Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal

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Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal
CICLO DE ESTUDOS
Seminários
Sone
g ação
Soneg
ação,,
Fr audes e Ev
asão Fiscal
Evasão
CICLO DE ESTUDOS
Seminários
Sone
g ação
Soneg
ação,,
Fr audes e Ev
asão Fiscal
Evasão
Volume III
04 de julho de 1997
São Paulo - SP
Índice
Apresentação ........................................................................................... 07
Introdução ................................................................................................ 09
As diversas formas de fraude e sonegação na Previdência
Valdir Moisés Simão - Fiscal de Contribuições Previdenciárias .................... 11
A tramitação dos processos fiscais
Waldir Nogueira - Agente Fiscal de Rendas e Assessor da Delegacia
Regional Tributária ........................................................................................... 23
A fraude e a sonegação no registro de empregados
Walter Torre Arienzo - Inspetor do Trabalho ..................................................... 29
A tradição de sonegar e a impunidade
Antônio Airton Ferreira - Auditor Fiscal do Tesouro Nacional ................. 39
A justiça dos ricos e a dos pobres
Alcioní Serafin Santana - Delegado de Polícia Federal ................................... 47
O histórico jurídico dos crimes fiscais
Lúcio Leocal Colóquio - Procurador Regional do INSS .................................. 55
A punibilidade penal na Lei nº 8.212/91
Francisco Dias Teixeira - Procurador da República ......................................... 61
Os crimes fiscais e a punibilidade
Fábio Pietro - Juiz Federal ................................................................................ 71
Apresentação
A sonegação e a fraude fiscal, temos repetido, são
problemas culturais e praticamente insanáveis, por mais que se
combata e se tente extirpar. Como uma serpente de várias cabeças,
aniquila-se uma e aparecem, no mesmo instante, outras tantas para
ameaçar o incauto exterminador.
Neste momento, em que se discute a carga fiscal e
tributárias, a ANFIP resolveu desenvolver, por intermédio de seu Centro
de Estudos, uma série de Seminários com a participação de colegas
das fiscalizações federais, estaduais e municipais, além de
Procuradores, Delegados de Polícia Federal, Ministério Público e Juizes
federais, objetivando a analise e discussão das ações praticadas por
sonegadores e aos fraudadores. A Nação convive, desde o início de
sua história, com essa secular e imortal instituição, mas precisa unirse e fortalecer-se para enfrentá-la, no mínimo, de igual para igual.
Descobre-se, a cada evento, novos métodos utilizados pelos
audaciosos na arte de “enganar o fisco”. São mecanismos com forazes
tentáculos apresentados com camuflagens de cada época e de cada
região. Insaciável, é uma fênix moderna, eletrônica, renascendo das
cinzas de cada descoberta para continuar a burlar o fisco e de escapar,
impunemente, das penas das leis.
E o pior, se já não bastasse toda sua artimanha e renovação,
os sonegadores e os fraudadores são, quase sempre, beneficiados
por legislações casuísticas que, à guisa de propiciar uma oportunidade
de reabilitação aos “bons pagadores”, introduzem dispositivos que os
eximem de julgamento e punição criminal.
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Esta publicação está soberba quanto a informações e
detalhes de como se faz as leis para ajudar sonegadores e fraudadores.
É um corolário de citações legislativas – todas promulgadas pelo poder
Executivo – que indicam os descaminhos e a fuga das obrigações
contributivas as quais deveriam sustentar os programas e ações dos
governos.
A perda de receitas oriundas da sonegação e da fraude
representa, de há muito, somas expressivas. Somente na área federal,
calcula-se em mais de R$ 100 bilhões anuais. A Receita Federal divulga
o “slogan” de que “para cada real arrecadado um outro é sonegado”.
Na área previdenciária, os sonegadores e os fraudadores conseguem
evadir-se com uma respeitável soma de 35 bilhões, representando 5
vezes o valor do presumível déficit de 1998.
Como nos volumes anteriores, os depoimentos publicados
são um libelo público da desmedida proteção legal aos sonegadores e
aos fraudadores. São depoimentos fortes, incisivos, partindo
principalmente de profissionais e técnicos em legislação fiscal e penal.
Servem de alerta para o país que protege os aproveitadores das lacunas
legislativas, quase sempre criadas pela burocracia política e,
infelizmente, aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo
poder Executivo.
O contribuinte que paga, acaba pagando uma carga
imensamente pesada, cruel e perversa, sobrecarregado pelos índices
elevadíssimos de tributação, decorrente da evasão dos sonegadores e
fraudadores, que podem, assim, concorrer mais livremente no mercado
de preços. O princípio de que “onde todos pagam, todos pagam
menos” só não é praticado no Brasil pelo vergonhoso conluio que hoje
existe nos meandros das nossas leis.
Desta conclusão, pode-se retirar vários e importantes
ensinamentos para a construção de “uma sociedade solidária e justa”,
preconizada na nossa Constituição. Mas para isto a Nação precisa-se
conscientizar e comece a exigir tratamento de respeito e de honestidade
para todos, inclusive para os que aprovam, ou deixam ser aprovados,
mecanismos de proteção e apaniguamento aos sonegadores e
fraudadores contumazes.
ANFIP
Conselho Executivo
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Introdução
Seminário Combate à Sonegação, às Fraudes e à Evasão Fiscal
O combate à evasão tributária ou das contribuições
previdenciárias, proveniente da sonegação e fraudes de toda a espécie,
assim como da simples – mas também inaceitável – inadimplência por
parte de maus contribuintes, sempre foi um dos maiores objetivos dos
servidores que integram o nosso sistema arrecadador/fiscalizador. Daí
terem a ANFIP e a APAFISP promovido, em São Paulo, mais um
Seminário com essa finalidade, buscando, através de troca de
informações, identificar, na medida do possível, as suas causas
principais ou distorções existentes.
Muito embora não possa ser quantificado, até porque faltam
indicadores confiáveis, propala-se que, nos últimos tempos, o montante
evadido alcança índices vergonhosos e absolutamente inaceitáveis, a
ponto de um Senador da República ter constatado, ao final dos
trabalhadores da CPI da Evasão Fiscal, uma triste realidade: “A falta
de educação e consciência tributária dos contribuintes, gerada
provavelmente, pela falta de vontade política para combater a
sonegação é um dos aspectos relevantes para o montante
elevado”. O que fazer, então, frente a essa situação de descontrole
total em relação às finanças públicas?
Se, para alguns, a melhor solução pode estar na decantada
reforma tributária e previdenciária, com a conseqüente redução ou fusão
de partes dos impostos e contribuições existentes, não é menos verdade
que, para outros, a evasão pode ser combatida com maior eficiência,
através da modernização da máquina arrecadadora. Somente assim,
com pessoal altamente qualificado e equipamentos tecnológicos mais
avançados, sem a concessão de “favores” (isenções, anistias, etc.)
além do necessário entrosamento entre todos os órgãos envolvidos
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(Fiscalização, Procuradoria e Justiça) será possível uma ação mais
vigorosa contra os espertalhões de toda a ordem, os quais, conhecendo
essas deficiências que são também dos próprios órgãos repressores,
inclusive do Poder Judiciário, delas se valem para auferir vantagens
ilícitas.
Não é justo, e menos ainda sensato, que poucos continuem
pagando muito e muitos paguem tão pouco, apenas porque estes podem
estar acobertados, até mesmo, pelo manto do sigilo bancário e fiscal.
Infelizmente, maus pagadores acabam quase sempre premiados, a
sonegação ou a fraude, via de regra, compensa. E como resultado dessa
balbúrdia fiscal, do desmantelamento consciente do aparelhamento
estatal, arrecada-se muito menos, não havendo, dada a carência de
recursos, como oferecer à sociedade os serviços públicos por ela
justamente reclamados.
Portanto, a impunidade, o maior fator de estímulo a essa
institucionalizada evasão precisa e pode ser melhor combatida!
ANTONIO SÉRGIO MARTINS GASPAR
Presidente da APAFISP
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As Diversas Formas de Fraude
e Sonegação na Previdência
Expositor: Valdir Moisés Simão
Fiscal de Contribuições Previdenciárias
Três aspectos compõem esta exposição: as formas de
sonegação no âmbito das contribuições previdenciárias; os
instrumentos à disposição da fiscalização para o efetivo combate à
sonegação; e a representação criminal.
As contribuições previdenciárias e a
sonegação.
O INSS arrecada contribuições incidentes sobre a
remuneração de empregados, de empresários, de autônomos e
avulsos, de clubes de futebol correspondentes à renda, contratos de
patrocínio, direitos de transmissão dos espetáculos esportivos e, ainda,
contribuições sobre a comercialização de produtos rurais.
A principal contribuição é a devida pelas empresas sobre a
folha de salários. Ela representa 80% do total arrecadado pelo INSS.
Neste campo, a sonegação existe, em primeiro lugar, por
decorrência da contratação do empregado informal. Há, no país, um
enorme número de trabalhadores informais, correspondendo a 55% do
PEA. A minoria dos trabalhadores brasileiros, portanto, é constituída de
empregados com registro. É a inversão dos fatos, seja ela decorrente
da iniciativa das empresas ou até mesmo do interesse dos próprios
empregados. Este tipo de sonegação se concentra mais em certos
setores e tipos de empresas. A admissão de empregados sem registro
é freqüente em empresas de médio e pequeno porte, porque elas, em
tese, estão ficando fora do alcance da fiscalização previdenciária,
principalmente após a introdução do sistema SIMPLES de pagamento
de tributos e contribuições.
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Duas são as variantes principais de sonegação: (1) no caso
de emprego, a firma não registra trabalhadores ou não repassa o valor
descontado do rendimento dos trabalhadores registrados; e (2) a
dissimulação do contrato de trabalho por contratação de profissionais
autônomos.
As diversas formas de sonegação
As formas de sonegação são muito variadas. Muito utilizado
é o corte em folha de pagamento: a empresa mantém os seus
empregados em relações formais de trabalho mas apresenta, à
fiscalização, uma folha de pagamentos de apenas uma parcela do real,
excluindo empregados ou reduzindo sua remuneração na declaração.
O objetivo é atingir uma massa salarial compatível com o que ela
pretende sonegar. Esta variante é freqüente na área de serviços, onde
é comum a empresa recolher corretamente o FGTS mas apresentar
RAIZ separadas em mais de uma guia.
Essa conduta é atualmente detectável através da utilização
de instrumentos de controle como o Cadastro Nacional de Informações
Sociais, mantido pelo Ministério da Previdência e também alimentado
com dados do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, do Ministério
do Trabalho e da Caixa Econômica Federal. Pelo cadastro, pode-se
apurar o montante de salários pagos por empresa e por empregado,
permitindo levantar quanto ela deveria recolher. Em caso de discrepância,
o valor apurado entre o que deveria ter sido e o que foi realmente
recolhido, há que ser considerado, em princípio, como sonegação.
Essa apuração, por outro lado, aponta, em muitos casos,
mais a existência da inadimplência face a dificuldade em recolher os
tributos do que propriamente sonegação, já que a empresa declara,
para várias instituições, a massa salarial real paga aos seus
empregados.
Falsidade das folhas de pagamento
O item mais importante de perda de arrecadação da
previdência é o pagamento de salários fora da folha oficial apresentada
pelas empresas. Este fato ocorre em empresas de todos os tamanhos,
inclusive nas grandes. O pagamento pode ocorrer através de
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Valdir Moisés Simão
comissões, horas-extra, adicionais, etc. e é muito mais usual e freqüente
no comércio. Muitas vezes, há a aceitação do próprio empregado
porque, independente da contribuição, os benefícios têm um teto, acima
do qual a contribuição não reflete o nível de benefício no futuro. E, além
disso, declarar o valor real maior dos rendimentos poderia ocasionar o
recolhimento de imposto de renda mais elevado por parte do empregado.
As utilidades, como são chamadas pela Previdência Social,
constituem substituição de remuneração em dinheiro por salários “in
natura” ou serviços de terceiros necessários ao empregado, como o
seguro de vida e a assistência médica. Fato preocupante é que o próprio
Ministério da Previdência está aceitando, sem maiores questionamentos,
a exclusão dessas parcelas da base de cálculo das contribuições,
embora o Ministério do Trabalho tenha dúvidas em excluir o caráter de
salário indireto dessas parcelas. O INSS até já regulamentou que
seguros e assistência médica, quando fornecidos à totalidade dos
empregados da empresa, não integram a base de cálculo da
contribuição. Mas há que levar em conta que essas utilidades substituem
parte da remuneração do empregado e, sem dúvida, quando ele não
recebe esse benefício da empresa, terá que pagá-lo com recursos
próprios. E sua aposentadoria futura não cobrirá esse valor pago como
salário de benefício.
A sonegação de contribuições e a
remuneração de empresários
Também se verifica este tipo de sonegação, principalmente
através do pagamento de utilidades que as empresas oferecem a seus
executivos, como o pagamento do “leasing” do automóvel, da habitação,
de mensalidades de escolas para os filhos, viagens de lazer, telefones
particulares, serviços domésticos e etc.
Além disto, as empresas utilizam, fartamente, o caixa 2 como
fonte importante de receitas, também para os empresários.
A sonegação no campo
A fiscalização da produção agrícola se baseia em
documentos não regulamentados pelo INSS, mas pelo ICMS.
Especialmente difícil é o controle da comercialização informal no campo,
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largamente utilizada. Mesmo a posteriori, ao comparar, por auditoria
contábil, o transporte rural de uma mercadoria comercializada
informalmente, o Fiscal do INSS não tem o poder de apreender a
mercadoria ou de questionar sobre Nota Fiscal.
Outras formas de sonegação e de fraude
É muito comum a fraude em documentos de arrecadação, a
falsificação de autenticação nas guias de recolhimento e das certidões
negativas de débito. Esta última é exigida sempre que a empresa
procede à alienação de imóvel, participa de licitação ou tenta obter uma
linha de crédito oriunda de recursos públicos.
Tendo em vista que os casos de exigência de documentos
fiscais são muito freqüentes, para poder apresentá-los, a empresa
recorre a sua falsificação.
A elisão fiscal, a terceirização e as
cooperativas de trabalho
A terceirização está sendo muito utilizada na contratação de
trabalhadores autônomos, na contratação de empresas especializadas
em determinados tipos de serviços, que incluem a cessão de mão-deobra e o trabalho temporário.
A legislação brasileira vem se adaptando rapidamente a
essas novas formas e conceitos. Alteração recente na Lei no 8.212/91
define a cessão de mão-de-obra, para fins de legislação previdenciária,
como aquela relacionada ou não à atividade fim da empresa. A legislação
trabalhista, pelo enunciado nº 331, não aceita a terceirização em
atividade fim da empresa. Assim, a legislação previdenciária está se
antecipando à própria lei trabalhista, contra os seus próprios interesses.
Pode-se argumentar que desta forma facilita-se o
recebimento da contribuição do prestador de serviço, através da
cobrança solidária junto ao tomador. Mas não podemos esquecer que
o prestador de serviço, via de regra, paga remunerações bem inferiores
a seus empregados e, por conseqüência, contribuições também
inferiores.
De igual modo acontece com a aceitação da norma de 1994
que definiu que associado a cooperativa não é empregado nem da
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Valdir Moisés Simão
cooperativa nem do tomador do serviço. Sua aplicação gera uma
contribuição muito menor que a contratação formal de empregados pelo
tomador, o que resulta em evasão expressiva de contribuição porque
as cooperativas de trabalho têm se expandido rapidamente no país,
inclusive em áreas técnicas, de serviços, etc.
Há cooperativas de trabalho na área da construção civil
registradas junto ao Estado, à Receita Federal e ao CREA. Com isto
elas estão em condições até, de participar de concorrências públicas,
contratar obras, etc. Cabe aqui questionar a possibilidade legal de uma
cooperativa de trabalho estar efetuando esse tipo de trabalho. Diante
dessa evolução a fiscalização dispõe de poucos meios para evitar a
evasão, a sonegação e a fraude.
Como não pagar tributos e contribuições
sociais
As empresas, por seu lado, dispõem de meios modernos e
sofisticados para encobrir a sonegação. Existem empresas
especializadas em assessorar contribuintes com objetivo de recolher
menos e, inclusive, instruindo como sonegar. Seminários são
anunciados com títulos sugestivos e chamativos, por exemplo, “Como
deixar de pagar tributos e contribuições sociais” e “Como impedir
que a fiscalização apreenda seus documentos”.
Os instrumentos e métodos à disposição da
fiscalização.
O primeiro instrumento de controle à disposição da
fiscalização quanto à forma de contratação informal, é a verificação
física, que é feita pelo Ministério do Trabalho, o que é bastante difícil.
O segundo instrumento da fiscalização do INSS é a auditoria
contábil. O INSS não adota o lançamento por declaração, como fazem
os órgãos de controle do ICMS e da Receita Federal. Por isso, quando
a fiscalização detecta que a empresa não está recolhendo ou está
inadimplente, pelo controle das informações disponíveis, o Fiscal é
obrigado a visitar a empresa para promover o lançamento da
contribuição, realizando necessariamente uma fiscalização. Nesse
momento, ele pode deparar-se com outros fatos comprovados de
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sonegação, por exemplo, não contabilizar ingressos e não registrar fatos
geradores de renda.
Controle da arrecadação e fiscalização
O trabalho da fiscalização do INSS compõe-se de dois tipos
de atividades: um de controle específico de arrecadação e outro quanto
à fiscalização no verdadeiro sentido da palavra. No primeiro caso, quando
contribuições são lançadas contabilmente e não são recolhidas, cabe
ao Fiscal exigi-las. Este é mais um trabalho de controle da arrecadação,
envolvendo também a apuração dessa conduta, da qual a fiscalização
não pode abrir mão.
A fiscalização, contudo, é, antes de mais nada, a busca, a
pesquisa e a investigação do fato gerador sonegado que esteja sendo
ocultado pela empresa. São dois tipos correlatos e distintos das
atividades, ambos próprios do trabalho do Fiscal. Falta, no entanto,
melhor estruturar os dois tipos de trabalho, de modo que se torne
possível diferenciar os tipos de conduta, até com a imposição de multas
diferentes.
A sonegação e a inadimplência na Receita
Federal e na Previdência
O mais paradoxal é que o INSS trata de modo semelhante a
sonegação e a inadimplência. Usa-se, até, a mesma notificação fiscal
de lançamento de débito e a mesma multa de até 20%. Contribuições
sonegadas são cobradas oneradas de multa majorada na lavratura do
auto. Esta pode ser variada entre a verificação do débito, a lavratura da
notificação e até quando o contribuinte usufrui de prazo de 15 dias para
recolher ou apresentar recurso administrativo. Para efeito de
comparação, nos tributos federais, em casos de débito normal, a Receita
Federal aplica multa de 75% após o início do procedimento fiscal e, em
casos de sonegação, a multa sobe para 150%.
Certamente, a fiscalização deveria ser diferenciada para os
casos de inadimplência ou de sonegação. Enquanto não se adota o
lançamento por declaração, o Fiscal vai à empresa e promove o
lançamento das contribuições sem realizar uma auditoria contábil.
No caso de sonegação, para iniciar o procedimento de
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Valdir Moisés Simão
fiscalização, o Fiscal normalmente já tem elementos que permitem
indícios sobre a forma de sonegação, no que se chama “fiscalização
por fato gerador”. O procedimento já deveria ser, de antemão, diferente,
incluindo a possibilidade de multa mais elevada. A Lei no 8.212/91,
constituiu uma tentativa de fazê-lo, ao equiparar as contribuições
previdenciárias aos tributos federais. No entanto, ela durou apenas quatro
meses. Depois retornou-se à sistemática anterior, para ser mais branda.
Núcleo de inteligência fiscal no INSS
Seguindo o exemplo da Receita Federal, o INSS iniciou a
criação de um núcleo de inteligência fiscal que incluiria um laboratório
de identificação de técnicas de sonegação. Seu objetivo poderia ser o
de estudar a metodologia utilizada na fraude e na sonegação. Contar
com um grupo de apoio à fiscalização e uma legislação que dê um
tratamento diferenciado à sonegação e à inadimplência é o único
caminho efetivo e inteligente para combater, de fato, a sonegação.
As variantes adotadas na sonegação são específicas aos
setores e ramos de atividade e o INSS já identificou alguns. Após a
fiscalização, as empresas mudam de procedimentos. Este trabalho de
inteligência e informação, altamente especializado, deveria ser
implementado de modo sistemático para subsidiar, de fato, os Fiscais,
antes mesmo deles se dirigirem às empresas.
A obtenção da prova e o sigilo bancário
Problemas de aceitação de provas tanto para o processo
fiscal quanto para o processo-crime são comuns. O Tesouro norteamericano tem uma experiência bastante interessante. O Fiscal vai à
empresa munido do perfil e do comportamento típico do segmento
econômico da empresa naquela região, incluindo dados sobre consumo
de energia e outros indícios de nível de atividade. Se o que encontra
não corresponde a esse perfil, há uma presunção de sonegação que,
por si só, pode fundamentar um processo fiscal, que é aceita nos
tribunais. No Brasil, estamos longe dessa situação, mas já é o momento
de se refletir sobre essa possibilidade.
A apuração da sonegação com base apenas em prova
documental é sempre falha se é desconhecido o fluxo financeiro da
empresa. A forma mais eficaz de identificar o “modus operandi” da
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empresa sonegadora é através do seu caixa 2, pois, pelos documentos
e livros que ela apresenta à fiscalização, dificilmente se apurará alguma
falha de contribuição. Neste sentido, ganha enorme e valiosa importância
a campanha encabeçada pela ANFIP, exigindo a quebra do sigilo
bancário em certos casos, lançando o slogan: “quem não deve, não
teme”.
Os crimes contra a Previdência Social
O capítulo da Seguridade Social da Constituição Federal foi
regulamentado e disciplinado pela Lei no 8.212/91. Ela, no seu Art. 95,
define os tipos penais contra a Seguridade Social. Todos aprendemos
na faculdade que a todo crime deve corresponder uma pena, senão
não é crime. É de causar espanto que o legislador, no âmbito da
Previdência Social, tenha definido os crimes previstos nas alíneas “d”,
“c” e “f” e esquecido as penas correspondentes. Mais preocupante ainda
é o fato de que já foram baixadas mais de quatro ou cinco Medidas
Provisórias alterando a Lei no 8.212/91 e nenhuma delas se propôs a
corrigir essa falha. Ou é esquecimento premeditado ou vontade política
de deixar a lacuna legal – penal.
No citado artigo, os crimes com pena definida se referem
aos que os Fiscais entendem como de “apropriação indébita”: arrecadar
contribuição do segurado ou do público e não recolhê-la (alínea “d”);
deixar de recolher contribuições que tenham integrado o custo de
produtos vendidos à sociedade (alínea “e); e o não pagamento de
benefícios previdenciários, especificamente salário-família e saláriomaternidade, aos empregados, após receber seu reembolso (alínea
“f”) .
Os crimes sem penalidades
Já nos casos de sonegação, paradoxalmente, não se faz
menção a nenhuma pena. Quer dizer: se a empresa apura
contribuições, lança o fato gerador e simplesmente não recolhe a
contribuição, existe um tipo penal específico com uma pena contida na
Lei dos Crimes contra a Ordem Financeira, conhecida como Lei do
Colarinho Branco (a de no 7.492/86), que é de 2 a 5 anos de reclusão.
Se, ao contrário, a empresa oculta o fato gerador, por exemplo, através
de um “ caixa 2 ”, e não permite que a fiscalização apure as
contribuições, não há pena. A sonegação, neste caso, é um excelente
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Valdir Moisés Simão
exemplo de como esta prática de “caixa 2” é benéfica para as empresas
e elas estão utilizando no seu cotidiano.
Para sanar o problema, o Ministério Público tem lançado mão
da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei no 8.137/90) e
enquadrado a conduta como omissão de tributo ou contribuição. Ocorre,
porém, que esta lei prevê penas inferiores para a sonegação do que as
alíneas “d”, “e” e “f” do Art. 95 da lei de custeio da Previdência Social.
Deste modo, estimula-se a sonegação ao declará-la menos arriscada
que a “apropriação indébita”. E mais ainda: apesar de as penas previstas
nas alíneas mencionadas serem muito claras, o INSS, pela Ordem de
Serviço da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização no 96, de 1993,
disciplinou os casos de apropriação indébita apenas quanto às alíneas
”d” e “f”, deixando de fora a ”e”. Esta ficou, portanto, inexplicavelmente
sem regulamentação, embora a pena esteja definida.
Estamos diante de matéria polêmica em termos jurídicos.
Mas vejamos o caso concreto da alínea “e”: todas as contribuições e
tributações devidas são incluídas pelas empresas no custo e no preço
dos produtos adquiridos pelo consumidor. Assim, quem paga estas
obrigações é a sociedade adquirente do produto ou do serviço. Não
sendo a contribuição recolhida, caracteriza-se perfeitamente o crime,
de mesma intensidade que o de arrecadar contribuição do segurado e
não as recolher. Cabe, de todos os modos, refletir sobre o caso e
disciplinar a questão sob pena da omissão estar beneficiando o infrator.
O procedimento da representação criminal
Atualmente, o Fiscal deve produzir as provas durante a ação
fiscal, o que faz parte do seu dever de ofício, mas não é tarefa fácil.
Solicitar que a empresa apresente cópia de folhas de pagamentos, de
lançamentos contábeis, de contratos sociais só tem por objetivo instruir
um processo de representação criminal. Por isto, nem todo empresário
concordará em fornecer este tipo de documento, embora o § 2o, do Art.
95, da Lei no 8.212/91, disponha da faculdade da fiscalização não só
exigi-los, como até apreendê-los.
Com as provas produzidas o Fiscal elabora um relatório que
é encaminhado à Procuradoria Regional do INSS, a quem compete,
regimentalmente, fazer a representação ao Ministério Público. Este
encaminhamento poderia ser modificado. Como mencionado, na Receita
Federal são os próprios auditores Fiscais do Tesouro Nacional que
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fazem a representação através de seu Secretário. No ICMS, ocorre a
mesma coisa. No INSS, ao contrário, dissocia-se a representação do
trabalho de fiscalização, tirando dela parte de sua capacidade de inibir
futuras condutas negativas para o fisco. Poder-se-ia sugerir que a própria
fiscalização, através de sua direção nacional ou estadual, assumisse
a tarefa de regulamentar a elaboração da representação criminal, em
cooperação com o Ministério Público Federal, queimando etapas no
encaminhamento. Lembramos que, atualmente, este último órgão está
estruturado em várias cidades, principalmente no interior, como no
Estado de São Paulo. Como o trabalho da fiscalização, na produção de
provas para o processo-crime, tem sido bastante elogiado pelo Ministério
Público Federal, dispensa, freqüentemente, o inquérito policial. De posse
da representação fiscal o Ministério Público teria já todas as provas
necessárias para oferecer a denúncia.
O combate à sonegação e à fraude deve ter
padronização fiscal
Se uma empresa sonega ICMS ou IPI, ou ainda, está
subfaturando, com certeza ela estará declarando massa salarial menor
que a real. A empresa que emite uma Nota Fiscal calçada ou fria também
tem que reduzir a massa salarial para evitar que esta corresponda
parcela exagerada do faturamento. Portanto, a prática de subfaturamento
e de redução da base de cálculo da contribuição previdenciária ocorrem
normalmente juntos, sendo indiferente averiguar qual decisão é tomada
antes da outra. Isto vai depender da importância do tributo ou da
contribuição que a firma recolhe.
Por isto, deveria haver maior integração entre as respectivas
áreas de fiscalização, incluindo também o Ministério do Trabalho. Seria
muito útil criar um banco de dados de empresas sonegadoras. É
necessário, também, adotar uma padronização na imposição de multa
por sonegação bem como no de recolhimento espontâneo.
A multa para a empresa que deixa de recolher a contribuição
previdenciária ou o faz com atraso está sujeita a um percentual de, no
máximo, 10%. Para um tributo federal, a multa chega a 20%.
Evidentemente, a empresa em dificuldades opta por pagar o tributo de
multa menor. Gera-se assim uma concorrência entre o Tesouro e a
Previdência, totalmente sem sentido e, sobretudo, desnecessária.
20
Valdir Moisés Simão
Algo semelhante ocorre com os instrumentos de fiscalização.
Pela Lei n 9.430, de 1996, à fiscalização foi permitida até à apreensão
de equipamentos de informática e livros contábeis. Além disto, a
fiscalização pode ser contínua em determinadas situações e, em caso
de sonegação, antecipar até o vencimento do tributo. Não é fácil aprovar
uma lei com essas prerrogativas, mas quando se consegue seria
interessante estendê-las a todas as áreas da fiscalização. Em suma, a
padronização da fiscalização em todas as áreas federais, estaduais e
municipais traria ganhos e facilidades ao trabalho de todas elas.
o
O INSS diante da COFINS, Lucro e do
SIMPLES
As fontes de financiamento da Seguridade Social tem suas
bases na Constituição Federal, e sua arrecadação e fiscalização está
bastante definida nas leis posteriores a 1988. O INSS, em princípio,
deveria ser o responsável pela arrecadação de todas as contribuições
sociais que financiam o sistema de seguridade, como saúde, assistência
e previdência. Do ponto de vista jurídico, não me parece haver dúvidas
sobre essa atribuição, embora, hoje, tanto arrecada o INSS em relação
à contribuição patronal e do trabalhador sobre a folha de salários, como
a Receita Federal sobre o faturamento (a COFINS) e a contribuição
sobre o lucro líquido.
Porém, a legislação acabou por transferir à Receita Federal
a competência de arrecadar, controlar e fiscalizar a contribuição social
da CONFINS e do lucro líquido. Agora, acrescentaram as mesmas
competências em relação a quase 1,5 milhões de empresas que
optaram pelo SIMPLES. No entanto, sendo o SIMPLES um misto de
tributos federais, estaduais e municipais, além de contribuição social e
tendo o INSS melhores condições para arrecadar e fiscalizar
contribuição para terceiros, ele poderia fazê-lo, cobrando uma
remuneração módica, por exemplo de 3,5%. Assim, seria cumprida a
determinação constitucional quanto à vinculação das contribuições
sociais, (art. 195) inclusive a Cofins e a sobre o lucro líquido, e se estaria
levando em consideração a estrutura do INSS, melhor adequada à
fiscalização deste tipo de contribuição. Ao mesmo tempo, estaríamos
racionalizando as atividades de fiscalização de todas as contribuições
sociais, exatamente para o seu destino que é o financiamento da
Seguridade Social, e não o caixa do Tesouro Nacional.
21
A Tramitação dos Processos
Fiscais Estaduais
Expositor: Valdir Nogueira
Agente Fiscal de Rendas e Assessor Fiscal da Delegacia Regional Tributária
A caracterização da sonegação fiscal no
ICMS
A legislação estadual contém uma capitulação fiscal, com
oito incisos regulamentares para cada infração praticada com a sanção
respectiva. Em cada caso, para imputá-la criminalmente, deve-se
analisar se houve dolo. Em caso afirmativo, faz-se a representação.
Há uma ressalva, na portaria que regula o procedimento fiscal, no caso
de representação sobre crime.
Como se sabe, o ICMS é um imposto indireto, não
cumulativo. Quer dizer, em cada operação ou venda, considera-se o
imposto já pago, abatendo-o do imposto debitado na saída da
mercadoria. Há, portanto, uma compensação. Não se trata de um valor
acrescido, mas, em tese, da diferença entre o imposto devido na saída
da mercadoria da empresa e o imposto devido na entrada.
Após a apuração do débito, no final do mês, ele é declarado
em uma guia, um documento interno que vai para o processamento
fazendário. O imposto assim apurado deve ser recolhido em um prazo
determinado. Ao final, pode existir saldo devedor ou credor. Na primeira
alternativa, é processado para recolhimento. Em caso de não
recolhimento, o débito é encaminhado ao Departamento de dívida ativa
e à Procuradoria Fiscal para a execução. Nessas condições, quase
nunca ocorre uma representação fiscal, sobre crime de sonegação.
23
O único caso diferenciado se refere ao sistema de subscrição
tributária, pelo qual sobre vários produtos, como automóveis, cimento,
sorvete, combustíveis, o tributo é retido antecipadamente, incluindo no
preço a parcela de ICMS referente à venda ao consumidor. Na prática,
funciona como o IPI ou a contribuição para o INSS retida do salário do
empregado. Caso a importância não seja recolhida a representação é
encaminhada. Por ser um imposto declarado pelo próprio contribuinte,
essa é a única hipótese de se encaminhar a representação.
Sendo um imposto declaratório, o ICMS não teria grandes
conseqüências na área penal. À fiscalização cabe confirmar os
lançamentos de débito e de crédito. A forma tradicional de diminuir o
imposto devido era a venda sem Nota Fiscal. Esta prática foi ficando
mais difícil, o que trouxe a necessidade de introduzir novos subterfúgios.
A indústria da Nota Fiscal fria
Além da nota espelhada ou calçada, existe a indústria de
Notas Fiscais frias. Simula-se, com elas, operações de aquisição de
mercadorias, com o único intuito de transferir imposto. Ao gerar um
crédito fiscal, a Nota Fiscal fria diminui o imposto a pagar. Essa prática
constitui um dos maiores problemas para o ICMS.
Há casos conhecidos de simulação de exportação. Ela gerou
um crédito acumulado porque a exportação está imune do ICMS. Mesmo
não ocorrendo o recolhimento, o crédito é mantido e deve ser devolvido
a quem de direito. A lei, contudo, prevê algumas hipóteses de
transferência de crédito: para a compra de matéria-prima, para outro
estabelecimento da mesma empresa, entre outras, que é utilizada na
fabricação de créditos nem sempre efetivos. No caso autuado, a
empresa que tinha acumulado um crédito simulando exportações,
acabou tendo a capacidade de criar dinheiro. Ela adquiria mercadorias,
as vendia no mercado com documentos frios e com créditos advindos
da simulação de exportações.
Efeitos das mudanças na legislação
As modificações na legislação federal impuseram
adaptações na legislação do Estado. Em 1994, o Ministério Público
chegou a fazer a representação em todo e qualquer caso de infração,
mesmo que nem sempre fosse encaminhada. Resultou num fantástico
24
Valdir Nogueira
acúmulo de processos. A situação perdurou até a Lei no 9.430/96. Era
o agente Fiscal o autor e responsável pela representação, embora fosse
encaminhada pelo gabinete da Delegacia local junto com o auto de
infração. Uma portaria posterior modificou a sistemática e, atualmente,
encaminha-se a representação apenas após a constituição definitiva
do crédito tributário.
O encaminhamento do auto de infração
O Fiscal, ao fiscalizar, preenche um formulário com 18
quesitos, que atende à Lei no 8.137/90, incluindo o indício de dolo ou
não. Por exemplo: se a conduta do agente consistiu em omitir
informações, de modo a suprimir a multa, ou, se ele prestou declaração
falsa, de modo a suprimir ou reduzir tributo, se houve inserção de
elementos inexatos em documentos, e assim por diante.
Como a Lei no 8.137/90 é uma norma penal em branco, há a
necessidade da configuração do crime para que este seja tipificado e
que o crédito seja exigível. É imprescindível que o processo fiscal esteja
extinto, seja na área judicial ou administrativa. Isto para evitar, como já
aconteceu, de uma pessoa ser condenada criminalmente a um ano de
prisão e o auto de infração ter sido cancelado em segunda instância
administrativa. Por isso somos favoráveis à determinação contida no
Art. 83 da Lei nº 9.430/96.
Os prazos de tramitação administrativa e
penal
O Ministério Público de São Paulo não permite que se
ultrapasse o prazo de 4 anos a partir da data da infração, para fazer a
denúncia, o que é muito difícil de observar.
O processo passa por duas instâncias administrativas de
julgamento que demandam tempo, especialmente a segunda. O
Ministério Público exige uma apuração cuidadosa da culpa e sobre o
que teria ocasionado a falta do recolhimento. Essa morosidade é comum
a todo procedimento deste tipo. É bem verdade que todo processo fiscal
(que também pode configurar crime contra a ordem tributária) recebe
uma tramitação preferencial, conforme determinação em portaria.
25
Quando, ao contrário, a fiscalização nem faz menção de possibilidade
de crime no auto de infração, o processo não é encaminhado ao
Ministério Público.
De todos modos, com todas as instâncias previstas e seus
problemas decorrentes é muito difícil atender-se o prazo de quatro anos
fixado pelo Ministério Público.
A fiscalização e a representação penal
Cabe, em toda representação, à autoridade ou ao agente
Fiscal de renda, indicar os elementos que possam configurar a
infração penal.
Assim, não basta constatar um crédito indevido,
configurado por documento inidôneo. É certo que um documento
frio já constitui um forte indício de participação, mas ainda não é
suficiente para comprovar a infração. Nessa situação, antes mesmo
de lavrar o auto, pesquisa-se o recebimento efetivo da mercadoria,
o pagamento, o cheque emitido, o pedido de compra e faz-se todas
as diligências necessárias.
Se ainda assim a prova não foi encontrada, faz-se a
diligência junto ao emitente do documento, o que é mais difícil. Por
exemplo, quando a Nota Fiscal fria provem de outro Estado, fato
bastante comum. Às vezes, o Fiscal não consegue avançar muito.
Os sonegadores estão se sofisticando e aperfeiçoando seus
métodos de “enganar” a fiscalização com muito mais agilidade e
disponibilidade de recursos técnicos e equipamentos modernos do
que a própria máquina estatal.
As Leis n o 4.729/65 e 8.137/90 previam a extinção da
punibilidade em caso de recolhimento da obrigação devida. A Lei n o
8.383/91 revogou os artigos correspondentes. Suas conseqüências
não foram muito convenientes: se o contribuinte recolhesse o tributo
e a multa exigidos, em tese, estaria quase confessando o delito penal.
A representação não podia ser sustada e era encaminhada de todo
modo. Resultou um estoque muito grande de processos sem
liquidação. A partir da Lei no 9.249/95 e da volta da extinção da
punibilidade, uma grande quantidade de autos de infração tem sido
liquidado, diminuindo bastante o volume de serviço da fiscalização.
26
Valdir Nogueira
Instâncias e recursos permitidos
Sendo a primeira instância favorável ao fisco, o processo
volta ao posto fiscal, onde fica por 30 dias aguardando julgamento,
recolhimento ou recurso ao tribunal de impostos e taxas. Apresentado
o recurso, o processo vai a julgamento na instância superior. Não
havendo recurso nem recolhimento, o processo é encaminhado à
Delegacia, onde é feita a reabilitação do crédito e são respondidos os
quesitos necessários ao Ministério Público.
A tendência geral é a da substituição tributária, o que
simplifica o trabalho e reduz o número de contribuintes e o nível de
sonegação. Cobra-se muito mais da indústria e do atacado, deixando o
varejo com o imposto já recolhido. Judicialmente, o procedimento tem
trazido problemas, como no ramo de combustíveis levando as empresas
refinadoras e as distribuidoras a optar pelo depósito judicial. Este
procedimento envolve perto de 2.800 postos de gasolina, só em São
Paulo. Outros problemas da distribuição tributária também existem nos
ramos de cerveja, guaraná e refrigerantes, cimento, tintas e produtos
farmacêuticos.
Em todos esses casos, se o imposto não é recolhido pela
indústria ou pelo atacado está configurada também a infração de
natureza penal, além do não recolhimento de um imposto declaratório
como o ICMS.
27
A Fraude e a Sonegação no
Registro de Empregados
Expositor: Valter Torre Arienzo
Inspetor do Trabalho
A Fiscalização do Trabalho
Em São Paulo há aproximadamente 500 Fiscais ativos e a
receita decorrente da aplicação de multas pela fiscalização é de cerca
de 1,5 bilhão de reais.
A fiscalização do trabalho não é, especificamente, uma área
tributária, embora parte da fiscalização do trabalho fiscalize também o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), cujo caráter tributário
é discutível. Por essa razão, vou me referir aqui, apenas de maneira
subsidiária, a alguns aspectos tributários.
Problemas da fiscalização do trabalho
A base da fiscalização do trabalho é o registro dos
empregados, ponto de partida para todos os recolhimentos, encargos,
etc. E é exatamente aí que começam os problemas, pois a falta de
registro é o fato ilícito mais comumente constatado pela fiscalização.
Por isso, há uma campanha permanente de nossa parte contra a falta
de registro, bem como a não observância dos demais direitos do
trabalho.
Ao longo dos últimos anos, ao sabor de tantos planos
econômicos, constatamos que a cada ano se registra menos
empregados, constituindo-se esta clandestinidade em fraude, numa
sonegação indireta.
É muito comum a empresa só registrar uma parcela mínima
de empregados. Constatar esse fato através da contagem individual de
empregados não é fácil para o Fiscal, especialmente quando ele vai à
29
empresa desacompanhado, o que é a regra. Há muitas portas de entrada
e muito mais de saída, algumas delas, até guarnecidas por seguranças.
Como dificilmente os Fiscais trabalham em grupo, por falta de pessoal,
resulta que o mau empresário consegue ser, assim, beneficiado pela
omissão da fiscalização. E, muitas vezes, contam até com a conivência
dos próprios empregados sem registro. Malgrado ser o Fiscal do
trabalho, por ironia, uma autoridade federal para proteger o trabalhador
em relação ao seu trabalho, sua atuação não é reconhecida nem pelo
próprio trabalhador.
Seguro desemprego serve para
suplementar novo emprego
Dificuldade complementar decorre paradoxalmente do
seguro-desemprego. É comum o próprio trabalhador pedir para não
ser registrado em seu novo emprego e nem ser mencionado pelo Fiscal,
negando-se, inclusive, a declarar seu nome, para não perder o direito
ao seguro desemprego. São questões de fundo, de caráter moral e de
consciência, de educação de um povo. Mas fatos como esses também
constituem fraude.
O Ministério do Trabalho conta com um sistema de
computação muito bem estruturado, interligado com o segurodesemprego e com a Caixa Econômica Federal, que permite facilmente
constatar fraudes e eliminá-las. Mas não consegue forçar o trabalhador
a declarar seu nome e sua condição de não registrado, no momento da
fiscalização. Nesses casos, não há muito a fazer. Só resta pedir à polícia
para prender este trabalhador, pessoa não especializada, de nenhuma
escolaridade e de baixa renda, que vive em dificuldades sociais e
econômicas e que, finalmente, conseguiu um emprego, mesmo que
em situação irregular. Porém, ele se sente muito satisfeito. E isto em
meio a uma situação geral caracterizada pelo aumento do desemprego,
em função da terceirização, da globalização, etc. Em situações como
essas cabe ao fiscal aplicar o bom senso, já que os regulamentos não
apresentam outras soluções.
Normalmente relacionado com falta de registro, ocorre a
recusa da empresa em apresentar os documentos do empregado, ao
Fiscal. As desculpas são muitas: o documento está com o contador, o
contador saiu, o diretor levou o livro de empregados. Ao final, resta ao
Fiscal, obviamente, apenas a autuação.
30
Valter Torre Arienzo
A regulamentação interna também dificulta a fiscalização:
empresas com até 10 empregados - cabe perguntar-se por que
exatamente este número 10 - devem receber um prazo para regularizar
a situação e a atuação não pode ser imediata. A firma é notificada a
apresentar os documentos e receberá nova visita no prazo de 2 a 8
dias. Se após este prazo os documentos não forem apresentados, lavrase o auto de infração.
Baixo valor da multa estimula à sonegação
e à fraude
Segue-se outro problema decorrente do baixo valor da multa
(Art. 630, §§ 3º e 4º da CLT). Após o prazo dado à empresa, quando ela
é finalmente notificada a pagar a multa, poderá fazê-lo com um desconto
de 50%. Não é difícil concluir que, para a empresa, é um verdadeiro
estimulo o não registro do empregado, correndo um risco pequeno de
ser fiscalizada ou ser denunciada pelos trabalhadores sem registro. A
fiscalização solicita, há tempos, mudanças dos valores das multas e
outras medidas para evitar essas facilidades legais que acabam
beneficiando o mau empresário.
A norma interna obriga a fiscalização a voltar três vezes à
empresa, e autuá-la também três vezes, se não forem apresentados
os documentos devidos. Só a partir da quarta visita, com autuação, é
que esta é encaminhada ao Ministério Público do Trabalho com denúncia
contra a empresa, para que seja enquadrada em crime contra a
organização do trabalho.
Número de empregados não define porte da
empresa
Em algum momento, alguém entendeu que uma empresa
com até 10 empregados é uma empresa pequena, o que, hoje, nem
sempre é verdade, principalmente nas atividades com uso de
equipamentos de alta tecnologia como a de computação. Algumas
empresas de apenas 5 empregados apresentam faturamento igual ou
até mesmo superior a outras que possuem 100 empregados. Cabe,
por isto, questionar, de modo mais realístico e geral, se o sistema de
arrecadação da Previdência, que incidente exclusivamente sobre a folha
31
de pagamentos, é o mais adequado para avaliar o seu porte econômico
e sua participação solidária no mundo de hoje.
Parece-me que a incidência do cálculo das contribuições
previdenciárias sobre o faturamento refletiria mais fielmente a expressão
econômica da empresa e não estimularia, como hoje, o enxugamento
das folhas de pagamento por intermédio do desemprego, gerando crises
sociais e diminuindo, por conseguinte, a arrecadação. Além do mais,
estes fatos agravam outros programas sociais como o auxílio
desemprego, o uso de benefícios por falsas doenças ou de outros
mecanismos usuais e bem conhecidos.
Entra-se em um círculo vicioso: a arrecadação cai, o caixa
não tem dinheiro para aparelhar e prover com pessoal a máquina fiscal
nem para dar reajuste ao funcionalismo e aos aposentados e
pensionistas. O Ministério do Trabalho, de sua parte, tenta atacar o ponto
de partida de tudo: a falta de registro dos empregados.
O Fundo de Garantia
O FGTS é um direito constitucional do trabalhador, que não
chega a ser caracterizado como um imposto, nem como tributo. É uma
contribuição que a empresa é obrigada a fazer sobre a remuneração
dos empregados. Seu recolhimento tem sido fiscalizado juntamente
com a ocorrência do registro dos empregados.
A efetividade da fiscalização do FGTS pode ser medida pelo
grande aumento de arrecadação da Caixa Econômica Federal. São
freqüentes as campanhas de recolhimento do Fundo, com excelentes
resultados. Em suma: o FGTS vem sendo bem fiscalizado.
A Lei no 8.036, que regula o FGTS, é aparentemente simples:
o recolhimento corresponde a 8% da remuneração do empregado ou
sobre a folha salarial. Na realidade, a situação se complica porque o
empregador tenta descaracterizar várias parcelas como integrantes dos
rendimentos do trabalhador para que a incidência do Fundo ocorra sobre
valor menor.
Os Arts. 457 e 458 da CLT, que tratam da remuneração do
trabalhador, diz que se integram aos salários: as comissões, prêmios,
percentagens, salário “in natura”, etc., constituindo essa soma a
remuneração sobre a qual deve incidir as contribuições para a
Previdência Social e para o FGTS. Duas dessas parcelas apresentam
dificuldades para a fiscalização do recolhimento para o Fundo de
32
Valter Torre Arienzo
Garantia por serem polêmicas: a assistência médica gratuita e o seguro
de vida em grupo, concedidos pelas empresas. Embora não sejam
questionáveis, há autoridades superiores que discordam, entre si,
quanto a incluí-las ou não nos rendimentos do empregado.
A assistência médica gratuita paga pelas
empresas
Ela é concedida nas empresas de maior porte, no geral com
mais de 100 empregados, integralmente ou mediante contribuição
pequena do empregado. De modo semelhante, funcionam os fundos
de pensão privados mantidos em parte ou totalmente pelas empresas.
A tese de que se trata de prestação salarial se baseia em
que tudo que um empregado recebe de uma empresa, direta ou
indiretamente, só pode ser decorrente de seu contrato de trabalho e,
portanto, tem natureza salarial. Ao sofrer fiscalização, as empresas
alegam que estando a Previdência Social falida e sendo péssimos os
hospitais públicos, ao conceder o plano privado de saúde estariam
prestando um benefício social. E esta visão é, muitas vezes,
corroborada pelo próprio empregado.
Quando o empregado perde o emprego, perde, também, a
assistência médica gratuita. E ao procurar trabalho em outra empresa
ele tenderá a exigir assistência médica semelhante. Se o novo emprego
não o conceder, o empregado terá que pagar de seu bolso para manter
o mesmo padrão de atendimento, com que estava acostumado, para
si e sua família. Com isto, sofrerá redução de salário real, pois o plano
privado de saúde correspondia a salário indireto. Nesse caso, por
conseguinte, o FGTS deve incidir sobre todos os rendimentos diretos e
indiretos do empregado, incluindo o plano de saúde pago pela empresa.
Para o trabalhador, é importante que o Fundo incida sobre o total de
rendimentos, porque é um substituto de direitos antigos de indenização,
devida em caso de demissão, no montante a um mês de salário por
ano de trabalho.
O empregador argumenta que se for exigido o FGTS também
sobre a parcela correspondente ao gasto com a assistência médica
gratuita, o benefício será cortado, condenando o trabalhador a voltar ao
tempo das cavernas na área de medicina social. Como se vê, o objetivo
é claro: colocar a fiscalização contra o empregado.
33
O seguro de vida em grupo pago pela
empresa
Este benefício também é pago em empresas de grande porte,
normalmente acima de 200 empregados. Geralmente, o seguro se
estende a todos os empregados da empresa e cobre casos de morte,
que, via de regra, são poucos a cada ano, não passando nunca de
duas mortes para um total de 500 empregados.
Para o empregador é um seguro que pouco se usa, por isso
não custa muito caro. Por alguma razão, ele reluta muito em dar aumento
de salário mas o seguro de vida, que também é um custo, ele quer
fazer e paga.
Ora, sabemos que em qualquer tipo de seguro, há um retorno
parcial dos prêmios pagos em caso de pouca ou nenhuma utilização
do seguro. Sabe-se, também, que é muito difícil fiscalizar esse retorno
e o custo total do seguro consta como sendo o valor da apólice. A
experiência e o faro do Fiscal indicam que a empresa costuma fazer o
seguro de vida coletivo para seus empregados sempre com o banco
com que trabalha, onde o gerente é, no geral, conhecido e tem ligações
estreitas com a diretoria da empresa, facilitando a devolução parcial ou
total dos prêmios pagos.
A fiscalização contábil referente ao FGTS só é possível nos
casos de serviços prestados, nos lançamentos no livro diário, no plano
de contas, etc. É impossível constatar se os prêmios de seguros
devolvidos são lançados na contabilidade da empresa. Na relação com
o banco segurador, a empresa funciona quase como uma corretora de
seguros. Os nomes dos empregados são utilizados como participantes
de uma apólice cujos custos a empresa recolhe e paga ao banco com
que trabalha. Os custos com o seguro de vida são lançados como
despesas operacionais. Ora, despesa operacional é tudo que é
obrigatório para a operação da empresa. Cabe perguntar se o seguro
de vida é realmente necessário para que a firma funcione. A resposta
será certamente negativa. Mesmo assim, trata-se de um benefício
indireto concedido aos empregados, sobre o qual devem incidir os
encargos.
As empresas reagem violentamente contra a tentativa do
Fiscal de levantar a contribuição de 8% sobre o seguro de vida coletivo
dos empregados. Elas se defendem afirmando que, nesse caso, serão
34
Valter Torre Arienzo
forçadas a cortar o seguro e que este é pago pelos trabalhadores e não
por elas. Na verdade, estamos diante de uma corretagem de seguro,
usando os trabalhadores que servem de contribuintes para uma
companhia de seguros normalmente interligada à empregadora e ao
seu banco. Em outras palavras, isto constitui uma fraude. Seria
interessante saber como pensam, hoje, os colegas da Previdência Social
sobre a incidência ou não desses seguros de vida como sendo de
natureza salarial, embora se saiba que a Previdência entende, em
princípio, que não há incidência de contribuição quando o benefício se
estende a todos os empregados.
As rescisões contratuais
Elas constituem outra área na qual a fraude é freqüente. Nos
plantões de homologação do Ministério do Trabalho, os Fiscais ficam
atentos aos tributos devidos. No caso de trabalhadores com mais de
um ano de empresa, as rescisões são obrigatoriamente homologadas,
para que eles possam sacar o FGTS. Nos contratos de trabalho com
menos de um ano, a homologação não é obrigatória e as fraudes devem
ser bastante freqüentes, com recolhimentos subestimados e mal feitos
assim como outras irregularidades.
A terceirização
A terceirização é uma tendência mundial, no rastro da
chamada globalização, que vem trazendo consigo um enorme índice
de desemprego. As pressões das empresas para que seus
departamentos pratiquem a redução de custos, e isto a qualquer preço
para fazer face a crescente concorrência, levam a reestruturações das
mesmas, resultando, quase sempre, em desemprego. Este, não deveria
apresentar em si graves problemas se fosse executado de acordo com
a legislação trabalhista. Mas infelizmente ocorre o contrário. Procurase manter o trabalhador em atividade, porém sem o emprego formal,
caracterizado legalmente. Uma saída é a terceirização.
Ao terceirizar e continuar rentável, as empresas passam
invariavelmente, a sonegar uma série de tributos e contribuições.
Transferindo parte do serviço para o pequeno empresário, em firmas
pequenas, abertas com o propósito da terceirização, os direitos
trabalhistas dos empregados, via de regra, desaparecem.
35
A fiscalização do trabalho nas pequenas empresas
terceirizadas é muito difícil. Por exemplo, na construção civil. Antes, as
grandes construturas mantinham um, dois mil empregados. Atualmente
não passam de vinte ou trinta na administração central, com
computadores, secretária e um engenheiro controlando dez prédios.
Os custos maiores são transferidos para subempreiteiros pequenos,
responsáveis por diferentes fases da construção. No momento da
fiscalização, quem já terminou seu serviço não está mais presente na
obra e é de difícil localização. Com isto, torna-se quase impossível
levantar o número exato de empregados, além dos poucos registrados
ou daqueles declarados como autônomos. Desta forma, a empresa
deixa de recolher FGTS, Previdência Social, etc., com a conivência
dos próprios empregados.
A terceirização é comumente associada à Ásia, mas cada
região apresenta características próprias. Na Itália, a terceirização está
sendo abolida. Na Europa, já se percebeu que ela funciona mal, pois
vem acompanhada de uma queda de qualidade dos serviços. Com o
desemprego crescente, lá não estão insistindo tanto na terceirização,
enquanto no Brasil, persiste-se nessa linha, mal se importando com
todo o custo social dela decorrente.
As cooperativas de trabalho
A alteração da CLT referente às cooperativas é bastante
recente. A reestruturação das empresas ao contratar uma cooperativa
resulta em que desaparecem formalmente os empregados. Em caso
recente, por exemplo, uma escola deixou de ter professores
empregados. A fiscalização fez a autuação, por considerar que a
utilização da cooperativa tinha apenas o objetivo de não recolher as
contribuições devidas, já que o trabalho desempenhado pelos
professores era a principal atividade da prestação de serviços e fonte
de captação de renda da escola.
Segundo a legislação vigente, o funcionamento de uma
cooperativa deve estar regulamentado. Ela deve ter um balancete
mensal com o resultado contábil e a distribuição dos resultados aos
seus membros. Além disso, outros documentos são exigidos para
atestar que realmente se trata de uma atividade de cooperativa. No
exemplo da escola autuada, os contratos apresentados foram
36
Valter Torre Arienzo
desconsiderados e eles foram autuados como empregados sem
registro (Art. 41 da CLT), pois cumpriam normas características de
empregado, com horário de trabalho, subordinação e demais obrigações
iguais as de qualquer empregado, recebendo ordens e se submetendo
às normas da escola e de sua diretoria. Caracterizando-se, assim, como
uma relação patrão-empregado e não de cooperado-cooperativa. Em
suma, estava configurada a fraude com a conseqüente sonegação a
partir da declaração de outro tipo de relação de trabalho que não era a
real.
Os artigos da CLT relativos às cooperativas, na verdade,
deveriam ser revogados. Sua aprovação ocorreu de modo muito rápido
e os interessados em resguardar os direitos trabalhistas não se deram
conta a tempo. Ao que parece, sua introdução partiu de preocupações
com a utilização quanto ao trabalho rural, onde, em determinadas
situações, as cooperativas podem funcionar satisfatoriamente e
contribuir para fixar ou manter o homem ao campo e diminuir o êxodo
rural. Mas, nas grandes cidades, as cooperativas de trabalho têm por
conseqüência imediata pulverizar os direitos trabalhistas e diminuir as
despesas salariais e sociais das empresas, especialmente em certas
áreas, e devem ser vistas como tendo o mesmo objetivo da terceirização
mencionada acima.
A cooperação entre Ministério do Trabalho e
INSS
As atividades fiscais das áreas do trabalho e da previdência
já estiveram integradas num mesmo Ministério. Havia um controle único
para a verificação de empregado sem registro, que era encaminhado
ao INSS. Atualmente, essa ação conjunta já não mais existe. A melhoria
da troca de informações entre as duas áreas é, hoje, uma das principais
reivindicações e, talvez, a mais antiga, feita pelas entidades de Fiscais.
Há, também, uma maior interação com a Caixa Econômica Federal, a
Receita Federal e a Previdência Social.
Os levantamentos do INSS, incluindo os pagamentos extrafolha, têm sido utilizados pela fiscalização do trabalho, mas não de forma
orgânica. O ideal seria que ocorresse a interação dos dados disponíveis
na esfera federal, para subsidiar o trabalho da fiscalização de todos os
ministérios envolvidos.
37
A Tradição de Sonegar
e a Impunidade
Expositor: Dr. Antônio Airton Ferreira
Auditor Fiscal do Tesouro Nacional
O que são infrações objetivas e subjetivas
O Art. 136 do Código Tributário define a responsabilidade por
infrações da seguinte maneira: “Salvo disposição de lei em contrário, a
responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da
intenção do agente ou do responsável e da efetiva natureza e extensão
dos efeitos do ato”.
Existem, portanto, na área tributária, dois tipos de infrações:
as objetivas e as chamadas subjetivas. As infrações objetivas são
aquelas nas quais o elemento intenção não está presente. Numa
fiscalização constata-se, por exemplo, uma diferença, um simples erro,
que teria alterado a base de cálculo. Seria uma infração na qual não
está presente o dolo, a intenção. De modo semelhante, poderia ser
classificada a ausência de um documento.
Nas infrações subjetivas, ao contrário, a intenção é manifesta.
Há, presente, a manifesta vontade de obter o resultado desejado, com
a presença do dolo.
Na fiscalização tributária federal, quando se aplica uma multa
em processo de infração objetiva comum, seu valor corresponde,
atualmente, a 75% do valor da diferença encontrada. Já nas infrações
subjetivas, a multa é qualificada ou agravada. Atualmente, seu valor é
de 150% da diferença encontrada, tendo sido reduzida recentemente,
pois anteriormente já chegou a ser de 300%.
39
Também para o procedimento do Fiscal, a diferenciação entre
infrações objetivas e subjetivas é importante. Nas primeiras, o fisco
constata o fato e aplica a penalidade juntamente com o auto de infração.
Deste, constará o crédito tributário cobrado e a aplicação da penalidade
comum. Nestes casos, a prova produzida pelo fisco é mais simples:
basta detectar e mostrar o fato. Por outro lado, a defesa do autuado
também permanece como matéria de fato. Se há, por exemplo, uma
despesa contabilizada para a qual a empresa não localiza o documento
probatório, cobra-se a diferença, impondo a penalidade simples. Se
depois a empresa localizar o documento e o apresenta, o fato causador
da penalidade desaparece.
No caso de infração subjetiva, inverte-se o ônus da prova,
que passa a ser do fisco. Isto altera completamente o processo de
investigação. Se, no mesmo caso anterior, a empresa apresenta o
documento relativo a despesa contabilizada, cabe ao fisco o ônus de
produzir a prova de que o documento é inidôneo, se houver a
desconfiança, por exemplo, de que o documento não esteja lastreando
uma operação efetiva.
Nessa situação, em visita à empresa será averiguado como
foi feito o recolhimento, quais as características da operação e pode-se
verificar em diligência se a empresa prestadora de serviços mencionada
existe mesmo, se realizou o trabalho, se tinha profissional empregado
compatível com o serviço, etc. Se a desconfiança se confirmar como
fato, estamos diante de uma infração subjetiva consubstanciada por
nota inidônea, incompatível com uma operação efetiva. Neste caso,
será confeccionado um auto de infração cobrando o tributo e a
penalidade agravada.
Ao mesmo tempo, surge a figura do delito fiscal ou crime
fiscal, já que a conduta correspondente àquela infração subjetiva
caracteriza-se do tipo penal, da área criminal. O passo seguinte é a
confecção da representação penal. Ela é endereçada à Procuradoria
Geral da República, ao Ministério Público Federal, a quem cabe,
conforme os artigos 127 e 128 da Constituição Federal, receber a notíciacrime e, caso julgue cabível, oferecer a denúncia ao Poder Judiciário.
Se este julgar a denúncia procedente, será instaurado o processo penal.
Ao Fiscal competem duas tarefas importantes ao lavrar o
auto e impor a penalidade agravada: lavrar o auto de infração e, ao
mesmo tempo, elaborar a representação penal.
40
Antônio Airton Ferreira
O processo fiscal e administrativo na
Receita Federal
As infrações mais comuns são: a nota calçada, a falta de
recolhimento de IPI lançado, a utilização de crédito indevido de IPI para
diminuir o recolhimento, o uso de certidão negativa falsa, a falta de
emissão de Nota Fiscal (tipificada como crime nas leis no 8.137/90 e
8.846/94), a utilização de Nota Fiscal fria, inidôneas, etc.
Na Receita Federal, atualmente, há uma divisão de tarefas:
as delegacias que fiscalizam e cobram e aquelas que julgam, em
primeira instância, as impugnações apresentadas contra os autos
lavrados. Na primeira instância de julgamento administrativo, cerca de
40% dos créditos tributários lançados são julgados improcedentes.
Constatada uma fraude em prova apresentada, caberá, por exemplo, à
Delegacia de Julgamento, oferecer a representação penal.
Esta representação tem seu rito constante do Art. 83 da Lei
no 9.430. de 27 de dezembro de 1996, exigindo que a representação
penal só deva ser encaminhada à Procuradoria após ter sido
anteriormente julgada em todas as instâncias administrativas.
Ao constatar o fato, os Auditores Fiscais fazem a
representação penal, preenchendo o formulário apropriado. Em seguida,
pedem o enquadramento penal pelo fato detectado, indicando a
legislação pertinente e a descrição detalhada dos fatos caracterizados
como ilícitos, indicando os elementos de prova e o crédito tributário
decorrente da infração. Este ponto é imprescindível porque os crimes
fiscais são chamados de crimes de dano ou de resultado, impondo,
para tipificá-lo, a existência da redução ou supressão de tributo.
Finalmente, registra-se a qualificação dos responsáveis pelos
fatos detectados para, em seguida, relacionar a qualificação das
testemunhas, se as houver. Segue-se a relação dos elementos
comprobatórios, como os autos do desenvolvimento da fiscalização,
as declarações colhidas, etc., com o que a representação penal está
completa.
A representação é encaminhada à Procuradoria. Se esta
julgar ter todos os elementos necessários e que o crime está
caracterizado, oferece a denúncia. A Procuradoria tem competência
para formar juízo sobre a existência, ou não, do crime. Na Receita
41
Federal, esta não é uma função do Fiscal autuante. Caso o Procurador
entenda faltarem fatos ou provas, o processo retorna à repartição de
origem para completar a investigação, inclusive, se necessário, com a
colaboração da Polícia Federal.
O Fiscal diante do processo penal
Oferecida a denúncia pelo Procurador e recebida pelo Juíz,
inicia-se o processo penal. Nesses casos o Fiscal autuante é
normalmente chamado a depor como testemunha, o que é, sem dúvida,
uma situação extremamente incômoda, pois o acusado e seu Advogado
estarão também presentes. O Juíz formula perguntas a todas as partes
para formar sua convicção. As audiências e os depoimentos criam
situações constrangedoras que nem sempre deixam margem e tempo
para as informações mais adequadas.
Com a exigência do Fiscal fazer, em alguns casos, a
representação penal, sua função se ampliou. Sua tarefa de Fiscal é,
em primeiro lugar, a de verificar se houve infrações fiscais, constituindose, inicialmente, em uma espécie de investigador criminal com
limitações, pois as provas colhidas para o processo fiscal normalmente
não são suficientes para o processo penal. No geral, é suficiente
constatar os fatos, fazer a prova, aplicar o auto contra o contribuinte,
normalmente uma pessoa jurídica.
Na área penal e criminal a situação é bastante diferente. É
necessário esclarecer que o Fiscal não é, necessariamente, um
especialista em matéria de direito penal. Em segundo, não é a pessoa
jurídica que responde pelo crime, mas os seus responsáveis. Portanto,
ao fazer a representação penal o Fiscal deve, também, localizar de
quem é a autoria do delito. Por mais que se procure levantar as
responsabilidades pelos diversos setores e funções dentro da empresa,
é sempre uma grande dificuldade na área técnica. Isto porque, a
metodologia da fiscalização, para se constatar infrações fiscais, não é
suficiente nem adequada para identificar crimes com base em condutas
previstos no Código Penal, diferentemente daqueles previstas nas leis
tributárias. Esta alternativa está consignada na legislação atual que não
exige o prévio inquérito policial para que se faça a representação,
passando boa parte da investigação a ser também tarefa da fiscalização.
42
Antônio Airton Ferreira
Pagou, não há mais o crime
A determinação de que o processo só pode ser encaminhado
à Procuradoria após esgotar todas as instâncias administrativas, criada
pelo Art. 83, da Lei no 9.430/98, criou sérios problemas. Antes desta
Lei, existia a “extinção da punibilidade” estabelecida na Lei no 9.249, de
26 de dezembro de 1995. O curioso é que tal mudança, a de só haver
representação fiscal após esgotar os recursos da esfera administrativa,
introduzida pela Lei no 9.430/96, não veio acompanhada de suspensão
ou dilatação do prazo da prescrição penal. Só resta inverter a ordem de
julgamento dos processos, dando preferência àqueles que contenham
a representação penal, sem contudo evitar a perda de agilidade
processual e a prescrição penal.
Tal determinação, de esgotar primeiro todas as esferas
administrativas, pode até fazer sentido: se é um crime de resultado, é
preciso saber se a indicação de infração fiscal é realmente precedente
para depois fazer-se a representação. Mas o problema não foi
razoavelmente definido do ponto de vista operacional.
O Art. 83 da Lei no 9.430/96 reintroduziu a extinção da
punibilidade desde que ocorra o recolhimento do débito fiscal antes do
recebimento da denúncia. Tal prerrogativa se soma à prescrição como
meio para evitar qualquer sanção relativa a infração cometida. A extinção
não significa que não tenha havido o crime, apenas que a punição foi
esquecida face o recolhimento do tributo devido.
O uso da prova emprestada
O fisco federal utiliza freqüentemente provas produzidas pelos
fiscos estaduais, por exemplo, já que não é necessário repetir os
mesmos procedimentos. O mesmo fazem os fiscos estaduais quando
as provas são antes levantadas pela fiscalização federal. Tenho a
impressão que a fiscalização da Receita Federal se utiliza mais das
apurações dos Fiscais estaduais do que vice-versa. Minha experiência
pessoal é de intercâmbio quase diário com colegas do fisco estadual,
inclusive sem requisição, que só era feita quando a informação deveria
ser incluída em processo.
Muito diferente, no entanto, é tomar apenas o auto lavrado
pelo fisco estadual, que constitui a conclusão do trabalho, não a prova.
43
Por isto, tomar só o auto de outra fiscalização não é suficiente para
encaminhamento do processo fiscal. As provas, porém, podem e devem
ser compartilhadas pelas diversas fiscalizações.
A presunção legal e o ônus da prova
A presunção é definida como um fato de conhecido,
relacionado com um outro desconhecido, mas provável. Por exemplo,
a presunção de omissão de receita por saldo credor de caixa. A
importância da presunção legal reside na inversão do ônus da prova.
Ela parte de uma presunção comum, que ao se transformar em
presunção legal, inverte o ônus da prova. Assim, se há saldo credor de
caixa, basta ao fisco constatá-lo, para que passe ao contribuinte a
obrigação de provar, por exemplo, que o saldo é inexistente ou decorreu
de erro.
A tradição de sonegar impostos e a
impunidade
As normas que tratam da punibilidade são obedecidas por
dois motivos: o receio da sanção criminal e da sanção social. Quanto
ao segundo motivo, encontramos uma grande diferença com relação a
outros crimes. O mais indicado certamente não seria ver o recolhimento
de impostos apenas do ponto de vista da obrigação tributária, pois pagar
tributo é obrigação do cidadão, corresponde a sua participação no
financiamento do Estado.
Outra questão se refere ao tipo de sanção imposta à conduta
ilícita no campo tributário. Dependendo da nocividade da conduta, o
legislador determina que a sanção fique na área fiscal com a aplicação
de uma simples multa, ou, ao tipificá-la como crime, as do processo
penal.
A Lei no 8.137, de 1990, teve origem no Governo Collor e é
de difícil aplicação para sancionar crimes tributários. Isto porque, nesta
lei, quase tudo tipifica crime. Os efeitos de uma lei demasiado rigorosa
podem ser exatamente contrários aos objetivos iniciais do legislador,
pois sendo as penas muito severas, o Juíz muitas vezes decide pela
absolvição da conduta ilícita comprovada de menor monta.
44
Antônio Airton Ferreira
Na mesma lei não estava prevista a extinção da punibilidade
mediante o recolhimento do tributo devido. Muitos defendem a sua
reintrodução, como ocorreu mais tarde, por serem independentes o
crime e a área fiscal. Sua grande vantagem é o estímulo ao recolhimento
do tributo. As mudanças freqüentes e tumultuadas da legislação também
dificultam a observância das normas.
Outros impecilhos se apresentam aos Fiscais ao tentarem
levantar provas suficientes, não só para a fase fiscal, mas também
para a penal. Os Fiscais têm dificuldade de colher certas provas, a
Procuradoria de fazer a denúncia e o Judiciário de julgar. Este, como já
mencionado, tem que julgar a responsabilidade individual pelo crime, o
que nem sempre o Fiscal consegue localizar em uma firma autuada.
Todas essas dificuldades constituem um somatório que leva à
impunidade.
Além disto, nossas leis penais se concentram nos crimes
individuais, quando sabemos que grande parte dos crimes tributários
envolvem várias pessoas. Há uma incompatibilidade entre o que
acontece na prática e a previsão da legislação. Atualmente, fora do
sistema financeiro, que tem infrações de grupo, a legislação na área
fiscal ainda parte do pressuposto de que os crimes são individuais.
Este aspecto também dificulta a sanção dos crimes tributários e abre
um extraordinário espaço à impunidade.
45
A Justiça dos Ricos
e a dos Pobres
Expositor: Alcione Serafin Santana
Delegado de Polícia Federal
Mais importante que constatar o despreparo da Polícia ou a
lentidão do Judiciário, é adotar, como ponto de partida, o consenso de
que não se pode construir um país envenenado pela impunidade, pela
desigualdade e pela hipocrisia. Para avançar, será necessário responder
perguntas como: por que o país convive tanto tempo com policiais
despreparados e com a Justiça emperrada? Ou por que os corruptos
continuam impunes? Vamos partir do papel da Polícia Federal no
combate aos crimes previdenciários.
As atribuições da Polícia Federal
O órgão foi criado em 1944 no governo de Getúlio Vargas,
como mais um passo para federalizar o sistema nacional de governo.
Posteriormente, ele foi objeto de tratamento constitucional em 1967,
passando, em 1988, a compor o sistema de segurança pública nacional.
Conforme o Art. 144 da Constituição vigente, a segurança pública é
dever do Estado, de todos e deve ser exercida para preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público
federal, por intermédio de vários órgãos, inclusive da Polícia Federal.
A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente,
destina-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social,
em detrimento de bens, serviços e interesses da União, de suas
entidades autárquicas, fundacionais e empresas públicas. No próprio
(Nota: o Delegado Alcioní Serafin Santana, autor desta palestra, foi
assassinado em 27 de maio de 1998, em frente a sua casa, em São
Paulo. As apurações policiais indicam que o crime foi praticado por
vingança, em decorrência das atividades que o Dr. Alcioní vinha
desenvolvendo na Polícia Federal, daquele Estado.)
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texto constitucional estão, portanto, previstas as atribuições do órgão
em relação ao chamado crime previdenciário. No inciso 4º, do artigo
144, está previsto, pela primeira vez, que a Polícia Federal deve exercer
com exclusividade as funções de polícia judiciárias da União.
O mencionado inciso estabelece, assim, que no caso de
crime da órbita da Justiça Federal, seja comum ou especial, a atribuição
de apurá-lo, no campo da persecução federal é da Polícia Federal, órgão
exclusivo da União com essa finalidade.
A delegacia de crimes previdenciários e
suas dificuldades
A Delegacia previdenciária foi criada pela Portaria nº 325, de
1994, a partir da necessidade de especializar policiais na tarefa de apurar
e reprimir os crimes contra a Instituição previdenciária. Na cadeia de
órgãos e pessoas envolvidas nessa função estão, como sabemos, os
Fiscais previdenciários e na ponta final, o Juíz federal. Os órgãos
fiscalizadores dependem da participação efetiva da Previdência Social,
como órgão informador da persecução penal, tanto quanto o Procurador
tem papel essencial para a esfera da jurisdição.
Constatada a necessidade social e criada a Delegacia, suas
dificuldades estão, infelizmente, relacionadas com os problemas mais
gerais do país, como a crise de poder e de autoridade bem como a falta
de cidadania enquanto direito universal. Com tantos órgãos de
fiscalização, nenhum deles conta com a necessária autonomia que
representa a soberania do Estado. Mais grave ainda: as leis são
confusas, difusas, esparsas e objetivamente elaboradas para não serem
aplicadas. Há superposição de atribuições, criadas pelo legislador, sem
que a comunicação entre os órgãos respectivos esteja prevista ou
estruturada. Muito menos ocorre, de modo satisfatório, a comunicação
com o fisco estadual ou com órgãos correlatos, como no caso do
recolhimento do FGTS.
Leis confusas para beneficiar sonegadores
É de tal monta a confusão de leis, portarias e atribuições na
fiscalização e na repressão aos crimes previdenciários que nenhum
cérebro seria capaz de concebê-la e produzí-la. Um dos exemplos mais
gritantes de legislação mal feita constitui a Lei no 8.212/91 e, em especial,
48
Alcione Serafin Santana
seu Art. 95. Não é à toa que os Juízes e os tribunais não chegam a um
consenso mínimo sobre sua aplicação, pois a legislação é
flagrantemente falha. Como pode o legislador esquecer a sanção penal,
criar tipos penais sem prever as penas respectivas? Estamos em uma
situação de perplexidade. O direito só existe se contiver a sanção. Caso
contrário, não passará de uma norma moral.
Outro exemplo marcante é dos chamados crimes de
colarinho branco, previstos na Lei no 7.492/65. Segundo o último censo
do Ministério da Justiça, há 250 mil presos no Brasil, e nenhum é
considerado criminoso pela lei do colarinho branco. De quem é a culpa?
Da polícia corrupta e despreparada, da fiscalização ineficaz, dos
processos fiscais incorretos, dos Procuradores que não conseguem
produzir ações penais boas e bem fundamentadas ou dos Juízes que
não contam com instrumental jurídico adequado para cumprir sua função
constitucional? Será que estamos em uma situação na qual todos fazem
de conta que desempenham sua tarefa?
A Polícia Federal está evidentemente incluída nesse caos.
Os Juízes federais conhecem os resultados do trabalho da Polícia
Federal e os Procuradores reclamam freqüentemente das imperfeições
de suas atividades. Veja-se o caso da Delegacia em São Paulo. Criada
em 1994, só em 1997 está prestes a se efetivar enquanto ente autônomo
e especializado para atender às necessidades detectadas.
Nesta Delegacia há um grupo policial especialmente formado
para se dedicar à apuração dos crimes relacionados à Previdência
Social atuando há muitos anos. Em todos os Estados, a atuação é
ainda desorganizada, os policiais têm que dar conta de milhares de
inquéritos que funcionam como casos individuais e isolados, embora
se saiba que há verdadeiras quadrilhas atuando organizadamente. Cada
Delegado decide o destino de seu inquérito, sem maior interconexão
com outras delegacias. As delegacias nos Estados quase não se
comunicam entre si. Resulta, em termos genéricos, num sistema venal
com poucos efeitos práticos.
A legislação e o combate aos crimes
previdenciários
A legislação mais recente - Lei no 8.212/91 - é tão imperfeita
que os tipos de crimes e de sonegação fiscal são ainda menos
adequadamente indicados que na CLPS, Lei no 3.807, de 1960, que
49
sequer nominava os delitos específicos mas definia claramente, embora
de forma não muito técnica, padrões de crimes de sonegação fiscal,
de apropriação indébita, de falsidade ideológica e de estelionato. Os
três tipos penais previstos no Art. 95 da Lei no 8.212/91, letras “d”, ”e” e
”f” são, como se sabe, equiparados aos crimes de colarinho branco e,
como tais, foram concebidos e mal escritos para resultarem na não
condenação. Excluídos esses três tipos, os demais demandam uma
grande dose de interpretação para que se encontre em algum outro
instrumento legal a pena adequada.
Após trinta e cinco anos de proteção penal à Previdência
Social o legislador, infelizmente, ainda não logrou produzir uma legislação
séria, objetiva, clara e minimamente livre de equívocos. Para as
condutas previstas nas alíneas “d”, ”e” e ”f”, o legislador tomou de
empréstimo em matéria previdenciária, uma vez mais, a sanção
estabelecida para os crimes de colarinho branco. Talvez a intenção
tenha sido a de aumentar sensivelmente a gravidade da sanção
correspondente, mas a aplicação da lei específica para os crimes
previdenciários tornou-se, a partir daí, muito mais difícil.
Em artigo recente, o Juíz federal Dr. Nelson Bernardes conclui
que é possível punir todos os casos de crime contra a Previdência Social,
para os quais a sociedade deve buscar uma sanção adequada, com
base no Art. 95 da Lei no 8.212/91. Propõe, aquele magistrado, aplicar o
princípio da subsidariedade valendo-se também da Lei no 8.137/90, que
trata do mesmo tema, ou do Código Penal Brasileiro. Persistem, contudo,
muitas questões em aberto, como a da extinção da punibilidade.
A apropriação indébita e o não recolhimento
de contribuição previdenciária
O crime cuja tipificação, doutrina e jurisprudência são aceitas
pacificamente é o de apropriação indébita. Se esta não for reconhecida
na aplicação da legislação previdenciária, ter-se-á, pela primeira vez
no Brasil, um crime tributário sem a antecedente fraude. Trata-se, na
verdade, de uma discussão mais ampla que resvala para aspectos
Constitucionais. Se a natureza do tributo é civil, ele tem algumas
garantias que a Constituição assemelha ao direito penal. Pela tradição
imperante no país, deixar de pagar tributo não é crime, embora esse
seja cobrável pela via executiva, civil. O que caracteriza o crime tributário
é a fraude, a evasão propositada, como meio de enriquecimento ilícito
50
Alcione Serafin Santana
proveniente de tributos cobrados do consumidor e não repassado aos
cofres públicos.
Quando o empregador deixa de recolher contribuições
previdenciárias, incorre, na minha opinião, em apropriação indébita, pois
ocorre um desvio de valores que não pertencem ao empregador, mas
ao empregado, ao público em geral ou a outras figuras assemelhadas.
Há quem sustente, em contraposição, que a apropriação indébita tem
caracteres próprios e, por isto, foi inclusive, excluída do Art. 168 do
Código Penal.
A discussão está longe de terminar. De todo modo, ela não é
meramente bizantina, pois o posicionamento frente a ela gera absolvição
ou condenação de alguém, gera impunidade ou punibilidade. Eis as
conseqüências de uma legislação que foi elaborada para não funcionar.
Seria muito mais fácil repetir o conteúdo do Art. 168 do Código Penal e
indicar a pena específica. Como isto não ocorreu, recorre-se a figuras
retóricas, absurdas, para não se chegar a nada.
Tradição é não punir crime fiscal
Quer-se, por um lado, cobrar o tributo, mas, por outro, não
há a tradição de punir os crimes fiscais, tributários e do colarinho branco.
É muito fácil no Brasil, apoderar-se de um bilhão de dólares ou mais
através da manipulação das chamadas contas CC-5 – contas
existentes no Banco Central, de pessoas residentes no estrangeiros e
que possuem negócios no Brasil e que, por este intermédio remetem,
sem qualquer limitação, dólares do Brasil para suas contas no exterior
– deixando de recolher os tributos devidos. Caso o fisco consiga
localizar o sujeito ativo do delito, este simplesmente paga o tributo e
está totalmente livre no campo penal. Mas se alguém rouba uma bicicleta
usando uma arma de brinquedo, qualificadora do crime de roubo, como
consta de caso sumulado no STJ, o indivíduo pode ser condenado a
até cinco anos e quatro meses de reclusão. A diferença de tratamento
é gritante. No tocante à Previdência Social, a situação é ainda mais
grave do que quando não se recolhe tributo federal, pois estamos diante
de um emaranhado de normas em boa parte inaplicáveis.
Em muitos casos, tem sido acolhida a tese de que quando
se permite ao empregador o recolhimento parcelado de contribuições
previdenciárias descontadas do salário de seus funcionários, o delito
estaria descaracterizado, implicando em trancamento da ação penal
51
por falta de justa causa, já que assim fica demonstrada a inexistência
de ânimo de transferir para si a posse do montante não recolhido.
O estabelecimento da responsabilidade
penal
A questão é tratada de modo evidentemente imperfeito do
ponto de vista penal no § 3º do Art. 95, da Lei no 8.212/91 – a lei de
custeio da previdência. Os nossos sistemas Constitucional e jurídico
não acolhem a responsabilidade objetiva. Não basta que o legislador
defina quem é o autor de infração penal. É sempre o Juíz que define a
responsabilidade específica no fim do processo, baseando-se na efetiva
participação e conduta de cada um. Por ser sócio-gerente de uma
empresa, o indivíduo não pode ser responsabilizado penalmente. A
responsabilidade civil se vale do instituto da responsabilidade objetiva,
mas não o direito penal. Além disto, há uma grande discussão a respeito
da prisão por dívida e a confusão ficou ainda maior com uma lei federal
recente (no 9.430/96, Art. 83), cujo interesse principal seria tentar
arrecadar tributos e contribuições e que colaborou para dificultar a
persecução criminal dos responsáveis.
A busca e a apreensão de documentos e
provas jurisprudência.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu poderes de busca
e apreensão aos órgãos de fiscalização, mas isto raramente acontece.
O Supremo considerou inclusive, em dezembro de 1994, em ação
contra os senhores Fernando Afonso Collor de Mello e Paulo César
Cavalcanti Farias e outros, que as empresas e os escritórios têm os
resguardos constitucionais semelhantes aos concedidos à moradia,
enquanto garantias individuais do cidadão. E as provas produzidas a
partir de busca e apreensão, sem mandado judicial, em escritório dos
dois réus mencionados, foram consideradas ilícitas. As informações
contidas no computador apreendido na ocasião, em diligência da Receita
Federal, com memória apagada mas que pôde ser resgatada, cujo
conteúdo tinha por senha coincidentemente a palavra Collor, foi
considerado prova obtida por meio ilícito por não ter sido precedida de
mandado judicial de busca. Não se trata aqui de crítica ao Poder
Judiciário, mas a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que acaba
52
Alcione Serafin Santana
se constituindo em referencial de jurisprudência por ter sido proferida
pela suprema corte do país.
A justiça dos ricos e a justiça dos pobres
Desta forma acabamos tendo dois níveis de direito penal: o
dos pobres e o dos ricos. Se o indivíduo é rico, recorre a bancas de
advocacia poderosas que se fundamentam em doutrinas nacionais e
até alienígenas para se defender. Se pobre, ele mal conta com a ajuda
advocatícia prevista na Lei no 1.060. As conseqüências são conhecidas
de todos: temos 250 mil presos, constituídos de pobres, pretos e
prostitutas.
Em contraposição, de 1986 a 1995, de um total de 682 casos
de crimes financeiros que transitaram na Justiça Federal de primeiro
grau, apenas cinco (5) resultaram em condenação. E mais: o Banco
Central do Brasil demora em média dois anos para comunicar crimes
em sua órbita de fiscalização. Ressalte-se que são casos que chegam
a envolver bilhões de dólares. As dificuldades de atuação da fiscalização
e da Polícia Federal situam-se em três planos: poder econômico,
despreparo pessoal e legislação ultrapassada. Em tempos de
globalização, é urgente globalizar o direito penal e processual penal,
adotando leis e práticas mais avançadas e condizentes com os últimos
desenvolvimentos na esfera financeira.
Grandes escândalos, mínima punibilidade
Nenhum país está livre de corrupção e de abusos, mas o
único meio de contê-los é com a punição dos culpados. A
democratização do Brasil deu transparência a práticas escusas, mas
a estupefação, a cada novo indício de desvio de conduta sem punição,
poderia levar a uma atitude geral de descrédito e de resignação. Seria
lastimável que uma seqüência de fatos e indícios desabonadores
arrefeça a divina capacidade de indignação ética e moral da opinião
pública e que permita uma acomodação geral em prol da impunidade.
Alegações de que certas revelações visam interesses políticos e que,
por isto, deva-se evitar a formação de CPIs, para resguardar processos
de reformas econômicas, podem reforçar a cultura do ceticismo. Só
apurações rigorosas e punições podem reduzir as chances de que os
escândalos continuem a se repetir com freqüência tão grande, mas
com punibilidade mínima.
53
O Histórico Jurídico dos
Crimes Fiscais
Expositor: Lúcio Leocal Colóquio
Procurador Regional do INSS
O Direito Penal e os crimes contra a
Previdência Social
Antes de tudo, desejo deixar claro que não falo em nome da
Procuradoria, pois ela é representada pelo Procurador Estadual. Falo
em nome próprio, como funcionário do INSS, desde 1981. Minha
especialidade não é na área do crime fiscal, mas a defesa do INSS nas
ações de benefícios, na cobrança de créditos previdenciários e na
execução de dívidas regulamentares inscritas como dívidas ativas, entre
outras. Mesmo assim, arrisco fazer algumas observações sobre os
crimes em matéria fiscal.
Toda ação de combate ao crime de sonegação encontra certa
dificuldade em sua caracterização. É ela que permite punir a conduta
criminosa. O Prof. Basileu Garcia iniciava a conceituação do Direito
Penal com uma definição rápida do delito: é a ação humana, antijurídica,
típica, culpável e punível. É uma definição que acomoda os princípios
da legalidade e da anterioridade, segundo os quais não há crime sem
pena e ninguém é punido quando não há crime. Este princípio vem
sendo consagrado em todas as Constituições brasileiras e está também
mantido no inciso XL, do Art. 5o, da Carta em vigor. O princípio da não
retroatividade das leis penais, salvo quando para beneficiar o réu,
também está contemplado no mesmo artigo.
São definições claras e precisas para o crime e a pena
respectiva, que exigem a determinação e a descrição do agente
responsável, dos elementos objetivos e subjetivos do crime, que é
55
caracterizado não apenas pela culpa mas, principalmente, pelo dolo,
salvo casos especificados na lei.
O conceito de Previdência Social se encontra integrado, de
modo amplo, na denominação de Seguridade Social. Os crimes contra
ela foram, primeiramente, incluídos como disposições sociais no Art.
155, da Lei no 3.807, de 26/08/1960, com a redação dado pelo Art. 25 do
Decreto-Lei no 6.666, cujas disposições foram reproduzidas no Art. 222,
incisos I a IV da então vigente Consolidação das Leis da Previdência
Social (CLPS). Os mesmos dispositivos foram regulamentados, em
segunda versão, pelo Decreto no 89.312, no qual cada figura ou conduta
delituosa, prevista no Art. 222 da CLPS, foi tipificada em termos de
figuras legais preexistentes, tais como a sonegação fiscal prevista no
Art. 1º, da Lei no 4.729, de 14/07/65, com pena de reclusão de 2 a 6
anos acrescida de multa.
A conduta definida como apropriação indébita, por exemplo,
está tipificada no inciso I, letras “a” a “c” do mesmo artigo,
correspondendo ao Art. 168 do Código Penal, com pena de reclusão
prevista de 2 a 4 anos de detenção e multa. A falsidade ideológica,
prevista no Art. 299 do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5
anos, em caso de documento público, e de 3 anos em caso de
documento particular. Na CLPS está contida nas condutas previstas
nas letras “a” a “c” do inciso III, do Art. 155, da Lei no 3.807/60 e no Art.
222 da CLPS.
Já o estelionato está previsto no inciso IV, letras “a” a “c” do
Art. 171, do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa.
Assim, mesmo após a edição da Lei no 3.807/60 e do Art.
222 da CLPS, não se podia falar ainda em crimes previdenciários
propriamente ditos, pois se buscava em outras figuras jurídicas
preexistentes à semelhança delituosa para punir condutas consideradas
criminosas contra o patrimônio e os interesses da Previdência Social.
Após a promulgação da Constituição de 1988, era evidente
que os Arts. 201 e 202 careciam de regulamentação para sua vigência
plena. Esta só se concretizou nas Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24
de julho de 1991, e seus regulamentos, que dispõem sobre os novos
planos de custeio e de benefícios da Previdência Social.
A partir daí, os crimes ou delitos previdenciários passaram a
ter tipificação no Art. 95 da Lei no 8.212/91. Nele, não se faz mais
referência a delitos previstos no Código Penal, como sonegação fiscal,
56
Lúcio Leocal Colóquio
apropriação indébita, falsidade ideológica ou estelionato. Agora, passa
a constituir crime uma série de condutas específicas para a Previdência
Social, tais como: deixar de incluir na folha de pagamento segurados
ou empresários, trabalhadores avulsos ou autônomos que lhe prestem
serviços; deixar de lançar mensalmente gastos com trabalhadores;
omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos (forma semelhante
à sonegação fiscal); não repassar aos cofres da Previdência Social
contribuições previdenciárias descontadas do empregado segurado ou
do público (o que caracterizaria o crime de apropriação indébita se não
fosse a não previsão de pena nesta lei, o que força a fiscalização e a
Justiça a ir buscá-la na Lei no 7.492/86).
Cada um destes delitos está tipificado em alíneas específicas
o
da Lei n 8.212/91. A lista de crimes segue nas alíneas ”g”, “h” e “i”, que
contemplam figuras correspondentes às antigas cominações de
falsidade ideológica ou documental. E a alínea “j” volta a contemplar o
crime de estelionato, embora sem mencioná-lo.
A questão da cominação da pena
No § 1o, do Art. 95, figura o seguinte: no caso dos crimes
caracterizados nas alíneas “d”, “e”, e “f”, infere-se que apenas nessas,
a pena será estabelecida no Art. 5º, da Lei no 7.492, de 16 de junho de
1986, aplicando-se as disposições constantes do Arts. 26, 27, 30, 31 e
33, do mesmo diploma legal. Trata-se da lei que define os crimes contra
o Sistema Financeiro, a chamada Lei do Colarinho Branco, com penas
de reclusão de 2 a 6 anos e multa.
Os artigos da Lei contra os Crimes do Sistema Financeiro,
referidos na Lei no 8.212/91 dizem respeito ao procedimento penal,
determinando que a ação é pública, que depende de promoção do
Ministério Público Federal e, caso este não o faça, a vítima e/ou a
repartição respectiva podem fazê-lo em caráter subsidiário ou indicando
um órgão que o faça.
O § 3º da mesma “Lei do Colarinho Branco” determina
exatamente, e de forma clara, quais os dirigentes que são pessoalmente
responsáveis pelos crimes catalogados ou caracterizados nas alíneas
“a” a “j” do Art. 95, da Lei no 8212/91: o titular da firma individual, os
sócios solidários, os gerentes, diretores ou administradores que
participem ou tenham participado da gestão da empresa beneficiada,
assim como o segurado que tenha obtido vantagem.
57
Sabemos, no entanto, que há lacunas nas normas e na
alternativa de utilizar dispositivos aplicáveis por subsidiaridade. É
possível que em ação na qual é necessária a intervenção do Ministério
Público, o Procurador da República interfira questionando, conforme o
caso, se a autoridade pode ser coatora ou se seus atos foram lesivos.
As prerrogativas da fiscalização e as
lacunas legais
O § 4º, do mesmo Art. 95, da Lei nº 8.212/91 confere à
fiscalização toda uma gama de prerrogativas e as especifica, por
exemplo, quando a onde buscar na contabilidade da empresa a
comprovação ou a caracterização dos delitos previstos no mesmo artigo.
Mas, como sabemos, apenas os descritos nas letras “d” a “f” têm pena
fixada. Os demais devem ser apenados, conforme a determinação
citada do Art. 1º, seguindo o que determina a Art. 4º da “Lei do Colarinho
Branco”. As autoridades competentes têm adotado a tese, diante dessa
lacuna, de que essa lei, em conjunto com a Lei nº 4.729/65 (sobre a
sonegação fiscal). As próprias figuras contidas no Código Penal, Arts.
168, 161 e 299 caracterizam os crimes e definem perfeitamente as
penas. Deste modo, tem sido possível a punição de crimes contra o
patrimônio previdenciário que, em si, pertence aos segurados e
dependentes.
Há uma famosa decisão de um Juíz Federal de Campinas,
Dr. Nelson Bernardes de Sousa, que conclui que, mesmo sem a Lei nº
8.212/91, todas as condutas delituosas contra a Previdência Social já
estariam contempladas em outros diplomas legislativos, com base nos
quais poderiam ser julgadas e punidas.
Caberia aos poderes próprios da República, e com muita
rapidez, suprir as lacunas legais existentes, para dirimir todas as dúvidas
ainda remanescentes sobre as figuras delituosas de interesse da
Seguridade Social e as respectivas sanções e penalidades.
Em primeiro lugar, carece de reformulação a forma de
procedimento fiscal definida na Instrução de Serviço 008, para apurar a
ocorrência e as responsabilidades previstas nas letras “d” e “f” da Lei
específica da Seguridade Social. Assim, será possível definir uma norma
própria para o delito previsto na letra “e” da mesma lei (referente a
despesa contábil repassada ao custo do produto). Os demais delitos
58
Lúcio Leocal Colóquio
previstos nas alíneas “a”, “b”, “c”, “g”, “h”, “i”, “j”, necessitam também
de normas internas, para que os Fiscais previdenciários as apurem e
trabalhem no sentido de encaminhar para a Procuradoria as peças
necessárias à representação por parte do Ministério Público.
No tocante à arrecadação e à execução fiscal, a fiscalização
deve pesquisar sempre qual é o patrimônio dos responsáveis que
permita pagar os débitos para com a Previdência. Nos casos em que
não se encontre patrimônio suficiente, seria oportuno introduzir uma
ação de depósito do valor devido. Este tipo de ação apresenta um efeito
de demonstração e atemorização nada desprezível para outros
possíveis sonegadores.
O papel do Fiscal previdenciário
Não cabe diretamente ao Fiscal de Contribuições
Previdenciárias promover, ele mesmo, a representação ao Ministério
Público Federal com vistas à ação penal. Há outra ordem de serviço - a
OS no 008/92 - assinada em conjunto pela Diretoria de Arrecadação e
Fiscalização – DAF, e pela Procuradoria Geral, que estabelece, em
resumo, o seguinte procedimento: o Fiscal previdenciário vai à empresa,
fiscaliza, pesquisa, investiga, constata a ocorrência que de fato julga
ser um delito e que pode se enquadrar, por exemplo, nas circunstâncias
previstas na alínea “d” e na alínea “f” do Art. 95, quanto à apropriação
indébita .
Por mais que o delito esteja descrito e tenha pena prevista
na “Lei do Colarinho Branco”, com todas as combinações acessórias,
não cabe ao Fiscal afirmar que o delito estaria perfeitamente
caracterizado. Sua função é a de expor os fatos apurados e comunicar
as provas que colheu quanto à conduta delituosa. A notificação é
encaminhada ao chefe superior, ao supervisor. Deste, segue para a
Procuradoria, onde os Procuradores, versados em direito, especificam
os crimes e denunciam o fato criminoso. Recomenda-se, enfaticamente,
que o processo, até para a preservação do Fiscal, seja remetido à
Procuradoria para ser analisado quanto ao fato em si e quanto aos
documentos apresentados para receber a representação deste setor
técnico que será encaminhada ao Ministério Público Federal.
Se o Procurador se omite e não produz a representação,
embora o devesse fazer, o fato deve ser denunciado, pois poderá estar
incorrendo em prevaricação.
59
A Punibilidade Penal
na Lei nº 8.212/91
Expositor: Francisco Dias Teixeira
Procurador da República
A grande dificuldade do Ministério Público é efetivamente
tentar enquadrar os fatos num tipo penal, porque existem inúmeras leis,
sobre as quais não se chegou a um acordo de como interpretá-las.
Nem no Ministério Público, nem entre os Juízes de segunda instância,
nem tampouco nos tribunais superiores.
Tentarei montar um quadro, de ordem teórica e técnica, sobre
a legislação atualmente existente. Para tal é necessário percorrer um
leque enorme de leis.
Minha exposição estará, por isto, dividida em três partes: um
breve histórico da legislação sobre o assunto; a lei vigente e seus
problemas; e por fim condutas criminosas que poderiam eventualmente
se relacionar com a questão tributária mas que não constituem crime
fiscal, que se denomina crime de descaminho.
A legislação brasileira sobre a contribuição
à Previdência Social
Desde 1937, o Decreto-lei no 65, em seu Art. 5o, já dispunha:
“empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus
empregados e não as recolher na época própria, incorrerá nas penas
do Art. 331, no 2, da Consolidação das Leis Penais, sem prejuízo das
demais sanções estabelecidas nesse Decreto-lei”. A questão sobre se
se trata ou não de apropriação indébita continua controversa, mas, como
se observa, o ilícito já era conhecido e foi descrito há muito tempo. Isto
em uma época anterior ao próprio Código Penal. A figura jurídica já
então era equiparada à apropriação indébita.
61
Prefiro denominar a conduta mencionada como “apropriação
indevida de tributo ou de contribuição social”, uma figura diferente da
apropriação indébita prevista no Código Penal.
Em 1960, a Lei no 3.807, que dispunha sobre a Previdência
Social, em seu Art. 86, também previu a conduta, sem equipará-la à
apropriação indébita, mas caracterizando-a como crime. Em 1966, o
Art. 155 da mesma lei foi alterado, de tal modo que na própria Previdência
Social os atos lesivos a ela receberam um tratamento mais geral e
abrangente, além de ocorrer uma caracterização mais específica dos
vários tipos de conduta. O legislador aplicou a técnica de equiparar
fatos e condutas relativos à Previdência Social a tipos de crimes
previstos no Código Penal, como a sonegação fiscal, a falsidade
ideológica, o estelionato e a apropriação indébita. De certa forma, essa
situação perdura até hoje.
Os elementos deste tipo de crime estão descritos desde
1986, quando a Lei no 7.429 previu os crimes fiscais de maneira geral.
Extinção da punibilidade mediante o
recolhimento do tributo
Após 1966, sucederam-se inúmeros decretos-lei e leis
regulamentando setorialmente a questão, em especial quanto à extinção
da punibilidade mediante o recolhimento do tributo, que também segue
controversa.
O tumulto oriundo da profusão de documentos legais foi, em
boa parte, sanado com a promulgação da Lei no 8.137, de 1990, que
trata dos crimes contra a ordem tributária. Já sua própria denominação
denota seu propósito abrangente, definindo as várias figuras de delito
relacionadas a essa esfera, como a sonegação fiscal ou de tributo, a
apropriação indevida de tributo, o crime funcional, a corrupção
relacionada com a atividade de arrecadação, entre outras. A questão
da extinção da punibilidade também recebeu solução provisória: o Art.
14 da lei previa a extinção para qualquer crime contra a ordem tributária,
caso o recolhimento ocorresse antes do recebimento da denúncia. Aí
estariam, portanto, incluídas a sonegação de tributo, a apropriação de
tributo e inclusive o crime funcional, o que era absurdo.
De certo modo, a lei de 1990 significou uma sistematização
da questão, revogando todas as disposições anteriores e definindo mais
62
Francisco Dias Teixeira
claramente os temas controversos. O seu primeiro artigo descreve o
crime de sonegação de tributo e o artigo seguinte prevê , entre outros
aspectos, o crime de apropriação indevida de tributo ou de contribuição
social.
Os três ilícitos básicos relacionados à
Previdência Social
Lembremos que há três ilícitos básicos contra a Previdência
Social relacionados ao não recolhimento de contribuições: 1º) - o simples
não recolhimento; 2º) - o não recolhimento mediante fraude e 3º) - o
não recolhimento ao órgão arrecadador do que foi retido do contribuinte,
pelo empregador.
Não recolher um tributo, uma contribuição, enfim, é
claramente um ilícito civil, tributário. O meio coercitivo contra o infrator
é a execução fiscal, com a série de conseqüências previstas na
legislação previdenciária, que é de conhecimento geral.
O não recolhimento passa da figura de inadimplência simples
para crime fiscal se for utilizada qualquer tipo de fraude, por exemplo,
tendente a encobrir o fato gerador. Este crime está previsto no Art. 1º,
da Lei nº 8.137/90. Tanto a fraude como qualquer outro tipo de ilícito
mencionado constituem ilícito penal.
O não recolhimento, no prazo legal, de tributo arrecadado do
contribuinte, aos cofres públicos, também constitui crime, mesmo que
não haja fraude. Assim reza a lei. Esta determinação tem importantes
conseqüências, inclusive no tocante à extinção da punibilidade, como
se verá mais adiante.
Vejamos, em detalhe, os dois tipos de ilícitos penais
mencionados na legislação: a sonegação de tributo (o não recolhimento
mediante fraude) e a apropriação indevida de tributo ou de contribuição
social (a contribuição descontada do empregado, retida pelo empregador
e não recolhida nos prazos legais).
A Lei nº 8.137/90
A Lei nº 8.137/90, em seu Art. 1º e incisos respectivos, previa
a sonegação de tributo de várias formas: o não recolhimento do tributo
mediante declaração falsa, alteração de livro, omissão de informação,
63
entre outros (inciso I) e no inciso II, previa o não recolhimento de tributo
ou contribuição social arrecadados dos segurados e do público em geral.
Ambos os incisos se referiam, portanto, à sonegação de tributos
mediante fraude, objeto do Art. 1º.
Já o Art. 2o se referia ao não recolhimento na época devida
do imposto arrecadado de terceiro. Resumindo: no Art. 1o estavam
previstas as condutas com fraude, independente de serem as
contribuições devidas pela própria pessoa ou arrecadadas de terceiro.
Segundo esta interpretação, as hipóteses de o empregador
reter a contribuição previdenciária do empregado e não recolher no prazo
legal, valendo-se de fraude (para demonstrar que não reteve) ou dolo,
determinavam qual artigo devia ser aplicado. As sanções eram
evidentemente diferentes para cada caso.
A Lei nº 8.212/91
Conforme sabemos, em julho de 1991 foi editada nova lei da
Seguridade Social que revogou as anteriores que tratavam do mesmo
tema. De modo semelhante à anterior, também a Lei no 8.212/91 previu
as condutas que constituem crime e as elencou no famoso Art. 95. As
suas primeiras quatro alíneas referem-se claramente à sonegação fiscal.
Nota-se que o legislador optou por retirar o crime de sonegação fiscal
contra a Previdência Social, diluindo-o nas mencionadas alíneas.
As alíneas seguintes - “d”, ”e” e “f” - apresentam um conteúdo
assemelhado à apropriação indébita ou apropriação indevida de tributo.
As seguintes - “g” e “h” - têm o conteúdo de falsidade ideológica e as
duas últimas - “i” e “j” – de falsidade documental e de estelionato. Todas
as condutas ali listadas foram declaradas crime.
O § 1o do mesmo artigo determinou que para os casos
previstos nas alíneas “d”, “e”, e “f” a pena seria a da Lei no 7.492/86, que
trata dos crimes financeiros. As condutas criminosas previstas nas
demais alíneas não tiveram penas previstas, o que abre um grande
campo para uma razoável dúvida sobre a vontade de punir. Pode-se
perfeitamente sustentar que uma norma pretensamente penal que não
prevê pena não é norma penal. Se foi ali novamente qualificada como
crime há que se buscar a pena correspondente a cada conduta
criminosa onde também é prevista como crime e com a pena
correspondente: no Código Penal e na Lei no 8.137/90.
64
Francisco Dias Teixeira
A omissão da pena na Lei nº 8.212/91
Aqui é irrelevante discutir se a omissão da pena foi proposital
ou constituiu apenas equívoco, ou ainda se a omissão foi politicamente
determinada. A Lei nº 8.212/91 incluiu apenas uma excepcionalidade
ao indicar que as penas previstas em algumas alíneas seriam as
mesmas da Lei nº 7.492/86.
Sustento que, como parte de lei organizadora da Previdência
Social, o citado Art. 95 tem uma finalidade puramente didática. Com
exceção das excepcionalidades relacionadas às penas previstas em
outra lei, a Lei nº 8.212/91 não criou os crimes mencionados porque
falta, expressamente, a menção de qual pena deve ser aplicada. Assim
sendo, a criação do crime continua sendo a da lei vigente anteriormente,
a Lei nº 8.137/90 (Art. 2º, inciso II) e o Código Penal. A nova lei apenas
repete quais as condutas que constituem crime e a função do § 1º foi
apenas a de excepcionalizar os casos aos quais caberia a aplicação
de outra lei que não a específica da Previdência Social. Para os demais
casos, seguiria vigente a legislação anterior. Assim, não haveriam
maiores problemas de interpretação.
Resumindo a questão referente à apropriação indevida de
contribuição social: é crime previsto na Lei nº 8.212/91. Apropriação
indevida de contribuição social é crime previsto na Lei nº 8.212/91 (alíneas
“d”, “e” e “f”), como as demais condutas criminosas listadas, só que
recebe uma pena igual à prevista na Lei nº 7.492/86. A prática criminosa
de sonegação de imposto, ou seja, o não recolhimento de imposto
mediante utilização de fraude, quer se refira aos tributos arrecadados
pela Receita Federal, quer pelos outros entes políticos, como Estados
e Municípios, também constitui crime, como rezam as alíneas
correspondentes mas sua caracterização enquanto crime, com as
respectivas penas, segue sendo a da lei anterior, a de nº 8.137/90,
disciplinados no seu Art. 1º em seus vários incisos. De modo semelhante
continua em vigência o Art. 2º, inciso II, da mesma lei, no tocante à
apropriação indevida de contribuição social ou de outro tributo, apenas
sua pena deve ser agravada, razão pela qual se aplicam as penas
previstas em outro documento legal mais severo.
A extinção da punibilidade dos crimes
fiscais
65
Esta interpretação, em princípio, seria bastante fácil se não
tivesse sido revogada, em 1991, a extinção da punibilidade e novamente
restabelecida em 1995, pela Lei nº 9.249, Art. 34, mediante o
recolhimento de tributo. De modo muito claro, é possível ao próprio
agente da ilicitude, pelo simples pagamento, extinguir a punibilidade dos
crimes previstos na Lei nº 8.137/90 e na Lei nº 4.729/65. Como esta
última estava de fato totalmente revogada, o conteúdo do Art. 34 citado
refere-se à extinção da punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/
90, caso o contribuinte pague o imposto ou a contribuição social antes
do recebimento da denúncia.
No entanto, praticamente não há dúvida de que a retenção
indevida da contribuição da Previdência Social não está prevista na Lei
nº 8.137/90, mas de forma clara apenas na Lei nº 8.212/91. Se extingue
a punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, no caso de o
contribuinte recolher o imposto até a denúncia. O mesmo se aplicaria
para os casos previstos na Lei nº 8.212/91, desde que se aceite o princípio
constitucional da isonomia da contribuição social com os demais
tributos, em uma construção muito mais legislativa que propriamente
jurisprudencial.
Ressalte-se que essa isonomia, na prática, desde 1937 nunca
existiu, pois, por exemplo, as penas aplicáveis à sonegação ou à
apropriação indevida de tributos federais e da contribuição à Previdência
Social sempre foram diferentes. Se agora se levanta a isonomia no
caso da extinção da punibilidade mediante o recolhimento, incluindo
todos os encargos devidos, a razão não parece nada clara.
A representação fiscal
A Lei n o 9.430/96 prescreve, como se sabe, que a
representação fiscal só poderá ser encaminhada apenas após prolatada
a decisão final administrativa, com trânsito em julgado. Interpretada de
modo rígido, esta determinação implicaria que, enquanto o processo
estiver sendo examinado ou discutido na esfera administrativa, não se
pode sequer questionar, judicialmente, sobre a existência do crime. Isto
inviabiliza qualquer execução de uma condenação, pois sabe-se que,
na condenação e na execução, normalmente se reduz, a grande maioria
dos casos, à pena mínima. Acrescente-se ainda que, neste caso, a
pena mínima prescreve retroativamente. Se assim for, é melhor voltar
logo à situação anterior a 1965, quando sonegar tributo não era crime.
66
Francisco Dias Teixeira
O Ministério Público entende que esse dispositivo da lei é
inconstitucional, pois implica vincular e submeter a função institucional
do Ministério Público - promover a ação penal – bem como a do próprio
Poder Judiciário – de julgar as ações penais - à existência da decisão
administrativa. Argüida sua inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal
Federal indeferiu liminar porque deu interpretação diversa: o dispositivo
se refere à própria esfera administrativa, permitindo-a encaminhar a
representação somente após a decisão administrativa com trânsito em
julgado. Mas não impede, em absoluto, que o Ministério Público exercite
plenamente suas funções institucionais, previstas no Art. 128 do Código
Penal, promovendo a representação criminal, nem inibe o Juiz de receber
a representação do Ministério Público e, uma vez demonstrado o crime,
prolate a sentença condenatória.
Esta foi a decisão do Supremo Tribunal, que teve por objetivo
resguardar a constitucionalidade desse dispositivo legal. Porém, nas
primeira e segunda instâncias, em São Paulo, de forma quase unânime,
a interpretação tem adotado decisão de que os processos penais em
andamento, com recurso administrativo pendente devem ser
suspensos ou extintos, aguardando o trâmite final da esfera
administrativa.
O estado caótico da legislação e suas
conseqüências
Os exemplos mencionados já são suficientes para mostrar
quão caótica é a legislação concernente à contribuição à Previdência
Social, que reflete uma grande indecisão política ao reprovar condutas
ilícitas. A situação legal se inverte freqüentemente. A sonegação fiscal
é crime em uma época, em outra não. A punibilidade se extingue e logo
após deixa de se extinguir. É verdade também que não se pode ficar
todo o tempo criticando a legislação. Os comentários anteriores indicam
que é possível uma interpretação puramente técnica, nos limites dos
instrumentais jurídicos, doutrinários e hermenêuticos, que permita salvar
o essencial da lei e aplicá-la no sentido de coibir as condutas ilícitas e
criminosas.
Tanto o Ministério Público quanto a Magistratura devem fazer
uma severa crítica a sua própria atuação no Brasil, no tocante à questão
penal. O fato de não termos ninguém condenado por “crime de colarinho
67
branco” não se deve só a falhas na ação da polícia ou da fiscalização.
São preocupantes a maneira como as provas desses crimes têm sido
analisadas e as construções jurisprudenciais aceitas por parte do
Ministério Público e pela Magistratura.
O papel do Ministério Público no processo de ação penal é
central, pois a ele cabe fazer a denúncia, sem a qual não há condenação.
Ele é o titular da ação penal. Se ele decidir pelo arquivamento do inquérito,
não há processo.
Nos processos concernentes a crimes financeiros, há uma
dificuldade intrínseca de encontrar provas semelhantes às de crimes
violentos contra pessoa. Lembremo-nos que o indício pelo Código Penal
é prova, desde que considerada suficiente. Não é necessário sempre
aliar provas a indícios. Em crimes de fraude, quando a prova é bem
feita, não há outra possível que não a indiciaria. Por exemplo, se o
indivíduo não assinou ele mesmo o cheque que serviria de prova, como
esperar encontrar a prova acabada? Nesses casos, temos que buscar
indícios suficientes que sirvam como prova.
A omissão de representação por parte dos
Fiscais
A norma do Código Penal é genérica e diz que qualquer
pessoa pode comunicar o fato criminoso. O funcionário deve fazê-lo,
conforme está previsto no estatuto. Em geral, a autoridade a se dirigir é
o Ministério Público ou a Policia.
A forma de fazê-lo depende em parte das normas próprias
de cada órgão de fiscalização. Não há uma norma geral. Na minha
opinião, o procedimento deve seguir o que prescreve o Código Penal,
ao qual estão subordinadas todas as regras e atribuições de cada órgão
fiscalizador para fazer a representação, mesmo que estas estejam
previstas em decreto ou outra regulamentação menor.
Há, portanto, a obrigatoriedade de comunicar o fato criminoso,
objeto de ação penal pública, também no caso de crime fiscal. De
imediato, deve-se sempre comunicar o fato, seja de grande ou pequena
monta ao superior hierárquico, conforme lei recente em vigor. Em caso
de omissão deste, em princípio não há nada mais obrigatoriamente a
comunicar. Mas se a omissão começa a colocar em dúvida a própria
68
Francisco Dias Teixeira
credibilidade dos órgãos, o funcionário está absolutamente legitimado
para se dirigir ao Ministério Público. Do ponto de vista do Código Penal,
ele não terá feito mais que sua obrigação. E qualquer conseqüência de
ordem puramente funcional e administrativa é também improcedente,
caso o funcionário comunique o fato criminoso ao Ministério Público,
desde que antes já o tenha feito ao superior imediato.
A prova em Juízo
A representação do Fiscal quando bem instruída cumpre
apenas um ritual na Justiça, do mesmo modo que a denúncia do
Ministério Público. Ao Juiz caberá, então, julgar com base nos elementos
juntados à denúncia.
As provas são produzidas com o intuito de condenar o ato
ilícito e compete à defesa desfazê-las. Há uma tese muito difundida de
que só têm validade as provas colhidas em Juízo, por exemplo, quando
colegas arrolam testemunho. Ela tem sido também interpretada
desconsiderando todo o acervo de prova, incluindo a pericial, por não
ter sido produzida em Juízo. Ora, quando o Fiscal arrola, com fé de
testemunha, judicializa-se a prova, juntamente com seu depoimento e
todo o acervo de documentos produzidos por ele. Essa judicialização
tem, em princípio, fundamento suficiente para o julgamento. O advogado
de defesa poderá citar inúmeros casos de jurisprudência anterior em
que a sentença foi de absolvição por apresentação de provas não
produzidas em Juízo. E, mesmo que o Juíz e o Procurador não aceitem
tal linha de interpretação, o tribunal pode acolhê-la.
O controle externo do Judiciário
Mesmo sendo um tema polêmico e fora do tema deste
Seminário, não me furto a um posicionamento: sou favorável ao controle
externo do Judiciário, inclusive do Ministério Público. E também sou
favorável à súmula vinculante.
Duas ponderações me parecem, neste sentido, necessárias.
O controle externo sobre o Judiciário, inclusive do Ministério
Público, no tocante à gestão administrativa propriamente dita, relativa à
sua função institucional, além de sua função jurisdicional, não pode
existir porque, pela Constituição, eles constituem órgãos que gozam
69
de autonomia administrativa e financeira, equiparados ao executivo e
ao legislativo. Penso que se deveria introduzir outros mecanismos de
controle da gestão administrativa e financeira, pois os controles
existentes são insuficientes.
Argumenta-se que o Tribunal de Contas fiscaliza essas
instituições, assim como o Judiciário e o Ministério Público podem ser
e são fiscalizados no decorrer do processo. O argumento, no entanto,
só é válido para sua função jurisdicional e, por isso, está desfocado da
questão posta. Quanto às questões administrativa e financeira dessas
instituições, não contamos com controle interno eficaz, seja por parte
do Ministério Público seja por parte da população. Ao contrário do controle
exercido pela opinião pública, pela crítica, pelo questionamento e pela
investigação por parte da população, pelos meios de comunicação, pela
renovação dos mandatos no Executivo e no Legislativo, os cargos no
Judiciário são vitalícios. Por isto, não há dúvidas de que devemos
encontrar outras formas de controle da gestão administrativa e financeira
tanto no Judiciário quanto no Ministério Público, com a importante
ressalva do respeito intocável à autonomia do seu exercício institucional.
A súmula vinculante
Eis outra questão extremamente polêmica. Em princípio,
estou convencido que não há como solucionar o congestionamento,
nas várias instâncias jurídicas, nos próximos 50 ou 100 anos, sem algum
tipo de mecanismo de vinculação quanto às decisões absolutamente
consolidadas. A súmula não deveria ser prevista no regimento do
Supremo Tribunal ou de alguma outra instância, mas no plano da
disciplina legal, sob a forma de consolidação de entendimentos em
determinada matéria que vincule Juízes e Tribunais.
Três são os argumentos básicos favoráveis: (1) não há, como
dito acima, outro modo de equacionar o problema do congestionamento
processual da Justiça; (2) sendo estabelecida de forma criteriosa, a
súmula vinculante ainda deixa ampla possibilidade a um Juiz de exercitar
a sua convicção. Ele irá apenas ter mais meios para impedir recursos
absolutamente protelatórios; (3) a súmula vinculante dá mais
credibilidade ao Judiciário, na medida em que torna mais eficazes e
rápidas suas decisões.
70
Os crimes Fiscais
e a Punbilidade
Expositor: Fábio Pietro
Juiz Federal
Agradeço, de início, o convite que as associações ANFIP e
APAFISP, organizadoras deste Seminário, fizeram ao Tribunal Federal
dessa Região e a confiança que em mim depositou o presidente da
Corte, Dr. Juíz Jorge Cartesini, ao me indicar para aqui falar sobre o
tema do ponto de vista do Tribunal. Aproveito para mencionar que estão
aqui presentes mais dois outros Juízes federais: Fausto Martins Santi e
Tori Yamamoto.
As leis sobre a contribuição à Previdência
Social
A minha análise é completamente diferente das demais aqui
expostas. Considero essas leis não ultrapassadas, mas atualíssimas.
Não são confusas, mas sim obra de pessoas que têm senso de
estratégia e de lógica muito bem ordenada. Entendo que essas leis não
fazem pouco caso dos interesses que elas vieram resguardar e
representar. Ao contrário, elas fazem muito caso desses interesses.
Vou tentar defender o mesmo que os meus colegas que aqui
expuseram, mas apenas no campo das intenções. Por isso, minha
análise será totalmente diversa da que eles fizeram, tentando seguir
um plano lógico de exposição, de acordo com o título que me deram: O
processo de cobrança e o crime fiscal.
A idéia de processo é de continuidade. O processo é um
conjunto de atos ordenados e coordenados, destinados a alcançar
determinado fim. Assim, é também no processo de cobrança e
especificamente relacionado ao tema geral da sonegação fiscal.
71
A formação do Estado brasileiro
O Estado brasileiro tem uma particularidade que o diferencia
desde sua criação e segue diferenciando dos países ditos civilizados:
aqui, no Brasil, o Estado nasceu aqui antes da sociedade. O Estado
chegou pelo canhão do colonizador. As naus portuguesas trouxeram o
Estado, a aduana, a Coroa Portuguesa. Nos Estados Unidos, por
exemplo, onde funciona hoje um sistema de repressão à fraude muito
eficiente, o processo foi exatamente o inverso.
Os grupos religiosos que deixaram a Inglaterra e se dirigiram
aos Estados Unidos primeiro criaram a sociedade americana ou as
suas bases. Quando fortalecidos, fundaram o Estado Americano,
declararam a independência e expulsaram os colonizadores. Eis uma
diferença de suma importância.
Quando um cidadão brasileiro faz hoje um comentário
genérico, depreciativo e negativo, relacionado a qualquer tipo de
fiscalização deste país, causa-nos uma impressão negativa. Talvez uma
análise mais profunda deste tipo de comentário genérico, que não
diferencia o Fiscal desonesto do honesto, seja de que ramo for, nos
faça ver alguma coisa de positivo. Porque o sentimento mais comum
entre os brasileiros, desde a luta pela independência, era contrário não
só aos Fiscais mas a toda autoridade representante da Coroa
portuguesa, inclusive os Juízes, os Procuradores, os cobradores do
Rei e outras autoridades. Eles representavam o colonizador, oriundo
do estrangeiro, que vinham buscar a riqueza brasileira, em posição
contrária a das pessoas que viviam no Brasil. Aqui, ao contrário de
outros países como os Estados Unidos, o povo não preza as suas
autoridades porque não as encara como seus representantes. Isto não
acontece por acaso. Há um fundamento histórico que muito bem o
explica.
Esta posição genérica contra todo tipo de autoridade atinge
também o Parlamento brasileiro, na minha opinião o poder mais
importante do país. Como vêm, sendo Juíz não sigo a tendência tão
comum entre os colegas de mitificar a sua própria função social, pois
não considero o Judiciário o poder mais importante, mas o legislativo.
Temos, portanto, uma dificuldade cultural, política e histórica
de encarar a transferência de renda do cidadão ou das empresas aqui
estabelecidas para a autoridade arrecadadora, que, por muito tempo,
72
Fábio Pietro
era estrangeira. Durante séculos, arrecadar tributos significava saquear
a riqueza do país. Assim, para aprofundar a cidadania é importante que
as pessoas tenham consciência do processo de formação do Estado
brasileiro, para estar em condições de construir neste país o que já foi
alcançado em tantos outros.
O crime fiscal
A legislação de combate à fraude e à sonegação brasileira
não é obra do acaso, nem sem lógica, muito menos ultrapassada. Ela
trata de um tipo de delito no qual predomina o agente do interesse
econômico. Ela não é obra de algum deputado inculto ou despreparado.
Ao contrário. É obra de pessoas com muito domínio de estratégia política,
com amplo conhecimento dos verdadeiros interesses da produção e
da prestação de serviços e de todos os interesses econômicos,
estratégicos e relevantes, em nossa sociedade.
Se não há punição no país, não é por falta de leis, já que as
temos em grande quantidade. Há o Código Penal, no qual estão previstos
muitas das fraudes e dos ilícitos que os Fiscais encontram em sua
atividade. Além disto, há uma lei penal tributária geral - a Lei no 8.137,
de 1990, com a especificidade de tratar a matéria tributária. Há ainda
uma terceira lei - a de no 8.212/91, com seu Art. 95, que prevê as
condutas ilícitas e criminosas no âmbito da Previdência Social.
As interpretações do Art. 95 da Lei nº 8.212/91
Como sabemos, no citado artigo há uma norma penal e no
caso de três incisos há além da descrição do preceito – tecnicamente,
a descrição da conduta criminosa - a previsão da sanção penal. Estes
são os dois elementos que caracterizam um tipo penal: o preceito e a
pena correspondente.
Causa-me espécie que alguns Juízes, alguns membros do
Ministério Público e alguns Delegados da Polícia Federal se declarem
perplexos, ao duvidar de que onde há um preceito criminal, mesmo
sem a correspondente sanção penal, haja a afirmação da existência de
um tipo penal. É evidente que nos incisos mencionados não há a
descrição completa de tipos penais, pois ali não se fez a previsão da
pena. Mas a existência do tipo penal está claramente descrita e, se a
73
pena não estiver prescrita na legislação, ela deve ser buscada,
tecnicamente, em outro documento legal.
De fato, há normas em abundância, para qualificar toda e
qualquer conduta. Mas há também um processo de guerra, de luta
política, histórica, entre os que entendem que saquear o país, corromper
autoridades, degradar instituições, não cumprir a lei, são direitos
seculares dos que chegaram ao Brasil em nome dos interesses
coloniais. Por outro lado, há os que entendem que até mesmo os
interesses coloniais devem ser respeitados. Mas também nós, os
brasileiros, temos o direito de construir um país, com autoridades
próprias, gozando de um mínimo de respeito, com o direito de aplicar a
lei, inclusive condenando qualquer funcionário ou autoridade que se
envolva com métodos de corrupção. É dentro deste contexto que temos
que compreender certas interpretações e decisões absurdas,
esdrúxulas, carentes de lógica, no âmbito da magistratura, do Ministério
Público, da Polícia Federal ou mesmo da atividade dos Fiscais.
Reparcelamento: eterniza o calote na
Previdência
A Lei no 8.212/91 representa bem nossa tradição jurídica de
um direito conceitual. Sem ser necessariamente boa ou ruim, essa
tradição é o jeito brasileiro de legislar. A lei mencionada descreve, com
muito detalhe, não apenas condutas na área penal, mas também
benefícios, a estrutura do INSS, cria os Conselhos, fixa as atividades
da Fiscalização, estabelece uma série de normas, disciplina uma grande
variedade de condutas e tenta dar um mínimo de organização à anarquia
imperante na Previdência Social. A aparente anarquia, na minha opinião,
não é involuntária, nem na Previdência nem nas outras instituições
brasileiras.
A lei contém aspectos interessantes mas também coisas
absurdas. Por exemplo, o instituto do reparcelamento. Poucos países
teriam a engenhosidade de conceber algo tão absurdo que é o
reparcelamento permitindo eternizar o calote na Previdência Social.
O tempo dirá se a Lei no 8.212 e seu Art. 95 são, de fato,
fruto dessa pseudo-desorganização brasileira ou se eles constituíram
um primeiro passo para a construção de algo melhor e mais sadio para
nós. Talvez algum dia tomemos conhecimento de que o Art. 95
representou uma grande batalha dentro do Congresso Nacional, pois
74
Fábio Pietro
foi possível caracterizar várias das condutas ilícitas como efetivamente
criminosas, mas os deputados que pretendiam sancionar criminalmente
aquelas condutas não lograram ir além desses enunciados, contra os
interesses contrariados de poderosas forças econômicas, e foram
impedidos de impor a pena correspondente. Mas mesmo assim, nunca
é demais repetir que não será por falta de leis que alguém que praticou
ilícitos fiscais deixará de ir para a cadeia se o merecer. O problema é
de aplicação e de interpretação da lei.
A representação e a punibilidade dos
grandes sonegadores
Outro problema daquela lei está relacionado com a
representação da autoridade administrativa paralelamente a que possa
promover o Ministério Público. Quando a Constituição determina que
cabe ao Ministério Público promover a ação penal, isto não é apenas
uma faculdade sua, mas um dever. Por exemplo, sugiro que o Ministério
Público levante junto à Receita Federal e ao INSS a lista dos vinte ou
trinta maiores devedores e requisite, valendo-se dos seus poderes, com
base na Lei Complementar e na Constituição Federal de informações
quanto às práticas ilícitas desses devedores. Quando ações desse tipo
tomarem o lugar de representações contra açougues, padarias,
pequenos comércios, firmas falidas e outros casos irrelevantes para a
Justiça Federal, o resultado poderá ser o contrário do que era a intenção
do legislador .
O fato de grandes sonegadores serem condenados à prisão,
ao lado de criminosos menores, poderá ter um efeito altamente
moralizador e servir de exemplo, contribuindo para que a sociedade
confie mais na Justiça. O primeiro passo poderia ser dado pelo Ministério
Público, partindo para a denúncia dos vinte ou trinta maiores casos de
sonegação fiscal, agindo tanto junto à Receita Federal, quanto ao INSS,
com base na “Lei do Colarinho Branco”. Esta autoriza, desde 1986, a
prisão preventiva tendo em vista a magnitude da lesão causada. Se o
Ministério Público invocar o dispositivo e conseguir, na Justiça, decretar
a prisão de algum grande sonegador, com três ou quatro Juízes com
coragem suficiente para cumprir com seu dever, ainda que ela seja
revogada em instância superior, estaremos fazendo um trabalho
histórico.
75
Débito irrelevante e a Justiça
Como Juíz, tenho a tendência de rejeitar os casos
absolutamente irrelevantes para o Poder Judiciário. Por exemplo, quando
os débitos não são significativos. A decisão está amparada no Art. 54
que reza: os órgãos competentes estabelecerão critério para a dispensa
de constituição ou exigência de crédito e de valor inferior ao custo dessa
medida. Assim, como os Fiscais não lavram as Notificações de Débitos
quando seus valores são irrelavantes, também não há como justificar
que a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal muitas vezes,
não tenham a sensibilidade de perceber que um delito de 100 ou 200
Reais de um tintureiro, um padeiro da periferia ou um comerciante sem
expressão acabará custando mais caro para a sociedade que o
resultado do processo.
O Art. 83, da Lei no 9.430/96, permite, e mais, torna dever do
Ministério Público, promover a ação penal, com o poder de requisição
que possui por lei, em casos de grandes devedores. Portanto, mesmo
que o Juíz rejeite as denúncias, o Ministério Público pode e deve investigar
melhor, por exemplo, os casos escandalosos de reparcelamento.
Responsabilidades das autoridades
administrativas
As responsabilidades de algumas autoridades administrativas
também devem ser apuradas. Há um caso “sui-generis” que envolvia o
Banco Central, no qual foi reconhecido, na primeira instância
administrativa, que havia crime de colarinho branco. O Banco Central
remeteu a documentação para a Justiça Federal e os envolvidos foram
denunciados e, ao mesmo tempo, recorreram na segunda instância
administrativa. Nesta, foram absolvidos em virtude do voto de um
indivíduo que declarava, não obstante houvesse indícios de crime e
aquela conduta configurasse ilícito contra o sistema financeiro, não ser
saudável a aplicação da pena administrativa. Mesmo que se encontrem
sempre Juízes que acatam a absolvição do âmbito administrativo,
malgrado uma fundamentação tão escandalosa, e suspendam o
processo penal, eu penso diferente. Mandei requisitar o inquérito policial
contra as autoridades do Banco Central e iniciei a apuração de como é
possível que uma autoridade reconheça que há falta funcional contra o
76
Fábio Pietro
sistema financeiro e ainda assim absolva dois ou três banqueiros.
Tamanho era o escândalo que era necessário levantar o sigilo bancário
e telefônico dos funcionários envolvidos e talvez de seus superiores,
para apurar se há ou houve relações com o setor privado. O processo
criminal teve continuidade e também a apuração da responsabilidade
das autoridades do Banco Central.
A palavra do Fiscal
É preciso que cada Fiscal do INSS, da Receita ou da
Secretaria da Fazenda possa falar abertamente sobre seu modo de
atuação com a honradez que lhe cabe, respondendo de cabeça erguida
qualquer questionamento sobre seu trabalho. Não é uma questão
corporativa. A melhor forma de defender cada órgão é defender seus
membros honrados e honestos. Há muitos Juízes honrados, como
também existem muitos Fiscais, Procuradores do Ministério Público e
Advogados. Em nome pessoal posso aqui declarar que há muitos Juízes
interessados no trabalho correto dos Fiscais, pois estamos interessados
em construir uma postura ética mais responsável e de maior respeito e
dignidade para os servidores públicos de nosso país.
O conceito de justiça
A lei é obra de muitos e o conceito de justiça cada um tem o
seu próprio. Constitui para qualquer Juíz, que nunca deixa de ser um
ser humano, com orgulho, vaidade, vontade de ser justo e maravilhoso,
uma enorme tentação em aplicar seu próprio conceito de justiça, com
uma certa dose de voluntarismo, mesmo com o risco de impor a sua
vontade contra o espírito e os preceitos da lei. Algo bastante diferente
ocorre quando estamos diante de uma lei draconiana que, por exemplo,
atente contra a Constituição. Evidentemente não a aplicarei, mas não
baseado no conceito de direito natural, porque cada um pode achar
que o natural é o seu lado da questão. O Juíz não pode se considerar o
salvador da pátria. Ele também tem que seguir sempre a Constituição
e a Lei, procurando respeitar as normas sociais e coletivas.
Essas questões são extremamente importantes, porque o
Juíz brasileiro detém um poder extraordinário, concedido pelo controle
da constitucionalidade das leis. No Brasil, como em outros países, o
Judiciário não resolve apenas conflitos, função própria sua, como
77
também tem a faculdade de fazer um exame da compatibilidade entre
a Constituição e as leis que dela são derivadas.
O dever funcional do Fiscal em denunciar
Em primeiro lugar, a hierarquia e a racionalidade funcional,
com seus canais de comunicação internos, têm que ser respeitadas
evitando o voluntarismo individual – próprio de cada ser humano e,
também, de cada servidor público. Mas se o superior hierárquico não
der andamento à denúncia, por falta de interesse ou por estar envolvido,
por corrupção, praticando qualquer ato criminoso para acobertar o crime
ao invés de investigá-lo, o funcionário deve também procurar o Ministério
Público, onde certamente será bem recebido. A denúncia de atos
criminosos às vezes é feita até por telefone, quando o servidor tem
medo de se identificar. Mesmo que nem sempre logremos condenar os
culpados, o servidor tem o dever de comunicar as condutas criminosas
e fazer todo o possível para que sejam apuradas e, caso comprovadas,
recebam a sanção cabível.
Não se trata de uma atitude tipo “Dom Quixote”, tentando ser
um super-homem, para resolver tudo. A atitude frente as leis e os
regulamentos, no Brasil, foi sendo construída ao longo de 400 anos e
não será mudada apenas por um punhado de homens decididos,
esgrimindo seus conceitos de justiça, de direito natural ou qualquer
outro. Há que se mostrar uma coerência lógica e aplicar uma estratégia
de conjunto para se alcançar verdadeiras e duradouras mudanças.
O Fiscal como testemunha ou réu
Há que se reconhecer que ocorre, muitas vezes, uma falha
de estratégia processual do Ministério Público Federal. Se a prova é
documental não vejo sentido em arrolar Fiscais, seja do INSS seja da
Receita Federal. Cabe ao Procurador justificar e sustentar a legitimidade
dessa prova. Se, por outro lado, a defesa puder colocar em dúvida o
trabalho dos Fiscais, ela o fará, arrolando os Fiscais e tentando tratálos como réus. É um ônus da defesa tentar desqualificar a prova, mas
se não lograr desqualificar o documento nem a ação fiscal, tudo poderá
ser usado para justificar a condenação.
Temos que esperar que todos atuem com firmeza, com base
78
Fábio Pietro
em sua convicção. Isto também vale para o Fiscal. Se sentimos que
ele talvez não tenha atuado muito bem, cabem também perguntas a
ele para deixar tudo claro quanto a sua atuação. Pois o Fiscal tem uma
função da maior relevância e ele deve ser muito sério e conseqüente
no que faz. Isto inclui, também, reconhecer seus erros, caso ocorram.
Talvez dizer que os Fiscais às vezes são tratados como
réus é um pouco exagerado. Tudo deve se desenrolar de modo
civilizado, também com relação aos Fiscais. Tentar intimidar qualquer
testemunha ou fazer gestos teatrais em Juízo são meios injustificáveis.
Ou se tem os argumentos necessários ou se deve dizer que não os
tem, embora a obrigação, tanto do promotor quanto dos advogados, é
ter sempre argumentos.
A ação e a prática de justiça entre pobres e
ricos
Para se apreender um computador ou outro bem de uma
pessoa altamente relacionada na sociedade, às vezes é necessário
obter um mandado até no Supremo Tribunal Federal, passando por
uma infinidade de instâncias e burocracias. Para chutar e arrombar a
porta de um barraco, qualquer PM é suficiente, basta estar de botinas.
É assim evidente que não devemos aceitar exigências absurdas,
diferentes para cada classe de cidadãos.
Em cada caso, compete agir corretamente e não se curvar
diante de exigências absurdas. É freqüente que a defesa exija que se
repita na fase judicial o que já foi feito no inquérito policial, ou argumenta
que falta um carimbo, uma página do processo estaria errada, etc. Às
vezes, não é possível se contrapor a este tipo de falha, mas podemos
declarar que alguém está sendo absolvido só porque falta um carimbo
de 1912. Quando o escândalo estoura, todos ficam sabendo, por mais
rico que o envolvido seja, que seu processo só foi arquivado por um
artifício ou uma decisão vergonhosa, ou porque a polícia nem abriu
inquérito. O peso do estigma social pode se tornar muito forte, como
comumente ocorre nos Estados Unidos. Também no Brasil acontece
algo parecido e é importante que aconteça. Mesmo que o absolvido
não vá para a cadeia, o fato de que apareça como sonegador tem algum
efeito social e pessoal. Como afirmou um grande teórico norteamericano, responsável pela estruturação do Estado liberal nos Estados
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Unidos e primeiro presidente da Suprema Corte do país, o Judiciário às
vezes não leva a pessoa acusada para a cadeia, mas acende a luz
sobre o fato ou a situação delituosa. E isto já tem grande efeito social,
mesmo que a Justiça por vício, falhas, inoperância e até mesmo por
corrupção não leve o responsável para a cadeia.
Controle externo sobre o Judiciário
Antes de mais nada, deve-se perguntar de qual modelo de
controle externo estar-se-ia falando. Pois há muitos no mundo. A idéia
é, em princípio, muito simpática, até diante do completo descontrole e
da anarquia reinante, mas não há nenhuma proposta concreta de como
se faria o tal controle. De fato, há muita divisão interna no Judiciário e
não há um projeto claro, definido e descutido. É bom que se diga que o
Judiciário nunca tem projeto sobre nada, porque ele é muito
hierarquizado. Tantas vezes o Supremo Tribunal Federal tem uma
opinião, o STJ, os Tribunais Federais e os Tribunais de Justiças, outras
bem diferentes. Nunca há um projeto uniforme.
Não há dúvida de que o Judiciário está em uma situação
lamentável. O mesmo se pode afirmar quanto ao Ministério Público.
Quando o Procurador Geral é uma pessoa séria e
interessada, a situação melhora. Quando não o é, ele tem poderes para
cometer os maiores absurdos.
A Ordem dos Advogados do Brasil é pública para algumas
coisas e privada para outras. Quando interessa, ela se comporta como
autarquia, quando não interessa é uma associação.
Se tivermos algum dia um controle, eu preferia que ele não
fosse apenas sobre o Judiciário, mas sim de todo o sistema de
administração da Justiça, do Ministério Público, da OAB, com
incumbência de fiscalizar todas essas instituições. Mas ainda estamos
longe disso: não sabemos como seria o controle externo e nem quem
deveria controlar o quê. Por exemplo, a existência de impeachment
para o Juíz é algo muito perigoso. É só imaginar um Juíz decretando
uma prisão preventiva de alguém muito influente na política e, no dia
seguinte, quarenta deputados se reunindo para pedir o seu
impeachment.
Qual seria o exemplo a ser seguido pelos demais juízes, em
casos semelhantes?
80
Fábio Pietro
A súmula vinculante
Ela é apontada como solução para minorar o problema do
congestionamento processual dos nossos tribunais. Em nosso sistema
jurídico há, no entanto, um outro instrumento que também existe em
outros países: a ação coletiva. Não é a toa que, quando a Constituição
de 1988 concedeu força expressiva a esse instrumento, houve forte
campanha para restringir seu uso.
Sou de opinião que a ação coletiva resolveria todos os
problemas, pois evitaria uma infinidade de ações judiciais individuais
sobre a mesma questão. Eis um instrumento muito mais democrático
que a súmula vinculante, com a grande vantagem de seguir a trilha
normal dentro do Judiciário, passando por todos os julgamentos, todos
os recursos possíveis e em todas as instâncias.
A introdução da súmula vinculante levanta a seguinte
suspeita: será ela realmente séria e estendida a todas as questões
igualmente ou apenas àquelas de interesse do governo? Cabe ainda
perguntar se ela será aplicada apenas nas questões administrativas?
Se assim for, será um absurdo. Ela tem que ser válida para todos.
Tanto a questão do controle externo sobre o Judiciário quanto a súmula
vinculante dão mais a impressão de serem dois balões de ensaio
vagando no céu.
Enquanto ficamos olhando, a caravana passa, as coisas
importantes acontecem. Devemos cuidar mesmo é da caravana e não
tanto dos balões. Enquanto todos ficaram olhando para o céu, a Vale do
Rio Doce foi privatizada .
81
CONSELHO EXECUTIV
O
EXECUTIVO
1997-1999
SEVERINO CAVALCANTE DE SOUZA
Presidente do Conselho Executivo
NILDO MANOEL DE SOUZA
Vice-presidente Executivo Substituto
VENÍCIO FAUST
Vice-presidente de Assuntos Fiscais
SANDRA TEREZA PAIVA MIRANDA
Vice-presidente de Política de Classe
EDUARDO JORGE BANDEIRA DE SOUZA
Vice-presidente de Política Salarial
JOSÉ AVELINO DA SILVA NETO
Vice-presidente de Seguridade Social
RODOLFO FONSECA DOS SANTOS
Vice-presidente de Aposentados e Pensionistas
MARGARIDA LOPES DE ARAÚJO
Vice-presidente de Cultura Profissional
SÉRGIO GUIMARÃES CAMPOS DE PINHO
Vice-presidente de Serviços Assistenciais
JOSÉ AMÉRICO ESPÍNDOLA PIMENTA
Vice-presidente de Assuntos Jurídicos
MISMA ROSA SUHETT
Vice-presidente de Administração
MARIA SALETE PAZ
Vice-presidente de Patrimônio e Cadastro
DURVAL AZEVEDO SOUSA
Vice-presidente de Finanças
ANTONIO PÁDUA DE OLIVEIRA
Vice-presidente de Planejamento e Controle Orçamentário
FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO
Vice-presidente de Comunicação Social
MARIA APARECIDA F. PAES LEME
Vice-presidente de Relações Públicas
ÁLVARO SÓLON DE FRANÇA
Vice-presidente de Assuntos Parlamentares
GILBERTO NOBRE CAVALCANTE
Vice-presidente de Relações Interassociativas
ANFIP
Vice-Presidência de Assuntos da Seguridade Social
Centro de Estudos da Seguridade Social
CICLO DE ESTUDOS
Seminários
Sone
g ação
Soneg
ação,,
Fr audes e Ev
asão Fiscal
Evasão
Volume I
Porto Alegre - RS
Volume II
Belo Horizonte - MG
Volume III
São Paulo - SP
Volume IV
Rio de Janeiro - RJ
Volume V
Recife - PE
Volume VI
Manaus - AM
Volume VII
Maceió - AL
Volume VIII
Belém - PA
Volume IX
Campo Grande - MS
Volume X
Cuiabá - MT
CICLO DE ESTUDOS
Seminários
Conselho Diretor:
Severino Cavalcante de Souza
Presidente
José Avelino da Silva Neto
Secretário Geral
Coordenadoria Geral:
Pedro Dittrich Júnior
Coordenador Geral
Neiva Renck Maciel
Secretária Executiva

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