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Transcrição

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 Pingue-pongue cósmico
Num dia de abril de 2012, os artistas Sandra Cinto e Albano Afonso foram ao estúdio
de Ricardo van Steen para conversar sobre o mundo além das nuvens, internet e a
vertigem das alturas que remete ao romantismo - sempre guiados pelas aquarelas de
van Steen. A conversa, que continuou por e-mail, ficou mais ou menos assim:
S&A - Pensando simbolicamente o céu como algo inalcançável do nosso ponto vista
da terra, manifestação direta da transcendência, da perenidade, suas aquarelas nos
colocam em uma posição de vermos, de estarmos acima do céu, num além- céu. Qual
a sensação de voar, de estar acima das nuvens?
RVS - É, antes de qualquer coisa, sair de si, é abandonar a civilização, imergir em uma
nova dimensão de tempo e de espaço. Cada um desses céus foi experimentado por
pessoas que cruzaram de avião os céus do planeta. No momento em que puxaram a
câmera e enquadraram apenas o cenário que as maravilhava, essa exclusão de tudo,
até da moldura da janela, foi a maneira que cada um deles encontrou para eliminar os
resquícios da sua realidade. Do avião, aquela visão é fugaz e não dá para pedir para o
piloto esperar um pouquinho. Nas aquarelas esse prazer dura o tempo que o
espectador quiser.
S&A - Nas escolhas das imagens de céus capturadas na internet, a busca por uma
perspectiva do além- céu surgiu deste o começo do projeto?
RVS - A busca por uma perspectiva do além-céu foi o ponto de partida. Há um ano
escrevo quase todos os dias no Google os termos “sobre as nuvens”, “above the
clouds”, “au dessous des nouages”, “sopra le nuvole”. Fui selecionando um apanhado
de registros que me trouxessem uma nova dimensão em relação ao céu. E, graças ao
talento de interpretação do Google, fui levado para imagens de satélites, que me
abriram um novo horizonte de possibilidades.
S&A - É instigante pensar o movimento e o deslocamento de seus céus, da pessoa
que faz uma viagem. Uma imagem que é capturada na altitude, postada na rede,
capturada por redes, por filtros e reconstruída no campo do papel apoiado sobre a
mesa. No momento que ela vai para o plano da parede emoldurado, volta a ser janela
e nos coloca novamente na perspectiva imersiva de quem fez a fotografia postada que
deu origem a este céu.
RVS - A percepção do céu é de um horizonte infinito. Quando vemos as aquarelas
num primeiro momento, não temos a percepção de que elas são quadradas. As
imagens parecem se alongar e se estender além da forma predefinida. Todos os
quadros têm a mesma dimensão e, quando colocados lado a lado, nos passam uma
forte noção de movimento nos dando novamente a percepção de um horizonte infinito.
S&A - As palavras “plano”, “tempo”, “movimento” e “enquadramento” nos faz pensar
em cinema. Cada aquarela é como um plano- sequência que nos leva para uma longa
viagem. As imagens também passam uma sensação de mergulho, de velocidade, que
fica evidente na pintura do astronauta em voo cego.
RVS - A experiência no cinema se reflete na construção de uma narrativa com vários
pontos de vista, no comprometimento em transportar o espectador gradativamente
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para outra dimensão. Ora a visão é subjetiva e vivencial, portanto dinâmica e fugaz.
Ora ela enquadra o personagem voando, estabelece um momento de equilíbrio e
freagem de tempo. Há ainda momentos em que essa visão é tão ampla e inalcançável
que remete ao eterno,¬¬ imemorial. Essa combinação de ritmos e sensações, pouco
a pouco, envolve o espectador. O prazer não está somente em atingir as alturas.
Gostoso é poder ficar flutuando ali, entre o futuro e o passado.
S&A - Pensando em cinema, futuro e passado, vem à mente o filme Viagem à Lua, de
Georges Méliès, com todo o fascínio do homem pelo espaço, o sonho de voar, de
estar nas alturas. Num primeiro momento há a impressão de estarmos vendo
fotografias. Conversando com alguns amigos que também viram suas aquarelas, eles
também tiveram esta mesma sensação. Quando olhamos de perto, vemos as marcas
e movimentos do pincel. Então notamos o quão abstrata e difusa são estas imagens características que dizem respeito às próprias nuvens em suas formas confusas e
indefinidas.
O fato de serem P&B dá um ar de nostalgia de um tempo indefinido de infinito. Dentro
deste infinito há muito silêncio, mas ao mesmo tempo há uma atmosfera de ficção
cientifica que nos coloca num futuro em que colonizaremos o espaço sideral e a visão
de nossas janelas será a imensidão do espaço.
RVS - Acho que o título Noir vem daí, além, claro, de fazer referência à cor. Curioso
como o P&B não é uma representação de uma época em particular. Desde sempre o
homem teve as duas opções de representação. Desde o desenho até gravura, e
graças à sua evolução, à fotografia e ao cinema, que agora dão lugar ao digital,
sempre existiu uma vontade de restringir a observação do tema pelo seu aspecto
estrutural e por suas intenções, prescindindo dos efeitos inebriantes do espectro
cromático. Todas as imagens originais que inspiraram essa série eram registros em
cores que reduzi ao P&B. Essa escolha foi a primeira forma de me apropriar das
imagens. O segundo passo foi repensá-las dentro de um campo quadrado, às vezes
ampliando partes, outras distorcendo a imagem até que ficasse quadrada, dando um
novo sentido aos espaço. O formato quadrado me encantou pela primeira vez quando
adquiri uma câmera Polaroid SX70, mídia que sempre usei pela possibilidade de novos
enquadramentos e pela riqueza de cores.
S&A - Em sua pesquisa há passagens por diversas mídias. Para a finalização da obra
você opta por uma técnica tradicional, tendo a água, elemento indissociável da nuvem,
como base na construção das imagens.
RVS - Aprecio muito as técnicas antigas. A da aquarela é baseada num alto volume de
água misturado a uma quantidade mínima de pigmento e cola. Para obter uma
tonalidade escura é necessário aplicar várias demãos e aguardar um bom tempo a
secagem entre elas. É uma técnica muito antiga cujo aparecimento, se supõe, esteja
relacionado com a invenção do papel e dos pincéis fabricados com pelo de coelho ambos surgidos na China há mais de 2000 anos. É um exercício de persistência e
interatividade com os poderes da água e os caprichos do pincel. Quando eu uso uma
imagem de satélite como ponto de partida, estou conectando extremidades do
conhecimento, para quem sabe, nesse campo de força que se cria com o acúmulo
dos poderes das duas formas de expressão, colocar o espectador em um lugar até
aqui desconhecido.
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S&A - De alguma maneira, suas pinturas nos remetem à obra de Caspar David
Friedrich, O Peregrino Sobre o Mar de Névoa (1818). Você nos convida a experimentar
a condição do peregrino sobre as nuvens ou, talvez, nos coloque num estado de
deriva sobre as nuvens. Nos faz pensar no romantismo e no sublime.
RVS - Me identifico muito com a crítica dos românticos ao modo excessivamente
racionalista e materialista de conceber o homem e o mundo. No romantismo, a visão
do inatingível trazia um ponto de vista do homem sempre no ponto mais alto que
pudesse chegar, longe de tudo, mas com os pés no chão. Minha visão é a do Boeing
747, é a do satélite, o ponto de vista das máquinas, a altura é até mil vezes maior do
que a dos pintores do século XIX. Hoje, para poder dar um tempo e olhar para dentro,
você tem voar muito mais alto, fugir da pressão por resultados, da insistência para que
aceite mais e mais essa vida encaixotada. E ainda precisa lidar com uma força de
atração incrível que te suga para dentro do mundo virtual.
Sandra Cinto e Albano Afonso, 2013.
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