trespasse e ação revocatória falencial

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trespasse e ação revocatória falencial
TRESPASSE E AÇÃO REVOCATÓRIA FALENCIAL
SUMÁRIO:
I- ESTABELECIMENTO COMERCIAL
II- OS
CRÉDITOS
E
OS
DÉBITOS
DO
ESTABELECIMENTO
COMERCIAL
III- TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL
IV- A AÇÃO REVOCATÓRIA DE TRESPASSE PELA
ANTERIOR E ATUAL LEI FALIMENTAR V- CONCLUSÃO
I- ESTABELECIMENTO COMERCIAL
O
empresário
no
exercício
do
comércio
necessita
imprescindivelmente de 03 (três) elementos: capital, trabalho e
organização.
ferramenta
Esse
de
conjunto
trabalho,
de
que
forças
reunidas
econômicas
de
forma
é
a
sua
organizada
constituem seu ESTABELECIMENTO COMERCIAL (Código Civil,
art.1.142).
Melhor define MARIA HELENA DINIZ: “estabelecimento é o
complexo de bens de natureza variada, materiais (mercadorias,
máquinas, imóveis, veículos, equipamentos, etc.) ou imateriais
(marcas, patentes, tecnologia, ponto,etc.) reunidos e organizados
pelo
empresário
ou
pela
sociedade
empresária,
por
serem
necessários ou úteis ao desenvolvimento e exploração de sua
atividade econômica, ou melhor, ao exercício da empresa.Trata-se
de elemento essencial à empresa, pois imprescindível é qualquer
atividade
empresarial
estabelecimento” 1.
sem
que
antes
se
organize
um
O elemento capital sempre se desdobra em dois grupos: o
das coisas corpóreas ou materiais e o das coisas incorpóreas ou
imateriais ou direitos; o trabalho é representado pelos serviços de
quantos, desde o proprietário até o mais modesto empregado,
dedicam
sua
atividade,
sua
força
de
trabalho
à
vida
do
estabelecimento; e o elemento organização dá vida e impulsiona o
capital e o trabalho, sendo, por isso mesmo, considerado o principal
fator de eficiência de um estabelecimento comercial 2.
A
conjunção
desses
elementos
consubstancia
o
estabelecimento comercial, mas estão submissos à vontade de seu
dono, que pode manter ou modificar a estrutura, vender parte ou
todo
o
estabelecimento,
ceder,
locar
ou
empreender
outras
atividades afins.
II- OS
CRÉDITOS
E
OS
DÉBITOS
DO
ESTABELECIMENTO
COMERCIAL
Mister pontuar que o estabelecimento comercial não possui
personalidade jurídica. Mas a universalidade dos elementos que o
compõe é sim objeto de direitos, pois juridicamente os bens
corpóreos e incorpóreos se prestam para formar e cumprir o objetivo
social
que
congrega
o
estabelecimento,
tendo
valor
social,
econômico, financeiro, revestido por tratamento legal específico
(Código Civil, arts.1.142 usque 1.154).
Logicamente, integram o estabelecimento comercial apenas
e tão somente os créditos e os débitos que têm natureza ativa, ou
seja, aqueles que decorrem da própria atividade em si. Para
exemplificar, consideram-se créditos as vendas feitas a prazo das
2
mercadorias ou prestação de serviços cujo pagamento será satisfeito
em parcelas vincendas. Noutro canto, para ilustrar, os débitos são
aqueles oriundos da aquisição de produtos e mercadorias utilizadas
para desenvolver a ocupação ou possibilitar a prestação do serviço.
Já os contratos pessoais da pessoa jurídica que geram
débitos não integram o estabelecimento comercial. É preciso aclarar
que embora os contratos em geral se prestem para manter do ponto
de vista lógico o funcionamento, não há como integrar esses débitos
passivos decorrentes de pactos de obrigação personalíssima da
pessoa jurídica, pois refogem ao contexto do estabelecimento
comercial. E a razão é simples. Empresa é o exercício da atividade
pela personalidade jurídica, enquanto o estabelecimento comercial é
o instrumento desse exercício, composto pelo conjunto de bens
corpóreos, incorpóreos e serviços necessários ao exercício de sua
atividade - não tem personalidade jurídica.
Portanto,
são
dissociadas
as
figuras
do
ente
com
personalidade jurídica própria, in casu a empresa; da universalidade
dos elementos que compõe os bens corpóreos e incorpóreos, o
estabelecimento comercial.
III-
TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Partindo da premissa de ser legal a alienação do complexo
de bens corpóreos e incorpóreos do estabelecimento comercial,
produzindo efeitos quanto a terceiros depois de averbado no
Registro Público ou à margem da inscrição do empresário (Código
Civil,art.1.144), e desde que aludido ajuste permita a continuidade
da atividade que se dedicava o alienante (Código Civil, art. 1.145), a
3
doutrina e jurisprudência denominaram esse negócio jurídico de
“trespasse” 3.
Não há na lei substantiva civil a expressão trespasse, hoje
entendida como a transferência ou alienação do estabelecimento
comercial.
Inclui
o
trespasse
do
estabelecimento,
salvo
se
os
contratantes estipularem em contrário, todo o complexo de bens.
Como já se estudou, abrange direitos, negócios jurídicos, móveis,
imóveis, bens corpóreos e incorpóreos, créditos e débitos ativos, etc.
O adquirente se sub-roga em todos os contratos de exploração do
estabelecimento, salvo em relação àqueles de caráter pessoal da
empresa para o seu cumprimento, como ocorre nas obrigações
relacionadas aos contratos de trabalho. Nesse caso, os terceiros que
prestam serviços de caráter pessoal podem, ocorrendo justa causa e
dentro de noventa dias da transferência, rescindir o contrato (Código
Civil, art.1.148) 4.
Os créditos referentes ao estabelecimento, considerando-os
cedidos ao adquirente, produzirão efeito em relação aos respectivos
devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o
devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente (Código
Civil, art. 1.149).
IV-
A AÇÃO REVOCATÓRIA DE TRESPASSE PELA
ANTERIOR E ATUAL LEI FALIMENTAR Nas situações bem definidas em que às vésperas das
antigas concordatas (quando ainda vigia o DL n. 7.661/45) e
4
falências,
podendo-se
incluir
aí,
seguramente,
as
liquidações
extrajudiciais regradas pela Lei n. 6.024/74, a prática por alguns
empresários e liquidantes nomeados pelo Banco Central do Brasil,
imbuídos
de
má-fé,
agirem
no
sentido
de
transferir
o
estabelecimento empresarial para comarcas vizinhas ou distantes da
fiscalização
dos credores.
E no
caso
do
liquidante
ceder o
estabelecimento comercial para terceiros no transcurso da liquidação
extrajudicial
e
do
produto
realizado
nada
sobrando
para
o
pagamento dos credores habilitados e contabilizados, satisfazendo
apenas os custos da administração da liquidação, para mais tarde
com base nos arts. 8º da DL n. 7.661/45 e 21, letra b da Lei 6.024/74
pedir a autofalência, sem que nada de patrimônio positivo sobre a
posteriori para a massa falida, caracterizado está o írrito trespasse,
suscetível de ser submetido ao crivo do judiciário através da ação
revocatória.
O art.1.145 do Código Civil tratou de tutelar o direito dos
credores no caso de trespasse do estabelecimento comercial,
prevendo
que
só
poderá
ocorrer
a
alienação
eficaz
do
estabelecimento se o alienante (a) pagar todos os credores; ou (b)
obter o consentimento, expresso ou tácito de seus credores, dentro
do prazo de trinta dias, contado da notificação que lhes fez daquela
sua pretensão.
Admite-se, portanto, que tanto os credores do alienante
como
o
síndico
da
massa
falida
podem opor
ao
trespasse,
principalmente se o preço contratado for insuficiente para cobrir as
dívidas sociais existentes à época do negócio jurídico entabulado.
Volvendo à autoridade que se lhe reconhece, MARIA
HELENA DINIZ arremata: “Se não obedecer a esse comando legal,
poderá ter a decretação de sua falência, e aquela venda será tida
5
ineficaz perante a massa falida, podendo o estabelecimento ser
reivindicado, em favor da coletividade de credores, prejudicando o
adquirente (Lei de Falências, arts.2º,V, e 52,VIII- DL 7.661/45). O
adquirente que não providenciar prova da solvência do alienante ou
da anuência dos seus credores, poderá perder o estabelecimento
para a massa falida” 5.
A anterior lei de quebra, Dec.Lei n. 7.661/45, que se aplica
nas falências em curso decretadas quando de sua vigência, regula a
possibilidade do síndico promover a ação revocatória com fincas no
art.52 inciso VIII e a lex specialis vigente, Lei n. 11.101/2.005 no
art.129,VI, portando ambos textos legais comandos similares:
“Art.129. São ineficazes em relação à massa falida,
tenha ou não o contratante conhecimento do estado de
crise econômico-financeira do devedor, seja ou não
intenção deste fraudar credores:
omissis...
VI- a venda ou transferência de estabelecimento feita
sem o consentimento expresso ou pagamento de todos
os credores, a esse tempo existentes, não tendo
restado ao devedor bens suficientes para solver o seu
passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não
houver
oposição
dos
credores,
após
serem
devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial
de registro de títulos e documentos;
omissis...”
Para
aplicação
do
dispositivo
legal
em
comento
é
necessário que o devedor se desfaça de bens que compõem o
estabelecimento comercial num negócio que lhe seja amplamente
6
desfavorável
dentro
da
realidade
empresarial
da
época,
inviabilizando com a atividade com o restante do patrimônio.
Destarte, o desfalque no patrimônio do falido sempre se
remediou por meio da ação revocatória, deitando suas raízes na
ação pauliana do direito romano, com quem guarda semelhança até
hoje, cabendo ao síndico promover a demanda perante o juízo
falencial como instrumento de recomposição da garantia patrimonial
erodida por atos do devedor ou do liquidante designado pelo
BACEN.
Todavia, adverte com precisão RICARDO TEPEDINO: “... a
insuficiência
patrimonial
se
verificar
após
a
transferência
do
estabelecimento, sem guardar com este ato relacionado de causa e
efeito, não será caso abrangido pelo inciso VI” 6.
Isso é muito importante deixar bem claro, para não se
generalizar e trazer insegurança jurídica nos negócios jurídicos,
denotando uma condição potestativa inadmissível em favor da massa
falida. Indispensável, a análise de cada caso concreto, sopesando se
a transação questionada foi à época vantajosa ou não para a massa
falida. Se no aspecto comum do mercado à época dos fatos, as
condições gerais se afiguravam favoráveis para a falida, evidente,
não poderá o judiciário coadunar com um privilégio iníquo em favor
da massa revogando aquele trato e prejudicando terceiros.
Juristas pátrios procedendo ao estudo dos dispositivos em
tela são unânimes em retirar do raio de incidência da ação
revocatória
as
obrigações
lícitas
surgidas
e
estabelecidas
contratualmente, mesmo que dentro do termo legal da quebra:
7
“Se o falido havia pago, mesmo no transcurso do termo
legal, dívida vencida, não há nesse ato nenhuma
irregularidade, invalidade ou ineficácia que reclame
coibição. Quando vence a obrigação, o que devedor
deve fazer é cumpri-la. Se o pagamento era exigível, o
empresário tinha mesmo que o realizar; é isso que o
direito prescreve. O ato ineficaz é o pagamento de
dívida vencida por forma diversa contratada” 7.
“A intenção do dispositivo supra é, justamente, a da
manutenção do tratamento eqüitativo aos credores, à
época da quebra. Evidentemente, se o pagamento foi
feito de modo extintivo da obrigação, sem oneração
patrimonial, não há de se falar de ineficácia. É o que
ocorre, por exemplo, quando o falido, no lapso do
termo legal, quita a obrigação através de prestação de
serviço” 8.
“Não
é
ineficaz
o
cumprimento
das
obrigações
contratuais, pois no caso ocorre é a extinção do
próprio
vínculo
obrigacional
e
não
do
crédito
9
propriamente dito, ao qual se refere a lei” .
V- CONCLUSÃO
Assim, impõe-se ao síndico promover a ação revocatória
falencial, zelando pelos interesses da massa falida, desde que
verificada a ilicitude do trespasse do estabelecimento comercial,
configurando um negócio jurídico lesivo aos interesses da falida na
época da tratativa e fora dos padrões da habitualidade comercial.
8
Sub censura.
Rénan Kfuri Lopes, adv.
1
Código Civil Anotado,ed.Saraiva,9ª.ed.,p.723.
José Maria Rocha Filho in Curso de Direito Comercial,ed.Del Rey, p.211.
3
RT 650:116, 656:164, 691:157; RTJ 118:1.154; JSTJ 32:231; RJTJRS 158:316
4
Ricardo Negrão, Manual de Direito Comercial e de Empresa, ed.Saraiva,
3ª.ed.,vol.I,p.79.
5
ob.cit.p.724/725.
6
Lei de Recuperação de Empresas e Falência,ed.Saraiva,2.005, p.354.
7
FÁBIO ULHOA COELHO, Lei de Falências e de Recuperação de Empresa, Saraiva,
2.005, p.348 .
8
ANTONIO MARTIN, Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência,
ed.RT, 2.006, coordenação FRANCISCO SATIRO DE SOUZA JÚNIOR e ANTONIO
SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO.
9
RICARDO TEPEDINO, ob.cit. p.349.
2
-X-X-X-X-X-X-
9

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