Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal
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Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal
CICLO DE ESTUDOS Seminários Sone g ação Soneg ação,, Fr audes e Ev asão Fiscal Evasão CICLO DE ESTUDOS Seminários Sone g ação Soneg ação,, Fr audes e Ev asão Fiscal Evasão Volume III 04 de julho de 1997 São Paulo - SP Índice Apresentação ........................................................................................... 07 Introdução ................................................................................................ 09 As diversas formas de fraude e sonegação na Previdência Valdir Moisés Simão - Fiscal de Contribuições Previdenciárias .................... 11 A tramitação dos processos fiscais Waldir Nogueira - Agente Fiscal de Rendas e Assessor da Delegacia Regional Tributária ........................................................................................... 23 A fraude e a sonegação no registro de empregados Walter Torre Arienzo - Inspetor do Trabalho ..................................................... 29 A tradição de sonegar e a impunidade Antônio Airton Ferreira - Auditor Fiscal do Tesouro Nacional ................. 39 A justiça dos ricos e a dos pobres Alcioní Serafin Santana - Delegado de Polícia Federal ................................... 47 O histórico jurídico dos crimes fiscais Lúcio Leocal Colóquio - Procurador Regional do INSS .................................. 55 A punibilidade penal na Lei nº 8.212/91 Francisco Dias Teixeira - Procurador da República ......................................... 61 Os crimes fiscais e a punibilidade Fábio Pietro - Juiz Federal ................................................................................ 71 Apresentação A sonegação e a fraude fiscal, temos repetido, são problemas culturais e praticamente insanáveis, por mais que se combata e se tente extirpar. Como uma serpente de várias cabeças, aniquila-se uma e aparecem, no mesmo instante, outras tantas para ameaçar o incauto exterminador. Neste momento, em que se discute a carga fiscal e tributárias, a ANFIP resolveu desenvolver, por intermédio de seu Centro de Estudos, uma série de Seminários com a participação de colegas das fiscalizações federais, estaduais e municipais, além de Procuradores, Delegados de Polícia Federal, Ministério Público e Juizes federais, objetivando a analise e discussão das ações praticadas por sonegadores e aos fraudadores. A Nação convive, desde o início de sua história, com essa secular e imortal instituição, mas precisa unirse e fortalecer-se para enfrentá-la, no mínimo, de igual para igual. Descobre-se, a cada evento, novos métodos utilizados pelos audaciosos na arte de “enganar o fisco”. São mecanismos com forazes tentáculos apresentados com camuflagens de cada época e de cada região. Insaciável, é uma fênix moderna, eletrônica, renascendo das cinzas de cada descoberta para continuar a burlar o fisco e de escapar, impunemente, das penas das leis. E o pior, se já não bastasse toda sua artimanha e renovação, os sonegadores e os fraudadores são, quase sempre, beneficiados por legislações casuísticas que, à guisa de propiciar uma oportunidade de reabilitação aos “bons pagadores”, introduzem dispositivos que os eximem de julgamento e punição criminal. 7 Esta publicação está soberba quanto a informações e detalhes de como se faz as leis para ajudar sonegadores e fraudadores. É um corolário de citações legislativas – todas promulgadas pelo poder Executivo – que indicam os descaminhos e a fuga das obrigações contributivas as quais deveriam sustentar os programas e ações dos governos. A perda de receitas oriundas da sonegação e da fraude representa, de há muito, somas expressivas. Somente na área federal, calcula-se em mais de R$ 100 bilhões anuais. A Receita Federal divulga o “slogan” de que “para cada real arrecadado um outro é sonegado”. Na área previdenciária, os sonegadores e os fraudadores conseguem evadir-se com uma respeitável soma de 35 bilhões, representando 5 vezes o valor do presumível déficit de 1998. Como nos volumes anteriores, os depoimentos publicados são um libelo público da desmedida proteção legal aos sonegadores e aos fraudadores. São depoimentos fortes, incisivos, partindo principalmente de profissionais e técnicos em legislação fiscal e penal. Servem de alerta para o país que protege os aproveitadores das lacunas legislativas, quase sempre criadas pela burocracia política e, infelizmente, aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo poder Executivo. O contribuinte que paga, acaba pagando uma carga imensamente pesada, cruel e perversa, sobrecarregado pelos índices elevadíssimos de tributação, decorrente da evasão dos sonegadores e fraudadores, que podem, assim, concorrer mais livremente no mercado de preços. O princípio de que “onde todos pagam, todos pagam menos” só não é praticado no Brasil pelo vergonhoso conluio que hoje existe nos meandros das nossas leis. Desta conclusão, pode-se retirar vários e importantes ensinamentos para a construção de “uma sociedade solidária e justa”, preconizada na nossa Constituição. Mas para isto a Nação precisa-se conscientizar e comece a exigir tratamento de respeito e de honestidade para todos, inclusive para os que aprovam, ou deixam ser aprovados, mecanismos de proteção e apaniguamento aos sonegadores e fraudadores contumazes. ANFIP Conselho Executivo 8 Introdução Seminário Combate à Sonegação, às Fraudes e à Evasão Fiscal O combate à evasão tributária ou das contribuições previdenciárias, proveniente da sonegação e fraudes de toda a espécie, assim como da simples – mas também inaceitável – inadimplência por parte de maus contribuintes, sempre foi um dos maiores objetivos dos servidores que integram o nosso sistema arrecadador/fiscalizador. Daí terem a ANFIP e a APAFISP promovido, em São Paulo, mais um Seminário com essa finalidade, buscando, através de troca de informações, identificar, na medida do possível, as suas causas principais ou distorções existentes. Muito embora não possa ser quantificado, até porque faltam indicadores confiáveis, propala-se que, nos últimos tempos, o montante evadido alcança índices vergonhosos e absolutamente inaceitáveis, a ponto de um Senador da República ter constatado, ao final dos trabalhadores da CPI da Evasão Fiscal, uma triste realidade: “A falta de educação e consciência tributária dos contribuintes, gerada provavelmente, pela falta de vontade política para combater a sonegação é um dos aspectos relevantes para o montante elevado”. O que fazer, então, frente a essa situação de descontrole total em relação às finanças públicas? Se, para alguns, a melhor solução pode estar na decantada reforma tributária e previdenciária, com a conseqüente redução ou fusão de partes dos impostos e contribuições existentes, não é menos verdade que, para outros, a evasão pode ser combatida com maior eficiência, através da modernização da máquina arrecadadora. Somente assim, com pessoal altamente qualificado e equipamentos tecnológicos mais avançados, sem a concessão de “favores” (isenções, anistias, etc.) além do necessário entrosamento entre todos os órgãos envolvidos 9 (Fiscalização, Procuradoria e Justiça) será possível uma ação mais vigorosa contra os espertalhões de toda a ordem, os quais, conhecendo essas deficiências que são também dos próprios órgãos repressores, inclusive do Poder Judiciário, delas se valem para auferir vantagens ilícitas. Não é justo, e menos ainda sensato, que poucos continuem pagando muito e muitos paguem tão pouco, apenas porque estes podem estar acobertados, até mesmo, pelo manto do sigilo bancário e fiscal. Infelizmente, maus pagadores acabam quase sempre premiados, a sonegação ou a fraude, via de regra, compensa. E como resultado dessa balbúrdia fiscal, do desmantelamento consciente do aparelhamento estatal, arrecada-se muito menos, não havendo, dada a carência de recursos, como oferecer à sociedade os serviços públicos por ela justamente reclamados. Portanto, a impunidade, o maior fator de estímulo a essa institucionalizada evasão precisa e pode ser melhor combatida! ANTONIO SÉRGIO MARTINS GASPAR Presidente da APAFISP 10 As Diversas Formas de Fraude e Sonegação na Previdência Expositor: Valdir Moisés Simão Fiscal de Contribuições Previdenciárias Três aspectos compõem esta exposição: as formas de sonegação no âmbito das contribuições previdenciárias; os instrumentos à disposição da fiscalização para o efetivo combate à sonegação; e a representação criminal. As contribuições previdenciárias e a sonegação. O INSS arrecada contribuições incidentes sobre a remuneração de empregados, de empresários, de autônomos e avulsos, de clubes de futebol correspondentes à renda, contratos de patrocínio, direitos de transmissão dos espetáculos esportivos e, ainda, contribuições sobre a comercialização de produtos rurais. A principal contribuição é a devida pelas empresas sobre a folha de salários. Ela representa 80% do total arrecadado pelo INSS. Neste campo, a sonegação existe, em primeiro lugar, por decorrência da contratação do empregado informal. Há, no país, um enorme número de trabalhadores informais, correspondendo a 55% do PEA. A minoria dos trabalhadores brasileiros, portanto, é constituída de empregados com registro. É a inversão dos fatos, seja ela decorrente da iniciativa das empresas ou até mesmo do interesse dos próprios empregados. Este tipo de sonegação se concentra mais em certos setores e tipos de empresas. A admissão de empregados sem registro é freqüente em empresas de médio e pequeno porte, porque elas, em tese, estão ficando fora do alcance da fiscalização previdenciária, principalmente após a introdução do sistema SIMPLES de pagamento de tributos e contribuições. 11 Duas são as variantes principais de sonegação: (1) no caso de emprego, a firma não registra trabalhadores ou não repassa o valor descontado do rendimento dos trabalhadores registrados; e (2) a dissimulação do contrato de trabalho por contratação de profissionais autônomos. As diversas formas de sonegação As formas de sonegação são muito variadas. Muito utilizado é o corte em folha de pagamento: a empresa mantém os seus empregados em relações formais de trabalho mas apresenta, à fiscalização, uma folha de pagamentos de apenas uma parcela do real, excluindo empregados ou reduzindo sua remuneração na declaração. O objetivo é atingir uma massa salarial compatível com o que ela pretende sonegar. Esta variante é freqüente na área de serviços, onde é comum a empresa recolher corretamente o FGTS mas apresentar RAIZ separadas em mais de uma guia. Essa conduta é atualmente detectável através da utilização de instrumentos de controle como o Cadastro Nacional de Informações Sociais, mantido pelo Ministério da Previdência e também alimentado com dados do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, do Ministério do Trabalho e da Caixa Econômica Federal. Pelo cadastro, pode-se apurar o montante de salários pagos por empresa e por empregado, permitindo levantar quanto ela deveria recolher. Em caso de discrepância, o valor apurado entre o que deveria ter sido e o que foi realmente recolhido, há que ser considerado, em princípio, como sonegação. Essa apuração, por outro lado, aponta, em muitos casos, mais a existência da inadimplência face a dificuldade em recolher os tributos do que propriamente sonegação, já que a empresa declara, para várias instituições, a massa salarial real paga aos seus empregados. Falsidade das folhas de pagamento O item mais importante de perda de arrecadação da previdência é o pagamento de salários fora da folha oficial apresentada pelas empresas. Este fato ocorre em empresas de todos os tamanhos, inclusive nas grandes. O pagamento pode ocorrer através de 12 Valdir Moisés Simão comissões, horas-extra, adicionais, etc. e é muito mais usual e freqüente no comércio. Muitas vezes, há a aceitação do próprio empregado porque, independente da contribuição, os benefícios têm um teto, acima do qual a contribuição não reflete o nível de benefício no futuro. E, além disso, declarar o valor real maior dos rendimentos poderia ocasionar o recolhimento de imposto de renda mais elevado por parte do empregado. As utilidades, como são chamadas pela Previdência Social, constituem substituição de remuneração em dinheiro por salários “in natura” ou serviços de terceiros necessários ao empregado, como o seguro de vida e a assistência médica. Fato preocupante é que o próprio Ministério da Previdência está aceitando, sem maiores questionamentos, a exclusão dessas parcelas da base de cálculo das contribuições, embora o Ministério do Trabalho tenha dúvidas em excluir o caráter de salário indireto dessas parcelas. O INSS até já regulamentou que seguros e assistência médica, quando fornecidos à totalidade dos empregados da empresa, não integram a base de cálculo da contribuição. Mas há que levar em conta que essas utilidades substituem parte da remuneração do empregado e, sem dúvida, quando ele não recebe esse benefício da empresa, terá que pagá-lo com recursos próprios. E sua aposentadoria futura não cobrirá esse valor pago como salário de benefício. A sonegação de contribuições e a remuneração de empresários Também se verifica este tipo de sonegação, principalmente através do pagamento de utilidades que as empresas oferecem a seus executivos, como o pagamento do “leasing” do automóvel, da habitação, de mensalidades de escolas para os filhos, viagens de lazer, telefones particulares, serviços domésticos e etc. Além disto, as empresas utilizam, fartamente, o caixa 2 como fonte importante de receitas, também para os empresários. A sonegação no campo A fiscalização da produção agrícola se baseia em documentos não regulamentados pelo INSS, mas pelo ICMS. Especialmente difícil é o controle da comercialização informal no campo, 13 largamente utilizada. Mesmo a posteriori, ao comparar, por auditoria contábil, o transporte rural de uma mercadoria comercializada informalmente, o Fiscal do INSS não tem o poder de apreender a mercadoria ou de questionar sobre Nota Fiscal. Outras formas de sonegação e de fraude É muito comum a fraude em documentos de arrecadação, a falsificação de autenticação nas guias de recolhimento e das certidões negativas de débito. Esta última é exigida sempre que a empresa procede à alienação de imóvel, participa de licitação ou tenta obter uma linha de crédito oriunda de recursos públicos. Tendo em vista que os casos de exigência de documentos fiscais são muito freqüentes, para poder apresentá-los, a empresa recorre a sua falsificação. A elisão fiscal, a terceirização e as cooperativas de trabalho A terceirização está sendo muito utilizada na contratação de trabalhadores autônomos, na contratação de empresas especializadas em determinados tipos de serviços, que incluem a cessão de mão-deobra e o trabalho temporário. A legislação brasileira vem se adaptando rapidamente a essas novas formas e conceitos. Alteração recente na Lei no 8.212/91 define a cessão de mão-de-obra, para fins de legislação previdenciária, como aquela relacionada ou não à atividade fim da empresa. A legislação trabalhista, pelo enunciado nº 331, não aceita a terceirização em atividade fim da empresa. Assim, a legislação previdenciária está se antecipando à própria lei trabalhista, contra os seus próprios interesses. Pode-se argumentar que desta forma facilita-se o recebimento da contribuição do prestador de serviço, através da cobrança solidária junto ao tomador. Mas não podemos esquecer que o prestador de serviço, via de regra, paga remunerações bem inferiores a seus empregados e, por conseqüência, contribuições também inferiores. De igual modo acontece com a aceitação da norma de 1994 que definiu que associado a cooperativa não é empregado nem da 14 Valdir Moisés Simão cooperativa nem do tomador do serviço. Sua aplicação gera uma contribuição muito menor que a contratação formal de empregados pelo tomador, o que resulta em evasão expressiva de contribuição porque as cooperativas de trabalho têm se expandido rapidamente no país, inclusive em áreas técnicas, de serviços, etc. Há cooperativas de trabalho na área da construção civil registradas junto ao Estado, à Receita Federal e ao CREA. Com isto elas estão em condições até, de participar de concorrências públicas, contratar obras, etc. Cabe aqui questionar a possibilidade legal de uma cooperativa de trabalho estar efetuando esse tipo de trabalho. Diante dessa evolução a fiscalização dispõe de poucos meios para evitar a evasão, a sonegação e a fraude. Como não pagar tributos e contribuições sociais As empresas, por seu lado, dispõem de meios modernos e sofisticados para encobrir a sonegação. Existem empresas especializadas em assessorar contribuintes com objetivo de recolher menos e, inclusive, instruindo como sonegar. Seminários são anunciados com títulos sugestivos e chamativos, por exemplo, “Como deixar de pagar tributos e contribuições sociais” e “Como impedir que a fiscalização apreenda seus documentos”. Os instrumentos e métodos à disposição da fiscalização. O primeiro instrumento de controle à disposição da fiscalização quanto à forma de contratação informal, é a verificação física, que é feita pelo Ministério do Trabalho, o que é bastante difícil. O segundo instrumento da fiscalização do INSS é a auditoria contábil. O INSS não adota o lançamento por declaração, como fazem os órgãos de controle do ICMS e da Receita Federal. Por isso, quando a fiscalização detecta que a empresa não está recolhendo ou está inadimplente, pelo controle das informações disponíveis, o Fiscal é obrigado a visitar a empresa para promover o lançamento da contribuição, realizando necessariamente uma fiscalização. Nesse momento, ele pode deparar-se com outros fatos comprovados de 15 sonegação, por exemplo, não contabilizar ingressos e não registrar fatos geradores de renda. Controle da arrecadação e fiscalização O trabalho da fiscalização do INSS compõe-se de dois tipos de atividades: um de controle específico de arrecadação e outro quanto à fiscalização no verdadeiro sentido da palavra. No primeiro caso, quando contribuições são lançadas contabilmente e não são recolhidas, cabe ao Fiscal exigi-las. Este é mais um trabalho de controle da arrecadação, envolvendo também a apuração dessa conduta, da qual a fiscalização não pode abrir mão. A fiscalização, contudo, é, antes de mais nada, a busca, a pesquisa e a investigação do fato gerador sonegado que esteja sendo ocultado pela empresa. São dois tipos correlatos e distintos das atividades, ambos próprios do trabalho do Fiscal. Falta, no entanto, melhor estruturar os dois tipos de trabalho, de modo que se torne possível diferenciar os tipos de conduta, até com a imposição de multas diferentes. A sonegação e a inadimplência na Receita Federal e na Previdência O mais paradoxal é que o INSS trata de modo semelhante a sonegação e a inadimplência. Usa-se, até, a mesma notificação fiscal de lançamento de débito e a mesma multa de até 20%. Contribuições sonegadas são cobradas oneradas de multa majorada na lavratura do auto. Esta pode ser variada entre a verificação do débito, a lavratura da notificação e até quando o contribuinte usufrui de prazo de 15 dias para recolher ou apresentar recurso administrativo. Para efeito de comparação, nos tributos federais, em casos de débito normal, a Receita Federal aplica multa de 75% após o início do procedimento fiscal e, em casos de sonegação, a multa sobe para 150%. Certamente, a fiscalização deveria ser diferenciada para os casos de inadimplência ou de sonegação. Enquanto não se adota o lançamento por declaração, o Fiscal vai à empresa e promove o lançamento das contribuições sem realizar uma auditoria contábil. No caso de sonegação, para iniciar o procedimento de 16 Valdir Moisés Simão fiscalização, o Fiscal normalmente já tem elementos que permitem indícios sobre a forma de sonegação, no que se chama “fiscalização por fato gerador”. O procedimento já deveria ser, de antemão, diferente, incluindo a possibilidade de multa mais elevada. A Lei no 8.212/91, constituiu uma tentativa de fazê-lo, ao equiparar as contribuições previdenciárias aos tributos federais. No entanto, ela durou apenas quatro meses. Depois retornou-se à sistemática anterior, para ser mais branda. Núcleo de inteligência fiscal no INSS Seguindo o exemplo da Receita Federal, o INSS iniciou a criação de um núcleo de inteligência fiscal que incluiria um laboratório de identificação de técnicas de sonegação. Seu objetivo poderia ser o de estudar a metodologia utilizada na fraude e na sonegação. Contar com um grupo de apoio à fiscalização e uma legislação que dê um tratamento diferenciado à sonegação e à inadimplência é o único caminho efetivo e inteligente para combater, de fato, a sonegação. As variantes adotadas na sonegação são específicas aos setores e ramos de atividade e o INSS já identificou alguns. Após a fiscalização, as empresas mudam de procedimentos. Este trabalho de inteligência e informação, altamente especializado, deveria ser implementado de modo sistemático para subsidiar, de fato, os Fiscais, antes mesmo deles se dirigirem às empresas. A obtenção da prova e o sigilo bancário Problemas de aceitação de provas tanto para o processo fiscal quanto para o processo-crime são comuns. O Tesouro norteamericano tem uma experiência bastante interessante. O Fiscal vai à empresa munido do perfil e do comportamento típico do segmento econômico da empresa naquela região, incluindo dados sobre consumo de energia e outros indícios de nível de atividade. Se o que encontra não corresponde a esse perfil, há uma presunção de sonegação que, por si só, pode fundamentar um processo fiscal, que é aceita nos tribunais. No Brasil, estamos longe dessa situação, mas já é o momento de se refletir sobre essa possibilidade. A apuração da sonegação com base apenas em prova documental é sempre falha se é desconhecido o fluxo financeiro da empresa. A forma mais eficaz de identificar o “modus operandi” da 17 empresa sonegadora é através do seu caixa 2, pois, pelos documentos e livros que ela apresenta à fiscalização, dificilmente se apurará alguma falha de contribuição. Neste sentido, ganha enorme e valiosa importância a campanha encabeçada pela ANFIP, exigindo a quebra do sigilo bancário em certos casos, lançando o slogan: “quem não deve, não teme”. Os crimes contra a Previdência Social O capítulo da Seguridade Social da Constituição Federal foi regulamentado e disciplinado pela Lei no 8.212/91. Ela, no seu Art. 95, define os tipos penais contra a Seguridade Social. Todos aprendemos na faculdade que a todo crime deve corresponder uma pena, senão não é crime. É de causar espanto que o legislador, no âmbito da Previdência Social, tenha definido os crimes previstos nas alíneas “d”, “c” e “f” e esquecido as penas correspondentes. Mais preocupante ainda é o fato de que já foram baixadas mais de quatro ou cinco Medidas Provisórias alterando a Lei no 8.212/91 e nenhuma delas se propôs a corrigir essa falha. Ou é esquecimento premeditado ou vontade política de deixar a lacuna legal – penal. No citado artigo, os crimes com pena definida se referem aos que os Fiscais entendem como de “apropriação indébita”: arrecadar contribuição do segurado ou do público e não recolhê-la (alínea “d”); deixar de recolher contribuições que tenham integrado o custo de produtos vendidos à sociedade (alínea “e); e o não pagamento de benefícios previdenciários, especificamente salário-família e saláriomaternidade, aos empregados, após receber seu reembolso (alínea “f”) . Os crimes sem penalidades Já nos casos de sonegação, paradoxalmente, não se faz menção a nenhuma pena. Quer dizer: se a empresa apura contribuições, lança o fato gerador e simplesmente não recolhe a contribuição, existe um tipo penal específico com uma pena contida na Lei dos Crimes contra a Ordem Financeira, conhecida como Lei do Colarinho Branco (a de no 7.492/86), que é de 2 a 5 anos de reclusão. Se, ao contrário, a empresa oculta o fato gerador, por exemplo, através de um “ caixa 2 ”, e não permite que a fiscalização apure as contribuições, não há pena. A sonegação, neste caso, é um excelente 18 Valdir Moisés Simão exemplo de como esta prática de “caixa 2” é benéfica para as empresas e elas estão utilizando no seu cotidiano. Para sanar o problema, o Ministério Público tem lançado mão da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei no 8.137/90) e enquadrado a conduta como omissão de tributo ou contribuição. Ocorre, porém, que esta lei prevê penas inferiores para a sonegação do que as alíneas “d”, “e” e “f” do Art. 95 da lei de custeio da Previdência Social. Deste modo, estimula-se a sonegação ao declará-la menos arriscada que a “apropriação indébita”. E mais ainda: apesar de as penas previstas nas alíneas mencionadas serem muito claras, o INSS, pela Ordem de Serviço da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização no 96, de 1993, disciplinou os casos de apropriação indébita apenas quanto às alíneas ”d” e “f”, deixando de fora a ”e”. Esta ficou, portanto, inexplicavelmente sem regulamentação, embora a pena esteja definida. Estamos diante de matéria polêmica em termos jurídicos. Mas vejamos o caso concreto da alínea “e”: todas as contribuições e tributações devidas são incluídas pelas empresas no custo e no preço dos produtos adquiridos pelo consumidor. Assim, quem paga estas obrigações é a sociedade adquirente do produto ou do serviço. Não sendo a contribuição recolhida, caracteriza-se perfeitamente o crime, de mesma intensidade que o de arrecadar contribuição do segurado e não as recolher. Cabe, de todos os modos, refletir sobre o caso e disciplinar a questão sob pena da omissão estar beneficiando o infrator. O procedimento da representação criminal Atualmente, o Fiscal deve produzir as provas durante a ação fiscal, o que faz parte do seu dever de ofício, mas não é tarefa fácil. Solicitar que a empresa apresente cópia de folhas de pagamentos, de lançamentos contábeis, de contratos sociais só tem por objetivo instruir um processo de representação criminal. Por isto, nem todo empresário concordará em fornecer este tipo de documento, embora o § 2o, do Art. 95, da Lei no 8.212/91, disponha da faculdade da fiscalização não só exigi-los, como até apreendê-los. Com as provas produzidas o Fiscal elabora um relatório que é encaminhado à Procuradoria Regional do INSS, a quem compete, regimentalmente, fazer a representação ao Ministério Público. Este encaminhamento poderia ser modificado. Como mencionado, na Receita Federal são os próprios auditores Fiscais do Tesouro Nacional que 19 fazem a representação através de seu Secretário. No ICMS, ocorre a mesma coisa. No INSS, ao contrário, dissocia-se a representação do trabalho de fiscalização, tirando dela parte de sua capacidade de inibir futuras condutas negativas para o fisco. Poder-se-ia sugerir que a própria fiscalização, através de sua direção nacional ou estadual, assumisse a tarefa de regulamentar a elaboração da representação criminal, em cooperação com o Ministério Público Federal, queimando etapas no encaminhamento. Lembramos que, atualmente, este último órgão está estruturado em várias cidades, principalmente no interior, como no Estado de São Paulo. Como o trabalho da fiscalização, na produção de provas para o processo-crime, tem sido bastante elogiado pelo Ministério Público Federal, dispensa, freqüentemente, o inquérito policial. De posse da representação fiscal o Ministério Público teria já todas as provas necessárias para oferecer a denúncia. O combate à sonegação e à fraude deve ter padronização fiscal Se uma empresa sonega ICMS ou IPI, ou ainda, está subfaturando, com certeza ela estará declarando massa salarial menor que a real. A empresa que emite uma Nota Fiscal calçada ou fria também tem que reduzir a massa salarial para evitar que esta corresponda parcela exagerada do faturamento. Portanto, a prática de subfaturamento e de redução da base de cálculo da contribuição previdenciária ocorrem normalmente juntos, sendo indiferente averiguar qual decisão é tomada antes da outra. Isto vai depender da importância do tributo ou da contribuição que a firma recolhe. Por isto, deveria haver maior integração entre as respectivas áreas de fiscalização, incluindo também o Ministério do Trabalho. Seria muito útil criar um banco de dados de empresas sonegadoras. É necessário, também, adotar uma padronização na imposição de multa por sonegação bem como no de recolhimento espontâneo. A multa para a empresa que deixa de recolher a contribuição previdenciária ou o faz com atraso está sujeita a um percentual de, no máximo, 10%. Para um tributo federal, a multa chega a 20%. Evidentemente, a empresa em dificuldades opta por pagar o tributo de multa menor. Gera-se assim uma concorrência entre o Tesouro e a Previdência, totalmente sem sentido e, sobretudo, desnecessária. 20 Valdir Moisés Simão Algo semelhante ocorre com os instrumentos de fiscalização. Pela Lei n 9.430, de 1996, à fiscalização foi permitida até à apreensão de equipamentos de informática e livros contábeis. Além disto, a fiscalização pode ser contínua em determinadas situações e, em caso de sonegação, antecipar até o vencimento do tributo. Não é fácil aprovar uma lei com essas prerrogativas, mas quando se consegue seria interessante estendê-las a todas as áreas da fiscalização. Em suma, a padronização da fiscalização em todas as áreas federais, estaduais e municipais traria ganhos e facilidades ao trabalho de todas elas. o O INSS diante da COFINS, Lucro e do SIMPLES As fontes de financiamento da Seguridade Social tem suas bases na Constituição Federal, e sua arrecadação e fiscalização está bastante definida nas leis posteriores a 1988. O INSS, em princípio, deveria ser o responsável pela arrecadação de todas as contribuições sociais que financiam o sistema de seguridade, como saúde, assistência e previdência. Do ponto de vista jurídico, não me parece haver dúvidas sobre essa atribuição, embora, hoje, tanto arrecada o INSS em relação à contribuição patronal e do trabalhador sobre a folha de salários, como a Receita Federal sobre o faturamento (a COFINS) e a contribuição sobre o lucro líquido. Porém, a legislação acabou por transferir à Receita Federal a competência de arrecadar, controlar e fiscalizar a contribuição social da CONFINS e do lucro líquido. Agora, acrescentaram as mesmas competências em relação a quase 1,5 milhões de empresas que optaram pelo SIMPLES. No entanto, sendo o SIMPLES um misto de tributos federais, estaduais e municipais, além de contribuição social e tendo o INSS melhores condições para arrecadar e fiscalizar contribuição para terceiros, ele poderia fazê-lo, cobrando uma remuneração módica, por exemplo de 3,5%. Assim, seria cumprida a determinação constitucional quanto à vinculação das contribuições sociais, (art. 195) inclusive a Cofins e a sobre o lucro líquido, e se estaria levando em consideração a estrutura do INSS, melhor adequada à fiscalização deste tipo de contribuição. Ao mesmo tempo, estaríamos racionalizando as atividades de fiscalização de todas as contribuições sociais, exatamente para o seu destino que é o financiamento da Seguridade Social, e não o caixa do Tesouro Nacional. 21 A Tramitação dos Processos Fiscais Estaduais Expositor: Valdir Nogueira Agente Fiscal de Rendas e Assessor Fiscal da Delegacia Regional Tributária A caracterização da sonegação fiscal no ICMS A legislação estadual contém uma capitulação fiscal, com oito incisos regulamentares para cada infração praticada com a sanção respectiva. Em cada caso, para imputá-la criminalmente, deve-se analisar se houve dolo. Em caso afirmativo, faz-se a representação. Há uma ressalva, na portaria que regula o procedimento fiscal, no caso de representação sobre crime. Como se sabe, o ICMS é um imposto indireto, não cumulativo. Quer dizer, em cada operação ou venda, considera-se o imposto já pago, abatendo-o do imposto debitado na saída da mercadoria. Há, portanto, uma compensação. Não se trata de um valor acrescido, mas, em tese, da diferença entre o imposto devido na saída da mercadoria da empresa e o imposto devido na entrada. Após a apuração do débito, no final do mês, ele é declarado em uma guia, um documento interno que vai para o processamento fazendário. O imposto assim apurado deve ser recolhido em um prazo determinado. Ao final, pode existir saldo devedor ou credor. Na primeira alternativa, é processado para recolhimento. Em caso de não recolhimento, o débito é encaminhado ao Departamento de dívida ativa e à Procuradoria Fiscal para a execução. Nessas condições, quase nunca ocorre uma representação fiscal, sobre crime de sonegação. 23 O único caso diferenciado se refere ao sistema de subscrição tributária, pelo qual sobre vários produtos, como automóveis, cimento, sorvete, combustíveis, o tributo é retido antecipadamente, incluindo no preço a parcela de ICMS referente à venda ao consumidor. Na prática, funciona como o IPI ou a contribuição para o INSS retida do salário do empregado. Caso a importância não seja recolhida a representação é encaminhada. Por ser um imposto declarado pelo próprio contribuinte, essa é a única hipótese de se encaminhar a representação. Sendo um imposto declaratório, o ICMS não teria grandes conseqüências na área penal. À fiscalização cabe confirmar os lançamentos de débito e de crédito. A forma tradicional de diminuir o imposto devido era a venda sem Nota Fiscal. Esta prática foi ficando mais difícil, o que trouxe a necessidade de introduzir novos subterfúgios. A indústria da Nota Fiscal fria Além da nota espelhada ou calçada, existe a indústria de Notas Fiscais frias. Simula-se, com elas, operações de aquisição de mercadorias, com o único intuito de transferir imposto. Ao gerar um crédito fiscal, a Nota Fiscal fria diminui o imposto a pagar. Essa prática constitui um dos maiores problemas para o ICMS. Há casos conhecidos de simulação de exportação. Ela gerou um crédito acumulado porque a exportação está imune do ICMS. Mesmo não ocorrendo o recolhimento, o crédito é mantido e deve ser devolvido a quem de direito. A lei, contudo, prevê algumas hipóteses de transferência de crédito: para a compra de matéria-prima, para outro estabelecimento da mesma empresa, entre outras, que é utilizada na fabricação de créditos nem sempre efetivos. No caso autuado, a empresa que tinha acumulado um crédito simulando exportações, acabou tendo a capacidade de criar dinheiro. Ela adquiria mercadorias, as vendia no mercado com documentos frios e com créditos advindos da simulação de exportações. Efeitos das mudanças na legislação As modificações na legislação federal impuseram adaptações na legislação do Estado. Em 1994, o Ministério Público chegou a fazer a representação em todo e qualquer caso de infração, mesmo que nem sempre fosse encaminhada. Resultou num fantástico 24 Valdir Nogueira acúmulo de processos. A situação perdurou até a Lei no 9.430/96. Era o agente Fiscal o autor e responsável pela representação, embora fosse encaminhada pelo gabinete da Delegacia local junto com o auto de infração. Uma portaria posterior modificou a sistemática e, atualmente, encaminha-se a representação apenas após a constituição definitiva do crédito tributário. O encaminhamento do auto de infração O Fiscal, ao fiscalizar, preenche um formulário com 18 quesitos, que atende à Lei no 8.137/90, incluindo o indício de dolo ou não. Por exemplo: se a conduta do agente consistiu em omitir informações, de modo a suprimir a multa, ou, se ele prestou declaração falsa, de modo a suprimir ou reduzir tributo, se houve inserção de elementos inexatos em documentos, e assim por diante. Como a Lei no 8.137/90 é uma norma penal em branco, há a necessidade da configuração do crime para que este seja tipificado e que o crédito seja exigível. É imprescindível que o processo fiscal esteja extinto, seja na área judicial ou administrativa. Isto para evitar, como já aconteceu, de uma pessoa ser condenada criminalmente a um ano de prisão e o auto de infração ter sido cancelado em segunda instância administrativa. Por isso somos favoráveis à determinação contida no Art. 83 da Lei nº 9.430/96. Os prazos de tramitação administrativa e penal O Ministério Público de São Paulo não permite que se ultrapasse o prazo de 4 anos a partir da data da infração, para fazer a denúncia, o que é muito difícil de observar. O processo passa por duas instâncias administrativas de julgamento que demandam tempo, especialmente a segunda. O Ministério Público exige uma apuração cuidadosa da culpa e sobre o que teria ocasionado a falta do recolhimento. Essa morosidade é comum a todo procedimento deste tipo. É bem verdade que todo processo fiscal (que também pode configurar crime contra a ordem tributária) recebe uma tramitação preferencial, conforme determinação em portaria. 25 Quando, ao contrário, a fiscalização nem faz menção de possibilidade de crime no auto de infração, o processo não é encaminhado ao Ministério Público. De todos modos, com todas as instâncias previstas e seus problemas decorrentes é muito difícil atender-se o prazo de quatro anos fixado pelo Ministério Público. A fiscalização e a representação penal Cabe, em toda representação, à autoridade ou ao agente Fiscal de renda, indicar os elementos que possam configurar a infração penal. Assim, não basta constatar um crédito indevido, configurado por documento inidôneo. É certo que um documento frio já constitui um forte indício de participação, mas ainda não é suficiente para comprovar a infração. Nessa situação, antes mesmo de lavrar o auto, pesquisa-se o recebimento efetivo da mercadoria, o pagamento, o cheque emitido, o pedido de compra e faz-se todas as diligências necessárias. Se ainda assim a prova não foi encontrada, faz-se a diligência junto ao emitente do documento, o que é mais difícil. Por exemplo, quando a Nota Fiscal fria provem de outro Estado, fato bastante comum. Às vezes, o Fiscal não consegue avançar muito. Os sonegadores estão se sofisticando e aperfeiçoando seus métodos de “enganar” a fiscalização com muito mais agilidade e disponibilidade de recursos técnicos e equipamentos modernos do que a própria máquina estatal. As Leis n o 4.729/65 e 8.137/90 previam a extinção da punibilidade em caso de recolhimento da obrigação devida. A Lei n o 8.383/91 revogou os artigos correspondentes. Suas conseqüências não foram muito convenientes: se o contribuinte recolhesse o tributo e a multa exigidos, em tese, estaria quase confessando o delito penal. A representação não podia ser sustada e era encaminhada de todo modo. Resultou um estoque muito grande de processos sem liquidação. A partir da Lei no 9.249/95 e da volta da extinção da punibilidade, uma grande quantidade de autos de infração tem sido liquidado, diminuindo bastante o volume de serviço da fiscalização. 26 Valdir Nogueira Instâncias e recursos permitidos Sendo a primeira instância favorável ao fisco, o processo volta ao posto fiscal, onde fica por 30 dias aguardando julgamento, recolhimento ou recurso ao tribunal de impostos e taxas. Apresentado o recurso, o processo vai a julgamento na instância superior. Não havendo recurso nem recolhimento, o processo é encaminhado à Delegacia, onde é feita a reabilitação do crédito e são respondidos os quesitos necessários ao Ministério Público. A tendência geral é a da substituição tributária, o que simplifica o trabalho e reduz o número de contribuintes e o nível de sonegação. Cobra-se muito mais da indústria e do atacado, deixando o varejo com o imposto já recolhido. Judicialmente, o procedimento tem trazido problemas, como no ramo de combustíveis levando as empresas refinadoras e as distribuidoras a optar pelo depósito judicial. Este procedimento envolve perto de 2.800 postos de gasolina, só em São Paulo. Outros problemas da distribuição tributária também existem nos ramos de cerveja, guaraná e refrigerantes, cimento, tintas e produtos farmacêuticos. Em todos esses casos, se o imposto não é recolhido pela indústria ou pelo atacado está configurada também a infração de natureza penal, além do não recolhimento de um imposto declaratório como o ICMS. 27 A Fraude e a Sonegação no Registro de Empregados Expositor: Valter Torre Arienzo Inspetor do Trabalho A Fiscalização do Trabalho Em São Paulo há aproximadamente 500 Fiscais ativos e a receita decorrente da aplicação de multas pela fiscalização é de cerca de 1,5 bilhão de reais. A fiscalização do trabalho não é, especificamente, uma área tributária, embora parte da fiscalização do trabalho fiscalize também o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), cujo caráter tributário é discutível. Por essa razão, vou me referir aqui, apenas de maneira subsidiária, a alguns aspectos tributários. Problemas da fiscalização do trabalho A base da fiscalização do trabalho é o registro dos empregados, ponto de partida para todos os recolhimentos, encargos, etc. E é exatamente aí que começam os problemas, pois a falta de registro é o fato ilícito mais comumente constatado pela fiscalização. Por isso, há uma campanha permanente de nossa parte contra a falta de registro, bem como a não observância dos demais direitos do trabalho. Ao longo dos últimos anos, ao sabor de tantos planos econômicos, constatamos que a cada ano se registra menos empregados, constituindo-se esta clandestinidade em fraude, numa sonegação indireta. É muito comum a empresa só registrar uma parcela mínima de empregados. Constatar esse fato através da contagem individual de empregados não é fácil para o Fiscal, especialmente quando ele vai à 29 empresa desacompanhado, o que é a regra. Há muitas portas de entrada e muito mais de saída, algumas delas, até guarnecidas por seguranças. Como dificilmente os Fiscais trabalham em grupo, por falta de pessoal, resulta que o mau empresário consegue ser, assim, beneficiado pela omissão da fiscalização. E, muitas vezes, contam até com a conivência dos próprios empregados sem registro. Malgrado ser o Fiscal do trabalho, por ironia, uma autoridade federal para proteger o trabalhador em relação ao seu trabalho, sua atuação não é reconhecida nem pelo próprio trabalhador. Seguro desemprego serve para suplementar novo emprego Dificuldade complementar decorre paradoxalmente do seguro-desemprego. É comum o próprio trabalhador pedir para não ser registrado em seu novo emprego e nem ser mencionado pelo Fiscal, negando-se, inclusive, a declarar seu nome, para não perder o direito ao seguro desemprego. São questões de fundo, de caráter moral e de consciência, de educação de um povo. Mas fatos como esses também constituem fraude. O Ministério do Trabalho conta com um sistema de computação muito bem estruturado, interligado com o segurodesemprego e com a Caixa Econômica Federal, que permite facilmente constatar fraudes e eliminá-las. Mas não consegue forçar o trabalhador a declarar seu nome e sua condição de não registrado, no momento da fiscalização. Nesses casos, não há muito a fazer. Só resta pedir à polícia para prender este trabalhador, pessoa não especializada, de nenhuma escolaridade e de baixa renda, que vive em dificuldades sociais e econômicas e que, finalmente, conseguiu um emprego, mesmo que em situação irregular. Porém, ele se sente muito satisfeito. E isto em meio a uma situação geral caracterizada pelo aumento do desemprego, em função da terceirização, da globalização, etc. Em situações como essas cabe ao fiscal aplicar o bom senso, já que os regulamentos não apresentam outras soluções. Normalmente relacionado com falta de registro, ocorre a recusa da empresa em apresentar os documentos do empregado, ao Fiscal. As desculpas são muitas: o documento está com o contador, o contador saiu, o diretor levou o livro de empregados. Ao final, resta ao Fiscal, obviamente, apenas a autuação. 30 Valter Torre Arienzo A regulamentação interna também dificulta a fiscalização: empresas com até 10 empregados - cabe perguntar-se por que exatamente este número 10 - devem receber um prazo para regularizar a situação e a atuação não pode ser imediata. A firma é notificada a apresentar os documentos e receberá nova visita no prazo de 2 a 8 dias. Se após este prazo os documentos não forem apresentados, lavrase o auto de infração. Baixo valor da multa estimula à sonegação e à fraude Segue-se outro problema decorrente do baixo valor da multa (Art. 630, §§ 3º e 4º da CLT). Após o prazo dado à empresa, quando ela é finalmente notificada a pagar a multa, poderá fazê-lo com um desconto de 50%. Não é difícil concluir que, para a empresa, é um verdadeiro estimulo o não registro do empregado, correndo um risco pequeno de ser fiscalizada ou ser denunciada pelos trabalhadores sem registro. A fiscalização solicita, há tempos, mudanças dos valores das multas e outras medidas para evitar essas facilidades legais que acabam beneficiando o mau empresário. A norma interna obriga a fiscalização a voltar três vezes à empresa, e autuá-la também três vezes, se não forem apresentados os documentos devidos. Só a partir da quarta visita, com autuação, é que esta é encaminhada ao Ministério Público do Trabalho com denúncia contra a empresa, para que seja enquadrada em crime contra a organização do trabalho. Número de empregados não define porte da empresa Em algum momento, alguém entendeu que uma empresa com até 10 empregados é uma empresa pequena, o que, hoje, nem sempre é verdade, principalmente nas atividades com uso de equipamentos de alta tecnologia como a de computação. Algumas empresas de apenas 5 empregados apresentam faturamento igual ou até mesmo superior a outras que possuem 100 empregados. Cabe, por isto, questionar, de modo mais realístico e geral, se o sistema de arrecadação da Previdência, que incidente exclusivamente sobre a folha 31 de pagamentos, é o mais adequado para avaliar o seu porte econômico e sua participação solidária no mundo de hoje. Parece-me que a incidência do cálculo das contribuições previdenciárias sobre o faturamento refletiria mais fielmente a expressão econômica da empresa e não estimularia, como hoje, o enxugamento das folhas de pagamento por intermédio do desemprego, gerando crises sociais e diminuindo, por conseguinte, a arrecadação. Além do mais, estes fatos agravam outros programas sociais como o auxílio desemprego, o uso de benefícios por falsas doenças ou de outros mecanismos usuais e bem conhecidos. Entra-se em um círculo vicioso: a arrecadação cai, o caixa não tem dinheiro para aparelhar e prover com pessoal a máquina fiscal nem para dar reajuste ao funcionalismo e aos aposentados e pensionistas. O Ministério do Trabalho, de sua parte, tenta atacar o ponto de partida de tudo: a falta de registro dos empregados. O Fundo de Garantia O FGTS é um direito constitucional do trabalhador, que não chega a ser caracterizado como um imposto, nem como tributo. É uma contribuição que a empresa é obrigada a fazer sobre a remuneração dos empregados. Seu recolhimento tem sido fiscalizado juntamente com a ocorrência do registro dos empregados. A efetividade da fiscalização do FGTS pode ser medida pelo grande aumento de arrecadação da Caixa Econômica Federal. São freqüentes as campanhas de recolhimento do Fundo, com excelentes resultados. Em suma: o FGTS vem sendo bem fiscalizado. A Lei no 8.036, que regula o FGTS, é aparentemente simples: o recolhimento corresponde a 8% da remuneração do empregado ou sobre a folha salarial. Na realidade, a situação se complica porque o empregador tenta descaracterizar várias parcelas como integrantes dos rendimentos do trabalhador para que a incidência do Fundo ocorra sobre valor menor. Os Arts. 457 e 458 da CLT, que tratam da remuneração do trabalhador, diz que se integram aos salários: as comissões, prêmios, percentagens, salário “in natura”, etc., constituindo essa soma a remuneração sobre a qual deve incidir as contribuições para a Previdência Social e para o FGTS. Duas dessas parcelas apresentam dificuldades para a fiscalização do recolhimento para o Fundo de 32 Valter Torre Arienzo Garantia por serem polêmicas: a assistência médica gratuita e o seguro de vida em grupo, concedidos pelas empresas. Embora não sejam questionáveis, há autoridades superiores que discordam, entre si, quanto a incluí-las ou não nos rendimentos do empregado. A assistência médica gratuita paga pelas empresas Ela é concedida nas empresas de maior porte, no geral com mais de 100 empregados, integralmente ou mediante contribuição pequena do empregado. De modo semelhante, funcionam os fundos de pensão privados mantidos em parte ou totalmente pelas empresas. A tese de que se trata de prestação salarial se baseia em que tudo que um empregado recebe de uma empresa, direta ou indiretamente, só pode ser decorrente de seu contrato de trabalho e, portanto, tem natureza salarial. Ao sofrer fiscalização, as empresas alegam que estando a Previdência Social falida e sendo péssimos os hospitais públicos, ao conceder o plano privado de saúde estariam prestando um benefício social. E esta visão é, muitas vezes, corroborada pelo próprio empregado. Quando o empregado perde o emprego, perde, também, a assistência médica gratuita. E ao procurar trabalho em outra empresa ele tenderá a exigir assistência médica semelhante. Se o novo emprego não o conceder, o empregado terá que pagar de seu bolso para manter o mesmo padrão de atendimento, com que estava acostumado, para si e sua família. Com isto, sofrerá redução de salário real, pois o plano privado de saúde correspondia a salário indireto. Nesse caso, por conseguinte, o FGTS deve incidir sobre todos os rendimentos diretos e indiretos do empregado, incluindo o plano de saúde pago pela empresa. Para o trabalhador, é importante que o Fundo incida sobre o total de rendimentos, porque é um substituto de direitos antigos de indenização, devida em caso de demissão, no montante a um mês de salário por ano de trabalho. O empregador argumenta que se for exigido o FGTS também sobre a parcela correspondente ao gasto com a assistência médica gratuita, o benefício será cortado, condenando o trabalhador a voltar ao tempo das cavernas na área de medicina social. Como se vê, o objetivo é claro: colocar a fiscalização contra o empregado. 33 O seguro de vida em grupo pago pela empresa Este benefício também é pago em empresas de grande porte, normalmente acima de 200 empregados. Geralmente, o seguro se estende a todos os empregados da empresa e cobre casos de morte, que, via de regra, são poucos a cada ano, não passando nunca de duas mortes para um total de 500 empregados. Para o empregador é um seguro que pouco se usa, por isso não custa muito caro. Por alguma razão, ele reluta muito em dar aumento de salário mas o seguro de vida, que também é um custo, ele quer fazer e paga. Ora, sabemos que em qualquer tipo de seguro, há um retorno parcial dos prêmios pagos em caso de pouca ou nenhuma utilização do seguro. Sabe-se, também, que é muito difícil fiscalizar esse retorno e o custo total do seguro consta como sendo o valor da apólice. A experiência e o faro do Fiscal indicam que a empresa costuma fazer o seguro de vida coletivo para seus empregados sempre com o banco com que trabalha, onde o gerente é, no geral, conhecido e tem ligações estreitas com a diretoria da empresa, facilitando a devolução parcial ou total dos prêmios pagos. A fiscalização contábil referente ao FGTS só é possível nos casos de serviços prestados, nos lançamentos no livro diário, no plano de contas, etc. É impossível constatar se os prêmios de seguros devolvidos são lançados na contabilidade da empresa. Na relação com o banco segurador, a empresa funciona quase como uma corretora de seguros. Os nomes dos empregados são utilizados como participantes de uma apólice cujos custos a empresa recolhe e paga ao banco com que trabalha. Os custos com o seguro de vida são lançados como despesas operacionais. Ora, despesa operacional é tudo que é obrigatório para a operação da empresa. Cabe perguntar se o seguro de vida é realmente necessário para que a firma funcione. A resposta será certamente negativa. Mesmo assim, trata-se de um benefício indireto concedido aos empregados, sobre o qual devem incidir os encargos. As empresas reagem violentamente contra a tentativa do Fiscal de levantar a contribuição de 8% sobre o seguro de vida coletivo dos empregados. Elas se defendem afirmando que, nesse caso, serão 34 Valter Torre Arienzo forçadas a cortar o seguro e que este é pago pelos trabalhadores e não por elas. Na verdade, estamos diante de uma corretagem de seguro, usando os trabalhadores que servem de contribuintes para uma companhia de seguros normalmente interligada à empregadora e ao seu banco. Em outras palavras, isto constitui uma fraude. Seria interessante saber como pensam, hoje, os colegas da Previdência Social sobre a incidência ou não desses seguros de vida como sendo de natureza salarial, embora se saiba que a Previdência entende, em princípio, que não há incidência de contribuição quando o benefício se estende a todos os empregados. As rescisões contratuais Elas constituem outra área na qual a fraude é freqüente. Nos plantões de homologação do Ministério do Trabalho, os Fiscais ficam atentos aos tributos devidos. No caso de trabalhadores com mais de um ano de empresa, as rescisões são obrigatoriamente homologadas, para que eles possam sacar o FGTS. Nos contratos de trabalho com menos de um ano, a homologação não é obrigatória e as fraudes devem ser bastante freqüentes, com recolhimentos subestimados e mal feitos assim como outras irregularidades. A terceirização A terceirização é uma tendência mundial, no rastro da chamada globalização, que vem trazendo consigo um enorme índice de desemprego. As pressões das empresas para que seus departamentos pratiquem a redução de custos, e isto a qualquer preço para fazer face a crescente concorrência, levam a reestruturações das mesmas, resultando, quase sempre, em desemprego. Este, não deveria apresentar em si graves problemas se fosse executado de acordo com a legislação trabalhista. Mas infelizmente ocorre o contrário. Procurase manter o trabalhador em atividade, porém sem o emprego formal, caracterizado legalmente. Uma saída é a terceirização. Ao terceirizar e continuar rentável, as empresas passam invariavelmente, a sonegar uma série de tributos e contribuições. Transferindo parte do serviço para o pequeno empresário, em firmas pequenas, abertas com o propósito da terceirização, os direitos trabalhistas dos empregados, via de regra, desaparecem. 35 A fiscalização do trabalho nas pequenas empresas terceirizadas é muito difícil. Por exemplo, na construção civil. Antes, as grandes construturas mantinham um, dois mil empregados. Atualmente não passam de vinte ou trinta na administração central, com computadores, secretária e um engenheiro controlando dez prédios. Os custos maiores são transferidos para subempreiteiros pequenos, responsáveis por diferentes fases da construção. No momento da fiscalização, quem já terminou seu serviço não está mais presente na obra e é de difícil localização. Com isto, torna-se quase impossível levantar o número exato de empregados, além dos poucos registrados ou daqueles declarados como autônomos. Desta forma, a empresa deixa de recolher FGTS, Previdência Social, etc., com a conivência dos próprios empregados. A terceirização é comumente associada à Ásia, mas cada região apresenta características próprias. Na Itália, a terceirização está sendo abolida. Na Europa, já se percebeu que ela funciona mal, pois vem acompanhada de uma queda de qualidade dos serviços. Com o desemprego crescente, lá não estão insistindo tanto na terceirização, enquanto no Brasil, persiste-se nessa linha, mal se importando com todo o custo social dela decorrente. As cooperativas de trabalho A alteração da CLT referente às cooperativas é bastante recente. A reestruturação das empresas ao contratar uma cooperativa resulta em que desaparecem formalmente os empregados. Em caso recente, por exemplo, uma escola deixou de ter professores empregados. A fiscalização fez a autuação, por considerar que a utilização da cooperativa tinha apenas o objetivo de não recolher as contribuições devidas, já que o trabalho desempenhado pelos professores era a principal atividade da prestação de serviços e fonte de captação de renda da escola. Segundo a legislação vigente, o funcionamento de uma cooperativa deve estar regulamentado. Ela deve ter um balancete mensal com o resultado contábil e a distribuição dos resultados aos seus membros. Além disso, outros documentos são exigidos para atestar que realmente se trata de uma atividade de cooperativa. No exemplo da escola autuada, os contratos apresentados foram 36 Valter Torre Arienzo desconsiderados e eles foram autuados como empregados sem registro (Art. 41 da CLT), pois cumpriam normas características de empregado, com horário de trabalho, subordinação e demais obrigações iguais as de qualquer empregado, recebendo ordens e se submetendo às normas da escola e de sua diretoria. Caracterizando-se, assim, como uma relação patrão-empregado e não de cooperado-cooperativa. Em suma, estava configurada a fraude com a conseqüente sonegação a partir da declaração de outro tipo de relação de trabalho que não era a real. Os artigos da CLT relativos às cooperativas, na verdade, deveriam ser revogados. Sua aprovação ocorreu de modo muito rápido e os interessados em resguardar os direitos trabalhistas não se deram conta a tempo. Ao que parece, sua introdução partiu de preocupações com a utilização quanto ao trabalho rural, onde, em determinadas situações, as cooperativas podem funcionar satisfatoriamente e contribuir para fixar ou manter o homem ao campo e diminuir o êxodo rural. Mas, nas grandes cidades, as cooperativas de trabalho têm por conseqüência imediata pulverizar os direitos trabalhistas e diminuir as despesas salariais e sociais das empresas, especialmente em certas áreas, e devem ser vistas como tendo o mesmo objetivo da terceirização mencionada acima. A cooperação entre Ministério do Trabalho e INSS As atividades fiscais das áreas do trabalho e da previdência já estiveram integradas num mesmo Ministério. Havia um controle único para a verificação de empregado sem registro, que era encaminhado ao INSS. Atualmente, essa ação conjunta já não mais existe. A melhoria da troca de informações entre as duas áreas é, hoje, uma das principais reivindicações e, talvez, a mais antiga, feita pelas entidades de Fiscais. Há, também, uma maior interação com a Caixa Econômica Federal, a Receita Federal e a Previdência Social. Os levantamentos do INSS, incluindo os pagamentos extrafolha, têm sido utilizados pela fiscalização do trabalho, mas não de forma orgânica. O ideal seria que ocorresse a interação dos dados disponíveis na esfera federal, para subsidiar o trabalho da fiscalização de todos os ministérios envolvidos. 37 A Tradição de Sonegar e a Impunidade Expositor: Dr. Antônio Airton Ferreira Auditor Fiscal do Tesouro Nacional O que são infrações objetivas e subjetivas O Art. 136 do Código Tributário define a responsabilidade por infrações da seguinte maneira: “Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetiva natureza e extensão dos efeitos do ato”. Existem, portanto, na área tributária, dois tipos de infrações: as objetivas e as chamadas subjetivas. As infrações objetivas são aquelas nas quais o elemento intenção não está presente. Numa fiscalização constata-se, por exemplo, uma diferença, um simples erro, que teria alterado a base de cálculo. Seria uma infração na qual não está presente o dolo, a intenção. De modo semelhante, poderia ser classificada a ausência de um documento. Nas infrações subjetivas, ao contrário, a intenção é manifesta. Há, presente, a manifesta vontade de obter o resultado desejado, com a presença do dolo. Na fiscalização tributária federal, quando se aplica uma multa em processo de infração objetiva comum, seu valor corresponde, atualmente, a 75% do valor da diferença encontrada. Já nas infrações subjetivas, a multa é qualificada ou agravada. Atualmente, seu valor é de 150% da diferença encontrada, tendo sido reduzida recentemente, pois anteriormente já chegou a ser de 300%. 39 Também para o procedimento do Fiscal, a diferenciação entre infrações objetivas e subjetivas é importante. Nas primeiras, o fisco constata o fato e aplica a penalidade juntamente com o auto de infração. Deste, constará o crédito tributário cobrado e a aplicação da penalidade comum. Nestes casos, a prova produzida pelo fisco é mais simples: basta detectar e mostrar o fato. Por outro lado, a defesa do autuado também permanece como matéria de fato. Se há, por exemplo, uma despesa contabilizada para a qual a empresa não localiza o documento probatório, cobra-se a diferença, impondo a penalidade simples. Se depois a empresa localizar o documento e o apresenta, o fato causador da penalidade desaparece. No caso de infração subjetiva, inverte-se o ônus da prova, que passa a ser do fisco. Isto altera completamente o processo de investigação. Se, no mesmo caso anterior, a empresa apresenta o documento relativo a despesa contabilizada, cabe ao fisco o ônus de produzir a prova de que o documento é inidôneo, se houver a desconfiança, por exemplo, de que o documento não esteja lastreando uma operação efetiva. Nessa situação, em visita à empresa será averiguado como foi feito o recolhimento, quais as características da operação e pode-se verificar em diligência se a empresa prestadora de serviços mencionada existe mesmo, se realizou o trabalho, se tinha profissional empregado compatível com o serviço, etc. Se a desconfiança se confirmar como fato, estamos diante de uma infração subjetiva consubstanciada por nota inidônea, incompatível com uma operação efetiva. Neste caso, será confeccionado um auto de infração cobrando o tributo e a penalidade agravada. Ao mesmo tempo, surge a figura do delito fiscal ou crime fiscal, já que a conduta correspondente àquela infração subjetiva caracteriza-se do tipo penal, da área criminal. O passo seguinte é a confecção da representação penal. Ela é endereçada à Procuradoria Geral da República, ao Ministério Público Federal, a quem cabe, conforme os artigos 127 e 128 da Constituição Federal, receber a notíciacrime e, caso julgue cabível, oferecer a denúncia ao Poder Judiciário. Se este julgar a denúncia procedente, será instaurado o processo penal. Ao Fiscal competem duas tarefas importantes ao lavrar o auto e impor a penalidade agravada: lavrar o auto de infração e, ao mesmo tempo, elaborar a representação penal. 40 Antônio Airton Ferreira O processo fiscal e administrativo na Receita Federal As infrações mais comuns são: a nota calçada, a falta de recolhimento de IPI lançado, a utilização de crédito indevido de IPI para diminuir o recolhimento, o uso de certidão negativa falsa, a falta de emissão de Nota Fiscal (tipificada como crime nas leis no 8.137/90 e 8.846/94), a utilização de Nota Fiscal fria, inidôneas, etc. Na Receita Federal, atualmente, há uma divisão de tarefas: as delegacias que fiscalizam e cobram e aquelas que julgam, em primeira instância, as impugnações apresentadas contra os autos lavrados. Na primeira instância de julgamento administrativo, cerca de 40% dos créditos tributários lançados são julgados improcedentes. Constatada uma fraude em prova apresentada, caberá, por exemplo, à Delegacia de Julgamento, oferecer a representação penal. Esta representação tem seu rito constante do Art. 83 da Lei no 9.430. de 27 de dezembro de 1996, exigindo que a representação penal só deva ser encaminhada à Procuradoria após ter sido anteriormente julgada em todas as instâncias administrativas. Ao constatar o fato, os Auditores Fiscais fazem a representação penal, preenchendo o formulário apropriado. Em seguida, pedem o enquadramento penal pelo fato detectado, indicando a legislação pertinente e a descrição detalhada dos fatos caracterizados como ilícitos, indicando os elementos de prova e o crédito tributário decorrente da infração. Este ponto é imprescindível porque os crimes fiscais são chamados de crimes de dano ou de resultado, impondo, para tipificá-lo, a existência da redução ou supressão de tributo. Finalmente, registra-se a qualificação dos responsáveis pelos fatos detectados para, em seguida, relacionar a qualificação das testemunhas, se as houver. Segue-se a relação dos elementos comprobatórios, como os autos do desenvolvimento da fiscalização, as declarações colhidas, etc., com o que a representação penal está completa. A representação é encaminhada à Procuradoria. Se esta julgar ter todos os elementos necessários e que o crime está caracterizado, oferece a denúncia. A Procuradoria tem competência para formar juízo sobre a existência, ou não, do crime. Na Receita 41 Federal, esta não é uma função do Fiscal autuante. Caso o Procurador entenda faltarem fatos ou provas, o processo retorna à repartição de origem para completar a investigação, inclusive, se necessário, com a colaboração da Polícia Federal. O Fiscal diante do processo penal Oferecida a denúncia pelo Procurador e recebida pelo Juíz, inicia-se o processo penal. Nesses casos o Fiscal autuante é normalmente chamado a depor como testemunha, o que é, sem dúvida, uma situação extremamente incômoda, pois o acusado e seu Advogado estarão também presentes. O Juíz formula perguntas a todas as partes para formar sua convicção. As audiências e os depoimentos criam situações constrangedoras que nem sempre deixam margem e tempo para as informações mais adequadas. Com a exigência do Fiscal fazer, em alguns casos, a representação penal, sua função se ampliou. Sua tarefa de Fiscal é, em primeiro lugar, a de verificar se houve infrações fiscais, constituindose, inicialmente, em uma espécie de investigador criminal com limitações, pois as provas colhidas para o processo fiscal normalmente não são suficientes para o processo penal. No geral, é suficiente constatar os fatos, fazer a prova, aplicar o auto contra o contribuinte, normalmente uma pessoa jurídica. Na área penal e criminal a situação é bastante diferente. É necessário esclarecer que o Fiscal não é, necessariamente, um especialista em matéria de direito penal. Em segundo, não é a pessoa jurídica que responde pelo crime, mas os seus responsáveis. Portanto, ao fazer a representação penal o Fiscal deve, também, localizar de quem é a autoria do delito. Por mais que se procure levantar as responsabilidades pelos diversos setores e funções dentro da empresa, é sempre uma grande dificuldade na área técnica. Isto porque, a metodologia da fiscalização, para se constatar infrações fiscais, não é suficiente nem adequada para identificar crimes com base em condutas previstos no Código Penal, diferentemente daqueles previstas nas leis tributárias. Esta alternativa está consignada na legislação atual que não exige o prévio inquérito policial para que se faça a representação, passando boa parte da investigação a ser também tarefa da fiscalização. 42 Antônio Airton Ferreira Pagou, não há mais o crime A determinação de que o processo só pode ser encaminhado à Procuradoria após esgotar todas as instâncias administrativas, criada pelo Art. 83, da Lei no 9.430/98, criou sérios problemas. Antes desta Lei, existia a “extinção da punibilidade” estabelecida na Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995. O curioso é que tal mudança, a de só haver representação fiscal após esgotar os recursos da esfera administrativa, introduzida pela Lei no 9.430/96, não veio acompanhada de suspensão ou dilatação do prazo da prescrição penal. Só resta inverter a ordem de julgamento dos processos, dando preferência àqueles que contenham a representação penal, sem contudo evitar a perda de agilidade processual e a prescrição penal. Tal determinação, de esgotar primeiro todas as esferas administrativas, pode até fazer sentido: se é um crime de resultado, é preciso saber se a indicação de infração fiscal é realmente precedente para depois fazer-se a representação. Mas o problema não foi razoavelmente definido do ponto de vista operacional. O Art. 83 da Lei no 9.430/96 reintroduziu a extinção da punibilidade desde que ocorra o recolhimento do débito fiscal antes do recebimento da denúncia. Tal prerrogativa se soma à prescrição como meio para evitar qualquer sanção relativa a infração cometida. A extinção não significa que não tenha havido o crime, apenas que a punição foi esquecida face o recolhimento do tributo devido. O uso da prova emprestada O fisco federal utiliza freqüentemente provas produzidas pelos fiscos estaduais, por exemplo, já que não é necessário repetir os mesmos procedimentos. O mesmo fazem os fiscos estaduais quando as provas são antes levantadas pela fiscalização federal. Tenho a impressão que a fiscalização da Receita Federal se utiliza mais das apurações dos Fiscais estaduais do que vice-versa. Minha experiência pessoal é de intercâmbio quase diário com colegas do fisco estadual, inclusive sem requisição, que só era feita quando a informação deveria ser incluída em processo. Muito diferente, no entanto, é tomar apenas o auto lavrado pelo fisco estadual, que constitui a conclusão do trabalho, não a prova. 43 Por isto, tomar só o auto de outra fiscalização não é suficiente para encaminhamento do processo fiscal. As provas, porém, podem e devem ser compartilhadas pelas diversas fiscalizações. A presunção legal e o ônus da prova A presunção é definida como um fato de conhecido, relacionado com um outro desconhecido, mas provável. Por exemplo, a presunção de omissão de receita por saldo credor de caixa. A importância da presunção legal reside na inversão do ônus da prova. Ela parte de uma presunção comum, que ao se transformar em presunção legal, inverte o ônus da prova. Assim, se há saldo credor de caixa, basta ao fisco constatá-lo, para que passe ao contribuinte a obrigação de provar, por exemplo, que o saldo é inexistente ou decorreu de erro. A tradição de sonegar impostos e a impunidade As normas que tratam da punibilidade são obedecidas por dois motivos: o receio da sanção criminal e da sanção social. Quanto ao segundo motivo, encontramos uma grande diferença com relação a outros crimes. O mais indicado certamente não seria ver o recolhimento de impostos apenas do ponto de vista da obrigação tributária, pois pagar tributo é obrigação do cidadão, corresponde a sua participação no financiamento do Estado. Outra questão se refere ao tipo de sanção imposta à conduta ilícita no campo tributário. Dependendo da nocividade da conduta, o legislador determina que a sanção fique na área fiscal com a aplicação de uma simples multa, ou, ao tipificá-la como crime, as do processo penal. A Lei no 8.137, de 1990, teve origem no Governo Collor e é de difícil aplicação para sancionar crimes tributários. Isto porque, nesta lei, quase tudo tipifica crime. Os efeitos de uma lei demasiado rigorosa podem ser exatamente contrários aos objetivos iniciais do legislador, pois sendo as penas muito severas, o Juíz muitas vezes decide pela absolvição da conduta ilícita comprovada de menor monta. 44 Antônio Airton Ferreira Na mesma lei não estava prevista a extinção da punibilidade mediante o recolhimento do tributo devido. Muitos defendem a sua reintrodução, como ocorreu mais tarde, por serem independentes o crime e a área fiscal. Sua grande vantagem é o estímulo ao recolhimento do tributo. As mudanças freqüentes e tumultuadas da legislação também dificultam a observância das normas. Outros impecilhos se apresentam aos Fiscais ao tentarem levantar provas suficientes, não só para a fase fiscal, mas também para a penal. Os Fiscais têm dificuldade de colher certas provas, a Procuradoria de fazer a denúncia e o Judiciário de julgar. Este, como já mencionado, tem que julgar a responsabilidade individual pelo crime, o que nem sempre o Fiscal consegue localizar em uma firma autuada. Todas essas dificuldades constituem um somatório que leva à impunidade. Além disto, nossas leis penais se concentram nos crimes individuais, quando sabemos que grande parte dos crimes tributários envolvem várias pessoas. Há uma incompatibilidade entre o que acontece na prática e a previsão da legislação. Atualmente, fora do sistema financeiro, que tem infrações de grupo, a legislação na área fiscal ainda parte do pressuposto de que os crimes são individuais. Este aspecto também dificulta a sanção dos crimes tributários e abre um extraordinário espaço à impunidade. 45 A Justiça dos Ricos e a dos Pobres Expositor: Alcione Serafin Santana Delegado de Polícia Federal Mais importante que constatar o despreparo da Polícia ou a lentidão do Judiciário, é adotar, como ponto de partida, o consenso de que não se pode construir um país envenenado pela impunidade, pela desigualdade e pela hipocrisia. Para avançar, será necessário responder perguntas como: por que o país convive tanto tempo com policiais despreparados e com a Justiça emperrada? Ou por que os corruptos continuam impunes? Vamos partir do papel da Polícia Federal no combate aos crimes previdenciários. As atribuições da Polícia Federal O órgão foi criado em 1944 no governo de Getúlio Vargas, como mais um passo para federalizar o sistema nacional de governo. Posteriormente, ele foi objeto de tratamento constitucional em 1967, passando, em 1988, a compor o sistema de segurança pública nacional. Conforme o Art. 144 da Constituição vigente, a segurança pública é dever do Estado, de todos e deve ser exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público federal, por intermédio de vários órgãos, inclusive da Polícia Federal. A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, destina-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social, em detrimento de bens, serviços e interesses da União, de suas entidades autárquicas, fundacionais e empresas públicas. No próprio (Nota: o Delegado Alcioní Serafin Santana, autor desta palestra, foi assassinado em 27 de maio de 1998, em frente a sua casa, em São Paulo. As apurações policiais indicam que o crime foi praticado por vingança, em decorrência das atividades que o Dr. Alcioní vinha desenvolvendo na Polícia Federal, daquele Estado.) 47 texto constitucional estão, portanto, previstas as atribuições do órgão em relação ao chamado crime previdenciário. No inciso 4º, do artigo 144, está previsto, pela primeira vez, que a Polícia Federal deve exercer com exclusividade as funções de polícia judiciárias da União. O mencionado inciso estabelece, assim, que no caso de crime da órbita da Justiça Federal, seja comum ou especial, a atribuição de apurá-lo, no campo da persecução federal é da Polícia Federal, órgão exclusivo da União com essa finalidade. A delegacia de crimes previdenciários e suas dificuldades A Delegacia previdenciária foi criada pela Portaria nº 325, de 1994, a partir da necessidade de especializar policiais na tarefa de apurar e reprimir os crimes contra a Instituição previdenciária. Na cadeia de órgãos e pessoas envolvidas nessa função estão, como sabemos, os Fiscais previdenciários e na ponta final, o Juíz federal. Os órgãos fiscalizadores dependem da participação efetiva da Previdência Social, como órgão informador da persecução penal, tanto quanto o Procurador tem papel essencial para a esfera da jurisdição. Constatada a necessidade social e criada a Delegacia, suas dificuldades estão, infelizmente, relacionadas com os problemas mais gerais do país, como a crise de poder e de autoridade bem como a falta de cidadania enquanto direito universal. Com tantos órgãos de fiscalização, nenhum deles conta com a necessária autonomia que representa a soberania do Estado. Mais grave ainda: as leis são confusas, difusas, esparsas e objetivamente elaboradas para não serem aplicadas. Há superposição de atribuições, criadas pelo legislador, sem que a comunicação entre os órgãos respectivos esteja prevista ou estruturada. Muito menos ocorre, de modo satisfatório, a comunicação com o fisco estadual ou com órgãos correlatos, como no caso do recolhimento do FGTS. Leis confusas para beneficiar sonegadores É de tal monta a confusão de leis, portarias e atribuições na fiscalização e na repressão aos crimes previdenciários que nenhum cérebro seria capaz de concebê-la e produzí-la. Um dos exemplos mais gritantes de legislação mal feita constitui a Lei no 8.212/91 e, em especial, 48 Alcione Serafin Santana seu Art. 95. Não é à toa que os Juízes e os tribunais não chegam a um consenso mínimo sobre sua aplicação, pois a legislação é flagrantemente falha. Como pode o legislador esquecer a sanção penal, criar tipos penais sem prever as penas respectivas? Estamos em uma situação de perplexidade. O direito só existe se contiver a sanção. Caso contrário, não passará de uma norma moral. Outro exemplo marcante é dos chamados crimes de colarinho branco, previstos na Lei no 7.492/65. Segundo o último censo do Ministério da Justiça, há 250 mil presos no Brasil, e nenhum é considerado criminoso pela lei do colarinho branco. De quem é a culpa? Da polícia corrupta e despreparada, da fiscalização ineficaz, dos processos fiscais incorretos, dos Procuradores que não conseguem produzir ações penais boas e bem fundamentadas ou dos Juízes que não contam com instrumental jurídico adequado para cumprir sua função constitucional? Será que estamos em uma situação na qual todos fazem de conta que desempenham sua tarefa? A Polícia Federal está evidentemente incluída nesse caos. Os Juízes federais conhecem os resultados do trabalho da Polícia Federal e os Procuradores reclamam freqüentemente das imperfeições de suas atividades. Veja-se o caso da Delegacia em São Paulo. Criada em 1994, só em 1997 está prestes a se efetivar enquanto ente autônomo e especializado para atender às necessidades detectadas. Nesta Delegacia há um grupo policial especialmente formado para se dedicar à apuração dos crimes relacionados à Previdência Social atuando há muitos anos. Em todos os Estados, a atuação é ainda desorganizada, os policiais têm que dar conta de milhares de inquéritos que funcionam como casos individuais e isolados, embora se saiba que há verdadeiras quadrilhas atuando organizadamente. Cada Delegado decide o destino de seu inquérito, sem maior interconexão com outras delegacias. As delegacias nos Estados quase não se comunicam entre si. Resulta, em termos genéricos, num sistema venal com poucos efeitos práticos. A legislação e o combate aos crimes previdenciários A legislação mais recente - Lei no 8.212/91 - é tão imperfeita que os tipos de crimes e de sonegação fiscal são ainda menos adequadamente indicados que na CLPS, Lei no 3.807, de 1960, que 49 sequer nominava os delitos específicos mas definia claramente, embora de forma não muito técnica, padrões de crimes de sonegação fiscal, de apropriação indébita, de falsidade ideológica e de estelionato. Os três tipos penais previstos no Art. 95 da Lei no 8.212/91, letras “d”, ”e” e ”f” são, como se sabe, equiparados aos crimes de colarinho branco e, como tais, foram concebidos e mal escritos para resultarem na não condenação. Excluídos esses três tipos, os demais demandam uma grande dose de interpretação para que se encontre em algum outro instrumento legal a pena adequada. Após trinta e cinco anos de proteção penal à Previdência Social o legislador, infelizmente, ainda não logrou produzir uma legislação séria, objetiva, clara e minimamente livre de equívocos. Para as condutas previstas nas alíneas “d”, ”e” e ”f”, o legislador tomou de empréstimo em matéria previdenciária, uma vez mais, a sanção estabelecida para os crimes de colarinho branco. Talvez a intenção tenha sido a de aumentar sensivelmente a gravidade da sanção correspondente, mas a aplicação da lei específica para os crimes previdenciários tornou-se, a partir daí, muito mais difícil. Em artigo recente, o Juíz federal Dr. Nelson Bernardes conclui que é possível punir todos os casos de crime contra a Previdência Social, para os quais a sociedade deve buscar uma sanção adequada, com base no Art. 95 da Lei no 8.212/91. Propõe, aquele magistrado, aplicar o princípio da subsidariedade valendo-se também da Lei no 8.137/90, que trata do mesmo tema, ou do Código Penal Brasileiro. Persistem, contudo, muitas questões em aberto, como a da extinção da punibilidade. A apropriação indébita e o não recolhimento de contribuição previdenciária O crime cuja tipificação, doutrina e jurisprudência são aceitas pacificamente é o de apropriação indébita. Se esta não for reconhecida na aplicação da legislação previdenciária, ter-se-á, pela primeira vez no Brasil, um crime tributário sem a antecedente fraude. Trata-se, na verdade, de uma discussão mais ampla que resvala para aspectos Constitucionais. Se a natureza do tributo é civil, ele tem algumas garantias que a Constituição assemelha ao direito penal. Pela tradição imperante no país, deixar de pagar tributo não é crime, embora esse seja cobrável pela via executiva, civil. O que caracteriza o crime tributário é a fraude, a evasão propositada, como meio de enriquecimento ilícito 50 Alcione Serafin Santana proveniente de tributos cobrados do consumidor e não repassado aos cofres públicos. Quando o empregador deixa de recolher contribuições previdenciárias, incorre, na minha opinião, em apropriação indébita, pois ocorre um desvio de valores que não pertencem ao empregador, mas ao empregado, ao público em geral ou a outras figuras assemelhadas. Há quem sustente, em contraposição, que a apropriação indébita tem caracteres próprios e, por isto, foi inclusive, excluída do Art. 168 do Código Penal. A discussão está longe de terminar. De todo modo, ela não é meramente bizantina, pois o posicionamento frente a ela gera absolvição ou condenação de alguém, gera impunidade ou punibilidade. Eis as conseqüências de uma legislação que foi elaborada para não funcionar. Seria muito mais fácil repetir o conteúdo do Art. 168 do Código Penal e indicar a pena específica. Como isto não ocorreu, recorre-se a figuras retóricas, absurdas, para não se chegar a nada. Tradição é não punir crime fiscal Quer-se, por um lado, cobrar o tributo, mas, por outro, não há a tradição de punir os crimes fiscais, tributários e do colarinho branco. É muito fácil no Brasil, apoderar-se de um bilhão de dólares ou mais através da manipulação das chamadas contas CC-5 – contas existentes no Banco Central, de pessoas residentes no estrangeiros e que possuem negócios no Brasil e que, por este intermédio remetem, sem qualquer limitação, dólares do Brasil para suas contas no exterior – deixando de recolher os tributos devidos. Caso o fisco consiga localizar o sujeito ativo do delito, este simplesmente paga o tributo e está totalmente livre no campo penal. Mas se alguém rouba uma bicicleta usando uma arma de brinquedo, qualificadora do crime de roubo, como consta de caso sumulado no STJ, o indivíduo pode ser condenado a até cinco anos e quatro meses de reclusão. A diferença de tratamento é gritante. No tocante à Previdência Social, a situação é ainda mais grave do que quando não se recolhe tributo federal, pois estamos diante de um emaranhado de normas em boa parte inaplicáveis. Em muitos casos, tem sido acolhida a tese de que quando se permite ao empregador o recolhimento parcelado de contribuições previdenciárias descontadas do salário de seus funcionários, o delito estaria descaracterizado, implicando em trancamento da ação penal 51 por falta de justa causa, já que assim fica demonstrada a inexistência de ânimo de transferir para si a posse do montante não recolhido. O estabelecimento da responsabilidade penal A questão é tratada de modo evidentemente imperfeito do ponto de vista penal no § 3º do Art. 95, da Lei no 8.212/91 – a lei de custeio da previdência. Os nossos sistemas Constitucional e jurídico não acolhem a responsabilidade objetiva. Não basta que o legislador defina quem é o autor de infração penal. É sempre o Juíz que define a responsabilidade específica no fim do processo, baseando-se na efetiva participação e conduta de cada um. Por ser sócio-gerente de uma empresa, o indivíduo não pode ser responsabilizado penalmente. A responsabilidade civil se vale do instituto da responsabilidade objetiva, mas não o direito penal. Além disto, há uma grande discussão a respeito da prisão por dívida e a confusão ficou ainda maior com uma lei federal recente (no 9.430/96, Art. 83), cujo interesse principal seria tentar arrecadar tributos e contribuições e que colaborou para dificultar a persecução criminal dos responsáveis. A busca e a apreensão de documentos e provas jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal reconheceu poderes de busca e apreensão aos órgãos de fiscalização, mas isto raramente acontece. O Supremo considerou inclusive, em dezembro de 1994, em ação contra os senhores Fernando Afonso Collor de Mello e Paulo César Cavalcanti Farias e outros, que as empresas e os escritórios têm os resguardos constitucionais semelhantes aos concedidos à moradia, enquanto garantias individuais do cidadão. E as provas produzidas a partir de busca e apreensão, sem mandado judicial, em escritório dos dois réus mencionados, foram consideradas ilícitas. As informações contidas no computador apreendido na ocasião, em diligência da Receita Federal, com memória apagada mas que pôde ser resgatada, cujo conteúdo tinha por senha coincidentemente a palavra Collor, foi considerado prova obtida por meio ilícito por não ter sido precedida de mandado judicial de busca. Não se trata aqui de crítica ao Poder Judiciário, mas a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que acaba 52 Alcione Serafin Santana se constituindo em referencial de jurisprudência por ter sido proferida pela suprema corte do país. A justiça dos ricos e a justiça dos pobres Desta forma acabamos tendo dois níveis de direito penal: o dos pobres e o dos ricos. Se o indivíduo é rico, recorre a bancas de advocacia poderosas que se fundamentam em doutrinas nacionais e até alienígenas para se defender. Se pobre, ele mal conta com a ajuda advocatícia prevista na Lei no 1.060. As conseqüências são conhecidas de todos: temos 250 mil presos, constituídos de pobres, pretos e prostitutas. Em contraposição, de 1986 a 1995, de um total de 682 casos de crimes financeiros que transitaram na Justiça Federal de primeiro grau, apenas cinco (5) resultaram em condenação. E mais: o Banco Central do Brasil demora em média dois anos para comunicar crimes em sua órbita de fiscalização. Ressalte-se que são casos que chegam a envolver bilhões de dólares. As dificuldades de atuação da fiscalização e da Polícia Federal situam-se em três planos: poder econômico, despreparo pessoal e legislação ultrapassada. Em tempos de globalização, é urgente globalizar o direito penal e processual penal, adotando leis e práticas mais avançadas e condizentes com os últimos desenvolvimentos na esfera financeira. Grandes escândalos, mínima punibilidade Nenhum país está livre de corrupção e de abusos, mas o único meio de contê-los é com a punição dos culpados. A democratização do Brasil deu transparência a práticas escusas, mas a estupefação, a cada novo indício de desvio de conduta sem punição, poderia levar a uma atitude geral de descrédito e de resignação. Seria lastimável que uma seqüência de fatos e indícios desabonadores arrefeça a divina capacidade de indignação ética e moral da opinião pública e que permita uma acomodação geral em prol da impunidade. Alegações de que certas revelações visam interesses políticos e que, por isto, deva-se evitar a formação de CPIs, para resguardar processos de reformas econômicas, podem reforçar a cultura do ceticismo. Só apurações rigorosas e punições podem reduzir as chances de que os escândalos continuem a se repetir com freqüência tão grande, mas com punibilidade mínima. 53 O Histórico Jurídico dos Crimes Fiscais Expositor: Lúcio Leocal Colóquio Procurador Regional do INSS O Direito Penal e os crimes contra a Previdência Social Antes de tudo, desejo deixar claro que não falo em nome da Procuradoria, pois ela é representada pelo Procurador Estadual. Falo em nome próprio, como funcionário do INSS, desde 1981. Minha especialidade não é na área do crime fiscal, mas a defesa do INSS nas ações de benefícios, na cobrança de créditos previdenciários e na execução de dívidas regulamentares inscritas como dívidas ativas, entre outras. Mesmo assim, arrisco fazer algumas observações sobre os crimes em matéria fiscal. Toda ação de combate ao crime de sonegação encontra certa dificuldade em sua caracterização. É ela que permite punir a conduta criminosa. O Prof. Basileu Garcia iniciava a conceituação do Direito Penal com uma definição rápida do delito: é a ação humana, antijurídica, típica, culpável e punível. É uma definição que acomoda os princípios da legalidade e da anterioridade, segundo os quais não há crime sem pena e ninguém é punido quando não há crime. Este princípio vem sendo consagrado em todas as Constituições brasileiras e está também mantido no inciso XL, do Art. 5o, da Carta em vigor. O princípio da não retroatividade das leis penais, salvo quando para beneficiar o réu, também está contemplado no mesmo artigo. São definições claras e precisas para o crime e a pena respectiva, que exigem a determinação e a descrição do agente responsável, dos elementos objetivos e subjetivos do crime, que é 55 caracterizado não apenas pela culpa mas, principalmente, pelo dolo, salvo casos especificados na lei. O conceito de Previdência Social se encontra integrado, de modo amplo, na denominação de Seguridade Social. Os crimes contra ela foram, primeiramente, incluídos como disposições sociais no Art. 155, da Lei no 3.807, de 26/08/1960, com a redação dado pelo Art. 25 do Decreto-Lei no 6.666, cujas disposições foram reproduzidas no Art. 222, incisos I a IV da então vigente Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS). Os mesmos dispositivos foram regulamentados, em segunda versão, pelo Decreto no 89.312, no qual cada figura ou conduta delituosa, prevista no Art. 222 da CLPS, foi tipificada em termos de figuras legais preexistentes, tais como a sonegação fiscal prevista no Art. 1º, da Lei no 4.729, de 14/07/65, com pena de reclusão de 2 a 6 anos acrescida de multa. A conduta definida como apropriação indébita, por exemplo, está tipificada no inciso I, letras “a” a “c” do mesmo artigo, correspondendo ao Art. 168 do Código Penal, com pena de reclusão prevista de 2 a 4 anos de detenção e multa. A falsidade ideológica, prevista no Art. 299 do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5 anos, em caso de documento público, e de 3 anos em caso de documento particular. Na CLPS está contida nas condutas previstas nas letras “a” a “c” do inciso III, do Art. 155, da Lei no 3.807/60 e no Art. 222 da CLPS. Já o estelionato está previsto no inciso IV, letras “a” a “c” do Art. 171, do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa. Assim, mesmo após a edição da Lei no 3.807/60 e do Art. 222 da CLPS, não se podia falar ainda em crimes previdenciários propriamente ditos, pois se buscava em outras figuras jurídicas preexistentes à semelhança delituosa para punir condutas consideradas criminosas contra o patrimônio e os interesses da Previdência Social. Após a promulgação da Constituição de 1988, era evidente que os Arts. 201 e 202 careciam de regulamentação para sua vigência plena. Esta só se concretizou nas Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e seus regulamentos, que dispõem sobre os novos planos de custeio e de benefícios da Previdência Social. A partir daí, os crimes ou delitos previdenciários passaram a ter tipificação no Art. 95 da Lei no 8.212/91. Nele, não se faz mais referência a delitos previstos no Código Penal, como sonegação fiscal, 56 Lúcio Leocal Colóquio apropriação indébita, falsidade ideológica ou estelionato. Agora, passa a constituir crime uma série de condutas específicas para a Previdência Social, tais como: deixar de incluir na folha de pagamento segurados ou empresários, trabalhadores avulsos ou autônomos que lhe prestem serviços; deixar de lançar mensalmente gastos com trabalhadores; omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos (forma semelhante à sonegação fiscal); não repassar aos cofres da Previdência Social contribuições previdenciárias descontadas do empregado segurado ou do público (o que caracterizaria o crime de apropriação indébita se não fosse a não previsão de pena nesta lei, o que força a fiscalização e a Justiça a ir buscá-la na Lei no 7.492/86). Cada um destes delitos está tipificado em alíneas específicas o da Lei n 8.212/91. A lista de crimes segue nas alíneas ”g”, “h” e “i”, que contemplam figuras correspondentes às antigas cominações de falsidade ideológica ou documental. E a alínea “j” volta a contemplar o crime de estelionato, embora sem mencioná-lo. A questão da cominação da pena No § 1o, do Art. 95, figura o seguinte: no caso dos crimes caracterizados nas alíneas “d”, “e”, e “f”, infere-se que apenas nessas, a pena será estabelecida no Art. 5º, da Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986, aplicando-se as disposições constantes do Arts. 26, 27, 30, 31 e 33, do mesmo diploma legal. Trata-se da lei que define os crimes contra o Sistema Financeiro, a chamada Lei do Colarinho Branco, com penas de reclusão de 2 a 6 anos e multa. Os artigos da Lei contra os Crimes do Sistema Financeiro, referidos na Lei no 8.212/91 dizem respeito ao procedimento penal, determinando que a ação é pública, que depende de promoção do Ministério Público Federal e, caso este não o faça, a vítima e/ou a repartição respectiva podem fazê-lo em caráter subsidiário ou indicando um órgão que o faça. O § 3º da mesma “Lei do Colarinho Branco” determina exatamente, e de forma clara, quais os dirigentes que são pessoalmente responsáveis pelos crimes catalogados ou caracterizados nas alíneas “a” a “j” do Art. 95, da Lei no 8212/91: o titular da firma individual, os sócios solidários, os gerentes, diretores ou administradores que participem ou tenham participado da gestão da empresa beneficiada, assim como o segurado que tenha obtido vantagem. 57 Sabemos, no entanto, que há lacunas nas normas e na alternativa de utilizar dispositivos aplicáveis por subsidiaridade. É possível que em ação na qual é necessária a intervenção do Ministério Público, o Procurador da República interfira questionando, conforme o caso, se a autoridade pode ser coatora ou se seus atos foram lesivos. As prerrogativas da fiscalização e as lacunas legais O § 4º, do mesmo Art. 95, da Lei nº 8.212/91 confere à fiscalização toda uma gama de prerrogativas e as especifica, por exemplo, quando a onde buscar na contabilidade da empresa a comprovação ou a caracterização dos delitos previstos no mesmo artigo. Mas, como sabemos, apenas os descritos nas letras “d” a “f” têm pena fixada. Os demais devem ser apenados, conforme a determinação citada do Art. 1º, seguindo o que determina a Art. 4º da “Lei do Colarinho Branco”. As autoridades competentes têm adotado a tese, diante dessa lacuna, de que essa lei, em conjunto com a Lei nº 4.729/65 (sobre a sonegação fiscal). As próprias figuras contidas no Código Penal, Arts. 168, 161 e 299 caracterizam os crimes e definem perfeitamente as penas. Deste modo, tem sido possível a punição de crimes contra o patrimônio previdenciário que, em si, pertence aos segurados e dependentes. Há uma famosa decisão de um Juíz Federal de Campinas, Dr. Nelson Bernardes de Sousa, que conclui que, mesmo sem a Lei nº 8.212/91, todas as condutas delituosas contra a Previdência Social já estariam contempladas em outros diplomas legislativos, com base nos quais poderiam ser julgadas e punidas. Caberia aos poderes próprios da República, e com muita rapidez, suprir as lacunas legais existentes, para dirimir todas as dúvidas ainda remanescentes sobre as figuras delituosas de interesse da Seguridade Social e as respectivas sanções e penalidades. Em primeiro lugar, carece de reformulação a forma de procedimento fiscal definida na Instrução de Serviço 008, para apurar a ocorrência e as responsabilidades previstas nas letras “d” e “f” da Lei específica da Seguridade Social. Assim, será possível definir uma norma própria para o delito previsto na letra “e” da mesma lei (referente a despesa contábil repassada ao custo do produto). Os demais delitos 58 Lúcio Leocal Colóquio previstos nas alíneas “a”, “b”, “c”, “g”, “h”, “i”, “j”, necessitam também de normas internas, para que os Fiscais previdenciários as apurem e trabalhem no sentido de encaminhar para a Procuradoria as peças necessárias à representação por parte do Ministério Público. No tocante à arrecadação e à execução fiscal, a fiscalização deve pesquisar sempre qual é o patrimônio dos responsáveis que permita pagar os débitos para com a Previdência. Nos casos em que não se encontre patrimônio suficiente, seria oportuno introduzir uma ação de depósito do valor devido. Este tipo de ação apresenta um efeito de demonstração e atemorização nada desprezível para outros possíveis sonegadores. O papel do Fiscal previdenciário Não cabe diretamente ao Fiscal de Contribuições Previdenciárias promover, ele mesmo, a representação ao Ministério Público Federal com vistas à ação penal. Há outra ordem de serviço - a OS no 008/92 - assinada em conjunto pela Diretoria de Arrecadação e Fiscalização – DAF, e pela Procuradoria Geral, que estabelece, em resumo, o seguinte procedimento: o Fiscal previdenciário vai à empresa, fiscaliza, pesquisa, investiga, constata a ocorrência que de fato julga ser um delito e que pode se enquadrar, por exemplo, nas circunstâncias previstas na alínea “d” e na alínea “f” do Art. 95, quanto à apropriação indébita . Por mais que o delito esteja descrito e tenha pena prevista na “Lei do Colarinho Branco”, com todas as combinações acessórias, não cabe ao Fiscal afirmar que o delito estaria perfeitamente caracterizado. Sua função é a de expor os fatos apurados e comunicar as provas que colheu quanto à conduta delituosa. A notificação é encaminhada ao chefe superior, ao supervisor. Deste, segue para a Procuradoria, onde os Procuradores, versados em direito, especificam os crimes e denunciam o fato criminoso. Recomenda-se, enfaticamente, que o processo, até para a preservação do Fiscal, seja remetido à Procuradoria para ser analisado quanto ao fato em si e quanto aos documentos apresentados para receber a representação deste setor técnico que será encaminhada ao Ministério Público Federal. Se o Procurador se omite e não produz a representação, embora o devesse fazer, o fato deve ser denunciado, pois poderá estar incorrendo em prevaricação. 59 A Punibilidade Penal na Lei nº 8.212/91 Expositor: Francisco Dias Teixeira Procurador da República A grande dificuldade do Ministério Público é efetivamente tentar enquadrar os fatos num tipo penal, porque existem inúmeras leis, sobre as quais não se chegou a um acordo de como interpretá-las. Nem no Ministério Público, nem entre os Juízes de segunda instância, nem tampouco nos tribunais superiores. Tentarei montar um quadro, de ordem teórica e técnica, sobre a legislação atualmente existente. Para tal é necessário percorrer um leque enorme de leis. Minha exposição estará, por isto, dividida em três partes: um breve histórico da legislação sobre o assunto; a lei vigente e seus problemas; e por fim condutas criminosas que poderiam eventualmente se relacionar com a questão tributária mas que não constituem crime fiscal, que se denomina crime de descaminho. A legislação brasileira sobre a contribuição à Previdência Social Desde 1937, o Decreto-lei no 65, em seu Art. 5o, já dispunha: “empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não as recolher na época própria, incorrerá nas penas do Art. 331, no 2, da Consolidação das Leis Penais, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas nesse Decreto-lei”. A questão sobre se se trata ou não de apropriação indébita continua controversa, mas, como se observa, o ilícito já era conhecido e foi descrito há muito tempo. Isto em uma época anterior ao próprio Código Penal. A figura jurídica já então era equiparada à apropriação indébita. 61 Prefiro denominar a conduta mencionada como “apropriação indevida de tributo ou de contribuição social”, uma figura diferente da apropriação indébita prevista no Código Penal. Em 1960, a Lei no 3.807, que dispunha sobre a Previdência Social, em seu Art. 86, também previu a conduta, sem equipará-la à apropriação indébita, mas caracterizando-a como crime. Em 1966, o Art. 155 da mesma lei foi alterado, de tal modo que na própria Previdência Social os atos lesivos a ela receberam um tratamento mais geral e abrangente, além de ocorrer uma caracterização mais específica dos vários tipos de conduta. O legislador aplicou a técnica de equiparar fatos e condutas relativos à Previdência Social a tipos de crimes previstos no Código Penal, como a sonegação fiscal, a falsidade ideológica, o estelionato e a apropriação indébita. De certa forma, essa situação perdura até hoje. Os elementos deste tipo de crime estão descritos desde 1986, quando a Lei no 7.429 previu os crimes fiscais de maneira geral. Extinção da punibilidade mediante o recolhimento do tributo Após 1966, sucederam-se inúmeros decretos-lei e leis regulamentando setorialmente a questão, em especial quanto à extinção da punibilidade mediante o recolhimento do tributo, que também segue controversa. O tumulto oriundo da profusão de documentos legais foi, em boa parte, sanado com a promulgação da Lei no 8.137, de 1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária. Já sua própria denominação denota seu propósito abrangente, definindo as várias figuras de delito relacionadas a essa esfera, como a sonegação fiscal ou de tributo, a apropriação indevida de tributo, o crime funcional, a corrupção relacionada com a atividade de arrecadação, entre outras. A questão da extinção da punibilidade também recebeu solução provisória: o Art. 14 da lei previa a extinção para qualquer crime contra a ordem tributária, caso o recolhimento ocorresse antes do recebimento da denúncia. Aí estariam, portanto, incluídas a sonegação de tributo, a apropriação de tributo e inclusive o crime funcional, o que era absurdo. De certo modo, a lei de 1990 significou uma sistematização da questão, revogando todas as disposições anteriores e definindo mais 62 Francisco Dias Teixeira claramente os temas controversos. O seu primeiro artigo descreve o crime de sonegação de tributo e o artigo seguinte prevê , entre outros aspectos, o crime de apropriação indevida de tributo ou de contribuição social. Os três ilícitos básicos relacionados à Previdência Social Lembremos que há três ilícitos básicos contra a Previdência Social relacionados ao não recolhimento de contribuições: 1º) - o simples não recolhimento; 2º) - o não recolhimento mediante fraude e 3º) - o não recolhimento ao órgão arrecadador do que foi retido do contribuinte, pelo empregador. Não recolher um tributo, uma contribuição, enfim, é claramente um ilícito civil, tributário. O meio coercitivo contra o infrator é a execução fiscal, com a série de conseqüências previstas na legislação previdenciária, que é de conhecimento geral. O não recolhimento passa da figura de inadimplência simples para crime fiscal se for utilizada qualquer tipo de fraude, por exemplo, tendente a encobrir o fato gerador. Este crime está previsto no Art. 1º, da Lei nº 8.137/90. Tanto a fraude como qualquer outro tipo de ilícito mencionado constituem ilícito penal. O não recolhimento, no prazo legal, de tributo arrecadado do contribuinte, aos cofres públicos, também constitui crime, mesmo que não haja fraude. Assim reza a lei. Esta determinação tem importantes conseqüências, inclusive no tocante à extinção da punibilidade, como se verá mais adiante. Vejamos, em detalhe, os dois tipos de ilícitos penais mencionados na legislação: a sonegação de tributo (o não recolhimento mediante fraude) e a apropriação indevida de tributo ou de contribuição social (a contribuição descontada do empregado, retida pelo empregador e não recolhida nos prazos legais). A Lei nº 8.137/90 A Lei nº 8.137/90, em seu Art. 1º e incisos respectivos, previa a sonegação de tributo de várias formas: o não recolhimento do tributo mediante declaração falsa, alteração de livro, omissão de informação, 63 entre outros (inciso I) e no inciso II, previa o não recolhimento de tributo ou contribuição social arrecadados dos segurados e do público em geral. Ambos os incisos se referiam, portanto, à sonegação de tributos mediante fraude, objeto do Art. 1º. Já o Art. 2o se referia ao não recolhimento na época devida do imposto arrecadado de terceiro. Resumindo: no Art. 1o estavam previstas as condutas com fraude, independente de serem as contribuições devidas pela própria pessoa ou arrecadadas de terceiro. Segundo esta interpretação, as hipóteses de o empregador reter a contribuição previdenciária do empregado e não recolher no prazo legal, valendo-se de fraude (para demonstrar que não reteve) ou dolo, determinavam qual artigo devia ser aplicado. As sanções eram evidentemente diferentes para cada caso. A Lei nº 8.212/91 Conforme sabemos, em julho de 1991 foi editada nova lei da Seguridade Social que revogou as anteriores que tratavam do mesmo tema. De modo semelhante à anterior, também a Lei no 8.212/91 previu as condutas que constituem crime e as elencou no famoso Art. 95. As suas primeiras quatro alíneas referem-se claramente à sonegação fiscal. Nota-se que o legislador optou por retirar o crime de sonegação fiscal contra a Previdência Social, diluindo-o nas mencionadas alíneas. As alíneas seguintes - “d”, ”e” e “f” - apresentam um conteúdo assemelhado à apropriação indébita ou apropriação indevida de tributo. As seguintes - “g” e “h” - têm o conteúdo de falsidade ideológica e as duas últimas - “i” e “j” – de falsidade documental e de estelionato. Todas as condutas ali listadas foram declaradas crime. O § 1o do mesmo artigo determinou que para os casos previstos nas alíneas “d”, “e”, e “f” a pena seria a da Lei no 7.492/86, que trata dos crimes financeiros. As condutas criminosas previstas nas demais alíneas não tiveram penas previstas, o que abre um grande campo para uma razoável dúvida sobre a vontade de punir. Pode-se perfeitamente sustentar que uma norma pretensamente penal que não prevê pena não é norma penal. Se foi ali novamente qualificada como crime há que se buscar a pena correspondente a cada conduta criminosa onde também é prevista como crime e com a pena correspondente: no Código Penal e na Lei no 8.137/90. 64 Francisco Dias Teixeira A omissão da pena na Lei nº 8.212/91 Aqui é irrelevante discutir se a omissão da pena foi proposital ou constituiu apenas equívoco, ou ainda se a omissão foi politicamente determinada. A Lei nº 8.212/91 incluiu apenas uma excepcionalidade ao indicar que as penas previstas em algumas alíneas seriam as mesmas da Lei nº 7.492/86. Sustento que, como parte de lei organizadora da Previdência Social, o citado Art. 95 tem uma finalidade puramente didática. Com exceção das excepcionalidades relacionadas às penas previstas em outra lei, a Lei nº 8.212/91 não criou os crimes mencionados porque falta, expressamente, a menção de qual pena deve ser aplicada. Assim sendo, a criação do crime continua sendo a da lei vigente anteriormente, a Lei nº 8.137/90 (Art. 2º, inciso II) e o Código Penal. A nova lei apenas repete quais as condutas que constituem crime e a função do § 1º foi apenas a de excepcionalizar os casos aos quais caberia a aplicação de outra lei que não a específica da Previdência Social. Para os demais casos, seguiria vigente a legislação anterior. Assim, não haveriam maiores problemas de interpretação. Resumindo a questão referente à apropriação indevida de contribuição social: é crime previsto na Lei nº 8.212/91. Apropriação indevida de contribuição social é crime previsto na Lei nº 8.212/91 (alíneas “d”, “e” e “f”), como as demais condutas criminosas listadas, só que recebe uma pena igual à prevista na Lei nº 7.492/86. A prática criminosa de sonegação de imposto, ou seja, o não recolhimento de imposto mediante utilização de fraude, quer se refira aos tributos arrecadados pela Receita Federal, quer pelos outros entes políticos, como Estados e Municípios, também constitui crime, como rezam as alíneas correspondentes mas sua caracterização enquanto crime, com as respectivas penas, segue sendo a da lei anterior, a de nº 8.137/90, disciplinados no seu Art. 1º em seus vários incisos. De modo semelhante continua em vigência o Art. 2º, inciso II, da mesma lei, no tocante à apropriação indevida de contribuição social ou de outro tributo, apenas sua pena deve ser agravada, razão pela qual se aplicam as penas previstas em outro documento legal mais severo. A extinção da punibilidade dos crimes fiscais 65 Esta interpretação, em princípio, seria bastante fácil se não tivesse sido revogada, em 1991, a extinção da punibilidade e novamente restabelecida em 1995, pela Lei nº 9.249, Art. 34, mediante o recolhimento de tributo. De modo muito claro, é possível ao próprio agente da ilicitude, pelo simples pagamento, extinguir a punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90 e na Lei nº 4.729/65. Como esta última estava de fato totalmente revogada, o conteúdo do Art. 34 citado refere-se à extinção da punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/ 90, caso o contribuinte pague o imposto ou a contribuição social antes do recebimento da denúncia. No entanto, praticamente não há dúvida de que a retenção indevida da contribuição da Previdência Social não está prevista na Lei nº 8.137/90, mas de forma clara apenas na Lei nº 8.212/91. Se extingue a punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, no caso de o contribuinte recolher o imposto até a denúncia. O mesmo se aplicaria para os casos previstos na Lei nº 8.212/91, desde que se aceite o princípio constitucional da isonomia da contribuição social com os demais tributos, em uma construção muito mais legislativa que propriamente jurisprudencial. Ressalte-se que essa isonomia, na prática, desde 1937 nunca existiu, pois, por exemplo, as penas aplicáveis à sonegação ou à apropriação indevida de tributos federais e da contribuição à Previdência Social sempre foram diferentes. Se agora se levanta a isonomia no caso da extinção da punibilidade mediante o recolhimento, incluindo todos os encargos devidos, a razão não parece nada clara. A representação fiscal A Lei n o 9.430/96 prescreve, como se sabe, que a representação fiscal só poderá ser encaminhada apenas após prolatada a decisão final administrativa, com trânsito em julgado. Interpretada de modo rígido, esta determinação implicaria que, enquanto o processo estiver sendo examinado ou discutido na esfera administrativa, não se pode sequer questionar, judicialmente, sobre a existência do crime. Isto inviabiliza qualquer execução de uma condenação, pois sabe-se que, na condenação e na execução, normalmente se reduz, a grande maioria dos casos, à pena mínima. Acrescente-se ainda que, neste caso, a pena mínima prescreve retroativamente. Se assim for, é melhor voltar logo à situação anterior a 1965, quando sonegar tributo não era crime. 66 Francisco Dias Teixeira O Ministério Público entende que esse dispositivo da lei é inconstitucional, pois implica vincular e submeter a função institucional do Ministério Público - promover a ação penal – bem como a do próprio Poder Judiciário – de julgar as ações penais - à existência da decisão administrativa. Argüida sua inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal indeferiu liminar porque deu interpretação diversa: o dispositivo se refere à própria esfera administrativa, permitindo-a encaminhar a representação somente após a decisão administrativa com trânsito em julgado. Mas não impede, em absoluto, que o Ministério Público exercite plenamente suas funções institucionais, previstas no Art. 128 do Código Penal, promovendo a representação criminal, nem inibe o Juiz de receber a representação do Ministério Público e, uma vez demonstrado o crime, prolate a sentença condenatória. Esta foi a decisão do Supremo Tribunal, que teve por objetivo resguardar a constitucionalidade desse dispositivo legal. Porém, nas primeira e segunda instâncias, em São Paulo, de forma quase unânime, a interpretação tem adotado decisão de que os processos penais em andamento, com recurso administrativo pendente devem ser suspensos ou extintos, aguardando o trâmite final da esfera administrativa. O estado caótico da legislação e suas conseqüências Os exemplos mencionados já são suficientes para mostrar quão caótica é a legislação concernente à contribuição à Previdência Social, que reflete uma grande indecisão política ao reprovar condutas ilícitas. A situação legal se inverte freqüentemente. A sonegação fiscal é crime em uma época, em outra não. A punibilidade se extingue e logo após deixa de se extinguir. É verdade também que não se pode ficar todo o tempo criticando a legislação. Os comentários anteriores indicam que é possível uma interpretação puramente técnica, nos limites dos instrumentais jurídicos, doutrinários e hermenêuticos, que permita salvar o essencial da lei e aplicá-la no sentido de coibir as condutas ilícitas e criminosas. Tanto o Ministério Público quanto a Magistratura devem fazer uma severa crítica a sua própria atuação no Brasil, no tocante à questão penal. O fato de não termos ninguém condenado por “crime de colarinho 67 branco” não se deve só a falhas na ação da polícia ou da fiscalização. São preocupantes a maneira como as provas desses crimes têm sido analisadas e as construções jurisprudenciais aceitas por parte do Ministério Público e pela Magistratura. O papel do Ministério Público no processo de ação penal é central, pois a ele cabe fazer a denúncia, sem a qual não há condenação. Ele é o titular da ação penal. Se ele decidir pelo arquivamento do inquérito, não há processo. Nos processos concernentes a crimes financeiros, há uma dificuldade intrínseca de encontrar provas semelhantes às de crimes violentos contra pessoa. Lembremo-nos que o indício pelo Código Penal é prova, desde que considerada suficiente. Não é necessário sempre aliar provas a indícios. Em crimes de fraude, quando a prova é bem feita, não há outra possível que não a indiciaria. Por exemplo, se o indivíduo não assinou ele mesmo o cheque que serviria de prova, como esperar encontrar a prova acabada? Nesses casos, temos que buscar indícios suficientes que sirvam como prova. A omissão de representação por parte dos Fiscais A norma do Código Penal é genérica e diz que qualquer pessoa pode comunicar o fato criminoso. O funcionário deve fazê-lo, conforme está previsto no estatuto. Em geral, a autoridade a se dirigir é o Ministério Público ou a Policia. A forma de fazê-lo depende em parte das normas próprias de cada órgão de fiscalização. Não há uma norma geral. Na minha opinião, o procedimento deve seguir o que prescreve o Código Penal, ao qual estão subordinadas todas as regras e atribuições de cada órgão fiscalizador para fazer a representação, mesmo que estas estejam previstas em decreto ou outra regulamentação menor. Há, portanto, a obrigatoriedade de comunicar o fato criminoso, objeto de ação penal pública, também no caso de crime fiscal. De imediato, deve-se sempre comunicar o fato, seja de grande ou pequena monta ao superior hierárquico, conforme lei recente em vigor. Em caso de omissão deste, em princípio não há nada mais obrigatoriamente a comunicar. Mas se a omissão começa a colocar em dúvida a própria 68 Francisco Dias Teixeira credibilidade dos órgãos, o funcionário está absolutamente legitimado para se dirigir ao Ministério Público. Do ponto de vista do Código Penal, ele não terá feito mais que sua obrigação. E qualquer conseqüência de ordem puramente funcional e administrativa é também improcedente, caso o funcionário comunique o fato criminoso ao Ministério Público, desde que antes já o tenha feito ao superior imediato. A prova em Juízo A representação do Fiscal quando bem instruída cumpre apenas um ritual na Justiça, do mesmo modo que a denúncia do Ministério Público. Ao Juiz caberá, então, julgar com base nos elementos juntados à denúncia. As provas são produzidas com o intuito de condenar o ato ilícito e compete à defesa desfazê-las. Há uma tese muito difundida de que só têm validade as provas colhidas em Juízo, por exemplo, quando colegas arrolam testemunho. Ela tem sido também interpretada desconsiderando todo o acervo de prova, incluindo a pericial, por não ter sido produzida em Juízo. Ora, quando o Fiscal arrola, com fé de testemunha, judicializa-se a prova, juntamente com seu depoimento e todo o acervo de documentos produzidos por ele. Essa judicialização tem, em princípio, fundamento suficiente para o julgamento. O advogado de defesa poderá citar inúmeros casos de jurisprudência anterior em que a sentença foi de absolvição por apresentação de provas não produzidas em Juízo. E, mesmo que o Juíz e o Procurador não aceitem tal linha de interpretação, o tribunal pode acolhê-la. O controle externo do Judiciário Mesmo sendo um tema polêmico e fora do tema deste Seminário, não me furto a um posicionamento: sou favorável ao controle externo do Judiciário, inclusive do Ministério Público. E também sou favorável à súmula vinculante. Duas ponderações me parecem, neste sentido, necessárias. O controle externo sobre o Judiciário, inclusive do Ministério Público, no tocante à gestão administrativa propriamente dita, relativa à sua função institucional, além de sua função jurisdicional, não pode existir porque, pela Constituição, eles constituem órgãos que gozam 69 de autonomia administrativa e financeira, equiparados ao executivo e ao legislativo. Penso que se deveria introduzir outros mecanismos de controle da gestão administrativa e financeira, pois os controles existentes são insuficientes. Argumenta-se que o Tribunal de Contas fiscaliza essas instituições, assim como o Judiciário e o Ministério Público podem ser e são fiscalizados no decorrer do processo. O argumento, no entanto, só é válido para sua função jurisdicional e, por isso, está desfocado da questão posta. Quanto às questões administrativa e financeira dessas instituições, não contamos com controle interno eficaz, seja por parte do Ministério Público seja por parte da população. Ao contrário do controle exercido pela opinião pública, pela crítica, pelo questionamento e pela investigação por parte da população, pelos meios de comunicação, pela renovação dos mandatos no Executivo e no Legislativo, os cargos no Judiciário são vitalícios. Por isto, não há dúvidas de que devemos encontrar outras formas de controle da gestão administrativa e financeira tanto no Judiciário quanto no Ministério Público, com a importante ressalva do respeito intocável à autonomia do seu exercício institucional. A súmula vinculante Eis outra questão extremamente polêmica. Em princípio, estou convencido que não há como solucionar o congestionamento, nas várias instâncias jurídicas, nos próximos 50 ou 100 anos, sem algum tipo de mecanismo de vinculação quanto às decisões absolutamente consolidadas. A súmula não deveria ser prevista no regimento do Supremo Tribunal ou de alguma outra instância, mas no plano da disciplina legal, sob a forma de consolidação de entendimentos em determinada matéria que vincule Juízes e Tribunais. Três são os argumentos básicos favoráveis: (1) não há, como dito acima, outro modo de equacionar o problema do congestionamento processual da Justiça; (2) sendo estabelecida de forma criteriosa, a súmula vinculante ainda deixa ampla possibilidade a um Juiz de exercitar a sua convicção. Ele irá apenas ter mais meios para impedir recursos absolutamente protelatórios; (3) a súmula vinculante dá mais credibilidade ao Judiciário, na medida em que torna mais eficazes e rápidas suas decisões. 70 Os crimes Fiscais e a Punbilidade Expositor: Fábio Pietro Juiz Federal Agradeço, de início, o convite que as associações ANFIP e APAFISP, organizadoras deste Seminário, fizeram ao Tribunal Federal dessa Região e a confiança que em mim depositou o presidente da Corte, Dr. Juíz Jorge Cartesini, ao me indicar para aqui falar sobre o tema do ponto de vista do Tribunal. Aproveito para mencionar que estão aqui presentes mais dois outros Juízes federais: Fausto Martins Santi e Tori Yamamoto. As leis sobre a contribuição à Previdência Social A minha análise é completamente diferente das demais aqui expostas. Considero essas leis não ultrapassadas, mas atualíssimas. Não são confusas, mas sim obra de pessoas que têm senso de estratégia e de lógica muito bem ordenada. Entendo que essas leis não fazem pouco caso dos interesses que elas vieram resguardar e representar. Ao contrário, elas fazem muito caso desses interesses. Vou tentar defender o mesmo que os meus colegas que aqui expuseram, mas apenas no campo das intenções. Por isso, minha análise será totalmente diversa da que eles fizeram, tentando seguir um plano lógico de exposição, de acordo com o título que me deram: O processo de cobrança e o crime fiscal. A idéia de processo é de continuidade. O processo é um conjunto de atos ordenados e coordenados, destinados a alcançar determinado fim. Assim, é também no processo de cobrança e especificamente relacionado ao tema geral da sonegação fiscal. 71 A formação do Estado brasileiro O Estado brasileiro tem uma particularidade que o diferencia desde sua criação e segue diferenciando dos países ditos civilizados: aqui, no Brasil, o Estado nasceu aqui antes da sociedade. O Estado chegou pelo canhão do colonizador. As naus portuguesas trouxeram o Estado, a aduana, a Coroa Portuguesa. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde funciona hoje um sistema de repressão à fraude muito eficiente, o processo foi exatamente o inverso. Os grupos religiosos que deixaram a Inglaterra e se dirigiram aos Estados Unidos primeiro criaram a sociedade americana ou as suas bases. Quando fortalecidos, fundaram o Estado Americano, declararam a independência e expulsaram os colonizadores. Eis uma diferença de suma importância. Quando um cidadão brasileiro faz hoje um comentário genérico, depreciativo e negativo, relacionado a qualquer tipo de fiscalização deste país, causa-nos uma impressão negativa. Talvez uma análise mais profunda deste tipo de comentário genérico, que não diferencia o Fiscal desonesto do honesto, seja de que ramo for, nos faça ver alguma coisa de positivo. Porque o sentimento mais comum entre os brasileiros, desde a luta pela independência, era contrário não só aos Fiscais mas a toda autoridade representante da Coroa portuguesa, inclusive os Juízes, os Procuradores, os cobradores do Rei e outras autoridades. Eles representavam o colonizador, oriundo do estrangeiro, que vinham buscar a riqueza brasileira, em posição contrária a das pessoas que viviam no Brasil. Aqui, ao contrário de outros países como os Estados Unidos, o povo não preza as suas autoridades porque não as encara como seus representantes. Isto não acontece por acaso. Há um fundamento histórico que muito bem o explica. Esta posição genérica contra todo tipo de autoridade atinge também o Parlamento brasileiro, na minha opinião o poder mais importante do país. Como vêm, sendo Juíz não sigo a tendência tão comum entre os colegas de mitificar a sua própria função social, pois não considero o Judiciário o poder mais importante, mas o legislativo. Temos, portanto, uma dificuldade cultural, política e histórica de encarar a transferência de renda do cidadão ou das empresas aqui estabelecidas para a autoridade arrecadadora, que, por muito tempo, 72 Fábio Pietro era estrangeira. Durante séculos, arrecadar tributos significava saquear a riqueza do país. Assim, para aprofundar a cidadania é importante que as pessoas tenham consciência do processo de formação do Estado brasileiro, para estar em condições de construir neste país o que já foi alcançado em tantos outros. O crime fiscal A legislação de combate à fraude e à sonegação brasileira não é obra do acaso, nem sem lógica, muito menos ultrapassada. Ela trata de um tipo de delito no qual predomina o agente do interesse econômico. Ela não é obra de algum deputado inculto ou despreparado. Ao contrário. É obra de pessoas com muito domínio de estratégia política, com amplo conhecimento dos verdadeiros interesses da produção e da prestação de serviços e de todos os interesses econômicos, estratégicos e relevantes, em nossa sociedade. Se não há punição no país, não é por falta de leis, já que as temos em grande quantidade. Há o Código Penal, no qual estão previstos muitas das fraudes e dos ilícitos que os Fiscais encontram em sua atividade. Além disto, há uma lei penal tributária geral - a Lei no 8.137, de 1990, com a especificidade de tratar a matéria tributária. Há ainda uma terceira lei - a de no 8.212/91, com seu Art. 95, que prevê as condutas ilícitas e criminosas no âmbito da Previdência Social. As interpretações do Art. 95 da Lei nº 8.212/91 Como sabemos, no citado artigo há uma norma penal e no caso de três incisos há além da descrição do preceito – tecnicamente, a descrição da conduta criminosa - a previsão da sanção penal. Estes são os dois elementos que caracterizam um tipo penal: o preceito e a pena correspondente. Causa-me espécie que alguns Juízes, alguns membros do Ministério Público e alguns Delegados da Polícia Federal se declarem perplexos, ao duvidar de que onde há um preceito criminal, mesmo sem a correspondente sanção penal, haja a afirmação da existência de um tipo penal. É evidente que nos incisos mencionados não há a descrição completa de tipos penais, pois ali não se fez a previsão da pena. Mas a existência do tipo penal está claramente descrita e, se a 73 pena não estiver prescrita na legislação, ela deve ser buscada, tecnicamente, em outro documento legal. De fato, há normas em abundância, para qualificar toda e qualquer conduta. Mas há também um processo de guerra, de luta política, histórica, entre os que entendem que saquear o país, corromper autoridades, degradar instituições, não cumprir a lei, são direitos seculares dos que chegaram ao Brasil em nome dos interesses coloniais. Por outro lado, há os que entendem que até mesmo os interesses coloniais devem ser respeitados. Mas também nós, os brasileiros, temos o direito de construir um país, com autoridades próprias, gozando de um mínimo de respeito, com o direito de aplicar a lei, inclusive condenando qualquer funcionário ou autoridade que se envolva com métodos de corrupção. É dentro deste contexto que temos que compreender certas interpretações e decisões absurdas, esdrúxulas, carentes de lógica, no âmbito da magistratura, do Ministério Público, da Polícia Federal ou mesmo da atividade dos Fiscais. Reparcelamento: eterniza o calote na Previdência A Lei no 8.212/91 representa bem nossa tradição jurídica de um direito conceitual. Sem ser necessariamente boa ou ruim, essa tradição é o jeito brasileiro de legislar. A lei mencionada descreve, com muito detalhe, não apenas condutas na área penal, mas também benefícios, a estrutura do INSS, cria os Conselhos, fixa as atividades da Fiscalização, estabelece uma série de normas, disciplina uma grande variedade de condutas e tenta dar um mínimo de organização à anarquia imperante na Previdência Social. A aparente anarquia, na minha opinião, não é involuntária, nem na Previdência nem nas outras instituições brasileiras. A lei contém aspectos interessantes mas também coisas absurdas. Por exemplo, o instituto do reparcelamento. Poucos países teriam a engenhosidade de conceber algo tão absurdo que é o reparcelamento permitindo eternizar o calote na Previdência Social. O tempo dirá se a Lei no 8.212 e seu Art. 95 são, de fato, fruto dessa pseudo-desorganização brasileira ou se eles constituíram um primeiro passo para a construção de algo melhor e mais sadio para nós. Talvez algum dia tomemos conhecimento de que o Art. 95 representou uma grande batalha dentro do Congresso Nacional, pois 74 Fábio Pietro foi possível caracterizar várias das condutas ilícitas como efetivamente criminosas, mas os deputados que pretendiam sancionar criminalmente aquelas condutas não lograram ir além desses enunciados, contra os interesses contrariados de poderosas forças econômicas, e foram impedidos de impor a pena correspondente. Mas mesmo assim, nunca é demais repetir que não será por falta de leis que alguém que praticou ilícitos fiscais deixará de ir para a cadeia se o merecer. O problema é de aplicação e de interpretação da lei. A representação e a punibilidade dos grandes sonegadores Outro problema daquela lei está relacionado com a representação da autoridade administrativa paralelamente a que possa promover o Ministério Público. Quando a Constituição determina que cabe ao Ministério Público promover a ação penal, isto não é apenas uma faculdade sua, mas um dever. Por exemplo, sugiro que o Ministério Público levante junto à Receita Federal e ao INSS a lista dos vinte ou trinta maiores devedores e requisite, valendo-se dos seus poderes, com base na Lei Complementar e na Constituição Federal de informações quanto às práticas ilícitas desses devedores. Quando ações desse tipo tomarem o lugar de representações contra açougues, padarias, pequenos comércios, firmas falidas e outros casos irrelevantes para a Justiça Federal, o resultado poderá ser o contrário do que era a intenção do legislador . O fato de grandes sonegadores serem condenados à prisão, ao lado de criminosos menores, poderá ter um efeito altamente moralizador e servir de exemplo, contribuindo para que a sociedade confie mais na Justiça. O primeiro passo poderia ser dado pelo Ministério Público, partindo para a denúncia dos vinte ou trinta maiores casos de sonegação fiscal, agindo tanto junto à Receita Federal, quanto ao INSS, com base na “Lei do Colarinho Branco”. Esta autoriza, desde 1986, a prisão preventiva tendo em vista a magnitude da lesão causada. Se o Ministério Público invocar o dispositivo e conseguir, na Justiça, decretar a prisão de algum grande sonegador, com três ou quatro Juízes com coragem suficiente para cumprir com seu dever, ainda que ela seja revogada em instância superior, estaremos fazendo um trabalho histórico. 75 Débito irrelevante e a Justiça Como Juíz, tenho a tendência de rejeitar os casos absolutamente irrelevantes para o Poder Judiciário. Por exemplo, quando os débitos não são significativos. A decisão está amparada no Art. 54 que reza: os órgãos competentes estabelecerão critério para a dispensa de constituição ou exigência de crédito e de valor inferior ao custo dessa medida. Assim, como os Fiscais não lavram as Notificações de Débitos quando seus valores são irrelavantes, também não há como justificar que a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal muitas vezes, não tenham a sensibilidade de perceber que um delito de 100 ou 200 Reais de um tintureiro, um padeiro da periferia ou um comerciante sem expressão acabará custando mais caro para a sociedade que o resultado do processo. O Art. 83, da Lei no 9.430/96, permite, e mais, torna dever do Ministério Público, promover a ação penal, com o poder de requisição que possui por lei, em casos de grandes devedores. Portanto, mesmo que o Juíz rejeite as denúncias, o Ministério Público pode e deve investigar melhor, por exemplo, os casos escandalosos de reparcelamento. Responsabilidades das autoridades administrativas As responsabilidades de algumas autoridades administrativas também devem ser apuradas. Há um caso “sui-generis” que envolvia o Banco Central, no qual foi reconhecido, na primeira instância administrativa, que havia crime de colarinho branco. O Banco Central remeteu a documentação para a Justiça Federal e os envolvidos foram denunciados e, ao mesmo tempo, recorreram na segunda instância administrativa. Nesta, foram absolvidos em virtude do voto de um indivíduo que declarava, não obstante houvesse indícios de crime e aquela conduta configurasse ilícito contra o sistema financeiro, não ser saudável a aplicação da pena administrativa. Mesmo que se encontrem sempre Juízes que acatam a absolvição do âmbito administrativo, malgrado uma fundamentação tão escandalosa, e suspendam o processo penal, eu penso diferente. Mandei requisitar o inquérito policial contra as autoridades do Banco Central e iniciei a apuração de como é possível que uma autoridade reconheça que há falta funcional contra o 76 Fábio Pietro sistema financeiro e ainda assim absolva dois ou três banqueiros. Tamanho era o escândalo que era necessário levantar o sigilo bancário e telefônico dos funcionários envolvidos e talvez de seus superiores, para apurar se há ou houve relações com o setor privado. O processo criminal teve continuidade e também a apuração da responsabilidade das autoridades do Banco Central. A palavra do Fiscal É preciso que cada Fiscal do INSS, da Receita ou da Secretaria da Fazenda possa falar abertamente sobre seu modo de atuação com a honradez que lhe cabe, respondendo de cabeça erguida qualquer questionamento sobre seu trabalho. Não é uma questão corporativa. A melhor forma de defender cada órgão é defender seus membros honrados e honestos. Há muitos Juízes honrados, como também existem muitos Fiscais, Procuradores do Ministério Público e Advogados. Em nome pessoal posso aqui declarar que há muitos Juízes interessados no trabalho correto dos Fiscais, pois estamos interessados em construir uma postura ética mais responsável e de maior respeito e dignidade para os servidores públicos de nosso país. O conceito de justiça A lei é obra de muitos e o conceito de justiça cada um tem o seu próprio. Constitui para qualquer Juíz, que nunca deixa de ser um ser humano, com orgulho, vaidade, vontade de ser justo e maravilhoso, uma enorme tentação em aplicar seu próprio conceito de justiça, com uma certa dose de voluntarismo, mesmo com o risco de impor a sua vontade contra o espírito e os preceitos da lei. Algo bastante diferente ocorre quando estamos diante de uma lei draconiana que, por exemplo, atente contra a Constituição. Evidentemente não a aplicarei, mas não baseado no conceito de direito natural, porque cada um pode achar que o natural é o seu lado da questão. O Juíz não pode se considerar o salvador da pátria. Ele também tem que seguir sempre a Constituição e a Lei, procurando respeitar as normas sociais e coletivas. Essas questões são extremamente importantes, porque o Juíz brasileiro detém um poder extraordinário, concedido pelo controle da constitucionalidade das leis. No Brasil, como em outros países, o Judiciário não resolve apenas conflitos, função própria sua, como 77 também tem a faculdade de fazer um exame da compatibilidade entre a Constituição e as leis que dela são derivadas. O dever funcional do Fiscal em denunciar Em primeiro lugar, a hierarquia e a racionalidade funcional, com seus canais de comunicação internos, têm que ser respeitadas evitando o voluntarismo individual – próprio de cada ser humano e, também, de cada servidor público. Mas se o superior hierárquico não der andamento à denúncia, por falta de interesse ou por estar envolvido, por corrupção, praticando qualquer ato criminoso para acobertar o crime ao invés de investigá-lo, o funcionário deve também procurar o Ministério Público, onde certamente será bem recebido. A denúncia de atos criminosos às vezes é feita até por telefone, quando o servidor tem medo de se identificar. Mesmo que nem sempre logremos condenar os culpados, o servidor tem o dever de comunicar as condutas criminosas e fazer todo o possível para que sejam apuradas e, caso comprovadas, recebam a sanção cabível. Não se trata de uma atitude tipo “Dom Quixote”, tentando ser um super-homem, para resolver tudo. A atitude frente as leis e os regulamentos, no Brasil, foi sendo construída ao longo de 400 anos e não será mudada apenas por um punhado de homens decididos, esgrimindo seus conceitos de justiça, de direito natural ou qualquer outro. Há que se mostrar uma coerência lógica e aplicar uma estratégia de conjunto para se alcançar verdadeiras e duradouras mudanças. O Fiscal como testemunha ou réu Há que se reconhecer que ocorre, muitas vezes, uma falha de estratégia processual do Ministério Público Federal. Se a prova é documental não vejo sentido em arrolar Fiscais, seja do INSS seja da Receita Federal. Cabe ao Procurador justificar e sustentar a legitimidade dessa prova. Se, por outro lado, a defesa puder colocar em dúvida o trabalho dos Fiscais, ela o fará, arrolando os Fiscais e tentando tratálos como réus. É um ônus da defesa tentar desqualificar a prova, mas se não lograr desqualificar o documento nem a ação fiscal, tudo poderá ser usado para justificar a condenação. Temos que esperar que todos atuem com firmeza, com base 78 Fábio Pietro em sua convicção. Isto também vale para o Fiscal. Se sentimos que ele talvez não tenha atuado muito bem, cabem também perguntas a ele para deixar tudo claro quanto a sua atuação. Pois o Fiscal tem uma função da maior relevância e ele deve ser muito sério e conseqüente no que faz. Isto inclui, também, reconhecer seus erros, caso ocorram. Talvez dizer que os Fiscais às vezes são tratados como réus é um pouco exagerado. Tudo deve se desenrolar de modo civilizado, também com relação aos Fiscais. Tentar intimidar qualquer testemunha ou fazer gestos teatrais em Juízo são meios injustificáveis. Ou se tem os argumentos necessários ou se deve dizer que não os tem, embora a obrigação, tanto do promotor quanto dos advogados, é ter sempre argumentos. A ação e a prática de justiça entre pobres e ricos Para se apreender um computador ou outro bem de uma pessoa altamente relacionada na sociedade, às vezes é necessário obter um mandado até no Supremo Tribunal Federal, passando por uma infinidade de instâncias e burocracias. Para chutar e arrombar a porta de um barraco, qualquer PM é suficiente, basta estar de botinas. É assim evidente que não devemos aceitar exigências absurdas, diferentes para cada classe de cidadãos. Em cada caso, compete agir corretamente e não se curvar diante de exigências absurdas. É freqüente que a defesa exija que se repita na fase judicial o que já foi feito no inquérito policial, ou argumenta que falta um carimbo, uma página do processo estaria errada, etc. Às vezes, não é possível se contrapor a este tipo de falha, mas podemos declarar que alguém está sendo absolvido só porque falta um carimbo de 1912. Quando o escândalo estoura, todos ficam sabendo, por mais rico que o envolvido seja, que seu processo só foi arquivado por um artifício ou uma decisão vergonhosa, ou porque a polícia nem abriu inquérito. O peso do estigma social pode se tornar muito forte, como comumente ocorre nos Estados Unidos. Também no Brasil acontece algo parecido e é importante que aconteça. Mesmo que o absolvido não vá para a cadeia, o fato de que apareça como sonegador tem algum efeito social e pessoal. Como afirmou um grande teórico norteamericano, responsável pela estruturação do Estado liberal nos Estados 79 Unidos e primeiro presidente da Suprema Corte do país, o Judiciário às vezes não leva a pessoa acusada para a cadeia, mas acende a luz sobre o fato ou a situação delituosa. E isto já tem grande efeito social, mesmo que a Justiça por vício, falhas, inoperância e até mesmo por corrupção não leve o responsável para a cadeia. Controle externo sobre o Judiciário Antes de mais nada, deve-se perguntar de qual modelo de controle externo estar-se-ia falando. Pois há muitos no mundo. A idéia é, em princípio, muito simpática, até diante do completo descontrole e da anarquia reinante, mas não há nenhuma proposta concreta de como se faria o tal controle. De fato, há muita divisão interna no Judiciário e não há um projeto claro, definido e descutido. É bom que se diga que o Judiciário nunca tem projeto sobre nada, porque ele é muito hierarquizado. Tantas vezes o Supremo Tribunal Federal tem uma opinião, o STJ, os Tribunais Federais e os Tribunais de Justiças, outras bem diferentes. Nunca há um projeto uniforme. Não há dúvida de que o Judiciário está em uma situação lamentável. O mesmo se pode afirmar quanto ao Ministério Público. Quando o Procurador Geral é uma pessoa séria e interessada, a situação melhora. Quando não o é, ele tem poderes para cometer os maiores absurdos. A Ordem dos Advogados do Brasil é pública para algumas coisas e privada para outras. Quando interessa, ela se comporta como autarquia, quando não interessa é uma associação. Se tivermos algum dia um controle, eu preferia que ele não fosse apenas sobre o Judiciário, mas sim de todo o sistema de administração da Justiça, do Ministério Público, da OAB, com incumbência de fiscalizar todas essas instituições. Mas ainda estamos longe disso: não sabemos como seria o controle externo e nem quem deveria controlar o quê. Por exemplo, a existência de impeachment para o Juíz é algo muito perigoso. É só imaginar um Juíz decretando uma prisão preventiva de alguém muito influente na política e, no dia seguinte, quarenta deputados se reunindo para pedir o seu impeachment. Qual seria o exemplo a ser seguido pelos demais juízes, em casos semelhantes? 80 Fábio Pietro A súmula vinculante Ela é apontada como solução para minorar o problema do congestionamento processual dos nossos tribunais. Em nosso sistema jurídico há, no entanto, um outro instrumento que também existe em outros países: a ação coletiva. Não é a toa que, quando a Constituição de 1988 concedeu força expressiva a esse instrumento, houve forte campanha para restringir seu uso. Sou de opinião que a ação coletiva resolveria todos os problemas, pois evitaria uma infinidade de ações judiciais individuais sobre a mesma questão. Eis um instrumento muito mais democrático que a súmula vinculante, com a grande vantagem de seguir a trilha normal dentro do Judiciário, passando por todos os julgamentos, todos os recursos possíveis e em todas as instâncias. A introdução da súmula vinculante levanta a seguinte suspeita: será ela realmente séria e estendida a todas as questões igualmente ou apenas àquelas de interesse do governo? Cabe ainda perguntar se ela será aplicada apenas nas questões administrativas? Se assim for, será um absurdo. Ela tem que ser válida para todos. Tanto a questão do controle externo sobre o Judiciário quanto a súmula vinculante dão mais a impressão de serem dois balões de ensaio vagando no céu. Enquanto ficamos olhando, a caravana passa, as coisas importantes acontecem. Devemos cuidar mesmo é da caravana e não tanto dos balões. Enquanto todos ficaram olhando para o céu, a Vale do Rio Doce foi privatizada . 81 CONSELHO EXECUTIV O EXECUTIVO 1997-1999 SEVERINO CAVALCANTE DE SOUZA Presidente do Conselho Executivo NILDO MANOEL DE SOUZA Vice-presidente Executivo Substituto VENÍCIO FAUST Vice-presidente de Assuntos Fiscais SANDRA TEREZA PAIVA MIRANDA Vice-presidente de Política de Classe EDUARDO JORGE BANDEIRA DE SOUZA Vice-presidente de Política Salarial JOSÉ AVELINO DA SILVA NETO Vice-presidente de Seguridade Social RODOLFO FONSECA DOS SANTOS Vice-presidente de Aposentados e Pensionistas MARGARIDA LOPES DE ARAÚJO Vice-presidente de Cultura Profissional SÉRGIO GUIMARÃES CAMPOS DE PINHO Vice-presidente de Serviços Assistenciais JOSÉ AMÉRICO ESPÍNDOLA PIMENTA Vice-presidente de Assuntos Jurídicos MISMA ROSA SUHETT Vice-presidente de Administração MARIA SALETE PAZ Vice-presidente de Patrimônio e Cadastro DURVAL AZEVEDO SOUSA Vice-presidente de Finanças ANTONIO PÁDUA DE OLIVEIRA Vice-presidente de Planejamento e Controle Orçamentário FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO Vice-presidente de Comunicação Social MARIA APARECIDA F. PAES LEME Vice-presidente de Relações Públicas ÁLVARO SÓLON DE FRANÇA Vice-presidente de Assuntos Parlamentares GILBERTO NOBRE CAVALCANTE Vice-presidente de Relações Interassociativas ANFIP Vice-Presidência de Assuntos da Seguridade Social Centro de Estudos da Seguridade Social CICLO DE ESTUDOS Seminários Sone g ação Soneg ação,, Fr audes e Ev asão Fiscal Evasão Volume I Porto Alegre - RS Volume II Belo Horizonte - MG Volume III São Paulo - SP Volume IV Rio de Janeiro - RJ Volume V Recife - PE Volume VI Manaus - AM Volume VII Maceió - AL Volume VIII Belém - PA Volume IX Campo Grande - MS Volume X Cuiabá - MT CICLO DE ESTUDOS Seminários Conselho Diretor: Severino Cavalcante de Souza Presidente José Avelino da Silva Neto Secretário Geral Coordenadoria Geral: Pedro Dittrich Júnior Coordenador Geral Neiva Renck Maciel Secretária Executiva