As elites e a sonegação

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As elites e a sonegação
As elites e a sonegação
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Para um observador externo, a polêmica provocada pela Operação Narciso entre
políticos, líderes de entidades empresariais e setores da mídia é surpreendente. É verdade
que na história recente testemunhamos abusos de poder por procuradores e juízes. Além
disso, na Operação Narciso, houve aspectos exibicionistas que, talvez, pudessem ser
evitados. E, finalmente, a Daslu parecia ter sido elegida, mesmo antes da ação da PF,
como responsável pela desigualdade social do Brasil, o que é um contra-senso. Mas nada
disso justifica o protesto ensurdecedor contra a operação policial de uma parte da elite.
Uma desculpa bastante usada para defender a Daslu é que as normas tributárias são tão
complexas que todos cometem ilegalidades. Parecem desconhecer que a loja é acusada de
ter montado um emaranhado esquema de refaturamento e subfaturamento que incluía o
uso de empresas no Brasil e no exterior, operação muito mais complexa do que o simples
cumprimento da lei. Outros pedem "realismo", sob a argumentação de que ninguém
consegue pagar todos os impostos que a lei impõe, revelando uma tolerância para a
sonegação.
Ainda mais absurda foi a hipótese levantada por políticos de que a prisão dos acusados
prejudicaria a economia. Segundo esta Folha, o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC)
declarou: "Essa prisão pode (...) afugentar investimentos internacionais do país. O
empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?". É evidente que
o senador pouco sabe sobre o que se passa fora do país. Antes de ser prefeito de Nova
York, o promotor Rudy Giuliani tornou-se famoso com suas prisões preventivas
espetaculares de acusados de utilizar informações privilegiadas em Bolsa. Em pelo menos
dois casos notórios, ele algemou, à vista de todos os seus colegas, importantes executivos
de Wall Street. Essas prisões não ameaçaram a posição da Street como centro financeiro,
pelo contrário, aumentaram a confiança dos investidores de que o uso de informações
privilegiadas não seria tolerado. Na verdade, os investidores estrangeiros no Brasil
ressentem uma concorrência desleal de empresas que violam leis do país que os
estrangeiros são obrigados a obedecer. Afinal, se uma firma americana operando no
Brasil usasse esquema semelhante ao descrito nas acusações à Daslu, seus diretores
estariam também violando leis dos EUA e provavelmente acabariam na cadeia.
No Brasil, a carga tributária é muito alta em geral, sobretudo para aqueles que cumprem a
lei. Combater a sonegação permite reduzir os tributos dos que pagam corretamente suas
obrigações. Há, hoje, evidência empírica convincente de que a severidade e a certeza de
punição diminuem a criminalidade. Os acusados de crimes econômicos nos EUA ou na
França são tratados com grande rigor exatamente para dissuadir futuros criminosos
potenciais. Pela mesma razão, precisamos de mais operações como as que atingiram a
Daslu e a Schincariol.
Trabalhos de pesquisa recentes indicam que a propensão ao crime de um indivíduo
depende também da aceitação pelo seu grupo social do ato criminoso. Isso vale tanto para
adolescentes em uma favela como para empresários ou profissionais liberais. Um médico
em Nova York não oferece abatimento para pagamento sem recibo, não só por medo do
fisco mas também porque, se o fizesse, poderia perder um paciente que começaria a
duvidar da sua honestidade. Os dirigentes da Daslu são inocentes até provas em contrário,
mas alguns dos seus defensores parecem pensar que deveriam estar acima da lei. Vai ser
difícil diminuir a sonegação no Brasil enquanto essa atitude perdurar.