tx - MP 525 contratação temporária nas universidades

Transcrição

tx - MP 525 contratação temporária nas universidades
Notas preliminares sobre a contratação emergencial
para instalação de novas universidades (Medida
Provisória 525/2011)
Francis Campos Bordas1
A Medida Provisória 525, de 14 de fevereiro de 2011, propôs algumas alterações na
Lei 8745/93, que a sua vez, versa sobre contratação de pessoal por tempo determinado
para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Trata-se, pois
de alteração legislativa sobre algo que deve ser tratado de forma excepcional, ou seja, o
ingresso no serviço público sem concurso público. Da leitura da redação original lei 8745
salta aos olhos uma finalidade central: permitir contratação emergencial e temporária.
Em nosso modesto sentir, a MP 525 extrapola esta idéia central da lei, pois, avança,
no sentido de permitir a contratação temporária para a instalação de novas unidades de
ensino. Relendo a lei 8745/93 já com a redação da MP, teríamos as seguintes novidades2:
•
É criada uma nova modalidade de necessidade temporária de excepcional interesse
público, a saber, a contratação de professores em caráter precário, para a instalação de
novas unidades de ensino.
•
É estendida a possibilidade de contratação de professores substitutos para outros
casos, como a hipótese de vacância do cargo; afastamento ou licença, na forma do
regulamento e nomeação para ocupar cargo de direção de reitor, vice-reitor, pró-reitor e
diretor de campus;
•
Há uma redefinição no percentual máximo de professores substitutos, aumentando de
“10% do total de cargos de docentes da carreira” para “20%, do total de docentes
efetivos em exercício na instituição federal de ensino”.
1
Advogado e assessor jurídico de entidades de servidores públicos federais, integrante do escritório BORDAS
ADVOGADOS ASSOCIADOS, com sede em Porto Alegre,RS , por sua vez, integrante do CNASP Coletivo
Nacional de Advogados de Servidores Públicos.
2
Permito-me não transcrever a íntegra do texto da lei no corpo do texto, mas, por didática, trago-o como anexo.
Estes são, à primeira vista, os aspectos que mais preocupam e que nos conduzem a
uma primeira impressão: o Executivo Federal pretende expandir o ensino, sem preocuparse na mesma medida com a qualidade deste.
Esta assertiva decorre dos seguintes motivos. Primeiro, pela criação de uma nova
categoria de professores no ensino público federal, a saber, o “professor precário”, aquele
que, sem os compromissos e vantagens de uma carreira funcional, ficará encarregado de
instalar uma nova unidade de ensino federal. O segundo aspecto é o aumento do número
de professores substitutos. Antes da MP as universidades dispunham de um limite de 10%
do total de cargos docentes, ou seja, computavam-se neste limite os professores cedidos,
os casos de licença-saúde, mas, sobretudo, não integravam neste cálculo os próprios
professores substitutos, já que estes não ocupam cargo. Note-se que a MP retirou a
expressão “cargo”, ou seja, poderá ocorrer a contratação de substitutos até o limite de 20%
do total de professores em exercício (e nisto se incluem todos os professores, de modo
geral, visitantes, cedidos, estrangeiros, etc). Sem qualquer demérito ao trabalho dos
professores substitutos, é do conhecimento geral de que sua atuação não se equipara
àquela dos colegas efetivos que desempenham a docência a partir da tríade ensinopesquisa-extensão de que trata o artigo 207 da Constituição.
Mas afora estas impressões preliminares, parece-nos que a MP apresenta algumas
inconstitucionalidades. A mais gritante, é permitir que uma universidade seja de plano
constituída a partir de professores contratados em caráter precário, e que, justamente por
conta desta restrição temporal, dificilmente dedicarão seu tempo à pesquisa e à extensão.
Ora, não estamos falando de contratação para substituir um colega nas licenças ou durante
afastamentos para estudos; ao revés, estar-se-á contratando trabalhadores por até dois
anos para montar uma unidade de ensino superior sem observar o artigo 207 da
Constituição, cuja redação é sempre oportuna recordar: As universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O
Constituinte usou o imperativo, ou seja, a Presidenta da República não pode dissociar o
ensino da pesquisa e da extensão, como o faz pela Medida Provisória.
Outro aspecto que não passa despercebido é a dissonância entre esta hipótese de
contratação excepcional e as demais contidas no artigo 2º da Lei 8745/1993. Em geral, uma
contratação excepcional justifica-se para atender casos como situações de calamidade
pública; assistência a emergências em saúde pública; recenseamento; técnicas
especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado,
implementados mediante acordos internacionais; combate a emergências ambientais, etc.
Aqui não há emergência alguma. Há sim, uma falta de planejamento, ou então uma opção
política de criar rapidamente universidades sem qualquer cuidado com o resultado disto –
que, aliás, não é pouco, pois o desempenho (bom ou ruim) destes professores afetará o
resultado deste esforço, ou seja, o aluno. Está sendo criado algo novo, que poderia ser feito
de forma completa, ou seja, já prevendo concursos seletivos. Em última análise, a MP cria
contratação temporária para desenvolvimento de atividades finalísticas, permanentes e
habituais da Universidade.
A contratação temporária se justifica para casos excepcionais e urgentes. E foi
justamente com este entendimento que o Partido dos Trabalhadores ajuizou a Ação Direta
de Inconstitucionalidade 2380, em dezembro de 2000. Naquela ocasião, a Lei 9849/99
alterou alguns dispositivos da lei 8745/93 para permitir a contratação temporária de
servidores para o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), para a atividade de
registro de marcas e patentes. Questionava-se, naquela ocasião, se esta regra não violaria
o artigo 37 da Constituição Federal, que prevê concurso público. O STF deferiu a medida
liminar3 então pleiteada por entender que de fato havia inconstitucionalidade, pelo motivo
bastante simples de que “este dispositivo constitucional não permite que a lei que
estabelecer os casos de contratação temporária admita que figurem entre eles atividades
públicas permanentes que são desempenhadas por servidores públicos devidamente
concursados (artigo 37, II da Carta Magna). “ Mais, adiante, socorrendo-se da lição de
CELSO BASTOS, o relator, Ministro Moreira Alves, conclui: está absolutamente claro que
não mais se pode admitir pessoal por tempo indeterminado, para exercer funções
permanentes, pois o trabalho a ser executado precisa ser, também eventual ou temporário,
além do que a contratação somente se justifica para atender um interesse público qualificado
como excepcional, ou seja, uma situação extremamente importante, que não possa ser
atendida de outra forma.
O caso presente em muito se assemelha àquele analisado pelo STF na ADIN 2380:
qual a urgência extrema em contratar novos professores para uma universidade que está
sendo criada agora com a missão de resolver um problema histórico do país que é o acesso
ao ensino público superior gratuito? As novas Universidades deixariam de ser estruturadas
se obedecida a regra constitucional do concurso? Obviamente que não. Haveria algum
prejuízo irreparável em cumprir a regra constitucional? Claro que não.
A contratação temporária é uma modalidade excepcional porque ela deixa a desejar
em um importante aspecto: não atende ao principio da moralidade, segundo o qual, usando
as palavras de Juarez Freitas, exige que, fundamentada e intersubjetivamente, os atos,
contratos e procedimentos administrativos venham a ser contemplados e controlados à base
da orientação decisiva e substancial que prescreve o dever de a Administração Pública
observar, com pronunciado rigor e a maior objetividade possível, os referenciais valorativos
da Constituição, cumprindo vivificar, exemplarmente, o combate contra toda e qualquer
lesão moral ou imaterial provocada por ações públicas não-universalizáveis, destituídas de
3
Cabe referir que depois de deferida a liminar, o julgamento final restou prejudicado por conta da revogação
daquele dispositivo por lei posterior, dispensando novo julgamento do STF sobre lei que não mais existia.
probidade e de honradez. (...) Com efeito, o objeto das relações de administração nada mais
há de ser do que a realização otimizada dos princípios constitucionais, de sorte a permitir
que o vínculo jurídico se aperfeiçoe pelo plexo dos liames volitivos com a vontade, por assim
dizer, pública.”4
Neste raciocínio deve o Governo Federal promover uma seleção pública, com
igualdade de condições de participação a todos os candidatos, para abastecer estas
universidades com os melhores professores, já ingressos com uma carreira pela frente, com
motivação, com representação sindical e demais vantagens funcionais.
Portanto, parece-nos questionável a constitucionalidade da MP 525, especialmente
do inciso X criado no artigo 2º da redação original da Lei 8745/93.
Ao tempo que concluo esta análise preliminar a MP encontra-se no aguardo de
apreciação no Senado Federal, já tendo sido aprovada na Câmara de Deputados, ao
argumento óbvio de que a sociedade só tem a ganhar com a implantação destas
universidades. Não discordamos da importância da expansão do ensino público, preocupanos, sobretudo, a qualidade deste ensino.
Porto Alegre, junho de 2011.
4 FREITAS. Juarez de. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 3ª Edição. São Paulo:
Malheiros Editores, 2004. p. 53-183.
Anexo
Redação atual e parcial da Lei 8745/93, com as alterações
pela MP 525/2011
(*) estão transcritos apenas os artigos que embasam a presente análise,
destacando-se em vermelho as alterações trazidas pela MP 525.
Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da
Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de
pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei.
Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:
I - assistência a situações de calamidade pública;
II - assistência a emergências em saúde pública;
III - realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE;
IV - admissão de professor substituto e professor visitante;
V - admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;
VI - atividades:
a) especiais nas organizações das Forças Armadas para atender à área industrial ou a encargos
temporários de obras e serviços de engenharia;
b) de identificação e demarcação territorial;
d) finalísticas do Hospital das Forças Armadas;
e) de pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de
informações, sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das
Comunicações - CEPESC;
f) de vigilância e inspeção, relacionadas à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da
Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio
internacional de produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde animal, vegetal
ou humana;
g) desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM e do
Sistema de Proteção da Amazônia - SIPAM.
h) técnicas especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado,
implementados mediante acordos internacionais, desde que haja, em seu desempenho, subordinação
do contratado ao órgão ou entidade pública
i) técnicas especializadas necessárias à implantação de órgãos ou entidades ou de novas
atribuições definidas para organizações existentes ou as decorrentes de aumento transitório no
o
volume de trabalho que não possam ser atendidas mediante a aplicação do art. 74 da Lei n 8.112, de
11 de dezembro de 1990;
j) técnicas especializadas de tecnologia da informação, de comunicação e de revisão de
processos de trabalho, não alcançadas pela alínea i e que não se caracterizem como atividades
permanentes do órgão ou entidade;
l) didático-pedagógicas em escolas de governo; e
m) de assistência à saúde para comunidades indígenas; e
VII - admissão de professor, pesquisador e tecnólogo substitutos para suprir a falta de professor,
pesquisador ou tecnólogo ocupante de cargo efetivo, decorrente de licença para exercer atividade
empresarial relativa à inovação.
VIII - admissão de pesquisador, nacional ou estrangeiro, para projeto de pesquisa com prazo
determinado, em instituição destinada à pesquisa; e
IX - combate a emergências ambientais, na hipótese de declaração, pelo Ministro de Estado do
Meio Ambiente, da existência de emergência ambiental na região específica.
X - admissão de professor para suprir demandas decorrentes da expansão das
instituições federais de ensino, respeitados os limites e as condições fixados em ato conjunto
dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Educação. (Incluído pela Medida
Provisória nº 525, de 2011)
o
§ 1 A contratação de professor substituto de que trata o inciso IV do caput poderá
ocorrer para suprir a falta de professor efetivo em razão de: (Redação dada pela Medida
Provisória nº 525, de 2011)
I - vacância do cargo; (Incluído pela Medida Provisória nº 525, de 2011)
II - afastamento ou licença, na forma do regulamento; ou
Provisória nº 525, de 2011)
(Incluído pela Medida
III - nomeação para ocupar cargo de direção de reitor, vice-reitor, pró-reitor e diretor
de campus. (Incluído pela Medida Provisória nº 525, de 2011)
o
§ 2 O número total de professores de que trata o inciso IV do caput não poderá ultrapassar
vinte por cento do total de docentes efetivos em exercício na instituição federal de ensino.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 525, de 2011)
§ 3º As contratações a que se refere a alínea h do inciso VI serão feitas exclusivamente por
projeto, vedado o aproveitamento dos contratados em qualquer área da administração pública.
o
§ 4 Ato do Poder Executivo disporá, para efeitos desta Lei, sobre a declaração de emergências
em saúde pública.
o
Art. 4 As contratações serão feitas por tempo determinado, observados os seguintes prazos
máximos:
o
I - 6 (seis) meses, nos casos dos incisos I, II e IX do caput do art. 2 desta Lei;
II - um ano, no caso dos incisos III, IV, das alíneas “d” e “f” do inciso VI e do inciso X do
o
caput do art. 2 ; (Redação dada pela Medida Provisória nº 525, de 2011)
o
III - 2 (dois) anos, nos casos das alíneas b, e e m do inciso VI do art. 2 ;
IV - 3 (três) anos, nos casos das alíneas h e l do inciso VI e dos incisos VII e VIII do caput do art.
o
2 desta Lei;
o
V - 4 (quatro) anos, nos casos do inciso V e das alíneas a, g, i e j do inciso VI do caput do art. 2
desta Lei.
Parágrafo único. É admitida a prorrogação dos contratos:
o
I - nos casos dos incisos III, IV, VI, alíneas “b”, “d” e “f”, e X do caput do art. 2 , desde
que o prazo total não exceda a dois anos; (Redação dada pela Medida Provisória nº 525, de 2011)
o
II – no caso do inciso VI, alínea e, do art. 2 , desde que o prazo total não exceda três anos;
III - nos casos do inciso V, das alíneas a, h, l e m do inciso VI e do inciso VIII do caput do art. 2
desta Lei, desde que o prazo total não exceda a 4 (quatro) anos;
o
o
IV - no caso das alíneas g, i e j do inciso VI do caput do art. 2 desta Lei, desde que o prazo total
não exceda a 5 (cinco) anos;
o
V - no caso do inciso VII do art. 2 , desde que o prazo total não exceda 6 (seis) anos.
o
VI - nos casos dos incisos I e II do caput do art. 2 desta Lei, pelo prazo necessário à superação
da situação de calamidade pública ou das situações de emergências em saúde pública, desde que
não exceda a 2 (dois) anos.
Art. 7º A remuneração do pessoal contratado nos termos desta Lei será fixada:
o
I - nos casos dos incisos IV e X do art. 2 , em importância não superior ao valor da
remuneração fixada para os servidores de final de carreira das mesmas categorias, nos planos
de retribuição ou nos quadros de cargos e salários do órgão ou entidade contratante;
(Redação dada pela Medida Provisória nº 525, de 2011)
II - nos casos dos incisos I a III, V e VI do art. 2º, em importância não superior ao valor da
remuneração constante dos planos de retribuição ou nos quadros de cargos e salários do serviço
público, para servidores que desempenhem função semelhante, ou, não existindo a semelhança, às
condições do mercado de trabalho.
III - no caso do inciso III do art. 2º, quando se tratar de coleta de dados, o valor da remuneração
poderá ser formado por unidade produzida, desde que obedecido ao disposto no inciso II deste artigo.
o
§ 1 Para os efeitos deste artigo, não se consideram as vantagens de natureza individual dos
servidores ocupantes de cargos tomados como paradigma.
o
§ 2 Caberá ao Poder Executivo fixar as tabelas de remuneração para as hipóteses de
o
contratações previstas nas alíneas h, i, j, l e m do inciso VI do caput do art. 2 .