da ação revocatória ou pauliana, em face do novo código civil

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da ação revocatória ou pauliana, em face do novo código civil
DA AÇÃO REVOCATÓRIA OU PAULIANA, EM FACE DO NOVO
CÓDIGO CIVIL, DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45, E DO PROJETO
DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA RECÉM-APROVADO NO
SENADO FEDERAL
José da Silva Pacheco
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Da ação revocatória perante o novo Código
Civil brasileiro. 3. Da ação revocatória perante o Decreto-Lei nº 7.661/45,
em face da falência. 4. Da ação revocatória perante o Projeto de
Recuperação e Falência recém-aprovado no Senado Federal. 5. Do prazo
de decadência.
1. Introdução
Quando se fala em ação revocatória, não se pode deixar de mencionar,
introdutoriamente, que a fonte histórica de que provém esse instituto
revocatório de atos fraudulentos do devedor é o edito do pretor Paulo, referido
no Digesto, Livro 42, Título VIII, in verbis: Disse o pretor: "Pelo que houver sido
feito por causa de defraudações darei ações, contra aquele que não ignorasse
a fraude, ao curador dos bens, ou àquele a quem convier dar-lhe a ações sobre
este assunto, dentro do ano em que terá a faculdade de exercitá-la; e isto
observarei também contra o mesmo que cometeu a fraude." Daí proveio o uso
do nome de ação pauliana (pauliana actio) (Cf. p. ex.: Giovanni Brunelli, Azione
revocatória, in Nuovo Digesto italiano, vol. II, p. 145 e segs.).
Desde o direito justiniano, com esse nome, admitia-se que os credores
promovessem a revogação dos atos efetuados em fraude de credores.
Com o artigo 1.197 do bicentenário Código dos franceses, de 1804,
podiam os credores, em seu nome pessoal, atacar os atos feitos por seus
devedores em fraude de seus direitos e, daí em diante, foi geral a acolhida
desse instituto no direito moderno e contemporâneo, quer nos códigos civis,
quer nas leis falenciais.
2. Da ação revocatória perante o novo Código Civil brasileiro
O novo Código Civil, nos artigos 158 a 165, cuidando da fraude contra
credores, estabelece: 1º) se o devedor já insolvente vier a praticar negócios de
transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, poderão estes ser
anulados pelos credores, como lesivos aos seus direitos; 2º) são, igualmente,
anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência
for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante; 3º) ainda
que o devedor não seja insolvente, se com os negócios de transmissão de
bens, vier a se tornar insolvente, também podem os credores anular esses
atos.
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A ação para pleitear a anulação desses atos poderá ser intentada em
relação:
a) ao devedor insolvente;
b) à pessoa que com ele celebrou a estipulação fraudulenta;
c) a terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (artigo 161 CC).
Consoante o disposto no artigo 178 do novo Código Civil, é de quatro anos o
prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no caso de erro, dolo, fraude contra credores do dia em que se realizou o
negócio;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
Esclareceu, todavia, o artigo 178, caput, tratar-se de prazo de
decadência de quatro anos, para pleitear a anulação do negócio jurídico.
3. Da ação revocatória perante o Decreto-Lei nº 7.661/45, em face da
falência
Consoante o Decreto-Lei nº 7.661/45, deve o síndico promover,
imediatamente, após o seu compromisso, a arrecadação dos bens do falido,
onde quer que estejam, fazendo o inventário dos direitos, ações e bens que
pertencem ao patrimônio do falido ou sociedade falida. À medida que forem
inventariados, o síndico os estimará, louvando-se em avaliadores, quando
necessário.
Entre os seus deveres, destacam-se:
a) o de apresentar em cartório a exposição circunstanciada, instruída com o
laudo pericial, na qual concluirá, se for caso, pelo requerimento do inquérito
judicial;
b) o de apresentar, depois da publicação do quadro geral de credores (artigo
96, § 2º) e do despacho que decidir o inquérito judicial (artigo 109, § 2º),
relatório destinado a esclarecer sobre o confronto entre o passivo e o ativo;
c) somente, depois da apresentação do relatório, que, por sua vez, somente há
de ser oferecido depois de publicado o quadro-geral dos credores e o
despacho que decidir o inquérito judicial, é que o síndico deve publicar o aviso
no órgão oficial sobre o início da realização do ativo e pagamento do passivo.
A publicação desse aviso e o início da fase procedimental, propriamente
executiva da realização do ativo e pagamento do passivo, não inibe o síndico
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de continuar a cumprir o seu dever de arrecadar eventuais bens que eram
desconhecidos anteriormente, apesar das diligências no sentido de conhecêlos, ou que surgiram posteriormente, visto que sujeitam-se à falência todos os
bens penhoráveis do patrimônio do devedor falido ou sociedade falida.
A falência, consoante expressa determinação do artigo 39 do DecretoLei nº 7.661/45, abrange todos os bens penhoráveis do devedor, inclusive
direitos e ações, tanto os existentes na época de sua declaração como os que
forem adquiridos no curso do processo.
Em comentário a esse dispositivo legal, já salientamos que a falência
abrange todo o patrimônio do devedor, inclusive direitos e ações. Assim, são
compreendidos pela falência não só os bens existentes na época de sua
declaração como os que forem adquiridos no curso do processo, como, por
exemplo, os advindos de herança ou legado. Os bens seqüestrados em outra
Vara entram para a falência, devendo ser remetidos os autos do seqüestro
para o Juízo falimentar. As safras pendentes por ocasião da quebra, e as
futuras, são abrangidas pela falência. A herança que sobrevenha em favor do
falido é, também abrangida. Os créditos vencidos e os vincendos a favor do
falido são abrangidos pela quebra assim como as ações e os direitos existentes
ou que venham a existir por qualquer fato. O prêmio lotérico, inclusive, é
abrangido.
É claro, todavia, que a falência não abrange os bens que já não
pertencem ao falido (p. ex.: Rev. For., 113/90). Tratando-se de bens
transferidos a terceiros em fraude e prejuízo dos credores, insta propor-se a
ação revocatória, nos termos do artigo 55 e respectivo parágrafo único, e no
prazo previsto pelo artigo 56, § 1º, que é de um ano, a contar da data da
publicação do aviso a que se refere o artigo 114 do Decreto-Lei nº 7.661/45.
Ainda que a alienação seja inquinada de vício ou fraude, se não mais
pertence ao falido o bem, não pode este ser arrecadado antes da proposta
ação revocatória (p. ex.: artigo Jud. 99/315).
O prazo previsto no artigo 56, § 1º, é prazo extintivo ou de decadência.
Conforme já decidiu o STJ: "segundo os artigos 56, § 1º, e 114 e seu
parágrafo, é de um ano o prazo de decadência, contado da data da publicação
do aviso." (RS-TJ, 75/219).
Entre os deveres do síndico, destaca-se o de apresentar o relatório no
prazo de cinco dias, contado do fato que ocorrer por último: a publicação do
quadro de credores (artigo 96, § 2º) ou o despacho que decidir o inquérito
judicial (artigo 109, § 2º).
Apresentado o referido relatório, nos cinco dias posteriores a um dos
fatos acima indicados, que tenha ocorrido por último, se o falido não pedir
concordata, a que se refere o artigo 178, ou se a que tiver pedido lhe for
negada, o síndico, nas 48 horas seguintes, publicará o aviso de que vai iniciar
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a realização do ativo e o pagamento do passivo. Esse aviso deve ser publicado
no órgão oficial.
A partir da data da publicação desse aviso, começa a ser contado o
prazo de um ano para a propositura de qualquer ação revocatória, como
estabelece o artigo 56, § 1º da LF. Essa ação deverá ser proposta pelo síndico,
no prazo de trinta dias a partir daquele aviso (artigo 55 LF), mas se o síndico
não a propuser, nesse prazo, poderá qualquer credor fazê-lo, dentro de um ano
a partir da publicação do aviso de que vai iniciar a realização do ativo (artigo
114). Esse prazo, todavia, é de decadência.
Compreendendo a falência todos os bens do devedor, inclusive direitos
e ações, tanto existentes na época de sua declaração, como os que forem
adquiridos no curso do processo (artigo 39 LF), deve o síndico arrecadá-los
(artigo 63, III LF), providenciar a sua avaliação (artigo 62, VI LF), e incluir, em
seu relatório, o valor do ativo e passivo, especificando os atos suscetíveis de
revogação (artigo 63, XIX, letras b e d).
Apresentado o relatório e publicado o aviso, a que se referem os artigos
114 e 63, XIX da LF, corre o prazo de decadência para a propositura de ação
revocatória (artigo 56, § 1º).
Em se tratando de falência, em que pela incidência dos artigos 75 e 200
da LF, não há a publicação daquele aviso, tem-se permitido a revocatória por
inocorrência da extinção do direito de pleitear a revogação.
Entretanto, se no procedimento normal, em que houve a publicação
tempestiva do referido aviso, aparecer algum bem de propriedade do falido,
poderá ser ele arrecadado (artigo 39 LF), retificando-se o ativo, no relatório
publicado, ficando ele sujeito ao pagamento do passivo, não havendo
necessidade de publicação de novo aviso, a que se refere o artigo 114.
Persiste a validade e eficácia do aviso, anteriormente publicado de modo
regular, na imprensa oficial, a partir do qual corre o prazo decadencial para a
propositura de qualquer ação revocatória.
Assim, podemos ressaltar, em conclusão que:1º) pode o síndico, após a
publicação do aviso no órgão oficial de que dará início à fase de realização do
ativo e pagamento do passivo, a que se refere o artigo 114 e seu parágrafo
único do Decreto-Lei nº 7.661/45, arrecadar bens integrantes do patrimônio do
falido, desconhecidos anteriormente ou que vieram a integrá-lo posteriormente;
2º) ao fazê-lo, deverá o síndico retificar o ativo, sem necessidade de publicar
novo aviso a que se refere o artigo 114, visto que o primeiro é válido e eficaz
por ter sido, regularmente publicado, após o último ato a que se refere o artigo
63, XIX do Decreto-Lei nº 7.661/45; 3º) conseqüentemente, não há que se
cogitar de reabertura de novo prazo para a propositura de ação revocatória
porque ocorrida a decadência, após o decurso do prazo, a partir de ato
regularmente publicado, houve o perecimento ou caducidade do direito pelo
não-exercício, não mais podendo ser renovado.
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4. Da ação revocatória perante o Projeto de Recuperação e Falência
recém-aprovado no Senado Federal
Entre as regras alusivas à falência, insere-se a Seção IX, artigos 129 a
138, a respeito da ineficácia e da revogação de atos praticados pelo devedor
antes da quebra, reproduzindo, de um modo geral o disposto nos artigos 52 a
58 do Decreto-Lei nº 7.661/45.
Considera o projeto ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não
o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do
devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores, os atos que relaciona
em sete itens, exatamente como o faz o artigo 52 e seus itens do Decreto-Lei
nº 7.661/45.
Nos artigos 130 a 138, cuida o projeto da revogação dos atos do
devedor com a intenção de prejudicar credores, e da ação revocatória que
pode ser promovida contra:
a) todos os que figuraram no ato, ou que por efeito dele foram pagos,
garantidos ou beneficiados;
b) os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da
intenção do devedor de prejudicar os credores;
c) os herdeiros ou legatários das pessoas mencionadas nas letras "a" e "b"
acima.
No artigo 132, porém, o projeto determina que a ação revocatória deverá
ser proposta pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério
Público no prazo de três anos, contado da decretação o da falência. Trata-se,
aí, também, de prazo de decadência, do mesmo modo como o é, o prazo
estabelecido pelo artigo 56, § 1º do Decreto-Lei nº 7.661/45.
5. Do prazo de decadência
Da prescrição e decadência trata o novo Código Civil, em seus artigos
189 a 211, dedicando, especialmente, à decadência, os artigos 207 a 211, e o
artigo 178, em que estabelece, como já salientamos, que é de quatro anos o
prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico. Não se
confundem a prescrição e a decadência.
No caso de uma pessoa que for lesada, em decorrência do
inadimplemento por outrem, de um direito subjetivo, pode o ofendido invocar a
tutela jurisdicional, dentro de determinado prazo previsto em lei. Se não o fizer,
nesse prazo, extingue-se-lhe a pretensão. Por esse motivo, o artigo 189 do
novo Código Civil esclarece que, violado o direito, nasce para o titular a
pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os
artigos 205 a 206. Os prazos de prescrição não podem ser alterados pelas
partes (artigo 192).
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A decadência, outrossim, pode ser: a) convencional ou b) legal. No
primeiro caso, pode ela ser alegada, em qualquer grau de jurisdição, pela parte
a quem aproveita (artigo 211CC). No segundo caso, deve o juiz, de oficio,
conhecer da decadência, impondo-lhe o artigo 210 esse dever, de que não
pode o juiz se escusar. Além disso, não se pode renunciar à decadência legal.
Se alguém o fizer, tal renúncia será nula (artigo 208 CC).
A prescrição é a extinção da pretensão, em virtude da inatividade ou
inércia do titular no prazo determinado por lei.
A decadência extingue o direito, pelo decurso do prazo peremptório
estabelecido por lei ou pelo contrato, para o seu exercício. Transcorrido o prazo
de decadência, o direito de que se trata deixa de existir, motivo pelo qual deve
o juiz conhecê-la ex officio, enquanto que, na prescrição, somente pode
conhecer, por alegação das partes.
INFORMATIVO ADV 38/04
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