O Papel da Disciplina de Sistemas de Informação nos Cursos de

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O Papel da Disciplina de Sistemas de Informação nos Cursos de
ASSÉDIO MORAL EM ORGANIZAÇÕES MECANICISTAS:
EFEITOS EM UM CALL CENTER
RUBENS DE FRANÇA TEIXEIRA
ELOISA BATISTUTI
UNOPAR
RESUMO
Este estudo procurou identificar fatores que caracterizem o assédio moral no
trabalho. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas junto a funcionários
que prestam serviços de teleatendimento para uma empresa de telefonia
celular em Londrina-PR. As informações obtidas evidenciaram a ocorrência
de situações de assédio moral no trabalho, tais como o controle excessivo por
parte das chefias, inclusive no que tange as idas ao banheiro dos
funcionários, instruções confusas, ameaças verbais, entre outras humilhações
sofridas no cotidiano de trabalho. A sujeição quase que constante a
humilhações atinge a saúde física e mental do trabalhador de forma decisiva,
comprometendo sua autoestima. O estudo conclui apontando para o fato de
que a prática de assédio moral afeta negativamente não apenas as vítimas do
fenômeno, como também todo o ambiente organizacional, criando um clima
generalizado de insatisfação que invariavelmente se reverte em perda de
produtividade por parte da organização palco do fenômeno.
Palavras-chave: Assédio moral, teleatendimento, gestão mecanicista, call
center, humilhação.
Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009 117 Assédio moral em organizações mecanicistas
ABSTRACT
This study tries to identify characterizing factors of moral harassment in a
workplace. To accomplish this, the methodology chosen was a case study,
through semi-structured interviews, made with a group of employees of a
call center company (a third-party company of a mobile phone company) in
Londrina-PR. The collected information evidenced the occurrence of real
situations of moral harassment in the workplace, such as an extreme control
set by the head members regarding the use of bathroom, confusing
instructions and other humiliations suffered during the employees’ work
routine, which causes them mental and physical problems. The study
concludes that the practice of moral harassment has negative impacts not
only for the victims of the phenomenon, but also for the organizational
environment, creating a generalized feeling of dissatisfaction, reverted in
loss of productivity in the company where it happens.
Keywords: Moral harassment, mechanistic management, call center,
humiliation.
INTRODUÇÃO
Teóricos e profissionais da Administração se esmeram em desenvolver
novos conceitos sobre a organização do trabalho, discutem estratégias para
atuar em um mundo cada vez mais globalizado e debatem o papel da
tecnologia da informação no futuro das empresas. Apesar disso, persiste a
impressão de que, pelo menos no campo relacionado à gestão de pessoas, a
evolução dos conceitos ficou muito mais no campo da teoria do que no da
prática empresarial. Na verdade, em alguns aspectos, tem-se a impressão de
que o ser humano sofreu mais perdas que ganhos na sua relação com as
organizações produtivas.
O que se observa nos dia de hoje é que, graças a um processo cada
vez mais intenso de globalização, de automatização e de informatização
empresarial, criou-se um fenômeno de hipercompetitividade no mundo
corporativo. Como consequência, as reestruturações e enxugamentos
organizacionais, reduções salariais, perdas de benefícios e direitos
conquistados por meio de duras batalhas junto aos donos do capital causaram
o aumento das demandas sobre os trabalhadores.
As perspectivas são realmente sombrias para as próximas décadas.
Segundo pesquisa pioneira da Organização Mundial do Trabalho, realizada
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em 1996, estas serão as décadas do mal-estar na globalização, durante as
quais predominarão depressões, angústias e outros danos psíquicos de causas
associadas às novas políticas de gestão na organização de trabalho, estas
vinculadas ao sistema capitalista (BARRETO, 2000).
Tal panorama acaba por criar um ambiente propício para o
desenvolvimento das mais variadas formas de violência ao elemento humano
no trabalho. Dentre as quais, pelo aumento significativo de casos registrados
nos últimos anos, o assédio moral merece atenção.
O fenômeno do assédio moral tem sido estudado em vários países,
dentre eles o Brasil, cujas ocorrências incidem em diversos segmentos e
atividades corporativos e profissionais. Isso porque, enquanto fenômeno que
afeta psicologicamente o ser humano, pode ser observado em diversos
relacionamentos de um mesmo indivíduo (familiares, amorosos, sociais,
laborais, etc.). No entanto, o enfoque que desponta com maior intensidade é
direcionado às relações que envolvem o ambiente de trabalho.
Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo investigar as
manifestações de assédio moral em uma empresa de telecomunicações, com
ênfase aos novos modelos de profissão ou função decorrentes da
informatização, dentre eles a profissão de Operador de telemarketing,
atividade crescente nas organizações.
Pretende-se também aprofundar a discussão sobre os impactos do
chamado trabalho mecanicista (repetitivo, rotineiro, baseado em normas e
regulamentos rigorosos) no ambiente organizacional, demonstrando seus
efeitos sobre a saúde dos trabalhadores, tanto do ponto de vista físico como
do psicológico.
CARACTERIZANDO O ASSÉDIO MORAL
Costuma-se afirmar que o fenômeno do assédio moral não é novidade, sendo
tão antigo quanto o próprio trabalho. Heloani (2004) recorda o período de
colonização do Brasil e as condições humilhantes às quais índios e negros
eram expostos, vítimas dos colonizadores que se aproveitavam de sua
posição socialmente superior para embutir-lhes sua visão de mundo, religião
e costumes.
Na Idade Média, as relações de trabalho entre os senhores feudais e
seus servos se traduziam em um regime de semiescravidão, mascarado pela
ideia da troca da força de trabalho (e de boa parte da produção agrícola) pelo
uso da terra e pela proteção política e militar. A subordinação ao senhor
feudal era quase que absoluta: ele influenciava o que, como e onde plantar,
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além de deter poderes morais, religiosos e espirituais sobre a comunidade
dos servos (FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 1998).
Alguns séculos depois, a Revolução Industrial transformou artesões
em operários, trazendo consequências marcantes à vida destes trabalhadores.
A máquina a vapor definia o ritmo de trabalho, as longas jornadas chegavam
a ultrapassar 15 horas diárias, crianças e mulheres passaram também a
integrar a classe operária das fábricas. As condições de trabalho eram
precárias, sem higiene e sem segurança, insalubres e perigosas, tornando
penosa a atividade laboral. (OLIVEIRA, 2004; GUÉ, RODRIGUES, 2006).
Anos mais tarde, no início do século XX, desenvolvem-se os princípios da
chamada Administração Científica e, com ela, novas formas de exploração
da força de trabalho. Tais princípios ensinaram a organização a aproveitar a
força de trabalho dos operários em sua totalidade, mecanizando as atividades
dos indivíduos e tornando ainda mais extenuantes suas jornadas de trabalho.
Estes e tantos outros eventos históricos retratam o início e o
desenvolvimento de um sistema de produção que tem priorizado os
interesses capitais em prejuízo do ser humano. Pode-se dizer que “a
eficiência do capitalismo, no estágio atual de seu desenvolvimento, é
consequência do aumento e da intensificação da exploração da força de
trabalho, em seu grau máximo.” (FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2008,
p. 50).
É claro que não queremos comparar a atual sociedade brasileira
àquela escravocrata, ou as atuais organizações às fábricas do período da
Revolução Industrial. Não se almeja também questionar a importância e as
contribuições da administração científica para as organizações, nem mesmo
os aspectos econômicos do atual sistema de produção. Este brevíssimo
resumo histórico propõe apenas ressaltar que situações humilhantes,
condutas desumanas e imorais, ou o assédio moral, estiveram presentes nas
relações de trabalho desde os seus primórdios, “sempre marcadas por uma
grande assimetria de poder” (HELOANI, 2003, p. 58).
Embora alguns direitos tenham sido conquistados e as condições de
trabalho estejam mais apropriadas nas organizações contemporâneas, a
mesma ganância pelo lucro que norteava as relações daqueles séculos parece
também guiar a organização do trabalho atual, alimentando relações quase
violentas no ambiente de trabalho.
Portanto, conforme o exposto, o assédio moral não é em si um
fenômeno novo. No entanto, foi reconhecido como prejudicial às relações de
trabalho somente na década de 1990. Os estudos pioneiros foram feitos em
1996 na Suécia, pelo pesquisador em Psicologia do Trabalho Heinz
Leymann. Ele realizou uma pesquisa envolvendo diversas categorias
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profissionais e identificou um comportamento violento, o qual denominou
“psicoterror”. Dois anos mais tarde, a psiquiatra, psicanalista e
psicoterapeuta familiar Marie-France Hirigoyen lançou o livro Lê
harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, popularizando
universalmente o tema (FREITAS, 2001).
No Brasil as discussões sobre o assunto ganharam força apenas no
ano de 2000, após a divulgação de uma ampla pesquisa realizada pela
médica do trabalho Dra. Margarida Barreto. No ano seguinte, a pesquisadora
Maria Ester de Freitas publicou o primeiro artigo acadêmico sobre o assunto
(HELOANI, 2004; FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2008).
Segundo Hirigoyen (apud Darcanchy, 2006, p. 02), o assédio moral
é toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...)
que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a
integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou
degradando o clima de trabalho. Já conforme Barreto (apud Paroski, 2006, p.
03), o assédio moral é definido como
[...] a exposição de trabalhadores e trabalhadoras a situações
humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a
jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns
em relações hierárquicas e autoritárias e assimétricas, em que
predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de
longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a um ou mais
subordinado (s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente
de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.
Com base nas definições propostas, nota-se que o assédio moral é
caracterizado pela intencionalidade e o prolongamento de condutas
negativas, sejam elas explícitas ou não, que humilham e constrangem a
vítima, atentando contra a sua dignidade, podendo causar-lhe danos à saúde
física e psíquica e, por vezes, forçando-a a desistir do emprego. São
predominantes as más inclinações dos chefes em relação aos seus
subordinados, muito embora não seja esta a única face que o fenômeno
apresenta.
As vítimas preferenciais do assédio costumam ser pessoas
aparentemente sem problemas profissionais, mas que temem desaprovação e
que têm tendências a se culparem. Em geral, buscam conquistar o amor e/ou
a admiração dos outros oferecendo ajuda e proporcionando prazer: enredamse em um jogo perverso porque, inconscientemente, acreditam poder “doar
vida” e ajudar o agressor a superar a infelicidade (DE PAULA, 2003, p. 9).
Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009 121 Assédio moral em organizações mecanicistas
O assédio moral revela-se em forma de tortura psicológica, uma
violência que fere a vítima e a organização, que deteriora as condições de
trabalho. O “escolhido” é isolado do grupo sem motivos, é ridicularizado,
inferiorizado e desacreditado diante dos colegas, e estes, muitas vezes por
medo do desemprego, evitam enfrentar a situação. No silêncio, o agressor
encontra sustento para as suas práticas perversas, e, assim, a vítima torna-se
frágil e, aos poucos, perde sua autoestima.
No início, conforme explica Heloani (2004), o fenômeno pode
mostrar-se inofensivo, haja vista a tendência de as pessoas relevarem os
ataques, entendendo-os como simples brincadeiras. Com o tempo a agressão
se alastra, ganha força, e torna a vítima um alvo de frequentes humilhações
que denigrem sua honra e destroem sua autoestima.
Não raro se observa que tais comportamentos, desumanos e aéticos,
são considerados inerentes aos objetivos organizacionais. Nesse sentido,
Heloani (2004) argumenta que o assédio moral se intensificou devido ao
mundo globalizado, às rápidas mudanças, automação e novas tecnologias,
fazendo com que o trabalhador se adapte de acordo com as mudanças. Ele
ainda cita que a hipercompetitividade, gerada pelo intenso processo de
globalização, estimula cada vez mais a instrumentalização do outro, fazendo
com que haja um atropelamento da ética e da dignidade humana.
De fato, como observa Paroski (2006), neste cenário de extrema
competição, que prima pela produtividade, pelo individualismo e pela
materialização acentuada das relações, a hierarquia de valores é invertida em
prejuízo das relações afetivas, da solidariedade, do companheirismo, da
tolerância e da compreensão, criando um ambiente extremamente favorável à
ocorrência da violência moral.
Cabe ainda comentar que o assédio moral é fruto de uma cultura que
pauta suas relações no competir e vencer, nutrindo indivíduos egoístas e
interesseiros, enquanto mantém fechadas as portas da ética e da dignidade
humana no universo organizacional (HELOANI, 2004; PAROSKI, 2006).
FORMAS DE AGRESSÃO MORAL E CONSEQUÊNCIAS SOBRE O TRABALHADOR
E A EMPRESA
A prática do assédio moral não é de fácil comprovação, uma vez que, na
maioria das vezes, ocorre de forma discreta e dissimulada, visando minar a
autoestima da vítima e a desestabilizá-la. De acordo com Burgardt (2006),
“Existem vários exemplos de assédio moral, como dar instruções
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confusas e imprecisas para que a pessoa cometa erros e possa ser
demitida por conta disso, bloquear o andamento do trabalho alheio,
ignorar a presença de um funcionário na frente de outros, não
responder e-mails ou telefonemas, pedir trabalhos urgentes sem
necessidade, fazer críticas em público e elogios apenas em particular,
não cumprimentar a pessoa ou não lhe dirigir a palavra, fazer circular
boatos maldosos e calúnias sobre a vítima para envergonhá-la e forçála a pedir demissão, insinuar que o funcionário tem problemas mentais,
pessoais ou até financeiros, transferir a pessoa de setor para isolá-la.
Ou seja, tentar destruir uma pessoa ou sua carreira”.
As consequências do assédio moral são geralmente graves, estando
ligadas diretamente a fatores relacionados à intensidade e duração da
agressão. De modo geral, as vítimas do assédio sofrem, como resultados
diretos, o aumento do nível de estresse e de ansiedade no trabalho,
sentimentos de impotência e humilhação, distúrbios no sono, enxaqueca,
depressão, redução da libido, tentativa de suicídio, entre outras
(HIRIGOYEN, 2001).
Analisando do ponto de vista da gestão empresarial, as consequências
do assédio moral também são extremamente negativas, já que causa a perda
de interesse pelo trabalho e do prazer de trabalhar, afeta o ambiente de
trabalho como um todo, muitas vezes atinge os demais trabalhadores, e
contribui para a redução da eficiência na produção e/ou prestação de serviços
de uma organização.
Embora seja correto afirmar que nenhum funcionário está totalmente
livre de sofrer os efeitos do assédio moral no trabalho, estudos revelam que o
mesmo se manifesta com maior frequência no setor terciário, no setor de
medicina social e de ensino. E comparando a esfera pública à privada, notase que na esfera privada a duração do assédio é geralmente menor, e quase
sempre termina com a saída da vítima da empresa. Já na esfera pública a
estabilidade do funcionário auxilia no aumento da duração deste tipo de
assédio (OUVIDORIA, 2005).
ORGANIZAÇÕES MECANICISTAS: AMBIENTE PROPÍCIO AO SURGIMENTO DO
ASSÉDIO MORAL
Ao buscar uma maior aproximação entre os estudos sobre assédio moral e as
pesquisas no campo da administração, percebe-se que há um tipo de
organização que, pela sua própria natureza, pode se tornar um ambiente
ainda mais propício à prática do assédio moral; é o caso das chamadas
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organizações mecanicistas.
Morgan (2002) afirma que as organizações planejadas e operadas
como máquinas geralmente são chamadas de burocráticas. Para o autor, ao se
falar de organizações como se as mesmas fossem máquinas, tendemos a
esperar que funcionem como tal: de maneira rotineira, eficiente e previsível.
Nesse sentido, pode-se definir por mecanicista as organizações que
funcionam de modo similar a uma máquina, privilegiando a rotina, a
previsibilidade das ações e o controle de praticamente todos os recursos
envolvidos no ambiente organizacional, inclusive os recursos humanos.
Entre as principais características de organizações mecanicistas (ou
burocráticas) destacam-se a busca pela precisão, velocidade, confiabilidade e
eficiência no trabalho, alcançados por meio da criação de uma divisão fixa
de tarefas, supervisão hieráquica e regras e regulamentações detalhadas
(MORGAN, 1996).
Morgan (2002) afirma que nunca é demais enfatizar que Max Weber,
o principal estudioso das burocracias, previa que a abordagem burocrática
tinha o potencial de rotinizar e mecanizar todos os aspectos da vida humana,
corroendo o espírito humano e a capacidade de ação espontânea.
Tal perspectiva é agravada quando percebe-se que o trabalho é, antes
de tudo, essencial para o ser humano, uma vez que representa a busca da
realização profissional e a aceitação em um grupo, bem como seu
reconhecimento como integrante desse grupo.
De acordo com Sina (2007), estudos realizados em ambientes
corporativos demonstram que a busca pela realização no trabalho geralmente
é mais importante para as pessoas do que, por exemplo, a satisfação por meio
dos rendimentos obtidos com o trabalho. Os indivíduos querem crescer,
enfrentar e vencer desafios, contribuir para o sucesso da sua organização.
Na verdade, o que se observa é que aquela história do empregado ser
pago para apenas obedecer e cumprir ordens já não fornece os mesmos
resultados de tempos atrás, podendo causar mais prejuízos do que benefícios
para as organizações. Caso um empregado não possa fazer uso da sua
criatividade para realizar-se pessoalmente, e com isso favorecer a empresa,
certamente ele usará essa mesma criatividade para livrar-se daquilo que
julgar desagradável.
Exemplos de modelos mecanicistas de organização são ambientes
propícios também para o surgimento de lideranças autocráticas, baseadas em
um estilo agressivo pelo qual se apregoa a total submissão do corpo de
funcionários. Para Quadros e Trevisan (2002) ainda existem, em pleno
século XXI, gerentes exercendo plenamente a tirania. Na visão dos autores, a
pressão para as empresas se tornarem competitivas tem levado muitas
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chefias a adotarem estratégias pouco éticas junto ao seu corpo funcional,
justificando-as como necessárias para o alcance das metas organizacionais.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método de pesquisa adotado foi o estudo de caso, por ser um tipo de
pesquisa qualitativa cuja finalidade é a análise profunda de uma determinada
unidade, sendo sua importância conformada justamente pelo aspecto singular
e único em que se apresentam as situações a serem estudadas.
Como forma de coleta de informações, foram feitas entrevistas
semiestruturadas que, segundo Trivinõs (1987), além de valorizar a presença
do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o
informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo
assim a investigação. As entrevistas foram feitas com funcionários de uma
empresa terceirizada prestadora serviços de telemarketing para uma empresa
de telefonia celular em Londrina.
Foi considerado que em pesquisas de cunho qualitativo não há
preocupação quanto à quantificação da amostragem, e sim à qualidade e
representatividade do grupo de sujeitos participantes do estudo. Assim,
buscou-se, dentro do universo de teleatendentes da organização em estudo,
indivíduos dispostos e disponíveis a contribuir para os propósitos do
trabalho.
Como o assunto em questão não é de fácil aceitação por parte dos
órgãos gestores de muitas organizações, precisamos obter o apoio do
sindicado dos profissionais de telecomunicação, que nos ajudaram no
contato inicial com os possíveis participantes das entrevistas, além de ceder
seu espaço para as mesmas.
As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2006, com
seis funcionários da empresa alvo da pesquisa, sendo cinco mulheres e um
homem, que se prontificaram a responder às questões elaboradas pelos
pesquisadores. Todos os entrevistados tinham mais de um ano de tempo de
serviço como operadores de telemarketing e tinham entre 21 e 32 anos.
Importante dizer que em nenhum momento das entrevistas
mencionou-se a expressão “assédio moral no trabalho”, para evitar um
possível enviesamento das opiniões ao criar uma predisposição aos
depoimentos dos funcionários.
As informações obtidas com o grupo de entrevistados foram
analisadas com base na técnica de análise de conteúdo que, segundo Triviños
(1987, p. 17), é utilizada para o estudo "das motivações, atitudes, valores,
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crenças, tendências". Ainda segundo o mesmo autor, o método de análise de
conteúdo é interessante
[...] para o desvendar das ideologias que podem existir nos dispositivos
legais, princípios, diretrizes, etc, que à simples vista, não se
apresentam com a devida clareza. [...] pode servir de auxiliar para
instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como
o é, por exemplo, o método dialético. Neste caso, a análise de
conteúdo forma parte de uma visão mais ampla e funde-se nas
características do enfoque dialético (TRIVIÑOS, 1987, p.162).
Cabe ressaltar que o pesquisador já tinha uma idéia preliminar do que
se esperava obter nas entrevistas, tendo como parâmetro os objetivos da
pesquisa. Com base nesses objetivos, foram elaboradas questões norteadoras
que contribuíram posteriormente para a criação das categorias temáticas
orientadoras para o desenvolvimento deste artigo.
Ainda em relação à escolha das categorias temáticas utilizadas neste
estudo, como o foco foi a busca por indicadores que caracterizassem a
prática do assédio moral no ambiente de trabalho, as três primeiras
categorias de análise acabaram por abordar alguns desses indicadores:
condições de trabalho na organização, relacionamento com superiores
hierárquicos e a imagem da organização na visão dos colaboradores
pesquisados. Já a quarta e última categoria criada procurou apresentar, de
forma mais explícita, situações que se encaixavam como práticas de assédio
moral, tendo por referência as obras citadas no corpo do trabalho.
As categorias de análise criadas foram as seguintes: condições de
trabalho; relações com os superiores; imagem da organização na opinião dos
atendentes; explicitação do assédio moral no trabalho.
RESULTADOS E ANÁLISES
Os resultados e análises são aqui apresentados considerando as categorias
criadas para este fim, como apontado na seção anterior.
CATEGORIA 1 – CONDIÇÕES DE TRABALHO
Para ilustrar como trabalha um profissional de teleatendimento, cabe
ressaltar que as empresas atuantes nesse setor são fiscalizadas pela Agência
Nacional de Telecomunicações (ANATEL), esta criada para monitorar,
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estabelecer metas e padrões de qualidade para o setor. As empresas precisam
adotar um tempo de controle, que é denominado TMA (tempo médio de
atendimento), para prestar contas a ANATEL em caso de reclamações.
Os tempos são rigidamente controlados, utilizando o próprio aparato
técnico como meio para obter os valores necessários ao controle dos critérios
estabelecidos. Os dados armazenados pelo sistema abastecem as fichas de
controle e, além desse mecanismo de avaliação, baseado no desempenho
obtido em tempo real, o monitor do terminal de vídeo do atendente exibe
sinais luminosos como uma forma de anunciar quando o tempo de um
atendimento está se esgotando.
O indicador TMA serve para construir outro mecanismo de controle
praticado pelas empresas, que atribui uma pontuação de acordo com o tempo
dispensado ao cliente. Cada empresa adota um TMA que pode variar de 10
segundos a 5 minutos. Dependendo do assunto, muitas vezes o atendente não
tem como dispensar o cliente, e passa do tempo médio estabelecido, tendo
que compensá-lo na próxima ligação, sendo isso uma tentativa de resolver a
solicitação do cliente o mais brevemente possível. Tal situação acaba por
gerar um grande desgaste físico, mental e emocional, principalmente pelas
cobranças por parte da supervisão/gerência que exigir maior produção, ou
seja, mais telefonemas atendidos em menos tempo.
Independentemente das palavras educadas ou agressivas do cliente, o
teleoperador deve seguir um texto padrão nos atendimentos, o script , e
manter uma entonação de voz, determinados pela empresa. O objetivo é
impedir manifestações emocionais pelo operador e tornar a linguagem um
simples instrumento de trabalho, moldando o indivíduo para ser gentil sem
permitir o prolongamento do diálogo.
Como se pode observar, a função de teleatendente pode ser grande
geradora de estresse, o que torna evidente a necessidade de boas condições
de trabalho para um desempenho mais adequado sem que isso represente
danos à saúde física e mental dos funcionários. No entanto, os depoimentos
dos entrevistados não traduzem as boas condições necessárias, ao contrário,
todos ressaltam que o mobiliário não é adequado às suas funções por
apresentarem defeitos ou más condições de uso. Alegam, também, que o ar
condicionado geralmente é muito frio, prejudicando sua principal ferramenta
de trabalho – a voz, e que não adianta reclamar porque a supervisão alega
que não pode mexer na temperatura para não comprometer a funcionalidade
dos computadores, pois estes não podem superaquecer.
Para melhor compreensão, citamos alguns dos depoimentos dos
entrevistados:
Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009 127 Assédio moral em organizações mecanicistas
[...] O ar condicionado é muito frio... mesmo no inverno o ar é gelado,
onde todo mundo fica com gripe, inflamação de garganta. O carpete é
nojento, quando eles lavam fica dias um cheiro de mofo insuportável.
As mesas e cadeiras são sucatas, raramente se consegue uma cadeira
em bom estado, tem que se chegar bem cedo para achar uma que a
alavanca funcione, não tem lugar para apoiar o pé, os head-sets estão
com as espuminhas de proteção faltando e quando tem vistoria no
prédio, a supervisão pede para esconder no banheiro os que estão
estragados, ou seja, quase todos... (E. 3)
[...] estou com sinusite, rinite alérgica, porque o ar condicionado é
muito frio e acho que nunca limpam porque tem um cheiro muito ruim,
nunca se consegue uma cadeira decente, quase todas têm problema
para erguer ou abaixar, as PAs estão com as mesas na mesma posição
para todo mundo porque não funciona para deixar para nossa altura, no
fim do dia fico com dor nos braços e costas. (E. 5)
Como era de se esperar, os problemas com o mobiliário afetam a
saúde física dos trabalhadores, as queixas relativas à dores no corpo foram
uma constante entre os entrevistados, e a climatização dos ambientes
favorecem os computadores, que podem ser danificados pela alta
temperatura, e não os funcionários.
Trabalhar em função do relógio parece ser a norma. Além disso, o
tempo limitado para descanso se torna ainda pior para alguns funcionários,
principalmente mulheres. O depoimento a seguir retrata bem essa situação:
[...] O tempo é meu pior inimigo, funciono em função do relógio.
Pouco tempo para atender o cliente, pouco tempo de pausa, pouco
tempo disponível, pouco tempo para comer, pouco tempo para ir ao
banheiro. Sou mulher, tem dias no mês que tenho mais necessidades de
ir ao banheiro, é ridículo ficarem contando quantas vezes vamos ao
banheiro. Desde que eu entrei na empresa (1 ano) emagreci 8 quilos,
vivem me perguntado se estou com alguma doença... (E. 2)
Ao analisar os depoimentos coletados torna-se evidente o caráter
mecanicista da função de teleatendimento, marcada pela repetitividade dos
processos, pelo ritmo intenso e controle excessivo. O tópico seguinte trata
exatamente do controle excessivo, ao enfatizar as relações entre funcionários
e superiores.
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CATEGORIA 2 – RELAÇÃO COM SUPERIORES
Neste item será abordado o relacionamento pessoal e profissional entre os
teleatendentes e a gerência. O que se percebeu nesta análise é que a cobrança
por resultados, o rigor para que sejam acatados o controle e as normas de
todas as fases do trabalho são aspectos recorrentes nessa relação.
Os trabalhadores são submetidos a uma série de mecanismos de
controle, tais como: registro manual (digitado) de cada atendimento,
registros eletrônicos e em tempo real da duração dos atendimentos pelos
supervisores que analisam, entre outros detalhes, as gravações dos
atendimentos cujo conteúdo, tom de voz e agilidade no atendimento são
considerados pelo supervisor.
Além do controle eletrônico existe o controle da supervisão sobre os
horários de chegada, saída, duração real das pausas (sejam elas para
refeições, banheiro, beber água). Também são emitidas avaliações periódicas
sobre a qualidade do atendimento, de acordo com os parâmetros da empresa:
autodesenvolvimento, aspectos disciplinares e produtividade.
No caso em questão, fica evidente que todo esse controle interfere
negativamente no ambiente de trabalho dentro da organização. Um dos
entrevistados afirmou que:
[...] o clima é bem tenso... porque o tempo todo estamos sendo
vigiados por camêras e tem as ROVs (um tipo de relatório semanal que
registra o comportamento dos representantes nas PAs) , se tiver mais
de três ROVs ganha advertência por escrito e com quatro ROVs é
suspenso por mal comportamento, só que eles falam que não pode nem
conversar com o colega do lado que pode ser passível de ROV, se
atrasa um minuto do lanche, ganha advertência, se deixa muito tempo
em indisponível a supervisora interfona para chamar a atenção mesmo
sem saber o motivo. Se levanta para ir ao banheiro muitas vezes é
questionado se está com algum problema. É complicado. (E.1)
Nos horários de pico, os problemas de relacionamento parecem
sobressair, principalmente porque aumentam a pressão e o controle sobre os
teleatendentes, que precisam atender a um número elevado de clientes ao
mesmo tempo em que devem ficar atentos ao limite de tempo para o
atendimento; em caso contrário, são repreendidos pelos seus supervisores.
Um dos entrevistados fez a seguinte colocação:
[...] como faço horários com escala de turnos, posso ver que durante o
dia é bem pior, o ambiente é muito carregado, sempre tem alguém
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com problemas de saúde, os supervisores são carrascos, não se pode ir
ao banheiro na hora que tem vontade, os feedbacks são confusos e a
cobrança por metas é muito maior. (E.3)
Um trabalho essencialmente mecanizado, com atividades repetitivas,
ritmo intenso e controles rígidos por parte dos supervisores dificilmente
criaria uma percepção positiva por parte dos trabalhadores. E isso se
comprova ao analisar o próximo tópico: a imagem da organização perante
seus funcionários.
CATEGORIA 3 – A
IMAGEM
DA
ORGANIZAÇÃO
SEGUNDO
SEUS
FUNCIONÁRIOS
A imagem mais clara que se pode obter após a análise das entrevistas
realizadas é a de que, para os funcionários, a organização age como uma
máquina, e eles, os trabalhadores, são peças da engrenagem, ou números de
uma estatistica. Na percepção dos entrevistados, a empresa não demonstra
nenhuma preocupação com a vida do trabalhador, ele é visto apenas como
uma ferramenta para solucionar os problemas, como mostra o depoimento a
seguir:
[...] você é visto como um número, nunca recebo um elogio nas
avaliações mesmo que o cliente agradeça muito a atenção, quando
estou com algum problema, o supervisor fala: problemas você tem que
deixar do lado de fora da empresa... como vou deixar de pensar no
problema? Não sou um robô que pode ser programado para esquecer
as coisas... (E.6)
Além da pressão pelo cumprimento das metas, pode-se constatar que
o atendente muitas vezes fica esgotado porque é impedido de manifestar
emoções, tendo que usar sua voz como um mero instrumento de trabalho:
[...] o que me deixa triste é não poder falar com o cliente com mais
humanidade, tem que seguir aqueles frases feitas que deixam o cliente
nervoso e desconta na gente, eles falam ...“fale como gente e não como
robô”, então isso me deixa frustada porque não posso manifestar
nenhum sentimento na conversa. Outra coisa: a supervisão não precisa
tratar a gente como se fossemos máquina, às vezes, nos feedbacks,
quando uso alguma frase diferente do que é padrão, já baixa minha
avaliação. (E. 2)
Trabalhando em um ambiente como o descrito, algumas pessoas
tentam simplesmente se adaptar, buscam seguir as regras sem questionar, até
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Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009
Rubens de França Teixeira, Eloisa Batistuti
porque reconhecem que dificilmente algo vai mudar nessa situação. Isso é
explicitado na fala a seguir:
[...] tento seguir à risca as regras, as informações ficam disponíveis na
intranet e se você questiona alguma coisa, eles dizem para fazer o que
está escrito sem discutir, senão leva advertência. Então não questiono,
sigo as regras, e o pior é aguentar os clientes questionando e eu não
saber o que dizer. (E.6)
Ainda de acordo com os entrevistados, a empresa não oferece
praticamente nenhum suporte para prevenção de acidentes e doenças
ocupacionais. Para alguns, os poucos procedimentos existentes são de
“fachada”. Algumas explanações são carregadas de rancor, para um
desavisado parece que se trata de uma organização do tempo da Revolução
Industrial. Para efeito de ilustração, citamos alguns depoimentos:
[...] Treinamento é só para melhorar o atendimento, aumentar a
produção, só para desenvolver melhor o trabalho, de vez em quando
aparece alguém para fazer a tal ginastica laboral, muitas vezes é um
funcionário da própria empresa que vai 10 minutos nos andares e pede
para fazer alguns exercícios, porém com o headset nos ouvidos e se
entra uma ligação tem que fazer a ginástica atendendo, só alguns
“gatos pingados” que vejo fazendo, não existe nenhuma prevenção
para evitar doenças, só agora tem uma tal de massoterapia de 10
minutos e um dia cheguei 10 minutos atrasada, porque é com hora
marcada, e só pude remarcar para um mês depois, é um absurdo. Não
tem psicólogo, só psiquiatra, e quando alguém vai lá porque está com
problemas emocionais ele manda procurar um psicólogo por conta
própria, você sabe quanto é uma consulta com psicólogo? Passa de
100,00, ganho 400,00 e daí? Você acha que alguém vai? (E. 1)
[...] Não existe nenhum suporte para nós, só para as máquinas, os
computadores têm help desk (técnico disponível para resolver os
problemas dos computadores), os computadores têm melhor
tratamento que nós, o ar condicionado não é para nós e sim para as
máquinas porque se esquentam muito travam, a empresa oferece
programas de prevenção de fachada, só quando aparece alguém da
saúde que eles dão um jeito de esconder as coisas erradas e antes da
chegada passamos por uma reunião onde somos orientados a falar só o
que foi permitido na reunião senão... nem mesmo um apoio dos
supervisores quando estamos com algum problema. (E. 2)
Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009 131 Assédio moral em organizações mecanicistas
Um ambiente com tais características é terreno fértil para a
ocorrência de eventos que se enquadrem como assédio moral no trabalho.
Como forma de explicitar mais tal posicionamento, a última categoria de
análise procura descrever situações vivenciadas pelos entrevistados, e que
possam ser caracterizadas como exemplos de assédio moral no cotidiano da
organização em estudo.
CATEGORIA 4 – EXPLICITAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO
Tendo como base os conceitos referendados pelos estudiosos do fenômeno
do assédio moral, procurou-se levantar, no conjunto de todas as entrevistas
realizadas durante esta pesquisa, afirmações que indicassem a presença desse
fenômeno no âmbito da organização em estudo.
Deve-se ressaltar que, embora se faça uso de outros diálogos obtidos
nas entrevistas, muito do que já foi discutido nos tópicos anteriores poderia
perfeitamente se encaixar na categoria agora estudada.
Entre as várias queixas feitas pelos teleatendentes, sobressaíram-se
aquelas em que foram expostos os problemas de saúde que, segundo os
entrevistados, foram agravados após suas entradas na empresa. Aqueles com
mais tempo de trabalho na empresa queixam-se de que a “saúde não é mais
como antigamente”, sentem que quando adoecem são mais discriminados
que os demais porque os supervisores alegam que já não podem mais
produzir como antes – eles citam produzir referindo-se à quantidade de
ligações atendidas durante as seis horas de trabalho. Piadas e ameaças
veladas também fazem parte do repertório dos supervisores. Os trechos a
seguir são ilustrativos:
[...] quando eu entrei na empresa era uma maravilha, todos eram
amigos, depois de uns oito meses que fiquei doente com LER, sou
discriminada, me dão sempre as piores PAs para atender e os
supervisores me chamam de maçã podre, porque estou sempre com
algum problema de saúde e acham que outros atendentes podem se
contaminar com minhas queixas... (E.4)
[...] quando tem reuniões, eles falam que quem não está satisfeito com
as regras da empresa pode pedir a conta porque lá fora tem uma fila de
desempregado querendo nossa vaga, se tem muito atestado médico,
vivem falando que a empresa não precisa de funcionário doente, que é
melhor pedir a conta e se tratar... (E. 1)
Um dos assuntos mais recorrentes ao longo do processo das
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Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009
Rubens de França Teixeira, Eloisa Batistuti
entrevistas foi o tempo para sanar as necessidades básicas dos atendentes.
Segundo eles, o tempo de 15 minutos de intervalo, oferecido pela empresa, é
insuficiente para refeições e idas ao banheiro, o que acarreta várias situações
consideradas vexatórias pelos entrevistados. Os relatos são muito
semelhantes nesse teor, e também muito contundentes:
[...] o tempo de trabalho é de seis horas com intervalo de 15 minutos
para lanche... nestes 15 minutos tenho que pegar elevador para ir até o
ático que fica depois do último andar do prédio (10 andares), ou descer
para comer alguma coisa fora do prédio... raramente dá tempo para
escovar os dentes. As vezes que preciso ir ao banheiro nunca dá, ou
tem uma fila grande de chamadas e pedem para esperar um pouco, ou
porque tem muitos atendentes indisponível, perguntam ...de novo ir ao
banheiro, está com algum problema? É muito constrangedor.
Descanso? Nem pensar. Se pego alguma ligação mais desgastante por
causa do cliente irritado com alguma coisa de seu telefone ele desconta
na gente, e não dá tempo de nem respirar direito e já tem outra ligação
para atender, que às vezes é pior ainda, no fim do expediente a
sensação é terrível. Só não peço a conta porque preciso trabalhar e me
sustentar. (E. 1)
[...] me sinto um presidiário quando entro naquele prédio, todos os
passos são controlados por câmeras e cronometrados pelos
computadores dos supervisores que estão em rede com os nossos onde
conseguem avaliar todos os tempos, até idas ao banheiro é controlada,
claro que sempre alegam alguma coisa para restringir as idas ao
banheiro, 15 minutos não dá tempo para fazer uma refeição decente,
tem que ser lanche mesmo e às vezes por causa da demora do elevador,
como pela metade, porque ainda tem que esperar a droga do elevador,
passar o cartão para liberar a porta, sentar, logar, impossível um ser
humano trabalhar deste jeito sem ficar doente. Eles falam que 15
minutos dá para descansar, então tenho a opção, descansar ou comer,
ou ir ao banheiro... (E. 5)
Outros exemplos de humilhações no ambiente de trabalho envolvem
a complicada relação entre funcionários e supervisores. Os trechos abaixo
são elucidativos a este respeito:
[...] fui monitorada em uma ligação em que eu resolvi uma situação de
uma maneira diferente e que as pessoas não sabiam, nem a supervisão,
na hora de dar o feedback a supervisora me deu nota zero em tudo,
tudo porque ela não conhecia aquele procedimento, e mostrou aquela
ligação para todo mundo, pros outros supervisores, este foi o
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comentário do andar inteiro, tirando sarro, uma semana depois,
apareceu no sistema, na intranet, confirmando que aquele
procedimento estava correto e a partir daquele momento todos
adotariam aquele procedimento, e ela nem me pediu desculpas... (E. 1)
Olha, humilhação pior é ter que ouvir que não é aconselhável tomar
muita água senão fica com vontade de ir ao banheiro... Teve um dia
que eu estava no banheiro e a supervisora gritou meu nome da porta do
banheiro e perguntou se eu iria demorar porque já fazia 3 minutos que
eu estava indisponível, fiquei tão envergonhada que agora só vou no
banheiro antes de entrar e depois que deslogo para ir embora. (E. 2)
Segundo os entrevistados a disciplina é rigida: eles não podem
conversar com colegas, não podem sair para relaxar, não podem ir ao
banheiro na hora em que querem. O relacionamento com os supervisores é
muitas vezes frio, ou pior, baseado em ameaças, agressões verbais e gritos:
[...] Teve um que disse que se fosse eu teria vergonha daquela
avaliação, que iria fazer outra para passar para o gerente, eu disse que
não que poderia passar daquele jeito mesmo e ele disse que não daria o
gostinho para o gerente saber que ele tem na equipe dele alguém tão
incompetente...fui embora chorando. (E.3)
[...] Tem um supervisor lá, que só sabe gritar, quando ele me interfona
e me chama lá, me gela, porque sei que vai gritar, me chamar de
incompetente...sempre a tal da advertência que todos temem. (E.5)
Para finalizar este tópico, decidiu-se transcrever o relato feito por
uma das entrevistadas no qual percebe-se indícios da existência de outra
categoria de assédio: o assédio sexual: “olha, nestes nove meses que trabalho
lá, já vi muita coisa errada, a pior é um certo supervisor que canta as meninas
e quem não aceita sair, ele começa perseguir, baixar a nota das avaliação, é
complicado”. (E.5)
Não causa espanto a possibilidade efetiva de ocorrência de assédio
sexual na empresa em questão, haja visto que, para muitos pesquisadores,
assediar sexualmente faz parte do assédio moral, com todos os efeitos
danosos advindos desse mal. Vale a pena ressaltar que a entrevistada quase
não conseguiu terminar a frase devido a uma crise de choro que a acometeu.
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Rubens de França Teixeira, Eloisa Batistuti
CONCLUSÕES
Nas relações de trabalho, podemos ser feridos emocionalmente de diversas
maneiras: por rejeição, humilhação, negação, ataques verbais ou físicos,
entre outras. Todo esse conjunto de fatores atualmente pode ser enquadrado
como a manifestação do assédio moral no ambiente de trabalho. Vemos hoje
nas empresas chefes autocratas que criam um ambiente de medo, tensões
resultantes de conflitos e pressões, angústia, ansiedade e insegurança frente
às incertezas, frustrações decorrentes de vivências negativas sucessivas, mau
humor e ironia frente às incoerências, baixa autoestima, etc.
Em nosso entendimento, empresas com características mecanicistas
estão mais propensas a enfrentar os problemas apresentados, principalmente
quando se esquecem de visualizar seu corpo de funcionários como pessoas
que são, tratando-o muitas vezes como máquinas, sem levar em conta seus
sentimentos, desejos e também suas limitações físicas e psicológicas.
A presente pesquisa obteve fortes indícios da presença de práticas de
assédio moral na organização em estudo, o que ficou bem retratado ao longo
de todo o período de realização das entrevistas.
Os efeitos de tais práticas tiveram reflexo nesses indivíduos por meio
de profundos transtornos nas relações e condições de trabalho. A pressão
psicológica exercida no ambiente de teleatendimento gerou consequências
sobre a mente e o corpo de quem lá trabalha. A rotina vivida pelo atendente
por si só já é bastante opressora, pois se trata de contatos nos quais o cliente
telefona para o serviço quase sempre para reclamar, e quase nunca para
elogiar ou agradecer os serviços prestados pela empresa; ele fala com o
atendente como se este fosse o representante legal da empresa, tendo
obrigação de solucionar o problema no ato da ligação, não importando se
existem normas de conduta e regras, procedimentos a serem seguidos. Esse
cliente, então, descarrega toda sua frustração sobre quem o atendeu.
Cabe lembrar que o atendente é um ser humano, com limitações e
emoções e, mesmo assim, precisa manter a diplomacia e adotar uma postura
para não se deixar abalar. Desse modo, ao final de um expediente de seis
horas com reclamações quase que ininterruptamente em seus atendimentos
telefônicos, esse atendente fica praticamente exaurido de suas emoções.
Somando-se a isso, ainda precisam conviver com supervisores
“tiranos” que chamam a atenção por segundos de atraso, por pausas para
descansos curtos, por limitações às idas ao banheiro, sendo sempre vigiados
por câmeras pelas quais são fiscalizados todos os seus movimentos.
Tal conjunto de situações está levando os operadores de
teleatendimento a apresentarem sintomas de depressão e estresse com maior
Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009 135 Assédio moral em organizações mecanicistas
frequência. Forte cobrança dos supervisores para o alcance de metas, atitudes
grosseiras do público, repetições do mesmo “texto” à exaustão para atender
ou vender produtos e serviços, e, por vezes, brincadeiras desagradáveis da
chefia compôem a rotina desses profissionais, segundo dados da ABT
(Associação Brasileira de Telemarketing), divulgados pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações do Estado do Paraná –
SINTTEL-PR (VIVA VOZ; 2006).
Grande parte dos trabalhadores do segmento, a exemplo do relatado
neste trabalho, manifesta sintomas de estresse, como ansiedade, depressão,
angústia, isolamento social e dores musculares, de cabeça e de estômago.
Essas dores estão relacionadas a uma série de fatores, como a falta de
mobiliário adequado, a pressão a que os operadores são submetidos, a
cobrança por produtividade, e a rigorosa padronização na comunicação e no
comportamento. A rigidez dessas organizações também pode gerar
perturbações na relação do trabalhador com a sua tarefa, bloquear a plenitude
de suas capacidades e "automatizar" o pensamento.
Como se pode observar, muitos são os problemas enfrentados por
organizações que insistem em não tratar com o devido cuidado seus recursos
mais valiosos: as pessoas. E isso não é mais um discurso “politicamente
correto”, afinal, em uma economia altamente globalizada e competitiva, as
organizações dependem cada vez mais da força e do comprometimento de
pessoas na busca pelo crescimento e sucesso de suas atividades.
Por outro lado, para aqueles que insistem em não perceber os
benefícios da qualidade de vida dos trabalhadores, convém lembrar que o
assédio moral causa a perda de interesse pelo trabalho e do prazer de
trabalhar, desestabilizando emocionalmente os indivíduos que o sofrem. Ele
provoca não apenas o agravamento de mazelas já existentes como depressões
e LER, como também o surgimento de novas doenças, levando à rotatividade
de trabalhadores e ao aumento de ações judiciais trabalhistas e indenizações
em razão do assédio sofrido.
Em outras palavras, a prática do assédio moral afeta negativamente
não apenas as vítimas do assédio, como também todo o ambiente
organizacional, gerando um clima de insatisfação generalizado que
invariavelmente se reverte em perda de produtividade por parte da
organização palco do fenômeno.
Ao final deste trabalho espera-se que o mesmo possa contribuir para
aprofundar um pouco mais os estudos sobre os impactos do assédio moral
nas organizações. Seus resultados também apontam para a necessidade de se
rever os paradigmas que norteiam a estrutura de trabalho de teleatendentes,
visando reverter os processos de sofrimento e adoecimento no trabalho.
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Revista ANGRAD, v. 10, n. 2, Abril/Maio/Junho 2009
Rubens de França Teixeira, Eloisa Batistuti
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DADOS DOS AUTORES
RUBENS DE FRANÇA TEIXEIRA
([email protected])
Mestre em Administração pela UFSC. Professor do Curso de Administração
da UNOPAR. Coordenador do Curso de Especialização em Gestão
Estratégica de Pessoas da UNOPAR.
ELOISA BATISTUTI
([email protected])
Graduanda em Administração e Bolsista do Programa de Iniciação Científica
da UNOPAR.
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