Filosofia - Curso Positivo

Transcrição

Filosofia - Curso Positivo
FILOSOFIA
COMENTÁRIO DA PROVA DE FILOSOFIA
A prova de filosofia se mostrou abrangente em relação aos conteúdos propostos. Destacamos
algumas pequenas observações nas questões envolvendo o livro X da República de Platão que seguem
abaixo. Enfim, de uma forma geral, a prova foi bem elaborada e valorizou o aluno que voltou seus estudos
para a reflexão e análise filosófica de texto.
Professores de Filosofia do Curso Positivo.
Comentário:
Pergunta esperada e trabalhada com nossos alunos, inclusive lendo o excerto do autor na revisão de
véspera. Parabéns à Federal por ter feito uma opção entre as questões mais importantes e destacadas da
obra. Como afirma o próprio Rousseau : A natureza manda em todo animal, e a besta obedece. O homem
experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre de aquiescer ou de resistir; e é sobretudo na
consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma; porque a física explica o
mecanismo dos sentidos e a formação das ideias; mas, no poder de querer, ou melhor, de escolher, e no
sentimento desse poder, só se encontram atos puramente espirituais, dos quais nada se pode explicar
pelas leis da mecânica. Mas, quando as dificuldades que envolvem todas essas questões deixassem
algum motivo de discutir sobre essa diferença do homem e do animal, há uma outra qualidade muito
específica que os distingue, sobre a qual não pode haver contestação: é a faculdade de se aperfeiçoar, a
qual, com o auxílio das circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e reside, entre nós,
tanto na espécie como no indivíduo, ao passo que um animal é, no fim de alguns meses, o que será toda a
vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro desses mil anos.
Comentário:
Ótima questão, destacando a originalidade do procedimento adotado por Rousseau em relação a outros
pensadores com cujas ideias ele polemiza, como Hobbes e Locke, por exemplo. Para Rousseau, no
estado de natureza, o homem é dotado de “poucas fontes de males” e é a socialização, fruto do
progresso, que desperta os sentimentos em potência que promoverão a degradação dos homens. A
propriedade funda a sociedade civil e estabelece a divisão material entre os homens. O homem natural, a
partir de então, não existia mais.
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Comentário:
Trabalhamos este excerto na nossa revisão de véspera! Rousseau critica seus contemporâneos e
antecessores, destacando o erro cometido por eles ao atribuírem características aos homens naturais que
são próprias dos homens sociais. Rousseau assume uma postura etnográfica precoce – mesmo que
partindo de uma hipótese racional e não de uma pesquisa de campo como os antropólogos dos séculos
XIX e XX – já que exige uma postura culturalmente relativista para compreender o homem natural.
Excelente questão.
Comentário:
Comentário das questões 04 e 05
O primeiro aspecto a ser destacado na questão formulada pelo departamento de filosofia da UFPR é o
erro “primário” na referência à edição da República. A tradução da Martins Fontes não foi feita por Bento
Prado de A. F. Júnior, eminente filósofo brasileiro (falecido em janeiro de 2007), mas por um membro de
sua família. Os créditos da tradução pertencem a Ana Lia Amaral de Almeida Prado, do departamento de
Letras-clássicas da USP. É difícil entender como o autor da questão não olhou os créditos da tradução.
Outro detalhe: a obra de Platão não está dividida em “capítulos”, como sugerem as perguntas 4-5. Pelo
menos desde 1578 o público a conhece por meio da paginação Stephanus e é assim que a tradução da
Martins Fontes publica Platão. As divisões em números romanos no interior do texto são, portanto,
opcionais.
Considerações gerais:
Desde o início do livro X Platão deixa claro que, embora nutra respeito por Homero, neste momento da
República é preciso “acertar as contas” com o poeta e descrever qual é a natureza de sua atividade.
Platão qualifica o poeta como “imitador”. Os “graus” aí são os níveis de representação da realidade. No
primeiro nível, estão as ideias ou Formas (ver República 596a). Quem representa a realidade por meio
das ideias identifica o que é verdadeiro e objetivo no mundo. O segundo “grau” é o das coisas naturais,
que aquelas ideias representam. Lembremos que o mundo grego não está povoado por objetos
tecnológicos, como o nosso. É compreensível que um filósofo nomeie coisas “naturais” enquanto
categoria imediata de objetos, como se não existissem artefatos no mundo. Na verdade é a relação da
cultura grega com os artefatos que Platão quer problematizar. O poeta é um criador de ilusão, um artífice
de coisas não naturais. O objetivo de Platão nessa crítica é destacar que o poeta está a três graus da
verdade porque sua obra se distancia das ideias e também se distancia das coisas representadas. Sua
obra é a produção de uma terceira categoria de coisas. Quando comenta os efeitos dessa arte, em 599a,
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o texto diz: “devemos examinar se esses fulanos, tendo topado com esses imitadores, não perceberam
que entre elas e o real há uma distância de três graus e que criá-las para quem não conhece a verdade é
fácil...” . Como se vê, Platão está preocupado com os efeitos educacionais da produção artística de seu
tempo. Ele nunca propôs, como alguns chegaram a pensar, a “expulsão da poesia”. Sua sugestão, num
texto é que mais propositivo que doutrinário, é que o leitor perceba que a produção dos poetas de seu
tempo é uma produção que interfere na harmonia entre o sujeito e a correta compreensão da realidade.
Dado o papel da cultura homérica na formação do cidadão grego, é compreensível e até louvável que um
filósofo tenha a coragem de destacar os efeitos perversos de uma arte que quer tratar de tudo: deuses,
drama, amor, política, sexo. Ela quer representar modelos sem se comprometer com a verdade e com os
efeitos dessa representação na consciência do indivíduo.
Modelo de resposta proposto:
O imitador se utiliza das coisas sensíveis como modelos para construir sua obra. As coisas sensíveis
como camas, cavalos e paisagens, por exemplo, são cópias das Ideias. As Ideias, segundo Platão,
correspondem ao primeiro grau de verdade. Os objetos sensíveis, uma vez que são cópias das Ideias,
estariam no segundo grau de afastamento da verdade. A imitação, uma vez que é uma cópia de uma
cópia, estaria três graus afastada da verdade.
Comentário:
Considerações gerais:
Não conseguimos apreciar a pertinência dessa questão numa prova feita para ensino médio. Esta
passagem é uma das mais difíceis de toda a obra. Ela tem dado trabalho para os especialistas porque
não há um consenso acerca de como conciliar o tema da imortalidade da alma com o argumento
central da República (a analogia entre a alma e a cidade). É pena que os autores da prova de filosofia
não tenham notado que existem temas muito mais instigantes e apropriados numa prova sobre o livro X. O
tema das “partes da alma”, por exemplo, é fascinante e atual. O tema da “crítica à cultura homérica”
poderia ser explorado novamente com uma questão sobre os efeitos psicológicos da produção artística
na cultura grega. Seria adequado para tematizar a crítica platônica à arte, um tema que costuma ser mal
compreendido devido a leituras rasteiras e comparações equivocadas entre a poesia grega e a arte atual.
Isto posto, vamos à resposta. Primeiro, um contexto geral, depois o que a questão pede.
O problema que Platão discute na passagem citada, em 608c-611a, indica uma mudança de tema no livro
X. Tendo criticado a poesia e mostrado, nos livros anteriores, como deve ser a cidade ideal, agora é o
momento de argumentar a efetiva vantagem da vida filosófica, por outro ponto de vista. A República como
um todo é um longo argumento sobre os benefícios do pensamento, mas dos livros 2 até 9 os argumentos
são exclusivamente “filosóficos”. Platão usa uma série de recursos para mostrar que uma cidade justa é
uma cidade que segue os paradigmas da justiça enquanto “modelo”. Ele se vale de analogias (alma e
cidade), mitos (caverna), matemática (linha divida), divisão de tarefas (alma divida em partes no livro IV),
e muitos outros. Já no livro X há um novo aspecto: argumentar a perfeição da virtude a partir de uma razão
que não afasta as crenças religiosas. Tal é o caso no tema da imortalidade da alma. O argumento de
Platão é o seguinte: se o bem e o mal são “algo”, isto é, se essas ideias possuem um conjunto de
características independentes do que os indivíduos “pensam” sobre elas, então é natural identificar o bem
com o que traz saúde físico-moral e o mal com o que destrói esse ideal. Como cada objeto tem seu mal e
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bem naturais (uma tese que é pressuposta, mas não demonstrada), pode-se dizer que o mal natural da
alma é a injustiça e seu bem natural é a justiça. No entanto, não acontece com a alma o que ocorre com a
corrosão do metal. Ela não é destruída pelos vícios, males, crimes, etc. (cf.. 609c). Platão argumenta: “se
a doença do corpo não cria dentro da alma uma doença da alma, não creiamos jamais que a alma pereceu
sob a ação de um mal estranho a ela” (610a). Essa afirmação está insistindo no seguinte: os atos injustos
e as características maléficas das almas que não seguem a justiça não exercem um efeito sobre a
natureza da alma. Esta permanece o que sempre foi: imortal. Fica evidente aqui um aspecto da filosofia
platônica: o que possui uma natureza (Forma) não pode mudar o núcleo dessa natureza. Se alma é uma
realidade distinta do corpo, com essência própria, ela deverá permanecer para além dos vícios e males
que a existência comporta. Convenhamos que este não está entre os mais bem sucedidos argumentos da
República, mas talvez se deva dar crédito ao fato de Platão esforçar-se por argumentar num terreno que
não é apenas filosófico, mas também religioso. A crença na imortalidade da alma é uma característica da
cultura grega, não é uma invenção de Platão. O que o filósofo tenta fazer é dar-lhe um sentido filosófico
como forma de integrar esse aspecto na reforma geral que a República propõe.
Modelo de resposta proposto:
Platão, a fim de demonstrar que a alma era imortal, primeiro tenta provar que os males do corpo não
afetam a alma, como uma doença que causa a morte do corpo. Na sequência, ele demonstra que as
afecções da alma como os vícios também não são capazes de destruí-la. Ele parte da tese de que
determinado elemento só será destruído por um mal que lhe é inerente, isto é, um mal natural. Como a
alma não tem nenhum mal natural que lhe seja inerente ele concluiu a imortalidade da alma.
Comentário:
Uma pergunta que pode ter embaraçado vários alunos pela sua aparente irrelevância. O livro de
Descartes é autobiográfico e o autor, ao longo dele, explica sua trajetória em busca do conhecimento
verdadeiro, descrevendo desde a sua formação no internato jesuíta de La Fléche até seus sonhos
reveladores na Alemanha. A partir daí, Descartes vai deslindando seu processo de busca racional do
conhecimento, não com a finalidade de “ensinar” aos outros como proceder, mas para revelar como ele
procedeu, compartilhar esse procedimento e ouvir as considerações de que o leu. Como afirma o próprio
autor, na primeira parte de o Discurso do Método: (...) estimaria muito mostrar, neste discurso, quais os
caminhos que segui, e representar nele a minha vida como num quadro, para que cada qual possa
julgá-la e que, informado pelo comentário geral das opiniões emitidas a respeito dela, seja esse um novo
meio de me instruir, que juntarei àqueles de que costumo me utilizar.
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Comentário:
Tema repetido diversas vezes e discutido com os alunos, o dualismo cartesiano afirma a existência da
alma como “substância” completamente distinta de tudo o resto – que é matéria – e cuja função é pensar.
A afirmação de Descartes é o resultado da trajetória empreendida por ele por meio da aplicação do
procedimento da dúvida que suspendeu o juízo de tudo o que pudesse leva-lo ao erro e ao engano. Desta
forma, todas as coisas materiais foram “apagadas” como fonte de conhecimento. A despeito disso, res
cogitans permaneceu, clara e distinta, como algo cuja existência se justifica a partir de si mesma e não
pela presença de qualquer outra coisa.
Comentário:
Belíssima questão proposta pela UFPR! A convicção de Descartes era a de que o conhecimento
verdadeiro de todas as coisas permitiria expandir nossos domínios sobre a natureza até conseguirmos
“vencer a morte”, isto é, alongarmos nossa existência ao máximo possível. Os alunos do Positivo, sem
dúvida, puderam elaborar um texto bem significativo sobre este tema, explorando os diversos exemplos
que trabalhamos em nossas aulas.
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Comentário:
No texto temos a seguinte passagem: “Einstein refere-se por vezes ao Deus de Spinoza, mas em geral
descreve a racionalidade como um mistério e como a terra de uma ‘religiosidade cósmica’. A coisa menos
compreensível do mundo, dizia ele, é que o mundo seja compreensível”. O que Einstein chama aí de
mistério é o pano de fundo da razão, aquilo que está por trás dela e que, portanto, justifica sua existência.
Como cientista Einstein interessa-se pelas leis naturais que ordenam o universo, mas ele não encarna o
cientista clássico que toma tais leis como a realidade objetiva do mundo. Ele sabe que essas leis da razão
são aproximações, que em última instância a estrutura do universo pode não ser totalmente acessível ao
intelecto humano. Essa inacessibilidade é o mistério. Merleau-Ponty caracteriza a consciência
einsteniana dos limites do intelecto como “especulação”. A ciência einsteniana busca entender o mistério
por meio de uma razão especulativa, i.e., uma razão que propõe modelos, que experimenta explicações e
busca constantemente aprimorar seus sistemas. Essa razão “misteriosa” precisa, portanto, do trabalho do
cientista para se tornar compreensível.
Comentário:
As posições de Merleau-Ponty e de Einstein se distinguem em relação ao valor conferido ao poder da
razão.
Para Einstein existe um mundo objetivo independente de nossas percepções e que pode ser conhecido
em si mesmo pela razão — “Acredito num mundo em si, mundo regido por leis que busco apreender…”.
Já Merleau-Ponty questiona este poder racional de explicar o mundo, uma vez que Einstein não
demonstrou como “nossa imagem de mundo”, o simbolismo utilizado pela razão, se relaciona com o
mundo objetivo.
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