Procuradoria da República em Pernambuco

Transcrição

Procuradoria da República em Pernambuco
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO
REPRESENTANTE
REPRESENTADO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
ARQUIVAMENTO
:EDRIANA FÉLIX DE MELO
:HOSPITAL DA RESTAURAÇÃO
:1.26.000.002109/2008-85
:nº 142/2010
PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO
01.
O presente procedimento administrativo foi instaurado nesta
Procuradoria da República a partir de representação verbal da lavra da Srª
EDRIANA FÉLIX DE MELO,
na qual narrou o seguinte:
a) seu companheiro ROMILDO GOMES DA SILVA, após sofrer um
acidente de trabalho, foi encaminhado ao Hospital da Restauração no dia
28.08.2009;
b) conforme laudo médico, encontrava-se com luxação C5-C6,
tetraplégico. Tal quadro evoluiu para insuficiência respiratória e diminuição do
nível de consciência. Foi, então, entubado. Achava-se na enfermaria 510-6,
necessitando urgentemente de um leito de UTI;
c) malgrado estivesse consciente no dia em que hospitalizado,
teve seu estado piorado a partir do dia 04/09/08 graças à demora em proceder à
necessária cirurgia. Desse modo, entrou em coma;
d) solicita que o Ministério Público Federal adote medidas no
sentido de obter o internamento do paciente em um leito de UTI. Além disso,
reclama que seja apurada a responsabilização pela demora em proceder à
intervenção cirúrgica.
02.
Como providência inicial, foi determinado que a Unidade de
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Perícia e Diligências desta procuradoria diligenciasse no nosocômio sobre a
situação do enfermo, inclusive sobre a necessidade de realização de cirurgia e/ou
internamento em UTI. Determinou-se, ainda, fosse oficiado à direção do hospital,
solicitando informações a respeito da situação do paciente (fl. 12v).
03.
Em resposta, assim se pronunciou o diretor do hospital (fl.
21):
“1 – O paciente Romildo Gomes dos Santos não apresentava grau
de Função Medular nos membros inferiores e com marcante redução
dos movimentos nos membros superiores;
2 – A sua cirurgia de fratura cervical serviria apenas para uma fixação,
não tendo quase nenhuma possibilidade de recuperação da função
medular nos membros inferiores;
3 – Geralmente esses paciente por lesão da Medula cervical
apresentam distúrbios respiratórios, que acarretam infecção, sepse e
outras complicações eventualmente letais;
4 – Todavia, do ponto de vista clínico, o que fez o paciente deteriorar
as suas funções nos Membros Superiores e paralisou Centros do Tronco
Cerebral foi uma complicação rara para casos, de etiopatogenia ainda
não bem entendida, chamada de mielopatia subaguda
ascendente, que leva invariavelmente a óbitos, que não tem
Terapêuticas específicas efetivas e muito menos uma opção cirúrgica;
5 – Apenas a fixação da coluna cervical não alteraria, entretanto, a sua
função motora;
6 – Não há evolução de fisioterapia;
7 – Foi considerado de baixa complexidade para ocupar um leito de
UTI;
Lamentavelmente o paciente em lide faleceu na manhã de hoje
(12/09/2008)”.
04.
Neste descortino, foi requisitado do diretor do Hospital da
Restauração a cópia do prontuário médico do paciente (fl. 23). A documentação
foi juntada aos autos, estando hospedada nas folhas 25-70.
05.
Passo seguinte, foi determinado o encaminhamento dos autos
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à Dra. Catarina Magalhães Porto, Analista de Saúde – Medicina, para análise,
máxime para informar se o procedimento adotado pelo Hospital da Restauração
foi o adequado para o tratamento do Sr. Romildo Gomes da Silva (fl. 72).
06.
Do relatório da referida médica, extraem-se os seguintes
excertos:
“1 – Foi detectado entre a admissão do paciente (…) até a avaliação
do neurocirurgião, uma demora de aproximadamente sete horas,
sendo este hiato de tempo crucial para as lesões neurológicas
instáveis. Alguns estudos multicêntricos (NASCIS II) demonstraram
benefícios, ao longo de 1 (um) ano, após o acidente, com o uso de
corticóide (metilprednisolona), nas primeiras 8 (oito) horas após o
trauma raquimedular;
2 – Não há descrição, no prontuário, de um exame neurológico
detalhado, especificando o exame da sensibilidade, exame motor,
índice e nível sensitivo, índice e nível motor (…);
3 – Não há descrição do grau de instabilidade da coluna pelas
radiografias cervicais;
4 – Não há descrição médica, na admissão, da conduta cirúrgica do
paciente, ou que se iria optar por um tratamento conservador –
segundo relato da companheira do mesmo, o médico a informou que o
paciente seria operado de urgência.
Como o paciente chegou com alguma atividade motora nos membros
(deficit motor e parestesia nos membros superiores e inferiores) por
traumatismo raquimedular (TRM), (…) conforme consta no laudo do
exame, o paciente poderia, na ocasião, ter sido submetido a uma
tração crânio cervical, que tem como objetivo reduzir fraturas e
deslocamentos, para prevenir um aumento da injúria medular, com
descompressão do canal medular e raiz nervosa e imobilizar a coluna
cervical, restaurando o alinhamento da mesma, ou uma cirurgia
descompressiva, também para evitar piora da lesão medular e para
fixar a coluna. (...)
5 – Falta de avaliação médica nos dias 29, 30, 31 de agosto e
setembro de 2008. Sem descrição da evolução no prontuário, tratandose de um paciente com grave lesão neurológica; ressaltando-se que no
dia 01/09/2008, foi registrado 01 pico febril, o que não foi avaliado por
nenhum médico, nem solicitado exames.
6 – Nota-se que o paciente foi-se deteriorando do ponto de vista
clínico, pois há relato pelos enfermeiros de 01 pico febril em 01/09/08,
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e urina com pus e sangue em 02/09/08. Na evolução médica do dia
02/09/08 nada consta sobre quadro de infecção urinária – ITU,
agravadas pelo quadro de bexiga neurogênica e cateterismo vesical de
alívio. Porém, os sinais de infecção devem ser monitorados, sendo de
responsabilidade médica solicitar culturas, realizar hemograma e se
necessário, iniciar tratamento com antibiótico, o que só foi começado
tardiamente (…);
7 – Pelo fato do paciente, conforme dados do prontuário, estar com
ITU desde o dia 01/09/08 não pode ser descartada a hipótese
diagnóstica de choque séptico (…);
8 – Na certidão de óbito, consta como causa da morte choque no curso
de tratamento de traumatismo do tronco por instrumento contundente,
não se enquadrando pelas descrições médicas e de enfermagem;
9 – Na realidade em 09 de setembro (…) o paciente Romildo Gomes da
Silva já tinha sinais de morte encefálica, sendo neste momento de
baixa complexidade para ocupar leito de UTI. Anteriormente, na
admissão, era um paciente com provável indicação de UTI ou SemiIntensiva.
07.
E eis a conclusão: o atendimento foi inadequado, seja do
ponto de vista da abordagem neurocirúrgica, seja quanto à condução clínica do
paciente.
08.
Pois bem. Como se viu, aparentemente, foram claudicantes os
procedimentos médicos em relação ao enfermo em questão. Entretanto, ponderese.
09.
Ao Ministério Público Federal não cabe o papel de censor de
trabalhos médicos, desancando ou elogiando os procedimentos perfilhados em
relação a determinado paciente.
10.
Certo, pode suceder que o enfermo venha a ter seu estado
engravescido mercê de intervenções erráticas, ou em virtude de conduta
negligente.
11.
Em tais casos, incogitável que o Ministério Público venha a
manejar ação de indenização, com vista a obter uma reparação em prol dos
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parentes do falecido. Sendo individual e disponível o interesse, força convir que é
dos familiares a legitimidade para ajuizar demanda com esse conteúdo, seja
patrocinada por advogado particular, seja por meio da defensoria pública.
12.
Não é demasia pôr em destaque que, in casu, as supostas
irregularidades teriam sido perpetradas em hospital público estadual, por
servidores (médicos) estaduais. Desse modo, descabe ao Ministério Público
Federal esquadrinhar se houve, ou não, ato de improbidade administrativa (art. 11
da Lei 8.429/92).
13.
Assinale-se, outrossim, que, havendo notícia de conduta
negligente protagonizada por médicos, é do Conselho Regional de Medicina a
incumbência de apurá-la, órgão investido de atribuição para tanto.
14.
Forte nesses motivos, não existindo nada que possa ser feito
no âmbito do Ministério Público Federal, DECIDO ARQUIVAR o presente
procedimento, não sem antes determinar que cópia dos autos (após a juntada
deste despacho) seja encaminhada ao Ministério Público Estadual e ao Conselho
Regional de Medicina para que adotem as providências que entenderem
adequadas.
À revisão (PFDC).
Providências de praxe.
Baixa na distribuição.
Recife, 1º de fevereiro 2010.
EDSON VIRGINIO CAVALCANTE JÚNIOR
procurador da República
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