Ellen Gracie
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Ellen Gracie
Ano I # 12 MP e parlamento Uma relação a ser rediscutida Instituição no divã Repensando o MP Ellen Gracie A força da mulher Palavra do Presidente Amor, Prosperidade e Muita Paz! Contraponto | Ellen Gracie 04 Maxima Venia | Improbidade Administrativa na atualidade O período de festas de final de ano é sempre reservado para confraternizações e reflexões. Encontramo-nos com vários colegas nesse período, seja nos eventos da APMP, seja no convívio social, o que sempre estimula e revigora nossa capacidade de luta. Um bom exemplo dessa saudável união foi o Seminário Jurídico, que neste ano foi realizado na paradisíaca Ilha de Comandatuba. Mais de 600 pessoas – entre associados e familiares – desfrutaram de dias agradáveis que mesclaram lazer e trabalho. Gostaria de, em nome de todos os promotores e procuradores de justiça de São Paulo, agradecer a presença de várias autoridades que aceitaram nosso convite e debateram temas de alta relevância para o Ministério Público e para a sociedade. Há muitos desafios pela frente? Inegavelmente. Precisaremos de união e luta? Sem nenhuma dúvida. Como, porém, podemos temer o futuro se contamos com o apoio da maior entidade congênere da América Latina? Como nos sentirmos ameaçados se dispomos em nossas fileiras de homens e mulheres que conseguiram criar este Ministério Público pujante, independente e forte estampado na Constituição Federal? Conscientes da força do MP e do destemor de nossos associados, que jamais se vergaram diante das vicissitudes, procuraremos, de todas as formas, auxiliar a Instituição, para que ela se torne cada vez mais apta a resgatar os direitos do cidadão e, assim, efetivamente “promover a Justiça!”. Esta edição da APMP em Reflexão traz entrevista exclusiva com a ministra Ellen Gracie, primeira mulher no STF e futura presidente da mais alta Corte, dois artigos jurídicos dos jovens promotores Wallace Paiva Martins Júnior e Marcelo Pedroso Goulart, além de diversas matérias interessantíssimas. Boa leitura. Feliz Natal e Próspero Ano Novo! João Antonio Garreta Prats Presidente MP em foco | Ministério Público: Estratégia, princípios institucionais e novas formas de organização MP em foco | XVI Congresso Nacional do MP 32 Seminário Jurídico 2005 | Comandatuba 35 MP de São Paulo marca presença em Belo Horizonte recepciona membros do MP, familiares e autoridades Paris é 40 uma festa APMP Destinos Destinos| Cultura e Lazer | John Lennon 44 Gastronomia | 48 25 anos sem o mito Revista APMP EM REFLEXÃO Veículo mensal de comunicação da Associação Paulista do Ministério Público. Ano I, Número 12 (2005). Tiragem: 4.000 exemplares. Conselho Editorial João Antonio Garreta Prats Cláudia Jeck Garcia de Souza Paulo Roberto Dias Júnior Sérgio de Araújo Prado Júnior Coordenação Geral Luciano Ayres Jornalista Responsável Adriana Brunelli – MTB 33.183 Redação Ayres.PP – Comunicação e MKT Estratégico (19) 3242-1180 Assessoria de Imprensa ReDe Comunicação (11) 3061-3353 Fotos Vision Press (19) 3241-7498 Leandro Irmão 14 26 São Paulo Babel Gastronômica Contraponto Como os formadores de opinião enxergam o MP Chegar ao Supremo Tribunal Federal é talvez a maior realização para um operador do Direito. Alcançar essa meta lutando contra preconceitos e inúmeras outras adversidades traz ainda mais emoção à conquista. É com imenso prazer que a Revista APMP em Reflexão apresenta, em entrevista exclusiva, Ellen Gracie Northfleet, a primeira mulher no STF, que no próximo ano comandará a mais alta Corte do Brasil. Ellen Gracie Northfleet Um pouco de Ellen Gracie Nascida no Rio de Janeiro, ela é gaúcha de coração. Formou-se em Direito e Antropologia pela UFRGS. Ainda no campo acadêmico, foi bolsista da Fundação Fulbright do Governo dos EUA (Hubert Humphrey Fellowship Program). Não é demais lembrar que Ellen Gracie viveu numa época em que sequer eram analisadas as inscrições de mulheres para concurso da Magistratura no Rio Grande do Sul. Forjou os ideais de democracia em meio a um regime totalitário. Foi Procuradora da República de 1973 a 1989, passou pelo TRF da 4ª Região, exercendo sua Presidência no biênio 96/97. Tomou posse como Ministra do Supremo Tribunal Federal em 14 de dezembro de 2000, tornando-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua criação. Atualmente é Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e assumirá a Presidência da Corte em 2006. 4 www.apmp.com.br www.apmp.com.br 5 Contraponto APMP em Reflexão: O que mudou na Magistratura e no Direito com a chegada das mulheres? Ellen Gracie Northfleet: Essa é uma trajetória longa. Recordo que, na época em que me formei em Direito, as mulheres sequer eram admitidas a prestar concurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. As fichas de inscrição eram rejeitadas sem qualquer motivação, desde que fossem preenchidas por mulheres. Em outras palavras, as mulheres não podiam sequer concorrer. APMP: E chegamos à primeira mulher no Supremo Tribunal Federal... EGN: É verdade. Felizmente, aquela época passou. Hoje temos 30% de mulheres nas primeiras instâncias das justiças estaduais e federal. São 26% de mulheres na segunda instância. E um número menor, mas significativo, no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho e aqui no Supremo Tribunal Federal. APMP: Quando se alcançará o equilíbrio em todas as Cortes e quais serão os reflexos? EGN: Eu creio que o aumento é decorrência natural desses números que temos na primeira e segunda instância. Vamos alcançar o equilíbrio desejado, com a participação feminina tanto na Magistratura quanto no Ministério Público. Aí teremos uma visão mais humana da atividade, contribuindo muito para a realização do melhor Direito. APMP: Pode citar alguma mudança de conceito com a chegada das mulheres? EGN: Essas mudanças não são assim tão flagrantes. Elas não marcam posição imediatamente. Trata-se de alteração da mentalidade, uma abertura maior. Especialmente nas questões relacionadas ao Direito de Família, à guarda de filhos, à situação da mulher, à violência doméstica... Talvez porque as mulheres tenham uma visão mais sensível e detalhada desse assunto. APMP: De um país machista e sem liberdade para um Brasil que está em vias de assistir uma mulher como Presi- www.apmp.com.br dente do Supremo Tribunal Federal... EGN: Nós hoje vivemos num Estado Democrático de Direito pleno, as instituições funcionam livremente. Temos tido turbulências recentes, que estão sendo superadas, passo a passo, com um intercâmbio e um auxílio entre as instituições, o que é importante que aconteça. Os Poderes são independentes, harmônicos e complementares. E toda essa evolução, que veio ao longo do tempo, de certa maneira reafirma o Direito em seu sentido mais amplo, englobando principalmente os direitos individuais. Dentro dessa trajetória insere-se também essa progressão da condição feminina. APMP: Conte-nos um pouco de sua passagem pelo MP. A senhora pertenceu aos quadros do Ministério Público por 16 anos... EGN: Eu ingressei no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região como integrante na sua primeira composição do quinto constitucional, oriunda do Ministério Público Federal. Até então, desde 1973, eu havia sido Procuradora da República, egressa do segundo concurso do Ministério Público Federal. De 1973 até 1989 fui, com muita honra, integrante do MPF. APMP: O que mudou de lá para cá? EGN: Eram atividades diferentes das de hoje. Nós tínhamos atribuições múltiplas. Além da função de “custos legis”, exercíamos também as tarefas de advocacia da União. Naquela época eram muitas as dificuldades: além do número reduzido de procuradores, ora defendíamos posições da União Federal e ora atuávamos como “custos legis”, em pareceres contrários aos interesses da União. APMP: É correto afirmar que o MP é guardião da sociedade? EGN: Sem dúvida. E isso foi resultado da atividade muito profícua dos Ministérios Públicos. Nesse ponto, nunca é demais louvar o MP de São Paulo, que atuou bastante, inclusive com um lobby legítimo perante a Assembléia Nacional Constituinte, para que a Instituição assumisse sua dimensão atual. Eu creio que o país ganhou muito com a nova posição dada ao Ministério Público e só temos que, eventualmente, fazer alguma correção de percurso. Nunca é demais louvar o MP de São Paulo, que atuou bastante, inclusive com um lobby legítimo perante a Assembléia Nacional Constituinte, para que a Instituição assumisse sua dimensão atual. APMP: E a sociedade tem reconhecido isso? EGN: Eu creio que sim, diante do trabalho da Instituição, sobretudo na defesa dos direitos coletivos e difusos. O MP tem desempenhado bem as suas funções e tem preenchido exatamente esse, que é um nicho novo, criado pela Constituição de 88. APMP: Como enxerga a relação do MP e da própria Justiça com a imprensa? EGN: Temos uma dificuldade de comunicação. Creio que isso decorre das linguagens diferentes. A jurídica é muito técnica, de difícil compreensão. Acresça-se o “timing” diverso que, sem dúvida, causa discrepância. Nós, os magistrados, não temos uma preocupação tão grande com a urgência de uma pauta que precisa ser encerrada, de uma edição que precisa, às vezes, ser publicada para a manhã do dia seguinte. Então, entramos em rota de colisão com os jornalistas que, tão logo tenha sido praticado um crime, querem saber qual a pena a ser aplicada. Preocupamo-nos com outras coisas, como o devido processo legal, que é exatamente a nossa obrigação. Tanto do Judiciário quanto do Ministério Público. APMP: Esses são os choques? EGN: São primeiro na linguagem e, em segundo lugar, por esse “timing”. A imprensa tem sempre muita pressa em resultados e nós precisamos de algum tempo para desenvolver o processo dentro das garantias asseguradas pela Constituição e que são, afinal de contas, um grande progresso da humanidade. www.apmp.com.br Contraponto APMP: Pode exemplificar? EGN: Eu me recordo que há muito tempo, quando começava minha carreira, recebi um advogado importante do meu Estado, que me esperava para tratar de um assunto de interesse do cliente dele. Esse velho advogado, um pouco na brincadeira, ao me cumprimentar disse: “Mas, doutora, por que a senhora faz tanta questão de condenar o meu cliente?”. Eu imediatamente respondi: “Eu absolutamente não faço questão de condenar o seu cliente. A tarefa do Ministério Público é a busca da verdade. Se convencida da inocência do seu cliente, serei a primeira a requerer a absolvição”. Nossa tarefa é exatamente essa: a busca da verdade. E a tarefa da imprensa também não é diferente: buscar a verdade para bem informar o público. Paradoxalmente, nós temos pontos de convergência e estamos um pouco distanciados. APMP: Num país com total liberdade - da imprensa e do MP - como devem ser coibidos os excessos? EGN: Nossa legislação já prevê mecanismos para coibir os excessos. Ou seja, quem se sentir prejudicado por notícias maldosamente colocadas ou incorretas possui meios para reclamar. Os órgãos de imprensa também estão atentos para que não haja uma distorção da própria liberdade de imprensa, de modo que há mecanismos que permitem a correção de excessos. APMP: E quanto ao MP? EGN: Também há meios de reprimir eventuais excessos. Há dentro de cada organização um sistema de autocontrole. No Ministério Público, as atividades correcionais podem muito bem dar resposta a condutas eventualmente desviantes. Nunca é demais frisar: não se trata da regra. E não podemos, jamais, legislar pela exceção. APMP: Conselho Nacional da Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público. O que a sociedade pode esperar desses órgãos? EGN: Esses órgãos vieram suprir uma grande deficiência, especialmente o CNJ, que está em pleno funcionamento. Por que eu digo que havia essa omissão? No país há mais de 90 Tribunais, com administrações próprias e com autonomias asseguradas constitucionalmente. Isso é bom. É garantia do cidadão. Mas, do ponto de vista administrativo e institucional, havia uma indesejável superposição de tarefas e dispersão de recursos. APMP: E isso está sendo feito a contento? EGN: Creio que a principal função do CNJ será bem www.apmp.com.br Às vezes entramos em rota de colisão com os jornalistas que, tão logo tenha sido praticado um crime, querem saber qual a pena a ser aplicada. Preocupamo-nos com outras coisas, como o devido processo legal, que é exatamente a nossa obrigação. Tanto do Judiciário quanto do Ministério Público. desempenhada: a de ser um centro de pensamento e de planejamento estratégico do Judiciário. O povo brasileiro tem o direito de ter um núcleo pensante, com pessoas que se ocupem de saber que tipo de Poder Judiciário nós desejamos, como devemos aperfeiçoá-lo e como ele será dentro de 10 ou 20 anos. Ou seja, uma projeção muito maior no tempo da atividade desse órgão que é fundamental para o desenvolvimento da democracia. APMP: O STF e a TV Justiça trazem com transparência absoluta todos os julgamentos importantes. Como enxerga esse interesse da sociedade em saber como está sendo decidido o futuro do país e como tem sido essa repercussão? EGN: Para ser sincera, fiquei surpresa com o sucesso da TV Justiça. Eu acreditava que ela pudesse ser vista por estudantes de Direito, professores, advogados, enfim, por aqueles interessados nos casos em discussão. Contudo, fui surpreendida ao constatar que muitas pessoas que não são do ramo assistem a TV Justiça. Muitas delas até me confessaram que não entendem tudo o que ali se diz, mas mesmo assim acham importante ver aquela discussão feita em profundidade, valorizando especialmente as decisões em grupo. APMP: Muitas vezes se assiste a acalorados debates. As discussões são saudáveis? EGN: Não há nada mais interessante do que ter várias pessoas pensando juntas sobre um mesmo tema. Muitas cabeças pensando enxergam melhor, encontram melhor solução que uma só. Há dentro de cada organização um sistema de autocontrole. No Ministério Público, as atividades correcionais podem muito bem dar resposta a condutas eventualmente desviantes. Nunca é demais frisar: não se trata da regra. E não podemos, jamais, legislar pela exceção. www.apmp.com.br Contraponto APMP: A TV Justiça auxilia então a transparência? EGN: Sem dúvida. A TV Justiça está mostrando as sessões do Supremo Tribunal Federal, o que é fato único. Não há nenhum Tribunal no mundo que delibere em público e transmita ao vivo as suas sessões. Creio que isso demonstra a grande transparência do Judiciário, um Poder que não é, de forma nenhuma, fechado. APMP: Por quê? EGN: Porque nós temos a obrigação, desde o juiz de primeiro grau, até a mais alta Corte, de sempre fundamentar as decisões. Ou seja, você pode não concordar com uma decisão minha, mas terá acesso aos motivos que me levaram a chegar àquela conclusão. Em outras palavras, sempre haverá a possibilidade do cidadão saber exatamente porque a decisão foi favorável ou contrária aos seus interesses. APMP: Houve grande discussão na Constituinte se o Supremo seria apenas um Tribunal Constitucional, o que acabou não prevalecendo. Quais as conseqüências disso? EGN: Eu vejo hoje o STF e o STJ assoberbados com uma série de processos repetitivos, que na realidade não são lides diferentes. É uma mesma lide, uma mesma questão de Direito. Veja as questôes do Fundo de Garantia, das reclamações contra a Previdência Social, das cobranças de índices, dos reajustes. Uma mesma questão de Direito repetida inúmeras vezes. Então, a partir do momento em que tenhamos mecanismos que permitam adotar um poder vinculante às decisões, não haveria a necessidade de repetir o julgamento. APMP: E assim descongestionar as Cortes Superiores... EGN: Exatamente. Com isso, desafogaremos os Tribunais Superiores. Essa é uma primeira vantagem, mas a maior de todas é que nós faremos com que o cidadão não tenha que percorrer todas as instâncias judiciárias para ver reconhecida questão que já está definida. Então, essa me parece a solução para o problema de acúmulo de feitos no sistema judiciário como um todo e, sem dúvida nenhuma, a gama extensa de atribuições do Supremo engloba mais do que o simples controle de constitucionalidade. APMP: E a atual crise política, afeta o trabalho do Supremo? EGN: Fala-se de crise política, mas na realidade esta- 10 www.apmp.com.br mos vivendo a plena democracia, com as instituições em funcionamento. Não existe vida sem crise. As crises se sucedem na vida das pessoas, das instituições, dos países. O importante é que haja instituições fortes o suficiente para que essas crises sejam contornadas e possamos, então, passar a um patamar mais elevado no nosso processo democrático. O povo brasileiro tem o direito de ter um núcleo pensante, com pessoas que se ocupem de saber que tipo de Poder Judiciário nós desejamos, como devemos aperfeiçoá-lo e como ele será dentro de 10 ou 20 anos. Palavra de Mestre O Secretário de Justiça e Defesa da Cidadania, Hédio Silva Júnior, enviou afável mensagem que tomamos a liberdade de compartilhar com você. Afinal, sem você não seria possível a APMP em Reflexão. www.apmp.com.br 11 A TV Justiça história de uma TV que aproxima a Justiça do cidadão Transformar uma emissora de TV segmentada em atraente para o grande público. Missão impossível? Várias pessoas realmente acreditavam que ninguém se interessaria por uma programação essencialmente técnica, cercada de “juridiquês”. Não Felipe Fraga, supervisor de programação da TV Justiça. Com perseverança, luta e dedicação, a emissora ganha cada vez mais espaço na televisão brasileira, mudando velhos hábitos e aproximando a Justiça do cidadão. Pode ser coincidência, mas não custa lembrar que a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) acaba de lançar uma campanha para abrandar o tecnicismo nas peças jurídicas. Mudança na Justiça e na sociedade. APMP: É correta a informação de que a TV Justiça é a única no mundo que transmite ao vivo as decisões de uma Corte Suprema? Felipe Fraga: É verdade, de todas as TVs sobre o Judiciário, somente a Court TV dos Estados Unidos transmite alguns julgamentos. Às vezes, nem se permite a entrada de jornalistas. E, em alguns julgamentos, permite-se a entrada apenas de repórteres setorizados que, contudo, somente podem noticiá-los com autorização. Por isso é correta a afirmação de que apenas o Brasil transmite - e ao vivo - as sessões da Corte Suprema. APMP: Que tipo de público assiste a TV Justiça? FF: Hoje notamos uma diversificação bem maior. É a população querendo se informar. É possível afirmar que temos uma audiência maior que muita TV transmitida a cabo, em face do retorno recebido de pessoas de todo o Brasil. APMP: Quais são os desafios que vêm pela frente? FF: Queremos uma abrangência maior e simplificar a linguagem, para que as pessoas compreendam o que está sendo dito. Nosso objetivo é fazer um trabalho mais aberto para a sociedade, para que ela entenda como funciona a Justiça. E o desafio é fazer isso sem esquecermos do compromisso com os operadores do Direito. APMP: E como você chegou à TV Justiça? FF: Vim de uma outra casa, a Câmara dos Deputados e sempre trabalhei em TV. Passei pela Globo, Bandeirantes, SBT... depois fui para TV Câmara e, finalmente, cheguei à TV Justiça. QUARTA-FEIRA 19h30 TV Justiça DOMINGO 10h30 TV Justiça (reprise) SEGUNDA-FEIRA 10h TV Justiça (reprise) DOMINGO 17h 18h Canal 21 TV Justiça (reprise) TERÇA-FEIRA 19h TV Justiça (reprise) 19h30 TV Justiça (reprise) 12 www.apmp.com.br www.apmp.com.br 13 Maxima Venia Seis meses depois da eclosão da maior crise política da história republicana recente, as perspectivas não são nada alentadoras. O partido protagonista do escândalo, que no início pregou até sua “refundação”, adota cada vez mais a teoria da conspiração das elites, atacando os que pedem punição como se estes fossem os artífices do “valerioduto”. A oposição usa a tática do “morde e assopra”, dando a impressão de que não quer efetivamente a apuração aprofundada dos fatos, que poderia alcançar governos dos quais fez parte. E as CPIs caminham para produzirem resultados muito aquém dos esperados pela população, cujo resto de esperança está para ser roubado, o que reforçará a sensação de que é impossível combater a corrupção endêmica de nosso país e de que não vale I Contribuição de nossos associados para a Sociedade A Revista APMP em Reflexão abre espaço para os seus associados divulgarem artigos de interesse da comunidade e com isso aproximar nossa Instituição do destinatário final de nossas ações: o cidadão. As condições para a publicação estão disponíveis na página: www.apmp.com.br/ apmpemreflexao/maximavenia. Colabore e escreva para: [email protected], com sugestões de matérias ou artigos. Os artigos da seção Maxima Venia são assinados, não refletindo necessariamente a opinião do Conselho Editorial da Revista APMP em Reflexão mprobidade administrativa na atualidade “Dormia a nossa pátria-mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações” (Chico Buarque de Hollanda) Introdução Os momentos de crise política na história brasileira geralmente estão envoltos em denúncias de prática de atos de improbidade administrativa. A atenção não deve estar exclusivamente dedicada às reações jurídicas, sociais e institucionais, devendo ser aproveitada a oportunidade para a investigação 14 a pena lutar pela ética e pela honestidade. Resta a sociedade civil. Por esse motivo a APMP participa ativamente do movimento “Da Indignação à Ação”. Por essa razão lutaremos com todas as nossas forças para que mudanças pontuais de legislação, com o objetivo de jogar uma cortina de fumaça no descalabro generalizado, não piorem a situação (sim, é possível piorar!). Nesse quadro, é um bálsamo quando nos deparamos com análises isentas e argutas da crise, de sua gênese, conseqüências e possíveis soluções. Assim é o artigo do promotor de justiça Wallace Paiva Martins Júnior, que faz bis nesta seção para reviver nossa fé de que é possível enfrentar a improbidade administrativa. Sem mágicas ou alterações legislativas açodadas. Apenas com empenho e vontade de construir uma verdadeira nação. www.apmp.com.br Wallace Paiva Martins Junior Promotor de Justiça da Cidadania da Capital Mestre e Doutor em Direito do Estado (USP) das causas e a formulação de propostas de aprimoramento dos aspectos corretivos e preventivos. Para se alcançar a maturidade democrática, a ética deve ser eleita como baldrame republicano. Por isso, a moralidade administrativa é princípio constante da Constituição. As crises republicanas são o cenário para o ensaio de revisões radicais das leis que abrem brechas à frustração de seus princípios. Se a intenção brasileira é a maturidade política e econômica, chance está aberta para importantes medidas: revogação da lei do foro privilegiado, reformulação do controle social dos órgãos públicos pela ampliação da participação popular em questões de alta relevância (reduzindo a proeminência dos representantes do governo), adaptação do Código Penal para evitar a despenalização lato sensu dos crimes contra a Administração Pública, adoção de sistema eficiente de incompatibilidades (para evitar a mola-mestra da corrupção – a confusão entre as esferas do público e do privado), ruptura da tradição do sigilo governamental e aumento e desburocratização do grau de acesso à informação sobre a gestão pública, flexibilização do sigilo fiscal e bancário, controle de transações financeiras internacionais com cooperação mútua e, principalmente, alteração das regras eleitorais. Não se pode perder de vista que, no Brasil, o fenômeno da corrupção é endêmico, havendo uma cultura da improbidade (rouba, mas faz; criar dificuldades para vender facilidades; levar vantagem em tudo etc.) arraigada atavicamente. Não é demérito da democracia, já que nas ditaduras a ausência de liberdade de imprensa e de confiança nas instituições é a nuvem de fumaça que a encobre. A vantagem da democracia é a transparência das apurações de erros e denúncias adminis- www.apmp.com.br 15 Maxima Venia trativas, que não se compara às trevas dos regimes autoritários, onde não são livres a imprensa nem os Poderes constituídos e, por isso, há uma falsa impressão de honestidade. Importante é a apuração de fatos e punição dos responsáveis. Aí a diferença entre uma democracia madura e um arremedo de democracia periférica e artificial. A democracia é o regime da responsabilidade e da ética. Há, desde a redemocratização, a coincidência entre as aspirações do povo e as exigências das normas jurídicas, denotando o interesse público na reação aos atos de improbidade administrativa, no atacado e no varejo, alcançando os detentores do poder político e econômico. Em realidade, não é possível creditar-se a improbidade ao sistema capitalista. Ela está presente onde haja aqueles que gozam do poder e outros que o servem. Mas, o que se pode esperar de uma sociedade burguesa, em que a meta da classe dominante é a posse e a apropriação dos bens, concentrando-os no patrimônio de uns poucos, para aumento da riqueza? O anátema esteve presente em todas as formações sociais na História. Mesmo que o sistema político-republicano vigente prime pela distinção entre os sujeitos das esferas pública e privada – no lugar dos estados absolutistas em que havia confusão entre as propriedades estatal e pessoal -, a sociedade burguesa oferece aos temporários detentores do poder político oportunidades para o aumento da dimensão da propriedade privada (seja pela apropriação de bens, direitos e interesses públicos, seja pela chance que o poder ou a gestão do patrimônio público oferece para investidas pessoais sobre bens alheios). Soará natural à sanha acumulativa de riqueza a destruição da linha divisória entre o público e o privado, assim como arrefece o conceito de soberania na luta entre nações desenvolvidas e periféricas ou emergentes. Só mesmo o senso da ética para amesquinhar a tentação. As crises republicanas são o cenário para o ensaio de revisões radicais das leis que abrem brechas à frustração de seus princípios. 16 www.apmp.com.br O receio da desestabilização econômica não deve impedir a normalidade democrática. O argumento é perigoso, pois serviria, por exemplo, à manutenção de uma ditadura. Entre os dois valores (combate à corrupção versus estabilidade econômica) não deve haver conflito. Se as investigações ou responsabilizações provocam tensões pré-menstruais do mercado, que abalam voláteis capitais, é sinal que nem a democracia nem a economia são estáveis. Só a democracia estável e responsável mantém uma economia forte. E se o pensamento (neo) liberal prega a não intervenção estatal na economia, as turbulências políticas seriam indiferentes. De qualquer modo, somente a maturidade democrática (que impõe a responsabilidade) fornecerá credibilidade e segurança na economia. A república é o regime da responsabilidade, dizia Geraldo Ataliba. Não se pretende a discussão de particularidades; o campo das generalidades permite apontar como fenômenos articuladores da corrupção (lato sensu) a disseminação da sensação da impunidade e de uma cultura da imoralidade, o exagerado intervencionismo, a falta ou imperfeição de controles e a inércia de instituições repressoras, a ausência de transparência, o desprezo pelo respeito a res publica pelos vícios do coronelismo, do assistencialismo, do patrimonialismo, do compadrio, do nepotismo, do desvio de poder, do tráfico de influência, da apropriação ou desvio dos bens e interesses públicos, do estabelecimento de fontes de oportunidades ilícitas, a ineficácia de normas repressivas ou preventivas, enfim, a confusão entre as esferas do público e do privado. “A aristocracia, por seu lado, degenera em oligarquia pela ruindade dos governantes, que distribuem sem equidade o que pertence ao Estado – todas ou a maior parte das coisas boas para si mesmos, e os cargos públicos sempre para as mesmas pessoas, e olhando acima de tudo a riqueza” (Aristóteles) Financiamento de campanhas eleitorais Decerto um dos temas mais férteis para a tomada de uma posição que não fique na intermediária, atualmente, é o financiamento público de campanhas político-partidárias. Os sistemas de financiamento misto ou exclusivamente privado exauriram sua capacidade de manutenção, pois, além de proporcionarem as ligações perigosas entre investidores privados e agentes pú- blicos na oficialidade, trafegam quase sempre para fondi neri abastecidos com recursos escusos derivados do blanchiment de l’argent sale viabilizado por operações financeiras descontroladas e paraísos fiscais. Também pecam na medida em que os fomentadores privados nenhuma restrição têm para receberem o prêmio pelo investimento após a eleição e posse. Poder-se-ia alegar que o financiamento público não eliminará fundos secretos, mas, se isso é possível acontecer, se estará no campo da clandestinidade sujeito à descoberta e punição, o que é bem melhor do que a atual situação em que a legalidade estimula relações incestuosas. De qualquer modo, é melhor que a situação atual e, de outra parte, favorece o ingresso à política daqueles que não querem coletar dinheiro para venda de favores futuros ou obediência a interesses escusos. As propostas apresentadas de manutenção do financiamento misto de campanhas eleitorais não satisfazem se não impuserem a proibição de contratar colaboradores e a punição (proibição de novos contratos, benefícios, perda de mandato, suspensão de direitos políticos) se violada a norma. Por isso, o amadurecimento democrático não encontra outra solução senão no financiamento público, com controles reais, voto distrital e lista fechada de candidatos. Sua grande vantagem é que o princípio de igualdade de oportunidades – tão caro ao liberalismo – se aperfeiçoa proporcionando o acesso ao poder político, subtraindo a maior capacidade econômica dos candidatos por recursos financeiros de origem lícita ou não (fondi neri). A hora é para o radicalismo, não para medidas “água com açúcar”, pois, diariamente, é mostrado que, como dizia Karl Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar. “A sã política é filha da moral e da razão” (José Bonifácio de Andrada e Silva) Transparência administrativa Outro tema que, por sua magnitude, exige maior reflexão é a elevação dos graus de transparência governamental. A medida de boa governança é estimulada pelos organismos de fomento financeiro internacionais, a partir de experiência norte-americana e européia para superação da crise de legitimidade do Estado (criada pelo alto grau de intervenção estatal na vida privada e pela acirrada disputa entre os Pode- www.apmp.com.br 17 Maxima Venia res Legislativo e Executivo na condução política dos negócios públicos). A transparência governamental impõe o aumento sensível dos graus de publicidade, motivação e participação popular na administração pública. Sua contribuição é a renovação do perfil das estruturas democráticas, revalorizando importantes funções e objetivos (controle, legitimidade, confiança, correspondência entre as demandas sociais e as respostas estatais etc.). Além disso, é antídoto eficaz contra o lobby das diversas elites que compõem a sociedade de massas. A verdade é que o apetite voraz das aves de rapina encasteladas no poder político e econômico em angariar ou distribuir vantagens ou empreender maus negócios gastando abusivamente o dinheiro público vem ruindo, em lento processo, a democracia, a crença nas instituições e a organização do tecido social, abastecida pela incômoda sensação de impunidade. A nação precisa de auto-higiene. “Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são” (Mário de Andrade) O enfrentamento judicial da improbidade administrativa Decerto uma das mais tormentosas discussões 18 www.apmp.com.br acerca da Lei nº 8.429/92 consiste na aplicação de suas sanções. Malgrado para muitos seja diáfana a intenção da lei de aplicação cumulativa de suas sanções, grassa uma certa complacência judicial. Como se fosse possível reconhecer a improbidade (desonestidade) de uma pessoa, mas condená-la somente à suspensão de seus direitos políticos e alforriá-la da proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, e vice-versa! Para agravar este quadro, há certa minimização do reconhecimento da própria improbidade – como se estivessem em julgamento agentes públicos com padrões escandinavos de conduta – e de negação de dano ao patrimônio público nas mais comezinhas violações sintomáticas do dever de boa administração (dispensa indevida de licitações ou concursos públicos), quando se sabe a endêmica proporção do patriarcalismo, do nepotismo, do compadrio, do patrimonialismo etc. Enfim, das nódoas evidenciadoras do desvio de finalidade lato sensu e da lesividade presumida de tais atos. Chega-se mesmo à negativa de vigência aos arts. 11 e 12, III, da Lei nº 8.429/92, concebidos justamente como normas residuais punitivas da improbidade administrativa que não causa prejuízo material ao erário, senão imaterial à moralidade administrativa (art. 21, I). Ignora-se solenemente que o ir- regularmente contratado não atendeu ao sistema de mérito (eficiência, igualdade, competitividade e moralidade), querido pelos incisos II e XXI do art. 37 da Constituição Federal, e foi aquinhoado em troca de alguma benesse por critérios subjetivos e distanciados do interesse público. Com relação à aplicação cumulativa das sanções da Lei nº 8.429/92, o princípio da proporcionalidade informa a necessidade de aplicação cumulativa das sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/92 c.c. o art. 37, § 4º, da Constituição Federal. O artigo 37, § 4º, da CF estabeleceu que os atos de improbidade administrativa importarão suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do dano, na forma e gradação da lei. A norma constitucional fixou uma diretriz de conduta à legislação infraconstitucional no sentido de regulamentar a punição do ato de improbidade administrativa. Não estabeleceu as sanções, porém indicou-as, dado que à norma constitucional não compete essa tarefa. Além disso, a indisponibilidade dos bens não é uma sanção, senão uma providência acautelatória cujo escopo é a garantia da futura aplicação de uma sanção. O mesmo dispositivo constitucional se refere à improbidade administrativa como gênero, que compreende três espécies: enriquecimento ilícito no exercício de função pública, prejuízo ao patrimônio público e atentado aos princípios da administração pública (dispostas em relações exemplificativas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, enquanto o art. 12 estabelece para cada espécie um bloco de sanções respectivo). Em coerência com a previsão da citada norma constitucional, que não distingue a espécie de improbidade administrativa (tratada no seu gênero), foram impostas idênticas sanções a todas as espécies de atos de improbidade administrativa, mas, atendendo à proporcionalidade e à individualização da sanção, elas variam no tempo e na expressão monetária (suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil, proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios) em limites máximos e mínimos, estabelecidos conforme a maior ou menor gravidade do ato. As demais sanções, por suas estruturas, não podem variar, mas, de outra parte, não poderiam ser desprezadas da legislação infraconsti- tucional, pois a norma constitucional raiz determinou, tout court, a sua incidência a todos os atos de improbidade administrativa quando a eles se referiu no gênero e não na espécie. O campo discricionário do juiz está limitado ao prazo e à base de cálculo inerentes às sanções variáveis, previstas no art. 12, e que têm dosimetria orientada pelos critérios da extensão do dano e do proveito patrimonial obtido, expressos no parágrafo único, dado que o ato de improbidade administrativa afeta ou pode afetar valores de natureza diversa (patrimônio público econômico-financeiro, patrimônio público moral, honestidade e moralidade no trato da coisa pública, disciplina interna da Administração Pública), alcançando a censura legal diversos direitos do infrator (propriedade, cidadania etc.). “Nas favelas, no Senado, Sujeira pra todo lado Ninguém respeita a Constituição Mas todos acreditam no futuro da nação Que país é este?” (Renato Russo) Foro privilegiado Apesar das sérias deficiências do direito penal para repressão compatível aos ataques à probidade administrativa, a Lei nº 8.429/92 forneceu poderoso arsenal com graves sanções de natureza extrapenal. A assunção prática da legitimidade concorrente conferida ao Ministério Público para postulação judicial dessas sanções gerou insatisfação nos detentores do po- A vantagem da democracia é a transparência das apurações de erros e denúncias administrativas, que não se compara às trevas dos regimes autoritários, onde não são livres a imprensa nem os Poderes constituídos e, por isso, há uma falsa impressão de honestidade. www.apmp.com.br 19 Maxima Venia der político e econômico, acostumados à mais tranqüila impunidade. O órgão, que alterou seu perfil institucional pela atribuição de funções mais ativas na Constituição de 1988 e, antes mesmo, na tutela dos interesses difusos e coletivos de outras naturezas, dotado de poderes instrutórios reforçados e independência, assumiu como vocação institucional aberta luta contra a improbidade administrativa. A reação veio contundente. Primeiro com os ensaios de Lei da Mordaça, depois com a implantação de absurdo juízo de delibação nos respectivos processos por medida provisória não convertida em lei e cuja manutenção é vedada pela própria Emenda Constitucional nº 32. O saldo é a procrastinação do processo, com a criação de ambiente propício à prescrição – e, portanto, à impunidade – que, de todos os modos, é arrefecido ou combatido seja pelo reconhecimento da inconstitucionalidade (incidental) da Medida Provisória nº 2.245, seja pela assertiva de que o ajuizamento da ação, e não a citação e sua eficácia retroativa, interrompe a prescrição. Não obstante, a mais forte reação adveio da Lei nº 10.628/02, que, alterando o art. 84 do Código de Processo Penal, estendeu o foro por prerrogativa de função às ações civis de responsabilização por improbidade administrativa, inclusive beneficiando àqueles que já exauriram sua investidura. O assunto inova em relação à Constituição, única sede para, com razoabilidade, instituir “foro privilegiado”. A latere transitou entendimento do Supremo Tribunal Federal nesse sentido – divergente de sua anterior orientação - agregado à tese de inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes públicos por força de seu regime jurídico especial (v.g., impechmeant) derrogatório de suas disposições, a instaurar um juízo exclusivo pela ofensa à probidade administrativa praticada ou imputada a tal espécie de agentes públicos. Sobre este último ponto, destaque-se que, em nenhum momento, a Constituição reservou à instância do julgamento político-administrativo o caráter de jurisdição exclusiva dos agentes políticos, na medida em que respondiam pelo fato também civil e criminalmente. A questão da competência – à luz da Lei nº 10.628/02 - foi pacificada recentemente no Supremo Tribunal Federal após as demais Cortes adotarem posturas diametralmente opostas: o Superior Tribunal de Justiça retificou seu entendimento anterior, suspendendo os processos até julgamento da ação 20 www.apmp.com.br direta de inconstitucionalidade (embora julgasse antes pela aplicabilidade da questionada lei, ante a denegação de liminar em ação direta de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal), e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pacificou o entendimento da inconstitucionalidade da lei. O próprio Supremo Tribunal Federal emitiu decisão reverberando que a denegação de liminar em ação direta de inconstitucionalidade em trâmite (ADI 2.797) não impede o afastamento da inconstitucional Lei nº 10.628/02 no juízo difuso de constitucionalidade das leis incidenter tantum requerido ou apresentado como fundamento. “Donde nasce também que nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular” (Frei Vicente do Salvador, 1627) Indisponibilidade de bens A jurisprudência enuncia que a indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da Lei nº 8.429/92 não atinge nem alcança bens adquiridos anteriormente à prática do ato de improbidade administrativa. A medida restritiva de segurança cabe tanto nas situações de improbidade administrativa características de enriquecimento ilícito de agentes públicos no exercício de função pública, quanto na de prejuízo ao patrimônio público (arts. 9º e 10, Lei nº 8.429/92), e trata ambas da mesma maneira, quando são radicalmente diferentes. Se, ad argumentandum tantum, em face do enriquecimento ilícito de agentes públicos no exercício de função pública, a premissa é aceitável, em tese e em princípio, não o é, efetivamente, diante do prejuízo ao erário, já que em se tratando de ato ilícito é vetusto princípio geral de direito, traduzido em regra, que o patrimônio (antigo ou futuro) do devedor responde por suas dívidas (art. 942, Código Civil de 2002; art. 1518, Código Civil de 1916). Entre as sanções dessa modalidade ou espécie de improbidade administrativa, encontra-se o ressarcimento integral do dano (art. 12, II, Lei nº 8.429/92). A indisponibilidade de bens serve como medida assecuratória (art. 18) de garantia do resultado útil do processo, tanto para ela quanto para uma outra sanção, entre outras, típica para o enriquecimento ilícito de agentes públicos: a perda dos valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente público (art. 12, I). Em princípio, seria lógica a limitação do raio de incidência da indisponibilidade de bens, uma vez que o gravame deveria atingir justamente os valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente público (alvo de futura perda, nos termos do citado art. 12, I). Mas, mesmo perante os casos de enriquecimento ilícito no exercício de função pública imputado a agente público, a premissa jurisprudencial não pode ser acolhida sem ressalvas. Com efeito, há variáveis que impõem a incidência da indisponibilidade de bens adquiridos antes do ato ímprobo. É possível a indisponibilidade alcançar bens adquiridos anteriormente ao ato ímprobo, de modo a garantir a eficácia da sentença condenatória nas hipóteses em que o agente público adquiriu bens fungíveis, perecíveis ou consumíveis ou obteve vantagem patrimonial indireta (por meio de terceira pessoa) ou sob forma de prestação negativa (uso de bens ou serviços de maneira gratuita ou assumidos por outrem, gerando poupança ao agente) ou, ainda, transferiu, com intuito simulatório ou fraudulento, bens adquiridos ilicitamente, a terceiro, para, proposital e formalmente, reduzir-se à insolvência ou, por fim, praticou blanchiment d’argent sale (lavagem de dinheiro). Nesses casos, continua prevalecendo a regra do art. 942 do Código Civil, até porque se cuida de ato ilícito. Não é difícil raciocinar com base em sugestivos exemplos. Um agente público percebe a título de propina um automóvel. Entre as sanções cominadas para o caso concreto, está a perda desse bem. Trata-se de obrigação de dar coisa certa. Se esse agente público tiver alienado esse bem, porventura, a tertius de boa fé, este logicamente não poderá sofrer os efeitos da condenação. Se Se as investigações ou responsabilizações provocam tensões prémenstruais do mercado, que abalam voláteis capitais, é sinal que nem a democracia nem a economia são estáveis. www.apmp.com.br 21 Maxima Venia for terceiro de má fé, dúvida não há, porque se insere na categoria de partícipe do ato de improbidade administrativa, na conformidade do art. 3º da Lei nº 8.429/92. Mas, na primeira hipótese, como a coisa já não pertence mais ao ímprobo, ele deve ter extraído de seu patrimônio bens de igual valor. Noutro exemplo, o agente público ímprobo percebe soma de dinheiro e a consome em seu proveito, adquirindo bens consumíveis. A mesma solução se impõe. Ora, nestas hipóteses é o seu patrimônio anterior ou posteriormente constituído ao ato de improbidade administrativa que responde pelas conseqüências do ato ilícito (arts. 884 e 885, Código Civil), sujeitando-se à perda do equivalente ao que acresceu e, por isso, não há restrição à indisponibilidade de bens. Como dinheiro – alvo da obrigação de dar – é bem fungível e consumível, na hipótese de enriquecimento ilícito de agente público no exercício de função pública em que este tiver amealhado indevidamente dinheiro, se a soma tiver sido gasta ou consumida, a perda de bens incide sobre o equivalente constante do patrimônio do agente público (arts. 844, parágrafo único, e 942, Código Civil de 2002). Há uma conversão em perdas e danos. Um outro a ponto a merecer reflexão é referente ao impacto da indisponibilidade de bens após o advento da Medida Provisória 2.088/01, que alterou o art. 17 da Lei nº 8.429/92, introduzindo algumas modificações processuais na ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Reeditada pela Medida Provisória 2.171/01 e pela Medida Provisória 2.225-45/01 um pouco antes da promulgação da Emenda Constitucional 32/01, no que inte- O produto da improbidade administrativa amiúde abastece ativos financeiros de empresas off-shore ou de pessoas físicas em países propícios (paraísos fiscais)... 22 www.apmp.com.br ressa, determinou a instauração de um contraditório prévio (ou preliminar) ao recebimento da ação, possibilitando a oitiva do réu (manifestação escrita após notificação) e até mesmo a rejeição antecipada da petição inicial, com ou sem julgamento de mérito (art. 17, §§ 6º a 8º, Lei nº 8.429/92). A preocupação exposta indaga se é ou não necessária essa manifestação do réu para a concessão da indisponibilidade de bens. A resposta é negativa. Como se trata de privilégio, sua interpretação deve ser sempre restrita. Os §§ 6º a 8º acrescidos ao art. 17 da Lei nº 8.429/92 não exigem expressamente condição da concessão liminar da indisponibilidade de bens à prévia oitiva do réu. Reclamam, tão somente, essa providência para o recebimento da ação. Se a lei pretendesse condicionar a decisão de tutela de segurança seria explícita, como, por exemplo, em matéria diversa, a Lei nº 8.437/92. E ademais, a possibilidade jurídica da concessão liminar de indisponibilidade de bens, inaudita altera parte, radica-se no próprio poder geral de cautela do juiz, admitindo-se mesmo antes do recebimento postergado ou diferido da petição inicial diante do perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação. “Como se fez prostituta a cidade fiel, cheia de retidão? (...) Os teus príncipes são infiéis, companheiros de ladrões” (Isaías, 1, 21-23) Cooperação internacional e paraísos fiscais O art. 16 da Lei nº 8.429/92 estabelece um seqüestro atípico no seu § 2º, permitindo que ele envolva o exame e a apreensão de bens e ativos no exterior. O produto da improbidade administrativa amiúde abastece ativos financeiros de empresas off-shore ou de pessoas físicas em países propícios (paraísos fiscais) ou não à menor vigilância da origem do dinheiro importado, o que possibilita o blanchiment de l’argent sale. No entanto, a operacionalidade desse seqüestro depende do que for disposto nos tratados internacionais. Há acordos multilaterais nesse sentido, como a Convenção Interamericana contra a Corrupção (Caracas, 1996), adotada no direito brasileiro pelo Decreto nº 4.410, de 07 de outubro de 2002, e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Paris, 1997), adotado pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000, sem prejuízo do que for estipulado em acordos bilaterais de cooperação mútua e assistência jurídica, principalmente para inclusão dos atos de improbidade administrativa e de sua repressão extrapenal. “A responsabilidade dos agentes do poder constitui, pois, uma das condições e necessidades essenciais da ordem e liberdade pública, uma das garantias indispensáveis dos governos constitucionais. Se, pois, e não obstante estes justos fundamentos, o funcionário público, violando a lei e os seus deveres morais, converte o emprego em meio de interesse pessoal ou instrumento de suas paixões, não só o cidadão injustamente lesado deve ter o direito de promover sua responsabilidade, mas os seus próprios superiores estão na obrigação de provocá-la, ou fazer efetiva” (Marquês de São Vicente) Sigilo bancário e fiscal Por derradeiro, o último ponto a merecer detida preocupação na luta contra a corrupção é, sem dúvida, o tratamento dispensado ao acesso de organismos constitucionalmente vocacionados a essa empresa aos dados cobertos pelo sigilo fiscal e financeiro. A legislação vigente, por incrível que pareça, não permite que a Polícia Judiciária, o Ministério Público e o Tribunal de Contas tenham acesso direto a tais dados, exigindo autorização judicial. Embora essa legislação proporcione intercâmbio de informações entre autoridades financeiras e tributárias, com transferência da obrigação de preservação do sigilo e de seu uso responsável, ela merece ser revista para inclusão desses outros órgãos públicos no acesso direto, sob as mesmas cláusulas. Nem se diga que a matéria é de índole constitucional. Ao contrário, ela decorre da proteção da intimidade e da privacidade previstas no nível constitucional, mas é disciplinada no nível normativo infraconstitucional, cujo preceito conformador pode estender o acesso direto, pois não há cláusula constitucional alguma de exclusividade do controle judiciário. www.apmp.com.br 23 MP em Foco Desde a primeira edição, temos tentado apresentar, de forma didática e direta, as linhas mestras do novo modelo de gestão institucional e gerenciamento administrativo que a APMP propôs para o MP, a partir de trabalho do seu Departamento de Estudos Institucionais. Hoje seria a vez de analisarmos como o novo modelo de gestão permitiria que critérios objetivos norteassem os atos de criação e desnomenclaturação de cargos. Faremos, porém, uma pausa nesse debate para apresentarmos trabalho da lavra do promotor de justiça paulista Marcelo Pedroso Goulart, apro- M vado por unanimidade no XVI Congresso Nacional do Ministério Público (novembro de 2005 - Belo Horizonte/MG). A razão de publicarmos essa tese está no fato de que ela traz uma série de preocupações discutidas neste espaço, com argumentos sólidos e soluções inovadoras para a retomada do desenvolvimento do Ministério Público de São Paulo. Principalmente ao dar novo enfoque a princípios institucionais, como o da independência funcional, cuja interpretação equivocada tem sido verdadeiro obstáculo à implementação plena de nosso perfil constitucional. inistério Público: Estratégia, princípios institucionais e novas formas de organização Marcelo Pedroso Goulart 1. A crise do Ministério Público A situação de crise, segundo Gramsci, é aquela em que o velho morreu e o novo não conseguiu afirmar-se (“Cadernos do Cárcere”, v. 3, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000. p. 184). O Ministério Público brasileiro vive uma situação de crise, imperceptível aos olhos da maioria de seus membros e de seus dirigentes, uma vez que o velho 26 www.apmp.com.br Ministério Público (pré-88) morreu, mas o novo Ministério Público, projetado na Constituição de 1988, ainda não se afirmou. De acordo com a vontade popular explicitada na Constituição da República, o Ministério Público deve constituir-se em um dos mais importantes agentes da vontade política transformadora, cabendo-lhe a tarefa de definir e participar de ações político-jurídicas modificadoras da realidade, objetivando a construção do projeto constitucional de democracia (a sociedade livre, justa e solidária, na qual o desenvolvimento sócio-econômico-cultural deve estar voltado para a erradicação da pobreza e da marginalização, para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a promoção do bem de todos). Essa é a estratégia institucional. Levar avante essa prática transformadora (práxis) é cumprir uma função política maior, que implica a substituição de uma dada ordem por outra ordem social, mais justa, na qual prevaleçam os valores universais da democracia. A realização prática dessa função política maior dá-se no movimento catártico que promove a transição da sociedade, dos seus movimentos, das suas organizações e de suas instituições do momento corporativo e particularista para o momento ético-político de modificação do real. Do ponto de vista jurídico-constitucional (formal), o Ministério Público estruturou-se para cumprir a função de promover os valores democráticos, como instituição catártica, universalizante, não-corporativa. O seu perfil constitucional não dá margem a dúvidas quanto a isso. Todavia, do ponto de vista do movimento real da Instituição, não se pode fazer a mesma afirmação. A realidade demonstra que o Ministério Público ainda está em fase de transição, visto que, do ponto de vista intra-institucional, ainda não incorporou plenamente sua nova função política, ainda não formou uma vontade coletiva-interna democrática capaz de garantir a unidade necessária à atuação voltada à transformação social. Hoje, esse tipo de atuação transformadora desejada pela sociedade deve-se à ação isolada de algum membro do Ministério Público ou de alguns grupos de promotores de justiça ou de procuradores da República, cujo resultado do trabalho realizado repercute positivamente nos meios de comunicação de massa, passando a falsa impressão de que se trata de ação definida e pautada institucionalmente. No nível institucional, portanto, o Ministério Público ainda não superou, plenamente, o momento corporativo, fato que impõe a aceleração do movimento catártico interno. Do contrário, a passividade poderá tomar conta da Instituição, levando-a à impotência objetiva, ao não cumprimento da sua função política e dos objetivos que lhe foram postos pela Constituição. Esse tipo de comportamento passivo-impotente poderá acarretar a perda de legitimidade (de sustentação social) e levar ao retrocesso na configuração formal- institucional do Ministério Público. A consolidação do novo Ministério Público (pós-88) e a sua afirmação como agente da vontade política transformadora impõe, ao menos, dois movimentos que ainda não se completaram. O primeiro movimento, que denomino de catártico, impõe a transposição do momento corporativo para o momento ético-político. Esse movimento pressupõe: a) a elaboração da ideologia institucional; b) a definição da política institucional; c) a mudança de mentalidade dos membros da Instituição (adequação psicológica para o cumprimento da estratégia institucional). É nesse campo, marcadamente ideológico (cultural), que se faz necessária a atualização dos conceitos de unidade institucional e de independência funcional. O segundo movimento, que denomino de estrutural, impõe reformas que viabilizem o cumprimento da missão institucional (estratégia), passando pela: a) reestruturação organizacional do Ministério Público; b) reestruturação da carreira dos membros da Instituição; c) revisão das atribuições do Ministério Público. www.apmp.com.br 27 MP em Foco Nesse campo ocorreram avanços tímidos, como, v.g., (i) a criação da Promotoria de Justiça como nova instância político-administrativa do Ministério Público; (ii) a busca de novas espacialidades através da implantação de Promotorias Regionais Ambientais, Promotorias Agrárias e Promotorias Comunitárias; (iii) a racionalização da atuação institucional como custos legis nos processos cíveis. 2. Algumas premissas para a superação da crise 2.1 A revisão dos conceitos de unidade institucional e de independência funcional e a correlação desses princípios à luz da estratégia institucional A forma como a doutrina insiste em definir os princípios conformativos-informativos do Ministério Público não atende ao perfil institucional delineado pela Constituição de 1988. Esses princípios devem ser compreendidos à luz da estratégia institucional. 28 www.apmp.com.br O princípio da unidade Mister a revisão do conceito do princípio da unidade. No modelo superado, tal princípio cinge-se a conformar a estrutura administrativa da Instituição, como órgão único, integrado por promotores de justiça sob a direção de um só chefe. Alguns confundem o princípio da unidade com o princípio da indivisibilidade, como se fossem um único princípio e, numa perspectiva reducionista, conferem à unidade uma dimensão exclusivamente processual. No pós-88, o princípio da unidade ganhou conotação política, que transcende os aspectos administrativos-estruturais pelos quais foi definido pela doutrina tradicional, embora esses aspectos estejam nele incluídos. Ademais, não pode ser confundido com o princípio da indivisibilidade. Este princípio (indivisibilidade) informa a atuação do membro do Ministério Público como agente procedimental-processual. O princípio da unidade informa e orienta a atuação político-institucional do Ministério Público, que, através do conjunto de seus membros, de seus órgãos de execução e de Administração Superior, deve estar voltado à consecução do seu objetivo estratégico: a promoção do projeto de democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição da República (a construção da sociedade livre, justa e solidária, na qual o desenvolvimento deve estar voltado, necessariamente, à erradicação da pobreza e da marginalização, à redução das desigualdades sociais e regionais e à promoção do bem comum). Os critérios definidores da unidade são dados pela Constituição da República, na determinação da estratégia institucional (objetivo estratégico), e pelos Planos e Programas de Atuação, que contemplam as prioridades e os meios de ação para o cumprimento da estratégia. Unidade e estratégia transitam numa via de mão dupla. A estratégia define a unidade e a unidade concretiza a estratégia. A unidade é definida pela estratégia posta abstratamente pela Constituição. A estratégia realiza-se no mundo concreto através da realização prática das metas prioritárias estabelecidas nos Planos e Programas de Atuação. A unidade institucional deve ser construída democraticamente. A construção democrática da unidade institucional supõe a participação da sociedade no processo de definição das prioridades institucionais, através dos novos instrumentos e espaços de democracia participativa, como, v.g., as audiências públicas. Incumbe aos órgãos de execução do Ministério Público (Promotorias e Procuradorias de Justiça) a im- plementação dos Planos e Programas. Cabe aos órgãos da Administração Superior garantir a unidade. À Procuradoria-Geral incumbe promover a mobilização dos membros da Instituição no sentido da consecução do objetivo estratégico, bem como fornecer os meios e o suporte material necessários ao cumprimento das metas estabelecidas nos Planos e Programas de Atuação. À Corregedoria-Geral, fiscalizar o cumprimento, pelos órgãos de execução, das metas estabelecidas nos Planos e Programas de Atuação. Ao Conselho Superior, exercer o poder revisional de arquivamentos de inquéritos civis, a impedir desvios que frustrem a unidade institucional nos casos concretos. O princípio da independência funcional A independência funcional tem por objetivo garantir ao membro do Ministério Público o exercício independente de suas atribuições funcionais, tornando-o imune a pressões externas (dos agentes dos poderes do Estado e dos agentes do poder econômico) e internas (dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público). Por força desse princípio, consagrou-se o seguinte aforismo: o membro do Ministério Público só deve obediência à sua consciência e ao direito. O entendimento superficial que se tem dado ao princípio da independência funcional, a partir dessa máxima, não revela o seu verdadeiro sentido, provocando distorções inaceitáveis no atuar concreto dos membros do Ministério Público. Impõe-se, nesse momento de reconstrução institucional, rever o conteúdo do princípio da independência funcional, levando em consideração que: a) a independência funcional, antes de ser uma garantia do membro do Ministério Público, é uma garantia da sociedade, uma vez que foi instituída para dar ao povo a segurança de contar com um agente político que, no exercício das funções de defesa dos interesses sociais, possa atuar com independência, imune às pressões do poder; b) quando se fala em dever de obediência à consciência, não se está tratando de uma consciência espontânea ou contingente (falsa consciência), mas, sim, de uma consciência autêntica, emancipada e universal (verdadeira consciência), de uma consciência ética, informada pelos valores universais da democracia; c) quando se fala em dever de obediência ao direito, não se está tratando da obediência cega do membro do Ministério Público à literalidade dos textos legais, mas no uso do direito como instrumento de transformação social, o que implica interpretação recontextualizadora da norma, à luz dos valores que informam o projeto democrático constitucionalmente delineado (estratégia institucional do Ministério Público), bem como o reconhecimento de que o direito possui diferentes dimensões (política, econômica, cultural e normativa), portanto a dimensão normativa é apenas uma delas. A correlação dos princípios da unidade e da independência funcional Para que o Ministério Público cumpra a sua missão institucional, ou seja, o seu objetivo estratégico, é preciso compreender a correlação existente entre os princípios da unidade e da independência funcional. Enquanto Instituição una, o Ministério Público deve estar voltado ao cumprimento de sua estratégia, o que se dá através da implementação dos Planos e Programas de Atuação. Para isso, os agentes do Ministério Público devem atuar com independência, ou seja, devem estar imunes às pressões internas e externas que frustrem e inviabilizem o cumprimento da estratégia institucional, que se dá, concretamente, através da execução dos Planos e Programas de Atuação. As metas, prioridades e ações definidas nos Planos e Programas de Atuação decorrem da necessidade de o Ministério Público cumprir, por força de imposição constitucional genérica, os seus objetivos estratégicos. Por ser assim, esses Planos e Programas contemplam, necessariamente, hipóteses de atuação obrigatória e vinculam os membros do Ministério Público. Em outras palavras: o membro do Ministério Público que deixa de observar as metas, prioridades e ações estabelecidas nos Planos e Programas de Atuação não pode invocar, em sua defesa, o princípio da independência funcional, pois este princípio não pode servir de escudo àqueles que deixam de cumprir objetivos institucionais constitucional e democraticamente definidos. 2.2 Novas formas de ocupação do espaço pelo Ministério Público A divisão da base espacial de atuação do Ministério Público deve ser repensada. A divisão por comarca não mais atende às expectativas da sociedade, pois conspira contra a efetividade da atuação institucional. Isso se evidencia, sobretudo, nas áreas de defesa de interesses difusos e de combate ao crime organizado. A atuação fragmentada e desintegrada, por comarcas, quebra o princípio da unidade e frustra o cumprimento da estratégia institucional. www.apmp.com.br 29 MP em Foco É preciso estabelecer novas escalas espaciais de atuação, que leve em conta o território como instância de disputa de poder entre os diferentes atores sociais e, conseqüentemente, instância de luta pela efetivação dos direitos fundamentais. O estabelecimento de uma escala única (a comarca) é hoje inadmissível. É preciso redimensioná-la, de acordo com a natureza das demandas sociais por cidadania. Sem desprezar o espaço da comarca, que continua ideal para determinados tipos de atuação, mostra-se conveniente, em muitos casos, a macro-regionalização (ampliação da base territorial) e, em outros, a micro-regionalização (redução da base territorial). O empirismo tem marcado algumas experiências que se iniciam. Todavia, essa resposta eminentemente prática a que estamos assistindo, embora valiosa para indicar caminhos e romper o imobilismo, carece de uma reflexão mais profunda que torne a redefinição das escalas espaciais de atuação uma prioridade institucional. Em alguns Estados brasileiros despontam iniciativas que merecem generalização. As Promotorias de Justiça do Meio Ambiente por ecossistemas ou por bacias hidrográficas, as Promotorias de Justiça Agrárias e de Conflitos Fundiários e os Grupos de Combate ao Crime Organizado, de base física estadual ou regional, são exemplos positivos de macro-regionalização. As Promotorias de Justiça da Comunidade, instaladas nas periferias urbanas de algumas cidades brasileiras, representam também iniciativas de micro-regionalização a serem estudadas e aperfeiçoadas, visto que, em alguns casos, perderam a perspectiva de instrumento de emancipação coletiva das populações excluídas e territorialmente segregadas, para retomarem o perfil superado de agências tradicionais de assistência judiciária, com limitado potencial transformador. De forma paralela e integrada ao estabelecimento das novas bases territoriais de atuação, é preciso estabelecer Promotorias de Justiça temáticas, que enfrentem, com maior eficácia, as principais questões sociais (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, terra). A macro-regionalização tende à especialização temática e a micro-regionalização, à generalização. 2.3 A Promotoria de Justiça como instância chave da estrutura do Ministério Público Para superar o ultrapassado modelo de Ministério Público e adequar a estrutura institucional ao novo perfil constitucional, as Leis Orgânicas Nacional e Estadual do Ministério Público instituíram a figura da 30 www.apmp.com.br Promotoria de Justiça como “Órgão de Administração do Ministério Público”. Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz e João Lopes Guimarães Júnior definem a Promotoria de Justiça como: órgão administrativo, integrado por promotores de determinada comarca, com atribuições especializadas ou não, dotado de estrutura funcional e material de apoio voltado ao estabelecimento de uma política própria de atuação para alcançar objetivos institucionais concretos (“A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional”, in “Ministério Público: instituição e processo”, São Paulo, Atlas, 1997, p. 31). Partindo-se dessa definição, pode-se afirmar que a Promotoria de Justiça é mais do que uma unidade de gestão. Também é uma unidade política responsável pela implementação da estratégia institucional, ou seja, é o órgão de representação da política institucional na base territorial onde atua (comarca ou região). A Promotoria de Justiça cumpre uma função de natureza estritamente administrativa (unidade de gestão) e outra de natureza político-institucional (unidade política). A Promotoria de Justiça como unidade de gestão Como unidade de gestão, cabe à Promotoria de Justiça cuidar de todas as tarefas administrativas de suporte à sua atividade fim, como, v.g., direção dos seus serviços auxiliares. Ainda no âmbito administrativo, cabe-lhe propor aos órgãos de Administração Superior a divisão interna de serviços processuais e extraprocessuais, a forma de organização administrativa dos serviços auxiliares internos, a distribuição de atribuições entre funcionários e estagiários, a escala de férias individuais de seus integrantes e a de substituição automática. A Promotoria de Justiça como unidade política Como órgão de implementação da estratégia institucional, cabe à Promotoria de Justiça definir os Programas de Atuação Local e de Atuação Integrada, encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça sugestões para a elaboração do Plano Geral de Atuação, propor a constituição de Grupos de Atuação Especial. Como unidade responsável pela implementação da estratégia institucional, a Promotoria de Justiça deve funcionar como órgão local/regional de representação do Ministério Público na articulação de políticas pú- blicas. Deve intervir nos antigos e novos espaços de negociação política como órgão mediador, regulador e corretor das desigualdades sociais e das práticas anticidadãs. 3. Conclusões 1ª) O objetivo estratégico do Ministério Público é a defesa do projeto de democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição de 1988, por meio da consecução dos objetivos fundamentais da República sintetizados no art. 3º, incs. I a IV (construção da sociedade livre, justa e solidária, na qual o desenvolvimento sócio-econômico-cultural deve estar voltado para a erradicação da pobreza e da marginalização, para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a promoção do bem de todos). 2ª) Para cumprir o seu objetivo estratégico, o Ministério Público precisa definir políticas públicas, por meio de Planos e Programas de Atuação Institucional, com o estabelecimento de metas prioritárias que orientem a ação dos órgãos de execução e de Administração Superior. 3ª) O princípio da unidade informa e orienta a atuação político-institucional do Ministério Público, que, através do conjunto dos seus membros, dos órgãos de execução e de Administração Superior, deve estar voltado à consecução do seu objetivo estratégico. 4ª) A independência funcional tem por objetivo garantir ao membro do Ministério Público o exercício independente de suas atribuições funcionais, tornando-o imune a pressões externas e internas que frustrem e inviabilizem o cumprimento da estratégia institucional. 5ª) O Ministério Público concretiza o objetivo estratégico abstratamente previsto na Constituição por meio da execução das metas prioritárias dos Planos e Programas de Atuação. Essas metas decorrem de imposição constitucional, portanto, contemplam hipóteses de atuação obrigatória e vinculam os membros do Ministério Público. 6ª) A comarca, como base territorial de atuação do Ministério Público, não mais atende, em regra, às expectativas da sociedade, pois conspira contra a efetividade da atuação institucional, que, fragmentada, provoca a quebra do princípio da unidade e frustra o cumprimento da estratégia institucional. 7ª) É preciso estabelecer novas escalas espaciais de atuação, que levem em conta o território como instância de disputa de poder entre os diferentes atores sociais e, conseqüentemente, instância de luta pela efetivação dos direitos fundamentais. 8ª) O estabelecimento de uma escala única (a comarca) é hoje inadmissível. É preciso redimensioná-la, de acordo com a natureza das demandas sociais por cidadania. Mostra-se conveniente, em muitos casos, a macro-regionalização (ampliação da base territorial) e, em outros, a micro-regionalização (redução da base territorial). 9ª) De forma paralela e integrada ao estabelecimento das novas bases territoriais de atuação, é preciso estabelecer Promotorias de Justiça temáticas, que enfrentem, com maior eficácia, as principais questões sociais (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, terra). 10ª) A Promotoria de Justiça, como uma das instâncias que compõem a estrutura do Ministério Público, é mais do que uma unidade de gestão. Também é uma unidade política responsável pela implementação da estratégia institucional, ou seja, é o órgão de representação da política institucional na base territorial onde atua (comarca ou região). 11ª) Como unidade responsável pela implementação da estratégia institucional, a Promotoria de Justiça deve funcionar como órgão local/regional de representação do Ministério Público na articulação de políticas públicas. Deve intervir nos antigos e novos espaços de negociação política como órgão mediador, regulador e corretor das desigualdades sociais e das práticas anti-cidadãs. www.apmp.com.br 31 MP em Foco XVI Congresso Nacional do Ministério Público Britto destacou a importância do Ministério Público no cenário nacional e na defesa da sociedade. Propôs aos operadores do Direito o maior uso da emoção no exercício de suas funções, por vezes tão esquecida pelo emprego exclusivo da razão. O tema central do Congresso (“Ministério Público e Justiça Social”) gerou a apresentação de 111 teses, discutidas nas comissões durante os dias 7 e 8. São Paulo foi bem representada com a inscrição de 13 teses, das quais 12 resultaram aprovadas nas comissões e na sessão plenária. Programação paralela é destaque MP de São Paulo marca presença em Belo Horizonte 32 www.apmp.com.br A capital das Minas Gerais foi sede, entre os dias 6 a 9 de novembro, do XVI Congresso Nacional do Ministério Público. A cerimônia de abertura, que contou com a presença de quase mil congressistas, foi prestigiada pelo Vice-Presidente da República, José de Alencar. Na conferência inaugural, o Ministro do STF Carlos Ayres Além da discussão e votação das teses inscritas, a programação paralela do XVI Congresso Nacional chamou a atenção, de modo positivo. Nos painéis jurídicos, registre-se a presença do nosso associado Wallace Paiva Martins Júnior, que, ao lado do senador Jefferson Peres, do juiz federal Sílvio Luiz Ferreira da Rocha e do empresário Emerson Kapaz, debateram o tema “Corrupção no Brasil”. Dignas de nota também as palestras do filósofo Mário Sérgio Cortella, do consultor Waldez Ludwig, do médico e escritor Içami Tiba e do economista Geraldo Eustáquio. Na parte cultural, de muito bom gosto, cabe mencionar, as apresentações do compositor e instrumentista Marcus Viana, do grupo de teatro Galpão, do Núcleo Artístico de Dança e, como gran finale, da banda Jota Quest. São Paulo foi bem representada com a inscrição de 13 teses, das quais 12 resultaram aprovadas nas comissões e na sessão plenária. www.apmp.com.br 33 C MP em Foco Seminário Jurídico 2005 omandatuba recepciona membros do MP, familiares e autoridades Delegação de São Paulo vota unida Pelo regimento do Congresso, as teses aprovadas nas comissões foram levadas à sessão plenária, ocorrida na manhã do dia 9. Além dos Presidentes das associações de classe, cada Estado podia contar com até cinco delegados. As teses que não fossem objeto de destaque eram votadas em bloco. As destacadas eram apreciadas individualmente. A APMP escolheu como delegados os procuradores de justiça Antonio Visconti, Sérgio de Araújo Prado Júnior (ativos) e Darcy Paulillo dos Passos (aposentado) e os promotores Marcelo Pedroso Goulart e Paulo Roberto Dias Júnior, que, ao lado do Presidente da APMP João Antonio Garreta Prats, votaram de forma uniforme em cada pedido de destaque, após breve conferência informal em que predominava a opinião 34 www.apmp.com.br do delegado que participara do debate da tese na respectiva comissão. A exceção ficou por conta do trabalho “A antecipação do parto em caso de anencefalia e o transplante de órgãos e tecidos dos anencéfalos”, da colega potiguar Mariana Marinho Barbalho Tavares, em que a “bancada” foi liberada para votar cada qual de acordo com sua convicção jurídico-filosófica. ário n i m e S I XXXII promove Jurídico obre a relação debate s lamento MP e Par As teses que não fossem objeto de destaque eram votadas em bloco. As destacadas eram apreciadas individualmente. www.apmp.com.br 35 Seminário Jurídico 2005 Aproveitando os feriados jurídicos de 8 e 9 de dezembro, cerca de 600 associados da APMP e familiares participaram da segunda etapa do XXXIII Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos de São Paulo, realizada entre os dias 7 e 11 do mesmo mês no Hotel Transamérica Ilha de Comandatuba. Em um dos melhores resorts do Brasil, os participantes tinham dificuldade para escolher entre as inú- 36 www.apmp.com.br meras atividades oferecidas regularmente pelo hotel e aquelas preparadas com exclusividade para os associados da APMP. Fitness center, caminhadas na praia, aulas de spinning, capoeira, dança do ventre, axé, forró, merengue, hidroginástica e alongamento, massagens, arco e flecha, torneios de peteca e xadrez, tamboréu, bicicletas, mini-buggies, bocha, tênis, squash, golfe, futebol, vôlei de praia, futevôlei, piscinas, toboágua, tirolesa, quadriciclo, paintball, pesca oceânica, corrida de jegue, happy hour diário, shows variados e, fechando a noite, boate. Ufa! Haja fôlego e disposição. Tanto esforço era fundamental para manter a silhueta. Quem assim não procedeu desembarcou em Cumbica no domingo com alguns quilos a mais, resultado da excelente culinária do hotel. www.apmp.com.br 37 Seminário Jurídico 2005 Hora do trabalho No dia 9 de dezembro, foi realizado o painel “O MP e o Parlamento”, em que se debateu a necessidade de aperfeiçoamento da relação institucional entre o Ministério Público e as Casas Legislativas. A mesa do evento foi composta por nosso Presidente, João Antonio Garreta Prats, pelo Procurador-Geral de São Paulo Rodrigo César Rebello Pinto, pelo Corregedor-Geral Paulo Hideo Shimizu, pelo Coordenador Geral dos Grupos de Estudos Albino Ferragini e pelos quatro painelistas: o Presidente eleito da CONAMP José Carlos Cosenzo, o Procurador-Geral da Bahia Aquiles Siquara e os Deputados Federais e membros do MP de São Paulo Dimas Ramalho e Carlos Sampaio. Ao final do painel, houve a transmissão do cargo de Coordenador Geral dos Grupos de Estudos para o procurador de justiça aposentado Darcy Paulillo dos Passos, que tomou assento à mesa juntamente com um de seus Adjuntos, o promotor de justiça Carlos Melluso Júnior. Encerrando os trabalhos, foi franqueada a palavra a todos os presentes na “Tribuna Livre”. A confraternização deu o tom Motivo de satisfação para os organizadores, o clima de congraçamento entre os participantes comandou o encontro. Destaque para a cordialidade e presteza dos funcionários da APMP Leandro, Rogério, Luzia, Gesani, Cláudia e Rosângela, que não mediram esforços para que as eventuais falhas, naturais em um evento desse porte, fossem as menores e menos incômodas possíveis. Na sala de embarque para o retorno a São Paulo, os semblantes pensativos indicavam uma pergunta interior: “Duvido que no ano que vem o Seminário consiga ser melhor!”. O desafio está aceito! Aguardem o XXXIV Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do MP de São Paulo. 38 www.apmp.com.br www.apmp.com.br 39 P APMP Destinos aris é uma Não é qualquer cidade que consegue a proeza de ser uma das mais cosmopolitas do mundo e, simultaneamente, manter intocadas tradições seculares. Não é em qualquer lugar do mundo que você pode desfrutar de cenários históricos e, com um breve giro de olhar, admirar estruturas modernas. Não é qualquer pedaço de terra que mantém o passado e projeta o futuro. E Paris é assim: de paradoxo em paradoxo, tornou-se a cidade mais visitada do mundo. festa Reveillon, champagne, glamour? E quando as festas de final de ano são o assunto... É verdade que a disputa anda bem acirrada. Nova York e a famosa festa na Times Square, Rio de Janeiro e os sensacionais shows pirotécnicos, Sidney e o Ano Novo chegando mais cedo. Tudo muito bonito. Mas dá para comparar com Paris? Será mero acaso as palavras glamour, reveillon e champagne, quase sinônimas de Ano Novo, terem origem francesa? 40 www.apmp.com.br internacional - inclusive a brasileira. Bastille abriga sua Ópera, onde são apresentados inigualáveis espetáculos de dança, além da badalação parisiense, que fervilha todas as noites. Noutras palavras, é imperdível ao menos uma rodada pelos cafés da Bastille. Clima de poesia? Montmartre é o lugar. Do alto de suas escadarias surge uma das vistas mais esplendorosas da cidade. E, seguramente, é possível entender a expressão la vie en rose. Basta um anoitecer de verão nas escadarias da Sacre Coeur. A basílica está aberta até as 11 horas da noite. As portas da Sacre Coeur emolduram efervescente movimentação até depois da 1h, quando são apagadas as luzes da Torre Eiffel. Em verdade, nem mesmo o velho Lobo do Mar, o boêmio Ernest Hemingway, resistiu ao charme (outro termo francês) e eternizou o espírito de Paris: “se você tiver a sorte de viver em Paris enquanto jovem, aonde quer que você vá, pelo resto de sua vida, Paris estará com você”. Vida noturna: bem mais que Moulin Rouge Quando o assunto é diversão noturna, Paris simplesmente arrasa a concorrência. Um ar “boêmio-falso-decadente” faz de Pigalle um dos lugares mais agitados da cidade. Lá nasceram o “can- can” e os cabarés. Atualmente abriga danceterias e casas noturnas como o famoso Moulin Rouge. É, entretanto, nos decadentes bistrôs da região que você conhece a essência dos franceses, que une de forma quase indissociável arte, moda, culinária, criando a chamada “civilization française”. Chatelêt é um palco privilegiado, que recebe orquestras e óperas. Simplesmente o melhor da música o Château d’Yquem Vintage 1871, além de champanhes e conhaques de inestimável valor. Mas é claro que você, simples mortal, também encontrará uma garrafa ao seu alcance entre as mais de 500.000 em estoque! O que Gerard Depardieu e culinária tem a ver? Tudo! Esse ator, apaixonado pela cozinha, possui dois restaurantes na cidade: o Le Fontaine Gaillon, instalado numa construção histórica de 1672. A cozinha é clássica e Depardieu está sempre por ali. Seja de olho no forno e fogão, seja ajudando na criação de pratos ou circulando pelo salão, quando costuma brindar os clientes com um bom papo e, às vezes, uma taça de vinho ou uma porção de presunto. Excelente exemplo de relação direta entre qualidade e preço, o lugar virou sucesso. A adega do restaurante foi montada com a ajuda do crítico americano Robert Parker, amigo do ator e freqüentador do estabelecimento. Na mesma praça, Gérard Depardieu tem o L’Ecaille de la Fontai- Gastronomia: Aqui se inventou o restaurante. Precisa dizer mais? Em Paris se tem contato com a mais famosa cozinha do mundo. A variedade é grande, e tem para todos os gostos. Obrigatório é conhecer o La Tour D´Argent, um dos restaurantes mais célebres do mundo e que abriu suas portas em 1582. Lá o maitre Frederic faz o seu espetáculo com o pato, a pièce de résistance da casa, grelhado na sua mesa à la goutte de sang. Sem contar a inacreditável adega do restaurante, que resistiu a diversas guerras e revoluções, como a Segunda Guerra Mundial, quando suas preciosas garrafas foram defendidas por Claude Terrail, responsável pela sobrevivência de tesouros como Château-Citran 1858, Château Guaud-Larose 1870, o ancestral dos bordeaux brancos, ne, um pequeno bistrô dedicado a ostras e frutos do mar. Ele divide com a mulher, a atriz Carole Bouquet, a paixão pela gastronomia. Para quem gosta de culinária, a cidade é um prato cheio. Não faltam opções de restaurantes clássicos, modernos, bistrôs e bons vinhos e queijos. Vale a pena dar uma olhada em publicações específicas, como o famoso Guia Michelin. www.apmp.com.br 41 APMP Destinos O berço da arte européia O Louvre é uma atração imperdível. É preciso reservar um dia inteiro (ou mais!) para percorrê-lo e, mesmo assim, não dá para observar tudo. O museu é enorme e tem coleções variadas, para todos os gostos: antiguidades da Grécia e da Mesopotâmia, pinturas francesas e italianas, esculturas renascentistas, mobílias medievais, além do famoso quadro da Mona Lisa que, sozinho, já vale a viagem Mas tem mais. Que tal o maior acervo de arte egípcia do mundo? Ou as coroas do reinado de Luis XV e seus hipnóticos diamantes? Isso é um pouco do Louvre. Você quer mais? Saia de lá, atravesse o Sena e chegue a Gare d’Orsay, uma antiga estação ferroviária que foi transformada num dos maiores museus de arte do mundo. O destaque são as obras impressionistas de Jeau des Paumes, Monet e Renoir, sem esquecer das telas de Van Gogh. Ainda tem disposição? Que tal conhecer um lugar mais visitado que a Torre Eiffel? Duvida que seja possível? Pois o lugar existe e se chama Centre Georges Pompidou. A arquitetura moderna - de plástico e tubos coloridos - contrasta com os antigos prédios de seis andares da vizinhança. O Georges Pompidou ainda abriga o Museu de Arte Moderna, a biblioteca mais freqüentada do mundo, uma cinemateca e inúmeras exposições de fotografia e imensas esculturas. E o povo também contribui para o clima de arte: do lado de fora artistas - e aspirantes - tentam ganhar algum trocado. La Villete abriga um dos mais interessantes monumentos auto-explicativos da ciência do mundo, além da cidade das crianças e da música. E tudo fica ainda mais borbulhante no verão, quando verdadeiras multidões se aglomeram para assistir ao cinema de rua nas paredes da Cidade das Ciências. Também vale a pena conhecer o Museu Rodin, que reúne, além das obras do famoso escultor que lhe dá nome, também as de Camile Claudel, sua amada assistente. Não perca o famoso jardim ao ar livre. Arte espanhola? Que tal Pablo Picasso e Salvador Dali? Há dois museus dedicados aos famosos artistas, com várias cartas, pinturas e esculturas dos mestres. Você ficou meio perdido em meio a tantos museus? 42 www.apmp.com.br Não é para menos. Há, ainda, o Museu de l’Orangerie, o Hôtel de Cluny, o Musée Carnavalet, Egouts de Paris e Les Catacombes. Ufa! Sugere-se a compra da “Carte Musée et Monuments”, válida em 65 museus e monumentos da cidade. Pé na estrada Faça um passeio histórico a pé. Parta do Arco do Triunfo (metrô Charles de Gaulle-Etoile), desça toda a ChampsElysées, boulevar mais chique e caro de Paris. No final do ano, o visual é ressaltado pelas luzes de Natal. Não perca por nada, se lá estiver. Chegue até a Place de la Concorde, onde Luis XVI e sua mulher Maria Antonieta foram guilhotinados. Enquanto estiver atravessando a praça, não deixe de observar, à esquerda, a belíssima Igreja da Madeleine ao fundo, que também vale uma visita. Da Concorde, siga pelo Jardim das Tuileries, onde já existiu um imponente palácio, derrubado durante a Revolução Francesa. No verão, as Tuileries abrigam um parque de diversões. Na roda-gigante, aproveite para observar os telhados de Paris. Compras com grife Paris tem as melhores grifes (mais uma da França) do mundo, reunidas na Rue du Faubourg Saint Honoré, onde há também restaurantes de primeira linha, ateliês de estilistas famosos e emergentes. Você também encontra altacostura na famosa Avenue Montaigne e na Saint Germain des Prés. Na Place Vendôme, as joalherias mais badaladas de Paris. Nas Galeries Lafayette, La Samaritaine e Printemps, lojas de departamento reúnem produtos de beleza, perfumes, utilidades domésticas, roupas e acessórios. Les Halles, Chatelêt e o Centre George Pompidou são a área de maior concentração de jovens na cidade durante o dia. Les Halles, antigo mercado de frutas, abriga um shopping center com 15 cinemas. No Trezième, bairro oriental de Paris, é possível encontrar pechinchas de eletrônicos “made in Taiwan” e os mais baratos pratos chineses. Para quem gosta de variedade, o Marché aux Puces tem feira de roupas usadas e curiosidades todos os domingos. Passeios Na Torre Eiffel, o melhor ponto para se observar e tirar fotografias é partindo dos jardins e espelhos d’água do Trocadero. No verão, turistas descolados de todo o mundo costumam tomar banho no chafariz. Resista à tentação de “escalar” a torre. É puro sofrimento. Use sempre os elevadores. Visite a Catedral de Notre Dame, marco de peregrinação do mundo medieval desde o século 12. Na frente da Notre Dame, desça até a cripta onde estão as primeiras pedras de Paris, do tempo dos romanos. Confira a Sainte Chapelle, dentro do Palais de Justice, de longe a capela mais bonita da cidade. Atrás da Notre Dame, repousa calmamente a Île de Saint Louis, que ainda se conserva como uma área residencial do interior da França. No lado direito do rio Sena, o Quartier Latin continua sendo área de estudantes e intelectuais. As ruas Saint Michel e Saint Germain abrigam os bistrôs mais queridos da boemia francesa. O mais famoso é o Café de Flore, onde a turma de JeanPaul Sartre se reunia. Septième é o lugar da burguesia parisiense e também abriga consulados e a sede mundial da Unesco. O bairro tem também o Hôtel des Invalides, a École Militaire e o Musée des Armées, onde está exposto o caixão de Napoleão. Montparnasse é misto de Quartier Latin e Septième, um bairro classe média, com importante vida noturna. O Cemitério do Père Lachaise é de longe o mais “alegre” do mundo. Namorados fazem passeios românticos entre os túmulos e adolescentes costumam fazer piquenique por lá. Os túmulos mais visitados são o de Jim Morrison, Allan Kardec, Balzac, La Fontaine, Molière, Sarah Bernhardt, Proust, Oscar Wilde, Danton, Edith Piaf, Irmãos Lumiére, Isadora Duncan e Chopin. La Defense é uma área futurista patrocinada pelas principais multinacionais francesas. Confira o moderno Arco do Triunfo, o Grand Arch de La Defense, seus espelhos d’água e esculturas malucas. A Grand Bibliotèque de France, construída em vidro, merece ser conhecida. Passeie de Bateau Mouche - bem diferente da cópia mal feita brasileira - sob as pontes de Paris. Certifique-se de que o bateau passe por Pont Mirabeau, a mais bela de Paris. Fora de Paris, Versailles foi sede da sofisticadíssima corte francesa de Luís XV. Um dos palácios mais ricos do mundo e que mostra até onde o luxo e a ostentação chegaram na França pré-revolucionária. Paris é realmente uma festa, seja para quem procura glamour, gastronomia e cultura. Como dizia Hemingway: “Quando sonho com o paraíso, a ação acontece sempre no Ritz de Paris”. Ano do Brasil na França A cada ano, a França convida um país para apresentar as diferentes variações de sua cultura. As “Saisons Culturelles” (Temporadas Culturais) são organizadas pela Associação Francesa para a Ação Artística, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores. Em 2005, o homenageado foi o Brasil. O Ano do Brasil pretende mostrar que nosso país vai muito além do samba, futebol e carnaval.O foco foi nossa diversidade cultural. Realizaram-se mais de 300 eventos culturais, entre teatro, cinema, dança, fotografia, gastronomia, literatura, esporte, design e artes plásticas. O governo brasileito investiu 40 milhões de reais na preparação, captando recursos através da Lei Rouanet em empresas estatais e privadas. www.apmp.com.br 43 J Cultura & Lazer ohn Lennon 25 anos sem o mito Faz 25 anos que a humanidade vivencia o luto pela perda de um de seus maiores mitos: John Lennon. O líder da banda mais famosa da história, que hoje teria 65 anos, foi um misto de genialidade, polêmica, paz, confusões e muita admiração. Quantas saudades... Nascido em 9 de outubro de 1940 em Liverpool, Inglaterra, o menino-gênio foi batizado como John Winston Lennon (Winston era uma homenagem ao primeiro ministro britânico Winston Churchill). John era um sujeito extremamente marcante. Há quem diga que os Beatles não seriam reconhecidos sem John. Porém, a recíproca não é verdadeira: seria muito difícil John Lennon ter passado por esse mundo sem deixar suas marcas. É difícil dizer exatamente o que impressiona mais em Lennon, da mesma forma que não é fácil detectar o que o fez tão sublime. Uma coisa é fato: foi um homem cheio de experiências, tanto positivas, quanto traumáticas. E seu brilho deve reluzir de um misto dessas sensações e emoções. Exatamente como ele era. Sua história já começou marcada por perdas. Sua mãe, quando grávida, foi abandonada pelo marido, Alfred Lennon, e acabou entregando o que seria um dos maiores gênios da humanidade para sua irmã criar. Ainda que distante da educação de Lennon, a mãe o visitava com freqüência e o ensinou os primeiros acordes musicais em um banjo. Também foi ela quem comprou sua primeira guitarra. A segunda grande perda de John Lennon aconteceu em 1958. Novamente sua mãe o deixou, mas, desta vez, para sempre. Ela se dirigia para uma de suas visitas ao filho quando foi fatalmente atropelada. O que se sabe é que 44 www.apmp.com.br John carregava dolorosas recordações e se lembrava com ressentimento dos momentos de vazio decorrentes da ausência da mãe. Foi para ela que escreveu as músicas “Julia”, “Mother” e “My mummy is dead”. John adorava escrever, mas era um aluno problemático, não gostava de estudar e sempre se envolvia em brigas com outros garotos. Casou-se pela primeira vez em 1962 com Cyntia Powell, sua namorada nos tempos de Liverpool, com quem teve o filho Julian, em 1963. Mas a vida lhe reservara uma grande reviravolta quando o colocou diante da artista plástica Yoko Ono, em 1966. Ela expunha em uma galeria de arte de Londres. Uma de suas obras trazia uma lupa pendurada no teto de uma sala. Ao lado, uma escada. Quem subisse e posicionasse a lupa para o teto podia ler a palavra “Sim”. John se encantou com isso. Ao ser apresentada a ele, um dos homens mais famosos daquela época, Yoko alegou nunca ter ouvido falar dos Beatles. Mas o procurou depois para que financiasse uma exposição sua. Resultado: passaram a viver juntos. Isso representou mudanças consideráveis na vida do músico e da banda. John começou a levar Yoko ao estúdio durante as gravações, atitude que começou a perturbar os outros integrantes do grupo. www.apmp.com.br 45 Cultura & Lazer Decisão pela carreira solo As mudanças foram levando Lennon a optar por uma carreira solo paralela a dos Beatles. E isso se iniciou em 1968, quando lançou o polêmico Two Virgins, que trazia a participação de Yoko Ono. O disco causou rebuliço, pois os dois apareciam nus na capa. O casal, cada vez mais unido, oficializou os laços em 20 de março de 1969, casando-se em Gibraltar. Uma das cenas mais inesquecíveis da história da exótica dupla foi o “Bed in”, um movimento pela paz no mundo que os exibia deitados numa cama, de pijamas. O primeiro durou sete dias e o segundo dez, durante o qual gravaram o clássico “Give peace a chance”. Os três primeiros discos solos de John não obtiveram sucesso algum, pois nada mais eram do que álbuns experimentais. Antes dos Beatles se separarem, John realizou um show em Toronto sem a presença dos outros integrantes da banda. E ele terminou o ano de 1969 devolvendo a medalha M.B.E. (Membro do Império Britânico) que havia recebido em 1965 da rainha da Inglaterra, em protesto ao apoio britânico aos Estados Unidos na guerra do Vietnã. O sonho acabou Quando o fim dos Beatles foi anunciado oficialmente em 1970, Yoko foi acusada por muitos fãs de ser a responsável. O primeiro disco solo de Lennon, após a separação dos Beatles, foi John Lennon Plastic Ono Band. Esse álbum foi influenciado pela terapia primal do Dr. Janov, a qual ele praticava na época. É na música “Well, well, well” que John diz a famosa frase “O sonho acabou”, em referência aos Beatles. E em “God”, ele afirma não acreditar nem nos Beatles e nem em Deus. Ápice e desentendimentos O grande ápice da carreira solo do compositor aconteceu em 1971, com o álbum Imagine. A faixa título estourou e tornou-se, mundialmente, um hino à paz. Nesse momen- 46 www.apmp.com.br to da vida, John alegou que o ex-parceiro Paul McCartney vivia lhe atacando e, em resposta, compôs a música “How do you sleep?”, acusando Paul de fazer música “muzak” (músicas de elevador). Indo além, afirmou que a única coisa que Paul escreveu bem foi “Yesterday” e que o ex-parceiro só sabia escrever canções de amor tolas (silly love songs). Conflitos, paz, separações e política Cada vez mais John tomava uma postura política a favor da paz. Em 1972, ele e Yoko mudaram-se para Nova York e lançaram o álbum Sometime in New York City, com mensagens anti-racistas e anti-sexistas. Naquele disco, John cantou uma música chamada “Sunday Bloody Sunday”, em referência ao domingo sangrento acontecido na Irlanda. Esse foi o momento mais político da vida de John Lennon. Recebia em sua casa vários ativistas e criticava a postura política do presidente americano Richard Nixon. Para se ter uma idéia, o FBI, anos mais tarde, confessou que investigava a vida de Lennon por causa de seu engajamento. Em 1973, mais uma grande mudança em sua vida. Lançou o álbum Mind Games e se separou de Yoko. Voltou para a noite nova-iorquina e lá conheceu May Pang, com quem começou a namorar. Juntos, mudaram-se para Los Angeles e ela o encorajou a participar mais da vida de seu filho Julian, fruto de seu primeiro casamento com Cyntia. Mas a separação com Yoko não durou muito. Um ano depois reataram, à época do lançamento do álbum Wall and Bridges e alcançou sucesso com “#9 Dream” e “Whatever gets you thru the night”. No ano seguinte, John lançou o álbum Rock and Roll, que apresentava suas versões cover para músicas que ouvia na adolescência, mas o nascimento de Sean, seu filho com Yoko, o fez abandonar a carreira por um tempo para se dedicar à família. Foram cinco anos de reclusão. Em 1980, John Lennon voltou a gravar um novo álbum, Double Fantasy, e a música “Starting Over” entrou na lista das paradas americanas. A grande tragédia The Beatles: o fenômeno E eis que na noite de 8 de dezembro de 1980 não apenas o coração de Lennon, mas o do mundo inteiro parou. Ele voltava para o seu apartamento, no edifício Dakota, em frente ao Central Park, quando foi abordado por um rapaz que, durante o dia, lhe pedira um autógrafo. Mark David Chapman era um fã dos Beatles e de John. Ele sacou um revólver calibre 38 e, da maneira mais inesperada, atirou. A polícia chegou em minutos e levou John na própria viatura para o hospital. Apenas com um livro nas mãos, “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J. D. Salinger. Chapman permaneceu no local. Horas depois, a imprensa divulgava: Jonh Lennon morrera, com 40 anos de idade e o mundo inteiro aos seus pés. Assim que a notícia se espalhou, uma multidão se juntou em frente ao Dakota para homenageá-lo, levando velas e cantando suas músicas. A dor podia ser vista, ouvida e assistida em todos os países por pessoas que choravam a morte de um dos ícones de toda uma geração. Após a morte de John, foi criado um memorial chamado Strawberry Fields Forever, no Central Park, em frente ao Dakota. Alguns discos póstumos foram lançados, como Milk and Honey, com sobras de músicas de Double Fantasy. Várias coletâneas, além do inédito Accoustic foram lançados em 2005. Milhões de discos vendidos, estádios lotados, fãs enlouquecidas, excursões pelo mundo. Esse é o retrato do ápice de uma banda de Liverpool, cidade portuária da Inglaterra, de onde saíram quatro jovens que mudaram todo o conceito de rock and roll no mundo: os Beatles. No final do década de 50, John Lennon, que já tinha uma banda com colegas de escola (The Quarrymen), convidou Paul McCartney para se integrar ao grupo. Paul chamou seu amigo de escola e guitarrista George Harrison, enquanto John trazia Stu Sutcliffe para tocar baixo. Em 1960, Pete Best assumiu as baquetas, que ocupou até ser substituído por Ringo Starr. O nome The Beatles é um trocadilho com beetles (besouro) e beat (que significa batida ou compasso ritmado). Mas antes disso, o grupo se chamou Johnny and the Moondogs e The Silver Beatles. Foram descobertos pelo empresário Brian Epstein, que os viu tocar no famoso Cavern Pub. E com essa formação o grupo gravou o single Love Me Do, lançado em outubro de 1962 pela Parlephone (EMI). Seguiu-se algo inédito na história do rock: a Beatlemania. Enormes vendas de discos, inúmeras viagens feitas aos EUA e o arrebatador sucesso de filmes como A Hard Day’s Night (Os Reis do Iê, Iê, Iê) indicavam o fenômeno de popularidade do grupo de rock destes quatro rapazes de Liverpool. Eles inventaram termos e ritmos, assim como os videoclipes. O Apanhador no Campo de Centeio Mark David Chapman alegou que cometeu o assassinato porque obedecia a vozes que o mandavam executar essa tarefa, que, pela psiquiatria, é caracterizado como distúrbio de esquizofrenia. Condenado a uma pena de 20 anos à prisão perpétua, Chapman matou Lennon no dia 8 de dezembro de 1980 em frente ao edifício Dakota, onde o ex-Beatle vivia. Horas antes, Lennon autogra- fara para Chapman uma cópia de seu recém-lançado álbum Double Fantasy. Chapman, então com 25 anos, citou o romance “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D. Salinger, como inspiração para o crime. Dizia se identificar com o protagonista do livro, que odiava a falsidade, e baleou Lennon porque o considerava um hipócrita. www.apmp.com.br 47 S Gastronomia 48 ão Paulo Babel Gastronômica www.apmp.com.br São Paulo abraça com otimismo as diferenças culturais. Aliás, uma de suas principais características é a de abranger uma diversidade imensa de etnias e, com elas, verdadeiras pérolas gastronômicas. Encontra-se de tudo: cozinha tailandesa, chinesa, japonesa, árabe, alemã, marroquina, portuguesa, peruana, entre muitas outras. Alguns restaurantes prezam pela fidelidade cultural. Seguem à risca a tradição alimentar, conservam os hábitos e são rigorosos na maneira de servir os alimentos. Outros já preferem adaptar os pratos à la Brasil. Mas a verdade é que o brasileiro, em especial o paulistano, mostra-se muito aberto e receptivo às mais diversas culturas, gosta de se aventurar em restaurantes exóticos e experimentar os mais variados sabores e temperos do mundo. E é por isso mesmo que se pode afirmar que São Paulo é uma verdadeira babel gastronômica. Abdel Ghafour, proprietário do restaurante marroquino Agadir, em Pinheiros, está à frente do negócio há cinco anos. Sempre teve vontade de comercializar algo que representasse sua nacionalidade e, com o incentivo de amigos, levou a idéia adiante. “Aqui servimos pratos autênticos. Tudo o que temos é original e feito de acordo com o que é servido lá”. Ele explica que a base dessa cozinha é o trigo, diferente do Brasil, onde quem manda é o arroz. Um dos pratos típicos que está se tornando cada vez mais conhecido em São Paulo, segundo Abdel, é o “cuscus marroquino”. O curioso é que, em Marrocos, come-se com a mão. “Deixo as pessoas livres para comerem do jeito que preferirem, com talheres ou com as mãos”, comenta. Apesar de serem restaurantes, ao mesmo tempo, tradicionais e exóticos, a freqüência de clientes é bastante equilibrada: metade brasileiros e metade estrangeiros, dado que revela o quanto o mercado da capital é receptivo a esse tipo de negócio. Outros restaurantes já preferem dar um toque de modernidade, como o East, que desenvolve pratos baseados nas cozinhas da Tailândia, Vietnã, Índia, Corêia, China e Japão, trazendo, porém, a perspectiva brasileira. Aliás, a cozinha tailandesa é uma das mais exóticas e variadas. Utiliza-se de um eclético uso de temperos e condimentos e é bastante inspirada pela Índia, valendo-se de gengibre, cardamomo, galanga etc. A cozinha chinesa, por exemplo, é um dos exemplos mais visíveis de crescimento e aceitação no paladar dos brasileiros. Notoriamente as redes de fast food desse segmento cresceram, restaurantes tradicionais incrementaram seus cardápios e se estabilizaram na capital. Rolinho primavera, yakisoba e frango xadrez são nomes comuns no vocabulário nacional. Chen Miao Ci Chi (Natália), proprietária do restaurante China Kwon Min, comanda o estabelecimento há 11 anos. Ela confirma que a demanda cresceu bastante durante os últimos anos, mas garante que é fundamental inserir novidades. “Brasileiro gosta de experimentar novos sabores. E eles aderem mesmo à cultura. Tenho clientes aqui que têm postura idêntica à dos chineses. Tomam sopa, chás, enfim, fazem tudo o que a tradição pede”. No caso desse restaurante, um dos diferenciais é que são servidos pratos típicos da região sul da China e também os da região Nor- www.apmp.com.br 49 Gastronomia te. E lá o macarrão é caseiro, preparado com as mãos, tira por tira, cortadas por facas, não máquinas. “Somos bastante tradicionais. Inclusive um de nossos pontos fortes é o pastel, que fazemos exatamente como na China: um lado torradinho e o outro branquinho, feito no vapor”. A culinária chinesa é muito mais abrangente do que se serve aqui, pois no Brasil é proibida a comercialização de carnes de gatos, cachorros, cobras. Mas Natália garante que são pratos deliciosos e que, quando chega na China, a primeira coisa que faz é apreciar uma bela carne de cachorro! Devido à grande variedade geográfica, cultural e climática, a culinária espanhola é composta de diferentes tipos de pratos fortemente influenciados pela variedade de frutos do mar. A Espanha é o segundo maior consumidor de peixes, perdendo apenas para o Japão. Por ter uma história dotada de muitas influências culturais, a riqueza e variedade da sua comida é impressionante. E quem é que resiste a uma paella bem feita? A cozinha italiana já tem tanto espaço na mesa dos brasileiros que praticamente o bairro do Bixiga todo é tomado por restaurantes italianos. Ninguém dispensa uma bela massa. As pizzas fazem parte do dia-a-dia do brasileiro. Prova disso são as pizzarias: inúmeras e com custos bastante acessíveis. Tanto que a criatividade brasileira já inseriu no menu “redondas” bastante inusitadas, como de abobrinha e carneseca. A culinária portuguesa é caracterizada por possuir pratos ricos, saborosos e não tão caros. É bastante influenciada pelas antigas colônias, e também pelas cozinhas árabe e moura. Em comum com o Brasil, a utilização do alho em demasia e ervas como a salsa. Por ser uma nação com vocação marítima, abusam dos peixes e frutos do mar em seus cardápios. Dentre eles, o delicioso e tão tradicional bacalhau, que, dizem, pode ser preparado de 365 maneiras, uma para cada dia do ano. Coreanos também têm sua vez em meio a tantos temperos. Hyoza Moon Cho (Madalena), proprietária do Restaurante Lua Palace, disse que há 12 anos, quando começou o negócio, 90% dos fregueses 50 www.apmp.com.br O que vale é experimentar. E baseado neste perfil do brasileiro, que procura conhecer as tradições e degustar diferentes pratos, a APMP ofereceu um giro pelo mundo através de um delicioso jantar de final de ano, cujo cardápio incluiu um pouquinho do que se aprecia em outras nações. Os pratos foram minuciosamente preparados por conceituados chefs, sushimen e cozinheiros, que apresentaram o melhor de cada nacionalidade. eram estrangeiros. “Agora, é meio a meio”, afirma. A comida japonesa é leve, de fácil digestão e não deixa de ter um toque romântico, que consiste em dividir o prato em uma mesma bandeja e, dependendo do clima, levar a comida à boca do acompanhante. Especialistas alegam que para apreciar o cardápio japonês é preciso dedicar mais de uma hora para almoçar ou jantar, e assim concretizar todo o ritual de molhar o sushi e o sashimi no shoyo e utilizar o gengibre e o wassabi (massa verde de sabor forte). Apesar de não ter todos os nutrientes necessários para a alimentação completa, a comida japonesa é equilibrada e sadia. www.apmp.com.br 51
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