eliene gomes vanderlei mardegan

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eliene gomes vanderlei mardegan
ELIENE GOMES VANDERLEI MARDEGAN
AVALIAÇÕES EXTERNAS E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES
DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NOS DISCURSOS SOBRE AS
PRÁTICAS EM ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO / SP
2014
ELIENE GOMES VANDERLEI MARDEGAN
AVALIAÇÕES EXTERNAS E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES
DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NOS DISCURSOS SOBRE AS
PRÁTICAS EM ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade
da Cidade de São Paulo – UNICID, como
requisito para obtenção do título de
Mestre em Educação sob orientação da
Prof. Dr. Julio Gomes Almeida.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO / SP
2014
Ficha Elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
S729d Mardegan, Eliene Gomes Vanderlei.
AVALIAÇÕES EXTERNAS E QUALIDADE
DA EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES DAS
AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NOS
DISCURSOS SOBRE AS PRÁTICAS EM
ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE
ENSINO DE SÃO PAULO. / Eliene Gomes
Vanderlei Madergan. --- São Paulo, 2014.
156 p.
Bibliografia
Dissertação (Mestrado) – Universidade
Cidade de São Paulo - Orientador: Prof. Dr.
Julio Gomes Almeida.
1. Educação. 2. Qualidade. 3. Avaliação
externa. 4. Prova São Paulo. 5. Prova da
Cidade I. Almeida, Julio Gomes, orient. II.
Título.
CDD 371.1
Banca Examinadora
_____________________________________
Prof. Dr. Julio Gomes Almeida
_____________________________________
Profª. Dr. Margaréte M. B. Rosito
_____________________________________
Profª. Dr. Sandra Zákia Lian de Sousa
AGRADECIMENTOS
A Deus, por mais essa oportunidade de compartilhar com amor essa festa
que é a vida.
A meus pais Edvaldo e Maria e toda minha amada família, por me fazerem
quem sou, por serem ampla e amorosamente acolhedores e incentivadores de
muitos sonhos e realizações.
Ao Rogério pelo amor, incentivo e alegria.
Ao Professor Doutor Julio Gomes Almeida por me incentivar a aceitar este
desafio, pela dedicação e disponibilidade durante o trajeto da pesquisa e por ser
parte desta festa.
Aos Professores do Curso de Mestrado em Educação da Universidade
Cidade de São Paulo pelos ensinamentos e respeito.
Às professoras das bancas de qualificação e defesa pelo carinho e
competência com que acolheram meu trabalho e colaboraram com meu
crescimento.
Às Coordenadoras Pedagógicas e às Equipes Escolares que compartilharam
seus conhecimentos, história e esperanças meu respeito e gratidão.
Aos amigos da DRE São Mateus que em outros momentos desta festa foram
meus colegas professores, meus diretores e meus supervisores, mas sempre
amigos.
Aos amigos que fiz neste caminho, Daniela e Janete, pela generosidade e
doçura.
À Maria Thais por tudo que me ensinou quando trabalhamos juntas e por mais
esse competente trabalho de revisão.
À Janaina e ao Toninho, amigos de todos os momentos, agradeço pela
alegria, amizade.
Enfim,... é impossível ser feliz sozinha...
Aos alunos que me fizeram apaixonar pela Educação.
Aos meus sobrinhos que me fazem ser apaixonada pela
vida!
Rogério, Elaine e Emerson, amigos.
Janaina e Toninho, irmãos.
Se eu tivesse mais alma para dar eu daria, isso pra mim
é viver!
RESUMO
Neste trabalho aborda-se as repercussões das avaliações externas na organização
do trabalho escolar em escola pertencentes a rede pública municipal de educação
de São Paulo. São destacados conceitos que hoje organizam as discussões sobre
avaliação escolar nas unidades e sistemas de ensino tais como avaliações em larga
escala, medidas de qualidade em educação, qualidade de ensino, regulação e
contra regulação, responsabilização, entre outros. A sua realização se deu por meio
de um levantamento bibliográfico sobre a questão da avaliação e qualidade da
educação a partir dos estudos de autores como Gatti (2002), Souza e Oliveira
(2010), Freitas (2005), Afonso (2005), entre outros, que foi completado por
entrevistas semiestruturadas com coordenadoras pedagógicas que atuam em
escolas municipais. Os resultados indicam uma tendência de mobilização das
escolas no sentido de ajustamento de seu processo escolar à busca de melhores
resultados nestas avaliações. Verifica-se também que a partir da edição da Prova da
Cidade surge na rede uma possibilidade de diálogo entre os professores e as
avaliações externas com a inclusão das discussões dos itens dessa avaliação nas
discussões nos horários de trabalho coletivo das unidades.
Palavras chaves: Educação; Qualidade; Avaliação externa; Prova São Paulo; Prova
da Cidade.
ABSTRACT
This work discusses the repercussions of external evaluations in the organization of
school work in school belonging to municipal education of São Paulo. We emphasize
concepts that today organize discussions on school evaluation inside the teaching
systems such as large-scale assessments, measures of quality of education, quality
of education, regulation and against regulation, accountability, among others factors.
In order to carry out our study, firstly was investigated the literatures and the studies
of main authors such as Gatti (2002) and Souza Oliveira (2010) Freitas (2005),
Afonso (2005) , among others, that talks about the subject of evaluation and quality
education in addition, semi -structured interviews with pedagogical coordinators who
work in public schools were supplemented. The results indicate a tendency to
mobilize schools to their school adjustment process to search for better results in
these evaluations. It also shows that the publishment of “Prova da Cidade” in the
school system arises a possibility of dialogue between teachers and external
evaluations to include discussions of the results from these evaluations at collective
work inside the schools.
Keywords: Education, quality, external evaluation, Prova São Paulo, Prova Cidade.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ANA
Avaliação Nacional de Alfabetização
ANEB
Avaliação Nacional da Educação Brasileira
ANRESC
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
CAPES
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior
CENPEC
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação,
Cultura e Ação Comunitária
CERI
Centro para a Investigação e Inovação Educacional
DOC
Diário Oficial da Cidade
DOT-P
Diretoria de Orientação Técnica – Pedagógica
DRE
Diretoria Regional de Ensino
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA
Educação de Jovens e Adultos
ENEM
Exame Nacional do Ensino Médio
GT
Grupo de Trabalho
IDEB
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDH
Índice de Desenvolvimento Humano
INDIQUE
Índice de Qualidade da Educação
INEP
Instituto
JEIF
Jornada Especial Integral de Formação
JTI
Jornada de Tempo Integral
LDB
Lei de Diretrizes e Bases
LEFM
Lei do Ensino Fundamental e Médio
MEC
Ministério da Educação e Cultura
OCDE
Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico
PCN
Parâmetros Curriculares Nacionais
PEA
Programa Especial de Ação
PIC
Projeto Intensivo no Ciclo I
PISA
Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes
SAEB
Sistema de Avaliação da Educação Básica
SARESP
Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do
Estado de São Paulo
SENAI
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SME
Secretaria Municipal de Educação
SPPO
Sistema de Planejamento, Programação e
Orçamento
TCT
Teoria Clássica de Testes
TRI
Teoria de Resposta ao Item
UNESCO
Organização para a Educação, a Ciência e a
Cultura das Nações Unidas
USAID
United States Agency for International Development
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1 ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA: A CULTURA AVALIATIVA E A
ORGANIZAÇÃO EM CICLOS
16
1.1 Educação no Brasil: tendências pedagógicas e avaliação
18
1.2 Democratização do acesso: novo público chega à escola
26
1.3 Facilitação do percurso como antídoto para o fracasso
33
1.4 As novas exigências do mercado globalizado
35
2 IMPLANTAÇÃO DOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO
41
2.1 Finlândia
45
2.2 Estados Unidos da América
48
2.3 Portugal
52
2.4 Brasil
56
2.5 As avaliações externas na rede municipal de São Paulo
67
3 AVALIAÇÃO EXTERNA: IMPLICAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
ESCOLAR
73
3.1 Introdução
73
3.2 São Mateus: um território com grandes desafios
76
3.3 A coordenação pedagógica: os mesmos problemas, caminhos diferentes
3.3.1 Letícia
3.3.2 Angélica
3.3.3 Lúcia
3.3.4 Marcela
3.3.5 Rafaela
80
81
83
86
88
91
3.4 O Coordenador pedagógico e a formação na rede municipal
95
3.5 Avaliação externa e qualidade da educação
101
3.6 Trabalho escolar no contexto das avaliações externas
105
3.7 Interface entre as avaliações internas e externas
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
117
REFERÊNCIAS
121
ANEXOS
127
Anexo 1 – Roteiro de entrevista semiestruturada
Anexo 2 – Entrevistas com Coordenadoras Pedagógicas
127
128
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa assume como objeto de estudo as avaliações externas como
medida de qualidade do ensino na Rede Municipal de São Paulo. No seu
desenvolvimento, busca-se compreender a repercussão destas avaliações nos
diversos aspectos relativos às práticas das escolas pertencentes a esta rede. Para
isso, assume como locus algumas escolas situadas na região de São Mateus e
Sapopemba, zona leste da cidade. O principal objetivo foi identificar indícios da
influência dos resultados destas avaliações nos discursos sobre as práticas
escolares, especialmente, as práticas de formação continuada dos professores.
A ideia inicial foi verificar esta possível influência, tomando como referência a
Prova São Paulo, que havia sido instituída em 2007 e foi aplicada aos alunos da
rede municipal até 2012. Contudo a gestão que se iniciou em 2013 não deu
continuidade à implantação de um sistema próprio de avaliação. Desta forma, temos
como referência para a pesquisa as avaliações externas em sentido amplo. Embora
a Prova São Paulo não esteja sendo mais aplicada, não poderia deixar de fazer
referência a ela, pois o seu nascimento e curta existência foram saudados como a
possibilidade de criação, na rede pública municipal de São Paulo, do INDIQUE Índice de Qualidade da Educação - de cuja composição os resultados obtidos pelos
alunos na Prova São Paulo fariam parte. Tal índice pretendia “medir o desempenho
das escolas da rede” atrelando-o à política de bônus, premiando “os profissionais da
educação pelo seu desempenho”, conforme anunciado no editorial do INDIQUE 1,
elaborado pela Secretaria Municipal de Educação e publicado no portal oficial.
O anúncio pela Secretaria Municipal de Educação (SME) da criação de um
índice utilizando como um dos indicadores os resultados obtidos pelos alunos nessa
prova gerou muitas críticas e o mesmo acabou não sendo consolidado. Refletir
sobre esse caso é importante porque ele constitui indicativo do uso que
frequentemente é feito com os índices que tem como indicador principal o
1
Na rede pública municipal de São Paulo a partir de 2011 a nota dos alunos na Prova São Paulo fará
parte do INDIQUE – Índice de Qualidade da Educação – que pretendia “medir o desempenho das
escolas da rede“ e ”premiará os profissionais da educação pelo seu desempenho”. Retirado do
editorial do INDIQUE, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação disponível em:
http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/
desempenho dos alunos nos testes padronizados: a instituição de políticas de
bonificação. Nesta perspectiva, autores como Alavarse (2010) e Freitas (2012) têm
criticado a utilização dos resultados destas avaliações para tal finalidade.
Todavia ao considerar que a instituição de bonificação aos professores, tendo
como base os resultados obtidos pelos alunos, tem sido uma política recorrente em
sistemas educacionais que adotaram esses modelos de avaliação e, esse fato
exerce impactos na dinâmica da escola. Sendo assim, é possível crer na validade do
propósito de estudar as possíveis influências das avaliações externas atualmente
praticadas no aspecto da dinâmica da escola anteriormente escolhido: os discursos
sobre as práticas da escola.
Além da questão da bonificação, há outros aspectos relativos à Prova São
Paulo que faz com que ela não possa deixar de ser mencionada no desenvolvimento
desta pesquisa, como a tendência à centralidade do currículo no ensino da Língua
Portuguesa e da Matemática, em detrimento das demais áreas de conhecimento.
Vale também ressaltar o reconhecimento das escolas da Prova São Paulo como a
avaliação externa de maior peso, principalmente pela tentativa de aproximação da
matriz avaliativa com a matriz curricular em execução na rede.
A necessidade de desenvolvimento da pesquisa se fortalece a partir das
discussões no Grupo de Trabalho (GT) composto por supervisores escolares que se
organizaram na Diretoria Regional de Educação, onde atuo como Supervisora
Escolar com o objetivo de encontrar formas de acompanhar e orientar o trabalho das
escolas, como evidencia o trecho seguinte:
Algumas constatações foram possíveis a partir das leituras, dentre as quais
destacamos algumas. A primeira delas foi que os dados das avaliações não
vinham sendo considerados na organização do trabalho das escolas. Ainda
relacionada a esta questão, a segunda verificação possível é que os
educadores não têm domínio dos conceitos que organizam o campo da
avaliação educacional, sobretudo das avaliações em larga escala. A terceira
constatação foi que algumas escolas passaram a preparar os alunos para
essas avaliações ou a pensar estratégias para alcançar os resultados
evidenciando aspectos da cultura avaliativa do sistema escolar, como a
utilização da avaliação como controle disciplinar ou instrumento de
perpetuação da segregação/exclusão dos alunos. (ALMEIDA, MARDEGAN,
SILVA, 2012, p. 4)
As constatações obtidas delinearam o processo de formação pelo GT em
conjunto com as escolas e, também corroboraram as primeiras constatações feitas,
por mim nas escolas que acompanhava na época.
Desta maneira, a pesquisa apresenta relevância pessoal na medida em que
poderá contribuir para melhorar minha atuação junto às escolas. Outro aspecto
bastante importante da pesquisa é a possibilidade de entender as políticas públicas
de avaliação, formação de professores e de acompanhamento das equipes
escolares.
Neste contexto, é possível destacar a relevância social da pesquisa, pois ela
se constitui em oportunidade de sistematização e socialização de conhecimento
sobre o assunto e possibilitará ampliar o entendimento sobre as formas de inclusão
dos resultados nos processos formativos, o que será uma contribuição importante
para outros supervisores, gestores e formuladores de políticas de educação. Desta
forma será possível interferir nas práticas escolares e promover mudanças na
qualidade do ensino oferecido na cidade.
Estudos, como os de Mizukami (2004), Gatti (2009), Souza (2006), têm
apontado dentre as causas da baixa qualidade da educação oferecida pela escola
pública a formação precária do professor, tanto no que se refere à inicial em seu
percurso de constituição enquanto profissional, quanto no que diz respeito à
formação continuada, em seu percurso profissional. Desta forma, a formação
adequada vem sendo apontada como uma alternativa para melhorar essa qualidade.
Neste cenário, muitas são as propostas de formação, organizadas por perspectivas
específicas e na rede municipal de São Paulo não é diferente.
Diante desta constatação surge a necessidade de entender em que medida
as práticas atuais levam em conta ou não os resultados destas avaliações. Para
tanto, parece importante destacar dois aspectos: o primeiro é compreender como os
resultados obtidos pelos alunos nestas provas vêm sendo entendidos pelas escolas
da rede municipal e, verificar em que medida o trabalho com esses resultados tem
interferido na organização do trabalho escolar.
A partir dessa reflexão pretende-se discutir as avaliações como medida de
qualidade da educação, observando como os indicadores produzidos por meio dos
testes padronizados tem se refletido no trabalho escolar. Nesta perspectiva, as
tendências observadas nos processos avaliativos das escolas e dos discursos nos
Coordenadores
Pedagógicos
quanto
às
práticas
adotadas para
atingir
o
desempenho considerado satisfatório nas avaliações externas se caracterizam como
base da coleta de dados da pesquisa.
Desde 2005, as Escolas Municipais de Ensino Fundamental de São Paulo
participam das avaliações externas de modo censitário da Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (ANRESC), com a Prova Brasil e, a partir de 2007, também da
Prova São Paulo. Procuraremos entender qual o olhar das escolas com relação às
avaliações externas, sobretudo refletir sobre como estes dados chegam às escolas e
qual o tratamento dado por elas aos resultados obtidos pelos alunos nestas
avaliações.
Dentre outras constatações, feitas no grupo de trabalho constituído na
Diretoria Regional de Educação onde atuo, me inquietou bastante: a falta de diálogo
entre as avaliações externas e internas dentro do ambiente escolar. Das práticas
docentes, a avaliação da aprendizagem é especial. É no campo avaliativo que estão
os juízos de valores principalmente sobre o que foi ensinado e o que foi aprendido. A
partir das avaliações é possível perceber valores da nossa sociedade e cultura que
influenciam na prática educativa e que, nem sempre, correspondem à ansiedade do
aluno ou são pertinentes à função social da escola.
Segundo Afonso (2001) a relação professor aluno é vivida como relação de
poder, o que nos leva a indagar o seguinte: em que medida a grande ênfase na
avaliação em uma organização onde predomina a cultura da exclusão não se
constitui no fortalecimento de uma relação de dominação? Esse questionamento é
importante quando consideramos que os efeitos dessa relação já foram amplamente
avaliados e considerados nefastos, conforme Bourdieu (1982) e Patto (1990).
Com relação ao poder atribuído à avaliação, presenciadas por mim na escola,
ainda na condição de professora, experiências que fortalecem a concepção de
avaliação como representação de poder, meio de coação e constrangimento
fortemente integrados à cultura escolar e que pouco colabora com a aprendizagem
dos alunos. A utilização de instrumentos de avaliação, como “provas surpresa”, com
intuito de resolver uma situação de indisciplina, atribuição de notas usando como
critério o comportamento inadequado do aluno ou o capricho das suas anotações,
mesmo que este apenas copiasse, sem entender a informação ali descrita. Embora
não se possa deixar de reconhecer o valor da avaliação como mediadora de
aprendizagem, o uso destes dispositivos, chamados avaliação, prova, como meio de
coerção parece muito mais presente no cotidiano das escolas do que sua utilização
para aprimorar estratégias didáticas em benefício dos alunos.
Outro aspecto observado acerca da avaliação é o da segregação e exclusão
do processo educativo daqueles alunos que não correspondiam positivamente às
concepções impostas pelos seus professores. Professores estes, reconhecidos pela
cultura escolar como bons, rígidos e determinados o que fortalecia a ideia de que a
educação boa é a que seleciona os bons alunos.
Em contrapartida, a instituição da progressão continuada impôs a abertura do
debate sobre as relações estabelecidas entre a prática docente, cultura escolar e
qualidade da educação, tornando vulneráveis os “antigos” posicionamentos com
relação à avaliação educacional. Essa discussão acabou por fragilizar a tendência
pedagógica que vê na possibilidade de castigo um instrumento pedagógico
importante. As avaliações externas, além dos propósitos declarados, podem se
constituir em meio de empoderamento daqueles que organizam suas ações
pedagógicas pela lógica do “crime e castigo”.
Frente a este cenário, onde situações que necessitam de intervenção e
colaboração para sua compreensão e transformação estão presentes, é necessário
buscar meios de discutir e propor novas ações. Neste sentido, é imprescindível abrir
espaço para discussão sobre a repercussão das avaliações externas nas escolas, e
como os Coordenadores Pedagógicos tem se posicionado frente a este cenário.
Nas últimas décadas muito tem se discutido quanto à implantação de
avaliação dos sistemas escolares no Brasil, seguindo a tendência mundial de avaliar
os sistemas de ensino e, a partir dos resultados obtidos, atuarem nas políticas
públicas educacionais. Segundo Freitas (2011) tais avaliações, quando conduzidas
com vistas à melhoria do ensino, podem trazer “importantes informações sobre o
desempenho dos alunos, dados sobre os professores, condições de trabalho e
funcionamento das escolas de uma rede”. (FREITAS, 2011, p. 47).
A inserção dos resultados obtidos pelos alunos nos testes padronizados como
indicadores de qualidade na avaliação do trabalho escolar e daqueles que atuam
nas escolas faz emergir o debate sobre aspectos que interferem e influenciam
diretamente o processo educativo. Nesta perspectiva, as avaliações externas estão
presentes na dinâmica cotidiana das escolas e foram escolhidas por serem
consideradas importantes para saber como elas interpretam essas avaliações e que
reflexões e ações organizam dentro da escola a partir desse entendimento.
Para realizar esta pesquisa foi adotada a abordagem qualitativa, de caráter
exploratório e, como técnica de coleta de dados foi realizada uma revisão de
literatura sobre a questão da qualidade da educação medida por indicadores
construídos por meio de avaliações padronizadas; análise de protocolos de reuniões
pedagógicas e dos horários coletivos de formação; entrevistas semiestruturadas
realizadas a partir de um roteiro previamente elaborado, com cinco coordenadoras
pedagógicas que atuam em escolas da Rede Municipal de Ensino de São Paulo e
análise dos registros do uso dos resultados obtidos pelos alunos nas avaliações
internas e externas e dados dos meus registros de acompanhamento às escolas que
supervisiono.
O trabalho está organizado em três capítulos: no primeiro será discutida a
avaliação educacional no Brasil a partir da década de 1960, quando o sistema
educacional brasileiro inicia um processo de democratização do acesso à escola. No
segundo, as avaliações em larga escala como referencial de qualidade da educação,
serão apresentadas, buscando entender seu surgimento, sua adoção nos sistemas
educacionais de alguns países, inclusive no brasileiro, para então situar a adoção
pelo município de São Paulo. No terceiro, buscaremos entender a repercussão
destas avaliações na organização do trabalho escolar na rede municipal.
Com isso será possível discutir a relação entre avaliação e qualidade da
educação, buscando entender as potencialidades e limites dos indicadores de
qualidade e as políticas públicas e também verificar em que medida os resultados
obtidos por meio das avaliações externas, repercutem na dinâmica da escola, para
então compreender esses modelos de avaliação educacional em um contexto em
que os sistemas de ensino são obrigados a garantir o acesso e a permanência.
1. ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA: A CULTURA AVALIATIVA E A
ORGANIZAÇÃO EM CICLOS
O objetivo deste capítulo é apresentar um breve panorama sobre a educação
no Brasil a partir de meados do século passado, buscando com isso situar a
avaliação educacional em um contexto mais amplo, quando a democracia passou a
ser um valor presente, mesmo que não nas práticas, pelo menos nos discursos que
passaram a organizar as políticas públicas educacionais. Esse panorama, ainda que
breve, é importante para o desenvolvimento do trabalho uma vez que permitirá
contextualizar a opção feita pelos sistemas educacionais brasileiros, entre eles o
paulistano, pelas chamadas avaliações em larga escala como, se não o único, ao
menos o mais valorizado indicador de qualidade da educação pública.
A avaliação sempre esteve presente na educação, como parte inerente da
cultura escolar e de suas práticas. Durante muito tempo a avaliação escolar foi
entendida como aquela feita pela escola, voltada para a verificação da
aprendizagem do aluno, tendo como objetivo principal a decisão sobre a sua
aprovação ou retenção. Entre as décadas de 1980 e 1990, a avaliação passou a
assumir outras funções como diagnóstica ou mediadora, no processo de ensino e
aprendizagem em contraposição à concepção tecnicista de avaliação. Sousa (1996),
ao analisar as pesquisas sobre avaliação da aprendizagem produzidas no Brasil
nesta época, constata:
- Há indicações referentes à importância da participação do aluno na
avaliação, a necessidade de se romper com a relação entre avaliação e
classificação em favor da avaliação enquanto diagnóstico ou investigação
do processo educacional, e a necessidade de ter como alvo a avaliação da
organização escolar e não apenas do aluno, pois é essa organização, com
sua estrutura e dinâmica que produz o fracasso escolar.
- Os estudos que tiverem como foco uma intervenção em dada realidade
propõem transformações em concepções e práticas vigentes de avaliação
tendo como eixo a reflexão sobre os princípios que as norteiam, articulando
as discussões sobre avaliação de aprendizagem à perspectiva de
democratização da organização escolar. (SOUSA, 1996, p. 128).
Alguns autores como Demo (2010), Hoffmann (1992) e Luckesi (2011), a
partir da crítica a um sistema de avaliação voltado para a classificação e exclusão,
propõem a avaliação como instrumento facilitador das aprendizagens.
A partir da década de 1990, nova tendência emerge no campo das avaliações
no Brasil, as chamadas avaliações externas. Esse modelo foi impulsionado em
diversas sociedades, inclusive no Brasil, onde o governo propôs algumas iniciativas
no sentido da criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação tal como
preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, Lei 9394/96. A
necessidade de dados que pudessem dar indícios sobre as causas do fracasso
escolar com relação aos sistemas e fatores a eles associados, levou o Ministério da
Educação (MEC) no final dos anos 1980 a “propiciar orientações e subsídios
técnicos, assumindo um papel de avaliador como referência para políticas na área
da educação básica” (GATTI, 2002, p. 24).
As experiências de avaliação dos sistemas educacionais no Brasil, através
das propostas colocadas em prática pelo MEC, entre 1987 e 1991, apesar de não
alcançarem de modo censitário os sistemas estaduais, municipais e particulares
colaboraram
para
o
desenvolvimento
desta
prática
avaliativa,
além
de
proporcionarem a reflexão sobre os usos dos resultados para as políticas públicas,
com o desenvolvimento de técnicas de produção de instrumentos e pesquisas na
área, conforme aponta Gatti (2002) em uma pesquisa sobre esta época:
Essas avaliações de rendimento escolar foram realizadas entre 1987 e 1991
e, além do impacto dos resultados nas Secretarias de Educação e na mídia,
propiciaram um certo aprimoramento de pessoal, instrumentos e formas de
aplicação. [...] Com os resultados obtidos e os dados das escolas,
professores e alunos, dispunha-se de muitas informações sobre as quais se
poderia debruçar, refletir e tirar inferências tanto para políticas de sistemas
quanto para questões de aprendizagem dos alunos. [...] Estes primeiros
estudos mais abrangentes de alunos escolas serviram de base para o
desenvolvimento, nos anos 90, do Saeb – Sistema de Avaliação da
Educação Brasileira. (GATTI, 2002, p. 25 e 26).
O SAEB, implantado pelo MEC em 1993, trouxe, como apontou o estudo
mencionado, a avaliação de sistemas educacionais para a centralidade das
discussões com relação às políticas educacionais, fornecendo os dados necessários
para análise de vários aspectos do panorama da educação, em especial a educação
pública em seus âmbitos estaduais e municipais.
A avaliação educacional, no decorrer da história, exerceu papéis diferentes
conforme o modelo de sociedade que se desejou construir ou reproduzir. Desta
maneira, passa pelos testes, que valorizavam a memorização e acúmulo de
informações, a seleção para avanço nas etapas de escolarização, como os
vestibulares e exames de admissão, até chegar aos modelos atuais de avaliação de
aprendizagens como meio de adequação de planos de trabalhos docentes, às
prioridades definidas pelos gestores dos sistemas, como os testes padronizados
aplicados pelos próprios sistemas de educação, assunto que será melhor
desenvolvido no próximo capítulo.
A pesquisa mostra que, embora a avaliação seja um tema presente na escola
há muito tempo, o debate sobre ela ganha maior relevância a partir de meados do
século passado quando a democracia, reconhecida como a melhor forma de
governo, e as práticas que contrariavam os ideais democráticos foram fortemente
questionadas. Antes, porém de apresentar o panorama desta época, anunciado no
princípio deste capítulo, retomaremos a história da educação brasileira com objetivo
de mostrar diferentes papéis assumidos pela avaliação neste processo.
1.1 Educação no Brasil: tendências pedagógicas e avaliação
Na educação colonial, a partir do século XIV, está situada a primeira
experiência escolar brasileira, organizada pelos jesuítas, assim, colonização e
educação permaneceram integradas até meados do século XVIII. Para Saviani
(2010), a Educação Colonial no Brasil pode ser dividida em três etapas distintas: a
primeira de 1549 até 1597 com a morte de Anchieta e a promulgação do Ratio
Studiorum, 1599. A segunda fase (1599-1759) é marcada pela organização e
consolidação da educação jesuítica centrada no Ratio Studiorum e a terceira fase
(1759-1808) corresponde à fase pombalina. (SAVIANI, 2010, p.31).
O Ratio Studiorum, publicado em 1599, deu aos Colégios da Companhia de
Jesus, onde quer que fossem instalados, as regras gerais e pormenorizadas do
modo como deveriam desenvolver seus planos de estudo, conforme descreve Silva:
O Ratio constitui um conjunto de regras para bem ensinar. Não é um tratado
teórico, mas tem uma finalidade prática aplicável a todos os professores e
alunos. Foi pensado para guiar de modo rígido e uniformizado todos os que
se dedicassem à função de ensinar. Todo esse conjunto de prescrições
práticas e minuciosas garante ao professor, acima de tudo, a orientação na
preparação de seu ensino. (SILVA, 2009, p. 77).
O modelo escolar jesuítico era centrado na figura do professor, cuja
responsabilidade passava pela seleção, sistematização e transmissão do conteúdo
aos alunos, que deveriam memorizar aquilo que era ensinado. Neste modelo
educacional, a avaliação tinha como função verificar se o aluno memorizou o que foi
transmitido, também eram valorizadas atitudes como: a concentração, o silêncio e a
ordem.
Os processos avaliativos eram baseados em exames escritos e previam
distribuição de prêmios para valorização dos alunos que se destacavam. Assim
descreve Aranha
Nas orientações da Ratio, os exercícios e as avaliações de aprendizagem
devem ser adotados pelos docentes, sugerindo-se, ainda, a realização de
torneios ou disputas na sala de aula, onde os alunos sejam desafiados a
resolver exercícios diante de autoridades e convidados. No terceiro
momento, denominado “emulação”, os alunos são estimulados a competir
com os próprios colegas de classe e com os de outras salas. Os alunos que
apresentavam os melhores trabalhos eram premiados. Para essa
premiação, os jesuítas preparavam solenidades pomposas, convocando
autoridades eclesiásticas e civis, e as famílias dos alunos. A emulação
constitui uma das forças psicológicas mais ativas e eficientes e sempre foi
incentivada pelos jesuítas, mediante o ingresso dos alunos mais talentosos
e esforçados nas academias (ARANHA, 1989).
A respeito desta prática, Martins destaca que “o sentimento que ela desperta
no aluno de ser igual ou melhor que seus pares, faz dessa prática um princípio de
castração do ser humano”. (MARTINS, 2009, p. 399). Contudo, ainda hoje vemos
em nossas escolas uma forte presença de práticas inspiradas no modelo colonial,
uma vez que alguns de seus princípios são utilizados na escola atual, que passou a
assumir como função primordial o controle social.
Deste modo, as ideias pedagógicas expressas no Ratio correspondem ao que
passou a ser conhecido na modernidade como pedagogia tradicional (Saviani,
2010). A descrição dos papéis exercidos por professores e alunos pode ser, neste
contexto, por Mesquida, desta forma entendida:
Assim, a concepção do ensino/aprendizagem alicerçada na metafísica
tomista-aristotélica gera um monólogo pedagógico - professor (causa
eficiente) para os alunos (causa material) - cabendo ao aluno apreender o
conhecimento transmitido e, eventualmente, dar resposta às questões
colocadas pela autoridade pedagógica. A resposta final, contudo, é
prerrogativa do mestre, adulto acabado, potência atualizada. Ele é o
escultor que possui a ideia da obra. O aluno (aquele que é destituído de luz)
é a pedra que, sob a ação do mestre-escultor, tomará a forma que a causa
eficiente lhe der. Enquanto matéria sem forma final, o discípulo é um
elemento passivo que se con-formará, pouco a pouco ao modelo que está
na mente do mestre. Assim, a ação pedagógica nada cria de novo, é
reprodutora do conhecimento acumulado (MESQUIDA apud MESQUIDA,
2009, p. 241).
Na terceira fase, iniciada com a Reforma de Marques de Pombal em 1759, o
ensino passa a ser de responsabilidade da Coroa Portuguesa, com inspiração nos
ideais iluministas, com forte influência da industrialização inglesa. Nesta reforma, o
que foi proposto, ao menos formalmente, era substituir a metodologia eclesiástica
dos jesuítas pelo pensamento pedagógico da escola pública e laica.
Nesta época, com a instituição da Lei das “Escolas de Primeiras Letras”, é
interessante observar a forma de organização proposto no chamado “ensino mútuo”.
A lei previa a organização dos alunos em séries, a promoção por mérito e dava
continuidade à centralidade da figura do professor como detentor do conhecimento,
a memorização e a avaliação figuravam da seguinte forma:
baseava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares
do professor no ensino de classes numerosas. Embora esses alunos
tivessem papel central na efetivação desse método pedagógico, o foco não
era posto na atividade do aluno. Na verdade os alunos guindados à posição
de monitores eram investidos de função docente.(...). De uma das
extremidades do salão, o mestre, sentado numa cadeira alta,
supervisionava toda a escola, em especial os monitores. Avaliando
continuamente o aproveitamento e o comportamento dos alunos esse
método erigia a competição em princípio ativo do funcionamento da escola.
(MANACORDA, 1989, p. 260 apud SAVIANI, 2010, p. 128).
Findo o período Imperial, é proclamada a República no Brasil e a primeira
Constituição Republicana, de 1891, dá continuidade à política de incumbência,
agora dos estados, de prover e organizar a instrução popular. Em São Paulo,
destaca-se a formulação dos grupos escolares caracterizados pela organização dos
alunos em séries de acordo com seu grau de instrução e, que pelo seu mérito, eram
conduzidos ao final do ano escolar à série seguinte, concluindo o ensino primário ao
final do quarto ano.
Este modelo inspirou outros estados, apesar de estar distante da
popularização do ensino, na perspectiva do ensino público, gratuito e estatal, pois
este modelo não significou a popularização da educação no nível elementar, ao
contrário, contribuiu para manutenção da realidade elitista do ensino, com cerca de
90% da população adulta brasileira analfabeta. Analisando os primeiros anos da
República, Patto comenta:
O período de 1889 a 1930 foi de vigência de uma República oligárquica;
arranjos de bastidores e a manipulação do voto pelas elites dirigentes
garantiam o domínio dos coronéis e transformavam o princípio do “governo
do povo, pelo povo e para o povo”, inscrito na primeira Constituição da
República, num claro indicador de que “a comédia ideológica”, iniciada no
Império, continuava. (...) Em 1930, ano do ocaso da Primeira República, o
crescimento da rede pública de ensino era inexpressivo em comparação
com as estatísticas referentes ao Império e o pais possuía cerca de 75% de
analfabetos. (PATTO, 1990, p.55-56).
Outra tendência importante na educação foi a chamada Escola Nova que
incorporava as descobertas da psicologia, tendo como expressão mais influente
John Dewey e, no Brasil teve nos “Pioneiros” seus defensores na Educação. O
Movimento da Escola Nova, segundo Saviani (2003), inspirado na concepção
humanista moderna de filosofia da educação, contrapõe-se à escola tradicional e
desencadeia debates entre os renovadores e a igreja católica. Ribeiro assim
descreve estas duas ideias:
Uma era já tradicional, representada pelos educadores católicos, que
defendiam a educação subordinada à doutrina religiosa (católica), a
educação em separado e, portanto diferenciada para os sexos masculino e
feminino, o ensino particular, a responsabilidade da família quanto à
educação etc. Outra era representada pelos educadores influenciados pelas
“idéias novas” e que defendiam a laicidade, a co-educação, a gratuidade, a
responsabilidade pública e educação etc. (RIBEIRO, 2003, p. 111).
A proposta educacional da Escola Nova tinha como ponto de referência o
aluno, diferentemente da educação jesuítica que, como vimos, era centrado no
professor que organizava os conteúdos com base nos seus interesses, o que
culmina na substituição da concepção de ensino pela da aprendizagem. Outra
característica é a busca da cientificidade pedagógica, embasada na psicologia
experimental. Nesta proposta, como ressalta Vidal (2000), a avaliação volta-se para
dentro da escola, através da observação dos professores dos gestos eficientes de
seus alunos.
A pedagogia tecnicista no Brasil surge após os anos 1960, com o declínio da
Pedagogia Nova. Segundo Saviani (2010), num cenário em que a industrialização
tomava força e três tendências delineavam a tensão no campo pedagógico:
Pela esquerda resultou nos movimentos de educação popular e na
pedagogia da libertação, antes analisados; pelo centro desembocou nas
pedagogias não diretivas que se expressaram na divulgação das ideias de
Karl Rogers, de A. S. Neill com a escola de Summerhill e de alguns ensaios
de experimentação baseados na pedagogia institucional, por inspiração de
Lobrot e Oury; pela direita será articulada a pedagogia tecnicista. (SAVIANI,
2010, p.339).
Com a aprovação da Lei nº. 5.692/71, a pedagogia tecnicista é convertida na
pedagogia oficial, trazendo características próprias do sistema fabril que, como
consequência, se coloca em oposição à pedagogia tradicional:
Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor, que era ao
mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório; e se
na pedagogia nova a iniciativa se desloca para o aluno, situando-se o nervo
da ação educativa na relação professor-aluno, por tanto relação
interpessoal, intersubjetiva; na pedagogia tecnicista o elemento principal
passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o
aluno posição secundária, relegados que são a condição de executores de
um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam
a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos,
imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da
eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e
maximizando os efeitos de sua intervenção. (SAVIANI, 2010, p.382).
Esta nova organização proposta e implementada traz para a avaliação escolar
um caráter também centrado na concepção de “avaliação por objetivo” desenvolvida
por Ralph Tyler, descrita por Sousa (1995) da seguinte forma, tendo como intenção
principal fornecer informações a respeito do desempenho dos alunos mediante os
objetivos esperados, permitindo que se verificasse o quanto as experiências de
aprendizagem, tal como previstas e executadas, favoreciam o alcance dos
resultados desejados.
Nesta perspectiva, os testes rigorosos, métodos de ensino e cartilhas são
usuais e o vestibular, enquanto avaliação para ingresso no ensino superior são
símbolos desta época marcada pelo caráter seletivo e por tanto elitista da educação.
Como cenário da avaliação neste período, Gatti (2002) pontua:
Note-se que, nos anos 60 e início dos 70, ainda não se discutem a
reprovação escolar em massa que se processava no ensino fundamental e
a evasão de alunos, que tinha foros dramáticos. Nas escolas, fazer alunos
“repetirem” o ano por “avaliações rigorosas”, tornou-se “natural”. O fato de
se eliminarem alunos das escolas, especialmente os de baixa renda, pelo
insucesso ininterrupto, não era questionado. (GATTI, 2002, p.18).
Durante muito tempo, acreditou-se e, porque não dizer, que ainda hoje há
pessoas que acreditam nisso, que as crianças não aprendiam porque “não levam
jeito para o estudo”. Assim um contingente grande de crianças teve, e ainda tem,
negado o seu direito à educação. Vale ressaltar que um fato, rapidamente
constatado, foi que a grande maioria daqueles que eram tidos como sem jeito para o
estudo eram os negros e os pobres.
A ampliação do acesso à escola ocorre em um contexto em que há fortes
questionamentos às instituições e nas quais os estudiosos buscam entender as
situações considerando também as instituições. É neste contexto que Bourdieu &
Passeron (1982) desenvolvem suas pesquisas, que constituem marco importante no
processo de compreensão do fracasso escolar de grande parte dos alunos e a
escola e suas práticas pedagógicas situadas enquanto produtoras e reprodutoras da
violência, denominada de violência simbólica.
Esses autores, ao pesquisarem as relações que se estabelecem no ambiente
escolar, observam que sejam quais forem, estão pautadas na relação de forças aí
instituídas, de modo que a negação ou promoção das forças dominantes fazem
partes da mesma estrutura de dominação e contribuem para sua manutenção:
A força simbólica de uma instância pedagógica define-se pelo seu peso na
estrutura das relações simbólicas (exprimindo sempre essas relações de
forças) que se instauram entre as instâncias exercendo uma ação de
violência simbólica, estrutura que exprime por sua vez as relações de força
entre os grupos ou as classes constitutivas da formação social considerada.
(BORDIEU & PASSERON, 1982, p.22).
Outro aspecto importante, apontado pelos autores para entender a lógica da
reprodução dos modelos sociais, está na observação de como a relativização e
desconsideração dos aspectos individuais podem mascarar a análise da trajetória
escolar, se estas não forem consideradas em seus aspectos ampliados, enquanto
elementos de estrutura e como momentos de um processo. Sob pena da
naturalização da vigência das classes sociais e reafirmação da naturalização da
situação escolar de exclusão das classes mais pobres, por exemplo:
É o sistema de fatores enquanto tal que exerce sobre as condutas, as
atitudes e, por tanto, sobre o êxito e a eliminação, a ação indivisível de uma
causalidade estrutural, de sorte que seria absurdo isolar a influência de tal
ou qual o fator e, mais ainda, lhe emprestar uma influência uniforme e
unívoca nos diferentes momentos do processo ou nas diferentes estruturas
de fatores. É preciso, pois, construir o modelo teórico das diferentes
organizações possíveis de todos os fatores capazes de agir, mesmo pela
sua ausência, nos diferentes momentos da carreira escolar dos originários
das diferentes categorias para poder interrogar sistematicamente os efeitos
pontualmente constatados ou medidos da ação sistemática de uma
constelação singular de fatores. (...), isso impede que se descubra no
princípio de todas essas retraduções e reestruturações as características
que se prendem à origem e à dependência de classe. (BORDIEU &
PASSERON, 1982, p.97, 99).
Neste sentido, a problematização da função social da escola e os
desdobramentos da sua ação de reprodução das classes sociais toma espaço nas
discussões nacionais sobre educação durante a década de 1980 e a pretensa
neutralidade da escola e sua cultura é questionada, principalmente no que tange a
igualdade de oportunidades e suas práticas:
Ainda que a adesão que os indivíduos concedem às hierarquias escolares e
ao culto escolar da hierarquia não esteja jamais desligada da posição que a
Escola lhe outorga em suas hierarquias, ela depende, sobretudo, de um
lado dos sistemas de valores que eles devem à sua classe social de origem
(o valor reconhecido à Escola nesse sistema estando ele mesmo em função
do grau em que os interesses dessa classe são ligados à Escola) e, por
outro lado, do grau em que seu valor mercantil e sua posição social
dependem da garantia escolar. (BORDIEU & PASSERON, 1982, p.158).
Assim, a discussão, quanto à naturalidade com que a hierarquização social
prevista e validada pela escola, remete a uma relação simbiótica entre escola e
economia, severamente criticada.
A questão do fracasso escolar foi também estudada por Patto (1990),
buscando nas concepções adotadas historicamente a maneira predominante de
entender a escolarização das crianças das classes populares. Nos dados obtidos
nas pesquisas estudadas das décadas de 1970 e 1980, a causa do fracasso escolar
continua na criança e agora se volta enquanto responsabilidade também
compartilhada pela escola
É importante notar que se nos anos de predomínio da teoria da deficiência
cultural os aspectos intra-escolares receberam pouca atenção, e se na
vigência da teoria da diferença cultural a responsabilidade da escola pelo
fracasso ficou limitado à sua inadequação à clientela, à medida que as
pesquisas vão desvendando mais criticamente aspectos da estrutura e do
funcionamento do sistema escolar, ao invés da tendência a atribuir à
clientela as causas do fracasso escolar ter sido superado, ela foi apenas
acrescida de considerações sobre a má qualidade do ensino que se oferece
a essas crianças. (PATTO, 1990, p. 120).
Nesta perspectiva, Sousa (1996) observa a tendência na década de 1980, de
valorizar o conhecimento a respeito do funcionamento interno da escola, e neste
movimento a:
Ampliação do conhecimento sobre avaliação da aprendizagem, fornecendo
elementos para aclarar o seu sentido na organização escolar bem como
apresentando perspectivas ou propostas em direção à reconcepção da
avaliação tendo em vista contribuir para o enfrentamento do fracasso
escolar (SOUSA, 1996, p.121).
Neste contexto, passou-se a discutir o papel que vinha assumindo a avaliação
educacional e a possibilidade de utilização deste instrumento na mediação da
aprendizagem. É importante destacar aqui os trabalhos de Luckesi (2011), Hoffmann
(1992) e Sousa (1997) que produziram reflexões importantes sobre o assunto.
Luckesi (2011) aponta a necessidade da prática avaliativa do professor não
encerrar-se na verificação de dados ou informação de uma situação, neste sentido
da contraposição dinâmica da avaliação como instrumento de ação:
A avaliação, diferentemente da verificação, envolve um ato que ultrapassa a
obtenção da configuração do objeto, exigindo decisão do que fazer ante ou
com ele. A verificação é uma ação que “congela” o objeto; a avaliação, por
sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação (LUCKESI, 2011,
p.53).
O autor, dentro desta proposição, discute também os usos da avaliação como
manifestação intrínseca do poder do professor que classifica e pune, nomeando,
quanto a sua função, como: classificatória ou em oposição seu uso para levantarem
dados que possibilite intervenções para aprendizagem, o que denomina de
diagnóstica:
Com função classificatória, a avaliação constitui-se num instrumento
estático e frenador do processo de crescimento; com a função diagnóstica,
ao contrário, ela constitui-se num momento dialético do processo de
avançar no desenvolvimento da ação, do crescimento para a autonomia, do
crescimento para a competência etc. Como diagnóstica, ela será um
momento dialético de “senso” do estágio em que está e de sua distância em
relação à perspectiva que está colocada como ponto a ser atingido à frente.
A função classificatória subtrai da prática da avaliação aquilo que lhe é
constitutivo: a obrigatoriedade da tomada de decisão quanto à ação, quando
ela está avaliando uma ação. (LUCKESI, 2011, p. 83).
Sousa (1997) situa a avaliação escolar na atualidade como “um instrumento
de legitimação do fracasso escolar” e aponta para seu uso como “meio de controle
das condutas educacionais e sociais dos alunos”. Fazendo emergir as práticas
avaliativas escolares e dentro destas a “cultura avaliativa” vigente que nega seu
pressuposto educativo prescrito na literatura, valendo seu uso principalmente para
decisões, distantes dos objetivos pedagógicos de aprendizagem como punição aos
alunos:
Entretanto, da forma como vivenciada em nossas escolas, tais propósitos,
se não ausentes, são secundários, pois assume centralidade a função
classificatória da avaliação. Assim, por exemplo, dificuldades de
aprendizagem ou erros cometidos pelos alunos são informações que,
usualmente, resultam em apreciações negativas por parte do professor,
interpretados não como evidencias do estágio de desenvolvimento do aluno,
mas como algo a ser evitado. (SOUSA, 1997, p. 129).
Sousa (1997) também sinaliza neste mesmo estudo a necessidade de trazer
para a centralidade a avaliação enquanto prática de democratização da educação,
outros sujeitos, entre eles o próprio aluno:
Nesse processo coletivo de ação-reflexão-ação, destaco a importância do
envolvimento dos alunos modificando o papel que estes vêm
tradicionalmente ocupando, relacionando-se com eles como sujeitos, e não
meros objetos, da avaliação. Integrar os alunos no processo de avaliação
do seu próprio desempenho e do trabalho da escola como um todo traduz o
reconhecimento deles como interlocutores na gestão educacional, supondo
transformação nas relações de poder e subordinação presentes na
organização escolar. (SOUSA, 1997, p. 132).
O trecho acima permite perceber a presença de uma nova tendência no
campo da avaliação educacional. Tal tendência valoriza o envolvimento do aluno no
processo de avaliação da aprendizagem, o que se apresenta coerente com a
concepção de criança e adolescente apresentada na Constituição de 1988 e que
será retomada adiante.
1.2 Democratização do acesso: novo público chega à escola
Parece haver consenso entre estudiosos de diversas correntes com relação
ao entendimento de que além de marcar o fim da Segunda Guerra, a promulgação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1945, inaugura um período no
qual a democracia passa a ser considerada por diversos países como um valor
universal. Assim, mesmo em situações nas quais no cotidiano das pessoas não se
experimentava a democracia, muitos governantes proclamavam seus governos
como democráticos. As décadas que se sucederam à promulgação deste
documento foram marcadas por grandes movimentos, que promoveram mudanças
em diversos aspectos da vida social.
De fato, é a partir deste momento que emergem os movimentos contracultura,
na esteira dos movimentos antiautoritários com fortes questionamentos aos modelos
entrópicos de organização, pensados para reproduzir a ordem estabelecida. Entre
as instituições questionadas estava a escola que, embora seja concebida como uma
organização aberta, tem sua dinâmica orientada por práticas institucionais, em
grande medida comprometida com o controle social, efetivado por meio do controle
do tempo e do espaço dos que a frequenta à moda do que ocorre nas instituições
totais.
A pedagogia libertadora, que com ascensão dos militares foi duramente
reprimida, voltou a ter expressão no momento em que foi retomada a luta pelas
liberdades democráticas. Neste contexto insurgem, por um lado, alternativas
voltadas para a mobilização popular com vistas à libertação dos grupos sociais que
até então estiveram privados dos bens sociais e culturais, entre eles a educação e,
por outro, iniciativas de movimentos voltados para a manutenção da nova ordem que
tinha como pano de fundo os interesses do bloco econômico liderado pelos Estados
Unidos. Em países como o Brasil e outros da América Latina, essas duas tendências
organizaram movimentos e instituições sociais que se desenvolveram e acabaram
se confrontando no movimento que resultou na derrota dos movimentos de
libertação e na instalação da ditadura militar.
Esse foi um período marcado por forte luta ideológica, na qual a doutrina da
geopolítica organizava a vida política e econômica das nações alinhadas com um
bloco ou com outro. Desta maneira, embora houvesse grande investimento no poder
bélico, a grande disputa se dava no plano da cultura. Neste período, assistiu-se a
um grande investimento no controle da educação, dos meios de comunicação de
massa e a propaganda passa a ter importância vital. Ganha grande destaque a
censura, a perseguição a quem discordava do regime e a difusão da ideia de que
havia um inimigo externo acolhido por alguns dentro do país. Aqueles que acolhiam
as ideias do inimigo deveriam ser eliminados junto com elas.
Neste viés, a Educação Comunitária passa a ser utilizada para articular as
pessoas em torno de projetos que neutralizassem pessoas e instituições por meio
dos quais o inimigo poderia adentrar o país e aqui se instalar. Apoiado nessa
ideologia o governo militar sufocou a outra vertente da Educação Comunitária
empenhada com as lutas populares, pelo golpe que, embora chamado de militar, foi
apoiado por setores importantes da sociedade civil. Sendo assim, os Centros
Populares de Cultura, Movimento de Educação de Base, Juventude Universitária
Católica, União Nacional dos Estudantes entre outros foram extintos e seus líderes
passaram a ser perseguidos. Ganhou força então, outra modalidade de educação
comunitária voltada para a sustentação do sistema.
Silva (1996) cita alguns exemplos de movimentos organizados nesta
perspectiva
Exemplos dessa modalidade de Educação Comunitária foram a Aliança
para o Progresso na América Latina; o Projeto Rondon, no Brasil; as
Unidades de Educação e Ação Comunitária - UEACs - no Vale do Ribeira ,
em São Paulo. Estas últimas tiveram a intenção de funcionar como
movimentos de prevenção à contra-insurreição, mas, gradativamente, viram
esse caráter ser transformado, em face de atuação de inúmeros
educadores, tornando-se uma outra espécie de Educação Comunitária
(SILVA, 1996a, p. 15).
Esse tipo de educação comunitária o autor define como voltado para preparar
a população para defender-se do inimigo externo por meio do combate a suas ideias
encampadas por segmentos da população. Esse modelo é definido pelo autor como
contra-insurreição. Ao falar dessa tendência o autor assim se manifesta:
Contra-insurreição: preparação da população, para defender-se do inimigo
externo combatendo as ideias dentro do próprio país e do mesmo bloco.
Tem como característica a postura aristocrática, sem a participação de
todos, com uma visão de mundo de que existem dois tipos de pessoas: uma
capaz de governar e instaurar a ordem certa e outra que deve ser
governada, por ser incapaz de gerir a própria vida e, muito menos ainda,
influenciar a vida coletiva de um país ou de uma cidade (SILVA, 1996, p.21).
Contrapondo-se a esse modelo voltado para a manutenção do regime, o autor
cita outra tendência que ele aponta como alinhada com o movimento de libertação.
No caso desse modelo, a preocupação central é a construção de um modelo social
mais justo e assume a luta pela transformação do modelo vigente. A emergência
desse modelo coincide com os primeiros sinais de fraqueza do governo militar. A
sociedade civil, e mesmo organizações políticas que viviam na clandestinidade,
passam a atuar em pastorais populares da Igreja Católica ou de Igrejas Evangélicas,
movimentos de Sociedades Amigos de Bairro, entidades sindicais e inserem-se em
um dos partidos políticos autorizados, com base popular onde passam a ocupar
posições de liderança social.
As eleições de 1978 são um momento em que a presença dessa tendência se
consolida no cenário nacional. Reivindicações, que durante anos estiveram
reprimidas, emergiram com força em entidades ligadas a questões sociais como a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Universidade Metodista de
Piracicaba, os Movimentos Operários no ABC, o Movimentos Contra a Carestia,
entre outros que compunham o movimento pelas liberdades democráticas. Neste
período, destacaram-se no cenário político pessoas como Franco Montoro, Ulisses
Guimarães, Severo Gomes, Teotônio Vilela, Tancredo Neves etc.
Diante dessa situação, surgem muitos movimentos reclamando democracia
de fato, sendo o Maio de 68 na França, a maior expressão desse momento histórico,
chegando alguns autores a caracterizá-lo como um processo revolucionário.
Hobsbawm (2003) analisando esse momento apresenta o motivo pelo qual o maio
de 1968 não foi e nem poderia ser a revolução
O motivo pelo qual 1968 (com seu prolongamento em 1969 e 1970) não foi
a revolução, e jamais pareceu que seria ou poderia ser, era que apenas os
estudantes , por mais numerosos e mobilizáveis que fossem, não poderiam
fazê-la sozinhos. A efetividade política deles estava na sua capacidade agir
como sinais e detonadores para grupos maiores mas que se inflamavam
com menos facilidade. (HOBSBAWM, 2003, p. 293).
Embora não seja a revolução, como assinala o autor, é importante frisar que
se tratou de um movimento inserido em um contexto de questionamento das
instituições totais e daquelas que, embora, não fossem definidas como tal, se
organizavam por meio de práticas muito parecidas. Era o caso das instituições
educacionais, não apenas na França, onde o clima de revolta contra o autoritarismo
ganhou maior expressão, sobretudo nas instituições universitárias. Nesta situação,
buscar democracia de fato era discutir as maneiras como as instituições
organizavam o trabalho e a convivência no cotidiano das pessoas, como descrito a
seguir:
antes de Maio de 68, nas Faculdades, as decisões do Diretor só eram
submetidas ao controle dos seus pares, os professores titulares de cátedras
(no Conselho da Faculdade) e os professores (na Assembleia da
Faculdade). Esse controle, mesmo reduzido, da decisão era ainda limitado
pelo fato que o Diretor se encontra em relação direta com o poder central,
poder que ele representa na Faculdade, e de que ele é o único arbitro da
gestão quotidiana do Estabelecimento. Finalmente, não cabe a essas
instituições modificar de motu propriu as suas estruturas; a reforma só pode
advir do poder do Estado.(...) Na medida que outorgam diplomas, os
professores são, visivelmente, os representantes da autoridade do Estado
na unidade pedagógica de base. (LAPASSADE, 1983, p. 16-17).
O chamado “maio de 68” foi, de fato, um passo importante na luta pela
construção de condições concretas de estabelecimento de uma sociedade
efetivamente democrática, luta esta que aconteceu em diversos países e assumiu
diferentes formas de expressão. É no contexto desse movimento que ganham
expressão os chamados movimentos de contracultura que assumiram características
específicas em cada realidade. No Brasil, tivemos movimentos como Tropicália,
Cinema Novo, Bossa Nova, entre outros. Na educação tivemos, por exemplo, o
Movimento de Educação de Base, que tem em Paulo Freire a sua maior expressão.
Ao referir-se a esse período, Almeida (2005) assim se manifesta:
Considerando-se abertura da escola como consequência da emergência de
um novo sistema de pensamento, entende-se que ela está ligada ao
movimento antiautoritário que vem exercendo grande influência sobre a
teoria das organizações desde o início do século passado. Desde a Escola
Nova, passando por Rogers, Lobrot, Tatemberg etc., vêm-se questionando
as chamadas organizações totais que, pelo gradeamento de seus tempos e
espaços e da rigidez de papeis, buscam enquadrar as pessoas em um
modelo social e político determinado. Essas instituições, vinculadas ao
modelo entrópico de organização, que, segundo Paula Carvalho (1990),
dominou as teorias das organizações até os anos 60, quando os
movimentos de contracultura começaram a colocar em evidencia o
surgimento de um novo modelo, vêm aos poucos perdendo espaço para as
novas formas de organização em melhor sintonia com os valores que
paulatinamente foram se consolidando na comunidade mundial a partir de
meados do século passado, sendo o principal deles a democracia.
(ALMEIDA, 2005, p.15-16).
A contestação do modelo escolar vigente pauta-se então, na necessidade de
organização de um novo modelo que propiciasse maiores oportunidades de acesso
e fluxo aos alunos dentro deste sistema, contrapondo-se ao modelo aristocrático,
entrópico e “semelhante aos hospícios e presídios, principais modelos totais de
enquadramento das pessoas a um modelo de sociedade” (ALMEIDA, 2005, p. 16).
Esse foi um período de grande mobilização que culminou na eleição de Jânio
Quadros e João Goulart. De um lado, um presidente alinhado com as forças
conservadoras e de outro um vice alinhado com as forças progressistas. É bom
lembrar o cenário internacional, estávamos em plena Guerra Fria e a partir desta
eleição, teve início um período de grande turbulência que culminou com a renúncia
de Jânio e posteriormente o golpe que, embora sempre se fale que foi militar é
sempre bom lembrar que teve forte apoio da sociedade civil.
Para evitar a rearticulação dos movimentos sociais o governo militar institui o
que Silva (1996) chama de movimento de contra insurreição, conforme citado
anteriormente, entre outras medidas, o novo governo cria projetos institucionais com
objetivo de neutralizar a ação do inimigo externo que considerava presente nas
demandas sociais. Também o movimento pela garantia de direito de acesso a
escola teve expressão concreta no Movimento de Educação de Base e, em Paulo
Freire um de seus expoentes, identificada na sua pedagogia a expressão das
mudanças exigidas por amplos setores da sociedade brasileira foi extinto pelo
governo dito militar. Saviani (2010) refere-se a este período
A mobilização que toma vulto na primeira metade dos anos de 1960 assume
outra significação. Em seu centro emerge a preocupação com a
participação política das massas a partir da tomada de consciência da
realidade brasileira. E a educação passa a ser vista como instrumento de
conscientização. A expressão “educação popular” assume, então, o sentido
de uma educação do povo pelo povo e para o povo, pretendendo-se
superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites,
dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando a controlá-lo,
manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente. (SAVIANI, 2010, p. 317).
A mobilização social foi uma marca da sociedade brasileira no período que
antecedeu o golpe militar de 1964 e teve continuidade nos anos seguintes. Uma das
principais bandeiras dos movimentos que se mobilizaram neste período era o direito
à educação. A essa reivindicação social se junta a perspectiva desenvolvimentista,
que investe na formação rápida de mão de obra para a indústria que se instalava no
país. As respostas a estas demandas foram consubstanciadas na Lei 5692/71, que
ampliou as obrigações do Estado no que tange ao direito à educação dando
continuidade aos avanços e conquistas expressos na Lei 4024/61. Como
consequência, o governo brasileiro respondeu construindo mais escolas e,
sobretudo multiplicando os turnos de funcionamento das escolas existentes, descrito
por Silva (1999) da seguinte forma:
A afirmação da democracia, após a Segunda Guerra Mundial, como valor a
ser buscado universalmente pelos governos e pelos povos, atingiu a escola,
apresentando-se sob a forma de reivindicação do direito ao acesso, por
todos os interessados, ao ensino. Isso trouxe, especialmente aos sistemas
públicos, a necessidade de atender a um grande número de alunos, levando
à duplicação, triplicação e mesmo até à quintuplicação de períodos letivos
em um só dia na mesma escola. (SILVA, 1999, p. 69).
Em 1961, a Lei nº. 4.024 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi
promulgada e colocada em vigor no ano seguinte. Esta nova lei apontou para a
educação nacional avanços como a obrigatoriedade do Estado prover a toda
população o ensino primário, a partir da sua estruturação e, também, a previsão de
investimentos financeiros dos governos federal, estadual e municipal. Este debate
político traz à tona a mobilização descrita quanto à democratização da educação e à
conjuntura política da época. Conforme aponta Montalvão, referindo-se ao debate
em torno da primeira LDB:
Lei de princípios gerais, espécie de Constituição educacional, a LDB era
aguardada por aqueles que militavam na política educacional, acreditando
sobretudo que, com ela, a educação ganharia um sentido público e
coordenado pelo Estado. Exatamente este sentido foi hostilizado pelos que
se posicionavam a favor da liberdade de ensino e contra as investidas do
Estado planejador no campo educacional. A polarização entre educação
pública-estatal e liberdade de ensino seria então traduzida pelo
enfrentamento entre concepções totalitárias e liberais. (MONTALVÃO, 2010,
p. 8).
Esta polaridade apontada por Montalvão (2010) ilustra o ideário presente e
negociado durante não só as discussões na Câmara Federal e no Senado, mas
estendendo-se de maneira evidente nos anos que sucederam sua promulgação.
Desta forma, é possível destacar na primeira metade da década de 1960 duas
tendências
no
processo
de
industrialização
brasileiro
uma
pautada
na
industrialização nacionalista e outra pautada na desnacionalização da economia.
Estas duas tendências eram incompatíveis entre si, mas no curso do processo o
objetivo comum agregava grupos com interesses distintos, divergentes e até mesmo
antagônicos, como ressalta Saviani (2010).
A Revolução de 1964 traz em seu bojo a afirmação da dependência nacional
da economia com a consolidação e celebração de acordos com o governo norte
americano e preserva o viés econômico até o momento desenhado, caracterizado
pelo desenvolvimento industrial e elevado grau de financiamento externo deste
propósito. Já, no âmbito político, evita que a esquerda se articule em torno de uma
ideologia contrária, conforme aponta Saviani:
Por isso, atingida a meta, enquanto a burguesia busca consolidar seu
poder, as forças de esquerda levantam nova bandeira nacionalização da
empresas estrangeiras, controle de remessa dos lucros, royalties e
dividendos e as reformas de base (tributária, financeira, bancária, agrária,
educacional etc). Esses objetivos propostos pela nova bandeira de luta
eram decorrência da ideologia política do nacionalismo desenvolvimentista
que, entretanto, entrava em conflito com o modelo econômico vigente.
(SAVIANI, 2010, p. 362).
A Lei nº. 5692/71 concretiza a proposta educacional do governo militar,
contudo é um passo importante no sentido da ampliação do acesso à educação, na
medida em que, como já foi dito, amplia as obrigações do Estado no que se refere à
educação e define como obrigatória a frequência à escola para as crianças e
adolescentes na faixa etária entre 7 e 14 anos.
A ampliação do acesso à escola trouxe nova clientela para o seu interior e
com essa chegada surge de imediato a demanda por abertura de vagas e também a
necessidade de encontrar professores para assumirem as novas turmas. Como já
vimos, uma das formas de criar vagas foi a multiplicação de turnos e para conseguir
professores foi autorizada a abertura de muitos cursos, com critérios de qualidade
duvidosos e, também, foi permitido que pessoas não licenciadas e até mesmo
estudantes pudessem assumir turmas.
A partir dessa situação, um grande contingente de crianças passou a ter
garantido o acesso à escola, mas grande parte delas ali não permanecia, porque
não conseguiam aprender e acabavam desistindo. De início, a reprovação era
entendida como falta de capacidade da criança, entretanto autores como Patto
(1990) e Bourdieu (1982), citados anteriormente, foram comprovando que a
reprovação estava relacionada a aspectos sociais, econômicos, culturais, entre
outros, além das práticas institucionais que organizavam as escolas. Assim, a busca
de garantia da democracia, que chegou à escola inicialmente em forma de
reivindicação do direito ao acesso, incorpora demandas como a relação entre cultura
escolar e a produção do fracasso.
1.3 Facilitação do percurso como antídoto para o fracasso
A Constituição de 1988 consolida as reivindicações sociais e cria condições
para organização dos sistemas educacionais considerando avanços importantes da
sociedade brasileira, tais como educação como direito inerente a cada pessoa desde
o seu nascimento, organização da escola considerando a diversidade, o currículo
escolar, a realidade local, entre outros. Sobretudo a Constituição de 1988 estabelece
uma concepção de criança e adolescente como sujeito de direitos e determina que o
Estado e a Família, com a colaboração da sociedade, são responsáveis pela
garantia destes direitos.
O direito à educação deixa de ser apenas direito ao acesso e permanência na
escola, pois a esse direito foi acrescido o direito de aprender. Assim o fracasso
deixou de ser um problema da criança e a escola passa a ser questionada sobre
suas formas de organizar o processo de ensino e aprendizagem. Neste contexto,
reivindica-se nova organização da escola no que se refere ao percurso do aluno no
sistema escolar e então muitos sistemas adotam o sistema de ciclos, com
progressão de uma série para outra mesmo que o aluno não demonstrasse domínio
dos conteúdos da série na qual esteve matriculado.
Essa situação, por um lado, interessou aos gestores dos sistemas de ensino
empenhados em produzir índices positivos, por outro, agradou aos alunos que
deixaram de ser atormentados pelas avaliações, mas desagradou muito àqueles
professores que tinham nas avaliações um instrumento de poder. A avaliação do
professor deixou de definir em algumas séries do ciclo se o aluno ia ou não
progredir. Nos últimos anos de cada ciclo, quando a avaliação do professor poderia
decidir, geralmente não decidia também porque como não realizou os registros
como deveria nos anos anteriores, no último faltava inclusive respaldo moral para
impedir a progressão do aluno.
A instituição dos ciclos coloca em questão uma instituição consagrada na
escola: a avaliação como forma de controle dos alunos principalmente no que se
refere ao aspecto disciplinar. Diante da impossibilidade de decidir sobre a promoção
ou retenção do aluno, fortaleceu-se o discurso segundo o qual não existe mais
avaliação e que os alunos progridem nos estudos, independentemente de ter ou não
adquirido o conhecimento necessário, é o que se convencionou chamar de
promoção automática. Esse discurso passou a ser assumido pela sociedade como
um todo e hoje há uma crença quase generalizada de que a educação não tem
qualidade e que o principal responsável por esta situação foi a organização em
ciclos.
Penso que há três indicadores importantes quando se avalia a progressão
continuada: a progressão na formação da pessoa, uso que o governo faz e como o
aluno a utiliza. Hoje está fartamente comprovado por inúmeros estudos que cada
pessoa tem seu tempo de aprendizagem, que o fracasso é uma produção social e
institucional, que a experiência de fracasso deixa marcas difíceis de serem
apagadas, que a não aprendizagem tem entre suas causas a forma como a escola
se organiza, que a esmagadora maioria dos que não aprendem são os pobres e os
negros indicando que a escola não se organiza para atendê-los, contudo as pessoas
insistem em dois indicadores falsos para criticar a progressão continuada: o primeiro
é que a progressão continuada é aproveitada pelos governos para produzir índices
positivos sem levar a sério a educação, o segundo é que a progressão continuada
fez com que grande parte dos alunos buscassem levar vantagem na situação,
administrando seus estudos de maneira a se darem bem sem grandes esforços,
apenas o suficiente para evoluir no ciclo.
Neste panorama, observa-se que na escola prevalece a cultura da
classificação e que muitas vezes o “passar de ano” é mais importante do que
aprender. A medida considerada em uma sociedade onde predomina a cultura da
classificação é saber se a pessoa está classificada entre os que apresentaram
desempenho aceitável e saber entre esses que posição ocupa, ficando as questões
relativas às formas de alcance em plano secundário.
1.4. As novas exigências do mercado globalizado
Como procurei demonstrar, a primeira expressão da luta pela democratização
da escola foi a demanda por garantia de direito ao acesso. Para garantir esse direito
foram criadas vagas, sobretudo por meio da multiplicação dos turnos de aulas.
Resquício desta política ainda se verifica no ensino municipal de São Paulo pela
existência de escolas funcionando em quatro turnos: três diurnos e o noturno, este
último dedicado à educação de jovens e adultos, a EJA. O aumento da quantidade
de turnos certamente reduz o tempo de permanência dos alunos e dificulta a
organização pedagógica da escola, entretanto durante muitos anos a escola
funcionou assim. Pensar nisso é importante em um momento em que a progressão
continuada e a organização em ciclos estão sendo responsabilizadas por todas as
mazelas da educação pública. A solução encontrada pelo poder público para o
aumento de vagas, como se pode ver, não foi a mais adequada.
Outra demanda decorrente da ampliação do acesso foi a formação de
professores. Para que as escolas pudessem funcionar, além da abertura de cursos
de formação sem o devido acompanhamento com vistas à garantia da qualidade,
que pessoas sem formação específica assumissem salas de aula. A abertura de
cursos de formação tornou-se o grande negócio a partir do inicio da década de 1970
com a edição da Lei nº. 5692/71. A partir deste período, pequenas instituições
particulares de ensino se transformaram em grandes empresas educacionais.
Mal teve início a ampliação do acesso, percebeu-se que não bastava chegar
à escola: era preciso nela permanecer. Constatou-se que um dos fatores que faziam
as crianças deixarem a escola era a cultura da repetência presente na escola e que
lhe rendeu a definição de produtora de fracasso (PATTO, 1990). A evidência de que
o fracasso era produzido na escola levou, por um lado, à busca por um ensino com
significado por meio de projetos interdisciplinares e, por outro, à criação de
mecanismos facilitadores do percurso do aluno, fundamentados no princípio da
progressão continuada, conforme aponta Almeida (2012).
Sendo assim, o trabalho interdisciplinar se desenvolve em uma perspectiva
bem diferente daquela proposta pela racionalidade técnica, busca o diálogo
não apenas entre iguais com vistas à reconstrução da reunificação do
conhecimento e também do homem que foi reduzido à sua capacidade
produtiva. É a partir deste momento que começa ganhar força o
desenvolvimento de propostas de trabalho integradoras e a ser destacada a
importância do trabalho coletivo que possibilita comunicação entre as
disciplinas. Desta forma, começam a ser criadas condições para
flexibilização das fronteiras entre as disciplinas e a superação da autonomia
de certas áreas do conhecimento em relação às outras e também da
compartimentação excessiva do conhecimento. (ALMEIDA, 2012, p. 158)
Na busca pela superação da cultura da retenção, a progressão continuada
passa a integrar o conjunto de normas que organizam os sistemas educacionais no
Brasil. Embora a progressão continuada fosse um conceito chave em toda legislação
educacional que se produziu a partir da última década do século passado, ela nunca
organizou o cotidiano das escolas. Contudo é debitada na conta da progressão
continuada a negação do direito que os alunos têm de aprender. A pesquisa indica
que a sociedade não logrou sucesso na superação da cultura da repetência, pois
apesar do investimento feito em termos de formação e produção de conhecimento
sobre o tema, mais de duas décadas depois ainda não se tem clareza sobre noções
como: interdisciplinaridade, progressão continuada, sistemas de ciclo etc.
A progressão continuada, como a maioria dos conceitos que tem integrado as
reformas educacionais brasileiras, foi sistematizada fora da escola, sem ouvi-la e
depois lhe foi entregue em uma atitude de responsabilização única da escola. A
escola certa de que não era a geradora deste problema, tem tentado devolver este
fracasso à teoria que o criou, mas não conseguiu, visto que foi aplicada
diferentemente de sua criação. Não há dúvida de que o percentual dos que
progridem sem adquirir as habilidades é bem menor que aquele dos que desistiam
antes do sistema de progressão continuada, mas antes de pensar em aperfeiçoar o
sistema que, avaliado com métodos justos, se revela bem mais humano, pretendese restabelecer o sistema antigo.
Essa situação parece evidente quando observamos o apoio da sociedade à
opção dos governos pelas chamadas avaliações externas, quando passam a ser
criados índices fundamentados em resultados gerados por meio destas avaliações.
Essa tendência se fortalece na década de 1990, principalmente “quando as
coligações neoliberais e neoconservadoras emergiram e fizeram da avaliação um
dos instrumentos principais da nova direita” (AFONSO, 2010, p. 158) e, traz consigo,
a discussão com relação ao seu uso:
Aliás, esta maior formalização tem relações evidentes com a emergência do
chamado Estado–avaliador e com a disseminação de uma nova gestão
pública (new public management), onde a definição prévia de objetivos e a
sua mensuração e quantificação são aspectos centrais (cf. AFONSO 1999).
(...). Esta situação parece-nos ainda mais delicada e questionável quando
os resultados acadêmicos dos alunos acabam por ser um critério
fundamental para avaliação das escolas e para a avaliação dos professores.
(AFONSO, 2010, p. 161).
No Brasil, esta situação pode ser confirmada quando se observa o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), proposto como indicador de
qualidade da educação nacional pelo governo federal e nas experiências de vários
estados e municípios, como é o caso de São Paulo. Na cidade de São Paulo em
2005, pela a Lei 14063/2005, foi instituído o Sistema de Avaliação de
Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede Municipal de Ensino, sistema este
centrado nos resultados da avaliação externa, Prova São Paulo que em 2006, teve
sua primeira versão destinada aos alunos do 2ª ano do Ciclo I e censitária a partir do
ano seguinte:
em novembro de 2007, foi realizada a primeira versão da Prova São Paulo
em que formam avaliados de forma censitária os alunos do 2º e 4º anos dos
Ciclos I e dos 2º e 4º anos dos Ciclos I e II em Língua Portuguesa e em
Matemática (ARGENTO e MAROJA, 2010, p.3).
Vale destacar que um dos argumentos para a instituição da Prova São Paulo
foi a criação do Índice de Qualidade da Educação (INDIQUE), que a usaria para sua
composição, o desempenho escolar dos alunos. Esta política de bonificação não
chegou a ser implantada, porém constitui indicativo do uso que frequentemente é
feito com dos índices que tem como indicador principal o desempenho dos alunos
nos testes padronizados: a instituição de políticas de bonificação. No trecho
seguinte, Almeida (2012) questiona Alavarse sobre a adoção de políticas de bônus:
Uma razão é de princípio político. Essas políticas estabelecem uma divisão
entre os profissionais da educação e essa divisão não ajuda na luta que os
trabalhadores da educação desenvolvem, há muitos anos, pelo atendimento
de seus direitos. É como se você individualizasse, em algum grau pelo
menos, as tentativas de melhoria salarial, por exemplo. A segunda razão
decorre do próprio processo de mensuração de resultados a partir dos quais
serão calculados os bônus. Essas avaliações, como já salientei, não captam
todo o trabalho da escola. Ademais, todos os resultados estão sujeitos a
erros de medida – inerentes a todo processo de medida – que,
frequentemente, são ignorados na divulgação dos mesmos. Então, como se
poderia avaliar o trabalho dos profissionais da educação, inclusive a ponto
de bonificá-los, se se parte de um instrumento que não capta tudo o que
eles fazem e ainda introduz imprecisões? No mínimo isso é injusto e
incompleto. (ALMEIDA, 2012, p.127)
Todos parecem concordar que o principal indicador de qualidade de um
sistema educacional ou de uma escola é a garantia do direito que o aluno tem de
aprender. A questão começa a se complicar quando se discute o que é preciso
aprender. Segundo Freitas (2012), a ideia de qualidade está relacionada ao modelo
de sociedade que se pretende construir e, neste sentido, há dois modelos
disputando a hegemonia, segundo este autor, um capitaneado pelos educadores
profissionais
e
outro
pelos
reformadores
empresariais.
Freitas
explica
a
denominação de reformadores empresariais:
assim são chamados os reformadores empresariais da educação nos
Estados Unidos, em termo criado pela pesquisadora americana Diane
Ravitch¹ (2011b). Ele reflete uma coalizão entre políticos, mídia,
empresários, empresas educacionais, institutos e fundações privadas e
pesquisadores² alinhados com a ideia de que o modo de organizar a
iniciativa privada é uma proposta mais adequada para “consertar”³a
educação americana, do que as propostas feitas pelos educadores
profissionais. (FREITAS, 2012, p.380).
Sendo que a tendência expressa baseia-se na qualidade da educação
determinada em um currículo diminuído pelas exigências das avaliações externas
que se concentram nos saberes da Língua Portuguesa e da Matemática e trazem
como resultado das avaliações, a instituição do que Freitas aponta como
neotecnicismo:
O tecnicismo se apresenta, hoje, sob a forma de uma “teoria da
responsabilização”, meritocrática e gerencialista, onde se propõe a mesma
racionalidade técnica de antes na forma de “standards”, ou expectativas de
aprendizagens medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos
de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo processo,
bônus e punições), ancorada nas mesmas concepções oriundas da
psicologia behaviorista, fortalecida pela econometria, ciências da
informação e de sistemas, elevadas à condição de pilares da educação
contemporânea.
Denominamos
esta
formulação
“neotecnicismo”.
(FREITAS, 1992; 1995 apud FREITAS 2012, p. 383).
Contrapondo-se a esta tendência de qualidade da educação baseada na
lógica implantada pelas avaliações externas, percebe-se a tendência da contra
regulação e os educadores profissionais devem ser considerados. Nesta
perspectiva, a qualidade da educação passa a ser reduzida aos índices por elas
gerados, desconsiderando-se a função social da escola. Assim, Gatti (2005)
esclarece que
As avaliações do sistema educacional no Brasil, em sua divulgação mais
ampla, têm se centrado no rendimento escolar, de tal forma que a
representação sobre qualidade da educação na nossa sociedade tem sido
reducionista, traduzindo-se em desempenhos nas provas aplicadas pelos
diferentes modelos praticados. No entanto, cabe perguntar: qualidade
educacional se traduz apenas por esses resultados? Evidentemente que
não. A qualidade da educação passa por questões como a existência de
uma filosofia educacional e, pela consciência do papel social da educação –
não só seu papel instrumental, de utilidade, por exemplo, para o trabalho,
mas seu papel para a civilização humana, para a constituição de valores de
vida e convivência, seu papel no desenvolvimento de sensibilidades ao
outro, ao meio ambiente, às expressões humanas de cultura. Portanto,
passa por elementos formativos que transcendem, embora não dispensem
de modo algum, a aquisição de conhecimentos apenas. Também nessa
idéia de qualidade incorporam-se a equitatividade nas oportunidades
formativas para todos os cidadãos, a qual pelos dados, nossas políticas e
os sistemas educacionais até aqui não ofereceram. (GATTI, 2007, p.3).
Neste momento, em que as avaliações externas ganham centralidade na
discussão das políticas públicas de educação e os resultados chegam, às escolas,
revestidos de cobrança e responsabilização, sem chance de estabelecimento de
diálogo entre a escola e o governo. Freitas (2005) discute a necessidade das
escolas públicas se organizarem e conhecerem em profundidade e criticamente seu
trabalho, para que assim possam organizar a resistência positiva fundada no
compromisso da comunidade escolar com a transformação, como evidencia o trecho
seguinte.
Contra-regulação é resistência propositiva que cria compromissos
ancorados na comunidade mais avançada da escola (interna e externa),
com vistas a que o serviço público se articule com seus usuários para,
quando necessário, resistir à regulação (contra-regulação) e, quando
possível, avançar tanto na sua organização como na prestação de serviços
da melhor qualidade possível (justamente para os que têm mais
necessidades), tendo como norte a convocação de todos para o processo
de transformação social. (FREITAS, 2005, p. 912)
Neste sentido, parece importante que as escolas construam indicadores
institucionais que dialoguem com as avaliações externas. Só a partir deste
movimento as escolas poderiam identificar valores sociais e culturais que
influenciam a prática educativa e que nem sempre, correspondem ao anseio do
aluno ou é pertinente à função social da escola em uma sociedade democrática.
A medida adotada no Brasil foi o IDEB, índice composto pelos resultados dos
alunos na Prova Brasil e pelo fluxo escolar. A adoção desse índice como única
medida coloca em segundo plano questões relacionadas às condições salariais e de
trabalho dos profissionais, a vulnerabilidade dos territórios onde as escolas estão
inseridas, a formação dos professores etc. No caso da formação, privilegia-se o
treinamento para utilização e produção de materiais com esta finalidade que reduz o
papel do professor à fiscalização do cumprimento das tarefas. As questões
relacionadas à gestão participativa também são deixadas de lado, uma vez que a
gestão da escola é feita de fora com a utilização dos recursos tecnológicos.
Neste contexto, são criados instrumentos e formas de avaliação da educação
diferente das tradicionalmente centradas na relação professor - aluno. Agora os
resultados obtidos pelos alunos avaliam não apenas os próprios, mas também, os
professores. Este é um movimento mundial cuja expressão local é a criação do
IDEB, que vem sendo utilizado como critério para a distribuição de recursos por
meio dos quais os governos procuram induzir práticas educativas. A ideia de que
essas avaliações podem constituir-se em indicadores de qualidade já foi adotada em
alguns países do mundo e há vasta literatura mostrando os limites deste modelo, no
entanto, no Brasil ele vem sendo adotado como uma novidade.
No próximo capítulo, será discutida a adoção deste modelo em alguns países,
buscando entender em que contextos foram instituídos, que políticas foram
implementadas a partir deles e que resultados foram conseguidos.
2. IMPLANTAÇÃO DOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO
Neste capítulo, é apresentada uma reflexão sobre a adoção das avaliações
em larga escala em diferentes países, buscando entender em que contextos esse
modelo foi instituído, que políticas foram implementadas a partir dele e, que
resultados foram alcançados. Essa reflexão parece importante para situar a adesão
do Brasil a esses modelos de avaliação e, também, para identificar suas
possibilidades e limites nas sociedades onde foram implantados. Assim, será
possível entender o que vem acontecendo no sistema público do município de São
Paulo, identificar que repercussão as avaliações externas nos processos formativos
das escolas da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, no que concerne ao uso
dos resultados no trabalho escolar e, fazer algumas inferências a partir da maneira
como os resultados têm chegado às escolas e como estas têm lidado com eles.
Antes de iniciar o estudo sobre a adoção das avaliações em larga escala em
diferentes países, vale destacar um aspecto ao qual Bauer (2012) faz referência: a
diversidade de nomenclaturas utilizadas nos trabalhos acadêmicos produzidos no
Brasil para referir-se ao que ela chama de avaliação de sistemas educacionais. Ao
analisar dados levantados no banco de teses e dissertações da CAPES produzidas
no período de 1987 a 2010 a autora constata o seguinte:
Na primeira fase da pesquisa foi possível notar que não há unicidade entre
os trabalhos acadêmicos, na nomenclatura utilizada para referências as
avaliações de sistemas educacionais. Ora chamados de avaliação de
sistemas educacionais, oras de avaliação externa, ou avaliação do
rendimento de alunos, dentre outros conceitos que aparecem como
sinônimos nos resumos (embora não o sendo), a busca pelos trabalhos
criou um desafio à parte para o levantamento preliminar, tendo-se em vista
a necessidade de realizar a pesquisa a partir de diversos descritores
(BAUER, 2012, p.10).
Desta forma, é possível inferir que a nomenclatura utilizada pelas instituições
ou entes federados revela um posicionamento político frente à questão da avaliação
de sistemas educacionais e uma pluralidade de entendimentos sobre o papel dessas
avaliações, bem como da utilização que se pode fazer de seus resultados. Neste
sentido, vale retomar as reflexões de Afonso (2010) quando define como delicada a
situação em que os resultados acadêmicos dos alunos acabam por ser um critério
fundamental para avaliação das escolas e para a avaliação dos professores. É
possível entender, seguindo essa lógica que, embora se defina as avaliações em
larga escala como avaliações dos sistemas educacionais, alguns sistemas podem
fazer delas o uso que lhes for conveniente. Para o MEC:
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é composto por um
conjunto de avaliações externas em larga escala. Seu objetivo é realizar um
diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de alguns fatores que
possam interferir no desempenho do estudante, fornecendo um indicativo
sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas
visam subsidiar a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas
na área educacional nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo
para a melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino. (INEP, 2011)
Assim, considerando a Avaliação Nacional da Educação Brasileira (ANEB), a
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), que é também chamada de
“Prova Brasil”, e a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), observamos que
seus objetivos são bem delimitados e visam a melhoria da qualidade da educação,
mas como veremos ainda neste capítulo, existem tensões e repercussões
importantes quanto à sua utilização.
Na cidade de São Paulo, o Sistema de Avaliação de Aproveitamento Escolar
dos Alunos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, instituído em 2005, teve até
2012, a Prova São Paulo e a Prova da Cidade como seus principais instrumentos de
avaliação. A Secretaria Municipal de Educação, assim definiu a Prova São Paulo:
A Prova São Paulo é um dos instrumentos que compõem o Sistema de
Avaliação de Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede Municipal de
Ensino de São Paulo. Trata-se de uma avaliação externa e de larga escala.
Avalia, de acordo com sua especificidade, a rede municipal de ensino da
cidade de São Paulo. Seus resultados fornecem elementos para
diagnósticos, planejamento e gestão de ações para melhoria e avanço nos
processos de ensino-aprendizagem. (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2005)
Já a Prova da Cidade, que foi implementada em 2009, é assim descrita:
A Secretaria Municipal de Educação, por meio do Núcleo de Avaliação
Educacional e da Diretoria de Orientação Técnico-Pedagógica, criou
um instrumento de avaliação para que a Cidade de São Paulo pudesse
auxiliar os alunos a adquirirem novas atitudes e comportamentos em
relação a avaliações externas e de larga escala. (...) A Prova da Cidade
é uma prova padronizada, com caráter externo e realizada em larga
escala, cujas propostas de elaboração, aplicação, correção e
intervenção estão mais próximas dos profissionais que atuam nas
escolas. Ela aproxima-se mais, em alguns aspectos, de uma avaliação
interna.(grifo nosso) (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2009)
Ambos os instrumentos usados para avaliação dos alunos, guardadas suas
especificidades que serão melhor estudadas no decorrer deste capítulo, tem
objetivos semelhantes: melhorar as aprendizagens dos alunos. Entretanto, na
proposta da Prova da Cidade a aprendizagem buscada é de aproximar dos modelos
de instrumentos e questões usados nas avaliações externas, objetivamente
treinando os alunos. Com tal configuração, esta avaliação deixa de servir aos
objetivos estabelecidos pelo Sistema de Avaliação de Aproveitamento Escolar dos
Alunos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo que é:
I - desenvolver um sistema de avaliação do desempenho escolar dos alunos
do ensino fundamental e médio que subsidie a Secretaria Municipal de
Educação nas tomadas de decisão quanto à Política Educacional do
Município;
II - verificar o desempenho dos alunos nas séries do ensino fundamental e
médio, nos diferentes componentes curriculares, de modo a fornecer ao
sistema de ensino, às equipes técnico-pedagógicas das Coordenadorias de
Educação e às unidades educacionais informações que subsidiem:
a) a política de formação continuada dos recursos humanos do magistério;
b) a reorientação da proposta pedagógica desses níveis de ensino, de modo
a aprimorá-la;
c) a viabilização da articulação dos resultados da avaliação com o
planejamento escolar, a formação dos professores e o estabelecimento de
metas para o projeto pedagógico de cada escola; (...) (LEI Nº 14.063,
14/10/2005)
Tal situação parece corroborar com Afonso (2010), neste caso a Prova da
Cidade foi criada dentro do Sistema de Avaliação de Aproveitamento Escolar dos
Alunos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo como ação compensatória aos
baixos desempenhos dos alunos e das escolas nas primeiras edições da Prova São
Paulo.
Para obter elementos para melhor entender a implementação das avaliações
externas no Brasil, particularmente na rede pública municipal de São Paulo, busquei
entender a implementação desse modelo em diferentes países. Para isso escolhi
quatro países: Finlândia, Estados Unidos da América e Portugal.
A Finlândia torna-se referência por se destacar entre os países como um dos
melhores avaliados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) e,
também, por ser considerada referência na qualidade do ensino, apoiados numa
situação econômica e social de equidade no que tange à oportunidade de acesso à
educação, como apresenta Antikainen (2008) ao citar Helkama (2007):
No caso da Finlândia, os conhecimentos e as competências de todo um
grupo etário são de um padrão relativamente alto na escala internacional, as
diferenças entre os alunos são pequenas, e as diferenças entre as escolas
são mínimas. (HELKANA, 2007 apud ANTIKAINEN, 2008, p. 44)
Tais características finlandesas aproximam-se do ideal de qualidade
preconizado pelo MEC: acesso e permanência universal dos alunos nas escolas e
que estes ao final de seu período na educação básica tenham aprendido.
Já a escolha dos Estados Unidos deve-se à sua tradição nas avaliações
educacionais, ser reconhecido como referência neste campo e influenciar as
políticas educacionais dos países membros da OCDE. Esta influência a que o Brasil
também está submetido, em grande parte, é determinada pelo financiamento da
educação (entre outras) pelo Banco Mundial, que assume função fiscalizadora dos
modi operandi das políticas públicas implementadas.
Não podemos deixar de citar a influência na educação brasileira dos Estados
Unidos, enquanto nosso parceiro econômico, por exemplo, durante o regime militar
entre as décadas de 1960 e 1980, com os acordos de cooperação MEC-USAID que
não só influenciaram como formaram professores brasileiros nos EUA para
disseminação da pedagogia tecnicista. Atualmente autores como Saviani (2010),
Freitas (2011) e Alavarse, Bravo e Machado (2013), também apontam influência
americana na adoção das avaliações externas.
Por sua vez, a escolha de Portugal para esta pesquisa deve-se ao panorama
criado a partir do processo de redemocratização (1976), entrada na União Européia
(1986), a submissão às regras do Fundo Monetário Internacional e pelas sucessivas
crises financeiras e sociais que influenciaram uma série de iniciativas e propostas na
educação. Outro fator, atrelado a este contexto que exprime aproximação com o
Brasil é o intenso debate sobre as políticas de regulação discutidas frente às
intervenções do mercado no âmbito educacional e a qualidade da educação:
É neste contexto que se assiste hoje, em Portugal, no quadro de uma “crise
de soluções” gerada pela queda do mito da reforma educativa, à promoção,
na comunicação social e junto de largos sectores da opinião pública, de um
diagnóstico catastrofista sobre a situação em que se encontra o nosso
sistema educativo. Sob um aparente consenso apartidário, esse diagnóstico
pretende abrir caminho à aceitação pela opinião pública de propostas de
cariz “neo-liberal”, como sejam a privatização do ensino, a subordinação da
educação à lógica de mercado, com a livre escolha da escola pelos pais, a
competição interescolas etc., misturadas com outras de cariz mais
conservador, como o primado das “aprendizagens fundamentais” (back to
basic), o reforço da autoridade, do rigor e da disciplina. (BARROSO, 2003,
p. 12).
Neste trecho, verificamos que existem preocupações afins do autor com as
que foram apontadas no capítulo anterior com relação ao Brasil. Com o estudo
destes três países, pretendo apresentar o contexto em que as avaliações externas
vêm se tornando referência na definição do padrão de qualidade de ensino,
evidenciando as tensões existentes neste campo.
2.1. Finlândia
A
Finlândia
é
país
membro
da
Organização
para
Cooperação
e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e destaca-se entre os países, nas avaliações
internacionais pelo seu bom desempenho no PISA. Além do seu destacado lugar na
avaliação, a Finlândia tem características com relação ao seu desenvolvimento
social e econômico bastante promissoras como retrata o seu Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) que em 2010 foi de 0, 871, considerado elevado,
com uma alta expectativa de vida, baixa mortalidade infantil e com cerca de 99% da
sua população alfabetizada. Com relação aos bons resultados obtidos pela Finlândia
no PISA, Niemi (2009), descreve:
Las comparaciones de PISA reflejan que Finlandia ha alcanzado grandes
logros en su política para mejor la equidad y la calidad en el aprendizaje. Ha
sido un largo proceso cuyos objetivos de desarrollo a largo plazo fueron
establecidos hace más de 40 años. En ese momento, la principal meta fue
que la educación básica satisficiera los critérios del sistema de la educación
comprehensiva. Finlandia ahora encabeza los resultados internacionales y
sólo unos pocos alumnos se encuentran dentro de las categorias inferiores
de PISA. Las diferencias entre los centros educativos son pequeñas. (NIEMI
e SIHVOMEN, 2009, p.177).
Dentro do conceito de educação compreensiva, Niemi e Sihvomen, (2009)
apontam:
La educación básica finlandesa lógicamente ha progresado hacia un modelo
de escuela comprehensiva que garantiza la igualdad de oportunidades
educativas para todos, independientemente de la clase social, sexo, grupo
étnico, etc. como indica la Constitución. (NIEMI e SIHVOMEN, 2009, p.177).
As características apontadas, de acesso universal, parecem colaborar
positivamente para seu desempenho satisfatório no PISA e somam-se ao conjunto
de políticas adotadas para o desenvolvimento educacional. Neste país, a educação
não está apartada do desenvolvimento econômico, afinal:
a estrutura atual da educação finlandesa é produto de amplas e complexas
mudanças socioculturais, político-econômicas e educacionais, embasadas
em valores socialmente aceitos, reforçadas principalmente a partir de 1970
pelo Estado de Bem-Estar Social (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006;
FULLAN, 2005, p. 53-64; HARGREAVES; GOODSON, 2006; SAHLBERG,
2007, p. 147-149, 2009, p. 12). Essas mudanças foram possibilitadas pela
construção de um consenso nacional, desde o início do século XX, de
confiança no Estado e de valorização da igualdade e do respeito social,
bem como da educação contínua e de alta qualidade num contexto nacional
caracterizado pelo uso da adaptabilidade e da autonomia como estratégia
de desenvolvimento socioeconômico (OLIVEIRA, 2011, p. 71).
As
políticas
públicas
convergentes
do
desenvolvimento
tecnológico,
econômico e social baseado na igualdade de direitos sociais e de oportunidades,
vinculado à proposta educacional que contempla desde a formação dos professores,
até o acompanhamento das escolas e a autonomia da gestão escolar, aparecem
como fundamentais no êxito do sistema finlandês de educação.
Os aspectos socioeconômicos em que está situada a Finlândia, onde a
desigualdade econômica não é preponderante para o acesso à educação e para a
oportunidade de emprego, somados à confiança no Estado e este com políticas
públicas de longo prazo, colocam o Brasil em situação diametralmente oposta,
trazendo para a nossa realidade outros desafios que interferem no seu
desenvolvimento como a profunda desigualdade social, pluralidade de valores em
situação de conflito e a desconfiança no Estado.
Segundo informações do governo da Finlândia (2013), os objetivos
educacionais são padronizados e operam da seguinte forma:
O governo estabelece os objetivos gerais e a divisão das horas de ensino
das disciplinas do ensino fundamental e médio. Baseia-se, para tanto, no
currículo escolar nacional, o que é estabelecido pelo Conselho Nacional de
Educação da Finlândia, sob a direção do Ministério da Educação e Cultura.
As instituições de ensino, então, na sua maioria sob responsabilidade
municipal, desenvolvem um currículo escolar próprio e um plano escolar
específico. Dessa forma, estudantes de todo país são ensinados as
mesmas disciplinas no mesmo nível de qualidade. (MINISTÉRIO DE
RELAÇÕES EXTERIORES, 2013, p. 8).
Quanto aos processos de avaliação do sistema:
O desempenho de aprendizagem dos alunos das escolas públicas é
monitorado por meio de avaliações nacionais, abrangendo uma
amostragem aleatória de 5%. Além disso, os responsáveis pela organização
do sistema de ensino também passam por avaliações regulares de
competência. O término do ensino médio culmina com o exame nacional,
aplicado pelo Conselho de Avaliação Nacional (MINISTÉRIO DE
RELAÇÕES EXTERIORES, 2013, p. 8).
O modelo educacional finlandês está pautado tanto na busca do
desenvolvimento econômico e tecnológico, como na real oferta de oportunidade e
acesso. A educação básica tem nove anos de duração e é obrigatória a partir dos
sete anos de idade, segundo Niemi e Sihvomen (2009). Outro ponto bastante
festejado e tido como determinante para o bom rendimento da educação na
Finlândia reside na formação dos professores, baseado no estudo de práticas de
ensino, investigação e desenvolvimento de práticas didáticas.
No que diz respeito à formação de professores parece também haver um
distanciamento do nosso modelo de formação. Enquanto lá a formação está
baseada nas práticas de ensino, temos aqui um modelo de formação baseado no
treinamento para execução de programas pensados fora da escola e que
desconsidera tanto o professor como as relações que se estabelecem dentro da
escola e em seu território. Neste contexto, Almeida (2009) discute:
Assim há também concordância no sentido de que há necessidade de
formação continuada como complemento à formação inicial, para uns, com
o objetivo de suprir os déficits desta formação e, para outros, como
possibilidade de desdobramentos da prática e da utilização das reflexões
sobre essas práticas como elementos de formação coletiva e de produção
de conhecimento. (ALMEIDA, 2009, p.75).
Apesar dos resultados de excelência que a política educacional finlandesa
tem observado em comparações internacionais, Antikainen (2008), aponta um
importante indicador para análise da situação descrita sobre a Finlândia, a
satisfação dos alunos com relação à escola é baixo, bem como o interesse dos
alunos pelas atividades políticas e cívicas. Tal situação é explicada pelo autor da
seguinte forma:
A falta de satisfação pela escola pode estar ligada a, pelo menos, dois
factores: um diz respeito às exigências relativamente altas colocadas pela
escola, pelo menos em comparação com escolas de outros países nórdicos;
outro, na cultura finlandesa, não é aceitável tomar uma visão positiva da
vida numa instituição como a escola. A falta de actividade política é
compreensível como uma reacção, se não um franco refluxo, dos efeitos de
politicização ou “sobrepoliticização” dos alunos no contexto da ascensão do
marxismo-leninismo soviético nos anos 1970. (ANTIKAINEM, 2008, p. 45)
Desta maneira, pode-se discutir o bom desempenho em avaliações como
padrão de qualidade e questionar se é possível dizer que tem boa qualidade uma
escola onde as crianças não são felizes? Este é um questionamento antigo e que já
esteve mais presente na escola.
Sendo assim, verificamos que apesar da qualidade apresentada no sistema
educacional finlandês ser considerada satisfatória, ainda tem aspectos relevantes
para serem considerados, corroborando a ideia de que o desafio da qualidade em
educação é complexo e envolve diversos aspectos.
2.2. Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos, a primeira experiência de avaliação de sistemas
escolares foi na década de 1840, em Massachusetts, esta experiência era
embasada em relatórios empíricos anuais sobre educação. A segunda, no final do
século XIX, baseada na aplicação de provas sobre vários assuntos e é considerada
percussora da verificação da qualidade em sistemas escolares, inclusive
possibilitando a obtenção de dados comparativos entre escolas. No século XIX, a
experiência de Joseph Rice, que abrangeu todo o território americano, obteve dados
com relação ao ensino de Ortografia e o tempo dedicado à escola, demandando aos
educadores da época a verificação de suas práticas, conforme Worthen; Sandrers;
Fizpatrick (2004).
No início do século XX, a avaliação é fortemente influenciada pela ideias
baseadas nos testes individuais de desempenho, como mostra o trecho a seguir:
A década de 1920 viu o rápido surgimento de testes baseados nas normas
dos programas, criados para avaliar os níveis individuais de desempenho.
Em meados da década de 1930, mais da metade dos Estados Unidos tinha
alguma forma de testes estaduais, e os testes padronizados, baseados nas
normas de referência dos programas, inclusive testes para avaliar o
aprendizado, assim como testes de personalidade e perfis de interesses,
transformando-se num grande negócio. Durante esse período, os
educadores consideravam as mensurações e as avaliações quase
sinônimos, sendo essa última em geral vista como um teste final para
avaliar o desempenho de um aluno e atribuir-lhes notas. (WORTHEN;
SANDRERS; FIZPATRICK, 2004, p. 60).
A evolução deste modelo encaminha a análise do desempenho individual
para a avaliação da aprendizagem, pautada nos objetivos do programa proposto
deve-se, em 1930, a Ralph Tyler:
A proposta do “ensino por objetivos” elaborada por ele, era bem simples:
com base em tarefas preestabelecidas, proceder ao ensino, servindo-se dos
recursos necessários, e, no processo de ensinar e aprender, em dados
momentos específicos, diagnosticar se a aprendizagem se dera ou não. Em
caso positivo, prosseguia-se para uma nova tarefa ou novo patamar de
ensino-novo conteúdo; em caso negativo, reorientava-se a aprendizagem
do estudante, visto ser essencial sua efetiva aprendizagem. (LUCKESI,
2011, p. 208).
No Brasil, a influência de Tyler, como abordei no capítulo I, chega na década
de 1970, com o tecnicismo. Entre 1940 e 1965, os Estados Unidos vivem um
período de investimentos maciços do governo no desenvolvimento social da
população, traduzindo tais investimentos em uma gama de projetos e programas
sociais, a chamada: “Guerra à Pobreza”. A influência na política externa e o
desenvolvimento do poderio industrial e da Guerra-Fria foram decisivos neste
período e em 1958 a promulgação da Lei Educacional da Defesa Nacional promoveu
grande volume de investimentos federais em programas e projetos nas áreas de
Ciências e Matemática.
Durante o governo de John Kennedy e Lyndon Johnson, a pressão pela
comprovação de efetividade e indicadores que ajudassem a verificar se os
investimentos aplicados nos programas tinham impacto social e esperado, fez
crescer a pressão para o desenvolvimento de meios para sua verificação. Foi
adotado o Sistema de Planejamento, Programação e Orçamento (SPPO), “uma
aplicação da abordagem de sistemas usada pela Ford Motor Company”
(WORTHEN; SANDRERS; FIZPATRICK, 2004, p. 67), mas que não se consolidou.
Durante algum tempo, a pressão persistiu e o SPPO não só se disseminou
pelos órgãos federais como seu apelo lógico o fez penetrar também em
muitos sistemas de governos estaduais, universidades e escolas. Aos
poucos, sofreu mutações e surgiram várias formas vagamente inspiradas no
SPPO, como a “administração por objetivos”. Mas nunca se desenvolveu
realmente a ponto de se transformar num sistema eficaz de avaliação de
programas, e sua popularidade foi diminuindo aos poucos. (WORTHEN;
SANDRERS; FIZPATRICK, 2004, p.67-68).
O grande impulso no desenvolvimento da avaliação de programas
educacionais nos Estados Unidos ocorre em 1965, com a Lei do Ensino
Fundamental e Médio (LEFM), considerada um marco na avaliação de programas,
uma vez que o Senado para aprovação da Lei exigiu que evidências de que os
investimentos no ensino fossem capazes de melhorar a educação no país. Kennedy,
a partir da aprovação da LEFM, promove a maior avaliação de programas
educacionais até então, uma vez que por força de lei todos os educadores teriam
que avaliar suas próprias atividades.
A consequência observada neste processo foi a falta de adequação dos
instrumentos
e
metodologias
inicialmente
utilizados
nas
avaliações.
Esta
constatação fez com que, em conjunto, houvesse o desenvolvimento metodológico e
tecnológico:
Os intelectuais responderam a essa necessidade e, 1970, vários
importantes autores seminais apresentaram fundamentos e estruturas
conceituais para o campo ainda jovem da avaliação (como Cronbach, 1963;
Scriven, 1967; e Stuffebeam, 1968). Livros sobre interpretação das
avaliações foram publicados (como Worthen & Sanders, 1973).
(WORTHEN; SANDRERS; FIZPATRICK, 2004, p.77-78).
O desenvolvimento das avaliações de programas nos Estados Unidos teve
como consequência uma visão multidimensional da interferência de diversos
aspectos, que necessitaram ser considerados uma vez que aspectos quantitativos
não seriam capazes de apropriar respostas competentes aos anseios dos órgãos
públicos, que controlavam e organizavam a destinação dos recursos para os
programas. Os modelos de avaliações do desempenho das escolas e na discussão
quanto a sua abordagem, por objetivos de Tyler, sofreram questionamentos.
Goodlad (1979) enfatizou que a avaliação e a melhoria das escolas norteamericanas não progrediram muito enquanto suas metas não foram debatidas,
aceitas, determinadas operacionalmente e supervisionadas. Desta forma, é
fomentada a discussão acerca da ideia de que uma única prova padronizada para
aferir a aquisição de qualificações básicas não forneceria dados suficientes para
avaliar as escolas.
Na educação, a peneira pela qual as metas potenciais devem passar inclui
questões de valores derivadas de três fontes: filosófica (a natureza do
saber), social (a natureza da sociedade) e pedagógica (a natureza do aluno
e do processo de aprendizagem). Scriven (1967) reiterou a necessidade de
avaliar as metas de qualquer atividade como parte da avaliação dessa
atividade e suas consequências. (WORTHEN; SANDRERS; FIZPATRICK,
2004, p.131-132).
Esta discussão é atual em vários países, inclusive no Brasil, pois os
resultados das avaliações externas carecem de análise aprofundada das suas
dimensões de interferência. Deste modo simplista e desprovido de elementos, que
possam impulsionar tomadas de decisões quanto à adequação de programas por
parte do governo ou mesmo da escola, o objetivo das avaliações no que tange à
melhoria da educação é prejudicado.
Nos anos de 1980, a avaliação dos programas educacionais nos Estados
Unidos e por influência deste no mundo, passa a se organizar em função dos testes.
O sistema de avaliação de programas educacionais desde a década de 1990 vem
intensificando o uso dos testes para verificação de desempenho das escolas
públicas. Este fato tem gerado consequências bastante sérias com relação à
competição entre as escolas na busca de financiamentos para a gestão dos
sistemas, como aponta José C. Azevedo na apresentação do livro de Diane Ravitch,
em que a autora conta sua experiência como secretaria adjunta da Secretaria
Nacional de Educação do então presidente George H. W. Bush:
O ímpeto reformista levou à radicalização das testagens e do uso de seus
resultados para punir professores e diretores cujos alunos não alcançaram
os escores desejados nos testes padronizados. Esse processo atravessa os
governos republicanos e democratas desde os anos 1990, uma vez que se
constituiu um consenso entre os dois partidos sobre o projeto educacional.
A escolha escolar e a responsabilização passariam a ser a chave da política
educacional para garantir a qualidade da educação. (RAVITCH, 2011, p.12)
Dentre objetivos determinados desta política está a melhoria da qualidade da
educação, porém o que a autora aponta o acirramento da disputa entre as escolas,
com o crescimento de agências e empresas que prometem resolver os problemas
educacionais com projetos de gestão educacional baseados nas diretrizes
empresariais de resultados. Esta política resultou na demissão de muitos
professores e diretores escolares por não conseguirem os bons resultados
esperados, o que os demais após a implantação deste modelo de gestão também
não conseguiram de forma satisfatória.
Nesta perspectiva de competição arraigada, o que Ravitch (2011) esclarece é
que, de fato, em algumas escolas os resultados foram promissores, porém o
desempenho de negros, latinos e pobres não melhorou e o que aconteceu foi o
aumento das taxas de abandono e piora na qualidade do ensino quando observados
outros mecanismos de avaliação, como ocorreu no Texas:
Uns poucos acadêmicos alertaram em 2000 que os ganhos no Texas eram
uma miragem; eles disseram que o sistema de testagem na verdade estava
causando um aumento no número de abandonos, especialmente entre os
estudantes afro-americanos e hispânicos, muitos dos quais repetidamente
não passavam e abandonavam a escola desencorajados. Em estudos
separados, Walt Haney, do Boston Colege, e Stephen Klein, do RAND,
defenderam que os ganhos dramáticos no Texas em seus testes estaduais
não eram refletidos em outras mensurações de performance acadêmica,
como SAT e o NAEP, ou mesmo o próprio teste estadual de prontidão para
a universidade. (RAVITCH, 2011, p.116)
Outro aspecto levantado pela autora foi a tendência das escolas enxugarem
seus currículos e treinarem seus alunos para os testes.
A influência dos Estados Unidos é indiscutivelmente grande na economia
mundial e a tendência nas avaliações externas gerada nos anos 1990 tem
impactado as políticas educacionais para resultados em vários países como Brasil e
Portugal que veremos a seguir.
2.3. Portugal
Portugal foi o terceiro país escolhido para traçar esse panorama sobre as
avaliações externas e, como já anunciado o motivo da escolha está relacionado à
semelhança existente entre o sistema de ensino brasileiro e o sistema português no
que diz respeito aos problemas relacionados à defasagem dos alunos com relação à
aprendizagem e também à sua permanência na escola. Como aqui, lá também, a
opção pelas avaliações em larga escala gerou grandes discussões:
No sistema educativo português, a escolaridade básica de nove anos, que
foi conceptualizada como uma unidade coerente, coincide com a
escolaridade obrigatória. No entanto, têm sido identificados problemas de
falta de consistência e de coerência na Educação Básica que parecem
dever-se às diferentes tradições pedagógicas, organizacionais e
administrativas de cada ciclo. (FERNANDES, 2007, p. 584).
A educação portuguesa enfrenta problemas bastante graves com relação ao
acesso e à permanência no ensino secundário, sendo que o número de alunos
diplomados estava abaixo da média dos países europeus em 2006, como
demonstram os dados abaixo.
A taxa de diplomados do Ensino Secundário, tendo em conta a população
residente com a idade típica de conclusão, era de cerca de 45% em 2002
quando, por exemplo, a média dos países da OCDE era também de mais de
80% (AZEVEDO, 2003; OCDE, 2004 apud FERNANDES, 2007, p. 586)
Outro problema que vem sendo analisado é a retenção dos alunos na
educação básica, como demonstra o levantamento feito nas escolas regulares entre
2003/2004:
(...) dos 1.117.087 alunos matriculados em todos os anos da Educação
Básica obrigatória, reprovaram 129.929, ou seja, 11,63% dos alunos. Os
dados referentes a todos os cursos do Ensino Secundário mostram que
estavam inscritos 265.192 alunos, dos quais reprovaram 89.566,
representando 33,77% dos alunos! É uma situação muito preocupante num
país em que cerca de 80% da sua população tem, no máximo, o 9º ano de
escolaridade. (FERNANDES, 2007, p.588).
O processo de internacionalização, desde meados de 1970, trouxe consigo o
modelo estadunidense de testagem, baseado nos resultados e com viés, na época,
tecnicista, “quer com a integração na UNESCO e na Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), em especial através do Centro para a
Investigação e Inovação Educacional (CERI).” (FREITAS, 2001, p.101).
Atualmente, a perspectiva da política de avaliações externas adotada em
Portugal está assentada na melhora do ensino, porém não isenta de críticas. Dentre
as avaliações externas que Portugal implementou, Fernandes descreve:
As avaliações externas em Portugal têm sido realizadas por meio de três
modalidades distintas: a) as avaliações externas internacionais promovidas
pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement
– IEA (por exemplo, Reading Literacy; Third International Mathematics and
Science Study – TIMSS), pelo Educational Testing Service – ETS (e.g.,
Second International Assessment of Educational Progress – SIAEP) e pela
Organization for Economic Co-Operation and Development – OECD (e.g.,
International Adult Literacy Survey – IALS); Programme for International
Student Assessment – PISA); b) as avaliações externas a Matemática e a
Língua Portuguesa (...); e c) os exames nacionais no final da escolaridade
obrigatória e no final do Ensino Secundário. (FERNANDES, 2007, p.593).
Das avaliações externas desenvolvidas pelo governo, as provas de aferição
de português e matemática têm os seguintes objetivos elencados:
De acordo com o despacho n.º 2351/2007, de 14 de fevereiro, com a última
redação dada pelo despacho n.º 10534/2011, de 11 de agosto, estas provas
são aplicadas anualmente ao universo de alunos que frequentam o 4.º ano
de escolaridade. As provas de aferição, pelo carácter universal da sua
aplicação e pela natureza da informação que os seus resultados
proporcionam, constituem ainda um instrumento de diagnóstico,
disponibilizado às escolas e aos professores, que permite uma reflexão
coletiva e individual sobre a adequação das práticas letivas às finalidades e
aos objetivos educacionais propostos no currículo. A reflexão que o
resultado das provas deve suscitar nos intervenientes no processo
educativo contribuirá, consequentemente, para tomadas de decisão que
concorram para a melhoria do ensino e da qualidade das práticas
pedagógicas. Complementarmente, a informação relativa aos resultados
das provas, atualmente acessível, com diferentes níveis de desagregação, a
todos os interlocutores, pode revelar-se de grande utilidade para a definição
de prioridades ao nível da formação contínua dos docentes, para a
concepção de currículo e de programas, para a investigação educacional e
para a atuação das famílias. (GAVE, 2012, p.1)
Outro aspecto da prova é a publicização dos resultados para a população,
através dos órgãos oficiais e amplamente divulgados na mídia, como acontece com
o IDEB, no Brasil:
No início do ano letivo subsequente ao da realização das provas, são
divulgados aos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas os
respetivos resultados por agrupamento, por escola e por turma,
desagregados por domínio, por tema e por item. É ainda publicado um
relatório nacional, que apresenta uma análise circunstanciada das provas e
dos respetivos resultados, com o mesmo nível de desagregação. (GAVE,
2012, p.2)
Os exames nacionais do ensino secundário, segundo informa o site do
Ministério de Educação e Ciência, têm como objetivo, enquanto avaliação somativa,
certificar a aprendizagem realizada pelos alunos no final do referido ciclo de estudos.
Dentre as críticas feitas ao modelo nacional de avaliação externa, Antunes e Sá
(2010, p.122), criticam a validade dos resultados uma vez que não consideram os
alunos evadidos ou que abandonaram os estudos, acrescentando à crítica a
desconfiança da tentativa do governo mascarar os resultados frente à União
Européia.
Com relação ao IDEB, o fluxo dos alunos é considerado, contudo sem a
análise dos dados que compõe o índice de uma escola, município ou estado este
índice pode mascarar também realidades bem diferentes.
Outro ponto, alvo de crítica em Portugal, é a publicação do ranking das
escolas e a forma como os dados são divulgados, recebem críticas e tem efeitos
considerados indesejados até para o Ministério da Educação, conforme mostra o
trecho a seguir:
Apesar de os rankings das escolas poderem ter “resultados devastadores” e
efeitos “perversos e nocivos” e serem considerados uma forma “preguiçosa”
de avaliação (Conselho Nacional de Educação – CNE, 2005, p.8) e de a
atual ministra da Educação os classificar como “limitados e pouco
interessantes” e admitir que possam constituir um exercício “negativo e
deturpador” desde 2001 que, ano após ano, o media tem publicado a tabela
das escolas, embora nem sempre baseados nos mesmos critérios,
permitindo assim ligas para (quase) todos os gostos. (ANTUNES E SÁ,
2010, p.130)
Segundo os mesmos autores, tais publicações colaboram com o que chamam
de diabolização das escolas com mais baixa classificação e migração de alunos
para escolas melhores classificadas. Estudo recente da realizado em área de
vulnerabilidade social de São Paulo, revela que “quanto mais as escolas estão
situadas em territórios vulneráveis, menores tendem a ser suas notas no IDEB.”
(CENPEC, 2011). Tal evidência, neste mesmo estudo, apresenta outro aspecto,
revelado no movimento chamado de “exteriorização”. Este artifício, de certa forma,
dentro dos preceitos legais de garantia à educação, acaba por encobrir manobras de
exclusão e perpetuação da condição de vulnerabilidade daqueles que não dispõe de
mobilidade, neste contexto:
Em boa medida, o fato de essas escolas receberem os “problemas” das
escolas em posição vantajosa na disputa por recursos faz com que elas
colaborem para o funcionamento das outras. As escolas bem situadas
podem “exteriorizar” os seus problemas e assegurar melhores condições
para seu funcionamento sabendo que o sistema escolar vai garantir o direito
à matrícula aos alunos que delas se transferem e postos de trabalho para
os professores que nelas não se adaptam. Elas se beneficiam e dependem
dessas outras nas quais os problemas se decantam e se concentram.
(CENPEC, 2011, p.10).
Para Afonso (2010), este movimento vivenciado em Portugal, com as
avaliações externas, dentre outras constatações, evidencia que desta política de
avaliação, emergem duas características que necessitam de amadurecimento e
organização dentro deste modelo: a responsabilização acentuada dos professores e
a distribuição de bônus aos professores mediante os bons resultados, o que
colabora com uma política de avaliação pouco equilibrada.
Quanto às críticas apresentadas com relação à responsabilização das
escolas, a política de bônus, a apresentação dos dados e o cumprimento dos
objetivos estabelecidos para as avaliações externas existem muitas convergências
como veremos a seguir.
2.4. Brasil
Esta discussão sobre a utilização das avaliações em larga escala como
medida de qualidade de ensino nos três países escolhidos, ainda que breve, ajuda a
situar o Brasil no contexto das discussões sobre as avaliações dos sistemas de
ensino. Uma questão que aparece com bastante clareza é que a utilização destas
avaliações vem ocorrendo em conformidade com a cultura de cada país; outra é que
sua utilização não tem exercido influencia direta na qualidade.
O levantamento mostra que a Finlândia, país que encontra-se no topo do
ranking em termos de qualidade, não tem no sistema de avaliação seu pilar de
sustentação, não é um pais com grande tradição em avaliações deste tipo. É
possível inferir, a partir do estudo realizado que o resultado positivo dos seus alunos
é expressão de um projeto educacional que se assenta em valores como a
igualdade social, a confiança nos dirigentes e trabalho consistente de formação e
valorização do magistério.
Os Estados Unidos, país com grande tradição nas avaliações em larga
escala, não figuram entre os primeiros no ranking de qualidade de ensino. Podemos
inferir nesta situação que o desempenho dos alunos depende mais de outros fatores
que da submissão constante a avaliações.
Analisando o que acontece entre estes dois países é possível verificar que as
avaliações em si não induzem ao bom desempenho dos alunos nestas provas. Uma
das coordenadoras pedagógicas que foi entrevistada, ao ser perguntada sobre a
relação entre avaliação externa e qualidade de ensino se manifesta em consonância
com essa idéia:
Avaliar não exatamente traz qualidade. O que traz qualidade é o trabalho
mesmo. A avaliação pode auxiliar, acho que é mais um instrumento, não é o
único, não é o mais importante, mas eu acho que é mais um que pode
contribuir para que você busque melhorias na sua prática, para que busque
atingir, fazer com que os alunos tenham um determinado nível de
desempenho ali, ter uma base comum, mais ou menos. Mas avaliar não traz
qualidade. O que traz é o trabalho, é a construção coletiva, cotidiana, tudo o
mais. Mas auxilia nessa análise, eu acho. Auxilia na análise mesmo. (Lucia,
coordenadora).
Portugal, como o Brasil, parece ter aderido a esse modelo de avaliação como
necessidade de enquadrar-se às exigências internacionais. Desta forma, verifica-se
grande polêmica em torno do acolhimento de tal modelo de avaliação como medida
de qualidade. Trata-se de um país onde a adesão ao modelo é relativamente
recente e talvez seja precipitado dizer que o modelo não produziu frutos aceitáveis,
mas talvez seja o país onde o processo guarda mais semelhança com o Brasil.
Vale lembrar, no entanto, que as comparações aqui sugeridas são apenas
tentativas de identificar pontos para discussão, porque definir um modelo
educacional para países com as dimensões de Portugal ou Finlândia é bem
diferente de definir um modelo para países com as dimensões de Estados Unidos e
Brasil. Contudo, apesar das diferenças culturais, territoriais, econômicas e sociais
entre estes quatro países, quando se fala em assumir as avaliações em larga escala
como medida de qualidade do ensino, há pontos fortes de convergências: a
construção de um padrão de qualidade internacionalmente aceito que alcance
satisfatoriamente às camadas excluídas e atenda às demandas econômicofinanceiras nacionais e internacionais. As reflexões realizadas no desenvolvimento
da pesquisa indica que todos têm motivos para estar bem classificados no ranking
dos melhores em termos de sistema de ensino.
A avaliação, como se buscou evidenciar no capítulo anterior é tema que
acompanha a educação escolar desde seus primórdios e, pelo visto, a acompanhará
sempre. Vale ressaltar, no entanto, que em alguns momentos se tornou foco de
estudos acadêmicos, de preocupação dos gestores e mesmo das políticas
educacionais. No final da década de 1970, até quando assumiu lugar de destaque
os movimentos contra as instituições autoritárias e a garantia de acesso e
permanência na escola era bandeira social importante e a avaliação ocupou lugar de
destaque por ser considerada um dos principais instrumentos de seleção e exclusão.
Tratou-se de um momento em que o sistema capitalista enfrentava grande crise e
alguns chegaram a acreditar que a sua superação estava bem próxima. Nesta
época, muito se discutiu quanto à necessidade de repensar o modelo de escola,
entendendo que um modelo descentralizado com forte apelo à autonomia da escola
como possibilidade de torná-la uma instituição capaz de promover a equidade social.
Essa tendência é expressa no Art. 15 da Lei 9394/96.
Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de
educação básica que os integram progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas
gerais de direito financeiro público. (BRASIL, 1996).
No Brasil, podemos considerar a promulgação da Constituição de 1988, como
o marco mais importante dos movimentos contra o autoritarismo que vinha junto com
a luta pela conquista das liberdades democráticas e dos direitos sociais. Na carta
magna, consolidam-se muitos direitos sociais, sobretudo o direito à educação,
assumida como direito público subjetivo, como mostra o seu Artigo 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).
A garantia deste direito traz para escola a necessidade de compreensão e da
implementação de um trabalho pedagógico a partir de um prisma que anteriormente
na história do Brasil, não havia sido considerado, fiscalizado e discutido com tanta
ênfase e, na medida em que deixa de ser uma solicitação, a centralidade das
discussões passa para a superação de dificuldades organizacionais e sociais para
seu adequado cumprimento. Analisando esta atual perspectiva, Boto (2005) assim
se manifesta:
Expandir a escola é imperativo político, sendo, portanto, indeclinável dever
do Estado. No que diz respeito à saudosa qualidade do ensino quando a
rede de escolas incorpora uma população mais ampla, o erro é óbvio: não
se podem aferir padrões de qualidade sem indagar a quem se atribuem os
mesmos padrões. Diante de uma população que não tem escola, qualquer
largamento da possibilidade de frequentar a escola é, em si mesmo, um
avanço. A qualidade dos poucos que anteriormente tinham acesso
privilegiado não possuiria – no parecer de Azanha – qualquer legitimidade
para ser invocada. Perante aqueles que, anteriormente, eram dela
excluídos, frequentar a escola é um ganho. Portanto é direito democrático
de primeira geração. Direito que, com veemência, Azanha defende –
evidenciando a fragilidade dos argumentos contrários a medidas voltadas
apenas para incorporar mais crianças à escola. (BOTO, 2005, p. 787)
O reconhecimento da educação como direito publico subjetivo, na carta
magna do país, foi um avanço significativo e impulsionou a sociedade para a busca
da universalização do acesso a educação. Ainda respirando os ares das lutas
sociais que antecederam a promulgação da constituição foi aprovada a Lei 8.069/90,
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), deixando mais claras as
responsabilidades pela garantia entre outros do direito à educação das crianças e
jovens.
No início dos anos de 1990, um novo cenário começa a se desenhar
incorporando mais concretamente os efeitos do fim da guerra fria, da queda do muro
de Berlim, do boom da tecnologia que, encurtando distâncias e eliminando tempos,
potencializou o processo de globalização das relações sociais, políticas e
econômicas. O mercado passa a exercer papel cada vez mais importante na
regulação das relações sociais. Neste contexto, a garantia de acesso e permanência
deixa de ser suficiente e abre-se se a discussão sobre a questão da qualidade.
Melhorar a qualidade da educação, entre outros aspectos, cria as condições para a
reprodução do capital, como aponta Freitas (2012) ao discutir a influência dos
empresários na educação:
A educação brasileira sofre e sofrerá nos próximos anos o assédio dos
reformadores empresariais. Para eles, a educação é um subsistema do
aparato produtivo e nisso se resume. Para os educadores profissionais,
porém, formar para o trabalho é apenas parte das tarefas educacionais. E aí
está uma divergência central. Para os reformadores empresariais, os
objetivos da educação se resumem em uma “matriz de referência” para se
elaborar um teste que mede habilidades ou competências básicas. Um país
que não sabe o que pretende com sua juventude e que tudo que pode
oferecer a ela como projeto de vida é passar no ENEM, não pode ir muito
longe. (FREITAS, 2012, p. 15)
Aqui é importante notar que a preocupação com a qualidade vem sem o
acompanhamento da preocupação com a equidade. Qualidade passa a ser
atendimento ao mercado. A educação passa a ser objeto de investimento das
grandes agencias ligada ao capital internacional que passa a patrocinar acordos
com vistas a buscar um padrão de qualidade aceito internacionalmente. Dentro
deste pressuposto, a criação dos sistemas de avaliação, do país, dos estados e
municípios,
passaram
financiamentos
do
a
Banco
atender
exigências
Mundial
que
internacionais, como
previam
em
suas
os
cláusulas
dos
o
desenvolvimento de sistemas de avaliação por parte dos estados, como destacam
Sousa e Oliveira (2010).
Neste contexto, as avaliações em larga escala são assumidas como medida
de qualidade pelos dirigentes de vários países ao redor do mundo, inclusive no caso
do Brasil. Essa tendência se materializa com o estado assumindo o papel regulador
do processo educacional por meio da avaliação dos sistemas de ensino. Neste
sentido, percebe-se um movimento em direção à centralização da avaliação,
contrariando o movimento das décadas de 1970 e 1980, que via na descentralização
do sistema e reforço da autonomia das unidades como meio de produção de
qualidade com equidade.
Dentre os marcos presentes na formulação e na implementação das
políticas educacionais brasileiras nas duas últimas décadas, ganham
destaque as avaliações com elementos comuns a propostas realizadas em
outros países, expressando uma agenda mundial. Além de outros objetivos,
as iniciativas de avaliação associam-se à promoção da qualidade do ensino,
estabelecendo, no limite, novos parâmetros de gestão dos sistemas
educacionais. (BONAMINO; SOUSA, 2012, p. 375)
As duas tendências, embora nos pareçam contraditórias, se fazem presentes
na Lei 9394/96. No artigo 15, citado anteriormente, a tendência no sentido da
autonomia e no artigo 9º a tendência à centralização pela atribuição à União da
competência para avaliara a educação nacional:
A União incumbir-se-á de:
1. elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios; [...]
3. prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o
atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função
redistributiva e supletiva; [...]
5. coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;
6. assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no
ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de
ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do
ensino; [...]. (BRASIL, 1996)
O governo brasileiro dá um passo importante no sentido de assumir-se como
avaliador com a instituição do SAEB tal como conhecemos hoje, em 2005, composto
por dois processos de avaliação: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB),
e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC). Com a criação dos
instrumentos que o compõe, este sistema assume também os resultados dos alunos
nas avaliações em larga escala como uma medida de qualidade de ensino.
A criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) concretizou a
tendência centralizadora tão combatida no terceiro quarto do século passado. Desta
maneira, a opção do Brasil pela utilização das avaliações em larga escala, como
medida de qualidade de ensino, pode ser entendida no contexto dos grandes
acordos internacionais, que embora proclame uma perspectiva de educação para
todos não discute os limites da inclusão de todos em um modelo de escola pensado
para alguns.
O Sistema de Avaliação Educação Básica é resultado e um esforço do MEC
em uma situação em que a existência de dados confiáveis era inexistente. A
necessidade de geração de dados confiáveis da educação básica e que pudesse
colaborar com a proposição de política públicas na educação, impulsionou o MEC,
entre 1987 e 1991, a desenvolver experiências com avaliações educacionais
externas e em larga escala em alguns estados, delineando o SAEB. Ao comentar a
dinâmica estabelecida para construção do SAEB, Gatti assim se manifesta:
Com os resultados obtidos e os dados das escolas, professores e aluno,
dispunha-se de muitas informações sobre as quais se poderia debruçar, refletir e
tirar inferências tanto a política de sistemas quanto para questões de
aprendizagens dos alunos. [...] Estes primeiros estudos mais abrangentes de
alunos e escolas serviram de base para o desenvolvimento, nos anos 90, do
SAEB. (GATTI, 2002, p. 26).
O SAEB inicialmente foi implantado em 1993, em conjunto com estados e
municípios, com provas objetivas, baseado no modelo clássico de avaliação, que
limita a análise comparativa do desenvolvimento acadêmico dos alunos e com isso,
o alcance das informações e sua utilização pelo governo. Este problema foi resolvido
a partir da adoção da Teoria de Resposta ao Item (TRI), em 1995. Gatti (2002)
analisa a composição do SAEB, distribuído em dois eixos, da seguinte forma:
o primeiro voltado para o acesso ao ensino básico, no qual se verifica o
atendimento à demanda (taxas de acesso e escolarização) e a eficiência
(taxas de produtividade, de transição e de eficiência interna); o segundo,
correspondente à qualidade, implica o estudo de quatro dimensões
relativas:
1) ao produto – desempenho do aluno quanto à aprendizagem de
conteúdos e desenvolvimento de habilidades e competências;
2) ao contexto – nível socioeconômico dos alunos, hábitos de estudo, perfile
condições de trabalho dos docentes e diretores, tipo de escola, grau de
autonomia e matriz organizacional;
3) ao processo – planejamento do ensino da escola, projeto pedagógico,
utilização do tempo escolar, estratégias de ensino;
4) aos insumos – infra-estrutura, espaço físico, instalações, equipamentos,
recursos e materiais didáticos. (GATTI, 2002, p. 26).
Para esta composição cabe destacar que o MEC, através do INEP, coleta
dados a partir do Censo Escolar (fluxo de alunos: acesso, permanência, retenção
etc), entrevistas com professores, diretores e alunos, além de estudos específicos
de caso.
As avaliações do rendimento dos alunos merecem destaque uma vez que a
partir delas, são coletados dados que comporão IDEB. O quadro síntese que
apresento a seguir apresenta de maneira sintética o perfil destas avaliações
externas que compõe o SAEB:
ANEB
Avaliação Nacional da
Educação Básica
ANRESC
Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar
("Prova Brasil")
ANA
Avaliação Nacional
da Alfabetização
Redes
participantes
Públicas e privadas
Públicas
Públicas
Abrangência
(tipo)
Amostral
Censitária
Censitária
Redes
participantes
Públicas e privadas
Públicas
Públicas
Componentes
curriculares
avaliados
Habilidades em Língua
Portuguesa (foco em
leitura) e Matemática
(foco na resolução de
problemas). A partir de
2013 também são
realizadas provas de
Ciências (somente para
o 8ª série/9º ano do
Ensino Fundamental e
3º série do Ensino
Médio).
Habilidades em Língua
Portuguesa (foco em
leitura) e Matemática
(foco na resolução de
problemas). A partir de
2013 também são
realizadas provas de
Ciências (somente para a
8ª série/9º ano do Ensino
Fundamental).
Níveis de
alfabetização e
letramento em
Língua Portuguesa,
alfabetização
Matemática.
Alunos
participantes
4ª série/5ºano e
8ªsérie/9ºano do Ensino
Fundamental e no 3º
ano do Ensino Médio
4ª série/5ºano e
8ªsérie/9ºano do Ensino
Fundamental.
3º ano do Ensino
Fundamental.
Apresentação
dos
resultados
Resultados do país
como um todo, das
regiões geográficas e
das unidades da
federação.
Resultados
disponibilizados por
escola e por ente
federativo.
Resultados serão
informados por
Instituição de
Ensino, Município,
Unidade Federativa
e será publicado um
índice de
alfabetização
referente às
condições aferidas
em nível nacional.
Periodicidade
Bianual
Bianual
Anual
Fonte: BRASIL, 2014. (http://portal.inep.gov.br/web/saeb)
Os modelos atuais das avaliações externas usadas no SAEB são resultados
de uma série de modificações e adaptações feitas durante nos vinte anos da criação
deste sistema. Esta medida, como já foi dito, foi tomada frente à necessidade criada
a partir da Constituição de 1988 que proclamava para o âmbito federal a regulação
dos sistemas de ensino e a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 que
obriga a criação de mecanismos para avaliação da educação pública.
Diante deste panorama, é pertinente observar e considerar a pressão externa
dirigida para a tomada desta medida. O financiamento do desenvolvimento
educacional com recursos provenientes das agências de financiamento externo
também impulsionou o ingresso do Brasil neste processo de regulação com o
monitoramento dos gastos com a educação, sendo que para isso, busca demonstrar
através destes dados à melhoria da qualidade da educação.
A adesão do Brasil às avaliações externas como medida de qualidade de
ensino trouxe para o cenário educacional algumas questões importantes que já
vinham sendo discutidas em outros países com tradição neste tipo de avaliação, ou
mesmo em países que a elas haviam aderido em tempos mais recentes. Vale
destacar entre essas questões algumas que mais chamaram a minha atenção no
desenvolvimento da pesquisa.
A primeira delas é a questão da responsabilização. Desde os anos 1970,
quando muito se discutiu a avaliação como um mecanismo indutor de fracasso, que
se coloca para o professor a responsabilidade pela aprendizagem dos alunos. Não
se pode negar a sua parte, mas não se tinha elementos que justificassem a sua
responsabilização. As avaliações em larga escala vêm permitindo ao Estado, na
condição de avaliador apresentar números que, segundo ele, evidenciam a
responsabilidade do professor pelas deficiências dos alunos. Afonso (2005)
discutindo o problema da responsabilização assevera
De facto, a imputação de responsabilidades aos professores tem sido, em
diferentes propostas de reforma, a estratégia mais frequente para justificar o
que se considera ser a má situação do ensino e das escolas. A discordância
que mantemos a este e outros traços exemplificativos da prática discursiva
neoconservadora não nos impede, porém, de procurar um aprofundamento
teórico que contribua para o debate em torno da legitimidade para se
estabelecer em modelos de responsabilização profissional dos professores.
Esta responsabilização profissional, no entanto, deve ser vista em confronto
com outras formas de responsabilização e discutida face ao exercício
(legítimo) do controlo por parte do Estado, e/ou de outros sectores e actores
sociais, sobre o que ensina e como se ensina na escolas publicas ou de
interesse público. (AFONSO, 2005, p.42)
Outra questão que emerge com bastante força é a da regulação que aqui
podemos discutir em duas perspectivas, no nosso entender complementares. Por
um lado, a perspectiva de Freitas (2005) que analisa a regulação do trabalho pelo
estado e, de outro, Sousa (2012) que avalia a regulação do currículo para atender às
necessidades apontadas nos testes.
Segundo Freitas (2005), é necessário contrapor o conceito de regulação
presente nas políticas neoliberais que transfere a responsabilidade desta regulação
do Estado para o mercado, criando um cenário de desresponsabilização deste,
gerando seu atual posicionamento, de Estado-avaliador que, para Freitas (2005),
denota uma mudança na forma de interferência do Estado:
“regulação” foi um termo construído no interior das “políticas públicas
neoliberais”, cuja eficácia maior no Brasil foi obtida na gestão de Fernando
Henrique Cardoso, para denotar uma mudança na própria ação do Estado,
o qual não deveria intervir no mercado, a não ser como um “Estado
avaliador” (cf. Dias Sobrinho, 2002b). (...) Inclui, ainda, no caso da
educação, o conceito de quase-mercado”, mas, mesmo nesse caso, a
regulação feita pelo Estado não é contraposta ao mercado, pois a criação e
manutenção do mercado dependem do Estado (Afonso, 1998, p. 160).
(FREITAS, 2005, p.913)
Ao discutir a questão da regulação do currículo, Sousa e Bonamino (2012)
evidenciam que, muitas vezes, o currículo é colocado a serviço dos testes, embora
se diga que o seu objetivo é a aprendizagem dos alunos. Nesta perspectiva, a
introdução de políticas de responsabilização que procura incentivar no professor o
esforço para que os alunos aprendam, o que acontece é que o currículo acaba
sendo organizado e desenvolvido em função do teste como se pode depreender do
trecho seguinte:
Avaliações de segunda e terceira geração, associadas à introdução de
políticas de responsabilização baseadas em conseqüências simbólicas e
materiais, têm o propósito de criar incentivos para que o professor se
esforce no aprendizado dos alunos. No entanto, evidências nacionais e
internacionais mostram que principalmente o uso de resultados das
avaliações de terceira geração para informar iniciativas de
responsabilização forte pode envolver riscos para o currículo escolar. Um
deles é a situação conhecida como ensinar para o teste, que ocorre quando
os professores concentram seus esforços preferencialmente nos tópicos
que são avaliados e desconsideram aspectos importantes do currículo.
(BONAMINO, SOUSA, 2012, p. 383)
Essa situação é perceptível nas entrevistas realizadas com as coordenadoras
pedagógicas. Fica bem evidente que as escolas buscam orientar o trabalho para os
testes. Talvez seja precipitado afirmar que essa situação é induzida pelos testes,
pois há também a possibilidade da escola estar utilizando os testes para justificar
práticas de seleção que, a rigor, nunca saíram da escola em que pese os anos de
progressão continuada.
Outro aspecto importante que vem sendo arguido por muitos pesquisadores é
a concessão de bônus a partir dos resultados alcançados pelos alunos testas
avaliações. Para Alavarse, Bravo e Machado (2013), em estudo realizado em
municípios que criaram seus sistemas próprios de avaliação, constata que há
municípios que vem utilizado a política de bonificação por resultados. Os
pesquisadores questionam essa política apontando usos indesejáveis decorrentes
desta prática, como vemos no trecho seguinte:
No segundo movimento, vislumbramos políticas de responsabilização que
podem, ao contrário do que se deseja, acabar por favorecer a lógica da
meritocracia e culpabilização, dificultando a organização dos agentes
escolares com base em princípios democráticos. Em face de processos de
responsabilização que se valem da distribuição de bônus, um conjunto de
respostas de cunho utilitarista pode surgir em algumas escolas ou redes de
ensino visando garantir-lhes melhores posições em rankings decorrentes da
divulgação dos resultados obtidos. (ALAVARSE, MACHADO E BRAVO,
2013, p. 26)
Para Alavarse (2012), a vinculação dos resultados das avaliações externas e
das políticas de bonificação é inadequada, conforme aponta:
Uma razão é de princípio político. Essas políticas estabelecem uma divisão
entre os profissionais da educação e essa divisão não ajuda na luta que os
trabalhadores da educação desenvolvem, há muitos anos, pelo atendimento
de seus direitos. É como se você individualizasse, em algum grau pelo
menos, as tentativas de melhoria salarial, por exemplo. A segunda razão
decorre do próprio processo de mensuração de resultados a partir dos quais
serão calculados os bônus. Essas avaliações, como já salientei, não captam
todo o trabalho da escola. Ademais, todos os resultados estão sujeitos a
erros de medida – inerentes a todo processo de medida que,
frequentemente, são ignorados na divulgação dos mesmos. Então, como se
poderia avaliar o trabalho dos profissionais da educação, inclusive a ponto
de bonificá-los, se se parte de um instrumento que não capta tudo o que
eles fazem e ainda introduz imprecisões? No mínimo isso é injusto e
incompleto. (ALAVARSE, 2012, p. 127)
Outros estudos apontam desdobramentos a serem considerados na
discussão, para Sousa e Oliveira (2010), uma das dificuldades detectadas é o
reconhecimento por parte dos gestores da dificuldade para interpretar os resultados
das avaliações e consequentemente usá-los na organização do trabalho escolar.
Bauer (2012), ao estudar o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado
de São Paulo (SARESP), aponta a necessidade de pesquisas mais amplas com
relação à formação docente frente à sua influência:
é possível inferir que seria importante procurar agregar às avaliações de
desempenho do aluno outros instrumentos capazes de diagnosticar a
influência do trabalho docente nos resultados obtidos, assim como detectar
com mais precisão outros fatores que podem ser associados à melhoria
desses resultados. (...) Também seria fundamental compreender que efeitos
as avaliações têm tido no trabalho realizado pelos professores e pelas
escolas, assim como nas instituições que são responsáveis pela formação
do professor. (BAUER, 2012, p. 76-77).
Outra questão bem presente nos debates é a utilização dos resultados
obtidos nestas avaliações na organização do trabalho escolar. Neste caso, a
questão nem é saber se é utilizado ou não apenas é também saber que tipo de uso
se faz. Esta é uma questão importante e que, embora tenha encontrado algumas
pistas nesta pesquisa trata-se de um tema que demanda muita pesquisa.
Em estudo realizado no sistema educacional de Brasília, Horta Neto (2010)
aponta dados importantes sobre a utilização (ou não) dos dados das avaliações pelo
sistema de ensino. Segundo o que apurou na pesquisa, apesar da centralidade
ocupada pelo SAEB tanto nas políticas públicas como a sua familiaridade com o
nome das avaliações, não o torna de fato conhecido das escolas ou mesmo dos
gestores da educação nos órgão intermediários. Segundo Horta Neto, a dificuldade
de utilização dos resultados do SAEB reside tanto na dificuldade de entender os
relatórios gerados pelo MEC – INEP como na dificuldade das equipes gestora
organizar seu planejamento. Atribuindo a este fato a falta de dados qualitativos que
ajudem a entender os resultados numéricos de forma contextualizada. Outra
constatação refere-se à divulgação dos resultados na mídia, que aparece como a
maior e mais impactante fonte de divulgação dos resultados, claramente ineficiente
com relação às informações e claramente reducionista, como conclui o autor:
Utilizar os resultados de uma avaliação educacional requer um maior
preparo das estruturas das secretarias de educação. Não basta apenas
divulgar os resultados e esperar que apenas essa divulgação seja suficiente
para que no próximo ciclo os resultados sejam melhores. Da mesma forma,
de nada adianta ter acesso a um conjunto grande de informações e nada
fazer para entendê-las melhor, para descobrir que situações refletem. E
essas situações não estão necessariamente ligadas às atividades da
escola. Podem estar ligadas a problemas estruturais da secretaria que
impedem apoiar as escolas nas suas dificuldades. (HORTA NETO, 2010, p.
80)
A utilização dos dados obtidos por meio das avaliações em larga escala
parece ser o grande desafio que hoje se coloca para o sistema educacional
brasileiro. No próximo capítulo pretendo refletir sobre esta questão e, para isso,
pretendo entender como esses dados chegam à escola, como são recebidos e
trabalhados.
2.5 As avaliações externas na rede municipal de São Paulo
A primeira experiência de avaliação da Rede Municipal de Ensino de São
Paulo aconteceu em 1980 e, segundo Gatti (2002), foi um estudo avaliativo cujo
objetivo foi verificar o nível de escolaridade dos alunos. As avaliações abrangeram
os conteúdos de língua portuguesa, matemática e ciências, tais testes foram
construídos a partir do currículo da Secretaria Municipal de Educação vigente. O
objetivo desta avaliação foi a obtenção de dados que pudessem subsidiar o
planejamento das escolas e atividades extraescolares. Gatti (2002) cita esta
experiência ao pesquisar as avaliações educacionais no Brasil e a situa na vertente
das avaliações para o gerenciamento do cotidiano escolar e foi, segundo a autora,
organizada da seguinte forma:
Avaliaram-se todas as crianças do terceiro estágio da educação infantil até
a 7ª série do ensino fundamental, e o ensino médio foi contemplado com a
avaliação dos alunos do primeiro ano. (...) No entanto, com a mudança de
administração, em 1982, a equipe municipal responsável dispersou-se, e os
resultados não foram utilizados. (GATTI, 2002, p. 22).
Após esta experiência, em 2005, a rede municipal assume as avaliações em
larga escala como medida de qualidade, com a criação do Sistema de Avaliação de
Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo e,
dentro deste sistema, a Prova São Paulo como instrumento avaliativo das
aprendizagens dos alunos, tal como descrito no início deste capítulo.
O Sistema de Avaliação de Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede
Municipal de Ensino de São Paulo, além da avaliação de rendimento escolar, a
Prova São Paulo, contava com um rol de questionários para levantamento de dados
e informações intra e extraescolares, através de diferentes questionários destinados
aos pais, alunos, professores, diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores
escolares. É importante salientar que nos anos de vigência deste sistema, os dados
obtidos com os questionários não foram divulgados, desta forma, os resultados
divulgados e ações desencadeadas a partir da criação deste sistema consideraram
apenas o rendimento dos alunos.
A primeira edição da Prova São Paulo ocorreu em 2007 e até 2012, foram
seis ciclos avaliativos que tomou como base o documento produzido pela Secretaria
Municipal de Educação (SME), denominado Matrizes de Referência para a
Avaliação do Rendimento:
Na busca da construção de referenciais curriculares, para orientar a
avaliação do Ensino Fundamental, a Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo desenvolveu um projeto de trabalho que objetivou a definição de
Matrizes de Referência que servissem de referência para avaliação dos
alunos ao término do segundo e quarto anos dos Ciclos I e II do Ensino
Fundamental em Língua Portuguesa e Matemática, com ampla participação
de professores da Rede Municipal (SME, 2007, p. 3).
Esta iniciativa foi necessária para que houvesse aproximação entre o
currículo desenvolvido nas escolas, as diretrizes curriculares de SME e “documentos
que balizavam as avaliações nacionais e internacionais” (SME 2007), dentre eles as
Matrizes de Referência do SAEB/ Prova Brasil.
A fundamentação dos testes numa matriz avaliativa e a tentativa de
aproximação com o currículo da rede municipal parecem ter sido acertadas se
considerarmos que a falta de discussão deste ponto com relação às avaliações
externais, tem sido bastante criticada. Sobre esta questão, Gatti (2012), assim
esclarece:
Não é de hoje que se coloca nas discussões havidas em vários eventos
científicos e nos trabalhos aí apresentados que, no Brasil, tivemos uma
inversão na ênfase de ações políticas, tanto do MEC como de secretarias
de educação, privilegiando sobretudo as políticas de avaliação do
desempenho escolar em detrimento de definição e orientações claras de
uma filosofia e política educacional abrangente e articuladora,
especialmente de políticas de currículo, onde as questões de avaliação em
larga escala se inseririam. Observa-se certo esgarçamento no tocante a
esses aspectos quando se analisam as ações propostas em nível do MEC,
e de secretarias de educação, nas duas últimas décadas. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais e o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001 foram
posteriores à implementação das avaliações externas das redes de ensino,
as quais datam do início dos anos 1990 e, mesmo sobrevindo tardiamente
nas políticas de governo em relação às propostas já implementadas de
avaliações em larga escala, não representaram papel condizente com uma
perspectiva política integrante para a educação escolar. (GATTI, 2012, p.30)
Por outro lado, apesar da perspectiva de avaliar outras áreas de
conhecimento, a Prova São Paulo só teve em 2011 a inclusão das Ciências Naturais
nos testes, o que corrobora a tendência de estreitamento do currículo uma vez que
os resultados divulgados e as formações propostas desde então aos coordenadores
e professores ficaram centradas em Língua Portuguesa e Matemática.
A Prova São Paulo avaliou em 2007, de forma censitária alunos do 2º e 4º
anos dos Ciclos I e II; entre 2008 e 2010 além dos alunos 2º e 4º anos dos Ciclos I e
II avaliou também os 3º e 4º anos Projeto Intensivo no Ciclo (PIC)2 e alunos do 1º
ano do Ciclo II, que, no ano anterior, obtiveram proficiências abaixo de 150 em
Língua Portuguesa
Já em 2011 de forma censitária, para os alunos do 3º ano de 9 anos, 3º ano
do ciclo I PIC, 4º ano do ciclo I de 8 anos, 4º ano do ciclo I PIC, alunos do 1º ano do
ciclo II que no ano anterior tiveram proficiência abaixo de 150 em Língua
Portuguesa, 2º ano do ciclo II e 4º ano do ciclo II e de forma amostral, 3º ano do
ciclo I de 8 anos, alunos 1º ano do ciclo II novos ou que no ano anterior obtiveram
proficiência maior ou igual a 150 em Língua Portuguesa e 3º ano do ciclo II.
Em 2012 também de forma censitária, com destaque para os alunos do 3º
ano de 9 anos, 4º ano do ciclo I de 8 anos, 4º ano do ciclo I PIC, alunos do 1º ano do
ciclo II que no ano anterior tiveram proficiência abaixo de 150 em Língua
Portuguesa, 2º ano do ciclo II e 4º ano do ciclo II e de forma amostral, 4º ano do
ciclo I de 9 anos, alunos 1º ano do ciclo II novos ou que no ano anterior obtiveram
proficiência maior ou igual a 150 em Língua Portuguesa e 3º ano do ciclo II.
A metodologia para garantir a comparabilidade entre os anos com relação a
aprendizagem dos alunos foi o uso da Teoria Clássica de Testes (TCT) e da Teoria
de Resposta ao Item (TRI), que permite a comparação com outras edições. Outra
característica da avaliação é o uso da escala do SAEB/MEC, que facilitaria a
comparabilidade com os resultados das escolas obtidos através da Prova Brasil, a
partir de 2009 foram criados os níveis de proficiência: Abaixo do Básico, Básico,
Adequado e Avançado.
2
Projeto Intensivo no Ciclo I: Criado por SME em 2005, conforme informa o Anexo Único da Portaria
SME nº 6.328, de 26 de setembro de 2005, destinado a alunos retidos no 4º ano do ciclo I não
alfabetizados e em 2007, conforme Portaria SME nº 5403/07 que estende o projeto aos alunos que
não alcançarem o suficiente avanço na alfabetização ao final do 2º ano do Ciclo I do 3º ano do ciclo I.
Tal metodologia de fato permitiu que se fizesse esta comparação, mas o que
ocorreu foi que as escolas que acompanhei entre 2010 e 2012 tiveram dificuldade
em organizar nos planos de trabalho dos professores e na aplicação destes, durante
o ano letivo ações eficazes para o avanço dos alunos. Tal situação conforme
observamos nas entrevistas com as coordenadoras pedagógicas deve-se também à
falta de tempo alegada pelos professores em lidar individualmente com os alunos ou
em pequenos grupos dentro dos horários de aulas dos alunos na recuperação
contínua.
Claro que ele vai atender individualmente, ele atende um, dois. Para ele
atender esse aluno, só daqui a um mês só daqui a um mês, dois meses,
que ele passa por várias salas, então esse, atendimento individual que é
proposto em uma avaliação formativa é mais difícil. Por exemplo, em
português, você pegar uma redação e corrigir uma produção de aluno,
produção de texto, e corrigir, para um professor que dá aula para oito salas,
e corrigir todos e entregar uma devolutiva individual é difícil. Em uma
avaliação formativa você teria que fazer isso. Ver cada aluno, “olha, esse
está com essas dificuldades de coesão, coerência. Esse não, esse é mais
ortográfico. Esse não, é mais isso”. Esse olhar para cada um deles e fazer
essa devolutiva individual é difícil, eu acho. (Coordenadora Pedagógica
Angélica)
Outro problema observado durante o período foi a dificuldade dos gestores
em entender e interpretar os dados dos Relatórios de Análises Técnico-Pedagógicas
entregue às escolas quando os resultados da edições eram publicados para a rede.
Tal situação foi detectada em 2011 pelo Grupo de Trabalho em Avaliação da DRE
em que trabalho, conforme pesquisa realizada as equipes gestoras à época:
Ainda relacionada a esta questão, a segunda verificação possível é que os
educadores não têm domínio dos conceitos que organizam o campo da
avaliação educacional, sobretudo das avaliações em larga escala.
(ALMEIDA, MARDEGAN, SILVA, 2012, p. 4)
A falta de entendimento sobre os conceitos que organizam o campo da
avaliação pode ser um dos fatores que dificultam a utilização dos resultados pelas
escolas e sistemas educacionais, mas não se esgota nesta crítica. Para Gatti (2012)
é necessário ampliar as discussões sobre a metodologia e sua aplicabilidade frente
aos objetivos das avaliações externas:
Essas avaliações passaram, também, por um nivelamento para uma escala
única, todas baseadas na Teoria da Resposta ao Item (TRI), aí incluídas
avaliações de estados e alguns municípios que ajustaram seus modelos à
TRI. Não se faz um questionamento mais profundo se esse procedimento é
adequado para todas as situações, apenas adere-se. Não se levanta a
questão relevante sobre a contribuição pedagógica para as escolas dessa
escala, no formato divulgado, e também não se faz considerações sobre a
perda de informações educacionais importantes como, por exemplo, a
análise dos erros, que muito informam sobre caminhos cognitivos e
contribuem para planejamentos pedagógicos. Perde-se, também, de vista,
com essa sofisticação estatística que foi generalizada em seu uso aqui no
Brasil, a questão curricular que subjaz a ela. Justifica-se esse uso
indiscriminado com a vantagem da comparabilidade; mas, para se ter
comparabilidade de resultados, dispõe-se de vários outros mecanismos
estatísticos. Seria importante trabalhar com certa variação nos modelos
avaliativos, definidos para situações e objetivos específicos, considerando
as finalidades de cada nível, subnível ou área de ensino que compõem a
educação básica de modo integrado com os diferenciais de
desenvolvimento cognitivo-sócio-afetivo das crianças, adolescentes e
jovens – seres em desenvolvimento. (GATTI, 2012, p.33)
Se por um lado as avaliações não eram compreendidas pelas escolas, por
outro, as medidas tomadas pela SME, no que concerne a melhoria das
aprendizagens dos alunos, estavam pautadas nos resultados da Prova São Paulo,
como: Programa de Recuperação Paralela (destinados aos alunos com nível de
proficiência abaixo do básico), elaboração dos Cadernos de Apoio e Aprendizagem
(material didático com propostas de atividades para os alunos), materiais para a
organização do trabalho dos professores: Orientações Curriculares e Proposição de
Expectativas de Aprendizagem e dentro do sistema de avaliação a Prova da Cidade.
Os materiais didáticos pedagógicos produzidos durante o período de vigência
do Sistema de Avaliação de Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede Municipal
de Ensino de São Paulo, por não ser o foco aqui, não serão discutidos neste
trabalho, mas cabe destacar que todo processo de formação de professores foi
predominantemente baseado no uso destes materiais sempre e com mais relevância
dentro das disciplinas de língua portuguesa e matemática.
Quanto à Prova Cidade, parte desde 2009 do Sistema de Avaliação de
Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo foi
implementada com objetivo de auxiliar a escola nos seus processos avaliativos, na
medida em que envolvia os professores na discussão, aplicação e correção dos
itens, numa tentativa de envolver as escolas para além da operacionalização da
aplicação das avaliações externas, trazer esses instrumentos para a discussão no
cotidiano escolar:
um instrumento pedagógico para que professores e gestores das escolas
realizassem um diagnóstico do processo de aprendizagem, já no 1º
semestre de cada ano letivo, subsidiando, assim, o replanejamento do 2º
semestre. Essa Prova também permitiria o conhecimento do processo de
construção de uma prova padronizada e de larga escala, diferentemente de
provas comprometidas com o sigilo, como a Prova São Paulo. Para tanto, a
Prova da Cidade seria elaborada com a participação do professor,
entendendo-o como protagonista da ação avaliativa. (PREFEITURA DE
SÃO PAULO, 2009)
Se por um lado o instrumento aproximava as avaliações externas das práticas
avaliativas da escola uma vez que era aplicada e corrigida pelos professores, seus
itens eram abertos e construídos por professores da rede, por outro, consolidou a
prática do treino para a avaliação externa, fato este já descrito anteriormente.
A cidade de São Paulo com a criação do seu sistema de avaliação reproduziu
em suas escolas a mesma gama de críticas observadas nacionalmente, recebendo
críticas quanto à responsabilização das escolas e professores pelos resultados dos
alunos, a divulgação destes resultados sem o preparo necessário das equipes para
lidar com estes e utiliza-los para a aprendizagem dos alunos. Quanto à política de
bônus, esta não chegou a ser implantada, mas aventada e publicada à rede como
um próximo passo da gestão municipal.
Nesta tendência de implementação da política de bônus, poderíamos colocar
a proposta de criação do Índice de Qualidade da Educação (INDIQUE), anunciada
em 2011 pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que tinha na
chamada Prova São Paulo, o instrumento de medida de proficiência dos alunos:
O novo indicador parte dos resultados da Prova São Paulo. Considera o
patamar de aprendizado dos estudantes, a melhoria dos resultados da
escola ao longo dos anos e o perfil socioeconômico com o qual cada
unidade escolar trabalha. E leva em conta todos os alunos matriculados,
sendo que os estudantes que não participam da avaliação recebem nota
zero. (SME, 2011)
Essa proficiência seria um dos indicadores que comporiam tal índice. Um
dado importante a ser mencionado é que nesta proposta não seria consideradas
apenas as proficiências em Português e Matemática, seria também incluída outras
áreas do conhecimento.
3. AVALIAÇÃO EXTERNA: IMPLICAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
ESCOLAR
3.1 Introdução
O objetivo deste capítulo é discutir as repercussões das avaliações em larga
escala no trabalho desenvolvido em escolas da rede pública municipal de São
Paulo, buscando entender como os resultados dessas avaliações chegam às
escolas e como eles são trabalhados no espaço escolar. Para entender essas
repercussões pretendo analisá-las à luz de alguns conceitos que vem organizando
debates sobre essas avaliações. Entre estes conceitos, destaco inicialmente a
responsabilização dos educadores, a qualidade de ensino, a formação de
professores, o trabalho escolar e o trabalho do coordenador pedagógico. A partir da
reflexão sobre a repercussão das avaliações em larga escola no trabalho escolar,
considerando estes conceitos, pretendo também entender a relação que as escolas
vêm estabelecendo entre as avaliações internas e externas para tentar
compreender, neste contexto, as estratégias utilizadas por estas escolas para
melhorar os próprios resultados nestas avaliações.
Neste capítulo, ganha destaque o trabalho de campo, que permitiu olhar para
o trabalho da escola do lugar de pesquisadora. Olhar para o próprio trabalho com
olhar de pesquisador pode parecer tarefa fácil, mas não é. Pelo menos no meu caso
não foi.
Este exercício resultou em ganho para o processo, pois possibilitou dialogar
também sobre minhas atitudes na condição de supervisora, responsável pelo
acompanhamento de algumas das escolas, onde atuam duas das coordenadoras
entrevistadas. É possível inferir deste diálogo com os colegas um ganho não só para
o trabalho da escola, para o meu próprio trabalho e para o processo de pesquisa.
Esse distanciamento permitiu ver algo novo no cotidiano que, no exercício da ação
supervisora, parecia pouco promissor. Foi possível perceber que, de uma maneira
ou de outra, as avaliações externas tem interferido na vida das escolas. Neste
sentido, creio que o trabalho de campo se enquadra naquilo que Marconi & Lakatos
(2003) entendem como seu objetivo:
A pesquisa de campo é aquela utilizada com objetivo de conseguir
informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual se
procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou
ainda descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles (MARCONI e
LAKATOS, 2003, p. 186).
De fato o trabalho de campo revelou-se bastante profícuo no que diz respeito
se não ao encontro de resposta para o problema, pelo menos para a ampliação da
minha compreensão sobre a sua relevância e, sobretudo, sua complexidade. O
trabalho de campo permitiu perceber como alguns conceitos hoje discutidos na
academia são vivenciados na escola. Sendo assim, acredito que a escolha da
abordagem qualitativa foi uma escolha compatível como o objeto investigado e com
o trajeto percorrido no processo de investigação.
Desta forma, a abordagem escolhida para desenvolvimento da pesquisa foi a
qualitativa e os procedimentos de coleta de dados a entrevista semiestruturada e a
observação participante. A abordagem qualitativa, segundo Minayo (1995) é
adequada para o desenvolvimento de pesquisa tal como foi delineada, na qual a
observação das práticas e discursos tomam vieses por vezes sutis, que se revelam
nas relações e nas ações daquele que compõem as equipes escolares. Para ela, a
pesquisa qualitativa:
responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências
sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja,
ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis, (MINAYO, 1995, p.21-22)
A abordagem qualitativa por seu caráter reflexivo permitiu o diálogo com
autores de diferentes correntes teóricas e também com as práticas que vem sendo
desenvolvidas nas escolas. Os instrumentos de coleta de dados compatíveis com
esse tipo de pesquisa são vários. Entre eles destaco o estudo de caso, o grupo
focal, a entrevista, a observação participante etc. Resolvi escolher esses dois
últimos por me parecerem complementares e principalmente por se mostrarem
compatíveis com meu objeto.
Para realização das entrevistas foi elaborado um roteiro composto
inicialmente por dez perguntas propostas às coordenadoras que atuam na área da
abrangência da Diretoria onde atuo. As entrevistas foram realizadas em locais
previamente
combinados
com
as
entrevistadas.
Duas
das
coordenadoras
trabalhavam em escolas por mim acompanhadas e as demais em outras escolas da
região.
Com relação à observação participante, não se deu a partir de um roteiro de
observação elaborado especificamente para este fim. Foi utilizado o roteiro de visita
elaborado pela equipe de supervisão. Trata-se de um roteiro abrangente e que
envolve outros aspectos do trabalho escolar. Embora tenha focado a avaliação tanto
em função da pesquisa quanto em função das discussões no Grupo de Trabalho em
Avaliação que montamos na Diretoria, foi possível olhar outras questões não muito
presentes nas discussões sobre avaliação proposta nos documentos oficiais, mas
que podem interferir no rendimento dos alunos. Algumas delas seriam: a situação de
vulnerabilidade social que nossos alunos estão expostos, a organização dos
espaços escolares e a distância da comunidade da gestão escolar e, por
conseguinte geram-se tensões nas relações com as famílias e o distanciamento dos
formadores dos órgãos centrais das questões que permeiam o cotidiano escolar e
são urgentes para os que nela atuam, sejam gestores ou professores.
Essa situação expandiu o leque de aspectos a ser observado o que acabou
ampliando a percepção e indicando que outros aspectos precisam fazer parte da
avaliação do trabalho escolar. Embora pareça bem interessante, adentrar na
discussão destes aspectos levaria a fugir do escopo deste trabalho, desta forma,
poderá ser tema de pesquisas posteriores.
As entrevistas foram realizadas junto a coordenadores pedagógicos que
atuam em diferentes unidades educacionais da rede pública municipal, situadas na
região de São Mateus, periferia leste da cidade de São Paulo. Os dados coletados
foram completados por outros extraídos de documentos oficiais e da observação
participante e examinados à luz dos conceitos do campo da avaliação levantados na
análise documental e da minha experiência enquanto supervisora.
Como sujeitos da pesquisa foram entrevistadas cinco coordenadoras
pedagógicas que atuam no sistema municipal de ensino com experiências na rede e
na coordenação bem diferenciadas e que serão apresentadas adiante. Antes de
falar das participantes da pesquisa e dos dados coletados no trabalho de campo
pareceu-me importante apresentar o território onde estão inseridas as escolas nas
quais atuam as coordenadoras que aceitaram participar da pesquisa. Aliás, uma das
questões que as reflexões a partir dos dados da pesquisa fez emergir foi a
necessidade de entender os resultados obtidos pela escola dentro do contexto no
qual ela desenvolve seu trabalho.
3.2 São Mateus: um território com grandes desafios
No desenvolvimento da pesquisa emergiu como importante a necessidade de
apresentar a região e o território onde atuam ou atuaram as coordenadoras
entrevistadas. A expressão “atuam ou atuaram”, aliás, merece uma reflexão porque
quando se fala em avaliação na educação municipal não pode deixar de refletir
sobre o impacto da rotatividade dos profissionais como um indicador a ser
considerado. Assim parece essencial frisar que algumas das coordenadoras quando
consentiram com a entrevista estavam em uma escola e no momento da entrevista
já estão em outra unidade na mesma região ou fora dela ou até mesmo ocupando
outra função na rede, como é o caso de uma das entrevistadas que foi compor a
equipe de formação da Diretoria.
A região de São Mateus é formada por três distritos: São Mateus, que está
localizado mais próximo ao centro da cidade e que conta com boa infraestrutura, no
que se refere ao comércio, transporte e saneamento. São Rafael, que faz divisa com
as cidades de Mauá e Santo André, sendo que conta com uma parte com estrutura
habitacional regularizada e bem estruturada e outra composta por ocupações
irregulares
das margens dos córregos. Nesta
região,
ainda
se
percebe
remanescentes da fauna e da flora da Mata Atlântica, contudo é rápido o processo
de extinção de algumas nascentes que vão sendo soterradas à medida que
avançam as ocupações irregulares.
O terceiro distrito que compõe a região é o Iguatemi, espaço com fauna e
flora nativas e onde estão parte das nascentes dos rios que formam a Bacia do
Aricanduva, entre eles, Aricanduva, Palanque, Caaguaçu, Mombaça e Limoeiro.
Esse distrito fica na área chamada de Cabeceiras do Aricanduva e é onde há ainda
maior área com vegetação remanescentes da Mata Atlântica. Ali fica também o
aterro sanitário São João que, embora a população tenha lutado muito contra a sua
instalação, devido à necessidade de desmatamento para sua implantação, não
conseguiu lograr êxito. O distrito do Iguatemi é classificado no mapa da exclusão
como o quarto mais pobre da cidade3, tendo sido escolhido pela municipalidade em
várias ocasiões como local para início de programas sociais.
Por se tratar de uma área de manancial grande parte das moradias são
irregulares e outras ocupações não param de surgir porque é uma parte da cidade
onde ainda há espaço para ser ocupado. O poder público não tem dado conta de
impedir as ocupações e nem os problemas ambientais gerados com o descarte de
lixo, inclusive tóxico, no rio Aricanduva e seus afluentes. É justamente neste último
distrito onde fica a maior parte das escolas cujas coordenadoras foram
entrevistadas.
Em pesquisa desenvolvida pelo Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), na região de São Miguel Paulista
por meio da qual se buscou “apreender os mecanismos sociais e escolares que
produzem limitações para o desenvolvimento de uma ação educativa de qualidade”
o CENPEC apresenta um desenho bastante concreto das escolas situadas em
territórios de alta vulnerabilidade social. A pesquisa é realizada em outra região da
zona leste da cidade de São Paulo, também marcada por forte presença da
migração nordestina, por situações de pobreza e vulnerabilidade como a verificada
em São Mateus.
A referida pesquisa aponta que a educação púbica nas grandes regiões
metropolitanas apresenta problemas peculiares que precisam ser mais bem
compreendidos. O documento, em que são apresentados os primeiros resultados da
pesquisa, chama atenção para o fato das escolas situadas nas regiões
metropolitanas, embora estejam em região que concentram riqueza econômica, forte
presença da sociedade civil e também as mais importantes instituições culturais do
país, tendem a ter desempenho inferior ao das cidades médias. O referido
documento apresenta uma hipótese que pode justificar tal situação:
A hipótese existente para esses baixos indicadores está relacionada ao
fenômeno da segregação socioespacial nas metrópoles, especialmente à
concentração de suas populações mais pobres em regiões marcadas pelo
isolamento e pelas dificuldades de acesso a bens e serviços. As escolas
situadas nessas regiões ou territórios vulneráveis teriam, com efeito,
grandes dificuldades para assegurar uma educação de qualidade em função
desse contexto de segregação espacial e de distanciamento em relação a
3
MAPA DA EXCLUSÃO SOCIAL DA CIDADE DE SÃO PAULO, pesquisa de Aldaíza Sposati sobre
a cidade de São Paulo com levantamento de dados sobre as condições sociais, econômicas e
ambientais entre 1994 e 1995.
recursos sociais e culturais diversificados. É preciso porém, saber por que
razão elas apresentam essas dificuldades, tornando-se um ambiente
limitado para o processo de ensino-aprendizado (CENPEC, 2011, p.4)
As escolas onde atuam as coordenadoras entrevistadas estão situadas em
regiões de alta vulnerabilidade e, por isso enfrentam maiores dificuldades no
desenvolvimento de seu trabalho. O trecho seguinte evidencia essa situação:
Uma vez que são o principal equipamento social de referência no território e
que concentra alunos com baixos recursos socioculturais, escolas situadas
em meios vulneráveis acabam por internalizar as dinâmicas sociais do
território, terminando por se constituir como um continuum indiferenciado
dele. Uma das consequências disso é que não conseguem superar esses
padrões do entorno para a criação de um ambiente propriamente escolar
que assegure o trabalho docente e a aprendizagem dos alunos (CENPEC,
2011, p. 21)
As escolas, de maneira geral, são bem equipadas em termos de estrutura
física, contando com laboratórios de informática, sala de leitura, salas de
acompanhamento e apoio à inclusão, quadras cobertas e recursos para os reparos
cotidianos. Em geral, as escolas não reclamam de falta de recursos ou das
condições físicas das instalações. Contudo, quando se avalia o desempenho dessas
escolas no IDEB verifica-se que ele está aquém daquilo que é esperado, o que
corrobora com uma das situações constatadas na pesquisa citada, que destaca que
as escolas “em territórios de alta vulnerabilidade social tende a ter uma população
discente composta por crianças e jovens com baixos recursos culturais e familiares e
residentes no entorno da escola” (CENPEC, 2011, p. 8).
Embora, como foi dito, as escolas onde atuam as coordenadoras
entrevistadas estarem localizadas em uma região de alta vulnerabilidade social,
como é caracterizada toda periferia leste da cidade, é possível verificar níveis
diferentes de vulnerabilidade dentro da região, com escolas situadas em situações
menos vulneráveis, que são preferidas pelos educadores nos momentos de remoção
e pelas famílias nos momentos de matrículas. Essas escolas são chamadas na rede
de
“escolas
preferenciais”,
na
pesquisa
são
definidas
como
“escolas
exteriorizadoras”.
Vale lembrar que com a centralização do atendimento à demanda pelo
sistema a busca das famílias por essas escolas deslocou-se do momento da
matrícula para o decorrer do percurso escolar do aluno. A definição destas escolas
como exteriorizadoras, vale ressaltar, não se refere ao fato de serem procuradas
pelas famílias que desejam uma vaga ou pelos profissionais que desejam nelas
trabalhar, mas principalmente ao fato delas se organizarem por meio de
mecanismos que acabam levando aqueles que não desejam ou não conseguem se
adequar a procurar outra escola. O trecho seguinte dá uma ideia clara destes
mecanismos:
Em uma conversa informal, um diretor de uma escola organizada explicou o
mecanismo: expulsar aluno, nenhuma escola expulsa, até porque é ilegal.
Agora, o que acontece é que a escola é muito rígida e muito organizada e
os alunos que não se adaptam acabam pedindo para sair e vão para outra
escola que tem perto de lá (CENPEC, 2011, p. 22).
Essa situação me lembra de uma discussão entre dois colegas diretores um
vizinho do outro na qual cada um queria afirmar a escola que dirigia como mais
inclusiva que a do outro. Para o primeiro a sua escola era mais inclusiva porque
tinha uma longa lista, principalmente de alunos matriculados na escola dirigida pelo
primeiro, a espera de uma vaga; para o segundo a mais inclusiva era a sua porque
tinha muitos Boletins de Ocorrência envolvendo seus alunos, inclusive o que haviam
sido expulsos da escola dirigida pelo primeiro. Na verdade, naquele momento
discutiam a exteriorização e a decantação. O trecho seguinte apresenta a noção de
“escola decantadora”:
Quem abordou mais explicitamente, diante da equipe técnica de outras
escolas, foi a diretora de uma escola que decanta e concentra os problemas
das demais. Ela afirmou que “sua” escola se localiza entre outras que são
bem estruturadas e “exteriorizam” os problemas para a “sua” instituição. Há
uma fala recorrente nessa escola sempre lembrada por professores e
diretora: a escola vizinha não tem problemas porque os problemas dela
estão aqui (CENPEC, 2011, p. 22)
Neste mesmo viés, Almeida (2005) refletindo sobre o processo de abertura de
uma
escola,
apresenta
também
uma
descrição
do
processo
de
exteriorização/decantação vivenciado em uma escola da região:
Muitas vinham de longe implorar uma vaga. As escolas que tinham alunos
dando problema não os convidavam mais a se retirar, encaminhava-os para
o Osaka. Contam que em algumas escolas, assim que os alunos
começavam a dar problemas de indisciplina, a família era chamada e
avisada: “se continuar assim, vai parar no Osaka”. Como muitos não
continuavam assim, pioravam, iam realmente para lá. E a gente ia
recebendo. Dentro de pouco tempo a escola virou o celeiro onde as escolas
vizinhas escondiam seus problemas. Este processo nos trouxe muitos
alunos em Liberdade Assistida. No início dizia-se que eram eles o problema,
mas depois percebeu-se que o aluno que dá problema é o que vai estar em
Liberdade assistida no dia, na semana ou no mês seguinte (ALMEIDA,
2005, p. 68).
Com relação aos problemas enfrentados no cotidiano das escolas o que mais
se destacam na visão dos educadores de modo geral é a violência escolar,
materializada sobretudo na indisciplina dos alunos; na visão do sistema municipal de
educação é o baixo desempenho dos alunos nas avaliações externas; na
perspectiva dos que defendem a garantia de direito das crianças é a situação de
vulnerabilidade e, na perspectiva das famílias é a aprendizagem dos seus filhos que,
nas situações em que são chamados a mostrar o que aprenderam na escola,
geralmente verificam que os resultados não correspondem ao que se espera de um
jovem em determinada idade e com o tempo adequado de escolarização.
Pelo evidenciado no parágrafo anterior percebe-se que a qualidade do ensino
oferecido na região, como na cidade como um todo, deixa a desejar. Entretanto, não
é objeto deste trabalho aprofundar esta questão, embora no desenvolvimento desta
pesquisa tenha emergido como muito relevante. Certamente será objeto de outras
reflexões e trabalhos por mim realizados em espaço e tempo a ele especificamente
dedicados.
3.3 A coordenação pedagógica: os mesmos problemas, caminhos diferentes
A realização das entrevistas foi um momento muito importante na pesquisa
porque, além dos dados necessários, foi possível conhecer melhor pessoas com as
quais convivia enquanto profissional sem ter tido um espaço de troca significativa
sobre questões tão importantes. As entrevistas evidenciaram sobretudo que entre as
coordenadoras há diferentes concepções de educação e particularmente sobre o
papel das avaliações externas na organização do trabalho escolar e no
desenvolvimento dos alunos. Desta forma, pareceu-me relevante apresentá-las
juntando a cada uma delas algo sobre o que pensam sobre educação, formação e
avaliação e com que preocupação organizam seu trabalho.
3.3.1 Letícia
Letícia é coordenadora pedagógica há 16 anos, também atua na rede
estadual como professora de ensino fundamental. Define a função da avaliação
como uma maneira de “ver os avanços, o que não foi feito e aparar as arestas tendo
sempre foco no aluno e na aprendizagem”.
Afirma ter recebido formação para entender a escala de proficiência e a
construção dos itens, mas que o seu entendimento do processo avaliativo se deu
através de autoformação. Em sua opinião, as avaliações externas têm como foco o
trabalho dos professores e que trabalha os resultados das avaliações externas e
internas em conjunto, procurando entender o desempenho dos alunos. Para ela, por
meio do baixo desempenho dos alunos em alguma habilidade, é possível perceber o
que o professor não trabalha.
algumas questões, a gente observa que o professor não trabalha ou não
trata. Então a partir daí a gente mostra para eles que aquelas questões que
os alunos tiveram a maior dificuldade de compreensão ou erraram, deram
resposta que não era correta, e a gente trata em cima disso, trabalha em
cima dessas questões. (Coordenadora Pedagógica Letícia)
O trecho acima permite entender que a coordenadora acredita no
desempenho dos alunos nas avaliações externas como meio de verificação do
trabalho do professor. Assim infere-se de sua fala que estas avaliações são também
um instrumento de acompanhamento que permite a responsabilização do professor.
A responsabilização é um dos desdobramentos das avaliações muito criticado, pois
tende a atribuir ao professor todas as fragilidades do sistema. Além da possibilidade
de perceber o que o professor não trabalha, ela destaca outros aspectos que
considera positivos nas avaliações externas como vemos a seguir:
A avaliação externa é interessante por quê? Se a gente trabalha com
expectativas e habilidades, e ela tá focada nisso, a gente pode perceber
que em algum momento, alguma habilidade ou alguma expectativa não foi
trabalhada ou não foi tratada da maneira como deveria. E por ser externa
ela foge daquilo que a gente faz na unidade escolar, porque a interna para
gente é o Provão (“para a gente” que eu falo é enquanto unidade). E a
externa vem mostrar para a gente se a gente está realmente cumprindo as
habilidades e expectativas que a gente elencou no plano inicial e que é
geral para todo mundo, porque, como é uma rede, tem que ter uma
unidade. Se ela vai garantir a qualidade ou não, não sei. Acho que o que
garante é isso mesmo, é as ações que a escola faz a partir dos resultados.
(Coordenadora Pedagógica Letícia).
É possível depreender deste trecho a tendência no sentido de ajustamento do
currículo escolar às expectativas de aprendizagem que, embora apareçam nas falas
de Letícia e de outras coordenadoras como da escola estão definidas nas
Orientações Curriculares elaboradas pela secretaria. Desta forma, esta afirmação
está mais para encampação do discurso oficial que para o exercício da autonomia.
Neste sentido, é válido destacar na fala a expressão: “como é uma rede, tem que ter
unidade” que parece evidenciar que “o progressivo grau de autonomia” para as
unidades preconizada pela Lei 9.394/96 vai ficando cada vez mais distante.
Na fala de Letícia aparece também uma dificuldade comum a todas as
coordenadoras, que é trabalhar os dados das avaliações externas com os
professores sendo que parte deles não participa do trabalho coletivo de formação.
No PEA, que é o Programa Especial de Ação dos docentes, e aqueles que
não fazem parte do PEA a gente trata todas as reuniões pedagógicas. No
Fundamental I tem um dia na semana que eu fico com o primeiro ano, outro
dia no segundo, outro dia no terceiro e outro dia no quarto. A gente tenta
aparar essas questões e passar os informes gerais, porque a maioria dos
professores não faz PEA. Nós temos três grupos de formação mas, não
abrange a todos, não é cem por cento. (Coordenadora Pedagógica Letícia).
Fica a impressão de precariedade na situação de um grupo discutir
coletivamente e em seguida a coordenadora sair nos tempos que lhe sobram
distribuindo as informações para cada um, onde e como seja possível.
Essa é uma das escolas que supervisiono e durante o acompanhamento,
pude observar a preocupação da equipe gestora em melhorar os índices das
avaliações externas, usando como estratégia, a participação em todas as avaliações
propostas pelo sistema, bem como a construção de itens nos moldes dos
apresentados na Prova São Paulo. A escola aplica bimestralmente uma prova
unificada a seus alunos, conhecida na escola como provão. Desta forma, entendo
que as avaliações externas ocupam lugar central nas formações e que a escola
busca se adequar a esta realidade, trazendo para si, na figura de seus professores,
a responsabilidade dos resultados nos testes, não trazendo para a discussão a
possibilidade de discussão mais ampla da situação.
3.3.2 Angélica
Angélica foi outra coordenadora entrevistada, é uma profissional com
bastante experiência na rede municipal, trabalha nesta rede há cerca de vinte anos.
Na coordenação pedagógica, atua há um ano e meio e, antes de ocupar essa
função, atuava como professora de Educação Infantil, é sua primeira experiência
com o Ciclo II do ensino fundamental.
Percebe que a avaliação tem sido um tema muito estudado nos últimos anos,
verifica que os professores têm procurado ajustar as avaliações à aprendizagem dos
alunos. A única formação que recebeu para lidar com as avaliações externas foi
dada pela supervisão escolar, durante as visitas de acompanhamento quando
recebe orientações.
Informou que a escola onde atua participa de todas as avaliações externas e
tem uma prova interna unificada, também chamada de provão, voltada para a
verificação de leitura e escrita. Essa prova é semestral e é construída e corrigida
coletivamente. Nessas provas, a escola tenta se aproximar do modelo das
avaliações externas, em especial à Prova São Paulo. Segundo ela, este trabalho é
feito como estratégia para melhorar o desempenho dos alunos nas avaliações
externas, que são analisados com foco nos avanços dos alunos.
como vem sendo feito agora nas avaliações externas. Então nós temos as
esferas jornalística, literária e a científica. Então, na última vez que nós
fizemos nós tentamos em uma dessas provas – que foi literária, se não me
engano – fazer dessa forma, contextualizar, colocar um texto, uma charge,
alguma coisa que o aluno consiga interpretar, uma tirinha, que ele consiga
olhar essa tirinha e fazer uma interpretação em cima dela. E aí através
daquela contextualização que está ali fazer as outras questões. Mas a gente
tentou fazer isso em uma. Nas outras ainda não. Então a gente está
tentando adequar isso. (Coordenadora Pedagógica Angélica)
O trecho evidencia que as escolas trabalham os resultados das avaliações
externas buscando aproximação com o modelo dos itens aplicados pela Prova São
Paulo, o que possibilita entender que a escola desenvolve uma espécie de
treinamento para esta avaliação.
No trecho seguinte, a depoente aborda outro aspecto interessante: a
percepção de que os professores que acompanham os alunos por mais tempo
observam melhor os seus avanços. Essa é uma situação, segundo ela mais
presente nos professores do Ciclo I, hoje Ciclo de Alfabetização. Tal situação aponta
para a necessidade de ser pensada a permanência dos professores por um período
mais longo junto às turmas deste Ciclo.
Os professores conseguem perceber a diferença de um ano para outro. A
gente já percebeu que os professores que acompanham os alunos no
decorrer das séries têm um desenvolvimento melhor. Isso a gente acabou
analisando e acreditando que é por conta disso. Porque o professor entende
melhor o aluno, já que eles ficam quarenta e cinco minutos com cada aluno
conforme vão passando os anos e, eles têm mais esse contato, sabem o
histórico do aluno, eles conseguem entender melhor a aprendizagem, em
que momento que o aluno está, e eles conseguem trabalhar, eu acredito,
melhor com a questão da aprendizagem com esses alunos. Isso foi uma
análise que a gente fez a última vez que a gente parou para ver os dados a
gente percebeu isso. (Coordenadora Pedagógica Angélica).
A formação dos professores se dá principalmente nos horários coletivos
percebendo maior dificuldade dos professores que não participam da formação com
relação à avaliação, uma vez que o Projeto Especial de Ação (PEA) tem como tema
a avaliação educacional, concebido como estratégia para melhorar os resultados da
escola. Segundo ela, é mais difícil trabalhar com os professores que não compõem
este grupo de formação, pois, como será melhor detalhado adiante, a participação
no horário coletivo de formação é opcional no sistema municipal.
Ela vê correlação entre qualidade da educação com avaliação externa quando
esta é usada para conhecer o aluno e promover sua aprendizagem. Essas
avaliações, no seu entendimento, contribuem com a aprendizagem quando
contribuem para a aproximação entre os planos de ensino e o que é solicitado nas
avaliações externas. Desta forma, seria possível superar o que ela chama de
divergência entre as avaliações externas e as internas, que seria um descompasso
entre elas, uma vez que as internas, diferentemente da externa, considera o ritmo
das turmas.
O que eu percebo é que as avaliações internas estão mais de acordo com
as expectativas. Então nós temos as expectativas de aprendizagem, os
planejamentos dos professores e os professores ajustam e adequam as
suas avaliações dentro dessas expectativas que foram trabalhadas. Não há
como você avaliar uma coisa que você não trabalhou. (...). As externas
muitas vezes vêm, embora elas sejam feitas em cima também de
expectativas, mas não tão fiel a isso. Então muitas vezes você percebe que
há uma diferença. Às vezes o professor não trabalhou aquilo. Ele fala “olha,
naquela sala de aula, por conta de diversos aspectos externos, eu não
trabalhei este contexto, eu não trabalhei este conteúdo”. (...) Agora, tem
sala que você não consegue andar com o conteúdo certinho como em todas
as salas, por conta de várias coisas. E aí vem a avaliação externa e você
fala “olha, mas isso eu não trabalhei”. (Coordenadora Pedagógica Angélica).
Este trecho parece destacar outro aspecto muito importante das avaliações
externas, que é a dificuldade que as escolas têm de dialogar com o sistema de
ensino, há evidência de que o desempenho do aluno e por conseguinte do
professor, está também em outros fatores que perpassam o cotidiano das salas de
aula. Contudo, esta constatação parece ficar só para a escola, não há mecanismos
que assegurem a consideração destes elementos nos resultados externos.
Na opinião da coordenadora, essa maior proximidade das avaliações internas
faz com que os alunos as encarem com maior seriedade. Embora pretenda discutir a
questão com mais detalhe no espaço destinado à reflexão sobre a formação, vale
apontar aqui uma dificuldade encontrada no trabalho com os resultados das
avaliações externas: é o sentimento dos professores de que estão sendo culpados
pelos baixos resultados dos alunos quando o assunto é abordado nas formações
como mostra o trecho seguinte:
Quando você vai com esse teórico para discutir, e aí alguns professores
entendem e outros professores acham que a gente está culpando os
professores, quando na verdade ninguém é culpado de nada. A gente está
discutindo, está conversando e está tentando ajustar, mas alguns se sentem
culpados. (Coordenadora Pedagógica Angélica).
Outro fator apontado pelos professores no trabalho com os resultados é
trabalhar com as dificuldades individuais dos alunos. É interessante notar que a
coordenadora também ressalta como dificuldade do trabalho lidar com as
dificuldades dos professores em trabalhar individualmente com cada aluno dentro do
espaço das aulas, como mostra o trecho seguinte:
Acho que o número de alunos que tem na sala é uma coisa que… Os
quarenta e cinco minutos por professor, o conteúdo que ele fica preso, que
ele acha que tem que dar conta. Esses quarenta e cinco minutos que ele
fica, já está numa sala e daí já vai para outra. Acho que são diversos
fatores. Até ele entrar na sala, ele sentar, acalmar os alunos, fazer a
chamada, tal, aí ele consegue passar o conteúdo e consegue conversar um
pouco. Claro que ele vai atender individualmente, ele atende um, dois. Para
ele atender esse aluno, só daqui a um mês, dois meses, que ele passa por
várias salas, então esse, atendimento individual que é proposto em uma
avaliação formativa é mais difícil. (Coordenadora pedagógica Angélica).
Diante de tal situação, ela fala da dificuldade de alterar a concepção do
professor, mas seria realmente este um dos objetivos da formação? Esta, como foi
dito, será uma questão retomada na reflexão sobre formação nas escolas.
A escola que Angélica trabalha é muito próxima à escola de Letícia, é
considerada pela comunidade uma boa escola e como é uma das escolas que
acompanho, com relação às práticas avaliativas observo que a avaliação ainda é
usada como meio de punição dos alunos, especialmente no ciclo II. Verificando os
registros de Reunião Pedagógica, PEA, diários de classe e sondagens de leitura e
escrita, verifico que dizem pouco das aprendizagens dos alunos e estratégias
pedagógicas para o avanço das aprendizagens.
Em contrapartida, a proposta de retenção dos alunos ao final dos ciclos é
bastante elevada, entretanto, quando da discussão dos registros e intervenções
feitas durante o percurso do aluno na escola, percebo que há fragilidade ou mesmo
falta de documentos e registros que colaborem com a análise da situação de
aprendizagem. Nos resultados das avaliações internas, percebe-se fortemente o
peso do comportamento nas decisões: alunos com o mesmo desempenho são
considerados retidos ou promovidos. O aluno com comportamento considerado
inadequado tem muito mais chance de ser retido.
3.3.3 Lúcia
Na escola onde Lúcia trabalha a discussão sobre as avaliações externas
também tem aumentado muito. Ela trabalha na rede municipal há nove anos e ocupa
há três anos o cargo de Coordenadora Pedagógica. Durante a entrevista, falou
bastante da sua prática, colocando o seu papel como coordenadora pedagógica e as
estratégias que usa com os professores como parte da estratégia de avanço da
escola no IDEB. Segundo ela, a discussão sobre avaliação no interior da escola tem
caráter formativo para o professor, mas percebe que a experiência de avaliação
vivida pelos próprios professores em suas vidas escolares também formam suas
concepções:
De muitos sim. Inclusive na minha [prática]. E de muitos não, porque são
práticas arraigadas, aquela coisa de trazer da história do professor que ele
viveu a avaliação enquanto instrumento de punição e de contenção do
grupo, da turma, e que ainda quer usar. Mas que é um instrumento que não
cabe mais e que o aluno não aceita. Que não adianta utilizar como uma
ameaça, mas que você ainda vê no discurso de alguns professores.
(Coordenadora Pedagógica Lúcia)
Quanto à formação recebida para trabalhar com os resultados das avaliações
externas, destaca duas: uma recebida pela Diretoria de Orientação Técnica –
Pedagógica (DOT-P), que consistia na análise geral de dados, e outra recebida do
supervisor que acompanha a unidade escolar no sentido da análise das possíveis
discrepâncias entre os resultados internos e externos para a individualização da
análise.
A escola de Lúcia participa de todas as avaliações externas e também tem
prova interna unificada, cujas questões são construídas de forma coletiva e avalia-se
a partir das expectativas de aprendizagens elencadas para cada semestre.
Aí eles elaboram em conjunto e entregam para mim. Primeiro assim: nós
selecionamos as expectativas para o ano inteiro, aí eu peço para eles
delimitarem as do primeiro semestre. Aí a partir dessas expectativas eles
têm que elaborar os instrumentos avaliativos que vão aplicar em todos os
primeiros anos e todos os segundos anos. E aí eles me entregam e eu
avalio, e eu leio e dou a devolutiva para eles do que eu observei, e que
poderia ser de cada jeito. (Coordenadora Pedagógica Lúcia).
A organização do trabalho pedagógico é baseada nos resultados das
avaliações externas, sempre como estratégia para melhorar os resultados dos
alunos nas avaliações. Entende que a avaliação não traz qualidade, mas auxilia no
processo na medida em que contribui para o aperfeiçoamento da prática de avaliar.
Um questionamento que faz às avaliações externas é que estas não respeitam o
ritmo do aluno, como mostra o trecho seguinte:
Na avaliação externa ela é uma analfabeta. Não importa o que ela aprendeu
dentro das possibilidades dela. Ou nós temos um grande número de alunos
com necessidades especiais, e a gente sabe que eles têm uma evolução
muito grande dentro da sua realidade, das suas potencialidades. Então tem
aquele que aprendeu a usar o banheiro, a conversar, a saber que tem
horário para as coisas, a dividir as coisas, a dar recados. Tem alguns aqui
que não falavam. Hoje está falando, indo no banheiro sozinho, comendo
sozinho, tendo uma determinada autonomia. E a gente avalia isso como
muito positivo. Em uma avaliação externa ele é só um aluno que não sabe
nada. Ele é uma falha do sistema, e na verdade ele não é uma falha, ele
tem as potencialidades dele ali, e tem as limitações também. E dentro das
limitações dele, a gente que está cotidianamente com ele vê que evoluiu
sim, e que teve muito progresso e que a escola está tentando fazer o papel
dela na vida desse indivíduo. Mas em uma avaliação externa, ele é o abaixo
do básico. Eu acho que isso aí é uma tensão grande. (Coordenadora
Pedagógica Lúcia).
Em sua fala, apresenta a Prova São Paulo como mais próxima do trabalhado
pela escola, uma vez que utiliza como matriz avaliativa as expectativas de
aprendizagem, o que não acontece com a Prova Brasil.
Essa escola também busca melhorar seu IDEB e organiza ações para essa
finalidade. Como as demais unidades, essa também trabalha para obter melhores
índices, não apresenta um diferencial com relação às outras em termos de trabalho,
mas seu desempenho no IDEB é bem melhor. A coordenadora entende que um
relatório avaliativo colaboraria mais com a análise do percurso do aluno que
simplesmente a menção que recebe ao final do processo.
3.3.4 Marcela
Trabalha há dezesseis anos na rede municipal, dos quais aproximadamente
treze anos como professora de Matemática e há três anos como coordenadora
pedagógica. Há cerca de três meses está trabalhando como professora formadora
em DOT-P, onde dá formação a professores do Ciclo II na área de Matemática.
Trabalhou como coordenadora pedagógica em uma escola, durante dois anos e
informou sobre a conclusão do seu doutorado. Aponta em sua entrevista que a
escola não discutia os resultados das avaliações externas quando iniciou seu
trabalho como coordenadora pedagógica. Aponta dificuldades em seu trabalho, pois
nesta escola também abarcava as ocorrências disciplinares dos alunos e a conversa
com os pais.
Nas avaliações externas e internas, percebia uma situação difícil: a escola era
muito grande e isto impactava os resultados nas avaliações externas, muitas
crianças sem a base alfabética.
precisei fazer alguns relatórios de recuperação paralela que a DOT-SME
pediu e aí eu e a supervisora da unidade fizemos um relatório simples. (...)
Então o que eu observei? Tudo isso para dizer o que eu observei, que pelo
menos em cada sala eles tinham cinco a seis alunos analfabéticos, que
foram ainda para a quinta série alfabéticos daquele jeito ou então não
alfabéticos. Então ainda representou um número grande ainda mesmo com
os esforços, mesmo com envolvimento dos professores, pelo menos de
uma boa parte, ainda ficaram alguns. Você vê, que em uma escola tão
grande, cinco alunos multiplicados por seis, sete, dá uma diferença. Se
fosse em uma escola menor, não apareceria tanto. (Coordenadora
Pedagógica Marcela)
Comparando as avaliações internas e externas ela se mostra descrente
quanto às avaliações internas, afirma não vê avanço com relação a essas
avaliações. Já com relação às avaliações externas se mostra bem mais otimista,
como mostra o trecho seguinte:
Então eu acho que o Brasil vai caminhando para uma tendência mundial e
não para uma tendência política. Até porque isso começou na outra política,
a política do Fernando Henrique. Quer dizer, está além de isso aí. Aí ela
contribui sim, porque como é que você vai ter noção, como que um Estado
do tamanho do Brasil vai ter ideia do que está acontecendo no país? Não dá
para sair olhando todas as escolas. Quer dizer, claro que a avaliação
externa não vai trazer tudo, mas como é que fica? Traz dados importantes,
com certeza. (Coordenadora Pedagógica Marcela).
Marcela defende a avaliação externa como importante meio de controle da
rede, pois por meio delas é possível perceber a defasagem dos alunos com relação
à série em que estão matriculados e os conhecimentos que precisariam dominar.
Para ela, essa defasagem é um grave problema e via no trabalho com a Prova da
Cidade uma oportunidade para superar essa defasagem e também para melhorar os
índices da escola.
dentro das formações de PEA, nós trabalhamos questões, nós trabalhamos
habilidades. Nós fizemos muito uso da Prova da Cidade para trabalhar isso,
porque a Prova da Cidade trazia um caderno, você sabe, trazia aquele
caderno explicativo, tudo, até é interessante. Os professores gostaram
desse trabalho. Porque eles falaram “nossa!, eu nunca pensei que a prova
da oitava tivesse difícil”. Alguns professores que não eram da oitava, que
não eram de língua portuguesa, achavam, eu lembro que eles falaram
assim “eu achava que era mais fácil”. Então, não só por isso, mas de certa
maneira, houve interesse na proximidade das provas, dos professores
buscarem questões. Eu fui procurada porque eu me ofereci, [falei] “olha
gente, a gente tem umas questões, tal e tal, se vocês quiserem eu estou
aqui”, e várias pessoas procuraram. (Coordenadora Pedagógica Marcela)
Como as demais coordenadoras, Marcela não recebeu formação sistemática
e específica para trabalhar com as avaliações externas, mas apenas para analisar
os dados. A escola onde trabalhava participava de todas as avaliações externas e
não fez menção da escola ter avaliação interna padronizada do tipo provão, como as
demais coordenadoras. Os resultados são citados nos planos de trabalhos, mas são
pouco trabalhados no cotidiano escolar. Ela ainda aponta insuficiência na formação
dos professores quando da sua aproximação da metodologia utilizada nas provas e
os tipos de questões utilizadas.
Embora venha trabalhando com os resultados das avaliações não percebeu
melhora na construção das avaliações por parte dos professores. No entanto,
percebe resistência à utilização dos Cadernos de Apoio que avalia como bons e os
vincula como uma estratégia para induzir as professores a seguirem as Orientações
Curriculares em seus planos de trabalhos. Ao referir-se à melhora dos resultados
aponta o seguinte:
Por exemplo, o Caderno de Apoio. Mesmo que o Caderno de Apoio seja
uma prescrição, mas ele é muito bom. Então a gente tinha pessoas que não
gostariam de usar, mas quando usaram gostaram. Mas, por exemplo, ali na
EMEF X eu sabia de gente que simplesmente não fazia uso. Não era meio
um professor perdido do horário que eu era, mas eu sabia de colegas que
não faziam. Por que eu tô dizendo isso? Porque o Caderno de Apoio está
muito ligado com a Prova São Paulo. Ele está muito ligado para você
trabalhar questões. Ele está muito a ver porque, quando, isso é um pouco
da minha pesquisa, eu não pesquisei Caderno de Apoio, mas o Caderno de
Apoio me ajudou depois. A Orientação Curricular ficou no começo muito
usada para fazer planejamento. Agora, o Caderno de Apoio e a Orientação
Curricular vieram porque eles instituíram a Prova São Paulo na mesma
época que as Orientações um, dois, essas coisas assim, que aconteceu.
Quer dizer, você não vai poder cobrar das escolas uma coisa que você não
sabe o que é. O que você vai cobrar das escolas se você não tem um
currículo mínimo, básico, não um currículo mini, acho que é muito um
currículo mini, mas um , vamos dizer assim, um currículo meio que padrão,
e que as escolas se baseiem naquilo ali, então eles vão cobrar o que dali?
Então isso estava muito atrelado. (Coordenadora pedagógica Marcela)
Com relação ao impacto das avaliações na qualidade da educação, entende
que o resultado nas avaliações externas é um resultado visível e que o contato com
eles faz com que o professor mude, mesmo que devagar, seu trabalho. O contato
com resultados muito negativos, às vezes, provoca desconforto, como mostra o
trecho seguinte:
Foi na primeira jornada onde a gente apresentou os resultados. Houve um
choque, houve um choque principalmente do pessoal do ciclo I, porque os
resultados foram horríveis. Coisas assim que eu nunca vi. Eu não sei nem
se cabe aqui. (Coordenadora pedagógica Marcela)
Observa que alguns professores estão trabalhando com sequência didática e
vê nesta prática um avanço oriundo desta política de avaliações externas. Tanto na
prática dela enquanto professora como coordenadora pedagógica entende que é
importante treinar os alunos para se saírem bem nas avalições externas. O sistema
regula o trabalho de seleção de conteúdos e habilidades que o professor deve
trabalhar, impulsiona o professor para que trabalhe mais conteúdos e habilidades,
porque serão cobrados.
3.3.5 Rafaela
Em sua entrevista, Rafaela apresenta um olhar bastante crítico no que diz
respeito às avaliações externas. Antes de assumir o cargo de coordenadora
pedagógica na rede municipal exerceu função semelhante na rede estadual, onde
viveu experiência que aponta como negativa como é o caso de escolher os alunos
que vão fazer a prova para que o desempenho ruim dos alunos com dificuldades de
aprendizagem não interferisse no valor da bonificação recebida pelos profissionais
da educação ao final do ano, afinal o valor está vinculado ao desempenho dos
alunos numa avaliação externa oferecida pela rede.
Referindo-se à sua experiência na rede estadual, critica um aspecto
vivenciado naquela rede: a decisão de incentivar ou orientar que o aluno com baixa
proficiência nos dias de avaliação externa, não participe da atividade um para
poupá-lo de situação vexatória e outro para que seu resultado não diminua o bônus:
Então, isso é relativo, porque, quando eu fui coordenadora da rede estadual
a gente tinha uma preocupação de pedir para os alunos que não tivessem
uma leitura autônoma não fossem fazer avaliação (...) “Como eu posso por
um aluno que está em processo de alfabetização para fazer uma avaliação
daquela? Que papel que esse aluno vai fazer dia-a-dia com essa
avaliação?”. Então a própria avaliação, não sou eu que estou excluindo, a
própria avaliação exclui esse aluno. Agora, é claro que no estado tem um
bônus muito alto. Então eu quero um bônus melhor, então você não faz a
prova. Então depende muito do olhar que eu tenho. Eu tiro você porque
você não vai se expor e não consegue ou eu tiro você porque eu quero um
bônus melhor (...) O aluno pode não ter feito a prova mas a gente vai saber
por quê. Ou eu tiro ele para não colocá-lo nessa situação vexatória ou eu
tiro ele porque eu quero um bônus melhor. Bem interessante.
(Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Aqui vale destacar os efeitos negativos ou até mesmo perversos da política
de bonificação: de um lado levar educadores a atitudes, no mínimo questionáveis do
ponto de vista ético e, de outro, promover a exclusão de algumas crianças de
atividades pensadas para todos. Todavia, vale destacar outra faceta da exclusão, a
inclusão perversa, que, segundo Sawaia (2008), consiste em obrigar a criança a
participar de uma atividade para a qual não tem condição de dar conta, como
aparece também no discurso de outras coordenadoras:
Aquele caso do aluno que não sabe ler nem escrever, então fica confuso.
Porque quando é uma avaliação interna, a gente faz uma avaliação
diferenciada para ele. Quando é externa não, é padrão. Então esse é um
outro ponto. (Coordenadora Pedagógica Letícia)
Porque, por exemplo, a gente forma esses agrupamentos misturando sala,
então quem vai conseguir construir com esse grupo palavras e outras
frases. E se ele conseguiu evoluir dentro desse grupo para a gente já é uma
vitória, “olha o menino”. Igual, a gente já conseguiu, alguns casos, uma
menina que agora na quarta série começou a ler com esses agrupamentos.
Para a gente é uma grande coisa. Na avaliação externa ela é uma
analfabeta. Não importa o que ela aprendeu dentro das possibilidades dela.
(...) Em uma avaliação externa ele é só um aluno que não sabe nada. Ele é
uma falha do sistema, e na verdade ele não é uma falha, ele tem as
potencialidades dele ali, e tem as limitações também. (...) Mas em uma
avaliação externa, ele é o abaixo do básico. Eu acho que isso aí é uma
tensão grande. (Coordenadora Pedagógica Lúcia)
Outro aspecto que ela critica nas avaliações externas diz respeito à sua
divulgação, sempre centralizada na escola, quando deveria ter como foco as
políticas públicas. Neste sentido, destaca que observa um comportamento
recorrente das escolas: quando têm bons resultados elas se apropriam, quando não
são satisfatórios, os rejeitam:
Eu fui em uma escola municipal, inclusive na semana passada, que tinha
uma escola do lado da outra. A escola do lado esquerdo tinha o melhor
índice possível, tinha uma faixa lá, e a escola ao lado tinha um índice
razoável. Então isso é bem interessante, uma do lado da outra. Mas quando
você tem bons resultados você se apropria. Quando você tem maus
resultados você rejeita. (Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Em sua opinião, os resultados das avaliações externas precisam ser usados
de forma contextualizada com o trabalho do professor em sala de aula. Critica o fato
das avaliações externas se voltarem muito para a escola quando deveriam ter como
foco as políticas públicas: Então as políticas públicas são pouco mexidas e as
escolas são muito apontadas.
Rafaela é crítica com relação à formação oferecida pelo sistema que,
segundo ela é “ditada e reducionista”, pois como ela mesma relata: “Olha, com
relação às avaliações, elas são muito informativas. Então, “faça isso”, “faça aquilo”,
é tudo muito ditado para a gente”.
Refere-se de forma positiva apenas à formação realizada por meio de
parceria entre o Grupo de Trabalho organizado pelos supervisores da Diretoria
Regional de Educação em parceria com o Programa de Mestrado em Educação da
Universidade Cidade de São Paulo UNICID:
Nós tivemos no ano passado um curso no final do ano com supervisores de
avaliação, que eu achei bastante interessante, mostrou alguns lados, nós
íamos até continuar esse ano, mas a dinâmica da escola é muito
complicada. Então em termos de orientação, o que veio de SME, um rapaz,
mas ele mostrou dados, não teve nenhum tipo de discussão, nem de
formação para trabalhar com os resultados não. (Coordenadora Pedagógica
Rafaela).
Na fala aparece a crítica ao fato de não ter recebido formação de SME para
trabalhar com os dados. Coloca como um desafio para o trabalho com os dados lidar
com percepção dos professores. A ênfase nos resultados negativos que vem sendo
dada pela SME como aconteceu como o chamado “Grupo das 77” ou escolas
vulneráveis. Neste episódio, foi trazido para a reunião de supervisores uma lista
com, as 77 escolas da região com piores resultados na Prova São Paulo e
informado que DOT-P, sob supervisão e assessoramento da equipe de formação de
SME, faria um acompanhamento intensivo das práticas docentes para elevar os
níveis de proficiência dos alunos destas escolas.
Ao final deste ciclo de formação e posteriores avaliações externas não foi
possível verificar melhora nos resultados. Segundo apontaram supervisores das
escolas deste grupo, inclusive eu, os professores que participaram criticaram o fato
de não haver inovações didáticas o que lhe ofereciam era um curso intensivo do que
já era feito dentro do programa do governo, o Programa Ler e Escrever.
Neste contexto, destaca-se que as avaliações externas têm ratificado as
percepções que a escola já tem sobre seus alunos:
E os professores se sentem mesmo culpados e os outros já se sentem mais
“bom, o problema não é meu”. Porque eu trabalhei com os resultados da
Prova da Cidade e confundi dois, e inicialmente isso foi bem difícil porque
eles se sentem culpados. Então você vai trabalhando, mostrando que não é
por aí. Trabalhei os resultados por sala e nós descobrimos que as salas que
tiveram pior resultado eram as salas que tinham mais dificuldade na
unidade escolar inclusive. Então, uma avaliação externa, o resultado dela só
ratifica o que acontece aqui. Então, é muito dinheiro para estar ajudando na
unidade. (Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Embora se posicione de forma crítica com relação às avaliações externas, a
escola participa de todas elas e a coordenadora frisa que trabalha com os resultados
de forma pontual, não muda a dinâmica de trabalho especificamente para buscar
resultados. Discute as questões que foram apresentadas para os alunos, centrando
a discussão na avaliação se habilidade solicitada está ou não no que foi planejado.
Nesta perspectiva, o seu trabalho enquanto coordenadora não se prende às
avaliações externas, é muito mais pautado pelas atividades planejadas a partir de
diagnóstico feito por meio das avaliações internas. Em sua opinião, as avaliações
externas utilizadas sem cuidado podem criar mecanismos exclusão dos alunos,
como vemos no trecho seguinte:
Eu não sei minha posição mesmo. E todo o trabalho que a gente já fez, a
gente tem que tomar muito cuidado porque ele cria mecanismo de exclusão,
e não é o nosso papel, nem na escola, nem na educação. Crianças são
pessoas, elas reagem de forma diferente, então a gente não pode estar
priorizando não. (Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Este trecho ratifica a grande complexidade que envolve o processo de
avaliação na escola, sobretudo a adoção da avaliação em larga escala como medida
de qualidade. O trecho mostra um dilema enfrentado por muitos professores que, se
incentivam a crianças a irem fazer a prova sofrem por estarem contribuindo para
submissão a situação de constrangimento, se não incentivam podem ser acusados
de falta ética, pois colocam o bônus acima dos objetivos primeiros de sua profissão.
Embora a coordenadora afirme não desenvolver um trabalho voltado para a
busca de resultados, como afirma na fala seguinte, há indício de que há na escola
um processo pedagógico articulado. Tal impressão é reforçada pelo posicionamento
claro da coordenadora com relação ao trabalho que desenvolvem frente às
avaliações externas.
A gente não se ocupa de estar o tempo todo preocupado com essa questão
de “vamos buscar melhor resultado”, e eu acho que isso é bem bacana
porque eu acho que coordenador, depende da forma como ele lida com
isso, ele trabalha. Então a gente tem muito claro aqui de que a gente tem
um bom trabalho, de que os alunos avançam, os alunos que têm dificuldade
de avançar, a gente tem todo um trabalho organizado, ele tem dificuldades
dentro e fora da unidade, então ninguém se martiriza aqui. (Coordenadora
Pedagógica Rafaela)
Essa fala é interessante, sobretudo porque determina um posicionamento e,
em certo sentido, porque deixa indicação de que a escola está discutindo a questão
fundamental quando se pensa avaliação: problematizar os projetos educacionais e
sociais estão ocultos em cada processo avaliativo. Outro aspecto interessante e que
vale ser destacado é que a escola vem atingindo as metas estabelecidas pelo IDEB,
embora não paute seu trabalho na busca dos resultados.
3.4 O Coordenador pedagógico e a formação na rede municipal
A apresentação das coordenadoras pedagógicas entrevistadas, além de
evidenciar diferenças e semelhanças referentes às maneiras de conceber e
organizar o trabalho, corrobora também a importância que tem esse profissional no
desenvolvimento das atividades pedagógicas da escola. O decreto nº 54.453,
publicado no Diário Oficial da Cidade (DOC) de 11 de dezembro de 2013, apresenta
um rol de atribuições que vão desde coordenar a elaboração, implementação e
“avaliação do projeto político-pedagógico da unidade educacional, visando a
melhoria da qualidade de ensino, em consonância com as diretrizes educacionais do
Município” apresentada no inciso I do referido decreto até “participar das atividades
de formação continuada promovidas pelos órgãos regionais e central da Secretaria
Municipal de Educação, com vistas ao constante aprimoramento da ação educativa”
apresentado no Inciso XIX.
No espaço que separa um inciso do outro, muitas atribuições são colocadas,
valendo destacar ainda, algumas delas:
II – elaborar o plano de trabalho da coordenação pedagógica, articulado com o
plano da direção da escola, indicando metas, estratégias de formação,
cronogramas de formação continuada e de encontros para o planejamento do
acompanhamento e avaliação com os demais membros da Equipe Gestora;
V – promover a análise dos resultados das avaliações internas e externas,
estabelecendo conexões com a elaboração dos planos de trabalho dos docentes,
da coordenação pedagógica e dos demais planos constituintes do projeto
político-pedagógico;
VI – analisar os dados referentes às dificuldades nos processos de ensino e
aprendizagem, expressos em quaisquer instrumentos internos e externos à
unidade educacional, garantindo a implementação de ações voltadas à sua
superação
IX– participar da elaboração de critérios de avaliação e acompanhamento das
atividades pedagógicas desenvolvidas na unidade educacional; (Decreto nº
54.453, 11/10/13)
Como é possível observar, são muitas as atividades do coordenador
pedagógico, mas para efeito deste trabalho escolhi aqueles incisos que mais
fortemente se relacionam com as questões de formação e avaliação da
aprendizagem dos alunos, dois temas hoje muito presentes quando se discute
qualidade de ensino. Aqui pretendo discutir mais detidamente a formação de
professores, buscando entender como ela vem acontecendo e como os resultados
das avaliações em larga escala vêm interferindo nos processos formativos. A
relação entre avaliação e qualidade de ensino será assunto do próximo tópico deste
trabalho.
O sistema municipal de educação de São Paulo conta com tempo destinado à
formação incluído na jornada do professor, contudo inclusão do professor na jornada
que contempla esse tempo Jornada Especial Integral de Formação (JEIF) se dá por
opção de cada docente. Os docentes que fazem opção por esta jornada contam com
15 horas/aula destinadas à formação a serem cumpridas com as seguintes
atividades:
I - trabalho coletivo com a equipe escolar, inclusive o de formação
permanente e reuniões pedagógicas;
II - preparação de aulas, pesquisas, seleção de material pedagógico,
correção de avaliações;
III - atividades com a comunidade e pais de alunos, exceto as de reforço,
recuperação de alunos e reposição de aulas.
Parágrafo único. O tempo destinado às horas adicionais será cumprido:
a) 11 (onze) horas aula semanais obrigatoriamente na escola;
b) 4 (quatro) horas aula semanais em local de livre escolha. (Lei Nº 14.660,
26/12/2007)
As oito horas de trabalho coletivo são, desta forma, o principal espaço de
formação, porém os educadores da rede contam com outros espaços que
geralmente acontecem fora do horário de trabalho: cursos oferecidos pelos órgãos
intermediários e centrais por meio das equipes de formação ou em parceria com
universidades ou outras organizações. O foco deste trabalho é a formação que
acontece no horário de trabalho coletivo que ocorre sob orientação do coordenador
pedagógico. Este é o espaço principal para ele, nos termos do Decreto citado:
XV – promover e assegurar a implementação dos programas e projetos da
Secretaria Municipal de Educação, por meio da formação dos professores,
bem como a avaliação e acompanhamento da aprendizagem dos alunos, no
que concerne aos avanços, dificuldades e necessidades de adequação;
(Decreto nº 54.453, 11/10/13)
Para desenvolver suas atribuições, este profissional frequentemente passa
por uma formação, geralmente organizada pela Diretoria de Orientação Técnica
regional. Assim quando falamos de formação neste sistema o foco é a formação
continuada.
Desde a última década do século passado que a rede conta com esse tempo
de formação, concretizado na gestão Luiza Erundina e desde então muitas
concepções de formação orientaram os processos formativos desenvolvidos neste
espaço. Desde os grupos de formação instituídos na gestão Luiza Erundina (1989 a
1993), a Jornada de Tempo Integral (JTI), fortemente caracterizada por processos
autoformativos, passando-se pela proposta de qualidade total, pelo forme-se como
puder e chegando-se ao modelo atual, que é fortemente marcado por uma
perspectiva de heteroformativa, com forte viés de treinamento para implementação
das propostas de governo. A fala seguinte permite refletir sobre a concepção de
formação que hoje predomina:
Mas é muito difícil ainda trabalhar as concepções dos professores. Tem
alguns professores que entendem esse processo de aprendizagem do aluno
de comparar ele com ele mesmo. Mas tem alguns professores que ainda
são resistentes, que eles acham que cada vez mais você acaba não
cobrando do aluno e acaba prejudicando os outros que querem avançar.
(Coordenadora Pedagógica Angélica)
A perspectiva que vê como problema a resistência do professor em mudar de
concepção perceptível na fala acima parece predominar. Essa é uma perspectiva
que nem sempre convive bem com a ideia prevista no artigo 3º, Inciso III da Lei
9.394/96 quando preconiza um ensino organizado respeitando a pluralidade de
concepções pedagógicas. Essa concepção supõe que a concepção do professor é
inadequada e a do formador ou de quem ele representa é adequada.
Essa é a base do pensamento autoritário. O problema é que essa concepção
vem sendo contrabandeada de forma subliminar nos discursos que elegem a busca
cega de melhorar resultados. O que se chama de resistência pode ser uma defesa
da própria identidade construída em um período em que toda formação no Brasil
estava voltada para a formação de pessoas capazes do exercício da cidadania ativa.
Parece difícil para alguém que foi batizado nos grupos de formação com a
promessa e o entusiasmo que eles representavam ver seu papel reduzido a mero
transmissor das ideias que organizam projetos pensados longe da escola. Além
disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em sintonia com a Constituição, é
bom frisar, preconiza que o sistema educacional brasileiro se organiza respeitando o
princípio da liberdade de concepção. Porque então desenvolver-se processos que
tem como objetivo impor ao professor a mudar de concepção? Quem assegura que
a concepção veiculada por esses formadores contratados atende melhor aos
interesses dos alunos?
Talvez constituísse em melhor ajuda ao processo educacional, se a formação
buscasse criar condições para que os profissionais explicitassem suas concepções e
a partir dessa explicitação pudessem dialogar com seus pares, com as Diretrizes
Curriculares Nacionais, com os teóricos do campo educacional e pudessem intervir
nas políticas públicas da sua área de atuação. As propostas de formação em serviço
na rede não podem resumir-se a treinamento para melhor aplicar manuais pensados
longe dos problemas que os profissionais enfrentam.
Como anunciado no início deste tópico a rede municipal de ensino conta com
tempo de formação dentro da jornada de seus profissionais. Todas as
coordenadoras entrevistadas se referem ao principal desses espaços que é o
Projeto Especial de Ação – PEA, como local de formação, dentro do que
regulamenta a Portaria SME nº 1566/08:
Artigo 1º - Os Projetos Especiais de Ação - PEAs são instrumentos de
trabalho elaborados pelas Unidades Educacionais, que expressam as
prioridades estabelecidas no Projeto Pedagógico, voltadas essencialmente
às necessidades dos educandos, definindo as ações a serem
desencadeadas, as responsabilidades na sua execução e avaliação,
visando ao aprimoramento das práticas educativas e consequente melhoria
da qualidade de ensino, atendendo as seguintes especificidades:
I - na Educação Infantil: (...)
II - no Ensino Fundamental e Médio: atender a necessidade de
desenvolvimento das competências leitora e escritora, como
responsabilidade de todas as áreas de conhecimento/disciplinas, visando
ao alcance das metas estabelecidas pela Unidade Educacional, pela
elevação dos níveis de proficiência detectados na Prova São Paulo,
bem como das metas definidas pela Secretaria Municipal de Educação,
expressas nos Programas "Ler e Escrever - Prioridade na Escola Municipal"
e "Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagens e Orientações
Didáticas". (negrito nosso) (Portaria SME nº 1566/08)
Todos os professores têm direito a fazer opção por essa jornada, mas nem
todos fazem. A não opção por essa jornada ou quando possível a participação no
PEA, acarreta problemas para o trabalho escolar como mostra a fala seguinte:
Que os professores que não fazem o horário coletivo e que não fazem PEA,
a gente não consegue fazer essa parada para conversar tão pontual como a
gente faz na JEIF (...) Faz muita diferença a hora coletiva na prática do
professor. Até mesmo porque durante o horário coletivo, não é só formador
ou coordenador, mas eles trocam muito entre eles mesmos. Então eu
acredito que auxilia bastante. E os que não têm esse horário acabam não
parando para refletir essas questões. (Coordenadora Pedagógica Angélica).
A gente tenta aparar essas questões e passar os informes gerais, porque a
maioria dos professores não fazem PEA. Nós temos três grupos de
formação mas não abrange a todos, não é cem por cento.(Coordenadora
Pedagógica Letícia).
O tempo e o espaço de formação parecem adequados, quando o professor
participa dos horários de estudo coletivo, mas quando isso não ocorre, discussões
que necessitam de maior aprofundamento e estudo ficam prejudicadas. Tal como
está posto, o trabalho de formação precisa ser repensado. Nas últimas gestões, o
principal trajeto formativo pode ser desenhado da seguinte forma: o coordenador
para formar os professores recebe formação de DOT-P, nas suas próprias Diretorias
de Educação; os formadores de DOT-P para formar os coordenadores recebem
formação de DOT-P/SME, que por sua vez recebem formação de uma assessoria.
Os problemas apontados por esta formação para serem trabalhados na
escola estão relacionados à construção de estratégias para melhorar os resultados,
como mostra largamente as falas das coordenadoras:
Então, no ano passado teve uma reunião, acho que foi de polo, que eles
falaram e deram essa orientação de fazer o que a gente já estava fazendo
mesmo, de utilizar as avaliações em larga escala, observar lá quais são as
habilidades em que a escola não atingiu e que a maioria dos alunos não
conseguiram ter um bom desempenho, para utilizar no planejamento e
replanejamento do professor. E também foi orientação da supervisão a
gente analisar, observar, comparar essa avaliação externa com a interna
para saber o que há em comum. Os mesmos alunos tiveram os mesmos
resultados nessas diferentes. (Coordenadora Pedagógica Lúcia).
Não, era uma formação de modo geral, nós não tivemos uma orientação
específica para trabalhar as questões da prova. Não, não mesmo. (...) A
análise de resultados teve sim. Teve uma formação, eu participei de uma
formação que ela usou resultados, questões da Prova da Cidade, mas
trabalhando a questão da Prova São Paulo. Só ela ficou muito discreta, no
sentido de que a gente sabia os resultados gerais da prova São Paulo em
outra região, (...). Foi um núcleo de avaliação, veio duas pessoas do grupo
de avaliação e orientou os coordenadores que estavam ali a respeito de
alguns pontos, de alguns erros recorrentes na prova da cidade e,
consequentemente, na Prova São Paulo. (Coordenadora Pedagógica
Marcela).
Então em termos de orientação, o que veio de SME, um rapaz. Mas ele
mostrou dados, não teve nenhum tipo de discussão, nem de formação para
trabalhar com os resultados não. (...) Não, ele veio trazer os resultados,
conversar um pouquinho sobre os resultados. Tem a aplicação também,
também tem a orientação. No ano passado, não me lembro de ter tido não.
Mas já tive orientação para aplicação. Mas é tudo muito simples, não é nada
assim. (Coordenadora Pedagógica Rafaela).
A partir destas intervenções busca-se direcionar a formação na escola para a
busca de resultados e este direcionamento acaba induzindo a escola a buscar
estratégias para melhorá-los. Ao serem perguntadas sobre as ações voltadas para
melhorar os resultados, as escolas citam o “provão” que realizam ou o trabalho com
as questões da Prova da Cidade. Aqui há que se considerar dois aspectos: o
primeiro é o provão como estratégia para melhorar o desempenho:
Estamos tentando ajustar. Até então não era, mas já está tendo uma
preocupação de contextualizar essa prova como vem sendo feito agora nas
avaliações externas. Então nós temos as esferas jornalística, literária e a
científica. Então, na última vez que nós fizemos nós tentamos em uma
dessas provas - que foi literária, se não me engano - fazer dessa forma,
contextualizar, colocar um texto, uma charge, alguma coisa que o aluno
consiga interpretar, uma tirinha, que ele consiga olhar essa tirinha e fazer
uma interpretação em cima dela. E aí através daquela contextualização que
está ali fazer as outras questões. Mas a gente tentou fazer isso em uma.
Nas outras ainda não. Então a gente está tentando adequar isso.
(Coordenadora Pedagógica Angélica)
O segundo aspecto é o trabalho com a Prova da Cidade que embora pareça
ser usada como um treinamento para a Prova são Paulo parece ter gerado reflexões
importantes nos grupos de formação como mostra o trecho seguinte:
mesmo dentro das formações de PEA, nós trabalhamos questões, nós
trabalhamos habilidades. Porque eles falaram “nossa!, eu nunca pensei que
a prova da oitava tivesse difícil”. Alguns professores que não eram da
oitava, que não eram de língua portuguesa, achavam, eu lembro que eles
falaram assim “eu achava que era mais fácil”. Então, não só por isso, mas
de certa maneira, houve interesse na proximidade das provas, dos
professores buscarem questões. Eu fui procurada porque eu me ofereci,
[falei] “olha gente, a gente tem umas questões, tal e tal, se vocês quiserem
eu estou aqui”, e várias pessoas procuraram. (Coordenadora Pedagógica
Marcela)
Há aqui um aspecto sobre o qual precisamos refletir: embora as escolas
participem de todas as avaliações, tenham acesso ao desempenho no IDEB, quando
relacionam avaliação externa e trabalho do formação a sua referência é Prova da
Cidade e Prova São Paulo. A Prova São Paulo por ser elaborada a partir de uma
matriz curricular mais próxima e a Prova da Cidade por vir acompanhada de um
caderno de apoio que facilitava o entendimento do processo de elaboração e
avaliação de itens, como mostra os trechos seguintes:
Nós fizemos muito uso da Prova da Cidade para trabalhar isso, porque a
Prova da Cidade trazia um caderno, você sabe, trazia aquele caderno
explicativo, tudo, até é interessante. Os professores gostaram desse
trabalho. Porque eles falaram “nossa, eu nunca pensei que a prova da
oitava tivesse difícil!”. Alguns professores que não eram da oitava, que não
eram de língua portuguesa, achavam, eu lembro que eles falaram assim “eu
achava que era mais fácil”. Então, não só por isso, mas de certa maneira,
houve interesse na proximidade das provas, dos professores buscarem
questões. (Coordenadora Pedagógica Marcela).
A gente tem feito também, que eu achei muito legal com as professoras, é
avaliar as questões. Porque quando uma questão tem um alto índice de
erro, algumas coisas estão acontecendo: ou as crianças não se apropriaram
de tal habilidade e competência, ou a questão é realmente mal formulada.
Teve uma questão inclusive que até os professores ficaram em dúvida do
que seria. (...) Chegaram os resultados, a gente, porque nem sempre eles
nos deixam ver. Não tem um banco de dados da Prova São Paulo. A Prova
da Cidade tem. Então a gente achou interessante estar lidando com isso, e
são provas bacanas e a gente achou legal. (Coordenadora Rafaela)
É possível concluir, a partir das entrevistas, da minha observação e mesmo
da análise de documentos da escola como os registros do PEA e das reuniões
pedagógicas que as avaliações em larga escala têm interferido nos processos
formativos em uma perspectiva de ajuste ao que as escolas supõem que será
demandado por elas. Apesar disso, não se percebe uma reflexão crítica sobre os
conceitos que atualmente organizam o campo da avaliação.
3.5 Avaliação externa e qualidade da educação
A busca de um ensino de qualidade tem mobilizado diferentes setores sociais
e promovido debates no âmbito da academia e dos responsáveis pela elaboração e
implementação de políticas públicas de educação. Este debate vem sendo marcado
por duas questões fundamentais: por um lado a definição de um padrão de
qualidade que seja aceito por todos; por outro, a definição de uma medida de
qualidade que também seja aceita. Apesar dos debates e da grande produção a
respeito ainda estamos muito longe de alcançar tanto uma definição quanto a outra.
O que tenho percebido é que aqueles que estão na escola pouco tem
participado deste debate e por isso pareceu importante assumir como sujeito da
pesquisa as coordenadoras pedagógicas. Afinal como esta discussão vem sendo
feita na escola? A escolha das coordenadoras pedagógicas decorre da posição
privilegiada que elas ocupam no espaço escolar uma vez que, como procurei
demonstrar anteriormente, possuem papel de destaque na organização das
atividades pedagógicas da escola, dentre elas aquela que é o foco deste trabalho
que é a avaliação da aprendizagem. Uma discussão mais aprofundada da questão
certamente demandaria a escuta de mais pessoas, mas para o meu propósito no
momento pareceu suficiente ouvi-las.
Há hoje uma tendência no sentido de aceitação das avaliações externas
como medida de qualidade de ensino e, como não poderia deixar de ser, a aceitação
do desempenho dos alunos em provas padronizadas como padrão de qualidade.
Nas entrevistas, as coordenadoras se manifestam indicando a insuficiência
das avaliações externas como medida de qualidade e dos resultados dos alunos
como padrão de qualidade da educação. Contudo, observam alguma positividade
nestas avaliações e vale destacar que esta positividade diz respeito ao trabalho
concreto na escola e as referências que mais aparecem como exemplo de avaliação
externa são a Prova da Cidade e a Prova São Paulo. As avaliações que hoje
compõe o SAEB e consequentemente o IDEB, às quais as escolas são submetidas
e quando aparecem é de forma marginal.
É possível concluir, considerando a frequência com que as coordenadoras
fazem referência às provas concebidas como mecanismos de coleta de dados para
alimentação de um sistema de avaliação próprio do município, sobretudo a Prova da
Cidade, que a escola deseja um apoio mais próximo de sua realidade. Assim,
quando se fala da relação entre avaliação externa e qualidade é a estas provas que
elas se referem. No trecho seguinte a entrevistada considera positiva a contribuição
das avaliações externas:
Contribui porque ela movimenta, ela movimenta a escola, principalmente
quando vem os resultados. No caso da escola onde trabalhei no ano
passado nós fizemos a Prova da Cidade, as duas, teve duas provas, e
fizemos a Prova São Paulo que era feita, até o ano passado, todos os anos.
Então eu acho que ela aponta coisas importantes e ela movimenta, porque
os professores começam a ver às vezes as defasagens, às vezes que o que
o aluno está aprendendo não está diretamente ligado ao município. Aliás
nessa questão da aprendizagem no município é uma questão muito séria.
De uma maneira geral e em algumas escolas em especial, o aluno não está
em determinado ano, em termos de desenvolvimento intelectual e
desenvolvimento escolar, ele não está naquele ano. É um problema sério a
defasagem no município. Tem escolas que não, mas tem boa parte que
está bem defasada. (Coordenadora Pedagógica Marcela)
Em sua fala a coordenadora, destaca como ponto positivo o fato de as
avaliações evidenciar a defasagem dos alunos com relação ao ano em que estão
matriculados e as habilidades e competências que dominam. Está é uma situação
que é bem evidente na escola, todos percebem essa defasagem, mas enquanto
ficava restrito à percepção de cada um a questão ia sendo relativizada. As
avaliações externas trazem números que muitas vezes confirmam a percepção
pessoal e cobram atitude concreta. Outro ponto positivo indicado na fala da
Coordenadora é que estas avaliações movimentam a escola, principalmente quando
chegam os resultados. Este potencial mobilizador pode trazer, como consequência,
avanços significativos para a qualidade de ensino.
Angélica, outra coordenadora entrevistada, também valoriza a mobilização
dos professores e destaca o fato das avaliações externas estarem mudando e, na
sua opinião, podem refletir na qualidade: “se os professores puderam trabalhar isso
e ajustar isso no seu dia a dia” . É possível também entender que a coordenadora
defende o ajustamento do trabalho ao que pede o teste, conforme pontuam Souza e
Bonamino (2013) anteriormente citadas.
Então, é um tema difícil de falar. Eu acredito que as avaliações externas
estão passando por uma mudança também. Porque antigamente era mais
como um vestibular, o que não refletia na qualidade da educação. Agora
vem tentando se mudar isso, e eu acho que vai refletir numa qualidade se
os professores também puderem trabalhar isso e ajustar isso no seu dia-adia, na forma como eles estão ensinando. (Coordenadora Pedagógica
Angélica)
A coordenadora seguinte, ao destacar o lado positivo das avaliações
externas, afirma que elas produzem indicadores visíveis, embora considere que a
qualidade não é algo que se possa medir. Entretanto, destaca que há muitas
concepções de qualidade e vê na discussão dos resultados uma possibilidade de
formação do professor.
Os resultados da avaliação externa serão um dos indicadores da qualidade
visíveis. Porque a qualidade não é uma coisa que você consegue medir. Há
vários conceitos de qualidade na educação. Há de se ler muito, de se ficar
um tempão conversando a respeito do que é a qualidade. Eu acho que ela
traz uma contribuição dentro da formação continuada do professor, porque
ele vai aprendendo naquele material, mesmo que de maneira simples,
mesmo sem curso, uma coisa mais “estudando” aquilo ali, eu acho que ele
vai aprendendo a trabalhar diferente. Por exemplo, você vai pegar uma
sequência didática, você não pode pegar um pedaço da sequência e
passar, sob pena de você piorar a situação dos alunos. Então tem que
entender que uma sequência didática é sequencial mesmo. Então assim,
ele já traz uma inovação. (Coordenadora Pedagógica Marcela)
Marcela considera as avaliações externas uma inovação, mais que uma
política, considera uma tendência mundial que veio para ficar. Frisa que embora a
Prova São Paulo tenha saído, as demais permanecem, como vemos no trecho
seguinte:
Não é uma questão política exatamente, é uma questão de tendência.
Tendência pedagógica, tendência mundial mesmo. Que nem a avaliação
externa chegou para ficar. Eu vejo assim: mesmo que a Prova São Paulo
saiu, mas eles não tiraram todas, eles mantiveram a Prova Brasil. Quer
dizer, a avaliação externa vem para ficar, ela é uma tendência mundial, de
você ter um controle, principalmente, dos grandes sistemas, como o sistema
estadual de São Paulo. Quer dizer, você tem uma rede de milhões de
alunos. Como é que isso vai ficar assim? Eu estava falando das tendências
mundiais. Isso tudo começou lá com o PISA, afinal de contas, o PISA era só
para alunos com quinze anos, mas começou lá. (Coordenadora Pedagógica
Marcela)
Essa fala revela um aspecto importante: a discussão sobre o controle dos
sistemas educacionais, que há alguns anos está nas agendas políticas, se fazendo
presente no dia a dia da escola como uma tendência. Todavia, nem todos veem
essa presença como positiva. Na fala seguinte, Rafaela outra coordenadora
entrevistada, manifesta sua posição quanto à relação entre avaliação externa e
qualidade de ensino:
Para mim é completamente midiático. Qualidade de educação é uma coisa
super ampla e a gente não consegue definir. Primeiro, qualidade de
educação é bem mais amplo do que do ensino. Ela é um indicador que
pouco contribui com o nosso trabalho, pouquíssimo. Que na verdade
deveria estar contribuindo para a melhoria das políticas públicas.
(Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Nesta fala, Rafaela levanta uma questão que alguns pesquisadores, como é o
caso de Afonso (2005), vem discutindo, que é a necessidade das avaliações
externas terem como foco o sistema de ensino e não a responsabilização do
professor. A mesma coordenadora coloca em questão as condições de trabalho do
professor, o problema da formação e do acompanhamento como vemos a seguir:
Então, “olha o professor não trabalha tal habilidade e competência”. Mas por
quê? “Ah, o professor falta demais, no geral”. Mas por quê? O que nós
podemos fazer para atuar nessa situação que é macro? Ela não é pontual.
Então os professores hoje, nós temos aí novecentas mil faltas. Mas por
quê? O que está acontecendo? É muito bacana a proximidade que a gente
tem. Na semana passada, que a gente tem um trabalho desenvolvido aí de
leitura e escrita. Eu disse assim para a professora: “mas os alunos não
estão conseguindo ler, eles não interpretam, eles não refletem”. “Tá”, mas
eu não sei como fazer isso, eu achei muito bacana. “Tá”, o que nós
podemos fazer para melhorar isso independente da avaliação externa ou
não? Então a qualidade não tem relação nenhuma [com a avaliação]. Eu
não posso dizer que a minha escola tem mais qualidade de que uma escola
que tem um índice um pouco menor que o meu. Isso para mim é número.
Talvez sirva para eles. Para nós aqui acho que não interfere muito.
(Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Em sua fala a coordenadora questiona a relação que se faz entre avaliação e
qualidade e conclui que não se pode afirmar que uma escola que tem um IDEB mais
baixo que o da escola onde ela atua tem menos qualidade. Essa afirmação faz
sentido quando pensamos na escola exteriorizadora e decantadora estudadas na
pesquisa realizada pelo CENPEC, mencionada no início deste capítulo.
3.6 Trabalho escolar no contexto das avaliações externas
Uma das questões chave que vem norteando esta pesquisa é entender as
repercussões das avaliações externas no trabalho escolar e, da maneira mais
específica no trabalho do professor. O trabalho do professor é o centro de todo
trabalho da escola, pois é ele que efetiva o sucesso da instituição escolar no que diz
respeito a sua atividade fim. As falas das coordenadoras deixam bem claro que as
avaliações externas tem repercutido no trabalho dos professores e, sobretudo que
essa repercussão acontece de forma diferenciada de uma escola para outra,
dependendo do encaminhamento que é dado pelos grupos, cuja coordenação é feita
por este profissional. Nas falas e também nas práticas desenvolvidas não aparecem
indícios de uma política organizada para o trabalho com esses dados.
Em alguns aspectos aparecem de forma mais evidente e em outros de forma
mais discreta; contudo há sempre a interferência e a escola busca alternativa própria
em cada situação. As entrevistas mostram muitas dessas questões com relação ao
trabalho sendo que, entre elas, algumas chamaram mais a minha atenção: a forma
como os resultados chegam às escolas, o questionamento às concepções dos
professores, adequação do trabalho ao teste e a incorporação do sentimento de
culpa pelo professor.
Melhorar os resultados dos alunos nas avaliações externas é um grande
desafio que está colocado para as unidades e para os sistemas, independentemente
de aceitar as avaliações como medidas de qualidade. Afinal, não se pode acreditar
numa concepção ou tipo de qualidade no qual as crianças não aprendam. Desta
forma, as coordenadoras foram chamadas a apresentar os projetos que vinham
desenvolvendo com esse objetivo. Ao ser indagada sobre esses projetos a
coordenadora Letícia respondeu o seguinte:
Projeto que envolve a todos? A gente tem os projetos didáticos, que são
aqueles que começam e terminam bimestralmente. E temos também o
projeto da festa junina, que faz parte das ações da escola e a mostra
cultural no final do ano, que inclusive a gente faz porque é o dia da família
na escola e tudo mais. Então esses projetos são focados, e todos trabalham
juntos. Então a gente tenta abranger o gênero da leitura e da escrita que ele
não aprendeu e por aí vai, cada um dentro da sua área, dividido por ano.
Então por ano a gente tem determinados projetos em que a gente tenta
abraçar todo mundo. (Coordenadora Pedagógica Letícia)
A coordenadora fala de alguns projetos que segundo ela estão voltados para
a melhoria do desempenho dos alunos nas avaliações externas, porém não parecem
projetos pensados a partir da análise dos resultados, o que se percebe é que
algumas atividades que fazem parte do cotidiano da escola e são aproveitadas para
trabalhar questões referentes às dificuldades dos alunos nas avaliações.
Comentando a mesma questão, a coordenadora Angélica se manifesta
dizendo que a prova unificada da escola está sendo ajustada ao que vem sendo
pedido nas avaliações externas, mostra que está tentando deixar a prova unificada
da unidade com um formato próximo ao das avaliações externas, como vemos a
seguir:
Estamos tentando ajustar. Até então não era, mas já está tendo uma
preocupação de contextualizar essa prova como vem sendo feito agora nas
avaliações externas. Então nós temos as esferas jornalística, literária e a
científica. Então, na última vez que nós fizemos nós tentamos em uma
dessas provas - que foi literária, se não me engano - fazer dessa forma,
contextualizar, colocar um texto, uma charge, alguma coisa que o aluno
consiga interpretar, uma tirinha, que ele consiga olhar essa tirinha e fazer
uma interpretação em cima dela. E aí através daquela contextualização que
está ali fazer as outras questões. Mas a gente tentou fazer isso em uma.
Nas outras ainda não. Então a gente está tentando adequar isso. Seria
então a avaliação unificada. E o nosso PEA é a avaliação. Então a gente
está sempre conversando sobre a avaliação. Nossa bibliografia de estudo é
em torno da avaliação. Então o projeto do PEA é um projeto que trabalha
isso. (Coordenadora Pedagógica Angélica)
Lúcia, outra coordenadora entrevistada, ao referir-se aos projetos que a
escola desenvolve, com vistas a melhorar o desempenho dos alunos nas avaliações
externas, cita os projetos de recuperação que a escola desenvolve, procura resolver
os problemas de aprendizagem organizando os alunos por dificuldades. A fala revela
que se trata de um trabalho que tem como foco a aprendizagem das crianças.
A gente faz a recuperação contínua. Que é aquela que o professor faz em
sala de aula. E tem a recuperação paralela. Só que na contínua, além dos
agrupamentos que a gente pede para os professores pelo menos uma vez
por semana - o certo ideal seria fazer vários agrupamentos todos os dias,
mas aí acaba não acontecendo; então fazerem agrupamentos por
proficiência, por nível de aprendizagem. Então a gente faz esses
agrupamentos na sala e trabalha a dificuldade daquele grupo. E agora a
gente está fazendo com todas as salas misturadas. Quem, por exemplo,
não escreve alfabeticamente? Então a gente junta todas as crianças em um
grupo e faz atividades com alfabeto móvel, tudo voltado para a construção
do sistema de escrita alfabético. Aí tem aqueles que já escrevem
alfabeticamente, mas são os recém-alfabéticos, então a gente junta todo
mundo do segundo ano em um grupo uma vez por semana para trabalhar a
construção de textos. Aí tem aqueles que já produzem textos. Hoje só tem
desses agrupamentos. Aí junta esses que produzem textos e identifica,
qualifica os erros deles nos textos. (Coordenadora Pedagógica Lúcia)
Questionada sobre os projetos que desenvolvia para melhorar os resultados
dos alunos nas avaliações externas a coordenadora Rafaela foi bastante enfática em
afirmar que apesar de haver uma pressão da gestão para trabalhar buscando a
melhoria dos resultados, o foco do trabalho da escola não é este. Questiona as
avaliações que não sabe que alunos pretendem avaliar por meio delas.
Não é esse, a gente não se apropria porque eu particularmente tenho bem
claro que assim: que alunos essas avaliações estão querendo avaliar? Será
que são os nossos alunos? Porque nós não podemos ter avaliação da
Finlândia no Brasil. Até que ponto isto valoriza ou desvaloriza nosso
trabalho escolar, então eu tenho muito cuidado com isso. A gente tem uma
bonificação que está diretamente ligada. É bastante interessante que o
pessoal não passe o tempo todo preocupado com isso. Agora eu não sei se
é porque a gente tem resultados razoáveis. Então aqui o trabalho é bem
tranquilo. (Coordenadora Pedagógica Rafaela)
Há uma dúvida importante levantada por Rafaela: até que ponto essas
avaliações valorizam o trabalho dos educadores. Talvez ela tenha razão porque se
essas avaliações valorizassem o trabalho escolar não se configurariam como os
disparadores do sentimento de culpa que vemos em boa parte dos educadores.
A ideia de o professor sentir-se culpado aparece nas falas de algumas
coordenadoras e faz lembrar com outro aspecto sido muito discutido que é a
questão da responsabilização. Uma das inquietações da pesquisa veio justamente
da reflexão no sentido de entender o limite entre culpa e responsabilização.
Destas duas situações, fica a impressão que a responsabilização está
relacionada a uma espécie de contrato no qual você assume certa responsabilidade
e dela tem que prestar contas. A culpa me parece mais relacionada a uma angústia
pessoal diante de uma situação que, embora as pessoas considerem necessário dar
conta, sentem-se incapazes. Isso me leva a inferir que diante da incapacidade de
garantir as condições de trabalho aceitáveis e que permitam a responsabilização os
agentes, apelam para o sentimento de culpa constrangendo as pessoas por meio da
apresentação de resultados negativos. A fala seguinte mostra o desconforto dos
professores diante da comunicação dos resultados, mas na fala não há indícios de
contextualização dos mesmos.
Tinha classes que quarta série - não era ainda quarto ano -, e tinha uns
setenta por cento de alunos abaixo do básico em matemática. Sabe, setenta
por cento abaixo do básico é um número muito grande. Português estavam
ruins, estavam, mas era ainda um pouco melhor do que matemática. Tinha
números horríveis. Causou assim um desconforto tão grande no dia dessa
reunião com o grupo dos professores de quarto ano, de terceiro, que ficou
até desagradável. (Coordenadora Pedagógica Marcela)
A situação apontada na fala como problema é o fato dos professores sentirem
que estão sendo culpados pelo baixo desempenho dos alunos ou mesmo sem
competência para superar as dificuldades com os alunos como evidencia o trecho
seguinte:
Porque você acaba [falando] “Ah, mas eu tenho que ficar sempre
comparando ele com ele mesmo, e se ele não evolui eu não consigo
avançar com os outros, e eu tenho dificuldade de atender individualmente
porque são muitos alunos, então eu não consigo fazer esse atendimento tão
individualizado”. (Coordenadora Pedagógica Angélica).
Essa fala além do constrangimento do professor mostra também a sua
contrariedade com relação à concepção de trabalho a partir da avaliação. A ideia
segundo a qual o aluno deve ser comparado com ele mesmo parece contrariar a
maneira que o professor entende o acompanhamento do processo educacional.
Essa fala revela também outro problema que é a falta de compreensão do conceito
de avaliação e acompanhamento subjacente às avaliações em larga escala, pois a
ideia de comparação do aluno com ele mesmo não faz parte dessa concepção, que
está muito mais para o ranqueamento entre os alunos e as instituições.
As provas das quais participaram foram a Prova da Cidade, a Prova São
Paulo e a Prova Brasil cada uma dessas provas continha objetivos diferentes e o
trabalho com os dados delas decorrentes também precisa ser específico. Como nas
falas não aparece referência ao IDEB é possível inferir que quando falam em
trabalho com resultados das avaliações externas não se referem aos dados das
provas que compõem este índice. Por outro lado, pela maneira como se referem ao
trabalho realizado, parece compatível com o perfil da Prova São Paulo, que em uma
das falas aparece como indutora do trabalho com as Orientações Curriculares, as
Expectativas de Aprendizagens e os Cadernos de Apoio:
ela era de DOT-SME, é que assim: quando eles foram olhar as questões
que os professores estavam trabalhando, essas coisas, era os algoritmos,
sabe o mais do mesmo? Por isso que eles criaram um material para estar
dizendo o que eles queriam. E aí os professores fizeram esse link, dizendo
assim, olha…. Quando, a partir do Caderno de Apoio, eu percebi que ele
está ligando, que tudo está amarrado, que estão amarradas a Orientação
Curricular e a Prova São Paulo. Então a avaliação externa ajudou nessa
questão dos conteúdos trabalhados dentro da sala de aula, é a questão
didática dentro da sala de aula. Certeza, e você vê é por causa da Prova
São Paulo. (Coordenadora Marcela)
O trabalho com os resultados passa pelo entendimento dos objetivos da prova
o que parece não estar claro nas falas das coordenadoras e o trabalho parece
reduzido à busca de melhores resultados na avaliação que lhe for proposta. A
maneira como os dados chegam às escolas é um indicativo importante neste
sentido: os resultados são sempre comunicados pelos órgãos intermediários e
centrais do sistema, não se vê nas falas as escolas buscando esses dados e,
quando eles chegam são recebidos com euforia se são bons ou com
constrangimento se são ruins, mas não surge nas falas como algo que mobiliza.
Outra questão relacionada à forma como os dados chegam à escola é que embora
cheguem oficialmente por meio das instituições intermediárias, chegam de segunda
mão por que antes já foram discutidos pela imprensa.
Trabalhar com os dados vem se caracterizando como treinamento dos
professores para adaptarem suas avaliações e o currículo às necessidades das
avaliações ou dos alunos para se saírem bem nestas provas como tradicionalmente
se fez com relação aos vestibulares. No trecho seguinte, fica evidente a
transformação do trabalho coletivo em espaço para a discussão de estratégias para
melhorar os resultados:
Então, nós fizemos desde o começo do ano, no PEA, a análise das
habilidades. Qual a porcentagem de acertos e erros em cada habilidade. E
aí identificamos que essas habilidades são justamente as expectativas que
os alunos teriam que atingir. Então o que eles têm bom domínio, pouco
domínio, o que tem que ser trabalhado. Então a gente foi identificando e
algumas vezes a gente levou até um choque. Por exemplo, questões de
matemática que os alunos do terceiro ano foram mal em calendário. E ficou
todo mundo assim: “Mas essa é uma coisa que é trabalhada desde o
primeiro ano”, mas teve acerto de quinze por cento. Foi uma coisa que
chocou, a gente ficou assim “como pode?”. Algumas coisas surpreenderam,
outras não. (Leticia)
O trabalho pode ser feito a partir do desempenho em uma habilidade e
competência em português ou matemática, que são as únicas disciplinas avaliadas,
mas envolve todos os professores, como parece evidente no trecho seguinte:
São, nós elencamos os alunos que foram melhor, que tiveram um índice
melhor de aproveitamento. Aqueles que ficaram abaixo da média, fazemos
um levantamento, fazemos uma pesquisa. E também vamos levantando as
hipóteses do porquê que ele foi melhor em uma avaliação e em outra não.
Porque a gente também tem como base a avaliação interna da escola e
essas avaliações externas. Então a gente sabe se o aluno realmente
aprendeu ou não, e por que ele não aprendeu, ou ainda, por que ele foi
melhor em uma avaliação e não em outra. (Coordenadora Letícia)
Há desta forma uma dúvida: tal procedimento não acarretaria prejuízo para os
alunos que necessitam das aprendizagens de todas as áreas? O trecho seguinte
mostra a redução do currículo às competências avaliadas e na organização do
trabalho a partir do resultado das avaliações:
A coordenadora do Ciclo II, que fica o maior tempo com eles, faz um projeto
onde todos os professores de todas as áreas do conhecimento focam
determinado gênero para tentar auxiliarem os alunos em determinado ano o
que apareceu como maior dificuldade. Por exemplo, o que a gente observa
é que a maioria dos alunos, na sétima e oitava série têm dificuldade no texto
jornalístico. Então, no começo do ano, inicialmente após a sondagem que
nós fizemos na escola, a gente percebeu que é essa a maior dificuldade.
Então todos os professores fazem, dentro da sua área de trabalho, focado
em uma determinada parte do gênero, um trabalho e depois há um
fechamento. A gente percebeu que isso melhorou bastante, tanto na escrita,
porque eles se apropriaram de como se faz, sabem as questões do gênero,
e conseguem interpretar e refletir em cima deles. (Coordenadora Leticia)
Das coordenadoras entrevistadas apenas uma declarou explicitamente que
não organiza o trabalho com objetivo específico de melhorar os resultados dos
alunos nas avaliações externas, que informa os professores sobre os resultados,
mas não se atém a eles, como observamos a seguir.
Eles são trabalhados pontualmente, de forma pontual. Então, chegam os
resultados, mas a gente não se atém muito ao resultado. A gente trabalha
muito o conteúdo da avaliação. Porque assim, um número, olha, e é bacana
porque aqui é a escola é uma escola que consegue uns resultados
razoáveis. Então assim, põe os números lá e [fala] “Ó, a escola tá um pouco
melhor que a rede”, ponto final. E isso para nós não quer dizer nada. Quem
está aqui talvez fique um pouco mais preocupado como era a escola que eu
trabalhava na rede estadual. Mas numericamente não diz nada para a
gente. (Coordenadora Rafaela)
Além de declarar não organizar o trabalho para atingir os resultados, não
adaptar o currículo da escola que coordena ao teste, podemos perceber na fala da
coordenadora que o grupo analisa o conteúdo destas avaliações.
Aí a gente vai se debruçar um pouquinho no que se está pedindo. Qual a
competência e habilidade solicitada, só que a gente deixa bem claro, eu na
posição de coordenadora, “pessoal, é a assim, que está sendo pedido nesta
questão, nesta questão e nesta questão, está dentro do nosso
planejamento?”. Porque a gente seleciona as competências e habilidades.
Está ou não está, por que está e por que não está? É necessário ou não é?
E não esta questão que a gente sabe muito bem, “caiu na prova vamos
trabalhar, caiu na prova vamos trabalhar”. Não, aqui a gente desconstrói
isso. A gente faz uma análise e ela não chega a destruir nosso trabalho
aqui. Mas eu já vivenciei isso, “vamos correr atrás de resultado”, já vivenciei.
(Coordenadora Rafaela)
Como sabemos que os itens da Prova Brasil e mesmo da Prova São Paulo
não são disponibilizados é possível inferir que nesta escola o que se trabalha em
termos de avaliação externa é a Prova da Cidade, em embora apareça na maioria
das vezes como treinamento para realizar a Prova São Paulo, neste caso sugere
uma possibilidade de diálogo com os professores.
3.7 Interface entre as avaliações internas e externas
Para situar as repercussões das avaliações externas na escola vale tratar um
pouco sobre as avaliações internas. Essas avaliações são realizadas em cada
escola de duas maneiras: as avaliações padronizadas, que elas chamam de
“provões”. Num exercício de aproximação ao formato das avaliações externas das
quais as escolas participam e, as avaliações mais processuais que são realizadas
por cada professor de acordo com sua necessidade. Os chamados “provões” são
elaborados pelo coletivo de professores e tem se configurado com preparatórias
para as avaliações padronizadas do sistema. As avaliações processuais ficam a
cargo de cada professor e sobre elas não aparecem discussões a não ser no final do
ano quando se discute, nos anos que isso é possível, a lista dos alunos que devem
ficar retidos.
Nas discussões com as escolas que acompanho sobre esta lista é possível
perceber forte subjetividade e a consideração das mesmas como acerto de contas
do professor com os alunos que durante o ano não agiu como esperado. Essa
situação faz com que os resultados das avaliações internas tenham pouca
credibilidade diante dos olhares externos; porém, talvez justamente por isso sejam
as mais consideradas pelos alunos. Na realidade os alunos desconfiam que a sua
progressão ou permanência no ano em que estão matriculados depende
efetivamente da avaliação do professor.
As provas unificadas ou provões são construídos com itens elaborados pelos
professores e se configuram como preparação para as avaliações oficiais. Esta é a
explicação que hoje é dada, mas consta que em muitas escolas esse tipo de
avaliação existe desde antes da existência das avaliações em larga escala e que a
justificativa era preparação para os vestibulares ou exames de escolas como o
SENAI, escolas técnicas estaduais ou similares.
Essas provas geralmente apresentam problemas primeiro em função da
qualidade do item e o segundo porque tem sido mais utilizada com objetivo de
controle disciplinar dos alunos na dinâmica da escola. Verifica-se nas falas que a
elaboração dos itens vem sendo discutido pelos professores principalmente a partir
da Prova da Cidade que incentivou o estudo deste quesito.
As falas indicam uma discrepância entre as provas unificadas realizadas
pelas escolas e as avaliações externas, pois estas nem sempre tratam dos assuntos
que foram trabalhados pelos professores enquanto as internas são organizadas
tendo como referência o que foi trabalhado, inclusive como no ano de 2013, em que
não houve a Prova São Paulo nem a Prova da Cidade:
Por exemplo, esse ano a gente não fez avaliação externa. Mas uma
questão da nossa avaliação interna. A gente quer que os alunos produzam
textos e leiam com fluência. E aí a gente identifica aluno de repente na
quarta série que não tá fazendo isso e que já não acompanha e turma dele.
Então a gente forma um agrupamento para ele evoluir dentro das
possibilidades deles. Então, por exemplo, essa questão da recuperação
contínua, o foco nem são as habilidades de avaliação externa, na verdade é
a aquisição da leitura e da escrita mesmo. (Coordenadora Lúcia)
Embora não façam grandes referências a outras formas de avaliação que
acontecem na escola, a fala seguinte faz emergir outro tipo de avaliação interna que
não é a chamada prova unificada. Verifica-se que a escola possui meios, embora
não explicite quais, de identificar necessidades do aluno e buscar solução, evitando
o distanciamento entre o aluno e seus colegas de sala. Esse tipo de
acompanhamento, possibilitado pela avaliação contínua reaproxima o aluno de sua
turma e evita que ele desapareça:
Alguns nem vêm quando eles sabem. Isso para a gente é um ponto
importante porque a gente quer que o aluno participe. E quando é interna
não, ele sabe que tem uma prova diferente para ele, que está dentro daquilo
que foi tratado na sala de aula. Mesmo por necessidades educacionais
especiais, tem sempre alguém que lê para eles, seja uma avaliação interna
ou externa. (Coordenadora Letícia)
Contudo a avaliação contínua não é valorizada, embora, em falas como essa,
fique evidente a sua importância no processo pedagógico. Outro aspecto que
merece destaque na fala é o fato de os alunos com dificuldades não gostarem de
participar das avaliações externas que, pelo que se entende, sentem como bem
distante daquilo que podem realizar. Aqui há dois pontos para reflexão: ou a escola
não ensinou o que devia ou a escola estaria produzindo identidades subalternas,
inseguras que nem tentam saber se tem os meios dos quais dispõem. Em muitas
falas, aparece a contrariedade das coordenadoras com relação à submissão das
crianças a uma avaliação que elas não tem condições de realizar, como na fala
seguinte:
Outro ponto tenso: às vezes a prova chega e o aluno olha pra ela e fala
“mas de novo?”. Aquele caso do aluno que não sabe ler nem escrever,
então fica confuso. Porque quando é uma avaliação interna, a gente faz
uma avaliação diferenciada para ele. Quando é externa não, é padrão.
Então esse é um outro ponto. (Coordenadora Letícia)
Uma questão que merece ser destacada é que ao referirem-se às avaliações
internas as coordenadoras citam as provas unificadas que realizam coletivamente e
não as tradicionais avaliações da aprendizagem que cada professor usa com seus
alunos no cotidiano. Será que tal opção revela também na escola a presença da
tendência que não considerar confiáveis essas avaliações?
Bom, a tensão que eu percebo é que às vezes na avaliação externa, o
aluno faz a avaliação, dá uma resposta rápida, não pensa sobre ela, não
reflete sobre as questões. E elas são muito bem elaboradas. O que também
não garante uma avaliação total do aluno, porque tem aquele que se
esforça, que lê, tenta ver os descritores com uma atenção maior, e tem
aquele que passa o olho e dá qualquer resposta, isso a gente sabe. Apesar
de todo o empenho que a gente tem feito, porque são questões de múltipla
escolha, às vezes o aluno não tem nem a vontade de fazer, mas gente tem
todo um trabalho e já faz parte das ações da escola. (Coordenadora Leticia)
Comentando as tensões e convergências entre as avaliações internas e
externas, Angélica se posiciona afirmando que as avaliações internas estão mais de
acordo com as Expectativas de Aprendizagem. Segundo ela, existem as
expectativas de aprendizagem, os planejamentos dos professores e estes ajustam e
adequam as suas avaliações dentro dessas expectativas que foram trabalhadas. E
considera como uma tensão o fato das avaliações externas serem feitas abordando
conteúdos não trabalhados. Neste sentido ela considera que as avaliações internas
acabam refletindo melhor a aprendizagem do aluno. No trecho seguinte, ela reflete
sobre a divergência que afirma ter entre os dois modelos de avaliação:
As externas muitas vezes vêm, embora elas sejam feitas em cima também
de expectativas, mas não tão fiel a isso. Então muitas vezes você percebe
que há uma diferença. Às vezes o professor não trabalhou aquilo. Ele fala
“olha, naquela sala de aula, por conta de diversos aspectos externos, eu
não trabalhei este contexto, eu não trabalhei este conteúdo”, e aí na
avaliação externa ele [o contexto/conteúdo] aparece. Então existe essa
divergência. Já na avaliação interna o professor sabe exatamente o que ele
trabalhou. “Não, isso eu trabalhei com essa sala, então eu vou conseguir
fazer uma avaliação disso, porque eu trabalhei isso com eles”. Agora, tem
sala que você não consegue andar com o conteúdo certinho como em todas
as salas, por conta de várias coisas. E aí vem a avaliação externa e você
fala “olha, mas isso eu não trabalhei”. (Coordenadora Angélica)
Indagada se conhece caso de aluno que foi bem nas avaliações externas e
mal nas internas ou vice e versa, Angélica afirma não ter feito ainda esta pesquisa,
mas o que ouve é que dentro da escola há mais cobrança e destaca uma questão
que parece merecer uma pesquisa mais aprofundada que é o fato dos alunos
levarem as avaliações externas na brincadeira e levarem mais a sério a avaliação
interna:
Não, eu não tenho muita experiência, mas, pelo que as pessoas falam, é
que nós dentro da escola cobramos mais. As avaliações internas, você sabe
do que o aluno é capaz e você acaba cobrando mais, porque você sabe que
ele tem mais capacidade para fazer aquilo, que você trabalhou aquilo. E as
avaliações externas acabam sendo rasas. Eu não consegui fazer essa
análise, mas isso na JEIF as pessoas comentam. “Olha, poxa! O meu aluno
consegue fazer isso”. Agora não sei se de repente na hora da prova, na
hora da avaliação os alunos acabam muitas vezes levando na brincadeira e
acabam não levando tão a sério quanto a avaliação interna, que ele sabe
que é o professor que preparou, que não é uma coisa que veio de fora.
Então ele acaba levando mais a sério e a externa ele acaba [falando] “Ah,
deixa eu fazer logo para terminar logo e ficar livre”. Porque o adolescente
tem isso também. (Coordenadora Angélica)
Outro questionamento que aparece nas falas é relacionado ao respeito do
ritmo do aluno e não permite um retorno imediato de sua evolução cotidiana.
As tensões. Por exemplo, nós sabemos que tem vários alunos cada um com
seu ritmo. A avaliação externa não respeita isso. Porque, por exemplo, a
gente forma esses agrupamentos misturando sala, então quem vai
conseguir construir com esse grupo palavras e outras frases. E se ele
conseguiu evoluir dentro desse grupo para a gente já é uma vitória, “olha o
menino”. Igual, a gente já conseguiu, alguns casos, uma menina que agora
na quarta série começou a ler com esses agrupamentos. Para a gente é
uma grande coisa. Na avaliação externa ela é uma analfabeta. Não importa
o que ela aprendeu dentro das possibilidades dela. (Coordenadora Lucia)
Nas falas aparecem também convergências como na fala da Marcela que vê
essa proximidade no fato dos professores com o que vão trabalhar com seus alunos
porque desejam que eles se saiam bem nas avaliações
As convergências que a gente vê, a gente vê às vezes alguns professores,
ou como eu, por exemplo, estão bem preocupados com essa questão da
avaliação e eu vou trabalhar, sou professora do estado na ativa. Então eu já
trabalhei questões do SARESP com meus alunos de terceiro ano,
preocupada com os resultados deles. Até eles me pediram assim
“professora, não fica muito tempo nisso aí que a gente vai ter prova do
terceiro”, achando que ia prejudicar. A gente queria saber o outro tal e tal.
Acho que influencia sim de que conteúdo você vai abordar. Se não vai ficar
em uma coisa. Se você às vezes privar o aluno de algum tipo de
conhecimento você sabe que ele pode ser cobrado ali na frente. Então
avaliação externa não é tão rigorosa. Eu acho que ela procura bem a
questão da habilidade mesmo, mais a questão da competência e ela vai
pegando assuntos de todos os anos, pelo que eu vejo, pelo conhecimento
que eu tenho, ele vai abordando aquilo que para o sistema seria importante
eles conhecerem. Então você em uma prova do terceiro, questões de
primeiro, questões de oitava, questões de segundo, questões de terceiro
também. (Coordenadora Marcela)
Ao comentar as tensões entre as avaliações internas e externas Rafaela vê
nas avaliações externas alguma coisa de positivo, uma vez que permite ao professor
comparar aquilo que está acontecendo com seu aluno e aquilo que a prova está
dizendo. Os resultados das avaliações externas podem motivar reflexões
interessantes, como vemos a seguir:
Quando eles trazem o resultado por aluno para a nossa unidade escolar
aqui é bastante interessante porque as professoras, quando olham ali, elas
conhecem o aluno. Se existe algum tipo de qualidade que pode realmente,
efetivamente estar melhorando, é o professor dentro da sala de aula,
ninguém mais faz isso. Então quando ela olha o aluno dela, que ele foi mal
na Prova São Paulo, mas ele é um aluno que trabalha e que produz, eu falo
para elas “olha, procure refletir, de repente a criança não se sentiu bem,
ficou pressionada, pá pá pá, então não tem…” E ela acaba refletindo o que
realmente conhece. (Coordenadora Rafaela)
Ainda comentando as tensões e convergências entre os dois modelos de
avaliação, referindo-se especificamente às avaliações externas Rafaela afirma que
quanto mais os números se aproximam da escola, do aluno, do professor, mais
qualitativo ele fica, porque, em sua opinião, o número distante não significa nada
para a escola. Reitera em sua fala que as avaliações internas e externas nem
sempre casam, como vemos no trecho a seguir:
As internas e as externas nem sempre casam, e as internas são muito mais
significativas para nós do que as externas. E o que tem acontecido muito é
a questão: claro que as avaliações têm trazido os novos conteúdos para as
escolas. A gente tem pego algumas coisas dali e trazido para cá para
trabalhar. Mas não significa que a gente esteja [falando] “ó, vamos trabalho
isso para melhorar ali, treina um aluno aqui para poder fazer ali”. Não, os
números são sedutores mas a gente procura manter distância. Vai lá,
trabalha, vê o que é legal e o que não é e ponto final. Minha realidade é
aqui, o meu aluno. Rafaela
Vale ainda aqui ressaltar uma questão importante que se pode depreender
das falas das coordenadoras é que quando falam de avaliação externa geralmente
se referem à prova da Cidade e à Prova São Paulo. Uma contradição importante que
aparece nas suas falam quando comparam as avaliações internas e as externas é o
fato das avaliações internas serem elaboradas considerando aquilo que o professor
trabalhou na sala de aula e as externas se pautaram naquilo que era esperado que
fosse trabalhado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação inicial deste trabalho foi verificar as repercussões das
avaliações externas na organização do trabalho escolar, particularmente no que diz
respeito à formação dos professores. Essa situação me levou a identificar três
objetivos que nortearam seu desenvolvimento: situar a discussão sobre avaliação no
contexto educacional brasileiro de modo a evidenciar que ela assumiu funções
sociais consonantes com diferentes períodos históricos; apresentar o cenário
internacional no qual o governo brasileiro assume as avaliações em larga escala
como medida de qualidade; discutir a relação entre avaliação em larga escala e
qualidade de ensino, em especial, na rede municipal de educação de São Paulo.
A realização deste trabalho se deu a partir de um levantamento bibliográfico
sobre a questão da avaliação, tendo como horizonte uma abordagem qualitativa.
Para coleta de dados de campo, recorri a entrevistas semiestruturadas com cinco
coordenadoras pedagógicas que atuam em escolas da região de abrangência da
Diretoria Regional de Educação São Mateus. No desenvolvimento do trabalho,
também foi considerada a minha experiência como Supervisora Escolar.
O desenvolvimento do trabalho mostrou, no entanto, que a avaliação
educacional é um tema bastante complexo e que, embora bastante estudado, ainda
demanda aprofundamento em seu estudo. Saber como as escolas recebem e lidam
com os resultados das avaliações externas é ainda um universo com grandes
mistérios a serem desvendados.
No decorrer do trabalho, percebi que uma das possibilidades de entender as
repercussões das avaliações externas seria entender como as avaliações internas
se relacionam com as externas no cotidiano escolar. Desde meados do século
passado, quando foi mais enfaticamente denunciado o autoritarismo nos diversos
sistemas sociais, há grandes teorias sobre avaliação educacional, com destaque
para aquelas que apontam a escola como seletiva, classificatória e excludente e que
dificultava o progresso dos alunos no sistema, sobretudo dos filhos das classes
trabalhadoras. Desde então, os processos avaliativos passaram a ser fortemente
criticados, ao mesmo tempo em que há uma valorização das políticas de avaliação
centradas na facilitação do percurso do aluno no sistema escolar, concretizadas,
sobretudo na adoção dos sistemas de ciclos.
Neste contexto, verifica-se que passa a ser dada maior ênfase nas avaliações
processuais ou diagnósticas e as chamadas avaliações somativas passam a ser
desprestigiadas ou até mesmo combatidas. No entanto, eram nessas avaliações que
os professores acreditavam e diante da dificuldade para realizá-las passou-se a
divulgar a ideia segundo a qual a escola não poderia mais avaliar o aluno. Tal
situação, pelo que foi possível perceber, trouxe consequências bastante negativas
para o sistema educacional brasileiro.
Com o destaque que tem assumido as avaliações externas, verifica-se uma
tendência no sentido de retomada das avaliações internas assumindo inclusive
aspectos da cultura classificatória e excludente que foram combatidos em meados
do século passado. Práticas, que quando aconteciam era de forma discreta, vão
emergindo
sem
constrangimento
e
inclusive
adentrando
nos
programas
educacionais, como é o caso da retenção.
Ao buscar entender a inserção das avaliações externas na organização do
trabalho escolar na rede municipal de São Paulo foi possível fazer inferências que
passo a expor a seguir:
a) as avaliações externas em si não induzem um ensino de melhor qualidade,
embora possa contribuir para isso na medida em que promova a discussão dos
professores sobre suas práticas;
b) na rede pública municipal, a Prova São Paulo e a Prova da Cidade são as
referências mais importantes sobre avaliação externa e as coordenadoras avaliam
como positiva a Prova São Paulo por sua proximidade, com as expectativas de
aprendizagem que orientam seu trabalho e a Prova da Cidade por possibilitar a
discussão sobre a elaboração de itens;
c) embora na maior parte das vezes trabalhada como treinamento para participação
na Prova São Paulo, a Prova da Cidade inaugurou uma tendência de diálogo entre
os professores e as avaliações externas, sobretudo a Prova São Paulo, que teve
desdobramentos positivos na elaboração das provas internas;
d) a Prova da Cidade contribui positivamente com a formação dos professores na
medida em possibilita a discussão dos conteúdos dos itens da própria Prova da
Cidade e, isso permite então entender melhor os itens das outras avaliações, além
de refletir sobre os itens das provas padronizadas internas;
e) o fato de uma parte dos professores não participarem do trabalho coletivo exerce
forte interferência negativa no trabalho escolar, particularmente no encaminhamento
das propostas pedagógicas. Os professores que não participam do horário coletivo,
recebem as informações nas reuniões pedagógicas ou então nas horas atividade
que acontecem em horários espalhados no dia de trabalho. Discutir questões
importantes nestas horas, além de muito trabalhoso para o coordenador, parece
muito improdutivo, porque não acontece em um contexto efetivo de formação;
f) os processos formativos desenvolvidos na escola parecem mais presos à
construção de estratégias para melhorar os resultados do que para o entendimento
do contexto em que as avaliações em larga escala são assumidas como medida de
qualidade. Isso fica evidente na ausência de reflexão crítica sobre os conceitos
chave que organizam a discussão desta questão nos espaços formativos.
Outro aspecto importante apresentado pelas coordenadoras é o valor
atribuído pelos alunos às avaliações internas, pois segundo as coordenadoras
entrevistadas, os alunos tratam com maior seriedade as avaliações internas. Para
elas, isso ocorre pelo fato de que na elaboração das avaliações internas são
consideradas as habilidades e competências trabalhadas em sala, ao contrário das
avaliações externas. Contudo, levando em conta a experiência no acompanhamento
das escolas é possível inferir que a maior seriedade com a avaliação interna está
fortemente relacionada com o fato de ser ela que pode atrapalhar a progressão do
aluno no sistema. Tal situação corrobora a ideia inicialmente aventada enquanto
propulsora das análises iniciais, quando esta pesquisa estava na sua fase inicial: a
avaliação ainda é vista pelos alunos como instrumento de exclusão e coação,
colaborando pouco, neste modelo, para seu avanço.
Outra questão que merece ser ressaltada é que avaliações externas são
apontadas, em algumas falas, como um mecanismo de constrangimento do aluno,
na medida em que impõe à criança uma atividade que ela não tem condição de
realizar e do professor que é responsabilizado/culpado por não conseguir resultados
satisfatórios em um contexto que lhe nega as condições adequadas para o
desenvolvimento do seu trabalho.
Vale mencionar também a respeito da redução do currículo para se adequar
às necessidades advindas do processo de participação nas avaliações externas,
discutido por autores como Sousa e Bonamino (2013). Neste sentido, a pesquisa
constata também a existência dessa prática na rede municipal. Os horários de
formação coletivos são voltados ao trabalho com os diferentes gêneros textuais,
visto que as competências leitora e escritora são fortemente cobradas nas
avaliações externas. Essa tendência de redução do currículo para atender as
demandas das avaliações externas leva a crer que há uma tendência de prejuízos
aos alunos, considerando que eles necessitam e têm direito ao aprendizado em
todas as áreas de conhecimento.
Finalmente, a realização da pesquisa revelou-se para mim uma experiência
bastante esclarecedora com relação às práticas escolares principalmente às práticas
avaliativas desenvolvidas no interior das escolas. Neste percurso, posso indicar que
nas escolas que acompanho foi importante para problematizar situações como a
retenção de alunos ao final do Ciclo II, em que junto às equipes gestoras
conseguimos buscar alternativas quanto ao acompanhamento dos alunos em
situação de defasagem com relação às aprendizagens, desencadeando ações de
análise de instrumentos de avaliação, dos critérios utilizados para avaliar, das
intervenções para avanços das aprendizagens e a discussão de motivos que
poderiam interferir no parecer final destes alunos: promoção ou retenção.
Se por um lado, a participação e discussões com as equipes suscitaram, a
meu ver, maior reflexão sobre as práticas avaliativas, por outro, revelou-se também,
movimentos de extrema tensão com os professores quando das reflexões advindas
deste processo como os questionamentos dos planos de trabalho quando
inadequados àqueles com níveis de proficiência abaixo do esperado.
A realização deste trabalho afirma a complexidade do tema estudado e deixa
a clareza de que muita pesquisa ainda precisa ser feita. Definir qualidade ou
encontrar medida de qualidade que seja aceita por todos não parece tarefa fácil
porque a educação, como todos sabemos, não é neutra. A minha esperança é que
esse trabalho possa contribuir com as discussões em que visam melhorar a
qualidade da educação oferecida nos sistemas públicos de ensino.
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ANEXOS
ANEXO 1 - Roteiro de entrevista semiestruturada
1. Há quanto tempo trabalha na Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo?
2. No que concerne à avaliação você considera que melhorou ou piorou?
3. Você recebeu alguma orientação para trabalhar com os resultados das avaliações
em larga escala?
4. De quais avaliações padronizadas a sua escola participa?
5. Os resultados das avaliações externas são trabalhados na escola? Como?
6. Os resultados das avaliações externas são usados ou influenciam a formação dos
professores? De que forma?
7. Que projetos a escola desenvolve com vistas a melhorar o desempenho dos
alunos nestas avaliações?
8. Comente a relação entre as avaliações externas e qualidade da educação.
9. Considere as avaliações externas e internas e indique as tensões e
convergências entre elas.
10. Você gostaria de manifestar quanto a algum aspecto da avaliação que não foi
perguntado?
ANEXO 2 – Entrevistas com Coordenadoras Pedagógicas
Entrevista 1 - Letícia
Há quanto tempo você trabalha na rede municipal de ensino da cidade?
Eu ingressei em 1991 como professora, trabalhei dois anos em sala de aula, depois
eu virei auxiliar de período, que era AD, Assistente de Direção, e aí depois eu virei o
Assistente de Diretor da Escola. E em 1997 assumi como CP.
Você já tem dezesseis anos como CP? Nesse percurso de CP você acha que, com
relação à avaliação, melhorou ou piorou?
Melhorou. Hoje a gente tem acesso a avaliações externas, a sondagem é pautada
no grupo, é definido os objetivos dessa avaliação; tem um enfoque, não fica apenas
no conteúdo por si só como era inicialmente. O professor tratava os conteúdos com
os alunos e dividia quem sabia e quem não sabia, ou quem estava quase
aprendendo. Hoje não, a gente é pautado em outros objetivos, hoje tem finalidades
diferenciadas. Se é uma avaliação para determinar a leitura escrita, se ele é
proficiente em determinado conteúdo ou não.
Quando você começou a trabalhar, ou durante esse período de trabalho com
formação de professores, você recebeu alguma orientação para trabalhar com
resultados das avaliações em larga escala?
Assim que iniciou nós tivemos formação. As avaliações do SAEB pra gente era
novidade, principalmente em relação à régua, que tem as escalas. Então para nós
foi meio complicado inicialmente. Mas depois, com estudo, analisando os
descritores, as questões, as habilidades, fazendo realmente um entendimento
profundo do objetivo da avaliação, para nós ficou mais fácil.
E com relação às avaliações padronizadas, de quais a sua escola participa?
As avaliações externas, nós participamos de todas. Até o ano passado, havia além
da avaliação do SAEB, que é a Prova Brasil e a Provinha Brasil do segundo ano,
nós também realizávamos a Prova São Paulo e fomos, por opção, incluídos em
todas as avaliações da Prova da Cidade. E há também as avaliações internas da
escola, que são as sondagens iniciais.
Que são padronizadas também?
São, nós fazemos a de leitura escrita no Ciclo I. A de leitura, isto é, proficiência e
escritura, no Ciclo II também. E além disso nós temos o Provão, que é bimestral, que
já faz parte das ações da escola. Muitas vezes a gente deixa de fazer a de
dezembro porque tem a avaliação externa que a gente contava como um dos prérequisitos para a avaliação.
Que era qual, essa do fim do ano?
A da Cidade.
E os resultados dessas avaliações externas são trabalhados na escola?
São, nós elencamos os alunos que foram melhor, que tiveram um índice melhor de
aproveitamento. Aqueles que ficaram abaixo da média, fazemos um levantamento,
fazemos uma pesquisa. E também vamos levantando as hipóteses do porquê que
ele foi melhor em uma avaliação e em outra não. Porque a gente também tem como
base a avaliação interna da escola e essas avaliações externas. Então a gente sabe
se o aluno realmente aprendeu ou não, e por que ele não aprendeu, ou ainda, por
que ele foi melhor em uma avaliação e não em outra.
E a partir desse trabalho que vocês fazem, de detecção das dificuldades dos alunos,
aí qual é o próximo passo?
No Ciclo I é bem claro, os professores já sabem quem são os alunos, eles tratam as
dificuldades, desenvolvem estratégias, há o acompanhamento, muitas vezes é de
saúde, ou familiar, a gente encaminha, faz o possível e conversa com os pais. No
Ciclo II o encaminhamento é o mesmo, só que o foco dos professores é
diferenciado. A coordenadora do Ciclo II, que fica o maior tempo com eles, faz um
projeto onde todos os professores de todas as áreas do conhecimento focam
determinado gênero para tentar auxiliarem os alunos em determinado ano o que
apareceu como maior dificuldade. Por exemplo, o que a gente observa é que a
maioria dos alunos, na sétima e oitava série têm dificuldade no texto jornalístico.
Então, no começo do ano, inicialmente após a sondagem que nós fizemos na
escola, a gente percebeu que é essa a maior dificuldade. Então todos os
professores fazem, dentro da sua área de trabalho, focado em uma determinada
parte do gênero, um trabalho e depois há um fechamento. A gente percebeu que
isso melhorou bastante, tanto na escrita, porque eles se apropriaram de como se
faz, sabem as questões do gênero, e conseguem interpretar e refletir em cima deles.
Era uma prática que a gente fazia anteriormente e que a gente continua fazendo.
Com relação aos resultados das avaliações externas, eles são usados ou
influenciam a formação dos professores?
Sim, porque, algumas questões, a gente observa que o professor não trabalha ou
não trata. Então a partir daí a gente mostra para eles que aquelas questões que os
alunos tiveram a maior dificuldade de compreensão ou erraram, deram resposta que
não era correta, e a gente trata em cima disso, trabalha em cima dessas questões.
Então a partir das avaliações externas, vocês conseguem detectar alguma lacuna na
formação do professor e intensificar a formação?
Não só formação, ou aquilo que ele passou muito rápido, uma habilidade que ele
não percebeu ou não desenvolveu, ou um conteúdo que ele está tratando com os
alunos que levasse a essa habilidade.
Aí essa formação dos professores, de que forma que ela é feita?
Bom, o quê que a gente tenta fazer inicialmente? No PEA, que é o Programa
Especial de Ação dos docentes, e aqueles que não fazem parte do PEA a gente
trata todas as reuniões pedagógicas. No Fundamental I tem um dia na semana que
eu fico com o primeiro ano, outro dia no segundo, outro dia no terceiro e outro dia no
quarto. A gente tenta aparar essas questões e passar os informes gerais, porque a
maioria dos professores não faz PEA. Nós temos três grupos de formação mas, não
abrange a todos, não é cem por cento.
Que projetos a escola desenvolve com vistas a melhorar o desempenho dos alunos
nas avaliações?
Projeto que envolve a todos? A gente tem os projetos didáticos, que são aqueles
que começam e terminam bimestralmente. E temos também o projeto da festa
junina, que faz parte das ações da escola e a mostra cultural no final do ano, que
inclusive a gente faz porque é o dia da família na escola e tudo mais. Então esses
projetos são focados, e todos trabalham juntos. Então a gente tenta abranger o
gênero da leitura e da escrita que ele não aprendeu e por aí vai, cada um dentro da
sua área, dividido por ano. Então por ano a gente tem determinados projetos em que
a gente tenta abraçar todo mundo.
Agora eu queria que você fizesse um comentário em relação às avaliações externas
e a qualidade da educação. Como você relacionaria avaliação externa e qualidade
da educação? Se é que existe relação.
Qualidade da educação eu acho que é aquilo que a gente vê que o aluno aprende
que ele tem que se apropriar e que a gente tenta trazer para ele. Isso eu acho
importante, porque é isso vai fazer com que ele goste da escola, fique na escola, se
sinta melhor e mostre realmente que houve uma mudança, que ele aprendeu. A
avaliação externa é interessante por quê? Se a gente trabalha com expectativas e
habilidades, e ela tá focada nisso, a gente pode perceber que em algum momento,
alguma habilidade ou alguma expectativa não foi trabalhada ou não foi tratada da
maneira como deveria. E por ser externa ela foge daquilo que a gente faz na
unidade escolar, porque a interna para gente é o Provão (“para a gente” que eu falo
é enquanto unidade). E a externa vem mostrar para a gente se a gente está
realmente cumprindo as habilidades e expectativas que a gente elencou no plano
inicial e que é geral para todo mundo, porque, como é uma rede, tem que ter uma
unidade. Se ela vai garantir a qualidade ou não, não sei. Acho que o que garante é
isso mesmo, é as ações que a escola faz a partir dos resultados que aparecem
nessas avaliações, sejam elas quais forem.
Considerando as avaliações externas e as internas, indique tensões e
convergências entre elas?
Bom, a tensão que eu percebo é que às vezes na avaliação externa, o aluno faz a
avaliação, dá uma resposta rápida, não pensa sobre ela, não reflete sobre as
questões. E elas são muito bem elaboradas. O que também não garante uma
avaliação total do aluno, porque tem aquele que se esforça, que lê, tenta ver os
descritores com uma atenção maior, e tem aquele que passa o olho e dá qualquer
resposta, isso a gente sabe. Apesar de todo o empenho que a gente tem feito,
porque são questões de múltipla escolha, às vezes o aluno não tem nem a vontade
de fazer, mas gente tem todo um trabalho e já faz parte das ações da escola. Que
que a gente percebe, outro ponto tenso? Que em algumas avaliações a gente não
tem acesso às questões. Então não tem como trabalhar com o aluno. E quando
chega às vezes o ano já foi mas aí gente reinicia com a turma seguinte. E é foco de
estudo, o professor vai entender, o coordenador tem papel importante porque, se a
avaliação é um instrumento pra tentar ver se o aluno aprendeu ou não, vê se ele tá
de acordo com as expectativas da unidade, se ele desenvolveu aquelas habilidades,
o que a gente fez para o aluno realmente desenvolvê-las ou não? Essa é a questão
maior. Outro ponto tenso: às vezes a prova chega e o aluno olha pra ela e fala “mas
de novo?”. Aquele caso do aluno que não sabe ler nem escrever, então fica confuso.
Porque quando é uma avaliação interna, a gente faz uma avaliação diferenciada
para ele. Quando é externa não, é padrão. Então esse é um outro ponto.
Você acha que, nesse ponto, é desgastante para o aluno?
Não, gera um certo conflito. Alguns nem vêm quando eles sabem. Isso para a gente
é um ponto importante porque a gente quer que o aluno participe. E quando é
interna não, ele sabe que tem uma prova diferente para ele, que está dentro daquilo
que foi tratado na sala de aula. Mesmo por necessidades educacionais especiais,
tem sempre alguém que lê para eles, seja uma avaliação interna ou externa. Mas
esse é um ponto de toda avaliação. Agora, o que converge entre elas? A gente
percebe, a gente tenta, enquanto escola, fazer as avaliações pautadas nas mesmas
expectativas de aprendizagem. A gente vê se o aluno realmente aprendeu aquela
habilidade ou não. Isso eu acho importante, porque o professor não perde o foco
também, ele vê que tem uma unidade que é aquilo que ele tem que tratar. Porque a
avaliação é para isso, para a gente ver os avanços, o que não foi feito, aparar as
arestas, tendo sempre foco no aluno e na aprendizagem.
Você já percebeu alguma vez discrepância entre os resultados das externas e das
avaliações internas?
Sim. Alguns alunos, por ser uma avaliação de múltipla escolha acabam acertando
mais, e os professores ficam chateados, falam “olha, aquele aluno acertou mais,
aquele outro menos”. E em contrapartida tem aquele aluno que é cem por cento, que
está sempre ali, preocupado, que leu com atenção e que às vezes erra. Porque as
respostas são muito próximas, a gente sabe disso, uma é assertiva e as outras são
possibilidades. O que a gente percebe é isso. Mas a prova interna vem até auxiliar,
porque o professor sabe realmente até aonde o aluno vai ou não, e esse é um ponto
positivo. Porque, dentro daquelas questões, ele sabendo qual foi a questão que o
aluno acertou mesmo sem ter aquela habilidade pode fazer uma avaliação
diferenciada. Até para auxiliar aquele aluno que ficou nervoso e que não leu com
atenção.
Você gostaria de manifestar quanto a algum aspecto da avaliação que eu não tenha
perguntado e que você entende que seja interessante comentar a respeito?
Não, acho que não, acho que você contemplou tudo.
Entrevista 2 - Angélica
Há quanto tempo você trabalha na rede municipal?
Quinze anos. Agora em outubro faz quinze anos que trabalho na rede, mas como
professora. Como formação faz um ano e meio.
E, no que concerne à avaliação, você considera que melhorou ou piorou?
Eu acredito que melhorou. As avaliações hoje estão em foco, as pessoas estão
estudando mais, então eu acredito que tem melhorado. Tanto a avaliação
institucional, quanto a avaliação dos alunos, eu acho que as pessoas estão se
preocupando em entender esse processo, estão estudando para estar melhorando.
Você acha que atualmente discute-se mais?
Discute-se mais. Acredito que sim porque se discute mais a avaliação. Tem os
teóricos, a gente tem procurado estudar, entender melhor esse processo. Eu acho
que tem melhorado, os professores estão procurando ajustar as suas avaliações
mais à aprendizagem dos alunos.
Você sente isso mesmo em seu percurso como professora?
Sim. Eu acho que antigamente a avaliação era vista mais como uma forma de
classificar mesmo o aluno. Isso acontece ainda bastante, mas já há algumas
pessoas tentando melhorar isso.
Você recebeu alguma orientação para trabalhar com os resultados das avaliações
em larga escala?
Sim, na coordenação a gente tem a supervisão que está sempre acompanhando e
que nos passa a orientação para a gente trabalhar, os teóricos, tem textos que foram
passados também para a gente trabalhar isso. Então a gente recebe sim a
orientação. Tem formação também, que também vai falar da questão da avaliação,
das formações, então a gente recebe a orientação.
De quais avaliações padronizadas a sua escola participa ou participou?
A escola participa da avaliação São Paulo, a avaliação da Cidade e a Prova Brasil.
E ela tem provas que vocês fazem padronizadas para, por exemplo, pro quinto ano,
sexto ano, vocês têm essa prática de fazer provão?
Nós temos a avaliação unificada. É a única forma de avaliação que a gente faz fora
as avaliações individuais dos professores e das áreas curriculares, a gente tem a
avaliação unificada, que a gente vê mais a questão da interpretação, da questão da
leitura e da escrita.
Os resultados das avaliações externas são trabalhados na escola?
Sim. Nós recebemos principalmente da prova Brasil um material que você vai
analisar os dados e conversar com os professores, refletir sobre esses dados, refletir
sobre a escola, quais projetos que tem na escola, então a gente trabalha sim os
resultados.
Só da prova Brasil?
Que vem o material.
Os resultados das avaliações externas são usados ou influenciam a formação dos
professores?
Sim. Durante o horário coletivo, quando vêm os resultados a gente sempre para
analisar e para ver como os alunos estão. Os professores conseguem perceber a
diferença de um ano para outro. A gente já percebeu que os professores que
acompanham os alunos no decorrer das séries têm um desenvolvimento melhor.
Isso a gente acabou analisando e acreditando que é por conta disso. Porque o
professor entende melhor o aluno, já que eles ficam quarenta e cinco minutos com
cada aluno conforme vão passando os anos e eles têm mais esse contato, sabem o
histórico do aluno, eles conseguem entender melhor a aprendizagem, em que
momento que o aluno está, e eles conseguem trabalhar, eu acredito, melhor com a
questão da aprendizagem com esses alunos. Isso foi uma análise que a gente fez a
última vez que a gente parou para ver os dados a gente percebeu isso.
E aí você acha que se deve a esses momentos de formação?
Sim, esses momentos de horário coletivo. Que os professores que não fazem o
horário coletivo e que não fazem PEA, a gente não consegue fazer essa parada
para conversar tão pontual como a gente faz na JEIF.
Você sente que esses professores que não participam do coletivo têm maior
dificuldade ou não?
Sim, eu acredito que eles têm maior dificuldade. Faz muita diferença a hora coletiva
na prática do professor. Até mesmo porque durante o horário coletivo, não é só
formador ou coordenador, mas eles trocam muito entre eles mesmos. Então eu
acredito que auxilia bastante. E os que não têm esse horário acabam não parando
para refletir essas questões.
A prova unificada que vocês fazem aqui, que é uma forma de avaliação da escola,
qual é a periodicidade?
A gente faz duas vezes. Fizemos no finalzinho do primeiro semestre e agora
faremos outra no segundo semestre.
E existe uma discussão na hora de construir?
Sim, coletivamente. A gente para, os professores trazem as ideias, trazem os textos,
a gente lê, tenta antecipar o que o aluno pode ou não pensar com aquele texto e é
discutido aí as questões também. Todo mundo lê as questões. A gente tenta
adequar, porque a avaliação sempre é subjetiva, e é muito difícil sair da
subjetividade. Então dentro da subjetividade a gente tenta deixá-la mais objetiva,
mas é difícil. Mas a gente acaba tentando e, tentando antecipar o que o aluno pode
pensar, então isso a gente faz coletivamente. E depois, na hora de corrigir também é
coletivo.
Que projetos a escola desenvolve com vistas a melhorar o desempenho dos alunos
nas avaliações?
Eu acredito que essa avaliação unificada seja uma forma de pensar isso, de pensar
a avaliação.
O formato dessa prova unificada é parecido com os modelos de Prova Brasil, Prova
da Cidade e as outras provas?
Estamos tentando ajustar. Até então não era, mas já está tendo uma preocupação
de contextualizar essa prova como vem sendo feito agora nas avaliações externas.
Então nós temos as esferas jornalística, literária e a científica. Então, na última vez
que nós fizemos nós tentamos em uma dessas provas - que foi literária, se não me
engano - fazer dessa forma, contextualizar, colocar um texto, uma charge, alguma
coisa que o aluno consiga interpretar, uma tirinha, que ele consiga olhar essa tirinha
e fazer uma interpretação em cima dela. E aí através daquela contextualização que
está ali fazer as outras questões. Mas a gente tentou fazer isso em uma. Nas outras
ainda não. Então a gente está tentando adequar isso.
E que projetos que a escola desenvolve para melhorar o desempenho dos alunos?
Seria...
Seria então a avaliação unificada. E o nosso PEA é a avaliação. Então a gente está
sempre conversando sobre a avaliação. Nossa bibliografia de estudo é em torno da
avaliação. Então o projeto do PEA é um projeto que trabalha isso.
Comente a relação entre as avaliações externas e a qualidade da educação.
Então, é um tema difícil de falar. Eu acredito que as avaliações externas estão
passando por uma mudança também. Porque antigamente era mais como um
vestibular, o que não refletia na qualidade da educação. Agora vem tentando se
mudar isso, e eu acho que vai refletir numa qualidade se os professores também
puderem trabalhar isso e ajustar isso no seu dia-a-dia, na forma como eles estão
ensinando. Usar uma avaliação formativa, que você usa esses dados como uma
fonte de conhecimento do aluno para você conseguir atingir e conseguir promover
uma aprendizagem e uma qualidade melhor. Eu acho que as pessoas vêm tentando
conversar disso, discutir isso. Não era muito discutida a avaliação daquela forma
tradicional, era aquilo e pronto, e usava-se isso só para classificar o aluno. Hoje em
dia, embora isso ainda aconteça muito na escola, a gente tenta conversar e tenta
trabalhar essas concepções dentro da escola, para tentar melhorar isso. E eu acho
que as avaliações externas, embora precisem ser melhoradas - e muito! - em muitos
aspectos, pelo menos está em foco, pelo menos está se discutindo. Já é um grande
passo, se discutir isso.
Considerando as avaliações externas e as internas, indique as tensões e
convergências que você percebe entre elas aqui na escola?
O que eu percebo é que as avaliações internas estão mais de acordo com as
expectativas. Então nós temos as expectativas de aprendizagem, os planejamentos
dos professores e os professores ajustam e adequam as suas avaliações dentro
dessas expectativas que foram trabalhadas. Não há como você avaliar uma coisa
que você não trabalhou. Então eu acho que as avaliações internas acabam
refletindo melhor isso, a aprendizagem do aluno. As externas muitas vezes vêm,
embora elas sejam feitas em cima também de expectativas, mas não tão fiel a isso.
Então muitas vezes você percebe que há uma diferença. Às vezes o professor não
trabalhou aquilo. Ele fala “olha, naquela sala de aula, por conta de diversos aspectos
externos, eu não trabalhei este contexto, eu não trabalhei este conteúdo”, e aí na
avaliação externa ele [o contexto/conteúdo] aparece. Então existe essa divergência.
Já na avaliação interna o professor sabe exatamente o que ele trabalhou. “Não, isso
eu trabalhei com essa sala, então eu vou conseguir fazer uma avaliação disso,
porque eu trabalhei isso com eles”. Agora, tem sala que você não consegue andar
com o conteúdo certinho como em todas as salas, por conta de várias coisas. E aí
vem a avaliação externa e você fala “olha, mas isso eu não trabalhei”.
Você já percebeu, fazendo análise de dados, se o aluno, por exemplo, vai bem na
avaliação externa e ele é mal avaliado aqui ou vice-versa, mal avaliado na externa e
bem avaliado [aqui]? Você já percebeu alguma coisa do tipo?
Não, eu não tenho muita experiência, mas, pelo que as pessoas falam, é que nós
dentro da escola cobramos mais. As avaliações internas, você sabe do que o aluno
é capaz e você acaba cobrando mais, porque você sabe que ele tem mais
capacidade para fazer aquilo, que você trabalhou aquilo. E as avaliações externas
acabam sendo rasas. Eu não consegui fazer essa análise, mas isso na JEIF as
pessoas comentam. “Olha, poxa! o meu aluno consegue fazer isso”. Agora não sei
se de repente na hora da prova, na hora da avaliação os alunos acabam muitas
vezes levando na brincadeira e acabam não levando tão a sério quanto a avaliação
interna, que ele sabe que é o professor que preparou, que não é uma coisa que veio
de fora. Então ele acaba levando mais a sério e a externa ele acaba [falando] “ah!
deixa eu fazer logo para terminar logo e ficar livre”. Porque o adolescente tem isso
também.
Você gostaria de manifestar quanto a algum aspecto da avaliação que não foi
perguntado, você gostaria de acrescentar, que você considera importante?
Acredito que nada. A gente está estudando bastante isso agora. Nós estudamos o
Hadji, a Jussara. Então a gente está estudando os teóricos que falam disso. Mas é
muito difícil ainda trabalhar as concepções dos professores. Tem alguns professores
que entendem esse processo de aprendizagem do aluno de comparar ele com ele
mesmo. Mas tem alguns professores que ainda são resistentes, que eles acham que
cada vez mais você acaba não cobrando do aluno e acaba prejudicando os outros
que querem avançar. Porque você acaba [falando] “Ah!, mas eu tenho que ficar
sempre comparando ele com ele mesmo, e se ele não evolui eu não consigo
avançar com os outros, e eu tenho dificuldade de atender individualmente porque
são muitos alunos, então eu não consigo fazer esse atendimento tão
individualizado”. Então, isso é complicado de trabalhar. Quando você vai com esse
teórico para discutir, e aí alguns professores entendem e outros professores acham
que a gente está culpando os professores, quando na verdade ninguém é culpado
de nada. A gente está discutindo, está conversando e está tentando ajustar, mas
alguns se sentem culpados. “Ah, eu não faço essa avaliação formativa, eu não
consigo. Eu faço a minha avaliação mas eu não consigo parar e ver cada aluno
individualmente para trabalhar”.
E essas dificuldades você acha que se deve a quê?
Acho que o número de alunos que tem na sala é uma coisa que… Os quarenta e
cinco minutos por professor, o conteúdo que ele fica preso, que ele acha que tem
que dar conta. Esses quarenta e cinco minutos que ele fica, já está numa sala e daí
já vai para outra. Acho que são diversos fatores. Até ele entrar na sala, ele sentar,
acalmar os alunos, fazer a chamada, tal, aí ele consegue passar o conteúdo e
consegue conversar um pouco. Claro que ele vai atender individualmente, ele
atende um, dois. Para ele atender esse aluno, só daqui a um mês só daqui a um
mês, dois meses, que ele passa por várias salas, então esse, atendimento individual
que é proposto em uma avaliação formativa é mais difícil. Por exemplo, em
português, você pegar uma redação e corrigir uma produção de aluno, produção de
texto, e corrigir, para um professor que dá aula para oito salas, e corrigir todos e
entregar uma devolutiva individual é difícil. Em uma avaliação formativa você teria
que fazer isso. Ver cada aluno, “olha, esse está com essas dificuldades de coesão,
coerência. Esse não, esse é mais ortográfico. Esse não, é mais isso”. Esse olhar
para cada um deles e fazer essa devolutiva individual é difícil, eu acho.
E depois trabalhar também, porque dentro dessa perspectiva teria que trabalhar
depois de forma individualizada...
Também. Mas é o que eu falei: “pessoal, e se a gente tentar fazer, por exemplo,
você tem um foco, então eu vou ver a questão ortográfica agora”. Então você faz
uma avaliação e você não vai conseguir ver todos os aspectos do texto. Porque
escrever não é fácil nem para a gente. Quanto tempo você demora se você tiver que
escrever um parágrafo. Você para, você lê, você relê e não consegue escrever de
uma forma tranquila. E para o aluno mais ainda. Então é claro que tem muitos
aspectos para serem analisados quando você vê a produção do aluno. E se você
parar e ver um foco, por exemplo. “Vou ver a questão da coerência, se ele tem
início, meio e fim”. E aí você não vê mais nada, vê só isso. Eu acho que talvez seja
um caminho, não sei. “Vou parar e vou ver isso, vou analisar isso, hoje”. Então você
pega essas produções só que, imagina o tempo, você vai ficar ali, sei lá, dois meses
parado vendo isso. E dando devolutivas, e levando para a sala, e trabalhando isso,
trabalhando na lousa, porque não dá para você... Os professores falam, “não é
isso!”. Você acaba trabalhando na lousa, vê mais ou menos o que a maioria errou e
trabalhando na lousa, mas aí tem um aluno ali que é ótimo em coerência e coesão, o
problema dele é outro. E aí, ele fica como? Porque ali naquele momento você está
atendendo a maioria, mas o individual dele você não está conseguindo. Então é
mais isso.
Entrevista 3 - Lúcia
Lúcia, há quanto tempo você trabalha na rede municipal?
Nove anos como professora e como coordenadora só há três.
Há três anos. E, com relação à avaliação, o que você considera que melhorou ou
piorou?
Eu acredito que a concepção de avaliação melhorou na medida em que você vê o
aluno como um todo, que você seleciona expectativas para a aprendizagem e o seu
foco é na aprendizagem dele. Não no que ele não sabe, mas no que ele pode vir a
aprender. No seu desenvolvimento integral, então essa concepção, acho que é uma
coisa que melhorou bastante. E que a avaliação serve para orientar a orientação do
professor e não para punir o aluno. Que ela serve para reorientar, reorganizar,
replanejar. Que ela é um instrumento para o professor avaliar o seu próprio trabalho
também. Que aí o professor vai ver “olha, se a sala inteira foi mal nisso, não é que a
sala inteira é ruim, será que eu não tenho que retomar e explicar de novo, seguir um
novo caminho?”. Então é ela mesmo formativa o trabalho do professor. E como um
instrumento de mediação também. Olha, que o aluno faça essa autoavaliação, que
ele perceba o que aprendeu e o que não aprendeu. Eu acho que essas concepções
foram coisas que fazem parte de todos os documentos municipais e que é um sinal
de melhoria, que não é uma avaliação como uma coisa punitiva, “ó, vou te ferrar no
final do mês”.
Você falou que aparece nos documentos essa concepção. Você percebe mudança
na prática?
De muitos sim. Inclusive na minha [prática]. E de muitos não, porque são práticas
arraigadas, aquela coisa de trazer da história do professor que ele viveu a avaliação
enquanto instrumento de punição e de contenção do grupo, da turma, e que ainda
quer usar. Mas que é um instrumento que não cabe mais e que o aluno não aceita.
Que não adianta utilizar como uma ameaça, mas que você ainda vê no discurso de
alguns professores. Mesmo no instrumento avaliativo, quando o professor me
entrega para eu analisar antes de ser aplicado ao aluno, eu observo algumas
questões que aí têm que ser retomadas: “ó professor, se a gente está trabalhando
uma educação reflexiva, que tipo de questão é essa que está sendo solicitada?”. E
aí o professor tem que pensar de novo naquela questão. Aí tem que ter essa troca,
essa devolutiva, e a gente conversar constantemente sobre essa avaliação. Porque
existem questões que estão enraizadas e que demora para ser transformada.
Você recebeu alguma orientação para trabalhar com os resultados de avaliações de
larga escala?
Então, no ano passado teve uma reunião, acho que foi de pólo, que eles falaram e
deram essa orientação de fazer o que a gente já estava fazendo mesmo, de utilizar
as avaliações em larga escala, observar lá quais são as habilidades em que a escola
não atingiu e que a maioria dos alunos não conseguiram ter um bom desempenho,
para utilizar no planejamento e replanejamento do professor. E também foi
orientação da supervisão a gente analisar, observar, comparar essa avaliação
externa com a interna para saber o que há em comum. Os mesmos alunos tiveram
os mesmos resultados nessas diferentes avaliações? Então a gente teve essa
orientação sim, e a gente procurou fazer.
De quais avaliações padronizadas a sua escola participa ou participou?
Todas. Nós fizemos a São Paulo, a Prova da Cidade, a Prova Brasil e a Provinha
Brasil.
E vocês têm avaliações padronizadas internas?
Sim. É assim: cada ano, eles fazem um planejamento juntos, primeiro ano planejou
no começo do ano juntos, selecionou as expectativas, e aí a gente no final do
semestre, baseado nas expectativas que foram selecionadas para o primeiro
semestre a gente elabora algum instrumento avaliativo contendo aquelas
expectativas, para saber se os alunos atingiram ou não aquelas expectativas
propostas para o semestre. Aí no segundo semestre a gente faz a mesma coisa:
quais foram as expectativas que foram selecionadas para serem trabalhadas no
segundo. Aí seleciona essas expectativas e elabora questões relacionadas a cada
uma delas para poder fazer a avaliação do segundo semestre e verificar. Essas
expectativas foram alcançadas, não foram, o que tem que ser retomado. Então, do
primeiro semestre, quando a gente vê quais foram as que os alunos não alcançaram
e que tinha sido proposto para esse primeiro semestre? Aí a gente tem que retomar
no segundo.
E quem faz os instrumentos?
Os professores. Aí eles elaboram em conjunto e entregam para mim. Primeiro assim:
nós selecionamos as expectativas para o ano inteiro, aí eu peço para eles
delimitarem a do primeiro semestre. Aí a partir dessas expectativas eles têm que
elaborar os instrumentos avaliativos que vão aplicar em todos os primeiros anos e
todos os segundos anos. E aí eles me entregam e eu avalio, e eu leio e dou a
devolutiva para eles do que eu observei, e que poderia ser de cada jeito.
Os resultados das avaliações externas são trabalhados na escola?
Sim. Então, nós fizemos desde o começo do ano, no PEA, a análise das habilidades.
Qual a porcentagem de acertos e erros em cada habilidade. E aí identificamos que
essas habilidades são justamente as expectativas que os alunos teriam que atingir.
Então o que eles têm bom domínio, pouco domínio, o que tem que ser trabalhado.
Então a gente foi identificando e algumas vezes a gente levou até um choque. Por
exemplo, questões de matemática que os alunos do terceiro ano foram mal em
calendário. E ficou todo mundo assim: “Mas essa é uma coisa que é trabalhada
desde o primeiro ano”, mas teve acerto de quinze por cento. Foi uma coisa que
chocou, a gente ficou assim “como pode?”. Algumas coisas surpreenderam, outras
não. Principalmente quando, nos três níveis de competência, quando chega na
competência mais reflexiva, nas habilidades que se remetem a essa competência, a
gente vê que dá um pouquinho de nó. Mas nas competências do esquema
representativo, que é aquela de identificar, de selecionar, geralmente os alunos vão
melhor. E teve algumas dificuldades, a gente vai identificando. Em cada
competência um grupo de habilidades, então os alunos atingiram quais? Não
atingiram quais? Então essas que não foram atingidas têm que ser objeto de
trabalho, de estudo. Como que a gente está trabalhando se está trabalhando, por
exemplo, calendário desde o primeiro ano, menino chega na quarta série, todo
mundo erra, então a gente está errando na maneira como a gente está ensinando.
Então a gente vai procurando sugestão de atividade, de alternativa para trabalhar
esta questão. E aí a gente viu que a questão não era a leitura do calendário, era a
contagem que eles tinham que saber. Se hoje a questão era mais voltada para esta
questão de contar. Eu tenho um compromisso daqui a quinze dias, que dia será? E
aí eles contavam com o dia de hoje, ou não contavam, e aí é que causou o engano
na questão formulada, e não na leitura propriamente dita do calendário.
Então de movimento que vocês fazem com os resultados seria essa readequação…
Curricular. A gente faz a leitura de tudo, eu faço a planilha, os gráficos, e aí a gente
vai analisando cada habilidade. O que foi trabalhado, o que não foi, qual a sugestão
a ser dada para que a criança…
E durante, por exemplo, o semestre ou bimestre, como que você trabalha com os
professores? Você analisa algum instrumento, as práticas didáticas, o que eles
estão trabalhando. Porque uma coisa seria você apresentar o resultado e as
habilidades, e depois o trabalho para avançar. Aí como é esse outro percurso?
Eu visito as salas, aí eu assisto as aulas com periodicidade. Demora, porque como
são muitas turmas, até eu voltar naquela primeira demora um pouco, mas aí eu dou
a devolutiva. Eu olho os cadernos esse dia. Eu olho todos os cadernos de todas as
crianças. Porque senão eu pego um aluno sem selecionar. Então eu observo todos
os cadernos e vejo. Por exemplo, estou trabalhando determinado gênero em
português. Ou tem que ter uma diversidade, então eu olho, o que aparece nesse
caderno? Por exemplo, uma coisa esse ano que eu percebi muito nos cadernos, é
que tinha muita cópia. E aí a gente levantou essa discussão. Todas as quartas
séries estavam trabalhando o gênero fábula. E tinha umas quinze cópias de fábula
no caderno. Falei: “Mas tem o caderno já foi a aprendizagem com fábula. Tem a sala
de leitura que tem uma série de livros. Tem a sala de informática que dá pra
pesquisa fábula. Tem cota de xerox. Tem tantos recursos, para que copiar se eles
têm que produzir?”. E aí eu quis ver as produções deles e tinha só uma produção.
Então a partir disso aí a gente fez movimento: qual a importância de copiar? Como
ele vai adquirir as habilidades, atingir as expectativas relacionadas à construção
desse gênero se ele só copia, ele não constrói o gênero. Se ele não reflete sobre os
elementos constitutivos daquele gênero, ele não faz análise, discussão, ele faz
cópia. E aí na JEIF a gente conversa. Aí a gente junta e conversa. Cada sala que eu
visito e olhos os cadernos eu dou a devolutiva do caderno de português, do de
matemática, do que eu vi na aula, que demora tempo. E as pessoas não gostam, é
fato. Infelizmente, acho que aí está um grande impasse, que aqui não cria um clima
favorável. As pessoas se sentem julgadas, mas estou fazendo o meu trabalho, estou
analisando o trabalho pedagógico, não a pessoa. Mas as pessoas ficam bastante
melindrosas em relação a isso. Mas é o único jeito de acompanhar efetivamente.
Falar a gente fala o que a gente quer. A gente tem que ver como isso está sendo
revertido na prática. Então não adianta eu cobrar no final do mês uma produção de
uma fábula se ele não produziu no decorrer do semestre inteiro. Se ele não fez
essas análises. Aí eu ainda falei: “professora, mas cadê as produções?”. Ela falou:
“ué, mas tem a da sondagem, do começo, agora vou fazer a do final”. Então para
que serve essa sondagem? Porque a sondagem seria: “eu vejo como ele está, eu
vou fazer um trabalho em cima dessas produções textuais, e no final do semestre eu
vou ver o que evoluiu”. Mas se eu só fizesse essa, claro que não evoluiu nada, eu
não fiz nenhum trabalho em cima.
Os resultados das avaliações externas são usados ou influenciam a formação de
professores?
Sim. Porque a gente utiliza esses resultados para pensar no planejamento. Por
exemplo, as habilidades, as competências que foram atingidas ou que não foram,
para ver onde estão as falhas no proceso. Às vezes são coisas bem simples. Por
exemplo, em matemática a gente percebe que o foco fica em operações. E os outros
blocos que estão nas orientações curriculares não são trabalhados. E aí é uma coisa
que fica muito clara quando você pega uma avaliação externa, por exemplo. Que
todo mundo vai mal em tratamento de informação, em grandezas e medidas, porque
o foco estava no... Aí você vê, ó tá vendo? E aí quando você vai ver o caderno você
compara que realmente não apareceu grandezas e medidas em nenhum momento.
Não apareceu espaço e forma. E aí quando você vai avaliar esse item, por exemplo,
em uma avaliação externa, não corresponde.
Que projetos a escola desenvolve com vistas a melhorar o desempenho dos alunos
nas avaliações?
A gente faz a recuperação contínua. Que é aquela que o professor faz em sala de
aula. E tem a recuperação paralela. Só que na contínua, além dos agrupamentos
que a gente pede para os professores pelo menos uma vez por semana - o certo
ideal seria fazer vários agrupamentos todos os dias, mas aí acaba não acontecendo;
então fazerem agrupamentos por proficiência, por nível de aprendizagem. Então a
gente faz esses agrupamentos na sala e trabalha a dificuldade daquele grupo. E
agora a gente está fazendo com todas as salas misturadas. Quem, por exemplo, não
escreve alfabeticamente? Então a gente junta todas as crianças em um grupo e faz
atividades com alfabeto móvel, tudo voltado para a construção do sistema de escrita
alfabético. Aí tem aqueles que já escrevem alfabeticamente mas são os recémalfabéticos, então a gente junta todo mundo do segundo ano em um grupo uma vez
por semana para trabalhar a construção de textos. Aí tem aqueles que já produzem
textos. Hoje só tem desses agrupamentos. Aí junta esses que produzem textos e
identifica, qualifica os erros deles nos textos. Por exemplo, um é questão de
paragrafação, produz o texto inteiro em um parágrafo só, não separa a fala do
narrador do personagem. Então atividades voltadas para aquilo. Então é um dia de
produção de textos, só que cada um estará em um grupo de acordo com seu nível
de dificuldade ou de proficiência. Porque quando a gente pede uma produção na
sala, vai ter aquele que não vai fazer nada porque não sabe escrever. Nesse dia
todo mundo vai produzir, só que cada um em um agrupamento diferente, misturado
com outras crianças juntas.
Você acha que a maior centralidade da questão da avaliação externa tem
contribuído para esse tipo de projeto? Você acha que, por existir isso desencadeou
esse tipo de projeto, ou não?
Não. Por exemplo, esse ano a gente não fez avaliação externa. Mas uma questão
da nossa avaliação interna. A gente quer que os alunos produzam textos e leiam
com fluência. E aí a gente identifica aluno de repente na quarta série que não tá
fazendo isso e que já não acompanha e turma dele. Então a gente forma um
agrupamento para ele evoluir dentro das possibilidades deles. Então, por exemplo,
essa questão da recuperação contínua, o foco nem são as habilidades de avaliação
externa, na verdade é a aquisição da leitura e da escrita mesmo.
Comente a relação das relações externas e qualidade da educação.
Avaliar não exatamente traz a qualidade. O que traz a qualidade é o trabalho
mesmo. A avaliação pode auxiliar, acho que é mais um instrumento, não é o único,
não é o mais importante, mas eu acho que é mais um que pode contribuir para que
você busque melhorias na sua prática, para que busque atingir, fazer com que os
alunos tenham um determinado nível de desempenho ali, ter uma base comum,
mais ou menos. Mas, avaliar não traz a qualidade. O que traz é o trabalho, é a
construção coletiva, cotidiana, tudo o mais. Mas auxilia nessa análise, eu acho.
Auxilia na análise mesmo.
Considerando as avaliações internas e as externas, indique as tensões e
convergências que você percebe entre elas.
As tensões. Por exemplo, nós sabemos que tem vários alunos cada um com seu
ritmo. A avaliação externa não respeita isso. Porque, por exemplo, a gente forma
esses agrupamentos misturando sala, então quem vai conseguir construir com esse
grupo palavras e outras frases. E se ele conseguiu evoluir dentro desse grupo para a
gente já é uma vitória, “olha o menino”. Igual a gente já conseguiu, alguns casos,
uma menina que agora na quarta série começou a ler com esses agrupamentos.
Para a gente é uma grande coisa. Na avaliação externa ela é uma analfabeta. Não
importa o que ela aprendeu dentro das possibilidades dela. Ou nós temos um
grande número de alunos com necessidades especiais, e a gente sabe que eles têm
uma evolução muito grande dentro das sua realidade, das suas potencialidades.
Então tem aquele que aprendeu a usar o banheiro, a conversar, a saber que tem
horário para as coisas, a dividir as coisas, a dar recados. Tem alguns aqui que não
falavam. Hoje está falando, indo no banheiro sozinho, comendo sozinho, tendo uma
determinada autonomia. E a gente avalia isso como muito positivo. Em uma
avaliação externa ele é só um aluno que não sabe nada. Ele é uma falha do sistema,
e na verdade ele não é uma falha, ele tem as potencialidades dele ali, e tem as
limitações também. E dentro das limitações dele, a gente que está cotidianamente
com ele vê que evoluiu sim, e que teve muito progresso e que a escola está
tentando fazer o papel dela na vida desse indivíduo. Mas em uma avaliação externa,
ele é o abaixo do básico. Eu acho que isso aí é uma tensão grande. Agora, a
convergência é assim, por exemplo, a prova da cidade e a São Paulo, elas são
elaboradas baseadas nas expectativas das orientações curriculares municipais. E o
nosso trabalho é elaborado a partir dessas mesmas orientações. Então é um ponto
que converge, eu acho. Se a gente está atingindo aquelas expectativas por outro
olhar. Alguém está elaborando uma prova que não somos nós. Mas aquelas
expectativas para aquele ano, para aquela série a gente vê também. Acho que a
gente consegue ter um olhar: será que a gente está atingindo, não está atingindo,
também.
Você gostaria de manifestar quanto a algum aspecto da avaliação que não foi
perguntado ou que você gostaria de apontar que é importante?
Eu acho que essa questão do progresso individual mesmo. Dessa questão, não só o
aluno que tem uma deficiência, mas às vezes a avaliação é tão vazia de significado.
Você fala “ele é P, ele é S”, ou então “agora volta a ser número”. O que representa
esse sete, o que representa esse quatro dentro de um mundo de coisas. Por isso
que às vezes a avaliação externa você identifica ali todas as habilidades dentro das
competências. Então acho que isso é muito mais claro, você fazer um relatório das
habilidades que foram atingidas que o aluno apresenta que desenvolveu que
apresenta ou que não apresenta, do que um número. Um número é muito vago.
Mesmo a menção, o que é satisfatório para um pode não ser satisfatório para outro.
É tudo tão arbitrário que eu acho que o relatório seria a melhor coisa do mundo.
Difícil.
Entrevista 4 - Marcela
Há quanto tempo você trabalha na rede municipal de ensino?
Eu trabalho desde 1997. São dezesseis anos.
E como coordenadora, você trabalha…
Como coordenadora desde 2010.
No seu trajeto na rede municipal e como formadora, coordenadora pedagógica, você
considera que a avaliação melhorou ou piorou, e em quais aspectos?
Eu acho que a avaliação interna da escola não avançou muito desde que eu entrei
no município até agora eu vejo que ela continua no mesmo. Então dependendo
muito da escola que você vai eles fazem uma prova bimestral para todo mundo. Ou
então não fazem, ou então trabalham. O professor fica muitas vezes livres para estar
trabalhando essa avaliação dentro da escola. Mas em termos de avaliação externa
eu acho que houve um ganho. Porque a avaliação externa, por mais críticas que
possam aparecer em relação a ela, aponta situações importantes que a avaliação
interna não aponta. Quer dizer, ela aponta coisas importantes que envolvem não só
aprendizagem como a escola também, o desenvolvimento, a escola instituição.
Então eu sou totalmente a favor da avaliação externa. Sei que há controvérsias, mas
eu acho que ela é importante sim porque você tem uma rede do tamanho da rede de
São Paulo, da rede municipal de São Paulo, falando só a do município, você não ter
um controle mínimo do que tá acontecendo em termos de avaliação, em termos de
ensino, em termos de currículo que só a avaliação externa vai apontar.
A questão da avaliação externa pode ter contribuído? Você entende que ela
contribui?
Contribui. Contribui porque ela movimenta, ela movimenta a escola, principalmente
quando vem os resultados. No caso da EMEF X, ano passado nós fizemos a Prova
da Cidade, as duas, teve duas provas, e fizemos as Prova São Paulo que é feita, até
o ano passado, todos os anos. Então eu acho que ela aponta coisas importante e
ela movimenta, porque os professores começam a ver às vezes as defasagens, às
vezes que o que ele está aprendendo não está diretamente ligado ao município, isso
tem muito. Aliás nessa questão da aprendizagem no município é uma questão muito
séria. De uma maneira geral e em algumas escolas em especial, que o aluno não
está naquele ano. Em termos de desenvolvimento intelectual e desenvolvimento
escolar, ele não está naquele ano. É um problema sério. A defasagem em relação
ao município. Tem escolas que não, mas tem boa parte que está bem defasada.
Você recebeu alguma orientação para trabalhar com os resultados das avaliações
de larga escala?
Eu já recebi, principalmente na escola que eu trabalhava antes como coordenadora,
que é na DRE X, que a gente buscasse trabalhas as habilidades e competências
pedidas e sugeridas nas avaliações. Porque enquanto eu estava como professora,
essa escola que eu tô falando fui professora oito anos. Quando eu estava lá como
professora, nem a prova da cidade a gente fazia. A escola não optou porque ela era
uma avaliação opcional, então a escola não optou. Daí quando eu entrei na
coordenação, eu e a minha parceira, nós resolvemos combinar com a gestão, toda a
equipe gestora, se a gente não fazia a prova, porque ela é uma avaliação muito bem
elaborada, muito bem feita e que trazia uma oportunidade grande de estudos.
Porque você ficava com a prova ali, ela apontava todos os descritores, o porquê.
Então nós fizemos estudos bem interessantes daquilo ali, então em JEIF ou então
em HI e HA, que a gente combinava de estar trabalhando alguns grupos de
professores que não podiam fazer JEIF, de estar ali trabalhando aquelas habilidades
que estavam sendo pedidas. A gente tinha interesse de aumentar, de melhorar os
números. Os alunos da escola, umas questões óbvias.
Essa foi uma ação que você recebeu da DRE foi em DOT aquela formação de
coordenadores? Vocês tinham ou era geral?
Não, era uma formação de modo geral, nós não tivemos uma orientação específica
para trabalhar as questões da prova. Não, não mesmo.
E a análise de resultados?
A análise de resultados teve sim. Teve uma formação, eu participei de uma
formação que ela usou resultados, questões da Prova da Cidade, mas trabalhando a
questão da prova São Paulo. Só ela ficou muito discreta, no sentido de que a gente
sabia os resultados gerais da prova São Paulo em outra região, mas não sabíamos
que escola, que região, que nada. Nós sabíamos, por exemplo, que matemática
estava pior do que português e aí eles trabalharam algumas questões. Foi um
núcleo de avaliação, veio duas pessoas do grupo de avaliação e orientou os
coordenadores que estavam ali a respeito de alguns pontos, de alguns erros
recorrentes na prova da cidade e, consequentemente, na Prova São Paulo também,
porque elas não eram iguais mas tinham o mesmo objetivo, tinham algumas
semelhanças. O problema é que a gente não fica com a Prova São Paulo. Você
recebe o caderno com as matrizes, a prova, as questões, mas você tem uma outra
questão só, porque eles aproveitam as questões.
Das avaliações padronizadas a sua escola participa ou participava de quais?
De duas, da Prova da Cidade e a Prova São Paulo. E o SAEB, quando tem cada
dois anos, que agora é o que ficou só, que é a Prova Brasil, também, participa mas
já é menos, já é uma prova direcionada para as turmas terminais dos ciclos.
Os resultados das avaliações externas eram trabalhados na escola?
Eram. Olha, ano passado eu entrei na EMEF X em fevereiro. Eu acho que foi 21, 22
de fevereiro, que culminou com o resultado da Prova São Paulo, e esses resultados
já chegaram na escola em gráficos. Então a minha parceira Eliana ajustou, deixou
bonitinho, em lâminas, tudo, para que a gente pudesse mostrar na primeira, não sei
se da reunião pedagógica, não lembro se era…
Aquele ... de organização?
Aquela...
Jornada?
Jornada. Foi a primeira jornada, foi a primeira jornada, que ela foi dois dias, a
primeira até para a organização. Foi na primeira jornada onde a gente apresentou os
resultados. Houve um choque, houve um choque principalmente do pessoal do ciclo
I, porque os resultados foram horríveis. Coisas assim que eu nunca vi. Eu não sei
nem se cabe aqui.
Muito abaixo?
Muito abaixo do básico. Tinha classes que quarta série - não era ainda quarto ano -,
e tinha uns setenta por cento de alunos abaixo do básico em matemática. Sabe,
setenta por cento abaixo do básico é um número muito grande. Português estavam
ruins, estavam, mas era ainda um pouco melhor do que matemática. Tinha números
horríveis. Causou assim um desconforto tão grande no dia dessa reunião com o
grupo das professores de quarto ano, de terceiro, que ficou até desagradável.
Mas a partir daí, revelados os dados e conversados e expostos, qual foi?
Eu acho que houve uma vontade, eu não era responsável pelo ciclo I, eu
acompanhava um pouco que distante, porque eu pegava o horário que eu
trabalhava no período intermediário. Eu era responsável pelo período intermediário
do ciclo II. Mas eu acompanhava as turmas de ciclo I. Uma questão disciplinar, na
questão de material, questões que a gente pudesse resolver a gente estava
acompanhando, atendendo a mãe, o pai, coisas assim. E a gente tinha sim um
grupo envolvido, tinham as professoras novas da escolas que vieram muito
comprometidas agora. Mesmo assim os resultados dos quartos anos ainda, me
parece que nós tínhamos da quarta A até a quarta H. E eu precisei pegar esses
resultados, até porque, no começo do ano, as duas estavam de férias - eu tirei
quinze dias e elas vinte -, e eu precisei fazer alguns relatórios de recuperação
paralela que a DOT-SME pediu e aí eu e a supervisora da unidade um relatório
simples. Então, como era do ciclo I, eu peguei os diários e os relatórios da outra
coordenadora. Ela já tinha saído mas ela era muito organizada. Então o que eu
observei? Tudo isso para dizer o que eu observei, que pelo menos em cada sala
eles tinham cinco a seis alunos não alfabéticos, que foram ainda para a quinta série
alfabéticos daquele jeito ou então não alfabéticos. Então ainda representou um
número grande ainda mesmo com os esforços, mesmo com envolvimento dos
professores, pelo menos de uma boa parte, ainda ficaram alguns. Você vê, que em
uma escola tão grande, cinco alunos multiplicados por seis, sete, dá uma diferença.
Se fosse em uma escola menor, não apareceria tanto.
Você entende que os resultados das avaliações externas eram trabalhados,
apareciam nos planos de trabalho, balizavam o plano de trabalho do professor, as
estratégias?
No plano sempre aparece. No dia-a-dia para bem poucos.
Os resultados das avaliações são usados ou influenciaram a formação dos
professores?
Influenciou.
Como?
Dentro do horário de JEIF ou mesmo dentro das formações de PEA, nós
trabalhamos questões, nós trabalhamos habilidades. Nós fizemos muito uso da
Prova da Cidade para trabalhar isso, porque a Prova da Cidade trazia um caderno,
você sabe, trazia aquele caderno explicativo, tudo, até é interessante. Os
professores gostaram desse trabalho. Porque eles falaram “nossa, eu nunca pensei
que a prova da oitava tivesse difícil!”. Alguns professores que não eram da oitava,
que não eram de língua portuguesa, achavam, eu lembro que eles falaram assim “eu
achava que era mais fácil”. Então, não só por isso, mas de certa maneira, houve
interesse na proximidade das provas, dos professores buscarem questões. Eu fui
procurada porque eu me ofereci, “olha gente, a gente tem umas questões, tal e tal,
se vocês quiserem eu estou aqui”, e várias pessoas procuraram. Então questões da
Prova São Paulo, SARESP, eu tinha uns SARESPs antigos que a gente tinha a
prova toda antes, e tinha também as matrizes do SARESP. Recorte de questões,
essas coisas assim a gente trabalhou, e os alunos e os professores pegaram sim de
certa maneira está trabalhando um pouquinho essa questão da prova objetiva com
eles.
Você acha que contribuiu com a questão da construção dos instrumentos de
avaliação dos professores? Você acha que influencia esse movimento na formação
com relação ao desenvolvimento de bons instrumentos de avaliação de
aprendizagem?
Olha, eu acho que influencia. Mas dentro do meu grupo eu não acho que teve muita
influência na construção, eu acho que houve um movimento que não era feito antes,
porque eles também não faziam a Prova da Cidade sempre. Mas assim, tem lugares
que trabalham bem sim, que a gente sabe de colegas que contribuem sim.
Mas na sua experiência você não percebeu?
Na EMEF X. Na EMEF X eu acho que a gente ainda tem ali quase que um laissezfaire. Não vou dizer que seja só isso, porque na escola que eu trabalhava antes
tinha isso, também tinham aquelas pessoas com resistência aos materiais. Por
exemplo, o Caderno de Apoio. Mesmo que o Caderno de Apoio seja uma prescrição,
mas ele é muito bom. Então a gente tinha pessoas que não gostariam de usar, mas
quando usaram gostaram. Mas, por exemplo, ali na EMEF X eu sabia de gente que
simplesmente não fazia uso. Não era meio um professor perdido do horário que eu
era, mas eu sabia de colegas que não faziam. Por que eu tô dizendo isso? Porque o
Caderno de Apoio está muito ligado com a Prova São Paulo. Ele está muito ligado
para você trabalhar questões. Ele está muito a ver porque, quando, isso é um pouco
da minha pesquisa, eu não pesquisei Caderno de Apoio, mas o Caderno de Apoio
me ajudou depois. A Orientação Curricular ficou no começo muito usada para fazer
planejamento. Agora, o Caderno de Apoio e a Orientação Curricular vieram porque
eles instituíram a Prova São Paulo na mesma época que as Orientações um, dois,
essas coisas assim, que aconteceu. Quer dizer, você não vai poder cobrar das
escolas uma coisa que você não sabe o que é. O que você vai cobrar das escolas
se você não tem um currículo mínimo, básico, não um currículo mini, acho que é
muito um currículo mini, mas um , vamos dizer assim, um currículo meio que padrão,
e que as escolas se baseiem naquilo ali, então eles vão cobrar o que dali? Então
isso estava muito atrelado.
Naquela época, vamos ver se eu entendi bem, ela tinha mais uma função
burocrática do que de prática?
Ela teve uma função burocrática, mas o objetivo não era esse. Mas ela se tornou
isso porque, o que uma depoente minha falou, que ela era de DOT-SME, é que
assim: quando eles foram olhar as questões que os professores estavam
trabalhando, essas coisas, era os algoritmos, sabe o mais do mesmo? Por isso que
eles criaram um material para estar dizendo o que eles queriam. E aí os professores
fizeram esse link, dizendo assim “olha…”. Quando, a partir do Caderno de Apoio, eu
percebi que ele está ligando, que tudo está amarrado, que estão amarradas a
Orientação Curricular e a Prova São Paulo”. Então a avaliação externa ajudou nessa
questão dos conteúdos trabalhados dentro da sala de aula, é a questão didática
dentro da sala de aula. Certeza, e você vê é por causa da Prova São Paulo.
Que projetos a escola desenvolve com vistas a melhorar o desempenho dos alunos
nas avaliações?
Olha, ali na escola eles tinham um projeto de jornal, isso ano passado, mas era um
jornalzinho simplesinho. Nós tivemos um projeto de língua portuguesa que chamava
“A palavra”. Então aí depois o professor de português das quintas trabalhou com
todos os alunos, desde os alfabéticos e não alfabéticos também. E, no fim, na
mostra cultural, fez uma exposição. Então ficou ali a “sala da palavra”, “museu da
palavra”, “casa da palavra”, não lembro direito. Tem até as fotos, tudo, da mostra. E
aí eles trabalharam, fizeram uma decoração com o estilo que eles trabalhavam as
palavras. Nossa, ficou muito bonito, e eu acho que isso foi uma coisa que
movimentou em torno do próprio contexto de trabalho que a gente tinha ali, de
estudos de PEA, de JEIF, e de resultados também, de tipo de aluno.
Comente a relação entre as avaliações externas e a qualidade na educação.
Os resultados da avaliação externa serão um dos indicadores da qualidade visíveis.
Porque a qualidade não é uma coisa que você consegue medir. Há vários conceitos
de qualidade na educação. Há de se ler muito, de se ficar um tempão conversando a
respeito do que é a qualidade. Eu acho que ela traz uma contribuição dentro da
formação continuada do professor, porque ele vai aprendendo naquele material,
mesmo que de maneira simples, mesmo sem curso, uma coisa mais “estudando”
aquilo ali, eu acho que ele vai aprendendo a trabalhar diferente. Por exemplo, você
vai pegar uma sequência didática, você não pode pegar um pedaço da sequência e
passar, sob pena de você piorar a situação dos alunos. Então tem que entender que
uma sequência didática é sequencial mesmo. Então assim, ele já traz uma inovação.
Porque antes a gente estava trabalhando sempre com a questão de projeto, projeto,
projeto. Há quem trabalhava, quem não trabalhava, aquelas coisas assim. Aí depois
não, aí com aquela política passada, eles trabalharam mais com essa questão da
sequência. E pelo que a gente vê a gente está indo para o mesmo caminho. Não é
uma questão política exatamente, é uma questão de tendência. Tendência
pedagógica, tendência mundial mesmo. Que nem a avaliação externa chegou para
ficar. Eu vejo assim: mesmo que a Prova São Paulo saiu, mas eles não tiraram
todas, eles mantiveram a Prova Brasil. Quer dizer, a avaliação externa vem para
ficar, ela é uma tendência mundial, de você ter um controle, principalmente, dos
grandes sistemas, como o sistema estadual de São Paulo. Quer dizer, você tem
uma rede de milhões de alunos. Como é que isso vai ficar assim? Eu estava falando
das tendências mundiais. Isso tudo começou lá com o PISA, afinal de contas, o
PISA era só para alunos com quinze anos, mas começou lá. Olha, muitos países do
mundo, eu não vou dizer que seja a maioria porque eu não tenho esses dados, são
países importantes, Estados Unidos, França, vários países da Europa, trabalham
essa questão da avaliação externa com muita seriedade, eles têm preparo quase
como um vestibular. Você pega os Estados Unidos e alguns lugares, alguns
estados, eles trabalham a avaliação externa, algumas provas, com a seriedade de
um vestibular, tamanha a importância que tem. Então eu acho que o Brasil vai
caminhando para uma tendência mundial e não para uma tendência política. Até
porque isso começou na outra política, a política do Fernando Henrique. Quer dizer,
está além de isso aí. Aí ela contribui sim, porque como é que você vai ter noção,
como que um Estado do tamanho do Brasil vai ter ideia do que está acontecendo no
país? Não dá para sair olhando todas as escolas. Quer dizer, claro que a avaliação
externa não vai trazer tudo, mas como é que fica? Traz dados importantes, com
certeza.
Considerando as avaliações externas e as internas, indique as tensões e
convergências entre elas. O que você observa?
As convergências que a gente vê, a gente vê às vezes alguns professores, ou como
eu, por exemplo, estão bem preocupados com essa questão da avaliação e eu vou
trabalhar, sou professora do estado na ativa. Então eu já trabalhei questões do
SARESP com meus alunos de terceiro ano, preocupada com os resultados deles.
Até eles me pediram assim “professora, não fica muito tempo nisso aí que a gente
vai ter prova do terceiro”, achando que ia prejudicar. A gente queria saber o outro tal
e tal. Acho que influencia sim de que conteúdo você vai abordar. Se não vai ficar em
uma coisa. Se você às vezes privar o aluno de algum tipo de conhecimento você
sabe que ele pode ser cobrado ali na frente. Então avaliação externa não é tão
rigorosa. Eu acho que ela procura bem a questão da habilidade mesmo, mais a
questão da competência e ela vai pegando assuntos de todos os anos, pelo que eu
vejo, pelo conhecimento que eu tenho, ele vai abordando aquilo que para o sistema
seria importante eles conhecerem. Então você em uma prova do terceiro, questões
de primeiro, questões de oitava, questões de segundo, questões de terceiro
também.
Você gostaria de manifestar quanto a algum aspecto da avaliação que não foi
perguntado…
Eu só não concordo muito com alguns usos que às vezes são feitos da avaliação
externa. Eu sou a favor da avaliação externa pelo que eu falei para você. Uma
avaliação interna às vezes não aponta algumas coisas, porque você tem uma
relação com o aluno que não é uma relação de outros setores institucionais da
educação. Você tem uma relação próxima, quer dizer, você está ali. Então, quando
você vai fazer uma avaliação com ele você vai considerar que às vezes aquele
quatro que ele tirou é um dez, para falar dos números. Que aquele quatro que
aquele aluno tirou, aquele cinco, é a mesma coisa que um dez, que você está
olhando aquilo ali. A avaliação externa já não tem esse olhar, porque ele não vai
medir o avanço formativo do aluno. Porque às vezes, a gente vê muito isso na
passagem do ciclo I para o ciclo II. O professor fala assim “puxa vida, me mandam
um aluno que não sabe nada, não sabe fazer isso, não sabe fazer aquilo”. Mas se
você for ver como que as professoras do ciclo I pegaram esse aluno, você vai ver
que ele avançou muito, muitas vezes. Muitas vezes é isso. Ele vem com esse
problema, com aquele, com aquele outro, problemas sociais além do alcance da
escola, outras coisas assim, e que dentro do jeito que ele veio ele avançou, que é
um olhar que a avaliação externa não tem. A avaliação externa tem um olhar
técnico. Então é essa que é a diferença.
Entrevista 5 - Rafaela
Há quanto tempo você trabalha na rede de ensino da cidade de São Paulo?
Eu fiz cinco anos, mas eu fiquei quinze anos na estadual. Sou coordenadora
pedagógica da EMEF.
No que concerne à avaliação, você considera, nesse percurso que você viveu, tanto
como professora quanto como coordenadora pedagógica, você acha que melhorou
ou piorou?
Melhorou e piorou o quê?
A dinâmica, o entendimento. O que você acha que melhorou, o que você acha que
piorou dentro desse percurso?
Eu acho que melhora, melhora, como é que eu vou dizer para você? A gente tem
que ter um trabalho um pouco prolongado para que a as avaliações externas sejam
melhor aceitas na escola. Inicialmente, ela impacta de forma ruim. Então depende
do foco que a gente dá. Se a gente dá um foco de que, “olha, nossa escola está
ruim” sem dar contexto ao que acontece dentro da escola… A gente tem que casar a
avaliação externa com a interna e tentar trabalhar isso. Porque ela está posta. Uma
vez a gente se encontra, ela está aí, ela vem, ela traz um indicador para a gente que
a gente pode estar utilizando. Mas isso é um longo trabalho, porque inicialmente, a
tentativa das escolas, principalmente aquelas que têm um índice ruim, é rejeitar.
Depois, com um bom trabalho, dizendo que é somente um indicador, não
descontextualizando o trabalho do professor em sala de aula, eu acho que ameniza
bastante.
E você acha que essa dinâmica das escolas estarem fazendo as avaliações até,
impostos, porque somos obrigados a aplicar, você acha que melhorou no sentido
das discussões dentro da escola?
Não. Eu acho que elas são impostas. Isso é bem complicado. Primeiro que elas se
voltam muito para a unidade escolar, e eu acho que essas avaliações são feitas para
melhoria de políticas públicas. Então as políticas públicas são pouco mexidas e as
escolas são muito apontadas. Primeiro que tem uma média. Então quando você põe
tudo no caldeirão já complica. Então a minha a escola ser apontada como uma
escola ruim... Porque é um indicador forte, é um indicador que vai para a mídia, é
um indicador que, na rede municipal nem tanto, mas na estadual eles divulgam
muito. Eu fui em uma escola municipal, inclusive a semana passada, que tinha uma
escola do lado da outra. A escola do lado esquerdo tinha o melhor índice possível,
tinha uma faixa lá, e a escola ao lado tinha um índice razoável. Então isso é bem
interessante, uma do lado da outra. Mas quando você tem bons resultados você se
apropria. Quando você tem maus resultados você rejeita.
E você recebeu alguma orientação para trabalhar com os resultados das avaliações
em larga escala?
Olha, com relação às avaliações, elas são muito informativas. Então, “faça isso”,
“faça aquilo”, é tudo muito ditado para a gente. Ditado e reducionista. Eu acho que,
principalmente aqui nesta unidade escolar, a gente tem trabalhado muito com os
resultados dessas avaliações mas não só os resultados. A gente trabalha o
resultado do aluno, mas a gente vê esse aluno na escola e procura avaliar se ele
tem bons resultados internamente, o que foi o que aconteceu aqui. Então a gente faz
uso desse resultado mas não se apropria dele. Só pega ele, faz uso e continua o
nosso trabalho aqui. A gente tem feito também, que eu achei muito legal com as
professoras, é avaliar as questões. Porque quando uma questão tem um alto índice
de erro, algumas coisas estão acontecendo: ou as crianças não se apropriaram de
tal habilidade e competência, ou a questão é realmente mal formulada. Teve uma
questão inclusive que até os professores ficaram em dúvida do que seria. A gente
não fica preso não. Nós não ficamos presos mesmo. Mas, principalmente a gestão,
quando chegam os resultados, há uma expectativa. E se os resultados forem aquém
mexe com a escola assim. A gente tem que estar sempre, a escola tem que estar
sempre um resultado bom diante da rede. Então é mais tranquilo de trabalhar.
Quando o resultado é aquém a gente começa a procurar culpados e isso é muito
ruim. Desconstrói o trabalho da escola.
Mas para trabalhar com os resultados da Prova São Paulo, da Prova Brasil, do IDEB
e tudo mais. Vocês receberam formação? Assim, de DOT?
Não. Nós tivemos no ano passado um curso no final do ano com supervisores de
avaliação, que eu achei bastante interessante, mostrou alguns lados, nós íamos até
continuar esse ano, mas a dinâmica da escola é muito complicada. Então em termos
de orientação, o que veio de SME, um rapaz mas ele mostrou dados, não teve
nenhum tipo de discussão, nem de formação para trabalhar com os resultados não.
Mas para aplicar?
Não, ele veio trazer os resultados, conversar um pouquinho sobre os resultados.
Tem a aplicação também, também tem a orientação. No ano passado não me
lembro de ter tido não. Mas já tive orientação para aplicação. Mas é tudo muito
simples, não é nada assim…
Você acha que ajuda pouco o trabalho com os resultados dentro da escola?
Ah, não, não, não, não. Esse trabalho, primeiro que elas estão postas, o que a gente
disse. Segundo que esse trabalho tem que ser feito de forma muito delicada na
unidade escolar. Eu quero ressaltar que eu trabalho com fund I ciclo I, que é muito
facilitador. O fund II é muito mais difícil. O fato dela ser de, primeiro, língua
portuguesa e matemática, ela aponta. E os professores se sentem mesmo culpados
e os outros já se sentem mais “bom, o problema não é meu”. Porque eu trabalhei
com os resultados da Prova da Cidade e confundi dois, e inicialmente isso foi bem
difícil porque eles se sentem culpados. Então você vai trabalhando, mostrando que
não é por aí. Trabalhei os resultados por sala e nós descobrimos que as salas que
tiveram pior resultado eram as salas que tinham mais dificuldade na unidade escolar
inclusive. Então, uma avaliação externa, o resultado dela só ratifica o que acontece
aqui. Então, é muito dinheiro para estar ajudando na unidade.
De quais avaliações a sua escola participa?
Então, ela adere à Prova da Cidade, ela participa, quando tinha, da Prova São
Paulo, esse ano não teve ainda, não sei se vai ter, a Prova Brasil, a Provinha Brasil
nós tivemos este ano. E vai ter agora em novembro, já tá agendado aí a Provinha
Brasil e o ANA. Então assim, um mundo de avaliação que a gente não entende
muito bem pra quê.
Os resultados das avaliações externas você já falou um pouquinho, mas eu queria
saber um pouco mais. Como que são trabalhados na escola esses resultados?
Eles são trabalhados pontualmente, de forma pontual. Então, chegam os resultados
mas a gente não se atém muito ao resultado. A gente trabalha muito o conteúdo da
avaliação. Porque assim, um número, olha, e é bacana porque aqui é a escola é
uma escola que consegue uns resultados razoáveis. Então assim, põe os números
lá e [fala] “Ó, a escola tá um pouco melhor que a rede”, ponto final. E isso para nós
não quer dizer nada. Quem está aqui talvez fique um pouco mais preocupado como
era a escola que eu trabalhava na rede estadual. Mas numericamente não diz nada
para a gente. Aí a gente vai se debruçar um pouquinho no que se está pedindo.
Qual a competência e habilidade solicitada, só que a gente deixa bem claro, eu na
posição de coordenadora, “pessoal, é a assim, que está sendo pedido nesta
questão, nesta questão e nesta questão, está dentro do nosso planejamento?”.
Porque a gente seleciona as competências e habilidades. Está ou não está, por que
está e por que não está? É necessário ou não é? E não esta questão que a gente
sabe muito bem, “caiu na prova vamos trabalhar, caiu na prova vamos trabalhar”.
Não, aqui a gente desconstrói isso. A gente faz uma análise e ela não chega a
destruir nosso trabalho aqui. Mas eu já vivenciei isso, “vamos correr atrás de
resultado”, já vivenciei.
E aí vocês fazem esses movimentos e quais?
É pontual. É uma vez ao ano mesmo. Chegou os resultados, a gente, porque nem
sempre eles nos deixam ver. Não tem um banco de dados da Prova São Paulo. A
Prova da Cidade tem. Então a gente achou interessante estar lidando com isso, e
são provas bacanas e a gente achou legal. E aquele momento, então a gente se
ocupa, duas semanas e acabou, não mexe mais.
Então os resultados das avaliações externas são usados ou influenciam a formação
dos professores. Você diria que sim?
Não, não, diria que não, não. Porque ela é bem pontual. A gente não se ocupa de
estar o tempo todo preocupado com essa questão de “vamos buscar melhor
resultado”, e eu acho que isso é bem bacana porque eu acho que coordenador,
depende da forma como ele lida com isso, ele trabalha. Então a gente tem muito
claro aqui de que a gente tem um bom trabalho, de que os alunos avançam, os
alunos que têm dificuldade de avançar, a gente tem todo um trabalho organizado,
ele tem dificuldades dentro e fora da unidade, então ninguém se martiriza aqui.
Então pode-se dizer que o trabalho que vocês desenvolve com relação ao avanço
das aprendizagens não está pautado na avaliação externa.
Não e a gente nem quer. Eu não sei, minha posição mesmo. E todo o trabalho que a
gente já fez, a gente tem que tomar muito cuidado porque ela cria mecanismo de
exclusão, e não é o nosso papel, nem na escola, nem na educação. Crianças são
pessoas, elas reagem de forma diferente, então a gente não pode estar priorizando
não.
Então, que projetos a escola desenvolve com vistas a melhorar o desempenho dos
alunos nestas avaliações?
Não, o foco não é esse, apesar de haver, ter aí uma pressão da gestão.
Claramente o foco não é esse?
Não é esse, a gente não se apropria porque eu particularmente tenho bem claro que
assim. Que alunos essas avaliações estão querendo avaliar? Será que são os nosso
alunos? Porque nós não podemos ter avaliação da Finlândia no Brasil. Até que
ponto isto valoriza ou desvaloriza nosso trabalho escolar, então eu tenho muito
cuidado com isso. A gente tem uma bonificação que está diretamente ligada. É
bastante interessante que o pessoal não passe o tempo todo preocupado com isso.
Agora eu não sei se é porque a gente tem resultados razoáveis. Então aqui o
trabalho é bem tranquilo.
Comente a relação entre as avaliações externas e qualidade da educação.
Para mim é completamente midiático. Qualidade de educação é uma coisa super
ampla e a gente não consegue definir. Primeiro, qualidade de educação é bem mais
amplo do que do ensino. Ela é um indicador que pouco contribui com o nosso
trabalho, pouquíssimo. Que na verdade deveria estar contribuindo para a melhoria
das políticas públicas. Então, “olha o professor não trabalha tal habilidade e
competência”. Mas por quê? “Ah, o professor falta demais, no geral”. Mas por quê?
O que nós podemos fazer para atuar nessa situação que é macro? Ela não é
pontual. Então os professores hoje, nós temos aí novecentas mil faltas. Mas por
quê? O que está acontecendo? É muito bacana a proximidade que a gente tem. Na
semana passada, que a gente tem um trabalho desenvolvido aí de leitura e escrita.
Eu disse assim para a professora: “mas os alunos não estão conseguindo ler, eles
não interpretam, eles não refletem”. “Tá”, mas eu não sei como fazer isso, eu achei
muito bacana. “Tá”, o que nós podemos fazer para melhorar isso independente da
avaliação externa ou não? Então a qualidade não tem relação nenhuma [com a
avaliação]. Eu não posso dizer que a minha escola tem mais qualidade de que uma
escola que tem um índice um pouco menor que o meu. Isso para mim é número.
Talvez sirva para eles. Para nós aqui acho que não interfere muito.
Considerando as avaliações internas e as externas, indique tensões e
convergências que você verifique entre elas.
Quando eles trazem o resultado por aluno para a nossa unidade escolar aqui é
bastante interessante porque as professoras, quando olham ali, elas conhecem o
aluno. Se existe algum tipo de qualidade que pode realmente, efetivamente estar
melhorando, é o professor dentro da sala de aula, ninguém mais faz isso. Então
quando ela olha o aluno dela, que ele foi mal na Prova São Paulo, mas ele é um
aluno que trabalha e que produz, eu falo para elas “olha, procure refletir, de repente
a criança não se sentiu bem, ficou pressionada, pá pá pá, então não tem…” E ela
acaba refletindo o que realmente conhece. As crianças que não sabem, que estão lá
na São Paulo, eu não preciso dela para saber que eles não sabem, eles não sabem.
Então são rios de dinheiro porque elas são assim feitas sucessivamente, a Prova
Brasil, a Prova São Paulo, para dizer o que eu já sei: que o meu aluno tem
dificuldade. Como é que eu coloco uma criança - agora a gente falou de
mecanismos de exclusão - que não leu, que é alfabético inicial para fazer uma
avaliação desta? Isto é um grande erro. Ela não avalia, ela não chega. Eu fiz uma
formação com aquela Weisz que é bem interessante. Quanto mais os números se
aproximam da escola, do aluno, do professor, mais qualitativamente ele fica. Porque
ele lá longe não significa nada para a gente. Então, meu aluno foi muito mal na
Prova São Paulo, óbvio! Um aluno que está em processo de alfabetização. Não vai
bem lá, não precisa me dizer isso. Então eu acho que essas avaliações servem para
eles... As internas e as externas nem sempre casam, e as internas são muito mais
significativas para nós do que as externas. E o que tem acontecido muito é a
questão: claro que as avaliações têm trazido os novos conteúdos para as escolas. A
gente tem pego algumas coisas dali e trazido para cá para trabalhar. Mas não
significa que a gente esteja [falando] “ó, vamos trabalho isso para melhorar ali, treina
um aluno aqui para poder fazer ali”. Não, os números são sedutores mas a gente
procura manter distância. Vai lá, trabalha, vê o que é legal e o que não é e ponto
final. Minha realidade é aqui, o meu aluno.
Você ainda percebe a questão da avaliação, você como um instrumento de
exclusão, esse mecanismo está sendo utilizado na escola?
Então, isso é relativo, porque, quando eu fui coordenadora da rede estadual a gente
tinha uma preocupação de pedir para os alunos que não tivessem uma leitura
autônoma não fossem fazer avaliação e aí eu fico refletindo “bom, isto não é um
mecanismo de exclusão ou a própria avaliação exclui o aluno? Como eu posso por
um aluno que está em processo de alfabetização para fazer uma avaliação daquela?
Que papel que esse aluno vai fazer dia-a-dia com essa avaliação?”. Então a própria
avaliação, não sou eu que estou excluindo, a própria avaliação exclui esse aluno.
Agora, é claro que no estado tem um bônus muito alto. Então eu quero um bônus
melhor, então você não faz a prova. Então depende muito do olhar que eu tenho. Eu
tiro você porque você não vai se expor e não consegue ou eu tiro você porque eu
quero um bônus melhor. Pode ser, então vai depender. Por isso que eu digo para
você, a qualidade está dentro da escola. O aluno pode não ter feito a prova mas a
gente vai saber por quê. Ou eu tiro ele para não colocá-lo nessa situação vexatória
ou eu tiro ele porque eu quero um bônus melhor. Bem interessante.
Tem algum aspecto da avaliação que a gente não abordou, que você gostaria de
colocar ou complementar?
A avaliação em si é uma questão muito complicada. Eu estudei muito sobre
avaliação e eu percebo assim: a detentora da avaliação é o avaliador. Então isso a
gente não pode mexer. Eu digo para os professores o seguinte: os livros didáticos,
por exemplo, não são os professores, desde os primeiros anos o livro didático traz o
livro do professor com a resposta. Por quê? Porque é ele que elaborou a questão e
é ele que é o detentor da resposta dessa questão. Então quem avalia é o detentor, e
a gente precisa desconstruir isso um pouco, estar trabalhando um pouquinho com a
autoavaliação, estar se eximindo dessa questão de eu ter o poder de avaliar, e se o
outro não responder aquilo que eu quero ele não conhece nada. E essa questão
agora, da Prova Brasil parece que não vai ter mais avaliação municipal. Então a
gente não sabe se isso é bom ou ruim, porque em nível de Brasil diz cada vez
menos, está cada vez mais distante da realidade. Como que eu vou elaborar uma
política pública para a rede do município de São Paulo com a avaliação da Prova
Brasil. É muito mais distante. A avaliação externa é importante, dá um pouco mais
de transparência ao trabalho, só que eu acho que ela é muito pouco utilizada, ela é
diagnóstica. Aliás, aqui é o país do diagnóstico. A gente faz muito diagnóstico mas a
gente não vai para a ação. Então eu sei que os meus professores têm uma má
formação, mas eu não faço nada para melhorar isso. Então fica bastante
complicado.

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