4 Vol XVII 2008 - Revista Nascer e Crescer

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4 Vol XVII 2008 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 17, nº 4, Dezembro 2008
17|
4
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia
Ano | 2008 Volume | XVII Número | 04
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2008, vol XVII, n.º 4
número4.vol.XVII
223 Editorial
224 Artigos Originais
Sílvia Álvares
Hábitos de Exposição ao Ecrã de uma População
Pediátrica de uma Área Urbana
Margarida Figueiredo, Catarina Sousa, Carla Teixeira, Fátima Pinto
228
Síndrome de Guillain-Barré: A Realidade de Um Centro Hospitalar
Maria José Dinis, Marta Vila Real, Fátima Santos
233 Casos Clínicos
Síndrome de Encefalopatia Posterior Reversível (PRES)
Diana Gonzaga, Lúcia Gomes, Guilhermina Veloso, Tiago Correia,
Sónia Alves, Cláudia Pereira, Paula Matos, Marta Pinho, Rui Almeida
237
Dermatite Estreptocócica Perianal
Sónia Fernandes, Nelea Afanas, Luísa Tavares, José Castanheira
240 Artigos de Revisão
Hemorragia Uterina Disfuncional na Adolescência
Carla Laranjeira, Susana Soares, Elsa Pereira,
Delfina Coelho, Cristina Ferreira, Susana Peres
245 Artigo Recomendado
247
249 Perspectivas Actuais em Bioética
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Comissões de Ética – o Desafio Metodológico
Daniel Serrão
253 Pediatria Baseada na Evidência
Avaliação Crítica e Implementação Prática de Revisões
Sistemáticas e Estudos de Meta-Análise
Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
262 Qual o seu Diagnóstico?
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
264
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
266
Imagens
Filipe Macedo
268
Genes, Crianças e Pediatras
Miguel Gonçalves Rocha, João Silva, Ana Maria Fortuna, Gabriela Soares
270 Pequenas Histórias
Momentos Zen na Vida Quotidiana...
Margarida Reis Lima
271 Índice de Autores
272 Índice de Assuntos
275 Agradecimentos
NASCER E CRESCER
summary
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
number4.vol.XVII
223 Editorial
224 Original Articles
Sílvia Álvares
Media Exposure of a Paediatric Population
in an Urban Health Care Centre
Margarida Figueiredo, Catarina Sousa, Carla Teixeira, Fátima Pinto
228
Guillain-Barré Syndrome: The reality of an Hospital Center
Maria José Dinis, Marta Vila Real, Fátima Santos
233 Clinical Cases
Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome (PRES)
Diana Gonzaga, Lúcia Gomes, Guilhermina Veloso, Tiago Correia,
Sónia Alves, Cláudia Pereira, Paula Matos, Marta Pinho, Rui Almeida
237
Perianal Streptococcal Dermatitis
Sónia Fernandes, Nelea Afanas, Luísa Tavares, José Castanheira
240 Review Articles
Dysfunctional Uterine Bleeding in Adolescence
Carla Laranjeira, Susana Soares, Elsa Pereira,
Delfina Coelho, Cristina Ferreira, Susana Peres
245 Recommended Article
247
249 Current Perspectives in Bioethics
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Ethics Commissions – The Methodology Challenge
Daniel Serrão
253 Evidence Based Paediatrics
Critical Appraisal and Practical Implementation of
Systematic Reviews and Meta-Analysis
Luis Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
262 What is your diagnosis?
Endoscopic Case
Fernando Pereira
264
Oral Pathology Case
José M. S. Amorim
266
Images
Filipe Macedo
268
Genes, Children and Paediatricians
Miguel Gonçalves Rocha, João Silva, Ana Maria Fortuna, Gabriela Soares,
270 Short Stories
Zen Moments in the Daily Life...
Margarida Reis Lima
271 Author Index
272 Subject Index
275 Acknowledgements
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
editorial
A “crise” anunciada chegou. Os media confrontam-nos diariamente com o
aumento do desemprego, as falências, os pobres a ficarem mais pobres, os ricos
menos ricos…O crescimento da pobreza é inevitável. A pobreza e a doença estão
intimamente relacionadas: a doença é simultaneamente uma causa e um efeito
da pobreza. Quer seja definida pelo rendimento, estado sócio-económico, condições de vida ou nível de educação, a pobreza constitui um determinante major da
doença, estando associada a menor esperança de vida, maior mortalidade infantil,
maior risco de doenças infecciosas (particularmente tuberculose e SIDA), maior
tabagismo, abuso de álcool e drogas, maior prevalência de doenças, depressão,
suicídio, comportamentos antisociais e violência e maior risco de exposição ambiental. Relativamente à criança em particular a pobreza afecta não só o estado
de saúde mas também as suas capacidades cognitivas e de desenvolvimento:
os indivíduos provenientes de classes economicamente mais desfavorecidas têm
menos competências profissionais e sociais, o que diminui à partida a sua probabilidade de sucesso.
Os objectivos da política comunitária em matéria de saúde e de pobreza são,
entre outros, assegurar um acesso equitativo aos serviços de saúde e investir no
desenvolvimento de determinados bens públicos mundiais, como a investigação e
o desenvolvimento.
A investigação clínica revela-se fundamental no esclarecimento de etiologia e
epidemiologia dos novos padrões de doença e, consequentemente, na sua prevenção. Tomemos, como exemplo, a prevalência crescente da prematuridade, que se
traduz num aumento da deficiência e de atraso do desenvolvimento da criança. Não
conhecendo a causa, não podemos combate-la eficazmente. No entanto, quando
falamos em investigação apercebemo-nos que a maioria dos projectos financiados
estão associados à pesquisa laboratorial. Não há dúvida que a evolução da genética molecular e da ciência e tecnologia em geral têm trazido desenvolvimentos fundamentais para o diagnóstico e tratamento das doenças. Mas não parece justo que
os projectos na área clínica sejam menosprezados relativamente a outras áreas do
conhecimento. Bem sei que “é muito mais fácil experimentar com ratos”, mas “será
que já não os tratamos o bastante”?
Neste ano de 2009 que se avizinha difícil, esperamos que esta publicação possa contribuir para alertar para a defesa do direito à saúde da criança e adolescente
(o acesso e a equidade aos cuidados de saúde, o atendimento em ambiente pediátrico e de acordo com o grupo etário, uma abordagem multidisciplinar envolvendo outros agentes da comunidade nomeadamente a reabilitação, a educação e os
serviços sociais, o direito à escolha informada e a uma segunda opinião, o respeito
pela criança e família) e, por outro lado, incentivar à investigação clínica na área da
pediatria. Este é um apelo de colaboração a todos os profissionais e em particular
das administrações hospitalares para uma tomada de consciência da importância
desta matéria. A estas compete integrar, promover e desenvolver esta área na missão das instituições.
Silvia Álvares
A National Agenda for America’s Children and Adolescents in 2008: Recommendations from
the 15th Annual Public Policy Plenary simposium, Annual Meeting of the Pediatric Academic
Societies. Pediatrics, 122 (4):843
editorial
223
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Hábitos de Exposição ao Ecrã de uma População
Pediátrica de uma Área Urbana
Margarida Figueiredo1, Catarina Sousa1, Carla Teixeira1, Fátima Pinto1
RESUMO
Introdução: A televisão e outros
meios audiovisuais podem ser benéficos
mas o seu uso excessivo pode relacionar-se com alterações físicas e comportamentais. O tempo que crianças e
adolescentes “perdem” em frente ao ecrã
deveria preocupar pais e pediatras.
Objectivos: Avaliação dos hábitos
de exposição ao ecrã de uma população
saudável de crianças e adolescentes.
Material e métodos: Aplicação de
questionário sobre hábitos de exposição
ao ecrã, a pais de crianças e a adolescentes seguidos na consulta de Pediatria
de um centro de saúde urbano.
Resultados: Foram realizados 106
inquéritos. Aproximadamente 22% das
crianças tinham mais de 2 anos quando
começaram a ver televisão, cerca de 7%
tinha uma televisão tendo as restantes
duas ou mais, mais de metade tinha televisão no quarto, 64% tinha televisão no
local onde eram feitas as refeições (88%
tinham-na ligada enquanto comiam),
28% assistia menos de uma hora diária
de televisão durante a semana (ao fimde-semana esta percentagem diminuía
para 4,7%). O tempo total de exposição
ao ecrã contabilizava 2 ou mais horas em
54%. O tipo de programas mais visto era
desenhos animados e telenovelas. Aproximadamente 32% passava menos de
uma hora diária em actividade desportiva
e 50% despendia menos de uma hora diária a ler.
Conclusões: Na população estudada, verificou-se excesso de tempo lúdico
preenchido com meios audiovisuais em
detrimento de outras actividades. O co__________
1
Consulta de Pediatria, Centro de Saúde da
Carvalhosa / Foz do Douro
224
artigos originais
nhecimento dos hábitos de exposição ao
ecrã permite um reajuste da informação
a dar aos pais na consulta de vigilância
infantil.
Palavras-chave: ecrã, televisão,
media, criança, adolescente
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 224-227
INTRODUÇÃO
A televisão é o meio de comunicação mais difundido na sociedade moderna sendo também o de mais fácil acesso
à criança e ao adolescente. Os benefícios
da exposição aos media electrónicos (TV,
Vídeo, DVD, computador) são alguns
mas existem potenciais riscos que não
podem ser ignorados(1-5). Estes entretêm,
informam e acompanham mas podem ter
consequências indesejáveis na saúde
pública. O tempo passado em frente à televisão é subtraído a actividades importantes, tais como a leitura, os trabalhos
escolares, os jogos, a interacção com a
família, o desenvolvimento social e a criatividade(2-4).
Segundo a bibliografia consultada,
a maioria das crianças gasta cerca de 3
horas diárias (21 horas semanais) a ver
televisão e 64% a 100% fazem-no antes
dos dois anos de idade.(2-5) Este tempo,
quando incluído ao despendido com
DVD/vídeo, jogos de consola ou computador, aumenta para 5 horas diárias (35
horas semanais). Nesta actividade, os
jovens assistem a 10.000 actos violentos
por ano e a cerca de 15.000 actos com
referências de carácter sexual dos quais
apenas 15% alerta para o risco de Doenças Sexualmente Transmissíveis ou gravidez indesejada e somente 1% tem um
objectivo preventivo.(6) Ainda que alguns
dos programas televisivos possam ser
do tipo educativo, estes são geralmente
preteridos pelas crianças e adolescentes que preferem os de carácter apenas
recreativo ou de audiências gerais que
dispensam maior nível de concentração.
(2-5)
A exposição aos media aumenta ainda nas situações de depressão materna,
nas famílias de baixa escolaridade e nas
de menor investimento parental sendo
as crianças entretidas nesta actividade
passiva que ao funcionar como “babysitter” liberta os pais para funções não relacionais com prejuízo na construção das
competências afectivas e pessoais.(2-5)
Os hábitos precoces e/ou excessivos de consumo de televisão e/ou outros
meio audiovisuais na infância e adolescência têm impacto negativo na saúde
relacionando-se com mau aproveitamento escolar,(2-5,7) dificuldade de interacção
com os pares, défice de atenção,(2-4,8)
obesidade,(7,9) início precoce da actividade sexual,(8) alterações do padrão de
sono, (8) comportamentos agressivos,(10)
entre outros. O excesso de televisão durante essa etapa da vida pode ter consequências a longo prazo nomeadamente
ausência de cumprimento de regras na
realização dos trabalhos de casa, aborrecimento nas aulas, aversão escolar, dificuldade em terminar o ensino secundário
e consequentemente em ingressar e concluir o universitário, resultando em baixo
nível educacional e cultural depois dos 25
anos de idade(2-7,11-13). A exposição diária
ao ecrã superior a 3 horas eleva significativamente o risco de perturbações de
sono e a exposição precoce (antes dos
dois anos e durante o desenvolvimento
sináptico) aumenta o risco de problemas
de atenção(10). A preferência deste entretenimento prejudica também o exercício
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
físico promovendo a obesidade sendo
esta consequência reforçada pelo facto
de que o padrão dietético das famílias
em que as refeições são feitas com a televisão ligada, é aparentemente menos
rico em frutas e vegetais e excessivo em
“snacks”, pizas e bebidas gaseificadas(9).
A relação entre o excesso de peso/obesidade infantil e o hábito de televisão aumenta ainda mais quando a televisão, o
computador ou a consola estão também
no quarto(7).
O objectivo deste trabalho foi a avaliação dos hábitos de exposição ao ecrã
de uma população saudável de crianças
e adolescentes utentes num centro de
saúde urbano.
MATERIAL E MÉTODOS
Aplicação de um questionário a
pais de crianças e a adolescentes seguidos na consulta de Pediatria de um Centro de Saúde urbano de Outubro de 2006
a Abril de 2007.
Os questionários foram aplicados
relativamente a uma única criança do
agregado familiar, a que vinha à consulta,
e foram excluídas todas as crianças com
patologia crónica e/ou incapacitante.
Foram avaliados os seguintes parâmetros: sexo, grupo etário, idade com
que começaram a ver televisão, número
de televisões existentes em casa e os
seus locais, existência de televisão na
divisão onde habitualmente decorriam
as refeições, horário, número de horas e
tipo de programas que viam, existência
de TV por cabo, computador e Internet,
consolas e DVD, tempo utilizado na realização de trabalhos de casa, prática de
desporto e leitura. Foi ainda avaliada a
existência de regras de utilização destes
meios audiovisuais e o exemplo dado
pelos pais.
RESULTADOS
Foram realizados 106 inquéritos,
sendo 51% (54) relativos a crianças/adolescentes do sexo masculino, com idade
média de 8,11 anos (mínimo 5 anos e
máximo 17) e desvio padrão 3,53 anos.
Nesta população 13,2% tinham menos
de 6 anos, 57,5% entre 6 e 10 anos,
21,7% entre 11 e 13 anos e 7,5% mais
de 14 anos. Cerca de 7% tinha apenas
uma televisão em casa e a grande maioria tinha três ou mais destes aparelhos
(Quadro I). Mais de metade (57,5%) das
crianças tinham-na no quarto e aproximadamente 64% no local das refeições
(Quadro II), destas 88% mantinha-a ligada durante as mesmas. Para além de televisão, 91% tinha Leitor de DVD e 70%
tinha TV por cabo, vídeo, computador e
consolas e 51% tinha todos estes meios
audiovisuais. Do total de crianças, 23%
tinha começado a ver televisão depois
dos dois anos de idade. Quando inquiridos sobre o número de horas passadas a ver televisão durante os dias de
semana, 28% via menos de uma hora
diária (79 via menos de duas horas, 21
entre duas e quatro horas e seis mais de
quatro horas diárias). Quando a mesma
questão era relativa apenas aos fins-desemana a percentagem que via menos
de uma hora diária de televisão diminuiu
para 4,7% (41 dos 106 assistia a menos
de 2 horas, 33 entre duas e quatro horas e 31 mais de quatro horas diárias).
O tipo de programa mais visto era o de
desenhos animados (85) seguido de telenovelas (56), filmes e/ou séries (44) e
telejornais ou programas culturais (15).
O horário preferido era o que precedia o
jantar (Quadro III). Contabilizado o total
de tempo diário passado em frente ao
ecrã (televisão, vídeo/DVD, consolas e
computador), aproximadamente 46%
contava menos de 2 horas e 54% duas
ou mais horas (37% entre duas e quatro horas e 17% mais de quatro horas).
Em relação ao tempo utilizado noutras
actividades, 49% despendia menos de
uma hora a fazer os trabalhos escolares,
aproximadamente 32% passava menos
de uma hora por dia em actividade desportiva (25% nunca a praticava) e 50%
despendia menos de uma hora por dia
a ler (34% afirmava não haver hábito de
leitura). A televisão estava sempre ligada, como “barulho de fundo”, em 42%
dos casos. Relativamente aos hábitos televisivos dos pais, 74% afirmava passar
menos de duas horas por dia em frente
à televisão, 18% entre duas e quatro horas e os restantes mais de quatro horas.
Finalmente, 40% das famílias não tinha
regras de utilização de televisão, consolas, computador, vídeo ou DVD.
Quadro I – Relação entre o número de
inquiridos e o número de televisões existente em casa
Número de crianças/
adolescentes N=106
Número de
Televisões
7
1
20
2
41
3
24
4
13
5
1
6
Quadro II – Localização das televisões
nas casas das crianças/adolescentes
Locais da casa
com televisão
Número de crianças/
adolescentes N=106
Quarto dos pais
85 (80%)
Quarto da criança/
adolescente
61 (58%)
Sala de jantar
64 (60%)
Sala de estar
62 (58%)
Cozinha
37 (35%)
Outros
23 (22%)
Quadro III – Horário de assistir televisão
das crianças/adolescentes
Horário de ver
televisão
Número de crianças/
adolescentes N=106
Manhã
41 (39%)
Almoço
4 (4%)
Tarde
31 (29%)
Antes do jantar
53 (50%)
Jantar
37 (35%)
Das 21 às 22 h
45 (42%)
Depois das 22 h
8 (8%)
artigos originais
225
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Se usado de modo correcto a televisão pode ser benéfica. No entanto,
demasiada televisão pode ser prejudicial
e o seu uso excessivo limita tempo para
brincar, ler e comunicar. A Associação
Americana de Pediatria recomenda a
não exposição ao ecrã (televisão, vídeo/
DVD, consolas e computador) antes dos
dois anos de idade e a limitação, a partir
dessa idade, a menos de 2 horas diárias
usadas com programação adequada à
faixa etária e supervisão dos pais(2-7,10-13).
Este estudo revelou que mais de
metade desta população pediátrica iniciou hábitos televisivos antes dos 2 anos
de idade, via televisão ou permanecia em
frente ao ecrã mais de 2 horas por dia,
praticava menos de uma hora por dia de
actividade física ou não tinha actividade
física, usava menos de uma hora diária em actividades ligadas aos livros ou
nem sequer lia, tinha televisão no quarto
e fazia as refeições a ver televisão. Entre 40 a 50% despendia menos de uma
hora na realização dos trabalhos escolares e negava regras familiares relativas
à utilização destes meios de distracção.
A exposição diária superior a quatro horas correspondeu a 17% e apenas 15%
via programas educativos e adequados
à idade. Alguns aspectos positivos prendem-se com o facto de mais de 50% ver
menos de 2 horas diárias de televisão durante os dias úteis, embora as ultrapassassem aos fins-de-semana, e o horário
preferido ser o do final da tarde, antes de
jantar; contudo isso pode corresponder
somente ao tempo que resta da actividade académica obrigatória. Há que salientar o facto de 80% preferir ver desenhos
animados, mas este pode ser também
um aspecto falsamente positivo dado
actual predomínio em conteúdo desadequado e violento destes programas. Para
além da qualidade dos programas a que
assistem, a exposição, nos intervalos, a
abundantes anúncios comerciais induz a
hábitos de alimentação nada saudáveis e
estimula o consumo(7-8,14).
Relativamente à maior frequência
de hábitos excessivos de ecrã nas famílias de menor investimento parental e
baixos recursos culturais e económicos,
esse aspecto passou desapercebido nes-
226
artigos originais
te estudo onde as classes sociais eram
semelhantes(2,3).
A depressão materna não foi aqui
questionada.
O tempo que as crianças e adolescentes “perdem” com televisão, consolas,
computadores ou DVD deveria ser alvo
das preocupações de pais e pediatras.
Na população estudada verificou-se excesso de tempo passado em frente ao
ecrã em detrimento de outras actividades
como brincadeira, leitura, desporto ou
estudo.
A prevenção desta situação passa
também pela responsabilização dos pais
para a saúde dos filhos na consulta de vigilância infantil alertando para os perigos
do “consumo” de televisão e Internet. A
leitura, o jogo e as actividades ao ar livre
partilhadas em família ou com os pares,
são alternativas promotoras do desenvolvimento psicomotor e mental capazes de
aumentar competências que vão da locomoção e motricidade à linguagem, das
competências pessoais e sociais às de
realização e raciocínio prático(2-5).
A existência de regras é essencial e
estas passam por evitar o uso excessivo
de media electrónica, evitar a exposição
até aos 2 anos, limitar o tempo máximo
às 2 horas por dia, seleccionar os programas preferindo os de conteúdo educativo, criar capacidade de escolha dos
mesmos, co-visionar e discutir o tema
assistido e dar o exemplo lembrando o
conhecimento de que a criança imita os
comportamentos, não colocar aparelhos
de televisão nos quartos de dormir nem
na divisão das refeições e proporcionar
actividades lúdicas alternativas(2-6,13).
O Pediatra e o Médico de Família
devem obter formação acerca dos riscos
de saúde pública decorrentes da exposição televisiva e partilhar essa informação
com os pais, famílias e comunidade. A
cooperação entre pediatras, professores,
educadores e associações de pais pode
ser preciosa nesse esforço. Devem também chamar a atenção para programas
educacionais, incorporar questões acerca dos hábitos televisivos nas consultas
de rotina, propor questionários que lhes
permita focalizar-se em pontos de preocupação e aconselharem os pais, usarem
a televisão ou vídeo nas salas de espe-
ra apenas para programas educativos,
incentivarem o estado a promover educação para este hábito, participarem na
elaboração de mais estudos científicos
acerca do impacto e dos perigos da televisão e da Internet na criança e adolescente. Em particular, seria útil uma maior
pesquisa da influência dos ecrãs na área
da perturbação de hiperactividade e défice de atenção, na descoberta da genitalidade/sexualidade, nos hábitos aditivos
e finalmente na violência e delinquência
juvenil(2-6).
MEDIA EXPOSURE OF A PAEDIATRIC
POPULATION IN AN URBAN HEALTH
CARE CENTRE
ABSTRACT
Introduction: The television and
the other audiovisual means may be useful but when in excess may be related to
a wide range of alterations and/or behavioural problems. The time spent by children and adolescents in front of the TV
should be a main concern of the parents
as well as of the paediatrician.
Objectives: To evaluate the television exposure habits of an healthy population of children and adolescents followed in an urban centre.
Material and methodology: A questionary about the television exposure habits
was applied to children’s parents and adolescents that were being followed through
the paediatric consultation of the service of
the Centro de Saúde da Carvalhosa.
Results: 106 questionnaires were
analyzed. Approximately 22% were more
than 2 years old when they started watching TV, about 7% had one TV and the
others had two or more, more than a half
had a television in their bedrooms, 64%
had the TV in the kitchen (88% said that
during the meals the TV was on), 28%
watched less than an hour a day during
the week (during the weekend the percentage fell to 4.7%). The total time of exposure was equal or superior to two hours
in 54%. The most popular programme
was cartoons and soap operas. Approximately 32% spent less than one hour doing sports and 50% spent less than one
hour per day reading.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Conclusion: We concluded that this
population spends too much time with
these audiovisual means putting aside
other activities. The knowledge of these
television exposure habits allows an adjustment of information and help counselling parents during the regular paediatric
visits.
Key-words: screen, television, media, child, adolescent
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 224-227
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Heitzler C. Reducing Children’s Television-Viewing Time: A Qualitative
Study of Parents and Their Children.
Pediatrics 2006; 118(5): e1303-10
CORRESPONDÊNCIA
Margarida Figueiredo
Hospital de Crianças Maria Pia
Rua da Boavista, 827
4050-111 Porto
margaridafi[email protected]
artigos originais
227
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Síndrome Guillain-Barré:
A realidade de um Centro Hospitalar
Maria José Dinis1, Marta Vila Real1, Fátima Santos1
RESUMO
Introdução – O Síndrome Guillain-Barré (SGB) é uma polineuropatia desmielinizante aguda de natureza auto-imune.
Objectivo – Caracterizar a população pediátrica de doentes internados no
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia
com o diagnóstico de SGB, quanto à forma de apresentação, tratamento e evolução clínica.
Doentes e Métodos – Foram analisados os processos clínicos dos doentes
com idade inferior a 16 anos com o diagnóstico de SGB, entre 1 Janeiro de 2000
e 31 Dezembro de 2006. Aplicou-se na
avaliação do estado funcional a Escala
de Van Der Merché e Van Doorn.
Resultados – Foram estudados sete
casos, quatro do sexo masculino, com
idades entre os 2 e 10 anos. Em 71% dos
doentes a infecção respiratória ou gastrointestinal precedeu o quadro. Todos apresentaram alterações motoras, cinco alterações
sensitivas e três envolvimento dos pares
cranianos. Em três a forma de apresentação foi atípica. Cinco crianças tinham
dissociação albumino-citológica (DAC) e
encontraram-se sinais electromiográficos
de polineuropatia desmielinizante aguda
em 3. O agente mais frequentemente implicado foi o Campylobacter jejuni. Todas
foram tratadas com imunoglobulina endovenosa (IgEV), com boa evolução clínica,
recuperando sem sequelas. À altura da
alta a maioria apresentava incapacidade
funcional moderada.
Discussão – A forma de apresentação nem sempre é a típica, podendo manifestar-se por dores musculares, simulando
uma miosite, por forma “encefaliticas” ou
__________
1
Serviço Pediatria Centro Hospitalar Vila Nova
de Gaia/Espinho E.P.E.
228
artigos originais
por afecção dos pares cranianos. A punção lombar e a electromiografia (EMG) são
bons exames auxiliares de diagnóstico.
Contudo, quando a punção é realizada muito precocemente poderão não se encontrar
as alterações esperadas; da mesma forma,
a EMG deverá ser realizada depois das
três semanas para ser informativa.
Palavras Chave – Síndrome Guillain-Barré, dissociação albumino-citológica, electromiografia, Campylobacter jejuni, imunoglobulina endovenosa.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 228-232
INTRODUÇÃO
O Síndrome de Guillain-Barré (SGB)
continua a ser uma entidade desafiante,
apesar dos consideráveis avanços na
sua compreensão e tratamento nos últimos anos(1).
O SGB é uma polineuropatia aguda
imunomediada, que depois do declínio
da poliomielite se tornou a causa mais
comum de paralisia aguda neuromuscular(2-8). A sua incidência nas crianças é de
0,4-0,6/ 100 000(9).
Em 2/3 dos doentes os sintomas
são precedidos, uma a três semanas,
por quadros infecciosos(1,4,10,11). As infecções respiratórias são as mais comuns,
em 40% dos casos, e cerca de 20% têm
história de gastroenterite aguda(10,11). Os
agentes mais frequentemente documentados são o Campylobacter jejuni, o CMV,
o vírus de Epstein- Barr, os vírus herpes
e o Mycoplasma pneumonia(1-4,10,11). Também estão descritos quadros pós-vacinais(3,4,11).
A manifestação clínica mais frequente é a fraqueza muscular progres-
siva, caracteristicamente ascendente e
simétrica com arreflexia osteotendinosa.
A hipótese de SGB deverá também ser
considerada quando o quadro clínico se
manifesta por atingimento dos pares cranianos com paralisia facial, dificuldade
na deglutição e alterações da motilidade
ocular . Oitenta por cento têm alterações
sensitivas. A dor surge em 90% dos casos pediátricos sendo muitas vezes incapacitante. A disfunção autonómica (taquicardia, hipotensão postural, hipertensão,
sinais vasomotores) ocorre em 2/3 dos
casos(1,3,7,10,11).
Os critérios de diagnóstico são baseados nas alterações clínicas e apoiados por alterações laboratoriais e electrofisiológicas(4,8,11) (tabela I). Apesar de
existirem vários testes laboratoriais que
possam corroborar o diagnóstico apenas
a dissociação albumino-citológica (DAC)
ao nível do líquido cefalo-raquidiano é
considerado critério laboratorial(11). Os
estudos de condução nervosa embora
pouco sensíveis nos primeiros dias de
doença são úteis quer na afirmação do
diagnóstico, quer na avaliação do prognóstico, estando as formas axonais associadas a uma evolução menos favorável(3,10).
O reconhecimento precoce de falência respiratória e a existência de uma boa
unidade de cuidados intensivos continua
a ser o ponto essencial no tratamento do
SGB(1). Muitos estudos controlados demonstraram que a utilização da plasmaferese e da imunoglobulina intravenosa são
igualmente eficazes e encurtam o tempo
de recuperação da doença(1,3,7,10-12), optando-se actualmente quase sempre por
IgEV por ter menos efeitos adversos.
Oitenta e cinco por cento das crianças tem uma boa recuperação(3,13), sendo
o prognóstico a longo prazo melhor que
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 4
nos adultos. A mortalidade é de aproximadamente 3 a 4% e geralmente secundária a falência respiratória ou complicações cardíacas(3,13).
DOENTES E MÉTODOS
Foi efectuada uma revisão retrospectiva dos processos clínicos dos doentes com idade inferior a 16 anos com o
diagnóstico de SGB internadas no Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de
Vila Nova de Gaia no período de 1 Janeiro 2000 a 31 Dezembro de 2006. Foram avaliados os seguintes parâmetros:
idade, sexo, distribuição anual e sazonal,
factores de risco associados, etiologia
provável, forma de apresentação clínica,
exames auxiliares de diagnóstico, tratamento e evolução.
Aplicou-se na avaliação do estado
funcional dos doentes a Escala funcional
de Van Der Merché e Van Doorn.
RESULTADOS
Dos sete doentes internados, quatro eram do sexo masculino. A mediana
de idade na altura do diagnóstico foi de 7
anos, com um mínimo de 2 e um máximo
de 10 anos.
Os doentes foram admitidos pelo
Serviço de Urgência e não se encontrou
qualquer relação entre o número de admissões e o mês do ano em que estas
ocorreram. Todos os doentes eram previamente saudáveis, à excepção de uma
criança com epilepsia de ausências. Cinco doentes apresentaram sintomas de
processo infeccioso agudo prévio, nos 7
a 15 dias antes do inicio dos sintomas:
1 gastroenterite aguda, 3 infecções das
vias aéreas, 1 com as duas situações simultaneamente e 1 com história de imunização para a hepatite B quatro meses
antes.
Todos apresentaram um quadro
clínico de instalação aguda e todos em
alguma fase da doença apresentaram
alterações motoras com diminuição da
força, dificuldade da marcha e diminuição ou abolição dos reflexos osteotendinosos (ROTs). Cinco crianças apresentaram dores musculares e parestesias.
Houve envolvimento dos pares cranianos em três casos, em dois deles como
primeira forma de manifestação de do-
ença. Em dois verificou-se disfunção disautonómica, num caso com obstipação
e retenção urinária e noutro com hipertensão arterial.
Em três casos o diagnóstico foi feito
sete dias depois do início da sintomatologia, em quatro, 15 dias depois. De referir que em duas crianças o diagnóstico
só foi possível ao fim de 7 dias de internamento devido à sua forma atípica de
apresentação. Um dos casos referia-se a
uma criança do sexo feminino de 2 anos
com um primeiro internamento por parésia do 6º par esquerdo e que após estudo
analítico com punção lombar e estudo
imagiológico cerebral normais, teve alta
medicada com corticoide oral e orientada
para a consulta de oftalmologia e neurologia. Ao 7º dia de evolução da doença foi
reinternada por apresentar oftalmoplegia
bilateral, sialorreia, alteração da deglutição, tetraparésia flácida, diminuição dos
ROTs e parestesias, sendo nessa altura
feito o diagnóstico de SGB - variante Miller-Fisher. O outro caso referia-se a uma
criança do sexo masculino de 10 anos
que recorreu ao Serviço de Urgência por
paralisia facial direita, sendo constatado
hipertensão arterial que motivou a realização de múltiplos exames incluindo um
Tabela I – Critérios de diagnóstico do SGB
Características requeridas para o diagnóstico
Fraqueza muscular progressiva
Arrefelexia
Características que apoiam fortemente o diagnóstico
Progressão dos sintomas durante dias
Simetria reletiva dos sintomas
Sintomas ou sinais sensitivos
Envolvimento dos pares cranianos
Recuperação 2 a 4 semanas depois da progressão cessar
Disfunção autonómica
Ausência de febre no início do quadro
Proteinorraquia com < 10 células/mm3
Alterações electromiográficas típicas
Tabela II – Dados demográficos e clínicos
Doente
Idade
(anos)
Sexo
Manifestações clinicas
1
2
F
D1 - Atingimento do oculomotor (VI par)
D7 - Atingimento dos pares cranianos baixos (sialorreia, disfagia)
com diminuição da força muscular, arreflexia, disfunção autonómica (Obstipação, retenção urinária)
2
6
M
Diminuição da força muscular, arreflexia, dor, parestesias
3
10
F
Diminuição da força muscular, arreflexia, dor, parestesias
4
10
M
D1- mialgias
D7-Paresia facial direita, HTA
D12-Diminuição da força muscular, arreflexia
5
10
M
Diminuição da força muscular, arreflexia
6
3
M
Diminuição da força muscular, arreflexia, mialgias, parestesias
7
7
F
D1- Paresia facial direita
D5- Paresia facial esquerda
D7- Diminuição da força, arreflexia, mialgias, parestesias
Legenda: F- Feminino, M- Masculino, D…- dia de evolução da doença
artigos originais
229
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 4
eco doppler renal que mostrou alteração
dos fluxos das artérias renais e angiorressonância com hipoplasia dessas artérias
pelo que iniciou anti-hipertensores. Ao 5º
dia de internamento surgiu alteração da
marcha por diminuição da força muscular com agravamento progressivo, pelo
que realizou punção lombar que mostrou
dissociação albumino-citológica. Fez tratamento com imunoglobulina e só nessa
altura há melhoria dos valores tensionais.
Manteve durante 2 anos o tratamento
com anti-hipertensores e só passados
5 anos após vários eco-doppler’s com
resultados contraditórios realizou arteriografia que excluiu patologia vascular
renal. A hipertensão foi considerada uma
das manifestações do SGB (Tabela II).
Todos os doentes realizaram punção lombar, sendo que cinco mostraram
dissociação albumino-citológica, com valores de proteínas que variaram entre os
54,9 e 182,9 mg/dl; em nenhum dos casos se verificou pleocitose. Nos dois casos em que o exame citoquimico de LCR
foi normal, a punção lombar foi realizada,
num caso sete dias após o início da sintomatologia e noutro foi efectuada duas
vezes, uma no início da sintomatologia
e outra sete dias após. Quatro doentes
realizaram estudo electromiográfico,
três dos quais apresentaram alterações
compatíveis com polineuropatia desmielinizante, tendo o exame sido realizado
três semanas depois do início da sintomatologia. Por impossibilidade técnica,
no outro caso o estudo foi realizado dois
meses após o diagnóstico, já não mostrando alterações. Cinco crianças realizaram estudo de imagem cranioencefálica:
1 tomografia axial computorizada (TAC),
1 Ressonância magnética (RM), 3 TAC e
RM, sem registo de alterações. Três realizaram RM medular e num dos casos foi
visível aumento da captação meníngea
no cone medular e nas raízes da cauda,
sinais compatíveis com SGB (Tabela III).
Cinco das sete crianças apresentaram
elevação dos níveis serológicos séricos
para diversos agentes: Campylobacter
jejuni (4 casos), Mycoplasma pneumoniae (1 caso), CMV (1 caso), Enterovirus
(1 caso). Dois casos apresentavam IgG
positivas para o Campylobacter jejuni no
líquor (Tabela III).
Todos fizeram tratamento com imunoglobulina endovenosa, cinco no esquema 1g/kg/dia durante dois dias e dois 400
mg/kg/dia durante cinco dias, sem qualquer reacção adversa. Nenhuma criança
necessitou de ventilação invasiva ou de
internamento numa unidade de cuidados
intensivos. Cinco crianças iniciaram fisioterapia em regime de internamento.
A média de dias de internamento foi
de 10 com um mínimo de 4 dias e um máximo de 19 dias. À data da alta a maioria
apresentava uma incapacidade funcional
moderada, II-III/VI, na escala funcional de
Van Der Merché e Van Doorn. Todos recuperaram sem sequelas.
DISCUSSÃO
Apesar da pequena dimensão da
amostra os resultados são idênticos
aos descritos na bibliografia sobre SGB.
Constatou-se uma grande heterogeneidade na forma de apresentação, com
42% dos casos a ter como primeira manifestação o atingimento dos pares cranianos. Esta forma de apresentação atrasou
o diagnóstico bem como as atitudes terapêuticas.
O mecanismo preciso da fisiopatologia do SGB ainda é desconhecido mas
admite-se que certos anticorpos dirigidos
para epítopes específicos de bactérias ou
vírus desencadeiem uma resposta imunológica cruzada contra antigénios presentes nos nervos periféricos causando
lesão(2,3,5-7,9,11). Na nossa casuística, em
57% dos casos existiu uma situação infecciosa a preceder a sintomatologia: em
Tabela III – Exames complementares realizados. Factores de risco.
Doente
LCR
EMG
Imagem
1
Sem DAB*
Sem alterações
TAC e RM c- sem alterações
Campylobacter jejuni
IVAs
2
Sem DAB**
Polineuropatia desmielinizante
RM c- sem alterações
RM medular- captação aumentada
Campylobacter jejuni
CMV
GEA+IVAs
3
DAB
Polineuropatia desmielinizante
TACc- sem alterações
Campylobacter jejuni
Vacina HBV
4
DAB
Polineuropatia desmielinizante
TACc e RMc- sem alterações
Mycoplasma pneumoniae
5
DAB
Não realizou
Não realizou
Campylobacter jejuni
Enterovirus
6
DAB
Não realizou
RM medular- sem alterações
IVAs
7
DAB
Não realizou
TACc, RMc,
RM-medular-sem alterações
IVAs
Legenda:
IVA- Infecção vias aéreas; GEA- Gastroenterite aguda; DAB- Dissociação albumino-citológica
*- No inicio da sintomatologia e aos 7 dias de evolução da doença
**- Aos 7 dias de evolução da doença
230
artigos originais
Serologias
Factores de risco
GEA
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 4
42% infecção respiratória e em 28% infecção gastrointestinal, proporções muito
idênticas às descritas na literatura(11). O
Campylobacter jejuni foi o agente mais
prevalente, mesmo naqueles sem história anterior de infecção gastrointestinal.
Na variante Miller-Fisher está descrita uma associação com a infecção por
Campylobacter, confirmada também no
nosso caso. Alguns estudos têm mostrado uma associação entre o SGB e algumas vacinas incluindo a polio, influenza,
rubéola/sarampo/parotidite e hepatite B,
nas primeiras semanas depois da vacinação(1,3,4,7,11). Na nossa casuística existia
um caso em que a criança tinha sido vacinada quatro meses antes para a hepatite
B. Apesar de ter sido considerado factor
de risco este espaçamento temporal mostra que provavelmente essa associação é
pouco provável e de facto nessa criança
foi identificado serologicamente um agente causal, o Campylobacter jejuni.
Embora o diagnóstico seja fundamentalmente clínico, a punção lombar, a
EMG e os estudos imagiológicos podem
ser úteis na confirmação do diagnóstico(4), na avaliação do prognóstico e na
exclusão de outras patologias.
A maioria dos pacientes em algum
momento da doença desenvolvem a típica dissociação albumino-citológica,
mas a concentração de proteínas pode
ser normal nos primeiros 5 a 10 dias de
doença(11). No nosso estudo os achados
citoquímicos do LCR mostraram dissociação albumino-citologica em 71% dos
doentes. Destes apenas um tinha sete
dias de evolução da doença; todos os outros tinham duas semanas de evolução.
Nos casos em que não houve alterações
a punção lombar foi realizada num caso
no início da sintomatologia e repetida aos
sete dias de evolução e noutro caso aos
7 dias de evolução da doença. Assim,
quando a punção lombar é realizada ou
numa fase precoce ou numa fase avançada da doença poderão não ser encontradas as alterações citoquímicas do líquor, o que está de acordo com o descrito
na literatura.
A EMG constitui o exame mais sensível e especifico para o diagnóstico do
SGB(7), embora tipicamente as alterações
surjam apenas 2 a 3 semanas depois do
inicio da doença. No nosso estudo a EMG
mostrou-se um exame importante quer
na confirmação do diagnóstico quer no
estabelecimento do prognóstico; todos os
casos tinham sinais de desmielinização
sem sinais de lesão axonal, sugerindo
um prognóstico mais favorável. O único
caso que não apresentou alterações realizou a EMG já em fase de resolução da
doença.
Os doentes com manifestações atípicas, nomeadamente com atingimento
inicial dos pares cranianos, realizaram
imagem cerebral.
A RM pode ser útil no diagnóstico
principalmente quando os estudos de
condução são equívocos(11). É um teste
sensível mas não específico(11). No nosso
estudo revelou-se um exame importante
fundamentalmente na exclusão de outros
diagnósticos e mostrou-se importante
também na afirmação do diagnóstico
num caso em que revelou aumento da
captação a nível das raízes medulares
numa criança que não apresentava alterações no LCR.
Todos os doentes responderam
bem ao tratamento com IgEV independentemente do esquema terapêutico.
O prognóstico depende de vários
factores como a etiologia, as alterações
clínicas, neurofisiológicas e bioquímicas(11). A infecção por Campylobacter e
CMV é um dos factores de mau prognóstico, o que não foi verificado na nossa
revisão, em que todos os doentes independentemente da etiologia ou das manifestações clínicas tiveram uma evolução
clínica favorável.
CONCLUSÃO
O SGB envolve um grupo heterogéneo de entidades e formas diversas
de apresentação para as quais o clínico
necessita de estar alerta de forma a dar
uma resposta precoce e atempada que
impeça a progressão da doença para formas mais graves e irreversíveis.
A maior parte das situações são
precedidas por um quadro infeccioso prévio e o Campylobacter é o agente mais
vezes implicado.
O diagnóstico do SGB é fundamentalmente clínico, embora o estudo do
LCR, a EMG e a RM do neuroeixo pos-
sam ser úteis no diagnóstico, prognóstico
e exclusão de outras patologias. O estudo
citológico do LCR e a EMG demonstraram ser exames auxiliares de diagnóstico
muito úteis. Contudo, quando a punção
lombar é realizada muito precocemente
poderão não se encontrar as alterações
características. Também a EMG deverá
ser realizada por volta da terceira semana para ser mais informativa.
A imunoglobulina mostrou-se uma
boa arma terapêutica.
GUILLAIN-BARRÉ SYNDROME:
THE REALITY OF AN HOSPITAL CENTER
ABSTRACT
Introduction - Guillain-Barré Syndrome (GBS) is an acute autoimmune
demyelinating polyneuropatia. The aim of
this work was to characterize the pediatric patients admitted to Centro Hospitalar
Vila Nova de Gaia with GBS, analyzing
the clinical presentation, treatment and
the clinical evolution.
Patients and Methods - Retrospective review of all children less than 16
years with GBS admitted in Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia between 1st
January 2000 and 31st December 2006.
The functional state was evaluated by the
Van Der Merché and Van Doorn scale.
Results - Seven cases were admitted during this period, 4 were males, aged
2 to 10 years. Respiratory and gastrointestinal prodromes were identified in 71%
of the cases. All patients had motor disturbances, 5 sensory manifestations and 3
cranial nerves involvement. Five children
had albuminocytological dissociation and
electromyographic signs of acute demyelinating neuropathy was identified in 3.
Campylobacter jejuni was the agent more
commonly involved. All children were
treated with intravenous imunoglobulins,
with good evolution, recovering without
sequels. On the time of discharge most of
the children presented a moderate functional incapacity.
Discussion - The clinical presentation in GBS can be variable: classic, miosites-like or encephalitis-like or with craneal nerve envolvent. Lumbar puncture
(LP) and electromyogram are important
artigos originais
231
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
to support the diagnosis. Nevertheless
when LP is performed early in the course
of the disease typical abnormalities may
not be present. Also electrophysiological
studies should be made after the third
week of disease to be of greater diagnostic value.
4.
5.
Key Words – Guillain-Barré syndrome, albuminocytological dissociation,
electromyogram, Campylobacter jejuni,
intravenous immunoglobulins.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 228-232
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CORRESPONDÊNCIA
Maria José Dinis
R. Rodrigo Gonçalves Lage, 606
4425-188 Águas Santas
[email protected]
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revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Síndrome de Encefalopatia Posterior Reversível
(PRES)
Diana Gonzaga1, Tiago Correia1, Marta Rios1, Claúdia Pereira2, Paula Matos3,
Sónia Figueiroa4, Rui Almeida 4, Lúcia Gomes4, M. Guilhermina Reis4
RESUMO
A Síndrome de Encefalopatia Posterior Reversível (PRES) é uma entidade
rara descrita inicialmente em adultos e
cada vez mais diagnosticada em crianças. Clinicamente manifesta-se por cefaleias, alteração do estado de consciência
e convulsões. Os achados típicos da ressonância magnética (RMN) contribuem
para o diagnóstico. A sintomatologia e
as alterações radiológicas são completamente reversíveis, quando corrigida
atempadamente a causa subjacente.
Os autores apresentam um caso clínico de uma criança, sexo masculino, com
8 anos e 9 meses de idade, transferida
da Unidade de Cuidados Intensivos para
o Serviço de Pediatria com traumatismo
craneo-encefálico (TCE) grave. Durante
o internamento verificaram-se valores
tensionais persistentemente superiores ao
P95 e ao 10º dia de internamento, na sequência de uma TAC cerebral de controle, observaram-se lesões de novo, hipodensidades parieto-occipitais bilaterais,
sem restrição à difusão das moléculas
de água na RMN, sugestivas de edema
vasogénico - PRES. Após controlo da hipertensão arterial verificou-se regressão
completa das lesões cerebrais.
Os autores pretendem com este
caso clínico alertar para esta entidade
clinico-radiológica reversível, salientando
a necessidade de diagnóstico atempado
e tratamento precoce da causa subjacente para evitar danos neurológicos irreversíveis.
__________
1
2
3
4
Interno Complementar de Pediatria
Assistente Hospitalar de Neuroradiologia
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
Assistente Hospitalar de Pediatria
Hospital Geral Santo António, EPE
Palavras-chave: Síndrome de Encefalopatia Posterior Reversível, Hipertensão arterial, RMN cerebral com restrição às moléculas de água, Traumatismo
craneo-encefálico.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 233-236
INTRODUÇÃO
A Encefalopatia posterior reversível
(PRES) é uma síndrome clínico- radiológica, descrita pela primeira vez em 1996
por Hinchey(1) inicialmente em adultos e
observada cada vez mais na população
pediátrica(2). Caracteriza-se pelo início
agudo ou subagudo de cefaleias, alterações do estado de consciência, alterações visuais, convulsões e sinais neurológicos focais(3).
As causas mais frequentemente associadas com a PRES são: hipertensão
arterial, eclâmpsia, fármacos (Imunossupressores: Tacrolimus, Ciclosporina A
e agentes de quimioterapia: Ciplastina,
Interferon α, Metotrexato), síndrome hemolítico- urémico e púrpura trombocitopénica trombótica(2).
A tomografia axial computorizada
(TAC) e, sobretudo, a ressonância magnética (RMN) contribuem para o diagnóstico, evidenciando edema bilateral envolvendo a substância branca, atingindo os
territórios vasculares posteriores (lobos
parietais e occipitais). Os achados imagiológicos podem gerar dificuldades no
diagnóstico, hoje superadas pela RMN
com a técnica de difusão das moléculas
de água (DWI), que permite diferenciar o
edema citotóxico (resultante de isquemia
e enfarte) de edema vasogénico sugestivo de PRES(4).
O prognóstico é geralmente bom,
sendo as lesões completamente reversí-
veis, quando corrigida atempadamente a
causa subjacente. Caso contrário, podem
instalar-se danos irreversíveis, como cegueira cortical e morte(2,5).
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam o caso clínico de uma criança, do sexo masculino,
raça caucasiana, com 8 anos e 9 meses
de idade, com antecedentes pessoais
e familiares irrelevantes, vítima de atropelamento por veículo de quatro rodas,
que foi internada em Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP), onde
permaneceu por um período de 25 dias.
À admissão na UCIP apresentava-se intubado e ventilado, com Score Glasgow
5 (O1M2V2), com politraumatismo com
feridas corto-contusas na região frontal
esquerda e couro cabeludo à direita.
As TAC cervical, de tórax, abdominopélvica e a radiografia do esqueleto
não revelaram quaisquer alterações.
Realizou TAC cerebral que evidenciava
múltiplas contusões hemorrágicas supratentoriais e discreto edema cerebral.
Por aparecimento subsequente de hipertensão intracraniana refractária (PIC>40;
PPC baixa) foi induzido coma barbitúrico
com Tiopental que manteve durante 13
dias (padrão electroencefalográfico de
“burst supression”). Manteve ventilação
mecânica com parâmetros moderados
(FiO2 0,3) até 20º dia de internamento,
ficando posteriormente em ventilação
espontânea. Evolução com instabilidade
hemodinâmica, necessidade de suporte
inotrópico com dopamina e noradrenalina até ao 19º dia, ficando posteriormente
hemodinamicamente estável com valores
tensionais no P50-90.
Foi transferido ao 25º dia para o Serviço de Pediatria do Hospital Geral de Santo António, apresentando-se à admissão
casos clínicos
233
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Figura 1 – TAC cerebral em D1 de internamento no HGSA “Hematoma subdural crónico
frontal direito… hipodensidade fronto--basal
esquerda sugestiva de contusão… hipodensidades lentículo-capsulares direitas …”
hemodinamicamente estável [TA: 117/60
mm Hg (TAS: P90/95; TAD: P50); FC 79
bpm; SpO2 99% (ar ambiente)], Score
Glasgow de 7 (O4M2V1), pupilas isocóricas lentamente reactivas, com reacção à
dor em extensão dos membros e tetraparésia espástica (espasticidade grau 3 a 5
na escala de Ashworth). Restante exame
objectivo sem alterações. A TAC cerebral
revelava hematoma subdural crónico frontal direito e múltiplas contusões hemorrágicas supratentoriais (Figura 1).
No Serviço de Pediatria esteve clinicamente estável até ao 7º dia de internamento altura em que se verificam
episódios de hipersudorese e períodos
de agitação que aliviavam com analgesia
com morfina, constatando-se nesta altura
Figura 2 – TAC cerebral em D10 “ …Lesões de novo, hipodensidades cortico-subcorticais
temporo-occipito-parietal direita e parieto-occipital esquerda…”
valores tensionais persistentemente acima do P95.
Efectuou ao 10º dia de internamento uma TAC cerebral de controle, que
revelou lesões de novo, hipodensidades
cortico-subcorticais temporo- parieto-occipitais bilaterais (Figura 2). Colocou-se
como hipótese tratarem-se de lesões de
enfarte agudo no território de ambas as
artérias cerebrais posteriores e/ou fronteira e ramos perfurantes das artérias
cerebrais médias ou, dado que as lesões
não respeitavam nenhum território vascular bem definido, tratar-se de edema vasogénico. Foram colocadas como causas
possíveis de enfarte: hipoperfusão cerebral, cardio – embolismo, dissecção das
artérias vertebro-basilares ou carotídeas
pós-traumatismo. Realizou uma Angioressonância das artérias carótidas e artérias vertebro-basilares que não revelou
qualquer alteração.
A RMN cerebral confirmou a presença de lesões occipito- parietais bilaterais ao nível da substância branca, envolvendo os territórios posteriores, desde
o córtex até à região periventricular. Não
se verificou restrição à difusão das moléculas de água (DWI), que pudesse traduzir isquemia recente e o ADC (Apparent
Diffusion Coefficients) encontrava-se elevado, confirmando a ausência de edema
citotóxico, ficando como hipótese mais
provável edema vasogénico no contexto
de PRES. (Figura 3)
Figura 3 – A. RMN T2 FLAIR- plano axial, Fluid- Atennuated Inversion Recovery. Hiperintensidade de sinal ao nível da substância branca, envolvendo os territórios posteriores- lesões occipito- parietal direita e esquerda consistentes com edema vasogénico. B. Técnica de difusão das
moléculas de àgua (DWI): Sem restrição à difusão das moléculas de àgua. C. Medição do ADC (Apparent Diffusion Coefficients) : aumento da
difusão nas áreas de edema vasogénico (ADC elevado).
234
casos clínicos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
A TA manteve valores persistentemente acima do P95, com valores máximos de 171/110 mmHg ao 14º dia. Foi
instituído, tratamento com propranolol e
nifedipina e ao 21º dia foi substituída a
nifedipina pelo captopril.
Para investigação etiológica da hipertensão arterial e suas repercussões
efectuaram-se os seguintes exames
complementares de diagnóstico: sedimento urinário, função renal, ionograma
e perfil lipídico; ecografia renopélvica e
eco doppler das artérias renais que foram normais; estudo imunológico: ANA
negativos; anti-cardiolipina e anti-β2 glicoproteína negativos. C3 e C4 normais.
Ig´s normais; ecocardiograma: normal;
fundo ocular: OD: hemorragia peripapilar
inferior, sem edema papilar.
No 20º dia apresentou movimentos
clónicos dos membros superiores. Foi
efectuado EEG que revelou actividade
de base lenta e períodos ocasionais de
actividade paroxística predominantemente à direita, instituindo-se terapêutica com
carbamazepina.
Houve normalização dos valores da
TA, com posterior suspensão da terapêutica anti-hipertensiva e melhoria dos episódios de agitação.
A RMN cerebral efectuada 10 dias
após o início do tratamento revelou regressão das lesões encontradas na RMN
anterior, suportando o diagnóstico de
PRES (Figura 4).
Sem registo de novos episódios
convulsivos, os EEG posteriores revelaram-se normais, suspendendo os antiepilépticos em D100.
À data da alta (5 meses), a criança
apresentava-se com valores tensionais
normais sem qualquer tratamento antihipertensor. Mantinha estado neurológico
sobreponível, com um Score Glasgow de
8 (O4M3V1), tetraparésia espástica sem
controle cefálico, atrofia muscular generalizada e contracturas ligeiras a nível
solear direito e anca direita. Do ponto de
vista imagiológico, apresentava regressão completa das lesões parieto-occipitais bilateralmente, verificando-se uma
redução acentuada do volume encefálico
(Figura 5).
Figura 4 – RMN T2 FLAIR em D23: lesão
occipito-parietal direita apresenta dimensões
mais reduzidas e a esquerda desaparece.
Figura 5 – RMN T2 FLAIR em D116: resolução completa das lesões… Mantém-se colecção extra-axial na vertente fronto-parietal
direita … redução do volume encefálico…”
DISCUSSÃO
A PRES é uma síndrome rara em
crianças e o seu diagnóstico, se não houver índice de suspeição, é muitas vezes
subestimado.
A etiologia mais frequentemente
descrita é a hipertensão arterial, sendo
que nas crianças os valores de TA necessários para o desenvolvimento das
lesões são geralmente inferiores aos dos
adultos(2,6).
O diagnóstico é clínico e imagiológico. A RMN é o melhor exame de diagnóstico evidenciando edema vasogénico
bilateral envolvendo a substância branca,
atingindo os territórios vasculares pos-
teriores. A RMN com técnica de difusão
das moléculas de água (DWI) é o exame gold-standard, permitindo diferenciar
entre o edema vasogénico e o edema
citotóxico, sendo que o ADC (Apparent
Diffusion Coefficients) elevado confirma
a ausência de edema citotóxico(4,7).
O mecanismo fisiopatológico exacto nesta entidade ainda não é totalmente
conhecido, estando provavelmente implicadas alterações da auto-regulação dos
vasos cerebrais que, quer por aumento
da pressão hidrostática, quer por aumento da permeabilidade vascular, permitem
a passagem de líquido para o interstício e
a formação de edema vasogénico(4,8).
A predilecção pelos territórios posteriores deve-se provavelmente à menor
inervação simpática, e uma vez que na
PRES a resposta miogénica está comprometida, estas áreas tornam-se mais
vulneráveis.7
A apresentação clínica é frequentemente inespecífica e pode ser facilmente
confundida com outras entidades como o
enfarte cerebral, encefalite, vasculite ou
trombose do sinus sagital.
O diagnóstico de PRES tem importantes implicações terapêuticas e prognósticas, pela potencial reversibilidade
das lesões se o tratamento da causa
subjacente for adequado e atempado.
Por outro lado, se não tratada pode evoluir para edema citotóxico conduzindo a
isquemia, enfarte e sequelas neurológicas permanentes(5).
No presente caso a instalação deste quadro num doente com graves lesões
neurológicas pós-traumáticas não permitiu
detectar mais precocemente as manifestações clínicas. Foi difícil valorizar algumas
manifestações como cefaleias ou convulsões (traduzidas por episódios de agitação
e hipersudorese ou movimentos paroxísticos), que facilmente seriam atribuíveis ao
seu quadro neurológico de base.
A etiologia da hipertensão arterial,
que foi transitória, não foi completamente
esclarecida. Atendendo à normalidade da
investigação efectuada, e dado tratar-se
de um doente com um TCE grave, a desregulação autonómica central parece ser
a causa mais provável.
Para a evolução favorável deste
quadro, com reversibilidade imagiológica
casos clínicos
235
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
completa das lesões, contribuiu o rápido
controle da hipertensão arterial.
Em todos os doentes politraumatizados com alterações neurológicas o
aparecimento de episódios convulsivos
tardios, especialmente se associado a
hipertensão ou outra causa predisponente devem alertar-nos para a possibilidade de PRES, cujo tratamento pode
evitar que se somem novos deficits neurológicos.
POSTERIOR REVERSIBLE
ENCEPHALOPATHY SYNDROME
ABSTRACT
The Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome (PRES) is a rare entity
described initially in adults and observed
more and more in children. Clinically, patients have headaches, alteration of the
level of conscience and seizures. The
typical findings in the magnetic resonance (MRI) contribute to the diagnosis.
When promptly recognized and treated
the underlying cause, the symptoms and
radiologic abnormalities can be completely reversible.
The authors present a clinical case
of a child, male, with 8 years and 9
months of age, admitted in the Pediatric
Department with a traumatic brain injury,
236
casos clínicos
with serious neurological deficits. During
hospitalization, tensional values became
persistently > P95 and on a brain CT scan
of control, new lesions were observed as
bilateral hypodensities in parietal and occipital lobes, without restriction of the diffusion of the molecules of water on MRI,
suggestive of vasogenic edema - PRES.
Complete regression of the cerebral lesions were observed after control of the
hypertension.
With this clinical case the authors
want to alert for this reversible clinic-radiologic entity, pointing out the need of an
early diagnosis and treatment of the underlying cause to avoid irreversible neurological damages.
3.
4.
5.
6.
Key- Words: Posterior Reversible
Encephalopathy Syndrome, Hypertension, Diffusion-Weighted Magnetic Resonance imaging, Traumatic Brain Injury.
7.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 233-236
BIBLIOGRAFIA
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8.
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825-830
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Dermatite Estreptocócica Perianal
Sónia Fernandes1, Nelea Afanas1, Luísa Tavares2, José Castanheira3
RESUMO
A Dermatite Estreptocócica Perianal
causada pelo estreptococo β – hemolítico do grupo A (EβHA), é uma entidade
bem definida, mas mal conhecida e sub
diagnosticada, levando por isso a um
tratamento tardio, expondo a criança
ás complicações habituais como dor na
defecação, obstipação, rectorragia com
realização de exames invasivos que isso
implica, podendo também haver a suspeita de abuso sexual com todas as suas
consequências. Quando tratada precocemente apresenta-se com um quadro clínico leve e de fácil resolução.
Os autores descrevem o caso clínico de um adolescente de 11 anos a quem
foi feito o diagnóstico de Dermatite Estreptocócica Perianal e um breve resumo
teórico.
Palavras-chave: Dermatite Estreptocócica Perianal, Estreptococo β – hemolítico do grupo A
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 237-239
INTRODUÇÃO
Amren e col. em 1966 descreveram
pela primeira vez as erupções perianais
causadas pelo Estreptocóco β-hemolítico
do grupo A, designando--as por celulite
perianal. Em 1985 Spear e col. descreveram 14 crianças com as mesmas lesões.
Desde então, embora poucas, outras
publicações têm vindo a referir a mesma
__________
1
2
3
Interno Complementar de Pediatria
Assistente Graduada de Pediatria
Director do Serviço de Pediatria
Serviço de Pediatria – Hospital S. Teotónio
Viseu
doença. Recentemente, devido à constatação de um maior número de casos,
vários autores, admitem não ser uma doença rara, mas sub diagnosticada.
A Dermatite Estreptocócica Perianal é uma infecção cutânea – mucosa
superficial, que tem como agente etiológico mais frequente o Estreptococo β –
hemolítico do grupo A(1-4,8) e raramente o
Estreptococo β-hemolítico do grupo G e o
Staphylococcus aureus(2, 8).
É uma doença frequente na idade
pediátrica mas rara nos adultos. Atinge
principalmente crianças entre 6 meses
e os 11 anos de idade(1-3,6,8,9,11), e é mais
frequente nos rapazes (70%)(1-3,5,7,8,). Tem
uma incidência de 1/218 a 1/2000 visitas
pediátricas no ambulatório(5,6), continuando a não ser reconhecida ou a sê-lo tardiamente, com a sintomatologia a persistir durante 3 semanas a 12 meses antes
do diagnóstico correcto(1,6,8,11).
Normalmente não ocorrem sinais
e sintomas sistémicos, apresentando
um estado geral conservado, sem febre
ou outra sintomatologia sistémica(1,2,4,11).
Pode existir uma história de faringite ou
impétigo actual ou anterior associada.
Numa fase inicial, manifesta-se habitualmente por um intenso eritema perianal, superficial, vermelho vivo, que irradia
do ânus, com limites bem demarcados
envolvendo a mucosa anal. Muitas vezes
é doloroso ao toque. Raramente acompanhado de edema ou adenomegalias(7).
Este eritema está associado a prurido em
78 - 80%(5,6) das situações e a exsudado
superficial seroso ou sero - hemático(1, 5)
Em associação com esta dermatite podese encontrar a descamação dos dedos
semelhante a que ocorre na faringite
estreptocócica e devido á libertação de
exotoxinas pela bactéria(5). Aconselha-se
que nas crianças sem causa aparente de
descamação dos dedos deve-se fazer
um exame da região peri-anal.
Numa fase crónica a mucosa anal
pode apresentar escoriações, fissuras
e hiperpigmentação. O exsudado inicial
passa a muco – purulento. Pode surgir dor
e recusa à defecação (52%)(5 -7) levando
a obstipação e fezes raiadas de sangue
(35%)(5). Por último surgem as rectorragias na proctite e proctocolite(1,3,6).
Por vezes a clínica é subtil com ligeira dor à defecação ou ao toque. Pode
manifestar-se por uma erupção psoríasiforme vermelho – vivo, com extensão de
vários cêntimetros da superfície anal e
um exsudado superficial amarelado nos
bordos(7). As manifestações mais raras
são a celulite peri-anal, uma evolução
crónica com recorrências e a infecção por
S. Aureus com pústulas satélites(4).
As complicações possíveis são a
extensão para a região peri-anal e genital
manifestando-se por vulvovaginite na rapariga e balanite no rapaz(1,2,4,5,7,8,). Dentro
de outras complicações possíveis temos
a blefaroconjunctivite, proctocolite, descamação dos dedos típica das infecções
estreptocócicas(5,8), e as Amigdalites estreptocócicas de repetição na família. Por
último, muito mais rara, a Nefrite aguda
pós – estreptocócica.
Por ser uma entidade pouco conhecida, sem uma clínica esteriotipada, o
diagnóstico é tardio e evoca inicialmente outras entidades clínicas como a dermatite das fraldas, oxiuríase, dermatite
seborreica, alergias, candidíase, fissura
anal, psoríase do guttato, obstipação psicogénica, doença inflamatória intestinal e
abuso sexual(1,3,4,6,11). Estes erros no diagnóstico conduzem a tratamentos errados
e à cronicidade do quadro que pode arrastar-se por várias semanas a meses e
á realização de exames invasivos.
casos clínicos
237
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
O diagnóstico baseia-se principalmente numa forte suspeita clínica que
pode ser confirmado pelo teste rápido
do exsudado da lesão peri-anal com zaragatoa para pesquisa de antigénios do
EβGA e/ou cultura em meio de agar com
sangue de ovelha 5%(1,9,11). O teste directo de pesquisa de antigénios bacterianos
é muito útil pela rapidez do resultado mas
tem uma sensibilidade de 89%.(1). O diagnóstico definitivo é feito pela cultura.
Apresenta-se em seguida um caso
clínico para melhor ilustração da clínica
e diagnóstico.
CASO CLÍNICO
Rapaz de 11 anos de idade, raça
caucasiana, recorreu ao Serviço de Urgência de Pediatria do Hospital da área,
referenciado pelo médico de família, por
dor perianal agravada com a marcha e
exantema perianal não pruriginoso com 5
dias de evolução. Negava dor a defecar,
febre e alterações do trânsito intestinal.
Tinha sido desparasitado há 3 meses
com mebendazol. Negava qualquer medicação em curso. A mãe referia convívio com adolescentes que apresentavam
comportamento sexual de risco.
Ao exame clínico apresentava eritema perianal circunferencial 4-5cm de
diâmetro com bordos bem definidos (Imagem nº 1), exsudado seroso superficial e
sem lesões de grattage. Não apresentava fissuras na região perianal. Ao toque
rectal o esfíncter anal apresentava bom
tónus, ampola rectal com fezes e luva
sem sangue.
Antecedentes pessoais irrelevantes.
Como antecedentes familiares a salientar
irmã com 7 anos – Sdr. Munchausen por
procuração.
Perante o quadro clínico colocaramse como hipóteses de diagnóstico: deficit de higiene, dermatite estreptocócica
perianal; parasitose; micose; eczema ou
abuso sexual.
No Serviço de Urgência fez-se um
teste rápido, com zaragatoa, da lesão
perianal, sem a sua introdução no orifício anal, para pesquisa do Estreptocóco β - hemolítico que foi positivo e
pediu-se avaliação pela Assistente Social sendo posta de parte a hipótese de
abuso sexual.
238
casos clínicos
Fez-se assim o diagnóstico de Dermatite Estreptocócica Perianal iniciando
tratamento oral com eritromicina 50mg/
kg/dia de 8/8 horas. Foi referenciado á
Consulta Externa de Adolescentes onde
pode constatar-se uma melhoria ao 10º
dia de tratamento (Imagem nº 2) e a cura
ao 15º dia de tratamento (Imagem nº 3).
Teve alta da consulta, sem registo de recidiva da lesão.
DISCUSSÃO
O caso descrito confirma que a dermatite peri-anal é frequentemente diagnosticada tardiamente, o que pode ser
explicado pelo não conhecimento desta
entidade e pelo facto de se pensarem
primeiro noutras entidades (como parasitoses e abuso sexual). Quando reconhecida precocemente e instituído o
tratamento adequado, tem uma evolução
benigna, evitando-se assim exames invasivos e tratamentos desnecessários.
O Estreptococo β-hemolítico, em
idades pediátricas, é um dos agentes
bacterianos mais vezes responsável
por amigdalofaringites, pneumonias,
adenites, meningites, como também infecções cutâneas como a erisipela e o
impétigo(1,9).
O meio de contágio continua a ser
um tema de discussão na comunidade
científica. O Estreptococo β-hemolítico
não é um gérmen saprófita da região
perianal, possui estruturas filamentosas
que lhe permitem uma aderência às células epiteliais e a invasão das mucosas.
Qualquer traumatismo prévio vai facilitar
a invasão da mucosa e posteriormente
o aparecimento da doença(1,8,9). Certos
autores defendem a sua potencial resistência aos sucos digestivos como meio
para colonizar a região perianal(2,3,8,9). O
meio de contágio mais frequente é a auto
– inoculação pelos dedos a partir da orofaringe infectada ou infecções cutâneas
como o impétigo(1-3,5,6). Outros meios de
contágio também possíveis são a transmissão aérea e a intra-familiar a partir
por exemplo da água do banho, ocorrendo vários casos na mesma família(1,3,5,6).
A colonização perianal assintomática é
frequente, verificando-se em cerca de
1% das crianças assintomáticas e 6%
das crianças que têm faringite por Es-
treptococo β-hemolítico do grupo A(1,3,4,6).
Apesar desses meios de contágio, esta
entidade clínica raramente é uma doença
contagiosa(2).
Existem vários factores que predispõem ao aparecimento desta dermatite.
Entre eles temos a fragilização repetida
da camada córnea(9); uso excessivo de
detergentes; o traumatismo local; má
higiene; a presença de Línquen Esclerosante Perianal; Psoríase Gutata e o Intertrigo(2,4,8). Muitos autores demonstraram
que um focus estreptocócico perianal
leva a exacerbações da Psoríse Gutata(3,4,5). Isto deve alertar para o exame da
região perianal nas crianças com exacerbações agudas da Psoríase Gutata(3, 4).
Num grande número de casos publicados o tratamento inicial foi a penicilina,
quer sob a forma oral (penicilina), quer
sob as várias formas de administração
parentérica (Penicilina G benzatínica e /
ou procaínica), com rápida resolução das
queixas(1,2,3,5,6,9). Uma vez que em Portugal não temos disponível a penicilina
oral, o tratamento poderá ser com amoxicilina, 50 mg/Kg/dia(1,2,5,6,11). Contudo
são frequentes os insucessos terapêuticos, mesmo com tratamento durante 10
dias, sendo necessário a repetição do
ciclo terapêutico e/ou administração de
outros antibióticos(1). Especula-se que os
germens locais, produtores de beta-lactamases, poderão inibir a acção da penicilina, protegendo o EβGA. A alternativa
será a utilização de amoxicilina + ácido
clavulânico, nas mesmas doses(1,11). Existem também autores que utilizam com
sucesso a eritromicina oral (50 mg/kg/
dia) com rápido alívio sintomático e culturas de controle, no final do tratamento,
negativas(1,2,3,5,6,9). No presente caso, um
único curso de eritromicina resultou na
rápida resolução das queixas, sem recidiva sintomática. O tratamento deve durar sempre no mínimo 10 dias(9), pois um
tratamento mais curto predispõe a várias
recorrências. Como as recorrências são
muito frequentes, principalmente após o
tratamento com amoxicilina (40-50%)(3),
deve-se fazer um follow-up da criança
e documentar bem a cura. Nas recorrências o tratamento é eficaz e nestas
situações pode-se utilizar a eritromicina,
que é um antibiótico com poucos efeitos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
laterais e atinge bons níveis terapêuticos
nos tecidos moles, sendo por isso uma
boa opção terapêutica(3, 10).
CONCLUSÃO
Perante uma criança com eritema
perianal associado ou não a dor com a
defecação, exsudado ou prurido, devese pensar numa Dermatite Estreptocócica Perianal. O diagnóstico é baseado na
suspeita clínica que deve ser confirmada
com o teste rápido da lesão para pesquisa do estreptococo β-hemolítico. O início
do tratamento adequado deve ser de
imediato para evitar a cronicidade desta
situação e resolução rápida das queixas.
PERIANAL STREPTOCOCCAL
DERMATITIS
ABSTRACT
Perianal Streptococcal Dermatitis
caused by group A beta-hemolytic streptococcus, is a well defined identity but
frequently not recognized; the delay in
treatment exposes children to the usual
complications such as painful defecation,
constipation, rectal bleeding during invasives exams and suspicion of sexual
abuse. When treated at an early stage it
has a good and faster resolution.
The autors describe a clinical report
of an eleven years’ old boy with Perianal
Streptococcal Dermatitis and with a short
review of the subject.
Keywords: Perianal Streptococcal
Dermatitis, group A Beta-hemolytic streptococcus.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 237-239
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CORRESPONDÊNCIA
Sónia Fernandes
Serviço de Pediatria
Hospital São Teotónio, Viseu
Tel. 933497643
[email protected]
casos clínicos
239
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Hemorragia Uterina Disfuncional na Adolescência
Carla Laranjeira1, Susana Soares1, Elsa Pereira2, Delfina Coelho3, Cristina Ferreira4, Susana Peres4
RESUMO
Os problemas menstruais constituem aproximadamente 50% das queixas ginecológicas na adolescência,
sendo a hemorragia uterina disfuncional
responsável por 90 a 95% dos casos.
Trata-se de uma entidade clínica muito
frequente nos 2 primeiros anos após a
menarca, uma vez que os ciclos menstruais tendem a ser anovulatórios. É um
diagnóstico de exclusão, devendo outras
possíveis causas ser estudadas: discrasias sanguíneas, complicações de gravidez, endocrinopatias, patologia pélvica
e medicamentos. Os autores fazem uma
revisão da fisiopatologia, avaliação diagnóstica e tratamento, no sentido de uniformizar atitudes terapêuticas.
Palavras-Chave: hemorragia uterina disfuncional, adolescência, diagnóstico, tratamento.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 240-244
INTRODUÇÃO
A Hemorragia Uterina Disfuncional
(HUD) é uma patologia comum na adolescência. Cerca de 75% das adolescentes recorrem aos serviços de saúde por
alterações menstruais pelo menos uma
vez durante a adolescência(1) e são causa
frequente de absentismo escolar(2). Em
90 a 95% das vezes, a HUD é a principal
responsável.
__________
1
2
3
4
Interna Complementar de Pediatria
Interna Complementar de Ginecologia e
Obstetrícia
Chefe de Serviço de Pediatria
Assistente Hospitalar de Pediatria
Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE - Guimarães
240
artigos de revisão
Por este motivo é importante conhecer os mecanismos fisiológicos do ciclo
menstrual normal e as várias entidades
clínicas a excluir.
FISIOLOGIA DO CICLO MENSTRUAL
O ciclo menstrual normal sugere que
o eixo hipotálamo-hipófise-ovário (HHO)
e o endométrio estão funcionantes. Este
ciclo pode ser dividido em três fases: folicular, ovulatória e lútea. Durante a fase
folicular existe uma produção cíclica e
regular de estradiol, que é responsável
pelo crescimento folicular e proliferação
endometrial. Após a ovulação (fase lútea) ocorre a produção de progesterona
cuja acção “anti-estrogénica” estabiliza
o crescimento do endométrio. Embora a
fase pós-ovulatória seja em média de 14
dias, a maior variabilidade da fase proliferativa faz com que o ciclo menstrual
normal apresente um intervalo de 21 a 36
dias, com cataménio de 4 a 6 dias e um
volume de sangue entre 30 a 80 mL(3).
Nos ciclos anovulatórios, a ausência
de progesterona origina um crescimento
endometrial anormal, ocorrendo descamação irregular. O fluxo é prolongado e
excessivo não apenas pela grande quantidade de tecido disponível para sangramento, mas também pela ruptura desordenada e abrupta do endométrio.
Os ciclos menstruais são classificados de acordo com o intervalo, duração e
quantidade de perda (4) (quadro I).
A menarca ocorre entre os 11 e os
14,5 anos em cerca de 95% das raparigas(5) , determina o fim da puberdade e
geralmente ocorre num estadio 4 de Tanner(6). A telarca geralmente ocorre 2 anos
antes da menarca.
Apenas 20% dos ciclos menstruais
são ovulatórios durante o primeiro ano
após a menarca(7) e 80% são ciclos irre-
gulares, com duração de 21-45 dias e
cataménios de 2-7 dias(8) . O padrão individual do ciclo menstrual estabiliza ao fim
de 6 anos, sendo que nas raparigas com
menarca precoce, ocorre mais rapidamente(9). Quando a menarca ocorre antes
dos 12 anos, 50% dos ciclos são ovulatórios no primeiro ano, enquanto que
nas adolescentes com menarca tardia,
decorrem 8 a 12 anos até que todos os
ciclos sejam ovulatórios(10). É importante
informar a adolescente do seu padrão
menstrual, baseado na idade de menarca, e sua evolução previsível.
HEMORRAGIA UTERINA
DISFUNCIONAL
Aproximadamente 90% dos casos
de hemorragia uterina anormal na adolescência devem-se a hemorragia disfuncional(11). Por definição, a HUD é uma
hemorragia do endométrio, não dolorosa, excessiva e irregular, não atribuída
a complicações da gravidez, alterações
pélvicas estruturais ou doenças sistémicas(12). Na adolescência, esta entidade é
consequência da presença de ciclos anovulatórios por imaturidade do eixo HHO.
Mais raramente, ocorre ovulação mas é
produzido um corpo lúteo anormal com
secreção de níveis insuficientes de progesterona.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de HUD só poderá ser
estabelecido após exclusão de complicações de gravidez, causas iatrogénicas,
doenças sistémicas ou patologia óbvia
do aparelho genital (quadro II). O diagnóstico etiológico é portanto um desafio
ao senso crítico do médico, à sua perspicácia na observação e interpretação dos
sinais e sintomas, e à sua capacidade de
saber utilizar os meios auxiliares de diag-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
nóstico adequados para a comprovação
ou exclusão das possíveis patologias
(quadro III).
A gravidez deverá ser excluída na
adolescente com hemorragia uterina
anormal. Causas possíveis de hemorragia relacionada com a gravidez incluem o
abortamento, gravidez ectópica e menos
frequentemente, placenta prévia, descolamento placentar e doença do trofoblasto.
As causas iatrogénicas deverão ser
consideradas. A hemorragia poderá ser
induzida por fármacos, tais como anticoagulantes, anticoncepcionais com toma
irregular, inibidores da recaptação da serotonina, anti-psicóticos, corticosteróides
e tamoxifeno. Suplementos de ginseng
ou soja podem provocar irregularidades
menstruais por alteração dos níveis de estrogénios ou da cascata da coagulação.
Após exclusão de gravidez e iatrogenia, é fundamental excluir doenças
sistémicas, particularmente doença tiroideia, hematológica, hepática, suprarenal, hipofisária, hipotalâmica e ovárica,
nomeadamente o síndrome de ovários
poliquísticos.
Infecções, dietas radicais, exercício
intenso, traumatismo ou mais raramente
neoplasias do aparelho genital podem
ser responsáveis por hemorragia uterina
anormal na adolescência.
1. História clínica
Questionar detalhadamente a história ginecológica: idade da menarca,
duração dos ciclos menstruais e dos cataménios, quantidade (frequência de troca de pensos absorventes e quantidade
de fluxo em cada troca) e coloração do
sangue perdido, presença de coágulos
ou dor.
A história detalhada deve ser obtida
de preferência sem a presença dos pais
para se pesquisar a vida sexual, muitas
vezes mantida em segredo pela maioria
das adolescentes, com vista a excluir
doenças sexualmente transmissíveis e
complicações associadas à gravidez.
Quadro I – Classificação dos ciclos menstruais anormais de acordo
com o intervalo, duração ou quantidade de perda sanguínea
Termo
Definição
Oligomenorreia
Hemorragia irregular que ocorre com intervalos >35 dias. Geralmente deve-se à presença de fases foliculares prolongadas.
Polimenorreia
Hemorragia regular que ocorre com intervalos <21 dias. Poderá ser causado por alterações da fase luteínica.
Menorragia
Hemorragia ocorre com intervalos normais (21 a 35 dias) mas com duração e fluxos excessivos (≥7 dias e ≥80 mL).
Metrorragia
Hemorragia irregular que ocorre entre os ciclos ovulatórios.
Menometrorragia
Hemorragia com intervalos irregulares, duração e fluxo excessivos (≥7 dias e ≥80 mL).
Hipomenorreia
Hemorragia que ocorre com regularidade e em quantidade diminuída
Amenorreia
Ausência de hemorragia durante um período ≥3 meses.
Quadro II – Diagnóstico Diferencial de Hemorragia Uterina Anormal(4, 13, 14, 15)
Gravidez e complicações associadas
Doenças sistémicas
Abortamento
Hiperplasia da supra-renal, doença de Cushing
Gravidez ectópica
Discrasias sanguíneas (trombocitopenia, alterações da coagulação)
Doença do trofoblasto
Doença hepática
Placenta prévia
Supressão hipotalâmica
Fármacos e causas iatrogénicas
Adenoma pituitário ou hiperprolactinemia
Contraceptivos orais
Síndrome do ovário poliquístico
Anticoagulantes
Doença renal
Corticosteróides
Hiper- ou hipotiroidismo
Antipsicóticos
Lupus eritematoso sistémico
Espironolactona
Patologia do aparelho genital
Dispositivo Intra-uterino
Infecções (cervicite, endometrite, miometrite, salpingite)
Suplementos (ginseng, soja)
Neoplasias
Tamoxifeno
Traumatismo (corpo estranho, abuso sexual)
Hemorragia Uterina Disfuncional (diagnóstico de exclusão)
artigos de revisão
241
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Quadro III – Avaliação da Hemorragia Uterina Anormal
História
Sinais, sintomas e avaliação diagnóstica
Diagnósticos
Dor pélvica
Abortamento, gravidez ectópica, Doença Inflamatória Pélvica
(DIP), traumatismo, abuso sexual
Náuseas, aumento de peso e da frequência urinária, fadiga
Gravidez
Aumento de peso, intolerância ao frio, obstipação, fadiga
Hipotiroidismo
Perda de peso, hipersudorese, palpitações
Hipertiroidismo
Equimoses não traumáticas, hemorragia fácil
Coagulopatia, leucemia
Icterícia, história de hepatite
Doença hepática
Hirsutismo, acne, acantose nigricans, obesidade
Síndrome do ovário poliquístico
Hemorragia pós-coital
Displasia cervical, pólipos endometriais
Galactorreia, cefaleias, distúrbios visuais
Adenoma da glândula pituitária
Perda de peso, exercício excessivo, stress emocional
Supressão hipotalâmica
Bócio, aumento de peso, edema
Hipotiroidismo
Taquicardia, perda de peso
Hipertiroidismo
Icterícia, hepatomegalia
Doença hepática
Aumento do volume uterino
Gravidez, leiomioma, carcinoma uterino
Massa anexial
Tumor ovárico, gravidez ectópica, quisto ovárico
Palpação uterina dolorosa
DIP, endometrite
β-HCG
Gravidez
Hemograma com contagem de plaquetas e estudo da coagulação
Coagulopatia
Função hepática, tempo de protrombina
Doença hepática
Função tiroideia
Hipotiroidismo, Hipertiroidismo
Prolactina
Adenoma pituitário
Glicemia
Diabetes mellitus
DHEA-S, testesterona livre, 17-OHP
Tumor ovárico ou supra-renal
Citologia cervico-vaginal
Displasia cervical
Biópsia endometrial ou curetagem
Hiperplasia, atipia ou adenocarcinoma
Ecografia transvaginal
Gravidez, tumor ovário ou uterino
Histeroscopia
Lesões intracavitárias, pólipos, fibromas submucosos
Exame físico
Avaliação
laboratorial
Imagiologia
e histologia
242
artigos de revisão
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Os hábitos de vida devem ser inquiridos, incluindo dietas de emagrecimento, prática de exercício físico, hábitos tabágicos, alcoólicos e drogas. Questionar
alterações recentes da massa corporal,
hábitos alimentares, factores de stress
psicológico e consumo de fármacos.
O uso de anticoagulantes, anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos ou
digitálicos podem induzir um aumento
do fluxo.
É importante conhecer a história ginecológica da mãe e irmãs, assim como
a história familiar de endocrinopatias (doenças da tiroide, doença de ovário poliquístico) e hematológicas (doença de von
Willebrand (DVW) ou defeito funcional
plaquetário (PFD)).
2. Exame físico e ginecológico
Avaliar o peso, altura, índice de
massa corporal e estadio pubertário de
Tanner. A determinação dos sinais vitais
com medida da pressão arterial em decúbito dorsal e sentada são fundamentais
na avaliação da estabilidade hemodinâmica da adolescente com hemorragia
activa.
O exame clínico pode revelar sinais
de coagulopatia (petéquias, equimoses),
hiperandrogenismo (acne, hirsutismo, clitoromegalia), diabetes mellitus (acantose
nigricans) ou doença tiroideia (bócio).
Na adolescente não-sexualmente
activa deverá ser realizado um exame
ginecológico digital para pesquisa de
corpos estranhos intravaginais ou toque
rectal para avaliação de massas pélvicas.
Se a adolescente tiver iniciado a actividade sexual, procede-se à avaliação uterina
e anexial por palpação bimanual(12).
3. Exames complementares
Na avaliação inicial da adolescente
com HUD é fundamental incluir o hemograma (com contagem de plaquetas), a
fim de estabelecer a intensidade da anemia; e ecografia pélvica e/ou transvaginal
para exclusão de patologia ovárica ou
uterina estrutural ou gravidez. O doseamento de β-HCG, citologia cervico-vaginal e pesquisa de Neisseria Gonorrhoea
e Chlamydia trachomatis devem ser incluídas nas adolescentes que iniciaram a
actividade sexual. A solicitação de estudo
da coagulação não deverá ser esquecida, principalmente quando a hemorragia
uterina anormal surge na menarca. Alterações da coagulação estão presentes em cerca de 30% das adolescentes
que necessitam de transfusão de glóbulos rubros (16). A menarca é, para muitas
adolescentes, o primeiro “teste” dos mecanismos de coagulação, por isso, patologias como doença de Von Willebrand,
deficiência de protrombina, púrpura trombocitopênica idiopática, ou distúrbios que
levam a deficiência ou disfunção plaquetária, como leucemias e hiperesplenismo,
só serão suspeitadas ou diagnosticadas
neste período.
A citologia cervico-vaginal deve ser
realizada, especialmente nas pacientes
com quadros crónicos e ausência de
resposta ao tratamento, lembrando que
neoplasias embora raras também podem
ocorrer nesta faixa etária.
Nas pacientes que apresentam hemorragia recidivante e achados sugestivos na história clínica e exame objectivo
(quadro III), deverão ser pesquisadas
endocrinopatias através de doseamentos
hormonais (hormona foliculo-estimulante
(FSH), hormona luteinizante (LH), prolactina (PRL), Estradiol, Progesterona, Testosterona livre, Testosterona total, Delta 4
Androstenediona, sulfato de diidroepiandrosterona (DHEA-S), Cortisol, 17 – hidroxiprogesterona (17-OHP), hormona tiroi-
do-estimulante (TSH), tiroxina livre (T4L).
Se PRL>100 ng/mL, é mandatório a
realização de RMN cerebral(17).
TRATAMENTO
O tratamento visa controlar a hemorragia, restabelecer a volémia e prevenir a recorrência e as sequelas.
Tratamento de urgência
O internamento está recomendado
se a doente apresenta hemorragia activa grave abundante e/ou repercussões
hemodinâmicas, e/ou hemoglobina <7 g/
dL. Pode ser necessário transfusão de
glóbulos rubros para correção da anemia em adolescentes com hemoglobina
<7 g/dL. Nestes casos é necessária uma
intervenção hormonal mais agressiva,
tal como é esquematizado no quadro
IV. O estrogénio conjugado endovenoso
deve ser utilizado nas situações de hiperemese e apenas até controlar a hemorragia. Se a hemorragia não ceder em 48
horas, considerar o exame ginecológico
sob anestesia e eventualmente histerospia. A dilatação e curetagem deve ser o
último recurso. Doentes com DVW ou
PFD podem responder à desmopressina
intra-nasal.
Tratamento de manutenção
Na hemorragia grave (activa e
abundante e/ou repercussões hemodi-
Quadro IV – Terapêutica hormonal a instituir na HUD grave (17)
Estrogénios (17 ß estradiol)
4 mg oral de 6-6 horas (no máximo 24 horas)
(se não diminuir a hemorragia em 6-12 horas,
iniciar estrogénio conjugado endovenoso
– 25 mg, 6/6 horas, máximo 6 doses)
+
2 mg oral de 6-6 horas (2 dias)
+
2 mg oral de 8-8 horas (2 dias)
+
2 mg oral de 12-12 horas (2 dias)
+
2 mg oral/dia
Progestativo (didrogesterona)
10 mg/dia oral - 10 dias
artigos de revisão
243
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
nâmicas, e/ou hemoglobina <7 g/dL), o
tratamento de manutenção consiste na
suplementação de ferro e ácido fólico e
na administração de:
- 17 ß estradiol (2 mg/dia - 21 dias) e
didrogesterona (10 mg/dia - nos últimos 10 dias) durante 3 meses, ou
- 17 ß estradiol 2 mg durante 14 dias
e 17 ß estradiol 2 mg + didrogestenona durante 14 dias (durante 3 meses), ou
- contraceptivo oral (se e enquanto
desejar contracepção)(17).
O uso de antiinflamatórios nãoesteróides (AINE’s) como o ibuprofeno
podem reduzir a perda hemática em 30 a
50%. Deverão ser administrados durante
todo o cataménio. Tratam-se de fármacos
úteis como tratamento co-adjuvante ao
tratamento hormonal, especialmente em
adolescentes com menorragia(18).
Na hemorragia disfuncional moderada (hemoglobina 10 - 12g/dL) está indicada a suplementação de ferro oral e
ácido fólico e administração de 17 ß estradiol em baixas doses (2 mg/dia – 21
dias) e didrogesterona (10 mg/dia – nos
últimos 10 dias) ou contraceptivo oral (se
e enquanto desejar contracepção)(17).
A adolescente com hemorragia ligeira (hemoglobina >12g/dL) requer o
mínimo de intervenção médica. Deverá
ser elaborado um calendário menstrual e
manter atitude expectante com reavaliação da situação.
CONCLUSÃO
A HUD é um problema comum na
adolescente, principalmente nos dois
primeiros anos após a menarca, pois os
ciclos menstruais tendem a ser anovulatórios. O seu diagnóstico só é possível após exclusão de gravidez, causas
iatrogénicas, doenças sistémicas e
alterações anatómicas do aparelho genital. Trata-se portanto de um desafio
diagnóstico frequentemente colocado
ao Pediatra, que em colaboração com o
Ginecologista programará a terapêutica.
O prognóstico das adolescentes com
ciclos anovulatórios por imaturidade do
eixo HHO é excelente.
244
artigos de revisão
DYSFUNCTIONAL UTERINE
BLEEDING IN ADOLESCENCE
SUMMARY
The menstrual disorders constitute
about 50% of gynaecological complaints
in adolescence, and the dysfunctional
uterine bleeding accounts for 90 to 95%
of cases. This is a very common clinical
entity in the first 2 years after menarche,
because the menstrual cycles tend to be
anovulatory. It is a diagnosis of exclusion, and other possible causes should
be studied: coagulation disorders, complications of pregnancy, endocrinopathies, pelvic pathology and medications.
The authors present a review of the
pathophysiology, diagnostic evaluation
and treatment in order to unify attitudes.
Key-words: dysfunctional uterine
bleeding, adolescence, diagnosis, treatment.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 240-244
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CORRESPONDÊNCIA
Carla Manuela Afonso Laranjeira
Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE
– Guimarães
Rua dos Cuteleiros – Creixomil
4835-044 – Guimarães
Tel. 253 540 330 Fax. 253 515 060
[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Vitamin D deficiency and insufficiency
in children with tuberculosis
Bhanu Williams, Amanda J. Williams, and Suzanne T Anderson.
Pediatr Infect Dis J. 2008; 27:941-942.
ABSTRACT
We examined the prevalence of
vitamin D deficiency and insufficiency in
children attending our tuberculosis (TB)
clinic during a 2-year period. Sixty-four
patients were included with active TB
(n= 26) or latent TB infection (n= 38).
Eighty-six percent (n=55) were vitamin
COMENTÁRIOS
Este estudo foi feito em Inglaterra.
Os doentes tinham uma idade média
de 8,4 anos (limites de 0,1 a 17 anos).
A maioria pertencia a minorias étnicas,
africanos e sul asiáticos. A deficiência/
insuficiência em vitamina D era maior
nas crianças acima dos 10 anos e no
Inverno. Os autores atribuem a falta de
vitamina D, para além da menor radiação
solar no Inverno, a outros factores com
dietas vegetarianas, pele mais pigmentada e vestuário. A notificação de doentes
com tuberculose pulmonar aumentou no
verão, especulando os autores que esta
sazonalidade se poderia relacionar com
o longo período de maior carência em vitamina D, o que permitiria activação de
formas latentes. Os autores referem não
haver estudos publicados que suportem a
hipótese da carência em vitamina D contribuir para a activação de formas latentes
de tuberculose. No entanto, socorrem-se
de trabalhos que apontam para um reforço imunitário na sua presença: nos
neutrófilos aumenta a catelicidina, um
péptido com funções antimicrobianas; a
incubação de monócitos infectados com
micobactérias com doses crescentes de
vitamina D, restringe o crescimento bacteriano; uma única dose oral de vitamina
D aumenta a imunidade para micobactérias, observada em modelos de infecção
baseados em sangue total. Deduzem
D deficient (serum 25-hydroxyvitamin
D< 20 nmol/L) or insufficient (serum
25-hydroxyvitamin D< 75 nmol/L). Only
one child with active T B was vitamin D
replete.
Keywords: tuberculosis, vitamin
D, deficiency, insufficiency, children
então que a luz solar e a suplementação oral sobem os níveis de vitamina D
e esta aumenta a capacidade fagocitária
de monócitos e macrófagos, leva à morte
microbiana, especialmente de micobactérias. Teremos aqui uma boa perspectiva para explicação dos êxitos obtidos nos
tempos passados, no Caramulo? Será a
vitamina D um “tuberculicida”? Poder-seá especular que sim. Mas sobre vitamina
D há outros dados e atributos não especulativos, tais como:
Não é uma vitamina, mas uma próhormona. Que mais não fosse, pelo facto
de que não preenche os requisitos para
poder ser vitamina: um nutriente indispensável à vida, não sintetizado pelo
organismo, portanto de fornecimento
exógeno propriamente dito (alimentar)
ou não (microbiota intestinal). A sua estrutura molecular é inclusivamente muito
semelhante às hormonas esteróides: estradiol, cortisol e aldosterona (1,2).
Classicamente, a acção da vitamina
D relaciona-se com a saúde óssea, mas
ultimamente tem-lhe vindo a ser imputadas outras acções biológicas. Têm sido
encontrados receptores para a sua forma
hormonal, a 1,25-dihidroxivitamina D, em
múltiplas células para além das clássicas
(enterócitos, células tubulares renais e
osteoblastos), como é o caso de promielócitos, linfócitos T e D, queratinócitos,
células beta-pancreáticas, da paratiróide,
hipófise, cólon, ovário, mama, próstata,
coração e pulmões. Admite-se que a falta
da vitamina D possa relacionar-se com
uma plêiade de doenças: esclerose múltipla, artrite reumatóide, doença inflamatória intestinal, psoríase, asma, diabetes
tipo 1, hipertensão e doenças cardiovasculares, neoplasias do cólon, da próstata,
do ovário e da mama, depressão e esquizofrenia (3-10). A suplementação com
vitamina D poderá diminuir a mortalidade global (11,12). Embora algumas destas
doenças sejam observadas no adulto,
não podemos esquecer que a carência
crónica na criança, ainda que assintomática, venha a ter reflexos décadas depois, devendo estar atentos a possíveis
consequências com elevada morbilidade
e mortalidade, resultantes de uma carência nutricional com prolongada latência.
Quando a criança chegar a adulto, deve
ser um adulto o mais saudável possível e
não portador de algo de momento inaparente, vindo a ter expressão clínica anos
depois.
No capítulo da saúde óssea, o assunto parecia arrumado, mas não, pois
o raquitismo está de volta13. A Academia
Americana de Pediatria reviu, por isso, e
recentemente, as suas orientações para
prevenção do raquitismo e deficiência de
vitamina D. Recomenda um suplemento
diária de vitamina D de 400 UI para lactentes amamentados, desde os primeiros
artigo recomendado
245
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
dias de vida, em vez das 200 UI a iniciar
pelos 2 meses. Esta mesma dose deve
ser administrada a crianças e adolescentes, se a nutrição e a exposição solar
não assegurarem este aporte. Acrescenta que havendo forte evidência de que a
carência em vitamina D durante a gestação venha a ter repercussões negativas
na mulher e no desenvolvimento fetal, se
deva ter em conta o estado em vitamina D
na grávida, verificando-se os seus níveis,
na forma de 25-OH-D, e que se não atingirem valores adequados,> 80 nmol/L,
se suplemente com uma maior dose do
que as tradicionais 400 UI existentes nos
suplementos minero-vitamínicos, a qual
influencia pouco os níveis maternos 14.
Ultimamente, a literatura tem vindo
a referir haver uma carência generalizada
em vitamina D. Este facto deve-se particularmente à redução da exposição solar
devida ao número de horas que crianças
e adultos passam dentro de casa, ao uso
de filtros solares aquando a exposição
solar no verão, à poluição e às condições
geográficas como latitude (> 37º a radiação solar é pobre em ultra-violetas) e altitude. O aporte alimentar tem ainda vindo
a diminuir e há estados de mal-absorção
intestinal não diagnosticados, como a
doença celíaca. O estado em vitamina
D tem vindo também a merecer atenção,
considerando-se deficiência severa, deficiência, insuficiência, suficiência, excesso e intoxicação conforme níveis (nmol/L)
respectivamente de <12.5, <37.5, 37.550, 50-250,> 250 e> 375 15. Portugal está
numa zona de risco (acima de 37 º de
latitude); a baixa altitude ajuda a reduzir
ainda o teor destes raios e a população
tem-se deslocado para o litoral; as condições alimentares não são as melhores
e para além do primeiro ano de vida, não
há hábito de recomendar suplemtação de
vitamina D.
sintetizar no seguinte: primeiro, há outros
receptores celulares, para além dos clássicos; segundo, estes receptores precisam de níveis mais elevados para serem
estimulados; terceiro, da falta desta estimulação poderá resultar morbilidade e
mortalidade elevadas e passíveis de prevenção e, quarto, regista-se uma carência generalizada de vitamina D, devido
a novos estilos de vida. Estamos assim
perante um problema de saúde publica
não reconhecido, de prevalência e gravidade elevadas, merecendo a atenção da
comunidade médica e não só.
Tojal Monteiro1
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 245-246
BIBLIOGRAFIA
1.
2.
3.
4.
5.
O artigo que escolhemos para comentar ilustra bem as novas opiniões
da importância da vitamina D, à luz dos
recentes conhecimentos acerca da sua
fisiologia, conhecimentos que se podem
__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
246
artigo recomendado
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
The Importance of Play in Promoting Healthy Child
Development and Maintaining Strong Parent-Child Bonds
Kenneth R. Ginsburg, MD, MSEd and the Committee on Communications
and the Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health
Pediatrics 2007; 119:182-191
Play is essential to development
because it contributes to the cognitive,
physical, social, and emotional wellbeing of children and youth. Play also
offers an ideal opportunity for parents to
engage fully with their children. Despite
the benefits derived from play for both
children and parents, time for free play
COMENTÁRIOS
Um excelente texto de revisão sobre os benefícios do brincar no desenvolvimento infantil e os obstáculos que a
vida actual coloca às famílias para a sua
fruição pelas crianças.
Fundamental para pediatras e profissionais que lidam com crianças, já que
aborda um assunto de especial interesse, e que por vezes condiciona de forma
marcante o quotidiano e a organização
da vida familiar.
O autor relembra as vantagens,
comprovadas pela investigação, do brincar: estimula a linguagem, a motricidade,
a cognição, a resolução de problemas;
do ponto de vista relacional, promove o
desenvolvimento do sentimento de partilha, de cooperação entre crianças e propicia experiências de prazer e liberdade
na relação com adultos. É também um
direito das crianças reconhecido pela
Organização Mundial da Saúde.
Entenda-se aqui o brincar centralizado pela criança, quando usa brinquedos que lhe exigem uma participação
activa da imaginação, da fantasia e da
criatividade (não estão aqui incluídos a
televisão ou jogos de computador). Para
crianças mais velhas e adolescentes
tem o mesmo significado do dispor de
algum tempo livre.
has been markedly reduced for some
children. This report addresses a variety of factors that have reduced play,
including a hurried lifestyle, changes in
family structure, and increased attention
to academics and enrichment activities
at the expense of recess or free childcentered play. This report offers guide-
Sabe-se que o brincar deveria ser
uma actividade diária e, particularmente
nas crianças pré-escolares, algum desse
tempo deveria consistir em brincadeiras
com os pais. Um programa de treino parental denominado Incredible Years1, de
larga utilização em outros países, agora
também disponível no Departamento de
Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia,
estabelece como ponto fundamental do
trabalho com os pais, o disponibilizar
dez minutos diários a brincar com os filhos, pedindo-se que este tempo seja um
tempo genuinamente dedicado a prestar
atenção às iniciativas da criança, com
um envolvimento que permita à criança
liderar sob o interesse e a participação
adequada dos pais.
Mas muitos factores da vida moderna dificultam a existência de tempo
livre para as crianças: o número importante de famílias monoparentais ou em
que os dois progenitores trabalham e
a necessidade de serem colocadas em
instituições ou centros de actividades,
o tempo dispendido nas viagens, a popularização de meios de entretenimento
passivo (televisão e jogos de computador), a inexistência de espaços seguros
e apropriados. A escolaridade e a pressão para uma preparação que viabilize
a entrada no ensino superior (particular-
lines on how pediatricians can advocate
for children by helping families, school
systems, and communities consider
how best to ensure that play is protected
as they seek the balance in children’s
lives to create the optimal developmental milieu.
mente para determinados cursos) são
também potentes concorrentes. Alertase para a pressão dos meios de comunicação social e mercado que oferecem
actividades e programas enriquecedores
académicos e que pode fazer criar um
estilo de vida apressado, do qual desaparece o tempo livre, sobrecarregando
os pais e podendo também gerar ansiedade e stress. A pressão para uma educação académica de excelência, pode
fazer dominar sentimentos de competitividade, de compulsão para o perfeccionismo e o “sucesso a todo o custo”. Por
outro lado, a redução do tempo livre e do
tempo de qualidade para as interacções
familiares, são também afectados no
seu papel de protecção contra o stress
e ansiedade. Estes são factores que de
algum modo estão presentes em muitos
dos motivos de consultas em serviços
de saúde mental.
Diferente pode ser a situação de
crianças de meios sociais desfavorecidos, em que pelo contrário, podem ser
úteis as actividades estruturadas para
reduzir o tempo sem supervisão de
adultos.
O pediatra torna-se, neste trabalho, um conselheiro capaz de discutir e
orientar os pais nas suas opções, escolhas e decisões, acerca das actividades
artigo recomendado
247
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
extra-curriculares ou programas de lazer
para o tempo após as aulas.
O artigo, embora não recusando a
importância de outras actividades para o
desenvolvimento e bem-estar das crianças, alerta para o risco do desaparecimento de tempo livre e a oportunidade
do brincar não estruturado, advogando
__________
1
Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto
248
artigo recomendado
que se encontre um ponto de equilíbrio
na organização do quotidiano, de forma a promover-se um desenvolvimento
equilibrado nos domínios académico,
social e emocional.
Maria do Carmo Santos1
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 247-248
BIBLIOGRAFIA
1. www.incredibleyears.com
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Comissões de Ética –
o Desafio Metodológico
Daniel Serrão1
RESUMO
As Comissões de Ética para a Saúde, depois de um período em que foram
bem aceites enfrentam, hoje, um problema de metodologia de trabalho e de
critérios para a sua constituição e para
a tomada de decisões. São apresentadas recentes propostas da UNESCO
que não resolvem o problema de fundo
e se limitam a regular aspectos formais
da constituição e funcionamento destas
Comissões. Propõe-se uma metodologia
que dê ênfase ao aspecto da ética individual dos membros da Comissão e ao
carácter descritivo e prescritivo dos pareceres produzidos. Sem a preocupação de
consensos e valorizando a complementaridade.
Palavras-chave – Comissões,ética,
eticidade, consenso ético, complementaridade
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 249-252
INTRODUÇÃO
Tive alguma responsabilidade na
criação de Comissões de Ética na área
da Saúde em Portugal. O artigo que publiquei na Revista “Gestão Hospitalar” aí
por 1989, , foi o primeiro aviso de que era
necessário que as Instituições prestadoras de Cuidados de saúde tivessem uma
Comissão de Ética.
Este aviso foi acolhido e tive a honra
de constituir e coordenar a primeira Comissão de Ética hospitalar, independente
dos órgãos de gestão, no Hospital de S.
João. Foi em 1990. Só em 1995 (Decre-
__________
1
Professor no Instituto de Bioética da UCP
to-Lei n.º 97/95) foi publicada a primeira
lei que regulamenta as Comissões de Ética nos cuidados de saúde e apenas nos
Hospitais, deixando de fora os Centros
de Saúde
Agora, quase vinte anos depois,
quero reflectir convosco sobre como
pode trabalhar uma Comissão de Ética.
A questão que vou suscitar é, portanto, essencialmente de metodologia.
Começarei pelo fundamento da questão.
CONCEITOS
Quando Potter lança o conceito de
Bioética, define-a como uma nova disciplina científica. Como todas as outras
disciplinas do conhecimento, tinha um
objectivo e uma metodologia própria para
atingir esse objectivo.
O objectivo era o de conseguir que
todas as decisões humanas procurassem
ser um bem para a pessoa concreta e
conseguissem melhorar a condição humana em geral.
A metodologia para atingir este objectivo era a de cruzar, horizontalmente,
todos os conhecimentos científicos sobre
a natureza corporal dos seres humanos,
com todos os conhecimentos científicos
sobre a forma particular de ser e de estar
dos homens no mundo. A esta forma peculiar do existir humano chamou Potter o
ethos dos seres humanos e daqui criou a
palavra Bioética para designar esta nova
disciplina científica.
Para Potter, o cruzamento dos saberes científicos, sendo uma relação de
feedback com aportes múltiplos e nas
duas direcções – o biologista molecular
a forçar a reflexão do filósofo, e este a
fazer pensar o outro – haveria de conduzir a uma nova sabedoria que seria o
conteúdo da nova disciplina: a sabedoria
de usar todos os saberes para o melhor
bem de cada homem e para a melhoria
universal da condição humana.
Assim, a palavra ética, no novo
vocábulo Bioética, é usada como um
substantivo que descreve e caracteriza
as propriedades dos seres humanos que
estão para além da biologia corporal e
são estudadas na história, na sociologia,
na filosofia, na teologia.
Por isso, a Bioética não tem como
objectivo avaliar a qualidade das decisões de cada pessoa no seu viver diário
profissional ou social em geral. A Bioética olha para as situações que ameaçam a sobrevivência dos humanos e
suscita o estudo dessas situações, por
cientistas da Biologia e por cultores das
Ciências Humanas e Sociais, para que
sejam propostas às organizações sociais, políticas e económicas, as grandes opções que podem garantir a nossa
sobrevivência.
Para Potter, a Bioética, como disciplina nova do pensamento humano, é,
verdadeiramente, uma estratégia de sobrevivência.
Mas esta Bioética, assim entendida
como Bioética global, é um chapéu sob
o qual se podem acolher análises sectoriais, que são como que partes constituintes desta Bioética Global.
Quando, porém, estas análises sectoriais usam a palavra ética para se identificarem, por exemplo ética médica ou
ética ambiental, estão a usá-la na forma
adjectiva. Não como ética substantiva do
agente, mas como eticidade dos actos e
das decisões.
Para a questão metodológica que
pretendo tratar, é importante esta distinção que o idioma inglês faz, com rigor,
utilizando Ethics com s, não como o plural de Ethic, mas como um adjectivo, para
acolher a adjectivação dos actos e deci-
perspectivas actuais em bioética
249
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
sões humanas, como, por exemplo, bons
ou maus, úteis ou inúteis.
Então, na língua portuguesa, a palavra ética, substantivo, refere-se a uma
capacidade ou categoria da inteligência
humana que lhe permite tomar decisões
individuais ponderando valores pessoais.
Usada no plural, as éticas, refere-se
aos sistemas de avaliação externa, de
base social, das decisões individuais e/
ou colectivas em relação aos valores de
emergência social. O seu estudo pertence, essencialmente, à Sociologia.
Usada no sentido adjectivo constitui
um julgamento sobre a eticidade ou qualidade ética de um comportamento, acto
ou decisão individual; julgamento que
pode ser feito por outro indivíduo ou por
estruturas sociais e se refere à adequação dos comportamentos, actos ou decisões individuais a valores individuais e a
valores sociais.
Face a esta sistematização dos entendimentos possíveis da palavra ética
onde se situa uma Comissão de Ética?
E que é que pode legitimamente esperarse de uma Comissão que se designa por
Comissão de Ética?.
Penso que são Comissões de Eticidade, ou seja, Comissões de Ética adjectiva.
Vou argumentar em defesa desta
convicção.
COMISSÕES DE ÉTICA
A UNESCO, pela sua Divisão de
Ética das Ciências e das Tecnologias,
publicou em 2005 e 2007 três pequenos
livros ou guias, significativamente intitulados assim:
• Guia n.º 1 – Como estabelecer Comités de Bioética.
• Guia n.º 2 – Os Comités de Bioética
em acção: processos e políticas.
• Guia n.º 3 – Educando os Comités
de Bioética
A sua leitura ilustra bem a questão
que nos ocupa.
À pergunta “o que é um Comité de
Bioética?”, os autores (não identificados)
do Guia escrevem (e transcrevo apenas
o essencial):
“É o que trata, de modo sistemático
e de forma contínua das dimensões éti-
250
cas a) das ciências da saúde; b) das ciências da vida e c) das políticas de saúde
inovadoras”.
“É um grupo que se reunirá para
tratar de questões que não são simplesmente factuais mas são profundamente
normativas… O objectivo do comité de
bioética ultrapassa o nível factual dos
dados empíricos; ele é estabelecido
para responder não apenas à questão
– Como devo eu decidir e agir? – mas
também à questão mais ampla – Como
devemos nós decidir e agir? – Assim
passamos da ética – divisão tradicional da filosofia – para a política – Como
deve o governo agir?”
Tratando do caso específico das
Comissões de Ética Hospitalares, o Guia
menciona nada menos que 15 funções
que elas devem desempenhar e exclui a
análise e decisão sobre investigação clínica e ensaios de novos medicamentos
que remete para uma Comissão de ética
de investigação.
Lendo o texto destas 15 funções que
não posso reproduzir, claro está, tenho
de concluir que uma Comissão de Ética
Hospitalar deverá ocupar um lugar central em aspectos como o da educação em
bioética, o estabelecimento de princípios
directores e de política para o Estabelecimento e fazer a análise das políticas do
Estabelecimento relativamente aos direitos e ao bem-estar dos doentes, e até
intervir na resolução de diferendos dos
profissionais entre si e com os doentes e
a sua família, por exemplo, nas decisões
de tratar ou não tratar.
Estas funções e as restantes enunciadas no Guia levantam dois problemas
de maior relevância: a escolha do Presidente e dos Membros e a metodologia da
tomada de decisões.
O texto é a um tempo prolixo e vago
na forma como trata estas questões,
tanto num como no outro Guia. E estas
questões são fundamentais para o funcionamento correcto de uma Comissão
de Ética Hospitalar.
Nas entrelinhas percebe-se que
primeiro é escolhido o Presidente e
este influencia a escolha dos restantes
membros.
Mas quem escolhe o Presidente e
com que critérios?
perspectivas actuais em bioética
Quando trata, em termos gerais, da
escolha do Presidente de uma Comissão
de Ética, o guia diz várias coisas importantes, mas apenas sobre os Comités
Nacionais. No capítulo das Comissões de
Ética Hospitalares, quando trata do recrutamento do Presidente e dos Membros,
diz assim:
“Uma vez escolhido e nomeado, o
Presidente deve encorajar, pela via da
conversação produtiva, a cooperação entre os membros da Comissão”.
Mas nada diz sobre quem escolhe
e quem nomeia. Esta ausência de tomada de posição reflecte, penso eu, a
dificuldade de encontrar uma linha directiva face à prática seguida nos diversos
países.
Mas o processo de designação do
Presidente e dos Membros da Comissão
é crucial para assegurar a total independência do seu trabalho, a transparência
do processo de decisão e o valor dos pareceres que emite.
Quando fala dos membros, o Guia
refere que a Comissão deve ter um especialista de Bioética, médicos, enfermeiros, um especialista de gestão de riscos,
um especialista em Direito da Saúde, um
trabalhador social (ou um especialista de
ciências do comportamento ou um sociólogo), membros do clero (eventualmente
o Capelão do Hospital, se existir) e representantes dos utentes escolhidos pela
comunidade local.
Esta enumeração deixa em aberto
dois problemas – que médicos e que enfermeiros devem ser escolhidos, como e
porquê?
Vou admitir que estes difíceis
obstáculos para a constituição de uma
Comissão de Ética Hospitalar foram
ultrapassados e que se constituiu uma
Comissão de Ética Hospitalar presidida por uma personalidade, como diz o
Guia “muito respeitada e bem informada” para exercer a função, e com membros devidamente qualificados para o
exercício das suas funções; fica de pé
o problema mais difícil: que metodologias vão usar para emitirem os seus
pareceres, sejam eles consultivos, sejam eles deliberativos ou vinculativos,
em relação à pessoa ou entidade que
os solicitou.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
A meu ver – e esta é uma opinião
pessoal – uma Comissão de Ética Hospitalar não deve emitir nunca um parecer
deliberativo e vinculativo. Considero, por
isso, muito ajustado que os ensaios clínicos, nos quais o parecer da Comissão
de Ética era deliberativo e vinculativo,
tenham passado para uma Comissão
de Ética Especializada de âmbito Nacional que sempre poderá solicitar opiniões
– não vinculativas – de Comissões de
Ética Hospitalares e de peritos médicos
com especialização em éticas sectoriais,
como é o caso da Pediatria, das perturbações mentais ou dos cuidados intensivos,
por exemplo.
METODOLOGIA
Analisemos, então, a metodologia.
Penso que o primeiro passo para a
elaboração de um Parecer será o que designo de ética descritiva.
Por ética descritiva entendo a caracterização minuciosa de todos os aspectos da questão que a Comissão tenha
de analisar.
A descrição exaustiva e minuciosa
dos factos em apreço, constitui o primeiro
passo e nele deverão participar todos os
membros. A caracterização factual deverá ser aprovada por unanimidade, sem
lugar para abstenções e reduzida a escrito. Se não há unanimidade, a discussão
deve prosseguir até que não reste, em
nenhum dos membros, qualquer dúvida
sobre o que nos factos é fáctico.
Seguidamente deve ser feita a análise da eticidade das decisões que sobre
estes factos poderão ser tomadas pelos
intervenientes responsáveis – médicos,
enfermeiros, administrativos, outros técnicos de saúde.
A avaliação da eticidade das possíveis decisões deverá ser feita com relação a valores expressamente citados e a
princípios ou virtudes também expressamente referidos na proposta de parecer.
Esta fase é a mais criativa do trabalho da Comissão de Ética e é a que
obrigará os seus membros a um difícil
exercício de ética pessoal. Cada um terá
de interrogar-se não sobre os princípios
abstractos e abstractamente aplicáveis,
mas antes, sobre o porquê da decisão
que vai propor ou apoiar.
Afirmo, sem ambiguidade e depois
de muitos anos de trabalho em Comissões de Ética, que os membros das comissões não são técnicos de ética que
aplicam um código, eventualmente principialista ou consequencialista, mas são,
sim, pessoas que encontrarão na sua
autoconsciência, na intimidade do seu eu
pessoal a resposta para si mais ajustada
à boa decisão na questão em apreço.
Embora íntima e pessoal, embora
nascendo nos valores individuais que definem o carácter ou a virtude do membro
da Comissão como agente ético, a proposta do membro terá de ser bem fundamentada e escrita.
Numa decisão técnica, o agente,
como pessoa, pode não figurar, pois são
as regras científicas e técnicas que impõem a decisão.
Numa decisão para avaliar a eticidade de uma decisão que se refere a
pessoas, como pessoas e não apenas
como corpos; como pessoas que têm
uma natureza ética pessoal e que estão,
necessariamente, inseridas num corpo
social, ele também apoiado em valores
sociais e comunitários que são o suporte
da coesão familiar e social; numa decisão
desta natureza e complexidade, direi que
a pessoa do membro da Comissão assume uma relevância particular.
O membro da Comissão vai situarse, ele próprio como pessoa, na situação
sobre a qual se vai pronunciar.
Esta postura empática deve introduzi-lo, profundamente, na questão em
apreço e força-o a considerá-la em todas
as suas facetas e a olhá-la sob diversos
ângulos de visão.
No meu trabalho em Comissões de
Ética, como membro ou como Presidente, aprendi que há, claramente, uma visão masculina e uma visão feminina, por
exemplo, em questões relacionadas com
a procriação; que há uma visão diferenciada pela idade nas questões relacionadas com o fim da vida; que muitas das
propostas individuais dos membros estão
ligadas ao que tenha sido a sua experiência de vida pessoal. Etc,etc.
Também, e de modo mais objectivo, à sua reflexão e ao conhecimento
dos autores que escrevem sobre a eticidade em cuidados de saúde ou sobre
as diversas antropologias, de base biológica, ou sociológica, ou teológica, ou
economicista.
Então, cada membro da Comissão
de Ética terá, sobre a questão em apreço,
uma postura pessoal, de génese muito
complexa como procurei justificar.
Pode a Comissão, às vezes por
sugestão (ou imposição) do Presidente,
amalgamar as diversas propostas num
parecer dito, então, consensual?
Digo, de novo sem ambiguidade,
que não.
Não há consenso ético.
Pode haver, e há, muitas vezes,
numa Comissão de Ética, opiniões iguais
dos seus membros, referidas a um valor prima facie por todos reconhecido e
aceite. Tive esta experiência gratificante
quando presidi ao sub-comité do Conselho da Europa que aprovou a recomendação de que fosse proibida a clonagem
humana reprodutiva. Considerada como
gravemente ofensiva do valor prima facie
que é a dignidade humana, todos se reconheceram nesta proibição embora os 9
membros de 9 países diferentes tivessem
entendimentos diversos do valor “dignidade humana”.
Mas a esta coincidência de opiniões
não deve chamar-se consenso.
Quando se busca um consenso, o
que se pretende é que cada pessoa aceite uma proposta concordando apenas
com partes dela e deixando cair a sua
discordância face a outras partes.
Em ética não devem procurar-se
consensos, mas sim complementaridades entre as opiniões individuais.
Cada opinião individual de um membro tem uma estrutura sólida: reconhece
os valores prima facie em causa – por
exemplo, liberdade, justiça, integridade
– na descrição da natureza e características particulares da questão em apreço
e reflecte sobre eles de forma discursiva
e à luz dos seus valores individuais, dos
valores do outro e dos valores sociais
aplicáveis; e só depois prescreve uma
decisão, que será a que, na sua leitura
pessoal, acomoda da melhor forma, todos estes valores entre si.
Este exercício de eticidade é individual e conduz a uma proposta pessoal de
decisão.
perspectivas actuais em bioética
251
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
O debate no interior da Comissão
poderá permitir a emergência de novos
factos ou de uma melhor e mais completa
descrição da questão em apreço e permitir que um ou outro membro modifique a
sua linha de reflexão ética.
Mas isto não é procurar o consenso, mas sim permitir que cada membro
possa fundamentar correctamente a sua
reflexão e a sua conclusão.
Dou um exemplo simples.
Se um membro da Comissão de
Ética tiver a firme convicção que uma
pessoa doente apenas tem problemas
corporais, físicos e biológicos orientará
a sua reflexão para que o valor integridade corporal seja respeitado. Esta
opinião está bem fundamentada e é
correcta.
Se um outro membro da Comissão de Ética tiver a firme convicção que
uma pessoa doente, além de problemas corporais, físicos, tem ainda uma
estrutura intelectual afectiva e espiritual
que está também perturbada, orientará
a sua reflexão para que os valores humanos e sociais sejam ponderados. E
esta opinião estará bem fundamentada
e é correcta.
Ambas as opiniões deverão figurar
no Parecer da Comissão porque ambas
são legítimas e correctas; e porque partem de premissas racionais diferentes
são opiniões complementares, sendo
ambas verdadeiras.
Este é o conceito de complementaridade que Niels Bohr, que o descreveu
para a leitura das propriedades físicas do
átomo aplicou, nos últimos anos da sua
vida, à reflexão ética.
É nesta linha que eu não sou favorável à busca de consensos, nem a opiniões maioritárias e minoritárias.
E é igualmente nesta linha que eu
não advogo que uma Comissão de Ética tenha o poder de dar deliberações, de
praticar uma ética deliberativa.
Nem pela sua natureza, nem pela
sua composição, nem pela sua metodologia, pode uma Comissão de Ética construir uma deliberação.
252
Pode e deve prescrever uma ou
mais linhas de reflexão ética, bem fundamentadas, que ajudem os decisores a
tomar a melhor decisão.
Mas o decisor vai ter de ponderar
outros aspectos para além do contorno
ético do problema em causa.
CONCLUSÃO
A ética não é um poder, é um serviço.
As Comissões de Ética são espaços de reflexão individual e colectiva que
devem iluminar as vertentes éticas das
questões que lhes sejam postas ou dos
problemas que lhes sejam submetidos.
A pluralidade da sua composição
assegura que a reflexão e o debate éticos não serão afunilados numa só direcção e que as opiniões que apresente serão racionalmente fundamentadas e sem
contaminação emocional ou afectiva que
perturbe a transparência da análise.
Pela sua independência em relação
a todos os poderes – o da gestão hospitalar, o poder dos profissionais, o poder
político em geral e as influências sociais
e religiosas – uma Comissão de Ética
tem de ser uma estrutura exemplar.
Os seus membros não recebem
nenhuma iluminação transcendente para
serem a consciência ética da instituição
hospitalar.
O exercício ético não é uma profissão, nem há eticistas encartados.
Cada membro de uma Comissão
de Ética, chamado a pronunciar-se sobre uma questão difícil – que um profissional ou a instituição não sabe resolver
sozinha e por isso pede o conselho ético
– terá de a estudar com rigor intelectual
e com a maior humildade pessoal, procurando destrinçar os conflitos éticos das
soluções possíveis e propor a que, na
sua óptica pessoal, lhe pareça a melhor.
Lévinas, o grande filósofo da ética,
escreveu “L’éthique c’est une optique”.
De facto, a ética é uma forma de ver os
factos e as pessoas, em situação.
As pessoas concretas que sofrem,
que são cuidadas e que, um dia, morrem.
perspectivas actuais em bioética
Que a nossa ética, como Membros
de uma Comissão de Ética, seja efectivamente uma Óptica. Límpida, translúcida
e rigorosa.
Este texto é uma síntese da comunicação apresentada no “II Encontro
Nacional de Comissões de Ética para a
Saúde”, no Hospital de S. João, em 28 de
Novembro de 2008.
ETHICS COMMISSIONS –
THE METHODOLOGY CHALLENGE
ABSTRACT
Following a period in which they
have been well accepted, ethical commissions in the Health Service confront
today methodological and working criteria problems for both their constitution and decision making processes.
UNESCO’s recent proposals are presented, but these do not resolve the
fundamental problems, and only regulate formal aspects of constitution and
function. A methodology is proposed that
stresses the individual responsibilities of
the members of the commissions and the
prescribed and descriptive reports that
they produce. This is advanced without
concern for consensus while emphasising complementarity.
Key-words: Ethical commissions,
ethics, consensus, complementarity.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 249-252
BIBLIOGRAFIA
UNESCO, Establishing Bioethics Committees. Guide n.º 1, Paris, 2005
UNESCO, Committees at Work: Procedures and Policies. Guide n.º 2, Paris,
2006
UNESCO, Educating Bioethics Committees. Guide n.º 3, Paris, 2007
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Avaliação Crítica e Implementação Prática de
Revisões Sistemáticas e Estudos de Meta-Análise
Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1
RESUMO
A Medicina Baseada na Evidência (MBE) é genericamente definida
como a aplicação consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência
científica disponível na tomada de
decisões sobre o cuidado individual
dos doentes. Nesta rubrica de Pediatria Baseada na Evidência têm vindo
a ser abordados os aspectos conceptuais, metodológicos e operacionais
relativos à prática da MBE no âmbito
específico da Pediatria. Neste artigo
é apresentado um exemplo prático de
aplicação dos conceitos, métodos e
competências abordados nos artigos
anteriores, debruçando-se especificamente sobre a avaliação crítica e
aplicação prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise.
É apresentado um cenário clínico em
que surge a necessidade de avaliar a
evidência científica existente sobre a
eficácia de intervenções terapêuticas
para a erradicação da infecção pelo
Helicobacter pylori em idades pediátricas, e é seguida uma metodologia
prática e sistemática de avaliação
crítica da evidência incluindo três
questões essenciais: (1) Avaliação da
validade ou qualidade metodológica
da revisão sistemática; (2) Avaliação
da importância científica e prática
dos seus resultados; (3) Avaliação da
aplicabilidade prática dos mesmos.
Palavras-chave: Estudos de meta-análise, Helicobacter pylori, Medici__________
1
Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em
Tecnologias e Sistemas de Informação em
Saúde – CINTESIS.
na baseada na evidência, revisões sistemáticas, terapêutica de erradicação.
junto de exemplos e cenários práticos
nos quais se exemplifica a aplicação
dos conceitos, métodos e competências anteriormente abordados.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 253-261
INTRODUÇÃO
A Pediatria Baseada na Evidência
foi genericamente definida, no primeiro
artigo desta série(1), como a aplicação
consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na
tomada de decisões sobre o cuidado
individual dos doentes pediátricos(2-4).
Foi proposto um processo faseado que
facilita a sua implementação prática e
que é constituído por cinco fases(3):
1) Formulação de questões clinicamente relevantes;
2) Pesquisa da evidência científica
de maior qualidade;
3) Análise crítica da evidência, relativamente à sua validade, impacto
e aplicabilidade na prática clínica;
4) A integração da evidência científica
no contexto específico em causa;
5) A avaliação e melhoria contínua
deste processo.
No segundo artigo desta série(5)
foram desenvolvidos em maior detalhe os aspectos relacionados com a
formulação de questões clínicas e a
eficaz pesquisa da evidência científica. No terceiro artigo(6) foi apresentada uma abordagem prática com vista
à avaliação da validade ou qualidade
metodológica da evidência, da importância científica e prática dos resultados e da aplicabilidade prática dos
mesmos.
Neste quarto artigo da série, iniciar-se-á a apresentação de um con-
CENÁRIO CLÍNICO
Luís, de 7 anos de idade, recorre
ao seu pediatra assistente apresentando queixas de náuseas e dor abdominal moderada, tipo ardência, na região
epigástrica, aliviada pela ingestão de
alimentos, mas reaparecendo cerca de
2 horas após as refeições, com cerca
de 3 semanas de evolução. A mãe refere alguns episódios de dor durante a
noite que levaram a criança a acordar.
Negam quaisquer outros sintomas. A
criança não tem antecedentes patológicos relevantes e não tem história de
episódios semelhantes no passado. No
exame físico o pediatra verifica a existência de dor ligeira à palpação na região epigástrica, sem sinais de irritação
peritoneal e sem outras alterações relevantes. Perante este quadro o pediatra estabelece um plano de estudo, tendo solicitado um conjunto de exames
complementares de diagnóstico não
invasivos que se revelaram negativos.
Num segundo momento, decide solicitar a realização de uma endoscopia digestiva alta com biopsia e pesquisa de
infecção por Helicobacter pylori, com
base na suspeita da existência de uma
úlcera péptica, e tendo em conta as recomendações internacionais relativas
à confirmação de infecção por H. pylori
em crianças(7-10). A endoscopia revelou
a existência de uma úlcera duodenal e
a presença de infecção por H. pylori,
estabelecendo a necessidade, segundo
as recomendações internacionais(7-10),
de instituir a terapêutica de erradicação
da infecção por H. pylori. Na sequência
pediatria baseada na evidência
253
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
destes resultados o pediatra sente a
necessidade de rever a evidência científica relativa às melhores alternativas
terapêuticas para a erradicação da infecção por H. pylori na criança.
FORMULAÇÃO DA QUESTÃO
Neste contexto, coloca-se ao pediatra uma questão relativa à eficácia
das várias intervenções terapêuticas
passíveis de serem utilizadas na erradicação da infecção pelo H. pylori. Assim,
ao pensar na formulação de questão
clínica, dever-se-ão ter em atenção os
seus quatro elementos essenciais(5):
1) a população / problema são as
crianças com infecção pelo H.
pylori confirmada e com indicação
para terapêutica de erradicação;
2) as intervenções a avaliar correspondem às intervenções terapêuticas em uso nesta indicação
(incluindo, assim, as várias formas
de terapêuticas simples, duplas,
triplas ou quadruplas);
3) a intervenção alternativa será o
tratamento placebo;
4) a variável de resultado clínico relevante, neste caso, será a proporção de sucesso na erradicação da
infecção confirmada adequadamente, 4 ou mais semanas após
início do tratamento.
PESQUISA DA EVIDÊNCIA
Tendo em conta que a questão
clínica de interesse é a da eficácia de
uma intervenção terapêutica, a procura de evidência científica deverá
focar-se, essencialmente, em ensaios
clínicos aleatorizados, pois estes são
os estudos primários com maior nível
de evidência científica neste tipo de
questões. Apesar disto, cada um dos
ensaios clínicos existentes na literatura dar-nos-á uma resposta independente à questão clínica de interesse,
existindo muito frequentemente importante heterogeneidade entre os
resultados dos vários ensaios disponíveis e na qualidade metodológica
dos mesmos. Por este motivo, neste
tipo de questões é frequente dirigir a
pesquisa inicialmente para estudos
de síntese de evidência, idealmente
254
pediatria baseada na evidência
revisões sistemáticas e/ou estudos de
meta-análise, garantindo assim uma
visão mais abrangente da evidência
científica disponível.
Neste caso, o pediatra começou
então por fazer uma pesquisa bibliográfica utilizando o serviço de acesso
à base de dados Medline da PubMed(5),
com o objectivo de encontrar revisões
sistemáticas e/ou estudos de metaanálise que abordassem a eficácia dos
vários tratamentos de erradicação do
H pylori nas crianças. Para isto, começou por identificar os termos MeSH
associados à expressão “Helicobacter
pylori”, tendo verificado que a própria
expressão correspondia a um termo
MeSH(5). Em seguida, dirigiu-se à funcionalidade “Clinical Queries”, disponível na barra à esquerda na página
inicial da PubMed, e utilizou o termo
MeSH identificado na área de pesquisa
de revisões sistemáticas (área central
da página) e associou através de um
operador booleano AND os seguintes
termos (eradic* OR therap* OR treat*).
Por último, o pediatra aplicou a funcionalidade “Limits” da Pubmed, utilizando
o limite de categorias de idade (“Ages”),
limitando para a categoria “All child:
0-18 years”. Este conjunto de passos
corresponde à utilização da seguinte
query de pesquisa final: (“Helicobacter
pylori”(Mesh) AND (eradic* OR treat*
OR therap*)) AND systematic(sb) AND
(((infant(MeSH) OR child(MeSH) OR
adolescent(MeSH))) ).
Esta versão final da pesquisa
permitiu que o pediatra identificasse
19 artigos, na sua maioria altamente
relevantes, sendo o segundo artigo da
lista um artigo de Khurana et al.(11), de
Março de 2007, que é a revisão sistemática e estudo de meta-análise mais
recentemente publicada no âmbito específico das alternativas terapêuticas
para a erradicação da infecção por H
pylori em idades pediátricas. Só existe
uma revisão sistemática adicional especificamente sobre esta matéria que
é mais antiga e que se encontra na posição 13 da lista(12). O passo seguinte
será aceder à versão integral do artigo
e iniciar a sua adequada e completa
análise crítica.
AVALIAÇÃO CRÍTICA DA EVIDÊNCIA
– REVISÕES SISTEMÁTICAS E
ESTUDOS DE META-ANÁLISE
Genericamente, os estudos de
síntese de evidência definem-se pela
sua unidade de análise (trabalhos ou
artigos de investigação primários) e pelos seus objectivos (análise e síntese
da evidência)(13-15). Os estudos de revisão ou revisões bibliográficas na sua
forma tradicional são narrativas, geralmente escritas por especialistas da
área temática, e que pretendem constituir sumários qualitativos da evidência
relacionada como uma questão científica ou área particular do conhecimento.
Tipicamente, estes estudos envolvem
a aplicação de métodos informais e
subjectivos de recolha e interpretação
dos estudos primários(13). As importantes limitações dos estudos de revisão
tradicionais levaram à proposta de
abordagens metodologicamente mais
robustas e que minimizassem, dentro
do possível, as fontes de possível enviesamento na pesquisa, selecção e
avaliação dos estudos primários a incluir. Ao invés dos estudos de revisão
tradicionais, as designadas revisões
sistemáticas são estudos que incluem
uma definição adequada e específica
de uma questão de investigação; uma
pesquisa de estudos primários completa, exaustiva e descrita de forma explícita e reprodutível; uma selecção dos
estudos obedecendo a critérios de elegibilidade claros e reprodutíveis; uma
avaliação da qualidade dos estudos
primários sistemática e baseada em
critérios de qualidade explícitos, consensuais e reprodutíveis; e, por último,
uma metodologia de síntese da evidência segundo um protocolo e critérios
predefinidos e explícitos (13-26). Os estudos de meta-análise constituem a aplicação de um conjunto de metodologias
quantitativas estatísticas que permitem
agregar ou sumariar os resultados provenientes de um conjunto de estudos
primários, de forma a gerar uma medida de sumário ou agregação(20, 25, 26).
Este tipo de estudos surge na sequência natural de uma revisão sistemática, sendo habitualmente a sua última
fase. Revisões sistemáticas e estudos
NASCER E CRESCER
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2007, vol XVI, n.º 3
de meta-análise não são sinónimos e,
idealmente (mas não exclusivamente), todos os estudos de meta-análise
deverão ser realizados como parte de
uma revisão sistemática.
Neste contexto, torna-se evidente que as revisões sistemáticas e os
estudos de meta-análise, quando adequadamente executados, são uma fonte importantíssima de evidência sobre
uma determinada questão científica. É,
assim, facilmente compreensível que
lhes seja atribuído o primeiro lugar nas
hierarquias de evidência(2, 19, 27-31). Estes
estudos são muito importantes do ponto de vista científico, pois ao colocarem
como objectivos a síntese (qualitativa ou
quantitativa) e a análise (por exemplo,
através do estudo da heterogeneidade
eventualmente presente e das variáveis
que a justificam), de forma abrangente
sistemática e explícita, da evidência relacionada com uma determinada questão, permitem uma análise e resposta à
questão num nível superior e diferente
daquele que pode ser obtido em cada
um dos estudos primários incluídos. As
revisões sistemáticas são ainda úteis
na identificação de lacunas de conhecimento, na identificação de deficiências
metodológicas nos estudos existentes e
na formulação de recomendações para
a investigação futura.
Tendo encontrado a revisão sistemática que pretendia, o desafio seguinte que se coloca ao pediatra do
Luís será, então, definir e aplicar um
conjunto de critérios que lhe permitam
avaliar este artigo relativamente a três
aspectos fundamentais (Tabela 1):
1) validade ou qualidade metodológica;
2) importância dos resultados;
3) aplicabilidade prática dos resultados.
(A) AVALIAÇÃO DA VALIDADE OU
QUALIDADE METODOLÓGICA
Definem-se habitualmente os seguintes critérios para avaliação da validade ou qualidade metodológica de
revisões sistemáticas e estudos de meta-análise, em particular no âmbito de
questões sobre a eficácia de intervenções terapêuticas ou preventivas(3,15,32):
ano 2008, vol XVII, n.º 4
1) A revisão sistemática tem um
objectivo e uma questão clínica
claramente definidos?
A adequada definição de uma
questão clínica é fundamental neste
tipo de estudos, sendo recomendado um processo de formalização das
questões clínicas e objectivos da revisão sistemática, de forma a garantir
a sua correcção metodológica, facilitar
o processo de pesquisa da evidência
e facilitar o processo de definição dos
critérios de selecção dos estudos primários.
No artigo de Khurana et al.(11) é possível verificar uma adequada definição
da questão clínica e objectivos da revisão no último parágrafo da introdução.
(A) Avaliação da validade ou qualidade metodológica:
1. A revisão sistemática tem um objectivo e uma questão clínica claramente definidos?
2. Os métodos e recursos de pesquisa da evidência utilizados são adequados e completos?
3. Os critérios de selecção dos estudos primários são adequados e explicitamente
apresentados?
4. É feita uma adequada descrição do processo de selecção dos artigos e uma avaliação da
reprodutibilidade deste processo?
5. Existe uma adequada descrição dos métodos de extracção de dados dos estudos primários?
6. É feita uma adequada descrição dos métodos de avaliação da qualidade/validade dos estudos
primários?
7. É feita uma descrição dos métodos aplicados na síntese qualitativa e quantitativa dos
resultados dos estudos primários?
8. É apresentado um sumário qualitativo das características (ex: participantes, intervenções e
variáveis de resultado) dos estudos primários incluídos?
9. É apresentado um sumário qualitativo da avaliação da qualidade/validade dos estudos
primários incluídos?
10. É feita uma análise adequada do fenómeno de heterogeneidade e uma análise das fontes ou
factores associados à essa mesma heterogeneidade (análise de subgrupos, meta-regressão,
etc.)?
11. É feita uma avaliação adequada dos potenciais viéses de publicação?
12. É feita uma apresentação e adequada discussão das conclusões que é possível retirar a partir
dos resultados apresentados?
(B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados
13. Avaliação da magnitude e consequente importância científica, prática ou clínica dos resultados
apresentados.
14. Avaliação da precisão das estimativas dos efeitos, medidas ou estatísticas apresentadas.
(C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados
15. Serão os resultados da revisão sistemática generalizáveis para a população à qual o meu
doente pertence?
16. No contexto onde me insiro, estarão as intervenções terapêuticas avaliadas disponíveis e
serão estas aplicáveis na prática clínica?
17. Quais são os potenciais benefícios e malefícios das intervenções terapêuticas no meu doente
em particular?
18. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos resultados
clínicos esperados e à intervenção terapêutica que é proposta?
Tabela 1: Critérios de avaliação de revisões sistemáticas e/ou estudos de meta-análise
relativamente a três aspectos fundamentais: (A) validade ou qualidade metodológica, (B) importância dos resultados e (C) aplicabilidade prática dos resultados.
pediatria baseada na evidência
255
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2007,
2008, vol XVI,
XVII,n.º
n.º34
2) Os métodos e recursos de pesquisa da evidência utilizados
são adequados e completos?
Numa revisão sistemática o objectivo essencial será encontrar toda
a evidência que responda à questão
de investigação, tentando reduzir ao
mínimo os chamados viéses de publicação, mas tentando simultaneamente minimizar a quantidade de artigos
não relevantes. Deverão ser utilizados e descritos métodos de pesquisa
de evidência que garantam, o melhor
possível, terem sido encontrados todos os estudos primários relevantes e
de forma a evitar os viéses de publicação. Idealmente deverão ser utilizadas
várias estratégias complementares de
pesquisa bibliográfica – pesquisa em
várias bases de dados bibliográficas;
pesquisa manual em revistas científicas seleccionadas, livros de resumos
de congressos e encontros; pesquisa
em listas de referências dos artigos encontrados; consulta de especialistas na
matéria; etc.
No artigo de Khurana et al.(11) é
possível verificar, no primeiro parágrafo da secção de materiais e métodos, a
descrição dos recursos de pesquisa de
evidência que foram aplicados. Apesar
de estes serem relativamente completos, seria desejável que tivessem sido
utilizadas outras bases de dados bibliográficas além da Medline, uma vez que
a utilização de uma única base de dados tem demonstrado ser insuficiente
neste tipo de estudos(33).
3) Os critérios de selecção dos estudos primários são adequados
e explicitamente apresentados?
A selecção dos estudos primários
que irão ser incluídos na revisão sistemática deverá obedecer a critérios
claros, reprodutíveis e definidos de forma explícita. O objectivo será garantir
a selecção de todos os estudos que
respondem à questão de investigação
e possuem qualidade metodológica
aceitável, sendo esta selecção feita
de forma não enviesada, isto é, não
dependente de critérios subjectivos ou
afectivos dos revisores, mas unicamente de critérios metodológicos e clínicos
256
pediatria baseada na evidência
explícitos. A definição dos critérios de
selecção deverá ter em conta critérios
metodológicos que garantam a especificidade e a qualidade dos estudos a incluir (população alvo, intervenções em
estudo, variáveis de resultado, tipo de
estudos) e critérios clínicos específicos
da questão em análise. A definição dos
critérios de selecção deverá ser parcimoniosa, tentando prevenir o enviesamento na selecção, por exemplo viéses
de publicação, e tentando não excluir
evidência potencialmente relevante. A
este respeito, destaca-se a necessidade de evitar, dentro do possível, a
criação de critérios de exclusão relacionados com a língua de publicação
dos artigos pois existe evidência que
demonstra a possibilidade de este tipo
de critérios introduzirem importante enviesamento(34-38).
No artigo de Khurana et al.(11) é
possível verificar, na secção materiais
e métodos, uma detalhada descrição
dos critérios de selecção que foram
aplicados. De realçar o facto de os
autores terem decidido incluir ensaios
clínicos aleatorizados e não-aleatorizados e com e sem grupo de controlo
(placebo).
4) É feita uma adequada descrição
do processo de selecção dos artigos e uma avaliação da reprodutibilidade deste processo?
O processo de selecção dos estudos a incluir na revisão contempla,
pelo menos, duas fases. Na primeira
fase, tendo à disposição a lista final
de potenciais candidatos resultante da
aplicação dos vários métodos de pesquisa, deverão ser avaliados os títulos
e resumos de todos os artigos e aplicados os critérios de selecção (inclusão e
exclusão) definidos.
Após a primeira fase de rastreio e
exclusão de artigos, deverão ser encontradas as versões integrais de todos os
artigos ainda não excluídos. À medida
que os artigos em formato integral vão
sendo obtidos, deverá ser feita a sua
leitura e aplicados estritamente todos
os critérios de selecção, de forma a tomar uma decisão final sobre a exclusão
ou inclusão do artigo.
Tanto na primeira como na segunda fase, a selecção dos artigos deverá
ser feita por pelo menos dois revisores
de forma independente, devendo estes
fazer um registo sistemático da sua decisão sobre a inclusão ou exclusão de
cada artigo, assim como das razões pelas quais os artigos foram excluídos. No
caso de não concordância entre os revisores deverão ser estabelecidos métodos de resolução de divergências.
No artigo de Khurana et al.(11) é
possível verificar, na secção materiais
e métodos, uma descrição adequada
dos métodos de selecção dos estudos
primários que foram implementados.
5) Existe uma adequada descrição
dos métodos de extracção de
dados dos estudos primários?
Depois da fase de selecção dos
estudos, deverá fazer-se a análise cuidada dos artigos incluídos e a extracção de dados relevantes dos mesmos
para posterior processamento e análise. Para a adequada concretização
desta tarefa os revisores deverão previamente definir as variáveis relevantes a extrair dos estudos primários e
construir um formulário ou aplicação
padronizada de registo de extracção
de dados. Esta tarefa deverá, também,
ser realizada por pelo menos dois revisores, com um registo padronizado dos
dados a extrair e usando métodos adequados de resolução de divergências
(terceiro revisor ou consenso).
6) É feita uma adequada descrição
dos métodos de avaliação da
qualidade/validade dos estudos
primários?
Uma etapa fundamental de qualquer revisão sistemática é a criteriosa
avaliação da qualidade dos estudos
primários incluídos. Deverá ser usado um conjunto de critérios relevantes
e consensuais em função do tipo de
questão de investigação e do tipo de
estudos incluídos. A tarefa de definição
dos critérios de qualidade a aplicar é
fundamental, sendo, por isto, recomendada a utilização de listas de critérios
de avaliação de qualidade previamente
criadas e avaliadas e de preferência
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
internacionalmente aceites. A avaliação da qualidade dos estudos primários constitui um importante guia para
a interpretação e enquadramento dos
resultados da revisão, para a verificação de lacunas na evidência existente
e para a sugestão de recomendações
sobre investigação futura.
No artigo de Khurana et al.(11) é
possível verificar, na secção materiais
e métodos, uma descrição sumária
dos critérios que foram aplicados para
a avaliação da qualidade dos estudos
primários incluídos e os procedimentos
aplicados para a extracção de dados a
partir dos estudos primários. Os critérios utilizados para a avaliação da qualidade dos estudos primários são, no
entanto, muito limitados no seu âmbito
e não são baseados em nenhum modelo internacionalmente aceite.
7) É feita uma descrição dos métodos aplicados na síntese qualitativa e quantitativa dos resultados dos estudos primários?
A apresentação dos resultados
numa revisão sistemática geralmente
começa por uma síntese qualitativa das
características gerais dos estudos incluídos, das suas características metodológicas, critérios de qualidade e dos
seus resultados. Ainda que não seja
apropriado dar continuidade à síntese
quantitativa dos resultados dos estudos
primários (pela grande heterogeneidade entre os estudos, pela existência de
um número muito limitado de estudos,
etc.), a síntese qualitativa da evidência
tem por si só um valor inestimável para
os clínicos e investigadores.
Numa segunda fase serão feitas a
análise e síntese quantitativas da evidência. Uma vez identificada a medida
de efeito e extraídos os dados de cada
estudo primário que permitem o seu
cálculo, necessariamente associada a
uma medida de precisão da estimativa (erro padrão ou intervalos de confiança), será possível representar globalmente os resultados quantitativos
destes estudos. Posteriormente será
possível calcular medidas de sumário
ou agregação que são, antes de mais,
resultado de um exercício de pondera-
ção. As medidas de sumário vão resultar da agregação das medidas de efeito
dos vários estudos primários, mas considerando ponderações específicas.
As distintas ponderações devem-se
ao facto das próprias medidas, provenientes de estudos diferentes, serem
diferentes quanto à precisão que apresentam (têm amostras de tamanho diferente, têm variabilidade diferente,
etc.). Naturalmente, será expectável
que, se um estudo tem um maior número de indivíduos analisados, o seu
resultado tenha maior “peso” na altura
do cálculo da medida de sumário do
que os resultados de outros estudos
mais pequenos. Genericamente, pode
dizer-se que a ponderação introduzida
vai ser directamente proporcional ao inverso da variância das estimativas provenientes de cada estudo primário.
A representação gráfica típica dos
resultados dos estudos primários no
contexto de uma revisão sistemática
é feita através dos conhecidos “gráficos de floresta” (forest plots). Nestes
gráficos são apresentadas, para cada
estudo, as estimativas das medidas de
efeito, representadas pelas caixas ou
círculos de tamanhos variados (directamente proporcionais à precisão das
estimativas de efeito dos estudos), juntamente com os respectivos intervalos
de confiança (IC), representados pelas
linhas horizontais em torno das caixas.
Estes gráficos permitem ter uma noção
global sobre os resultados de toda a
evidência existente. Normalmente, mas
não necessariamente, estes gráficos
são acompanhados de uma medida de
sumário ou agregação dos efeitos dos
estudos primários, resultante da aplicação de metodologias de meta-análise
(métodos de ponderação atrás referidos), e que é representada geralmente por um losango na parte inferior do
gráfico.
No caso do artigo em avaliação
de Khurana et al. verifica-se que a descrição qualitativa dos estudos primários incluídos é feita ao longo do texto
da secção de resultados. A descrição
quantitativa dos resultados dos estudos
primários e as medidas de sumário dos
mesmos, quando apropriado tendo em
conta a heterogeneidade presente, são
apresentadas nas tabelas 1, 2 e 3 e nas
figuras 2, 3 e 4. Deverá destacar-se que
neste estudo são utilizadas como medidas de efeito as proporções de erradicação, assumindo-se desta forma que
todos os grupos com tratamento activo são comparados com um grupo de
controlo (placebo) que se assume ter
uma proporção de erradicação de 0%.
Esta metodologia e em particular a assumpção de que os grupos de controlo
têm proporções de erradicação de 0%,
não é a forma mais habitual de análise
neste tipo de estudos, no entanto, os
autores apresentam resultados empíricos que suportam e justificam esta
assumpção no primeiro parágrafo da
subsecção “Efficacy” da secção de resultados. De destacar, também, o facto
de as figuras 2, 3 e 4 deste artigo serem forest plots com uma configuração
que não é a mais habitual neste tipo
de estudos, representando-se a magnitude das medidas de efeito no eixo
vertical e as medidas de sumário como
linhas horizontais e sem as respectivas
medidas de precisão associadas.
8) É apresentado um sumário qualitativo das características (ex:
participantes, intervenções e
variáveis de resultado) dos estudos primários incluídos?
A adequada descrição das características específicas metodológicas e clínicas de cada um dos estudos primários
incluídos na revisão é um aspecto fundamental que permite ao leitor ter uma
noção global da natureza da evidência
científica que foi incluída na revisão.
No caso do artigo em avaliação de
Khurana et al. verifica-se que a descrição qualitativa dos estudos primários
incluídos é feita ao longo do texto da
secção de resultados.
9) É apresentado um sumário qualitativo da avaliação da qualidade/validade dos estudos primários incluídos?
Tal como atrás foi referido é fundamental enquadrar o sumário da
evidência científica apresentada em
função da sua qualidade metodológi-
pediatria baseada na evidência
257
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 4
ca. Neste sentido, uma adequada descrição dos resultados da aplicação dos
critérios de qualidade previamente definidos torna-se um ponto fundamental
da secção de resultados de qualquer
revisão sistemática.
No artigo de Khurana et al. os resultados da aplicação dos critérios de
avaliação da qualidade dos estudos
primários são muito sumariamente referidos ao longo do texto da secção de
resultados.
10) É feita uma análise adequada
do fenómeno de heterogeneidade e uma análise das fontes
ou factores associados à essa
mesma heterogeneidade (análise de subgrupos, meta-regressão, etc.)?
O fenómeno da heterogeneidade refere-se à existência de grande
variabilidade entre os resultados dos
estudos primários, sendo esta superior
àquela que seria esperada pelo simples efeito do acaso, isto é, dos erros
aleatórios relacionados com a amostragem(39). O método mais comum no
diagnóstico de heterogeneidade(40,41)
passa pela aplicação de estatísticas
apropriadas e testes estatísticos de
hipóteses a elas associados. As mais
frequentemente usadas para a avaliação da heterogeneidade(39-41) são a
estatística Q de Cochran, a estatística
I2 e a estatística H2. A presença da heterogeneidade levanta preocupações
quanto à interpretação das medidas de
sumário, sendo, por exemplo, necessário adequar os métodos de análise
estatística aplicados (ex: utilização do
chamado modelo de efeitos aleatórios
em alternativa ao tradicional modelo de
efeitos fixos). Será importante ter em
atenção que a heterogeneidade poderá dever-se a características metodológicas e clínicas dos próprios estudos
ou a reais diferenças entre as estimativas de efeito nos vários contextos. Os
métodos mais comummente utilizados
para explorar a heterogeneidade encontrada são(39,42,43):
♦ A procura de subgrupos em que
exista homogeneidade dos efeitos
– análise de subgrupos;
258
pediatria baseada na evidência
♦ A aplicação de métodos gráficos;
♦ A aplicação de métodos de metaregressão.
No caso do artigo em avaliação
de Khurana et al. foi feita uma análise
bastante exaustiva do fenómeno de heterogeneidade para cada um dos tratamentos activos analisados (a análise
de heterogeneidade foi limitada a tratamentos para os quais existiam dados
provenientes de pelo menos 4 estudos
diferentes). A verificação da existência
de heterogeneidade foi associada a
uma metodologia adequada de análise das fontes de heterogeneidade – a
meta-regressão. Ao longo do texto da
secção de resultados, nas tabelas 1,
2 e 3 e nas figuras 2, 3 e 4 é possível observar os resultados da análise
de heterogeneidade e dos modelos de
meta-regressão construídos para tentar explicar as causas da heterogeneidade quando esta era detectada. Esta
metodologia de análise e avaliação das
fontes de heterogeneidade é um ponto
bastante forte deste estudo.
11) É feita uma avaliação adequada
dos potenciais viéses de publicação?
Um outro elemento crítico na execução de uma revisão sistemática é
a avaliação dos chamados viéses de
publicação. Os viéses de publicação
são um tipo de erro sistemático particular que se enquadra num conjunto
mais amplo de viéses relacionados
com a divulgação dos trabalhos científicos. Este tipo de viéses tem origens
diversas e ocorre quando estudos que
apresentam resultados estatisticamente significativos (“positivos”) são:
1) com maior probabilidade submetidos para publicação pelos autores
e/ou aceites para publicação pelas revistas científicas (viéses de
publicação);
2) mais frequentemente publicados
em inglês (viéses de língua);
3) publicados mais rapidamente (viéses relacionados com o desfasamento temporal);
4) citados com muita maior frequência
(viéses de citação)(20,22).
Deverá existir um especial cuidado com as metodologias de pesquisa
de evidência e selecção dos estudos,
de forma a salvaguardar, o melhor possível, o controlo deste tipo de viéses.
Além disto, dever-se-ão aplicar métodos adequados de avaliação da presença de viéses de publicação. Para
isto é frequente a aplicação de métodos gráficos, por exemplo, os gráficos
de funil (funnel plots), ou testes estatísticos de hipóteses, por exemplo, o
teste de Egger(20,22). A forma mais típica
de análise de viéses de publicação,
constitui a verificação de assimetrias
nos funnel plots (gráficos que apresentam as medidas de efeito de cada
estudo em função da precisão dessas
mesmas estimativas).
No artigo de Khurana et al. foi feita uma adequada avaliação dos potenciais viéses de publicação existentes,
sendo apresentado na figura 1 do artigo um funnel plot representativo desta
análise para um subgrupo específico
de estudos.
12) É feita uma apresentação e adequada discussão das conclusões
que é possível retirar a partir dos
resultados apresentados?
Após a concretização das fases
de pesquisa, selecção, avaliação e
análise da evidência disponível deverá
ser feita uma adequada interpretação e
discussão dos resultados encontrados
e dever-se-á salientar a importância
clínica e social dos achados. Deverá
ainda ser feita a descrição e discussão
das limitações dos estudos primários
incluídos e as limitações do trabalho
de revisão sistemática e meta-análise
realizado. A discussão das limitações
permitirá uma adequada avaliação da
importância e significado das conclusões de uma revisão.
No artigo de Khurana et al. é
apresentada uma adequada discussão
e enquadramento dos resultados encontrados e são discutidas, também,
as limitações dos estudos primários e
da própria revisão sistemática, dando
especial ênfase ao problema dos factores mais importantes na explicação
NASCER E CRESCER
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ano 2008, vol XVII, n.º 4
da heterogeneidade encontrada nos
resultados dos vários estudos primários (local geográfico onde o estudo foi
realizado, duração do tratamento e o
método de confirmação da erradicação da infecção).
(B) AVALIAÇÃO DA IMPORTÂNCIA
CIENTÍFICA E PRÁTICA DOS RESULTADOS
A avaliação da importância dos
resultados passa pela adequada interpretação e contextualização das
medidas e estatísticas aplicadas na
apresentação dos mesmos. Genericamente, a avaliação dos resultados deverá considerar sempre dois aspectos
essenciais(3, 44):
13) Avaliação da magnitude e consequente importância científica, prática ou clínica dos resultados.
Este ponto implica a avaliação
da magnitude dos efeitos, medidas ou
estatísticas apresentadas, para cada
um dos estudos primários incluídos e
medidas de sumário, a sua adequada
interpretação e a sua devida contextualização clínica.
14) Avaliação da precisão das estimativas dos efeitos, medidas
ou estatísticas apresentadas.
Este ponto implica a verificação
dos intervalos de confiança ou outras
medidas de precisão das estimativas
de efeito de cada um dos estudos primários incluídos e das medidas de sumário dos estudos primários.
No caso do artigo em avaliação
de Khurana et al. é possível observar
as medidas de efeito e as medidas
de sumário e respectivas medidas de
precisão das estimativas (intervalos de
confiança de 95% – IC 95%) para os
vários tratamentos activos analisados
ao longo da secção de resultados, nas
tabelas 1,2 e 3 e nas figuras 2, 3 e 4.
Os tratamentos activos que apresentam maiores proporções de erradicação da infecção pelo H. pylori são:
a) tratamento duplo com amoxicilina
e um nitroimidazol (ex: metronidazol), 2 a 6 semanas (proporção
de erradicação de 83,6%, com IC
95% 79,8% – 86,7%);
b) tratamento triplo com claritromicina, amoxicilina e um inibidor da
bomba de protões, 1 a 2 semanas (80,2%, com IC 95% 76,4%
– 84,0%);
c) tratamento triplo com um macrólido, um nitroimidazol e um inibidor
da bomba de protões, 2 semanas
(89,0%, com IC 95% 80,3% –
97,5%);
d) tratamento triplo com bismuto,
amoxicilina e metronidazol, mais
de 2 semanas (90,1%, com IC
95% 85,2% – 94,9%).
(C) AVALIAÇÃO DA APLICABILIDADE
PRÁTICA DA EVIDÊNCIA
A última questão a ser abordada
no processo de avaliação crítica da
evidência será a questão da aplicabilidade prática da evidência científica
encontrada. O objectivo do profissional
de saúde será, na maior parte dos casos, a eventual aplicação da evidência
científica aos seus problemas clínicos
e aos seus doentes, logo, a avaliação
da aplicabilidade prática é uma questão fundamental neste contexto(3,44,45).
Os critérios fundamentais para
avaliação da aplicabilidade de evidência científica, no âmbito de estudos de
síntese que dão resposta a questões
sobre eficácia de intervenções terapêuticas ou preventivas, são os seguintes:
15) Serão os resultados da revisão
sistemática generalizáveis para
a população à qual o meu doente pertence?
16) No contexto onde me insiro, estarão as intervenções terapêuticas avaliadas disponíveis e serão estas aplicáveis na prática
clínica?
17) Quais são os potenciais benefícios e malefícios das intervenções terapêuticas no meu doente em particular?
18) Quais são as opiniões, valores
e expectativas do meu doente
relativamente aos resultados
clínicos esperados e à intervenção terapêutica proposta?
A avaliação da aplicabilidade da
evidência científica deverá, idealmente, contemplar três aspectos essenciais
– questões biológicas, questões socioeconómicas e questões epidemiológicas(45). O objectivo fundamental desta
avaliação será o adequado enquadramento da evidência científica, dadas as
características específicas do profissional de saúde, do contexto da sua prática clínica e dos seus doentes.
No cenário clínico que tem vindo a ser desenvolvido e que tem por
base a avaliação do artigo de Khurana
et al. deverá destacar-se a importante
discussão que é feita pelos autores
relativamente a alguns aspectos que
poderão ser relevantes no que toca à
generalização dos resultados desta
revisão sistemática, nomeadamente
a heterogeneidade relacionada com o
local geográfico de realização dos estudos, que os autores pensam estar
relacionada com as diferenças entre as
populações relativamente à frequência
das resistências ao metronidazol. De
especial relevo é também a discussão
de factores determinantes para o sucesso da terapêutica, nomeadamente
a duração adequada do tratamento e a
frequência de reacções adversas medicamentosas com cada um dos tratamentos comparados.
CONCLUSÃO
As revisões sistemáticas e os estudos de meta-análise são considerados, habitualmente, o mais alto nível de
evidência na resposta a qualquer questão de investigação. No entanto, como
qualquer fonte primária de evidência,
uma revisão sistemática e estudo de
meta-análise só constitui o mais alto nível de evidência se for adequadamente concretizada, redigida, publicada e
de preferência aplicada. Uma revisão
sistemática deverá conter uma avaliação exaustiva e completa da literatura
sobre uma determinada questão de
investigação, através de um processo
de pesquisa, selecção, análise e sín-
pediatria baseada na evidência
259
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
tese da evidência científica seguindo
uma metodologia sistemática, explícita e reprodutível. Além disto deverá
conter uma adequada apresentação,
interpretação e contextualização da
evidência existente, com especial ênfase nas limitações, quer dos estudos
primários quer do processo de revisão.
Os clínicos e investigadores fazem um
uso cada vez mais frequente deste tipo
de estudos, quer por razões de ordem
prática e aplicabilidade clínica, quer
por razões científicas. Neste sentido,
e porque muitos de nós seremos criadores ou utilizadores de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise,
é importante dominar os fundamentos
conceptuais, metodológicos e operacionais deste tipo de estudos e sermos
capazes de fazer a sua análise critica.
O pediatra assistente do Luís acabou por recomendar a terapêutica de erradicação da infecção por H. pylori, tendo apoiado a sua decisão nos resultados do artigo de Khurana et al. A opção
final será entre um tratamento duplo ou
triplo (uma vez que, ao contrário do que
acontece com os adultos, nas crianças a
terapêutica dupla com amoxicilina e metronidazol parece ser tão eficaz quanto
as terapêuticas triplas), equacionando a
associação de um inibidor da bomba de
protões, e com uma duração de tratamento entre 1 e 2 semanas (atendendo
a que em muitos casos os regimes de 1
semana são suficientes).
No próximo número desta série
dedicada à pediatria baseada na evidência dar-se-á continuidade à apresentação de exemplos práticos de
aplicação dos conceitos e métodos
abordados nos artigos anteriores desta
rubrica.
CRITICAL APPRAISAL AND
PRACTICAL IMPLEMENTATION OF
SYSTEMATIC REVIEWS AND
META-ANALYSIS
ABSTRACT
Evidence Based Medicine (EBM)
is generally defined as the conscientious, explicit and judicious use of current best evidence in making decisions
260
pediatria baseada na evidência
about the care of individual patients. In
this section devoted to Evidence Based
Paediatrics a thorough discussion on
the conceptual, methodological and operational issues related to the practice
of EBM in the field of Paediatrics has
been presented. In the present article
a practical example is developed allowing the application of concepts, methods and competencies covered in previous articles and specifically devoted
to the critical appraisal and practical
implementation of systematic reviews
and meta-analysis. A clinical scenario
is explored were the evidence about
the efficacy of therapeutic interventions
for eradication of Helicobacter pylori infection in children needs to be analysed
and a systematic approach is used
based on three main aspects: (1) assessment of validity and methodological quality of the systematic review; (2)
assessment of scientific and practical
impact of its results and (3) assessment
of applicability of its results.
Key-words: Evidence based
medicine, eradication therapy, Helicobacter pylori, meta-analysis, systematic
reviews.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 253-261
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pediatria baseada na evidência
261
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
Neste número vimos apresentar a
situação clínica de uma criança de três
anos e meio do sexo masculino, raça
caucasiana, primeiro gémeo de gravidez
gemelar de 34 semanas e que nasceu
com diversas malformações. Onfalocelo
e divertículo de Meckel que foram operados no primeiro dia de vida, criptorquidia, comunicação interventricular. O seu
estudo genético revelou tratar-se de uma
trissomia 8 em mosaico.
Sem antecedentes familiares relevantes e sem consanguinidade dos pais.
A criança teve um atraso do desenvolvimento psicomotor, com evolução
ponderal abaixo do percentil 5.
No dia do internamento teve vómito alimentar a que se seguiu episódio de
hematemeses abundante recorrendo ao
serviço de urgência.
A sua observação mostrou criança
com razoável estado geral, com acentuada palidez da pele e mucosas, com
sinais vitais normais, auscultação pulmonar e cardíaca sem alterações aparentes e abdómen mole e depressivel,
sem áreas dolorosas ou organomegalias. O aspirado gástrico continha sangue parcialmente digerido em pequena
quantidade.
Os exames analíticos realizados
de urgência confirmaram a existência de
anemia, (6,5gr/dl de Hemoglobina), hipocrómica e microcítica, com ferro e ferritina
abaixo dos valores normais. Plaquetas,
leucócitos e fórmula leucocitária e estudo da coagulação com valores normais.
A Velocidade de sedimentação, a proteína C reactiva e LDH eram normais, bem
como a função hepática e renal.
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
262
qual o seu diagnóstico?
Figura 1
O exame radiológico do tórax não
mostrou qualquer alteração ao nível do
parênquima pulmonar, árvore traqueo-brônquica ou da silhueta cardíaca. A
radiografia simples do abdómen era
normal.
Efectuou transfusão de glóbulos rubros e perfusão com soro fisiológico após
o que se procedeu à realização de endoscopia digestiva alta que permitiu observar
a imagem que mostramos na figura 1.
Tendo em conta a informação fornecida e o aspecto endoscópico qual lhe
parece ser o diagnóstico?
1 – Variz gástrica sangrante
2 – Úlcera gigante do estômago
3 – Leiomioma Gástrico
4 – Pâncreas ectópico.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
COMENTÁRIOS
O exame endoscópico efectuado ao
nosso doente, permitiu observar uma formação nodular polipoide, com cerca de
3cm de maior dimensão, localizada na
parte alta da pequena curvatura na transição para a parede posterior, recoberta
de mucosa gástrica de aspecto normal,
base larga, dura ao toque e com umbilicação na extremidade distal, da qual se
exteriorizava coágulo recente. O restante exame até DII era normal, havendo a
assinalar pequena quantidade de líquido
gástrico levemente hemático.
O doente efectuou no dia seguinte tomografia abdominal que confirmou
a presença da lesão, limitada à parede
gástrica e ausência de outras alteração
abdominais.
Colocamos como hipótese mais
provável o leimioma gástrico ou um tumor
do estroma e uma vez que o doente ao
segundo dia de internamento mantinha
aspirado com sangue optamos pelo tratamento cirúrgico imediato.
Foi efectuada gastrectomia parcial
envolvendo a zona de inserção da lesão
de fácil identificação. O pos-operatório
decorreu sem incidentes e o doente ficou
clinicamente bem.
O exame histológico da peça operatória revelou tratar-se de lesão nodular
submucosa de coloração acastanhada
com 3cm de maior dimensão composta
por estruturas acinares e ductais e ilhéus
de langherans compatível com parênquima pancreático normal, como se mostra
nas figuras 2 e 3. Havia focos de hemorragia na mucosa gástrica. O diagnóstico
final foi então de Pâncreas ectópico que
se apresentou por hemorragia digestiva.
O tecido pancreático ectópico é frequentemente observado no exame endoscópico do tracto digestivo superior,
com localização predominante no antro
gástrico (85-95% dos casos) a uma distancia que pode ir até 6cm do canal pilórico, com dimensão em regra inferior
a 3cm (80%) e geralmente umbilicado.
São benignos e na maior parte dos casos não provocam sintomas. A sua localização justa pilórica pode criar quadros
de obstrução pilórica e esporadicamente
podem apresentar-se por hemorragia digestiva como o caso que apresentamos.
A ecoendoscopia é útil no seu diagnóstico mas difícil de executar em doentes
pediátricos como foi o nosso caso.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 262-263
Figura 2 (cortesia da Dr.ª Fernanda Milanezi)
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large gastric antral papilla”. Endoscopy2003; 35:547.
Figura 3 (cortesia da Dr.ª Fernanda Milanezi)
qual o seu diagnóstico?
263
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 14 anos de idade que foi
enviada à consulta de Estomatologia devido a tumefacções mandibulares, na região
lingual, indolores e de crescimento lento.
Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal.
A nível oral apresenta boa higiene
oral, não sendo visíveis cáries dentárias.
Apresenta muitas obturações dentárias
efectuadas com amálgama, em bom estado. Constata-se ainda várias tumefacções de tamanho heterogéneo, por lingual da mandíbula, (Fig.1) revestidas por
mucosa normal, indolores ao toque e de
consistência dura.
Antecedentes pessoais e familiares
irrelevantes.
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
264
qual o seu diagnóstico?
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
No caso acima exposto o diagnóstico a colocar é o de Torus Mandibular.
O Torus é uma protuberância nodular óssea que pode surgir na linha média
do palato ou na região lingual da mandíbula.
A sua incidência é mais frequente
na região palatina da maxila do que na
mandíbula.
A etiologia destas lesões é desconhecida embora possam estar implicados
factores genéticos no seu aparecimento.
Geralmente surgem na segunda e na terceira décadas de vida.
Habitualmente são assintomáticos,
excepto quando a mucosa da superfície
é traumatizada durante a mastigação. As
úlceras traumáticas podem demorar semanas ou meses a cicatrizar, porque o
osso subjacente é pouco vascularizado.
Esta patologia não requer qualquer
tratamento.
Ocasionalmente é necessário proceder à sua remoção quando é preciso
proceder a reabilitação dentária com
prótese.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 264-265
BIBLIOGRAFIA
Regezi-Sciubba-Pogrel - Atlas of
Oral and Maxillofacial Pathology, 1st edition, Saunders, 2000, Pag.126
qual o seu diagnóstico?
265
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Imagens
Filipe Macedo1
Criança do sexo feminino, com 6
meses de idade sem história de patologia prévia. Na sequência de infecção do
tracto urinário, febril, é efectuada cistouretrografia miccional seriada (CUMS).
Observa-se luxação da anca esquerda, previamente não diagnosticada.
A CUMS é normal.
Figura 1 - CUMS
Figura 2 - CUMS
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto
266
qual o seu diagnóstico?
Qual é o seu diagnóstico?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
DISCUSSÃO
Este caso espelha um dos princípios gerais da radiologia – deve fazerse uma observação sistematizada das
imagens obtidas, não se focando apenas nos órgãos e sistemas à partida em
causa, mas avaliando também as outras estruturas abrangidas. No caso da
CUMS, para além do aparelho urinário,
deve fazer-se a observação atenta dos
componentes osteoarticulares abrangidos nas imagens, nomeadamente para
avaliar eventuais sinais de disrrafismo
da coluna lombar.
De assinalar a propósito, que na
realização de CUMS se devem usar protocolos de baixa dose de radiação, o que
pode reduzir a qualidade das imagens
obtidas, embora sem prejuízo do seu valor diagnóstico.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 266-267
BIBLIOGRAFIA
ACR Practice Guideline for performance
of voiding cystourethrography in children. American College of Radiology
Practice Guidelines and Technical
standards RES 9-2009, 521-524.
qual o seu diagnóstico?
267
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Genes, Crianças e Pediatras
Miguel Gonçalves-Rocha1, João Silva1, Ana Maria Fortuna1, Gabriela Soares1
Criança do sexo feminino com 6
meses, enviada à consulta de Genética
Médica por atraso de crescimento e assimetria corporal. Trata-se da primeira filha
de um casal jovem, saudável e não consanguíneo. Sem antecedentes familiares
de relevo.
Gravidez vigiada e sem intercorrências. Parto por cesariana às 39 semanas
de gestação. Antropometria ao nascer:
peso 2130g (<P 5), comprimento 43 cm
(<P 5) e perímetro cefálico 32.5 (P 5-10).
Apgar 9/10.
__________
1
Unidade de Genética Médica - Centro de
Genética Médica Doutor Jacinto Magalhães
/ INSA
268
qual o seu diagnóstico?
Evolução estaturo-ponderal: peso e
estatura P <5 e perímetro cefálico no P
5-10.
Referidas dificuldades de alimentação com mau reflexo de sucção.
No exame dismorfológico foi observado: micrognatia, lábios finos, cantos da
boca descaídos, assimetria facial, clinodactilia do 5º dedo, assimetria corporal mais
evidente nos membros inferiores. Sem
atraso do desenvolvimento psico-motor.
O cariótipo, estudo metabólico, e
ecografia renal sem alterações. A eco-
grafia transfontanelar revelou alterações
da fossa posterior com cerebelo e 4º ventrículos algo elevados a ser complementado por TAC.
Qual o seu diagnóstico?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
O diagnóstico é Síndrome de Silver
Russel (OMIM %180860). A sua incidência está avaliada em 1-30/100 000.
Este síndrome é clinicamente heterogéneo caracterizando-se por atraso
de crescimento intra-uterino e pós-natal
com perímetro craniano normal, clinodactilia do 5º dedo e assimetria corporal. As
características faciais típicas são: face
triangular com fronte larga e proeminente, pavilhões auriculares de implantação
baixa, cantos da boca descaídos e mento
proeminente.
Estes doentes podem também apresentar manchas café com leite, anomalias
genitais, hipoglicemia, sudação excessiva, escleróticas azuladas, sindactilia nos
dedos dos pés e dificuldades alimentares
durante a infância. Pode haver atraso nas
aquisições motoras e raramente compromisso cognitivo.
O síndrome de Silver Russel deve
ser equacionado perante um recem nascido pequeno para a idade gestacional e
com 3 das 5 características: atraso crescimento pós-natal, macrocefalia relativa,
assimetria corporal, fronte proeminente,
dificuldades de alimentação ou índice de
massa corporal <2DP.
O diagnóstico diferencial faz-se
com outras causas de atraso de crescimento intra-uterino, anomalias cromossómicas, progeria neonatal (Wiede-
mann-Rautenstrauch), síndrome 3M e
nanismo de Mulibrey.
A maioria dos casos são esporádicos. A etiologia molecular subjacente é
heterogénea estando descritos como mecanismos principais a dissomia uniparental materna do cromossoma 7 (mUPD7)
em cerca de 5-10% dos casos e a perda
de metilação do “imprinting center region
1” (ICR1) localizado em 11p15 em 3563% dos casos. Esta região do cromossoma 11 contem um agrupamento de
genes que regula o crescimento fetal e
placentar, estando também implicada no
síndrome de Beckwith-Wiedemann (que
se caracteriza por sobrecrescimento pré
e pós-natal). Também estão descritos
casos com anomalias cromossómicas e
fenótipo Silver Russel relembrando a importância do cariótipo nestes doentes.
A orientação para consulta de Genética é importante para diagnóstico diferencial e aconselhamento genético.
O risco de recorrência é extremamente
baixo nos casos de mUPD7 e perda de
metilação do ICR1.
O prognóstico é favorável sendo
as principais preocupações as dificuldades alimentares e a baixa estatura.
O tratamento é de suporte sendo que a
terapêutica com hormona de crescimento
aumenta a estatura final mas não para a
estatura alvo. A implementação desta te-
rapêutica deverá ser feita em consulta de
Endocrinologia.
Nascer e Crescer 2008; 17(4): 268-269
BIBLIOGRAFIA
A Toutain. Le syndrome de Silver-Russell.
Encyclopédie Orphanet. Juin 2003
(http://www.orpha.net/data/patho/FR/
fr-silver.pd)
Christine Gicquel et al: Epimutation of the
telomeric imprinting center region on
chromosome 11p15 in Silver-Russell
syndrome; Nature Genetics 2005,
37(9) 1003-1007.
Irène Netchine et al: 11p15 Imprinting
Center Region 1 Loss of Methylation
is a Common and Specific Cause of
Typical Russell-Silver Syndrome: Clinical Scoring System and EpigeneticPhenotypic Correlations; J Clin Endocrinology & Metabolism 2007, 92(8):
3148-3154.
K Hannula et al: Genetic Screening for
Maternal Uniparental Disomy of Chromosome 7 in Prenatal and Postnatal
Growth Retardation of Unknown Cause. Pediatrics 2002;109;441-448
S Rossignol et al: Epigenetics in SilverRussell syndrome. Best Practice &
Research Clinical Endocrinology &
Metabolism 2008; 22(3);403–414
qual o seu diagnóstico?
269
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Momentos Zen na
Vida Quotidiana...
Margarida Reis Lima
Quando um grupo de médicos se junta algures por qualquer razão, e chegam os
momentos de confraternização durante um jantar , almoço ou intervalo do café, é frequente alguém relatar uma pequena história hilariante inerente à prática da nossa profissão. A essa história seguem-se outras e outras que os restantes ouvintes vão desenterrando dos recantos da memória, talvez porque a semelhança de pormenores os faça
relembrar. Muitas vezes ficamos danados com a sensação de já ter vivido tantas dessas
situações e já não nos lembrarmos delas para as contar aos amigos…
Estamos sempre a dizer que temos que as escrever, mas acabamos por deixar
“correr o marfim” e só algumas são retidas.
Foi assim que em 2004, num desses momentos de reunião informal entre médicos da Consulta de Genética do extinto Instituto de Genética Médica Doutor Jacinto
Magalhães do Porto, resolvemos entre nós iniciar um novo tipo de registo médico num
caderno de capa amarela com uma bela flor roxa da Agatha Ruiz De La Prada, que baptizamos com o nome de “Pérolas e Momentos Zen da Vida Quotidiana da Consulta”.
Tal título não podia ser aposto a um caderno que ficasse em branco, e logo foi
emitida uma ordem oral de serviço da responsável para que se registassem todas as
ocorrências dignas dessa honra antes que o esquecimento as apagasse.
Aqui vos deixamos algumas dessas pérolas sob forma de pergunta e resposta…
P – Quem é o médico que a segue habitualmente?
R – Eu sou perseguida pelo Doutor X!
P – Qual foi a causa do falecimento do seu bebé?
R – Olhe Senhora Doutora, sem querer ofender, acho que se tratou de
um caso de inteligência médica!
P – Qual é o motivo para marcar o diagnóstico pré-natal?
R – É porque tenho dois tios maternos com “homeopatia do cherne”!
(Distrofia M. Duchenne)
P – Então qual é o motivo que o traz cá?
R – Venho cá para fazer um mapa cromossómico para demonstrar que
sou feminino!
P – Então, o menino tem passado bem?
R – Ah! Senhora Doutora, este foi enxertado em cornadura de cabra velha, nada lhe pega!
270
pequenas histórias
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Índice de Autores
Abecassis F S162
Afanas N S196, S209, 238
Aguiar AL S198
Alegria A 121
Alexandrino AM S195
Almeida L S209
Almeida M S299
Almeida P S213
Almeida R S198, 234
Almeida S S212
Álvares S 7, 119, 223
Alves S 234
Amaral B S196, S197
Amorim J S196
Amorim JMS 43, 103, 150, 265
Andrade T 16, S204
Araújo A 75, S208
Araújo L S200, S212, S213
Araújo LN S207
Areias A 37, S195
Aroso S S198
Azevedo LF 30, 254
Azevedo MAS 25
Bachu H S202
Bandeira A 13, 133, S197, S200, S209
Barbot J 80, S199
Bilelo MJ S211
Belo F S206
Bini-Antunes M 80, S199
Bom Sucesso M S213
Borges T 13, S213, S214
Braga A S203, S204, S208
Braga-Tavares H S210
Brito MJ 65
Cálix MJ S199
Campos T S204
Cardoso C 133
Cardoso H 13, S213
Cardoso ML S209
Carinhas MJ S195
Carrilho I S166, S199
Carro E S210
Carvalho C 37, S209
Carvalho F 16, S210
Carvalho S 129, S195
Casanova C 16, S210
Castanheira J 238
Castanhinhal S S210
Castel-Branco MG S212
Castro A S198
Cerqueira A S206
Cidade Rodrigues J S201
Coelho D 241
Coelho S S211
Correia T S211, 234
Costa E S197
Costa M S198, S207
Costa S S204
Costa T 121, S201, S204
Cunha FI S211
Cunha J S207
Cunha JS 133, S196
Cunha O S198
Delgado L S212
Dinis MJ 80, 229
Duarte C S204
Duarte JV S203, S212
Faria MS S200, S201, S204
Fernandes AP 16
Fernandes B S211
Fernandes E S201
Fernandes M S202
Fernandes S 238
Ferreira C 241
Ferreira GC 65
Ferreira PL 63
Ferreira S S206
Figueiredo M S199, 225
Figueiroa S 129
Fonseca J S200, S212
Fonte M S204
Fortuna AM 269
Garrido C S211
Godinho C 49, S196
Gomes E S200, S212
Gomes L 234
Gomes T S210
Gonçalves C 80
Gonçalves M S204
Gonçalves-Rocha M 269
Gonzaga D S206, 234
Goudiaby J S203
Guedes A 37
Guedes M 51, 70
Grilo M S206
Horta A S195
Laranjeira C 241
Leitão AM 139
Leite D S202
Lima R S185, S196, S208
Lima S S198, S207
Lobo I 107
Lopes L 121
Loureiro M S158
Loureiro V 65
Macedo F 47,105, 152, 267
Machado R 65
Machado S 107
Maciel I 75
Maia C S211
Maia I 9, 75, S204, S208
Manuela F S209
Mansilha HF 87, 146, S196
Manso A 215
Marques L S197
Martinho I S208
Martins E 133, 154, S196, S197, S199,
S200, S209
Martins S S208
Martins V S213
Matos IV S214
Matos P 234
Moço C S206
Monteiro T 21, 83, 109, 125, 142, 246
Morais L S197
Moreira A S212
Moreira D S201
Moreira E S196, S209
Mota C S200, S201, S204
Moura C 49
Moura R S204
Nápoles S S210
Nascimento P S200, S203, S204
Neves J S210
Novo A S214
Oliveira L S161
Oliveira M S204
Oliveira MJ S214
Oliveira T S201, S202
Ouzounov V S207
Palmares C S212
Peralta L S203, S212
Pereira A S195
Pereira AC 254
Pereira CA S211
Pereira C 129, 234
Pereira E 121, 241
Pereira F 41, 80, 101, 148, S177, S192,
S208, 263
Pereira L S204
Peres S 241
Pinho M 234
Pinto D S214
índice de autores
271
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Sampaio V 75
Santos F 229
Santos J S202
Santos MC 23, 85, 144, 248
Santos P S195, S198
Santos V S206
Sarmento A S200, S204
Sarmento P S202
Selores M 107
Senra V S197
Serrão D 250
Silva C S199, S213
Silva ES 90, S188, S203, S208
Silva G S204, S207
Silva J 49, 269
Silva SR S203, S211, S212
Soares G 49, 75, S209, 269
Soares S S201, 241
Soares T S173
Soares VS S201
Sotto-Maior T S198
Sousa C 139, 225
Sousa H 70
Sousa M S213
Sousa P 154
Pinto F 9, S204, 225
Pinto J S211
Pinto M S206
Pichel F S199
Portela A S195
Portugal V S195, S207, S210, S213
Proença E 133, S209
Queirós O S168
Quelhas I S207
Ramos A S196
Ramos S S207, S213
Reis A S203, S204, S212
Reis MG 70
Reis-Lima M 49, 75, 154, S209, 271
Ribeiro C S208
Rios J S129, S204
Rocha H S208
Rocha P S203, S212
Rodrigues LR S210, S213
Rodrigues N S195
Rosário C 80, S210
Sales Marques J S201
Salgado M S208
Sampaio B 37, S201
Sampaio M S198
Sousa S S201, S213
Sousa SG S210
Souto A S195
Tavares H S206
Tavares L 238
Tavares M S203
Tavares S S206
Taveira M S210
Teixeira AP S202
Teixeira C 225
Teixeira F 70
Teixeira M S202
Temudo T 129, S199, S214
Tomás E S211
Tomé S 13
Vale I S211
Vale MJ 80
Valente I S195
Valongo C S209
Vasconcelos O S195
Vaz I S201
Veloso G 234
Vila Real M 229
Vilarinho L S197
Vizcaino JR S208
Indice de Assuntos
Vol. 17
Acidente Vascular Cerebral
- Dissecção da artéria vertebral em
adolescente: orientação diagnóstica e
terapêutica. 129
- Da trombose do seio venoso ao enfarte cerebral infecção e status pró-trombótico. S206
Adenopatias
- PFAPA, entidade rara ou pouco conhecida? Três casos clínicos. 70
Alergia a fármacos
- Auto declaração de alergia a fármacos
em idades pediátricas – análise multivariada de factores de risco. S200
Alimentação complementar
- Artigo recomendado. 87
Alimentação no lactente
- Alimentação no primeiro ano de vida
o que fazem os pais. S208
- Artigo recomendado. 87
272
Alta estatura
- Estudo retrospectivo de alta estatura
sindrómica numa consulta de Genética/Metabolismo. S201
ALTE
- ALTE – uma análise retrospectiva.
S196
Alterações do estado de consciência
- Alterações do estado de consciência
em idade pediátrica. S166
Amelogénese
- Caso estomatológico. 43
Anemia
- Anemia ferropénica. Caracterização
de uma população pediátrica. S199
Anomalia de Poland
- Anomalia de Poland e … 75
Arritmias
- Emergências cardiológicas neonatais.
S158
índice de autores / índice de assuntos
Asma
- A asma, a obesidade e a hormona vitamina D. A hipótese do sol. 125
- Asma na criança: Provas de broncodilatação em primeira consulta de imunoalergologia. S212
Autismo
- Artigo recomendado. 85
Baixa Estatura
- Diagnóstico de baixa estatura: mais
vale tarde que nunca? S213
Cardiopatias Congénitas
- Emergências cardiológicas neonatais.
S158
Células Tregs
- A asma, a obesidade e a hormona vitamina D - A hipótese do sol. 125
Citopatia mitocondrial
- Citopatia mitocondrial e rim. S200
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Colestase neonatal
- Colestase neonatal como abordar.
S188
Conjuntivite neonatal
- Conjuntivite neonatal. S207
Cuidados de saúde
- O trilema da saúde: dificuldades e soluções. S90
Défice do transportador da creatina
- Atraso mental ligado ao X – defeito do
transportador da creatina. S209
Depressão pós parto
- Artigo recomendado. 83
Dermatite perianal
- Dermatite Estreptocócica perianal. A
propósito de dois casos clínicos. 139
- Dermatite Estreptocócica perianal. 238
Diagnóstico pré natal
- Duplicidade Renal, importância da
suspeita pré-natal. S121
Dieta cetogénica
- Dieta cetogénica experiência na pediatria. S199
Desenvolvimento infantil
- Artigo Recomendado. 245
Desidratação hipernatrémica
- Desidratação hipernatrémica no recém nascido. S196
Displasia da anca
- Displasia do desenvolvimento da anca
o papel dos factores de risco. S195
Disqueratose congénita
- Disqueratose congénita uma doença
enigmática. 80
Dissecção da artéria vertebral
- Dissecção da artéria vertebral em
adolescentes orientação diagnóstica
e terapêutica. S129
Distrofia muscular Duchenne
- Elevação das transaminases: causas
não hepáticas. S206
Distrofia Ungueal
- Disqueratose congénita uma doença
enigmática. 80
Doença renal poliquística
- Doença renal poliquística autossómica recessiva - Revisão casuística de
21 anos. S201
Doenças atópicas
- A asma, a obesidade e a hormona vitamina D: A hipótese do sol. 125
- Artigo recomendado. 146
- Auto declaração de alergia a fármacos
em idades pediátricas-análise multivariada de factores de risco. S200
Doenças auto-imunes
- A asma, a obesidade e a hormona vitamina D: A hipótese do sol. 125
Doenças metabólicas
- Rastrio neonatal nas doenças metabólicas hereditárias: follow-up 19 doentes. S197
- Citopatia mitocondrial e rim. S200
- Atraso mental ligado ao X – defeito do
transportador da creatina. S209
Drogas de abuso
- O que sabem os pediatras sobre abuso de drogas. S204
EBV
- Hepatite colestática aguda: uma apresentação rara de uma infecção aguda. S203
Ectopia renal
- Caso radiológico. 152
Edema Hemorrágico agudo
- Edema Hemorrágico agudo da infância: Quando a raridade do diagnóstico
e a apresentação atípica se conjugam. S211
Eficiência/ Eficácia
- A reforma na saúde - ética, plural e
multidisciplinar. 25
- O trilema da saúde: dificuldades e soluções. 90
Emergências cardiológicas
- Emergências cardiológicas neonatais.
S158
Epifisiólise
- Imagens. S105
Endoscopia digestiva
- Endoscopia digestiva em pediatria.
S177
Ética
- A reforma na saúde - ética, plural e
multidisciplinar. 25
- Comissão de Ética - o desafio metodológico. 249
Estomatite aftosa
- PFAPA , entidade rara ou pouco conhecida três casos clínicos. S70
Febre Períodica
- PFAPA , entidade rara ou pouco conhecida? Três casos clínicos. S70
Fístula traqueo esofásica
- Imagens. 47
Fractura Dentária
- Caso estomatológico. 103
Galactosemia
- Galactosemia clássica num prematuro: caso clínico. S209
Gastrostomia
- Caso endoscópio. 101
Gestão de recursos em saúde
- O trilema da saúde: dificuldades e soluções. 90
Giardiase
- Giardiase numa instituição. S207
Ginecologia pediátrica
- Consulta de ginecologia pediátrica da
adolescência na Maternidade Júlio
Dinis uma experiência multidisciplinar. S201
- Saúde sexual e reprodutiva: os comportamentos dos adolescentes. S202
- Hemorragia uterina disfuncional na
adolescência. 241
Gripe
- Infecções respiratórias por influenza:
Reflexões para a ausência de um
diagnóstico. 65
Hábitos de exposição ao ecrã
- Hábitos de exposição ao ecrã de uma
população pediátrica de uma área urbana. 225
Hemorragia digestiva alta
- Caso endoscópio. 148
Hepatite
- Hepatite colestática aguda: uma apresentação rara de uma infecção comum. S203
Hiperbilirrubinémia
- Hiperbilirrubinémia não conjugada: experiência de um hospital distrital. S198
Hiperinsulinismo congénito
- Hiperinsulinismo congénito revisão
teórica e série de casos. S133
Hipertensão arterial
- Caso endoscópio. 148
Hipoglicemia
- Hiperinsulinismo congénito revisão
teórica e série de casos. S133
Hipotiroidismo
- Tiroidite Auto –imune, experiência de
uma consulta. 13
HPV
- Verrugas ano genitais na criança a
importância da abordagem multidisciplinar. S210
Infecções respiratórias
- Infecções respiratórias por influenza:
reflexões para ausência de um diagnóstico. 65
Insuficiência cardíaca
- Emergências cardiológicas neonatais.
S158
índice de assuntos
273
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
Leucoplaquia
- Disqueratose congénita, uma doença
enigmática. 80
Pâncreas ectópico
- Caso endoscópico. 262
LES
- Lúpus eritematoso sistémico:a realidade de um serviço. S204
Luxação congénita da anca
- Imagens qual o seu diagnóstico. 266
Mastoitite
- Mastoidite Aguda. S173
Medicina baseada na evidência
- Avaliação crítica e implementação
prática da evidência. 30
- Avaliação crítica e implementação
prática de revisões sistemáticas e estudos de meta-análise. 253
Miocardiopatias
- Emergências cardiológicas neonatais.
S158
Nefrouropatias congénitas
- Duplicidade renal: importância da
suspeita pré –natal. 121
- Nefrouropatias congénitas admitidas
numa UCIN: casuística de 10 anos.
S204
Neoplasia testicular
- Tumefacção escrotal: necessidade de
uma avaliação urgente. S213
Nutrição em Pediatria
- Artigo recomendado: Comentários.
87
Obesidade
- A asma, a obesidade e a hormona vitamina D: A hipótese do sol. 125
Obstipação
- Obstipação na criança. Como lidar.
S192
Odontoma
- Caso estomatológico. 150
Osteoporose
- Uso de Pamidronato na osteoperose
de desuso. S210
Pediatria baseada na evidência
- Avaliação Crítica e implementação
Prática da evidência. 30
PFAPA
- PFAPA , entidade rara ou pouco conhecida? Três casos clínicos. 70
274
índice de assuntos
Pseudotumor cerebri
- Pseudotumor cerebri e tratamento de
acne com minociclina. A propósito de
um caso clínico. 214
Púrpura Henoch Shönlein
- Internamento por Púrpura Henoch Shönlein. A experiência do HPH.
S198
PRES - caso clínico
- Síndrome de encefalopatia posterior
reversível. 233
Rastreio neonatal
- Rastreio neonatal nas doenças metabólicas heriditárias: Follow-up 19 doentes. S197
Recém Nascido
- Emergências cardiológicas neonatais.
S158
- Urgências cirúrgicas neonatais. S161
Refluxo gastro-esofágico
- Doença de refluxo gastro-esófagico:
Métodos de diagnóstico e tratamento.
S185
Torus Mandibular
- Caso estomatológico. 264
Sexualidade
- Saúde sexual e reprodutiva: os comportamentos dos adolescentes. S202
Síndrome Cri du Chat
- Síndrome Cri du Chat: Caso Clínico.
37
Síndrome de Asperger
- Artigo recomendado. 85
Sindrome de encefalopatia posterior
reversível
- Sindrome de encefalopatia posterior
reversível. 233
Síndrome Guillain-Barré
- Síndrome Guillain-Barré: A realidade
de um centro hospitalar. 228
Síndrome de Junção
- Sindrome de Junção Pielo Ureteral
submetidos a cirurgia: casuística de
10 anos. S203
Síndrome de Noonan
- Genes crianças e pediatras. 49
Síndrome de Silver Russel
- Genes crianças e pediatras. 268
Síndrome de Sly
- Genes , Crianças e Pediatrias. 154
Síndrome de Stevens-Johnson
- Síndrome de Stevens-Johnson: Três
casos Clínicos. S197
Síndrome de Usher
- Surdez Neurosensorial Profunda e Renite Pigmentar: um caso familiar. S207
Sono
- Hábitos de sono. 9
- Artigo recomendado. 23
Tosse
- Artigo recomendado. 21
Transporte pediátrico
- Transporte Neonatal e pediátrico: Organização e Perspectivas Actuais. S162
Trilema da saúde
- O Trilema da Saúde Dificuldades e
Soluções. 90
Trombose do seio venoso
- Da Trombose do seio venoso ao enfarte cerebral: Infecção e Status Pró
–trombótico. S206
Tuberculose
- Artigo recomendado. 245
Ulcera do recto
- Caso Endoscópio. 41
Ulerythema ophryogenes
- Caso Dermatológico. 107
Urgências
- Urgências Cirúrgicas Neonatais. 161
- Urgências Psiquiátricas na Adolescência. S168
- Triagem de Manchester na idade pediátrica – Estudo Inter-Hospitalar. 16
Varicela
- Artigo recomendado. 142
Verrugas anogenitais
- Verrugas anogenitais na criança: a
importância da abordagem multidisciplinar. S210
VIH
- Filhos de mãe VIH Positivo: Experiência de 8 anos na Maternidade Júlio
Dinis. 195
Vitamina D
- Artigo recomendado. 125
- Artigo recomendado. 245
Virus Influenza
- Infecções Respiratórias por Influenza: Reflexões para a ausência de um
diagnóstico. 65
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4
AGRADECIMENTOS
A Revista Nascer e Crescer agradece aos colaboradores, que fizeram a revisão
dos manuscritos submetidos para publicação no ano de 2008. Esta intervenção é
essencial para a qualidade científica dos artigos e representa horas de trabalho,
experiência e esforço dedicados a esta actividade. Sentimo-nos honrados com a
sua colaboração e disponibilidade.
Alda Miro Coelho - Porto
Amélia José Monteiro - Porto
Ana Ramos - Porto
Artur Alegria – Porto
Calçada Bastos – Porto
Carlos Correia - Porto
Carmen Carvalho – Porto
Conceição Mota – Porto
Ermelinda Silva - Porto
Eugénia Fernandes - Porto
Esmeralda Martins – Porto
Fernando Pereira – Porto
Graça Fernandes – Porto
Inês Carrilho - Porto
Inês Lopes – Porto
Laura Marques – Porto
Manuela Santos - Porto
Manuela Selores – Porto
Manuel Correia – Porto
Manuel Pinho – Porto
Maria de Lurdes Morais - Porto
Margarida Guedes – Porto
Marcelo Fonseca - Porto
Miguel Taveira – Porto
Raquel Quelhas – Porto
Rogério Mendes - Porto
Rui Chorão – Porto
Susana Figueiredo – Porto
Susana Machado – Porto
Teresa Oliveira – Porto
Tojal Monteiro – Porto
A Revista Nascer e Crescer agradece o apoio publicitário concedido ao longo
do ano 2008, pelas instituições abaixo indicadas:
Associação do Hospital de Crianças Maria Pia
Dermoteca
Merck Serono
Glaxo Smithkline GSK
Merck Sharp & Dhome
agradecimentos
275
RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO. DENOMINAÇÃO DO MEDICAMENTO. SAIZEN 8 mg click.easy, pó e solvente para solução injectável. COMPOSIÇÃO QUALITATIVA
E QUANTITATIVA. Cada frasco para injectáveis de SAIZEN 8 mg click.easy contém Somatropina* (hormona do crescimento humana recombinante). *produzida pela tecnologia do ADN recombinante
em células de mamífero. A reconstituição com o solvente bacteriostático contido no cartucho apresenta uma concentração de 5,83 mg por ml. Excipientes, ver secção “Lista de Excipientes”. FORMA
FARMACÊUTICA: Pó e solvente para solução injectável. Pó branco liofilizado e solvente límpido e incolor. INFORMAÇÕES CLÍNICAS: Indicações terapêuticas - SAIZEN está indicado no
tratamento de: - atraso do crescimento em crianças causado por secreção insuficiente ou inexistente da hormona do crescimento endógena; - atraso do crescimento em raparigas com disgenésia
gonadal (Síndroma de Turner) confirmada por análise do cariotipo; - atraso do crescimento em crianças pré-pubertárias devido a insuficiência renal crónica (IRC). - atraso do crescimento (estatura
actual < -2,5 Desvio Padrão (DP) e estatura ajustada à dos progenitores < -1 DP) em crianças pequenas com baixa estatura para a idade gestacional (SGA “Small for Gestational Age”), com um
peso e/ou comprimento à nascença inferior a –2 DP, que não conseguiram uma recuperação do crescimento (DP da velocidade de crescimento <0 durante o último ano) até aos 4 ou mais anos de
idade. Terapêutica de substituição em adultos com deficiência pronunciada de hormona do crescimento, diagnosticada por um único teste dinâmico para deficiência de hormona do crescimento.
Os doentes deverão também satisfazer os seguintes critérios: Início na infância: Os doentes com deficiência de hormona do crescimento diagnosticada na infância, deverão ser reavaliados, para
confirmação da deficiência em hormona do crescimento, antes de iniciar o tratamento com SAIZEN. Início na idade adulta: A deficiência de hormona do crescimento no adulto deverá ser resultante
de doença hipotalâmica ou hipofisária, e o doente deve apresentar pelo menos outra deficiência hormonal (excepto a prolactina), a qual deverá ser adequadamente tratada com terapêutica de
substituição, antes do início do tratamento com hormona do crescimento. POSOLOGIA E MODO DE ADMINISTRAÇÃO: SAIZEN 8 mg click.easy destina-se a administração multidose. A posologia
do SAIZEN deve ser individualizada para cada doente com base na superfície corporal ou no peso corporal. É recomendada a administração de SAIZEN ao deitar, nas doses seguintes: Atraso do
crescimento devido a secreção insuficiente da hormona do crescimento endógena: 0,7-1,0 mg/m2 de superfície corporal, por dia, ou 0,025-0,035 mg/kg de peso corporal, por dia, por
administração subcutânea. Atraso do crescimento em raparigas devido a disgenésia gonadal (Síndroma de Turner): 1,4 mg/m2 de superfície corporal ou 0,045 – 0,050 mg/kg de peso corporal,
por dia, por administração subcutânea. A terapêutica concomitante com esteróides anabólicos não-androgénicos em doentes com Síndroma de Turner pode aumentar a resposta do crescimento.
Atraso do crescimento em crianças pré-pubertárias devido a insuficiência renal crónica (IRC): 1,4 mg/m2 de superfície corporal, aproximadamente igual a 0,045-0,050 mg/kg de peso
corporal, por dia, por administração subcutânea. Atraso do crescimento em crianças pequenas com SGA: A dose diária recomendada é 0,035 mg/kg de peso corporal por dia (ou 1 mg/m2/dia,
igual a 0,1 UI/kg/dia ou 3 UI/m2/dia), por administração subcutânea. Duração do tratamento: O tratamento deve ser interrompido quando o doente tiver atingido uma estatura adulta satisfatória,
ou quando as epífises estiverem fechadas. No atraso do crescimento em crianças pequenas com SGA, o tratamento é habitualmente recomendado até que se atinja a estatura final. O tratamento
deve ser suspenso após o primeiro ano, se o desvio padrão da velocidade de crescimento for inferior a +1. O tratamento deve ser suspenso quando se atinge a estatura final (definida como
velocidade do crescimento < 2 cm/ano) e, no caso de ser necessária a confirmação, a idade óssea seja >14 anos nas raparigas ou > 16 anos nos rapazes, o que corresponde ao encerramento
epifisário. Deficiência de hormona do crescimento no adulto: No início do tratamento com somatropina, recomendam-se doses baixas, de 0,15 a 0,3 mg, administradas diariamente por injecção
subcutânea. A dose deverá ser gradualmente aumentada, mediante controlo dos valores do Factor de Crescimento Insulin-like (IGF-1). A dose final recomendada de hormona do crescimento
raramente excede 1,0 mg/dia. De modo geral deverá ser administrada a dose mínima eficaz. Nos doentes com mais idade ou com excesso de peso, poderão estar indicadas doses mais baixas.
MODO DE ADMINISTRAÇÃO: Para a administração da solução reconstituída para injecção de SAIZEN 8 mg click.easy, consulte as instruções do folheto informativo e do manual de instruções
fornecido com o auto-injector seleccionado: o auto-injector one.click, o auto-injector sem agulha cool.click ou o auto-injector easypod. Consulte também a secção “Instruções de utilização/
manuseamento”. CONTRA-INDICAÇÕES: SAIZEN não deve ser utilizado em crianças em que tenha ocorrido a fusão das epífises. SAIZEN está contra-indicado em doentes com hipersensibilidade
à Somatropina ou a qualquer um dos excipientes do pó para solução injectável ou do solvente. SAIZEN está contra-indicado em doentes com neoplasia activa. A terapêutica anti-tumoral deverá
estar terminada antes do início do tratamento com Somatropina. SAIZEN não deve ser utilizado em casos com evidência de qualquer progressão ou recorrência de uma lesão intracraniana
subjacente. Doentes com patologia aguda crítica, apresentando complicações pós cirurgia de coração aberto, cirurgia abdominal, politraumatizados, insuficiência respiratória aguda ou situações
similares não devem ser tratados com Somatropina. (Relativamente aos doentes, em tratamento com Somatropina, que desenvolvam uma situação clinicamente crítica, ver “Advertências e
precauções especiais de utilização”.). ADVERTÊNCIAS E PRECAUÇÕES ESPECIAIS DE UTILIZAÇÃO: O tratamento deve ser efectuado sob a vigilância regular de um médico com experiência
no diagnóstico e tratamento de doentes com deficiência de hormona do crescimento. Os doentes com neoplasia intra ou extracraniana em remissão, e em tratamento com hormona do crescimento,
devem ser cuidadosamente observados pelo médico em intervalos regulares. Os doentes com deficiência de hormona do crescimento secundária a um tumor intracraniano, devem ser examinados
frequentemente para avaliação da progressão ou recorrência da patologia subjacente. Foram registados alguns casos de leucemia em crianças com deficiência de hormona do crescimento,
tratadas ou não com esta hormona, podendo eventualmente representar um ligeiro aumento da incidência desta patologia, quando comparado com crianças sem esta deficiência. Não se encontra
estabelecida uma relação causal com o tratamento com hormona do crescimento. Após a administração de hormona do crescimento observa-se uma hipoglicémia transitória de aproximadamente
2 horas e, nas 2-4 horas seguintes verifica-se uma elevação dos níveis de glucose no sangue, apesar da existência de uma concentração elevada de insulina. A Somatropina pode induzir um estado
de resistência à insulina, o qual pode resultar em hiperinsulinismo e, em alguns casos, hiperglicémia. Para detectar uma resistência à insulina, os doentes deverão ser monitorizados para evidência
de intolerância à glucose. SAIZEN deve ser utilizado com precaução em doentes com diabetes mellitus ou com história familiar de diabetes mellitus. Os doentes com diabetes mellitus podem
necessitar de um ajuste da sua terapêutica anti-diabética. Uma retinopatia estável não deve levar à suspensão da terapêutica de substituição com Somatropina. No caso de surgirem alterações
pré-proliferativas e na presença de retinopatia proliferativa deve ser suspensa a terapêutica de substituição com Somatropina. Durante o tratamento com Somatropina, verificou-se um aumento da
conversão de T4 para T3, o qual pode resultar a nível do soro numa redução das concentrações de T4 e num aumento das concentrações de T3. Em geral, os níveis periféricos da hormona tiroideia
permaneceram dentro dos limites de referência para indivíduos saudáveis. O efeito da Somatropina nos níveis da hormona tiroideia pode ter relevância clínica em doentes com hipotiroidismo central
subclínico, nos quais, em teoria, se pode desenvolver hipotiroidismo manifesto. Inversamente, em doentes a receber terapêutica de substituição com tiroxina, pode ocorrer hipertiroidismo ligeiro.
Portanto, é aconselhável a avaliação da função tiroideia após o início do tratamento com Somatropina e sempre que se proceda a ajustes da dose. Pode verificar-se retenção de líquidos durante
a terapêutica de substituição com hormona do crescimento no adulto. No caso de edema persistente ou parestesia grave, a dosagem deverá ser reduzida de modo a evitar o desenvolvimento da
síndroma do canal cárpico. No caso de cefaleia grave ou recorrente, problemas visuais, náuseas e/ou vómitos, recomenda-se uma fundoscopia para verificar se existe papiloedema. Se se confirmar
o papiloedema, deve considerar-se o diagnóstico de hipertensão intracraniana benigna (ou pseudotumor cerebral) e interromper o tratamento com SAIZEN. Actualmente, não existe evidência
suficiente para levar a uma decisão clínica em doentes com hipertensão intracraniana resolvida. Se se reiniciar o tratamento com hormona do crescimento, é necessária uma monitorização
cuidadosa para detecção de sintomas de hipertensão intracraniana e o tratamento deve ser suspenso se se verificar recorrência da hipertensão intracraniana. O deslizamento da epífise femural é
frequentemente associado a perturbações endócrinas, tais como deficiência de hormona do crescimento e hipotiroidismo, e períodos de maior velocidade de crescimento. Em crianças tratadas com
hormona do crescimento, o deslizamento da epífise femural pode ser devido quer a perturbações endócrinas subjacentes ou à maior velocidade do crescimento causada pelo tratamento. Os
períodos de maior velocidade de crescimento podem aumentar o risco de alterações articulares, especialmente a articulação coxo-femural está sob particular pressão durante o surto de crescimento
pré-pubertário. O médico e os pais devem estar alerta no caso de a criança tratada com SAIZEN apresentar claudicação ou queixas articulares localizadas à coxo-femural ou joelho. As crianças
com atraso do crescimento devido a insuficiência renal crónica, devem ser examinadas periodicamente para evidência ou progressão de osteodistrofia renal. Em crianças com osteodistrofia renal
avançada pode verificar-se episiolístese ou necrose avascular da cabeça do femural, sendo incerto se estes problemas são afectados pelo tratamento com hormona do crescimento. Antes de se
iniciar o tratamento deverá ser efectuado um radiograma das articulações coxo-femurais. Nas crianças com insuficiência renal crónica, a função renal deve apresentar um decréscimo de 50%
relativamente ao padrão normal, antes de se instituir o tratamento. O crescimento deve ser monitorizado durante um ano antes de se instituir a terapêutica, de modo a verificar alterações no
crescimento. O tratamento convencional da insuficiência renal (o qual inclui o controlo da acidose, do hiperparatiroidismo e do estado nutricional durante o ano anterior ao tratamento) deve ter sido
estabelecido e mantido durante o tratamento. O tratamento deve ser interrompido na altura do transplante renal. Antes de se iniciar o tratamento em crianças pequenas com SGA, devem ser
excluídas outras razões clínicas ou tratamentos que possam explicar o atraso do crescimento. Em crianças pequenas com SGA, recomenda-se a determinação da insulina e da glicémia em jejum,
antes do início do tratamento e anualmente. Em doentes com risco aumentado para diabetes mellitus (por exemplo, história familiar de diabetes, obesidade, índice aumentado de massa corporal,
resistência grave à insulina, acanthosis nigricans) deve ser realizado o teste da tolerância à glucose oral. Em caso de diagnóstico de diabetes, não deve ser administrada hormona do crescimento.
Em crianças pequenas com SGA, recomenda-se a determinação do nível de IGF-I antes do início do tratamento e depois, duas vezes por ano. Caso se detectem, em determinações sucessivas,
níveis de IGF-1 que excedam +2 DP em relação à referência para a idade, a razão IGF-I/IGFBP-3 pode ser considerada para o ajuste da dose. Existe experiência limitada no início do tratamento
em doentes com SGA e que estejam próximos do início da puberdade. Não se recomenda portanto o início do tratamento em doentes com idade próxima do início da puberdade. A experiência em
doentes com SGA, com a síndroma de Silver-Russel é limitada. Em crianças com SGA, parte do ganho em estatura obtido com o tratamento com Somatropina pode perder-se, caso este seja
suspenso antes de se atingir a estatura final. Deve mudar-se o local da injecção para evitar lipoatrofia. A deficiência em hormona do crescimento no adulto é uma situação vitalícia, pelo que deverá
ser tratada adequadamente. No entanto, é limitada a experiência em doentes com mais de 60 anos ou em tratamentos prolongados. Em todos os doentes que apresentem uma patologia aguda
crítica, o possível benefício do tratamento com Somatropina deverá ser avaliado relativamente ao potencial risco envolvido. Foram relatados casos de apneia do sono e morte súbita em doentes
com Síndroma de Prader-Willi em tratamento com Somatropina. SAIZEN não está indicado no tratamento de doentes com Síndroma de Prader-Willi. INTERACÇÕES MEDICAMENTOSAS E
OUTRAS FORMAS DE INTERACÇÃO: A terapêutica concomitante com corticosteróides pode inibir a resposta ao SAIZEN. Verificou-se que a Somatropina induz uma redução ligeira dos níveis de
cortisol sérico em doentes com deficiência de hormona do crescimento recebendo terapêutica de substituição das suprarrenais. Consequentemente, nos doentes em terapêutica de substituição
com corticosteróides, que iniciam terapêutica com Somatropina, recomenda-se a monitorização dos níveis de cortisol sérico e o eventual ajuste da dose dos corticosteróides. Dados in vitro
publicados indicam que a hormona do crescimento pode ser um indutor do citocromo P450 3A4. Desconhece-se o significado clínico desta observação. No entanto, quando a Somatropina é
administrada em combinação com medicamentos que se sabe serem metabolizados pelas enzimas hepáticas do CYP P450 3A4, é aconselhável monitorizar a efectividade clínica de tais
medicamentos. GRAVIDEZ E ALEITAMENTO: Gravidez: No que respeita a SAIZEN, não existem dados clínicos sobre as gravidezes a ele expostas. Assim, desconhece-se o risco para o ser
humano. Embora os estudos em animais não indiquem um risco potencial durante a gravidez, o tratamento com SAIZEN deve ser interrompido no caso de ocorrer uma gravidez. Aleitamento:
Desconhece-se se as hormonas peptídicas exógenas são excretadas no leite, mas a absorção da proteína intacta pelo tracto gastrintestinal da criança é improvável. EFEITOS SOBRE A
CAPACIDADE DE CONDUZIR E UTILIZAR MÁQUINAS: SAIZEN não interfere com a capacidade de conduzir ou operar com máquinas. EFEITOS INDESEJÁVEIS: Até 10% dos doentes podem
apresentar vermelhidão e prurido no local da injecção, particularmente quando se utiliza a via de administração subcutânea. Espera-se que ocorra retenção de fluidos durante a terapêutica de
substituição com hormona do crescimento no adulto. Edema, edema articular, artralgias, mialgias e parestesias podem ser manifestações clínicas desta retenção de fluidos. No entanto estes
sintomas são geralmente transitórios e dependem da dose. Os adultos com deficiência de hormona do crescimento, em consequência do diagnóstico deste défice na infância, apresentam uma
menor frequência de efeitos secundários do que os que iniciam a terapêutica na idade adulta. Podem formar-se anticorpos à somatropina em alguns doentes; desconhece-se o seu significado
clínico, e até à data estes anticorpos têm apresentado baixa capacidade de ligação e não têm sido associados a atenuação do crescimento, excepto em doentes com deleções de genes. Em casos
muito raros, em que a baixa estatura é devida à deleção do gene da hormona do crescimento, o tratamento com esta hormona pode induzir anticorpos atenuantes do crescimento. As reacções
adversas reportadas a seguir encontram-se classificadas de acordo com a frequência de ocorrência, conforme se segue: Muito frequentes: ≥ 1/10; Frequentes: > 1/100 - < 1/10; Pouco frequentes:
> 1.000 -< 1/100. Raros: > 1/10.000 - < 1/1.000; Muito raros: ≤ 1/ 10.000. Reacções no local de administração - Frequentes. Reacções no local da injecção: Lipoatrofia localizada, que pode ser
evitada variando o local da injecção. Distúrbios do estado geral - Frequentes (no adulto) Pouco frequentes (na criança). Retenção de fluídos: edema periférico, entumescimento, artralgia, mialgia,
parestesia - Pouco frequentes: Síndroma do canal cárpico. Sistema Nervoso Central. Pouco frequentes - Hipertensão intracraniana idiopática (hipertensão intracraniana benigna). Doenças
endócrinas. Muito raros - Hipotiroidismo. Afecções musculosqueléticas. Muito raros - Deslizamento da epífise da cabeça femural (Epiphysiolysis capitis femoris), ou necrose avascular da cabeça
femural. Doenças do metabolismo. A resistência à insulina pode resultar em hiperinsulinismo e, em casos raros, em hiperglicémia. SOBREDOSAGEM: Não foram relatados casos de sobredosagem
aguda. Porém, exceder as doses recomendadas pode causar efeitos indesejáveis. Uma sobredosagem pode levar a hipoglicémia e, subsequentemente, a hiperglicémia. Além disso, uma
sobredosagem com Somatropina pode causar manifestações de retenção de fluidos. PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS. Propriedades farmacodinâmicas: Grupo farmacoterapêutico: 8.1.1
Hormonas do lobo anterior da hipófise. Código ATC: HO1A. SAIZEN contém hormona do crescimento humana recombinante, produzida por células de mamífero geneticamente modificadas. É um
péptido de 191 aminoácidos idêntico à hormona do crescimento humana hipofisária, no que respeita à sequência e composição de aminoácidos assim como ao mapa peptídico, ponto isoeléctrico,
peso molecular, estrutura isomérica e bioactividade. A hormona do crescimento é sintetizada numa linha celular murina transformada, modificada através da adição do gene da hormona do
crescimento hipofisária. SAIZEN é um agente anabólico e anticatabólico que produz efeito não só no crescimento, mas também na composição e metabolismo do organismo. Interactua com
receptores específicos numa variedade de tipos de células incluindo miócitos, hepatócitos, adipócitos, linfócitos e células hematopoiéticas. Alguns, mas não todos os seus efeitos são mediados por
uma outra classe de hormonas conhecidas por somatomedinas (IGF-1 e IGF-2). Dependendo da dose, a administração de SAIZEN produz um aumento na IGF-1, IGFBP-3, ácidos gordos nãoesterificados e glicerol, uma diminuição da ureia sanguínea, e diminuição nas excreções urinárias do azoto, do sódio e do potássio. A duração do aumento nos níveis de GH pode desempenhar um
papel na determinação da magnitude dos efeitos. É provável uma saturação relativa dos efeitos do SAIZEN com doses altas. Não é este o caso da glicémia e excreção urinária do peptido-C, que
só aumentam significativamente após doses elevadas (20 mg). Num ensaio clínico randomizado, crianças pré-pubertárias pequenas com SGA, foram tratadas durante três anos com uma dose de
0,067 mg/kg/dia, e verificou-se um ganho médio de +1,8 DP-estatura. Nas crianças que não receberam tratamento adicional para além dos três anos, perdeu-se parte do benefício, mas as crianças
mantiveram um aumento significativo de +0,7 DP-estatura, na estatura final (p<0,01 comparado com o valor basal). Os doentes que receberam um segundo tratamento após um período variável
de observação, apresentaram um aumento total de +1,3 DP-estatura (p=0,001 comparado com o valor basal), na estatura final. (A duração de tratamento cumulativa média no último grupo foi de
6,1 anos). O aumento na DP-estatura (+ 1,3 ± 1,1) na estatura final neste grupo foi significativamente (p<0,05) diferente do aumento em DP-estatura obtido no primeiro grupo (+0,7 ± 0,8), o qual
recebeu apenas 3,0 anos de tratamento em média. Um segundo ensaio clínico, investigou dois regimes posológicos diferentes durante quatro anos. Um grupo foi tratado com 0,067 mg/kg/dia
durante 2 anos e observado durante os 2 anos posteriores sem tratamento. O segundo grupo recebeu 0,067 mg/kg/dia no primeiro e terceiro anos e nenhum tratamento no segundo e quarto anos.
Qualquer dos regimes de tratamento resultou numa dose administrada cumulativa de 0,033 mg/kg/dia durante o período de quatro anos do estudo. Ambos os grupos revelaram uma aceleração do
crescimento comparável e uma melhoria significativa de +1,55 (p<0,0001) e +1,43 (p<0,0001) DP-estatura respectivamente no final do período de quatro anos do estudo. Os dados sobre a
segurança a longo prazo continuam a ser limitados. Propriedades farmacocinéticas: A farmacocinética do SAIZEN é linear pelo menos com doses até 8 UI (2,67 mg). Com doses mais elevadas
(60 UI/20 mg) não pode ser excluído um certo grau de não-linearidade, porém sem relevância clínica. Após administração IV a voluntários saudáveis, o volume de distribuição em estado estacionário
é de cerca de 7 L, a “clearance” metabólica total é de cerca de 15 L/h, enquanto que a “clearance” renal é insignificante, e o fármaco exibe uma semi-vida de eliminação de 20 a 35 minutos. Após
a administração de doses únicas de SAIZEN por via SC e IM, a semi-vida terminal aparente é muito mais prolongada, cerca de 2 a 4 horas. Isto é devido a uma taxa limitada do processo de
absorção. As concentrações séricas máximas de hormona do crescimento (GH) são atingidas após aproximadamente 4 horas e os níveis séricos de GH voltam ao valor basal dentro de 24 horas,
indicando que não ocorre acumulação de GH durante as administrações repetidas. A biodisponibilidade absoluta de ambas as vias é de 70-90%. INFORMAÇÕES FARMACÊUTICAS: Lista de
excipientes: Pó para solução injectável. Sacarose, Ácido Fosfórico, Hidróxido de sódio. Solvente para utilização parentérica. Metacresol a 0,3% (p/v) em água para preparações injectáveis.
Incompatibilidades: Não se conhecem presentemente incompatibilidades de SAIZEN com outras preparações farmacêuticas. Prazo de validade: 3 anos. Após reconstituição, o produto deve ser
conservado durante um período máximo de 28 dias no frigorífico (2ºC – 8ºC). Os auto-injectores easypod e one.click, quando contendo o cartucho reconstituído de SAIZEN, têm de ser conservados
no frigorífico (2ºC – 8ºC). Quando se utilizar o auto-injector sem agulha cool.click, unicamente o cartucho da solução reconstituída de SAIZEN, deverá ser conservado no frigorífico (2ºC-8ºC).
Precauções especiais de conservação: Não conservar acima de 25ºC. Não congelar. Conservar na embalagem de origem. Para a conservação do produto reconstituído, ver secção “Prazo de
Validade”. Natureza e conteúdo do recipiente. Os frascos para injectáveis DIN 2R de 3 ml contendo 8 mg de pó e os cartuchos de 3 ml contendo 1,37 ml de solvente são de vidro neutro (Tipo 1).
Os frascos para injectáveis e os cartuchos são fechados com tampa de borracha. SAIZEN 8 mg click.easy está disponível em embalagens com: 1 frasco para injectáveis de SAIZEN 8 mg e 1
cartucho de solvente bacteriostático pré-incluídos num dispositivo de reconstituição (click.easy) composto pelo corpo do dispositivo com cânula de transferência estéril. Instruçôes de utilização /
manuseamento: O cartucho contendo a solução reconstituída de SAIZEN 8 mg click.easy destina-se exclusivamente a ser utilizado com o auto-injector one.click, com o auto-injector sem agulha
cool.click, ou com o auto-injector easypod. Para conservação dos auto-injectores contendo o cartucho, ver secção “Prazo de Validade”. Para a administração do SAIZEN 8 mg click.easy, consulte
as instruções do folheto informativo e do manual de instruções fornecido com o auto-injector apropriado. Os utilizadores do easypod são principalmente crianças desde os 7 anos até à idade adulta.
A utilização de dispositivos médicos por crianças, deverá ser sempre feita sob a supervisão de um adulto. O pó para a solução injectável tem de ser reconstituído com o solvente bacteriostático que
o acompanha (metacresol a 0,3% (p/v) em água para preparações injectáveis) para administração parentérica, utilizando o dispositivo de reconstituição click.easy. A solução injectável reconstituída
deve ser límpida, sem partículas. Se a solução contiver partículas, não deve ser injectada. Qualquer produto não utilizado ou o material usado deve ser deitado fora de acordo com as exigências
locais. TITULAR DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO: Serono Portugal, Lda. R. Tierno Galvan, 16 – B, Amoreiras, Torre 3, 16 º, Esc. 1 - 1070-274 LISBOA. NÚMEROS DA
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO 3505484- Frasco para injectável – 1 unidade. DATA DA PRIMEIRA AUTORIZAÇÃO/RENOVAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO
NO MERCADO: Data da Primeira Autorização de Introdução no Mercado: 26/01/2001. Data da Renovação da Autorização de Introdução no Mercado: 03/04/2004. DATA DA REVISÃO (PARCIAL)
DO TEXTO: 23 de Fevereiro de 2007. Medicamento sujeito a receita médica. Fornecimento exclusivo hospitalar (CompartIcipado 100% nos estabelecimentos saúde especiais).

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