A LINGUAGEM AUDIOVISUAL E O VÍDEO-ENSAIO - NTE

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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL E O VÍDEO-ENSAIO - NTE
A LINGUAGEM AUDIOVISUAL
E O VÍDEO-ENSAIO
Marilia Mello Pisani
O presente texto faz parte do curso de Produção de Vídeo e é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição Não Comercial 3.0.
Não Adaptada. Permissões além do escopo dessa licença podem estar disponíveis em http://uab.ufabc.edu.br.
O vídeo nasceu como resultado de um longo processo
de incremento tecnológico, que vem se realizando desde o
nascimento da técnica da fotografia. Desde o início do século XX, as primeiras imagens instantâneas captadas pelo olho
mágico das câmeras invadiram o cotidiano das pessoas e
despertaram um sentimento ambíguo em relação a essa nova
técnica: de um lado, a euforia com relação à capacidade de
captação do real, de outro, o espanto frente a uma técnica
que parecia ser capaz de eternizar o tempo, alterar a relação
com a memória e produzir a realidade por meio das fotografias que eram estampadas, diariamente, nos jornais e revistas
ilustradas da época.
Ao mesmo tempo, além de se infiltrar diretamente na teia
do cotidiano, a fotografia também abalou o próprio conceito
de arte, que tinha na pintura o seu contraponto. Na fotografia
parecia haver o que se chamou de “perda de autenticidade
da obra de arte” (Walter Benjamin, 2012) que reduzia a arte
à pura imitação. Ao mesmo tempo, esta novidade técnica modificava a posição do artista como criador original em virtude
das capacidades ilimitadas da reprodutibilidade. Com o cinema, a fotografia se descola da mera mimetização da realidade
e passa a criar imagens em movimento e com elas mundos de
sonhos, utilizando para isso as técnicas próprias da montagem
na construção da narrativa audiovisual.
A imagem digital e o surgimento
do vídeo
O vídeo é uma das ferramentas criadas com os progressos das novas tecnologias de informação realizadas apenas
muito recentemente: somente nos últimos 30 anos é que as
imagens eletrônicas passaram a dominar definitivamente o
nosso cotidiano, sobretudo após o surgimento da Internet.
Mas qual é a especificidade desta técnica?
Como sugere Lucena (2012), essa novidade pode ser
pensada – em termos técnicos – como a diferença entre a
imagem fotográfica e a imagem eletrônica.
A imagem fotográfica, base tradicional do cinema, foi
predominante até meados dos anos 1980-1990, e foi baseada
em suportes químicos. Uma imagem fotográfica tradicional é
formada por películas “compostas por haletos de prata, que
ficam suspensos na emulsão gelatinosa do filme e se alteram
em níveis atômicos quando expostos à luz através das lentes
de uma objetiva” (Lucena, p. 87-7).
Em uma imagem eletrônica, a informação luminosa é
convertida em uma frequência elétrica através de células
fotossensíveis. Cada uma dessas células gera um ponto da
imagem, chamado de Picture Element ou Pixel, que é a menor unidade da imagem eletrônica. Uma imagem eletrônica é
composta por milhares de Pixels.
Esses dois tipos de imagem (fotográfica e eletrônica)
não são excludentes. Elas formam sistemas de hibridização
que combinam as vantagens dos dois suportes: químico e
eletrônico. É aqui que entra a imagem digital.
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Quando ouvimos falar de imagem digital, trata-se menos
de uma transformação na tecnologia de captação da imagem
do que do modo como a imagem fotográfica ou elétrica é armazenada e convertida de analógico à digital, lida e escrita
na forma de números discretos (dígitos 0 e 1).
O vídeo surge como consequência do processo de
evolução da TV como veículo de comunicação de massa,
que fomentou o desenvolvimento de pesquisas referentes à
captação e armazenamento de imagens, levando, no final
dos anos 50, ao surgimento do videotape, “a impressão magnética da imagem em fita” (Lucena, 2012, p. 90).
Nascida como videoteipe, a imagem digital passou a ser
mais conhecida como vídeo. As implicações desta transformação podem ser intuídas na citação que se segue:
Em busca de um conceito de
vídeo
O vídeo é um modo de construção de imagens híbridas.
Desde o seu surgimento, muitas questões têm indicado à dificuldade de circunscrever o conceito de vídeo, mas podemos
estabelecer algumas balizas. Para isso, nos apoiaremos na
obra de Philippe Dubois, um dos importantes pensadores
contemporâneos que vêm desenvolvendo uma reflexão concentrada sobre as atuais mutações do cinema e a emergência
do vídeo. Utilizaremos aqui seu livro Cinema, vídeo, Godard
(2004), segundo o qual:
“A partir do momento em que a imagem passa a ser convertida em um registro numérico
e se torna digital, até mesmo suas menores
unidades constitutivas – os pixels – tornam-se
passíveis de manipulação. E atualmente, com
os softwares de edição digital qualquer um
pode cortar, emendar e reorientar a imagem
digital.” (Lucena, 2012, p. 91)
• O vídeo é um momento intermediário, uma passagem,
entre o cinema e o computador;
• O vídeo é um conjunto de obras semelhantes às do
cinema e da televisão, gravadas com câmeras, editadas, roteirizadas e são exibidas ao público;
• O vídeo pode ser uma instalação, uma complexa cenografia de telas, objetos, que implicam o espectador
de modo mais abrangente, tal como as instalações
audiovisuais utilizadas por artistas contemporâneos.
E esse processo passou a ser ainda mais acelerado com
o surgimento da internet e a necessidade de transmissão de
arquivos e imagens como fotos e vídeos, o que levou à necessidade de construção de tecnologias de compactação de
arquivos. Entre os mais conhecidos, o MP3 para som digital, o
JPEG para imagens fotográficas e o MPEG para vídeos.
Vejamos com mais cuidado algumas das implicações
destas definições.
O vídeo compartilha suas técnicas com cinema e a televisão, porém a sua definição é mais ampla, abarcando muitas
outras possibilidades de construção audiovisual, de tal modo
que parece ser impossível chegar a uma definição unívoca.
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Dubois sugere que o vídeo é um “movimento”, um
“estado”, uma “forma de pensamento”. Mas algumas características diferenciam o que ele chama de imagem-cinema
da imagem-vídeo.
Enquanto na imagem-cinema mantem-se algumas estruturas próprias à linguagem cinematográfica, como a profundidade de campo, os longos planos sequencias, o campo
de fuga, na imagem-vídeo a imagem pode ser manipulada
a ponto de perder sua referencialidade imediata com a realidade e com a “arquitetura” da imagem-cinema, revelando
camadas, encavalando imagens, e sobrepondo-as por meio
de resultados de processos de montagem que conferem uma
espécie de espessura à imagem e um efeito de relevo.
Com o vídeo, o efeito construído pela tecnologia se
descola da impressão de realidade do cinema substituindo-a
pela vertigem: “a imagem em si oferecida como experiência”.
Phillip Dubois propõe o conceito de vídeo-ensaio para
dar conta da amplitude de possibilidades e aberturas que traz
esse tipo de construção de imagem.
Assim o vídeo é uma linguagem que mantem o diálogo
com o cinema, mas que não se reduz a ele. E se há algo que o
define é a sua pluralidade, a sua diversidade, o movimento, o
que faz com que “o vídeo, assim como a areia, escorra entre
os dedos, cada vez que tentamos aprendê-lo em uma forma
estável” (Dubois, 2004, p. 24).
Referências bibliográficas:
BENJAMIN, W.; SCHÖTTKER, D.; BUCK-MORSS, S.; HANSEN,
M.. Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
DUBOIS, P.. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac y
Naif, 2004.
LUCENA, Luiz Carlos. Como fazer documentários: conceito, linguagem e prática de produção. São Paulo: Summus
Editorial, 2012.
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