contribuição dos trabalhadores para a gestão da produção
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contribuição dos trabalhadores para a gestão da produção
ANAIS CONTRIBUIÇÃO DOS TRABALHADORES PARA A GESTÃO DA PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA DE ELETRODOMÉSTICOS ALESSANDRA RACHID ( [email protected] ) DEP-UFSCAR Resumo O objetivo deste texto é explorar práticas de gestão da produção que levam à flexibilização do conteúdo do trabalho e exigem a contribuição dos trabalhadores em três empresas de eletrodomésticos de linha branca no Estado de São Paulo. A pesquisa envolveu entrevistas com gerentes e trabalhadores dessas empresas. A introdução de equipamentos, linhas de montagem mais flexíveis, ferramentas da qualidade e técnicas de planejamento e controle da produção têm gerado mudanças na divisão e no conteúdo do trabalho, aumentando a responsabilidade dos trabalhadores, ainda que de forma limitada. Palavras-chave: gestão da produção, organização do trabalho, contribuição dos trabalhadores, flexibilidade do trabalho. Introdução No final da década de 1970 e principalmente a partir da década de 1980, começou uma série de mudanças na organização da produção com base no chamado “modelo japonês” ou “lean production”. Esse se tornou o modelo hegemônico de referência para organização da produção, em substituição ao modelo taylorista-fordista, ainda que não haja um consenso sobre o fato da lean production romper ou não com os princípios centrais do modelo anterior. A flexibilidade sempre foi uma preocupação dos responsáveis pela gestão da produção devido à necessidade de lidar com as incertezas relacionadas à demanda, suprimentos, quebras de máquina, faltas, entre várias outras (Correa e Slack, 1994; Gerwin, 1987; Salerno,1995). A microeletrônica permitiu avanços neste sentido, pois permitiu aos equipamentos se tornarem reprogramáveis. Na lean production, no entanto, a flexibilidade aparece como uma das características centrais, buscada por meio de vários dos seus métodos de gestão. Neste sentido, têm sido observadas diversas formas de flexibilização do trabalho relacionadas ao conteúdo das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores, chamada por alguns autores de flexibilidade funcional (Atkinson, 1986; Smith, 1997, Wood, 1989). Apesar da evolução dos equipamentos e dos métodos facilitarem os objetivos de flexibilidade, são os trabalhadores que frequentemente absorvem o impacto da necessidade de variações no processo produtivo (Salerno, 1995). Como ressaltado por Vink e Stare (2006), o “o ser humano é o robô mais flexível”. Segundo Gerwin (1987), para que um sistema produtivo seja flexível é necessário que os trabalhadores tenham uma série de habilidades, para trabalhar com diferentes produtos, operações e procedimentos, para realizar a manutenção, detectar defeitos e tomar atitudes para corrigi-los. Segundo Martin (1997), essa forma de flexibilidade leva o trabalhador a ter “maior responsabilidade por tomadas de decisões imediatas e uma participação mais ativa” (p.10). 1/16 ANAIS O objetivo deste texto é explorar práticas de gestão que levam à flexibilidade funcional, ou seja, relacionado ao conteúdo do trabalho, em três empresas de eletrodomésticos de linha branca no Estado de São Paulo. A introdução de equipamentos, linhas de montagem mais flexíveis, ferramentas da qualidade e técnicas de planejamento e controle da produção tem gerado mudanças na divisão e no conteúdo do trabalho, aumentado a responsabilidade dos trabalhadores, ainda que de forma limitada. A seguir, são apresentados os procedimentos de pesquisa e depois uma breve caracterização da indústria de eletrodomésticos de linha branca e seu processo de concentração e internacionalização. Os demais itens tratam da introdução da automação e de práticas da lean production nas três empresas pesquisadas, explorando de que forma isso tem requisitado novas formas de envolvimento dos trabalhadores. Nos dois itens antes das conclusões, analisam-se as mudanças na descrição de cargos e os treinamentos decorrentes desse envolvimento. Procedimentos de pesquisa A pesquisa na qual se baseia este texto foi realizada em três empresas de eletrodomésticos de linha branca, como parte de um projeto de comparação internacional. Por este motivo, adotaram-se nomes fictícios para as empresas, em inglês, que serão mantidos no texto. Participaram da pesquisa uma produtora de fogões, CookCo, uma de refrigeradores, FridgeCo, e uma de lavadoras, WashCo. Todas localizam-se no interior do estado de São Paulo. Para obter informações sobre as estratégias de flexibilização do trabalho, foram aplicados roteiros de entrevistas semi-estruturadas com gerentes e supervisores da produção, qualidade e recursos humanos. As questões do roteiro procuravam levantar os métodos de gestão da produção adotados pelas empresas, as diferentes funções exercidas pelos trabalhadores, seu envolvimento com os métodos, seu perfil de escolaridade os treinamentos recebidos. Também foram entrevistados 53 trabalhadores de diferentes áreas de produção da CookCo, 52 da FridgeCo e 52 da WashCo, na mesma proporção ao total de funcionários de cada área. Os trabalhadores foram indagados sobre as atividades que desenvolvem no trabalho, os treinamentos recentes que se lembravam de ter participado e sobre o quanto conheciam dos métodos de gestão usados nas empresas. As entrevistas ocorreram nas dependências das empresas, em salas reservadas para esta finalidade. Elas foram gravadas e acompanhadas por pelo menos duas pessoas da equipe de pesquisa. Foi estabelecido um acordo para manter o anonimato dos entrevistados e das empresas. A realização das entrevistas permitiu explicar o propósito de cada questão e fazer outras perguntas para complementar uma resposta não satisfatória ou aspectos específicos de cada situação que não haviam sido previstos durante a elaboração no roteiro. Os dados levantados foram sistematizados em categorias para permitir a análise qualitativa de seu conteúdo. Além disso, as freqüências de algumas categorias e sua inter-relação foram levantadas com o auxílio do programa computacional SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). A indústria de eletrodomésticos de linha branca Pertencem à indústria de eletrodomésticos de linha branca as empresas produtoras de refrigeradores, congeladores, lavadoras e secadoras de roupas, lavalouça, fogões, condicionadores de ar e forno de microondas (ELETROS, s.d.). Nas últimas décadas, houve uma concentração da produção em grandes empresas multinacionais. O Quadro 1 apresenta as dez maiores empresas da indústria mundial, tomando como base um ranking das dez maiores 2/16 ANAIS em 2001, atualizado com informações da imprensa, páginas especializadas e das empresas na internet. Quadro 1 - Maiores empresas de eletrodomésticos de linha branca (2006) Empresa País de origem Situação em 2001 Algumas marcas produzidas Whirlpool, Maytag, Amana, Jenn-Air, KitchenAid, Roper, Bauknecht, Ignis, Brastemp, Consul Electrolux, Frigidaire, Westinghouse, AEG, Corbeirò, REX, Zanussi 1. Whirlpool EUA 1 2. Electrolux Suécia 2 3. LG 4. General Electric 5. Haier Coréia EUA China 6. Bosch-Siemens (BSH) Alemanha 7. Liebherr 8. Miele 9. Indesit Alemanha Alemanha Itália 10. Fagor Espanha Não constava 3 GE, Dako 5 Haier Bosch, Siemens, Gaggenau, Neff, Thermador, 4 Constructa, Viva, Ufesa, Balay, Linx, Pitsos, Profilo, Coldex, Continental 10 Liebherr 8 Miele 7 (Merloni) Indesit, Ariston Fagor, Edesa, Aspes, Mastercook, Brandt, DeDietrich, Não constava Thomson, Vedette, Ocean, SanGiorgio, Sauter, Samet Fonte: Elaborado a partir de Cunha (2003), da imprensa e de páginas especializadas e das empresas na internet. A LG sofreu uma grande expansão, tornando-se a terceira, sendo que em 2001 não constava entre as 10 maiores (Appliance Design, 2006). Em 2005, a italiana Merloni mudou seu nome para Indesit, uma marca inglesa que havia adquirido em 1987 (UK Whitegoods, 2005). A Elco Brandt, uma empresa francesa que constava como a nona maior 2001, foi adquirida em abril de 2005 pela espanhola Fagor, que se tornou, então, a décima da lista (EMCC, 2006). Em 2006, a Whirlpool adquiriu a Maytag, outra empresa norte-americana que era a sexta maior em 2001 (Ryberg, 2006). Em 2008, o conglomerado General Eletric anunciou a decisão de se desfazer de sua divisão de produtos industriais e de bens de consumo, que inclui a de eletrodomésticos (Cardoso, 2008). Na maioria dos casos de fusões e aquisições, busca-se racionalizar as estruturas organizacionais, com redução do número de funcionários e eventuais fechamentos de fábricas (Jacobs, 2006; Roggema, 2005; UK Whitegoods, 2004 e 2005). Os principais produtores de eletrodomésticos de linha branca são: - China, que assumiu a posição de principal produtora; - Europa, onde os principais produtores são Alemanha e Itália. Também produzem Eslovênia, Espanha, França, Reino Unido e Turquia; - Estados Unidos; - América Latina, onde o principal produtor é o Brasil, seguido pelo México. Os demais países produtores são Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela; - Japão; - Canadá (Araújo et al., 2006); - Coréia do Sul, que tem aumentado sua presença, tradicionalmente voltada à produção de condicionadores de ar e de fornos de microondas (Cunha, 2003), mais recentemente cresceu sua produção de refrigeradores (Appliance Design, 2006). O mercado para os produtos mais tradicionais, como refrigeradores, encontra-se saturado, principalmente nos países desenvolvidos, o que, juntamente com a concentração de propriedade, têm levado as empresas a investirem na produção em mercados emergentes, tais 3/16 ANAIS como Leste Europeu, China, Índia, Sudeste Asiático e América Latina por meio do investimento em plantas próprias, de joint-ventures ou aquisição de empresas nacionais (Araújo et al., 2006). A indústria brasileira foi fortemente afetada por esse processo de concentração internacional, sendo alvo de investimentos de quatro das maiores multinacionais, como apresenta o Quadro 2. Em 1987, a General Electric formou uma joint-venture com a empresa mexicana Mabe, que detém 52% das ações, para competir no mercado mexicano e exportar para o EUA. Em 2003, a Mabe assumiu o controle da GE Dako GE Dako, dando origem à Mabe Brasili, e adquiriu a unidade da CCE em Itu, que produz refrigeradores e lavadoras de roupa (Perspectiva, 2005). Quadro 2 – Aquisições de empresas de eletrodomésticos de linha branca (Brasil) Ano Empresa 1994 Continental 1996 Refripar1 1996 Dako 1997 Multibrás 1 Dona da marca Prosdócimo. Adquirida por Bosch-Siemens Electrolux General Electric / Mabe Whirlpool Marcas produzidas Continental, Bosch Electrolux Dako, GE, Mabe Brastemp, Cônsul Fonte: páginas das empresas na internet. Para atender o mercado de alta renda, as empresas têm aumentado a diferenciação e a sofisticação dos produtos e realizado a importação de itens com maior valor agregado (Araújo et al., 2006). O capital nacional se mantém presente em empresas menores, que não atuam com linhas completas de eletrodomésticos e cujos produtos, em geral, são mais simples e voltados para o mercado com menor poder aquisitivo, como Esmaltec, Suggar, Mueller, Atlasul, Latina e outras (Rachid, 2007). Os mercados nacional e regional, constituído pelo Mercosul, foram fatores de atração de investimentos externos. O nível se difusão de eletrodomésticos nas residências no Brasil é mais baixo do que nos países desenvolvidos. Em 2007, 98,1% das residências tinham fogão, 90,8 tinham refrigeradores, 39,5% com lavadora de roupas e 16,3%, freezer. A presença do freezer era maior em 2000, em 18,8% das residências, mas sua difusão se retraiu a partir da crise de energia em 2001 (Lage, 2004; Uol Notícias, 2008). Segundo gerentes entrevistados, o principal canal de vendas são as grandes redes varejistas, como Casas Bahia e Ponto Frio, que ganharam ainda mais peso depois da quebra de redes como a Arapuã, G. Aronson e Brasimac, entre outras. O volume comprado pelas Casas Bahia lhe permite encomendar produtos com características específicas para serem pagos pelo consumidor final em um grande número de parcelas, cujo valor é determinado pela varejista. Existe ainda uma grande quantidade de pequenos varejistas, que compram pequenos volumes, “de cinco a dez peças por mês”. Há alguns anos, têm se desenvolvido canais alternativos, como supermercados e hipermercados, como Extra e Carrefour. Mais recentemente as empresas têm buscado formas de realizar a venda direta ao consumidor. Segundo um gerente entrevistado na WashCo, a venda de eletrodomésticos enfrenta uma sazonalidade, mas, ao longo do ano, o uso dos recursos produtivos pode se equilibrar porque a maior demanda por refrigeradores ocorre no verão, enquanto por lavadoras e secadoras de roupa é no inverno. Segundo Cunha (2003), no entanto, a demanda por fogões tende a acompanhar a de refrigeradores, já que a compra destes, muitas vezes, é realizada 4/16 ANAIS conjuntamente, devido à tendência, crescente entre os consumidores brasileiros, de manter a mesma linha de produtos. Em 2004, essa indústria empregava 23,8 mil pessoas e seu faturamento foi de US$ 2 bilhões (Araújo et al., 2006). Em 2008, as empresas produtoras de utilidades domésticas representadas pela Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), o que inclui, além da linha branca, os eletrodomésticos portáteis, ferramentas elétricas manuais, aparelhos de áudio e vídeo, eletroeletrônica embarcada, entre outros, faturou R$ 14,7 bilhões, uma queda de 7% em comparação a 2007. Esse valor representa 11,9% do faturamento total da empresas representadas pela Associação, que em 2008 tinham 161,9 mil empregados (Abinee, 200?; 2009). A produção da indústria de linha branca é muito voltada para o mercado interno, mas no período em que se manteve o Real desvalorizado, principalmente entre 2003 e 2004, estas sofreram um incremento, o que coincidiu com a recuperação da economia da Argentina, principal destino das exportações de linha brancaii. A importação, por sua vez, tem sido historicamente inexpressiva, em torno de 1,2% nos anos 90 (Cunha, 2003; Landim, 2004). Com a valorização do real observada desde 2005, têm crescido as importações e diminuído as exportações (Banco Central, 2006; Landim, 2006). O investimento dos grandes produtores mundiais intensificou o processo de reestruturação das principais empresas de linha branca. Houve a inauguração de novas plantas e fechamento ou modernização das unidades produtivas existentes, nas quais foram introduzidos novos equipamentos e diferentes métodos de gestão da produção, em sua maioria, já utilizados pelas matrizes das empresas e por suas subsidiárias em diversos países. A seguir, são apresentados diferentes equipamentos e métodos de gestão adotados pelas empresas pesquisadas e como os trabalhadores são envolvidos na sua utilização. Automação e manutenção de equipamentos Em processos automatizados, o trabalhador não interfere diretamente na transformação do produto. Ele monitora o funcionamento do equipamento, intervindo apenas quando os parâmetros de fabricação saem fora do especificado. Esta é uma das mudanças do trabalho apontadas por Zarifian (2001), que ele chama de “lógica do evento”, segundo a qual o trabalhador deve estar apto a responder a eventos parcialmente imprevistos. O ritmo de trabalho deixa de ser determinante para definir o volume de produção, mas há um aumento de responsabilidade dos trabalhadores, devido ao volume de investimento nestes equipamentos e dos custos decorrentes de uma quebra ou de uma interrupção não programada. Marx (1997) e Tauile (2001), ao analisarem a implantação de equipamentos automáticos de comando numérico, observaram um maior envolvimento dos operários na troca de ferramentas, em tarefas simples de manutenção e, em alguns casos, na programação de equipamentos. Como observado por Tauile (2001), no entanto, muitos operadores de máquinas convencionais não conseguem se tornar operadores de máquinas de comando numérico. Nas empresas de eletrodomésticos pesquisadas, o processo de automação tem envolvido os processos de corte, estamparia, pintura, esmaltação, injeção de plásticos, descarga de máquinas e transporte de peças, nos quais têm sido implantados equipamentos computadorizados. A dificuldade para automatizar a montagem se mantém, apesar dos esforços das empresas em avançar neste sentido. Parte destes esforços tem ocorrido devido à incidência da LER/DORT (lesão por esforços repetitivos / distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho) entre os trabalhadores da montagem. Na CookCo, 10% dos trabalhadores sofriam desta doença ocupacional. Diante dessa dificuldade, têm sido 5/16 ANAIS introduzidos novos equipamentos e ferramentas acessórios à linha de montagem, como esteiras automáticas comandadas por CLP (Controlador Lógico Programável), que controla a velocidade e as paradas da linha de montagem, assim como robôs manipuladores. Entre as tarefas apontadas por Marx e Tauile, a programação de equipamentos não foi mencionada por nenhum operário. A troca de ferramentas, ou setup, foi mencionada por dois entrevistados, ambos da injeção de plástico, um da WashCo e outro da FridgeCo. Segundo um encarregado da área de plásticos da WashCo, os operadores normalmente ajudam no setup, sendo que alguns deles fazem toda a troca sozinhos. O operador dessa empresa comentou como isso o sobrecarrega, principalmente quando ocorre a mudança de modelo da lavadora, o que exige “uma troca muito rápida de ferramenta”, sendo que o tempo esperado para sua execução não prevê a ocorrência de falha, o que é “muito estressante. Você não pode errar, mas tem que fazer rápido”. A tarefa relacionada aos equipamentos mais mencionada pelos trabalhadores entrevistados foi a manutenção, indicando que têm recebido treinamentos sobre o tema. Esses treinamentos buscam condicioná-los a tomar cuidado com os equipamentos e ferramentas, a inspecionar seu funcionamento para chamar o departamento de manutenção quando necessário ou ainda a realizar pequenos reparos. Um trabalhador da metalurgia da WashCo, explica que quando “você chega num setor e vai operar uma máquina”, é instruído a “identificar ruído ou qualquer problema com o equipamento, para que isso não pare a produção”. Postura semelhante também tem sido buscada na CookCo, onde, segundo um operário da estamparia, “o operador faz uma inspeção diária. Se constatar o problema, avisa imediatamente.” Na WashCo, um dos gerentes entrevistados disse que buscava-se envolver os operários com a lubrificação e a troca de óleo, a limpeza periódica das máquinas, a verificação de requisitos do programa de manutenção e a inspeção funcional das máquinas. Essa preocupação também está presente entre o pessoal da montagem, como explica uma operária da montagem da WashCo: “Digamos que você vê um pequeno vazamento. Em vez de esperar aumentar, você vai lá dar uma manutenção na máquina antes de quebrar”, reforçado por outro da CookCo: “A gente procura deixar as nossas ferramentas em bom estado”. Just-in-time Num sistema just-in-time, as prateleiras ou os painéis de kanban funcionam como um sistema de informação. Ao indicar os níveis de estoque de cada peça ou componente, esse sistema sinaliza para os operários responsáveis por sua produção qual tem prioridade para ser reposto. Desta forma, os operários passam a ser responsáveis pela decisão sobre o que produzir a cada momento, não dependendo mais de uma ordem de produção (OP) recebida da área de PCP (planejamento e controle da produção) para definir a seqüência de produção. Como ressalta Smith (1997), o just-in-time exige maior vigilância dos operários sobre a escolha do tempo mais adequado para a produção de cada peça e ao controle de estoques de acordo com a demanda das etapas seguintes de fabricação, que impõem o ritmo de reposição das peças. Além disso, segundo seus idealizadores, o tamanho dos lotes deve ser tal que o ritmo de reposição seja intenso. Apesar de ser apontado com um dos principais métodos da lean production, no Brasil não têm sido vistos muitos sistemas just-in-time plenamente implantados e em funcionamento. Muitas vezes, o que ocorre com freqüência é a transferência do estoque para os fornecedores, como observado a indústria automobilística, por exemplo (Alves Filho et al., 2003). 6/16 ANAIS Nas empresas pesquisadas, seu uso é bastante restrito. Os gerentes haviam desistido de implantá-lo na WashCo e nem se exigia dos fornecedores entregas nesse sistema, devido à sazonalidade das vendas. Na área de injeção de plásticos da FridgeCo, além da resistência gerencial, existiam dificuldades do pessoal da produção, que, segundo um gerente, não utilizava as informações dos cartões do kanban para tomar as decisões sobre a seqüência de produção, indo sempre consultar a área de PCP. Entre os trabalhadores entrevistados, poucos sabiam o que é o just-in-time. Para um da WashCo, é “não estocar” e para outro, trabalhar “de acordo com o pedido”. Um operário disse que acha que a empresa usa o just-in-time “porque está escrito em vários lugares” na fábrica. Dois disseram que não se lembram, “mas foi falado no último treinamento que nós tivemos”. Por estes casos, pode-se concluir que a atividade de programação da produção continua fortemente concentrada na área funcional específica, com pouca responsabilidade efetivamente transferida para os trabalhadores da produção. Controle da qualidade Entre os esforços para implantar o modelo japonês, ganhou destaque a adoção de diferentes técnicas para controle da qualidade de caráter mais preventivo (Juran, 1990). Algumas dessas técnicas deveriam ser aplicadas pelos operários, como, por exemplo, o Controle Estatístico de Processo (CEP), técnica desenvolvida nos EUA na década de 1920, mas cuja utilização de forma mais ampla só vai ocorrer no Japão pós-guerra (Hoffman e Kaplinski, 1988; Toledo, 1987). Ganha força a idéia de que os esforços voltados para a qualidade devem envolver todos os departamentos e níveis hierárquicos, como propõem os programas de Qualidade Total, compostos por pacotes de técnicas estatísticas e programas de envolvimento que variam de uma empresa para outra e têm um forte componente retórico sobre participação (Zbaracki, 1998), ainda que estes, em alguns casos, tenham sido usados para justificar mudanças nem sempre relacionadas à qualidade (McCabe e Wilkinson, 1998). Durante a década de 1990, muitas empresas buscaram a certificação pela norma ISO 9000. A norma diz que todos os funcionários cujo trabalho interfira na qualidade devem ser treinados e frequentemente sua implantação leva a melhorar o treinamento (Brown et al., 1998; Lee, 1998; Quazi e Jacobs, 2004). Mesmo pequenas empresas têm estruturado o treinamento interno devido à certificação, como observado por Rachid (2000). De fato, esse treinamento se mostra necessário para obter a certificação, se não por outro motivo, pelo menos porque durante as auditorias qualquer trabalhador pode ser questionado sobre seus procedimentos. Além disso, eles podem ajudar na trabalhosa documentação do processo, como observado nas empresas pesquisadas por Brown et al. (1998). A norma era conhecida por 96% dos operários entrevistados na CookCo, 100% na FridgeCo e 98% na WashCo. Todos mencionaram a preocupação de produzir com qualidade e a existência freqüente de cursos e palestras a respeito. Em dois casos, as falas revelam a ênfase dos superiores em relação à qualidade: “é cobrança total”, ou ainda: “exigem muito, pegam no pé.” Muitos entrevistados mencionaram a importância da norma para o mercado exterior: “sem essas certificações, seria meio impossível” exportar para outros países. A norma ISO 14000, ambiental, foi mencionada por 46% dos entrevistados na WashCo, sobre a qual um deles disse: “usamos todo dia. A gente faz a coleta seletiva”, procurando evitar “o desperdício da água, energia ...”. Esta era conhecida por apenas três entrevistados na CookCo, 6%, e cinco, 10%, na FridgeCo. A partir dos anos 2000, inicia-se a difusão do Six Sigma, que, assim como os programas de Qualidade Total, sistematiza uma série de métodos voltados para a qualidade, mas com ênfase 7/16 ANAIS maior ao uso da estatística (Pyzdek, 1999). A CookCo o havia implantado por imposição da matriz, cujo CEO na época apareceu bastante na imprensa de negócios divulgando o método. Um engenheiro da área da qualidade da CookCo foi designado para implantar e coordenar o Six Sigma e, por isso, é chamado de Black Belt Master. A empresa tinha mais 146 funcionários treinados, chamados de Green Belts e que deviam participar de grupos ad hoc para resolver problemas específicos, introduzir melhorias em produtos e processos ou reduzir custos. Pessoas de diferentes áreas podiam ser envolvidas nesses grupos, mas pelo que foi observado durante a pesquisa, a participação dos operários era restrita. Os operários entrevistados sabiam que a empresa havia implantado um programa com esse nome, mas poucos sabiam do que se tratava. Segundo um dos responsáveis pelo método, “o programa exige conhecimentos de estatística e o uso freqüente do computador e, na produção, tem pessoas que mal conseguem abrir o micro” (Pina, 2004, p.43). Este caso indica que a participação dos trabalhadores pode não ter a mesma importância observada em programas para a qualidade de difusão anterior, como o Controle Estatístico de Processo (CEP) e os programas de Qualidade Total. Na FridgeCo, o programa havia sido introduzido pouco tempo antes da pesquisa e um dos supervisores da área da qualidade acumulava a responsabilidade pela ISO 9000 e pelo Seis Sigma, que era bem menos conhecido do que na CookCo. Grupos para solução de problemas Um dos primeiros métodos da produção enxuta a serem difundidos nos países ocidentais foram os círculos de controle da qualidade (CCQs), reuniões nas quais os trabalhadores discutem questões relacionadas a seu trabalho e propõem melhorias. Algumas empresas ocidentais, no Brasil inclusive, implantaram os CCQs já na década de 1970 e sua difusão aumentou bastante na década de 1980. Em 1982, 44% das empresas com mais de 500 empregados nos EUA tinham CCQ. Em 1987, 50 mil na Europa. Em 1986, 600 no Brasil (Faria, 1989; Hill, 1991; Salerno, 1985). A maioria desses programas, no entanto, foi interrompida depois de poucos anos, porque, segundo Hill (1991), a organização do trabalho e a estrutura organizacional das empresas permaneciam inalteradas e a gerência não estava preparada para responder a iniciativas tomadas de baixo para cima, avaliação é compartilhada por Hiraoka (1989) e Hull et al. (1985). Os CCQs continuam a ser utilizados no Japão. Nos países ocidentais, muitas empresas criaram posteriormente formas semelhantes de reuniões com outros nomes (Jürgens, 1989; Grande e Ferro, 1997; Rachid, 1996). A CookCo criou um programa de sugestões, com prêmios para as pessoas ou grupos que tivessem suas sugestões aceitas, implantadas e se gerassem redução de custos. Na FridgeCo, havia um grupo com “cinco a oito” pessoas sob a coordenação de um técnico da qualidade que se reunia uma vez por semana, uma experiência que poderia ser estendida para outras áreas. Se a sugestão fosse implantada, os proponentes receberiam prêmios calculados de acordo com os resultados obtidos. Na WashCo havia um programa de sugestões chamado de “kaizen” e alguns entrevistados deram exemplos de algumas iniciativas surgidas: “nós fizemos a implantação de uma esteira” ou de uma escada para facilitar o acesso a uma máquina. Esses grupos para solução problemas podem representar uma maneira de formalizar práticas informais adotadas pelos trabalhadores, os chamados quebra-galhos ou macetes, fundamentais para bom andamento da produção. Trabalho em grupo e rotação de cargos 8/16 ANAIS Uma das principais referências para a organização do trabalho em grupo são os grupos semi-autônomos na indústria automobilística na Suécia. Estes grupos não foram muito difundidos fora da Suécia, possivelmente devido ao grande interesse despertado pelo modelo japonês, que acabou ofuscando outras formas de organização alternativas ao taylorismofordismo. Têm sido observadas, no entanto, outras formas de trabalho em grupo, dentro dos quais cada operário deve operar diferentes equipamentos. Mais freqüente ainda tem sido a rotação de trabalhadores entre diferentes postos individuais de trabalho dentro de uma mesma área ou mesmo entre diferentes áreas de fabricação (Salerno, 1995). Na WashCo, o termo “célula de produção” é usado para designar segmentos da linha de montagem nos quais há rodízio de trabalhadores, que decidem a escala de revezamento e o responsável pela célula, substituído quase sempre semanalmente. Nesta empresa, a mesma linha usada para montagem da lavadora com abertura superior (top load), mais comum no Brasil, pode ser preparada para montar a lavadora com abertura frontal (front load), com os mesmos operários. Além disso, a montagem do freezer, por ser produzido em pequenas quantidades, utilizava o pessoal de outra linha. Segundo um gerente entrevistado, “as equipes de trabalhadores na produção podem estar na linha de lavadoras em um dia e na linha do freezer no dia seguinte”. Um operário comentou: “hoje, a gente monta um produto. Amanhã, já está montando outro“. Essa flexibilidade é adequada à sazonalidade dessa indústria, mas um gerente comentou que isso também ocorria por falta de peças, caracterizando o mau funcionamento do sistema apontado por Salerno (1995). Na CookCo, a rotação entre postos de trabalho visava a reduzir dos casos de LER (lesão por esforços repetitivos) mencionados. A FridgeCo empregava a rotação de postos em alguns trechos da linha de montagem e planejava-se a automação da descarga das máquinas, o que permitiria que um operador cuidasse de mais de uma máquina. Perguntados sobre a existência de trabalho em grupo, quase todos os operários entrevistados disseram estar familiarizados com o termo, referindo-se, no entanto, à colaboração mútua e a grupos de solução de problemas. O conceito de cliente interno também foi associado à idéia de trabalho em grupo, segundo um operário, “um depende do outro. Ao mesmo tempo em que somos clientes, somos fornecedores também”. Descrição de cargos Por levarem à ampliação de funções, os termos polivalência e multifuncionalidade têm sido usados para descrever essas mudanças. Corrêa e Slack (1994) usam o termo multi-habilidade da mão-de-obra, o que seria, também, uma forma de resolver problemas de absenteísmo. O grande número de cargos que existiam antes, com especificação muito estreita de atividades, passou a ser vista como ineficiente (Smith, 1997). Para viabilizar a incorporação de diferentes funções, as empresas têm ampliado a descrição de cargos. Nesse contexto, é que se criaram os cargos de "operário multifuncional", em substituição aos cargos específicos para operação de cada máquina, por exemplo, “operador de torno mecânico”, “operador de torno CNC”, “operador de caldeira a lenha” e assim por diante (Rachid, 1996). O próprio Ministério do Trabalho tem revisto a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) para se adequar às mudanças observadas no mercado de trabalho, entre as quais a polivalência (Moraes e Lopes Neto, 2005). A FridgeCo havia reduzido o número de cargos na área da produção para ficar mais compatível as descrições de cargos existentes no mercado. Na WashCo, o cargo de recém contratado é “operador de manufatura 1”. Com as promoções, pode-se chegar até “operador 9/16 ANAIS de manufatura 6”. Também neste caso, a descrição é aberta à incorporação de diferentes atividades. Cursos e treinamentos A transferência das diferentes atividades relacionadas à manutenção, programação da produção, qualidade, solução de problemas e aos diferentes tipos de grupos de trabalho tem mudado o perfil esperado dos trabalhadores, levando a novos critérios de seleção e ao aumento do investimento em cursos e treinamentos. Muitas empresas têm buscado aumentar seu nível de escolaridade, seja oferecendo educação formal para seus funcionários, seja exigindo-a no recrutamento, como observado na indústria automobilística (Rachid et al. 2006). Também na indústria de linha branca, a escolaridade vem sofrendo um aumento gradual, como mostram os dados da Tabela 2.1. Aumentou a porcentagem dos trabalhadores com segundo grau completo e diminuiu aqueles com menor escolaridade. Tabela 1 - Escolaridade dos trabalhadores na indústria de eletrodomésticos de linha branca (Brasil, 1994 e 2000) Escolaridade 1º grau incompleto ou menos 1º grau completo 2º grau incompleto 2º grau completo Superior incompleto ou completo Total 1994 51,9 17,4 10,2 12,0 8,4 100% 2000 26,3 22,1 12,3 28,2 11,1 100% Fonte: Perticarrari (2003). A Tabela 2 apresenta o grau de escolaridade da amostra de entrevistados. Como pode ser observado, uma porcentagem significativa tem escolaridade igual ou superior ao segundo grau completo. Na WashCo, dois entrevistados estavam cursando o 2º grau. O número de trabalhadores com curso superior, completo ou incompleto, também é bastante significativo nos três casos, 9,4% na CookCo, 11,5% na FridgeCo e 19,3% na WashCo. Tabela 2 - Escolaridade dos operários entrevistados nas empresas pesquisadas Escolaridade 1 grau incompleto 1o grau completo 2o grau incompleto 2o grau completo Superior incompleto Superior completo Total o CookCo 17,0 17,0 7,5 49,1 7,5 1,9 100,0 FridgeCo 0,0 7,7 19,2 61,5 3,8 7,7 100,0 WashCo 1,9 0,0 5,7 73,1 19,3 0,0 100,0 Fonte: Elaborado a partir das entrevistas. Além disso, as empresas oferecem cursos e palestras para difundir princípios e práticas associados aos métodos de gestão. A Tabela 3 apresenta a quantidade de dias de treinamento lembrada pelos trabalhadores, considerando os últimos doze meses anteriores à pesquisa. 10/16 ANAIS Tabela 3 - Dias de treinamento dos trabalhadores nas empresas pesquisadas (%) Total de dias Nenhum Menos de um dia 1 a 2 dias 2 a 5 dias 5 a 10 dias 10 dias ou mais CookCo -22,6 17,0 15,1 13,2 17,0 FridgeCo -19,6 50,0 8,7 6,5 4,3 WashCo 1,9 44,2 23,1 13,5 7,7 7,7 Fonte: Elaborado a partir das entrevistas. Quase todos os trabalhadores entrevistados tinham participado de algum treinamento. A Tabela 3 foi elaborada a partir do agrupamento dos cursos mencionados. Os mais citados foram aqueles voltados para “meio ambiente, saúde e segurança no trabalho”. Em segundo lugar, vêm os treinamentos voltados para a gestão da qualidade. Muitos dos métodos voltados para a qualidade chamaram a atenção de diferentes pesquisadores pelos treinamentos que os acompanharam. Para o Statistical Process Control (SPC), por exemplo, foram dados treinamentos sobre seus procedimentos, cursos de metrologia e estatística e até de matemática, português e caligrafia (Fleury e Humphrey, 1993; Gitahy e Rabelo, 1991; Leite, 1992; Rachid, 1996). Nas empresas pesquisadas, observa-se que os operários continuam recebendo treinamentos voltados para a qualidade, principalmente para a ISO 9000. Tabela 3 – Tipos de cursos mencionados pelos trabalhadores nas empresas pesquisadas (%) Tipos de cursos e treinamentos Meio ambiente, saúde e segurança no trabalho Gestão da qualidade Técnico-operacionais para a produção Gestão da produção Gestão de recursos humanos Gestão da empresa Idiomas CookCo FridgeCo WashCo 44,3 23,5 9,4 12,8 7,4 2,0 0,7 25,1 36,0 30,3 2,9 2,9 1,7 1,1 30,1 29,7 26,3 0,4 11,8 1,3 0,4 Fonte: Elaborado a partir das entrevistas. Para o Six Sigma, no entanto, introduzido mais recentemente na CookCo, o treinamento envolveu principalmente as pessoas com cargo de comando e funcionários técnicos e administrativos. O gerente responsável pelo programa, o Black Belt Master, passou por cinco meses de treinamento no país da matriz. Os operários entrevistados não receberam treinamento. Um funcionário da manutenção comentou que só recebeu informação a respeito do Six Sigma depois que um auditor abordou alguém da sua área para perguntar o que conhecia a respeito e a pessoa não conhecia nada. “Foi uma falha e aí foi feito rápido esse treinamento para o pessoal saber mais ou menos o que era” e explica que, “na verdade, foi uma apostila para cada um, para ler em casa.” Isso foi confirmado por um entrevistado da ferramentaria que, quando indagado sobre o método, disse: “Já li uma apostila, fornecida pela empresa”. Na FridgeCo, nove pessoas do quadro técnico-administrativo entrevistadas tinham participado de um curso sobre Seis Sigma. 11/16 ANAIS Em terceiro lugar foram mencionados os cursos técnico-operacionais para a produção, por exemplo, operação de caldeira e ponte rolante, injeção de plásticos, solda, montagem, desenho, informática, entre outros. Na CookCo e na WashCo, foi mencionada uma quantidade significativa de cursos de gestão de recursos humanos, principalmente aqueles voltados ao relacionamento com pessoas e à colaboração mútua, que é a idéia associada ao trabalho em grupo nessas empresas, como mencionado. Na CookCo, destacaram-se ainda os cursos voltados à gestão da produção, por exemplo, planejamento da produção e housekeeping, limpeza e manutenção básica. Foram identificados casos de treinamentos pouco utilizados. Um entrevistado da área de plásticos da FridgeCo disse que participou de cursos sobre a lean production e sobre o justin-time, mas tinha esquecido o que era. Dois entrevistados, um na WashCo e um montador da FridgeCo, comentaram o mesmo sobre o controle estatístico do processo (CEP). É provável que existissem outros casos, de entrevistados que sequer se lembrassem dos cursos ou que não quisessem admitir isso. Por outro lado, muitos entrevistados buscam aumentar sua escolaridade e melhorar sua qualificação. Como pode ser observado na Tabela 2, muitos já concluíram ou estão cursando o curso superior. Esse busca, em alguns casos, se estende à busca de informações sobre métodos de gestão, como um funcionário da CookCo que soube que a empresa está implantando o Six Sigma e, por curiosidade, pegou a apostila da empresa para ler a respeito e de uma funcionária da montagem da WashCo, que disse ter se interessado pelo mesmo método porque “vi hoje uma apostila na mesa do meu supervisor”. Os entrevistados veem essa busca como necessária para ter alguma chance de promoção na empresa ou mesmo para se manterem empregados diante da escassez de oportunidades e assumem isso como uma responsabilidade individual. Como observado por Araújo et al. (2006), os trabalhadores “assumiram o discurso da “empregabilidade”” (p.288). Os entrevistados que, por um motivo ou outro, não têm procurado se qualificar se culpam por isso. Conclusões A indústria de eletrodoméstico de linha branca passou por um processo de concentração internacional da produção. As principais empresas mundiais passaram a investir em mercados emergentes, com a instalação de plantas novas ou compra de empresas nacionais, como ocorreu no Brasil. Isso levou à aceleração do processo de reestruturação das empresas, por meio do investimento em novos equipamentos e da adoção de diferentes práticas da lean production. Muitas dessas mudanças exigem mais envolvimento dos trabalhadores. Pelo que pode ser observado no caso das três empresas pesquisadas, a ampliação de funções dos operários, chamada de flexibilidade funcional, tem se dado por meio da incorporação de diferentes tarefas. A área que mais avançou na transferência de responsabilidades para os trabalhadores foi a de qualidade, ainda que de forma menos intensa se comparadas ao observado na indústria automobilística. Sob a influência da lean production, a qualidade ganha destaque, juntamente com a idéia de que os operários diretos devem assumir parte das responsabilidades pelas tarefas relacionadas. Outra prática incorporada pelas empresas pesquisadas foram os grupos para solução problemas, ainda que com nomes e formatos distintos dos CCQs (círculos de controle da qualidade), uma das primeiras práticas do modelo difundidas nos países ocidentais. Em pelo menos um método implantado mais recentemente, no entanto, o Seis Sigma, parece que diminuiu o foco na participação dos operários em comparação ao observado em 12/16 ANAIS programas difundidos em décadas anteriores. Não se observa, no caso da CookCo, onde o método está bem consolidado, a mesma importância retórica que era dada à participação dos trabalhadores, que sequer receberam treinamentos a respeito. No entanto, para confirmar essa observação, esse tema requer pesquisas futuras. Por outro lado, tem sido observado pouco envolvimento dos trabalhadores nas decisões relacionadas ao sequenciamento da produção, o que pode ser associado à dificuldades enfrentadas pelas empresas para implantarem o just-in-time. O termo “trabalho em grupo” é bastante utilizado e conhecido nas empresas pesquisadas, mas não se observam iniciativas no sentido de se criarem grupos autônomos de trabalho, ao qual sejam delegadas decisões relacionadas à organização do trabalho. “Trabalho em grupo”, nas empresas pesquisadas, refere-se à colaboração mútua, idéia frequentemente reforçada pelos treinamentos. O que é utilizado nas empresas é o rodízio entre postos, como no caso da CookCo, para evitar a LER (lesão por esforços repetitivos), ou mesmo entre diferentes áreas, como no caso da WashCo, onde há rodízio de trabalhadores entre diferentes linhas de montagem. A explicação para os limites de iniciativas voltadas à maior delegação de poder e autonomia aos operários exige mais pesquisas, mas pode-se apontar uma possível relação com as dificuldades observadas durante a implantação dos círculos de controle da qualidade (CCQs), quando a autoridade hierárquica existente nas empresas não estava preparada para responder a iniciativas tomadas de baixo para cima. Além disso, alguns autores apontam que o comprometimento esperado por estas iniciativas pode ser prejudicado por iniciativas como a terceirização, os contratos temporários ou o banco de horas em lugar das horas extra, que levam a outro tipo de flexibilidade, chamada de flexibilidade numérica (Smith, 1997, Rachid, 2007). Apesar disso, os trabalhadores entrevistados assumiam para si a responsabilidade por aumentar sua qualificação, o que é percebido como necessário para lidar com as novas tecnologias, os novos métodos de gestão e principalmente pelos requisitos impostos para ingressar e permanecer no mercado de trabalho. Referências bibliográficas ALVES FILHO, Alceu G., RACHID, Alessandra, DONADONE, Júlio C., MARTINS, Manoel F., BENTO, Paulo E. G., TRUZZI, Oswaldo M. S., VANALLE, Rosângela M. (2003) Automaker-supplier relationships and production organisation forms: case study of a brazilian engine supply chain. International Journal Of Automotive Technology And Management, Inglaterra, v. 3, n. 1 e 2, p. 61-83. ABINEE (200?) Utilidades domésticas. Disponível em www.abinee.org.br/abinee/ascor/ util.htm. Acesso em fevereiro de 2009. _________ (2009) Desempenho setorial. Disponível em www.abinee.org.br/abinee/decon/ decon15.htm. Acesso em fevereiro de 2009. 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