnóstico precoce pode permitir
tratamentos menos mutilantes, com maior possibilidade de conservação mamária e com possibilidade de
um resultado estético mais favorável 2.
O valor da ultrassonografia como principal adjuvante da mamografia é indiscutível na atualidade. A
sua utilização como complemento da mamografia
proporcionou uma redução do número de biópsias em
25% a 35%, apenas pela sua capacidade de diferenciar
nódulos sólidos de císticos 1. Além de apresentar a
vantagem de ser um procedimento não invasivo e
bem tolerado pelas pacientes, esse exame também
pode trazer informações importantes complementares ao exame físico e à mamografia 2. Outras indicações dão a avaliação inicial de paciente jovem com
nódulo palpável, auxilia na avaliação da paciente com
implante mamário - tanto para observação da integridade da prótese quanto para do parênquima mamário
que pode estar obscurecido – além de ser constituir
uma importante ferramenta para o direcionamento
de procedimentos diagnósticos, como punção aspirativa com agulha fina e core-biopsy, e agulhamentos
pré-cirúrgicos 3.
Entretanto, apesar dos avanços, a diferenciação
entre nódulos sólidos benignos e malignos ainda é
controversa. Inúmeros estudos foram realizados na
tentativa de desenvolver técnica ou critérios que pudessem distinguir com maior segurança os nódulos
benignos dos malignos à ultra-sonografia 1, 2. Porém
reconhece-se que existe uma sobreposição de características ultrassonográficas no câncer de mama em
relação às lesões benignas, sendo que a biópsia corresponde ao melhor recurso para esclarecimento definitivo de uma lesão mamária sólida 1, 4.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Figura 1. Anatomia ultrassonográfica normal da mama em
3
uma mulher jovem. Adaptado de Fine, 2004 .
Anatomia ultrassonográfica das mamas
A pele aparece como uma camada uniforme cinza
na parte mais superior da imagem entre duas linhas
brancas brilhantes hiperecóicas. As linhas hiperecóicas representam a interface que separa a pele do
transdutor acima e da gordura subcutânea abaixo. O
tecido subcutâneo aparece como uma camada hipoecóica abaixo da pele. A gordura dentro do tecido subcutâneo e da região retromamária, e até mesmo o
tecido adiposo dentro do parênquima mamário tem
uma similar ecogenicidade. O tecido glandular abaixo
da gordura subcutânea tem uma ecogenicidade similar à pele. Todas as camadas estão esquematizadas na
Figura 1. A variação na aparência do tecido glandular
está relacionada à idade e paridade, variando conforme a quantidade de tecido adiposo existente. A paciente mais jovem tem pouco tecido adiposo, a camada
glandular aparece mais uniforme e densa. A paciente
menopausada tende a apresentar maior proporção de
tecido adiposo em relação ao tecido fibro-glandular. A
gordura na mama é hipoecóica, o tecido fibroso é
ecogênico e o tecido glandular é de ecogenicidade
intermediária. A interface entre o tecido adiposo e
glandular é visível ultrassonograficamente.
O tecido mamário acessório pode ocorrer em
qualquer lugar ao longo da “linha do leite”, que se
estende da axila até a virilha. A localização mais comum é a axila 5. O mamilo é rico em tecido fibroso e
por sua vez pode produzir sombra acústica. Atrás do
mamilo ductos retroareolares normais podem ser
vistos como finas ramificações. Esses ductos lactíferos
normais medem de 2 a 5 mm de diâmetro e são muiEURP 2010; 2(2): 51-54
53
Leão et al. – Nódulos de mama
tas vezes vistos com transdutores de alta resolução 5.
Ocasionalmente, cuidados devem ser tomados para
lidar com artefatos de sombreamento criadas pela
convergência dos ligamentos de Cooper. O músculo
peitoral aparece como uma camada relativamente
hipoecóica, ocasionalmente com estrias hiperecóicas,
dependendo do ângulo do transdutor com as fibras
musculares 3. A costela aparece como uma reflexão
hiperecóica curvilínea com densa sombra posterior.
Abaixo do músculo peitoral e das costelas está uma
camada hiperecóica representada pela pleura ou interface do parênquima pulmonar 3. Alterar o plano de
imagem, bem como reconhecer a localização característica da junção profunda do músculo peitoral ajuda a
evitar confundir essa estrutura com uma lesão de
mama 5.
Técnicas de diagnóstico ultrassonográfico da mama
A paciente é geralmente posicionada em decúbito
dorsal com o braço ipsilateral elevado e um travesseiro colocado sob o ombro para ajudar a espalhar a
mama sobre a parede torácica.
Ocasionalmente al
paciente pode ser colocada sentada para acesso a
parte superior da mama. Várias técnicas de varredura
das mamas podem ser utilizadas, sendo a mais freqüente a “ecografia ductal radial”. A varredura radial
começa no mamilo e move-se radialmente para fora
em direção à periferia do parênquima mamário. O
padrão repete-se movendo no sentido horário em
torno do complexo mamilo-areolar. A varredura
transversal segue a varredura radial em uma análise
mais profunda da mama. Quando a lesão é focal, ela é
normalmente documentada tanto com um exame
transversal como com um longitudinal. A orientação
tangencial do transdutor de ultrassom ao lado da borda areolar permite que a região retroareolar seja visualizada adequadamente 3.
Classificação dos achados ultrassonográficos
A fim de assegurar a padronização de critérios de
avaliação, o American College of Radiologiy (ACR)
desenvolveu o Breast Imaging Reporting and Data
System (BI-RADS) em 2003, que consiste em 7 categorias: 1) negativo, 2) benigno, 3) provavelmente benigno, 4) anormalidades suspeitas, 5) altamente sugestivos de malignidade e 6) malignidade conhecida. A
categoria 0 (zero) é atribuído aos exames com resultados exigindo adicional por imagem, devido à avaliação limitada 6.
Dentre os critérios determinantes para a descrição
dos nódulos mamários sólidos observados, são usados
a ecogenicidade comparativa ao parênquima glandular (hipoecogenica, hiperecogenica ou isoecogenica), a
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
presença de ecos internos homogênios e heterogênios, a relação entre o diâmetro ântero-posterior e
látero-lateral, a forma (redonda, oval, lobulada ou
espiculada), o contorno (pseudocápsula, lisa, irregular), a margem (circunscrita e não circunscrita), a presença ou não de halo ecogênico, a presença ou não de
sombra acústica, a presença ou não de reforço acústico, presença ou não de espessamento dos ligamentos
de Cooper 6. Exemplo da imagem de um fibroadenoma pode ser visto na Figuras 2.
Figura 2. Imagem ultrassonográfica de um fibroadenoma
com forma oval, margens circunscritas, contorno liso, interior hipoecogênico e homogêno e relação de diâmetros
lateral/ântero-posterior maior que 1. Adaptado de Fine,
3
2004 .
Critérios de análise das características ultrassonográficas
Em um estudo 2, algumas características dos nódulos mamários foram analisadas quanto à correlação
com malignidade. Dentre os elementos analisados,
encontraram maior chance de malignidade quando
qualquer uma dessas características era positiva:
sombra acústica posterior, contornos irregulares, ecos
internos heterogênios e diâmetro ântero-posterior
maior que o látero-lateral. O achado de halo ecogênico e espessamento dos ligamentos de Cooper não
tiveram importância, o primeiro pela subjetividade na
sua identificação durante o exame e o segundo, devido a sua baixa ocorrência. Neste estudo, contudo,
existiram dois casos de câncer que não apresentavam
nenhuma das características de malignidade. Desta
forma, os autores consideraram que o aspecto de
benignidade à ultrassonografia, como fator isolado,
não exclui a possibilidade de biópsia confirmatória, ou
mesmo seguimento com intervalos mais curtos. NesEURP 2010; 2(2): 51-54
54
Leão et al. – Nódulos de mama
tes casos, outros elementos, como a idade da paciente, puderam ser decisivos.
Já outro estudo 1 considerou como critério mais
importante para a diferenciação dos nódulos como
sendo a margem, classificada como circunscrita e não
circunscrita. A irregularidade e a má definição das
margens foram associadas à malignidade. Em relação
aos contornos, os nódulos foram classificados em
macrolobulados e microlobulados e o risco de malignidade aumentou conforme aumentou o número de
microlobulações (mais do que três por nódulo). O
segundo critério com maior sensibilidade utilizado, no
trabalho, foi a relação entre os diâmetros ânteroposterior e látero-lateral, ou seja, maior eixo longitudinal ou horizontal. No trabalho foi encontrado maior
eixo horizontal entre os nódulos benignos. O halo
ecogênico foi encontrado em 52% dos nódulos malignos e em 98% dos benignos. A identificação da sombra acústica posterior ocorreu em maior porcentagem
nos nódulos malignos, já o reforço acústico posterior
foi encontrado apenas em nódulos benignos.
5. Venta LA, Dudiak CM, Salomon CG, Flisak ME. Sonographic
evaluation of the breast. Radiographics 1994; 14(1): 29-50.
6. Nothacker M, Duda V, Hahn M, Warm M, Degenhardt F, Madjar
H, et al. Early detection of breast cancer: benefits and risks of
supplemental breast ultrasound in asymptomatic women with
mammographically dense breast tissue. A systematic review. BMC
Cancer 2009; 9(335.
Considerações finais
Embora possa ser impossível distinguir todos os
nódulos benignos e malignos de mama utilizando
apenas os critérios ultrassonográficos, uma meta razoável é o de identificar um subgrupo de nódulos sólidos que apresentem um baixo risco de malignidade.
Desta forma, a opção de seguimento em curto intervalo de tempo pode ser oferecida como uma alternativa viável à biópsia. Em um estudo com quatro anos
de seguimento nódulos sólidos palpáveis, com margens circunscritas, e sem calcificadas associadas (semelhante ao BI-RADS categoria 3), Graf et al. concluiu
que esses casos podem ser geridos de forma adequada com curto prazo de acompanhamento, em intervalos de 6 meses por um período de dois anos.
Estudos combinados, que incluiem a utilização de
ultrassonografia e mamografia, demonstraram valor
preditivo negativo perto de 100% para lesões de mama palpáveis, quando ambos são usados em conjunto.
Referências
1. Souza LRMF, De Nicola H, De Nicola ALA, Logullo AF, Szejnfeld J.
Breast nodules: correlation between ultrasound and histological
findings in 433 biopsies. Rev. imagem 2005; 27(4): 225-230.
2. Paulinelli RR, Vidal CSR, Ruiz AN, Moraes VA, Bernardes Junior
JRM, Freitas Junior R. Prospective Study of The Ultrasound
Features in the Diagnosis of Solid Breast Lesions. RBGO 2002;
24(3): 195-199.
3. Fine RE, Staren ED. Updates in breast ultrasound. Surg Clin
North Am 2004; 84(4): 1001-1034, v-vi.
4. Skaane P, Engedal K. Analysis of sonographic features in the
differentiation of fibroadenoma and invasive ductal carcinoma.
AJR Am J Roentgenol 1998; 170(1): 109-114.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 51-54
Artigo de Revisão
Ecocardiografia na avaliação da doença de Chagas
Evaluation of Chagas’ disease by echocardiography
Arnaldo L Fonseca1, Wellington P Martins 1, 2
A ecocardiografia fornece informações valiosas adicionais sobre a estrutura e função cardíaca, que complementa
as informações fornecidas pela eletrocardiografia na cardiopatia chagásica. Cerca de 1 % dos infectados apresentam
a forma aguda da doença sendo a miocardite chagásica aguda ainda mais rara. A evolução para a forma crônica da
miocardiopatia chagásica ocorre após décadas da infecção aguda. Alterações precoces ao Doppler incluem prolongamento do tempo de relaxamento e contração isovolumétrica. Mais da metade dos pacientes sintomáticos apresentam aneurisma apical de ventrículo esquerdo (VE) e alterações da contratilidade segmentar similares as que são
encontradas na doença coronariana. A forma dilatada não segmentar é indistinguível dos demais quadros de miocardiopatia dilatada. Insuficiência mitral e tricúspide pode estar presente. O dano miocárdico crônico pode prejudicar o relaxamento ventricular e o enchimento diastólico. Outras técnicas como Doppler tecidual, modo M-colorido,
ecocardiograma sob estresse farmacológico e ecocardiograma transesofágico complementam o método tradicional
na avaliação do paciente chagásico, sendo importantes ferramentas na detecção da disfunção diastólica e sistólica
bem como presença de trombose intracardíaca.
Palavras chave: Miocardiopatia chagásica; Ecocardiografia.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 10/06/2010, aceito para publicação em
01/07/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
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Abstract
Echocardiography provides valuable information about
cardiac structure and function that complements the information provided by electrocardiography in Chagas heart
disease. About 1% of those infected have the acute form of
the disease and the acute chagasic myocarditis is even
more rare. The evolution to the chronic form of Chagas'
cardiomyopathy occurs decades after the acute infection.
Early Doppler changes include prolongation of the isovolumic contraction and relaxation times. More than half of
symptomatic patients have apical aneurysm of the left
ventricle (LV) and alterations in segmental contractility
similar to those found in coronary disease. The no segmental dilated form is indistinguishable from other presentations of dilated cardiomyopathy. Mitral and tricuspid regurgitation may be present. The chronic myocardial damage
can impair ventricular relaxation and diastolic filling. Other
techniques such as tissue Doppler, color M-mode, pharmacological stress echocardiography and transesophageal
echocardiography complement the traditional method in
the evaluation of chagasic patients, are important tools in
the detection of systolic and diastolic dysfunction and presence of intracardiac thrombosis.
Keywords: Chagas cardiomyopathy; Echocardiography.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 55-59
56
Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas
Introdução
A doença de Chagas é uma infecção causada pelo
protozoário Trypanossoma cruzi, descoberta em 1909
pelo brasileiro Carlos Chagas. Estima-se em cerca de
16 a 18 milhões o número de pessoas infectadas na
América Latina, 5 milhões dos quais no Brasil, e aproximadamente 200.000 novos casos por ano. Em torno
de 100 milhões de pessoas, que habitam em regiões
endêmicas, encontram-se em risco de adquirir a infecção 1.
Diferentes mecanismos têm sido preconizados na
patogenia da doença de Chagas, como destruição
tecidual permanente pelo protozoário, anormalidades
autonômicas, mecanismos auto-imunes e mais recentemente comprometimento da microcirculação coronariana responsável por lesão da microvasculatura
miocárdica, miocitólise e posterior fibrose reparativa
acometendo a contratilidade ventricular e causando
queda do desempenho miocárdico 2.
O acometimento do coração é responsável pela elevada morbimortalidade da doença secundária à
morte por arritmia, insuficiência cardíaca ou por fenômenos tromboembólicos. A suspeita diagnóstica do
comprometimento cardíaco se dá por dados epidemiológicos, achados clínicos, alterações eletrocardiográficas (bloqueio de ramo direito, bloqueio divisional
antero-superior
esquerdo,
bloqueios
átrioventriculares, bradicardia sinusal, arritimias ventriculares polimórficas e alterações de ondas T e Q) 3, alterações radiológicas (cardiomegalia) e através da ecocardiografia bidimensional com Doppler.
Dentro os métodos propedêuticos disponíveis, a
ecocardiografia bidimensional com Doppler configurase como método não-invasivo com custo relativamente baixo, que adiciona informações importantes sobre
a estrutura e função cardíaca na Miocardiopatia Chagásica (MC) bem como na avaliação prognóstica.
Forma aguda
A forma aguda da doença de Chagas pode se manifestar como doença febril não específica com duração
de 2 a 8 semanas, tornando-se manifesta em 1 % dos
infectados 4 . Miocardite chagásica aguda é infreqüente, ocorrendo em cerca de 1 a 5 % dos pacientes que
apresentam a fase aguda (1 a 5 de cada 10.000 infectados) 5. A escassez de descrições ecocardiográficas na
fase aguda da doença transmitida de forma vetorial
deve-se ao fato da grande maioria dos casos passarem
despercebidos clinicamente, associado á dificuldade
diagnóstica da fase aguda e precariedade de recursos
em meio rural. A maior publicação contendo dados
sobre alterações ecocardiográficas na fase aguda da
doença de Chagas incluiu 58 pacientes 6, sendo que
destes 52% apresentaram alterações ao ecocardioExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
grama. Em 42% foi detectado derrame pericárdico,
sendo que de 12 pacientes com quadro clínico de
insuficiência cardíaca 10 apresentavam derrame pericárdico de grau moderado a acentuado. A média da
fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) foi
normal (média da FEVE: 63%), dilatação de VE foi encontrado em 6% dos casos e discinesia anterior ou
apical em 21%.
Em indivíduos imunodeprimidos, especialmente
pós-transplantados, a doença de Chagas pode ser
observada na forma de reativação da doença e manifestações ecocardiográficas como miocardite aguda,
dilatação das câmaras cardíacas, alteração difusa da
contratilidade e comprometimento da função sistólica
de VE podem estar presentes.
Forma indeterminada
Define-se forma indeterminada da doença de Chagas o quadro clínico no qual os pacientes infectados
não apresentam sintomas específicos ou alterações
em métodos complementares como eletrocardiograma ou exames radiológicos, tendo apenas como marcador de anormalidade a presença de exames sorológicos e/ou parasitológicos específicos positivos 7. Cerca de 50% dos pacientes infectados nas áreas endêmicas encontram-se nesta fase e apresentam bom prognóstico, porém cerca de 2 a 5 % evoluem para uma
das formas crônicas da doença cerca de 10 a 20 anos
após a fase aguda 8.
Embora a ausência de anormalidades clínicas, eletrocardiográficas e radiológicas significativas caracterize esta fase da doença, tem-se observado alterações
morfofuncionais cardíacas quando métodos complementares mais sofisticados são utilizados, tais como
ergometria 9, sistema Holter 24 horas, provas autonômicas não invasivas, cintilografia miocárdica 10 e
ecocardiografia 11.
A ecocardiografia na fase indeterminada da doença
de Chagas comumente demonstra ventrículo esquerdo com diâmetros normais ou levemente aumentados, sendo a espessura das paredes dentro dos limites
da normalidade bem como a função ventricular esquerda 12. Nesta fase, entretanto, podem ser encontradas alterações segmentares da contratilidade especialmente envolvendo a parede postero-inferior e o
ápex do ventrículo esquerdo, sendo, não raro, o achado de pequenos aneurismas apicais.
A introdução do Doppler tecidual na prática clínica
tem confirmado a precocidade dos distúrbios contráteis nos pacientes com a forma indeterminada, sendo
que em estudo que avaliou a dinâmica de contração e
expansão longitudinal do miocárdio ventricular esquerdo foi demonstrado um retardo no tempo de
contração isovolumétrico regional ao longo do septo
EURP 2010; 2(2): 55-59
57
Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas
interventricular, denotando distúrbio precoce da dinâmica de encurtamento no eixo longitudinal 13. Outra importante contribuição do Doppler tecidual é a
avaliação do acometimento do ventrículo direito (VD)
que ocorre de forma freqüente e precoce na doença
de Chagas. O Doppler tecidual tem a capacidade de
caracterizar o envolvimento precoce do VD a partir da
avaliação de parâmetros da função sistólica (tempo de
contração isovolumétrica –TCIV, e onda de contração
sistólica-S) e diastólica (ondas de expansão inicial,
tardia e sua relação) ao nível da parede lateral do VD
e do septo interventricular (SIV) 14.
É importante acrescentar que, ao contrário de estudos anteriores que sugerem ser a disfunção diastólica mais precoce do que a disfunção sistólica na doença de Chagas, o estudo com Doppler tecidual tem
demonstrado que a disfunção sistólica também se
apresenta precocemente na cardiopatia chagásica e
que, provavelmente, os métodos para análise da função sistólica nestes estudos não eram sensíveis o bastante para a detecção de anormalidades contráteis
menos pronunciadas 13.
Forma crônica
Estima-se que 30% dos pacientes que evoluem para a forma crônica da doença de Chagas apresentam
cardiopatia crônica 8. A patogenia tem caráter multifatorial e o estudo histológico da cardiopatia chagásica
crônica demonstra alterações como miocardite crônica difusa, infiltrado de células mononucleares e destruição da fibra miocárdica com fibrose 15, sendo alicerce para o amplo espectro de manifestações clínicas, eletrocardiográficas, radiológicas e ecocardiográficas da doença.
A cardiopatia chagásica crônica pode se manifestar
na forma de miocardiopatia dilatada não segmentar,
indistinguível das demais formas de cardiopatia dilatada, onde se observa aumento, por vezes significativos, dos diâmetros cavitários bem como queda da
função sistólica de VE. O comprometimento do VD é
freqüente e associado à pior prognóstico. Insuficiências mitral e tricúspide podem estar presentes associadas à dilatação dos anéis valvares secundário à dilatação ventricular 16.
A avaliação da função ventricular nos indivíduos
chagásicos é essencial, visto a elevada prevalência de
pacientes cardiopatas crônicos que se apresentam
assintomáticos, ás vezes com importante aumento da
área cardíaca e distúrbios de ritmo e/ou condução
cardíaca, representando pior prognóstico associado a
risco elevado de morte súbita. A avaliação do diâmetro sistólico de VE pela ecocardiografia de forma longitudinal bem como diminuição da fração de ejeção
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
de VE se demonstraram variáveis importantes na determinação prognóstica dos pacientes chagásicos 13 8.
Um dos mais interessantes aspectos associados ao
acometimento cardíaco na doença de Chagas é o envolvimento segmentar da contratilidade miocárdica,
dando a esta doença aspectos similares aos da miocardiopatia isquêmica. Os segmentos predominantemente envolvidos são a parede ínfero-posterior do VE
e ápex e podem ser encontrados em cerca de 20-30%
dos pacientes assintomáticos e quase que invariavelmente naqueles com cardiopatia avançada 17 18.
O achado de aneurisma de ventrículo esquerdo é
freqüente, variando em tamanho e localização, sendo
comum o aneurisma apical em “dedo de luva”. A
prevalência média de aneurisma de VE em diferentes
séries foi de 8,5% (variando entre 1,6 a 8,6%) 19 em
indivíduos assintomáticos ou com discreto comprometimento cardiaco e 55% (variando entre 47 a 64%)
em pacientes com comprometimento moderado a
severo 20, estando associado a risco de trombose e
acidente vascular encefálico 21.
Os fenômenos tromboembólicos representam importante papel na avaliação da cardiopatia chagásica
crônica pela elevada morbimortalidade associada,
ocorrendo, em geral, em fase avançadas da cardiopatia chagásica. A maior prevalência de trombos cardíacos ocorre na região apical da cavidade ventricular
esquerda, de fácil acesso ao estudo transtorácico,
porém trombos intracavitários podem ser encontrados em todas as câmaras cardíacas sendo necessário o
ecocardiograma transesofágico nos casos em que a
abordagem transtorácica não for esclarecedora 22.
Análise da função diastólica
A compreensão da importância do enchimento
ventricular na determinação de várias condições fisiopatológicas que podem acometer o coração é essencial no manejo dos pacientes cardiopatas, incluindo a
cardiopatia chagásica crônica.
A cardiopatia chagásica pode levar a um comprometimento de ambas as fases da diástole, inicialmente determinando alterações no relaxamento ventricular e, progressivamente, distúrbios relacionados com a
complacência da câmara e, mesmo em um comprometimento focal e de menor intensidade, pode promover alterações no enchimento ventricular.
A associação entre Doppler pulsado e avaliação de
fluxo de enchimento mitral, fluxo de veias pulmonares
e Doppler tecidual, ao nível do anel mitral, é usada
para classificar os pacientes em quatro grupos de disfunção diastólica: alteração do relaxamento, padrão
pseudonormal, padrão restritivo reversível e restritivo
não reversível 23.
EURP 2010; 2(2): 55-59
58
Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas
Em estudo com 169 pacientes portadores de miocardiopatia chagásica a disfunção diastólica foi evidenciada em 20 % dos pacientes, existindo uma intensa associação entre piora da função diastólica e aumento das dimensões do átrio e ventrículo esquerdo e
diminuição da fração de ejeção de VE. Os dados demonstram uma correlação entre os diversos graus de
disfunção sistólica relacionados com uma progressão
da disfunção diastólica, desde alteração do relaxamento ventricular até evidência de importante elevação das pressões de enchimento, como observado no
padrão restritivo. Velocidade de onda E’ menor que
11 cm/s ao Doppler tecidual e uma relação E/E’ menor
que 7,2, com amostra septal, apresentou alta sensibilidade, moderada especificidade e ainda alto valor
preditivo negativo para detectar o tipo de disfunção
diastólica 19.
Em outro estudo 89 pacientes foram avaliados e
classificados de acordo com a presença de função
diastólica normal ou padrão pseudonormal de enchimento ventricular. Pacientes com padrão pseudonormal apresentavam, com diferença estatisticamente significativa, maiores dimensões de ventrículo esquerdo e menores frações de ejeção de VE. O Doppler
tecidual foi capaz de diferenciar os pacientes com
cardiomiopatia chagásica que apresentavam padrão
de enchimento ventricular normal daqueles com padrão pseudonormal e aumento de pressão de enchimento 13.
Outras técnicas ecocardiográficas
No modo M-colorido, a velocidade de entrada precoce do fluxo através da válvula mitral que se move
em direção ao ápice exibe uma inclinação representando a velocidade de propagação do fluxo sangüíneo.
Em um grupo de pacientes com cardiomiopatia chagásica foi evidenciado diminuição da velocidade de propagação caracterizando alteração do relaxamento,
sendo que tais alterações foram mais acentuadas
naqueles com aneurisma apical de VE 24.
O índice de performance miocárdico (índice Tei) é
um índice de função global que combina o tempo de
duração da sístole e diástole através do Doppler pulsado 25. Um estudo encontrou valores anormalmente
altos do índice de performance miocárdico do VE
(>0,32) em um terço dos indivíduos assintomáticos,
em todos os pacientes sintomáticos, e em 2% do grupo controle. Alterações eletrocardiográficas em pacientes chagásicos assintomáticos foram associados
com o índice de desempenho anormal do miocárdio,
mas não no grupo controle com as mesmas alterações eletrocardiográficas. Os pacientes sintomáticos
apresentaram aumento acentuado do índice de perExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
formance miocárdico do ventrículo direito e esquerdo, sugestivo de disfunção miocárdica grave 26.
Ecocardiograma e avaliação prognóstica na miocardiopatia chagásica
Em diversos estudos clínicos que analisaram variáveis ecocardiográficas associadas a eventos cardiovasculares em pacientes chagásico a função sistólica e as
dimensões do VE foram as únicas que se mostraram
preditores significativos de mortalidade 17.
Em avaliação retrospectiva de 424 pacientes portadores de miocardiopatia chagásica acompanhados
por 7,9 anos, foram identificados seis fatores prognósticos sendo então atribuído pontos para cada variável
proporcional ao gradiente de regressão independentes, sendo então criado um escore, denominado escore de Rassi 27. Tal escore contempla variáveis de fácil
acesso na clínica diária tornando instrumento útil na
determinação prognóstica do paciente chagásico (variáveis do escore de Rassi: classe funcional III ou IV
pela NYHA – 5 pontos, cardiomegalia pela radiografia
torácica - 5 pontos, disfunção sistólica ao ecocardiograma – 3 pontos, presença de taquicardia ventricular
não sustentada durante Holter 24h – 3 pontos, baixa
voltagem do complexo QRS ao eletrocardiograma- 2
pontos, sexo masculino - 2 pontos). Diante da avaliação, os pacientes são divididos em três grupos de
risco: baixo risco (0-6 pontos), risco intermediário (711 pontos) e alto risco (12-20 pontos), correspondendo a uma taxa de mortalidade em 10 anos de 10%, 44
% e 84% respectivamente. Como pode ser observado,
a disfunção sistólica avaliada pelo ecocardiograma
contribui de forma significativa na predição de eventos cardiovasculares no paciente chagásico.
Considerações finais
O ecocardiograma bidimensional com Doppler,
bem como modernas técnicas de avaliação através do
Doppler tecidual, representa importante método de
avaliação propedêutica do paciente nas diversas formas de apresentação da doença de Chagas. Na forma
aguda identifica pacientes com possibilidade de pior
evolução clínica, determinando presença de derrame
pericárdico e risco de tamponamento cardíaco bem
como avaliando função ventricular sistólica. Na forma
indeterminada tem papel fundamental no acompanhamento longitudinal, detecção precoce de alterações e determinação da evolução para cardiopatia
crônica. Na cardiopatia crônica estabelecida possibilita informações importantes das dimensões cavitárias,
contratilidade segmentar e global ventricular, função
diastólica, presença de aneurismas e trombos intracavitários, elementos de grande impacto na estratificação de risco desta doença. Diante das evidências fica
EURP 2010; 2(2): 55-59
59
Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas
claro que o paciente com diagnóstico de doença de
Chagas deve ser submetido a estudo ecocardiográfico
no intuito de determinar a forma clínica da doença e
potenciais alterações cardíacas já existentes principalmente na presença de sintomas clínicos, alterações
eletrocardiográficas e radiológicas.
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EURP 2010; 2(2): 55-59
Artigo de Revisão
Marcadores ultrassonográficos e bioquímicos na detecção precoce da
pré-eclâmpsia
Sonographic and biochemical markers in the early detection of preeclampsia
Candice Goldhardt 1, Wellington P Martins 1, 2
A pré-eclâmpsia é uma das principais causas de morbi-mortalidade materna, fetal e perinatal em todo o mundo.
Por esta razão, a identificação precoce do risco aumentado para o desenvolvimento da pré-eclâmpsia é de grande
importância dentro da obstetrícia. Atualmente, observa-se um grande número de artigos publicados visando o melhor entendimento do papel de marcadores bioquímicos e ultrassonográficos no diagnóstico precoce e seguimento
da patologia. O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão da literatura sobre os métodos ultrassonográficos para o
rastreamento das gestantes de risco e a aplicação conjunta de alguns marcadores bioquímicos.
Palavras chave: Pré-eclampsia; Rastreamento; Ultrassonografia Doppler; Marcadores biológicos.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 03/05/2010, aceito para publicação em
01/07/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Pre-eclampsia is a major cause of morbidity and
maternal mortality, fetal and perinatal mortality
worldwide. Therefore, early identification of increased
risk for developing pre-eclampsia is of great importance in obstetrics. Currently, there is a large number
of articles aiming the better understanding of the role
of biochemical markers and ultrasound in the diagnosis and monitoring of the pathology. Our objective is
to review the literature on the sonographic methods
for screening of pregnant women at risk and the joint
implementation of some biochemical markers.
Keywords: Chagas cardiomyopathy; Echocardiography.
Abstract
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 60-64
61
Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia
Introdução
A pré-eclâmpsia é uma desordem multi-sistêmica
da gravidez, caracterizada pelo surgimento de hipertensão (pressão arterial > 140/90 mmHg) e proteinúria ( > 300 mg em urina de 24 horas) após vinte semanas de gestação em mulheres previamente normotensas 1-3. A pré-eclâmpsia ocorre em 2 – 7% das gestações no ocidente, mas complica em mais de 10% nos
países em desenvolvimento, onde os cuidados emergenciais são freqüentemente inadequados. É a segunda maior causa de mortalidade materna em todo
mundo 2. Dependendo do envolvimento sistêmico,
muitos outros sintomas como edema, distúrbios da
hemostasia, falência hepática ou renal e síndrome
HELLP (hemólise, elevação das enzimas hepáticas e
trombocitopenia) podem também complicar o quadro
clínico da paciente, evoluindo para eclâmpsia na maioria dos casos graves. A etiologia precisa da préeclâmpsia permanece desconhecida, mas acredita-se
que seja multifatorial, entretanto, existe apenas a
certeza do papel central desempenhado pela placenta
na fisiopatologia deste problema 1-3. Apesar de extensos ensaios clínicos, nenhum avanço terapêutico está
disponível para tratamento ou prevenção da préeclâmpsia. Drogas anti-hipertensivas, corticosteróides
para maturação pulmonar fetal ou sulfato de magnésio são indicados para tratar os sintomas e podem
assim adiar em curto prazo o parto, tornado-o mais
seguro 1, 3.
Atualmente, muitos marcadores têm sido descritos
sozinhos ou em combinação para detectar precocemente a pré-eclâmpsia. Entretanto, há uma necessidade por estudos prospectivos de escala mundial para
confirmar a sensibilidade e especificidade desses marcadores antes de eles serem utilizados clinicamente
como teste de triagem que para ser efetivo, precisa
ser suficientemente sensível, específico e deve prover
de um adequado valor preditivo positivo. Também,
outros dados devem ser levados em consideração,
como o custo da mensuração desse marcador, a aceitabilidade pelos pacientes e a possibilidade de adequado controle de qualidade 1, 4.
Uma acurada predição da pré-eclâmpsia é crucial
para permitir o monitoramento e tratamento preventivo das complicações maternas e perinatais. Os estudos que investigam a acurácia preditiva do Doppler
das artérias uterinas têm resultados bastante variáveis. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão
dos recentes avanços publicados sobre a importância
do Doppler como marcador de detecção precoce da
pré-eclâmpsia isoladamente ou combinado com os
marcadores bioquímicos conhecidos.
Marcadores bioquímicos
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Fatores angiogênicos
Angiogênese requer uma complexa relação entre
os fatores pró angiogênicos (VEGF e PIGF) com seus
receptores (flt1 e VEGFR2) que estão presentes em
abundância na placenta. As células placentárias secretam uma forma solúvel do flt1 (sflt1) que está elevada
no soro de pacientes com pré-eclâmpsia. A gravidade
da pré-eclâmpsia é diretamente proporcional ao nível
sanguíneo do sflt1 e inversamente proporcional aos
níveis do VEGF e do PIGF 5. Com base nesses achados
a Roche lançou na Europa um teste de triagem para
pré-eclâmpsia através da mensuração do sflt1 e do
PIGF no segundo trimestre da gestação 1, 3-4.
Endoglina solúvel
É um co-receptor do TGFβ1 e TGFβ3 expresso nas
membranas celulares do endotélio vascular e do sincício trofoblasto. A forma solúvel da endoglina induz a
hipertensão e o aumento da permeabilidade vascular
em ratas prenhas e quando combinado com sflt1 foi
capaz de induzir alterações semelhantes a síndrome
HELLP nas ratas. Em gestantes, a endoglina solúvel
aumenta proporcionalmente com a presença e com a
gravidade da pré-eclâmpsia. Apesar de não ser um
marcador específico, vários estudos recentes tem
tentado melhorar este problema através da combinação com outros marcadores 1-2.
P-Selectina
A P- selectina é um membro da família das moléculas de adesão de superfície celular, expressa em plaquetas e células endoteliais com papel crucial no processo inflamatório através do recrutamento e ativação
dos leucócitos circulantes. A pré-eclâmpsia está associada à extensa ativação plaquetária, sendo possível a
detecção de micropartículas desta proteína no sangue
periférico de mulheres com esta patologia. Recentemente, tem se demonstrado que o aumento sérico da
P-selectina neste caso inicia-se antes mesmo do período sintomático da pré-eclâmpsia, podendo estar
relacionado aos distúrbios do sistema vascular materno. Mesmo com a combinação da P-selectina com
outros marcadores, não foi possível implementar clinicamente um teste de triagem devido a baixas taxas
de detecção de pré-eclâmpsia (59%) 1.
DNA fetal livre
Desde a primeira detecção no plasma materno,
muitos estudos tem testado a utilidade do DNA fetal
livre (cffDNA) em técnicas diagnósticas não invasivas.
Lo e cols. demonstraram pela primeira vez uma associação com a pré-eclâmpsia quando observaram aumento de cinco vezes no plasma sanguíneo de gestantes que sofriam desta patologia. Este resultado foi
EURP 2010; 2(2): 60-64
62
Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia
confirmado em estudos posteriores, entretanto busca-se melhorar os métodos quantitativos através das
diferenças epigenéticas entre o DNA materno e fetal.
A melhora da sensibilidade e especificidade deste
marcador é obtida após combinação com outros marcadores, particularmente com a inibina A 1.
ADAM 12
É uma proteína localizada na membrana celular
que esta envolvida nas interações entre as células e a
matriz extracelular, na fertilização, no desenvolvimento muscular e da neurogênese. Muitos estudos têm
demonstrado diminuição dos níveis plasmáticos de
ADAM12 em gestações cujo feto é trissômico, aneuplóide e com baixo peso ao nascer. Alguns estudos
cujos resultados não foram confirmados demonstraram diminuição significativa da concentração sérica
do ADAM12 em gestações que posteriormente iriam
desenvolver pré-eclâmpsia 1.
PP-13
A proteína placentária 13 (PP13) é um peptídeo
pequeno cujo homodímero possui funções hemostáticas e imunobiológicas na interface materno fetal e no
desenvolvimento da placenta. Concentrações séricas
elevadas de PP13 têm sido encontradas nos últimos
trimestres de gestações com pré-eclâmpsia, RCIU e
partos prematuros. A combinação da medida sérica
do PP13 no primeiro trimestre da gestação com avaliação ultrassonográfica da artéria uterina demonstrou
um bom poder preditivo, detectando precocemente
90% dos casos de pré-eclâmpsia com uma freqüência
de 6% de falso positivo 1-2.
PTX3
A Pentraxina 3 pertence a mesma família da proteína C reativa (PCR) e do peptídeo amilóide sérico
(SAP) com quem possui semelhança em uma das
extremidades. É produzido em vários tecidos em resposta a um estímulo inflamatório. Durante a gravidez,
o PTX3 é expresso no epitélio amniótico do mesoderma coriônico, nos vilos terminais trofoblásticos e no
estroma perivascular da placenta. Alguns estudos
mostram que este aumento é ainda maior em gestações que evoluirão para pré-eclâmpsia 1-2.
PAPP-A
É uma peptidase de 1628 aminoácidos que pode
ser detectada durante a gravidez na circulação materna. É supostamente envolvida em processos proliferativos locais e nos últimos anos, os níveis séricos diminuídos tem sido relatados em mulheres com préeclâmpsia. Além disso, uma correlação diretamente
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
proporcional entre peso ao nascimento e níveis plasmáticos de PAPP-A materno tem sido relatado 1, 4.
Novos candidatos a biomarcadores
Visfatina
É uma enzima secretada pelo tecido adiposo, envolvida na biossíntese da NAD. Muitos estudos têm
mostrado que essa proteína encontra-se alterada no
plasma em diferentes desordens: diabetes melitus
tipo 2, obesidade, retardo de crescimento fetal e diabetes melitus gestacional. Recentemente, um estudo
realizado por Hu e cols. mostrou que os níveis plasmáticos materno da Visfatina estavam significantemente
diminuídos em mulheres com pré-eclâmpsia leve e
ainda mais reduzido em mulheres com pré-eclâmpsia
grave, entretanto, resultados opostos foram relatados
por Fasshauer e cols. demonstrando a necessidade de
mais estudos para avaliar o potencial da Visfatina
como marcador da pré-eclâmpsia 1.
Adrenomedulina
É um peptídeo com efeito hipotensor duradouro
que foi isolado pela primeira vez de um feocromocitoma, por Kitamura em 1993. É expresso em todos os
órgãos, mas é encontrado predominantemente nas
células endoteliais e musculares lisas vasculares, regulando a circulação e a permeabilidade vascular. Os
níveis séricos de Adrenomedulina aumentam durante
uma gravidez normal e elevam-se em gestações com
pré-eclâmpsia. Os dados iniciais foram confirmados
após a observação de elevados níveis de RNAm da
Adrenomedulina no tecido placentário 1.
Auto anticorpos contra receptor da angiotensina
II tipo 1 (AT1)
Há uma forte evidência pelo papel do sistema renina-angiotensina na pré-eclâmpsia. Há dez anos foi
descoberto que pacientes com pré-eclâmpsia desenvolvem auto anticorpos contra o receptor AT1 1. Muitos estudos in vitro confirmaram que esses anticorpos
podem estar relacionados a uma desordem hipertensiva, entretanto, não são específicos para préeclâmpsia podendo ser encontrados em outras intercorrências gestacionais. Atualmente, acredita-se que
o auto anticorpo AT1 pode ser a primeira etapa da
ativação de fatores angiogênicos como sflt-1 5-6.
Doppler das artérias uterinas
Doppler e pré-eclâmpsia
Durante uma gravidez normal a invasão trofoblástica provoca um remodelamento vascular das artérias
uterinas espiraladas. Este fato é necessário para o
aumento fisiológico do suporte sanguíneo aos espaços
intervilosos da gravidez 7. Uma invasão trofoblástica
EURP 2010; 2(2): 60-64
63
Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia
defeituosa esta associada ao desenvolvimento de préeclâmpsia, retardo de crescimento fetal e outras
complicações gestacionais 1-2. Nestes casos a circulação útero placentária permanece em um estado de
alta resistência que causa lesão endotelial generalizada comprometendo a integridade vascular das arteríolas resultando em oclusão venosa, isquemia local e
necrose. Estas condições circulatórias perpetuam a
alta resistência vascular associada a um baixo fluxo
que pode ser mensurado não invasivamente pela ultrassonografia Doppler 8-9.
A ultrassonografia Doppler avalia a velocidade do
fluxo sanguíneo nas artérias uterinas, a persistência
da incisura diastólica precoce após vinte semanas de
gestação ou uma razão anormal das velocidades de
fluxo 10. Gestações em que são observadas essas alterações (alto índice de pulsatilidade e/ou presença da
incisura diastólica) estão associadas ao aumento de
mais de seis vezes na freqüência de pré-eclâmpsia 1, 1112
.
Os estudos mostram que o Doppler das artérias
uterinas realizada no segundo trimestre gestacional é
capaz de detectar de 80 a 90% dos casos de préeclâmpsia de início precoce. Quando realizado no
primeiro trimestre a detecção cai para 40 - 60% dos
casos de pré-eclâmpsia, com uma taxa de falso positivo de 5% 8, 13. Apesar de nenhum teste de triagem
isolado ainda ter sido adotado na prática clinica, a
triagem pelo Doppler de artérias uterinas é o melhor
entre todos os testes clínicos disponíveis até hoje e
certamente o mais estudado 11. Trabalhos promissores almejam melhorar a taxa de detecção e reduzir a
freqüência de falsos positivos através de outros marcadores ultrassonográficos da placentação errônea
(volume placentário tridimensional ou morfologia
placentária) 8.
Triagem com Doppler das artérias uterinas e marcadores bioquímicos maternos
Um dos campos de estudos atuais é associação do
Doppler das artérias uterinas com marcadores mensurados na circulação materna na tentativa de melhorar
a sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo. Essa idéia surgiu com os testes de triagem para
Síndrome de Down. A cada dia, surgem estudos com
as mais variadas combinações de marcadores sorológicos com o Doppler das artérias uterinas com resultados bastante distintos 8.
Um modelo combinando marcadores bioquímicos
com o índice de pulsatilidade média da artéria uterina
no primeiro trimestre foi desenvolvido. Ele foi capaz
de predizer os casos de eclâmpsia da seguinte maneira: o índice de pulsatilidade media da artéria uterina
detectou 50% dos casos; o PAPP-A detectou 5%; o
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
βHCG, 10%; inibina A, 35% e a activina A previu 44%
dos casos. Combinando o marcador ultrassonográfico
com a activina A ou a inibina A sérica materna foi possível detectar, respectivamente, 75% e 92% das pacientes que posteriormente desenvolveram préeclâmpsia, com uma taxa de falso positivo de 5 e 10%.
Quando associado com PAPP-A o índice de pulsatilidade da artéria uterina foi capaz de prever 62% dos
casos de pré-eclâmpsia com uma taxa de 5% de falso
positivo 8.
Esses resultados levantaram uma dúvida a respeito
da importância de uma avaliação ultrassonográfica no
segundo trimestre gestacional em mulheres que tiveram resultados alterados nos testes bioquímicos de
triagem realizados no primeiro trimestre. Os estudos
que abordaram esse tema até hoje mostram um aumento da sensibilidade e especificidade com a combinação dos testes, entretanto, estudos complementares são ainda necessários, pois as amostras populacionais estudadas foram muito pequenas 8.
Considerações finais
Com base nos dados apresentados podemos observar a grande importância do Doppler das artérias
uterinas na predição e prognóstico da pré-eclâmpsia.
Levando-se em consideração apenas os marcadores
(índice médio de pulsatilidade e incisura diastólica
precoce uni ou bilateral) citados no texto é visível que
a realização de tal exame é fundamental nesta prevalente patologia. Estudos futuros ainda podem demonstrar que outros marcadores ultrassonográficos
podem ser identificados auxiliando a taxa de predição
do Doppler. Se pensarmos que associação com marcadores bioquímicos torna o Doppler das artérias uterinas ainda mais sensível e específico, podemos perceber a necessidade de implementar tal procedimento na prática clínica. Apesar do fato de ser um exame
não invasivo e da facilidade de sua realização, a disponibilidade deste exame no Brasil é muito restrita. A
fração da população que possui acesso a este procedimento ainda é muito pequena.
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Artigo de Revisão
Doppler da artéria oftálmica na pré-eclâmpsia
Ophthalmic artery Doppler in preeclampsia
Christiano S Hallack1, Carolina O Nastri 1,2, Wellington P Martins 1, 2
O estudo do fluxo da artéria oftálmica através do Doppler é uma técnica nova que vem ganhando espaço no acompanhamento de gestações de alto risco, com interesse especial nos casos de pré-eclâmpsia. Em razão de suas
semelhanças embriológicas, anatômicas e funcionais com os vasos cerebrais, além de ser um ramo direto da artéria
carótida interna, permite o estudo da circulação cerebral sem o uso de contrastes, radiação ou exames invasivos. O
Doppler da artéria oftálmica pode ser utilizado para diferenciar os estados hipertensivos na gestação (hipertensão
crônica e pré-eclâmpsia) e triar as pacientes com risco de complicações mais graves, ao avaliar o fenômeno de “centralização materna”, tal como visto na adaptação circulatória de fetos em sofrimento. Entretanto, o estudo do fluxo
da artéria oftálmica não se mostrou como um método útil na predição de pré-eclampsia e nem no seguimento das
pacientes com tal patologia.
Palavras chave: Ultra-donografia Doppler; Artéria oftálmica; pré-eclâmpsia.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 10/08/2009, aceito para publicação em
02/07/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
The study of flow through the ophthalmic artery
Doppler is a new technique that has gained importance in monitoring high risk pregnancies, with special
interest in cases of preeclampsia. Because of its embryological similarities in anatomy and function with
cerebral vessels, and the fact that it is a branch of the
carotid artery, allows the study of cerebral circulation
without the use of contrast agents, radiation or invasive tests. The ophthalmic artery Doppler can be used
to differentiate hypertensive states in pregnancy
(chronic hypertension as it assesses the phenomenon
of “centralization” in the mother - as seen in the circulatory adaptation fetuses in distress. However, the
study of ophthalmic artery flow does not constitute a
useful method neither for predicting preeclampsia nor
in the follow-up of these patients.
Keywords: Ultrasonography, Doppler; Ophthalmic
Artery; Preeclampsia.
Abstract
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 65-69
66
Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia
Introdução
Os primeiros relatos de pacientes com préeclâmpsia surgiram a mais de 4.000 anos 1. Com o
passar do tempo várias técnicas foram descritas e
testadas, no intuito de prevenir, tratar ou melhorar o
prognóstico destas pacientes, sem, no entanto, atingir
um objetivo satisfatório 2. Pela sua elevada incidência
(em torno de 12 a 22% das gestações) e alta taxa de
morbiletalidade (no Brasil, é responsável por aproximadamente 24% das mortes maternas 3), o estudo da
pré-eclâmpsia vem se mantendo em foco, em busca
testes que possam predizer ou realizar a detecção
precoce da doença, permitindo assim medidas que
promovam a redução da morbiletalidade.
Inúmeros marcadores foram estudos na tentativa
de predizer a ocorrência de pré-eclâmpsia, sendo que
a maioria dos estudos apresentaram resultados inconsistentes e contraditórios 4, não permitindo a sua aplicação na clínica obstétrica 5-6. O uso do Doppler na
obstetrícia foi introduzido por McCallum et al. em
1977, e não demorou a que ele se destacasse como
um método de grande valia para propedêutica obstétrica, o que diminuiu as indicações de exames invasivos, a mortalidade perinatal e proporcionou aos clínicos um melhor entendimento dos mecanismos circulatórios ocorridos intra-útero, principalmente nas
gestações de alto risco 7.
Recentemente, vem surgindo uma nova aplicação
para o uso do Doppler no acompanhamento de gestações de alto risco, que é o estudo do fluxo da artéria
oftálmica, com interesse especial nos casos de préeclâmpsia.
Anatomia das artérias orbitais
A circulação orbital (Figura 1) é composta por vasos originados da artéria oftálmica, que, por sua vez, é
ramo direto da artéria carótida interna, raramente
originando-se das artérias comunicantes anteriores ou
meníngea média. O vaso tem origem na região temporal e posterior ao nervo óptico, dirigindo-se anteriormente para a região nasal. Na órbita, encontra-se
localizada lateralmente ao nervo óptico. Após cruzar o
nervo óptico, dá origem à grande parte dos seus ramos: artéria central da retina, artérias ciliares posteriores, artéria lacrimal, artéria supratroclear e artéria
supra-orbital 8-10.
A artéria central da retina é identificada junto à
veia de mesmo nome e ao nervo óptico. Termina na
retina sem anastomoses significativas. É um vaso terminal, com mecanismo próprio de auto-regulação,
não sendo sujeita à ação do sistema nervoso autônomo, e, portanto, não servindo para a avaliação em
questão 8-10. As artérias ciliares perfuram a esclera
para irrigarem o corpo ciliar, a íris e a coróide. Podem
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
ser identificadas ao nível da face posterior da região
do globo ocular 8-9. A artéria lacrimal se origina da
artéria oftálmica quando esta ainda percorre lateralmente o nervo óptico. Segue lateral e anterior e dá
origem a um ramo meníngeo recorrente que se anastomosa com a artéria meníngea média fazendo a comunicação entre as artérias carótida interna e externa
8-9
. A artéria supra-orbital é de difícil identificação ao
exame, pois pode se originar de vários pontos da artéria oftálmica, assim como é de difícil identificação a
artéria supratroclear, que irriga o fronte e o couro
cabeludo 8-9.
Uso do Doppler da artéria oftálmica
A idéia de se utilizar a artéria oftálmica da gestante
para o acompanhamento das pacientes de alto risco
veio como uma possibilidade de se estudar a circulação cerebral materna de maneira não invasiva e sem o
uso de contrastes, o que esbarraria em questões técnicas e éticas 11.
O estudo dos vasos oftálmicos através do Doppler
se iniciou no final da década de 80, inicialmente para
investigação de doenças oculares e retro-bulbares. Em
1992, o método começou a ser utilizado para o estudo
da circulação materna nos casos de pré-eclâmpsia, o
que levantou questionamentos sobre a, até então
clássica, teoria da vasoconstrição sistêmica e trouxe
novas teorias para explicar a fisiopatologia da doença,
ao encontrar diminuição dos índices de resistência
nestes casos, e não a vasoconstrição (comemorativo
da pré-eclâmpsia) como se pensava na época. A hiperperfusão e vasodilatação no território oftálmico
foram constatadas em vários estudos posteriores 9, 12.
Verifica-se uma falha na auto-regulação do fluxo
cerebral, na vigência da encefalopatia hipertensiva,
nas pacientes com eclampsia 11. Para este fato, têm-se
duas teorias propostas: a do hiperfluxo (ou vasodilatação forçada) e a do vasoespasmo 13-14.
A primeira delas descreve o aumento do débito
cardíaco seguido por vasodilatação sistêmica compensatória, para manter a pressão arterial estável. Com a
progressão da doença, haveria elevação da resistência
vascular caracterizada pela vasoconstrição 9, 12, 15. A
segunda baseia-se na hipótese de que o vasoespasmo
na pré-eclâmpsia predominaria na microvasculatura,
levando à isquemia local. Assim, inicialmente haveria
um processo compensatório caracterizado pela dilatação de artérias de maior calibre (p.ex: artéria oftálmica), com o intuito de aumentar a perfusão nas áreas
isquêmicas. Acredita-se que a queda da resistência
nos leitos orbitais possa ser decorrente de mecanismos auto-regulatórios vasculares para manter a oxigenação adequada aos territórios nobres, como o
sistema nervoso central, através da abertura de vias
EURP 2010; 2(2): 65-69
67
Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia
secundárias, neste caso, da artéria carótida externa
para artéria carótida interna através da artéria oftálmica 9, 16-17.
Uma confirmação da teoria do hiperfluxo decorre
da observação de que, ao insonar as artérias cerebral
anterior e posterior em pacientes normotensas e com
pré-eclâmpsia, encontraram aumento da perfusão
cerebral com diminuição no índice de resistência nas
pacientes com pré-eclâmpsia, quando comparadas
com as normotensas 10, 18.
A escolha dos vasos orbitais para o estudo da circulação intracraniana é pelo fato de que, embriológica,
anatômica e funcionalmente, estes vasos são similares
aos vasos intracranianos de pequeno calibre 19. A preferência caiu sobre a artéria oftálmica pois esta é ramo direto da carótida interna, responsável por grande
parte da irrigação cerebral. A artéria oftálmica compõe um dos eixos secundários que ligam o sistema
carotídeo externo ao interno, a fim de manter o suporte sanguíneo ao sistema nervoso central 9, 11, 20.
Este eixo é ativado na presença de aumento significativo da resistência da artéria carótida interna (p.ex.:
estenose hemodinamicamente significativa) 9; nesta
situação é de importância primária o desenvolvimento
de potenciais atalhos de fluxo colateral nos territórios
hipoperfundidos, gerando, assim, proteção ao hemisfério contra eventos isquêmicos. Deste modo, a obtenção de informações acerca desses atalhos é do
mais alto interesse clínico 20, sendo a artéria oftálmica, como demonstrado por Kerty em pacientes com
estenose ou oclusão da artéria carótida interna, um
“importante atalho colateral” nos pacientes com estenose ou oclusão da artéria carótida interna, contribuindo como reserva de perfusão cerebral 10, 20.
Baseada nesse princípio, e ao contrário do esperado anteriormente, a literatura nacional e internacional
vem valorizando a pesquisa da hiperperfusão ocular
nas gestantes com pré-eclâmpsia 10.
Técnica de exame
A técnica de exame foi padronizada por Diniz et al..
O exame é realizado após um período de repouso de
10 minutos, com a paciente em decúbito dorsal e com
o transdutor colocado transversalmente sobre a pálpebra com uma pequena quantidade de gel 8. Utilizase o transdutor linear de 7,5MHz. O ângulo de insonação deve ser inferior a 20 graus com filtro de 50Hz,
PRF de 125 kHz e amostra de volume de 2mm 8. Sem
pressionar o transdutor (a fim de não provocar alterações no fluxo), o examinador realiza movimentos no
sentido cranial e caudal para identificar o vaso. A artéria oftálmica deve ser identificada medialmente ao
nervo óptico (Figura 2), e, em qualquer ponto de seu
trajeto (preferencialmente a 15 mm do disco óptico),
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
seu fluxo deve ser registrado até que se obtenha pelo
menos seis ondas sem mudança de padrão 8-9.
Após a aquisição da imagem e registro das ondas,
realiza-se o cálculo dos índices e parâmetros Doppler.
Dentre os índices utilizados, vem ganhando atenção a
razão entre os picos de velocidade, ou peak ratio (Figura 3). Este índice foi descrito por Nakatsuka et al.
em 2002 para avaliar as ondas com padrão dicrótico,
como é o caso da artéria oftálmica. O peak ratio é
obtido dividindo o segundo pico de velocidade pelo
pico de velocidade sistólica, (PVS2/PVS1) 17, assim,
quanto maior for o PVS2, maior será o peak ratio,
configurando um quadro de hiperperfusão no território das artérias oftálmicas 8-9. Além do peak ratio,
também podem ser utilizados outros índices; o índice
de resistência e o índice de pulsatilidade têm a característica de serem ângulo independentes, uma vantagem quando se trata de vasos de trajetória tortuosa,
como a artéria oftálmica 11.
Doppler em pacientes saudáveis
O padrão espectral normal da artéria oftálmica é
uma onda de padrão dicrótico, verificado pela presença de onda monofásica, com ascensão sistólica rápida
e diástole com duas incisuras, proto e mesodiastólicas; há pequena elevação na velocidade de fluxo após
as incisuras, durante a diástole arterial 9, 11. Os índices
mais utilizados são os índices de resistência de Pourcelot e índice de pulsatilidade, e os parâmetros: pico
de velocidade sistólica, velocidade diastólica final e o
peak ratio, descrito por Nakatsuka et al., comentado
anteriormente. 8, 11.
Não há diferenças estatisticamente significativas
dos dados obtidos de um ou outro lado da paciente,
seja se tratando da normalidade ou de doenças sistêmicas, o que faz com que, a não ser em situações distintas de doenças oculares ou retro-bulbares, não haja
a necessidade de se examinar os dois lados, diminuindo pela metade o tempo de realização do exame 8-9.
Outro dado importante é o fato de se tratar de um
exame reprodutível, fato confirmado por vários autores 9, 11, 16, 21. Em média, o tempo para a realização do
exame varia de 5 a 10 minutos 8.
Diniz (2005) identificou que os valores dos índices
Doppler durante uma gestação normal, não sofriam
modificações significativas nas artérias oftálmicas
durante o segundo e o terceiro trimestres da gestação
9, 16
, dados confirmados posteriormente por outros
pesquisadores em estudos com maior número de
pacientes 11, 22-24. Neste estudo, também foram determinados os valores médios de referência para a
normalidade, a pré-eclâmpsia leve e a pré-eclâmpsia
grave (Tabela 1). Carneiro (2006) determinou os intervalos de valores normais para os seguintes índices e
EURP 2010; 2(2): 65-69
68
Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia
parâmetros Doppler: índice de resistência, índice de
pulsatilidade, velocidade de pico sistólico, velocidade
diastólica final, velocidade de fluxo diastólico final e
peak ratio, ao estudar gestações normais entre 20 e
40 semanas 11, 22.
Doppler em pacientes com pré-eclâmpsia
As modificações hemodinâmicas no sistema nervoso central observadas na pré-eclâmpsia se refletem
em alterações significativas nos formatos de onda do
Doppler da artéria oftálmica, com aumento do fluxo
diastólico após a incisura protodiastólica, o que não é
observado nos casos de gestações normais 12. Nas
gestantes com pré-eclâmpsia, observa-se aumento
significativo do segundo pico de velocidade (pico diastólico - PSV2), quando comparados aos traçados de
pacientes normais 9-10, 25. O encontro de elevação do
segundo pico (mesodiástole, após a incisura protodiastólica) e formação de grande corcunda (Figura 4) é o
achado característico dos casos de pré-eclâmpsia 9, 12.
Na comparação dos casos leves e graves, os segundos apresentam elevação significativa nos parâmetros: pico de velocidade sistólica, velocidade diastólica final e peak ratio, sendo estas alterações proporcionais ao agravamento do quadro. Para os demais
índices não houve diferença significativa entre os casos leves e graves 9, 12, 16-17.
Aplicabilidade
Ao estudar a correlação entre a ocorrência de préeclâmpsia, a elevação da PAM e os índices de resistência na artéria oftálmica, verificou-se que o método
é capaz de realizar a diferenciação dos estados hipertensivos na gestação e que os índices de resistência
diminuem na proporção inversa à elevação da pressão
arterial 26.
O método também pode ser utilizado para a triagem de pacientes de risco de complicações centrais
graves, como a eclampsia e fazer a diferenciação entre pacientes com pré-eclâmpsia leve e grave. 9
Quando ao seu uso como teste preditivo, em estudo realizado, utilizando-se o índice de resistência da
artéria oftálmica em primigestas com menos de 26
semanas não foi demonstrada validade na predição
para o surgimento da pré-eclampsia. Este resultado é
condizente com os conhecimentos teóricos que admitem que, para que aconteça o hiperfluxo encefálico, a
paciente já deve estar hipertensa, descaracterizandose o conceito de método preditivo 10.
Considerações finais
O Doppler da artéria oftálmica é um método relativamente novo, de fácil realização e reprodutível, que
permite o estudo da circulação central da gestante,
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
agregando as vantagens de ser não invasivo e de não
utilizar contrastes, não esbarrando, assim, em questões técnicas ou éticas. O desenvolvimento desta nova técnica abriu um novo horizonte para o entendimento da fisiopatologia da pré-eclâmpsia.
Como método para o acompanhamento de gestantes com pré-eclâmpsia, pode ter serventia para diferenciar os estados hipertensivos na gestação (hipertensão crônica x pré-eclâmpsia). Sabe-se que os parâmetros Doppler se alteram na proporção da elevação da pressão arterial e da vasoconstrição materna,
porém, nestes casos, estas medidas refletem “o momento” da realização do exame. Como valor prognóstico a artéria oftálmica poderia triar as pacientes com
risco de complicações mais graves, ao avaliar o fenômeno de “centralização materna”, tal como visto na
adaptação circulatório de fetos em sofrimento.
Como método preditivo, porém, a o estudo do fluxo da artéria oftálmica não apresentou dados estaticamente significantes, pois, para que esta tenha seu
fluxo alterado, a vasoconstrição já deve estar estabelecida.
O estudo do fluxo da artéria oftálmica é um campo
aberto às pesquisas e pode trazer informações importantes para o acompanhamento das pacientes com
pré-eclâmpsia, porém sua aplicabilidade ainda carece
ser mais bem estabelecida.
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Artigo de Revisão
Papel da ultrassonografia endoscópica na coledocolitíase
The role of ultrasonography in choledocholithiasis
Javier R Gonzales 1, Wellington P Martins 1, 2
A ultrasonografia endoscópica (UE) tem uma sensibilidade de 97% para o diagnóstico de coledocolitíase e o seu
valor preditivo negativo é de 100%; superior à ultrasonografia abdominal, tomografia computarizada (TC), TC helicoidal e ao exame microscópico da bílis duodenal. Não apresenta diferença estadísticamente significativa com a pancreato colangiografia retrógrada endoscópica (PCRE), colangio ressonância e a colangiografia intra-operatória (CIO).
A PCRE continua sendo o método padrão para o diagnóstico de litíase da via biliar principal, porém, por apresentar complicações em 3 – 6% dos casos sem esfinterotomia e de 6-12% com esfinterotomia. Este método é
reservado só aos casos confirmados de coledocolitíase, ou com alto risco de coledocolitíase. A ultrasonografia endoscópica vem substituindo a PCRE como método diagnóstico da coledocolitíase em casos de baixo e mediano risco
de litíase da via biliar principal, devido a sua alta sensibilidade e baixo índice de complicações, sendo o método de
escolha para grávida e indivíduos alérgicos aos meios de contraste.
Palavras chave: Coledocolitíase; Endosonografía.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 20/04/2010, aceito para publicação em
08/06/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
Endoscopic ultrasonography (EU) has a sensitivity of
97% for the diagnosis of choledocholithiasis and its negative predictive value was 100%, higher than the one found
for abdominal ultrasound, computerized tomography (CT),
helical CT and microscopic examination of duodenal bile.
Do not present significative statistical difference with pancreato endoscopic retrograde cholangiography (PCRE),
resonance cholangiopancreatography and intraoperative
cholangiography (IOC). The PCRE remains the standard
method for diagnosis of lithiasis of the bile, however, it
complicates in 3-6% of cases without and in 6-12% of cases
with sphincterotomy. This method is reserved only to confirmed cases of choledocholithiasis or patients at high risk
of choledocholithiasis. Endoscopic ultrasonography is replacing the PCRE as a diagnostic tool of choledocholithiasis
in cases of low and medium risk of lithiasis of the bile, due
to its high sensitivity and low complication rate, and the
method of choice for pregnant and allergic individuals the
means of contrast.
Keywords: Choledocholithiasis; Endosonography.
71
Gonzales e Martins – Coledocolitíase
Introdução
Cerca de 15 a 20 % dos casos de litíase vesicular
sintomática tem coledocolitíase concomitante 1.
Quando o paciente apresenta dor no hipocôndrio
direito, icterícia e acolia são necessários exames bioquímicos: dosagem de bilirrubinas sérica, fosfatase
alcalina, gama glutamil transferase. Os resultados
elevados orientarão a uma icterícia obstrutiva, sendo
a causa mais freqüente a coledocolitíase ou litíase da
via biliar principal. Para confirmação diagnóstica é
necessária a utilização de métodos de imagem, objetivando a visualização da litíase; aqui é onde a ultrasonografia endoscópica tem grande vantagem em relação aos outros métodos de imagem, como a ultrasonografia abdominal, tomografia computarizada, tomografia computarizada helicoidal e é preferida ante
a colangioressonância, PCRE e colangiografia intraoperatória.
Métodos de imagem para coledocolitiase
O exame inicial mais solicitado é a ultrasonografia
abdominal, que tem uma baixa sensibilidade para o
diagnóstico de colédocolitíase (63%) 1 devido à interposição de gás duodenal. A pancreato colangiografia
retrógrada endoscópica (PCRE) é considerada o método padrão-ouro para o diagnóstico de coledocolitíase,
porém, suas complicações são consideráveis, chegando a 3-6% nos casos de PCRE sem esfinterotomia e de
6-12% no PCRE com esfinterotomia 1. As complicações
reportadas são: pancreatite aguda, dor abdominal
transitória e sangramento tardio 2. Foram desenvolvidos outros métodos não invasivos para o diagnóstico
de coledocolitíase, ou com menor incidência de complicações, como a tomografia computarizada (com
sensibilidade de 70%) e a tomografia computarizada
helicoidal (com sensibilidade de 85%). A colangioressonância surgiu como um método não invasivo de
sensibilidade similar à PCRE (91%), porém apresenta
limitação da resolução permitindo o diagnóstico apenas de cálculos maiores que 1,5 mm. Além disso, a
colangioressonância apresenta algumas zonas anatômicas “cegas”, como a região papilar e peri-papilar. A
colangiografia intra-operatória tem uma sensibilidade
similar à PCRE, porém é considerada não conclusiva
em cerca de 9% dos casos, além de que a retirada da
pedra por essa via é tecnicamente difícil 1.
Ultrasonografia endoscópica
A ultrasonografia endoscópica ou endosonografia,
com transdutores de alta freqüência (7,5-12 e 20 Megahertz), tem uma alta sensibilidade (97%), valor preditivo negativo de 100% e acurácia de 97%, valores
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
semelhantes à PCRE, colangioressonância e colangiografia intra-operatória. O transdutor é introduzido via
endoscopia dentro da segunda porção do duodeno,
dirigindo-se ao bulbo duodenal. A ultrasonografia é
feita a través da parede duodenal. A curva de aprendizado exige com experiência mínima de um ano 1 ou
mais de 100 procedimentos 3. As complicações são
mínimas e em quantidade 5 vezes menor que da PCRE
2
. Sendo tão sensível quanto a PCRE e tendo menor
incidência de complicações, a ultrasonografia endoscópica é o método preferido para o diagnóstico de
coledocolitíase. Porém, depois do diagnóstico, precisará de uma PCRE com esfinterotomia como tratamento. Essa estratégia aumentaria o número de procedimentos endoscópicos para o paciente? O Dr.
Polowski (Polonia) demonstrou que não tem diferença
estadisticamente significativa no número de procedimentos endoscópicos entre: a UE diagnóstica seguida
de PCRE terapêutica versus a PCRE diagnóstica e terapêutica; isso devido a que a PCRE diagnóstica precisa
repetir o procedimento após um primeiro exame falido em um 20% dos casos, enquanto que a ultrasonografia endoscópica não 2.
Ultrasonografia endoscópica Vs PCRE
O Dr. Sgouros (Grécia) concluiu que o método diagnóstico de coledocolitíase de eleição é a ultrasonografia endoscópica, sobretudo em grávidas e alérgicos
ao meio de contraste, exceto em casos onde a endoscopia este contra-indicada (Bilroth II, estenose pilórica, divertículo duodenal, idade muito avançada); nesses casos a colangioressonância é preferível. A PCRE
seria reservada só como terapêutica nos casos já diagnosticados ou com alto risco de coledocolitíase 1.
Risco de coledocolitíase
O risco de coledocolitíase foi classificado em vários
graus pelo Dr Larghi (Itália), segundo a tabela 1 4. Observe se que pacientes assintomáticos, com bioquímica e diâmetro de colédoco normais, podem ter coledocolitíase em um 2–3% dos casos e podem ser detectados pela UE.
Fluxograma em casos suspeitos de coledocolitíase
Com toda essa informação foi elaborada uma estratégia de ultrasonografia endoscópica para pacientes suspeitos de coledocolitíase 1, esquematizado na
fig. 1. Demonstrou-se que os pacientes com ultrasonografia endoscópica negativa têm pouca probabilidade de precisar de PCRE durante um ano 5.
Considerações finais
EURP 2010; 2(2): 70-72
Gonzales e Martins – Coledocolitíase
72
Estima-se que 15 a 20 % dos casos de litíase vesicular sintomática apresentam coledocolitíase concomitante. Os casos suspeitos podem ser classificados em
baixo, médio ou alto risco de ter coledocolitíase, segundo o quadro clínico, exames bioquímicos e diâmetro do colédoco. Até 69% dos casos suspeitos são classificados como médio ou baixo risco. A ultrasonografia
endoscópica seria o método de escolha para o diagnóstico de coledocolitíase, sobretudo em gestantes e
indivíduos alérgicos ao meio de contraste. Os positivos serão submetidos à PCRE terapêutica, assim como
os pacientes primariamente classificados como de alto
risco (31%). Dessa maneira a PCRE ficaria reservada
principalmente como terapêutica, evitando complicações desnecessárias nos casos em que a probabilidade
de coledocolitíase é menor. As contra-indicações da
ultrasonografia endoscópica são as mesmas que às da
endoscopia (Bilroth II, estenose pilórica, divertículo
duodenal, idade avançada). Nesses casos a colangioressonancia é a preferida por ser um método não
invasivo de alta sensibilidade. A tomografia computarizada helicoidal é recomendada para avaliar a via
biliar intra-hepática e o conduto hepático direito, áreas onde a ultrasonografia endoscópica não alcança.
A colangiografia intra-operatória teria só uma vantagem, a demonstração de variantes anatômicas da via
biliar. A ultrasonografia endoscópica tem uma sensibilidade de 97% para o diagnóstico de coledocolitíase, o
seu valor preditivo negativo é de 100% e sua acurácia
é de 97%; superior à ultrasonografia abdominal, tomografia computarizada e tomografia computarizada
helicoidal. Não tem diferença estadisticamente significativa com a PCRE, colangioressonância e a colangiografia intra-operatória. Suas complicações são mínimas, sendo 5 vezes menor que da PCRE.
Referências
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other diagnostic modalities in the diagnosis of choledocholithiasis.
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stone? A prospective follow-up study of 238 patients. Endoscopy
2003; 35(5): 411-415.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 70-72
Artigo de Revisão
A avaliação das efusões pleurais pela ultrassonografia
The evaluation of pleural effusions by ultrasound
Pábia F Simão1, Wellington P Martins 1, 2
A efusão pleural ocorre devido a um desequilíbrio entre a produção e absorção de líquido pelas pleuras e vasos
linfáticos do espaço pleural. Sua presença pode ser avaliada pelo exame físico e utilizando-se exames de imagem
para confirmar ou descartar sua existência, que são o raio-X, a tomografia computadorizada e o ultrassom. Cada um
desses exames apresenta vantagens, desvantagens e limitações, sendo que a ultrassonografia pleural fornece as
características da efusão, as maneiras de estimar seu volume e como auxiliar na realização da punção com baixo
risco de complicações.
Palavras chave: Efusão pleural; Ultrassom pleural; Toracocentese.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 18/08/2009, aceito para publicação em
02/05/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
The pleural effusion occurs due to an imbalance
between production and absorption of fluid by the
lymphatic vessels of the pleura and pleural space.
Their presence can be assessed by physical examination and by using imaging tests to confirm or discard
its existence; which are the X-ray, the computed tomography and ultrasound. Each of these tests has
advantage, disadvantage and limitations, and the ultrasound provides characteristics of pleural effusion,
the ways to estimate its volume and assist in achieving
the puncture with a low risk of complication.
Keywords: Pleural effusion; Pleural ultrasound;
Thoracentesis.
Abstract
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 73-76
74
Simão & Marins – Efusões pleurais
Introdução
A efusão pleural é um evento que pode ser esperado em algumas patologias (como nas insuficiências
cardíaca e hepática) ou pode representar uma mudança inesperada (como nos processos infecciosos e
hemorrágicos) nas condições clinicas de um paciente,
alterando sua evolução e prognóstico. Sendo assim,
na suspeita de sua presença pelo exame clinico, é
imperiosa a utilização de exames de imagem para
definir sua real existência, e quando presente suas
características, seu volume e auxiliar no seu diagnóstico através da realização de punção para analise bioquímica.
Para esta avaliação, existem três tipos de exame de
imagem: a radiografia de tórax nos decúbitos dorsal e
lateral, a tomografia computadorizada e a ultrassonografia (USG). A mais utilizada e a primeira a ser realizada é a radiografia. Quando não há restrições para a
realização do decúbito lateral, é um exame com alta
acurácia no diagnóstico da efusão1. Quando não é
possível sua realização, somente o raio-X em decúbito
dorsal não ajuda a definir o diagnóstico e outros exames se fazem necessários. A tomografia computadorizada (TC) é o melhor exame para fornecer informações de toda a cavidade pleural, mas é necessária a
remoção do paciente ao setor de propedêutica e a
exposição à radiação. Se há restrições a remoção do
paciente devido à instabilidade hemodinâmica ou
existência de múltiplos dispositivos (respirador, acessos venosos profundos, monitoramento cardíaco,
etc.), a TC torna-se inviável. Nestes casos, a USG torna-se o método de escolha pela possibilidade de ser
realizada a beira do leito, não acarretar em exposição
à radiação, poder ser repetida quantas vezes forem
necessárias 2, sendo útil para guiar a punção da efusão, mesmo em pacientes sob ventilação mecânica 3 e
fornece informações como volume e ecogênicidade
que auxilia na elaboração de um diagnóstico etiológico.
Anatomia e fisiologia da cavidade pleural
A cavidade pleural é um espaço potencial existente
entre as pleuras visceral e parietal, e a distância entre
ambas é inferior a um milímetro 4, o que associado ao
fato de cada pleura apresentar uma espessura de 0,20,4mm, dificulta a individualização das mesmas no
exame normal.
A pleura visceral envolve o parênquima pulmonar
e desliza sobre a pleura parietal devido à existência de
uma fina camada de líquido produzida para permitir
este movimento sem gerar atrito. Esta camada é formada pela transudação de pequena quantidade de
líquido intersticial para o espaço pleural, carreando
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
proteínas teciduais, que lhe confere aspecto mucoso e
é mantida constante pela ação dos vasos linfaticos.
A efusão pleural ocorre por diversas causas que afetam este equilíbrio5, como o bloqueio da drenagem
linfática, o aumento das pressões capilares com aumento da transudação de fluido para a cavidade pleural, a queda da pressão coloidosmótica do plasma,
levando a aumento da transudação e os processos
infecciosos ou inflamatórios acometendo as superfícies pleurais, lesando as membranas capilares e permitindo a passagem livre de proteínas e liquido para o
interior da cavidade pleural.
Avaliação das efusões pleurais
Na suspeita clinica de efusão pleural, inicia-se a investigação com a realização da radiografia de tórax
em duas incidências, postero-anterior(PA) e em decúbito lateral com raios horizontais(DL). Por essas
duas incidências pode-se evidenciar a existência de
líquido na cavidade pleural,sendo que em PA visualiza-se efusões com volume mínimo de 200ml e o DL
com apenas 50 ml 3. Nos pacientes na terapia intensiva (UTI), somente a radiografia em decúbito dorsal é
realizada, com o paciente deitado no leito (incidência
ântero-posterior) e apresenta várias limitações 6,
desde dificuldades técnicas para se controlar a dispersão da radiação até limitações dos próprios pacientes (como edema, obesidade, pouca ou nenhuma
colaboração), o que explica a dificuldade de se fechar
um diagnóstico de efusão pleural com uma imagem
sem qualidade técnica, com achados que podem significar tanto uma consolidação como uma efusão ( exemplos: perda da silhueta do diafragma, opacificação
dos seios costo-frênicos ou do hemitórax). Desta forma, a radiografia em decúbito dorsal, para diagnóstico
de uma efusão pleural tem baixa acúracia.
Quando o RX não é conclusivo, o exame a ser solicitado vai depender das condições clínicas do paciente. Se for um paciente estável, que não há restrições a
seu transporte e sem grandes aparatos (dispositivos
de monitoramento, acessos multiplos, etc.) a TC é um
excelente exame para avaliar toda a cavidade pleural
e fornecer informações sobre presença da efusão e
seu volume. Se houver impedimentos ao transporte
do paciente ao setor de propedeutica, a USG.
Existem várias estruturas no tórax que não permitem uma boa avaliação ultrassonografica de toda a
cavidade torácica. A existência de um esqueleto osseo, que absorve todo o feixe acústico, cercando uma
estrutura aerada, que reflete o feixe totalmente, seria
o pior contexto para a realizacão da USG. Mas a avaliação da cavidade pleural se torna possível a partir do
momento em que a mesma é acometida por patologias que alteram esse panorama. É o que ocorre com a
EURP 2010; 2(2): 73-76
75
Simão & Marins – Efusões pleurais
efusão pleural, constituida por líquido com densidade
intermediária entre osso e ar, que permite a passagem do feixe acústico e sua reflexão na medida certa
para formação de imagem.
A existência da efusão pleural pode ser avaliada
pela ultrassonografia com transdutores lineares ou
setoriais, estando o paciente em decubito dorsal ou
sentado. Tem a vantagem de poder ser realizada a
beira do leito, sem mudança de decubito, de identificar minimos volumes de ate 5ml 7 e fornece características que podem sugerir um exsudato ou um transudasto, mas com a desvantagem de não realizar uma
varredura ampla de todo o torax, sendo direcionada
para a avaliação das alterações encontradas na radiografia.
A efusão pleural é relativamente frequente na UTI
devido a múltiplos fatores3, como a infusão de grandes volumes de fluidos à internação (pacientes em
choque), o uso de ventilação mecânica prolongada, a
existência de patologias sistêmicas (insuficiência cardíaca, hepática e renal), pós-operatório de cirurgia
cardíaca e abdominal, as internações prolongadas
predispondo a infecções (pneumonia) e a migração de
cateteres intravasculares.
A avaliação da efusão se torna importante para diferenciar estas várias causas, que podem alterar o
tratamento e prognóstico dos pacientes, sendo a toracocentese o método para o diagnóstico etiológico.
Achados do ultrassom pleural
Pela USG pleural podemos avaliar a presença ou
ausência de efusão pleural, descartar a existência de
pneumotórax e avaliar algumas alterações no parênquima pulmonar periférico. Segundo Mayo 7, existem
alguns achados que demonstram a existência da efusão e a ausência de pneumotórax, a saber: 1- presença do sinal da água-viva, que é a flutuação do parênquima pulmonar colapsado no liquido pleural, ocorrendo com volumes moderado a grande; 2- sinal da
cortina, que é a flutuação do pulmão normal sobre a
efusão pleural, dificultando sua visibilização, ocorre
com efusões de pequeno volume; 3- hepatização
pulmonar, que é a presença de parênquima pulmonar
com densidade semelhante ao parênquima hepático,
correspondendo à área pulmonar pouco ventilada; 4pulmão deslizante, que consiste na presença do deslizamento entre as pleuras visceral e parietal normal,
que exclui a presença de pneumotórax. A ausência
deste sinal é forte indicio, mas não absoluto, da existência do pneumotórax. 7.
O diagnóstico de pneumotórax é a parte mais difícil do treinamento em ultrassonografia 2 e que demanda mais experiência.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Avaliação do volume da efusão pleural
Existem várias formulas e técnicas para se avaliar o
volume da efusão pleural. A maneira mais simples é a
que depende da experiência do examinador, que observando a efusão a classifica 8 em: mínima (quando
acomete somente o ângulo costofrênico), pequena
(quando abrange o ângulo e uma área inferior a imagem formada pelo transdutor), moderada (quando
acomete até duas vezes a área da imagem do transdutor) ou volumosa (quando é maior que duas vezes a
área de abrangência do transdutor), sem precisar o
volume.
Sendo necessária uma medida volumétrica, Eibenberger 1, correlacionou a espessura da efusão pleural
com o volume da mesma, sendo essa a maior medida
perpendicular entre a parede torácica e a superfície
pulmonar posterior, com o paciente em decúbito dorsal. Em seus resultados observou que espessura de 20
mm correspondia a um volume de 380 ml +-130 ml
(DP) e 40 mm correspondia a 1000 ml +- 330 ml (DP).
Outra técnica de se avaliar o volume pleural seria
utilizando a fórmula descrita por Goecke et.al.9 que
soma a distância da base do pulmão ao diafragma
com a profundidade máxima (paciente em posição
sentada) da efusão vezes uma constante (70) que
resulta no volume aproximado, com coeficiente de
correlação de 0,87.
Avaliação da ecogênicidade da efusão pleural
As efusões podem se apresentar com quatro aparências ao ultrassom 10-11: anecoícas, complexas não
septadas, complexas septadas e ecogênicas.
As anecóicas são livres de debris e comumente representam transudatos, apesar de que exsudatos
também podem ter essa aparência.
As outras três aparências somente ocorrem nos
exsudatos. Estes podem ser homogêneos ou heterogêneos. Os homogêneos contêm alta celularidade e
são comumente causados por empiemas ou hemotórax. As efusões com alta celularidade podem também
apresentar-se com aspecto heterogêneo, quando
ocorre a separação da parte fluida da parte celular,
principalmente após repouso, gerando uma imagem
conhecida como sinal do hematócrito. As efusões
heterogêneas podem conter septos e produzir loculações do fluido. A existência de espessamento pleural e
lesão no parênquima pulmonar são indicativas de
exsudato 11.
Apesar de fornecer informações que ajudam na diferenciação entre transudatos e exsudatos, o diagnósEURP 2010; 2(2): 73-76
76
Simão & Marins – Efusões pleurais
tico definitivo será feito com a análise de líquido após
a toracocentese.
Toracocentese diagnóstica
A ultrassonografia de tórax pode localizar e guiar
punções de efusões pleurais com relativa segurança,
reduzindo os riscos de complicações e pode ser realizada em pacientes sobre ventilação mecânica. As contra-indicações ao procedimento3, guiado ou não por
ultrassom são as mesmas: agitação, hipóxia severa e
instabilidade hemodinâmica.
Para ser realizada em segurança é necessária uma
distância mínima de 15 mm entre o parênquima pulmonar e a parede torácica na inspiração, e a avaliação
precisa da ausência de interposição do pulmão, coração, fígado ou baço durante o movimento respiratório.
Com todos esses cuidados, Mayo 12 relatou 1,3%
de pneumotórax (3 casos em 232 pacientes)e Azoulay3 teve uma incidência de 7% de pneumotórax em
pacientes em ventilação mecânica com pressão positiva e nenhuma punção inadvertida de órgãos. A incidência de complicações foi baixa nos dois trabalhos,
mostrando que a punção guiada reduz os riscos de
pneumotórax e torna mais segura a toracocentese em
pacientes sobre ventilação mecânica.
2. Bouhemad B, Zhang M, Lu Q, Rouby JJ. Clinical review: Bedside
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Considerações finais
Portanto, a USG pleural é o exame a ser solicitado
quando a suspeita de efusão pleural, não claramente
evidenciado ao RX. Além de avaliar se há ou não efusão, fornece informações de suas características ecográficas, que permite uma correlação com transudatos e exsudatos podendo indicar um diagnóstico etiológico possível, que só será confirmado com a toraconcentese. Além disso, possibilita uma estimativa do
volume pleural sem formulas ou uma aferição com
87% de correlação com o volume real 9 e auxilia a
punção, até em pacientes sobre ventilação mecânica,
reduzindo os riscos de complicações nessa população.
Desta forma, a ultrassonografia esta se tornando o exame de imagem mais utilizado por sua
mobilidade e facilidade de ser realizada a beira do
leito e por fornecer informações importantes que são
ferramentas úteis para orientar um diagnóstico e tratamento, permitindo ao médico atendente concluir o
diagnóstico do paciente e conduzir a decisão do melhor tratamento a ser realizado em cada caso.
Referências
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sonography versus radiography. Radiology 1994; 191(3): 681-684.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 73-76
Artigo de Revisão
Ultrassonografia em uroginecologia: técnica e aplicações clínicas
Ultrasonography in urogynecology: technics and clinical applications
Patrícia de A S Reis1,2, Wellington P Martins 1, 2
A ultrassonografia representa recurso útil na avaliação da anatomia normal e patológica do assoalho pélvico. Após um breve comentário acerca do estado atual do conhecimento da morfofisiologia do assoalho pélvico e suas
disfunções, esta revisão apresenta os aspectos mais relevantes das técnicas ultrassonográficas utilizadas em uroginecologia e suas aplicações clínicas.
Palavras chave: Ultrassonografia; Assoalho pélvico; Levantador do ânus; Incontinência urinária; Prolapso genital.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 08/07/2009, aceito para publicação em
09/07/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Abstract
The ultrasonography represents useful resource in
evaluation of normal and pathologic anatomy of the
pelvic floor. After a brief comment about the present
state of knowledge referent to the morphophisiology
of the pelvic floor and its dysfunctions, this review
presents the most relevant aspects of the ultrasonographic technics used in urogynecology and its clinical
applications.
Keywords: Ultrasonography; Pelvic floor; Levator
ani; Urinary incontinence; Pelvic organ prolapsed.
EURP 2010; 2(2): 77-82
78
Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia
Introdução
Ao longo da história, várias teorias foram propostas para explicar a fisiologia normal do assoalho pélvico e a etiopatogenia de suas disfunções 1. Embora
algumas apresentem bases bem fundamentadas, nenhuma delas é isoladamente capaz de explicar todos
os casos de incontinência urinária e prolapso genital.
O desconhecimento fisiológico passa pelo desconhecimento morfológico, uma vez que a anatomia normal
do assoalho pélvico constitui ainda hoje objeto de
divergência na comunidade científica 2.
Torna-se a cada dia mais evidente que a avaliação
clínica isolada da anatomia e função do assoalho pélvico parece insuficiente para a obtenção de um diagnóstico preciso 3. Além de exigir razoável habilidade e
treinamento por parte do examinador, esta permite
apenas a observação da anatomia da superfície, o que
pode levar a erros de interpretação e a equívocos na
indicação da abordagem terapêutica mais adequada.
Este fato, aliado à falta de um conhecimento mais
profundo acerca da fisiopatologia da disfunções do
assoalho pélvico, explica em parte os maus resultados
frequentemente observados após cirurgias reconstrutivas pélvicas ou as diversas modalidades de tratamento clínico atualmente disponíveis 4.
Tal contexto justifica que se volte a atenção para o
estudo e desenvolvimento da ultrassonografia como
recurso valioso dentro da uroginecologia, necessidade
que vai de encontro com uma tendência contemporânea mundial. A revisão da literatura científica internacional atual mostra que a maioria dos estudos morfológicos recentes acerca do trato urinário inferior e
assoalho pélvico feminino envolvem a participação da
ultrassonografia 4. No intuito de fornecer alguma contribuição, divulgando informações gerais sobre o papel da ultrassonografia em uroginecologia e abordando alguns de seus fundamentos básicos, foi elaborada
esta monografia.
Anatomia funcional do assoalho pélvico
Os órgãos pélvicos são mantidos em suas posições
fisiológicas por um sistema composto de músculos,
ligamentos, aponeuroses e fáscias 5. As estruturas
musculares constituem os diafragmas pélvico e urogenital. O diafragma urogenital, de importância secundária na manutenção da estática pélvica, pode ser
didaticamente dividido em um compartimento superficial, formado pelos músculos transverso superficial
do períneo, bulboesponjoso, isquiocavernoso e esfíncter estriado uretral, e um compartimento profundo,
formado pelo músculo transverso profundo do períneo e esfíncter estriado anal. O diafragma ou assoalho
pélvico, de maior destaque, representa o sistema
muscular que oclui inferiormente a pelve, estendenExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
do-se do púbis ao cóccix, e de uma parede lateral
pélvica à outra. É formado pelos músculos levantadores do ânus e músculos coccígeos ou isquiococcígeos,
assim como pelas fáscias que os revestem superiormente.
O músculo levantador do ânus, componente mais
importante do assoalho pélvico, é classicamente dividido em três segmentos: puborretal, pubococcígeo e
ileococcígeo. Os segmentos puborretal e pubococcígeo inserem-se no osso púbico bilateralmente e seguem contornando a bexiga, vagina e reto até convergirem na linha média posterior como o platô ou placa
do levantador do ânus. As fibras da parte proximal do
platô do levantador do ânus inserem-se no sacro e
cóccix, e as da parte mais distal se mesclam com as
fibras do esfíncter anal externo. O segmento ileococcígeo insere-se bilateralmente na aponeurose do
músculo obliquo interno, músculo que delimita lateralmente a pelve óssea, ao longo de uma linha de
condensação de tecido conjuntivo denominada arco
tendíneo do levantador do ânus, que vai do púbis às
espinhas ciáticas. O músculo coccígeo ou isquiococcígeo, segundo componente muscular do assoalho pélvico, mantém por sua vez uma íntima relação com o
ligamento sacroespinhoso.
O tecido conjuntivo que reveste superiormente o diafragma muscular e fixa os órgãos às paredes
pélvicas é denominado fáscia endopélvica. A porção
da fáscia endopélvica responsável pela fixação do
útero é denominada paramétrio, a porção que fixa a
vagina é denominada paracolpo, e a vagina encontrase ainda lateralmente fixa às paredes pélvicas através
da sua conexão de cada lado com uma linha de condensação da fáscia endopélvica denominada arco
tendíneo da fáscia pélvica. Esta estrutura insere-se
anteriormente no púbis, em uma região mais medial
em relação ao arco tendíneo do músculo levantador
do ânus, e posteriormente nas espinhas ciáticas. A
área da fáscia endopélvica compreendida entre os
arcos tendíneos da fáscia pélvica e sobre a qual repousa a bexiga e a uretra é denominada fáscia pubocervical ou fáscia vesicovaginal, a qual se funde com a
parede vaginal anterior para constituir uma estrutura
de suporte importante para a bexiga e a uretra. Posteriormente à vagina, esta fáscia constitui a fáscia retovaginal, que também se funde com a parede vaginal
posterior para exercer o suporte do compartimento
posterior. Condensações da fáscia endopélvica constituem ainda os ligamentos cardinais e uterossacros.
Outras estruturas ligamentares que merecem menção
por sua relevância dentro da teoria integral 6, uma das
mais aceitas para explicar a fisiopatologia das disfunções do assoalho pélvico, são os ligamentos uretroEURP 2010; 2(2): 77-82
79
Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia
pélvicos, importantes elementos de sustentação uretral que conectam a parede vaginal anterior ao púbis.
A anatomia do assoalho pélvico pode ser estudada
através de dissecção convencional, observação cirúrgica, análise seccional por secções anatômicas ou
métodos de imagem. O estudo em cadáveres apresenta como limitações a perda do tônus muscular, a
distorção causada pelas técnicas de preparo e preservação, o uso de espécimes de multíparas com atrofia
e lesões do diafragma pélvico, e o difícil acesso à dissecção, que faz com que o procedimento freqüentemente altere relações anatômicas, destrua pontos de
referência e remova estruturas relevantes. A observação intra-operatória tem como desvantagens a invasibilidade e a dificuldade de discernimento e distorção
morfológica de algumas estruturas durante a cirurgia.
A melhor alternativa para estudo da anatomia do
assoalho pélvico em indivíduos vivos é representada
atualmente pelos métodos de imagem. A tomografia
computadorizada não fornece bom contraste de partes moles e a ressonância magnética, embora proporcione a melhor resolução de imagem, tem como limitações o alto custo, a dificuldade em se obter avaliações dinâmicas e o expressivo consumo de tempo no
processo de reconstrução tridimensional (semiautomática). A ultrassonografia constitui portanto o
método de imagem de escolha para avaliação e estudo do assoalho pélvico, por sua inocuidade, custo
acessível, possibilidade de avaliação dinâmica e tecnologia de reconstrução tridimensional automática 3.
Disfunções do assoalho pélvico
As disfunções do assoalho pélvico são desordens
comuns em mulheres, com baixa morbidade e mortalidade, mas que afetam muito a qualidade de vida. As
principais disfunções do assoalho pélvico são o prolapso genital e a incontinência urinária 4.
O prolapso genital, definido como a descida anormal dos órgãos pélvicos pelo canal vaginal, pode apresentar-se de diversas formas. Os defeitos do compartimento anterior manifestam-se como procidência de
parede vaginal anterior (uretrocele, cistocele, uretrocistocele), os do compartimento médio ou apical como prolapso uterino ou de cúpula vaginal (póshisterectomia), e os do compartimento posterior como procidência de parede vaginal posterior (retocele,
enterocele). Mais freqüentemente, observa-se uma
associação de diferentes tipos de prolapso 3.
A incontinência urinária, definida como a perda involuntária de urina, pode ser classificada de acordo
com sua etiopatogenia em incontinência de esforço,
bexiga hiperativa, incontinência mista e incontinência
por retenção crônica de urina 7. A incontinência urinária de esforço ocorre por comprometimento do meExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
canismo esfincteriano, extrínseco ou intrínseco. O
mecanismo esfincteriano extrínseco, representado
pelo assoalho pélvico, garante o adequado posicionamento e mobilidade do colo vesical e uretra proximal. O defeito neste mecanismo leva à incontinência
de esforço por hipermobilidade uretral. O mecanismo
esfincteriano intrínseco, representado pelo pregueamento da mucosa, plexo vascular da submucosa, e
pelas fibras musculares uretrais lisas e estriadas, é
responsável pelo selamento da luz uretral. O defeito
neste mecanismo leva à incontinência de esforço por
deficiência esfincteriana intrínseca. Na bexiga hiperativa a perda se dá por contrações involuntárias do
detrusor, na incontinência mista há a associação de
incontinência de esforço com bexiga hiperativa, e na
incontinência por retenção crônica de urina (anteriormente denominada “por transbordamento”), a perda se dá quando a capacidade de armazenamento da
bexiga é superada por esvaziamento vesical deficiente
(decorrente de hipocontratilidade do detrusor ou
obstrução infravesical).
O estudo urodinâmico representa o padrão ouro
na investigação das disfunções do trato urinário inferior 8. Tem como objetivo reproduzir estas disfunções
sob condições de observação, através do registro simultâneo do fluxo urinário e das pressões vesical e
abdominal durante o enchimento e esvaziamento da
bexiga. Não permite entretanto diferenciar a incontinência de esforço por hipermobilidade uretral da deficiência intrínseca quando a Pressão de Perda ao Esforço (menor pressão ao esforço que causa a perda)
assume valores intermediários, entre 60 e 90 cmH2O.
Nesta eventualidade, a conduta deve ser baseada em
dados clínicos e propedêutica adicional, assumindo
posição de destaque a avaliação ecográfica da mobilidade do colo vesical.
Técnica do exame ecográfico
São utilizadas em uroginecologia as vias de acesso
transabdominal, transvaginal, introital e translabial ou
transperineal 9. O uso da via transabdominal restringe-se à medidas do volume vesical e da espessura da
parede vesical ou músculo detrusor. Já as vias transvaginal e introital permitem todas as outras avaliações
de importância em uroginecologia, entretanto a presença do transdutor endocavitário no canal ou intróito
vaginais é apontada como possível causa de distorção
anatômica 4.
A via translabial ou transperineal é a mais amplamente empregada, e requer para a ecografia bidimensional básica um transdutor convexo com freqüência
entre 3,5 e 6 MHz e equipamento com função cineloop. Preconiza-se que a paciente, com bexiga confortavelmente cheia, seja colocada em posição de litotomia
EURP 2010; 2(2): 77-82
80
Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia
e que o transdutor, protegido por luva sem talco e
lubrificado por solução gelatinosa de contato, seja
posicionado entre os pequenos lábios ou o sobre o
períneo de modo a se obter uma imagem do plano
sagital medial que inclua a sínfise púbica, a uretra e o
colo vesical, a vagina e o colo uterino, o reto e o canal
anal. Não há consenso na literatura científica quanto à
orientação da imagem. Planos parassagitais e transversos podem oferecer informações adicionais 4.
Aplicações clínicas da ultrassonografia em uroginecologia
Segundo consenso publicado este ano pela Associação Internacional de Uroginecologia e Sociedade
Internacional de Continência 9, as possíveis aplicações
na rotina atual para a ultrassonografia em uroginecologia e urologia feminina incluem o estudo do colo
vesical (posição, mobilidade, abertura), a identificação
de defeitos do assoalho pélvico (músculo levantador
do ânus), a visualização dos prolapsos genitais, o diagnóstico de anormalidades da uretra (ex: divertículo)
e bexiga (ex: tumor, corpo estranho), a avaliação pósoperatória de cirurgias antiincontinência, a determinação do resíduo urinário pós-miccional e a investigação do posicionamento uterino e de outras doenças
pélvicas associadas.
O estudo do colo vesical inclui a avaliação da posição e mobilidade do colo vesical em repouso, durante
o esforço e durante a contração do assoalho pélvico.
Envolve ainda a determinação dos ângulos de inclinação da uretra, o ângulo retrovesical () e o ângulo
pubouretral (), a identificação do movimento de rotação da uretra proximal e/ou observação do seu afunilamento durante o esforço, e a verificação visual da
perda urinária. Não há ainda padronização da metodologia de estudo da topografia e mobilidade do colo
vesical, nem consenso quanto ao valor de corte para a
determinação de hipermobilidade uretral 9. Também
permanece pouco clara a associação do achado ecográfico de hipermobilidade uretral com o diagnóstico
de incontinência urinária de esforço pela urodinâmica
10
. Entretanto, algumas diretrizes têm sido propostas
para a avaliação da mobilidade do colo vesical 9, 11-12: o
transdutor deve ser submetido a pressão leve, apenas
suficiente para a obtenção de boa imagem, a bexiga
deve estar moderadamente cheia (200-300 ml), uma
vez que a repleção excessiva reduz sua mobilidade, e
a mensuração da topografia do colo vesical em repouso e de sua mobilidade durante manobras de esforço
deve utilizar a sínfise púbica como ponto de referência.
Na metodologia mais empregada para avaliação da
mobilidade do colo vesical, mede-se a distância que
vai do ponto médio do colo vesical até um plano horiExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
zontal que passa pela borda inferior da sínfise púbica
no repouso e no esforço, sem alteração da posição do
transdutor. A diferença entre as duas medidas corresponde à amplitude de deslocamento ou mobilidade
do colo vesical. Em nosso meio, valores superiores a
10 mm são considerados hipermobilidade do colo
vesical 9, 12.
A integridade anatômica e funcional do assoalho
pélvico pode ser ainda avaliada através da análise do
deslocamento do colo vesical e das outras estruturas
pélvicas durante sua contração 13-14. A contração adequada do assoalho pélvico, sobretudo do levantador
do ânus, tem como consequência o deslocamento
cranioventral dos órgãos pélvicos. A demonstração
visual desta mobilidade pode ser utilizada para biofeedback, ensinando aos indivíduos submetidos à fisioterapia do assoalho pélvico a contração mais adequada e eficiente do ponto de vista terapêutico.
A avaliação do posicionamento e mobilidade do
colo vesical durante os esforços e a contração do assoalho pélvico abrange ainda a determinação dos
ângulos de inclinação da uretra, que também integram a padronização recente da Associação Internacional de Uroginecologia e Sociedade Internacional de
Continência 9. O ângulo retrovesical, também denominado ângulo uretrovesical posterior (), é formado
pelo eixo da uretra e a linha que passa pela parede
posterior da bexiga, junto ao colo vesical. Em condições normais, varia de 90° a 110°. Tem como principal
aplicação a avaliação do grau de inclinação da uretra
em repouso e do seu movimento de rotação pósteroinferior durante o esforço. Por exemplo, um ângulo β
anormalmente aumentado durante o esforço, característico da cistouretrocele, costuma associar-se mais
com quadros de incontinência de esforço, enquanto
um ângulo β preservado ou reduzido, indicador de
cistocele isolada sem uretrocele concomitante, associa-se mais frequentemente com distúrbios de esvaziamento, eventualmente com bexiga hiperativa ou
incontinência por retenção crônica de urina secundárias à obstrução infravesical pelo prolapso 4.
O ângulo pubouretral () é formado pelo eixo central da sínfise púbica e a linha que vai da borda inferior da sínfise púbica à parede anterior do colo vesical.
É menos utilizado em relação ao ângulo , o que se
deve em parte ao fato de nem sempre ser conseguida
boa visualização do eixo da sínfise púbica devido à sua
sombra acústica. A medida do ângulo , além de representar mais um parâmetro para determinação da
posição e mobilidade da uretra, serve também para
avaliar seu deslocamento em direção ao púbis durante a contração do assoalho pélvico e diagnosticar as
situações de hipercorreção uretral pós cirurgia antiinEURP 2010; 2(2): 77-82
81
Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia
continência, situação onde é comumente verificado
um ângulo  inferior a 40°.
A observação do afunilamento ou abertura do meato uretral interno e uretra proximal durante o esforço encontra-se frequentemente, mas não necessariamente, associado com incontinência urinária 15. Os
parâmetros para determinação desta alteração baseiam-se no achado, durante manobras de esforço, da
abertura do meato uretral com conformação “em
funil” da uretra proximal, constituindo um cone com
base de diâmetro de pelo menos 3 mm e altura da
base ao ápice também igual ou superior a 3 mm.
A visualização ecográfica da perda urinária caracteriza-se pela abertura completa da uretra durante as
manobras de esforço 9. Neste aspecto, também o
Doppler colorido constitui recurso útil para demostração da passagem de urina através da uretra.
A visualização ecográfica do prolapso genital, como
já abordado, pode ser de grande auxílio em situações
onde a avaliação clínica deixa dúvidas, particularmente nos casos de defeitos associados. Nestas situações,
a participação da ultrassonografia pode ter papel decisivo para melhor definição diagnóstica, com conseqüente impacto direto no resultado do tratamento
proposto 3.
Na avaliação pós-operatória de cirurgias antiincontinência, a ultrassonografia permite a localização fácil
da faixa sintética (hiperecogênica) nos casos de disfunção urinária após cirurgias de alça 9. Além disso,
resultados insatisfatórios e recidivas associam-se muitas vezes com a constatação ecográfica de persistência de hipermobilidade uretral, e sintomas obstrutivos
e irritativos são frequentemente associados com hipercorreção do posicionamento do colo vesical (ângulo  menor que 40°).
Uma boa aplicação da ultrassonografia em uroginecologia é permitir a medida do volume urinário
residual de forma não invasiva, detectando e selecionando casos de mau esvaziamento vesical para uma
avaliação mais específica. O volume vesical é calculado pelo produto das medidas longitudinal, ânteroposterior e lateral da bexiga pela constante 0,52. O
resíduo considerado normal é de até 30 ml, quando
medido imediatamente após a micção, ou de 50-100
ml, se medido cerca de 10 minutos depois 9.
Aplicações clínicas em desenvolvimento
A medida da espessura total da parede vesical ou
do músculo detrusor da bexiga tem sido proposta
para constatação de hipertrofia muscular, o que é
indicativo de bexiga hiperativa e/ou obstrução infravesical (bexiga de esforço). As recomendações para
esta avaliação 9 99(9)(9)(9)envolvem o uso transdutores de alta freqüência e a insonação em um ângulo
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
perpendicular à parede vesical. A espessura aferida
parece não variar de modo significativo nos diversos
segmentos da bexiga. Não há ainda um consenso internacional acerca da melhor técnica para determinação da espessura da parede vesical, e são propostas
hoje três metodologias. A medida transabdominal da
espessura total da parede, proposta pela escola italiana, com valor de corte de 5 mm, a medida transabdominal do músculo detrusor (área hipoecóica central
da parede), proposta pela escola alemã, com valor de
corte de de 2 a 2,5 mm e a medida transvaginal da
espessura total da parede 16-17, proposta pela escola
inglesa e mais utilizada entre os ginecologistas. Segundo esta última, com a bexiga vazia (volume < 50
ml) e transdutor endocavitário posicionado dentro da
vagina próximo à bexiga, obtém-se a média da medida
da espessura total da parede vesical na região anterior, ápice e base posterior (trígono). O valor de corte
estabelecido também é de 5 mm.
A ultrassonografia tridimensional, em franco aprimoramento, permite avaliar a morfologia e biometria
do músculo levantador do ânus, assim como a integridade de suas inserções. A avulsão uni ou bilateral do
segmento puborretal do levantador do ânus do púbis,
geralmente em decorrência do parto vaginal, está
associada com prolapso genital e incontinência urinária 18-19. O aumento do hiato genital durante o esforço
pela excessiva distensibilidade do puborretal associase também com prolapso genital 18, 20, o que pode ser
verificado pela medida de alguns diâmetros e da área
do hiato genital (normal até 25 cm2).
São consideradas ainda aplicações em desenvolvimento da ultrassonografia em uroginecologia a vídeourodinâmica utilizando a ecografia como método de
aquisição de imagens simultâneas ao registro pressórico 9, o estudo Doppler do plexo vascular da submucosa uretral 21 e a endossonografia anal para avaliação
esfincteriana 9.
Considerações finais
A simples avaliação do grau de mobilidade do colo
vesical não permite inferir sobre a estabilidade do
detrusor ou a integridade do mecanismo esfincteriano
intrínseco. Deste modo, em pacientes sob avaliação
pré-operatória, o significado do achado ecográfico de
hipermobilidade do colo vesical deve ser sempre interpretado com base nos dados clínicos e do estudo
urodinâmico.
Entretanto, embora apresente limitações e não
disponha de uma metodologia de consenso em muitas
situações, a ultrassonografia constitui hoje procedimento já reconhecido e estabelecido como integrante
do arsenal propedêutico da incontinência urinária
feminina e das desordens do assoalho pélvico. A utiliEURP 2010; 2(2): 77-82
82
Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia
zação mais ampla deste recurso, além de fornecer
importante contribuição em diversos casos, permitirá
estabelecer parâmetros que auxiliem no aperfeiçoamento e padronização da técnica.
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Artigo de Revisão
Determinação do sexo fetal através da ultrassonografia
Determination of fetal gender by ultrasound
Luiz G R Saucedo1, Francisco Mauad Filho 1,2, Carolina O Nastri 1,2 , Wellington P Martins 1, 2
Muito além da tarefa de saciar a curiosidade dos pais, a determinação do sexo fetal tem importante valor nas
gestações com risco de anomalias congênitas. O gênero apresenta íntima relação com doenças hereditárias, tanto
com as ligadas ao cromossomo X, como a distrofia muscular de Duchanne e hemofilia, como também em doenças
autossômicas recessivas com diferentes formas de acometimento conforme o gênero, tais como a hiperplasia congênita de adrenal. Desta forma, a determinação do sexo fetal em estágios precoces da gravidez torna-se de grande
relevância. Nesta revisão, abordamos alguns aspectos atuais na determinação precoce do sexo fetal.
Palavras chave: Determinação do Sexo; Ultrassonografia; Doenças genéticas inatas.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 08/09/2009, aceito para publicação em
01/06/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Abstract
Beyond the task to quench the curiosity of parents, fetal
sex determination has important value in pregnancies at
risk for congenital anomalies. The genus has a close relationship with inherited diseases, both with X-linked, such as
muscular dystrophy and hemophilia Duchanne, but also in
autosomal recessive diseases with different forms of involvement by gender, such as congenital adrenal hyperplasia. Thus, fetal sex determination at early stages of pregnancy becomes highly relevant. In this review, we discuss
some current issues in the early determination of fetal sex.
Keywords: Sex determination; Ultrasonography; Genetic diseases, Inborn.
EURP 2010; 2(2): 83-92
84
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
Introdução
O desenvolvimento tecnológico dos aparelhos ultrassonográficos associado ao aprimoramento das
técnicas utilizadas tem permitido o diagnóstico cada
vez mais precoce do sexo fetal, até mesmo no final do
primeiro trimestre de gestação 1-3. Muito além de
saciar a curiosidade dos pais, a determinação do sexo
tem grande importância nas gestações com risco de
anomalias genéticas ligadas ao cromossomo X, como a
distrofia muscular de Duchenne e hemofilia, bem como nas gestações com risco genético de hiperplasia
congênita de adrenal (de herança autossômica recessiva), na qual a determinação do sexo auxilia no manejo clínico para os casos suspeitos 4-6. A confirmação
do sexo masculino nas gestações suspeitas de hiperplasia congênita de adrenal, bem como a de sexo feminino nas gestações suspeitas de distrofia muscular
de Duchenne e hemofilia exigem uma investigação
secundária através de biópsia de vilo corial. Tal exame
normalmente é realizado a partir da décima primeira
semana de gestação e por ser um procedimento invasivo carrega um pequeno porém significativo risco de
perda gestacional. Nota-se, portanto, que o aprimoramento das técnicas de determinação do sexo no
primeiro trimestre é muito importante no sentido de
evitar perdas fetais desnecessárias.
A confiabilidade da ultrassonografia na predição do
sexo fetal a partir do final do segundo trimestre é hoje
em dia bem estabelecida, contudo são poucos os estudos que apresentam alto índice de sucesso no final
do primeiro trimestre e começo do segundo.
Por implicações médicas e éticas a maioria dos estudos tem apenas se concentrado na visualização da
genitália externa e não na diferenciação dos órgãos
internos 7.
O risco potencial de abortamento seletivo relacionado ao sexo também implica problemas relacionados
à ética na determinação do sexo em estágios tão precoces da gestação 8.
O diagnóstico ultrassonográfico do sexo fetal realizada no primeiro trimestre é principalmente baseado
na direção apontada pelo ‘apêndice genital’ em um
corte sagital.Estes apêndices seriam os precurssores
do pênis e do clitóris e apontariam no sentido cranial
em fetos de sexo masculino e no sentido caudal em
fetos do sexo feminino.
Os estudos baseados na direção do apêndice genital (“sagital sign”) 1-3, 9-14 mostram uma crescente taxa
de acerto na determinação do sexo comforme o aumento da idade gestacional. Isto se deve principlamente a progressiva direção no sentido cranial que é
assumida pelo tubérculo genital nos fetos do sexo
masculino e que não se altera significativamente nos
fetos do sexo feminino durante o resto da gestação.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Outros estudos determinam diferentes marcadores sonográficos para a determinação do sexo fetal 1520
,tais como uma maior distância ano-genital e sua
proporção com o comprimento do fêmur em fetos do
sexo masculino,saco escrotal fetal,a linha média da
rafe peniana,as linhas labiáis,o útero,os testículos
descendentes e a direção e origem do jato miccional
em fetos do sexo masculino.
Mal-formações da genitália prejudicam a determinação do sexo fetal e são fator causador de inacurácia.O desenvolvimento da ultrassonografia tridimensional aponta como importante ferramenta na visualização e diagnóstico de tais mal-formações como também mostrou-se eficaz na determinação do sexo no
final do primeiro e começo do segundo trimestre.
Recentes trabalhos 14 também sugerem bons resultados na determinação do sexo quando outro exame
não-invasivo como a análise do DNA fetal livre no
plasma materno é associado à ultrassonografia.
Desenvolvimento da genitália externa
No início da quarta semana do período embrionário desenvolve-se o tubérculo genital em ambos os
sexos, na extremidade cefálica da membrana cloacal.
Saliências lábio-escrotais e pregas urogenitais se
desenvolvem de cada lado da membrana cloacal e o
tubérculo genital se alonga formando o falo.
Ao final da sexta semana o septo uro-retal divide a
membrana cloacal em membranas anal e urogenital.As membranas se rompem cerca de uma semana
depois,formando o ânus e o orifício urogenital.Na
ausência de andrôgenos ocorre a feminilização da
genitália externa indiferenciada,no qual o crescimento
do falo cessa gradualmente transformando-se no clitóris.
Nota-se então que até a sétima ou oitava semana
os genitais externos são similares em ambos os sexos,
sendo, portanto impossível de ser diferenciado até tal
período. As características sexuais específicas começam a aparecer durante a nona semana de gestação,
contudo os genitais externos ainda não estão completamente diferenciados até a décima segunda semana
(Figura 1).
EURP 2010; 2(2): 83-92
85
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
Figura 1. Fetoscopia mostrando o tubérculo genital em um
feto de 9 semanas (acima), época em que não é possível a
diferenciação ultrassonográfica da genitália. Abaixo vemos
a fetoscopia do genital masculino de um feto de 12 semanas.
Determinação do sexo fetal no final do primeiro e
começo do segundo trimestre
A determinação do sexo fetal em estágios precoces
da gestação baseado no “sinal sagital” foi descrito
pela primeira vez em 1989 9. Os fetos foram estudados em um plano na linha sagital média sendo descrita uma saliência continuando o contorno da nádega, o
“tubérculo genital”, o qual corresponderia ao precursor do pênis ou do clitóris. Nos casos em que tal tubérculo apontasse no sentido caudal o feto seria do
sexo feminino, e nos casos em que apontasse no sentido cranial seria do sexo masculino. A acurácia da
determinação sexo fetal melhorou significativamente
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
conforme a progressão da gestação, o que também
pode ser observado nos estudos que se seguiram a
este.
Os estudos publicados diferem um pouco na forma
de cálculo da idade gestacional, podendo ser realizada
através comprimento cabeça- nádega (CCN) ou do
diâmetro bi-parietal (DBP). Ainda que o CCN seja o
parâmetro biométrico mais confiável para datar as
gestações de primeiro trimestre 21-23 e tenha sido utilizado em diversos estudos sobre a predição do sexo
fetal 13, 14, 24 a DBP também foi utilizada em vários outros estudos 3, 9, 10, 20. De fato, o DBP apresenta boa
correlação com a idade gestacional e com CCN no final
do primeiro e início do segundo trimestre 21.
Em um estudo publicado em 1990 25 foram utilizados os seguintes critérios para a determinação do
sexo fetal através da ultrassonografia transvaginal:
para determinação do sexo masculino foram avaliados
a presença do “sinal da cúpula” (representação ultrassonográfica do escroto), a direção cranial do falo e a
presença de rafe longitudinal na base do pênis. Para
determinação do sexo feminino, os critérios usados
foram a presença de duas ou quatro linhas paralelas
(que representariam os lábios vaginais) e a direção
caudal do falo (que no caso trataria-se de um clitóris).
Em tal estudo a acurácia também aumentou com a
idade gestacional bem como no decorrer dos anos da
pesquisa em razão da experiência obtida pelos operadores. Nos dois primeiros anos do estudo a acurácia
para predição do sexo fetal entre 15 e 16 semanas foi
de 91.7% e 99.7% para o sexo masculino e feminino
respectivamente, enquanto que nos dois últimos anos
foi de 93.3% e 100%.
A princípio o parâmetro utilizado para a verificação
da direção tomada pelo tubérculo genital foi puramente subjetivo 9, 25 (Figura 2). Cerca de uma década
depois, foi proposta a avaliação da direção do tubérculo genital através da medida do ângulo formado
entre o tubérculo e uma linha horizontal que passaria
através da pele na superfície lombo-sacral (Figuras 3),
sempre fazendo-se a medida com o feto em posição
neutra (não muito fletido ou em hiper-extensão) 1. O
sexo masculino foi considerado em fetos que apresentaram tal ângulo > 30°, e feminino em fetos nos quais
o tubérculo genital apresentou-se paralelo ou convergente à linha horizontal (ângulo <10°).Os casos que
apresentaram ângulo intermediário (10o a 30°) foram
classificados como indeterminados. As idades gestacionais foram calculadas através do CNN e todos os
achados ultrassonográficos foram comparados ao
fenótipo após o nascimento, havendo sido avaliadas
656 gestantes. Através de tal método a determinação
do sexo foi possível em 93% dos casos. Nos demais
7%, o ângulo do tubérculo genital mostrou-se interEURP 2010; 2(2): 83-92
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
mediário, ou apresentaram-se dificuldades para a
obtenção das imagens, como posição fetal inadequada ou tecido adiposo materno excessivo, entre outros.
A determinação do sexo foi confiável em 85% dos
fetos entre 12 semanas e 12 semanas e 3 dias, em
96% daqueles entre 12 semanas e 4 dias e 12 semanas
86
e 6 dias; e em 97% dos fetos entre 13 semanas e 13
semanas e 6 dias. A acurácia para o sexo masculino foi
entre 99 e 100% para todas as idades, enquanto que
para o sexo feminino a acurácia foi de 91,5%; 99% e
100% nos respectivos intervalos.
Figura 2. (A) Corte ultrassonográfico na linha sagital média de um feto masculino com 11 semanas mostrando a inclinação cranial do tubérculo genital (seta). (B) Corte no plano transverso de um feto masculino mostrando o sinal da cúpula escrotal. em
corte sagital. (C) Corte ultrassonográfico na linha sagital média de um feto feminino com 11 semanas mostrando o tubérculo
genital (seta) com inclinação caudal. (D) Corte no plano transverso de um feto feminino mostrando três linhas paralelas corres13
pondendo aos lábios genitais. Adaptado de Whitlow et al, 1999 .
Em outro estudo com 524 gestantes 13 foi utilizada,
além do corte sagital, a visualização em corte transversal da genitália. Neste estudo foi utilizada preferencialmente a via abdominal, sendo utilizada a via
transvaginal nos casos em que tal mostrou-se necessária (em 26% dos casos). A genitália fetal masculina
foi identificada quando subjetivamente o tubérculo
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
apontasse na direção cranial ao corte sagital, e no
corte transversal, quando visualizada uma estrutura
em formato de abóbada representando o escroto
fetal e/ou quando fosse vista na base do pênis uma
linha média ecogênica (representando rafe média
peniana). A genitália feminina foi identificada ao corte
sagital pela direção caudal do falo (tubérculo genital);
e ao corte transversal, pela visualização de duas ou
EURP 2010; 2(2): 83-92
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
quatro linhas paralelas, representando os lábios menores e maiores. Os resultados de tal estudo não demonstraram diferença significativa na predição sexual
em ambos os sexos e obtiveram taxa de sucesso também crescente conforme o aumento da idade gestacional, com 45% de acertos na 11ª semana, 75% na
12ª semana, 79% na 13ª semana, e 90% na 14ª semana, obtendo uma média de 80% de acertos na determinação do sexo entre 12 e 14 semanas.
Outro estudo 19, incluindo 106 gestantes, também
utilizou o plano transversal na determinação do sexo
bem como o reconhecimento do sexo masculino através de um terceiro ponto (ou linha ecogênica) somado
aos dois pontos ou linhas presentes em ambos os
sexos nesse plano. A porcentagem de acertos variou
de 77% entre 11 semanas e 11 semanas e 6 dias à 90%
até 13 semanas e 6 dias, obtendo uma média de 82%
de sucesso.
Hyett et al. 14 realizaram estudo em um grupo de
gestantes com risco aumentado de anomalias genéticas ligadas ao cromossomo X e desenvolvimento ambíguo de genitália. Foram oferecidos testes não invasivos para a determinação do sexo fetal,como o isolamento do DNA fetal no plasma materno (ffDNA) e
visualização da genitália externa através da ultrassonografia de primeiro trimestre,em alternativa à biópsia de vilo corial (CVS). À ultrassonografia o padrão
usado foi o ângulo do tubérculo genital descrito por
Efrat et al. 1 e o sexo foi identificado em 23 dos 28
casos. A média para determinação do sexo foi de 12
semanas e a predição sexual foi bem sucedida em
todos os casos. A análise do ffDNA foi realizada na
média de 10 semanas e 1 dia e também obteve 100%
de sucesso na determinação do sexo, o qual foi confirmado no pós-natal ou na biópsia de vilo corial à
qual algumas pacientes do estudo foram submetidas
(em decorrência de maior risco de acometimento
apresentado após a verificação do sexo). Tal estudo
conseguiu evitar a CVS em 50% dos casos suspeitos e,
além de concordar com estudos anteriores quanto à
inviabilidade de se determinar o sexo antes das 11
semanas, apresentou a pesquisa de ffDNA no plasma
materno como um instrumento que pode ser utilizado
principalmente frente aos quadros de genitália ambígua suspeitada e na hiperplasia congênita de adrenal,
onde a precocidade no manejo clínico pode trazer
benefícios.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
87
Figura 3. Determinação do ângulo formado enter o tubérculo genital e a superfície da pele em um corte ultrassonográfico sagital na linha média de um feto com 12 semanas.
O feto é considerado como sendo masculino quando o
o
ângulo é maior que 30 (A) e como sendo feminino quando
o
este ângulo é menor que 10 (B). Adaptado de Efrat et al,
24
2006 .
A maior casuística já utilizada em estudos acerca
da predição do sexo fetal através da ultrassonografia
em estágios precoces da gravidez foi de 2593 casos 10.
Após exclusão dos casos em que a determinação do
sexo não foi possível e daqueles em que o segmento
foi perdido, foram estudados 2182 fetos. O estudo
restringiu-se a fetos que apresentaram a DBP entre 18
e 29 mm e utilizou-se do padrão baseado na subjetividade para designar a direção cranial (que indicaria
sexo masculino) ou caudal do tubérculo genital (que
indicaria o sexo feminino). O resultado também apresentou acurácia crescente com a DBP, de 32% aos 18
mm a 100% aos 22 mm na predição do sexo masculino. A acurácia para o sexo feminino foi de 97% para
DBP de 18 mm e 100% para fetos com DBP de 24 mm.
EURP 2010; 2(2): 83-92
88
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
Na média geral a acurácia variou de 74% para os fetos
com DBP de 18 mm para 100% com 24 mm. Entre
DBPs de 18 e 23 mm a discrepância entre o sexo real
dos fetos e aquele determinado pela ultrassonografia
foi de 33% para fetos masculinos que foram documentados como femininos (128 em 338) e 1,4% para
fetos femininos que foram documentados como masculinos (10 em 721 casos). Tais resultados levaram os
autores a determinar a não-confiabilidade da predição
do sexo fetal que apresentarem DBP menor que 22
mm, principalmente nos casos suspeitos de anomalias
genéticas ligadas ao cromossomo X ou hiperplasia
congênita de adrenal, uma vez que abaixo dos 22mm
a predição sexual é inclinada para o sexo feminino.
Ultrassonografia tridimensional (US3D)
A utilização da US3D na predição do sexo fetal foi
avaliada em alguns estudos 2, 12. Um destes estudos 2
foi realizada a predição sexual em 44 fetos entre 10 e
24 semanas utilizando o US3D transvaginal. No único
feto avaliado com 10 semanas a predição foi incorreta, mas nos outros 12 fetos entre 11 e 14 semanas o
índice de acerto foi de 100%. Em outro estudo 12, que
incluiu 200 fetos e avaliou a ultrassonografia tridimensional por via transvaginal, os autores demonstraram este pode ser um meio efetivo e rápido de identificar o sexo no primeiro trimestre. Nos resultados não
foi observada uma crescente taxa de acerto com o
aumento do número de semanas e pôde-se observar
ligeira discrepância nos resultados entre os 2 examinadores que realizaram os exames. A posição fetal
inadequada (feto com as coxas fechadas ou feto na
posição cefálica com a região sacral muito longe do
transdutor), o cordão umbilical no meio das pernas e
a aquisição de blocos insatisfatórios (em decorrência
de artefatos de movimento) foram as principais causas da não identificação ou da identificação incorreta
do sexo fetal.
Pode-se afirmar que uma das grandes contribuições da US3D na predição do sexo no primeiro e começo do segundo trimestre deve-se principalmente à
facilidade oferecida pelos planos seccionais na visualização do sinal sagital (Figuras 4 e 5).
No segundo e terceiro trimestres a visualização da
genitália pode ser feita mais claramente.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Figura 4. Bloco tridimensional de uma genitália externa de
um feto com 12 semanas, visualizado no modo multiplanar.
Em A observa-se o plano coronal, em B o plano sagital médio e em C o plano transversal. O tubérculo genital (setas)
em inclinação cranial indica o sexo masculino. Adaptado
12
Michailides et al, 2003 ..
EURP 2010; 2(2): 83-92
89
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
Figura 5. Bloco tridimensional de uma genitália externa de
um feto com 12 semanas, visualizado no modo multiplanar.
Em A observa-se o plano coronal, em B o plano sagital médio e em C o plano transversal. O tubérculo genital (setas)
em inclinação caudal indica o sexo feminino. Adaptado
12
Michailides et al, 2003 .
Determinação do sexo fetal no segundo e terceiro
trimestres
No segundo trimestre a determinação do sexo já
não se baseia mais na visualização do sinal sagital, em
virtude da genitália já poder ser nitidamente observada. No sexo masculino é baseada na visualização do
pênis e do escroto enquanto que no sexo feminino
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
procura-se a visualização dos lábios maiores e menores, representados por 2 ou 4 linhas paralelas.
Um dos primeiros trabalhos publicados a este respeito, em 1980 20, utilizou-se a visualização do feto em
planos sagital e transversal, após a 25a semana. Os
testículos descendentes também puderam ser observados e os fetos de sexo feminino só foram assim
designados após a visualização dos lábios vaginais.
Este estudo obteve taxa de acerto de 64%. Com o
grande avanço da tecnologia nos aparelhos de ultrassonografia a determinação do sexo no segundo trimestre ficou muito mais fidedigna e permitiu ainda
que novos parâmetros pudessem ser avaliados. Já em
1984 um que incluiu 1879 fetos 18) medindo apresentou acurácia de 99,9% na determinação do sexo fetal
entre 12 e 40 semanas, através da medida da distância ano-genital e o ângulo ísquio-genital.
Achiron et al. 15 em 1998, criaram um gráfico que
demonstra o crescimento do escroto fetal com a idade gestacional. O crescimento peniano também foi
aferido em alguns trabalhos 26, 27 e demostrou aumento de aproximadamente 20 mm entre 14 e 38 semanas.
Ultrassonografia tridimensional
A US3D mostrou-se melhor que a US2D na avaliação da presença de útero fetal 28. Neste trabalho o
útero fetal foi identificado em 50% dos fetos com o
US2D e em 82% a 87% dos fetos (dependendo do examinador) utilizando-se US3D, para fetos entre 20 e
22 semanas. Já para fetos entre 32 e 34 semanas a
taxa de identificação do útero foi maior, sendo de
80% a 85% com a US2D e de 95% a 100% para o US3D.
Em estudo plubicado em 2007 numa população de
205 fetos, Glanc et al. 17 propuseram-se a analisar a
confiabilidade na predição do sexo através da análise
sonográfica dos órgãos pélvicos no segundo e terceiro
trimestres de gravidez. A presença de útero fetal era
estimada através da medida da distância entre a parede posterior da bexiga e a parede anterior do reto,
através de corte transversal da pelve com as artérias
umbilicais cruzando o ponto mediano da bexiga (Figura 6). Distâncias menores que 3,3 mm foram aferidas
em 100% dos fetos masculinos e maiores que 3,3mm
em 94% dos fetos femininos. No terceiro trimestre
verificou-se que 96% dos fetos masculinos apresentaram medidas menores que 4,7mm e 100% dos fetos
femininos apresentaram valores superiores a este. A
presença de útero fetal é de crucial importância na
avaliação dos casos de genitália ambígua.
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90
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
Figura 6. O útero fetal (no asterisco) pode ser visualizado
num corte transversal baixo como uma massa ecogênica
entre a bexiga (B) anteriormente e o reto (R) posteriormen29
te. Adaptado de Orit et AL, 2002 .
Nas epispádias (onde o orifício da uretra se encontra na face dorsal do pênis) o pênis pode chegar a
apresentar-se completamente dividido em função da
fusão incompleta do tubérculo genital. Na ultrassonografia podem ser visualizadas duas protuberâncias no
lugar do pênis. Tal achado costuma estar associado a
extrofia de bexiga, a qual no ultrassom pode ser visualizada como uma massa herniando do abdome inferior, ou na ausência da própria bexiga em uma gestação com quantidade de líquido amniótico normal 30-33.
A genitália ambígua é outro achado que pode confundir o examinador ao exame ultrassonográfico e
pode ser dividida em três categorias: pseudohermafroditismo feminino e masculino e desordens
na diferenciação gonadal 34. Alterações de sinais referentes aos tamanhos de pênis e escroto, à visualização
de utero, à descida dos testículos e à aparência normal da genitália externa podem ser indícios de genitália ambígua.
Em estudo realizado em 2002, Orit et al.
35
,avaliando discrepâncias entre genótipo e fenótipo e
presença de genitália ambígua em mais de 10000
gestantes, conseguiram pré-diagnosticar 16 casos e
fazer correlação dos achados ecográficos com cariótipo (via biópsia de vilo) e níveis hormonais (medidos
através da quantidade de metabólitos dos hormônios
esteróides no líquido amniótico). Tal estudo concluiu
que exames ultrassonográficos realizados entre 13 e
14 semanas não são bons preditores de subseqüente
normalidade e que as desordens na diferenciação
sexual devem envolver também exames ultrassonográficos de segundo trimestre; além de ressaltar a
importância da visualização do útero em exames a
partir de 19 semanas.
Considerações finais
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
A maior parte da literatura existente a respeito da
predição sexual no primeiro trimestre e começo do
segundo vê a ultrassonografia como ferramenta importantíssima no cumprimento desta tarefa, principalmente nos casos suspeitos de doenças genéticas
ligadas ao cromossomo X, genitália ambígua e hiperplasia congênita de adrenal. Existem algumas contradições quanto à necessidade ou não de se realizar
exames de cariótipo nos casos suspeitos entre 12 e 14
semanas. Baseados em estudos que obtiveram grande
acurácia na predição de fetos masculinos neste período 24, 36 poderíamos contra-indicar a bíópsia de vilo
corial nestes casos, também levando em consideração
a acurácia relativamente alta na detecção do sexo
feminino nos mesmos períodos.
Contudo, levando-se em consideração a superioridade dos exames invasivos em detrimento da ultrassonografia, como foi apresentado por outro estudo 13,
frente aos quadros altamente suspeitos seríamos tentados a nos utilizar da aminiocentese ou biópsia de
vilo para obter uma resposta definitiva quanto ao
sexo fetal.
A grande questão é até que ponto o risco de abortamento e mal-formações proveniente de tais procedimentos compensariam a pequena discrepância de
acurácia em relação à ultrassonografia. Nos casos
suspeitos de hiperplasia congênita de adrenal, por
exemplo, que tem uma prevalência de 1 para 11500
nascidos vivos, a não virilização que a administração
de corticoesteróides antes das 9 semanas pode vir a
oferecer, não supera os risco de efeitos colaterais do
tratamento. Se ainda for levado em consideração o
fato de 7 entre 8 gestações tratadas não serão afetadas 14, 37 um exame invasivo muito precoce apresenta
necessidade ainda mais duvidosa, uma vez que entre
a 12ª e 13ª semanas o exame ultrassonográfico já
apresenta alto índice de acurácia. Em sua associação
com métodos também não invasivos, tais como a
pesquisa de DNA fetal, a ultrassonografia atinge acurácia ainda maior e seria, portanto uma alternativa
mais plausível frente a realização de testes invasivos
precoces. Porém,o alto preço da pesquisa de DNA
fetal inviabiliza seu uso no dia-a-dia principalmente
nos países em desenvolvimento, colocando então
novamente a ultrassonografia como ferramenta principal dentre os métodos não invasivos na predição
sexual.
No segundo e terceiro trimestre de gestação os estudos são mais focados na visualização de malformações como genitália ambígua, hipospádia, epispádia, extrusão de bexiga e pseudo-hermafroditismos
masculinos e femininos. A ultrassonografia 3D mostrou-se eficaz na detecção de tais mal-formações como na predição do sexo no início da gestação.
EURP 2010; 2(2): 83-92
91
Saucedo et al – Determinação do sexo fetal
Outro ponto importante que é citado nos principais estudos a respeito da predição sexual em estágios precoces da gestação é o embasamento ético de
tal linha de pesquisa. A importância da predição sexual para melhorar a sobrevida e a qualidade de vida de
fetos atingidos por doenças hereditárias e malformações é indiscutível. O ponto-chave seria o mal
uso que os avanços em tais pesquisas poderiam oferecer para fins de abortamento baseados pura e simplesmente no sexo fetal.
A ultrassonografia mostrou-se por hora incapaz de
diferenciar o sexo fetal antes das 11 semanas, principalmente em função da indiferenciação do falo neste
período embriológico. O limite é definido pela grande
maioria dos estudos como de 12 semanas.
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Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 83-92
Artigo de Revisão
Ecocardiografia e o Coração do Atleta
Echocardiography and the Athlete`s Heart
Armando F Machado Filho1, Wellington P Martins 1, 2
O coração de um atleta pode expressar diversas modificações morfológicas e funcionais em conseqüência aos estímulos intensos e freqüentes, comuns a quem pratica atividades físicas com fins competitivos. Estes achados muitas
vezes podem ser a origem de um sério conflito diagnóstico, pois podem “alertar” o clínico inexperiente para condições cardíacas que na verdade inexistem, bem como podem mascarar doenças potencialmente letais, cujas manifestações são por vezes sobrepostas com aquelas do coração do atleta. Neste presente trabalho, nos propomos a fazer
uma revisão deste tema, com ênfase nas alterações adaptativas possíveis de serem observadas, além de rever as
principais causas de morte súbita em atletas jovens; também faremos considerações sobre o papel do ecocardiograma na avaliação rotineira destes indivíduos, destacando os principais pontos de distinção, quando da utilização
deste exame, entre o coração do atleta e as principais patologias com as quais este pode ser confundido.
Palavras chave: Coração do atleta; Ecocardiografia; Morte súbita.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 18/08/2009, aceito para publicação em
05/05/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Abstract
The heart of an athlete can express several morphological and functional modifications, which are result of intense
and frequent stimuli, common to those who practice physical activities with competitive purposes. These findings can
often be the source of a serious conflict diagnosis, as can
"alert" the inexperienced clinical for cardiac conditions that
actually do not exist, and may mask potentially lethal disease, whose manifestations are sometimes overlapped with
those of the athlete's heart . In this work, we propose a
review of this topic, emphasizing the adaptive potential of
the observance, in addition to reviewing the main causes of
sudden death in young athletes, we will also discuss the
role of echocardiography in the routine evaluation of these
individuals, highlighting the main points of differentiation,
when use of this practice, between the heart of the athlete
and the main pathologies with which this can be confused.
Keywords: Athlete`s heart; Echocardiography; Sudden
death.
EURP 2010; 2(2): 93-96
94
Simão & Martins – Efusões pleurais
Introdução
A prática intensiva de exercícios físicos, no contexto dos esportes competitivos, desafia o coração de um
atleta a desempenhos acima do usualmente requerido para o ser humano comum. Em tais condições, as
necessidades de oxigênio circulante podem tornar-se
bastante elevadas, sendo, portanto, necessário um
processo adaptativo. Na descrição clássica, este envolve aumento do diâmetro e espessura parietal de
câmaras cardíacas, bem como do enchimento diastólico e redução da freqüência cardíaca, no intuito de
garantir um débito cardíaco à altura desta demanda 1.
A este conjunto de compensações morfofuncionais
dá-se o nome de Coração do Atleta.
Apesar de já extensamente descritas, as alterações
cardíacas observadas nos atletas ainda suscitam controvérsias. Embora a grande maioria dos autores admita isto como um processo meramente adaptativo,
muitos ainda questionam se tais alterações teriam
algum potencial de induzir a longo prazo alterações
patológicas. Além disto, em muitos atletas, a magnitude das alterações observadas atingem níveis compatíveis com algumas patologias cardíacas, principalmente a cardiomiopatia hipertrófica. Este tipo de consideração ganha ainda mais força sempre que ocorre
um episódio de morte súbita em um atleta. Tais fatos
têm um grande impacto tanto na população leiga
quanto na comunidade médica, pois estas mortes
fragilizam a percepção de que os atletas treinados
representam o segmento mais saudável da sociedade
moderna 2.
Embora a incidência real de morte súbita em atletas ainda seja incerta, alguns trabalhos falam de 1
caso para 200.000 por indivíduos ao ano 3 e acreditase que muitas mortes poderiam ter sido prevenidas
pelo diagnóstico prévio das condições que as causaram. No entanto, na prática clínica muitas vezes torna-se uma tarefa muito difícil e de grande responsabilidade, a distinção entre o coração do atleta e uma
doença cardíaca; se por um lado, a identificação de
uma doença pode ser a base para retirar o atleta da
competição a fim de minimizar riscos, por outro lado,
o diagnóstico inapropriado de doença cardíaca pode
indevidamente afastar o atleta de sua profissão, pondo um fim em sua carreira.
O Coração do Atleta
A primeira descrição das alterações cardíacas encontradas no atleta foi feita por Henschen em 1899.
Através de uma cuidadosa percussão torácica, ele
reconheceu o aumento cardíaco em esquiadores
“cross country” e concluiu que tanto dilatação quanto
hipertrofia encontravam-se presentes, envolvendo
ambos os lados do coração 4. Nas décadas seguintes,
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
outros exames que se tornaram comuns na avaliação
cardíaca, tais como a radiografia do tórax e o eletrocardiograma puderam reproduzir seus achados. No
entanto, somente a partir do emprego das imagens
obtidas à ecocardiografia, os cardiologistas puderam
fazer medidas relativamente acuradas, tanto de espessura das paredes, quanto das dimensões das câmaras cardíacas 5.
As facilidades do exame ecocardiográfico estimularam o surgimento de muitos estudos envolvendo
grupos de atletas e estabeleceram que as alterações
diferiam conforme o tipo de atividade física exercida.
Observou-se que aqueles envolvidos com exercícios
isométricos (como levantamento de peso, etc) tinham
um volume ventricular normal ao final da diástole,
porém com freqüência, a massa ventricular esquerda
e a espessura das paredes apresentavam-se aumentadas, similarmente ao que ocorre nos corações submetidos à sobrecarga crônica de pressão; por outro
lado, aqueles que desempenhavam exercícios isotônicos (como natação, corrida de longa distância, etc),
também tinham um aumento da massa ventricular,
sem, no entanto apresentarem espessamento das
paredes ventriculares, algo semelhante ao que ocorre
em situações de sobrecarga crônica de volume 6. Nos
que praticam atividades mistas as quais combinam
força e resistência, como é o caso do ciclismo, poderemos encontrar apresentações variáveis entre os
dois modelos acima.
Hoje se sabe que, o coração do atleta, submetido a constantes estímulos para que realize um trabalho cada vez mais eficaz, poderá apresentar basicamente duas modificações morfofuncionais:
1- Aumento do tamanho ventricular, secundário à
sobrecarga de pressão e ou volume, levando a uma
hipertrofia que pode ser concêntrica ou excêntrica,
caso a espessura das paredes acompanhem ou não o
aumento das câmaras. Isto possibilita uma maior força de contração por parte do miocárdio, bem com um
maior enchimento diastólico final, o que possibilita
um volume ejetado de sangue em cada sístole, ainda
maior.
2-Bradicardia Sinusal: nos atletas, em especial no
momento entre os treinos observa-se uma menor
freqüência cardíaca, que se dá à custa de uma maior
estimulação parassimpática e diminuição do tônus
simpático; o número de batimentos por minuto, só
excepcionalmente atinge níveis menores que 40. Com
a freqüência cardíaca reduzida, aumenta o período da
diástole, permitindo a otimização no enchimento das
câmaras ventriculares, o que também contribui para
um maior volume de ejeção; tais níveis de freqüência
falam também da maior resistência cardiovascular do
atleta, permitindo que o mesmo desempenhe um
EURP 2010; 2(2): 93-101
95
Simão & Martins – Efusões pleurais
trabalho físico de alta carga por mais tempo, antes
que sobrevenha a fadiga 7.
Ao exame ecocardiográfico, o tamanho normal da
cavidade do ventrículo esquerdo é de até 55 mm e a
espessura da parede é de até 12 mm. A maioria dos
atletas tem dimensões dentro desses parâmetros, no
entanto, sabe-se que cerca de 35% dos atletas adultos
têm uma cavidade ventricular esquerda maior que 55
mm e em 5 % esta é maior que 60 mm; no entanto,
apenas uma pequena percentagem, aproximadamente 2 % tem uma espessura parietal acima de 12 mm 8.
Quanto às funções sistólica e diastólica, apresentamse em níveis normais, similares às da população em
geral; o maior débito sistólico do atleta, conforme
acima já referido deve-se a um volume diastólico final
aumentado e não a uma alta fração de ejeção.
Outras alterações comumente relatadas são: aumento do volume atrial esquerdo, o que pode ser
evidenciado em cerca de 20% e à monitorização eletrocardiográfica durante a realização do ecocardiograma, podem ser também evidenciados, além da
bradicardia sinusal, ectopias atriais e ou ventriculares,
bem como bloqueio atrioventricular de primeiro ou
de segundo grau do tipo Mobitz I e até mesmo ritmo
juncional 9.
Sabe-se que funcionalmente, pouco tempo após iniciado o treinamento, podem já ser observadas alterações no organismo dos indivíduos. Por acompanhamento ao ecocardiograma puderam ser visualizadas, tanto em atletas de força, quanto nos de resistência, a ocorrência de significantes mudanças na
estrutura e função cardíaca já aos 90 dias após o início
de atividades, em atletas anteriormente sedentários
10
.
Por outro lado, também já é amplamente conhecida a característica reversibilidade das alterações apresentadas pelo coração do atleta, uma vez que os treinos sejam interrompidos, podendo já haver regressão
de 2 a 5 mm na hipertrofia após 3 meses de descondicionamento, embora muitas vezes, a redução do tamanho da cavidade seja incompleta e a dilatação possa persistir em até 20% dos atletas 11.
O Exame Ecocardiográfico e o Atleta
O ecocardiograma, a despeito da sua importância
em relação ao tema aqui discutido, não é um exame
que deva ser realizado rotineiramente em atletas, no
tocante à avaliação inicial destes antes da participação de atividades esportivas, pois além de representar
um alto custo oferecer o exame a todos os atletas,
demandaria um grande número de profissionais treinados para tal. Em caso contrário, se sua realização
tornar-se necessária, o exame deveria ser idealmente
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
feito por ecocardiografista familiarizado com as alterações cardiovasculares encontradas nos atletas 4.
Segundo a última Diretriz da AHA, que norteia o
rastreamento de pré-participação para atletas competitivos, a adição de testes diagnósticos não invasivos
tem o potencial de aumentar a detecção de doenças
cardiovasculares em atletas jovens, mas os mesmos só
deveriam ser solicitados após os atletas serem submetidos aos assim conhecidos “doze passos”de investigação pré-participação (vide tabela 1), os quais são
questões ou dados a serem checados na história pessoal, familiar, bem como no exame físico do paciente,
que objetivam a possibilidade de desmascarar qualquer patologia subjacente; se um desses “passos”
tiver uma resposta positiva ou mostrar alterações
sugestivas de patologia, o atleta deverá ser encaminhado para uma investigação mais aprofundada 12.
Tabela 1. Os doze passos da avaliação pré-participação,
segundo a diretriz da American Heart Association (adapta12
do de Maron et al, 2007 )
HISTÓRICO MÉDICO DO ATLETA E DE SUA FAMÍLIA
Antecedentes Pessoais:
1-Desconforto ou dor torácica aos esforços.
2-Síncope ou Pré-sincope de etiologia não explicada.
3-Dispnéia ou fadiga excessiva associada aos exercícios.
4-História prévia de “Sopro Cardíaco”.
5-Elevação da Pressão Sanguínea.
História Familiar:
6-Morte prematura de causa cardíaca (súbita e inesperada), em 1 ou mais parentes com menos de 50 anos.
7-Parente próximo com menos de 50 anos, incapacitado
por doença cardíaca.
8-Conhecimento de certas condições cardíacas em membros da família: cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada,
síndrome do QT longo ou outras canalopatias, Síndrome
de Marfan ou arritmias de importância clínica.
EXAME FÍSICO:
9-Busca de sopros cardíacos à ausculta.
10-Palpar pulsos femorais, para excluir Coarctação da
Aorta.
11-Buscar à inspeção, por estigmas da Síndrome de Marfan.
12-Aferir a Pressão Artéria Sistêmica (em posição sentada).
Segundo a 36ª. Conferência de Bethesda, realizada
em 2005, o ecocardiograma é a principal modalidade
diagnóstica para a identificação clínica da Cardiomiopatia Hipertrófica e, além disto, representa um importante papel em detectar e definir outras cardiopatias
associadas com morte súbita, tais como doença valvar
(prolapso mitral e estenose aórtica), aneurisma aórtico presente na Síndrome de Marfan ou em outras
Síndromes correlatas e disfunção ou dilatação do venEURP 2010; 2(2): 93-101
96
Simão & Martins – Efusões pleurais
trículo esquerdo, presentes, por exemplo, na miocardite ou Cardiomiopatia Dilatada 13.
aumento, em respectiva ordem decrescente de magnitude.
Determinantes das Modificações Morfofuncionais
A “Síndrome do Coração do Atleta” não é no entanto, um fenômeno ubíquo, especialmente no tocante às modificações estruturais. Trabalhos relatam que
cerca de 50% de atletas, apesar da ótima performance
esportiva, não apresentam ao exame ecocardiográfico, alterações dimensionais, como as consideradas até
aqui. Este tipo de observação implica que a resposta
cardíaca ao treinamento não é induzida unicamente
pelo estresse hemodinâmico relacionado ao exercício.
Outras questões, a este aspecto relacionadas, têm a
ver com a observação de que as respostas são variáveis entre diferentes indivíduos. Em um grupo de atletas que participam do mesmo esporte, sendo submetidos por isto a estímulos de graus semelhantes, ainda
assim podem haver medidas ecocardiográficas bem
diversas entre eles; já em alguns atletas, as mudanças
podem ser tão proeminentes, que chegam muitas
vezes a serem erroneamente confundidas com os
achados de determinadas patologias cardíacas.
Muitos fatores a influenciar na determinação do
perfil adaptativo de cada atleta são hoje reconhecidos, como exemplo, temos os fatores genéticos, tendo sido identificado que os indivíduos homozigotos
DD para o gene responsável por 50% da ECA circulante, parecem ser mais predispostos a desenvolver maiores graus de hipertrofia cardíaca em resposta ao
treinamento físico 14. Outros possíveis determinantes
são fatores hormonais, sexo, idade e etnia. Normalmente mulheres, crianças e pessoas de mais idade
apresentam alterações mais discretas, provavelmente
devido ao treinamento menos intenso e aos menores
níveis de testosterona, diferentemente de homens
mais jovens, onde os maiores níveis de testosterona
contribuem para uma maior massa muscular, permitindo níveis mais intensos de treino. É observada
também, uma maior tendência à hipertrofia nos indivíduos negros, uma possível explicação para tal achado, seriam os níveis naturalmente mais elevados de
pressão arterial nestes indivíduos em resposta ao
exercício 15.
Por último, podemos ressaltar outro fator de extrema importância nesta discussão, que é o tipo de
atividade física desempenhada pelo atleta. O tênis de
mesa, por exemplo, é o que apresenta menor impacto
relativo sobre a dilatação ventricular. As maiores taxas
de aumento, tanto das dimensões cavitárias, quanto
das espessuras de parede tem sido observadas nos
atletas de elite praticante de remo, esqui, ciclismo e
natação 11. Outros esportes populares como futebol,
tênis e volleyball, apresentam níveis intermediários de
Morte Súbita em Atletas
Morte súbita ocorrendo em atleta já foi considerada uma síndrome misteriosa e indefinida. Após anos
de pesquisa, hoje se dispõe de uma extensa literatura
que define as causas cardiovasculares, bem como de
outras etiologias não cardíacas, responsáveis por tais
eventos trágicos, os quais felizmente são extremamente raros em atletas jovens 16. Sua ocorrência, porém, será mais comum em atletas amadores e/ou de
meia idade ou mais idosos, porém mesmo nestes grupos o risco é muito menor que na população sedentária.
A morte súbita relacionada com o exercício é considerada quando o evento fatal ocorre durante a atividade física e até uma hora após o seu término, sendo porém mais associada com o esforço que com o
período de descanso. Em jovens atletas, ocorre predominantemente em meio ao treino ou competição,
na ausência de sintomas prévios; em tais circunstâncias o exercício agiria como um gatilho para taquiarritmias ventriculares letais, dada a suscetibilidade
imposta pela cardiopatia (geralmente insuspeitada)
subjacente 17.
Pode ser associada a mais de trinta tipos diferentes
de esportes; os mais comuns são o basquete e o futebol americano nos Estados Unidos e o futebol, nos
países da Europa. Ocorrem também com uma freqüência muito maior em atletas do sexo masculino,
com uma proporção de 9 atletas homens mortos para
apenas 1 atleta do sexo feminino, além de haver também uma maior predisposição a atletas de etnia negra; atualmente já são reconhecidas as principais causas cardíacas que podem levar atletas jovens à morte
súbita, bem como sua respectiva prevalência 18.
Conforme disposto na tabela 2, a Cardiomiopatia
Hipertrófica constitui-se na causa principal de morte
súbita em atletas jovens, respondendo por cerca de
um quarto dentre todos os casos, embora alguns autores aumentem sua responsabilidade para um terço
dos casos, alegando que muitos que apresentavam
hipertrofia indeterminada do ventrículo esquerdo na
verdade seriam portadores de Cardiomiopatia com
apresentações menos comuns. O “Commotio Cordis”
presente na segunda posição refere-se a uma taquiarritmia ventricular maligna ocorrida por conseqüência
a um trauma torácico contuso, não penetrante. Enquanto nesta faixa etária, a doença aterosclerótica
coronariana responde por uma parcela muito pequena, nos atletas de maior idade (acima dos 35 anos),
esta se constitui na causa predominante de morte
súbita 4.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 93-101
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Simão & Martins – Efusões pleurais
Tabela 2. Distribuição por ordem de prevalência das
principais causas de morte súbita em atletas, adaptado de
4
Maron e Pelliccia, 2006 .
Causa de Morte Súbita em Atletas JoPrevalência
vens
Cardiomiopatia Hipertrófica
26%
“Commotio Cordis”
20%
Anomalia de artérias coronarianas
14%
Hipertrofia do VE indeterminada
7%
Miocardite
7%
Ruptura de Aneurisma
3%
Displasia Arritmogênica do VD
3%
Ponte Miocárdica
3%
Estenose Aórtica
2,5%
Doença Coronariana Aterosclerótica
2,5%
Outras Causas: Abuso de drogas, trau12%
matismo, asma, etc
Seria ainda interessante mencionar a emergência
de um perfil demográfico diferente, relacionado com
a morte súbita em atletas jovens, especialmente na
região nordeste da Itália, onde a displasia arritmogênica do ventrículo direito é referida como a causa
principal de morte súbita, algo muito diferente dos
achados reportados nos Estados Unidos. Tal informação, mais do que uma mera predisposição genética
desta população estudada a apresentar tal patologia,
pode refletir na verdade o modelo otimizado e até
mesmo rigoroso adotado na Itália no tocante à avaliação pré participação em atividades esportivas; neste
modelo que vai além dos doze passos adotados nos
EUA, todos os indivíduos são, além de submetidos a
anamnese e exame físico, também avaliados por ECG,
com realização de exames complementares caso surja
qualquer indício suspeito de cardiopatia 12. Este “screening” sistemático teria menos chance de identificar e
desqualificar das competições atletas com displasia do
VD, que aqueles com doenças mais facilmente identificáveis através da realização de ECG e confirmadas ao
Ecocardiograma, como a Cardiomiopatia Hipertrófica.
Coração do atleta ou cardiomiopatia
É algo extremamente notório. A literatura dedicada à questão do “coração do atleta” direciona-se na
maioria das vezes, a um denominador comum: a cardiomiopatia hipertrófica.
Esta se trata de uma doença genética, de transmissão autossômica dominante, que ocorre em 1 a cada
500 pessoas, relacionada com um potencial mórbido,
haja visto a possibilidade de ocorrerem arritmias cardíacas graves e letais, sendo a morte súbita a primeira
manifestação clínica em muitos pacientes. Estas arritmias que podem levar à morte podem ocorrer no
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
repouso, mas tipicamente estão relacionadas com
esforço físico 19. Por tais motivos torna-se tão importante considerar tal patologia em indivíduos que têm
a atividade atlética como profissão. Além disto, como
já anteriormente discutido, esta patologia é a principal causa de morte súbita em atletas jovens.
A princípio constitui tarefa relativamente simples,
realizar o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica
em um atleta, basta logicamente que haja antes de
tudo, uma suspeita clínica despertada por sintomas
ou dados sugestivos presentes na história clínica pessoal ou familiar do indivíduo. A partir daí, o exame
ecocardiográfico assume uma posição relevante, pois
além de ser uma ferramenta de relativa disponibilidade, constitui ainda a melhor opção no diagnóstico
desta patologia. No entanto, em muitos casos, esta
pode apresentar-se como uma tarefa repleta de dificuldades.
Em circunstâncias normais, um atleta pode exibir
um aumento de 15 a 20% na espessura septal e da
parede posterior do ventrículo esquerdo. Em termos
de valores absolutos, a hipertrofia ocorrida nos atletas, não ultrapassa os 12 mm, medidas consideradas
normais mesmo dentro do preconizado até para indivíduos sedentários 20.
O grande conflito diagnóstico surge se a remodelação ocorrida no coração do atleta ultrapassa os limites
da normalidade, por exemplo, quando é visualizado
um septo com espessura entre 12 e 16 mm, valores
estes que podem ser também evidenciados em indivíduos com cardiomiopatia hipertrófica de apresentação fenotípica mais discreta, o que ocorre em 10 a
15% dos casos 21. Diz-se encotrarem-se numa zona
cinzenta de dubiedade entre o coração do atleta ou
cardiomiopatia hipertrófica, aqueles que apresentamse ao exame ecocardiográfico com medidas dentro
deste intervalo. Acima de 16 mm, a hipertrofia mais
provavelmente tenderá para o patológico, muito embora tenham sido encontrados atletas com septos
medindo até 19 mm, ainda que isto ocorra de forma
muito isolada 22.
Também devemos lembrar que, no tocante às dimensões da cavidade ventricular esquerda, muitos
atletas podem apresentar um diâmetro diastólico final
que extrapola o valor normal máximo de 55 mm, dado
que pode demandar a distinção com cardiomiopatia
dilatada.
Para definir com firmeza e exatidão o diagnóstico
do paciente, especialmente daqueles que vão se enquadrar na chamada zona cinzenta é necessário, além
de conhecer a fundo as alterações possíveis de encontrar-se num atleta ao exame ecocardiográfico, um
conhecimento detalhado das patologias a que se propõe diagnosticar/descartar e procurar averiguar semEURP 2010; 2(2): 93-101
98
Simão & Martins – Efusões pleurais
pre, o maior número de parâmetros que possibilitem
a mais perfeita diferenciação.
Cardiomiopatia hipertrófica X coração do atleta:
diagnóstico diferencial
Antes de partir diretamente para a aquisição de
imagens ultrassonográficas a fim de diferenciar estas
duas condições, outrossim caso a dúvida tenha surgido exatamente durante o exame, algumas informações iniciais sobre o atleta podem ser de extrema
ajuda nesta tarefa.
Os estudos demonstram que o perfil do atleta, que
se encontra na zona cinzenta, geralmente é o de pertencer ao sexo masculino e com idade acima dos 16
anos. Desta forma, o achado de hipertrofia em atletas
do sexo feminino e em adolescentes são mais condizentes com uma condição patológica 23. Os atletas de
etnia negra, quando comparados aos caucasianos,
enquadram-se mais comumente na zona de indefinição diagnóstica. Enquanto na população em geral, a
porcentagem esperada é de cerca de 2 %, nesse segmento em particular, o índice pode chegar até a 18%
dos atletas 24.
O tipo de esporte praticado pelo atleta também
pode ser de ajuda na diferenciação. Dois grandes estudos fizeram uma correlação entre o achado de hipertrofia ventricular e os tipos de modalidades esportivas onde esta característica era mais comumente
observada. No primeiro, um estudo italiano envolvendo 947 atletas olímpicos, todos os atletas que apresentaram hipertrofia ventricular estava relacionado a
um dos seguintes esportes: remo, canoagem ou ciclismo 25; o outro estudo, realizado na Grã-bretanha,
envolveu 3000 atletas e identificou hipertrofia apenas
nos praticantes de natação, futebol, rugby e tênis 21. É
razoável presumir que quando hipertrofia ventricular
for evidenciada em praticantes de outros esportes ou
ainda, de esportes considerados mais leves, devem
ser avaliados com mais rigor.
Atletas com queixas de palpitações, dificuldade
respiratória desproporcional ao exercício realizado,
tonturas, dores no peito ou relato de síncope (de etiologia ainda não explicada), sendo todos estes sintomas possíveis de serem apresentados por pacientes
com cardiomiopatia hipertrófica, devem, portanto ser
investigados para tal. Também contribuem para a
suspeita, antecedentes de arritmias e/ou de alterações ao ECG (ainda que inespecíficas) e por último,
mas não menos importante, os antecedentes familiares de um caso diagnosticado num parente de primeiro grau, onde a investigação torna-se formalmente
obrigatória.
O ecocardiograma é o exame de escolha para a diferenciação entre a cardiomiopatia hipertrófica e a
hipertrofia fisiológica do ventrículo esquerdo enconExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
trada no atleta altamente treinado. Para tanto, durante sua realização vários parâmetros morfológicos e
funcionais devem ser sistematicamente procurados,
avaliados e medidos, em sua forma de apresentação e
magnitude.
Em primeiro lugar, a avaliação da hipertrofia. No
coração do atleta, ela atinge limites máximos de 16
mm, conforme já referido, além disso, tende a ser
homogênea e simétrica. Na cardiomiopatia hipertrófica, a maioria dos indivíduos exibe o clássico padrão de
hipertrofia septal assimétrica, podendo haver um
padrão heterogêneo de hipertrofia, mesmo em porções contíguas do ventrículo esquerdo (RAWLINS,
2008). Além disto, na maioria dos pacientes, a cavidade ventricular apresenta-se pequena, medindo menos
do que 45 mm, caracterizando uma disparidade entre
a espessura das paredes e o diâmetro da cavidade,
achado típico desta patologia. Ao contrário disto, quase todos os atletas que apresentam hipertrofia, concomitantemente mostrarão também um aumento na
cavidade ventricular esquerda, a qual pode variar de
55 a 65 mm 23.
Outro dado ecocardiográfico reconhecidamente
observável nos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica é a obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo. Esta geralmente é piorada com o
exercício e ocorre devido ao movimento anterior sistólico do folheto mitral anterior em direção ao septo
interventricular. Nos atletas, logicamente não se espera encontrar qualquer tipo de obstrução, mesmo na
vigência de hipertrofia.
A avaliação do padrão de enchimento diastólico
ventricular realizada a partir do Doppler pulsado ao
nível da borda dos folhetos mitrais e das veias pulmonares, com informações adicionais obtidas pelo Doppler tecidual ao nível da borda do anel mitral, também
são de grande relevância. Enquanto no atleta estes
parâmetros costumam apresenta-se sem anormalidades, no paciente com cardiomiopatia hipertrófica,
devido à rigidez muscular secundária ao desarranjo
dos miócitos e ao processo de fibrose entre estes,
podem ser evidenciados reversão na relação entre as
ondas E e A, prolongamento do tempo de desaceleração da onda E e do tempo de relaxamento isovolumétrico, além de reversão na relação S/D às veias pulmonares.Ao Doppler tecidual, nos indivíduos com a
patologia, a relação e/a constitui um importante parâmetro. Em um paciente da zona cinzenta, o achado
da relação e/a < 1 é um dado que aposta fortemente
para um diagnóstico patológico 26. A relação E/e também pode ser útil na diferenciação, pois quando apresenta um valor maior que 12 é indicativa de alta pressão de enchimento ao nível do átrio esquerdo, um
marcador fisiopatológico, enquanto nos atletas, tal
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99
Simão & Martins – Efusões pleurais
relação costuma ter valores normais, ou seja, menores que 8 27.
A despeito de todos os aspectos enumerados até
aqui, em alguns casos eles ainda não são suficientes
para definir ou afastar com precisão a possibilidade
desta patologia no atleta. É preciso então fazer uso de
outras opções como o teste genético, o qual pode
hoje em dia ser obtido com rapidez; este vai avaliar a
existência no DNA do paciente das mutações mais
comumente associadas com a cardiomiopatia hipertrófica. Sua limitação consiste no alto índice de testes
falso negativos (RAWLINS, 2009). A realização de teste
ergoespirométrico pode mostrar padrões reduzidos
de VO2 máximo compatíveis com a doença (ANASTASAKIS, 2005). A ressonância magnética pode ser muito
útil na demonstração de fibrose miocárdica e nos casos de hipertrofia apical. O descondicionamento pode
também ser uma manobra utilizada no diagnóstico
diferencial, haja vista a redução que ocorre na espessura da parede após um pequeno período de interrupção nos treinos, como 3 meses por exemplo; sua
principal limitação, logicamente, é a dificuldade de
convencer um atleta altamente motivado a interromper suas atividades esportivas, ainda que por pouco
tempo.
Diagnóstico diferencial com outras patologias
O ecocardiograma representa também um exame
de extrema importância no diagnóstico de outras
condições associadas à morte súbita em atletas.
Em alguns esportistas, as dimensões do ventrículo
esquerdo podem ultrapassar o limite normal máximo
de 55 mm (diâmetro diastólico final), atingindo valores iguais aos observados na cardiomiopatia dilatada
primária ou secundária a condições tais como hipertensão arterial sistêmica, doença coronariana, doença
de Chagas, etc. É importante pesquisar na história do
paciente por condições predisponentes. A ausência de
sintomas ou sinais sugestivos de insuficiência cardíaca
falam a favor de dilatação fisiológica do ventrículo
esquerdo 28. Ao ecocardiograma, a presença de um
ventrículo esquerdo que pode medir até mais do que
60 mm, porém sem achados de disfunção sistólica e
de alterações do relaxamento e complacência ventricular , também são dados favoráveis a esta hipótese.
A miocardite geralmente tem uma etiologia infecciosa e inflamatória, embora em alguns casos esta
pode ser conseqüência do uso de drogas como cocaína, podendo provocar morte súbita em conseqüência
de arritmias complexas, que podem, como apresentação da doença, ocorrer de forma isolada. O diagnóstico diferencial com o coração do atleta é auxiliado
pelos dados clínicos como surgimento num indivíduo
anteriomente hígido, de arritmias, síncope, palpitaExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
ções e nos casos mais sérios de insuficiência cardíaca
franca, às vezes refratária até mesmo à medicação
usual 28. Embora em muitas vezes o diagnóstico venha
a depender da realização de biópsia endomiocárdica,
o ecocardiograma pode ser útil na avaliação de disfunção cardíaca de origem recente.
A estenose aórtica tem como etiologias mais comuns, a valva aórtica bicúspide, doença reumática e
de causa degenerativa, esta mais relacionada com o
envelhecimento. Por ser uma das condições cardíacas
congênitas mais comuns, podem ser logicamente encontrados muitos atletas portadores de valva bicúspide. A ecocardiografia é o método padrão para o diagnóstico e avaliação de gravidade da estenose valvar
aórtica e permite o acompanhamento de atletas com
lesão congênita ou reumática com mínimo grau de
estenose, o que não contra indica a atividade
atlética29.
A displasia arritmogênica do ventrículo direito desponta em algumas regiões da Europa, como a causa
principal de morte súbita em atletas jovens. Trata-se
de uma cardiomiopatia caracterizada por infiltração
gordurosa das paredes do VD e pode cursar assintomaticamente, porém apresenta alto potencial arritmogênico, podendo evoluir com disfunção e dilatação
do ventículo direito. Alguns atletas, fisiologicamente,
podem manifestar alterações eletrocardiográficas
como arritmias leves e benignas e pequenos graus de
bloqueio atrioventricular, além de certo grau de dilatação do ventrículo direito, assim como ocorre com o
ventrículo esquerdo; nestes casos a possibilidade desta patologia poderia ser aventada. O ecocardiograma,
apesar de não haver ainda critérios padronizados para
o diagnóstico desta patologia utilizando este exame,
pode ser de grande ajuda na sua identificação. Os
achados geralmente são os de dilatação e disfunção
do ventrículo direito, além de poderem ser visualizados hiperrefringência da banda moderadora e ao nível
da parede ventricular a presença de aneurismas e
padrão grosseiro de trabeculação 30.
Considerações finais
O coração de um atleta é uma máquina programada para manter níveis circulatórios adequados, mesmo diante de um trabalho físico extremo. Em nosso
entender, a despeito de um vasta literatura disponível
dedicada a este fenômeno corporal adaptativo, não
podemos ignorar uma aura de certo mistério que ainda paira sobre ele.
Antes de tudo, o fato de não ser encontrado universalmente, conforme a clássica descrição de Henschen, tornando sempre impossível prever a forma de
remodelamento que irá ocorrer no coração de um
EURP 2010; 2(2): 93-101
100
Simão & Martins – Efusões pleurais
indivíduo que está a iniciar-se numa carreira de atleta.
Outro dado que torna este tema ainda mais sombrio é
o de que algumas mortes de atletas ocorreram mesmo naqueles que tinham sido avaliados de forma correta e por profissionais competentes. Também é intrigante o fato de que alguns atletas não mostraram
quaisquer alterações à autópsia, supondo-se que algumas doenças arrítmicas raras seriam a causa por
trás de tais mortes, doenças estas que não despertam
um mínimo nível de suspeita, a despeito de uma avaliação criteriosa.
Felizmente este tipo de acontecimento é bastante
incomum, no entanto seria um pesadelo para qualquer profissional médico, ser o responsável relacionado a qualquer um destes eventos, sempre tão extensivamente explorados pela mídia.
O diagnóstico do coração do atleta é, sem dúvida,
muito desafiante para o médico, quer este seja generalista, cardiologista ou qualquer outro envolvido com
o exame de atletas. Um erro de diagnóstico pode representar a destruição de uma carreira ou a morte do
atleta. Uma conduta ideal seria avaliar cuidadosamente as modificações observadas, munindo-se do maior
número possível de informações, para tentar responder se aquelas alterações representam uma adaptação fisiológica ao treinamento ou uma condição patológica. Neste processo, o ecocardiograma representa
um papel muito importante, pois além de ser bem
acessível hoje em dia, não ser um exame caro, nem
invasivo ou muito menos inócuo, permite acessar com
detalhes dados estruturais e funcionais do ventrículo
esquerdo e, se usado de forma adequada por profissional com experiência nestes casos, é um objeto de
valor inestimável para dissipar qualquer nuvem cinzenta que esteja a confundir o clínico, permitindo-o
chegar de forma clara ao diagnóstico correto.
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Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
EURP 2010; 2(2): 93-101
Artigo de Revisão
A utilização da ecocardiografia na avaliação da cardiotoxicidade por
adriamicina
The use of echocardiography in the evaluation of adriamycin cardiotoxicity
José Antônio F Martins 1, Wellington P Martins 1, 2
A cardiotoxicidade por quimioterápicos utilizados na prática oncológica é uma das causa de miocardiopatia na
população exposta a estas drogas. Dentre elas se destaca a Adriamicina (ADR) como agente classicamente
cardiotóxico amplamente utilizado no tratamento de tumores sólidos em adultos e crianças. O seguimento da
função cardíaca dos pacientes expostos a ADR é recomendada por diretrizes, inclusive com protocolos específicos de
descontinuidade do tratamento em casos de miocardiopatia secundária a cardiotoxicidade. Dentre os exames para
avaliação da função cardíaca, a ecocardiografia é dos exames indicados para o seguimento dos pacientes em
tratamento com ADR. Tradicionalmente, utiliza-se a avaliação da Fração de Ejeção do Ventriculo Esquerdo (FE) como
parâmetro ecocardiográfico para o segmento da função cardíaca em pacientes expostos a ADR. Porém devido as
limitações técnicas intrínsecas e extrínsecas da ecocardiografia bidimensional e baixa reprodutibilidade das aferições
realizadas por diferentes examinadores, novas tecnologias e indicadores ecocardiográficos são apresentados para
otimizar a avaliação sistólica, diastólica e tecidual do ventrículo esquerdo em pacientes expostos a ADR.
Palavras chave: Ecocardiografia; Cardiotoxicidade; Adriamicina.
1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de
Ribeirão Preto (EURP)
2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
Recebido em 22/06/2010, aceito para publicação em
30/06/2010.
Correspondências para Wellington P Martins.
Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de
Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060.
E-mail: [email protected]
Fone: (16) 3636-0311
Fax: (16) 3625-1555
Abstract
The cardiotoxicity of chemotherapeutic agents used in
oncology practice is one of cause of cardiomyopathy in the
population exposed to these drugs. Among them stands out
to Adriamycin (ADR) as classically cardiotoxic agent widely
used in the treatment of solid tumors in adults and
children. The follow-up of cardiac function of patients
exposed to ADR is recommended by guidelines, including
protocols for discontinuing treatment in cases of
cardiomyopathy secondary to cardiotoxicity. Among the
tests for evaluation of cardiac function, echocardiography
examinations is indicated for the monitoring of patients
treated with ADR. Traditionally used to evaluate the
fraction left ventricular ejection (EF) and echocardiographic
parameter for the segment of cardiac function in patients
exposed to ADR. But due to technical limitations intrinsic
and extrinsic two-dimensional echocardiography and low
reproducibility of measurements taken by different
examiners, new technologies and echocardiographic
indicators are presented to optimize the evaluation systolic
and diastolic left ventricular tissue in patients exposed to
ADR.
Keywords:
Cardiotoxicity.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
Echocardiography;
Adriamycin;
EURP 2010; 2(2): 102-108
103
Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina
Introdução
A utilização de agentes quimioterápicos na prática
oncológica expõe pacientes ao risco de
desenvolvimento de cardiopatias resultante da
cardiotoxicidade destes agentes. As antraciclinas
pertencem a uma das classes de quimioterápicos
reconhecidamente cardiotóxica 1. Dentre as causas de
miocardiopatia as resultantes da cardiotoxicidade por
antraciclinas apresentam uma sobrevida dos
pacientes, em torno de 40% em cinco anos, (Figura 1)
2
.
No grupo das antraciclinas destaca-se a
doxorribicina ou adriamicina (ADR). A ADR é um
antibiótico glicosídeo utilizado como quimioterápico
principalmente no tratamento de tumores sólidos e
linfomas, inclusive indicado em protocolos
quimioterápicos para neoplasias de mama 3.
A cardiotoxicidade pela ADR está ligada
diretamente a dose utilizada, apesar de existir
evidências de lesão miocárdica histológica desde a
primeira aplicação de ADR, os mecanismos de
citotoxicidade pela ADR são múltiplos, dentre os
principais destacam se as alterações relacionadas ao
Cálcio intracelular dos miócitos, a interferência na
síntese de proteína contrátil, complexo actina-miosina
dos miócitos, alterações nos receptores beta
adrenérgicos em especifico o B1, o surgimento de
edema intersticial no miocárdio e a apoptose celular 4.
2
Figura 1. Curva de sobrevida de pacientes de acordo com a etiologia da miocardiopatia. Adaptado de Felker, 2000 .
Os resultados da cardiotoxicidade são lesões
cardíacas agudas e crônicas. Devido tais constatações
a cardiotoxidade por ADR é classificada em: aguda surge no inicio do tratamento desde a primeira dose
de ADR, sub-aguda – surge semanas ou meses após o
inicio do tratamento e geralmente de maneia
insidiosa e a forma crônica que se subdivide em
precoce – após seis meses de tratamento ou tardia –
até vários anos do tratamento com ADR 5.
A incidência de cardiopatia por ADR oscila de
acordo com o grupo exposto à droga, variando de 7Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
8% na população pediátrica até 40% população
adulta. Os principais fatores que influem no
desenvolvimento de cardiopatia são: a idade do
paciente ocorrendo maior incidência acima dos
setenta e abaixo dos quinze anos, no sexo feminino
apresenta maior incidência de miocardiopatia por
ADR, a presença de radioterapia como tratamento
prévio, a história de comorbidades cardíacas prévias
também aumentam o risco de desenvolvimento de
cardiomiopatia por ADR, a trissomia do cromossomo
21 também aumenta a incidência de cardiotoxicidade,
EURP 2010; 2(2): 102-108
Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina
a raça negra possui maior risco que a raça branca, a
presença de mutação HFE (hemocromatose) aumenta
o risco e doses cumulativas acima de 450mg/m2 de
superfície corporal aumentam o risco de
cardiotoxicidade por ADR 6, 7.
O seguimento cardiológico do paciente exposto a
ADR é fundamental para orientação terapêutica e
identificação precoce de alteração cardíacas. A biópsia
miocárdica é o exame de maior sensibilidade e
especificidade para detecção de lesão miocárdica por
quimioterápico. 8, 9 Porém o aspecto invasivo e
possíveis complicações limitam seu uso. As diretrizes
recomendam o segmento de pacientes tratados com
ADR através da avaliação da função sistólica e
diastólica do ventrículo esquerdo (VE). Diversos
exames complementares são utilizados para avaliação
da função de VE, os principais exames são:
ventriculografia redioscopica, ventriculografia nuclear,
ressonância magnética cardíaca, ecocardiografia e
angiotomografia multislide. Outros exames também
são utilizados no seguimento cárdico do pacientes
submetidos a tratamento com adriamicina como os
marcadores
cardíacos
(troponina
e
creatinofosfoquinase),
pepitideo
natriurético,
monitorização Hollter e Teste ergométrico 10-13.
A ecocardiografia é reconhecida há diversos anos
como método mais utilizado para avaliação da função
cardíaca14. Algumas desvantagens são apontadas a
este método principalmente em relação a sua
reprodutibilidade, quando comparado com outros
exames diagnósticos como tomografia e ressonância
magnética 15, 16. Entretanto os avanços dos recursos
tecnológicos da ecocardiografia trazem novas
perspectivas e melhorias na avaliação ventricular.
Pretende-se por tanto apresentar a aplicação da
ecocardiografia e seus recursos na avaliação da
função cardíaca no paciente tratados com ADR.
Avaliação da função sistólica do ventrículo
esquerdo.
A avaliação cardíaca em pacientes expostos a ADR
antes, durante e após a quimioterapia, consiste
inicialmente na utilização da ecocardiografia
bidimensional para avaliação da função sistólica de VE
obtida através da Fração de Ejeção de VE (FE) que é
calculada a partir da estimativa dos volumes do
ventrículo esquerdo, tanto na diástole (Vol D) como
na sístole (Vol S), obtidos com a aplicação da fórmula
de TEICHHOLZ, 17 :
104
Outra forma de obter a FE de VE é através do
Método Simpson, que sofre menor interferência de
eventuais alterações geométricas ou estruturais de
VE. Neste método o VE é dividido em vários cilindros
em alturas semelhantes e a FE é calculada em cada
cilindro obtendo uma média resultante (Figura 2) 18.
Figura 2. Esquema de cálculo da FE de VE através do
18
Método Simpsom. Adaptado de Bednarz, 1995 .
A função sistólica de VE também pode ser avaliada
pelo calculo da Fração de Encurtamento ou
Encurtamento percentual (%vD), que é estimada a
partir dos diâmetros internos de VE e a redução
percentual durante a sístole.10 Obtida pela fórmula:
%vD = VEd – VEs x 100/VEd
VEd= Diâmetro interno diastólico de VE; VEs= Diâmetro
interno sistólico de VE.
FE = Vol D – Vol S x 100/Vol D
Vol D=Volume diastolico de VE; Vols S= Volume sistolico
de VE.
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
A obtenção da FE norteia o inicio ou interrupção
do tratamento do paciente com ADR, de acordo com a
FE do paciente há uma orientação terapêutica
EURP 2010; 2(2): 102-108
105
Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina
proposta por diretrizes, por isso a FE deve ser obtida
previamente ao tratamento, durante o tratamento
para avaliar a cardiotoxicidade aguda e após o
tratamento para avaliar a cardiotoxicidade tardia.
Previamente e durante o tratamento, dependendo da
FE do paciente propõem-se as seguintes medidas7:
Monitoramento e manuseio da cardiotoxicidade
através da FE de VE pela ecocardiografia antes do
inicio do tratamento e durante o tratamento.
Pacientes com fração de ejeção inicial normal,
preconiza realizar uma avaliação seqüencial da FE a
cada três meses, independente da dose. De acordo
com a evolução da FE é possível continuar a
quimioterapia, nos casos em que a FE encontrada
mantenha-se normal ou apresente uma redução
menor de 10% dos valores obtidos antes da
quimioterapia. Caso ocorra a a diminuição da FE de
10% a 15% no valor absoluto ou diminuição de 1% 5%
abaixo do limite inferior da normalidade ou a
diminuição da FE de 16% no valor absoluto, não
respectivo ao limite inferior da normalidade, esta
indicada a suspensão ou mesmo interrupção da
quimio terapia com ADR.
Os paciente com disfunção cardíaca prévia a
quimioterapia, deve ser classificado com alto risco
para cardiotoxicidade e ter a FE do VE avaliada
préviamente a cada ciclo de quimioterapia, ser
interrompida a quimioterapia no caso da diminuição
absoluta de 10% da FE inicial.
Em pacientes com FE pré quimioterapia inferior a
30% deve-se avaliar o custo benefício da
quimioterapia com ADR. Nos pacientes com clínica de
Cardiotoxicidade sub-aguda ou aguda deve manter a
avaliação de FE a cada 6 a 12 meses após o término da
quimioterapia.
Ecocardiografia 3D e Ecocardiografia Stress na
avaliação por cardiotoxicidade por ADR.
A obtenção da FE através do ecocardiograma
bidimensional sofreu diversas críticas, principalmente
em relação a sua reprodutibilidade e inexatidão em
pacientes com alterações estruturais de VE.
Sendo assim outras tecnologias da ecocardiografia
foram e estão sendo desenvolvidas permitindo a
otimização da avaliação da função cardíaca. Além de
novas técnicas, outros indicadores da função sistólica
e diastólica foram incluídos para avaliação da
cardiotoxicidade por ADR.
Dentre as novas tecnologias testadas e validadas
está a 3D ECO real-time (Ecocardiografia três
dimensões em tempo real). Diversos estudos
validaram sua utilização para avaliação da função de
VE 15, 16. Porém as limitações em relação a
reprodutibilidade e a fatores intrínsecos dos próprios
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
pacientes geraram críticas em relação a este recurso.
Em comparação com a Ressonância Nuclear
magnética e a Tomografia Computadorizada a 3D ECO
RT apresentou menor reprodutibilidade, tanto, entre
diferentes examinador, quanto diferentes avaliações
do mesmo examinador, (Tabela 1) 15.
Tabela 1. Variabilidade inter e intra observador do Volume
diastólico (EDV) e Volume sistólico (ESV) e Fração de Ejeção
(EF) de VE. Nota-se que a EF apresenta menor variação nos
resultados na tomografia computadorizada cardíaca e
ressonância magnética cardíaca do que na ecocardiografia
três dimensões em tempo real. Adaptado de Teichholz,
16
1995 .
Variabilidade
Variabilidade
inter-observador (%) intra-observador (%)
EDV
CCT
2,6
2,0
CMR
6,3
2,4
RT3DE
11,2
3,9
CCT
5,7
2,2
CMR
7,7
6,3
RT3DE
14,2
5,6
CCT
6,5
2,1
CMR
8,5
6,2
RT3DE
10,5
5,6
ESV
EF
CCT = tomografia computadorizada cardíaca; CMR = ressonância
magnética cardíaca; RT3DE = ecocardiografia três dimensões em
tempo real.
Outro questionamento ocorre a cerca da avaliação
da função ventricular de VE em repouso, fato que
limitaria a detecção precoce da cardiotoxicidade por
ADR, pois a lesão dos miocitos e a perda da reserva
contrátil cardíaca ocorrem, geralmente de maneira
irreverssivel, antes da queda significativa da FE.
Aplicou-se então a utilização da Ecocardiografia de
Stress para detecção precoce da cardiotoxicidade por
ADR. Civelli em um estudo, comparando a FE obtida
através da ecocardigrafia de repouso e FE através da
ecocardiografia por stress por dobutamina, obteve
resultados significativos (p<0,0001) na detecção
precoce da redução da FE, sugerindo a utlização deste
recurso para detecção precoce da cardiotoxicidade
por ADR 19.
EURP 2010; 2(2): 102-108
106
Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina
Avaliação ecocardiográfica da função diastólica,
sisto-diastólica e tecidual nos pacientes expostos a
ADR.
Além das limitações técnicas do exame
ecocardiográfico e baixa reprodutibilidade também é
destacado a limitação intrínsecas da avaliação da
função cardíaca quando utilizada como único
parâmetro a FE. Diversas limitações intrínsecas deste
indicador (FE) são apresentadas, entre elas, a FE avalia
apenas a função mecânica de bombeamento e não
contratilidade, a FE obtidas pelos diferentes métodos
pode sofrer interferência da frequencia cárdica, a FE
pode apresentar-se dentro dos limites da normalidade
apesar de alterações segmentares ou perda da
reserva contrátil e a FE não reflete a função diastólica
de VE e não reflete a clínica do paciente.
Alguns autores classificam a FE como a medida do
desespero, considerando a que classificar a função
cardíaca através da FE de VE é o mesmo que classificar
o câncer pelo nível de hemoglobina.20.
Visando a otimização da avaliação da função
cardíaca, diversos indicadores foram propostos para
avaliar a função diastólica, sisto-diastólica, segmentar
e tecidual de VE.
A função diastólica é avaliada através de diversos
parâmetros que são utilizados para quantificação de
disfunções distólica, dentre eles, a relação da onda E e
onda A do fluxo mitral, a avaliação da onda E’ e A’ do
Doppler tecidual e a avaliação do fluxo da veia
pulmonar resultando na classificação da disfunção
diastólica em três padrões: Alteração de relaxamento,
Psudonormal e restritivo. Abaixo as principais
modalidades de avaliação da função diastólica 21.
Na avaliação da função sisto-diastolica através da
ecocardiografia
apresenta-se
o
Indice
de
Permformance Cardiaca (IPC). Este índice propõem a
avaliação global da função cardíaca através da
combinação de medidas sistólicas e diastólicas de VE
obtido através da fórmula (Figura 3) 22:
IPC = Tempo de relaxamento isovolumétrico de VE
+ tempo de contração isovolumétrica de VE / Tempo
de ejeção de VE.
A aplicação deste índice na cardiotoxicidade por
ADR foi demonstrada por diversos estudos que
relataram uma elevação precoce do índice mesmo
antes da alteração da FE.23, 24. Algumas vantagens são
atribuídas ao índice como a fácil obtenção,
reprodutibilidade e menor influência de outras
variáveis como freqüência cardíaca, pressão arterial e
geometria do coração. 22, 24, 25. Porém a influência da
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
pré carga e pós caga no índice levanta
questionamento da sua aplicabilidade em diferentes
cardiopatias.
Figura 3. Demonstração esquemática do cálculo do índice
de performance cardíaca, calculado pela fórmula: IPC = ICT
+ IRT / a; onde Ict = tempo de contração isovolumétrica de
VE; Irt= tempo de relaxamento isovolumétrico de VE; a =
22
tempo de ejeção de VE. Adaptado de Tei, 1995 .
Recentemente com o advento do Doppler tecidual,
tecnologia que permite a avaliação da mobilidade das
paredes cardíacas, diversos estudos aplicaram este
recurso na avaliação da cardiotoxicidade por
quimiterapicos. O strain e strain rate são as duas
principais modalidades para a avaliação do grau de
deformação miocárdica segmentar. Esta tecnologia
permite maior reprodutibilidade e exatidão na
avaliação da função diastólica de VE. Abaixo a leitura
de um exame aplicando a nova tecnologia26:
A aplicação do Strain e Strain rate na detecção dos
efeitos do quimioterápico cardiotóxicos, demonstrou
alteração diastólica apesar da normalidade da FE,
permitindo a detecção precoce da cardiotoxicidade.
27
. O strain e strain rate apresentam-se como uma
ferramenta promissora na detecção precoce de
alteração cardíaca em pacientes expostos a ADR,
porém mais evidência são necessárias para a
padronização do método para tal fim (Figura 4).
EURP 2010; 2(2): 102-108
107
Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina
26
Figura 4. Exemplo de Doppler tecidual e Strain. Adaptado de Stolen, 2003 .
Considerações finais
A ecocardiografia é um exame indicado no
segmento do paciente em tratamento com drogas
cardiotóxicas como a ADR. As características
presentes na ecocardiografia como a fácil realização,
grande acesso dos pacientes a tecnologia e ser um
procedimento não invasivo, tornam-na um método
amplamente utilizado na avaliação cardíaca em
pacientes expostos a ADR. Porém, algumas
características são apontadas como limitações da
ecocardiografia, entre elas a baixa reprodutibilidade
dos resultados de algumas medidas, além da limitação
da FE como único indicador da avaliação da função
cardíaca.
Diante destas limitações outros indicadores e
recursos estão sendo propostos e validados para
avaliação da função sisto-diastolica, diastólica e
segmentar de VE. Dentre as novas propostas se
destaca o Indice de performance cardíaca, Doppler
tecidual, avaliação da função diastólica e strain.
A boa reprodutibilidade e concordância destes
novos indicadores quando comparados com outros
métodos diagnóstico em estudos preliminares,
demonstra a evolução da ecocardiografia enquanto
exame de avaliação da função global cardíaca. Em
especifico na avaliação cardíaca em pacientes
expostos a cardiotoxicidade por ADR os indicadores
Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives
diastólicos e recursos como strain são elementos que
podem ser incluídos na avaliação cardíaca pelo
ecocardiograma, nesta população.
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