O crescimento descontrolado das cidades aumentou ainda

Transcrição

O crescimento descontrolado das cidades aumentou ainda
Sandra Cristina Bertoni Serna Quinto
O Programa Crédito Solidário: produção
de moradia popular em autogestão
O caso do Distrito Federal e Entorno
Brasília
Dezembro de 2007
ii
Sandra Cristina Bertoni Serna Quinto
O Programa Crédito Solidário: produção de moradia popular e
autogestão
O caso do Distrito Federal e Entorno
Trabalho referente à conclusão do Curso de Especialização em Gestão Urbana e
Desenvolvimento Municipal
Universidade de Brasília
Centro Integrado de Ordenamento Territorial - CIORD
Orientado pelo Prof. Jorge Madeira Nogueira
Realizado pela aluna Sandra Cristina Bertoni Serna Quinto
Brasília
Dezembro de 2007
iii
Dedico este trabalho ao Ronaldo, meu marido, eterno parceiro e amigo
que sempre me apoiou e me incentivou a seguir em frente, mesmo nos
momentos mais difíceis.
iv
Agradeço
aos
meus
colegas
da
CAIXA
que,
diariamente,
acompanharam comigo as dificuldades na luta por produção de
moradias dignas com poucos recursos e sempre apoiaram o meu
trabalho, e em especial à amiga Maria Elisa pela paciência, dedicação
e incentivo.
Agradeço aos meus filhos pelo amor, carinho e paciência.
v
Compuseram a Banca:
________________________________
• Prof. Jorge Madeira Nogueira
Universidade de Brasília – UnB
________________________________
• Prof. Antonio Nascimento Junior
Universidade de Brasília - UnB
vi
Sumário
LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... vii LISTA DE TABELAS .................................................................................................viii LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. ix LISTA DE QUADROS ................................................................................................. x RESUMO.................................................................................................................... xi ABSTRACT ............................................................................................................... xii INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1 CAPITULO 1 – A ocupação do espaço urbano ........................................................... 6 1.1 – Processo de urbanização das metrópoles brasileiras: formação das
periferias, falta de infra-estrutura e autoconstrução .................................................... 6 1.2 – Produção habitacional nos centros urbanos ................................................. 12 CAPITULO 2 - Produção de moradia popular: uma visão geral das experiências em
autogestão................................................................................................................. 20 2.1 - Experiências na produção de moradia popular nos países da América do Sul e
suas influências no Brasil .......................................................................................... 21 2.2 - As mudanças nas políticas públicas de moradia destinadas à população de
baixa renda................................................................................................................ 25 2.3 As experiências brasileiras: produção habitacional no período pós Banco
Nacional de Habitação - BNH.................................................................................... 32 CAPITULO 3 - O PROGRAMA CRÉDITO SOLIDÁRIO ............................................ 41 3.1 – Características do programa ............................................................................ 41 3.2 – A Sistemática 2004: o inicio do programa ........................................................ 45 3.3 – A Sistemática atual: o que mudou no programa............................................... 51 CAPITULO 4 – O CASO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO ............................ 57 CAPITULO 5 - CONCLUSÃO.................................................................................... 68 Referências bibliográficas ......................................................................................... 72 ANEXOS ................................................................................................................... 76 vii
LISTA DE SIGLAS
BNH – Banco Nacional de Habitação
CAIXA – Caixa Econômica Federal
CDHU – Companhia do Desenvolvimento Habitacional e Urbano - Estado de São Paulo
CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
SFH – Sistema Financeiro de Habitação
UMM - União dos Movimentos de Moradia
UNMM - União Nacional de Movimentos de Moradia
MNLM - Movimento Nacional de Luta por Moradia
CMP - Central de Movimentos Populares
CONAM - Confederação Nacional de Associações de Moradores
CCFDS – Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social
FDS – Fundo de Desenvolvimento Social
FNRU – Fórum Nacional de reforma Urbana
PSH – Programa de Subsidio a Habitação de Interesse Social
FG – Fundo Garantidor
FRE – Ficha Resumo do Empreendimento
GIDUR – Gerencia de Apoio ao Desenvolvimento Urbano
CRE – Comissão de Representantes
CAO – Comissão de Acompanhamento de Obra
SPU – Secretaria de Patrimônio da União
GECIS – Gerencia Nacional de Habitação de Interesse Social
UNMP – União Nacional por Moradia Popular
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano
viii
LISTA DE TABELAS
TABELA 2.1 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL ........................................................................................... 20
TABELA 2.2 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL POR FAIXA DE RENDA ..................................................... 21
TABELA 3.1 – VALORES MÁXIMOS DE FINANCIAMENTO DA SISTEMÁTICA ATUAL (EM R$ 1.000,00) .......... 44
TABELA 3.2 – VALORES MÉDIOS DE FINANCIAMENTO POR FAMÍLIA - SISTEMÁTICA 2004.......................... 49
TABELA 3.3 – PROPOSTAS CONTRATADAS ...................................................................................................... 52
TABELA 4.1 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF – SISTEMÁTICA 2004............................. 58
TABELA 4.2 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF ................................................................ 59
TABELA 4.3 – SITUAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO ENTREGUE ATÉ 31/03/2005 ................................................. 61
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1.1 – CONJUNTO RESIDENCIAL PASSO DA AREIA ............................................................................. 15 FIGURA 1.2 – CONJUNTO RESIDENCIAL VILA GUIOMAR ................................................................................. 16 FIGURA 1.3 – CONJUNTO RESIDENCIAL DO PEDREGULHO ............................................................................ 18 FIGURA 2.1 – CONJUNTO HABITACIONAL CAZUZA DA AREIA ......................................................................... 38 FIGURA 2.2 – UNIÃO DA JUTA ............................................................................................................................. 39 FIGURA 4.1 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS SELECIONADAS – DF X RS ...................................................... 57 FIGURA 4.2 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS COM DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA ATÉ 31/03/2005 ..... 60 FIGURA 4.3 – EMPREENDIMENTO COOPER-RECICLA ..................................................................................... 63 FIGURA 4.4 – EMPREENDIMENTO COOPHAMU ................................................................................................ 64 x
LISTA DE QUADROS
QUADRO 3.1 – ATRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA............................................................43
xi
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar da aplicação do Programa
Crédito Solidário, que concede financiamento para a produção de habitação
destinada à população de baixa renda. O programa foi elaborado por reivindicações
dos movimentos sociais que pleiteavam uma política pública destinada à produção
de moradia popular, em regime de autogestão dos recursos, nos mesmos moldes de
algumas experiências similares, realizadas em conjunto com poder público local.
Além de uma visão geral de outras experiências em autogestão, o estudo traz um
panorama da aplicação do programa em todo o Brasil e Distrito Federal, buscando
identificar quais foram as dificuldades em sua implementação.
PALAVRAS-CHAVE: autogestão, moradia popular, política habitacional.
xii
ABSTRACT
The present study has as objective to make an analysis of the application of
the Program Crédito Solidário, which is a government program that finance the
production of habitation destined to the low income population. The program was
elaborated by claims of the social movements for a public politics destined to the
production of popular housing, in regimen of self management of the resources, in
the same model of some similar experiences, carried through in set with the local
government. Beyond a general vision of other experiences in self management, the
study it brings a view of the application of the program in Brazil and the Federal
District, searching to identify the difficulties in its implementation.
KEY WORDS: self management, popular housing, public politics
1
INTRODUÇÃO
Com um déficit habitacional de aproximadamente 8 milhões de moradias, as
cidades brasileiras têm assistido a um crescimento dos assentamentos informais,
instalados em locais de risco e áreas de preservação ambiental, sem conferir aos
seus habitantes uma qualidade de vida adequada. A falta de políticas habitacionais
destinadas à população de baixa renda tem deixado essas famílias à margem da
sociedade, em moradias provenientes de autoconstrução, longe da regularidade
jurídica e urbana, aumentando a parcela de “cidade ilegal” das grandes metrópoles.
A falta de moradia não é uma situação nova no cenário nacional. Na década
de 30, era comum a chamada “casa de cômodos”, principal moradia da camada
popular. A rápida urbanização pela qual o país passou no início do século XX
contribuiu para o crescimento das moradias em favelas, que ocupavam as áreas
livres das cidades sem qualquer planejamento urbanístico.
Para conter o problema, na década de 40 começaram a surgir as primeiras
políticas
habitacionais
voltadas
às
camadas
populares.
Os
Institutos
de
Aposentadoria e Previdência construíram 20.000 unidades habitacionais nos
períodos de 1940 a 1963 (Nobre e Bonfim, 2001). Criada em 1946, a Fundação da
Casa Popular também contribuiu para a construção de moradia popular, executando
durante sua existência a quantidade de 16.694 casas (Royer, 2002). No entanto,
além de reproduzirem situações urbanísticas tão criticadas atualmente, essas ações
não foram suficientes para resolver o problema na época, tendo uma produção muito
pequena em relação à necessidade da população.
Concentradas em grandes conjuntos habitacionais horizontais, essas práticas
levaram ao crescimento das periferias das grandes cidades, em locais afastados,
criando as famosas “cidades-dormitório”. Essas políticas serviam para atender a
população de baixa renda, normalmente moradora das favelas, que era deslocada
para essas áreas distantes dos centros. Longe dos serviços essenciais a uma
comunidade, muitos moradores acabavam abandonando as moradias e retornando
para novos assentamentos informais, localizados mais próximos aos seus locais de
trabalho.
2
O ideal modernista dos grandes conjuntos habitacionais vinha como a solução
para a falta de espaço para a produção de habitação. Reproduzindo as “máquinas
de morar”, esses edifícios substituíram os grandes loteamentos de casas por
conjuntos de prédios monótonos, onde a função do habitar era mais importante do
que a forma. Além disso, os conjuntos verticais proporcionavam um adensamento
maior, garantindo a construção de uma quantidade maior de moradias do que os
conjuntos horizontais.
A partir da década de 80, com as cidades inchadas e a economia estagnada,
a situação de moradia nos centros urbanos ficou ainda pior. Esse cenário somado à
falência do Sistema Financeiro de Habitação e a extinção do BNH, fez com que o
poder público local começasse a criar soluções viáveis, consideradas de baixo custo
e de menor impacto à população. Para Cymbalista:
“A urbanização vertiginosa, ao final de um período de acelerada
expansão da economia brasileira, introduziu um novo e dramático
significado: as cidades, nesse período, passaram a retratar – e
reproduzir – as injustiças e desigualdades da sociedade. A
precariedade habitacional vem assumindo contornos cada vez mais
graves desde a década de 80, quando se inicia o período de
estagnação da economia do país. Essa precariedade expressa-se
nas favelas, que ocupam praças, morros, mangues e beiras de
córregos, e que são maiores e mais densamente populadas nas
grandes cidades; no superadensamento dos cortiços em regiões
centrais e intermediárias das cidades; nos loteamentos irregulares e
clandestinos, sem infra-estrutura e equipamentos públicos; nas
ocupações irregulares de áreas ambientalmente frágeis.” (p. 1,
2005)
Assim, quando foi possível perceber que a retirada da população de uma
favela, deslocando-a para áreas distantes de seu convívio diário, não era mais a
solução ideal para resolver o problema, começaram a surgir as primeiras propostas
de urbanizações de favelas, tentando regularizar as áreas e beneficiar a população
com infra-estrutura sem promover seu deslocamento. Ao mesmo tempo, a
população carente de moradia e distante do acesso às políticas habitacionais,
começou a se organizar em associações, processo que foi incentivado com a
democratização da sociedade.
Esses movimentos populares que iniciaram suas lutas em bairros dos
grandes centros se tornaram entidades abrangentes, conquistando visibilidade
nacional e expandindo suas relações aos demais estados do país. A idéia era tomar
frente nas decisões sobre o provimento de habitação, pressionando os governos
3
locais a implantar políticas que atendessem as necessidades da população de baixa
renda.
“Além das questões de financiamento da política habitacional, que
seguem sem solução, o processo de redemocratização implicou
também a renovação dos atores sociais envolvidos na questão.
Pela primeira vez na esfera nacional, os segmentos populares
atuaram como sujeitos, e não como objetos ou mutuários da
política; de atores passivos, passaram a atores ativos nos
processos de construção das políticas. “ (Cymbalista, p. 2, 2005)
Em 1988, as questões urbanas tomam importância nacional quando a
mobilização popular garante a inclusão de um capítulo inteiramente destinado à
política urbana na Constituição brasileira. Foram também os movimentos sociais que
conquistaram a criação do Conselho Nacional das Cidades, constituindo-se em um
fórum democrático e participativo na tomada de decisões referentes às questões
urbanas.
No entanto, em relação às políticas habitacionais, a situação era a mesma,
deixando a camada popular sem acesso à moradia por meio das linhas de
financiamento
disponíveis.
Desta
forma,
algumas
experiências
localizadas,
executadas em parceria com o poder público local, começaram a surgir. Envolvendo
grupos organizados, em regime de mutirão assistido, foi possível concretizar o
“sonho da casa própria” para algumas famílias. Assim, experiências como a União
da Juta e o Vila Cazuza, ambos na região metropolitana de São Paulo, serviriam de
exemplo para a idealização de um programa que proporcionasse aos movimentos
sociais de luta por moradia total autonomia na produção de habitação.
Elaborado pelo Ministério das Cidades em 2004, o Programa Crédito Solidário
vinha institucionalizar essas experiências como uma política nacional de fomento à
produção de moradia popular. Com as reivindicações dos movimentos sociais
atendidas, colocar em prática o programa parecia fácil, não fossem os diversos
entraves
encontrados
durante
sua
operacionalização.
Com
vários
pontos
inovadores, esse programa de governo dá aos grupos organizados total autonomia
na gestão dos recursos e planejamento do empreendimento, excluindo as empresas
construtoras do processo.
Destinado à população com renda de até 3 salários mínimos, o programa tem
como objetivo “o atendimento de necessidades habitacionais de famílias de baixa
renda, organizados em Cooperativas ou Associações Civis com fins habitacionais”
4
(Perondi, p.9, 2007). O programa tem como diferencial a taxa de juro zero,
antecipação de parcelas do financiamento, além do incentivo à produção de
habitação em regime de ajuda mútua. Para Perondi (2007), essa política
habitacional proporciona um estimulo às experiências em ajuda mútua, participação
popular e cooperativismo, tentando encontrar soluções para os problemas
habitacionais.
No entanto, após 3 anos de sua criação, poucas moradias foram concluídas,
apesar da grande demanda pelo produto. Destinado à população de baixa renda,
parte mais afetada com a falta de moradia, o programa não conseguiu atingir os
números esperados de propostas contratadas e nem reduzir o déficit por moradia.
Por que motivo um programa com grande demanda não conseguiu obter os
resultados esperados? Seria este programa uma saída para a redução do déficit
habitacional no Brasil, principalmente nos grandes centros urbanos, locais com a
maior concentração de pobreza?
Para melhor compreender a situação da produção moradia popular no Brasil e
os motivos que levaram ao acréscimo do déficit habitacional, no Capitulo 1 serão
levantadas as causas que levaram ao crescimento das cidades e ao aumento de
suas periferias, levando sua população a encontrar soluções para moradia; soluções
que nem sempre atendem às condições ideais de salubridade, dignidade e
qualidade de vida esperadas para uma grande cidade.
No Capitulo 2, veremos algumas experiências em políticas públicas
destinadas à produção habitacional para as camadas populares. Tendo como base
uma revisão de literatura sobre o tema, esse capítulo descreve algumas soluções
bem sucedidas de paises da América Sul na busca de soluções para a produção de
moradia popular, idéias que influenciaram o cooperativismo e processos de ajuda
mútua no Brasil. Além disso, apresenta um histórico das políticas habitacionais
nacionais anteriores ao programa e outras que tentaram mudar o cenário destas
políticas, buscando soluções para diminuir o déficit habitacional brasileiro e levando
os movimentos sociais a reivindicar a participação na tomada de decisões para
garantir o provimento de habitação de interesse social.
As experiências realizadas por associações ligadas a esses grupos, como o
Movimento Nacional de Luta por Moradia, a Confederação Nacional de Associações
de Moradores, a União dos Movimentos de Moradia e a Central dos Movimentos
5
Populares, levaram-nos a acreditar que seria possível replicar essas soluções em
nível nacional, buscando junto ao governo federal, uma política que garantisse
atender com a construção de moradia, a população de baixa renda.
No Capitulo 3 será apresentado o programa Crédito Solidário, suas regras e
critérios de seleção. Tendo como base as experiências na operacionalização do
programa, por meio de levantamentos feitos em documentos do Ministério das
Cidades, Caixa Econômica Federal e os movimentos sociais, será demonstrada a
situação da implementação do programa em todo o território nacional, tentando
identificar quais foram as dificuldades encontradas durante os 3 anos de sua
existência.
No Capitulo 4 será feito um levantamento da implementação desta política
pública junto às associações e cooperativas do Distrito Federal e Entorno. O objetivo
é identificar quais foram os motivos que levaram um programa de grande demanda
na região a obter tão poucos resultados. Tendo como base os levantamentos feitos
pela CAIXA e de uma revisão literária em estudo sobre o produto, obtém-se uma
visão critica sobre a questão. No quarto e último capítulo, o estudo trata das
conclusões a respeito do problema citado, buscando analisar as hipóteses
levantadas durante esta pesquisa.
6
CAPITULO 1 – A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO
Este
Capítulo
tem
como
objetivo
demonstrar
como
o
crescimento
desordenado das cidades afetou o problema de falta de habitação, concentrado
entre as classes mais pobres da população.
Diante disso, algumas políticas governamentais foram criadas para tentar
resolver o problema de falta de moradia nestes locais. No entanto, conforme vários
autores, a produção governamental não foi suficiente para solucionar problema, que
somada a um contexto político e econômico desfavorável, levou os moradores dos
centros urbanos a ocupar desordenadamente as periferias, encontrando soluções
alternativas a construção de suas moradias.
1.1 – Processo de urbanização das metrópoles brasileiras – formação das
periferias, falta de infra-estrutura e autoconstrução
No Brasil, o processo de urbanização das metrópoles se deu no século XX,
quando as cidades passaram a ser o símbolo da modernidade e do progresso
industrial. A substituição da população agrária e mão de obra escrava pelo
trabalhador assalariado foi mais intensa à partir da década de 1930, que se somou
ao processo de imigração estrangeira e migração dos moradores do campo para as
cidades.
Do agrário exportador para a industrialização, o Brasil passou por um grande
processo de urbanização, incentivado pela regulamentação do trabalho operário,
não extensivo ao campo (Maricato, 2003). Surgiram as leis de zoneamento, uso do
solo e códigos de obra, influenciados pelas propostas modernistas, com o intuito de
“regrar” a expansão urbana e garantir o crescimento planejado e ordenado. Segundo
Grostein:
“O processo de urbanização brasileiro, na segunda metade do
século XX, conduziu à formação de 12 regiões metropolitanas e 37
aglomerações urbanas não-metropolitanas, que concentram 47% da
população do país. Nas 12 áreas metropolitanas, residem 33,6% da
população brasileira (52,7 milhões de habitantes), em extensos
conglomerados que envolvem 200 municípios (Ipea/Unicamp-IENesur/IBGE, 1999)....Em apenas quatro décadas - entre 1950 e
1990 - formaram-se 13 cidades com mais de um milhão de
habitantes e em todas elas a expansão da área urbana assumiu
características semelhantes. (p. 13 e 14, 2001)”.
7
No entanto, esse processo de urbanização não se deu como idealizado pelos
princípios de industrialização e progresso. A população proveniente das áreas rurais
passou a constituir a grande massa de assalariados mal remunerados que incharam
as metrópoles brasileiras. Excluídos do acesso ao mercado imobiliário privado e na
ausência de uma política para habitação, a cidade legalizada idealizada pelos
princípios modernistas passou a ser substituída pela cidade “ilegal” dos loteamentos
irregulares, ocupações de áreas de risco, exclusão social e pobreza.
No inicio do século XX, as reestruturações urbanas e o fluxo migratório, foram
os fatores responsáveis pela ocupação das periferias e pela formação de
assentamentos irregulares. São Paulo viu, com seu plano de avenidas, uma enorme
quantidade de despejos e desapropriações. O mesmo se deu no Rio de Janeiro e
em Salvador, onde a população que ficou sem moradia ocupou áreas vazias dando
origem às primeiras favelas. Muitas das casas desapropriadas pela onda higienista
dos urbanistas eram cortiços que abrigavam a maior parte da população de baixa
renda das cidades, muitos trabalhadores das indústrias. Sem ter para onde ir, os
loteamentos de periferia e assentamentos informais surgiram como solução de
moradia barata em um mercado não dispunha de ofertas de imóveis que
atendessem a essa população.
A um custo baixo era possível adquirir um lote em áreas mais distantes e
iniciar a construção de uma moradia que atendesse as necessidades da família. As
casas, construídas pelos próprios moradores, começaram a ocupar os loteamentos
periféricos em áreas rurais. Os loteadores lucravam muito parcelando irregularmente
suas fazendas que não dispunham de benfeitorias, porem, em negociações com as
empresas de transporte, conseguiam suprir as áreas de transporte coletivo, para
levar os trabalhadores ao seu local de trabalho.
Esses empreendedores viram nas camadas mais pobres a chance de lucrar
com a venda de suas terras. Em geral, as áreas mais distantes eram vendidas
antes das áreas contiguas à urbanização existente. Com a chegada da infraestrutura, os vazios entre a cidade e o loteamento poderiam ser vendidos a valores
mais altos, pois a terra se valorizava. Para Bonduki:
“Ao deixarem vazias glebas entre os novos loteamentos e a área já
urbanizada, e no interior de um mesmo loteamento, os
empreendedores podiam vender muito barato os terreno pioneiro,
pois sua ocupação e a reivindicação popular por melhorias
valorizavam ainda mais os lotes não vendidos, garantindo altos
lucros no futuro. Para o trabalhador de renda muito baixa, era a
8
oportunidade de pagar pouco. A malha urbana tornou-se, assim,
verdadeiro mosaico, no qual os arruamentos mais antigos foram
ocupados por trabalhadores mais pobres, ao passo que os
contíguos foram adquiridos sucessivamente por setores de renda
cada vez mais alta. Ou seja, era a especulação com a terra que
permitia vender tão baratos os primeiros lotes” (p. 304, 2005).
O problema da falta de moradia se intensificou com a inexistência de políticas
governamentais para atender a demanda por habitação e suas necessidades, como
transporte, saúde e infra-estrutura. As primeiras iniciativas públicas na produção de
habitação para essa população tiveram inicio na década de 1940. No entanto, além
de não garantir a produção de unidades suficientes para a demanda crescente, essa
produção não conseguiu atingir as famílias mais carentes.
Por outro lado, a criação do Banco Nacional de Habitação e do Sistema
Financeiro de Habitação em 1964, ao invés de inserir moradia no contexto urbano,
excluiu a população dos núcleos consolidados, criando verdadeiras “cidadesdormitório” e contribuindo para o aumento das periferias de nossas metrópoles. A
produção habitacional do BNH (Banco Nacional de Habitação) foi responsável
também pela verticalização destas cidades, modificando o padrão urbanístico usual,
proporcionando o adensamento daquelas localidades. Para Maricato:
“É com o Banco Nacional da Habitação integrado ao Sistema
Financeiro da Habitação, criados pelo regime militar a partir de
1964, que as cidades brasileiras passam a ocupar o centro de uma
política destinada a mudar seu padrão de produção. A drenagem de
recursos financeiros para o mercado habitacional, em escala nunca
vista no país, ocasiona a mudança no perfil das grandes cidades,
com a verticalização promovida pelos edifícios de apartamentos.
Mas é com a implementação do SFH. Sistema Financeiro da
Habitação, em 1964, que o mercado de promoção imobiliária
privada, baseado no edifício de apartamentos, consolida-se por
meio de uma explosão imobiliária.” (p.23, 2000)
Apesar da grande produção do banco durante sua existência, o financiamento
imobiliário não foi capaz de impulsionar “a democratização do acesso à terra por
meio da função social da propriedade” (Maricato, p. 23, 2000).
A dificuldade em acessar a terra legalizada incentivou o surgimento de
loteamentos irregulares e ocupações informais que ocupavam áreas de proteção de
mananciais, fundos de vale, beira de córregos e encostas, colocando a população
em situação de risco e impedindo a legalização destas áreas. Além disso, como
veremos no segundo capítulo, sua produção não atendeu à população com renda
9
inferior a 3 salários mínimos, excluindo ainda mais a população mais pobres das
grandes cidades.
“A criação do SFH e do BNH não conseguiu atender às
necessidades habitacionais das camadas mais pobres da
população, sendo mesmo questionável se era esse o propósito real
dessas instituições, já que grande parte do financiamento de
moradias destinou-se aos estratos de rendimento médio e alto da
população, de acordo com o interesse das empresas do ramo da
construção civil. O BNH, porém, produziu mudanças radicais no
sistema financeiro público e privado, bem como propiciou a
modernização e concentração das empresas do ramo de
construção civil, visando sempre a acumulação capitalista mais do
que o atendimento ao problema habitacional.” (Botelho, p. 3, 2005)
Nas décadas de 1970 e 1980, vimos o crescimento das periferias das
metrópoles brasileiras. Ao lado dos grandes conjuntos habitacionais e aumentavam
o numero de favelas e loteamentos informais, em locais onde a participação estatal
era nula e só se efetivava anos após ocupação, mediante pressão dos moradores ou
por motivos eleitoreiros. Grostein afirma:
“A significativa concentração da pobreza nas metrópoles brasileiras
tem como expressão um espaço dual: de um lado, a cidade formal,
que concentra os investimentos públicos e, de outro, o seu
contraponto absoluto, a cidade informal relegada dos benefícios
equivalentes e que cresce exponencialmente na ilegalidade
urbana.”(p. 14, 2001)
Essa irregularidade presente nas cidades brasileiras, porém mais comum nos
grandes centros urbanos, caminha ao lado da formalidade construtiva rigorosa
imposta pelas prefeituras que impede a legalização das áreas ocupadas de forma
irregular. Com isso, o acesso ao mercado imobiliário formal passa a ser “artigo de
luxo” para a população mais pobre, que busca a solução para o problema por sua
conta e risco, prevalecendo o cenário da casa autoconstruída e da ilegalidade. Para
Maricato (2003), o acesso ao financiamento de moradia, à terra urbanizada e
regularizada não tem atingido nem mesmo faixas da classe média (famílias com
renda de cinco a dez salários). Para Gronstein:
“...prevaleceu a difusão do padrão periférico, condutor da
urbanização do território metropolitano, perpetuando, assim, o
loteamento ilegal, a casa autoconstruída e os distantes conjuntos
habitacionais populares de produção pública, como seus principais
propulsores” (p. 14, 2001).
Assim, podemos citar três realidades presentes nas metrópoles brasileiras:
primeiro, a cidade legal, do mercado imobiliário formal e regularizado, construído
10
conforme as leis de uso do solo, zoneamento e código de obra, acessível às classes
média e alta; segundo, a cidade das políticas públicas de habitação de interesse
social, proveniente do modelo BNH (Banco Nacional de Habitação), das periferias,
das grandes obras viárias e de infra-estrutura, construída para sustentar os
empreendimentos distantes; e a terceira, a cidade “ilegal”, dos loteamentos
irregulares, ocupações de áreas de preservação ambiental, das encostas, das áreas
públicas, que abrigam a faixa de população mais pobre da cidade, com suas
moradias provenientes de autoconstrução.
Para contornar a falta de habitação perante a grande demanda, foi adotado o
modelo modernista de grandes conjuntos habitacionais, focando na verticalização e
adensamento. Esse modelo foi reproduzido nos grandes centros urbanos até
meados da década de 1980, quando a crise econômica e “falência” do SFH (Sistema
Financeiro de Habitação) levaram os municípios a atuar de forma mais intensa no
atendimento às demandas habitacionais, proporcionando experiências diferenciadas
na produção de habitação popular, que serão detalhadas no Capítulo 2.
O crescimento populacional das periferias tem sido maior que o dos núcleos
centrais nas regiões metropolitanas. Em geral, essas áreas são ocupadas pela
população mais carente, mais concentrada nos centros urbanos. Para Maricato
(2001), entre 1991 e 1996, as periferias das 12 grandes metrópoles brasileiras
cresceram 14,7%, ao passo que os municípios centrais cresceram somente 3,1% no
mesmo período. Isso reflete o crescimento desordenado e falta de planejamento
urbano presente no Estado, além da dificuldade do acesso à terra legalizada,
considerando que estas periferias concentram a maior quantidade de ocupações de
áreas irregulares e loteamentos clandestinos.
Ao mesmo tempo, vemos o esvaziamento dos centros destas grandes
cidades, muitas com crescimento negativo, com grande vacância do estoque
imobiliário, enquanto surgem as novas centralidades urbanas. Há uma grande
quantidade de imóveis vagos nos centros urbanos, em áreas já servidas por
sistemas de transporte, infra-estrutura e serviços, enquanto o crescimento das
periferias continua aumentando. No entanto, essa situação tem proporcionado o
surgimento de experiências inovadoras, que tem como objetivo a revitalização
destes edifícios desocupados que são transformados em edifícios para habitação
popular (Nobre e Bonfim, 2001).
11
A falta de políticas públicas voltadas ao planejamento urbano não está
concentrada somente na área da produção habitacional. Vemos que não existe uma
articulação entre as redes urbanas que formam as metrópoles brasileiras, deixando
de lado o planejamento integrado das políticas que visam o atendimento das
demandas em comum.
O crescimento desordenado dos municípios que integram estas áreas reflete
na qualidade de vida da população de toda a região, principalmente se
considerarmos as ocupações irregulares de áreas de proteção ambiental e a
exclusão social causada pela ilegalidade destes assentamentos. Apesar de constar
como diretriz da Agenda 21, a formulação de políticas públicas de desenvolvimento
urbano não contemplam as diretrizes e normas que deviam garantir as melhorias
necessárias para as grandes metrópoles. Para Gronstein:
“A Agenda 21, produto da conferência do Rio - ECO 92, e a Agenda
Habitat estão pautando as políticas públicas e as práticas urbanas
de diversas cidades e metrópoles. Entre as diretrizes aí formuladas,
destacam-se: a idéia de desenvolvimento sustentado; a
necessidade de coordenação setorial; a descentralização de
tomada de decisões; e a participação das comunidades
interessadas em instâncias específicas da gestão urbana.” (p. 16,
2003)
No entanto, o que vemos em nossas metrópoles é a falta de planejamento
urbano, falta de políticas integradas e ausência de articulação entre os diversos
municípios. Apesar de serem os grandes pólos de concentração de renda, as
metrópoles são também os locais que abrigam a maior concentração de pobreza,
resultado de um processo de industrialização que atraiu a população migrante das
áreas rurais sem disponibilizar de um provimento de habitação e infra-estrutura para
receber essa demanda.
Para Ferreira (2000), a urbanização desigual é o resultado deste processo de
industrialização tardio, presente nos países do terceiro mundo, que resultam nas
desigualdades sociais e concentração de pobreza, aumento da informalidade, com
inadequação física das construções, problemas ambientais e ausência de infraestrutura.
Fica evidente que existe falta vontade política por parte dos municípios em
planejar com critério o crescimento das cidades, principalmente daquelas que fazem
parte de aglomerações urbanas e não agem de forma conjunta na solução de seus
problemas. O crescimento econômico destas áreas sem políticas públicas que
12
garantam a provisão dos serviços básicos de habitação, infra-estrutura e
equipamentos comunitarios acaba gerando maior concentração de pobreza e
incentivando o crescimento desigual e irregular dos assentamentos urbanos.
1.2 – Produção habitacional nos centros urbanos
O crescimento das cidades, desde o início do processo de urbanização no
Brasil, transformou o mercado de terras e a produção habitacional no meio urbano.
Tanto com a produção de habitação através da autoconstrução pela população mais
carente, como pela produção formal pela indústria da construção civil que contou
também com políticas públicas de financiamento.
O Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação
(BNH) tiveram papel fundamental na consolidação do mercado imobiliário, alterando
o perfil das cidades brasileiras, verticalizando as áreas centrais e valorizando o
preço da terra (Maricato, 1995). Esse cenário foi responsável pelo aumento das
favelas e loteamentos informais das periferias, pois expulsou a população de baixa
renda das áreas centrais.
Ao mesmo tempo, o financiamento da habitação para a classe média
incentivou o surgimento de novas técnicas construtivas e matérias, consolidando
novas empresas da indústria de construção.
Entretanto, a situação das classes populares não havia mudado e o cenário
da autoconstrução e dos loteamentos informais persistiu. A criação da Lei Federal
6.766 de 1979, que regulamenta o parcelamento do solo e atribui ao loteador a
obrigação de fornecer infra-estrutura às áreas parceladas, não garantiu que novos
loteamentos irregulares surgissem ou que os empreendedores fossem penalizados
por não dotarem as áreas de redes de água, energia elétrica e pavimentação.
Para piorar a situação, a Lei ainda impedia a regularização de áreas já
consolidadas, como algumas favelas que não atendiam aos critérios estabelecidos
pelo documento, como dimensões mínimas de ruas e lotes.
As cidades brasileiras foram aos poucos incorporando em sua malha urbana
os assentamentos informais que, a cada dia, se transformavam com a suas
habitações provenientes da autoconstrução, sem revestimento e sem planejamento
arquitetônico, e com suas ruas sinuosas que aos poucos eram pavimentadas pelo
poder público, fazendo surgir novos bairros.
13
Segundo a opinião de vários autores, a moradia construída pelo próprio
morador passou a fazer parte do cotidiano da população brasileira mais carente, que
não contava com as linhas de financiamento disponíveis e nem possuíam recursos
suficientes para adquirir sua casa própria do mercado imobiliário formal.
“Assim, a autoconstrução torna-se a solução possível para amplas
camadas populares resolverem seus problemas habitacionais. Em
função da escassez de recursos e de tempo disponível, essas
construções prolongam-se por um largo período de tempo e se
caracterizam pelo tamanho reduzido, baixa qualidade dos materiais
empregados, acabamento precário e tendência à deterioração
precoce.” (Maricato, Ribeiro e Azevedo apud Azevedo, p. 26, 2007).
Essas moradias, apesar de solucionar o problema de falta de habitação
destas famílias, não proporcionava aos seus moradores o conforto térmico e
condições salubres de iluminação e ventilação. Além disso, a baixa qualidade
construtiva e dos materiais piorava ainda mais as condições das moradias.
No entanto, não é novidade nas periferias das nossas cidades esse tipo de
empreendimento que, aliado ao loteamento distante, passou a fazer parte da classe
trabalhadora dos centros urbanos. Na visão de Bonduki, a casa auto-empreendida
tem algumas vantagens perante as demais formas de moradia - aluguel e
coabitação - pois nesta a família pode moldar a casa às suas necessidades e não se
adaptar à realidade existente. Além disso, a casa própria proporciona a segurança
de um abrigo permanente a um custo baixo, já que emprega mão de obra do próprio
morador em sua construção.
A moradia também representa a garantia de inserção na sociedade, pois traz
status social ao seu morador e tornar-se “um refugio seguro contra as incertezas que
o mercado de trabalho e as condições de vida urbana reservam ao trabalhador que
envelhece”(Bonduki, p. 310, 2004).
Em seu estudo, Bonduki verificou que, na cidade de São Paulo, ao
aventurarem-se na periferia dos anos 1940 a 1950, os habitantes destas áreas
foram bem sucedidos, pois de alguma forma puderam participar do progresso da
cidade e ver suas casas serem incorporadas à malha urbana, valorizando o
investimento feito em suas moradias. Assim, puderam garantir aos seus
descendentes uma qualidade de vida mais digna daquela que tiveram ao
ingressarem na região.
Conhecidas como “casas domingueiras” essas casas eram construídas pelo
próprio morador com ajuda de seus vizinhos. A construção das casas nos bairros de
14
periferia havia se tornado um evento comunitário, executado nas horas vagas destes
trabalhadores. No entanto, no início do século XX, a falta de conhecimento técnico
foi o motivo do desabamento de algumas casas. Era comum também a escassez de
material, pois muitos deles eram importados.
O governo não se sentia obrigado a prover habitação à população mais
carente e somente começou a atuar quando a pressão política da sociedade se
intensificou. No entanto, não foi elaborada uma política para habitação. Na descrição
de Bonduki:
“Financiar ou alugar moradias de baixo custo, sem dispor de
recursos para dar continuidade à ação, não configurava uma política
social e sim populismo, com objetivos políticos de curo prazo. Uma
política de habitação social deveria estabelecer critérios de
investimento que dirigissem os subsídios para quem de fato tinha
necessidade, definindo a origem dos recursos necessários para
cobri-los. E, por outro lado, garantir o retorno dos recursos a serem
financiados para que não houvesse depreciação de seus fundos. Só
nestas condições seria possível manter um fluxo constante de
recursos para sustentar a produção habitacional”(p. 108, 2005).
Fica evidente a falta de política habitacional quando comparamos a produção
de Fundação da Casa Popular (FCP) com a produção dos Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs). Enquanto o primeiro produziu 18.132 unidades
habitacionais, o segundo produziu 123.995 unidades habitacionais para as classes
populares.
A solução foi a construção da moradia pelas mãos do próprio trabalhador nos
loteamentos clandestinos. Sendo assim, as chamadas casas domingueiras se
proliferaram nas periferias das cidades, contando com a mão de obra dos vizinhos e
amigos que, em suas horas vagas, construíam suas casas e as demais da
comunidade.
No entanto, estes loteamentos não dispunham das benfeitorias inerentes à
malha urbana, ficando o poder público, com o passar dos anos e a pressão dos
moradores, com o ônus pela execução desta obras.
Assim, o cenário nas principais cidades brasileiras, após a década de 1940,
era de uma expansão urbana crescente, com uma grande necessidade de obras de
infra-estrutura, tanto nos conjuntos habitacionais em construção pelo poder público,
como nos loteamentos populares das periferias. E a construção desta infra-estrutura
se tornou objeto de troca de favores entre a população e os políticos da época.
15
As primeiras inovações na produção de habitação popular vieram dos
Institutos de Aposentadoria e Pensão que abordaram o problema com soluções
criativas e de influência modernista. Como forma de reduzir custos, os projetos dos
Institutos buscavam a verticalização com a construção de edifícios de apartamentos
e técnicas construtivas que beneficiavam a produção em escala. Com esse tipo de
solução era possível construir uma quantidade muito maior de moradias em relação
às intervenções horizontais. Assim, outra inovação foi a quantidade de unidades
habitacionais por empreendimento, que chegavam a superar mil unidade em
tipologias variadas.
Na visão modernista, buscava-se romper com a habitação tradicional e
transformar a casa na “máquina de morar”, valorizando os espaços públicos e de
uso comunitário. Ao contrario da casa em loteamento que não dispõe de convívio
comunitário, os conjuntos habitacionais dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e
Pensão) possuíam, em sua produção inicial, grandes áreas de convivência
propostas urbanísticas diferenciadas.
FIGURA 1.1 – CONJUNTO RESIDENCIAL PASSO DA AREIA
O Conjunto Residencial Passo da Areia, localizado em Porto Alegre/RS e construído pelo IAPI tem uma
implantação irregular, com uma grande diversidade urbanística, proporcionando qualidade de vida aos
moradores. O conjunto possui 2.496 unidades habitacionais com tipologias diferenciadas e vários espaços
públicos. Fonte: livro As Origens da Habitação de Interesse Social no Brasil, Nabil Bonduki, 2004.
16
Apesar de também produzirem habitações horizontais em loteamentos, foi
com nas construções verticais que vemos as principais inovações. Desde o
planejamento urbanístico das áreas de intervenção, que previam vários tipos de
habitações, mesclando edifícios de diferentes quantidades de pavimentos com
casas térreas e sobrados, visando as atender diversas faixas de renda atendidas
pelos Institutos e proporcionando uma diversidade urbanística.
FIGURA 1.2 – CONJUNTO RESIDENCIAL VILA GUIOMAR
O Conjunto Residencial Vila Guiomar em Santo André/SP, com 1.411 unidades habitacionais, incluindo edifícios
com apartamentos de 2 e 3 dormitórios e casas térreas. Apresenta a implantação diversificada, com projeto
urbanístico que aproveita as declividades naturais do terreno, proporcionando a diminuição da inclinação das
ruas em aclive ou declive. O aproveitamento da declividade do terreno na elaboração do projeto de arruamento
tende a reduzir o custo de execução da obra e os danos ambientais causados por grandes movimentos de terra.
Fonte: livro As Origens da Habitação de Interesse Social no Brasil, Nabil Bonduki, 2004.
Os edifícios também tinham vários tipos de apartamentos, com dois ou mais
dormitórios, alguns com apartamentos duplex (apartamentos com dois pavimentos).
Caso os terrenos não dispusessem de áreas livres para a construção de espaços
comunitários, estes eram construídos nos terraços das lajes de cobertura.
17
A grande diferença estava no estilo de morar proposto pelos arquitetos
modernista, que viram na habitação de interesse social a chance de introduzir
“novos hábitos e um modo de vida moderno que romperiam com o atraso do país”
(Bonduki, p. 138, 2005) e com as novas atribuições da classe trabalhadora. Os
blocos de habitação coletiva nos conjuntos habitacionais dotados de áreas de
convívio social, como equipamentos comunitários e espaços públicos de lazer, com
jardins, pilotis e ruas internas, vinham “em contraste à concepção da casa própria
isolada, com quintal, horta e criação de animais” (Bonduki, p. 140, 2005).
A visão modernista buscava a simplificação das atividades domésticas e a
racionalização dos espaços destinados aos serviços da moradia tradicional, como a
cozinha e as áreas de serviço, transferindo estas tarefas os locais de uso
comunitário. Essas relações modificaram a concepção entre o espaço público e o
privado e criaram a noção de que “não se habita apenas a casa e sim um conjunto
de equipamentos e serviços coletivos”(Bonduki, p. 149, 2005). Outra proposta
diferenciada dos Institutos foi a locação dos imóveis. Ao invés de vender as
moradias aos beneficiários, os Institutos locavam os apartamentos e casas e com a
renda do aluguel produziam mais moradias. Proprietário de muitas áreas nas
principais cidades brasileiras, que adquiriam com recursos provenientes das
locações, os Institutos conseguiam construir mais habitações que o Estado e suprir a
necessidade crescente por moradia da emergente classe trabalhadora.
Com a mesma intenção, o Departamento de Habitação Popular do Distrito
Federal, na época sediado na cidade do Rio de Janeiro, produziu alguns conjuntos
habitacionais com grandes inovações arquitetônicas e urbanísticas. Além de tentar
adotar o sistema de locação, não aceito pelos dirigentes do órgão, esses projetos
tiveram repercussão internacional, apesar de não terem sido bem recebidos pelo
publico brasileiro. É o caso do conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes,
mais conhecido como Pedregulho. O projeto foi inovador principalmente em sua
forma e concepção arquitetônica, já que consistia em uma célula urbana
independente, com todos os serviços e equipamentos disponíveis aos usuários do
conjunto.
O ideal modernista tentou romper com o modelo usual de loteamento urbano,
de casas isoladas, onde o lazer da família reduziu-se ao convívio familiar, quintal e
televisão e o convívio social às igrejas do bairro. Por isso, o modelo modernista não
18
foi bem aceito pela população mais conservadora que via maior segurança na
moradia isolada, distante do ambiente inseguro das ruas.
FIGURA 1.3 – CONJUNTO RESIDENCIAL DO PEDREGULHO
O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, localizado na cidade do
Rio de Janeiro/RJ, na época Capital do Brasil, possui dentro do complexo uma área destinada ao comércio,
serviços e recreação. Trata-se de uma concepção inspirada nos princípios de Le Corbusier e que recebeu
destaque na historia da arquitetura brasileira. Fonte : Vitruvius
Entretanto, após algumas propostas bem sucedidas, este modelo foi
transformado em uma forma de reduzir os custos da produção de moradia popular,
assimilando somente o conceito do adensamento e verticalização, deixando de lado
os espaços de convivência comunitária e as diversidades urbanísticas e
arquitetônicas.
Tanto o extinto Banco Nacional de Habitação, como os Institutos construíram
conjuntos habitacionais em larga escala. A verticalização passou a ser vista como
recurso que proporciona o adensamento e a redução de custos de produção e
aquisição de terrenos e as intervenções concentravam-se na construção dos blocos
19
residenciais idênticos e repetitivos, com poucos espaços de convivência dos
conjuntos modernistas.
“Essa incorporação parcial gerou, em conseqüência, o
empobrecimento gradativo dos projetos habitacionais ainda no final
do período dos IAPs, chegando a seu clímax na massiva produção
do BNH a partir de 1964, onde se manifesta apenas a busca cega e
inútil pela redução de custos, sem levar em conta as outras
perspectivas propostas pela arquitetura moderna. Com isso,
introduziu-se, no repertorio da habitação social brasileira, um
suposto
racionalismo
formal
desprovido
de
conteúdo
consubstanciado em projetos de péssima qualidade, monótonos,
repetitivos, desvinculados do contexto urbano e do meio físico e,
principalmente desarticulados de um projeto social”(Bonduki, p. 135,
2005).
Além disso, como muitos desses conjuntos foram construídos em periferias
distantes, foram grandes as despesas na construção da infra-estrutura destas áreas.
Com isso, grandes obras viárias foram executadas nas cidades para atender esses
novos bairros. Essas cidades-dormitório, construídas entre as décadas de 1940 e
1970 foram responsáveis pela expansão urbana e crescimento das periferias.
Com a extinção do Banco Nacional de Habitação o problema da falta de
moradia se intensificou. Por muitos anos, sem a produção estatal e distante do
mercado formal de moradia, a população de baixa renda encontrou a solução na
autoconstrução, em áreas ocupadas de forma irregular e em loteamentos
clandestinos.
O que vemos hoje é que as classes populares continuam a prática iniciada no
começo do século XX, no inicio da expansão urbana. É claro que, com a ampliação
da prática da autoconstrução, vemos uma melhoria na qualidade construtiva,
diferente do inicio desta prática, quando algumas “vinham abaixo” por falta de
conhecimento sobre o assunto.
Tentando aproveitar um conceito tão difundido ente as camadas populares,
alguns municípios passaram a implementar políticas habitacionais que se utilizavam
desta técnica para baratear a produção de moradia popular. Tanto em propostas que
envolviam urbanização de favelas, como em novos empreendimentos, a mão de
obra do beneficiário passou a ser parte integrante destas políticas que reduziram os
problemas de falta de moradia em alguns bairros.
20
CAPITULO 2 - Produção de moradia popular: uma visão geral das
experiências em autogestão
Diante de um novo cenário político e social, várias experiências de autogestão
na produção de habitação serviram como base para a formulação de políticas e
programas de financiamento da moradia popular, com propostas que foram
aplicadas no Brasil e em vários países da América do Sul. Com um déficit
habitacional de 7.902.699 moradias em 2005 (ver tabela 2.1), o Brasil ainda não
conseguiu elaborar uma solução viável para o atendimento da demanda por
habitação, principalmente para a população com renda familiar de até 3 salários
mínimos, responsável pela fatia de 90,3% do déficit habitacional (ver tabela 2.2).
TABELA 2.1 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL
Região
Déficit em 2005
Brasil
7.902.699
Norte
850.355
Nordeste
2.743.147
Sudeste
2.898.928
Sul
873.708
Centro-Oeste
536.561
Fonte: Dados básicos: IBGE – PNAD, 2005
Elaboração: Fundação João Pinheiro – déficit habitacional no Brasil 2005 – Mcidades – SNH
Visando atender às necessidades por moradia, várias soluções foram
experimentadas após a extinção do Banco Nacional de Habitação - BNH, contando
com os novos atores do cenário político da época. Essas experiências serviram de
subsidio para a elaboração de políticas públicas de combate à falta de moradia. Este
capítulo tem como objetivo apresentar um levantamento destas experiências na
produção de moradia popular com foco nos processos de autogestão dos recursos e
da construção e das políticas públicas praticadas na América do Sul e no Brasil que
serviram de exemplo para a criação do programa Crédito Solidário.
21
TABELA 2.2 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL POR FAIXA DE RENDA
Até 3 s.m.
De 3 a 5 s.m.
De 5 a 10
s.m.
Mais de 10
s.m.
Brasil
90,3
6,0
2,9
0,8
Norte
89,3
7,4
2,5
0,8
Nordeste
94,7
3,3
1,6
0,4
Sudeste
89,3
6,3
3,5
0,9
Sul
84,0
10,8
4,2
1,0
Centro-Oeste
90,4
5,7
3,0
0,9
Especificação
Fonte: Dados básicos: IBGE – PNAD, 2005
Elaboração: Fundação João Pinheiro – déficit habitacional no Brasil 2005 – Mcidades– SNH
2.1 - Experiências na produção de moradia popular nos países da América do
Sul e suas influências no Brasil
Considerando as diversas experiências já utilizadas em outros países da
América do Sul, podemos citar os programas de moradia popular implantados no
Chile como sendo os mais eficazes, na opinião de Carneiro e Valpassos (2003).
Com uma visão de que habitação para classe média e alta deve ficar a cargo do
setor privado, o governo chileno elaborou uma política destinada à habitação de
interesse social para atender uma demanda responsável por 64% dos gastos
públicos com habitação. Assim, o setor público ficou responsável por atender
famílias com renda inferior a U$ 260/mês.
O Plano divide os grupos de renda em dois, no caso da renda familiar inferior
a U$ 120/mês, existe o plano Viviendas Progressivas e para a população com renda
entre U$ 120 e U$ 260, existe o plano Viviendas Básicas. O primeiro prevê uma
habitação completa em duas etapas. Na primeira etapa a família deve ter uma
poupança prévia de no mínimo U$ 260 para receber um subsídio de U$ 4.292,
acessando uma habitação com 20 metros quadrados. Posteriormente existe a
possibilidade de financiar uma ampliação de 15 metros quadrados, já prevista no
projeto inicial, desde que o valor da habitação não ultrapasse U$ 6.300. O
financiamento da segunda etapa pode ser feito nas seguintes condições: não
22
ultrapassar 75% do valor da moradia, apresentar poupança prévia e comprometer
até 25% da renda familiar com o financiamento, que pode ser pago em até 8 anos.
O segundo plano, destinado as famílias com renda maior, fornece um
subsidio de até 75% do valor da casa, que tem área construída de 41 metros
quadrados e o valor entre U$ 7.800 e U$ 10.730. O saldo restante pode ser
financiado em até 20 anos com taxa de juros de 8% ao ano, sendo que a prestação
mensal fica em torno de U$ 13.
O Governo chileno tem planos destinados à população rural, como forma de
diminuir o fluxo migratório para as cidades e também tem planos especiais
destinados aos trabalhadores organizados em cooperativas e sindicatos. Porém, é o
Programa de Subsidio Unificado, destinado à aquisição de moradia, que tem maior
aceitação pelo público. Nesse programa, o sistema é dividido em 3 grupos de valor
máximo por unidade habitacional, sendo que o subsídio varia conforme o valor da
residência. Os critérios para participar do programa é não possuir casa própria e
nem ter poupança em outra instituição financeira. Segundo Carneiro e Valpassos:
“O programa acima descrito enraizou-se de tal forma na cultura
familiar chilena que se tornou normal a abertura de contas
poupança para aquisição de residências, por parte dos pais, em
nome dos filhos quando estes completam idade em torno de 16
anos, assim como é feito nos Estados Unidos em relação ao
pagamento da universidade.” (p. 46, 2003)
Outro exemplo de sucesso é empregado no Uruguai, país com um histórico
de associativismo e auto-organização na forma de movimentos sociais. No final dos
anos 60 foi sancionada a Lei Nacional de Vivienda, já formulada no Plan Nacional de
Vivienda de 1962. O programa era vinculado operacionalmente às organizações
sindicais do país e tinha uma carga política muito acentuada.
A Cooperativa de Auxilio Mútuo, que surgiu no Uruguai em meados dos anos
60, se destaca pela proposta de cooperativismo visando reduzir o custo de
construção em 20%, podendo assim melhorar a qualidade da habitação na forma de
uma área construída maior e nos acabamentos da residência. Na visão de
Westendorff:
“Não fossem rigorosamente reprimidos pelo governo militar entre
1973 e 1985, o movimento de cooperativas habitacionais de
assistência mútua poderia estar muito mais disseminado do que
encontra-se hoje. Entretanto, a experiência uruguaia teve sucesso
suficiente para inspirar movimentos habitacionais em toda a
América Latina.” (p. 14, 2007)
23
A cooperativa contou com a parceria das autoridades locais e o auxilio de
uma ONG, que prestou assessoria técnica na elaboração dos projetos. Foram
desenvolvidos métodos inovadores de construção e de produção de materiais. A
cooperativa também forneceu um treinamento aos movimentos populares, bem
como assistência jurídica ao público e outros serviços.
Além disso, para facilitar o acesso a terra, o Governo do Uruguai criou o
Banco de Terras, onde o Poder Público cede ou vende terras às cooperativas. O
objetivo e reduzir as dificuldades da busca por terra legalizada para construção. A
questão da aquisição da terra é sempre considerada uma das maiores dificuldades
no acesso à moradia para a população de baixa renda, sendo também um dos
principais entraves nos processos de autogestão praticados no Brasil. Para Nahoum:
“...os elevados custos de construção que existem no Uruguai
(produto de múltiplos fatores, entre eles os elevados tributos, a
especulação sobre o valor da terra e materiais de construção, a
necessidade de conforto térmico e de controle de umidade
cuidadosos devido a existência de fatores climáticos rigorosos e o
custo da mão de obra, que conservam um alto nível em relação a
região) acabam por impossibilitar a um trabalhador o acesso ao
autofinanciamento de sua moradia em prazo razoáveis.” (p. 135,
2002)
Desta
forma,
tornou-se
imprescindível
às
cooperativas
habitacionais
uruguaias contar com financiamento público para subsidiar a produção de moradia.
Através da gestão diferenciada e participativa na administração da obra, eles
conseguiam produzir unidades habitacionais de melhor qualidade e mais
confortáveis que as disponíveis no mercado. Isso contribuiu também para a melhoria
da qualidade de vida garantida pelos espaços públicos bem utilizados e melhor
cuidados em comparação com os conjuntos habitacionais produzidos pelo governo.
Porém, idéias similares vêm sendo formuladas desde 1957, quando John F.
C. Turner foi ao Peru trabalhar com habitação popular. Segundo Lopes e Rizek:
“Num artigo de 1983, Turner fazendo eco à afirmação de que o
melhor procedimento que o Estado pode adotar para melhoria das
condições habitacionais do povo é não produzir moradia, defende
que a ”provisão centralizada” tem de ceder lugar à “autogestão
local”, considerando a incapacidade operacional do Estado a
corresponder, através da provisão direta de moradia – projetos
“entrega da chave”, como denomina – ás efetivas demandas da
população pobre.” (p. 53, 2006)
24
Turner defendia a idéia de que o Estado deveria interferir o mínimo
necessário, deixando o processo de gestão dos recursos públicos destinados à
produção de habitação nas mãos dos futuros usuários. Só assim seria possível
garantir uma comunidade verdadeira e participativa, com projetos de geração de
renda, diferentemente dos conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado que
“massificavam” a forma arquitetônica e a plástica urbanística, tornando o espaço
monótono e sem identidade. Nas palavras de Royer:
“...os trabalhos de Turner, autor que trata do esgotamento do
modelo de provisão habitacional estatal pós-guerra e da emergência
de políticas de autoconstrução e “ações de autogestão” surgidas
localmente: “são esforços de grupos que se organizaram e
propuseram-se o autodesenvolvimento, independentemente do
mercado e do Estado”. Ainda citando Turner, diz que “a lucidez, no
caso, está em entender que a independência e a auto-suficiência
totais são impossíveis. Compreende-se a necessidade de
cooperação tanto das forças de mercado quanto do Estado”. (p.
108, 2002)
As idéias de Turner teriam influenciado algumas experiências realizadas no
Brasil em meados da década de 70, principalmente no Nordeste. Um deles foi o
Projeto Taipa em Pernambuco e as experiências realizadas pelo grupo ThABA na
Bahia enquanto na região Sul e Sudeste as experiências pareciam replicar o sistema
cooperativista do Uruguai.
No Brasil, apesar do mutirão ser bastante utilizado como prática de ajuda
mútua, o procedimento adotado aqui é muito diferente do modelo uruguaio, no que
se refere à gestão do processo. No Uruguai, os usuários têm completa autonomia na
gestão do processo, onde os futuros moradores participam, de forma coletiva, na
administração dos recursos.
Em uma comparação critica da tentativa de executar um modelo similar ao
uruguaio aqui no Brasil, Lopes e Rizek dizem o seguinte:
“...na medida em que a prática se estabelece como programa, as
disfunções e incompatibilidades se explicitam: lá, organização
sindical; aqui, movimento popular; lá, um plano e uma lei que
regulam a produção autogestionária de moradia em todo o país;
aqui, programas que não compõem sequer uma política habitacional
local; lá, cooperativas que, juridicamente, permitem o mútuo
coletivo, a propriedade comum e sua comercialização regulada;
aqui, associações comunitárias que mal e mal mantêm sua
condição como agente promotor que apenas atua como mediador
temporário entre o agente financeiro e o mutuário final.” (p. 58,
2006)
25
Desta forma, podemos concluir que os modelos adotados aqui foram
“copiados” sem uma previa avaliação das políticas habitacionais existentes e as
adequações necessárias a nossa realidade.
2.2 - As mudanças nas políticas públicas de moradia destinadas à população
de baixa renda
Em meados da década de 80, vários fatores contribuíram para o crescimento
do associativismo no Brasil. Por meio de pressão política, a população passou a
participar de forma mais ativa na elaboração de programas de governo,
principalmente na reivindicação de produtos destinados a um público com faixa de
renda entre 1 e 3 salários mínimos, população excluída, até então, do acesso à
moradia.
Dentre eles podemos citar o processo de democratização do país, momento
em que a sociedade passou a se organizar em forma de associações, cooperativas
e movimentos com objetivos comuns, passando a configurar como os novos atores
do cenário dos grandes centros urbanos. Segundo Risek, Barros e Bergamim
(2003), com a democratização que marcou a década de 80, houve um aumento do
associativismo e movimentos sociais organizados, principalmente na questão da luta
por moradia e acesso à terra. A partir dos anos 90, surgiu a possibilidade de atuação
conjunta entre Estado e sociedade civil, possibilitando parcerias entre as
associações e o Poder Público.
A Constituição de 1988, que dava maior autonomia aos Estados e municípios,
contribuiu também para que o poder público local atuasse de forma mais integrada
com a população, atendendo as reivindicações desses novos atores que passaram a
configurar o cenário nacional. Na visão de Royer:
“Eleitos pelo voto popular, os governos estaduais passam a se
preocupar com o desenvolvimento de políticas públicas e com o
atendimento das reivindicações das camadas populares. E, sem o
apoio da União, os governos de oposição vão passar a reivindicar
reformas estruturais e uma Constituição que estabelecesse um
novo pacto federativo, descentralizando a arrecadação de tributos e
dando maior autonomia aos entes da Federação”. (p. 22, 2002)
Desta forma, com maior autonomia e volume de recursos, os municípios,
principalmente aqueles localizados nas regiões metropolitanas do país, passaram a
atuar junto à comunidade na elaboração de políticas habitacionais que atendessem
26
à demanda por moradia popular. Foram implementadas diversas alternativas, muitas
com sucesso, que fugiam aos parâmetros dos demais programas habitacionais e
linhas de financiamento operacionalizados pelo Governo Federal. Para Cymbalista,
a partir da Constituição de 1988, o poder local passou a ser co-responsável na
elaboração de políticas habitacionais e urbanas, potencializando as experiências em
andamento no intuito de “preencher o vácuo criado pelo esvaziamento da política
nacional” (p. 3, 2005).
Com parte do recurso proveniente do poder público e em parceria de
Companhias de Habitação Municipais e Estaduais, as associações, cooperativas e
movimentos sociais passaram a participar da elaboração e construção de soluções
habitacionais em diversos municípios. Portanto, essas entidades surgiram como
proponentes de projetos habitacionais nas esferas locais, com diversas experiências
bem sucedidas na autogestão de recursos públicos.
Assim, tentando suprir as necessidades da população em relação ao déficit
habitacional, o poder local passou a implementar soluções alternativas na produção
de habitação, com experiências em mutirão e autogestão na administração da
construção. Com isso, foi dado o poder à essas associações na decisão dos
projetos, escolha dos terrenos e no regime de construção das moradias destinadas à
população de baixa renda, que passaram a participar da elaboração de soluções
habitacionais em diversos municípios.
Podemos considerar também a extinção do BNH – Banco Nacional de
Habitação como um dos fatos responsáveis pela descentralização das políticas de
habitação de desenvolvimento urbano. Este fato contribuiu também para o aumento
da autonomia dos Estados e Municípios em relação às políticas habitacionais,
passando para o poder local a responsabilidade pela oferta de moradia.
O próprio histórico das cidades mostra que a exclusão da população de baixa
renda, em relação às condições de habitação, existe há muito tempo. Na visão de
Nobre e Bonfim (2001), na década de 30, essas pessoas alugavam dormitórios nas
“casas de cômodo”, os cortiços. A partir da década de 50, passaram a configurar a
paisagem urbana dos grandes centros urbanos as habitações provenientes de
autoconstrução, localizadas em favelas, como forma de moradia predominante nas
camadas populares. Políticas de financiamento habitacional para essa população
começaram a surgir somente na década de 40, com a construção de conjuntos
27
habitacionais em áreas periféricas sem qualquer inserção com a malha urbana
existente.
As políticas habitacionais existentes na época surgiram de um ideal
modernista em fazer grandes conjuntos habitacionais. Com edifícios de 4 ou mais
pavimentos, esses conjuntos visavam garantir um adensamento maior em relação
aos agrupamentos de casas. Tais edifícios eram projetados tendo como foco o
funcionalismo e, em geral, os cômodos possuíam as dimensões mínimas
necessárias para cada função do habitar. Como visavam à função em detrimento da
forma, eram conjuntos monótonos que não proporcionavam a identidade do morador
com o espaço habitado e, por isso, este não se apropriava do espaço como deveria.
Programas de erradicação de favelas eram os responsáveis em levar a
população de baixa renda para os conjuntos habitacionais localizados nas periferias
distantes. Esses moradores das favelas nem sempre se adaptavam a nova
realidade, principalmente à distância em relação ao local de trabalho e acabavam
por abandonar suas novas moradias.
Ao mesmo tempo, as áreas centrais das regiões metropolitanas, apesar de
dotadas de infra-estrutura, serviços e transporte, eram esvaziadas e conjuntos
habitacionais eram construídos nas periferias sem qualquer critério, transformando
alguns bairros em cidades-dormitório.
“Além destas distorções de caráter socioeconômicas e dos
equívocos em termos de política pública, é necessário enfatizar o
desastre do ponto de vista arquitetônico e urbanístico da
intervenção realizada, opção por grandes conjuntos localizados na
periferia das cidades, estimulando a especulação imobiliária e
absoluto distanciamento entre a produção habitacional pública e as
práticas informais, que garantem a produção da cidade real, onde a
maioria da população mora.
Dentre os erros praticados se destaca o absoluto desprezo pela
qualidade do projeto de arquitetura e urbanismo, revelando-se clara
preferência por soluções uniformizadas, padronizadas e sem
nenhuma preocupação com a qualidade da moradia e com o
respeito ao meio físico. A lógica que regeu a implantação de
conjuntos habitacionais partia do pressuposto que estes núcleos
deveriam ser de grande dimensão e localizados no extremo da
periferia.
Desarticulada da política urbana, esta política de localização de
conjuntos contribuiu para agravar os problemas urbanos,
estendendo a área urbanizada para além do que seria necessário
para abrigar a população, gerando custos elevados na implantação
de infra-estrutura e de equipamentos sociais, além de tornar
necessária a criação de linhas de transportes coletivos deficitárias,
28
submetendo o trabalhador ao sacrifício de longos percursos no
trajeto local de moradia/local de trabalho.
Esta lógica é derivada dos objetivos da política do BANCO
NACIONAL DE HABITAÇÃO e das Cohab’s. Sem se preocupar com
os custos indiretos gerados pela construção da habitação, com a
qualidade de vida do morador e com o futuro da cidade, a intenção
primeira sempre foi gerar mais obras para as empreiteiras e manter
o processo de especulação imobiliária, através da criação de novas
zonas vazias entre a área já urbanizada da cidade e os novos
conjuntos.” (Bonduki, p.188, 2002)
Uma das primeiras alternativas em produzir habitação para a classe mais
pobre foi a Fundação da Casa Popular - FCP. Criada em 1946, foi o primeiro órgão
federal a tratar da questão da moradia popular, executando, durante sua existência,
16.694 unidades habitacionais distribuídas em 143 conjuntos. A Fundação foi extinta
em 1964 e, segundo Royer (2002), teve uma produção pífia perto do desempenho
dos Institutos de Aposentadoria e Previdência, que não foram criados com a
finalidade de produzir moradia.
Para melhor retratar a falta de políticas habitacionais destinadas às camadas
populares até meados da década de 80, apenas cerca de um terço das 4,5 milhões
de unidades habitacionais produzidas pelo Banco Nacional de Habitação foram
destinadas aos setores populares (Cymabalista, 2005). Essa precariedade foi bem
colocada também por Santos:
“É praticamente consensual na literatura a visão de que o SFH
apresentou desempenho bastante significativo ao longo do regime
militar, quando financiou algo em torno de 400 mil unidades
habitacionais anuais no seu período de auge (entre 1976 e 1982).
No entanto, o sistema foi incapaz de atender às populações de
baixa renda. Com efeito, somente 33,5% das unidades
habitacionais financiadas pelo SFH ao longo da existência do BNH
foram destinadas à habitação de interesse social e, dado que o
valor médio dos financiamentos de interesse social é inferior ao
valor médio dos financiamentos para as classes de renda mais
elevada, é lícito supor que uma parcela ainda menor do valor total
dos financiamentos foi direcionada para os primeiros”. (p.17, 1999)
Após anos de funcionamento do BHN, com a constatação de que não se
atingira a faixa de renda entre 0 a 3 salários mínimos e, com a intenção de recuperar
o mercado popular, novos programas foram elaborados. Desta forma, no período
final de sua existência, no intuito de recuperar seus objetivos originais, surgiram no
Banco Nacional de Habitação - BNH o PROFILURB, de 1975, o FICAM , de 1977, o
PROMORAR, de 1979 e o João de Barro, de 1984.
29
O PROFILURB - Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados - era um
programa destinado à produção de lotes urbanizados, basicamente para produzir
loteamentos dotados de infra-estrutura básica e, às vezes, previa também a
construção de uma casa embrião (sala, quarto e cozinha conjugados em um
cômodo, além do banheiro).
Foram produzidos 43 mil lotes urbanizados até a sua extinção em 1980,
quando foi substituído pelo PROMORAR. O PROFILURB era um programa que tinha
uma preocupação com a questão fundiária, prevendo a posse legal da terra a fim de
evitar o favelamento.
Os principais problemas observados foram: a escolha de terrenos
inadequados, que oneravam a produção dos lotes e a falta de coordenação entre as
agências públicas municipais que participavam das propostas, sendo elas as
COHABs e as concessionárias responsáveis pela infra-estrutura.
O FICAM - Programa de Financiamento da Construção, Conclusão e
Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Social – financiava habitação para
famílias inscritas nas COHABs e poderia ser utilizado em conjunto com o
PROFILURB.
O PROMORAR - Programa de Erradicação de Sub-habitação era um
programa diferenciado voltado à erradicação da sub-habitação com a urbanização
de favelas. Para Royer (2002), “a intenção não era remover os moradores, mas sim
requalificar o espaço urbano, sendo o maior entrave a questão da regularização
fundiária”.
Por se tratar de um programa destinado a intervenções em favelas, a maioria
delas oriundas de ocupações, a questão da regularização fundiária passou a ser
uma dificuldade na implementação do programa.
O programa tinha como principal objetivo a articulação com as companhias
habitacionais e “teve grande repercussão na década de 70, apesar da crítica, que
apontou no relacionamento entre o governo federal e os agentes descentralizados
do sistema a reedição de velhas práticas clientelistas” (Royer, p.14, 2002).
O programa João de Barro surgiu em virtude das inúmeras pressões e foi um
programa de autoconstrução assistida, elaborado nos mesmos moldes dos
programas implementados nos demais países em desenvolvimento da América da
30
Sul. Apesar da demanda significativa, a quantidade de unidades construídas pelo
programa foi muito pequena, provavelmente por ter sido criado dois anos antes da
extinção do Banco Nacional de Habitação - BNH.
O programa João de Barro, na opinião de Royer “ilustra a adaptação dos
programas financiados pelo sistema e a tentativa do governo federal de conciliar,
dentro da mesma lógica, interesses incomunicáveis, visando ao equilíbrio entre os
destinatários de sua política pública” (p.15, 2002).
Como gestor dos recursos do FGTS, era evidente o caráter institucional dos
programas geridos pelo Banco Nacional de Habitação - BNH: a implementação dos
programas era feita pelas COHABs regionais que, como agentes promotores, eram
responsáveis pela contratação de projetos e empresas construtoras, sem nenhuma
participação da população favorecida.
Com a introdução das novas políticas públicas habitacionais baseadas na
proposta de autoconstrução, os projetos de mutirão e autogestão foram deixando o
caráter da informalidade e passaram a ser enquadrados nas políticas municipais.
Essa mudança tirou do foco a empresa construtora, principal agente das políticas
para habitação, e colocou como ator principal o próprio mutuário, organizado em
associações ou cooperativas.
No entendimento de Royer (p. 10, 2002), “o modelo BNH/SFH, mais do que
planejar e executar políticas públicas de universalização do direito a habitação tinha
como papel preponderante a acumulação privada dos setores da economia
envolvidos com a produção habitacional”.
No ano de 1983, a crise do Sistema Financeiro de Habitação - SFH aumentou
e o Banco Nacional de Habitação - BNH foi extinto em 1986. Com isso, a Caixa
Econômica Federal passou a assumir a responsabilidade pelos repasses e pela
execução de políticas habitacionais, de saneamento e de desenvolvimento urbano
(Macuco – 2004).
“A Caixa Econômica Federal - um banco de primeira linha - tornouse o agente financeiro do Sistema Financeiro da Habitação,
absorvendo precariamente algumas das atribuições, pessoal e
acervo do agora antigo BNH. A regulamentação do crédito
habitacional passou para o Ministério da Fazenda, no âmbito do
Conselho Monetário Nacional, tornando- se, de modo definitivo, um
instrumento de política monetária, o que levou a um controle mais
31
rígido do crédito, dificultando e limitando a produção habitacional.”
(Bonduki, p. 188, 2002)
Com isso, houve uma redução nas linhas de financiamento e programas
existentes, afetando principalmente a população de baixa renda. Essa situação foi
agravada com a crise econômica que afetou o país no final década de 80.
Para ajudar a resolver a questão da habitação, o poder local passou a agir
como mais um ator na aplicação de soluções que atendessem a demanda existente
por habitação popular, quase sempre em parceria com a sociedade civil organizada.
Desta forma, o período pós Banco Nacional de Habitação - BNH foi marcado por
soluções alternativas que visavam suprir as necessidades locais por habitação.
Diferente dos programas do banco, as políticas habitacionais implantadas
pelo poder local, destinadas ao mercado popular, tinham como base a participação
dos mutuários. Essa participação tinha como objetivo principal a redução dos custos,
uma vez que a mão de obra era proveniente do próprio beneficiário. Além disso, nos
processos de produção do Banco Nacional de Habitação - BNH, o futuro morador
não tinha participação na elaboração de projetos ou na escolha do local do
empreendimento, sendo que muitas vezes os moradores eram removidos de áreas
centrais da cidade para periferias semi-urbanizadas com carência de serviços
básicos, como transporte, educação saúde e segurança.
Desta forma, o Poder Público local passou a investir em soluções de baixo
custo, em processos autogestionados, construídos por mutirão assistido. As
entidades organizadoras, na maioria das vezes associações de bairro ligadas a
movimentos de luta por moradia, participavam ativamente do processo, desde a
elaboração dos projetos, feito por assessorias técnicas de arquitetura e engenharia,
até a execução da obra, onde somente os serviços especializados eram
contratados. Todo o processo era assistido por equipes técnicas, provenientes das
assessorias ou das prefeituras.
Outras experiências bem sucedidas com política habitacional para população
de baixa renda foram realizadas pela Companhia do Desenvolvimento Habitacional
e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU. Era utilizado o mesmo sistema de
autogestão, porém nessas operações as entidades organizadoras não participavam
ativamente do processo. Neste caso, os projetos realizados por escritórios de
arquitetura, não eram discutidos com os futuros moradores e as assessorias não
tinham contato direto com os movimentos.
32
Com a maior parte dos serviços contratada com empresas especializadas,
somente os serviços básicos, como de ajudante de pedreiro, ficava sob a
responsabilidade dos mutuários. Esses serviços eram realizados prioritariamente
aos finais de semana, durante o tempo livre das famílias.
O uso do mutirão, como forma de diminuir os custos da construção, tem
gerado controvérsias, pois os mutirantes acabam se envolvendo com trabalho
pesado nos dias em que deviam se dedicar ao lazer e à família (Abiko &Coelho –
2005). As obras em regime de mutirão costumam ser concluídas num prazo muito
maior do que quando executadas com mão de obra contratada, pois o trabalho é
executado somente aos finais de semana.
Porém, para Nobre e Bonfim, “apesar da existência destes programas, não se
tem verificado até agora uma política abrangente que realmente responda às
necessidades existentes na cidade, tanto de renda, como de atuação e gestão da
população de baixa renda, havendo hoje diversos entraves” (p. 17, 2001).
2.3 As experiências brasileiras: produção habitacional no período pós Banco
Nacional de Habitação - BNH
Considerando a viabilização do acesso a moradia para a população de baixa
renda, podemos verificar que no Brasil esta ocorre proveniente da autoconstrução,
sempre a margem da regularização jurídica e fundiária da terra, criando problemas
futuros em relação à posse da mesma.
A falta de recursos suficientes para atender toda a demanda por moradia,
somada a deficiência de linhas de financiamento habitacional destinadas à
população de baixa renda, impede esse grupo de acessar a moradia por meios
formais, incentivando ocupações de áreas publicas e privadas na formação de
assentamentos irregulares.
Da mesma forma, fica inerente a desigualdade entre as classes sociais
quando verificamos a localização da habitação, na medida em que o acesso à
moradia legalizada para a população de baixa renda se dá nas periferias dos
grandes centros urbanos.
Assim, políticas de remoção de favelas, com o deslocamento da população
para áreas afastadas, passaram, aos poucos, a serem substituídas por programas
33
de urbanização destas áreas, com sistemas de autogestão e autoconstrução, na
medida em verificou-se os benefícios à sociedade da não remoção desta população.
As políticas tradicionais de habitação do Banco Nacional de Habitação - BNH
e Companhias de Habitação - COHABs, ao construir conjuntos padronizados com
uma enorme quantidade de habitações, criavam novos bairros nas periferias
distantes. Esses bairros nem sempre possuíam o atendimento suficiente de serviços
básicos, onerando, para o Poder Público, o custo de viabilização destes
empreendimentos. Conhecidos como cidades dormitórios, essas localidades foram
responsáveis por aumentar ainda mais as desigualdades sociais urbanas. Nas
palavras de Maria Ângela de Almeida Souza:
“Os movimentos sociais pela posse da terra e da moradia, que
eclodem nas grandes cidades brasileiras, a partir de meados da
década de 1970, antes de se constituírem expressão de luta pela
habitação, representam a luta pela própria permanência na cidade.
Ressaltam a dimensão territorial inerente à questão habitacional e
conferem à noção de acessibilidade – à habitação, à terra urbana e
à cidade – um caráter político-espacial denunciador de processos
de exclusão social” (p. 116, 2003).
No intuito de “tomar conta do processo”, vários movimentos sociais surgiram
com a preocupação central de garantir o direito a posse da terra e o acesso à
moradia. Atendendo as reivindicações destes movimentos, o poder local de diversos
municípios brasileiros conseguiu viabilizar moradia às classes antes excluídas deste
processo. Na descrição de Cymbalista:
“Os movimentos de luta por moradia no Brasil organizaram-se em
agregações nacionais como a União Nacional de Movimentos de
Moradia (UNMM) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia
(MNLN), ambos integrantes da Central de Movimentos Populares
(CMP), com atuação importante nos movimentos por moradia, e que
agrega movimentos populares também nas áreas de transporte,
gênero e raça. Além dessas, agregou-se também a Conam
(Confederação Nacional de Associações de Moradores), existente
desde o fim da década de 70 e que, na década de 90, passou a
participar nos fóruns nacionais de disputa pela construção de novas
políticas.” (p.2, 2005)
Na descrição de Bonduki (apud Pasternak e Baltrusis, p.25, 2003), o trabalho
comunitário “passou a ser um importante pólo de auto organização dos
trabalhadores para enfrentar seus problemas concretos”. Tentando encontrar uma
maneira de viabilizar moradia popular, nos mesmos moldes implantados em outros
paises da América latina, vários movimentos sociais de luta por moradia passaram a
34
atuar em conjunto com o poder local nos processos de construção de moradias.
Apesar dos recursos públicos destinados a essas ações, nem sempre os
movimentos tiveram autonomia na gestão destes recursos, ficando sua participação
limitada nas discussões em relação aos projetos e na provisão da mão de obra
mutirante.
Para esclarecer melhor sobre o mutirão, podemos classificá-lo como um
regime construtivo, conhecido também como sistema de ajuda mútua. Esse sistema
é muito utilizado em construções de moradia popular e consiste no principio de que
“todos constroem todas as casas”.
Ao final da obra, as casas são sorteadas. O fato de o futuro morador
desconhecer previamente qual será a sua casa é justamente uma forma de garantir
que a construção seja feita com mesma qualidade e evitar que ele construa a própria
casa e abandone ou relaxe na construção das demais.
Conforme a classificação de Abiko e Coelho (2006), um mutirão pode ser:
•
Mutirão por gestão institucional ou administração direta: o poder
público, através de empresas estatais de habitação (COHABs, etc), tem a gestão
total do empreendimento, elaborando os projetos, fornecendo assessoria técnica,
administrando os recursos, sendo que a participação dos futuros moradores é
somente no fornecimento de mão de obra mutirante.
•
Mutirão por co-gestão: nessa situação os poder público repassa os
recursos às associações, que ficam responsáveis por contatar assessorias técnicas
de engenharia ou arquitetura para elaborar os projetos e acompanhar as obras.
•
Mutirão por autogestão: a responsabilidade pelo gerenciamento dos
recursos e a administração da obra é da entidade organizadora, que também pode
contar com a participação de assessoria técnica ou apenas a contratação de um
engenheiro ou arquiteto autônomo.
O processo de autoconstrução difere do mutirão no fato de que cada um
constrói a sua própria casa, não existindo o conceito de ajuda mútua. Este regime é
mais adotado nos casos de reforma e conclusão do imóvel, ou, nos casos onde cada
um já possui o seu lote definido.
35
Ambos os regimes construtivos visam diminuir o preço de construção, pois
dispensam a contratação de mão de obra, item com custo elevado nos processos
construtivos tradicionais. Ao reduzir o custo, a área da unidade habitacional pode
ser ampliada, assim como os materiais empregados na construção podem ser de
melhor qualidade. Tais melhorias têm implicação direta na qualidade de vida do
futuro morador.
A autogestão não é um regime construtivo e sim uma forma de administração
da obra, onde os futuros moradores têm completa autonomia na gestão dos
recursos, contratação de serviços e mão de obra, bem como escolha dos materiais
empregados na obra. Além disso, pode estar prevista também a escolha e aquisição
do terreno.
Na visão de Nahoum (2002), para as cooperativas habitacionais, a ajuda
mútua e autogestão tem um duplo valor: econômico e social. O econômico pode ser
identificado no fato de que cada cooperado participa do financiamento da
construção, seja no aporte de recursos ou no trabalho de produção da habitação. O
valor social pode ser verificado na participação intensa dos mutuários, que envolvem
o grupo na tomada das decisões, desde a aplicação dos recursos até a construção
propriamente dita.
Neste processo, os cooperados estabelecem uma relação de apropriação
com o espaço construído muito maior do que com os sistemas convencionais de
construção, “adquirindo consciência da importância da solidariedade, de que juntos
de organizados podem muito mais...” (Nahoum, p. 134, 2002).
No processo de autogestão, o regime de construção adotado pode ser
mutirão, autoconstrução, mutirão misto ou até administração direta com contratação
de mão de obra. No caso de administração direta, a entidade organizadora pode
contratar uma construtora, empreiteira ou contratar diretamente a mão de obra
especifica para cada serviço, sempre com a supervisão de um responsável técnico.
Em geral, os recursos destinados à construção de moradia popular são
provenientes do poder público. Na análise de Macuco:
“A implementação de processos produtivos auto-gestionários pode
ou não utilizar o mutirão (ajuda mútua ), como método de
organização da construção, no todo ou em parte. Em geral, quando
os usuários optam pela utilização da ajuda mútua, o fazem incluindo
esta modalidade somente para as etapas menos complexas,
36
preferindo a contratação de profissionais ou firmas especializadas,
para as partes que exigem mais conhecimento técnico de
construção.” (p. 35, 2004)
Nos primeiro programas do Banco Nacional de Habitação - BNH que previam
os regimes de autoconstrução e mutirão, os usuários contribuíam somente com a
mão de obra e não tinham participação nas decisões mais importantes, como
escolha do projeto e tipo de acabamento.
A existência de financiamento público voltado para a produção de habitação
popular é um componente fundamental para o desenvolvimento do sistema
cooperativo, permitindo que as experiências pontuais passem a ser reproduzidas em
escala massiva (Nahoum - 2002).
Numa segunda etapa, quando o poder local passou efetivamente a tomar
conta das políticas habitacionais, devido a pressão dos movimentos sociais e no
intuito de dar maior poder de decisão a essas entidades, o processo de mutirão e
autoconstrução passou a ser geridos pelos próprios beneficiários, surgindo assim as
primeiras experiências em autogestão.
Em uma avaliação critica das primeiras experiências com produção
habitacional pelos movimentos sociais Lopes e Risek chegaram a seguinte
conclusão:
“Se São Paulo assistiu a um processo intensivo de articulação
política em torno dos mutirões autogeridos e inúmeras vertentes de
proposições técnicas e projetuais, Fortaleza viu as possibilidades de
gestão autônoma de produção esvaírem-se num ”mar de mutirões”
que reproduziam, alegoricamente, um sem-número de desenhos
diferentes de platibandas que nada mais faziam que esconder a
precariedade material e a pobreza da solução arquitetônica e
urbanística – guardadas algumas poucas exceções. Por outro lado,
se Fortaleza conseguiu congregar e assegurar um fluxo articulado
de recursos destinados aos mutirões (prefeitura, estado, agências
internacionais, ONGs, universidade e igreja), São Paulo sofreu
profundamente com a supressão dos financiamentos no período
Maluf/Pitta. Já em Belo Horizonte, a disputa pelo recurso para a
moradia dava-se no âmbito do Orçamento Participativo, instância de
orientação geral dos investimentos nos serviços urbanos. No
entanto, os grupos mais articulados eram justamente aqueles
ligados aos Movimentos de Moradia, os quais abocanhavam
praticamente todos os recursos disponíveis para investimento. A
solução foi criar um processo de discussão de orçamento exclusivo
para a habitação – o OPH –, para o qual era destinada uma parcela
previamente estipulada dos recursos de investimento.” (p. 81, 2006)
37
Mesmo assim, considerando as dificuldades enfrentadas durante o processo
e as críticas aos modelos adotados, algumas experiências serviram de base para
novas práticas e também contribuíram para o crescimento do associativismo na
busca de soluções para habitação popular.
É o caso do exemplo citado por Bonduki em relação aos trabalhos da
Associação de Construção Comunitária com habitação popular:
“ a partir de 1983, (quando) um grupo de 50 famílias comprou um
terreno, com auxílio da igreja, e desenvolveu, com assessoria
técnica autônoma, um projeto autogestionário para a produção de
casas. Após negociações com o governo do estado, obteve da
Companhia de Desenvolvimento Habitacional um financiamento
para a construção de casas, que – caso inédito (...) – foi repassado
diretamente para a associação, que pode gerir com total
autonomia.” (Bonduki, apud Pasternak e Baltrusis, p.26, 2003)
Na opinião de diversos autores, o caso dos conjuntos União da Juta e Vila
Cazuza, localizados no estado de São Paulo, podem ser consideradas experiências
bem sucedidas, ambas construídas em sistema de autogestão durante todo o
processo.
Localizado em Diadema, município da região metropolitana da Grande São
Paulo, o conjunto habitacional Cazuza, em sua primeira etapa de construção, com
100 unidades habitacionais, teve seus recursos provenientes do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço - FGTS. Esses recursos foram financiados pela Caixa
Econômica Federal, através do programa Prohap Comunitário.
O programa só financiou mais um empreendimento, da Associação de São
Bernardo, e foi resultado de intensas reivindicações do UMM (União dos
Movimentos de Moradia) em Brasília, junto ao Governo Federal na tentativa de
conquistar políticas públicas que previam linhas de financiamento destinadas à
habitação de interesse social.
No contrato de financiamento com a CAIXA, a Associação de Construção
Comunitária de Diadema configurava como responsável pelo empreendimento,
tendo total autonomia na gestão dos recursos. Os beneficiários figuravam também
como responsáveis na provisão de mão de obra não remunerada, portanto o regime
de construtivo era mutirão, e uma assessoria técnica ficou responsável perante o
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA pela elaboração dos
38
projetos e assistência técnica da construção. Neste caso, a remuneração da
assessoria era de responsabilidade do proponente, no caso, a associação.
Alguns entraves foram verificados no processo do Cazuza 100, como ficou
conhecida a primeira etapa do projeto. O não reconhecimento por parte do Instituto
Nacional de Seguro Social - INSS da mão de obra mutirante dificultou a legalização
do empreendimento ao término da obra.
FIGURA 2.1 – CONJUNTO HABITACIONAL CAZUZA DA AREIA
Fonte: http___habitare.infohab.orgCazuza
Como foi adquirida pela associação uma gleba bruta, várias dificuldades
foram enfrentadas para conseguir o parcelamento da terra, que previa inclusive
áreas públicas a serem doadas para a Prefeitura.
Atualmente os moradores pagam IPTU, inclusive sobre a área pública que
não foi doada ao município por falta de desmembramento, e pretendem legalizar o
imóvel na forma de condomínio, incorporando estas áreas ao imóvel. A segunda
etapa do projeto, de 280 unidades, contou com a poupança prévia dos moradores e
de financiamento proveniente de fundo municipal.
O caso da União da Juta, um conjunto de 160 apartamentos localizados na
Zona Leste de São Paulo, teve a construção financiada pelo governo estadual,
através do programa “Mutirão com a UMM” da CDHU. A Fazenda da Juta, conhecida
como “terra de ninguém”, devido a falta de infra-estrutura e serviços, foi aos poucos
sendo povoada por diversos projetos habitacionais provenientes de programas
financiados pelo governo estadual e municipal. Nas palavras de Risek, Barros e
Bergamim (p. 39, 2003):
“Nesta “terra de ninguém” que era a Juta, hoje estão localizados
mutirões financiados pelo governo estadual, conjuntos resultantes
de empreitada global, os “paliteiros”, os mutirões da prefeitura,
enfim, uma diversidade de experiências habitacionais que foram
sendo construídas lado a lado naquele terreno vazio, sem infraestrutura urbana nem equipamentos comunitários”.
39
FIGURA 2.2 – UNIÃO DA JUTA
Fonte: http___habitare.infohab.org
Foram muitas as dificuldades enfrentadas pelo grupo, principalmente pela
falta de equipamentos públicos, conquistados somente depois da ocupação e devido
à cooperação internacional e parceria com a Igreja e o Poder Público municipal. Os
espaços destinados ao funcionamento das atividades comuns foram construídos
com mão de obra mutirante, gerando polêmica entre alguns moradores que não
concordavam com o uso dos espaços por outras pessoas do bairro que não
participaram da construção.
Em documento de avaliação do programa de Mutirão com a UMM, a própria
CDHU concorda que:
“O programa Mutirão com a UMM foi implantado na CDHU no
mesmo momento em que a PMSP desenvolvia programas
conceitualmente similares, e tal influência se fez presente
incorporando vícios e virtudes desta experiência. O mesmo exemplo
gerou o interesse de outros agentes, com a própria CEF, que
promoveu e financiou empreendimentos em mutirão em São
Bernardo e Diadema.
Cabe observar que na PMSP a questão da autogestão assumia um
papel central na política habitacional adotada, implicando grande
apoio e suporte institucional (alimentação, apoio à organização de
creches). (...) O programa implementado apresenta alguns
pressupostos, que remetem ao conceito de autogestão:
• Indicação das associações comunitárias pela UMM, bem como
a seleção das famílias
• Contratação de assessorias técnicas
• Livre escolha pela população do projeto arquitetônico
• Construção de unidades com padrões superiores aos da
produção tradicional, sendo os ganhos de escala obtidos
através do processo de gestão de obras e economia na
aquisição dos materiais”.
Os primeiros contratos foram feitos só em junho de 1992,
decorrentes da permanente adaptação das partes ao programa. A
dificuldade no primeiro repasse foi o não- preenchimento, pelas
associações, das exigências técnicas dos programas.
Outra dificuldade apontada foi a não-viabilização dos terrenos das
prefeituras municipais.
40
Em agosto de 1993, o secretário passou a uma repactuação do
programa 6.022 U.H. em 30 empreendimentos.” (CDHU, apud
Royer, p. 104, 2002)
Assim, tendo como base essas experiências e na tentativa de garantir
recursos destinados exclusivamente às cooperativas e associações, os movimentos
sociais pressionaram o Governo Federal no sentido de prever uma política
habitacional onde esses movimentos tivessem total autonomia na gestão dos
recursos em todo o processo.
O intuito era tirar as construtoras do processo de gestão e passá-lo a essas
entidades, como forma de garantir o barateamento dos custos de construção e, por
conseqüência, a melhoria da qualidade da habitação e, ao mesmo tempo, uma linha
de financiamento com juro baixo ou algum tipo de subsidio.
Como disse Cymbalista em relação à falta de recursos destinados a moradia
popular, “diferentemente de políticas de saúde e educação, não foi possível até
agora garantir recursos “carimbados” para a política de habitação...” (p. 6,2005).
Assim, a luta dos movimentos sociais por uma política habitacional passa a
ser uma reivindicação por um programa que disponha de uma linha de
financiamento destinada à construção de moradia popular com um sistema de
autogestão.
A reivindicação por um programa que dê aos movimentos sociais completa
autonomia na gestão dos recursos financeiros destinados à construção de moradia,
incluindo a escolha e aquisição do terreno, definição dos projetos e administração da
obra, dando a esses movimentos a mesma responsabilidade que uma construtora
tem, perante a instituição financeira, ao solicitar um financiamento para a
construção.
41
CAPITULO 3 - O PROGRAMA CRÉDITO SOLIDÁRIO
Este capítulo tem como objetivo apresentar o programa Crédito Solidário,
programa de governo criado pelo Ministério das Cidades em conjunto com os
movimentos sociais, no intuito de prover habitação a juro zero para a população de
baixa renda.
Visando atender às reivindicações da população em relação à moradia
popular, foi lançado em 28 de abril de 2004 o Programa Crédito Solidário.
Aprovado pelo Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social –
CCFDS, através da Resolução nº 93/2004, o programa é destinado ao financiamento
de construção, reforma, ampliação e conclusão de unidades habitacionais em área
urbana e rural, destinadas exclusivamente para famílias de baixa renda.
O objetivo do programa é financiar diretamente o beneficiário – pessoa física,
organizado em grupos associativos representados por cooperativas, associações
civis e demais entidades da sociedade civil.
3.1 – Características do programa
O Programa Crédito Solidário foi criado pelo Ministério das Cidades em
conjunto com os representantes dos movimentos sociais nacionais, CONAM, MNLM,
UNMP, CMP entre outros, tendo como base algumas experiências em autogestão
praticadas por governos locais de alguns municípios.
Para Perondi (p.10, 2007), “a idéia, ao se criar o Programa, foi de estimular o
regime de cooperativismo habitacional e ao princípio de ajuda mútua, que são
formas de garantir a participação da população como protagonistas na solução dos
seus problemas habitacionais comuns”.
O aval ao crédito veio de recursos não onerosos do Fundo de
Desenvolvimento Social - FDS, regulamentado pela Instrução Normativa no. 11 de
14 de maio de 2004, que tinha em 2004, na criação do programa, um orçamento de
R$ 542 milhões para financiar habitação popular (Ministério das Cidades – 2004).
Baseado na proposta da organização das comunidades locais, o programa
prevê o principio de ajuda mútua enfatizando a participação popular na “solução de
seus problemas habitacionais comuns, proporcionando-a dentro das necessidades e
características com os usos e costumes locais” (Resolução nº 93/2004 do CCFDS –
2004).
42
Tendo como referência as experiências realizadas por diversas entidades nos
municípios e Estados, a criação do programa é o resultado do pleito das
comunidades locais. Mediante pressão política junto ao Governo Federal, essa
população solicitava a elaboração de uma linha de financiamento habitacional
destinado às camadas populares, nos mesmos moldes já executados em nível local.
O programa prevê a autogestão dos recursos, dando total autonomia às
associações e cooperativas participantes do programa, que podem adotar o regime
de administração direta, com contratação de mão de obra, mutirão, autoconstrução
ou regime misto, englobando mais de um tipo de regime construtivo.
Na visão de Royer (p. 106, 2002) um programa de autogestão está associado
ao “controle do dinheiro do financiamento adquirido, bem como das decisões
relativas à organização da obra, do canteiro. Quando os movimentos pleiteiam uma
política habitacional, ou, mais restritamente, um programa habitacional que
contemple a autogestão, o que têm em mente é o repasse do dinheiro do
financiamento para a associação comunitária encarregada da gestão da obra”.
Um dos principais diferenciais do programa, além da autogestão pelos grupos
associativos, é a taxa de juros, que é zero. Outro diferencial é a antecipação de
parcela de obra, ou seja, cada parcela destinada ao pagamento da obra é liberada
de forma antecipada, antes da execução da obra, conforme cronograma físicofinanceiro apresentado pelo proponente.
Nos demais programas a liberação de parcelas de obra é feita somente após
a medição da obra, quando ficar constatado a efetiva execução dos serviços
programados. A parcela referente a aquisição do terreno é liberada integralmente na
contratação, diretamente ao proprietário da terra, após o registro dos contatos junto
ao Cartório de Registro de Imóveis.
Coube a CAIXA o papel de agente operador e financeiro do programa, sendo
que todas as propostas são analisadas e tem sua obra acompanhada por técnicos
desta empresa pública.
Desta forma, conforme Resolução nº 93/2004 do CCFDS, as atribuições de
cada um dos participantes do programa são as seguintes:
43
QUADRO 3.1 – ATRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA
Órgão/entidade
Atribuição
Ministério das Cidades
Gestor das aplicações do FDS
Caixa Econômica Federal
Governos estaduais, municipais e do
Distrito Federal - DF
COHABs e assemelhados,
cooperativas habitacionais ou mistas,
associações e demais entidades da
sociedade civil
Caixa Econômica Federal
Agente operador do FDS
Fomentadores ou facilitadores dos
empreendimentos, com atribuições de
congregar, organizar e apoiar famílias no
desenvolvimento de cada uma das etapas dos
projetos voltados para a solução dos seus
problemas habitacionais.
Agente financeiro
Contribuir para realização dos objetivos do(s)
projeto(s) e venham a ser nele(s) admitido(s),
nas condições e com atribuições definidas em
cada caso.
Organizar a participação de todos os envolvidos
na execução do empreendimento, de forma a
assegurar sincronismo e harmonia na
implementação do projeto; Promover ações
necessárias ao planejamento, elaboração e
implementação do projeto;
Legalizar o empreendimento perante todos os
órgãos públicos; Providenciar a documentação
necessária para contratação e liberação das
parcelas do financiamento; Prestar assistência
jurídica e administrativa aos beneficiários, com
vistas à preparação dos documentos
necessários à formalização do financiamento;
Promover ações necessárias à fiscalização e
acompanhamento das obras; Apresentar à
CAIXA, mensalmente, demonstrativo de
evolução física do empreendimento, conforme os
projetos técnicos, especificações e cronograma
físico-financeiro global aprovado; Assinar os
contratos de financiamento juntamente com os
beneficiários.
Outros órgãos e entidades
Agente organizador
Fonte: elaborado pela autora com base nas informações do Ministério das Cidades – 2007
Para participar do programa, além de fazer parte de um grupo associativo, é
necessário possuir renda familiar bruta de até 3 salários mínimos, sendo que 35%
do grupo pode ter renda familiar de até 5 salários mínimos. Este limite é válido para
os municípios localizados nas regiões metropolitanas. Para as demais localidades, o
limite é de 20% do grupo com renda superior a 3 salários.
44
As propostas devem atender ao limite máximo de 200 unidades por entidade
nas regiões metropolitanas, capitais estaduais e municípios com população urbana
igual ou superior a 50 mil habitantes e o limite de 100 unidades por entidade nos
demais municípios.
A área escolhida para o empreendimento deve estar inserida na malha
urbana e dotada de infra-estrutura, como energia elétrica, abastecimento de água e
saneamento ou solução para estes, tais como poço artesiano e conjunto de fossa
séptica/sumidouro, bem como ser atendida por serviços básicos de transporte,
educação, saúde, comércio, segurança e lazer.
O programa financia 95% do valor total do investimento, por isso cada família
deve contribuir com 5% do valor a título de contrapartida, valor este que pode ser
aportado durante a execução da obra.
Compõem o financiamento as despesas diretas e as despesas indiretas
referentes a construção e legalização do empreendimento. São consideradas
despesas diretas os custos de aquisição de terreno, projetos de engenharia e social,
execução da obra, incluindo a mão de obra e aquisição de material de construção.
As despesas indiretas são compostas pelos valores correspondentes aos seguros,
regularização do empreendimento, como registro de contratos, aprovação de
projetos, alvarás, incorporação imobiliária e demais documentação necessária para
a contratação do financiamento.
Os valores máximos de financiamento, válidos para a sistemática atual,
variam conforme a região do país e o porte do município local da proposta, conforme
tabela abaixo:
TABELA 3.1 – VALORES MÁXIMOS DE FINANCIAMENTO - SISTEMÁTICA ATUAL (EM R$ 1.000,00)
Modalidades
Operacionais
Municípios
com até 50
mil
habitantes
e Áreas
Rurais
Municípios
com
população
superior a 50
mil habitantes
Municípios
integrantes de
Regiões
Metropolitanas
DF e municípios
integrantes das Regiões
Metropolitanas das
cidades do Rio de
Janeiro, São Paulo,
Campinas, Baixada
Santista e Belo
Horizonte.
Conclusão
Ampliação e
Reforma
7,5
10
10
10
Demais
Modalidades
12
18
24
30
Fonte: Ministério das Cidades – 2007
45
Esses valores podem ser financiados em até 264 meses, com carência
durante o período de obra, ou seja, o beneficiário começa a pagar a prestação
somente após a conclusão da obra e entrega das habitações.
O valor de financiamento diferenciado conforme o tamanho do município visa
atender as diferenças regionais em relação ao custo de aquisição da terra, que
costuma ser maior nas regiões metropolitanas, responsáveis também por agregar
maior déficit habitacional.
Essa situação pôde ser confirmada no Distrito Federal que, devido ao elevado
valor dos terrenos, obrigou nas associações a migrarem para as cidades do entorno,
no Estado de Goiás.
Como é um programa de autogestão dos recursos financeiros, é exigido um
trabalho técnico social, voltado principalmente para a capacitação da equipe que
ficará responsável pela gestão destes recursos. Para isso é formada a Comissão de
Acompanhamento de Obra – CAO e a Comissão de Representantes – CRE.
O trabalho executado por essas comissões é fundamental para a gestão dos
recursos e pela fiscalização da qualidade da obra. Segundo as normas do programa,
a CRE é composta por no mínimo 3 pessoas, sendo duas do grupo dos beneficiários
e uma representante do Agente Organizador. Essa comissão é eleita pelo grupo,
com registro em ata e é responsável pela abertura e movimentação da conta
bancária que receberá os recursos para a construção das moradias.
A CAO também é eleita pelas famílias beneficiárias, nas mesmas condições
da CRE, sendo responsável pela fiscalização das obras, garantindo a qualidade de
execução e dos materiais utilizados.
Em processos de autogestão, a participação intensa dos futuros moradores e
a
integração
do
grupo
são
fundamentais
para
garantir
o
sucesso
do
empreendimento, como já demonstraram algumas experiências anteriores ao
programa citadas no capitulo 2.
3.2 – A Sistemática 2004: o inicio do programa
Após compreender como são as regras do programa, podemos dividir as
dificuldades encontradas em sua aplicação em duas etapas: a sistemática de 2004 e
a atual.
46
Em sua versão inicial, dentro da Sistemática 2004, as propostas eram
encaminhadas ao Ministério das Cidades, gestor do programa. As propostas eram
analisadas tendo como base uma Carta Consulta enviada pelo proponente com
informações sobre o valor e quantidade de unidades pleiteadas, município de
localização da proposta, quantidade de associados e a renda das famílias.
A prioridade era contemplar as regiões com maior déficit habitacional, no
caso, as regiões metropolitanas. Após aprovação da proposta, cada entidade
recebia uma Carta de Crédito com informações sobre o valor de financiamento,
quantidade de unidades e município de localização da proposta.
Qualquer alteração necessária, em relação aos valores e localização, deveria
ser previamente aprovada pelo Ministério. Com a carta em mãos, o grupo
interessado deveria juntar a documentação necessária e encaminhar para análise na
Caixa Econômica Federal.
Ocorre que, por se tratar de uma prévia para garantir a seleção, a maior parte
das entidades não tinha sequer uma área em vista. Com isso, após 2 anos, apesar
de possuir a Carta de Crédito, muitas propostas acabaram sem contratar por não
encontrarem um terreno adequado ao programa.
Em alguns municípios existia também a expectativa de receber lotes mediante
doação ou cessão de uso por parte do poder local. Em municípios menores isso até
foi possível, porém nas regiões metropolitanas, como São Paulo e Distrito Federal a
espera foi frustrada, uma vez que as áreas não foram repassadas para as entidades.
Essa expectativa gerou também o descrédito, por parte dos associados, em
relação a existência e efetivação de tais propostas. Desta forma, as associações
buscaram terrenos na região do Entorno do Distrito Federal, Estado de Goiás,
migrando suas propostas para essas localidades.
Isso demonstra com clareza a dificuldade da população de baixa renda em
habitar nas localidades próximas das áreas urbanizadas das cidades. O alto custo
da terra e a falta de parcerias entre o poder local na viabilização de áreas mais
acessíveis e regularizadas acabaram por expulsar para as áreas periféricas a
camada mais pobre da população.
No inicio do programa, após as lutas por conquista de uma política
habitacional deste tipo, ficou claro que, sem as parcerias necessárias e com
47
recursos escassos, não seria este programa o responsável por diminuir o déficit
habitacional existente nos grandes centros urbanos.
Além disso, o valor de financiamento máximo da sistemática 2004 era de R$
20.000,00, recursos considerados insuficientes para aquisição de terreno e
construção em locais onde o custo da terra é mais valorizado, como nas regiões
metropolitanas.
No intuito de contemplar o maior numero de propostas, a primeira seleção
realizada pelo Ministério das Cidades, acabou destinando valores muito abaixo do
limite máximo do programa, tornando inviável a contratação nestas regiões.
Com isso, no primeiro edital de seleção, quando foram publicadas as 812
propostas selecionadas, o recurso total de crédito concedido foi de R$
444.124.536,00, sendo contempladas 45.723 famílias, com o valor médio de
financiamento por unidade de R$ 9.713,37.
Desta forma, podemos considerar que os problemas enfrentados durante o
inicio da operação do programa foram:
•
Valor do crédito: os valores das Cartas de Crédito concedidas pelo
Ministério das Cidades tornava inviável a contratação das propostas em algumas
regiões do país, principalmente se não houvesse parceria com o Poder Público para
a doação dos lotes e infra-estrutura.
•
Terreno: devido ao custo de aquisição de terreno em regiões mais
centrais, foram escolhidas áreas mais distantes, necessitando de toda a infraestrutura básica, o que encarecia o valor de investimento. As áreas não
regularizadas ou não individualizadas também são consideradas um entrave, pois a
demora no processo de parcelamento gera morosidade no processo e aumento das
despesas. A falta de parceria com o poder local no intuito de disponibilizar áreas
públicas disponíveis ou a escolha de terrenos complicados, com declividade
acentuada, presença de córregos e áreas de preservação ambiental também foram
situações verificadas em algumas regiões do país.
•
Assessoria técnica: a falta de assessoria técnica capacitada, composta
por arquitetos e engenheiros comprometia o andamento do processo desde a
escolha do terreno, tendo em vista que os proponentes não tinham conhecimento
das despesas relativas a regularização das áreas, trabalhos de terraplenagem e
48
demais
despesas
referentes
aos
trâmites
necessários
à
viabilização
de
empreendimentos imobiliários.
•
Despesas prévias: com aprovação de projetos e licenças nos órgãos
competentes, que deviam ser assumidas pelas associações antes do recebimento
dos recursos do financiamento.
•
Análise dos beneficiários: vencidas as barreiras iniciais, a preparação
para a contratação, que envolve uma análise de risco de crédito dos beneficiários,
passou a ser um entrave. Esta análise inclui a apresentação de uma série de
documentos, além da uma entrevista. A maior dificuldade verificada em relação a
esta análise é a falta CPF regularizado, além de beneficiários com restrição
cadastral.
•
Agências bancárias: a falta de conhecimento do programa pelos
funcionários das agências da CAIXA também tem sido um obstáculo para as
contratações com os beneficiários. Em algumas regiões do país são exigidos pelas
agências documentos desnecessários e não são aceitas famílias com renda
proveniente de atividade informal. Existe também, em alguns pontos de venda, um
grande desinteresse em contratar propostas do programa, pois ele não conta pontos
nas metas anuais das agências.
No entanto, no inicio da operação do programa, devido à pressão em relação
às regras rígidas, algumas modificações foram feitas para tentar viabilizar as
operações. Dentre elas, podemos ressaltar a eliminação das taxas de análise
jurídica e de pesquisa cadastral. Foram revistos também os normativos internos da
CAIXA, que haviam sido elaborados tendo como base programas destinados à
construtoras.
Porém, a maior conquista dos movimentos sociais foi a criação do Fundo
Garantidor, através da Instrução Normativa no. 100, em 16 de janeiro de 2005. O FG
é um fundo de aval que funciona como um seguro de crédito, onerando a prestação
em 19,85%.
O Fundo Garantidor conseguiu alterar a forma de garantia do financiamento,
autorizando a utilização no programa de terras com Cessão de Uso ou não
individualizadas. Com isso, as entidades podiam adquirir uma gleba bruta e parcelar
49
somente ao final de obra, inclusive contando com recursos do financiamento para
esta finalidade.
Outra conquista dos movimentos sociais foi o aumento do valor do
financiamento e quantidade de unidades de algumas propostas. Assim, após revisar
as solicitações em relação ao crédito concedido, o Ministério das Cidades conseguiu
alterar alguns valores. O total concedido foi ampliado então para R$ 642.929.278,16,
atendendo o total de 51.044 famílias (Tabela 3.2).
TABELA 3.2 – VALORES MÉDIOS DE FINANCIAMENTO POR FAMÍLIA - SISTEMÁTICA 2004
ESTADO
Acre
Alagoas
Bahia
Ceará
Distrito Federal
Espírito Santo
Goiás
Maranhão
Minas Gerais
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso
Pará
Paraíba
Pernambuco
Piauí
Paraná
Rio de Janeiro
Rio Grande do Norte
Rondônia
Rio Grande do Sul
Santa Catarina
Sergipe
São Paulo
Tocantins
TOTAL
QUANTIDADE DE
FAMILIAS ATENDIDAS
250
600
3.419
793
6.125
601
2.298
1.620
4.153
400
450
1.870
1.101
2.115
1.838
2.142
3.796
1.154
700
5.910
1.326
550
7.093
740
51.044
VALOR MÉDIO POR
UNIDADE - EM R$
8.840,00
9.158,33
9.321,46
7.000,00
15.522,51
6.343,08
12.899,30
11.095,62
15.001,90
8.242,50
8.777,77
14.237,49
12.851,00
12.848,70
6.517,41
7.669,74
14.921,50
12.703,94
9.071,43
10.999,40
7.837,03
8.363,64
17.070,62
9.000,00
12.595,59
Fonte: elaborado pela autora conforme dados do Ministério das Cidades – 2004
Entretanto, apesar das alterações citadas, as diversas mudanças realizadas
durante a sistemática 2004 não foram suficientes para garantir a contratação das
propostas. Segundo o levantamento feito pelo FNRU – Fórum Nacional de Reforma
Urbana, das 2.759 propostas inscritas para seleção em 2004, somente 812
50
propostas foram selecionadas (Ministério das Cidades, 2004), conforme edital
publicado no Diário Oficial da União em 6 de agosto de 2004.
Das 812 propostas selecionadas, até novembro de 2005, somente 182 grupos
haviam encaminhado documentação à CAIXA e somente 1 grupo havia contratado o
financiamento. Esse grupo, a COOPER-RECICLA, de Formosa, Goiás, teve o
contrato assinado em 18/08/2005 (fonte: CAIXA, 2007), dentro da modalidade
aquisição de terreno e construção, contemplando 60 famílias com um valor de
financiamento de R$ 11.000,00.
Para divulgar o programa, foram realizados diversos Seminários Regionais
organizados pelo Ministério das Cidades e pela Caixa Econômica Federal, com o
intuito de discutir as regras do programa. Nesses encontros, foi possível confirmar
que vários entraves identificados pelos movimentos sociais como dificuldades à
implementação do programa, já haviam sido verificados pelos técnicos da CAIXA
durante suas análises.
Diante das frustrações dos movimentos sociais em relação aos diversos
entraves que inviabilizavam a contratação de novos financiamentos, o Fórum
Nacional da Reforma Urbana (FNRU) encaminhou uma carta ao gestor e operador
do programa solicitando a revisão dos seguintes itens:
“1. Reconhecimento das associações/cooperativas como entidades jurídicas
que possam ser titulares do financiamento;
2. Reconhecimento dos terrenos públicos e dos terrenos/imóvel ainda não
regularizados como garantia para o financiamento;
3. Ampliação do limite de financiamento;
4. Eliminação da cobrança de taxas de análises e de abertura de crédito;
5. Não eliminação das famílias que tiverem restrição ao seu cadastro (devido
a problemas com o SPC/SERASA/outros);
6. Criação de comitês de apoio ao programa crédito solidário em cada
município (propomos que o Ministério das Cidades e a CEF criem Comitês
Municipais (Grupos de Trabalho) do Programa de Crédito Solidário em cada
município, com a participação de representantes da Prefeitura, do Governo do
Estado, das Concessionárias de Serviços Públicos, da CEF, dos Cartórios de
Registros de Imóveis, das Associações/Cooperativas inseridas no Programa e
suas assessorias);
7. Capacitação pelo ministério das cidades das associações/cooperativas
para a implementação do programa;
8. Ampliação do prazo de carência de 12 meses para 24 meses, adequandose, assim, à realidade das associações/cooperativas que deverão
construir/reformar as casas sob a forma de mutirão;
9. Ampliação do limite do financiamento para, no mínimo, R$27.000,00.”
(Boletim Especial do FNRU, 2005)
51
Conforme dados do Ministério das Cidades, até o final da Sistemática 2004,
111 propostas haviam sido contratadas. Portanto, visando ampliar quantidade de
contratações, várias mudanças foram implementadas objetivando a eliminação de
alguns entraves levantados durante sua operacionalização.
3.3 – A Sistemática atual: o que mudou no programa
Com a Instrução Normativa no. 39/2005 foi feita uma revisão no programa
estabelecendo novos critérios de seleção que garantissem a viabilidade do
programa.
Desta forma, a análise prévia passou a ser realizada pela Caixa Econômica
Federal e a documentação mínima exigida foi revisada para garantir a vinculação da
proposta com o terreno, projeto e principalmente, um orçamento viável para a
execução da obra.
Essas mudanças no procedimento de análise fizeram com que as entidades
ficassem mais preocupadas em relação à efetividade das propostas, e não somente
em ter sua proposta selecionada sem sequer possuir uma área para a construção do
empreendimento.
Pelas novas regras, as propostas são selecionadas pelo Ministério das
Cidades somente após a sua aprovação na CAIXA, que analisa a compatibilidade do
local do empreendimento com o programa, além de definir os valores de
financiamento mediante análise dos custos de implantação do projeto.
Fica evidente que a sistemática atual tem como preocupação principal a
vinculação da proposta com o terreno. Esse requisito tem como finalidade evitar as
expectativas causadas na seleção 2004 e garantir a efetivação das propostas
selecionadas.
Além disso, os valores máximos de financiamento foram ampliados para R$
30.000,00 para as regiões metropolitanas dos municípios do Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, São Paulo, Campinas e Baixada Santista, incluindo também o Distrito
Federal na relação dos municípios beneficiados com a ampliação de valor de
financiamento.
Porém, apesar das mudanças, muitas entidades ainda reclamam da
burocracia necessária para contratar e do prazo de análise, que ultrapassa 6 meses.
Conforme informações dos técnicos da CAIXA, um dos problemas desta
demora é a falta de capacitação dos proponentes no preparo da documentação e a
52
falta de conhecimento dos trâmites necessários, principalmente jurídicos, em relação
à regularização dos empreendimentos e das áreas escolhidas. Além disso, as
entidades organizadores tem dificuldade em arcar com as despesas prévias em
relação a aprovação de projetos e licenciamentos junto aos órgãos públicos.
Essa falta de conhecimento por parte do proponente continua sendo um
entrave à concretização das propostas. Até novembro de 2007, 174 propostas
haviam sido contratadas desde o início do programa, um número pequeno em
relação à quantidade de propostas selecionadas em todo o território nacional desde
o inicio do programa, em 2004 (Tabela 3.3).
TABELA 3.3 – PROPOSTAS CONTRATADAS
ANO
QUANT. DE UNIDADES
VALORES (EM REAIS)
2005
1061
39.023.000
2006
4750
80.218.000
2007
4201
40.759.000
10.012
160.000.000
TOTAL
Fonte: GECIS – CAIXA – novembro/2007
Na critica de Lopes e Rizek, “se o argumento é massificação da produção, o
mutirão autogerido não atende: trata-se de uma prática pulverizada que demanda
uma imensa rede organizativa de base, qualificada e habilitada para assumir
processos massivos de produção habitacional” (p. 67, 2006).
Fica claro que, num processo de autogestão, a falta de capacitação técnica e
de organização das associações dificulta o processo, desde o preparo da
documentação, até o bom andamento da obra, principalmente quando envolve a
construção de muitas unidades em regime de mutirão.
O aumento do limite máximo de financiamento tem proporcionado a escolha
de áreas melhores, mais próximas dos núcleos urbanos, bem como na melhoria da
unidade habitacional, que está sendo construída com uma área útil maior e
acabamento de melhor qualidade.
Segundo dados fornecidos pela CAIXA, existem atualmente 9.963 unidades
habitacionais selecionadas pelo Ministério das Cidades, porém 14.423 unidades
53
habitacionais que foram selecionadas nesta sistemática não conseguiram contratar
no prazo estipulado pelo Ministério das Cidades, que é de 120 dias.
Do total de unidades contratadas, 813 unidades estão concluídas, somando
26 empreendimentos entregues. No entanto, o percentual de obras concluídas
representa menos de 10% do total, sendo que um percentual de 32% dos contratos
apresenta atraso na obra ou não foram iniciadas ainda (CAIXA, 2007).
A inadimplência média do programa é de 25%, sendo que 1258 unidades
apresentam 100% de inadimplência (CAIXA, 2007). Esses índices de inadimplência,
caso continuem elevados, podem interferir na continuidade do programa.
Além disso, algumas dificuldades levantadas pelos gestores do produto
podem levar a uma revisão das regras do programa. Segundo a CAIXA (2007), os
pontos críticos são:
•
Alta inadimplência, o que pode interferir na continuidade do programa;
•
Dificuldades das entidades em pagar despesas prévias à contratação,
tais como projetos e estudos específicos, certidões, incorporação e registro,
aprovações de projeto nos órgãos competentes, tarifas CAIXA, ITBI, dentre outros;
•
Desconhecimento por parte da Entidade e beneficiários de todas as
etapas do processo de contratação, documentos necessários, custos envolvidos,
dentre outros;
•
Dificuldade em formar parceria com assessorias técnicas e parceiros
públicos;
•
Dificuldade de encontrar terrenos adequados, normalmente em virtude
de: custo elevado, necessidade de obras de infra-estrutura, custo oneroso,
regularização;
•
Dificuldade na formação de poupança de no mínimo 5%.
Esses pontos críticos, levantados pela CAIXA para a realização de Oficina
com os Movimentos Sociais em agosto de 2007, podem ser um indicio de novas
mudanças nas regras do programa, de forma a eliminar principalmente problemas
internos que impedem a contratação de mais propostas.
Na mesma oficina, foram levantados pelos Movimentos Sociais vários pontos
críticos que, do ponto de vista deles, seriam os problemas que impedem a
operacionalização do programa.
54
Considerando que estes são os principais usuários do programa, participando
inclusive de sua elaboração, verificamos que após três anos de existência, o
programa ainda apresenta enormes dificuldades na operacionalização em todo o
território nacional. Conforme os Movimentos Sociais (UNMP, CONAM, MNLM e
CMP) são pontos críticos:
•
“Fundo Garantidor serve somente para garantir o retorno dos recursos
no caso de inadimplência, não resolve a situação da aprovação prévia de projetos;
•
Contrato individualizado, feito direto com as famílias beneficiadas
“mata” o processo coletivo de construção, base dos movimentos sociais. A
individualização deve ser somente após o término da obra;
•
Pagamento dos encargos antes de morar na casa vai ocasionar um
•
Preocupação quanto a qualidade das casas e existência de infra-
caos!
estrutura;
•
Necessidade de parceria com outras instituições para fortalecimento
dos movimentos sociais;
•
O jurídico da CAIXA deve participar da estruturação das medidas do
Credito Solidário;
•
Medições de obra são liberadas com atrasos da GIDUR/REDUR;
•
Mínimo de 3% das unidades de cada empreendimento com acesso
universal;
•
Desconhecimento na ponta (agências da CAIXA) dos fundamentos do
programa;
•
Desconhecimento do manual normativo e regras do programa
(agências da CAIXA);
•
Desconhecimento das regras do Fundo Garantidor;
•
Não aceitação da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) como
garanti real;
•
Necessidade de poupança previa/contrapartida;
55
•
Necessidade de realizar a incorporação do condomínio antes da
contratação (custo elevado);
•
Falta de informação e vontade política;
•
Necessidade de aprovar projeto antes da contratação;
•
Desconto da parcela da obra, diretamente na conta (taxas e seguro);
•
UNMP, CONAM, MNLM e CMP discutem se existe a possibilidade de
adquirir o terreno antecipadamente e depois aprovar os projetos;
•
As agencias não tem funcionários suficientes para gerar os contratos
no momento da contratação;
•
Os sistemas (CAIXA) não estão integrados e os contratos são gerados
manualmente, gerando atrasos;
•
Liberações das parcelas de obra ocorrem com atraso de 15 a 20 dias
após a medição de obra e liberação do RAE (Relatório de Acompanhamento de
Empreendimento) pelo engenheiro/arquiteto;
•
Atrasos gerados pelos Sistemas na liberação de parcelas não devem
ser considerados como atrasos no andamento da obra;
•
O desconto de taxas diretamente do recurso destinado à execução da
obra pode comprometer a conclusão da mesma;
•
O Trabalho Técnico Social deve ser realizado antes, durante e depois
da entrega do empreendimento;
•
Dificuldade de interação com os técnicos sociais da CAIXA - exigências
desconformes;
•
Pesquisa cadastral: houve um acordo prévio de que o SPC não seria
um problema;
•
As agencias estão dando cartão de credito aos beneficiários, com
limites elevados, e obrigando os presidentes das entidades a adquirir produtos
(seguros, consórcios, etc);
56
•
O trabalho técnico social previsto é igual ao exigido para as
construtoras, com recursos insuficientes, principalmente quando o prazo de obras é
longo;
•
Retenção da última parcela de 5% não corresponde ao custo de
regularização, ficando retido na conta recursos necessários à conclusão da obra;
•
Gastos prévios à contratação inviabilizam o acesso ao programa;
•
Projeto mínimo a ser aceito pela CAIXA para a contratação deve ser o
aprovado pela municipalidade e não o projeto executivo;
•
Utilização de parceiras deve ser um “plus” e não uma política de
implementação do programa;
•
Analise das famílias: SERASA impede o acesso ao crédito.
Movimentos sugerem que a CAIXA aponte alternativas que incluam as famílias;
•
Os critérios para comprovação de renda, solicitados pelas agências
são divergentes;
•
O INSS não enxerga o mutirão como mão de obra voluntária e exige o
pagamento das taxas como se todos os empregados da obra fossem contratados.
Isso gera problemas na emissão do CND e regularização e averbação do
empreendimento após a entrega da obra.”
Muitos destes pontos críticos já haviam sido identificados pelos usuários do
programa durante a primeira fase, no entanto pouca coisa mudou, principalmente
em relação às dificuldades de operacionalização pela CAIXA. Isso levou a empresa
a criar uma gerência nacional especialmente para cuidar de habitação de interesse
social.
Desta forma, a CAIXA e os movimentos sociais estabeleceram uma agenda
de encontros e grupos de trabalho para estabelecer novas regras para a nova
sistemática, principalmente naquelas onde a decisão cabe ao agente operador do
programa.
57
CAPITULO 4 – O CASO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO
Para melhor compreender o caso de Distrito Federal, precisamos esclarecer
quais são os municípios de abrangência da Gerência de Filial de Desenvolvimento
Urbano de Brasília – GIDUR/BR, responsável pela análise das propostas do
programa. Cabe a esta unidade da CAIXA atender às demandas do Distrito Federal,
de 10 municípios do Estado de Minas Gerais e de 32 municípios do Estado de
Goiás. Dentre os municípios de Goiás, estão incluídas as cidades do entorno de
Brasília que, devido sua proximidade, acabam servindo como local de moradia para
as pessoas que não tem acesso a esta dentro do Distrito Federal.
Desta forma, em relação à Sistemática 2004, além das 143 propostas
selecionadas para as o Distrito Federal, são objetos deste estudo as 7 propostas
selecionadas para a região do Entorno, compreendendo os municípios de
Valparaiso, Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama e Formosa.
Ao analisarmos o total de propostas selecionadas no Brasil, podemos verificar
que, em quantidade, o Distrito Federal ficou abaixo do Rio Grande do Sul. Se
considerarmos o número de habitantes do Distrito Federal, estimado em 2.333.108
(IBGE – 2007) e do Rio Grande do Sul, estimado em 10.845.087 (IBGE – 2007),
podemos notar que a quantidade de propostas selecionadas para o DF é
relativamente maior. Isso demonstra uma situação atípica em relação aos demais
estados, confirmando a demanda existente por este tipo de produto nesta região.
FIGURA 4.1 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS SELECIONADAS – DF X RS
Fonte: Gráfico produzido pela autora com base nos dados do Ministério das Cidades
58
Conforme Tabela 4.1, podemos verificar que o Distrito Federal foi responsável
por 17,61 % das propostas selecionadas. A diferença em quantidade de propostas
em relação aos demais estados é muito grande.
TABELA 4.1 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF – SISTEMÁTICA 2004
ESTADO
ACRE
ALAGOAS
BAHIA
CEARÁ
DISTRITO FEDERAL
ESPIRITO SANTO
GOIAS
MARANHAO
MINAS GERAIS
MATO GROSSO DO SUL
MATO GROSSO
PARÁ
PARAIBA
PERNAMBUCO
PIAUI
PARANÁ
RIO DE JANEIRO
RIO GRANDE DO NORTE
RONDONIA
RIO GRANDE DO SUL
SANTA CATARINA
SERGIPE
SÃO PAULO
TOCANTINS
TOTAL
QUANTIDADE DE
PROPOSTAS SISTEMÁTICA
2004
PERCENTUAL
4
4
40
28
143
7
21
18
46
6
3
16
10
17
26
78
45
14
15
147
45
5
69
5
812
0,49%
0,49%
4,93%
3,45%
17,61%
0,86%
2,59%
2,22%
5,67%
0,74%
0,37%
1,97%
1,23%
2,09%
3,20%
9,61%
5,54%
1,72%
1,85%
18,10%
5,54%
0,62%
8,50%
0,62%
100,00%
Fonte: Tabela produzida pela autora com dados do Ministério das Cidades - 2004
Considerando em total de recursos e a quantidade de unidades habitacionais
concedidas por propostas, em comparação com os demais estados o Distrito
Federal foi responsável por 12% do total de unidades habitacionais e por 14,79% do
total do recurso, ficando atrás do Estado de São Paulo (Tabela 4.2). Tal situação
confirma a posição do DF como uma região com grande demanda pelo programa,
sendo um dos motivos a concentração de cooperativas e associações atuantes na
região.
59
TABELA 4.2 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF
ESTADO
QUANT UH
POR UF
% POR UH
VALOR TOTAL
POR UF - EM R$
% POR R$
ACRE
250
0,49%
2.210.000,00
0,34%
ALAGOAS
600
1,18%
5.495.000,00
0,85%
BAHIA
3.419
6,70%
31.870.057,20
4,96%
CEARÁ
793
1,55%
5.550.998,00
0,86%
DISTRITO FEDERAL
6.125
12,00%
95.075.376,00
14,79%
ESPIRITO SANTO
601
1,18%
3.812.189,00
0,59%
GOIAS
2.298
4,50%
29.642.583,20
4,61%
MARANHAO
1.620
3,17%
17.974.900,00
2,80%
MINAS GERAIS
4.153
8,14%
62.302.900,00
9,69%
MATO GROSSO DO SUL
400
0,78%
3.297.000,00
0,51%
MATO GROSSO
450
0,88%
3.949.998,00
0,61%
PARÁ
1.870
3,66%
26.624.100,00
4,14%
PARAIBA
1.101
2,16%
14.148.948,00
2,20%
PERNAMBUCO
2.115
4,14%
27.175.000,00
4,23%
PIAUI
1.838
3,60%
11.979.000,00
1,86%
PARANÁ
2.142
4,20%
16.428.580,00
2,56%
RIO DE JANEIRO
3.796
7,44%
56.642.032,00
8,81%
RIO GRANDE DO NORTE
1.154
2,26%
14.660.347,76
2,28%
RONDONIA
700
1,37%
6.350.000,00
0,99%
RIO GRANDE DO SUL
5.910
11,58%
65.006.460,00
10,11%
SANTA CATARINA
1.326
2,60%
10.391.900,00
1,62%
SERGIPE
550
1,08%
4.600.000,00
0,72%
SÃO PAULO
7.093
13,90%
121.081.909,00
18,83%
TOCANTINS
740
1,45%
6.660.000,00
1,04%
TOTAL
51.044
100,00%
642.929.278,16
100,00%
Fonte: Tabela produzida pela autora com dados do Ministério das Cidades - 2004
Portanto, como forma de atender um maior número de propostas, muitas das
entidades foram contempladas com poucas unidades, algumas somente com 10
unidades, sendo o valor de financiamento individual muito baixo para a região,
considerando a implantação de um empreendimento no Distrito Federal.
Com uma expectativa em receber lotes doados pelo Governo do Distrito
Federal - GDF ou pela União, algumas entidades interessadas em participar do
programa encaminharam Carta Consulta ao Ministério das Cidades para a seleção
de 2004. É o caso do Riacho Fundo II, com lotes que seriam cedidos pela União e
60
estavam em negociações iniciais com a Secretaria de Patrimônio da União – SPU.
No entanto, após 3 anos desde o inicio do programa, essa área ainda está em
processo de licenciamento pelo GDF e não puderam ser objetos de proposta de
financiamento no âmbito do programa para a seleção 2004.
Diante disso, não fica difícil de entender a frustração das entidades que, com
uma Carta de Crédito em mãos, não puderam dar andamento ao processo de
contratação do financiamento.
Ao final de 2004, poucas propostas haviam sido encaminhadas às unidades
da CAIXA responsáveis pela análise. Por isso, o Ministério das Cidades, decretou
que o prazo para a entrega da documentação e a contratação destas propostas
deveria ocorrer até o dia 30 de junho de 2005. Com base no levantamento feito no
sistema de controle da GIDUR/BR, podemos verificar que até 31/12/2004, das 150
propostas, 108 apresentaram alguma documentação e 46 não apresentaram
nenhuma documentação.
Devido às dificuldades das entidades em preencher os requisitos para a
contratação, foi estabelecido novo prazo pelo Ministério das Cidades, podendo ser
encaminhada documentação à CAIXA. Portanto, após o adiamento no recebimento
das propostas, a situação era a seguinte na GIDUR/BR: 38 propostas tinham
documentação suficiente para inicio de análise; 80 propostas tinham documentação
insuficiente para continuidade da análise, 31 propostas tinham documentação
parcial, ou seja, só do terreno ou só do projeto e 1 não entregou nenhuma
documentação (Figura 4.2).
FIGURA 4.2 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS COM DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA ATÉ 31/03/2005
90
80
70
60
50
Doc. Insuficiente
40
Doc. Suficiente
30
20
10
0
Fonte: Gráfico produzido pela autora com dados da CAIXA - GIDUR/BR - 2007
61
Após análise desta documentação e já tentando identificar as dificuldades na
montagem dos processos, escolha de terreno e elaboração de projeto, podemos
classificar a qualidade dos documentos da seguinte forma:
TABELA 4.3 – SITUAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO ENTREGUE ATÉ 31/03/2005
SITUAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO
QUANTIDADE DE PROPOSTAS
COM TERRENO E SEM PROJETO
2
COM TERRENO E COM PROJETO
2
SEM TERRENO
53
DOCUMENTAÇÃO PRECÁRIA
61
NENHUMA DOCUMENTAÇÃO
1
TOTAL
150
Fonte: Gráfico produzido pela autora com dados da CAIXA - GIDUR/BR - 2007
Ficou claro que mais da metade das propostas selecionadas não teriam
condições de contratar dentro do prazo estipulado pelo Ministério das Cidades. A
situação precária dos proponentes no preparo da documentação, escolha do terreno
e demais exigências do programa impedia a contratação do financiamento até 30 de
junho de 2005.
Por isso, para não perder o recurso, várias associações saíram em busca de
áreas no Entorno com o intuito de viabilizar a contratação dessas propostas. Não foi
difícil encontrar lotes a um custo baixo, já individualizados em loteamentos. Essa
“migração” para o Entorno foi uma alternativa interessante para algumas entidades
que puderam dar continuidade ao processo, atendendo também a demanda por
habitação popular existentes naquelas localidades.
Entretanto, na maioria das vezes, essas áreas estavam localizadas muito
distantes da malha urbana, sem acesso aos serviços de infra-estrutura, comércio,
transportes, escolas, postos de saúde, etc, reproduzindo os modelos aplicados pelas
antigas políticas do Banco Nacional de Habitação - BNH, tanto questionados quanto
à criação de cidades dormitório e expansão de periferias distantes.
Em uma nova tentativa de viabilizar as contratações das propostas de 2004, o
Ministério das Cidades alterou novamente o calendário de contratação, com a
Instrução Normativa nº 22, de 20/07/2005. As entidades puderam assim ter um novo
62
prazo e contratar as propostas até 31 de dezembro de 2005. Todas essas alterações
de calendário geraram frustrações nos futuros mutuários, principalmente em relação
à competência das entidades quanto ao preparo da documentação, a escolha de
assessoria técnica e do terreno.
Portanto, nesta primeira etapa do programa, as maiores dificuldades
enfrentadas pelas entidades que atuavam na região do DF e Entorno foram:
•
Terreno: a falta de terreno a um custo baixo de aquisição dentro do
Distrito Federal;
•
Assessoria técnica: a falta de capacitação técnica dos responsáveis
pelas entidades na preparação da documentação, a inexistência de assessorias
técnicas comprometidas e envolvidas no processo;
•
Valores de financiamento: os baixos valores de financiamento
concedidos aos grupos, que impediam a aquisição de lotes dentro do Distrito
Federal.
Mesmo com as dificuldades citadas, foi contratada a primeira proposta do
Brasil, em agosto de 2005. A proposta, localizada em Formosa, Estado de Goiás,
tinha como valor de financiamento no valor de R$ 11.000,00 por unidade e atendia
60 famílias.
A entidade proponente, a Cooperativa de Reciclagem de Lixo, Prestação de
Serviço em Geral e da Construção Civil – COOPER-RECICLA, que era formada por
catadores de material reciclável, sofreu mais uma dificuldade na hora de contratar o
financiamento: análise de risco de crédito dos mutuários.
Essa fase contempla a análise da ficha cadastral dos associados, incluindo a
verificação da possibilidade de comprometimento de renda de cada um. A falta de
renda formal não é um impecilho à comprovação da renda familiar desde que o
mutuário tenha dados concretos em relação as suas despesas mensais. Assim,
quando a familia consegue comprovar a renda por meio de recibos ou extrato
bancário, isso pode ser considerado nas entrevistas e análise da documentação.
Ocorre que, por se tratarem de catadores, até mesmo a renda informal ficou
difícil de ser comprovada, o que acabou excluindo parte da demanda inicial. Para
não perder o recurso, a cooperativa conseguiu apresentar outras pessoas, não
pertencentes ao grupo inicial, que conseguiram acessar o financiamento. O
63
resultado desta situação foi que somente 5 famílias de catadores foram beneficiadas
pelo programa.
FIGURA 4.3 – EMPREENDIMENTO COOPER-RECICLA
Empreendimento da COOPER-RECICLA ao final da construção. Fonte: CAIXA
Na seqüência, outras propostas foram contratadas, concluindo ao final de
2005, 122 casas contratadas na região do Entorno do DF. Em 2006, ainda pela
Sistemática 2004, mais seis propostas foram contratadas, localizadas no Entorno,
nos municípios de Novo Gama, Valparaiso, Cidade Ocidental e Padre Bernardo.
Com os recursos liberados, as associações e cooperativas iniciaram suas
obras. Assim, ficou claro que o despreparo na preparação de documentação e
planejamento das obras refletia no andamento das mesmas. Para que um processo
de autogestão tenha êxito, o preparo técnico das equipes envolvidas passa a ser
requisito fundamental para evitar atrasos, desperdício de recursos e garantir a
qualidade da construção.
Confirmando a necessidade de capacidade técnica, Nahoum (2002) afirma
que o processo de autogestão e ajuda mútua é eficiente quando existe organização
do trabalho, capacitação das equipes para que aprendam a realizar determinados
processos, alocação de cada cooperativista naquelas tarefas em tenham maior
afinidade e aptidão e apoio permanente por parte dos profissionais especializados: o
mestre de obras ou os demais empregados contratados, na medida em que a
cooperativa emprega. O mesmo se dá em relação ás áreas de administração e
gestão.
64
FIGURA 4.4 – EMPREENDIMENTO COOPHAMU
Casa modelo e empreendimento em construção, localizado no município de Cidade Ocidental/GO. O
projeto da casa, apesar de não apresentar inovações tecnológicas ou arquitetônicas, prevê a possibilidade de
ampliação para 3 dormitórios. No entanto, do ponto de vista urbanístico, o empreendimento reflete o modelo do
BNH, com arruamento em malha xadrez, sem respeitar a declividade natural do terreno, criando também uma
monotonia pela repetição continua das unidades habitacionais, que não possuem variações de projeto ou
fachada. Fonte: CAIXA.
Considerando as dificuldades apontadas pelas demais unidades da CAIXA no
Brasil, verificamos que a falta de assessoria técnica capacitada e comprometida com
os movimentos sociais era o principal empecilho no acesso ao programa.
E com as obras iniciadas, verificamos que num processo de autogestão, a
capacidade técnica do proponente e sua equipe técnica interferem diretamente na
aplicação dos recursos e qualidade da obra. Na visão de Perondi:
“Na questão da capacitação técnica, o que se observa é que ao
longo de sua existência os Movimentos Sociais sempre foram muito
eficientes nas reivindicações de direitos, nas lutas por condições
melhores de salários e de trabalho, na proposição de alternativas.
Por outro lado, por conta de uma ausência de oportunidade de
participação ativa, os Movimentos Sociais não demonstram o
mesmo desempenho quando são chamados para a ação. Até por
razões históricas, tendo em vista que foram poucas as
oportunidades de participação construtiva durante décadas, o que
se percebe é uma ausência de capacitação técnica por parte dos
Movimentos Sociais, que se manifesta na baixa qualificação dos
projetos técnicos apresentados.
Por vezes, percebe-se que não há um entendimento por parte de
algumas lideranças, da necessidade de apresentar projetos técnicos
bem elaborados, com a documentação completa, exigida pelos
Órgãos Públicos, conforme preconiza a lei.” (p. 13, 2007)
Por reivindicação dos movimentos sociais, no intuito de minimizar as
dificuldades no acesso ao programa, foi criado o Espaço Solidário na
GIDUR/Brasília. Com isso, as associações e cooperativas poderiam contar com
65
atendimento técnico da própria equipe da CAIXA no apoio ao preparo da
documentação.
Com agendamento de horário, qualquer pessoa interessada no programa,
poderia tirar duvidas sobre o programa, consultar corpo técnico da CAIXA, jurídico,
social ou de engenharia, e contar com ajuda no preenchimento de planilhas, na
elaboração de projetos e resolução de demais pendências que pudessem “travar” a
contratação da proposta.
Desta forma, com os Espaços Solidários, a CAIXA tentou agilizar as análises,
diminuir entraves e melhorar a relação institucional com os movimentos sociais,
aumentando também o numero de contratações, conforme podemos verificar o
relato abaixo (Revista Painel Urbano – CAIXA – 2007):
“O objetivo da iniciativa é atender às demandas dos programas,
visando contratar o maior número de unidades habitacionais, com
agilidade e qualidade, o que possibilitará um incremento no número
de pessoas com acesso à casa própria. Desde a sua criação, foram
atendidas 328 entidades, num total de 799 atendimentos.
Os resultados alcançados até o momento são:
- Aperfeiçoamento da parceria e melhoria no relacionamento entre
áreas da CAIXA envolvidas;
- Estreitamento do relacionamento da CAIXA com as entidades
sociais;
- Atendimento personalizado, focado e interdisciplinar, portanto mais
ágil e eficiente;
- Maior capacitação e especialização das equipes que lidam com o
programa;
- Maior satisfação por parte dos representantes das entidades
sociais;
- Melhoria no volume de contratações, que foram quadruplicadas
desde a inauguração do espaço.”
As mudanças no programa a partir de 2006, a criação do Espaço Solidário e
11 obras em andamento, verificamos que outras questões passaram a ser
impeditivas às novas contratações.
A principal foi a falta de infra-estrutura em algumas localidades, mais
especificamente rede de abastecimento de água, que, somada a falta de parceria
com a concessionária local, deixou 36 propostas aguardando solução para a
questão por mais de um ano.
Conforme Perondi (2007) verificou, em estudo realizado com as entidades
que contrataram propostas no entorno, dos 11 entrevistados a maior parte apontou a
falta de infra-estrutura como primeira opção para maior dificuldade no acesso ao
programa: “... essa citação está presente em 05 respostas na primeira opção dos
66
entrevistados, o que corresponde a 42% do total. É citada ainda como segunda
opção para 04 Informantes, o que equivale a 34% do total das respostas” (Perondi,
p. 44, 2007).
Em suas entrevistas foi constatado também que o prazo para contratação,
considerando o tempo em que a proposta ficava em análise na CAIXA, chegava a
ultrapassar 12 meses, o que demonstra a falta de capacidade técnica das entidades
no preparo da documentação. No entanto, diferente do resto do Brasil, esse não foi
um fator de grande dificuldade no acesso ao programa, conforme apontado pelos
proponentes de Brasília e Entorno.
Para eles, a segunda maior dificuldade encontrada foi a falta de terrenos
apropriados que atendessem às diretrizes do programa, considerando o limite
máximo do financiamento, inserção na malha urbana, custo de aquisição e falta de
infra-estrutura (Perondi, 2007).
Outra questão levantada nas demais regiões do país, não foi apontada como
um problema que impede a contratação, que é a restrição cadastral dos
beneficiários. Na visão de Perondi (p. 45, 2007), essa questão “revelou-se pouco
importante na visão dos Informantes. Foi citada como primeira opção por apenas um
entrevistado e como segunda opção também por apenas um informante”.Portanto,
após as alterações, durante a sistemática atual, verificamos que os entraves no
acesso ao programa no Distrito Federal e Entorno são:
•
Falta de infra-estrutura: terrenos localizados no Entorno do DF (Estado
de Goiás), não são dotados de infra-estrutura básica, como rede de abastecimento
de água e energia elétrica, onerando as propostas para aquela região. Nestes
casos, o proponente fica responsável pela execução destes serviços, encarecendo o
custo de construção.
•
Terreno apropriado para o programa: incluindo a falta de terrenos no
DF: a falta de terrenos à um custo baixo em áreas inseridas no Distrito Federal,
exclui do programa os proponentes que não tem interessa em “ migrar” para o
Estado de Goiás, em locais sem infra-estrutura.
•
Assessoria técnica: falta de assessoria técnica para a elaboração de
projetos, de arquitetura/engenharia e social. Muitos dos profissionais que trabalham
atualmente com o programa não possuem capacidade técnica para elaborar projetos
específicos e que proporcionem melhoria na qualidade de vida ao usuário. Não
67
existe também um comprometimento com o desenvolvimento e acompanhamento do
projeto e da obra.
•
Qualidade dos projetos: os projetos apresentados refletem a falta de
apoio técnico, com soluções pouco inovadoras e monótonas, resgatando os modelos
tão criticados do extinto Banco Nacional de Habitação - BNH. Do ponto de vista
urbanístico, o que predomina é a malha xadrez, sem tirar proveito da topografia e
sem previsão de áreas públicas de convivência e áreas verdes. Em relação as
casas, são reproduzidos modelos padronizados, sem diferenciação nos tipos de
projetos ou fachadas.
•
Andamento das obras: como reflexo da falta de capacidade técnica,
tanto das associações como dos profissionais, todas as propostas contratadas
apresentaram atrasos no cronograma, não concluindo a obra dentro do prazo
previsto.
Fica evidente que não basta adequar as regras à realidade local. É também
necessário que os grupos interessados em participar destas políticas públicas sejam
capacitados e tenham o conhecimento técnico e jurídico necessário para
proporcionar empreendimentos regularizados e de qualidade.
68
CAPITULO 5 - CONCLUSÃO
Após uma análise das experiências apresentadas, pode-se concluir que num
processo de autogestão a capacitação técnica dos envolvidos no processo é
fundamental para garantir a boa aplicação dos recursos e a construção de habitação
adequada, que proporcione melhoria na qualidade de vida dos moradores.
Apesar do desenvolvimento de tecnologias construtivas que visam baratear o
custo de construção das habitações, pouco se tem feito para capacitar a mão de
obra disponível na utilização destas tecnologias.
A solução para a falta de capacidade técnica poderia vir do setor privado que,
através de parcerias com os movimentos sociais, poderia proporcionar o apoio
necessário para a captação de recursos provenientes destas políticas públicas.
Instituições de ensino e empresas do setor da construção poderiam também ser as
parceiras no desenvolvimento de projetos e matérias que viabilizassem a execução
de habitações com menor custo e maior qualidade.
As entidades de classe, como CREA, SINDUSCON e sindicatos, também não
têm atuado no apoio técnico à população carente. Mesmo com a disponibilidade de
recursos para a remuneração destes profissionais prevista no programa, tanto para
a elaboração de projetos, quanto para o acompanhamento de obras, não vemos um
envolvimento destes técnicos com a produção de habitação popular na região de
Brasília e do Entorno.
A falta de comprometimento com o trabalho desenvolvido junto às
associações e cooperativas tem levado essas entidades a trocar de responsável
técnico diversas vezes durante o andamento dos processos, atrasando a
contratação e gerando expectativas frustradas perante os associados que aguardam
a conclusão de suas casas.
Outro problema levantado pelos proponentes é a falta de recursos próprios
para pagamento das despesas prévias à contratação, que inclui elaboração de
projetos e regularização dos empreendimentos junto aos órgãos públicos e
concessionárias. Sem a remuneração do trabalho, muitos profissionais não se
interessam em aceitar o serviço de assessoria técnica, uma vez que o pagamento
pelos serviços será feito somente após a contratação da proposta com a CAIXA.
69
Uma das soluções para este problema é a aprovação do Projeto de Lei
6.981/06, que prevê assistência técnica gratuita na elaboração de projetos para
famílias de baixa renda. Com isso, as prefeituras e administrações regionais devem
contar com uma equipe multidisciplinar que vai desenvolver este trabalho junto á
população que não tem como pagar um profissional.
No entanto, além da capacidade técnica para o planejamento do projeto, vale
ressaltar que a capacidade na gestão dos recursos é extremamente importante num
processo de autogestão. Com recursos limitados, o planejamento é fundamental
para evitar que despesas imprevistas atrapalhem a conclusão do objeto final.
Esse planejamento deve prever também a redução de desperdícios na
construção e no prazo de conclusão de obra. A seqüência de atrasos em obra
verificados na operacionalização do programa onera o custo de construção, uma vez
que a mão de obra é uma despesa responsável por aproximadamente metade do
custo total.
O fato de que esses grupos sempre ficaram à margem das decisões no
cenário nacional, passando a atuar recentemente, poder ser um indicativo do
desconhecimento técnico destas entidades. Apesar de algumas experiências
isoladas, programas de produção habitacional com autogestão dos recursos não
existiam até a criação deste programa.
Mesmo sendo conhecidos como a “fatia” da sociedade civil que mais
reivindica políticas públicas junto ao governo, esses grupos nunca foram chamados
a participar ativamente da aplicação destas políticas. Outras experiências similares
demonstraram que poucas vezes os processos foram conduzidos por eles desde o
inicio até sua conclusão.
É o caso das políticas com mutirão do CDHU, onde os grupos têm uma
participação pequena na execução da obra. Apesar do êxito destas experiências,
vemos que a falta de participação na tomada de decisões em relação à escolha dos
terrenos e dos projetos e na gestão dos recursos, não desenvolveu junto a estes
grupos uma visão critica em relação à qualidade destes empreendimentos.
No caso do Distrito Federal, políticas de doação de lotes associações e
cooperativas levou ao aumento do cooperativismo na região. No entanto, a produção
habitacional destes grupos reduzia-se a conduzir as obras, em regime de
70
autoconstrução ou mutirão, sem a preocupação com a legalização da terra e do
empreendimento.
Isso tirou dos grupos a oportunidade de aprender a conduzir os processos
como um todo, desde o licenciamento das áreas até o planejamento dos custos
necessários para a implantação de um empreendimento.
Além disso, os recursos para a construção eram provenientes de programas
habitacionais que fornecem somente o material de construção, não sendo
obrigatório o cumprimento de etapas de obra para a liberação dos recursos. Com
isso, a falta de planejamento da obra não influía no andamento da obra. No entanto,
conforme as regras do programa Crédito Solidário, cada etapa de obra deve ser
executada integralmente para o recebimento da próxima parcela.
No caso de Brasília e Entorno, outro problema identificado foi a inexistência
de parcerias com o Poder Público no provimento de infra-estrutura básica e
equipamentos comunitários. Isso somado a falta de áreas disponíveis a um custo
acessível, tem criado soluções urbanísticas precárias, incentivando o surgimento de
novas cidades-dormitório, reproduzindo alguns modelos tão criticados do passado.
Como algumas prefeituras municipais não têm interesse em receber novos
habitantes provenientes do DF, estas criam dificuldades na aprovação dos projetos,
obtenção de alvarás, etc. Além disso, a falta de recursos dos municípios para
execução de obras de infra-estrutura impede a formação de parcerias que
auxiliariam na desoneração do custo total dos empreendimentos.
Somado a isso, as concessionárias responsáveis pelo abastecimento de água
e energia elétrica exigem dos proponentes a execução das redes, não contribuindo
em nenhum momento nem mesmo com a execução de projetos. Se as associações
não conseguem arcar com as despesas prévias na elaboração e aprovação dos
projetos das habitações, a imposição das concessionárias passa a ser uma barreira
muito maior no acesso à terra urbanizada, impactando diretamente no custo de
implantação dos empreendimentos.
Desta forma, uma revisão nas regras do programa não é suficiente para sua
concretização a região. Para garantir a legalidade de um empreendimento, são
necessários trâmites jurídicos e licenças que independem de qualquer alteração nas
regras do programa. Essas exigências legais não serão modificadas, mas poderão
71
ter seus custos reduzidos mediante redução de custos de taxas e demais despesas
inerentes ao processo.
Em alguns estados e municípios, existem leis que desoneram as taxas
cobradas por órgãos públicos e cartórios para a produção de habitação de interesse
social.
A previsão de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) nos Planos Diretores
dos municípios e regiões administrativas auxiliariam na redução do valor dos
terrenos localizados nestas áreas. No entanto, os governos locais nem sempre se
interessam em garantir os interesses dessa faixa da população e, apesar da
existência das ZEIS, os instrumentos não são implementados por suas leis
especificas.
Portanto, apesar da grande demanda pelo programa, as associações e
cooperativas continuarão esbarrando nessas dificuldades técnicas se não contarem
com o trabalho de equipe de assessoria técnica e disporem de recursos para as
despesas prévias necessárias.
Por ser tratar de uma nova política pública, nunca utilizada antes pelos
gestores do programa, verificamos que este é um processo de construção contínua
e que sofrerá ainda diversas modificações. A atuação conjunta entre o Ministério das
Cidades e a Caixa Econômica Federal na implementação das mudanças, sem deixar
de ouvir a opinião dos movimentos sociais, principais usuários do produto, tem sido
um ponto favorável na garantia da continuidade do programa apesar das
dificuldades encontradas em seus primeiros anos de aplicação.
72
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76
ANEXOS
77
78
79
CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
RESOLUÇÃO Nº 93, DE 28 DE ABRIL DE 2004.
(Publicada no DOU em 03/05/2004)
Cria o Programa Crédito Solidário voltado para o atendimento de necessidades
habitacionais de famílias de baixa renda, organizadas em cooperativas, associações e
demais entidades da sociedade civil.
O CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL - FDS, com
base nos incisos I e III, do artigo 6º, da Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993.
CONSIDERANDO que o acesso à moradia regular é condição básica para que as famílias
de baixa renda possam superar suas vulnerabilidades sociais e permitir sua inclusão à
sociedade, e que o acesso ao financiamento habitacional para aquelas famílias que não tem
capacidade de poupança precisa de condições especiais e subsidiadas;
CONSIDERANDO que o déficit habitacional quantitativo, em 2000, foi estimado, pela
Fundação João Pinheiro, em 6,6 milhões de residências, sendo que, no último período
intercensitário, as populações de menor renda tiveram suas posições agravadas, enquanto
as famílias com rendimentos acima de 5 salários melhoraram sua posição reduzindo sua
participação relativa;
CONSIDERANDO que o estímulo ao regime de cooperativismo habitacional e ao princípio
de ajuda mútua, são formas de garantir a participação da população como protagonistas na
solução dos seus problemas habitacionais comuns, proporcionando-a dentro das
necessidades e características com os usos e costumes locais;
CONSIDERANDO que o Parecer MINISTÉRIO DAS CIDADES/COJUR nº 119/04, de 22 de
abril de 2004, da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades, corroborando com
entendimento do Jurídico da CAIXA quanto à interpretação do artigo 12 da lei nº 8.677/93 na
interpretação que Conselho Curador do FDS possui competência para deliberar sobre a
utilização dos seus recursos e criar programas voltados para as finalidades definidas no
artigo 2º da mesma lei,
Resolve:
1. Criar o Programa Crédito Solidário voltado ao atendimento de necessidades habitacionais
da população de baixa renda, organizadas em cooperativas, associações e demais
entidades da sociedade civil visando a produção e aquisição de novas habitações, a
conclusão e reforma de moradias existentes, mediante concessão de financiamento
diretamente ao beneficiário, pessoa física.
2. OBJETIVOS DO PROGRAMA
Conceder financiamento ao beneficiário final, adquirentes ou proprietários de habitações ou
lotes, nas modalidades:
a) aquisição de material de construção;
b) aquisição de terreno e construção;
c) construção em terreno próprio;
d) conclusão, ampliação e reforma de unidade habitacional e.
e) aquisição de unidades construídas com habite-se de até 180 dias.
80
3. PÚBLICO ALVO
Famílias com renda bruta de até R$ 1.050,00 admitindo-se o atendimento à famílias com
renda entre R$ 1.050,01 e R$ 1.750,00.
3.1 Compete ao Agente Gestor, definir o percentual de recursos a ser alocado para
atendimento à famílias com renda entre R$ 1.050,01 e R$ 1.750,00.
4. FORMAS DE ATUAÇÃO
As formas de execução das obras serão de livre escolha pelos contratantes e usuários
do crédito, sempre supervisionadas por assistência técnica, entre as seguintes alternativas:
a) autoconstrução, pelos próprios contratantes;
b) sistema de auto-ajuda ou mutirão; e
c) administração direta, com contratação de profissionais ou empresas para execução de
serviços que demandem maior especialização.
5. ALCANCE DO PROGRAMA
Áreas urbanas e rurais em todo território nacional, observados os requisitos que serão
regulamentados pelo gestor da aplicação.
6 PARTICIPANTES
a) Ministério das Cidades, na qualidade de gestor das aplicações do FDS;
b) Caixa Econômica Federal-CEF, na qualidade de agente operador do FDS;
c) Os governos estaduais, municipais e do Distrito Federal - DF, Companhias de Habitação
Popular – COHAB e assemelhados, cooperativas habitacionais ou mistas, associações e
demais entidades da sociedade civil como fomentadores/facilitadores dos empreendimentos,
com atribuições decongregar, organizar e apoiar famílias no desenvolvimento de cada uma
das etapas dos projetos voltados para a solução dos seus problemas habitacionais;
d) instituições credenciadas pelo Banco Central do Brasil – BACEN para atuarem como
agentes financeiros e aquelas integrantes do SFH;
e) empresas privadas do setor de construção civil, na qualidade de executoras das obras e
serviços; e
f) outros órgãos/entidades, que, a critério dos proponentes, possam contribuir para
realização dos objetivos do(s) projeto(s) e venham a ser nele(s) admitido(s), nas condições
e com atribuições definidas em cada caso.
7 FONTES DE RECURSOS
a) Financeiras:
- Recursos do FDS;
- Recursos estaduais, municipais e do Distrito Federal; e
- Outros que venham a ser destinados ao Programa.
b) Não financeiras: bens e serviços que agreguem valor ao investimento, mensuráveis
financeiramente, oriundos de:
- Estados, Distrito Federal e municípios; e
- Outros que venham a ser destinados ao Programa.
7.1 RECURSOS DO FDS
A utilização dos recursos onerosos do FDS será limitada à capacidade de assunção
pelo Fundo das remunerações de que tratam os subitens 8.7, 8.8 e 8.9, com os recursos
gerados pelas quotas de sua própria titularidade.
8 CONDIÇÕES OPERACIONAIS
8.1 COMPOSIÇÃO DO INVESTIMENTO
81
Devem integrar o cronograma físico-financeiro do respectivo projeto, no mínimo, os
seguintes componentes, a serem regulamentados pelo gestor das aplicações, por
modalidade operacional:
a) aquisição de terreno;
b) aquisição de material de construção para edificação e instalações; e
c) mão de obra.
8.2 LIMITES
Na elaboração de projetos devem ser observados os seguintes limites para fins de
enquadramento neste Programa:
a) Quantidade de unidades do empreendimento: até 100 unidades habitacionais, podendo
ser acrescidas à critério do gestor da aplicação;
b) Valor de financiamento unitário de até R$ 12.000,00, podendo ser acrescido em até 150%
(cento e cinqüenta por cento) para o Distrito Federal e para os municípios integrantes das
Regiões Metropolitanas das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Baixada
Santista e Belo Horizonte; em até 100% (cem por cento) para os municípios integrantes das
demais regiões metropolitanas, e em até 50% (cinqüenta por cento) nos municípios com
população superior a 50 mil habitantes.
b.1) Os valores de financiamento na modalidade Conclusão, Ampliação e Reforma são de
até R$ 7.500,00 para municípios com até 50 mil habitantes e Áreas Rurais e de até R$
10.000,00 para todos os demais.
c)Valor máximo de avaliação do imóvel: R$ 72.000,00.
8.2.1 Os limites por modalidade serão definidos pelo gestor da aplicação, observados os
parâmetros máximos acima.
8.3 PRÉ-REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE FINANCIAMENTOS ÀS PESSOAS
FÍSICAS
É vedada a concessão de financiamentos com recursos do FDS a pretendentes que:
a) detenham, em qualquer parte do País, outro financiamento habitacional nas condições do
FDS, do Sistema Financeiro da Habitação - SFH ou do Programa de Subsídio à Habitação
de Interesse Social - PSH; e
b) sejam proprietários ou promitentes compradores de imóvel residencial no local de
domicílio, salvo na modalidade conclusão, ampliação e reforma de unidade habitacional
única.
8.4 INSTRUÇÃO DOS PEDIDOS DE CRÉDITO
É de competência do gestor das aplicações do FDS regulamentar os requisitos a serem
satisfeitos na elaboração e na apresentação dos projetos e os critérios para seleção de
projetos e dos beneficiários finais.
8.5 EMPRÉSTIMO DO AGENTE OPERADOR AO AGENTE FINANCEIRO
Observarão os seguintes critérios e condições básicas:
a) VALOR: correspondente ao valor global do conjunto de contratos de financiamento com
beneficiários finais que instruir o pedido;
b) DESEMBOLSO: de acordo com o cronograma de desembolso consolidado estabelecido
contratualmente com base nas contratações realizadas com os beneficiários finais, quando
houver prazo de carência e, se não houver prazo de carência, o desembolso é realizado em
parcela única;
c) TAXA DE JUROS: dispensada a cobrança de juros;
d) PRAZO DE CARÊNCIA: correspondente à média ponderada do prazo de carência os
contratos com os beneficiários finais, quando for o caso;
e) PRAZO DE AMORTIZAÇÃO: correspondente à média ponderada dos prazos dos
financiamentos concedidos aos beneficiários finais da operação;
82
f) GARANTIAS: Caução dos direitos creditórios decorrentes dos créditos concedidos;
g) SISTEMA E FORMA DE AMORTIZAÇÃO: Tabela Price, em parcela mensais;
h) CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR: atualizado mensalmente pela
mesma variação dos depósitos de poupança com aniversário no dia 1º do mês.
8.6 FINANCIAMENTO DO AGENTE FINANCEIRO AOS BENEFICIÁRIOS FINAIS
Formalizado observando as seguintes condições básicas:
a) QUOTA: limitada a 95% (noventa e cinco por cento) do valor de investimento, e ainda ao
disposto no subitem 7.2, da Instrução Normativa nº 11, de 14 de maio de 2004;
b) CONTRAPARTIDA DO MUTUÁRIO: mínima de 5% do valor do investimento habitacional,
que poderá ser integralizada com recursos próprios, com itens do investimento não
financiados com recursos do FDS;
c) TAXA DE JUROS: dispensada a cobrança de juros;
d) PRAZO DE CARÊNCIA: o previsto para execução das obras, limitado a 12 (doze) meses,
contados da data de contratação do financiamento, podendo ser prorrogado por mais 12
(doze) meses, a critério do Agente Operador.
e) PRAZO DE OPERAÇÃO: até 264 (duzentos e sessenta e quatro) meses, constituído por
prazo de amortização limitado a 240 (duzentos e quarenta) meses, mais prazo de carência.
f) GARANTIAS: Alienação fiduciária do imóvel objeto da operação, nos termos da Lei
9.514/97; Hipoteca, em primeiro grau, do imóvel objeto da operação; Seguro de Crédito;
Fundo de Aval; Fundo Garantidor; Aval Solidário; Aval de Terceiros; Caução/Repasse de
recursos em moeda corrente junto à instituição bancária no Brasil.
g) COMPROMETIMENTO DE RENDA: até 25% da renda familiar bruta apurada, limitada
ainda à capacidade de pagamento do mutuário calculada pelo Agente Financeiro;
h) DESEMBOLSOS: Os recursos serão liberados em parcela única ou, mensalmente, de
acordo com o cronograma físico-financeiro estabelecido contratualmente com base no
relatório técnico de acompanhamento de obras emitido pelo Agente Financeiro.
h.2) Na hipótese de financiamento do terreno, a liberação do valor correspondente somente
deve ser efetuada após a formalização da garantia.
i) SISTEMA E FORMA DE AMORTIZAÇÃO: Tabela Price, em parcelas mensais;
j) CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR: atualizado mensalmente pela
mesma variação dos depósitos de poupança com aniversário no dia 1º do mês; e
k) COMPOSIÇÃO DO ENCARGO: amortização e prêmios de seguros.
l) Fica o Agente Financeiro, mediante aprovação do Agente Operador, autorizado a
repactuar os contratos assinados e não concluídos até 10 de janeiro de 2007, alterando os
prazos de carência, de amortização e de operação, respeitados os limites estabelecidos nas
alíneas “d” e “e”, do subitem 8.6, da presente Resolução.
8.7 REMUNERAÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO E DO AGENTE OPERADOR
As remunerações previstas neste item, por operação de crédito realizada, serão pagas à
vista e em espécie, ficando autorizado o seu lançamento a débito do Fundo, em data
coincidente com a de assinatura dos contratos de financiamento com os beneficiários finais.
8.7.1. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO
Devida ao agente financeiro por operação de crédito realizada, no valor máximo de R$
25,00 (vinte e cinco reais), paga à vista, em espécie, ao valor presente calculado à taxa de
desconto de 12% a.a. no prazo contratado.
8.7.2 TAXA DE EQUILÍBRIO
Devida ao agente financeiro por operação de crédito realizada, à vista, em percentual
variável de 0% até 4,% a.a, apurada com base no valor presente, descontado à taxa de
juros de 0,0% a.a., aplicado sobre os saldos devedores mensais previstos para todo o prazo
contratado.
8.8 TAXA DE RISCO DE CRÉDITO
83
Devida por operação de crédito realizada, paga à vista, em espécie, ao agente operador, a
título de risco de crédito, em percentual diferenciado por tomador, levando- se em
consideração a classificação da operação e o nível de risco, segundo a forma e condições
estabelecidas na Resolução no 2.682, de 21 de dezembro de 1999, do Conselho Monetário
Nacional - CMN, suas alterações e aditamentos.
8.8.1 A classificação de risco será definida pelo agente operador por ocasião da análise de
cada operação, em percentual variável limitado à taxa de risco de 0,8% a.a. (oito décimos
por cento ao ano), aplicado sobre o saldo devedor da operação.
8.9 DEPÓSITO PARA GARANTIA DE RISCO DO AGENTE FINANCEIRO
Fica autorizada a criação de conta específica no Balanço Patrimonial do FDS, segregando
recursos de sua titularidade, destinados à cobertura de risco de crédito do agente financeiro,
de forma a possibilitar a concessão de financiamento a beneficiário final não aprovado na
análise de risco efetuada pelo Agente Financeiro, na conformidade da citada Resolução no
2.682/99, do CMN, suas alterações e aditamentos, sem restrição cadastral e com
capacidade de pagamento.
8.9.1. O aporte dos recursos será efetuado previamente à concessão do financiamento ao
beneficiário final, em percentual máximo de 15,58% para renda até 3 salários mínimos e
14,47% para renda acima de 3 a até 5 salários mínimos, sobre o montante dos recursos
destinados à contratação das operações.
8.9.2 Os recursos permanecerão depositados na citada conta específica pelo prazo máximo
de amortização das operações contratadas pelo Agente Financeiro e serão utilizados no
caso de inadimplência do mutuário.
8.9.2.1 Os recursos poderão ser utilizados, no caso de inadimplência do encargo mensal,
assim caracterizada pelo atraso superior a 60 dias, para contrato com quaisquer das
garantias previstas na alínea “f” do subitem 8.6 desta Resolução, exceto, Fundo Garantidor.
8.9.3 A inadimplência do encargo mensal prevista no subitem 8.9.2.1 será suportada com os
recursos do Depósito para Garantia de Risco do Agente Financeiro por no máximo 12
encargos.
8.9.3.1 A partir do 13º encargo em atraso, os recursos remanescentes serão liberados
quando da comprovação da realização da garantia ou da comprovação do vencimento
antecipado para liquidação da dívida.
8.9.4 Os valores ressarcidos pelos mutuários deverão retornar à conta específica do
Depósito para Garantia de Risco do Agente Financeiro e, disponibilizados para
movimentação na situação definida no subitem 8.9.2 e 8.9.2.1.
8.9.5 Os recursos remanescentes na conta específica, após o prazo máximo de amortização
das operações contratadas no âmbito do Programa, deverão retornar ao FDS.
8.9.6 A administração e movimentação dos recursos da conta depósito garantia de
risco do Agente Financeiro serão efetuadas pelo Agente Operador, mediante edição de
regulamentação específica.
9 SUBSÍDIOS
Para obtenção de subsídios adicionais, far-se-á necessária a articulação das operações do
Programa com outras fontes de recursos, financeiros ou não, de planos/programas públicos
e privados.
10 DISPOSIÇÕES GERAIS
84
10.1 As operações realizadas com recursos do FDS serão incluídas no Cadastro Nacional
de Mutuários – CADMUT, com vistas à não concessão de mais de um
financiamento/subsídio ao mesmo adquirente.
10.2 O gestor da aplicação e o agente operador regulamentarão a presente Resolução em
até 30 (trinta) dias, a contar da sua publicação.
10.3 O agente financeiro implementará as disposições da presente Resolução em até 30
(trinta) dias, a contar da publicação da respectiva regulamentação pelo gestor da aplicação
e agente operador.
10.4 As operações firmadas no âmbito deste programa nas modalidades “construção”
“conclusão ampliação e reforma” e “aquisição de unidades construídas com habite-se de até
180 dias” deverão contar obrigatoriamente, com a cobertura de apólice de seguro, cujo
equilíbrio esteja fora da garantia do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS.
11 Esta Resolução entra em vigor após a regulamentação prevista no item anterior.
OLÍVIO DE OLIVEIRA DUTRA
Presidente do Conselho
85
CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
RESOLUÇÃO Nº 100, DE 16 DE JANEIRO DE 2005
Cria o Fundo Garantidor, para garantia do financiamento concedido ao beneficiário final,
com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, para aplicação no Programa
Crédito Solidário – PCS.
O CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL - FDS, com
base no nos incisos I , II e III do artigo 6º da Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993.
Considerando a necessidade de viabilizar alternativa de garantia para implementação de
financiamento às famílias de baixa renda que necessitam de condições especiais e
subsidiadas, no âmbito do Programa Crédito Solidário, criado pela Resolução do CCFDS nº
93, de 28 de abril de 2004, alterada pela Resolução CCFDS nº 98, de 8 de dezembro de
2004.
Considerando a existência de propostas em que o beneficiário final do crédito não dispõe do
título de propriedade do imóvel o que impossibilita adoção de garantia real.
Considerando que alternativa de garantia representada pelo Seguro de Crédito onera a
capacidade de pagamento do beneficiário final.
Resolve:
Aprovar a criação do Fundo Garantidor, conforme previsto a alínea “f” do subitem 8.6 da
Resolução do CCFDS nº 93, de 28 de abril de 2004, mediante aporte de recursos
disponíveis no Patrimônio Líquido do FDS, após a alocação da reserva de liquidez
preconizada na Lei 8.677/93 e os custos administrativos do FDS.
1 Características do Fundo Garantidor
1.1 O Fundo Garantidor será constituído com recursos do FDS a título de financiamento ao
beneficiário final no percentual de 19,85% (dezenove inteiros e oitenta e cinco
centésimos percentuais) sobre o valor de financiamento destinado à realização da obra.
1.1.1 A dívida do beneficiário final corresponderá ao somatório do valor alocado ao Fundo
Garantidor e do valor do financiamento obtido conforme critérios e condições básicas
previstas no subitem 8.6 das Resoluções CCFDS 93/2004 e 98/2004.
1.1.2 O valor do empréstimo do Agente Operador ao Agente Financeiro será constituído
pelo valor alocado ao Fundo Garantidor acrescido do financiamento ao beneficiário final,
observadas as condições previstas nos subitens 8.5 da Resolução CCFDS 93/04.
0.1 O Fundo Garantidor será constituído de forma solidária por grupo associativo no qual
todos os associados suportarão a garantia de solvabilidade do grupo.
1.2 Os recursos destinados à constituição do Fundo Garantidor serão depositados pelo
Agente Operador, em conta específica na Caixa Econômica Federal, no ato de liberação
da primeira parcela do financiamento ao beneficiário final, e deverão, a partir de então,
serem remunerados à taxa de mercado.
1.4 Os recursos permanecerão depositados na citada conta específica pelo prazo máximo
de amortização dos contratos do grupo associativo e serão movimentados, exclusivamente,
nas seguintes situações:
86
) Atraso superior a 60 dias do encargo mensal de qualquer associado do grupo, limitado a
12 (doze) encargos consecutivos;
) liquidação antecipada, quando o saldo do Fundo Garantidor do grupo associativo for maior
ou igual ao somatório das dívidas vincendas;
) vencimento antecipado da dívida de mutuário com atraso do encargo mensal por período
maior que 12(doze) encargos consecutivos;
) término do prazo máximo de amortização dos contratos do grupo associativo
1.4.1 Na hipótese de utilização dos recursos na forma prevista na alínea “a” acima, os
valores ressarcidos pelos beneficiários finais serão retornados ao Fundo Garantidor.
1.4.2 Eventual saldo remanescente, após a liquidação das dívidas do grupo associativo,
será disponibilizado aos respectivos beneficiários finais.
1 Limite de financiamento ao beneficiário final
1.0 O financiamento unitário, quando a garantia se constituir dos recursos aportados ao
Fundo Garantidor, será limitado ao previsto no subitem 8.2 da Resolução do CCFDS 93/04,
acrescido do percentual de 19,85% (dezenove inteiros e oitenta e cinco centésimos
percentuais) sobre o valor de financiamento destinado à realização da obra.
3 Remuneração do Agente Financeiro e do Agente Operador
3.1 A taxa de equilíbrio, prevista no subitem 8.7.2 da Resolução do CCFDS 93/04, não será
aplicada sobre o valor destinado à constituição do Fundo Garantidor.
3.2 A taxa de risco de crédito do Agente Operador, prevista no subitem 8.8 da Resolução do
CCFDS 93/04, será devida sobre o valor destinado à constituição do Fundo Garantidor.
4 Depósito para Garantia de Risco do Agente Financeiro
4.1 Quando a garantia constituir-se do Fundo Garantidor, os recursos destinados ao Agente
Financeiro como Depósito para Garantia de Risco serão complementares aos alocados ao
Fundo Garantidor e movimentados nas condições estabelecidas nas Resoluções CCFDS
93/04 e 98/04, considerando as seguintes alterações abaixo.
4.1.1 O aporte de recursos previstos no subitem 8.9.1 da Resolução do CCFDS 93/04 será
efetuado previamente à concessão do financiamento ao beneficiário final, em percentual
máximo de 15,58% para renda de até 3 salários mínimos e 14,47% para a renda acima de 3
até 5 salários mínimos, sobre o montante dos recursos destinados à contratação das
operações para realização da obras.
4.1.2 A movimentação dos recursos referentes ao Depósito para Garantia de Risco, devidos
ao agente financeiro, ocorrerá exclusivamente no vencimento antecipado da dívida.
5 A cooperativa ou associação com fins habitacionais deverá ser interveniente na operação
entre o beneficiário final e o Agente Financeiro.
6 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
OLÍVIO DE OLIVEIRA DUTRA
Presidente do Conselho

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