Nefropatia Diabética Marcelo Nonato Cavalcanti

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Nefropatia Diabética Marcelo Nonato Cavalcanti
Nefropatia Diabética
Marcelo Nonato Cavalcanti de Albuquerque
A nefropatia diabética se caracteriza por albuminúria persistente, agravamento da
proteinúria, hipertensão arterial e insuficiência renal progressiva. Um terço dos
pacientes com diabetes melitus tipo 1 e tipo 2 desenvolvem nefropatia diabética.
A principal característica patológica da nefropatia diabética é a glomeruloesclerose, que
resulta de um aumento progressivo da matriz extracelular do mesângio glomerular e um
espessamento das membranas basais glomerulares. A Glomerulosclerose diabética é a
principal causa de doença renal terminal nos Estados Unidos, Europa e Japão.(1)
Em 1936, Kimmelstiel e Wilson (2) relataram uma série de oito autópsias,
onde foi observado espessamento das regiões intercapilares com a formação de
nódulos. Foi sugerido que a combinação de diabetes mellitus e aterosclerose era
responsável pelos achados.
Os autores concluíram que a lesão identificada representava as mudanças típicas do
glomérulo que ocorrem em pacientes com diabetes mellitus de longa data e
denominaram estas alterações de glomeruloesclerose intercapilar difusa.
Os achados morfológicos da nefropatia diabética nos pacientes do tipo 1 e tipo 2 se
sobrepõem de forma significativa e se mostram sem valor para separar as duas
entidades. Nos diabéticos tipo 2, se observam alterações vasculares mais significativas e
uma
maior
heterogeneidade nas
lesões
glomerulares pelos
efeitos de comorbidades como, a hipertensão, obesidade e idade. (3)
Alterações morfológicas da Nefropatia diabética:
O período entre o início das manifestações clínicas do diabetes e as alterações
morfológicas específicas é estimado em torno de 10 anos. Este período é caracterizado
por hiperperfusão, aumento do tamanho dos rins, glomérulos grandes e hiperfiltração
(4).
As alterações hemodinâmicas glomerulares decorrem do aumento do fluxo glomerular e
de uma elevada pressão hidrostática transcapilar resultante de uma diminuição da
resistência das arteríolas, tanto aferentes quanto eferentes. Tem sido implicados
nesse fenômeno os prostanóides, o óxido nítrico, o fator natriurético atrial, o hormônio
do crescimento, o glucagon, a insulina e a angiotensina II . A pressão intraglomerular
elevada tem sido associada à superprodução de matriz mesangial e lesão podocitária.
O espessamento da membrana basal glomerular é a primeira mudança no glomérulo e
se acentua com a duração da doença (5). A alteração inicial é detectável como uma
manifestação precoce da deposição de material na membrana basal que é responsável
pelo aumento na espessura.
Concomitante ao aumento nas membranas basais glomerulares, ocorre a deposição de
matriz mesangial levando à expansão mesangial. Esse achado por si, é inespecífico e
pode ser visto nos estágios iniciais de qualquer doença glomerular primária e até mesmo
como uma mudança reativa nos glomérulos em pacientes com doenças intersticiais,
tubulares ou vasculares.
Portanto, o valor do diagnóstico desse achado é bastante limitado. A partir do momento
em que a expansão mesangial se torna nodular, o diagnóstico fica muito mais
específico para a nefropatia diabética. A expansão mesangial nodular não é encontrada
apenas na nefropatia diabética, mas é um bom marcador do seu diagnóstico.
Os Nódulos mesangiais podem variar desde levemente hipercelular no início ou até
mesmo quase paucicelular/acelular, e são positivos com o PAS (ácido
periódico de Schiff). Quando o mesangio se apresenta hipercelular, devemos ficar
alertas para não confundir o diagóstico de nefropatia diabética em estágios iniciais com
a glomerulonefrite membranoproliferativa.
A formação de crescentes é observada em menos de 5% das biópsias com
glomerulosclerose diabética e ,quando presentes, deve-se considerar a possibilidade de
uma
glomerulonefrite
sobreposta como as
vasculites ANCA associadas ou a
glomerulonefrite anti mebranabasal glomerular.
Arterioesclerose e arterioloesclerose são achados típicos da glomeruloesclerose
diabética. Hialinose arteriolar no hilo glomerular está presente na glomeruloesclerose
diabética e afeta a aferente e a eferente. A esclerose hialina secundária à hipertensao
arterial acomete a aferente, mas não a arteríola eferente.
A primeira mudança tubular é o espessamento das membranas basais tubulares que é
análoga à doença crônica progressiva, os túbulos se tornam atróficos e o interstício
desenvolve fibrose e inflamação crônica. Essas mudanças tubulointersticiais crônicas se
assemelham a qualquer forma de doença glomerular progressiva.
A glomeruloesclerose diabética típica é diagnosticada com precisão pela microscopia de
imunofluorescência. É caracterizada pela coloração linear da membrana basal
glomerular com anti-soros específicos para imunoglobulina G (IgG) e outras proteínas do
plasma, embora a coloração para IgG seja mais brilhante. A cadeia leve Kappa é mais
brilhante do que a coloração da cadeia leve lambda. A microscopia de
imunofluorescência
é
útil
para
excluir outras doenças glomerulares que
podem simular a glomeruloesclerose diabética na microscopia de luz, como a doença
de depósito de cadeia leve ou pesada, a glomerulonefrite membranoproliferativa,
a glomerulonefrite fibrilar e a amiloidose. A cápsula de Bowman e a membrana basal
tubular (MBT), muitas vezes, mostram coloração linear.
O exame ultra-estrutural com a microscopia eletrônica confirma as anormalidades
estruturais verificadas pela microscopia de luz e ajuda na exclusão de
outras doenças glomerulares que são semelhantes à glomeruloesclerose diabética.
Assim, na doença de depósito de cadeia leve ou pesada observamos densidade granular
na membrana basal glomerular, na glomerulonefrite membranoproliferativa
vemos depósitos
subendotelias
ou
depósitos
densos
intramembranosos
e na glomerulonefrite fibrilar ou na amiloidose seriam vistos depósitos com uma
estrutura fibrillar.
Classificação:
Para uma melhor compreensão da nefropatia diabética, uma classificação patológica
unificadora tem sido proposta para abranger lesões renais observadas nos pacientes
portadores de diabetes tipo 1 e 2 . O objetivo é que a classifcação seja capaz de
relacionar alterações estruturais nos rins com as manifestações clínicas. Nos diabéticos
as alterações glomerulares podem ser divididas em quatro classes:
Classe I: Caracterizada pelo espessamento da membrana basal glomerular, comprovada
apenas por microscopia eletrônica e as alterações não específicas leves por microscopia
de luz que não satisfazem os critérios para qualquer uma das outras classes.
Classe II: Engloba a expansão mesangial, que está dividido em leve (IIa) ou grave (Ilb),
mas sem nódulos mesangiais identificáveis . Esta categoria é análoga ao que tem sido
referido como "glomeruloesclerose diabética difusa”.
Classe III: É referida como glomerulosclerose nodular. Ao menos, um nódulo mesangial
deve estar presente em um glomérulo para ser incluído nesta categoria. Não mais que
50% dos glomérulos globalmente esclerosadas devem estar presentes na amostra
examinada.
Classe IV: Representa uma forma mais avançada da glomerulosclerose nodular com mais
de 50% dos glomérulos globalmente esclerosados na amostra.
Esta classificação serve a vários propósitos:
1) melhora a comunicação entre os patologistas renais e com a comunidade médica;
2) fornece critérios estruturais a serem utilizados para estudos de prognóstico e de
intervenção;
3) facilita o gerenciamento clínico dos pacientes, utilizando parâmetros morfológicos
para avaliar a eficácia de diversas intervenções em retardar a progressão da doença
renal e auxiliar na determinação da necessidade de outras manobras terapêuticas.
Esta classificação é baseada nas alterações glomerulares, fáceis de reconhecer,
apresenta boa concordância entre os observadores e porque as lesões glomerulares
são melhores em refletir o curso natural da nefropatia diabética progressiva.
Nesta classificação, alterações intersticiais, tubulares e vasculares não foram incluidas.
Diagnóstico diferencial:
Do ponto de vista estrutural, as lesões encontradas na nefropatia diabética não são
específicas. Há uma gama de diagnósticos a serem considerados de acordo
com as alterações presentes.
O espessamento da membrana basal glomerular isoladamente pode ser uma alteração
inespecífica na nefroesclerose hipertensiva. Esta entidade é acompanhada por
alterações na vasculatura renal que são comuns na nefropatia diabética, por vezes
precedendo as alteracoes glomerulares típicas.
A glomeruloesclerose nodular deve instigar um diagnóstico diferencial amplo. Enquanto
nefropatia diabética é a patologia mais comumente responsável pela formação de
nódulos mesangiais, estes não são específicos.
Um diagnóstico diferencial para a glomeruloesclerose diabética é a Doença de depósito
de cadeia leve ou pesada (6). Neste caso, a detecção de cadeias leves ou de cadeias
pesadas no glomérulo, interstício ou na vasculatura permite o diagnóstico preciso.
Há situações em que a deposição das proteínas monoclonais pode ser sutil ou
precoce e a
imuno-fluorescência ser
bastante
tênue.
É
um
desafio
diagnosticar doença de deposição de cadeia leve ou pesada em um paciente com
nefropatia diabética. As alterações glomerulares se sobrepõem significativamente e
na nefropatia diabética fica difícil detectar proteínas anormais no glomérulo. Muitas
vezes,
é
mais
fácil
identificar a
proteína
monoclonal
no
compartimento tubular, geralmente ao longo das membranas basais tubulares e
confirmar a sua presença por meio de microscopia de imunofluorescência ou eletrónica.
Há um subgrupo de pacientes com a chamada glomerulosclerose nodular idiopática.
Esta entidade foi descritos por Alpers (56) e Biava em 1989 e em 1999 (7). Herzenberg et
al adotou o termo glomeruloesclerosenodular idiopática para se referir a esta
condição. Estes pacientes exibem resultados da biópsia renal idênticos aos observados
na nefropatia diabética. Esta entidade foi epidemiologicamente ligada à hipertensão e
ao tabagismo. A incidência da doença é baixa e foi encontrada em 0,45% das 5.073
biópsias renais examinadas na Universidade de Columbia, em um período de 5 anos (8).
Os estudiosos da glomeruloesclerose nodular idiopática excluíram de suas
séries, pacientes diabéticos.
Outras entidades devem ser consideradas para o diagnósticoo diferencial. Assim temos
a glomerulonefrite membranoproliferativa com glomérulos lobulados, a amiloidose, a
glomerulonefrite
fibrilar e a glomerulopatia imunotactóide. A combinação
de microscopia óptica, colorações especiais, imunofluorescência e microscopia
eletrônica é suficiente para fazer o diagnóstico correto, na grande maioria dos casos. (8)
Doenças superpostas
Pacientes diabéticos com doença renal atribuível à sua doença de base normalmente
não são biopsiados a menos que o curso clínico da doença renal não seja o usual.
Certas situações clínicas podem justificar a realização de uma biópsia renal, como uma
progressão para insuficiência renal mais rápida do que o esperado, anormalidades
laboratoriais como a presença de proteínas monoclonais circulantes, sorologia positiva
para doença do colágeno, ANCA no soro ou proteinúria nefrótica franca.
Um dos fatores que dificultam a compreensão das alterações estruturais da nefropatia
diabética é a associação de outras condições que modificam as alterações típicas dessa
doença.
Virtualmente, qualquer processo mediado por imunocomplexo pode ser visto em um
paciente com nefropatia diabética e a biópsia renal é indicada se existe tal suspeita
clínica. A Imunofluorescência e a microscopia eletrônica vão identificar os achados
específicos associados a estes processos sobrepostos.
Há condições intersticiais e tubulares, como a necrose tubular aguda e a nefrite tubulo
intersticial, que podem acelerar a perda da função renal em pacientes com nefropatia
diabética. A biópsia renal é fundamental para o diagnóstico diferencial nesses casos.
O mesmo ocorre para as doenças vasculares sobrepostas, identificadas nas biópsias
renais. Algumas delas incluem microangiopatia trombótica crônica e vasculites.
A presença de proteínas monoclonais na biópsia renal detectada
pela imunofluorescência,
alterações
proliferativas
glomerulares,
necrose glomerular, crescentes e imunocomplexos detectáveis através de
imunofluorescência ou microscopia electrônica indicam um processo sobreposto num
paciente diabético.
A possibilidade de doença concomitante alerta o médico para tratar os pacientes com o
intuito de melhorar a função renal. Freqüentemente, a resposta clínica é baixa e, por
vezes, bastante lenta. O dano ao parênquima renal causado pela nefropatia
diabética faz a recuperação destas condições sobrepostas muito mais difíceis.
Proliferação Mesangial com Nódulos
Esclerose nodular, espessamento da membrana basal
glomerular, hialinização da arteríola aferente e
eferente. Sem depósitos.
Doença de Depósito de Esclerose nodular, Kappa ou Lamba + no glomérulo e
Cadeia leve
na membrana basal tubular. Depósitos amorfos no
glomérulo na microscopia eletrônica.
Glomerulonefrite
Pode ser nodular com duplo contorno da membrana
Membranoproliferativa basal e depósitos na IF, depósitos subendoteliais e
mesangiais na microscopia eletrônica.
Amiloidose
Relativamente acelular, Espículas do tipo “Moicano” na
microscopia de luz, fibrilas na microscopia eletrônica,
Vermelho do Congo positivo,
Glomeruloesclerose
Glomeruloesclerose nodular onde se exclui outros
nodular idiopática
diagnósticos. Comum em grandes fumantes.
Nefropatia Diabética
Tratamento
O tratamento da nefropatia diabética está alicerçado em três pilares: controle
glicêmico, controle da hipertensão arterial e bloqueio do sistema renina
angiotensina aldosterona. Este último, têm sido alvo de diversos estudos
recentes para esclarecer qual a melhor forma de retardar a progressão da
nefropatia diabética frente às possibilidades de bloqueio farmacológico duplo
(inibidores de enzima de conversão da angiotensina e bloqueadores do receptor
de angiotensina) do sistema e associações com antagonistas da aldosterona
(espironolactona) e inibidor direto da renina (aliskireno). Atualmente, a
literatura falhou em demonstrar benefício clínico do bloqueio duplo, apesar da
redução da albuminúria, adicional ao ônus de maior incidencia de hipercalemia e
lesão renal aguda em pacientes com nefropatia diabética.
Bibliografia:
1. Parving HH. Diabetic nephropathy: prevention and treatment. Kidney Int
60:2041-2055, 2001
2. Kimmelstiel P, Wilson C. Intercapillary lesions in the glomeruli of the
Kidney. Am. J Pathol. 1936;12:83-98.7.
3. Dalla Vestra M, Saller A, Mauer M, Fioretto P. Role of mesangial expansion
in the pathogenesis of diabetic nephropathy. J Nephrol. 2001;14 Suppl
4:S51-7.
4. Mogensen CE, Andersen MJ. Increased Kidney size and glomerular
filtration rate in early juvenile diabetes. Diabetes. 1973;22:706-12.
5. Mauer SM, Steffes MW, Ellis EN, Sutherland DE, Brown DM, Goetz FC.
Structural-functional relationships in diabetic nephropathy. J Clin Invest.
1984;74:1143-55
6. Turbat-Herrera EA. Overview of models for the study of renal disease. In;
Herrera GA, editor. Experimental models of renal diseases: pathogenesis
and diagnosis, Contributions to nephrology series, vol. 169. Basel: S
Karger AG; 2011. P.1-5
7. Herzenberg AM, Holden JK, Singh S, Magil AB, Idiophatic nodular
glomeruloesclerosis, Am J Kidney Dis. 1999;34:560-4
8. Markowitz GS, Lin J, Valeri AM, Avila C, Nasr SH, D’Agati VD. Idiophatic
nodular glomerulosclerosis is a distinct clinicopathologic entity linked to
hypertension and smoking. Hum Pathol. 2002;33:826-35