1 Transplante Renal e Incompatibilidade ABO uma revisão
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1 Transplante Renal e Incompatibilidade ABO uma revisão
artigo de revisão TRANSPLANTE RENAL E INCOMPATIBILIDADE ABO: uma revisão bibliográfica 1 Ramon Alves Pires* Míria Carvalho Bilac** Rodrigo César Berbel*** Cláudio Lima Souza**** RESUMO A incompatibilidade sanguínea ABO foi considerada uma barreira à realização do transplante renal. No entanto, devido à escassez de doadores, o transplante renal ABO incompatível tem sido explorado como forma alternativa de aumentar o pool de doadores. O desenvolvimento de novos protocolos imunossupressores vem contribuindo para redução dos quadros de rejeição aguda e sucesso desta modalidade de transplante. O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica para avaliar os resultados como sobrevida do paciente e do enxerto, taxa de rejeição, perda e função renal do enxerto entre pacientes ABO incompatíveis e ABO compatíveis submetidos ao transplante renal. Foi feita uma revisão da literatura contemplando estudos publicados entre 2002 e 2012. Foram encontrados 72 artigos e 6 foram selecionados adotando como critério de inclusão artigos que tratavam da comparação de dados com relato de sucesso ou fracasso no transplante além da informação do tipo de protocolo imunossupressor utilizado. Aqueles que avaliaram isoladamente protocolos imunossupressores, técnicas de adsorção de anticorpos e procedimentos cirúrgicos sem análise da correlação com a incompatibilidade sanguínea foram excluídos. A sobrevida do paciente e do enxerto, taxas de rejeição, perda e função renal do enxerto foram semelhantes entre os grupos analisados demonstrando ser viável a realização deste procedimento. Palavras-chave: Transplante Renal. Incompatibilidade ABO. Resultados. 1 * Farmacêutico-Bioquímico do Laboratório Policlínica Vida e Responsável Técnico da Farmácia Popular de Conquista. E-mail: [email protected]. ** Acadêmica do curso de Farmácia da UFBA-CAT. E-mail: [email protected]. *** Especialista em Análises Clínicas-UFBA, especialista em Citologia Clínica-SBCC, professor de Citologia Clínica da Faculdade. Email: [email protected]. ****Professor de Bioquímica Clínica e Hematologia da UFBA-CAT. E-mail: [email protected]. Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Campus Anísio Teixeira C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 5 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza 1 INTRODUÇÃO O O transplante renal é a melhor transplante renal pode ser alternativa de tratamento para a maioria realizado a partir de doador vivo ou dos doador cadáver. O transplante de doador pacientes em estágio final de insuficiência renal, uma vez que, os vivo, resultados do tratamento conferem uma disponibilidade de doadores, apresenta melhoria significativa na qualidade de vida uma menor taxa de rejeição, maior taxa do de paciente e é custo-efetivo além de sobrevida do permitir enxerto maior e tem a (SHRESTHA, 2009). No entanto, a sua vantagem de reestabelecer a função ampla aplicabilidade tem sido limitada renal, a curto e longo prazo (HARIHARAN pela pela et al., 2000; CECKA, 2005). Além disso, que, as escassez rejeição de doadores imunológica, habitualmente o e visto transplante renal é evidências doadores de atuais rim sugerem têm que apresentado realizado a partir de cadáveres e entre evolução renal favorável e sobrevida pacientes ABO compatíveis (ABECASSIS preservada. et al., 2008). associados à doação são hipertensão Os principais riscos Deste modo, cerca de 30-35% dos arterial, proteinúria, redução da TFG (taxa potenciais doadores vivos de rim são de filtração glomerular), aumento da rejeitados creatinina por causa das barreiras sérica, além de imunológicas, tais como incompatibilidade complicações ABO cirúrgico(SIEBELS et al., 2003). ou prova cruzada positiva advindas possíveis do ato (CAPOCASALE et al., 2011). Na tentativa Segundo a Organização Mundial de suprir a demanda crescente por de Saúde (OMS), o transplante renal é o transplante renal, novos métodos para mais realizado no mundo (WHO, 2012). E, expandir o pool de doadores estão sendo de acordo com o Sistema Nacional de explorados. Neste sentido, o transplante Transplantes, em 2011 o Brasil investiu renal ABOi (ABO incompatível) de doador cerca de R$ 1,3 bilhões para realização vivo vem sendo cada vez mais utilizado de (GENBERG et al., 2010). aproximadamente 72% dos transplantes 23.397 transplantes, sendo que de órgãos sólidos foram de rins (BRASIL, 6 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica 2012). Observando assim que o país vem As respostas imunes contra o desenvolvendo um aumento da eficiência enxerto são classificadas em Rejeição no uso dos recursos públicos, avaliando Celular Aguda (RCA), caracterizada por os custos e consequências de diferentes resposta intervenções em termos da qualidade de transplantado mediada por células T vida e do tempo de sobrevivência do Resposta Mediada por Anticorpos (RMA), paciente. desencadeada por anticorpos específicos imune contra o órgão Historicamente, a incompatibilidade contra antígenos do enxerto (CRESPO et ABO foi considerada uma barreira à al., 2001). Enquanto a lesão renal na RCA realização de transplantes e o transplante é causada por um infiltrado de células T entre pacientes ABO incompatíveis era no tecido renal, preferencialmente em contraindicado devido a ocorrência de túbulos, ocasionando a tubulite, a RMA rejeição hiperaguda (SHIN; KIM, 2011). ocorre Atualmente, com a adoção de novos aloantígenos por anticorpos específicos, protocolos com consequente ativação da via clássica imunossupressores e na após reconhecimento de tentativa de diminuir os quadros de do rejeição, o transplante ABO incompatível capilares, têm fibrinóide (SOLEZA et al., 2008; COLVIN sido realizado e apresentando resultados promissores (TOBIAN et al., complemento, levando peritubulares, ou a lesões necrose et al., 1997). 2008). A primeira tentativa de transplante Segundo Thaiss (2009) o sucesso renal ABO incompatível foi relatada em do transplante renal ABO incompatível 1955 por Byung Ha Chung. Todavia, em requer títulos de anticorpos anti-A e anti-B função dos resultados insatisfatórios esta em incompatíveis prática foi abandonada e só em 1987 foi inferiores a 1:8. Takahashi et al. (2007), retomada por Alexandre e colaboradores por sua vez, considera que pacientes com que elevados pré- dessensibilização eficaz para alcançar o transplante e que recuperem altos títulos sucesso no transplante ABO incompatível pós-transplante são mais susceptíveis a (COLVIN et al., 1997). Nos últimos anos, desenvolver quadros de rejeição aguda o Japão tem se destacado na realização mediada por anticorpos. desta modalidade de transplante e, de receptores títulos ABO de anticorpos introduziram um C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 protocolo de 7 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza acordo com Genberg et al. (2010) mais resultados são raros sendo necessário de incentivar novos estudos que contribuam 1.000 transplantes renais ABO incompatível foram realizados. para o aumento do pool de doadores e Os resultados de transplante renal ABO incompatível obtidos no Japão foram redução do tempo de espera para transplante renal. semelhantes aos realizados em pacientes Mesmo o transplante renal sendo ABOc (ABO compatíveis). Este avanço se considerado terapia ideal para pacientes deve ao fato do desenvolvimento de em estágio final de insuficiência renal, a novos protocolos com uso de drogas realização de transplantes renais ABO imunossupressoras incompatível é pouco difundida. Neste como tracolimus, micofenolato de monofetila, rituximab, sentido, prednisolona bibliográfica foi apresentar resultados de além da imunoglobulina o objetivo desta revisão endovenosa. Outros métodos terapêuticos transplantes como imunoadsorção pacientes ABO incompatíveis e ABO antígeno-específica, esplenectomia e uso compatíveis avaliando a sobrevida do de protocolos com múltiplos fármacos paciente e do enxerto, além da rejeição, imunossupressores perda e função renal do enxerto entre os plasmaférese, também têm sido usados (TOBIAN et al., 2008; JEON et al., renais realizados entre grupos. 2010;TYDÉN; KUMLIEN; BERG, 2011). Estudos conduzidos em outros 2 MATERIAL E MÉTODOS países, incluindo pesquisas no Hospital Universitário Karolinska, em Estocolmo na Realizou-se uma busca na Suécia e no Hospital Royal Melbourne na literatura científica disponível através de Austrália, têm relatado que a função do bases de dados nacionais e internacionais enxerto foi preservada tanto em adultos consultados no período de 16 de abril a quanto em diferença ABO crianças, significativa compatíveis (GENBERG havendo 05 de maio de 2012, contemplando entre pacientes estudos publicados entre os anos de 2002 e 2012. As fontes utilizadas foram KUMLIEN; BERG, 2011; FLINT et al., Ciências da Saúde), LILACS (Literatura 2011). Latino-Americana Brasil, 2010; e MEDLINE (Literatura Internacional em 8 al., incompatíveis TYDÉN; No et não no entanto, tais e do Caribe em C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica Ciências da Saúde), IBECS, Biblioteca imunossupressores, técnicas de adsorção Cochrane, SciELO (Scientific Eletronic de anticorpos e procedimentos cirúrgicos Library on-line). Também foi utilizada a aplicáveis em transplantes renais ABO versão em inglês do PubMed (Biblioteca incompatíveis, sem análise da correlação Nacional de Medicina dos Estados Unidos com a incompatibilidade sanguínea. A da América) e documentos de instituições Figura 1 apresenta o fluxograma de governamentais seleção dos estudos. como Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde. 3 RESULTADOS A pesquisa nas bases de dados LILACS, IBECS, Biblioteca Cochrane e Na primeira busca, utilizando-se os SciELO foi realizada a partir do formulário descritores avançado enquanto que no PubMed selecionados 72 estudos. Destes, 12 utilizou-se o “Mesh” como recurso de foram selecionados a partir da leitura dos pesquisa. Os descritores utilizados foram: resumos que preencheram os critérios de “transplantation”, “kidney”,“incompatibility”, inclusão. Um total de 60 estudos foi “ABO” e “outcomes”. Foram utilizados os excluído, pois descreveram isoladamente idiomas inglês, português e espanhol na protocolos imunossupressores, técnicas busca. de Foram incluídos estudos mencionados, adsorção de foram anticorpos e que procedimentos cirúrgicos aplicáveis em compararam dados relatando sucesso ou transplantes renais ABO incompatíveis, fracasso no transplante, como taxa de sem sobrevida do enxerto e do paciente, taxa incompatibilidade sanguínea. abordar correlação com a de rejeição e perda do enxerto e função A partir da leitura completa dos renal (débito urinário, níveis séricos de artigos, três foram excluídos por não estar creatinina, taxa de filtração glomerular) disponíveis, um por se tratar de uma em pacientes submetidos a transplante revisão bibliográfica e dois por não renal demonstrar comparativamente os critérios ABO incompatível e ABO compatível. de inclusão Foram excluídos os estudos que descreveram isoladamente protocolos propostos. Desta forma, apenas seis atenderam aos critérios prédefinidos. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 9 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza Seis estudos de coorte prospectiva Tanabe et al. (2003), observaram maior foram selecionados (TYDÉN; KUMLIEN; sobrevida do enxerto em pacientes ABO BERG, compatíveis em um ano de seguimento 2011;FLINT et al., 2011; KENMOCHI et al., 2008; TAKAHASHI et pós-transplante, al., 2004; TANABE et al., 2003; KAWASE período crítico influencia a sobrevida do et al., 2002). Quatro foram publicados no enxerto em curto período de seguimento Japão (TAKAHASHI, 2001). (KENMOCHI et al., 2008; TAKAHASHI et al., 2004; TANABE et al., demostrando que o Cinco estudos avaliaram a taxa de 2003; KAWASE et al., 2002), um na rejeição Austrália (FLINT et al., 2011) e um na 2011; FLINT et al., 2011; TAKAHASHI et Suécia (TYDÉN; KUMLIEN; BERG, 2011). al., 2004; TANABE et al., 2003; KAWASE O período de seguimento dos pacientes et al., 2002). Três analisaram a perda do foi variável, sendo que dois estudos enxerto (TYDÉN; KUMLIEN; BERG, 2011; fizeram uma avaliação a longo prazo com KENMOCHI et al., 2008; KAWASE et al., mais seguimento 2002). De acordo com os autores, nestes (TAKAHASHI et al., 2004; TANABE et al., estudos não foi observada diferença 2003). significativamente de 9 anos de Como pode ser observado, a maioria dos estudos definiu título de (TYDÉN; KUMLIEN; estatística BERG, entre os grupos de pacientes que transplantados ABO compatível ou incompatível. anticorpo 1:8 como sendo seguro para Flint et al. (2011) e Kenmochi et al. realização do transplante renal ABO (2008) incompatível (TYDÉN; KUMLIEN; BERG, creatinina e a taxa de filtração glomerular 2011; FLINT et al., 2011; KENMOCHI et como parâmetros laboratoriais de escolha al., 2008; TAKAHASHI et al., 2004; para avaliação da função renal. Apenas o TANABE et al., 2003). Todos os estudos estudo conduzido por Tydén, Kumlien e que avaliaram a sobrevida do paciente e Berg (2011) utilizaram a depuração de do enxerto ABO incompatível a longo inulina ou iohexol como marcadores da prazo, consideraram equivalentes aos taxa resultados obtidos com os grupos controle independente ABO compatível (TAKAHASHI et al., laboratoriais 2004; TANABE et al., 2003). No entanto, diferença 10 utilizaram de filtração o nível sérico glomerular, dos utilizados estatisticamente de mas, parâmetros não houve significativa C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica entre os grupos ABO incompatível e ABO manutenção compatível. transplante contribuem de forma eficaz no de baixos títulos pós- processo de acomodação e alojamento do enxerto. Receptores com elevados títulos 4 DISCUSSÃO de anticorpos têm sido considerados 4.1 Títulos transplante de Anticorpos Pré- como pacientes ocorrência Cinco estudos (TYDÉN; KUMLIEN; BERG, 2011; para mediada por anticorpos e perda do enxerto (STEGALL; KENMOCHI et al., 2008; TAKAHASHI et et al. (2005) título de anticorpos superior a al., 2004; TANABE et al., 2003), relataram 1:256 está associado a ocorrência de títulos de anticorpos para a realização de elevadas taxas de rejeição do enxerto. ABO al., rejeição risco DEAN; GLOOR, 2004). E, segundo Gloor renal et alto 2011; transplante FLINT de de incompatível. Títulos entre 1:8 e 1:64 pré-transplante 4.2 Sobrevida do Paciente foram padronizados como sendo seguros à realização do procedimento. Atingir Flint et al. (2011), Kenmochi et al. níveis seguros de anticorpos no pré- (2008), Takahashi et al. (2004) e Tenabe operatório é de fundamental importância. et al. (2003) previam que fatores como No entanto, apesar de existir consenso na alta perda de enxerto devido a rejeição literatura quantos aos títulos seguros de aguda humoral mediada por anticorpos anticorpos pode haver diferença nas levaria a uma piora nos resultados a curto titulações entre laboratórios decorrente da prazo em ABO incopatível comparado utilização com ABO compatível. No entanto os de metodologias distintas (KUMLIEN et al., 2007). Isto reflete a estudos necessidade a sobrevivência foram semelhantes entre metodologia para que sejam obtidos ABO incompatíveis e ABO compatíveis. resultados adequados, independente do Dois estudos (TAKAHASHI et al., 2004; local que seja realizado. TANABE et al., 2003) mostraram taxas de de se padronizar relataram que as taxas de De acordo com Tydén, Kumlien e sobrevida dos pacientes em longo prazo, Berg (2011) a redução dos títulos de enquanto que outros dois reportaram anticorpos pré-transplante e a C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 11 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza taxas a curto prazo (FLINT et al., 2011; imunossupressores KENMOCHI et al., 2008). período previne a ocorrência de rejeição adequados neste aguda e consequentemente aumenta a sobrevida do enxerto. 4.3 Sobrevida do Enxerto Takahashi et al. (2004) demonstraDiferentemente da sobrevida do ram, por sua vez, que a idade do receptor paciente, que parece não sofrer influência está relacionada com melhores resultados a curto e longo prazo, a taxa de sobrevida na taxa de sobrevida e função do enxerto. do O autor aponta que pacientes mais jovens enxerto mostrou-se variável em períodos distintos de seguimento. Quatro tiveram estudos (FLINT et al., 2011; KENMOCHI melhores que receptores maiores de 30 et al., 2008; TAKAHASHI et al., 2004; anos. Ótimos resultados foram obtidos em TANABE et al., 2003) avaliaram a taxa de transplantes sobrevida do enxerto em curto prazo. Os menores de 15 anos. Os mecanismos que reportaram apenas taxas referentes a exatos para o fato de pacientes mais períodos de seguimento entre um e três jovens e crianças responderem melhor anos que adultos pode estar associado a uma não significativa apontaram entre diferença pacientes ABO incompatíveis e ABO compatíveis. tolerância em da pacientes terapia maioria das crianças que são submetidas a transplante renal recebe rins em bom negativos na taxa de sobrevida do enxerto funcionamento de doador vivo, a partir de a longo prazo. Dois estudos com período pais jovens e saudáveis. Além disso, uma de seguimento entre nove e 13 anos vez que a rejeição aguda mediada por demonstraram do anticorpos é uma das principais causas de enxerto ABO-incompatível no primeiro ano perda precoce do enxerto nos receptores pós-transplante. (2001) adultos, pode-se sugerir que o sistema pós- imune pediátrico seja menos propenso a que menor a realizados impactos considera associada significativamente imunossupressora e ao fato de que a A incidência de rejeição aguda está diretamente melhor desfechos sobrevida Takahashi o primeiro ano transplante é o período crítico para rejeição ocorrência (KUMLIEN et al., 2007). de rejeição mediada por mediada por anticorpos anticorpos e a utilização de protocolos 12 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica de 4.4 Taxa de Rejeição drogas imunossupressoras neste período. No estudo conduzido por Tenabe Dentre os estudos que avaliaram a et al. (2003) a taxa de rejeição mediada taxa de rejeição do enxerto apenas o de por anticorpos foi significativamente maior Tydén, Kumlien e Berg (2011) não relatou entre os pacientes ABO incompatíveis (85 episódios por de 141, 60%) em comparação com os 38 ABO compatíveis (377 de 777, 49%) de anticorpos. rejeição Foram mediada acompanhados pacientes pediátricos, sendo 10 ABO durante todo período de seguimento. incompatíveis e 28 ABO compatíveis Os resultados obtidos por Flint et submetidos a protocolo imunossupressor al. utilizando crescente de que o componente crítico de imunoadsorção antígeno- (2011) corroboram específica em vez de troca de plasma um inespecífica para remoção de anticorpos conseguir a anti-A anticorpos anti-ABO e anti-B esplenectomia pela e substituiu a administração de transplante enxerto da ABO redução a evidência incompatível é suficiente de para proteger o rejeição mediada por rituximab para evitar a recuperação de anticorpos nas primeiras semanas pós- anticorpos. Neste estudo, a perda de um transplante. Em seu estudo Flint et al. enxerto ABO-incompatível e dois ABO (2011) relataram a ocorrência de duas compatíveis foram decorrentes da baixa (5,4%) rejeições mediadas por anticorpos adesão e rápida recorrência da doença no grupo ABO incompatível, sendo que renal não estando associados à rejeição em um deles a rejeição se deveu a mediada por anticorpos. anticorpo contra outro sistema sanguíneo, Rejeição aguda mediada por anti-Kell. Ambos os pacientes foram anticorpos ocorre no período crítico de um tratados e obtiveram resolução clínica do a quadro sem ocorrência de perda do três semanas após transplante. Takahashi et al. (2004) relataram que enxerto. 58% dos pacientes ABO incompatíveis De acordo com Kawase et al. apresentaram quadro de rejeição aguda (2002) não houve diferença significativa mediada por anticorpos e que esta foi quanto aos episódios de rejeição aguda mais frequente no período de três meses ou vascular entre os pacientes ABO pós-transplante mesmo com a utilização incompatíveis e ABO compatíveis. Este C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 13 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza tipo de rejeição pode ser mediada por transplante renal entre pacientes ABO linfócitos T ou anticorpos em resposta à incompatíveis. presença do enxerto e a perda do enxerto No estudo conduzido por Kawase decorre da deposição de imunocomplexos et al. (2002), a incidência de maiores sobre a membrana vascular que progride taxas de perda do enxerto podem estar para uma trombose capilar generalizada e associadas com a maior ocorrência de consequente perda do enxerto (MAGIL; rejeição TINCKAM, 2003). pacientes ABO incompatíveis. Como os vascular aguda entre os antígenos do sistema sanguíneo ABO estão 4.5 Perda do Enxerto expressos incluindo em células vários renais, tecidos, endotélio A rejeição aguda mediada por vascular, túbulos contorcidos proximais e anticorpos é a principal causa de perda do distais, a realização de transplantes ABO enxerto no primeiro ano pós-transplante incompatíveis renal. No estudo conduzido por Tydén, humoral o que torna estes pacientes mais Kumlien e Berg (2011) não foi observado susceptíveis nenhum episódio de rejeição e a perda de anticorpos. um enxerto ABO incompatível e dois ABO imunossupressores compatíveis imunoadsorção foram associados à potencializa a rejeição Todavia, a e a resposta mediada por utilização de técnicas de específicas dificuldade de alojamento do enxerto e contribuído rápida recorrência da doença renal. complicações (COLVIN, 2007). para redução tem destas Kenmochi et al. (2008) descre- Takahashi et al. (2004) em seus veram a ocorrência de uma perda de estudos poderam concluir que as taxas de enxerto sobrevivência do enxerto em receptores no grupo ABO incompatível decorrente de rejeição celular aguda de devido à interrupção de tracolimus, o que incompatíveis levou a encefalite grave. Neste caso, a receptores de enxertos ABO compatíveis. perda do enxerto está associada à Apesar de ser considerado radical o interrupção deste imunossupressor não enxerto ABO incompatível acaba sendo havendo diferença significativa na perda muito eficaz para a fase final da doença do enxerto em função da realização do renal. 14 transplante de são rim vivos semelhantes ABO aos C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica 4.6 Parâmetros Laboratoriais e Função do Enxerto 4.7 Protocolo Imunossupressor Estudos desenvolvidos no Japão A concentração sérica de creatinina e a taxa de filtração glomerular são indicadores valiosos de resultados a longo prazo da função renal pós-transplante, enquanto que o clearence de inulina é considerado padrão-ouro, embora pouco utilizado na prática clínica (PRIMEIRO, indicam que aproximadamente 20% dos enxertos perdidos durante o primeiro ano, principalmente devido à rejeição humoral aguda nos primeiros dois meses pós-transplante (TAKAHASHI et al., 2001). Portanto, a imunossupressão inicial para realização de transplantes 2003). Tydén, Kumlien e Berg (2011), Flint et al. (2011) e Kenmochi et al. (2008) avaliaram a função renal do enxerto e não renal ABO incompatíveis deve ser mais rigorosa do que para pacientes ABO compatível de modo a evitar a RMA. Inicialmente encontraram diferença estatisticamente significativa entre incompatíveis e os grupos ABO independentemente ABO compatíveis dos métodos A ocorrência de rejeição mediada por anticorpos e rejeição celular contribui para o desenvolvimento da nefropatia crônica que é considerada como a principal causa de perda do enxerto após primeiro ano pós-transplante semelhantes entre os grupos o que demostra que não parece haver complicações a longo prazo decorrente de incompatibilidade ABO. protocolo e colaboradores utilizava uma terapia medicamentosa de droga-quádrupla à de ciclosporina, azatioprina, esteroides e globulina anti-linfócito. Este protocolo vem sendo modificado e novos fármacos têm sido utilizados em conjunto com técnicas de imunoadsorção plasmaférese e antígeno-específica (SHISHIDO; HASEGAWA, 2005). Os estudos de Takahashi et al. (TAKAHASHI, 2001). Tanto a taxa de rejeição quanto a função do enxerto foram o imunossupressor proposto por Alexandre base utilizados. o foram (2004) e Tenabe et al. (2003) que foram os que mais utilizaram fármacos imunossupressores ao longo do período de acompanhamento. Takahashi et al. (2004) considera imunossupressora que a terapia padrão para C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 15 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza transplante renal é Nos estudos mais recentes, Tydén, constituída combinando um inibidor da Kumlien e Berg (2011), Flint et al. (2011) e calcineurina com um esteroide e um Kenmochi et al. (2008) utilizaram o antimetabólito. micofenolato de minofetila como fármaco No ABO-incompatível estudo por de escolha e adicionaram anticorporpos Takahashi et al. (2004) foram utilizados na monoclonais humanizados, rituximab ou terapia basiliximab (anti-CD 20 e anti-CD 25, de conduzido indução e manutenção ciclosporina ou tracolimus como inibidores respectivamente), da calcineurina. Os esteroides utilizados proliferação foram metilprednisolona ou prednisolona linfócitos ativados. Flint et al. (2011) combinado com azatioprina ou mizorbine descreveram a adoção de um protocolo como imunossupressor antimetabólito. antilinfócito, Globulina desoxiespergualina, e que induzem inibem a apoptose de semelhante para pacientes ABOi e ABOc, com a diferença ciclofosfamida ou outros medicamentos de foram utilizados adicionalmente em alguns tratamento com micofenolato de monofetil pacientes terapia 15 dias antes do transplante, enquanto utilizou-se que os ABOc começaram o tratamento combinados imunossupressora plasmaférese e à imunoadsorção para pacientes ABOi começarem o com 2-3 dias pré-transplante. O autor remoção de anticorpos, e esplenectomia aponta para evitar o aumento de anticorpos pós- significativas entre os pacientes ABOi e transplante. ABOc quanto o aumento dos títulos de Tenabe et al. (2003) utilizaram um que não houve diferenças anticorpos, taxas de rejeição e perda do protocolo semelhante ao de Takahashi et enxerto o al. (2004). Entre 1989 e 1999 foram satisfatórios para o transplante renal ABO utilizadas incompatível globulina antilinfocitária e desoxiespergualina que posteriormente que demonstra com a resultados utilização deste protocolo. foram substituídos por micofenolato de Tydén, Kumlien e Berg (2011) monofetila que inibe a proliferação dos desenvolveram novo protocolo para o linfócitos T e B, diminuindo a produção de transplante células T citotóxicas. Irradiação local Utilizaram antígeno-específico em vez de também foi utilizada até 2001. imunoadsorção 16 renal de ABO-incompatível. troca de plasma C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica inespecífica para remover anticorpos anti- eles se destaca aquele direcionado a A e anti-B e rituximab em vez de rejeição mediada por anticorpos (RMA) esplenectomia para evitar recuperação de sendo esta a principal causa de perda de anticorpos. A maioria dos centros de enxertos renais, pois não é responsiva transplante consideram a esplenectomia aos importante para realização de transplante habituais. Apesar de não estar ancorada renal ABO incompatível bem sucedido. No em ensaios clínicos randomizados e entanto, nota-se que receptores jovens duplos submetidos à esplenectomia são mais imunoglobulina susceptíveis quadros tratamento das rejeições humorais baseia- em se em vários estudos que demonstram adultos sua eficácia, tanto isoladamente como em a infecciosos desenvolver pós-transplante comparação com pacientes agentes cegos, imunossupressores a recomendação humana (IGH) (WAGHORN, 2001). Tydén, Kumlien e associação com Berg (2011) apontaram ainda que todos aumentando significativamente os sobrevida pacientes intercorrências nenhum deles não no apresentaram pós-operatório, apresentou e quaisquer dos de para plasmaférese, enxertos a anticorpos específicos anti-HLA do doador (DSA) que são considerados como causadores episódios de rejeição relacionadas com primários da rejeição humoral aguda. A aumento dos títulos de anticorpos ABO. O combinação de plasmaférese (PL) e IGH, autor aponta que a utilização de rituximab por levar à redução dos DSA e modular a promove a redução dos linfócitos B no resposta imune, oferece a oportunidade sangue, mas no tecido linfático a redução terapêutica para reverter RMA. é 50-75% e este fato pode estar relacionado à ausência de complicações 5 CONCLUSÃO infecciosas. No Brasil, em julho de 2012 é Diante da crescente demanda por lançado pelo Ministério da Saúde a transplante renal, métodos para aumentar Portaria nº 666 a qual aprova o Protocolo a disponibilidade de doadores tornaram- Clínico – se cada vez mais importantes. Neste Imunossupressão no Transplante Renal. sentido, com desenvolvimento de novos Vários são os protocolos citados dentre protocolos e Diretrizes Terapêuticas imunossupressores C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 para 17 Ramon Alves Pires, Míria Carvalho Bilac, Rodrigo César Berbel, Cláudio Lima Souza superar as barreiras imunológicas e Outro fator que contribui para possibilitar a realização de transplantes obtenção renais ABO incompatíveis promoveria transplante renal foi a utilização de maior oferta de doadores vivos para protocolos imunossupressores adequados realização de transplante renal, visto que que irão garantir a redução e manutenção a ABO de baixos títulos de anticorpos pré e pós- representa cerca de 30-35% das recusas transplante. Os principais imunossupres- para esta modalidade de transplante sores utilizados foram o tracolimus, o (CAPOCASALE et al., 2011; GENBERG micofenolato de monofetil, metilprediniso- et al., 2010). lona ou prednisolona, além de rituxmab e incompatibilidade sanguínea Os resultados ora apresentados de bons resultados imunoglobulina intravenosa. Para remo- demonstram que a curto e longo prazo a ção taxa de sobrevida do paciente e do imonoadosção enxerto mostra ser a técnica de escolha. pacientes foram semelhantes entre ABO incompatíveis imuno- modulados ABO compatíveis de anticorpos pré-transplante, a antígeno-específica de- No Brasil o número de doações e sub- transplantes vem aumentando na última metidos a transplantes renais. As taxas de década, mas a realização de transplantes rejeição e perda do enxerto, assim como ABO incompatíveis ainda não é uma função renal do enxerto também foram prática efetiva. Desta forma, as evidências estatisticamente semelhantes entre os apresentadas nesta revisão bibliográfica dois grupos. sobre os resultados do transplante renal renal e no Contudo, o sucesso do transplante ABO ABO incompatível demonstrar a possibilidade da realização depende da incompatível contribuem para redução dos títulos de anticorpos ABO de pré-transplante e da manutenção de procedimento no intuito de enfrentar a baixos títulos pós-transplante para que se crescente discrepância entre a oferta de evite a ocorrência de rejeições celulares e doadores e o aumento de pacientes que mediadas por anticorpos. A maioria dos aguardam por um transplante. estudos que viabilizem este estudos preconiza títulos de anticorpos menores que 1:8 para a realização segura do transplante. 18 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.6, n.2, p.5-21, jul./dez. 2013 Transplante renal e incompatibilidade ABO: uma revisão bibliográfica KIDNEY TRANSPLANTATION AND ABO INCOMPATIBILITY: a literature review ABSTRACT The ABO blood incompatibility was considered an obstacle to the realization of kidney transplantation. However due to the shortage of donor, ABO incompatible kidney transplantation has been explored as an alternative way to increase the number of donor. The development of new immunosuppressive protocols has contributed to reduce the frame of acute rejection and success of this type of transplant. The objective of this study was to conduct a literature review to evaluate the results as patient survival and graft rejection rate, renal function loss and graft among patients ABO incompatible and ABO compatible submitted to kidney transplantation. The literature review cover studies published between 2002 and 2012. In this review was possible to find 72 articles and six were selected by adopting as a criterion for inclusion those who compared data reporting success or failure in transplantation and the use of immunosuppressive protocol associated with ABO incompatible kidney transplantation. Those who evaluated separately immunosuppressive protocols, antibody adsorption techniques and surgical procedures without analysis of the correlation with blood incompatibility were excluded. The survival rate of patient and graft, rejection rates, loss of the graft and kidney functions were similar between the groups demonstrated to be feasible to perform this procedure. 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