15/12/2012 O bolivarismo sem Chávez Em crise e sob ameaça de

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15/12/2012 O bolivarismo sem Chávez Em crise e sob ameaça de
15/12/2012
O bolivarismo sem Chávez
Em crise e sob ameaça de racha no governo, Venezuela se prepara para um
novo projeto de poder
Mariana Queiroz Barboza
"Estou livre, livre, totalmente livre", disse Hugo Chávez a jornalistas quando
perguntado sobre o câncer na região pélvica que enfrentava desde maio de
2011. A entrevista foi dada há cinco meses, quando o presidente da Venezuela
estava em plena campanha para dar continuidade a seu governo de 14 anos. Na
semana passada, a convicção em sua recuperação caiu por terra quando Chávez,
já reeleito, anunciou que regressaria a Havana, em Cuba, para ser operado pela
quarta vez para tratar da doença. A recomendação dos médicos exigia urgência.
Nos últimos minutos do pronunciamento em cadeia nacional, num gesto inédito,
apontou para o homem à sua esquerda e indicou seu vice, Nicolás Maduro,
como herdeiro político, inaugurando um período de grande incerteza para o
país. Aos 58 anos e a menos de um mês de iniciar um novo mandato até 2019,
Chávez pode sair de cena sem completar o processo que chama de “revolução
bolivariana” e sem, ao menos, conduzir sua sucessão. Ciente das facções
internas do governo e da ameaça da oposição, que reduziu a diferença de votos
com o até então superpopular presidente na eleição de 7 de outubro, Chávez
clamou pelo fortalecimento da “unidade nacional”.
“É muito difícil saber o que é verdade e o que é mentira em relação à saúde de
Chávez”, disse à ISTOÉ o venezuelano Alberto Barrera Tyszka, coautor da
biografia “Hugo Chávez sin uniforme”. “Mais que diagnósticos, recebemos
demandas de lealdade.” Jesús María Alvarado, professor do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade Simón Bolívar, em Caracas, também critica a
falta de transparência. “Chávez só tornou pública sua doença graças às
constantes exigências da opinião pública nacional e internacional”, afirmou.
“Criou-se uma manipulação governamental e eleitoral, que permitiu uma
intensa distração dos graves problemas que hoje enfrenta a Venezuela.” Com o
mandatário em Cuba, representantes do governo apareceram diariamente na
tevê para atualizar a população do estado de saúde de Chávez e pedir ao povo
que orasse por ele. Os venezuelanos atenderam. Ao longo de toda a semana,
milhares de pessoas participaram de vigílias e missas pela saúde do presidente.
Na Bolívia, o ator americano Sean Penn se juntou a uma delas. Em meio a
rumores da morte do presidente, a cirurgia da terça-feira 11, que durou seis
horas, foi considerada bem-sucedida. “Foi uma operação complexa, difícil,
delicada e o pós-operatório vai ser, também, um processo complexo e duro”,
disse Maduro. “Complexo” também foi a palavra usada por ele para descrever o
cenário que está por vir no país. O ministro da Comunicação e Informação,
Ernesto Villegas, disse que o povo deve encarar a doença de Chávez como
quando se tem um “pai doente”. Segundo ele, o militar sofreu um sangramento
durante a cirurgia.
Se Chávez não tiver condições de tomar posse pela quarta vez, em 10 de
janeiro, o vice-presidente, Nicolás Maduro, é quem deve assumir seu lugar até
que novas eleições sejam realizadas. Se seu estado de saúde se agravar e ele
morrer depois desse dia, o comando do Palácio de Miraflores fica
temporariamente nas mãos do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado
Cabello. Os dois representam as principais divisões dentro da coalizão
socialista: os civis e os militares, respectivamente. "Se for eleito, o primeiro
desafio de Maduro será manter o chavismo unido", disse à ISTOÉ Diego MoyaOcampos, especialista em Venezuela da consultoria global IHS. Por enquanto,
os aliados têm evitado expor uma crise interna pelo poder. Preterido, Cabello
declarou que a "revolução não tem marcha à ré" e que, junto com o povo, a
Força Armada Nacional Bolivariana seguirá na "construção do socialismo".
Para o professor Alvarado, da Universidade Símon Bolívar, a indicação de
Maduro como sucessor pode causar rejeição mesmo que isso não venha a
público. "Acho que a decisão de Chávez foi contrária aos estatutos de seu
próprio partido."
Considerado um enigma por muitos analistas, Maduro, 50 anos, era motorista
de ônibus quando, seguindo os passos de seu pai, se tornou sindicalista e entrou
para a Liga Socialista. Próximo do presidente desde o período em que Chávez
esteve preso por causa de uma fracassada tentativa de golpe em 1992, responde
pelo Ministério das Relações Exteriores desde 2006 e pela vice-presidência
desde outubro. Desde que o câncer de Chávez foi detectado, a amizade dos dois
se fortaleceu e Maduro recebeu a bênção dos irmãos Castro. Embora seja tido
como um moderado e mais aberto ao diálogo do que o atual presidente, o
chanceler representa um dos pontos mais delicados da política chavista. Sob o
atual governo, a Venezuela se aproximou de governos como os do Irã e da Síria
e alimentou um forte sentimento de antiamericanismo.
Quem quer que assuma a presidência enfrentará não só um país dividido, mas
também uma economia em frangalhos. "O fim da era Chávez seria bom para
meu país, porque com ele se resgataria a separação de poderes, a liberdade
econômica e a garantia de direitos humanos", diz o professor Alvarado. "Por si
só, porém, o fim da era Chávez não é suficiente para melhorar a situação
econômica. Apesar de, nos últimos anos, a Venezuela ter reduzido
significativamente o nível de desigualdade – o menor da América Latina,
segundo a ONU – e de pobreza, é um país que sofre com a escalada da
violência, a inflação (em quase 30%), um Estado inchado e a perspectiva de
recessão. O próximo governante também terá como desafios criar condições
para o aumento da produção de petróleo e a atração de investidores, além de
lidar com uma provável desvalorização da moeda. Na opinião do biógrafo
Barrera Tyszka, o chavismo sem Chávez não existe como projeto de poder. "É
uma organização quase narcisista, articulada ao redor de sua figura."
adicionada no sistema em: 14/12/2012 11:12

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