Relato Crítico O filme Koyaanisqatsi: Life Out of Balance , do diretor

Transcrição

Relato Crítico O filme Koyaanisqatsi: Life Out of Balance , do diretor
Relato Crítico
O filme Koyaanisqatsi: Life Out of Balance, do diretor Dogfrey Reggio, impressiona por
conseguir realizar uma contundente crítica ao projeto moderno de sociedade sem, contudo, utilizar um
único diálogo. A coesão da multiplicidade de imagens acopladas ao universo sonoro escolhido deixa
clara a sensação que Marx principiou a sentenciar: “Tudo que é sólido desmancha no ar”[1].O diretor
revela um mundo em convulsão, em ebulição, em autodestruição. Um mundo que pode ser tudo, menos
sólido. O filme caracteriza­se pelo movimento. A sonoridade aliada às imagens cria um
autoquestionamento por parte do espectador.
“Essa atmosfera ­ de agitação e turbulência, aturdimento psíquico e embriaguez,
expansão das possibilidades de experiência e destruição das barreiras morais e
dos compromissos pessoais, auto­expansão e desordem, fantasmas na rua e na
alma ­ é a atmosfera que dá origem à sensibilidade moderna”. [BERMAN, 2007:
28]
Contudo o mundo apresentado está em colapso, as relações se subvertem: “A modernidade humana se
vê em meio a uma enorme ausência e vazio de valores, mas, ao mesmo tempo, em meio a uma
desconcertante abundância de possibilidades”[2]. Berman, bem como o filme de Reggio, nos aponta
para o desmoronamento do homem moderno, para o mundo massificado, atomizado, escravo de suas
tecnologias. Um mundo incomunicável, fechado, apressado, automatizado, impessoal. Afinal quem é
ele? Tem nome? Tem olhos? Tem humanidade? Um mundo em que “nós próprios somos uma espécie
de caos”.[3]
As relações humanas seguem a lógica do desencontro, do afrouxamento. Assim como a vida,
apresentam­se como fluidas. A realidade escapa à revelia de nossas vontades. O único ideal que nos
une é o do consumo. A sofisticação e o desenvolvimento tecnológico caminham no sentido de destruir
o humano, destruir o planeta. O mundo se apresenta nublado, opaco. O espaço público se pulveriza,
enquanto os prédios são verdadeiros baluartes, impenetráveis, exércitos inabaláveis do alto de sua
hegemonia nas grandes cidades. Supermercados e shopping centers tornam­se os espaços de
sociabilidade.
A existência é transformada em efemeridade. O ser social é atravessado por um espírito de
fragilidade e incerteza. Mas ao contrário do carregado pessimismo de Koyaanisqatsi, Pina restabelece
o espírito do humano, o dá vida por meio da arte. Wim Wenders, criou um cenário fantástico
deslocando os bailados do palco e encenando­os na rua. A vida vai se misturando em teatro, arte,
dança. O filme de Wim Wenders transmite toda magia, todo o encantamento da arte, devolvendo a
pessoalidade que a modernidade nos tirou.
Em Pina, a arte se realiza plenamente, transgredindo forma e estilo. Nos faz olhar para além da
pele. As cenas se agregam organicamente à vida, à universalidade. Toda a expressividade minada pela
sociedade do espetáculo é, não só recuperada, mas elevada ao sublime. O filme em homenagem a
Pina Baush nos oferece uma experiência singular, também o público participa ativamente da construção
da cena, junto aos atores e bailarinos, expericiando a mistura de sensações: liberdade, paixão, vida.
Encontramos nas obras de Pina Baush aquilo que Merleau Ponty revela em fenomelogia da
percepção: mais importante que descrever (os fatos, o mundo) é sentir. Pina aponta para o que está
escondido, àquilo que só faz sentido na individualidade. Enquanto em Koyaanisqatsi a arte se vê
fagocitada pela indústria cultural, transmutando­se em entretenimento e alienação, Pina atribui a ela um
caráter de emancipação universalizante.
Apesar dos filmes apresentarem divergências quando ao modo de enquadrar o mundo, uma
coisa fica: a supressão da fala não é algo negativo nos filmes, justamente o contrário: a palavra não
consegue dizer o sentimento, não consegue transmiti­lo ao outro; o melhor, então, é apenas se entregar
a ele. Nas palavras de Lduwig Wittgenstein: “Sobre o que não se pode falar, deve se calar”.
[1] Manifesto Comunista de 1848
[2] BERMAN, 2007: 32
[3] Berman citandoNietzsche em Além do bem e do mal ­ BERMAN, 2007: 32
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar. 2009. ed
2.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras. 2007
WENDERS, Wim. Pina. 2010. 106 min
REGGIO, Godfrey. Koyaanisqatsi:Life Out of Balance. Philip Glass (músíca). 1983. 110 min
MERLEAU­PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Trad Carlos Alberto Moura. São
Paulo: Martins Fontes, 2006

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