visionárias do tempo do fim – uma análise - PPGHC
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visionárias do tempo do fim – uma análise - PPGHC
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE HISTÓRIA Programa de Pós-Graduação em História Comparada REJANE BARBOZA DA SILVA HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA Rio de Janeiro Março de 2014 REJANE BARBOZA DA SILVA HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Comparada do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História Comparada. Orientadores: Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Jr. Linha de pesquisa: Poder e Discurso Rio de Janeiro Março de 2014 HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA Rejane Barboza da Silva Orientador: Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em História Comparada. Aprovada por: Presidente, Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior (PPGHC/UFRJ) Prof. Dr. Vicente Carlos Rodrigues Alvarez Dobroruka (PEJ-UnB) ________________________________________________________________________ Profa. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PPGHC/UFRJ) Prof. Dr. Luiz Barros Montez (PIPGLA/UFRJ) Profa. Dra. Leila Rodrigues da Silva (PPGHC/UFRJ) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP .......... Silva, Rejane Barboza da "Hildegard von Bingen e Mechthild von Magdeburg: Visionárias do Tempo do Fim –Uma análise comparativa / Rejane Barboza da Silva. - 2014. x, ....... f. : enc. Orientador: Álvaro Alfredo Bragança Jr. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Rio de Janeiro, BR-RJ, 2014. 1. História. 2. Idade Média. 3. Religiosidade feminina.4. Literatura apocalíptica. I. Bragança Jr., Álvaro Alfredo, orient.. II. Título. CDD: ..... AGRADECIMENTOS Primeiramente, gostaria de agradecer a todos os professores que generosamente deram seu tempo e atenção para o aprimoramento deste trabalho, ao meu pai, familiares e todas as pessoas amigas que o incentivaram e especialmente ao Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior, que incansavelmente esteve ao meu lado neste percurso. Se hoje tenho percorrido uma trajetória acadêmica em estudos medievísticos, devo esta oportunidade ao Prof. Álvaro, que graças a DEUS (personagem não histórico, porém real), me convidou para empreender pesquisa de iniciação científica, ainda no século passado. E, acima de tudo, agradeço a DEUS por ajudar-me a vencer mais um desafio na vida estudantil, pois para alguém cuja gestação não iria ter prosseguimento e, caso viesse a nascer, seria passível de vir a ter necessidades especiais no que diz respeito às atividades intelectuais, resta somente a convicção de cultivar, sempre, sentimentos de gratidão pelas oportunidades recebidas. 5 HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA REJANE BARBOZA DA SILVA Orientador: Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior RESUMO O objetivo deste estudo é analisar a influência do pensamento escatológico manifesto na religiosidade feminina germanófona. Para isso, o corpus documental estabelecido foram os escritos das religiosas Hildegard von Bingen (século XII) e Mechthild von Magdeburg (século XIII). Para esta tarefa faz-se necessário assinalar algumas características da literatura dita apocalíptica, bem como descrever traços biográficos das religiosas, visando com isto uma melhor compreensão do contexto em que se deu o processo criativo de textos visionário-profético-escatológicos. Palavras-Chave: História, Idade Média, Religiosidade feminina, Literatura apocalíptica. 6 ABSTRACT The purpose of this study is to analyze the influence of eschatological thinking presented in Germanic feminine religiosity.To achieve this goal, the documental corpus chosen was the writings of Hildegard von Bingen (XII. century) and Mechthild von Magdeburg (Thirteenth Century). In order to fulfill this task, it is necessary to list some characteristics of the so-called apocalyptic literature, as well as to describe their biographical traits, aiming a better comprehension of the context that gave birth to the creative process of visionary-prophetic-eschatological writings. Keywords: History, Middle Ages, Feminine Religiosity, Apocalyptic Literature. 7 SUMÁRIO I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS p. 9 I.1 Hildegard von Bingen p. 22 I.2 Mechthild von Magdeburg p. 32 II. LITERATURA APOCALÍPTICA OU APOCALIPSES p. 40 III. HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG – EXEMPLOS DE MULHERES QUE ULTRAPASSARAM SEUS LIMITES p. 53 IV. O FIM – VISÕES DE UM TEMPO DE ANGÚSTIA E TAMBÉM DE PAZ p. 66 V. CONCLUSÕES p. 87 BIBLIOGRAFIA p. 90 ANEXOS 1. TABELA DE REFERÊNCIAS ESCATOLOGIA/APOCALIPTICISMO 2. FONTES (PARTE) A TERMOS DA p. 98 p. 103 8 I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Todo trabalho histórico decompõe o tempo passado, faz escolhas em meio a suas realidades cronológicas, de acordo com preferências e exclusividades mais ou menos conscientes. (BRAUDEL, 2011, p. 90) Quase todos os historiadores, com exceção dos muito obtusos, apresentam uma fraqueza típica: certa cumplicidade, idealização, identificação; certo impulso à indignação, a corrigir erros, a transmitir uma mensagem. (BURROW, 2013, p. 72) So what are the professionals like and how do they make histories? Let us start this way. History is produced by a group of labourers called historians when they go to work; it is their job. And when they go to work they take with them certain identifiable things. First they take themselves personally: Their values, positions, their ideological perspectives.1 (JENKINS, 2004, p.25) Concordamos com as assertivas supracitadas e enfatizamos o caráter pessoal e intransferível concernente à escolha da temática, fontes (corpora) e bibliografia secundária apresentados neste estudo. O historiador não está isento ou neutro quanto aos mesmos e suas escolhas envolvem fatores diversos, pois, como bem escreveu Jenkins2: “History is never for itself; it is always for someone”. Deve-se considerar, também, a não isenção do pesquisador na escolha do aporte teórico-metodológico e hipóteses subjacentes ao tema. Realizar-se-á a análise histórico-literária do corpus descrito mais adiante, alicerçada em uma perspectiva metodológica da História Comparada, paralelamente à análise exegética das fontes, baseadas, essencialmente, na concepção de que, Para a Análise do Discurso3, o importante não é saber o que um texto quer dizer, mas como ele diz o que diz, ou seja, como os elementos linguísticos, 1 “Então, como estes profissionais são e como eles fazem histórias? Vamos começar desta maneira. A História é produzida por um grupo de trabalhadores chamados historiadores, quando eles vão ao trabalho; este é o trabalho deles. E quando eles vão ao trabalho, eles levam com eles certas coisas identificáveis. Primeiro, eles levam a eles mesmos, pessoalmente: seus valores, posições, suas perspectivas ideológicas”. 2 JENKINS, Keith. Re-thinking History. London and New York: Routledge, 2004, p.21. 3 SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2010, p.102. 9 históricos e sociais que o compõem fazem sentido juntos. Esse questionamento vem do fato de que a língua não é autônoma, e tanto ela quanto os indivíduos são muito afetados pelas condições sociais e pelo imaginário que os cerca. (SILVA &SILVA, 2010, p. 102) A narrativa religiosa medieval tem seu próprio papel significante, na medida em que a validação da mensagem se encontra na interpretação, muitas vezes literal, que o narrador faz dos fatos narrados. Contrapondo-se a este caráter definitivo e único de exegese, pode-se citar a atual multifacetada articulação de tipologias textuais, em que a sobreposição de textos, imagens, sons, recursos audiovisuais e virtuais faz com que a obra literária alargue o seu escopo básico: texto em papel, leitor/intérprete/decifrador e suas possíveis interpretações. Ultrapassar esta variedade de vertentes ao aproximar-se dos textos literários medievais de cunho religioso requer um forte exercício de abstração, uma vez que a interpretação, comparação, análise ou até mesmo a correlação de uma obra literária com outra gera ou pode gerar outro corpus, no qual fatores intrínsecos como origem, formação cultural, classe social, conhecimento de mundo do leitor/produtor agem de forma independente. Assumindo a posição todoroviana de que a obra literária é simultaneamente “história” (“evoca uma certa realidade”) e “discurso” (“existe um narrador que relata a história; há diante dele um leitor que a percebe”)4, e reconhecendo os meios distintos de interpretá-la, percebe-se que esta dissertação não tem a pretensão de abarcar de modo inclusivo todas as possíveis interpretações, subjetivas ou não, da transcendentalidade das experiências místicas das autoras a serem analisadas. Deve-se ressaltar que esta análise reconhece os limites impostos pela transitoriedade dos conceitos classificadores, segundo Veyne5 (1982, p.70), sendo necessária uma abstração temporal, isto é, um mover-se no tempo para que se possa tentar apreender, pelo menos parcialmente, o que foi dito ou narrado. Existem aqui movimentos religiosos, que diríamos também sociais, ali seitas filosóficas que são antes religiosas, e lá movimentos político-ideológicos que são filosófico-religiosos; aquilo que numa sociedade foi disposto, correntemente, na caixa “vida política” terá, em outra parte qualquer, por correspondente não tão exato, fatos que habitualmente entrariam na caixa 4 5 In: BARTHES, Roland et alii.1976, p.211. VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história. 2ª ed. Brasília: Edunb, 1982, p. 70. 10 “vida religiosa”. Isso significa que, em toda época, cada uma dessas categorias tem uma estrutura determinada que muda de uma época para outra. Assim, é com um pouco de preocupação que se encontra, nos índices de um livro de história, um certo número de gavetas, a “vida religiosa”,“a vida literária” como se fossem categorias eternas, receptáculos indiferentes em que só restaria divulgar uma enumeração de deuses e de ritos, de autores e de obras. (VEYNE, 1982, p. 70) Nesse sentido, para que possamos melhor entender a força motivadora subjacente às narrativas analisadas, as “gavetas” anteriormente citadas “vida religiosa” e “vida literária” devem ser vistas não como aspectos estanques, inflexíveis, independentes, porém como faces de um mesmo objeto, como reflexos deste iluminado por diferentes pontos de luz, cujas imagens, por vezes, se entranham umas nas outras, se confundem e/ou se separam umas das outras. Resumidamente, a dissertação objetiva analisar comparativamente as visões das místicas Hildegard von Bingen e Mechthild von Magdeburg que apresentem elementos de cunho escatológico, porém não pertencentes ao gênero de literatura apocalíptica – vide capítulo dois -, buscando evidenciar variações, seja em relação ao tema, seja em relação aos preceitos e normas no que concerne às religiosas em geral e suas produções literárias, observando similitudes entre os topoi que marcam um texto visionário, discrepâncias, público alvo, possíveis objetivos didáticos, lógica interna e repercussão. A temática “fim dos tempos” pertencente ao contexto religioso cristão ocidental apresenta-se atual e relevante em face dos recentes “profetas” do fim do mundo que se aproximaria, e poder constatar que tal tema, ao longo do tempo, perpassou também as mentes e os corações de indivíduos e sociedades traz, em si, um desafio para tentar compreender a força e impacto de tal mensagem. Presente até mesmo em ambientes seculares, isto é, fora da esfera de atuação dos agentes religiosos (clérigos, fiéis, teólogos, etc.), podemos citar, como exemplo, o FBI – Federal Bureau of Investigation, quando batiza uma de suas campanhas de Projeto Meguido67, em decorrência da passagem do ano 2000. 6 Fundamentalista espera “fim dos tempos”. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 dez. 1999, Mundo, p.13. “Megido (no hebraico megiddô, “lugar de tropas” – nome de uma cidade importante da Palestina, tomada por Totmés III, rei do Egito, no segundo ano de seu governo (...)”. – DAVIS, John. Novo Dicionário da Bíblia. Ampliado e atualizado. São Paulo: Hagnos, 2005, p.801. “O monte Megido, situado a oeste do rio Jordão no centro-norte da Palestina, a cerca de quinze quilômetros de Nazaré e a vinte e cinco quilômetros da costa do Mediterrâneo, encontra-se em uma planície onde ocorreram 7 11 A proximidade do ano mil, por exemplo, suscitou interpretações escatológicas distintas, espelhando o contexto político de sua época8. Recentemente, em seu livro intitulado Mideast Beast, Joel Richardson9 argumentou que o Anticristo será islâmico e chefiará dez nações que estão geograficamente em torno de Israel. Estes são apenas alguns exemplos de posições diferentes quanto a este assunto, que, de acordo com o contexto sócio-histórico, sofre variações expressivas de interpretação. Limitações existem quando da aproximação à temática tão exaustiva e complexa, tanto do ponto de vista histórico quanto teológico, por isso um recorte do que se deseja estudar é imprescindível. O contexto de surgimento da literatura apocalíptica dentro da cultura judaico-cristã, que será posteriormente descrito, é importante para nosso trabalho investigativo. O historiador Sérgio da Mata10, ao discorrer sobre o pensar o tempo não de forma cíclica, mas sim linear, afirma: Retomemos o fio de nossa argumentação. Enquanto as concepções de tempo anteriores eram francamente a-históricas ou apenas parcialmente históricas, o advento do profetismo judaico inaugura, de forma indubitável, uma concepção universal e linear de tempo. (...) Será particularmente no Segundo Isaías que Javé vai se mostrar como senhor absoluto da história (Is 41,2) e do próprio tempo (Is 46,10), acenando com a libertação futura de Israel (Is 51,3). Este horizonte futuro, se não é ainda um horizonte inteiramente distante, revela pela primeira vez muitas das batalhas de Israel”. PENTECOST, J. Dwight. Manual de Escatologia. São Paulo: Vida, 1999, p.355-356. 8 FLORI, Jean. La fine del mondo nel Medievo. Bologna: Società Editriceil Mulino, 2010, p. 91. “Altre speculazioni apocalittiche, all’approssimarsi dell’anno mille, si basavano sull’identificazione dei popoli che avrebbero dovuto devastare il mondo poco prima della Fine dei tempi, popoli che la Bibbia indica con gli appellativi di ‘Gog e Magog’. Alcuni li identificavano con gli Ungheresi che, nel X secolo, diffondevano il terrore nelle regioni del Danubio”. (FLORI, 2010, p. 91) “Outras especulações apocalípticas, ao aproximar-se do ano mil, baseavam-se sobre a identificação dos povos que deveriam devastar o mundo um pouco antes do Fim dos Tempos, povos que a Bíblia indica com a expressão ‘Gog e Magog’. Alguns os identificavam com os húngaros que, no século X, difundiram o terror nas regiões do Danúbio”. (FLORI, 2010, p. 91) N.A.: Os termos “Gog” e “Magog” apresentam diversas acepções de interpretação teológica sob a ótica judaicocristã, o que não é o objeto deste estudo. 9 RICHARDSON, Joel. Mideast Beast – The scriptural case for an islamic Antichrist. Washington, D.C: WND Books, 2012. 10 MATA, 2010, p. 27-28. 12 uma dimensão ‘escatológica’: coloca-se a perspectiva de um ‘fim’, de uma meta para a qual caminha o processo histórico – a libertação de Israel. Com efeito, a profecia é o reverso do mito. Um sistema religioso em que profetas assumem importância central deve estar necessariamente orientado para o futuro. (MATA, 2010, p. 27-28) Um arcabouço metodológico faz-se necessário para que se possa melhor direcionar a leitura e o entendimento da comparação empreendida, evidenciando as congruências e diferenças entre ambas as autoras. Para um melhor entendimento dos principais termos escatológicos que se farão presentes nesta dissertação torna-se indispensável, da mesma forma, uma tabela de referências anexada ao fim desta dissertação. Os seguintes autores nomeiam e/ou descrevem metodologias mais apropriadas ao objeto de estudo desta dissertação. BLOCH já assinalava, em 193911, a necessidade de se edificar, primeiramente, uma história comparada das sociedades europeias, antes de se aplicar alhures terminologias intrínsecas ao contexto europeu e SÉE, já em 192312, argumentava que o método comparativo poderia ser utilizado de duas formas diferentes: no espaço (comparação sincrônica de diversos países do mundo em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, i.e., síntese em história) e no tempo (comparação diacrônica de instituições). O “contraste tipológico” estabelecido por Weber e mencionado por Maier13 pressupor-se-ia talvez exequível, aplicado ao perfil distinto de ambas as autoras, presente também em outras (Gertrud von Helfta, Marguerite Porète, por exemplo), qual seja, a “autoridade carismática” (sem contestação argumentativa quanto à terminologia a ser atribuída a Hildegard von Bingen), e/ou o “tipo ideal” comum no recorte espaço-temporal germânico: mística, beguina14, religiosa. O método da diferenciação, citado por Maier15, parece também ser o oportuno, por ora, a ser utilizado, uma vez que se procura por variáveis em situações semelhantes: fontes narrativas produzidas por mulheres místicas, religiosas e visionárias (séculos XII e XIII), em 11 BLOCH, 1939, p. 440. SÉE, 1923, p.38. 13 MAIER, Charles S. “La Historia Comparada” – Studia Historica- Historia Contemporánea, Vol. X-XI (1992-93), p.15. 14 Ref. à Mechthild ter sido beguina e mística, vide abaixo: a) Frank Tobin, em sua Introdução à obra, assim declara: “About 1230, as a young woman in her early twenties, she left the comforts of home to take up the life of a beguine in the not-too-distant town of Magdeburg, where she knew but one person;” – Mechthild of Magdeburg. The flowing light of the Godhead. p.4; b) cf. WEHR, Gerard. Die deutsche Mystik. Köln: Anaconda Verlag, 2006, p. 136. 15 MAIER, 1992-93, p.12. 12 13 contextos sociais semelhantes, em contraposição (ou não) a um posicionamento ortodoxo estabelecido, configurando, assim, um pressuposto sine qua non para a realização de um trabalho de História Comparada, ou seja, a existência de um “duplo ou múltiplo campo de observação”16). Dentre as quatro aproximações comparativas à história elencadas por GORTÁZAR17, a análise histórico-comparativa intensiva de dois ou mais casos (“tipo fuerte de comparación”18) é a mais apropriada para a pesquisa. SKOCPOL & SOMERS (1980, p. 178) apresentam três lógicas metodológicas utilizadas em história comparada, quais sejam, análise macro causal, demonstração paralela da teoria e contraste de contextos, sendo esta última a que se aplica à pesquisa, pelas duas razões a seguir: o respeito à integridade histórica de cada caso como um todo e a demonstração das diferenças existentes entre os dois casos19, dada a temática da pesquisa. Contrariamente, a demonstração paralela da teoria requer, para tanto, um número de casos considerável, uma vez que se pretende asseverar uma similaridade entre os mesmos. A análise macro causal requereria uma abrangência geográfica e temporal não condizente com as fontes escolhidas. Por outro lado, a orientação à variável, como forma de aproximação ao estudo comparativo mencionado por GÜL20, parece-nos a mais apropriada à pesquisa, dado o caráter qualitativo das variáveis, isto é, dos elementos/termos presentes em um texto pertencente ao gênero literário da apocalíptica, tais como: rodas, querubins, anjos/corte de anjos, animais, múltiplos céus, paraíso, inferno, Hades, espíritos deformados, purgatório, Jerusalém celeste, “Gog e Magog”, etc., que serão pesquisadas, em oposição à aproximação de caráter quantitativo (múltiplos casos), intitulada “case-orientation”, que possui também um referente transnacional. O modelo apresentado por GÜL para um processo de pesquisa comparativa 16 BARROS, José D´Assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer a história. Revista de História Comparada, v.1, n.1, p.26, jun, 2007. 17 GORTÁZAR, 1992-93, p. 56-65. “Con todo, la historia comparada par excellence (la historia comparada sin comillas) es ese tipo fuerte de comparación histórica, esa comparación sistemática de eventos, procesos o instituciones en dos o más unidades geográficas, temporales o sociales, con el fin de verificar hipótesis o de obtener explicaciones del fenómeno en cuestión.” (p. 65) “Por tudo, a história comparada por excelência (a história comparada sem aspas) é este tipo forte de comparação histórica, esta comparação sistemática de eventos, processos ou instituições em duas ou mais unidades geográficas, temporais ou sociais, com o objetivo de verificar hipóteses ou de obter explicações do fenômeno em questão”. 18 GORTÁZAR, 1992-93, p. 60. 19 “straightforward paired comparisons” – SKOCPOL & SOMERS, 1980, p. 178. 20 GÜL, Serkan. Method and practice in comparative history. Ankara: KaradenizAraştirmalari, 2010. Vol. 26, p.143-158 - acessado no site http://www.karam.org.tr/Makaleler/91886581_gul.pdf (Journal of Blacksea Research) 14 (incluindo etapas de análise interna e externa) e dividido em sete partes21 [a) seleção do problema e da teoria; b) planejamento da pesquisa – 1ª fase (análise externa inicial); c) coleta de dados; d) planejamento da pesquisa – 2ª fase (análise interna); e) reformulação da teoria; f) refinamento da teoria em análise interna para superar a teoria em análise externa; e, g) escrita dos resultados], combina métodos qualitativos e quantitativos e diz respeito, primordialmente, a pesquisas históricas comparativas que abranjam nações em seus escopos. As bases para a utilização das metodologias acima citadas assentam-se nos postulados de Detienne, que através de uma perspectiva comparativista coloca a história como parceira dialógica da literatura, configurando um campo de experimentações comum (THEML & BUSTAMANTE, 2004, p. 15 – “A prática da comparação demanda que se trabalhe em equipe, todos juntos, em igualdade de condições e que o trabalho de cada um consiga “interessar” os outros”), cujos olhares múltiplos ajudam a melhor precisar o objeto estudado. Compreender diversas culturas da mesma forma que elas próprias se compreenderam, depois compreendê-las entre si; reconhecer as diferenças construídas, fazendo-as funcionar umas em relação às outras, é bom, é mesmo excelente para aprender a viver com os outros, todos os outros dos outros. Maneira de caminhar, como diz Tzvetan Todorov, para o necessário desapego de si mesmo e para o justo conhecimento dos fatos sociais. (DETIENNE, 2004, p.67) Conforme Aróstegui ressalta, “Toda observação de fatos está dirigida e precedida pelo pensamento formal, por noções e por convenções linguísticas. Quer dizer, não há observação de fatos sem hipóteses”22. Devido à variação do pensamento escatológico ao longo da História da Igreja Cristã Ocidental, tenciona-se detectar essa variação, expressa através de uma terminologia própria e da análise de fontes literárias de origem eclesiástica, neste caso, fontes intencionais voluntárias, de caráter cultural e oriundas do espaço germanófono, no período da Baixa Idade Média (séculos XII e XIII). No que concerne às religiosas, cujos textos serão objetos de nossa análise, cumpre apresentá-las resumidamente neste capítulo introdutório, bem como seu contexto histórico. Hildegard von Bingen nasceu no verão do ano de 1098, em Bermersheim, próximo 21 22 GÜL, 2010, p. 154. ARÓSTEGUI, 2006, p. 427. 15 a Alzey, distante cerca de vinte quilômetros da importante cidade de Mainz23. Mesmo tendo nascido em uma família abastada, na qual o pai, Hildebertus, fora ministro imperial, foi dada em serviço à Igreja por ser o décimo rebento. Sob os cuidados de Jutta von Sponheim, abadessa do mosteiro beneditino de Disibodenberg, próximo a Bingen, Hildegard permaneceu ali desde os seus oito ou nove anos de idade até a morte de Jutta, em 1136. Após isto, tornouse abadessa do convento de Disibodenberg. Suas visões iniciaram-se quando ainda criança, porém somente aos 42 anos de idade começou a colocar por escrito as mesmas e também as suas profecias. Em 1147, juntamente com cerca de vinte freiras, fundou um novo convento em Rupertsberg24, onde permaneceu até a sua morte em 17 de setembro de 1179. Hildegard von Bingen escreveu textos de edificação pessoal, textos médicos e de ciência natural, inúmeras cartas a figuras proeminentes de seu tempo, tais como São Bernardo25, o Papa Eugênio III26, o Imperador Frederico Barbarossa27o rei Henrique II28 da Inglaterra, e livros, nos quais foram transcritas suas visões. Scivias (Conheça os Caminhos do Senhor), escrito entre 1141 e 1151, descrevendo eventos de 1141, é o primeiro registro de suas visões, sendo o segundo o Liber vitae meritorum (O livro das recompensas da vida), escrito entre 1158 e 1163, e o terceiro o Liber divinorum operum simplicis hominis (O livro das obras divinas de uma pessoa simples), escrito entre 1163 e 1173. Parcialmente, a décima terceira visão do terceiro livro de Scivias deu origem a extensa peça litúrgica de cunho moral denominada Ordo Virtutum (A Ordem das Virtudes)29, escrita entre 1141 e 1151. Deve-se ressaltar, ainda, a profícua produção musical de Hildegard, sendo suas composições registradas e tocadas mesmo nos dias de hoje. Mechthild von Magdeburg30 nasceu em 1207 (aproximadamente) e faleceu por volta de 1282. Beguina31, visionária e mística, fez-se conhecida através de seu único livro, Das flieβende Licht der Gottheit (A luz fluente da Divindade). 23 FLANAGAN, Sabina. Hildegard of Bingen, 1098-1179 – A Visionary Life. Second Edition. London: Routledge, Second Edition, 1998, p.2. 24 FLANAGAN, 1998, p. 5-6. 25 BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol I. Translated by Joseph L. Baird e Radd K. Ehrman.New York: Oxford University Press, 1994, p. 27. 26 BINGEN, 1994, p. 32. 27 BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol III. Translated by Joseph L. Baird e Radd K. Ehrman.New York: Oxford University Press, 2004, p. 112. 28 BINGEN, 2004, p. 116. 29 http://www.answers.com/topic/hildegard-von-bingen, acesso em 11/09/2006. 30 Informações obtidas no sítio: http://www.bookrags.com/tandf/mechthild-von-magdeburg-tf/ , acesso em 14/4/2011. 31 “Beguinas – Poderosa força dentro da Igreja ocidental desde o início do século XII, as Beguinas eram comunidades de mulheres, no começo, com frequência, de origem urbana e abastada ou comparativamente abastada, que dedicaram suas vidas, por vezes com grande austeridade, a fins filantrópicos: assistência aos 16 Dados biográficos inferidos a partir de seu livro e do material introdutório escrito em latim por outros indicam que Mechthild nasceu em uma família da baixa nobreza, próximo a Magdeburg. Sua primeira visão aconteceu aos 12 anos de idade. Por volta de 1230, tornou-se beguina, retornando ao lar, ocasionalmente, talvez devido a enfermidades ou problemas causados pelo seu livro, na medida em que criticou o comportamento de algumas beguinas, homens e mulheres religiosos e do clero, do Papa e outros, ficando também sujeita a críticas e até mesmo ameaças. Igualmente evidente, contudo, foi o apoio recebido especialmente por parte dos dominicanos, cuja ordem ela elogiava. Baldwin, seu irmão, foi recebido na ordem e tornou-se subprior no Mosteiro de Halle. Outro dominicano, Heinrich von Halle, foi o conselheiro espiritual de Mechthild por muitos anos e a ajudou a editar e a divulgar versões incompletas de seu livro. Por volta de 1270, entrou para o renomado convento cisterciense de Helfta, sob a liderança de Gertrud von Hackeborn, onde estava a salvo dos percalços da vida desprotegida de uma beguina, porém reverenciada mais à distância do que aceita pela comunidade. Com sua saúde e visão enfraquecidas, ela completou a sétima e última seção de seu livro. Sua morte está descrita no livro Legatus divinae pietatis (O Arauto da Divina Piedade), de Gertrud von Helfta. O texto original de seu livro, escrito em médio-baixo-alemão, foi perdido32. Uma versão em médio-alto-alemão da obra completa, traduzida em torno de 1345, sob a direção de Heinrich von Nördlingen, em Basel, sobrevive no manuscrito “E” em Einsiedeln e provê a principal base textual para os estudos sobre Mechthild. Partes e pequenos fragmentos foram descobertos em outros manuscritos. Uma tradução para o latim dos seus seis primeiros livros a partir do original em médio-baixo-alemão, provavelmente tarefa executada pelos dominicanos em Halle, chegou até nós, precedido por um extenso prólogo justificando o livro e sua autora. Com relação ao referencial historiográfico em que as religiosas instavam inseridas, podemos afirmar de forma sucinta que os tumultuados séculos XII e XIII 33 podem ser vistos como tempos de crise, os quais levaram a rupturas e novas configurações das forças político-religiosas. A “Questão das Investiduras”, a “Concordata de Worms”, as disputas entre os guibelinos (apoiados pela casa dos Hohenstaufen) e dos guelfos (apoiados pelo Papado), a leprosos, doentes e pobres”. (...) LOYN, H.R. (Org.) Dicionário da Idade Média. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p.45. 32 MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p.6. 33 SCHAFF, Philip. History of the Christian Church, Volume V: The Middle Ages. A.D. 1049-1294. In: http://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc5.html; pág. 28-69, acesso em 4/8/2006. 17 ascensão de Frederico I (Barbarossa) e a relativa estabilidade alcançada pelo Sacro Império, que permitiu o florescimento das cortes feudais, seja através do contato com a rica cultura oriental pelas Cruzadas, seja através do contato com o movimento trovadoresco de origem provençal, o relativo longo reinado de Frederico II, o Interregnum (vacância do trono imperial) e também a vacância do trono papal são alguns dos principais fatos históricos deste período no tocante ao espaço continental germanófono. No âmbito religioso, após a reforma cultural efetivada durante o império carolíngio, que valorizou o ensino ministrado pelos clérigos, principalmente em conventos, tem-se um fortalecimento das instituições eclesiásticas. Esses centros de conservação e divulgação das Escrituras foram também responsáveis pela produção de uma vigorosa literatura religiosa em língua latina, especialmente após a Reforma de Hirsau34 (1070), influenciada pela reforma cluniacense, que atingiu aproximadamente cento e cinquenta mosteiros germânicos. A literatura então produzida denota um caráter pedagógico e doutrinário e tal período poder-seia denominar “época literária cluniacense”35. Um quadro de alternância e disputas pelo poder entre as esferas secular e temporal no Sacro Império constitui o arcabouço político-social-religioso dos séculos XII e XIII, tendo indelevelmente marcado o contexto no qual as obras de Hildegard von Bingen e Mechthild von Magdeburg, selecionadas para análise, foram produzidas. Ann Storey36, dentre outras autoras, salienta em seu artigo o contexto da obra de Hildegard e a importância da mesma. Segundo ela, enquanto faziam parte das instituições da igreja, estas mulheres modificaram suas fontes iconográficas, especialmente a Mulher do Apocalipse (Apocalipse 12) e Mater Ecclesia, a personificação da igreja como uma mulher, para produzir imagens fortes de teofania feminina ou de manifestação divina. O décimosegundo século foi, contudo, um período ambivalente para as mulheres, na medida em que o culto crescente à Virgem Maria reforçava, frequentemente, o sexismo da cultura contemporânea, pois uma vez que todas as outras mulheres contrastavam desfavoravelmente com Maria, glorificá-la não elevava o status das mulheres. Partícipes do ressurgimento de interesses criativos, científicos e intelectuais que caracterizou um renascimento alemão do décimo-segundo século, em uma região com uma proporção relativamente alta de mulheres 34 Comunidade em Nagoldtal, próxima à cidade de Calw (Baden-Württemberg). Das Hand Lexikon. Frankfurt/M – Berlin: Verlag Ullstein GmbH, 1964, p. 377. 35 BEUTIN, Wolfgang et alii. História da literatura alemã. Vol. 1. Lisboa: APáginastantas & Cosmos, 1993, p.33. 36 STOREY, Ann. A Theophany of the Feminine: Hildegard of Bingen, Elisabeth of Schönau, and Herrad of Landsberg. Woman’s Art. Journal.Vol. 19, No.1 (Spring – Summer, 1998), p.16-20.Published by: Woman’s Art. Inc. Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1358649. Acesso em 30/01/2013, 06:59. 18 poderosas em conventos e na nobreza, estas mulheres, todas membros da baixa nobreza, foram capazes de contribuir de uma forma sem precedentes para a vida cultural da Baixa Idade Média. Ainda, de acordo com STOREY (1998, p.19), a “Alemanha” encontrava-se em um período de transição entre o Império Otoniano e o Sacro Império Romano37. Pode-se inferir que este movimento transicional afete todas as estruturas da sociedade, de forma irregular e intermitente, ou seja, as instituições, estamentos, núcleos geográficos específicos, etc. sofrem mudanças ao longo do tempo (em decorrência de alterações políticas significativas), porém não uniformemente. A instituição eclesiástica, em sua forma monacal, sofrerá mudanças, porém não de forma única e padronizada. Um levantamento das práticas, posicionamentos doutrinais e filosóficos de todos os mosteiros femininos de origem germanófona durante os séculos X e XI poderia, talvez, delinear a ligação possível (ou não) entre a alteração de poder político e a prática religiosa. Rosamond McKitterick (apud STOREY, 1998, Notas, p.19) analisa a presença das mulheres na igreja otoniana38, e acredita que a grande quantidade de imagens femininas, a maioria das quais salienta o aprendizado e a piedade, indica um marco positivo para as mulheres dentro da aristocracia e conventos, bem como é uma evidência clara do papel das mulheres dentro da igreja otoniana. Além disso, a família real estabelecera novas fundações religiosas para mulheres durante este período. MEWS39 (1998, p. 89-110), ao escrever sobre o contexto escolástico em que viveu Hildegard, salienta algumas perspectivas da prática religiosa do século XII. Conforme assevera, em Paris e por todos os lugares, monges encontravam-se incapazes de interromper as escolas que permitiam jovens clérigos brilhantes crescerem em proeminência através de habilidade em debates. Havia pouca oportunidade nas escolas parisienses, contudo, para 37 “Germany at this time was in political transition between the Ottonian Empire and the Holy Roman Empire – so called after 1254. For an analysis of the striking quantity of women represented in Ottonian manuscripts compared to those from the Carolingian period (its immediate predecessor), see Rosamund McKitterick, “Women in the Ottonian Church: An Iconographic Perspective,” in: W.J.Shiels and Diana Wood, eds. Women in the Church. Oxford: Basil Blackwell, 1990, p.79-100. “A Alemanha, nesta época, estava em transição política entre o Império Otoniano e o Sacro Império Romano – assim chamado após 1254. Para uma análise da abundante quantidade de mulheres representadas nos manuscritos otonianos em comparação com aquelas do período carolíngio (seu antecessor imediato)”, cf. Rosamund McKitterick, “Women in the Ottonian Church: An Iconographic Perspective,” in: W.J. Shiels and Diana Wood, eds. Women in the Church. Oxford: Basil Blackwell, 1990, p.79-100. 38 McKITTERICK, Rosamond. “Women in the Ottonian Church: An Iconographic Perspective”, in: W.J.Shiels and Diana Wood, eds. Women in the Church. Oxford: Basil Blackwell, 1990, p.79-100. (apud STOREY, 1998, p.19) 39 MEWS, Constant J. Hildegard and the Schools. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: The Warburg Institute, 1998, p. 89-110. 19 mulheres competirem com esses jovens homens articulados. A situação era um pouco diferente na região renana. Uma magistra não poderia adquirir a mesma autoridade formal como os professores das escolas das catedrais, porém, ela poderia atrair uma reputação por revelação espiritual. Hildegard tornou-se uma das mais proeminentes dessas professoras mulheres, rivalizando em prestígio com os grandes mestres das escolas de Paris, contudo, não se pode excluir Hildegard do mundo escolástico em que viveu, mesmo se a sociedade não a permitira assumir a mesma posição na Catedral de Mainz, que seu irmão Hugh tinha ocupado. Deve-se ter em mente que aqueles40 que viveram próximos a Hildegard e a Mechthild, em especial seus superiores religiosos e/ou secretários, salientaram sua obediência ao chamamento divino em colocar por escrito aquilo que viam e/ou ouviam e reconheciam suas aptidões extraordinárias. Em Scivias41, visando corroborar seu chamado, Hildegard faz com que seja registrada tal ordenança: So tu auch du, o Mensch! Sage, was du siehst und hörst, und schreibe es, nicht wie es dir noch irgendeinem andern Menschen gefällt, sondern schreibe es nach dem Willen dessen, der alles weiβ, alles sieht, alles ordnet in den verborgenen Tiefen seiner geheimen Ratschlüsse. Portanto, ó ser humano, fale destas coisas que você vê e ouve. E as escreva, não para você mesma ou para agradar a qualquer outro ser humano, mas escreva segundo a vontade Daquele que tudo sabe, tudo vê e tudo dispõe segundo as ocultas profundezas de Seus secretos desígnios. 40 Para citar um exemplo, temos trecho de carta enviada a Hildegard por volta de 1160-61, pelo Reitor da Catedral de São Pedro, em Trier, para solicitar-lhe, por escrito, o sermão pregado em uma visita recente (aparentemente, em sua famosa segunda viagem de pregação de 1160): “…For we know that the Holy Spirit dwells within you, and that He makes known to you many things unknown to the rest of mankind”. … “Now, because God is with you and because His words sound from your mouth, we beseech you as earnestly as we can, beloved mother, to send in writing through the present messenger those things which you revealed to us on that occasion”. “… Pois sabemos que o Espírito Santo reside em você, e que Ele faz conhecidas a você muitas coisas desconhecidas para o resto da humanidade”. ... “Agora, porque Deus está com você e porque Suas palavras soam de sua boca, nós suplicamos com todo o nosso fervor, amada mãe, que nos envie por escrito através do presente mensageiro aquelas coisas as quais você nos revelou naquela ocasião”. BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol. III. Translated by Joseph L. Baird e Radd K. Ehrman. New York: Oxford University Press, 2004, p. 18. 41 BINGEN, Hildegard von. Wisse die Wege – Scivias. Salzburg, Otto Müller Verlag, 1954, p.89. 20 No caso de Mechthild, a ajuda para que suas visões fossem registradas adveio de seu superior, Heinrich von Halle42: “Um outro dominicano, Heinrich von Halle, foi o seu conselheiro espiritual por muitos anos e a ajudou a editar (e, sem dúvida, circular) versões incompletas de seu livro”. Para esta dissertação, nosso corpus documental consiste de um quadro tipológico, com a especificação das fontes diretas, intencionais e de caráter cultural (verbal, escrita, narrativa)43. Segue, abaixo, a descrição das mesmas. 42 Informações obtidas no sítio: http://www.bookrags.com/tandf/mechthild-von-magdeburg-tf/, acesso em 14/4/2011. “Another Dominican, Heinrich von Halle, was her spiritual adviser for many years and helped her edit (and, no doubt, circulate) incomplete versions of her book”. 43 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica – Teoria e Método. Bauru: Edusc, 2006, p. 493. 21 I.1 Hildegard von Bingen Duas obras de Hildegard foram selecionadas para este trabalho. A primeira delas é Scivias (1141-1151). O nome Scivias advém da expressão Scito vias Domini, Conheçais os Caminhos do Senhor. Barbara J. Newman, em sua introdução à tradução, à página 35, esclarece sobre a origem do livro: The earliest manuscript to survive until modern times was prepared around 1165 in the Rupertsberg scriptorium and illuminated with thirty-five remarkable miniatures. O manuscrito mais antigo a sobreviver até os tempos modernos foi preparado em torno do ano 1165 no scriptorium de Rupertsberg e iluminado com trinta e cinco miniaturas notáveis. Ela argumenta, ainda (p. 23), que o livro pode ser analisado sob vários ângulos 44, possuindo características pertinentes a diversos tipos de literatura religiosa, quais sejam, proclamação profética, visão alegórica, estudo exegético e suma teológica. Funcionaria, também, como uma obra multimídia, uma vez que as imagens das miniaturas respaldam visualmente a mensagem escrita e vice-versa. O recurso audiovisual, presente nas manifestações artísticas em geral, contribui significantemente para a recepção e memorização de qualquer mensagem, em especial a de cunho religioso, vide as peças teatrais de cunho moralizante-religioso do final da Idade Média em solo germanófono: Quer se trate de uma compilação de vidas de santos a qual, à laia de calendário, acompanha o ano religioso e constitui a leitura do fim do dia, quer se trate do drama religioso, o qual retirado do estreito contexto litúrgico, é representado em linguagem popular, na praça da catedral, em espectáculos de múltiplas cenas e com a duração de dias, sob a forma de mistérios da Paixão ou do Juízo Final, em qualquer dos casos, trata-se 44 “The Scivias, then, can be approached from many angles: It is a prophetic proclamation, a book of allegorical visions, an exegetical study, a theological summa. Finally, it may be considered as a multimedia work in which the arts of illumination, music and drama contribute their several beauties to enhance the text and heighten the visionary message.” [cf. Heinrich Schipperges, “Das Schöne in der Welt Hildegards von Bingen”, Jahrbuch für Ästhetik und allgemeine Kunstwissenschaft 4 (1958/1959):83-139)] 22 sempre de formas literárias que procuram atingir diretamente a esfera vivencial do cristão no seu dia a dia e emprestar ao que de feliz ou infeliz lhe sucede um sentido alegórico-cristão imediatamente reconhecível. A poesia cristã do fins da Idade Média possui um carácter moralista prático.45 NEWMAN, anteriormente em um artigo de 198546, declarara a impossibilidade de se dissociar sua atividade profética de sua experiência visionária, pois, segundo ela, se rótulos são de alguma valia, seria mais seguro caracterizar Hildegard como profetiza, ao invés de mística, sendo, contudo, impossível compreender sua atividade profética a parte de sua experiência visionária, porque suas visões proveem ambas, a fonte e a autoridade, para seus ensinamentos. Distinguem-se, também, três benefícios importantes e inter-relacionados, os quais o seu dom visionário conferia: uma experiência direta com Deus, uma fonte de verdade não mediada e uma forma de validação pública. Scivias encontra-se dividido em três partes, ou livros. O primeiro livro é composto de seis visões e trata do relacionamento do Criador com a sua criação. O segundo livro, composto de sete visões, abrange o tema redenção e o terceiro livro, contendo treze visões, aborda as virtudes e a estória da salvação. As visões onze a treze desse terceiro livro, pertinentes ao tema escolhido, serão analisadas e intitulam-se: Os Últimos Dias e a Queda do Anticristo, O Novo Céu e a Nova Terra e a Sinfonia dos Bem-aventurados. Cumpre observar que o primeiro livro que trata do relacionamento do Criador com a sua criação ao ser dividido em seis partes traça um paralelo com a Criação, que segundo o texto canônico, ocorreu em seis “dias” ou etapas. Aliás, o número seis remete ao “sexto dia”, dia em que o homem foi criado, isto é, o ápice da criação divina, pois após esta etapa a Divindade interrompe parcial e momentaneamente o processo criador, o qual será retomado quando da criação de “novos céus e nova terra”. Por outro lado, temos que o segundo livro, que trata da redenção, ao ter sido dividido em sete partes remete à completude da obra redentora de Cristo, pois o número sete, em termos de interpretação bíblica, trata da perfeição e da própria Divindade, a qual é completa, inteira, perfeita, não necessitando de acréscimos. A própria tripartite divisão de Scivias remete à Trindade, ao corpo, alma e espírito do homem, 45 BEUTIN, Wolfgang et alii. História da literatura alemã. Vol. 1. Lisboa: APáginastantas & Cosmos, 1993, p.78. 46 NEWMAN, Barbara. Hildegard of Bingen: Visions and Validation. Church History, Vol.54. No.2 (Jun, 1985), p. 163-175. Published by: Cambridge University Press on behalf of the American Society of Church History, stable URL: http://www.jstor.org/stable/3167233, acesso em 29/11/2012. 08:20 23 que necessita “conhecer os caminhos do Senhor” em toda a sua completude e ao caráter atemporal e eterno (passado, presente e futuro) da pessoa do Cristo. A peça musical composta por Hildegard, Ordo virtutum, integra parcialmente a seção final da visão no terceiro livro, conforme atesta Sabina Flanagan47 (1998, p. 58), tendo todo o terceiro livro um elenco de alguma forma teatral e incluindo, como seu final, uma versão da peça musical de Hildegard, Ordo virtutum. Esta aproxima-se de uma história completa da salvação, e nas visões undécima e décima-segunda, Hildegard apresenta sua bem conhecida descrição do fim do mundo e do Julgamento Final precedidos pelas perseguições do Anticristo. A décima-terceira visão, consistindo de várias canções de Hildegard e suas observações acerca de música, pode ser entendida como uma representação da benção eterna dos cidadãos do céu. Em Wisse die Wege, em sua edição austríaca de 1954, tem-se, à página 410, uma lista de dez manuscritos conhecidos do livro Scivias, a saber: Wiesbaden (Hessische Landesbibliothek), Roma (Biblioteca Vaticana), Heidelberg (Universitätsbibliothek), Bruxelas (Bibliothèque Royale), Wiesbaden (Nassauische Landesbibliothek – “Riesenkodex”), Eberbach, Kues (Hospitalbibliothek), Oxford (Merton College Library), Fulda (Landesbibiliothek) e Trier (Stadtbibliothek). DEROLEZ48 (1998, p. 17-27) lista em anexo ao seu artigo os manuscritos referentes à obra visionária de Hildegard, analisa sucintamente alguns desses manuscritos, suas diferenças e similitudes, e conclui que a maioria dos manuscritos data do tempo de Hildegard, ou a partir das primeiras décadas após a sua morte. Esses códices foram produzidos ou em seu próprio scriptorium (a maioria), ou em instituições com as quais ela ou seu convento tinham relações amigáveis: Parc próximo a Louvain, Salem, Eberbach, SS.Eucharius e Matthias em Trier. Quanto à sua proveniência, eles estão limitados geograficamente à região do Reno e a Brabante. Ainda, segundo Derolez, parece óbvio que a própria Hildegard, com a ajuda de seus amigos, promoveu sistematicamente a difusão de seus escritos. EMMERSON49 (2002, p. 95-110) tece considerações relevantes em relação à figura do Anticristo em Scivias, mencionando a atenção que se deve prestar na leitura descritiva da 47 FLANAGAN, 1998, p. 58. DEROLEZ, Albert. The Manuscript Transmission of Hildegard of Bingen’s Writings: The State of the Problem. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: Warburg Institute, 1998, p.17-27. 49 EMMERSON, Richard K. The Representation of Antichrist in Hildegard of Bingen´s Scivias: Image, Word, Commentary, and Visionary Experience. In: Gesta, Vol. 41, No. 2 (2002), p. 95-110. The University of Chicago Press on behalf of the International Center of Medieval Art. http://www.jstor.org/stable/4126576, acesso em 28/12/2012. 48 24 visão e nos seus respectivos comentários esclarecedores advindos a partir de uma voz vinda do céu. Ressalta, ainda, a diferença entre a figura ausente de Enoc e Elias na miniatura de Rupertsberg (perdida durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945, em Dresden) em oposição à do Códice Salem (Universidade de Heidelberg), produzida posteriormente (cerca de 1200). Acrescenta, ainda, a informação de que supostamente Hildegard tenha supervisionado a confecção das miniaturas de Rupertsberg, sob a direção de Volmar50. Figura 1 – Die Seherin (A visionária) 50 De acordo com a bibliografia citada por EMMERSON (2002) às páginas 107 e 108, tal assertiva encontra-se em: CAVINESS, Madeline. Artist: To See, Hear, and Know All at Once. In Voice of the Living Light: Hildegard of Bingenand her world. Ed. B. Newman (Berkeley, 1998), p. 115. “Recently Madeline Caviness has made a persuasive case for Hildegard being the ultimate source and designer of the miniatures, suggesting that during her visions she sketched designs on wax tablets…. As I will argue below when discussing the manuscript´s frontispiece (fol 1; Fig. 8), designs on wax tablets were most likely the means by which she first recorded her visionary experience”. (EMMERSON, 2002, p. 95) “Recentemente Madeline Caviness persuasivamente argumentou ser Hildegard a fonte última e designer das miniaturas, sugerindo que durante suas visões ela rascunhava desenhos em tábuas de cera... Como argumentarei abaixo, quando da discussão do frontispício do manuscrito (fol. 1, Fig. 8), desenhos em tábuas de cera foram, provavelmente, o meio em que ela primeiramente registrou sua experiência visionária”. (EMMERSON, 2002, p.95) 25 Com base na iluminura acima, que integra o Códice de Rupertsberg [reproduzida em Wisse die Wege, sob o título “Die Seherin – Vorrede” (A visionária - Prefácio)], EMMERSON (2002, p. 106) considera a figura inclinada de Volmar como de uma pessoa que está prestando atenção ao que os lábios de Hildegard parece pronunciar. Ao mesmo tempo, ela registra em tábuas de cera sua visão, enquanto que o livro nos braços de Volmar se encontra fechado. A revelação espiritual de Hildegard está presente em línguas de fogo advindas diretamente do céu, as quais não atingem a Volmar51. Segundo ele, rigorosamente falando, o frontispício não apresenta Volmar fazendo anotações, uma vez que ele segura um livro fechado e não segura uma pena ou uma folha de pergaminho 52 porém a miniatura sugere fortemente comunicação verbal, pois Volmar inclina-se à frente como para ouvir as palavras pronunciadas. Com base nessas observações e em sua posição na miniatura, podemos inferir que Hildegard assumiria o papel de meio de transmissão da mensagem enviada pela Divindade, sendo Volmar o receptor, que atentamente a recebe. Além disso, a presença do elemento sobrenatural (línguas de fogo), a partir do qual advém a revelação, assemelha-se, na literatura apocalíptica, ao ente sobrenatural intermediador da mensagem. DOYLE53 (p. 143), em um artigo de 2007, adiciona que Hildegard pode, sim, ter influenciado diretamente a confecção das ilustrações e que Hildegard deve ser lida com uma abertura para ambas as possibilidades: a de que sua influência sobre as ilustrações foi remota e a de que, em alguns casos, possa ter sido direta. Para o autor, ambas as leituras inevitavelmente envolvem algum grau de especulação. Heinrich Schipperges ainda em sua introdução a coletânea de trechos da obra de Hildegard sob o tema “Gottschauen”54, “Ver a Deus”, ressalta aspectos transcendentes quando de seu falecimento. Im Lichte Gottes starb Hildegard am 17.September 1179 in ihrem Kloster auf dem Rupertsberg bei Bingen. Der Chronist berichtet in der ‘Vita’ von einer wunderbaren Lichterscheinung, die sich in Kreuzesform über dem 51 EMMERSON, 2002, p.106. N.A.: Observação feita por A.Derolez, ‘Deux notes concernant Hildegarde de Bingen,’ Scriptorium 27 (1973), 292, apud EMMERSON, 2002, p.106. 53 DOYLE, Dennis. Vision Two of Hildegard of Bingen’s Book of Divine Works: A Medieval Map for a Cosmic Journey. Pacifica – Australasian Theological Studies. Volume 20, Issue 2, June 2007, p. 142-161. www.pacifica.org.au/volumes/volume20/pacificaissue.../pdf. Acesso em 15/1/2013. 54 BINGEN, Hildegard von.Gott schauen.Düsseldorf: Patmos, 2001, p.12,13 [N.A. notas foram omitidas] 52 26 Sterbegemach gezeigt habe, und er glaubt, daβ Gott mit dieser Erscheinung habe zeigen wollen, ‘mit welcher Lichtfülle Er Seine Geliebte im Himmelreich verherrlicht hat’. Aus der Fülle dieses Lichtes allein sind nun auch Hildegards Werke zu verstehen.(Einführung, S. 12,13) Sob a Luz de Deus Hildegard morreu em 17 de setembro de 1179, em seu convento de Ruperstberg, próximo a Bingen. O cronista relatou em sua ‘Vita’ acerca de um maravilhoso sinal luminoso, em forma de cruz, que apareceu sobre o aposento de morte de Hildegard, e ele acredita que Deus, com esta aparição, desejou mostrar que, ‘Ele, com tal luminosidade, glorificou a sua amada no reino dos céus’. Somente sob a totalidade desta Luz podem ser compreendidas as obras de Hildegard. (Introdução, p. 12,13) A segunda obra selecionada é o Liber Divinorum Operum (Il libro delle opere divine) (1163-1173). Il libro encontra-se dividido em três partes. A primeira é composta de quatro visões; a segunda parte, de apenas uma grande visão; a terceira parte, de cinco visões. Os seguintes capítulos da quinta visão da terceira parte foram analisados por terem afinidade com a temática escatológica: cap. XV (p. 1055 e 1294-1295); cap. XVII (p.1065; 1067; 1297); cap. XXI (p.1077; 1298) e cap. XXVIII (p. 1091; 1093; e 1300). Marta Cristiani, responsável pela introdução da edição italiana, menciona o caráter mandatório e visualmente vinculado dos escritos de Hildegard, isto é, sua obra é fruto, antes de qualquer coisa, daquilo que a Divindade lhe faz saber através de visões55. Matthew Fox56 (1987, p. xiii), em sua introdução à edição americana do Liber Divinorum Operum, acrescenta que a obra visionária de Hildegard não é, de forma alguma, trivial, insignificante, ou essencialmente moralista. Para ele, aquela é cósmica, intelectual, 55 “Quel che non vedo, non lo conosco”, quod autem non video, illud nescio, scrive Ildegarda a Ghiberto di Gembloux in una delle sue lettere più famose, che ha per oggetto la sua esperienza profetico-visionaria, [Epist.CIIIr, ed.cit.,p.262] affermando quello che le Vitae non perdono occasione di rilevare, che ogni sua conoscenza deriva dall’ispirazione divina, dall’insegnamento trasmesso nella visione”. Introduzione, p.XXVI. “Aquilo que não vejo, não o conheço”, quod autem non video, illud nescio, escreve Hildegard a Guibert de Gembloux em uma de suas cartas mais famosas, que tem por assunto a sua experiência profético-visionária, [Epist.CIIIr, ed. cit., p. 262] afirmando aquilo que a Vitae não perde a ocasião de salientar, de que cada conhecimento seu advém da inspiração divina, do ensinamento transmitido na visão”.(Introdução, p. XXVI.) 56 BINGEN, Hildegard of. Book of Divine Works with Letters and Songs. Edited by Matthew Fox. Santa Fe, New Mexico: Bear&Company, 1987. (Introduction, p.xiii.) 27 científica, artística ou estética, sendo que as figuras que acompanham o texto, descritas em detalhe por Hildegard, não foram, porém, executadas por ela. Segundo ele, as mesmas foram pintadas vinte e um anos após sua morte. Bruce Hozeski57 (1994, p. xiv), em sua introdução à tradução de Liber Vitae Meritorum, comenta sobre o importante manuscrito intitulado Códice 1942. Conforme o autor, o Liber Divinorum Operum Simplicis Hominis, a terceira coleção das visões de Hildegard, é encontrada em um importante manuscrito de iluminuras, o Códice 1942, da Biblioteca Estatal em Lucca. Esta coleção contém muitos dos mesmos pensamentos dogmáticos e ascéticos presentes em Scivias, porém estão organizados diferentemente, sendo divididos em pequenas seções, cada uma começando com um sumário breve de seu conteúdo. Para ele, a ideia fundamental de todo o livro é a unidade da criação. Liber Divinorum Operum,em sua forma final, contou com a ajuda de Guibert de Gembloux, um monge belga, que se aproximou de Hildegard a partir do conhecimento de suas visões e se tornou seu secretário58. Ronald Miller, tradutor das cartas da edição americana do Liber Divinorum Operum59 (1987, p. 347-348), comenta a aproximação de Guibert a Hildegard, ao introduzir a famosa carta resposta de Hildegard às insistentes perguntas de Guibert acerca de suas visões. O autor menciona que esta primeira carta foi enviada a Hildegard em Rupertsberg no verão de 1175, e que por não receber qualquer resposta, Guibert escreve uma segunda vez, no final do mesmo verão, e dá sua carta para um cavaleiro que estava a caminho de Rupertsberg. Desta vez, Hildegard, que está agora com 77 anos de idade, responde-lhe. FLANAGAN60 (1998, p. 135-136) acrescenta que o Liber Divinorum Operum pode ser visto como um triunfo da síntese das crenças teológicas de Hildegard e que se deve também lembrar que o trabalho na visão foi interrompido por enfermidade, viagens de pregação, pela composição de peças menores, tais como a Vita Sancti Disibodi (Vida de São Disibodo), e, finalmente, pela morte de Volmar, o monge de Disibodenberg que tinha sido o 57 BINGEN, Hildegard of. The Book of the Rewards of Life. Translated by Bruce W. Hozeski. New York, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. xiv. 58 “Before completing the Book of Divine Works the abbess lost her secretary, Volmar, who died in 1173. He was replaced first by Gottfried of St. Disibod, who began to compose her vita, and then by the extraordinary Guibert of Gembloux, a Belgian monk”. [Albert Derolez, ed., Guibert Gemblacensis Epistolae I, CCCM66 (Turnhout, 1988): 216-57.] – Scivias, Introdução, p. 16 e 24. “Antes de completar o Livro das Obras Divinas, a abadessa perdeu seu secretário, Volmar, que morreu em 1173. Ele foi substituído primeiramente por Gottfried de St. Disibod, que começou a compor sua vita, e então pelo extraordinário Guibert de Gembloux, um monge belga”. 59 BINGEN, Hildegard of. Book of Divine Works with Letters and Songs. Edited by Matthew Fox. Santa Fe, New Mexico: Bear & Company, 1987, p.347-348. 60 Cf. FLANAGAN, 1998, p.135-136 e nota à página 213. 28 fiel auxiliar de Hildegard desde quando ela começara a escrever Scivias. Segundo a autora, a despeito disto, o Liber divinorum operum pode ser visto como um triunfo de síntese, no qual Hildegard reúne suas crenças teológicas, sua compreensão fisiológica, suas especulações acerca do funcionamento da mente humana e da estrutura do universo, em uma totalidade unificada. Esta obra pode também ser caracterizada como aquela mais perfeitamente articulada, em sua forma e estrutura. Todas as características estruturais servem para enfatizar a fonte divina de seus escritos, como ocorreu em Scivias e Liber vitae meritorum. Enquanto os marcadores proféticos estão muito mais em evidência, existe pouco ou nenhum escrito apologético direto. Flanagan assevera que Hildegard não apresenta a si mesma nesta obra como duvidosa de suas capacidades, pelo menos as suas capacidades intelectuais. Peter Dronke, em seu artigo de 199861, enfatiza a importância da obra de Hans Liebeschütz, intitulada Das allegorische Weltbild der heiligen Hildegard von Bingen (A alegórica imagem de mundo de santa Hildegard de Bingen), Leipzig-Berlin, 1930, reimpressa pela Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt, em 1964, e sua análise da importância do papel da alegoria na obra de Hildegard. Segundo ele, os escritos de Hildegard, de acordo com Liebeschütz, mostraram uma confluência de duas tradições diferentes: a dos homens santos não letrados, a quem Deus torna sábios com uma sabedoria que não é própria deles – uma tradição que Hildegard terá conhecido especialmente através das Vitae dos primeiros monges e dos Pais do Deserto – e a da alegoria como uma técnica apreendida, tal como prevalecia no mundo educado em latim de seus dias. Juntas, essas tradições resultaram em Lehrvisionen – visões instrutivas – nas quais Deus ensina através de imagens que seu vaso escolhido recebe, bem como através da explanação das imagens que ele lhe concede. Embora muitas fontes imaginativas e intelectuais possam ter alimentado suas visões, ainda, de acordo com Dronke62 (1998, p. 9), Hildegard resolutamente recusa citá-las em sua trilogia visionária. Para ele, esta recusa é inseparável de seu senso de ser profeticamente inspirada. Em seus escritos não proféticos, contudo, as alusões de Hildegard a autores que não os da Bíblia são raras e tentadoramente vagas. 61 DRONKE, Peter. The Allegorical World-Picture of Hildegard of Bingen: Revaluations and New Problems. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: Warburg Institute, 1998, p.1-16. 62 DRONKE, 1998, p. 9. 29 Angela Carlevaris (1998, p. 65-80), em seu artigo intitulado Ildegarda e la Patristica, ratifica esta opinião, enfatizando o caráter definitivo de suas profecias e visões, as quais não poderiam sofrer quaisquer acréscimos63. Negli scritti di Ildegarda non mancano dunque gli elogi alle opere e all’attività dei Padri, mentre i loro nomi non ricorrono che raramente, o meglio quase mai, e delle loro opere non viene menzionato alcun titolo. (...) I motivi per i quali Ildegarda rifiutava in maneira assoluta di dipenderne, erano in relazione stretta con la sua missione. (...) Di fronte alle verità che Ildegarda enuncia per ispirazione ed in nome di Dio non pùo aggiungere nulla di quanto al riguardo possa esser stato detto da altri: la parola di Dio non ha bisogno de essere autenticata o confermata da nessuno. Viene invece commentata e citata la parola di Dio nella Scrittura: numerose le citazioni ala lettera, anche numerosissimi i casi in cui solo un lettore atento scopre le allusioni scritturali o le citazioni di una o due parole, prese spesso da differenti testi scritturali e usate spesso in un contesto diverso. (p. 70 - 71) Nos escritos de Hildegard não faltam, portanto, os elogios às obras e atividades dos Padres, enquanto seus nomes não são usados ainda que raramente, ou melhor, quase nunca, e de suas obras não veem mencionados qualquer título. (...) Os motivos pelos quais Hildegard recusava de maneira absoluta esta dependência estavam relacionados estreitamente com a sua missão. (...) Frente à verdade que Hildegard enuncia pela inspiração e em nome de Deus, nada pode ser acrescentado, quanto ao que possa ter sido dito por outros: a palavra de Deus não necessita de ser autenticada ou confirmada por ninguém. Vem, ao invés disso, comentada e citada pela palavra de Deus na Escritura: numerosas as citações literais, ainda numerosíssimos os casos nos quais somente um leitor atento descobre as alusões escriturais ou as citações de uma ou duas palavras, capturados constantemente de diferentes textos escriturais e usados frequentemente em um contexto diverso (p.70 71) 63 CARLEVARIS, Angela. Ildegarda e la Patristica. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: Warburg Institute, 1998, p.65-80. 30 A partir das considerações acima, vislumbramos um pouco mais acerca da obra visionária de Hildegard, que é o cerne do conjunto de sua obra64, e salientamos ainda uma diferença básica entre Scivias e LDO (Liber Divinorum Operum) no que concerne à temática escatológica, pois, de acordo com Barbara Newman, em sua introdução à edição em língua inglesa do livro Scivias, a sequência sombria de males que devem acontecer antes do julgamento, presente em Scivias, não se mostra dessa forma no Liber Divinorum Operum65. Segundo ela, a visão de Hildegard do tempo do fim, como apresentada em Scivias III, 11-12, acarreta uma sucessão sombria de males que devem acontecer antes do julgamento. Como elaborado no Liber divinorum operum, contudo, seu cenário para os últimos tempos nem representa uma melhora gradual, nem uma deterioração progressiva nas condições do mundo. Pelo contrário, a história é agora vista como “uma etapa após a outra”: épocas de justiça e injustiça, cada uma com suas próprias deformações ou reformas, alternar-se-iam até a vinda do Anticristo. Eduard Gronau (1999, p. 131) corrobora nossa observação de que o posicionamento de Hildegard quanto à autoridade histórica per se é um e somente um, ou seja, a divindade e sua revelação através dos escritos canônicos66. “Die hl. Hildegard sieht die Geschichte in der Perspektive der göttlichen Offenbarung und ist gewiβ, daβ der Mensch nur unter dieser Perspektive seinen eigenen Ort in der Geschichte wahrhaft erkennen und ihm gerecht werden kann.” (p. 131) “St. Hildegard vê a História na perspectiva da Revelação divina e está convencida de que o ser humano, somente sob esta perspectiva, pode verdadeiramente reconhecer seu próprio lugar na História e justificá-lo”. (p. 131) Suas palavras finais enviadas a Guibert de Gembloux, em carta de 1171, salientam sua veemência em asseverar o que realmente importa, que este lugar na Providência Divina e na História não se perca67. 64 “Im Mittelpunkt der ‘Opera Hildegardis’ steht zunächst einmal die visionäre Trilogie”. In: Gott Schauen, p. 13. “No centro da obra de Hildegard permanece em primeiro lugar a trilogia visionária”. 65 Scivias, Introdução, p.21. 66 GRONAU, Eduard. Hildegard von Bingen – 1098-1179 – prophetische Lehrerin der Kirche an der Schwelle und am Ende der Neuzeit. 3. Aufl. Stein am Rhein: Chistiana-Verlag, 1999, p. 131. 31 I.2 Mechthild von Magdeburg A única obra produzida por Mechthild intitula-se The flowing light of the Godhead [Das flieβende Licht der Gottheit], e os capítulos selecionados, a princípio, foram: Livro IV, capítulo 27; Livro VI, capítulo 15; Livro VII, capítulo 57, pois fazem referências à temática escatológica. Este livro68 pode ser descrito como confessional, visionário, revelatório, místico, poético e devocional. Foi escrito (entre os anos de 1250 e 1265 69), segundo o que nele consta, por ordem divina para testemunho dos favores divinos concedidos à autora, sendo difícil arbitrar uma classificação estrita, conforme as considerações tecidas por Frank Tobin (inclusas em suas notas de rodapé à edição em língua inglesa70). Ainda segundo Tobin, a primeira descrição direta de Mechthild, de algo que ela afirma ter experimentado em uma visão (em oposição a êxtase), não ocorre até o Livro II, capítulo 3. Portanto, a categorização de seu livro permanece um problema. Ele afirma que, dentre os estudos devotados a isto, o de Wolfgang Mohr é o que tem sido melhor recebido.71 Simplificando a lista de Mohr, pode-se observar as seguintes formas principais na LF: GÊNEROS RELIGIOSOS GÊNEROS DE CORTE OUTROS GÊNEROS Visão72 Poesia de amor cortês Autobiografia Hino Diálogo alegórico Drama Sermão Diálogo entre os amantes Poesia epigramática e literatura sapiencial 67 BINGEN, 1997, p. 40. “Alle, die du in dem Briefe an mich gennant hast, möge der Heilige Geist so lenken, daβ sie in das Buch des Lebens eingezeichnet werden!” “Todos aqueles que você mencionou a mim na carta, possa o Espírito Santo guiar de tal forma que eles sejam inscritos no Livro da Vida”. 68 Informações obtidas no sítio: http://www.bookrags.com/tandf/mechthild-von-magdeburg-tf/, acesso em 14/4/2011. 69 HEER, Friedrich. The medieval world, Europe – 1100-1350. New York: New American Library, 1961. p. 371. 70 MECHTHILD OF MAGDEBURG. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p.9-10 (Introduction). 71 Wolfgang Mohr, ‘Darbietungsformen der Mystik bei Mechthild von Magdeburg’, Märchen, Mythos, Dichtung: Festschrift zum 90. Geburtstag Friedrich von der Leyens, ed. Hugo Kuhn and Kurt Schier (Munich: Beck, 1963), 375-99, apud MAGDEBURG, 1998, p.9-10. 72 Conforme observação de Tobin, parece legítimo considerar a visão, como ocorre na LC, mais como uma forma derivada da tradição do que relacionada a uma experiência pura, porque, primeiramente, as visões de Mechthild têm sido cuidadosamente pensadas e elaboradas e, segundo, ela se inclina em direção às tradições de visão advindas, dentre outras fontes, do Livro de Daniel, Paulo e do Livro do Apocalipse, como assinalado em suas notas. 32 Instrução espiritual e tratado Cantigas de mensageiros Anedota (Botenlied) Oração Cantigas de troca (Wechsel) Epistolário Liturgia Paródia Litania Canções de ninar/infantis73 Literatura Profética Polêmicas Mechthild descreve suas visões, bem como suas experiências místicas. Ela profetiza, exorta, critica e ensina, usando uma pletora de formas de expressão literárias e não literárias, variando de modos corteses altamente líricos concomitantemente a exposições didáticas de verdades ascéticas e morais. O mais importante, contudo, é que o livro de Mechthild deve ser visto como único em sua concepção, sem antecessores ou sucessores discerníveis, e de difícil categorização, conforme declara Frank Tobin, em sua Introdução à obra: “The FL [Flowing Light] has often been described as a unique document with no obvious antecedents or descendants whose singularity defeats all attempts to categorize it” (p. 9). Além do mais, WEHR assegura seu lugar especial dentro da literatura medieval em língua alemã, no que concerne à mística cristã74. Conforme o autor, Ihr Buch Das flieβende Licht der Gottheit ist das erste groβe in deutscher Sprache verfaβte Werk der christlichen Mystik. Das niederdeutsche Original ist zwar verschollen, aber Heinrich von Nördlingen (gest. nach 1379) hat es ins Oberdeutsche übertragen. Daneben existiert eine freie Übersetzung ins Lateinische. (WEHR, 2006, p. 126-127) Seu livro, A luz fluente da divindade, é a primeira grande obra escrita em língua alemã da mística cristã. O original em baixo-alemão desapareceu, porém Heinrich von Nördlingen (morto após 1379), traduziu-o para altoalemão. Além disso, existiu uma tradução livre para o latim. (WEHR, 2006, p. 126-127) Devido ao livro original escrito em médio-baixo-alemão ter sido perdido, estudiosos 73 74 http://www.britannica.com/EBchecked/topic/422709/nursery-rhyme, acesso em 4/10/2012. WEHR, Gerard. Die deutsche Mystik. Köln: Anaconda Verlag GMbH, 2006, p.126-127. 33 questionaram a importância de Heinrich von Halle, confessor de Mechthild e seu conselheiro espiritual, na confecção da obra. Recentemente, porém, conforme afirma Frank Tobin (1998, p.6) em sua introdução a tradução por ele efetuada, evidências demonstram que Heinrich von Halle se limitou a dividir o texto em capítulos75. Tobin declara que, em geral, prevalece o entendimento de que Heinrich deixou o texto de Mechthild falar por si mesmo. Por conseguinte, ele acrescenta: “E Neumann pensa que existe uma boa razão para acreditar que a própria Mechthild participou do processo de edição”. Quanto ao lugar social e geográfico da redação do livro, temos que provavelmente foi escrito em Magdeburg, em uma comunidade de beguinas, sob a supervisão do dominicano Heinrich von Halle. Seu sétimo livro, contudo, foi escrito em Helfta, em um convento cisterciense76, embora Tobin afirme que foi na comunidade cisterciense de Helfta, contudo, que Mechthild passou seus últimos anos, tendo lá escrito o último e sétimo livro da LF. Sob a direção de sua segunda abadessa, Gertrud de Hackeborn (1250-91), Helfta tornou-se conhecida por sua piedade e ensino. Para lá Mechthild retirou-se aproximadamente em 1270. Conforme Frank Tobin (1998, p. 7), os Livros de I a VI foram traduzidos para o latim (Lux divinitatis) provavelmente por dois ou mais dominicanos de Halle logo após a morte de Mechthild, mas, de qualquer forma, antes de 1298. Os tradutores desconheciam, aparentemente, o Livro VII, composto em Helfta. O Lux divinitatis pode ser encontrado no Revelationes Gertrudianae AC Mechtildianae. 1875-77, Ed. Solesmes Monks (Louis Paquelin). 2 vols. Poitiers and Paris: Oudin, 1875, 1877. Vol. 2: Sororis Mechtildis Lux divinitati. 423-643.77 Em relação aos aspectos intertextuais sincrônicos e diacrônicos, temos que, em uma primeira aproximação ao texto, se pode constatar, através da leitura de bibliografia concernente, a existência de controvérsias quanto a uma possível influência do pensamento e obra de Joaquim de Fiore no tocante ao texto de Mechthild78. De MAYO (1999, p. 88) afirma 75 MAGDEBURG, 1998, p.7 (Introduction). “In general, however, there is now prevailing agreement that Heinrich let Mechthild´s text speak for itself. And Neumann thinks there is good reason to believe that Mechthild herself participated in the editing process”. 76 MAGDEBURG, 1998, p.5 (Introduction). 77 N.A.: A edição disponível até 1990 possui a seguinte referência: Offenbarungen der Schwester Mechthild von Magdeburg oder Das flieβende Licht der Gottheit. Aus der einzigen Handschrift des Stiftes Einsiedeln. Ed. Gall Morel.Regensburg, 1869. Reprinted, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1963, 1976, 1980. A edição utilizada nesta pesquisa, traduzida por Frank Tobin, deve muito à obra de Neumann, cuja referência é a seguinte: NI e NII: Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Eindsiedler Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung.Ed. Hans Neumann. München: Artemis; Vol. 1 (1990): Text. Vol. 2(1993): Untersuchungen. 78 De MAYO, Thomas Benjamin. Mechthild of Magdeburg´s mystical eschatology. Journal of Medieval History, Vol. 25, No.2, 1999, p. 88. 34 que, contrariamente àquilo que muitos estudiosos tem asseverado, o trabalho de Mechthild falha em exibir quaisquer sinais distintos de influência joaquimita. Uma obra joaquimita exibirá, segundo ele, falando de forma genérica, uma ou ambas das seguintes características: ou um padrão trino em seu tratamento da história, ou a expectativa de um tempo de paz e iluminação espiritual entre a morte do Anticristo e o Juízo Final. No aspecto diacrônico, tem-se que o conhecimento de textos canônicos perpassa a escrita dos poemas, como também a formulação de assertivas, conselhos e descrição visionária. Embora não empiricamente aceitável, pode-se conjecturar que, mesmo quando não dito, o texto bíblico79 faz-se latente, tanto nas linhas de um verso, como nas mentes daqueles que, à época de Mechthild, tiveram acesso à Luz Fluente da Divindade. Atualmente, a leitura de sua obra requer um esforço e também um resgate das possíveis influências, levando-se em conta, porém, que o caráter lúdico e poético de um texto não se limita ao tempo e nem às possíveis “leituras”, historiográficas ou não, que se possam fazer dele. No que diz respeito ao público receptor, pode-se inferir, a princípio, que o alcance de sua obra se restringiu ao domínio monacal, religioso, restrito à região norte da atual Alemanha. Não obstante, uma cópia em médio-baixo-alemão chegou às mãos de Heinrich von Nördlingen80, conselheiro espiritual de vários conventos situados próximos a Basel, o qual efetuou uma cópia em médio-alto-alemão, que chegou aos nossos dias, a partir da descoberta do manuscrito “E”, em 1861, na biblioteca do mosteiro beneditino de Einsiedeln, Suíça. De acordo com John Howard (1984, p. 153-185), em 1344 ou 1345, o livro de Mechthild foi traduzido para o alamânico por Heinrich de Nördlingen em Basel. Não exatamente um místico ele próprio, Heinrich fez muito para incentivar a causa do misticismo, particularmente por encorajar outros a escrever e por manter uma correspondência ativa com muitos místicos contemporâneos, entre eles Johannes Tauler, Margareta Ebner and Christina Ebner. Ainda segundo Howard, a partir de sua correspondência, é evidente que Heinrich fez sua tradução diretamente do original em baixo alemão e que sua tradução circulou amplamente no sul da Alemanha. Então, na segunda metade do mesmo século, outro Heinrich (de Rumerschein) enviou uma cópia da tradução de Heinrich de Nördlingen para Margareta von Golden Ring no 79 “Toda linguagem em parte é uma herança. Mas na Idade Média essa herança é particularmente pesada: o Livro contém todo o saber, incluindo a linguagem, a linguagem em primeiro lugar. A Bíblia é o arsenal do vocabulário e dos modelos mentais”. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. 2ª ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2001, p. 130. 80 HOWARD, John. The German Mystic Mechthild of Magdeburg. In: Medieval women writers. Edited by Katharina M. Wilson. Athens, Georgia: University of Georgia Press, 1984. p. 153-185. p. 157 [N.A. notas foram omitidas] 35 convento de Einsiedeln. Após diversas realocações, a versão encontrou seu caminho de volta a biblioteca monástica em Einsiedeln, onde permanece até este dia. Em seu artigo, John Howard (1984, p. 157) tece ainda considerações sobre os manuscritos sobreviventes, dentre os quais se destaca em primeiro lugar o de Einsiedeln.81 Resumidamente, os manuscritos sobreviventes da Luz Fluente da Divindade são: 1. Einsiedeln, Stiftsbibliotek 277, folhas 1 – 166 – este é a versão alemã mais antiga, datando do décimo-quarto século; foi primeiramente descoberto em 1861 por Carl Greith e publicado por Gall Morel em 1869. 2. Würzburg, Minoritenkloster Nr. I 110, folhas 40a-62b – em alemão, datando do décimoquinto século. 3. Wolhusen (próximo a Lucerna) – esta versão, datada de 1517, é uma tentativa de retraduzir o texto em latim para o alemão e assim não possui valor ecdótico. 4. Basel I, Pergaminho B IX 11, folhas 51- 91 – versão latina, datando do décimo-quarto século. 5. Basel II, Paper A VIII 6, folhas 99 e seq. – em latim, também datando do décimo-quarto século82. Nos últimos quinze anos, aliás, títulos em língua alemã têm surgido, num claro movimento de redescoberta e releitura da obra de Mechthild a partir dos estudos de Gerhard Wehr, que publicou, em 2010, uma edição comentada; outro exemplo é Margot Schmidt, que publicou, em 1995, uma nova tradução revisada, com introdução e comentários; e,ainda, Gisela Vollmann, responsável pela revisão e comentários à edição de brochura citada na bibliografia. Quanto à enunciação, transmissão e repercussões da fonte, apesar do caráter especulativo no que concerne a constatar, datar e mapear a transmissão de uma obra literária medieval, as possíveis conjecturas no que concerne a sua provável influência em obras posteriores, conforme WEHR (2006, p. 136) declara, são acompanhadas de controvérsias. Verbreitung und Wirkung der Zeugnisse mittelalterlicher Frauenmystik können wohl kaum hoch genug eingeschätzt werden. Und wenn eine‚“Donna Matelda” bei Dante (Purg. 28, 40 ff.) und bei Boccaccio (Dekam. 7,1) vorkommt, so hat man schon früher an die Mechthild von Magdeburg bzw. 81 82 HOWARD, 1984. p. 157 e nota à página 162 [N.A. notas foram omitidas, exceto a última.] N. “O livro 7 está faltando em ambos os documentos latinos”. 36 an die von Hakkeborn gedacht, was eine Ausstrahlung deutscher Frauenmystik bis nach Italien voraussetzen würde. A divulgação e importância dos testemunhos das místicas medievais não me parece possa ser suficientemente calculado. E, quando apareceu uma “Donna Matelda” em Dante (Purgatório, 28, 40 ff) e em Boccaccio (Decamerão 7, 1), pensou-se, logo, em Mechthild von Magdeburg e em Mechthild von Hakkeborn, o que pressuporia uma difusão das místicas alemãs até a Itália. Podemos citar dentre essas controvérsias83, aquela que o próprio tradutor da Divina Comédia, Cristiano Martins, no trecho referente ao citado por WEHR, oportunamente esclarece. Por conseguinte, entre suas companheiras de vida religiosa, em Helfta, sua influência pode ser atestada, pois, de acordo com Frank Tobin (1998, p. 5)84, a obra de Mechthild foi fonte de inspiração para aquelas, ainda após a sua morte. Tobin declara que estas mesmas freiras a estimavam e buscavam seu conselho em assuntos espirituais (VII21), sendo que duas delas produziram textos místicos que mostram claramente a influência de LF. O primeiro texto, O Livro da Graça Especial (Liber specialis gratiae), escrito por duas freiras após 1291, contém as revelações de Mechthild de Hackeborn (+1298 ou 1299), irmã da previamente mencionada abadessa. No segundo livro, conhecido como O Arauto da Divina Piedade (Legatus divinae pietatis), Gertrud de Helfta, ‘a Grande’ (+1301 ou 1302), escreveu um relato de sua vida interior. Tobin afirma ainda que, por estarem estes textos em latim, eles usufruíram de uma leitura mais abrangente do que o LF e continuaram a exercer influência por longo tempo após a obra vernácula de Mechthild ter desaparecido. Não se pode deixar de lembrar as palavras de André Vauchez 85 (1995, p. 155), no que tange à importância do papel do confessor/guia espiritual na divulgação inicial dos escritos das mulheres religiosas: 83 Porém, uma opinião divergente encontra-se no comentário referente ao verso supracitado, (Purgatório, Canto XXVIII, verso 40). “40. Uma jovem que o passo, além, movia: Matelda, que, entretanto, só é nomeada muito adiante, no Canto XXXIII, verso 119. Segundo a maioria dos comentadores, a condessa Matelda de Canossa, que se distinguiu pela sua fé religiosa e por relevantes serviços prestados à Igreja, na guerra e na paz”. (ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia.7ª edição. Tradução, Introdução e Notas de Cristiano Martins. Belo Horizonte e Rio de Janeiro: Villa Rica Editoras Reunidas Ltda, 2º vol, /s.d/,p. 248-249). 84 MAGDEBURG, 1998, p.5. 85 VAUCHEZ, André. A espiritualidade na Idade Média Ocidental - séculos VIII a XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, p. 155. 37 As mulheres empenhadas nesse tipo de experiências espirituais certamente não teriam deixado uma grande lembrança se elas as tivessem guardado para si ou se elas se tivessem contentado em exortar-se mutuamente. Felizmente, houve então um certo número de clérigos – confessores ou diretores espirituais – que ficaram tão impressionados que decidiram escrever e divulgar o que viram e ouviram. Em concordância com MENESES86 (1998, p. 71), que afirma que o rumo básico da leitura histórica é iluminar a sociedade e que a crítica genética, quando possível, ou quaisquer outros procedimentos, de qualquer natureza, são utilizados para esclarecer a produção, circulação e apropriação do texto-documento, podemos inferir algumas das influências sofridas por Mechthild na composição de sua obra, como por exemplo, a linguagem de amor cortês, como forma de expressão de sentimentos, a metáfora e a analogia ao texto bíblico, pressupondo o conhecimento prévio por parte de sua audiência, de acordo com as considerações apresentadas por PESSOA (2004, p. 135)87. A capacidade de se expressar através dessa linguagem denota uma ascendência relativamente nobre, pois os estamentos mais pobres da sociedade medieval não tinham acesso à escrita e/ou leitura. O conhecimento do texto canônico demonstra um conhecimento por via direta ou indireta dos textos em latim, como também um relacionamento de proximidade junto aos clérigos ou instituições monásticas, conforme VAUCHEZ (1995, p. 153): Aos olhos de muitos clérigos, o estado de beguino, fundado sobre um compromisso temporário e revogável, não constituía uma verdadeira forma de vida religiosa, apesar dos laços estreitos que uniam as beguinas aos seus confessores ou diretores espirituais cistercienses, dominicanos ou franciscanos. Assim, seu status canônico e a autenticidade de seu engajamento permaneceram duvidosos ao longo de todo o século XIII. Não obstante as críticas ou restrições possíveis à vivência, por opção, em uma 86 “O rumo básico da leitura histórica é iluminar a sociedade. A crítica genética, quando possível, ou quaisquer outros procedimentos, de qualquer natureza, são utilizados para esclarecer o documento apenas porque, nessa medida, melhor permitem esclarecer aspectos da sociedade de que a produção, circulação e apropriação do texto constituem ingredientes.” MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. As marcas da leitura histórica: arte grega nos textos antigos. In: Manuscrítica, São Paulo, n.7, p. 71, 1998. 87 PESSOA, Maria do Socorro. A análise retórica de acordo com Perelman. In: Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, v. 4, n.2, p.135-151, jan/jun.2004. 38 comunidade de beguinas, Mechthild ultrapassou algumas barreiras “naturais” à sociedade contemporânea, fossem elas de cunho social, religioso ou até mesmo econômico, uma vez que a produção de um texto demandava recursos específicos (suporte, tinta, etc.). Um aspecto inovador deve ser salientado, o que marca ainda mais a singularidade de sua obra, conforme VAUCHEZ (1995, p. 157): Enfim, várias mulheres não hesitaram em elaborar textos espirituais em médio-neerlandês88 ou em alemão, como a monja cisterciense Beatriz de Nazaré, assim como as beguinas Hadewijch d’Anvers, que nos deixou admiráveis Visões (por volta de 1240), e Mechtilde de Magdebourg (morta em 1282/1294), autora da Luz transbordante da Deidade. Mas a novidade não residia apenas na escolha da língua vernacular: estranhas ao mundo das escolas e menos impregnadas de cultura bíblica do que os monges, essas mulheres falaram de Deus por referência ao modelo literário profano do amor cortês. 88 N.A. médio-holandês - língua falada na região dos Países Baixos durante a Idade Média, mais especificamente entre aproximadamente 1150 e 1500. 39 II. LITERATURA APOCALÍPTICA OU APOCALIPSES O florescimento da literatura dita “apocalíptica” no seio da tradição judaico-cristã ocorreu no período compreendido entre os séculos II antes de Cristo e o ano 100 AD 89 e, em geral, pode ser definida como um gênero de literatura de revelação, em forma de narrativa, na qual uma revelação, mediada por um ente sobrenatural, é dada a um ser humano, desvelando uma realidade transcendente. Esta realidade possui aspectos temporal e espacial, uma vez que vislumbra uma salvação escatológica e envolve um mundo sobrenatural90. No que diz respeito ao vocábulo “revelação”, John Collins91 (2010, p. 20-21) afirma que a maioria das obras que aparecem nas discussões da literatura apocalíptica judaica não foram designadas como apocalipses na Antiguidade. Não há atestação do uso do título grego apokalypsis (revelação) como rótulo de um gênero no período antes do cristianismo. A primeira obra introduzida como um apokalypsis é o Apocalipse de João, do Novo Testamento, e mesmo assim não está claro se a palavra denota uma classe especial de literatura ou se é utilizada, em sentido mais geral, como revelação. Ele acrescenta que devemos nos aperceber de que a produção de apocalipses continuou ao longo de anos na era cristã. O próprio John Collins (2010, p. 22), em seu livro, relaciona os vários escritos que podem ser denominados apocalipses92. Para ele, pode-se demonstrar a aplicabilidade dessa definição a várias seções de 1 Enoque, Daniel, 4 Esdras, 2 Baruc, o Apocalipse de Abraão, 3 Baruc, 2 Enoque, Testamento de Levi 2-5, o fragmentário Apocalipse de Sofonias, e, com alguma qualificação, a Jubileus e ao Testamento de Abraão (os quais também possuem fortes afinidades com outros gêneros). Também aplica-se a um corpo bastante amplo da literatura cristã e gnóstica e a algum material persa e greco-romano. Há de se distinguir, também, o termo apocalipticismo (possivelmente relacionado a uma ideologia social) e escatologia apocalíptica, conforme citação abaixo: 89 Cf. MICHAEL, Michael G. Some Notes on Defining “Apocalyptic”. http://dlibrary.acu.edu.au/research/theology/michael.htm, acesso em 2/9/2013, 19:14. 90 “Apocalypse” is a genre of revelatory literature with a narrative framework, in which a revelation is mediated by an otherworldly being to a human recipient, disclosing a transcendent reality which is both temporal, insofar as it envisages eschatological salvation, and spatial insofar as it involves another, supernatural world.. COLLINS, John Joseph, Ed. Semeia 14 – Apocalypse: The Morphology of a Genre. Missoula, MT, USA: Society of Biblical Literature, 1979, p. 10. 91 COLLINS, John Joseph. A Imaginação Apocalíptica: Uma introdução à literatura apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 2010, p.20-21. 92 COLLINS, 2010, p. 22. 40 As pesquisas acadêmicas mais recentes abandonaram o uso do termo ‘apocalíptica’ como um substantivo e fazem distinção entre apocalipse como um gênero literário, apocalipticismo como uma ideologia social e escatologia apocalíptica como um conjunto de ideias e motivos literários que também podem ser encontrados em outros gêneros literários e contextos sociais. (COLLINS, 2010, p.18) Algumas características intrínsecas de um apocalipse são o descortinar de um mundo espiritual, entes sobrenaturais, julgamento final, destruição dos ímpios e exortações, sendo as visões e jornadas espirituais93 a estratégia através da qual a revelação se dá, sempre intermediada por um ser sobrenatural, sem o qual a mensagem tornar-se-ia incompreensível. Michael G. Michael, em um artigo de 199994, elucida um pouco mais acerca do caminho percorrido pelos estudiosos no que diz respeito ao tema “apocalipse” e ainda acrescenta aspectos que considera de importância no que tange ao livro do Apocalipse de João, o qual além de possuir três formas literárias em seu escopo (ou seja, deve ser analisado como um apocalipse que apresenta aspectos de profecia e também, igualmente, pode ser enquadrado como sendo uma epístola), também pertence paradigmaticamente à definição do primeiro parágrafo, como adendo de ter sido escrito para uma comunidade em tempos de crise e tendo por função consolar e/ou exortar através da manifestação da autoridade divina. Ele esclarece que a definição tradicional, embora geralmente aceita como um bom paradigma de trabalho do gênero apocalíptico, tem recebido suas críticas. David Hellholm, por exemplo, aceita a definição de Collins como uma ‘definição paradigmaticamente estabelecida’, porém é de opinião que a mesma não apresenta qualquer ‘declaração de função’. Isto é porque, assim Hellholm argumenta, a definição opera em nível de abstração relativamente alto e por isso traz à mente de alguém a questão: por que os apocalipses foram escritos? Para Michael, o Livro do Apocalipse pertence a um gênero de literatura de revelação, intencionada a um grupo em crise. Para Michael, sua ênfase é que a moldura narrativa do Apocalipse 93 “..., devemos assinalar que as visões e jornadas celestiais também não são distintivas. O gênero não é constituído por um ou mais temas distintivos, mas por uma combinação distintiva de elementos, todos os quais se encontram também em outros locais”. COLLINS, 2010, p. 32. 94 MICHAEL, Michael G. The Genre of the Apocalypse: What are they saying now? Bulletin of Biblical Studies, 18, July-December 1999, 115-126. Research Online: http://ro.uow.edu.au/infopapers/675, acesso em 5/10/13, 1:24. p. 123-124. 41 compreende três formas de literatura: apocalipse, profecia e epístola, conforme os escritos de G.R. Beasley-Murray e Richard Bauckham95. Dobroruka96 (2005, p. 342-343) observa a ausência de atos simbólicos (a utilização de um recurso audiovisual para transmissão de uma mensagem, francamente utilizado pelos profetas do Antigo Testamento, conforme exemplos em Ezequiel 12:3-797, e também, Jeremias 19: 1-3 e 9-1298), por parte dos apocalípticos, bem como a manutenção da identidade quando da experiência visionária ou de êxtase. Nickelsburg99 traça sucintamente o percurso dos estudos referentes ao gênero apocalíptico ou apocalipses no século passado, destacando a influência dos estudiosos britânicos e alemães, suas correntes de interpretação e os respectivos possíveis desdobramentos. Deve-se destacar a posição antagônica de interpretação do gênero como 95 G. R. Beasley-Murray, Revelation, Grand Rapids: Wm B Eerdmans Publishing Co., 1974, apud MICHAEL, 1999, p. 120. Richard Bauckham, The Theology of the Book of Revelation, apud MICHAEL, 1999, p. 126. 96 DOBRORUKA, Vicente. Aspects of late second temple jewish apocalyptic: a cross-cultural comparison. DPhil thesis.Theology Faculty, University of Oxford. Oxford, May 2005, p. 342-343. “Even if the authors were not real ecstatic who, in fact, went through the experiences described and the visions were just a stylistic commonplace, a very different picture would emerge from divination and ecstasies as described in the Old Testament, as seen. The apparent absence of ‘symbolic acts’ in the apocalypticists, while so often found among the prophets, is striking: the apocalyptic visionaries, whether their experiences are authentic or not, seem to live in a much more lonely world, in which publicly performed acts which may have a social or political impact are apparently irrelevant. It is arguable that, were the device of pseudonymity a mere stylistic topos, the imitation of Old Testament prophetic or scribal figure would be much more mimetic. … It is striking that the proportion of awakened visions, as opposed to those which occur during sleep or in dreams, is overwhelming;”[N.A. As notas do autor foram omitidas]. 97 Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 8ª impressão, 2012. p. 1494. “Pois bem, tu, filho do homem, arruma a tua bagagem de exilado e em pleno dia, sob os seus olhares, parte para o exílio, parte, sob os seus olhares, de um lugar para outro. Talvez, desse modo percebam que são uma casa de rebeldes. Arrumarás a tua bagagem como a bagagem de um exilado, em pleno dia, sob os seus olhares, e ao anoitecer sairás, sob os seus olhares como os que saem para o exílio. Ainda, sob os seus olhares, abrirás um buraco no muro e sairás por ele. Sob os seus olhares, porás a tua carga sobre os ombros e sairás quando já estiver escuro, cobrindo o rosto para não veres a terra, porque te ponho como presságio para a casa de Israel. Agi de acordo com a ordem que recebi. Tirei para fora a bagagem, como a bagagem de um exilado, em pleno dia, e ao anoitecer furei o muro com a mão. Em seguida, saí no escuro, pondo sobre os ombros a carga, sob os seus olhares”. 98 Ibid. p. 1399-1400. “Assim disse Iahweh a Jeremias: Vai e compra uma bilha de oleiro. Toma contigo anciãos do povo e anciãos dos sacerdotes. Sai em direção do vale de Ben-Enom, que está à entrada da porta dos Cacos. Lá proclamarás as palavras que eu te disser. E dirás: Escutai a palavra de Iahweh, reis de Judá e habitantes de Jerusalém. Assim disse Iahweh dos Exércitos, Deus de Israel: Eis que trarei uma desgraça sobre este lugar, que fará zunir os ouvidos de quem ouvir! (...) Farei que eles devorem a carne de seus filhos e a carne de suas filhas: eles se devorarão mutuamente na angústia e na necessidade com que os oprimem os seus inimigos e aqueles que atentam contra a sua vida. Tu quebrarás a bilha diante dos olhos dos homens que foram contigo e lhes dirás: Assim disse Iahweh dos Exércitos: Eu quebrarei este povo e esta cidade como se quebra o vaso do oleiro, que não pode ser mais consertado. Enterrarão em Tofet, por falta de lugar para enterrar. Assim farei a este lugar – oráculo de Iahweh – e os seus habitantes, para tornar esta cidade como Tofet”. 99 NICKELSBURG, George W.E. The Study of Apocalypticism from H.H. Rowley to the Society of Biblical Literature. http://www.sbl-site.org/assets/pdfs/Nickelsburg_Study.pdf, acesso em 6/9/2013, 17:53. 42 reflexo ou continuidade natural dos escritos proféticos100 judaicos a um posicionamento mais contundente, para o qual o gênero literário surge de forma inequívoca e singular, trazendo consigo características distintivas únicas. Segundo McGINN (1979, p. 3), em seu texto introdutório, o apocalipticismo em sua origem judaica é distinto de dois termos comuns relacionados em teologia bíblica e história das religiões: escatologia e profecia. Apocalipticismo é uma espécie do gênero escatologia, isto é, é um tipo particular de crença acerca das últimas coisas – o fim da história e o que acontece além disto. Estudiosos das escrituras tem usado o termo escatologia apocalíptica para distinguir os ensinamentos especiais dos apocalipticistas da escatologia dos profetas101. Para ele, valioso enquanto distinção no âmbito dos estudos bíblicos, o quadro tornar-se-á obviamente confuso na história cristã posterior, quando elementos de ambas as formas de escatologia frequentemente serão misturados. Collins, em seu capítulo introdutório no qual descreve as idas e vindas, entre os estudiosos, de diferentes abordagens para a compreensão do tema, nos fornece nuances e/ou vislumbres dessas características únicas, que arrolamos abaixo102 e que corroboram essas marcas distintivas. CARACTERÍSTICA “... a tendência de assimilar a literatura apocalíptica ao mundo mais Componentes familiar dos profetas arrisca perder de vista os seus componentes mitológicos e mitológicos e cosmológicos mais estranhos”. (COLLINS, 2010, p.37) cosmológicos “... A tendência de muitas pesquisas históricas foi de especificar os referentes da imagética apocalíptica da maneira menos ambígua possível. ... Essa tendência deixa escapar os elementos de mistério e Elementos de indeterminação que constituem muito da ‘atmosfera’ da literatura mistério apocalíptica. ... Tem sido comum pressupor que os símbolos apocalípticos são meros códigos cujo significado é coberto por referentes únicos”. (COLLINS, 2010, p. 38) “... Por outro lado, ao apontar para as raízes mitológicas de muito da Símbolos apocalípticos Raízes mitológicas 100 McGinn esclarece em seu texto introdutório, Visions of the End. Apocalyptic Traditions in the Middle Ages. New York: Columbia University Press, 1979, p. 3. 101 Segundo McGINN, op. cit., p.3, a Escatologia apocalíptica pode ser vista como equivalente ao termo Apocalíptico, frequentemente usado e formado em imitação do alemão Apokalyptik. 102 COLLINS, 2010, p. 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45 e 72, 73. 43 imagética apocalíptica, Gunkel demonstrou seu caráter simbólico e Caráter simbólico e alusivo. ... A justaposição de visões e oráculos, que cobrem alusivo essencialmente o mesmo material, com imagens variáveis é uma Justaposição de característica de grande número de apocalipses e escritos relacionados visões e oráculos – Daniel, os Oráculos Sibilinos, as Similitudes de Enoque, 4 Esdras, 2 Baruc, o Apocalipse de João. Esse fenômeno não pode ser explicado adequadamente através da postulação de múltiplas fontes, uma vez que ainda teríamos que explicar por que fontes são consistentemente combinadas dessa maneira. Na verdade, a repetição é uma convenção literária (e oral) comum nos tempos antigos e modernos. ... O reconhecimento de que tal repetição é uma característica intrínseca Repetição dos escritos apocalípticos fornece a chave para uma nova compreensão do gênero. ... A literatura apocalíptica fornece um Linguagem exemplo bastante claro de linguagem que é expressiva, em vez de expressiva referencial, simbólica, em vez de factual”. (COLLINS, 2010, p. 39; Linguagem 40) “... Geralmente se admite a importância das alusões bíblicas na simbólica Alusões bíblicas literatura apocalíptica. O uso de alusões mitológicas é bem mais controvertido. ... No entanto, à vista da ambiguidade da palavra, tal uso genérico de ‘mito’ é de pouca utilidade. A palavra é utilizada nos estudos bíblicos para referir-se às histórias religiosas do mundo do antigo Oriente Próximo e do mundo greco-romano. Quando falamos Alusões mitológicas de alusões mitológicas na literatura apocalíptica, nos referimos aos motivos literários e padrões que derivam originalmente dessas histórias. ... Enquanto Gunkel procurou seus paralelos mitológicos no material babilônico então disponível, e os estudiosos subsequentes postularam uma vasta influência persa, as pesquisas mais recentes têm Mitos canaanitas- se voltado aos mitos canaanitas-ugaríticos – especialmente no caso de ugaríticos Daniel”. (COLLINS, 2010, p. 41; 42) “... Deve ficar claro também que uma alusão mitológica em um Rico poder da contexto apocalíptico não carrega o mesmo significado e referência linguagem que tinham no mito original. Se ‘um como um filho de homem’ que vem entre as nuvens em Daniel 7 alude à figura canaanita de Baal, 44 isso não quer dizer que ele é identificado com Baal, ou que toda a história de Baal está implicada. Isso meramente sugere que existe alguma analogia entre essa figura e a concepção tradicional de Baal. ... Alusões mitológicas, bem como alusões bíblicas, não são simples cópias da fonte original. Em vez disso, elas transferem motivos literários de um contexto para outro. Ao fazê-lo, constroem associações e analogias e, assim, enriquecem o poder comunicativo da linguagem”. (COLLINS, 2010, p. 43) “... A busca por fontes frequentemente levou os pesquisadores a entender o apocalipticismo como um fenômeno derivativo, o produto Fenômeno derivativo de algo diferente dele próprio. ....Se ‘apocalíptica’ é cria da profecia, ela é legítima; se for importação da Pérsia, não é autenticamente bíblica. Essa lógica é patentemente defeituosa. As fontes a partir das quais se desenvolvem ideias não determinam o valor inerente dessas ideias. Muitas das ideias bíblicas centrais, de qualquer modo, foram adaptadas da mitologia dos canaanitas e de outros povos do Oriente Próximo. ... Também há uma analogia entre a literatura sapiencial e Fontes para alguns apocalipses no nível das questões subjacentes, na medida em analogias que ambos se preocupam frequentemente com a teodiceia e com o Preocupação com a problema da justiça divina”. (COLLINS, 2010, p. 44; 45) teodiceia e com a justiça divina “... Com efeito, no entanto, as funções ilocucionárias de exortação e Funcões consolo podem ser mantidas de modo geral para os apocalipses ilocucionárias de judaicos. Duas qualificações devem ser lembradas. Primeiro, a exortação e consolo natureza das exortações pode variar.... Segundo, a função literária deve ser vista como integralmente relacionada à forma e ao conteúdo Natureza variante naquilo que pode ser chamado de ‘técnica apocalíptica’. Qualquer que das exortações seja o problema subjacente, ele é percebido a partir de uma perspectiva distintamente apocalíptica. Essa perspectiva é emoldurada ‘Técnica espacialmente pelo mundo sobrenatural e temporalmente pelo apocalíptica’ julgamento escatológico. O problema não é visto simplesmente em termos dos fatores históricos disponíveis a qualquer observador. Em Mundo vez disso, ele é visto à luz de uma realidade transcendente desvelada transcendente 45 pelo apocalipse. O mundo transcendente pode ser expresso através de expresso através de simbolismo mitológico ou geografia celestial ou ambos. ... A função simbolismo da literatura apocalíptica é moldar a percepção imaginativa da mitológico/geografia situação de alguém e, assim, colocar os fundamentos para qualquer celestial curso de ação ao qual ela exorte”. (COLLINS, 2010, p. 72; 73) [N.A. As notas do autor foram omitidas]. Função de moldar a percepção imaginativa Em relação aos primórdios do apocalipticismo cristão, McGinn (1979, p. 11) esclarece que o cristianismo apresenta fortes vínculos com a herança judaica e que seu maior representante, o Apocalipse de João, sofreu percalços em sua aceitabilidade por parte das autoridades eclesiásticas ao longo dos primeiros séculos da cristandade103. Segundo ele, o problema da unidade das tradições apocalípticas torna-se mais complexo quando se reflete sobre a relação dos primórdios do apocalipticismo cristão com sua herança judaica. O Cristianismo nasceu apocalíptico e tem permanecido assim, não no sentido de que as esperanças apocalípticas exaurem o significado da fé cristã, mas porque elas nunca estiveram ausentes da mesma. Mc Ginn (1979, p. 12) assevera, ainda, que a testemunha mais proeminente da força do apocalipticismo no Cristianismo judaico é a Revelação (ou Apocalipse) de João, um centro de controvérsias no cristianismo primitivo. Largamente aceito no século segundo, seu uso por autores suspeitos parece ter provocado uma reação negativa no terceiro século que continuou no Oriente até cerca de 500 A.D. Para ele, não é difícil ver porque a Revelação deve ter levantado tal debate, uma vez que o livro é rico em simbolismo assustador, contém ensinamentos (tais como quiliasmo, a doutrina do reino de mil anos de Cristo e dos santos sobre a terra após a Segunda Vinda, mas antes do Fim) que foram subsequentemente condenados, e adota uma forte postura antirromana que deve ter sido crescentemente embaraçosa para os cristãos dos séculos terceiro e quarto. Existe um desacordo considerável acerca da autoria, composição e significação da obra. 103 McGINN, 1979, p. 11. 46 Patterson104 (2000, p. 385-403), por sua vez, argumenta para o gênero uma evolução da imagética tradicional do relato do êxodo e peregrinação no deserto (devido ao seu contexto geracional pós-exílio), nos quais estão presentes elementos cosmológicos (terremoto, coluna de fogo, etc.). De acordo com ele, não existe a necessidade de posicionar a origem da apocalíptica hebraica em uma literatura externa à sua tradição e igualmente, a presença em profecia do Antigo Testamento de um imaginário que surgiu com grande intensidade e universalidade na apocalíptica não necessita ser atribuída a qualquer completa incorporação desse imaginário, retirado dos primeiros precursores cananitas. Patterson afirma que a vasta diferença entre a cultura israelita e cananita, bem como o aspecto religioso, exclui qualquer sugestão deste tipo. Por sua vez, não se deve dizer com isto que certas características não foram ocasionalmente adaptadas pelos profetas hebraicos, de acordo com as restrições de contexto nos quais eles ministravam. A persistência destas imagens sugere, fortemente, que elas se tornaram um corpo de vocabulário estilizado que os profetas tinham à sua disposição para expressar o julgamento e as atividades salvíficas de Deus. Ademais, o autor salienta a contribuição primordial dos textos proféticos de caráter escatológico, como alguns trechos específicos de Isaías e Ezequiel105. Estes textos proeminentes frequentemente designados como apocalípticos incluiriam Isaías 24-27; 60-66; Ezequiel 38-48; Sofonias 1:14-18; e Zacarias 14. Segundo Patterson (2000, p. 393), características comuns a apocalipses posteriores podem ser encontradas em cada uma destas passagens. Contudo, nenhuma delas poderia ser qualificada como apocalíptica em um sentido mais estrito. Cada uma delas pode certamente ser considerada como um oráculo do reino com um imaginário acentuado. É este imaginário que chama a atenção de Patterson, pois, para ele, dentro destes textos pode-se também encontrar o imaginário associado tradicionalmente ao evento do êxodo. Jesús M. Asurmendi diferencia os termos escatologia e apocalíptica, em suas primeiras linhas do capítulo intitulado “A Apocalíptica”106 e após algumas considerações de cunho historiográfico, afirma: 104 PATTERSON, Richard D. Wonders in the heavens and on the earth: apocalyptic imagery in the Old Testament. JETS 43/3. (September 2000) 385-403. http://www.etsjets.org/file/JETS-PDFs/43/43-3/43-3-pp385403_JETS.pdf, acesso em 2/9/2013, 19:14. 105 PATTERSON, 2000, p. 393. 106 LAMADRID, González, et al. J.M. Sánchez (ed.). História, narrativa, apocalíptica. Introdução ao Estudo da Bíblia.Vol.3b. São Paulo: Ave-Maria, 2004. “A escatologia (do grego eschaton, fim último) é um termo relativamente recente, que designa no âmbito da teologia as realidades últimas da vida do homem, entendendo-se com elas a morte e a vida do além em suas diferentes possibilidades. (...) Sem entrar na análise detalhada, pode-se dizer que se entende por escatologia ‘a esperança em uma ação futura e definitiva de Deus em benefício de seu povo’. Os dois elementos, futuro e 47 ... é impossível determinar um contexto único para todos os apocalipses. Não se deve esquecer que, excetuados os próprios apocalipses, temos pouca documentação sobre o marco social concreto em que nasceram e, sobretudo, sobre os grupos que os produziram. Salvo no caso de Qumrã, onde a documentação, comparada com a de outros grupos, é muito abundante107. O aspecto social preponderante no que concerne à gênese deste gênero literário seria a perseguição (real ou imaginária)108. Segundo Asurmendi (2004, p. 450-451), o contexto social, com perseguição ou sem ela, é de resistência, porém uma resistência passiva e a finalidade social dos apocalipses não é preparar seus adeptos para enfrentamentos concretos, em uma resistência ativa, militar ou não, mas educá-los e, sobretudo, informar sobre o final de uma situação de sofrimento e opressão, real ou imaginária com o intuito de “consolar”, “dar segurança e garantias”, fornecer a “chave do entendimento da história” que, à primeira vista, parece absurda e sem sentido sob o ponto de vista da fé do fiel. Trata-se de fortalecer para manter-se e resistir, não para lutar. Para Bernardo McGinn (1997, p. 567), autor do capítulo referente ao livro canônico do Apocalipse, o propósito seria o de consolo para os fiéis109. Segundo ele, embora a identificação dos grupos e das situações em que a escatologia apocalíptica surgiu seja difícil de determinar em casos específicos, há o consenso geral de que essa visão da história e do fim foi produzida para propósitos de consolo e teodiceia, entre um povo subjugado que, frequentemente, vivia sob um forte clima de perseguição. O autor afirma que se torna também evidente, à medida que mais se investigam os primeiros apocalipses e sua influência posterior, que “esse gênero não apenas introduziu uma nova concepção de história nas religiões definitivo, são requeridos como componentes essenciais para que se possa falar de esperança escatológica. A escatologia enraíza-se fundamentalmente nos livros proféticos e constitui um dos recursos essenciais de sua pregação”. p. 445. “Cronologicamente, a apocalíptica aparece depois da escatologia, embora não a substitua, nem a negue, e, de fato, durante muito tempo coexistem. A escatologia transformou-se em um elemento constitutivo da fé de Israel. A apocalíptica é um fenômeno secundário, embora tenha tido repercussões importantes inclusive no cristianismo”. p. 446. N.A.: Deve-se notar a diferença na terminologia empregada por Asurmendi (escatologia) para aquela empregada por Collins (escatologia apocalíptica), quando da descrição de situações semelhantes, no âmbito dos estudos teológicos e/ou literários. 107 LAMADRID, 2004, p. 449. 108 LAMADRID, 2004, p. 450-451. 109 ALTER, Robert & KERMODE, Frank (organizadores). Guia literário da Bíblia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. p. 567. 48 ocidentais, como também foi capital para o desenvolvimento da tradição visionária da literatura e misticismo ocidentais”. (grifo nosso) Os textos teriam origem a partir dos escribas ou sábios, e o uso de pseudônimos garantiria autoridade aos mesmos110. Collins (2010, p.69-70) assevera que a literatura apocalíptica é um “fenômeno de escribas”, um produto da atividade erudita, em vez do folclore popular. Os autores pseudônimos são frequentemente identificados como homens sábios ou escribas – Enoque, Daniel, Esdras, Baruc. Além do mais, essa literatura era esotérica, na medida em que foi produzida por uns poucos eruditos, mas não foi designada para ser mantida necessariamente em segredo. Para o autor, uma questão mais difícil diz respeito à autenticidade das experiências visionárias registradas nos apocalipses. Por um lado, existem múltiplas semelhanças entre os relatos de visões e as experiências de xamãs e visionários de outros locais (e.g., os visionários frequentemente jejuam ou fazem outros preparativos para a recepção de visões). Por outro lado, o fenômeno da pseudonímia complica a questão, uma vez que não ouvimos falar alhures em xamãs pseudônimos. Segundo ele, a pseudonímia era bastante difundida na era helenística e confirma-se na profecia babilônica, persa e egípcia, e em vários gêneros literários gregos e latinos. Assim, conquanto as razões para a pseudonímia tenham variado caso a caso, o motivo mais fundamental parece estar interligado com uma reivindicação de autoridade. A interpretação destes apocalipses atravessa diversas dificuldades, uma vez que, dado o caráter “oculto” de sua simbologia, várias matrizes de interpretação têm sido utilizadas, o que tem gerado desconfiança ao longo dos séculos111. McGinn (1979, p.13) acrescenta a esse respeito que o Apocalipse de João está tão intimamente ligado ao significado de toda a tradição apocalíptica cristã, que qualquer simples caracterização é impossível. O livro é ao mesmo tempo um resumo da literatura precedente, uma apropriação de um gênero em um novo nível e o ponto de partida para muitos dos subsequentes comentários e expansões. 110 COLLINS, 2010, p. 69-70. ALTER&KERMODE, 1997, p. 568. “Obviamente, em um sentido, até mesmo a narrativa mais realista mescla mito e representação do fato contemporâneo; mas a relação é especial nos apocalipses porque o propósito dos escritores não é fazer desaparecer o velho no novo, mas conferir um maior significado à história, relacionando-a a padrões míticos transcendentes. Juntamente com o simbolismo cosmogônico básico surgiu grande quantidade de outros símbolos, espaciais e temporais, humanos e animais. Com frequência esses símbolos têm sido lidos como códigos secretos de alguma mensagem oculta, mas essas interpretações redutivas, em geral, são excessivamente simples. Ao estabelecer comunicação com a mina profunda do mito para dar significado à história, a literatura apocalíptica introduziu ambiguidade e polivalência, que aumentam o fascínio ao mesmo tempo que agravam a obscuridade, e que ajudam a explicar por que os teóricos modernos do simbolismo, tanto psicológico quanto literário, têm mostrado tanto interesse pelo Livro do Apocalipse”. 111 49 McGinn (1997, p. 569-570) cita alguns expoentes que adentraram o terreno especulativo de interpretação do Livro do Apocalipse, mais especificamente, Santo Agostinho, Ticônio, Joaquim de Fiore112, Lutero, entre outros. Para o autor, Joaquim pode ter sido o primeiro - embora, certamente, não o último - exegeta a alegar que o significado do Apocalipse lhe fora divinamente revelado. Ele descreveu esse dom divino não como o carisma da própria profecia, mas como um “dom do entendimento” (donum intellectus), a habilidade de ver o que o texto realmente pretendia dizer. Ele acrescenta que a descoberta do abade de uma nova interpretação, que permaneceu influente por séculos, poderia ter feito dele o santo padroeiro dos críticos, caso tivesse sido canonizado, em vez de condenado. Valerio113 (2010, p. 144) adiciona o seguinte comentário, quanto ao trecho canônico específico, objeto de seu artigo: En cuanto a la interpretación que se ha hecho en la historia del texto, debemos decir que la Tradición de la Iglesia desde el inicio vio en este texto la figura del cuerpo real de Cristo. La interpretación eclesiológica es la más antigua y la más atestada desde el siglo III con san Hipólito de Roma, quien fue el primero en abordar este tema. (VALERIO, 2010, p.144) E quanto à interpretação que se tem feito na história do texto, devemos dizer que a Tradição da Igreja desde o início viu neste texto a figura do corpo real de Cristo. A interpretação eclesiológica é a mais antiga e a mais atestada desde o século III com São Hipólito de Roma, que foi o primeiro a abordar este tema. (VALERIO, 2010, p.144) Outra questão inerente à interpretação desta literatura, mais especificamente, ao Livro do Apocalipse, é a tendência de se tentar encontrar uma periodização dos acontecimentos114. McGinn (1979, p. 15), ao tratar do apocalipticismo patrístico A.D. 100400, esclarece a origem desta corrente interpretativa: 112 ALTER & KERMODE, 1997, p.569-570. VALERIO, Hanzel José Zúñiga. La esperanza del Nuevo pueblo de Dios en la persecución, una lectura eclesiológica de Ap 12:1-6. Reflexiones Teológicas, núm. 5, (127-152) agosto de 2010. Bogotá, Colombia. ISSN 2011-1991. 114 McGINN, 1979, p. 15. “Classical apocalypticism had a twin offspring, it seems. On the one hand, we have visionary literature increasingly centered on the fate of the individual soul; on the other, a variety of texts linked by more general historical concerns, especially a view of the present as a moment of supreme crisis, and a fervent hope of an imminent judgment that will vindicate the just. Texts of the latter sort frequently, though not invariably, incorporate concern with the structure of history, usually in terms of a theory of world ages. 113 50 O Apocalipticismo clássico deu origem a gêmeos, pelo que parece. De um lado, nós temos uma literatura visionária crescentemente centrada no destino da alma individual; de outro, uma variedade de textos interligados por preocupações históricas mais gerais, especialmente uma visão do presente como um momento de crise suprema e uma esperança fervente de um julgamento iminente que vingará o justo. Textos desta última categoria, frequentemente, embora não invariavelmente, incorporam uma preocupação com a estrutura da história, usualmente em termos de uma teoria das idades do mundo. O apocalipticismo do período medieval, que será nossa preocupação principal, terá, assim, uma direta, mas apesar disso, ambígua relação com o apocalipticismo judaico e cristão do período clássico. Deve-se ressaltar, também, que o estabelecimento de uma cronologia se torna tarefa árdua, em face dos diferentes calendários115 pelos quais a sociedade judaico-cristã ocidental tem passado, como bem atestou Elio Jucci (2012, p. 147-148), em seu capítulo intitulado “Il Tempo dell’Apocalisse”: Incontriamo l’interesse a una periodizzazione della storia in periodi caratterizzati secondo schemi ricorrenti già nella letteratura biblica: si ricordi ad es. la suddivisione della storia dei patriarchi nella Genesi in due serie di cinque periodi, alternativamente positivi e negativi. (...) Una complicazione, nel nostro lavoro di analisi ci proviene dalla presenza di calendari diversificati che si sono succeduti nella storia ebraica o che sono entrati in concorrenza, lasciando tracce non sempre evidenti. In particolare si ricorderanno i calendari solari di 360 e 364 giorni e i calendari lunari. (...) Accanto a questi computi temporali si può arrivare, per analogia, al tempo conclusivo con un altro genere di computo: quello dele anime dei salvati, il cui numero è stabilito fin dalle origini. Encontramos o interesse para uma periodização da história em períodos caracterizados segundo esquemas recorrentes já na literatura bíblica: The apocalypticism of the medieval period that will be our main concern will thus have a direct, but nonetheless ambiguous relation to the Jewish and Christian apocalypticism of the classical period”. 115 BONVECCHIO, Claudio et al. L’OROLOGIO DELL’APOCALISSE – La fine del mondo e la filosofia. Milano:AlboVersorio, 2012, p. 147-148. 51 recordem-se, por exemplo, da subdivisão da história dos patriarcas no Gênesis em duas séries de cinco períodos, alternativamente positivos e negativos. (...) Uma complicação, neste nosso trabalho de análise, provém da presença de calendários diversificados que se sucederam na história hebraica ou que entraram em concorrência, deixando traços nem sempre evidentes. Em particular, recordamos os calendários solares de 360 e 364 dias e os calendários lunares. (...) Além destes cômputos temporais, pode-se chegar, por analogia, ao tempo conclusivo com um outro gênero de cômputo: aquele das almas dos salvos, cujo número foi estabelecido desde a origem. De forma sucinta, os aspectos preponderantes elencados neste capítulo devem ser levados em conta quando da leitura de um texto apocalíptico ou que a ele se relacionam, seja através de similitudes em conceitos e símbolos, seja pela força da retórica visionárioprofética. Dito isto, afirmamos que, quando da análise dos textos de Hildegard e Mechthild, os quais contêm elementos de cunho escatológico, isto é, dizem respeito às “realidades últimas da vida do homem”, faz-se necessário adentrar toda esta discussão sobre o gênero apocalíptico para melhor entendimento das figuras de linguagem utilizadas pelas autoras. Como perceber de forma mais acurada a força imaginativa da descrição de um mundo transcendente, expresso através de simbolismo mitológico e de uma geografia celestial específica, a preocupação com a justiça divina e os símbolos apocalípticos, como, por exemplo, o dragão? Deve-se considerar que a leitura, por parte das religiosas, do texto canônico, em especial dos profetas anteriormente citados neste capítulo, possa ter influenciado o desenvolver desses textos explicativos de suas visões. 52 III. HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG – EXEMPLOS DE MULHERES QUE ULTRAPASSARAM SEUS LIMITES A primeira pergunta que surge, ao empreendermos uma análise comparada dessas religiosas, seria: quais os limites ultrapassados? Com base em nossos estudos, pensamos que o primeiro deles é o do anonimato e consequente reconhecimento positivo, o segundo, o da escrita e leitura e o terceiro, porém, não o último, o do apoio por parte de seus confessores e tutores homens. Além destes, não podem ser esquecidas as viagens de pregação empreendidas por Hildegard. Vencidos esses limites, inerentes a maioria das mulheres medievais, Hildegard e Mechthild fincam, a nosso ver com louvor, seus estandartes na estória religiosa feminina. Começando por Hildegard, de acordo com Flanagan116 (1998, p. 1), as informações biográficas da mesma foram primeiramente compiladas por Godfrey, seu secretário, em seu livro Vita Sanctae Hildegardis, o qual permaneceu incompleto até que Theoderic, eclesiástico oriundo do monastério de Echternach (diocese de Trier), escreveu o segundo e terceiro livros, com os respectivos prefácios, alguns anos após a sua morte. ‘Quando Henrique, quarto com este nome, governou o Sacro Império Romano, viveu na região interior da Gália uma virgem famosa por sua nobreza de nascimento e sua santidade. Seu nome era Hildegard. Seus pais, Hildebert e Mechthilde, embora abastados e envolvidos em assuntos mundanos, não foram esquecidos dos benefícios do Criador e dedicaram sua filha para o serviço de Deus. Quando ela era ainda uma criança, parecia longe das preocupações com este mundo, distanciada por uma precoce pureza’. (Vita, Livro I) – Assim é como Godfrey, um monge de Disibodenberg que atuou como secretário de Hildegard e reitor para as monjas em Rupertsberg, introduz o tópico no seu primeiro livro Vita Sanctae Hildegardis (Vida de Santa Hildegard). Ao morrer em 1176, deixou o trabalho incompleto e não foi senão uma década mais tarde, quando a 116 FLANAGAN, 1998, p.1 ‘When Henry, fourth of that name, ruled the Holy Roman Empire, there lived in hither Gaul a virgin famed equally for the nobility of her birth and her sanctity. Her name was Hildegard. Her parents, Hildebert and Mechthilde, although wealthy and engaged in worldly affairs, were not unmindful of the gifts of the Creator and dedicated their daughter to the service of God. For when she was yet a child she seemed far removed from worldly concerns, distanced by a precocious purity’. (Vita, Bk 1) – This is how Godfrey, a monk from Disibodenberg who acted as Hildegard’s secretary and provost to the nuns at Rupertsberg, introduces his subject in the first book of his Vita Sanctae Hildegardis (Life of St. Hildegard). When he died in 1176 he left the work unfinished and it was not until a decade later, when Hildegard herself had been dead for some years, that Theodoric of Echternach, a famous monastery in the diocese of Trier, wrote the second and third books and added the prefaces”. 53 própria Hildegard já tinha falecido há alguns anos, que Theodoric de Echternach, um mosteiro famoso da diocese de Trier, escreveu o segundo e terceiro livros e adicionou os prefácios. Flanagan (1998, p. 1-2) acrescenta que a Vita apresenta também trechos seletos de suas missivas117 e que ainda mais valiosa é a incorporação de Theodoric, no segundo e terceiro livros, de longas passagens autobiográficas de uma obra, por conseguinte, desconhecida de Hildegard. Em relação a sua biografia, Newman118 (1998, p. 4) acrescenta que outras fontes podem ser utilizadas, as quais contribuem significativamente para um conhecimento mais apurado dos principais acontecimentos relativos à vida e obra da abadessa. Segundo a autora, ao invés de assumir a narrativa a partir de onde Godfrey parou, Theoderic fez uma escolha extraordinária: ele decidiu preencher o livro 2 da Vita com memórias que a própria Hildegard tinha ditado para o seu biógrafo anterior, intercalando seus próprios admirados e, algumas vezes, incompreensíveis comentários. Assim, a Vita permite comparar três perspectivas diversas sobre a vida de Hildegard: a sua própria, a percepção de um monge que trabalhou para ela e a imaginação de um admirador mais distante que, tendo somente conhecimento de segunda mão, tentou adaptar a sua vida ao padrão estereotipado de santidade feminina em voga em sua própria época. Newman adiciona que, felizmente, contudo, a Vita não é a única fonte para a vida de Hildegard. Pode-se suplementá-la e, se necessário, corrigi-la com a informação provida por outros fragmentos de sua vida, as cartas de Hildegard, os prefácios autobiográficos de seus livros, uma série de estatutos e outros documentos pertencentes aos seus mosteiros e (com grande precaução) um relato de milagres preparado para a sua canonização. Para um esclarecimento maior, recordemos o que já foi dito às páginas 15 e 16 acerca de suas origens e início de vida religiosa. Engen119 (1998, p. 34-35) declara que o exemplo de Jutta de humildade e rigor ascético pode ter contribuído para a função oracular desenvolvida por Hildegard nos anos posteriores. O autor afirma que após a morte de Jutta, aos quarenta e quatro anos, Hildegard, 117 FLANAGAN, 1998, p. 1-2. NEWMAN, Barbara. Hildegard’s Life and Times. In: Voice of the Living Light – Hildegard of Bingen and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1998, p. 4. 119 ENGEN, John Van. Abbess. “Mother and Teacher”. In: Voice of the Living Light – Hildegard of Bingen and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1998, p. 34-35. 118 54 uma das três que receberam permissão para preparar seu corpo, viu a corrente que a mesma usou secretamente e os três sulcos que foram cortados em seu corpo. Ainda adiciona que, como uma religiosa jovem então, Hildegard observou em Jutta um paradigma para a função oracular que ela mesma desempenharia por mais de trinta anos. Não obstante, a estatura de Jutta floresceu a partir de seu autoimposto regime ascético, enquanto que a de Hildegard a partir de sua experiência de visões divinas. Sua capacidade organizacional poderia ter advindo de uma experiência prévia, sendo tal hipótese aventada por Flanagan120 (1998, p. 3), segundo a qual, em vista do talento posterior de Hildegard para a organização, não seria surpresa se ela não participasse de alguma forma da administração do convento. De qualquer maneira, quando Jutta morreu em 1136, Hildegard tornou-se líder daquele por escolha unânime das irmãs, de acordo com Guibert. Mews121 (1998, p. 54-55), ao escrever sobre a formação do pensamento religioso de Hildegard, declara ter sido Volmar aquele que mais pode tê-la influenciado, ao invés de Jutta, cujo comportamento de extremo rigor ascético poderia ter causado sua morte precoce. Conforme o autor, o biógrafo apresenta Jutta como alguém faminta por automortificação, cujo ascetismo severo levou a um estado de fraqueza e possível morte em 1136, com a idade de quarenta e quatro anos. Ele relata uma visão apreciada por sua “discípula íntima na carne” (certamente a própria Hildegard) acerca da entrada de Jutta no céu. Mews acrescenta que o biógrafo é, muito possivelmente, Volmar, uma das poucas pessoas em quem ambas, Jutta e Hildegard, confiavam. Deve-se prestar atenção, segundo Mews, que na declaração de abertura de Scivias, em que descreve sua compreensão no ano de 1141 de que deveria anotar suas visões, Hildegard nunca reconhece qualquer dívida para com Jutta. Enquanto ela retifica esta omissão em textos autobiográficos posteriores, seu comentário de que ela estava sujeita a uma mulher nobre, “incansável em vigílias, jejum e outras boas obras”, talvez possa revelar uma certa reserva em relação à mulher em cuja sombra ela viveu quase metade de sua vida. O autor assevera que, por contraste, Hildegard elogia Volmar extensamente na introdução de Scivias como “um homem fiel, que trabalha tal como ela mesma, em uma outra parte da Obra que se direciona a Deus”, notando-se o papel especial que Volmar exerceu em incentivá-la a ceder 120 FLANAGAN, 1998, p.3. MEWS, Constant. Religious Thinker. “A Frail Human Being” on Fiery Life. In: Voice of the Living Light – Hildegard of Bingen and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1998, p. 54-55. 121 55 ao comando interior para “dizer e escrever o que você vê e ouve”. De repente, ela diz que entendeu o significado verdadeiro das Escrituras. Em lembranças posteriores a este momento, a mesma acrescentou que também alcançou o significado verdadeiro dos escritos dos santos e de certos filósofos. Ao comentar o desenvolvimento do pensamento de Hildegard quando da escrita de seu segundo livro (Liber vitae meritorum - O livro das recompensas da vida), Mews (1998, p. 65) cita a possível influência de Jutta, em um sentido, por assim dizer, “contrário” 122. Para ele, o tema de tensão psicológica entre carne e espírito é um assunto tradicional da literatura ascética. Menos convencional é o modo como Hildegard integra esta compreensão psicológica (um tema importante do Livro das Recompensas da Vida) em sua percepção mais abrangente de ambas as vocações da alma: a física e a espiritual. Assim, ela argumenta que a alma possui dois poderes, os quais equilibram sua atividade: uma capacidade para se erguer através dos sentidos em direção a Deus e outra para deleitar-se no corpo “porque é criado por Deus” (I.4.19). O autor acrescenta que a ênfase de Hildegard, neste texto, é a interação entre carne e alma, explorada de forma muito mais completa do que em Scivias, e sugere que Hildegard percorreu um caminho longo a partir de um ascetismo rigoroso que Jutta demonstrara, o qual, por fim, causou sua morte precoce. Kerby-Fulton123 (1998, p. 70-90), por sua vez, vincula Hildegard ao “movimento” teológico conhecido como “der deutsche Symbolismus” (o simbolismo alemão), o qual efetua uma fusão simbólica de textos testamentários (novo e antigo testamentos) e a realidade contemporânea do século doze. Esta tendência em direção a uma fusão simbólica dos textos testamentários com os tempos contemporâneos é típico de uma escola teológica monástica do décimo-segundo século conhecida entre os estudiosos modernos como Simbolismo Alemão (‘der Deutsche Symbolismus’), cujos teólogos mais conhecidos, após a própria Hildegard, são Rupert de Deutz, Gerhoh de 122 MEWS, 1998, p. 65. KERBY-FULTON, 1998, p. 70-90. [N.A.: referências foram omitidas] “This tendency toward symbolic conflation across the Testaments and into contemporary times is typical of a school of twelfth-century monastic theology known to modern scholars as German Symbolism (‘der deutsche Symbolismus’), among whose theologians the best known, after Hildegard herself, are Rupert of Deutz, Gerhoh of Reichersberg, Anselm of Havelberg, and Otto of Freising”. (…) “Symbolist writing takes on a multitude of genres (ranging from the biblical commentaries of Rupert and Gerhoh, to liturgical drama such as The Play of Antichrist, to the Weltchronik, or world history, of Otto, to the visionary and dramatic writing of Hildegard), but poetic impetus always characterizes Symbolist work and is fundamental to the methodology of all these thinkers”. 123 56 Reichersberg, Anselm de Havelberg e Otto de Freising. (...) A escrita simbolista utiliza uma variedade de gêneros (variando de comentários bíblicos de Rupert e Gerhoh, para o drama litúrgico tal como The Play of Antichrist, até a Weltchronik, ou história do mundo, de Otto, até os escritos visionários e dramáticos de Hildegard), porém um ímpeto poético sempre caracteriza a obra simbolista e é fundamental para a metodologia de todos esses pensadores. [N.A.: referências foram omitidas visando uma fluidez maior para o texto citado] No que concerne a sua epistolografia, as cartas produzidas e também recebidas por Hildegard foram reunidas em uma coletânea. O primeiro e o terceiro (e último) volumes foram traduzidos por Joseph L. Baird e Radd K. Ehrman e editados pela Oxford University Press, em 1994 e 2004, respectivamente. Os tradutores dividem sua epistolografia de acordo com os seguintes critérios: local de produção, período e entidades ou autoridades para as quais as cartas foram remetidas ou recebidas. Há de se diferençar a forma de um escrito visionário, explanatório e profético de um texto epistolar, porém os seguintes elementos encontram-se de modo inequívoco em seus textos: o caráter autoritário (no sentido de possuidor de autoridade, não passível de intimidação ou recuo em seu posicionamento), a linguagem alegórica, a utilização de argumentação alicerçada em texto canônico e a admoestação final, como forma de asseverar o anteriormente dito. O conhecimento das Escrituras atravessa seus escritos, sermões e visões e está subjacente ao seu pensar. Por exemplo, em resposta a uma carta do abade Helengerus, escrita aproximadamente em 1170 (Carta 77r – Vol. I), Hildegard profere o que seria mais apropriadamente denominado um sermão didático, quando discorre sobre as Escrituras de modo admoestatório. A perspectiva de algo terrível a suceder no futuro é mencionada124 nesta missiva, confirmando suas preocupações de que seus interlocutores estivessem bem 124 BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol. I. Translated by Joseph L. Baird e Radd K. Ehrman. New York: Oxford University Press, 1994, p.171; 215. “…But the time of great strain and destruction has not yet arrived, that time of immense pressure which squeezes the juice from the grape in the winepress [note on p. 215: Attamen tempus pressure et destructionis, uidelicet ponderis illius quo uua in torculari premitur]”. “...Mas o tempo de grande tensão e destruição ainda não chegou, aquele tempo de imensa pressão que espreme o suco da uva na prensa”. [cf. nota à pág. 215: Attamen tempus pressure et destructionis, uidelicet ponderis illius quo uua in torculari premitur]”. 57 conscientes de uma prestação de contas futuras para com a Divindade. O exemplo acima citado pode ser mais bem compreendido quando nos remetemos à figura alegórica do lagar e do pisar/prensar as uvas ao texto canônico de Apocalipse 14: 1920125. Este juízo infligido por Deus e seus instrumentos (“uvas amassadas”) enfatiza a presença do símbolo vinícola que remete à pessoa de Cristo como Senhor, tanto do “lagar” = “mundo” (cosmos), quanto da Igreja (“vinha”). No que diz respeito a sua produção musical, com vistas aos serviços religiosos prestados pelas freiras, Hildegard considerava de importância vital a prática do canto em suas atividades diárias, objetivando a formação de suas discípulas, conforme Margot Fassler126 (1998, p. 149-175). Fassler afirma que uma das mais famosas cartas de Hildegard von Bingen lamenta a injustiça de um interdito imposto à comunidade de Rupertsberg devido ao sepultamento, em solo monasterial, de um homem excomungado formalmente. Em uma carta subsequente, Hildegard alegou que o silenciar de suas canções – a elas foi permitido continuar lendo o Serviço – ameaçou não somente a estabilidade e o propósito das vidas das freiras, mas também as almas do arcebispo e seus prelados, por causa de suas ações injustas. Segundo a autora, o incidente oferece prova cabal da importância central que o canto tinha para as comunidades monásticas na Idade Média e em particular para as freiras de Rupertsberg. Para Fassler a ênfase que Hildegard conferiu ao ato de cantar dentro da comunidade monástica a fez única na história da música ocidental. Nenhum outro compositor do século doze deixou um corpus tão grande, variado e seguramente atribuível de composições como Hildegard von Bingen. Ela é simplesmente a compositora mais prolífica de cantos monofônicos que chegou até nós, não somente do século doze, mas de toda a Idade Média. Segundo a autora, mesmo em relação aos seus rivais, homens tais como Nokter de Saint Gall no nono século ou Adam de Saint Victor e sua escola do décimo-segundo, existem problemas, ou com atribuição específica ou com a recuperação de textos e música. Em seu texto (1998, p. 150), Margot afirma que suas músicas sagradas se enquadram em duas grandes categorias, ambas designadas por suas próprias mãos: A Symphonia armonie celestium revelationum (Sinfonia da Harmonia das Revelações Celestiais), seu 125 Bíblia de Jerusalém, p. 2157. “O Anjo lançou então a foice afiada na terra e vindimou a videira da terra, lançando-a depois no grande lagar do furor de Deus. O lagar foi pisado fora da cidade e dele saiu sangue até chegar aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios”. 126 FASSLER, Margot. Composer and Dramatist. “Melodious Singing and the Freshness of Remorse”. In: Voice of the Living Light – Hildegard of Bingen and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1998, p. 149-175. 58 ciclo de todas as peças litúrgicas existentes que ela escreveu (exceto sua peça); e os textos e música que compõem a peça em si mesmo, a Ordo virtutum (A Ordem das Virtudes). Mesmo nas fontes mais antigas existentes, Hildegard separa suas canções litúrgicas de sua peça; contudo, as canções e a peça, embora separadas, estão inter-relacionadas e funcionam juntas dentro de uma moldura hildegardiana de propósitos educacionais e teológicos. Para Fassler (1998, p. 154-155), o contexto litúrgico das composições de Hildegard vai além da explicação de um paradoxo frequentemente observado em sua música. Seu estilo algumas vezes tem sido visto por estudiosos modernos como antigo: por que, eles indagam, Hildegard, uma força criativa em muitas maneiras, não escrevia sequências rítmicas no estilo novo popularizado por Adam de Saint Victor em Paris (morto c. 1146)? Portanto, como uma freira beneditina, não se poderia esperar que a abadessa conhecesse bem ou tivesse grande interesse por sequências rítmicas em voga, divulgadas durante sua vida pelos agostinianos, tendo as mesmas aparecido aparentemente pela primeira vez nos cânones de Saint Victor em Paris. A autora acrescenta que, mais ainda, não existiam quaisquer grandes repertórios de sequências deste estilo mais recente (“rítmico”) em qualquer liturgia beneditina conhecida a partir dos primeiros três quartos do décimo-segundo século, o tempo em que Hildegard viveu. Sem dúvida, Fassler (1998, p. 155) assevera que a música de Hildegard foi parte de um elaborado programa de educação que ela designou para as freiras de sua comunidade e que surge a partir de uma compreensão beneditina da vida religiosa. Deve-se ter em mente que a ideia mais importante, quando se ouve as canções de Hildegard, é o conceito de ruminar, o ‘mastigar’ o texto, o qual era um processo central para o aprendizado monástico e dentro da liturgia. Ainda conforme Fassler (1998, p. 162), tem-se que quase todas as canções de Hildegard, certamente todas as canções de Scivias, estão conectadas com a entonação de um texto para meditação, ou um salmo ou alguma outra leitura das Escrituras ou dos pais da igreja. Além disso, todas as canções tem como seus próprios textos a poesia altamente imagística de Hildegard. Portanto, a música provê a oportunidade para pensar, tanto sobre os textos entoados quanto acerca das palavras da própria canção. A música é um veículo para o texto, oferecendo tempo para conectar uma palavra ou frase a outra e construir um estoque de imagens interrelacionadas na mente. Este tipo de canto e audição é ideal para o estilo de poesia latina que Hildegard escreveu. Fassler (1998, p. 175) conclui, declarando que tentou mostrar a interconectividade de Scivias, as quatorze canções que esta possui e a peça teatral. Ela acredita que Hildegard 59 planejou todas as três juntas para apoiar um programa educacional particular para suas freiras. Segundo ela, se este raciocínio está correto, o programa de Hildegard é o único que sobrevive da Idade Média em toda a sua inteireza, com os textos, a música e a explanação dos significados intactos, tudo organizado pelas próprias mãos de sua criadora. Além disso, Scahill127 (2011, p. 65) conclui sua tese com assertivas interessantes acerca do modus operandi no que diz respeito à atividade de compor e propagar suas criações musicais. Sua identidade como um instrumento literal, então, sugere que ela não pensava em si mesma como uma compositora, como seus ouvintes modernos fazem. Ao invés disso, ela proclamava um papel não oficial, não subjetivo em sua criação musical. O que é irônico a partir de uma perspectiva remota e histórica, então, é que foi esta abnegação de autoridade composicional que permitiu a Hildegard criar qualquer música. Por creditar qualquer potencial artístico individual a Deus, Hildegard não rompeu os limites estreitos sobre a expressão das mulheres. Ao contrário, sua sociedade a aceitava como uma visionária, abençoada com um dom profético pelo qual ela não era responsável. Seus escritos de ordem médica e científicos possuem uma característica especial, qual seja a de que não foram apresentados em forma visionária ou atribuídos a quaisquer dons de revelação128. Flanagan (1998, p. 78) discorre sobre eles e declara serem a Physica e Causae et curae distintas também das outras obras de Hildegard por não terem sido redigidas em uma forma visionária ou conterem qualquer referência a uma fonte divina para os seus conteúdos. Em nenhum lugar ela atribui seu conhecimento desses assuntos a qualquer tipo de revelação. Segundo a autora (1998, p. 79 e 89), a Physica consiste de nove livros ou seções, a primeira e mais robusta é uma coleção de mais de 200 pequenos capítulos sobre plantas. Em seguida seguem-se livros devotados aos elementos (terra, água e ar, mas não fogo), árvores, 127 SCAHILL, Katherine Theresa. Hildegard of Bingen: Prophet or Composer? Middletown, Connecticut: Wesleyan University, 2011. (tese), p. 65 – [N.A.: notas foram omitidas] “Her identity as a literal instrument, then, suggests that she did not think of herself as a composer, as do her modern listeners. Rather, she proclaimed a non-authoritative, non-subjective role in her music making. What is ironic from a removed, historical perspective, then, is that it was this very abnegation of compositional authority that allowed Hildegard to create music at all. By crediting any potentially individual artistry to God, Hildegard did not breach the strict limits on women’s expression. Rather, her society accepted her as a seer, blessed with a prophetic gift for which she was not responsable”. 128 FLANAGAN, 1998, p. 78-79, 89-90, 101. 60 gemas e pedras preciosas, peixes, pássaros, animais, répteis e metais. Existe um viés definido nas descrições de todos os assuntos sob investigação, no que concerne às suas aplicações médicas. Os subtítulos das duas obras (O livro da medicina simples e o Livro da medicina composta) sugerem que a Physica deveria descrever os ingredientes simples ou únicos que são usados para preparação de prescrições complexas de Causae et curae. Flanagan (1998, p. 90) acrescenta que o Causae et curae, por outro lado, enquanto ainda extremamente compreensível, especialmente em seu catálogo de doenças e curas, dá mais espaço a teoria médica e fisiológica. A primeira seção do livro é assim devotada a uma descrição do homem e seu relacionamento com o cosmo e o mundo das coisas criadas. Causae et curae consiste de cinco seções, as quais, como aquelas de Physica, são de tamanhos muito diferentes. A primeira começa com a criação do mundo e inclui tanto a cosmologia quanto a cosmografia. A segunda seção estabelece o homem dentro de seu contexto, e após a exposição de uma versão da teoria dos humores, Hildegard introduz uma série de doenças e enfermidades às quais os seres humanos estão sujeitos. Segundo a autora, as duas seções seguintes apresentam remédios ou curas para as condições previamente descritas ou listadas. A quinta e última seção é uma mistura, contendo capítulos sobre questões médicas em geral, tais como os sinais de vida e morte, uroscopia, banhos quentes, frutos silvestres e uma lista longa de prognósticos astrológicos (lunaria) de acordo com o estado da lua na hora da concepção. Nesta seção uma predição é dada para cada dia do mês. A autora afirma (1998, p. 101) que a atenção particular dada às mulheres e à dimensão sexual da vida também coloca a obra de Hildegard à parte de outros escritos medievais com os quais esta poderia ser comparada. Finalmente, Hildegard parece ter usado muito de seu escrito científico como matéria prima, que reaparece mais tarde, frequentemente mesmo em formas diferentes, em seus escritos teológicos, especialmente no Liber divinorum operum. Charles Burnett (1998, p. 120) tece considerações acerca de seus conhecimentos cosmológicos e astrológicos e tenta estabelecer um contexto mais próximo de possíveis influências que podem ter chegado até Hildegard durante a sua vida, que seria uma pequena coleção de textos reunidos em um manuscrito germânico, contendo obras do Pseudo-Beda, Helperic e Pseudo-Galeno129. 129 BURNETT, Charles. Hildegard of Bingen and the Science of the Stars. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: The Warburg Institute, 1998, p. 111-120. 61 Mechthild von Magdeburg tem seu nome vinculado ao desenvolvimento da literatura medieval germanófona130, em especial aquela produzida por religiosas do século treze, por escrever em língua vernácula (médio-alto-alemão). Mechthild von Magdeburg (†1282/1294), zunächst Begine und am Ende ihres langen Lebens Zisterzienserin im thüringischen Helfta, schuf mit ihrem Werk ‹Das flieβende Licht der Gottheit› „das älteste und niveauvollste Visionsbuch deutscher Sprache. Mechthild von Magdeburg (†1282/1294), no início beguina e no fim de sua vida longa cisterciense no convento turíngio de Helfta, produziu com sua obra “A luz fluente da Divindade” “o livro de visões mais antigo e de mais alto nível da língua alemã”. Ray131 (2011, p. 165) acrescenta que como parte da primeira onda de escritores devocionais, imaginativos e vernaculares da Europa, Mechthild tem sido vista como uma ligação entre Hildegard, que escreveu em latim, e Mestre Eckhart, o místico dominicano alemão do décimo-quarto século, que escreveu tanto em latim quanto em alemão. Para a autora, Mechthild combina o tipo de interpretações da doutrina da Igreja de Hildegard, altamente visuais e originais, com o caminho místico do conhecimento de Deus do místico Eckhart e o uso do vernáculo. Ela afirma que, como Emilie Zum Brunn observou, Mechthild também conecta o “período medieval sacro, feudal” e suas estruturas hierárquicas às expressões corteses e individualistas posteriores, nas quais sentimento, vontade, liberdade, piedade e experiência foram mais importantes do que linhas de autoridade tradicionais. Segundo Ray (2011, p. 164), Mechthild enfrentou algum tipo de constrangimento ou perseguição por conta de seus escritos132, fazendo referência aos seus inimigos em seu livro e “Without suggesting that Hildegard was any the less original in her cosmological thought than in other aspects of her works, I hope I have shown that the Pseudo-Bede, Helperic and the Pseudo-Galen at least provide a context for this thought”. p. 120 “Sem sugerir que Hildegard não foi menos original em seu pensamento cosmológico que em outros aspectos de suas obras, espero que eu tenha mostrado que o Pseudo-Beda, Helperic e o Pseudo-Galeno pelo menos proporcionam um contexto para esse pensamento”. p. 120 130 ANGENENDT, Arnold. Geschichte der Religiosität im Mittelalter. 4. Auflage. Darmstadt: WBG, 2009, p. 65. www.primusverlag.de [N.A.: notas foram omitidas] 131 RAY, Donna E. “There is a threeness about you”: Trinitarian images of God, self, and community among medieval women visionaries. Albuquerque, New Mexico: The University of New Mexico, 2011, p. 165. Dissertation submitted in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy, History. www.repository.unm.edu/bitstream/handle/1928/.../Dissertation%20Final.pdf?..., acesso em 19/8/2012. 132 RAY, 2011, p. 164. 62 à perseguição deles contra ela: “Eu fui alertada”, ela diz, “contra escrever este livro. As pessoas disseram: se alguém não prestar atenção, poderá ser queimado” (Livro 2, capítulo 26). A autora assevera que Mechthild nunca especifica as razões para a animosidade a ela direcionada, porém sua linguagem francamente sensual e emocional acerca de Deus era, sem dúvida, escandalosa para muitos, bem como suas críticas ao clero. Ray (2011, p. 172-173) ainda acrescenta que Mechthild foi influenciada por fontes tradicionais da Igreja133, e derivou muito de seu pensamento também das Escrituras, mas esta influência é difusa em seus escritos e difícil de documentar. Segundo a autora, citando Bynum: ...até este ponto o que nós podemos dizer acerca das influências traçáveis na literatura que sobreviveu, as freiras (em Helfta, incluindo Mechthild von Magdeburg) parecem ter lido os grandes escritores espirituais do passado, especialmente Agostinho, Gregório Magno, Bernardo e Hugo de S.Victor. (apud RAY, 2011, p. 172-173) Ainda, conforme menciona a autora (2011, p. 173), Lucy Menzies vê a influência de Ricardo de S.Vitor e Joaquim de Fiore no livro de Mechthild e estudiosos alemães, como por exemplo Kurt Ruh e Alois Haas, argumentaram que A Luz Fluente deve ser compreendida como uma confissão redigida em uma tradição agostiniana. Mechthild deve sua formação intelectual, de acordo com Frank Tobin, às instruções recebidas e também à liturgia134: “Porque ela conhecia pouco ou nenhum latim, Mechthild adquiriu seu conhecimento de teologia e tradições espirituais de segunda mão através de instrução e da liturgia”. Amy Hollywood135 (2005, p. 363-386), ao discorrer sobre os estudos femininos no que diz respeito à espiritualidade, faz menção à expressão “misticismo nupcial”, tendo sido Mechthild uma das suas representantes. A autora afirma que como vários estudiosos recentes 133 RAY, 2011, p. 172 - 173. [N.A.: notas foram omitidas] TOBIN, Frank. Mechthild von Magdeburg (ca 1207-ca. 1282). In: Key figures in medieval Europe – an Encyclopedia. Richard K. Emmerson, Editor. New York, London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2006, p. 463-464. “Because she knew little or no Latin, Mechthild acquired her knowledge of theology and spiritual traditions secondhand through instruction and the liturgy”. 135 HOLLYWOOD, Amy. Feminist Studies. In: The Blackwell Companion to Christian Spirituality. Malden, MA, USA; Oxford, UK; Carlton, Victoria, Australia: Blackwell Publishing Ltd, 2005, p. 363-386. 134 63 demonstram136, homens e mulheres medievais usaram explicitamente a linguagem erótica para discutir seus relacionamentos com Cristo, e eles o fizeram de modo que desafiaram frequentemente a heterossexualidade prescritiva da cultura na qual eles viveram. Ainda, segundo a autora, entre as beguinas do norte da Europa, por exemplo, discutivelmente mais bem conhecidas pelo seu assim chamado misticismo nupcial, encontram-se relatos de amor insano e desejo infindável, no qual o gênero se torna, assim, tão radicalmente fluido que não é claro que tipo de sexualidade – dentro da dicotomia heterossexual/homossexual mais prontamente disponível para os leitores modernos – está sendo metaforicamente empregado para evocar o relacionamento entre o humano e o divino. Hollywood (2005, p. 373-374) assevera que embora as três místicas beguinas Hadewijch, Mechthild von Magdeburg e Marguerite Porete foquem no relacionamento erótico entre a alma e Deus, legitimado em parte por leituras cristãs medievais e mais antigas do Cântico dos Cânticos, o “misticismo nupcial” não pode encapsular a grande série de posições de gênero ocupadas pelo fiel e Deus dentro de seus textos. Outro aspecto a ser enfatizado é sua posição de proeminência no que concerne ao culto do Sagrado Coração137. Segundo Howard (1984, p. 156), ela é considerada como sendo uma das primeiras expoentes da devoção do Sagrado Coração, pois acreditava que este lhe teria sido revelado em várias visões. Ele acrescenta em nota que embora a devoção ao Sagrado Coração tenha sido praticado oficialmente somente a partir do século dezoito, suas raízes, porém, certamente alcançam a Idade Média. Parece ter se desenvolvido a partir do culto da Ferida no Lado e é visto em forma ricamente desenvolvida nas obras de Santa Gertrude. Mechthild von Magdeburg, contudo, possui a distinção de ter sido a primeira mística em qualquer lugar da cristandade a ter tido uma visão real do Sagrado Coração a ela direcionado (L. 6, .24). Ainda, de acordo com John Howard (1984, p. 159), Mechthild valida sua relevante importância dentro do misticismo católico por ter realizado duas ações originais, quais sejam, a de ser a primeira mística a escrever em língua vernácula e também por ter sido a primeira a registrar uma visão pessoal do Sagrado Coração138. 136 Holsinger 1993; Lavezzo 1996; Lochrie 1997; Dinshaw 1999; Moore 2000; Epps 2001; Wiethaus 2003 (apud HOLLYWOOD, 2005, p. 373-374). 137 HOWARD, 1984, p.156 e nota à página 161. 138 HOWARD, 1984, p.159 e nota às páginas 162-163. “She has earned an eminent and well-deserved place in the history of Catholic mysticism – no one has ever disputed this. But aside from her position in the general panorama, Mechthild must be credited with two very specific original accomplishments. [N.: No less a scholar than Emil Michael wrote of Mechthild: ‘Mechthild of Hackeborn and Gertrude are more refined and more mature, but Mechthild of Magdeburg is without a doubt… 64 Ela adquiriu um lugar eminente e bem merecido na história do misticismo católico – ninguém nunca questionou isto. Mas, além de sua posição no panorama geral, devem ser creditadas a Mechthild duas realizações originais muito específicas. [N.: Não menos que um estudioso como Emil Michael escreveu sobre Mechthild: ‘Mechthild von Hackeborn e Gertrude são mais refinadas e maduras, mas Mechthild von Magdeburg é sem dúvida... a personalidade mais original na história do misticismo alemão no século treze’. Cf. Geschichte des deutschen Volkes, vol. 3, p. 198 (a tradução é minha).] Ela foi a primeira mística a escrever em sua língua nativa vernacular ao invés do latim, e ela foi a primeira na história do misticismo cristão a registrar uma visão pessoal do Sagrado Coração, um culto que floresceu precisamente em Helfta sob Gertrude a Grande e Mechthild von Hackeborn. Contudo, apenas estas realizações não bastam para lhe assegurar a alta consideração que lhe é devida, não fosse o frescor, a originalidade e quase uma ingenuidade infantil de seu estilo. Mechthild é simplesmente interessante de se ler. the most original personality in the history of German mysticism in the thirteenth century’. See Geschichte des deutschen Volkes, vol. 3, p. 198 (the translation is mine).] She was the first mystic to write in her native vernacular rather than in Latin, and she was the first in the history of Christian mysticism to record a personal vision of the Sacred Heart, a cult which was to come to full flower precisely at Helfta under Gertrude the Great and Mechthild of Hackeborn. Yet these accomplishes alone would not suffice to secure for her the high regard in which she is held were it not for the freshness, the originality, and the almost childlike naïveté of her style. Mechthild is quite simply interesting to read”. 65 IV. O FIM – VISÕES DE UM TEMPO DE ANGÚSTIA E TAMBÉM DE PAZ A visão onze do livro terceiro de Scivias139inicia-se de forma contundente e, ao mesmo tempo, reconhecível, uma vez que a presença de animais em suas visões, personificando poderes seculares, encontra respaldo no texto canônico do profeta Daniel, capítulo 7 [em que o animal “leão com asas de águia” é comumente associado ao Império Babilônico ou ao próprio Nabucodonosor, pelos estudiosos da profecia bíblica], e vem corroborar e validar a autoridade mandatória de suas palavras. “E escutei uma voz do céu...”. No que diz respeito à simbologia medieval, Pastoureau (2007, p. 15-17) apresenta alguns conceitos140 que podem ajudar-nos na compreensão da utilização de figuras animalescas, cores associadas, etc. em textos e imagens medievais. CITAÇÃO TRADUÇÃO “Ma, in ogni costruzione simbolica “Mas em cada CONCEITO construção medievale, l’insieme delle relazioni simbólica medieval, o conjunto Conjunto de elementos = che i differenti elementi annodano das relações que os diferentes maior enriquecimento do tra di loro è sempre più ricco di elementos constroem entre eles é significado versus significato elemento isolado della somma dei sempre mais rico de significado significati isolati che ciascuno di do que a soma dos significados quegli elementi possiede. In un isolados que cada um daqueles testo, in una immagine, su un elementos possui. Em um texto, monumento, il simbolismo del em uma imagem, sobre um leone, ad esempio, è sempre più monumento, o simbolismo do ricco e più facile da comprendere leão, por exemplo, é sempre mais quando è associato o paragonato a rico e mais fácil de compreender quello dell’aquila, del drago o del quando leopardo che non quando considerato isolatamente”. (...) “Se prendiamo l’esempio é associado ou è comparado àquele da águia, do dragão ou do leopardo, do que dei quando é considerado Cores podem apresentar significados até contrastantes colori, possiamo così affermare che isoladamente”. (...) il rosso non è tanto il colore che “Se tomamos o exemplo das significa la passione o il peccato cores, 139 140 podemos até mesmo Vide Anexos (2) PASTOUREAU, Michel. Medievo simbolico. Roma-Bari: Laterza & Figli Spa, 2007, p.15, 16-17. 66 quanto il colore che interviene afirmar que o vermelho não é violentemente (nel bene o nel tanto a cor que significa a paixão male); il verde, il colore che è ou o pecado, quanto é a cor que causa di rottura, di disordine e poi intervém violentamente (para o di rinnovamento; il blu, quello che bem ou para o mal); o verde, a calma o stabilizza; il giallo, quello cor que é a causa do rompimento, che eccita o trasgredisce”. da desordem e depois da renovação; o azul, aquela que acalma ou estabiliza; o amarelo, aquela que excita ou transgride”. “I grandi assi del simbolismo “Os grandes eixos do simbolismo Simbolismo medieval = medievale, quali si vengono medieval, os organizzando nel corso dei primi organizando cinque o sei secoli quais no se vêm resultado de sistema de curso dos valores anteriores del primeiros cinco ou seis séculos do cristianesimo, non sono costruzioni cristianismo, não são construções ex nihilo frutto dell’immaginazione ex nihilo fruto da imaginação de di alcuni teologi. Sono al contrario alguns teólogos. São, ao il risultato della fusione di parecchi contrário, o resultado da fusão de Influência do texto sistemi di valori e di modi di vários sistemas de valores e de canônico sensibilità anteriori. In questi modos de campi, il Medievo occidentale ha anteriores. beneficiato di una triplice eredità: medievo sensibilidade Nestas áreas, o ocidental tem se quella della Bibbia, forse la più beneficiado de uma herança importante, quella della cultura tríplice: aquela da Bíblia, talvez a greco-romana, e quella dei mondi mais importante, aquela da ‘barbari’, vale a dire celtico, cultura greco-romana, e aquela Sobreposição de germanico, scandinavo e persino dos mundos ‘bárbaros’, vale citar significados più lontani. Aggiungendovi, nel o céltico, germânico, escandinavo corso di un millennio di storia, le e proprie stratificazioni. simbolismo niente medievale, si elimina mesmo mais distantes. Nel Adicionando-se, no curso de um infatti, milênio de estória, as próprias mai estratificações. No simbolismo completamente; al contrario, tutto medieval, de fato, nada se elimina si sovrappone in una moltitudine di completamente; pelo contrário, strati che si compenetrano nel tudo se sobrepõe em uma corso dei secoli e che lo storico ha multidão de estratos que se 67 difficoltà a districare. Ciò che lo entranham no curso dos séculos conduce talvolta – a torto – a eque credere nell’esistenza di o historiador un dificuldade em tem desembaraçar. simbolismo interculturale, fondato Isto é que o conduz algumas vezes Inexistência de um su archetipi e dipendente da verità – erroneamente – a crer na simbolismo intercultural, universali. Un tale simbolismo non existência de esiste. Nel mondo dei simboli tutto intercultural, è culturale e va studiato in rapporto arquétipos alla società che ne fa uso, in un verdade um simbolismo fundado e sobre dependente universal. Um dependente da verdade universal da tal dato momento della sua storia e in simbolismo não existe. No mundo un contesto preciso”. (...) dos símbolos, tudo é cultural e “Nel mondo dei simboli, suggerire deve ser estudado em relação à è spesso più importante che dire, sociedade que dele faz uso, em um sentire più importante comprendere, che dado momento de sua estória e più em um contexto preciso”. (...) evocare importante che dimostrare. Ecco il “No mundo dos símbolos, sugerir motivo per cui l’analisi che é frequentemente mais importante Numerologia medieval está associada tanto à facciamo oggi dei simboli medievali que dizer, sentir mais importante quantidade, como à è spesso anacronistica: è troppo que compreender, evocar mais qualidade do objeto meccanica, troppo razionale. I importante que demonstrar. Eis o descrito numeri ne costituiscono il migliore motivo pelo qual a análise que esempio. Nel Medievo, essi fazemos hoje esprimono tanto delle qualità che medievais é dos símbolos frequentemente delle quantità e non sempre devono anacrônica: é muito mecânica, essere interpretati in termini muito racional. Os números aritmetici o contabili, ma piuttosto constituem o melhor exemplo. No in termini simbolici. (...) Dodici non medievo, esses exprimem tanto a rappresenta soltanto una dozzina di qualidade como a quantidade e unità ma anche l’idea di una nem sempre totalità, di un insieme completo e interpretados devem em ser termos perfetto; da ciò discende che undici aritméticos ou contábeis, mas, em è insufficiente e tredici eccessivo, vez disso, em termos simbólicos. incompleto e funesto” (...) Doze não representa portanto uma dúzia de unidades, mas antes a ideia de uma totalidade, de um conjunto completo e perfeito; 68 disto descende que onze é insuficiente e treze excessivo, incompleto e funesto” A citação de figuras simbólicas de animais em textos apocalípticos encontra respaldo em textos canônicos, sendo objeto de exegeses e de estudos de simbologia, uma vez que sofre variação temporal e de região. Woensel141 (2001, p. 40), por exemplo, cita como uma das fontes precursoras dos bestiários medievais (a outra seria autores clássicos) os livros canônicos de Jó, Salmos, Daniel e do Apocalipse. Segundo o autor, encontram-se na Bíblia vários detalhes e atributos provenientes de tradições assírias e babilônicas, tais como os seres alados ou providos de muitos olhos (significam agudez de percepção e ciência), cabeças e chifres (significam poder) ou ainda os querubins e os serafins (Nm 21,6; Ex 25,18; Ez 1,10, apud WOENSEL, 2001, p. 40). Segundo Woensel (2001, p. 40), por exemplo, as asas – símbolo de rapidez e onipresença – atribuídas a criaturas angélicas, mamíferos, répteis e outros animais, desde Pégaso e a Esfinge até o boi voador da literatura popular nordestina, provavelmente têm sua remota origem naquela tradição oriental antiga. Assevera, ainda, que os autores dos Salmos e o do Livro de Jó descrevem uma série de animais, quase todos reais, conforme os conhecimentos da época, mas são movidos pela mesma preocupação: destacar a sabedoria e o poder de Deus e inspirar o “temor do Senhor”, medo de e respeito a Deus. Será análoga a motivação dos autores dos bestiários medievais, mas é de estranhar que os clérigos medievais atribuíssem à sua fauna grande quantidade de qualidades e de hábitos fantásticos que contrastam com a sobriedade e objetividade que encontramos nos dois últimos livros citados. Segundo Woensel (2001, p. 40), em contrapartida, a literatura apocalíptica, com sua linguagem críptica e imagens alucinantes, deve ter contribuído para o surgimento e a proliferação de animais fabulosos e a atribuição de qualidades estonteantes a outros no imaginário medieval. A linguagem alegórica e o simbolismo críptico desses livros sagrados certamente motivaram e inspiraram a imaginação dos clérigos autores dos bestiários. Jean Flori142 (2010, p. 38), ao citar Hipólito e seu comentário ao livro de Daniel, faz 141 WOENSEL, Maurice Van. Simbolismo animal medieval. João Pessoa: Universitária, 2001. p. 40. FLORI, 2010, p. 38. “Su questo punto nessun autore è piu preciso di un prete di Roma di nome Ippolito. Il suo Commento a Daniele, redatto verso il 204, è la più antica opera esegetica cristiana nota. Qui egli dimostra con grande chiarezza l’interpretazione storicizzante delle profezie che, fino a sant’Agostino, costituirà la dottrina classica della 142 69 importante menção aos animais e sua possível interpretação. A este ponto, nenhum autor é mais preciso do que um padre de Roma de nome Hipólito. O seu Comentário de Daniel, redigido em torno de 204, é a mais antiga obra cristã exegética notável. Aqui ele demonstra com grande clareza a interpretação historicizante da profecia que, até Santo Agostinho, constituirá a doutrina clássica da Igreja. Segundo ele, a estátua de Daniel anuncia a sucessão dos impérios babilônico, persa, grego e por fim romano. Os três primeiros são já passados: o último ainda reina. (...) A visão das quatro bestas anuncia, para o autor, a mesma sucessão. A leoa representa o império de Babilônia. O urso é o império persa e as três costelas que tem na boca são os três povos que tem submissos: medos, assírios e babilônios. Depois vem a potência grega de Alexandre, o macedônio: o leopardo. Ele tem quatro asas e quatro cabeças, porque, após Alexandre, seu império foi dividido em quatro reinos (os de Seleuco, Demétrio, Ptolomeu e Filipe). Os gregos dominaram por trezentos anos, posteriormente foram derrotados pelos romanos. Roma é, portanto, a quarta besta, a mais terrível de todas. Mas este império se dividirá em dez reinos um pouco antes do Fim do Mundo. Este (em 204) não é iminente, dado que Roma domina, naquele momento, o universo. Marc Girard143 (2005, p. 623), por sua vez, empreende uma classificação dos tipos de animais presentes na Bíblia e seus atributos interpretativos, sendo dignos de nota os comentários em relação à figura do leão como símbolo em geral e como símbolo bíblico. Conforme o autor declara, se é verdade que na Bíblia o fermento, de certa forma, remete algumas vezes ao mistério do mal moral (símbolo ponerológico no sentido simplesmente estrito), existe uma grande variedade de simbolizantes, todos inspirados em figuras de animais, os quais vão muito mais longe no mesmo sentido. Com seu bestiário, a Escritura chega a evocar bastante correntemente não só o mistério do mal que corrompe o coração do Chiesa. Secondo lui, la statua di Daniele annuncia la successione degli imperi babilonese, persiano, greco e infine romano. I primi tre sono ormai passati: l’ultimo regna ancora. (...) La visione delle quatro bestie anuncia, per l’autore, la stessa successione. La leonessa rappresenta l’impero di Babilonia. L’orso è l’impero persiano e le tre costole che tiene in bocca sono i tre popoli che ha sottomesso: Medi, Assiri e Babilonesi. Dopo viene la potenza greca di Alessandro il Macedone: il leopardo. Egli ha quatro ali e quatro teste perché, dopo Alessandro, il suo impero fu diviso in quatro regni (quelli di Seleuco, Demetrio, Tolomeo e Filippo). I Greci dominarono per trecento anni, poi furono sconfitti dai Romani. Roma è quindi la quarta bestia, la più terribile di tutte. Ma questo impero si dividerà in dieci regni poco prima della Fine del mondo. Essa (nel 204) non è iminente, dato che Roma domina ancora l’universo”. 143 GIRARD, Marc. Os símbolos na Bíblia. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 623, 624, 625, 626. 70 homem ou entorpece sua existência, mas também o mistério das potências do mal, transcendentes e obscuras (símbolo ponerológico no sentido mais estrito). Para Girard, a ordem de apresentação das figuras abaixo implicou uma escolha pessoal e, destarte, o autor esboçou a seguinte classificação tipológica em quatro grupos: 1º os carnívoros e os carniceiros: leão, hiena, canídeos, aves de rapina; 2º os animais de chifres belicosos: touro, bode; 3º os animais repugnantes: porco, sapo; 4º os monstros pavorosos: serpente, dragões e animais assombrosos. Segundo Girard (2005, p. 624-625), o leão faz parte do bestiário tradicional do sol e do ponto de vista cósmico e religioso, as mitologias associam, às vezes, a leoa à grande deusa-mãe (o animal, acompanhando a deusa ou puxando seu carro, representa o instinto materno) ou a alguma outra divindade feminina, geralmente guerreira. Observa-se, enfim, que a alquimia faz do leão um emblema do diabo, portanto, das forças do mal. O autor (2005, p. 626) acrescenta que, para grande embaraço dos tradutores, o Antigo Testamento hebraico usa ao menos cinco termos para designar o leão. Isso já mostra algo da importância que essa figura animal teve no saber enciclopédico de Israel. Em todas as épocas, ela impressionou a imaginação dos autores, a julgar pelo número de metáforas e de comparações que suscitou. De acordo com Czarski (1999, p. 5), os tempos decaídos que esses animais representam findam tal qual o dia, que termina no ocidente:144 In the next scene of her vision, the five animals turned towards the West. This scene signified that the ‘fallen times’ (caduca tempora) symbolized by the animals ‘fell’ with the setting sun. Hildegard based the comparison between the times and the sun on an analogy with man: ‘ … since just as it rises and sets so also do men when one is born and another dies’. Hildegard thus compared the history of the world to the course of a day. … Thus, she maintained, in true Augustinian fashion, that the day which symbolized the history of the world was already moving towards its sunset at the time of the Incarnation. The advent of the Antichrist would be like the setting of the sun in the west, in other words, near the end of the world. [n.a.: foram omitidas as notas desta citação] 144 CZARSKI, Charles M. Kingdoms and Beasts: The Early Prophecies of Hildegard of Bingen. Journal of Millenial Studies, Volume I, Issue 2, Winter 1999. In: www.mille.org/publications/winter98/czarski.pdf, acesso em 6/2/2013, p. 5. 71 Na próxima cena de sua visão, os cinco animais viram-se para o ocidente. Esta cena significa que os ‘tempos decaídos’ (caduca tempora) simbolizados pelos animais ‘caíram’ com o sol poente. Hildegard baseou a comparação entre os tempos e o sol em uma analogia com o homem: ‘...desde que o sol se levanta e se põe, assim também os homens, quando um nasce e o outro morre’. Hildegard assim comparou a história do mundo ao decurso de um dia. ... Portanto, ela manteve, em um molde verdadeiramente agostiniano, que o dia que simbolizava a história do mundo já estava se movendo em direção ao seu poente, por ocasião do tempo da Encarnação. O advento do Anticristo seria como o por do sol no ocidente, em outras palavras, próximo ao fim do mundo. Ainda, de acordo com Czarski145 (1999, p. 4-5), as seguintes características podem ser atribuídas a estes “animais” – poderes/reinos: 145 CZARSKI, 1999, p. 4-5. 72 ANIMAL CARACTERÍSTICA SIMBOLISMO CACHORRO FOGOSO Homens acreditariam parecerem com o fogo, “… fiery dog” porém não queimam verdadeiramente na justiça divina. “canis igneus”* LEÃO AMARELO Homens de guerra que não observam a justiça de Deus em suas guerras - “… yellow lion” enfraquecimento146 “leo fulvi” CAVALO PÁLIDO Associado ao quarto selo do Apocalipse (Ap. 6:7-8) – homens “… a pale horse” negligenciariam as virtudes na busca “equus pallidus” por prazeres; a palidez do cavalo significaria a queda de seus reinos. PORCO PRETO Homens deste tempo afundariam na lama do pecado, cometendo fornicação “… a black pig” e pecados relacionados147 “niger porcus” LOBO “…a gray wolf” “lupus griseus” CINZA Homens vorazes. A cor cinza simboliza astúcia, engano, pois estes homens não desejariam aparecer como “brancos” ou “pretos”, isto é, dissimulariam astutamente quem eles realmente são148. 146 Cf. nota nº 21 (Czarski, 1991, p.4): “... leo fulvis coloris est: quoniam cursus ille bellicosos homines sustinebit, multa quidem bela moventes sed in eis rectitudinem Dei non inspicientes: quia in fulvo colore regna illa incipiente fatigationem debilitatis incurrere. Scivias, III, 11,3”. 147 Cf. nota nº 27 (Czarski, 1991, p.5): “In the LVM (147), the vice of injustice was symbolized by an animal with a body like a pig’s”. “Em LVM (Liber vitae meritorum) (147), o vício da injustiça foi simbolizado por um animal com um corpo como de um porco”. 148 De acordo com a nota nº 29 (Czarski, 1999, p.5), escritores medievais viam o lobo como símbolo do Anticristo, porque este animal era o inimigo do cordeiro, que simbolizava Cristo. 73 *Cf. página do manuscrito Riesencodex – vide à p. 56. Figura 2 - Riesencodex Riesencodex - 1175/1190 - página [254] – 124v149 149 http://dfgviewer.de/show/?set%5Bimage%5D=254&set%5Bzoom%5D=min&set%5Bdebug%5D=0&set%5Bdouble%5D =0&set%5Bmets%5D=http%3A%2F%2Fdokumentserver.hlb-wiesbaden.de%2FHS_2%2Fmets17.xml – Acesso em 19/2/2014. 74 Em comum, esses cinco animais/épocas/reinos personificariam as ações humanas vinculadas aos vícios, simbolizados pelas cordas que os prendem às suas respectivas montanhas, que por sua vez, representam a soberba e a altivez de reinos não submissos à justiça divina. Marta Cristiani acrescenta alguns detalhes150 no que diz respeito a estes animais ou épocas. “Estes dias, torpes na injustiça, no livro Scivias são simbolizados pelo cão de fogo que não queima [N.A. ver nota abaixo] e são seguidos de outros dias mais fortes, nos quais alguns homens observantes da retidão são capazes de abandonarem aquela falta de consideração e se convertem à justiça”. [N.: Cfr. Scivias III 11, p. 576 e 578. Começa aqui a profecia relativa às cinco idades do mundo, que se sucedem a partir da idade ‘feminina’ iniciada com o reino de Henrique IV, que dura até a época de Hildegard e que incluirá o período de tempo sucessivo até o advento do Anticristo. As cinco idades são simbolizadas pelos mesmos animais que em Scivias (III 11, p. 578-9) representando os cinco males dos últimos tempos: o cão indica a mordacidade do juízo não radicado na justiça divina; o leão a agressividade; o cavalo a lascívia; o porco negro a depressão; o lobo cinza a avidez fraudulenta. Nas cinco idades descritas no Liber divinorum operum se entremeiam, contudo, fases e elementos positivos e negativos.] A violência exacerbada que caracterizará os tempos finais é retomada em Liber divinorum operum simplicis hominis151, porém uma recompensa resta ainda para aqueles que se mantiverem fiéis aos ensinos recebidos. Esta instrumentalidade utilizada pela Divindade, qual seja, a permissão de que a humanidade sofra as consequências de suas próprias ações, 150 Liber divinorum operum simplicis hominis– Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XV (p.1055 e nota às páginas 1294-1295)–(Parte) “Questi giorni, torpidi nell’ingiustizia, nel libro Scivias sono simboleggiati dal cane di fuoco che non brucia,[N.A. ver nota abaixo em italiano] e sono seguiti da altri giorni più forti, in cui alcuni uomini osservanti della rettitudine riescono ad abbandonare quella sconsideratezza e si convertono alla giustizia”. [N.: Cfr. Scivias III 11, pp.576 e 578. Comincia qui la profezia relativa alle cinque età del mondo, che si susseguono a partire dall’età “femminea” iniziata con il regno di Enrico IV, che dura ancora all’epoca di Ildegarda e che includerà il lasso di tempo sucessivo fino all’avvento dell’Anticristo. Le cinque età sono simboleggiate dagli stessi animali che nello Scivias (III 11, pp. 578-9) raffigurano i cinque mali degli ultimi tempi: il cane indica la mordacità di giudizio non radicata nella giustizia divina; il leone l’aggressività; il cavalo la lascivia; il maiale nero la depressione; il lupo grigio l’avidità fraudolenta. Nelle cinque età descritte nel Liber divinorum operum si intrecciano invece fasi ed elementi positivi e negativi.] 151 Vide Anexos (2) 75 vem acarretar juízos, por vezes, inexplicáveis para a mente humana, mas que, para Hildegard, apenas deixa manifesta a autoridade divina, da qual ela é testemunha e profeta. ...così la crudeltà di alcuni uomini porrà fine ala pace di altri come se fosse l’esecutrice del giudizio divino, perchè sarà Dio a permettere ai suoi nemici di infliggere pene crudeli per purificare dal male, come ha sempre fato dall’inizio del mondo.(p. 1065) ...assim, a crueldade de alguns homens porá fim à paz de outros, como se fosse a executora do juízo divino, porque será Deus a permitir aos seus inimigos de infligirem penas cruéis para purificação do mal, como tem sempre feito desde o início do mundo.(p. 1065) De acordo com Elledge152 (2010, p. 44), o aspecto violento que caracteriza as visões de Hildegard153, em especial aquele descrito em Scivias, advém do contexto histórico de sua época, em que os constantes conflitos entre o Papado e o Império marcaram indelevelmente o seu discurso admoestatório. Segundo a autora, a visão da Igreja dando a luz ao Anticristo é única em Hildegard. Seu significado para a teologia apocalíptica é que a corrupção da Igreja, a forma mais verdadeira do mal, vem de dentro. A própria Igreja é corrupta, especialmente “no lugar que denota o feminino”, e assim como excremento cobriu a cabeça do Mal assim este saiu do corpo da Igreja. Muito embora esta imagem sugira que toda esperança está perdida e a recuperação da Igreja é agora impossível, Hildegard deixa espaço para a esperança e a antecipação da reforma: os sapatos da Ecclesia são brancos, o que indica um tempo de bondade e reforma espiritual. Ainda, conforme explicita, o nascimento do Anticristo é a imagem para a qual os estudiosos apontam ao descreverem Hildegard como “original”, “radical”, e “inovadora”. Esta é também a imagem que resume todas as queixas de Hildegard contra abuso clerical, corrupção secular, heresia, simonia e declínio espiritual. Elledge (2010, p. 44-45) acrescenta que esse aspecto violento não chega a negar definitivamente a esperança da abadessa em um futuro pacífico e de refrigério espiritual154. Para a autora, a visão de Hildegard acerca da Igreja atacada de dentro para fora foi uma provação sangrenta e violenta. Estas visões não são simplesmente uma exegese apocalíptica 152 ELLEDGE, Allison Jaines. Contextualizing Hildegard of Bingen’s Violent and Apocalyptic Imagery.The University of Tennessee, 2010, p.1-48. http://www.academia.edu/494645/Contextualizing-Hildegard-ofBingens-Violent-and-Apocalyptic-Imagery. Acesso em 25/10/2012. 153 ELLEDGE, 2010, p. 44. 154 ELLEDGE, 2010, p. 44-45. 76 baseadas em seu entendimento do Apocalipse ou da história da salvação. Estas visões originam-se do contexto de seu mundo. Conforme a autora, o ataque ao mundo espiritual pelos governantes imperiais, começando com Henrique IV e durante sua vida terminando com Frederico Barbaruiva, enfraqueceu a fortaleza da Igreja. Isto, por sua vez, levou a que os próprios membros da Igreja, desde o papa até àquelas almas que se tornaram hereges, dela abusem, ataquem-na e a ignorem. Esta foi a base para a linguagem violenta de Hildegard, suas críticas para ambos, o império e o papado. Ela foi capaz de ganhar autoridade, porque alegou que suas visões vinham da boca de Deus. Ela também alegou autoridade devido a sua habilidade em interpretar as Escrituras, denunciar o comportamento imoral e injustiças, e profetizar. Contudo, durante este período, se compreendida a partir do modo em que Hildegard o explicou, a mensagem mais importante que ela deu aos cristãos foi esperança e renovação espiritual no futuro. Há de se considerar esta afirmação com alguma ressalva, dado que, ao longo da História da Igreja, não faltaram ocasiões de conflito entre o Papado e o Império155, e líderes religiosos (homens e mulheres) também manifestaram seus descontentamentos através de seus discursos e escritos, de caráter violento ou não. Logo, o contexto histórico não é somente o fator determinante para o conteúdo violento de seus escritos. 155 McGINN, 1979, p. 62. [N.A.: notas foram omitidas] “Gregory I, pope from 590 to 604, was a key figure in the development of the medieval papacy. (…) Although Gregory did not compose any works specifically devoted to apocalyptic themes, his letters and sermons are filled with a pronounced conviction, almost an obsession, with the imminence of the End of the world”. p. 64 “Gregory to the Emperor Maurice (June, 597) …About this matter the good will of the bishops in their ordinances has commanded me that scandal ought not be aroused among us for the sake of the use of a frivolous title. I ask the Imperial Goodness consider that some frivolous titles are quite harmless and others are exceedingly harmful. Isn’t it true that when Antichrist comes calling himself God that this will not be harmless but rather very dangerous? If you regard the length of the utterance, there are only two syllables in ‘Deus,’ but if you look at the weight of the evil, there is total destruction. I say with all confidence that whoever calls or desire to call himself ‘universal priest’ in selfexaltation is a precursor of the Antichrist because he places himself before others in his proud bearing and by like pride is led to error”. p. 62 “Gregório I, papa entre 590 a 604, foi uma figura chave no desenvolvimento do papado medieval. (...) Embora Gregório não compusesse quaisquer obras especificamente devotadas a temas apocalípticos, suas cartas e sermões apresentam uma pronunciada convicção, quase uma obsessão, da iminência do Fim do mundo”. p. 64 “Gregório ao Imperador Maurício (junho, 597) ... Acerca deste assunto a boa vontade dos bispos em suas ordenações mandou-me que escândalos não deveriam levantar-se entre nós pelo bem do uso de um título frívolo. Eu peço que sua Imperial Bondade considere que alguns títulos frívolos são quase inofensivos e outros são excessivamente danosos. Não é verdade que quando o Anticristo vier chamando a si mesmo de Deus, que isto não será inofensivo, mas pelo contrário muito perigoso? Se você considera o comprimento da afirmação, existem somente duas sílabas em ‘Deus’, mas se você olha para o peso do mal, existe destruição total. Eu afirmo, com total confiança, que qualquer que chame ou deseje chamar a si mesmo de ‘padre universal’ em autoexaltação, é um precursor do Anticristo, porque ele se coloca à frente de outros em seu modo orgulhoso e, através deste orgulho, é levado ao erro”. 77 McGinn, (1979, p. 97), tinha já asseverado a importância do ambiente em que Hildegard viveu e a originalidade de sua obra de caráter apocalíptico156. Os eventos da Grande Reforma também exerceram um papel nas especulações da visionária e profetisa Hildegard von Bingen (1098-1179), uma das mais admiráveis líderes religiosas de sua época. As visões impressionantes de Hildegard a caracterizam como um dos pensadores apocalípticos mais originais desde o período intertestamentário. (...) Hildegard não era particularmente papista; na verdade, ela previu que ambos os poderes universais da cristandade, o império e o papado, cairiam à medida que a era de crise se aproximasse. De acordo com o seu pensamento, este tempo de angústia, o tempus muliebre, começou no fim do décimo-primeiro século com os ataques de Henrique IV sobre a Igreja. Embora a abadessa germânica tenda a estar menos preocupada com os detalhes da grande controvérsia do que alguns de seus contemporâneos*, é óbvio que sua visão de história somente pode ser compreendida dentro do contexto do movimento da Grande Reforma. O aspecto repentino das tribulações157 que virão também é enfatizado por Hildegard, que salienta o enfraquecimento dos valores cristãos, sobretudo a gratidão a Divindade. O martírio e sofrimento também são mencionados por Mechthild158, com ênfase nas figuras de Enoque e Elias159, profetas dos últimos dias que enfrentarão corajosamente o Anticristo. 156 McGINN, 1979, p. 97 [N.A.:notas foram omitidas] “The events of the Great Reform also played a role in the speculations of the visionary and prophetess Hildegard of Bingen (1098-1179), one of the most remarkable religious leaders of the time. Hildegard’s striking visions mark her as one of the most original apocalyptic thinkers since the intertestamental period. (…) Hildegard was not particularly papalist; indeed, she predicted that both the universal powers of Christendom, the empire and the papacy, would fail as the age of crisis unfolded. According to her thought, this time of trouble, the tempus muliebre, began at the end of the eleventh century with the attacks of Henry IV upon the Church. Although the German abbess tends to be less concerned with the details of the great controversy than some of her contemporaries, it is obvious that her view of history can only be understood within the context of the Great Reform movement”. [*N.A.: O autor citou à página 95 que a Grande Reforma teve repercussões profundas na ‘Alemanha’, lar do império. Os autores de origem germânica que escreveram sobre o assunto, apresentando textos de cunho apocalíptico, foram: Rupert de Deutz (c. 1070-1129), Otto de Freising (c.1110-1158) e Gerhoh de Reichersberg (1093-1169), páginas 95 e 96, respectivamente] 157 Vide Anexos (2) 158 Vide Anexos (2) 159 O texto canônico de caráter apocalíptico que possivelmente pode ser atribuído a estes personagens encontrase em Apocalipse 11, v. 1-13. Há de se ressaltar diversas interpretações sobre quem ou o que seria estas duas testemunhas, e apenas para ilustração, seguem algumas delas: 78 Quanto à utilização destes personagens por parte de Mechthild, deMayo160 (1999, p. 88) afirma que a autora buscava enaltecer práticas religiosas (sofrimento, martírio, santidade) que visassem uma maior comunhão com a Divindade. Conforme o autor, o pensamento escatológico de Mechthild é expresso primariamente em visões encontradas no Livro 4, capítulo 27 e Livro 6, capítulo 15 da Luz Fluente da Divindade. Estas visões contêm dois temas significantes. Primeiro, Mechthild descreve um ordem futura em hábitos vermelho e branco e em segundo lugar, Mechthild descreve o sofrimento de Enoque e Elias nas mãos do Anticristo. Para o autor, Enoque e Elias exemplificam para Mechthild as características religiosas que ela cultivava em si mesma – sofrimento, martírio, santidade e comunhão com Deus. As visões do futuro de Mechthild provêm dos mesmos interesses que perfazem o resto da Luz Fluente da Divindade. Ela não está interessada no fim do mundo por causa do fim em si mesmo, mas nas oportunidades para santidade que este possui. Mais adiante em seu texto, o autor considera que a religiosa não tenha sido influenciada por Joaquim de Fiore161, uma vez que a mesma descreve sua visão dos últimos dias de forma tradicional, de acordo com as correntes interpretativas à época. Para ele, a) seriam Enoque e Elias: os dois profetas que não passaram pela morte, mas foram levados ‘vivos’ para o céu/seio de Abraão/paraíso, conforme Gênesis 5, v. 18-24 [“Henoc andou com Deus, depois desapareceu, pois Deus o arrebatou” – Bíblia de Jerusalém, p. 41], e 2 Reis 2, v. 11 [“E aconteceu que, enquanto andavam e conversavam, eis que um carro de fogo e cavalos de fogo os separaram um do outro, e Elias subiu ao céu no turbilhão”– Bíblia de Jerusalém, p. 508] e, por isso, “necessitam” percorrer o caminho de todos os mortais, após a queda de Adão e também cumprem um desígnio divino para os últimos dias. De Mayo, 1999, p.91 acrescenta: “It is medieval tradition, not scripture, which identifies Enoch and Elijah with the two preachers in Revelation 11:3-7. The reason for this identification is, I think, clear, God had caused both to be removed from the Earth before their deaths. Scripture does not say that God takes Enoch and Elijah to the earthly paradise”. b) seriam Moisés e Elias (um personificando a lei mosaica e outro o ministério profético): uma vez que o corpo de Moisés foi sepultado pelo próprio Deus (Deuteronômio 34, v. 5-6 - Bíblia de Jerusalém, p. 305 e Epístola de São Judas, v.9 - Bíblia de Jerusalém, p. 2137), um mistério cerca este episódio, dando margem a especulações desta ordem. Além disso, o transformar água em sangue e o fazer cair fogo do céu são exemplos da atuação respectiva de Moisés e Elias. Estes sinais, facilmente reconhecíveis pelo povo judeu, levam a interpretação de que o surgimento destas duas testemunhas focará a conversão dos hebreus para a mensagem do Evangelho. c) tipificam duas “igrejas”, a judaico-messiânica e a gentílica, que testemunham diante do Anticristo com a autoridade – “...as duas oliveiras e os dois candelabros que estão diante do Senhor da terra”. Bíblia de Jerusalém, p. 2152. As associações simbólicas remetem ao candelabro que aparece no próprio texto apocalíptico (Ap 2:5 – igreja de Éfeso) e à oliveira (povo de Israel – oliveira X oliveira silvestre - igreja gentílica) – cf. Romanos 11, v. 16-24, Bíblia de Jerusalém, p. 1985. Estas testemunhas têm seus corpos expostos na Grande Cidade (Roma, cf. Bíblia de Jerusalém, p. 2153, nota “b”), associada aos termos Sodoma e Egito e aos arredores [obs.: Jesus foi crucificado fora dos limites da cidade – ‘fora da porta’] de Jerusalém – “...onde também o Senhor delas foi crucificado”. A questão “geográfica” tão abrangente e com conotações espirituais de caráter negativo, isto é, em contraste com a Cidade Santa que “desce do céu” (Ap. 21, v.1) induz a uma interpretação de perseguição generalizada. d) seriam dois profetas (desconhecidos, ainda por nascerem) que atuariam nos últimos dias com o mesmo poder e autoridade que foram conferidos a Moisés e Elias, representando toda a cristandade. e) conforme nota “k” às pág. 2152 e 2153 – Bíblia de Jerusalém, “... Já não é possível identificá-los. Pensou-se frequentemente em Pedro e Paulo, martirizados em Roma sob Nero (vv.7-8)”. 160 deMayo, 1999, p. 88. 161 deMayo, 1999, p.88-91. 79 contrário ao que muitos estudiosos afirmam, a obra de Mechthild falha em exibir quaisquer traços distintivos de influência joaquimita. Uma obra joaquimita exibirá, geralmente falando, uma ou ambas das seguintes características: ou (1) um padrão triplo (a era do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo) em seu tratamento da história, ou (2) a expectativa de um tempo de paz e iluminação espiritual entre a morte do Anticristo e o Juízo Final. Acrescenta, ainda, (1999, p. 88-91) que dentro das seções cruciais do livro 4, capítulo 27, e livro 6, capítulo 15, Mechthild apresenta o Anticristo e o Juízo Final de uma forma completamente tradicional. Para deMayo, a tradição do Anticristo encontra sua formação ortodoxa em primeiro lugar nos escritos do abade otoniano do décimo século, Adso de Montier-en-Der, e então no Compendium theologicae veritatis falsamente atribuído a Albertus Magnus, mas escrito realmente pelo dominicano Hugo Ripelin, que viveu por volta de 1260. Sua difusão na cultura de língua alemã pode ser medida pela obra de Ripelin e também pelo Anônimo de Passau (c. 1260/66), um outro monge alemão contemporâneo de Das fliessende Licht de Mechthild. Ripelin e Anônimo concordam quase completamente acerca da lenda do Anticristo. O Anticristo nascerá no leste. Ele viajará para Jerusalém, onde ele se circuncidará a si mesmo e ganhará os judeus para sua causa. Ele tentará vencer os cristãos através de uma série de milagres engendrados por demônios, tais como voar e uma “ressurreição” encenada. Ele perseguirá os cristãos e sofrerá oposição de Enoque e Elias (que retornarão do Paraíso Terrestre) por três anos. Ele então os matará publicamente e exibirá os seus corpos. Após suas mortes, contudo, um anjo será visto levando-os para o céu. Então, o Anticristo subirá o Monte das Oliveiras com a intenção de parodiar a ascensão de Cristo. Isto será muito para Deus, que prontamente atingirá de forma mortal o Anticristo, através da atuação ou de Cristo ou do arcanjo Miguel. Um curto período de paz se seguirá, e então acontecerá o Juízo Final. Haverá uma ressurreição corporal e a separação entre bons e maus. Então o mundo acabará. O livro 4, capítulo 27 e o livro 6, capítulo 15 encaixam-se em muito às seções de Ripelin ou do Anônimo de Passau que cobrem o mesmo material, isto é, a estória acerca de Enoque e Elias. Para o autor, a estória joaquimita, por outro lado, acontece bem diferentemente da versão ortodoxa. Seu Anticristo não vem do leste, mas do oeste, e é anunciado por muitos sinais diferentes e Anticristos menores, que são identificados com as sete cabeças do dragão do Apocalipse 17:9-10. O mais importante de tudo, contudo, é o fato do Anticristo de Joaquim não preceder imediatamente o fim do mundo. Após a morte do Anticristo, haverá um tempo de paz e felicidade, antes que a cauda do dragão (ou Gog) 80 chegue. Não existe alusão da sequência joaquimita na obra de Mechthild. Ela diz, explicitamente, que os eventos que ela descreve acontecem no fim dos tempos. Hildegard já tinha escrito acerca do importante papel que Enoque e Elias exercem durante a tribulação, enfatizando a corrupção do ensino das Escrituras entre a comunidade de fé162 e a atuação didático-profética dos mesmos. Quanto à figura do Anticristo, temos alguns detalhes pertinentes que Hildegard acrescenta em sua obra posterior e que encontra respaldo em possível influência exercida pela obra de Adso de Montier-en-Der, conforme nota de Marta Cristiani163. Naquele tempo uma mulher imunda conceberá um filho imundo; porque a antiga serpente, que enredou Adão, o encherá de sua fileira de soldados enxameados, a fim de que nada de bom possa entrar nem residir nele 79 [79 A imagem da immunda mulier está presente também em Scivias (III 11, p. 576; 589-591) e liga Hildegard a uma bem definida tradição de literatura sobre o Anticristo que tem o seu representante mais notável em Adso (De Antichristo, CCCM, XLV, p. 20-30). A propósito das artes diabólicas das quais o Anticristo fará uso – como concordantemente aceito dentro da literatura que lhe diz respeito – confira o uso da mesma expressão (magica arte) in III 3, 2 e nota 8.] Será criado em lugar oculto e solitário, a fim de que não possa ser reconhecido pelos homens, e será instruído em todas as artes diabólicas; será mantido escondido enquanto não chegue a plenitude da época; e não manifestará a própria maldade, enquanto não reconheça possuir completamente e de maneira superabundante todas as artes do mal. (...) p. 1093 162 Vide Anexos (2) Liber divinorum operum simplicis hominis– Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XXVIII (p.1091 e nota à página 1300)–(Parte), p. 1093. “In quel tempo una donna immonda concepirà un figlio immondo; perché l’antico serpente, che risucchiò Adamo, lo riempirà della sua schiera brulicante, affinché niente di buono possa entrare né risiedere in lui. 79 [79 L’immagine della immunda mulier è presente anche nello Scivias (III 11, pp. 576 e 589-91) e collega Ildegarda a una ben definita tradizione di letteratura sull’Anticristo che ha il suo rappresentante più noto in Adso (De Antichristo, CCCM, XLV, pp.20-30). A proposito dele arti diaboliche di cui l’Anticristo farà uso – come concordemente ammesso nella letteratura che lo concerne – cfr. l’uso della stessa espressione (magica arte) in III 3, 2 e nota 8.] Sarà allevato in luoghi occulti e appartati, affinché non possa essere riconosciuto dagli uomini, e sarà istruito in tutte le arti diaboliche; sarà tenuto nascosto finché non sarà nella pienezza dell’età; e non manifesterà la propria malvagità, finché non riconoscerà di possedere completamente e in maneira sovrabbondante tutte le arti del male. (...) p. 1093 “...appariranno moltissimi segni nel sole, nella luna e nelle stelle, nelle acque e negli altri elementi e in tutte le creature, e dall’osservazione di tutti questi prodigi, che si potranno contemplare come se fossero dipinti in un quadro, si potranno predire i mali futuri”. 163 81 … aparecerão muitíssimos sinais no sol, na lua e nas estrelas, nas águas e nos outros elementos e em todas as criaturas, e da observação de todos esses prodígios, que se poderão contemplar como se fossem pintados em um quadro, se poderá predizer os males futuros. Há de se observar que sinais também acontecerão nos céus durante a atuação maligna do Anticristo, antecipando os sinais últimos do juízo divino. Mechthild descreve a perseguição aos fiéis com cenas estarrecedoras de homens sendo separados de suas mulheres e filhos e ambas as partes (homens primeiro) sendo queimadas até a morte164. A imagem referente aos Últimos Dias e a Queda do Anticristo presente no Códice de Rupertsberg [reproduzida em Wisse die Wege, sob o título “Das Ende der Zeiten – Tafel 32/ Schau III 11” (O fim dos tempos – Folha 32/ Visão III 11) e também em EMMERSON (2002, p. 96)] tem sua originalidade, conforme figura abaixo, e auxilia na compreensão do impacto da mensagem proferida por Hildegard, aspecto enfatizado por Emmerson165 (2002, p. 107). De acordo com o autor, o Anticristo de Hildegard e seu apocalipticismo se encontram entre dois extremos. Para ele, Kerby-Fulton superestima as tendências milenaristas de Hildegard, contudo ele concorda que as visões são potencialmente radicais, como evidente na miniatura de Rupertsberg. O Anticristo de Hildegard e seu apocalipticismo, em geral, são simultaneamente radical e conservador, dependendo se o foco é colocado nas ricas ilustrações visuais de sua experiência visionária ou em sua extensa explanação verbal acerca da mesma. Figura 3 – Das Ende der Zeiten (O fim dos tempos) 164 165 Vide Anexos (2) EMMERSON, 2002, p. 107. 82 A visão doze do terceiro livro de Scivias166 apresenta o Juízo Final e novos céus e nova terra, um tempo de descanso e paz para os fiéis. O juízo divino põe em movimento os elementos metereológicos, altera a configuração da natureza167, tanto na ordem física quanto espiritual, pois as mudanças naturais simbolizam também alterações nas hierarquias de poderes espirituais. Por sua vez, Mechthild168 também descreve um tempo de consolo, paz e liberdade, sem acepção de origem social (...shall dwell in a common house...) e na ausência de enfermidades. Seu trabalho de beguina implicava em atividades diárias de cuidado dos doentes. Morel169 (1869, p. XIII), em sua introdução ao livro de Mechthild, comenta acerca de sua descrição das regiões celestes e o faz citando Hildegard, conforme trecho transcrito abaixo a partir do original de 1869 (vide figura): 166 Vide Anexos (2) Vide Anexos (2) 168 Vide Anexos (2) 169 MOREL, P. Gall. Offenbarungen der Schwester Mechthild von Magdeburg, des XIII. Jahrhunderts mit unverändertem Texte in jeziger Schriftsprache herausgegeben von P.Gall Morel, Benediktiner in Einsieldeln. Regensburg, Druck und Verlag von Georg Joseph Manz, 1869. Introdução, p. XIII. In: 167 83 ...Allein die „Offenbarungen”, die sie in den Stunden ihrer Veranschaulichkeit empfangen, verbreiten sie auch noch über die jenseitigen Regionen der Hölle, des Fegfeuers und des Himmels mit eigenthümlicher Zeichnung. Sie beklagt wiederholt und nicht ohne eine gewisse Schärfe in der Weise in der seligen Hildegardis den gesunkenen Zustand der Christenheit in Kirche und Reich, bei der Geistlichkeit und bei der Laienschaft, was, verbunden mit einigen gewagten Lehren, ihr auch die Miβkennung von Seite ihrer Mitschwestern mag zugezogen haben, über die sie zum öftern Klage führt. Somente, as ‘Revelações’, que ela recebeu em suas horas de visionabilidade, estendem-se com particular desenho para além das regiões opostas do Inferno, Purgatório e Céu. Ela lamenta repetidamente e não sem certa rispidez, semelhante ao modo da bem-aventurada Hildegard, o estado decaído da cristandade, na Igreja e no Império, junto ao clero e aos leigos, o que, aliado a sua ousada doutrina, pode lhe ter atribuído, por parte de suas co-irmãs, um conhecimento equivocado, sobre o que ela frequentemente se lamentava. http://books.google.com.br/books?id=iiQ9AAAAcAAJ&pg=PR27&lpg=PR27&dq=Die+Seele+lobt+Gott+in+f %C3%BCnf+dingen&source=bl&ots=_7Bp5w06zc&sig=0e-tWsVwnyEmHIU4Lc3iR_b20Do&hl=ptBR&sa=X&ei=w_h0UMvBFLK90QHUk4G4Bg&sqi=2&ved=0CCAQ6AEwAA#v=onepage&q=Die%20Seele %20lobt%20Gott%20in%20f%C3%BCnf%20dingen&f=false, acesso em 10/10/2012. 84 Figura 4 – Texto original (MOREL, P.Gall) Howard, em seu texto de 1984 (p. 171), dentre outras passagens da obra de Mechthild, seleciona aspectos interessantes de sua visão acerca do céu170 e inferno: 170 HOWARD, 1984, p. 171 e nota à página 183. “[3.1] ... (…) The creation of this house signifies heaven, the choirs in it signify the kingdom – therefore one speaks of them together as the kingdom of heaven. The kingdom of heaven is finite in its statutes but infinite in its essence. (…) After the day of judgment holy maidens shall fill the space above the seraphim from where Lucifer 85 [3.1] … (…) A criação desta casa significa céu, os coros nela significam o reino – portanto, fala-se deles juntos como o reino do céu. O reino do céu é finito em sua estatura, mas infinito em sua essência. (...) Após o dia do julgamento, santas virgens preencherão o espaço acima do serafim de onde Lúcifer e seus favoritos tinham sido lançados. (...) O reino todo ficou aterrorizado e os pilares do céu balançaram. Muitos outros caíram. Este vácuo [N.: Mechthild usa o termo alemão ellende, o qual mais acuradamente denota um lugar de exílio ou banimento ou uma terra estrangeira ou estranha, compare Neumann, ‘Beiträge’, p. 73.] ainda está vazio e deserto; não existe ninguém nele – contudo ele é luz para si mesmo e resplandece em êxtase para a glória de Deus. Acima do vácuo está o trono de Deus, cercado por Seu poder em claro, ardente brilho de fogo, o qual chega até abaixo para o céu do querubim. O mesmo autor (1984, p. 175), em nota ao texto de Morel, recusa a terminologia usada pelo mesmo171, pois para ele Mechthild elenca aqueles que podem ser destinados ao inferno, que são os cristãos, judeus e pagãos. and his minions had been cast. (…) The whole kingdom was terrified and the pillars of heaven shook. Many others collapsed. This void [N.: Mechthild uses the German ellende, which more accurately denotes a place of exile or banishment or a foreign or strange land, compare Neumann, ‘Beiträge’, p. 73.] is still empty and barren; there is no one in it – yet it is light unto itself and it glitters in rapture to the glory of God. Above the void is the throne of God, vaulted by His power in bright, glowing, fiery brilliance which reaches down to the heaven of the cherubim”. 171 HOWARD, 1984, p. 175 e nota à página 183. “[3.21] ... (...) At times he bloats himself up to such a great size and his beak expands greatly – with this he swallows Christians, [N.: Morel’s text reads tufel, ‘devils’, apparently a mistake, since Mechthild divides all those condemned to hell into Christians, Jews, and heathens.] Jews, and heathens with one breath”. “[3.21] … (…) Por vezes, ele [N.A. no caso, Mechthild refere-se a Lúcifer no inferno] infla-se a si mesmo até em cima com grande tamanho e seu bico expande-se enormemente – com isto ele engole cristãos, [N.: Texto de Morel lê-se tufel, ‘demônios’, aparentemente um erro, pois Mechthild divide todos aqueles condenados ao inferno em cristãos, judeus e pagãos.] judeus e pagãos com um sopro”. 86 V. CONCLUSÕES O título deste capítulo transmite não um sentimento de término, porém de algo inconcluso, algo de certa forma infinito em seu desenrolar, que possa ser descoberto em fontes paralelas anteriormente citadas e ainda desconhecidas. Como não se interessar mais pelo que Adso possa ter escrito acerca da figura do Anticristo172, ou o que Agostinho, muito anteriormente, emitira sobre as épocas e eras da história? O que Gregório Magno poderia ainda ter escrito em suas missivas que possa ter chegado até Hildegard e/ou Mechthild? Afinal de contas, Joaquim de Fiore (tal falado e ainda há tanto para se apreender em suas obras) exerceu alguma influência sobre Mechthild ou não? A linguagem apocalíptica, a temática do fim da ordem natural e de seres e coisas que apalpamos, sentimos e amamos, irá certamente ensejar outros estudos em História Comparada, seja através da análise de textos visionários medievais femininos, ou de cartas e tratados, comentários e exegeses, não importando exatamente o tipo de fonte a ser pesquisada, mas sim a sua mensagem, que ainda é objeto de apaixonantes estudos. Then I saw the lucent sky, in which I heard diferent kinds of music, marvellously embodying all the meanings I had heard before. Scivias, Livro III, Visão 13, p. 525 Então eu vi o céu brilhante, no qual eu ouvi diferentes tipos de música, maravilhosamente incorporando todos os significados que eu tinha ouvido antes. Scivias, Livro III, Visão 13, p. 525. 172 McGINN, 1979, p.82 “... Adso composed his Letter on the Origin and Life of the Antichrist about 950”. p. 84 “In a manner similar to other key texts in the history of apocalypticism, Adso’s Letter was edited, adapted, and revised extensively in the succeeding centuries”. “THE ORIGIN OF THE ANTICHRIST Since you want to know about the Antichrist, the first thing to observe is why he is so named. It is because he will be contrary to Christ in all things and will work deeds against Christ”. “…Adso compos sua Carta sobre a origem e vida do Anticristo por volta de 950”. p. 84 “De forma similar a outros textos-chave na história do apocalipticismo, a Carta de Adso foi editada, adaptada e revisada extensivamente nos séculos subsequentes”. “A ORIGEM DO ANTICRISTO Desde que você deseje conhecer sobre o Anticristo, a primeira coisa a observar é porque ele é nomeado desta forma. É porque ele será contrário a Cristo em todas as coisas e efetuará obras contra Cristo”. 87 Assim, Hildegard inicia a Visão 13, do terceiro livro de Scivias, intitulada Sinfonia dos Bem-aventurados [Symphony of the Blessed]. A música que a visionária escuta é capaz de transmitir um sentimento de completude, de grand finale para aquilo que a ela vinha sendo mostrado pela Divindade. Assim também para Mechthild, o tempo de descanso e de união da alma que ama com o seu Criador e Senhor é o alvo a ser alcançado, desejado. Ambas as místicas anteviram tempos difíceis, tribulações, figuras emblemáticas como Enoque e Elias, a figura sempre perversa e cruel do Anticristo, cataclismas e sofrimentos, mas não perderam de ‘vista’ a certeza de uma recompensa e de um tempo futuro de completa transformação dos elementos agora existentes, que regem o desenrolar da vida sobre a terra, seja o sol, a lua, etc., como também de uma união com a indissociável Divindade. As diferenças que podemos realçar entre ambas as visionárias são: o caráter didáticoprofético dos escritos de Hildegard em contraponto ao aspecto devocional-confessional da obra de Mechthild, a ausência de detalhes acerca do juízo divino na consumação dos elementos celestes na obra de Mechthild, em oposição aos detalhes dantescos demonstrados por Hildegard. Enquanto isso, temos o detalhamento do sofrimento dos mártires, de Enoque e de Elias na mensagem deixada por Mechthild, que, diferentemente de Hildegard, chega a reproduzir diálogos dos mártires, a partir do que ela vislumbrara em seus momentos de êxtase. Ambas empreenderam um caminho novo, estreito no que tange ao comportamento feminino esperado para religiosas dos séculos XI e XII, pois seus escritos repercutiram de forma a que chegassem até nós como obras únicas em forma, apresentação e conteúdo. Tal como os grandes teólogos que percorreram caminhos distintos, mas que, por assim dizer, não puderam passar ao largo da temática apocalíptico-escatológica, assim também Hildegard von Bingen e Mechthild von Magdeburg não foram insensíveis ao que tem, ainda por séculos posteriores, perscrutado os pensamentos de parcela significativa da humanidade. Quanto à presença de elementos e/ou variáveis de caráter visionário-apocalípticos, tais como rodas, querubins, anjos/corte de anjos, animais, múltiplos céus, paraíso, inferno, Hades, espíritos deformados, purgatório, Jerusalém celeste, “Gog e Magog”, etc. encontramos nos textos de Hildegard e Mechthild que a revelação se dá de forma direta, isto é, a própria Divindade revela os mistérios, sem a intermediação de outros seres, seja através de visões e também da “voz”. Já a utilização de figuras de animais para transmissão da mensagem ocorre no texto hildegardiano. A visão do purgatório e do paraíso é tema mais recorrente em A Luz 88 Fluente da Divindade. A esfera celestial no que diz respeito aos céus após o juízo final é, contudo, mais elaborada por Hildegard, em especial, na décima terceira visão do terceiro livro de Scivias. Mechthild, por sua vez, comenta acerca de um duplo paraíso, o terrestre e o celestial, os quais antecederiam o reino celeste definitivo ou reino de Deus e tece detalhada visão (não necessariamente apocalíptica) sobre o inferno (Livro 3, 1). Com base nos assuntos tratados no capítulo dois, podemos inferir que os textos analisados não seriam propriamente designados como “apocalipses”, mas possuem mensagens de cunho escatológico, que buscam alcançar os objetivos de antemão declarados tanto por Hildegard quanto por Mechthild, quais sejam: divulgar o que imperiosamente lhes fora mostrado pela Divindade (apesar delas mesmas), alertar aqueles que as cercavam e exortar uma comunidade de fé (que incluiria outras religiosas, líderes políticos e confessores espirituais) para que atentassem aos ditames das Escrituras e dos fiéis do passado. Ainda, em concordância com as palavras de Mechthild173, a compreensão daquilo que realmente acometeu a ambas, tanto a Hildegard quanto a Mechthild, interage com referências não apenas históricas de caráter geral, mas perpassa toda uma gama de conhecimentos, experiências e caminhos já percorridos em âmbito pessoal. Ao leitor desses textos cabe somente a percepção do muito que se há para descobrir, reconhecer, admirar e/ou criticar, sem nunca, contudo, perder a felicidade ou deleite de se ver ainda diante de um mundo, se não novo, já que se trata da Idade Média, mas certamente desafiador e instigante, que é o mundo do além do visível e palpável, racionalizável ou controlável, o mundo do futuro regido pela Divindade. A ele, Hildegard e Mechthild, ansiavam por ver, e elas, em paz, o contemplaram, e por isso merecem a alcunha de VISIONÁRIAS DO TEMPO DO FIM. 173 MAGDEBURG, 1998, p. 261. [vide versão abaixo em inglês] Livro 6, 36. “One cannot grasp divine gifts with merely human understanding. And so they sin who do not keep their spirit open to invisible truth. What one is able to see with the eyes of the flesh, hear with the ears of the flesh, and say with one’s fleshly mouth is as utterly different from the open truth of the loving soul as light from wax is from the bright sun”. “Não se pode compreender os dons divinos com entendimento meramente humano. E assim eles pecam, aqueles que não guardam o seu espírito aberto para a verdade invisível. O que alguém é capaz de ver com os olhos da carne, ouvir com os ouvidos da carne e dizer com uma boca carnal é tão completamente diferente da verdade descortinada da alma que ama como é a luz da vela diferente da luz brilhante do sol”. 89 BIBLIOGRAFIA Fontes primárias para fins da pesquisa BINGEN, Ildegarda di. Il Libro delle Opere Divine. II Edizione. Milano: Arnoldo Mondadori Editore S.p.A, 2003. BINGEN, Hildegard of. 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TABELA DE REFERÊNCIAS ESCATOLOGIA/APOCALIPTICISMO A TERMOS DA Dada à complexidade desta tarefa em face das diversas acepções interpretativas para esta terminologia, que variará de acordo com a literatura teológica confessional e/ou acadêmica pesquisada, optou-se por remeter o leitor a somente um texto canônico básico (Bíblia de Jerusalém), referência para os estudos bíblicos. Mesmo citando apenas uma referência bíblica, esta talvez possa ter originado toda uma gama de diferentes acepções ao longo da história da Igreja ocidental e também oriental. Objetivando que o leitor ao aproximar-se do tema não vislumbre dificuldades, ainda que existentes, mas tenha curiosidade em aprofundar-se ainda mais nas temáticas específicas deste trabalho, foi compilada esta relação básica de termos comuns presentes em textos escatológicos/apocalípticos. Por exemplo: o vocábulo Anticristo já ensejou inúmeras interpretações, declarações e “certezas” por parte dos teólogos, religiosos e líderes. A própria Hildegard empregou o termo em confronto às situações político-religiosas conturbadas de sua época. Asseverar de forma definitiva acerca de tão controverso e discutido personagem é, no mínimo, uma temeridade. Século após século, década após década surgem novas correntes interpretativas, algumas retomando o que os antigos já afirmavam, e outras inovando, à medida que as características sócio-históricas sofrem alterações ao longo do tempo. TERMO Anjo REFERÊNCIA “...Ele a manifestou com sinais por meio de seu Anjo, enviado ao seu servo João, ...”. Ap. 1:1 (parte) Nota: os anjos tem participação importante em todo o livro do Apocalipse. Existe distinção entre querubins, serafins, etc, de acordo com a função exercida. Anjo = mensageiro, enviado Anticristo “Não vos deixeis seduzir de modo algum por pessoa alguma, porque deve vir primeiro a apostasia, e aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o 98 adversário, que se levanta contra tudo que se chama Deus, ou recebe culto, chegando a sentar-se pessoalmente no templo de Deus, e querendo passar por Deus”. 2Tes 2:3-4 Nota: a partir da descrição acima, as características básicas deste personagem seriam: impiedade, soberba, carisma, ousadia, inimigo de Deus e da sua Igreja. Nero, por exemplo, por ter possuído algumas dessas características do Anticristo, foi a ele associado pelos cristãos. Armagedom “Eles os reuniram então no lugar que, em hebraico, se chama “Harmagedôn*”. Ap. 16:16 *Nota: É a montanha de Meguido, cidade da planície que costeia a cadeia do Carmelo, lugar em que o rei Josias foi derrotado (2rs 23,29s). Este lugar tornou-se símbolo de desastre para os exércitos que nele se reúnem (cf. Zc 12,11) Besta “Vi então uma Besta que subia do mar. Tinha dez chifres e sete cabeças; sobre os chifres havia dez diademas, e sobre as cabeças um nome blasfemo”. Ap. 13:1 “Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres como um Cordeiro, mas falava como um dragão”. Ap. 13:11 Nota: As duas bestas tipificam a atuação de dois homens, que adicionados ao Dragão, personificariam a trindade satânica em oposição à Trindade divina. 99 Daniel “Quando, portanto, virdes a abominação da desolação, de que fala o profeta Daniel, instalada no lugar santo – que o leitor entenda! – então, os que estiverem na Judeia fujam para as montanhas,” Mt. 24:15 Nome de um livro canônico. Profeta que escreveu acerca dos reinos babilônico, medo-persa, grego e romano, simbolizados pela estátua vista em sonho por Nabucodonosor (Dn 2) Dragão/Satanás/Diabo/Adversário/ Nomes diversos para aquele que ‘seduz toda a terra’, cf. Lúcifer/Acusador/Serpente/ Pai da mentira/Ladrão Ap. 12:1-18. Nota: Tendo sido querubim ungido que levou a terça parte das estrelas do céu [anjos] quando de seu rebelião (Ez 28:14-19), tendo tentado a Eva e Adão no paraíso (Gn 3) e a Jesus no deserto (Mt 4:1-11), o diabo manifesta este traço salientado em Ap. 12: 9, qual seja, o da sedução, que é uma característica associada também a outro personagem semelhante, o Anticristo. Dia /Último Dia/Volta do Senhor A expressão ‘naquele dia’ ou Dia do Senhor, ou dia de Iahweh, associada à descrição de alterações consideráveis da natureza é figura do juízo divino no Antigo Testamento. Ver Is. 24:21-23, Zc 14, Joel 2, Sofonias 1:14-18. Volta do Senhor – volta de Cristo a terra. Cf. Ap. 19:1116, At 1:9-11, 2Tes 2, 2Pe 3. Elias Profeta que não morreu, mas foi levado aos céus ainda vivo. Teve como sucessor a Eliseu. Cf. 2Reis 2 Enoque Patriarca anterior ao dilúvio que não morreu, e também foi levado vivo para o céu. Cf. Gênesis 5:24 100 Gog & Magog Gog é designado príncipe da terra de Magog em Ezequiel 37. Surge também no Ap. 20:7-10 e neste contexto abrange um grupo de nações de alcance mundial. Juízo Final ou Grande Julgamento Trata-se do juízo das nações e dos indivíduos. Cf. Ap. 20:11-15. Megido Vide Armagedom. Milênio Período de paz, durante o qual o dragão é aprisionado e a ordem natural atualmente conhecida é alterada: “Então o lobo morará com o cordeiro, ...”. Cf. Is 11:6 e Ap.20:1-6. Reinado de Cristo na terra, cf. Ap. 19:15. Nova Jerusalém Cidade celestial; morada definitiva dos santos. Ap. 21 e 22. Quiliasmo (ou periodo de mil Vide Milênio. anos) Sinais nos céus, sol, lua, etc. Manifestação de eventos extraordinários na esfera natural, os quais a humanidade desconhece, cf. Mt. 24:29. Selo Os selos que são abertos no livro do Apocalipse simbolizam níveis de autoridade e preconizam juízos. Ap. 5:1. Nota: O selo era colocado sobre um documento para garantir a autenticidade e autoridade de quem o emitia. Neste caso, a autoridade para quebrar os selos somente Cristo possui, cf. Ap. 5:5. Taça Símbolo de recipiente que contém o ‘vinho do furor da 101 ira’ de Deus; juízo divino sobre a terra. Ap. 16:1. Símbolo de recipiente que contém as orações dos santos. Ap. 5:8. Nota: Pode-se inferir que os juízos são respostas às orações dos mártires, cf. Ap. 6:9-11, isto é, após as taças serem cheias com as orações dos santos, elas transbordariam para a terra em forma de juízo sobre a natureza, a humanidade, manifestando uma dupla função. Testemunha/Duas Testemunhas Ap 11:1-13. Tribulação (grande tribulação) Período de perseguição aos cristãos. Cf. Ap. 7:13-14, Mt. 24. [discurso escatológico] Trombeta Símbolo de anúncio profético. Cf. Joel 2, Ap. 8:6-13. Nota: as trombetas eram utilizadas em batalhas, para transmissão de ordens específicas e também nas solenidades religiosas. No caso do Livro do Apocalipse, são os exércitos dos céus que ao ouvirem as trombetas executam as ordens divinas, no que diz respeito à aplicação de juízos diversos. 102 2. FONTES (PARTE) Scivias – Livro 3 - Visão Onze (p. 493-511) - Os Últimos Dias e a Queda do Anticristo p.493 “Then I looked to the North, and behold! Five beasts stood there. One was like a dog, fiery but not burning; another was like a yellow lion; another was like a pale horse; another like a black pig; and the last like a gray wolf. And they were facing the West. And in the West, before those beasts, a hill with five peaks appeared; and from the mouth of each beast one rope stretched to one of the peaks of the hill”. (…) p.494 And I heard the voice from Heaven saying to me: All things that are on earth hasten to their end, and the world droops toward its end, oppressed by the weakening of its forces and its many tribulations and calamities. But the Bride of My Son, very troubled for her children both by the forerunners of the son of perdition and by the destroyer himself, will never be crushed, no matter how much they attack her. (…) … five beasts stand there. These are the five ferocious epochs of temporal rule, brought about by the desires of the flesh from which the taint of sin is never absent, and they savagely rage against each other. (…) Another is like a yellow lion; for this era will endure martial people, who instigate many wars but do not think of the righteousness of God in them; for those kingdoms will begin to weaken and tire, as the yellow color shows. (…) p. 498 16. The Church near the end of the world will be bathed in righteous blood. And from her knees to her tendons where they join her heels, which appear white, she is covered with blood. For at the time near the end of the world when she must endure assault, until the coming of the two witnesses of Truth who will keep the Church together by their strength, she will suffer most terrible persecutions, and the blood of those who despise the Destroyer will be most cruelly shed. 103 p. 493 “Então eu olhei para o norte, e eis que vejo! Cinco bestas estavam de pé ali. Uma era como um cachorro fogoso, mas não queimando; outra era como um leão amarelo; outra como um cavalo pálido; outra como um porco preto; e a última como um lobo cinza. E eles estavam de frente para o oeste. E no oeste, em frente a estas bestas, aparecia uma montanha com cinco cumes; e da boca da cada besta um corda estendia-se a um dos cumes da montanha”. (...) p. 494 E ouvi a voz do céu, dizendo para mim: Todas as coisas que estão sobre a terra se apressam para o fim, e o mundo decai em direção ao seu fim, oprimido pelo enfraquecimento de suas forças e de suas muitas tribulações e calamidades. Porém, a Noiva do Meu Filho, muito atribulada por seus filhos, tanto pelos precursores do filho da perdição quanto pelo próprio destruidor, nunca será esmagada, não importa o quanto eles a ataquem. (...) “... cinco bestas estavam de pé ali. Estas são as cinco épocas ferozes de governo temporal, resultantes dos desejos da carne, da qual a corrupção do pecado nunca está ausente, e eles brutalmente lutam uns contra os outros. (...) Outro é como um leão amarelo; porque esta era suportará povos guerreiros, que instigarão muitas guerras, mas não pensam sobre a justiça de Deus neles; porque estes reinos começarão a enfraquecer e cansar, como demonstra a cor amarela. p. 498 16. A Igreja próxima do fim do mundo será banhada em sangue justo. E de seus joelhos para os seus tendões, onde eles se unem aos seus calcanhares, que aparecem brancos, ela está coberta de sangue. Pois, no tempo próximo ao fim do mundo, quando ela deve enfrentar ataques, até a vinda das duas testemunhas da Verdade, que manterão a Igreja unida através de suas forças, ela sofrerá as mais terríveis perseguições, e o sangue daqueles que desprezam o Destruidor será vertido da forma mais cruel. 104 Liber divinorum operum simplicis hominis – Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XVII (p.1065, 1067) – (Parte) “XVII. Sed tamen inter hec omnia, uelut leo in libro Sciuias notatus ostendit, dura etiam crudeliaque bella timore Dei abiecto multociens exurgent et plurimi hominum in occisione cadente plurimeque ciuitates per destructionem ruent. Sicut enim uir fortitudine sua femineam molliciem uincit et ut leo relíquias bestias superat, ita et crudelitas quorundam hominum quietem aliorum in diebus illis per diuinum iudicium consumet, quoniam Deus crudelitatem penarum ad purgationem iniquitatum inimicis suis tunc concedet, sicut etiam a principio mundi semper fecit.” (p. 1064) (...) “Sed et tam noue et incognite ordinationes iusticie et pacis tunc aduenient, ut homines inde admirentur, dicentes quoniam talia prius nec audierint nec cognourerint, et quia pax ante diem iudicii ipsis data sit, sicut etiam pax primum aduentum filii Dei precucurrit, pre timore tamen superuenturi iudicii pleniter gaudere non ualentes, sed omnem iusticiam in catholica fide ab omnipotente Deo querentes; Iudeis etiam gaudentibus et illum iam adesse dicentibus, quem uenisse modo negant”. 8.2 - “XVII – Tuttavia, come ci mostra il leone di cui ho scritto nel libro Scivias [Cfr.Scivias III 11, pp.576-7 e 578-9], durante lo svolgersi di questi eventi scoppieranno sovente guerre dure e crudeli perché il timore di Dio sarà dimenticato e moltissimi uomini cadranno uccisi, mentre un gran numero di città andranno in rovina. Come infatti l’uomo con la sua forza vince la debolezza femminea, e come il leone è più forte di tutti gli altri animali, così la crudeltà di alcuni uomini porrà fine ala pace di altri come se fosse l’esecutrice del giudizio divino, perchè sarà Dio a permettere ai suoi nemici di infliggere pene crudeli per purificare dal male, come ha sempre fato dall’inizio del mondo”. (…) “Compariranno allora ordinamenti di giustizia e di pace così nuovi e sconosciuti, che gli uomini se ne meraviglieranno e sosterranno di non aver mai sentito parlare né avuto notizia di tali cose; e poiché la pace sarà data loro prima del giorno del giudizio, così come la pace precorse l’avvento del figlio di Dio, non potranno goderne appieno per timore del giudizio futuro, ma invocheranno Dio onnipotente di giustificarli nella fede universale; e anche gli 105 ebrei saranno pieni di gioia e affermeranno che allora sarà giunto colui di cui ora non riconoscono la venuta”. 8.2 – “XVII – Todavia, como se mostra o leão de que escrevi no livro Scivias [Cf. Scivias III 11, p. 576-7 e 578-9], durante o desenrolar desses eventos explodirão frequentemente guerras duras e cruéis, porque o temor de Deus será esquecido e muitos homens cairão mortos, enquanto um grande número de cidades estará em ruínas. Como, de fato, o homem com a sua força vence a fraqueza feminina, e como o leão é mais forte do que todos os outros animais, assim a crueldade de alguns homens porá fim a paz de outros como se fosse a executora do juízo divino, porque será Deus a permitir aos seus inimigos infligirem penas cruéis para purificar do mal, como sempre tem feito desde o início do mundo”. (…) “Aparecerão, naquele tempo, ordens de justiça e de paz tão novas e desconhecidas, que os homens maravilhar-se-ão e proclamarão nunca terem ouvido falar nem tido notícia de tais coisas; e desde que a paz será dada a eles antes do dia do juízo, assim como a paz antecipou o advento do filho de Deus, não poderão desfrutar plenamente por temor do juízo futuro, mas invocarão Deus onipotente para justificá-los na fé universal; e também os hebreus serão cheios de alegria e afirmarão que naquele tempo estarão juntos àquele de quem agora não reconhecem a vinda”. Liber divinorum operum simplicis hominis – Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XXI (p.1077) – (Parte) “Sed et in ipsis diebus inter omnia hec, quemadmodum equus in libro Sciuias demonstrat, petulantia mourm atque iactantia animorum, necnon plenitudo uoluptatum et aliarum uanitatum absque reuerentia in hominibus multociens exurgent, quia illi in quiete pacis quiescentes et habundantia frugum redundantes nullo incursu bellorum terrebuntur, nec penúria frugum constringentur. Sed hec sibimet tribuentes, Deo, a quo omnia bona procedunt, debitum honorem in his non exhibebunt. Quapropter et tanta pericula prefatam quietem et habundantiam subsequentur, quanta prius uisa non sunt. (...) Priores namque dies dolorum et calamitatum aliquam refocilationem et reparationem interdum habebant; isti autem omnium dolorum et iniquitatum pleni a malis non cessabunt, sed dolor dolori, iniquitas iniquitati in eis accumulabitur”. (p. 1076) 106 “In quel tempo, in mezzo a tutti questi avvenimenti, come mostra il cavalo nel libro Scivias, l’arroganza dei costumi e la superbia degli animi, passioni e vanità senza alcun ritegno si scateneranno appieno negli uomini, perché coloro che staranno tranquilli nella tranquillità della pace godendosi l’abbondanza dele messi non avranno paura che scoppino guerre né che le messi scarseggino. Anzi, attribuendo a sé tuttociò, non renderanno debitamente onore per questi beni a Dio, da cui tutte le cose procedono. Perciò a questa pace e abbondanza faranno seguito disastri così grandi come non si sono mai visti prima. (...) Nelle epoche precedenti i dolori e le disgrazie avevano avuto ogni tanto riposo e ristoro; ma quel tempo sarà così pieno di tormenti e iniquità che le sofferenze saranno ininterrotte, e dolore si aggiungerà a dolore, iniquità a iniquità;” “Naquele tempo, em meio a todos estes acontecimentos, como mostra o cavalo no livro Scivias, a arrogância dos costumes e a soberba das almas, paixões e vaidade sem qualquer autocontrole se difundirão plenamente nos homens, porque aqueles que estarão tranquilos na tranquilidade da paz, usufruindo da abundância das colheitas, não terão medo que estourem guerras nem que as colheitas se escasseiem. Antes, atribuindo a si mesmos tudo isto, não renderão, devidamente, honra a Deus por estes bens, de quem todas as coisas procedem”. “Por isso, a esta paz e abundância seguirão desastres demasiadamente grandes como nunca anteriormente se viu. (...) Nas épocas precedentes as dores e as desgraças tinham encontrado tanto repouso quanto conforto; mas aquele tempo será pleno de tormentas e iniquidade que os sofrimentos serão ininterruptos, e dores se acrescentarão a dores, iniquidade a iniquidade”; MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990, p. 147-148. “Des Endecristes gewalt ist also gros, das nieman ist sin genos. Als der babest wider in nit me mag gestriten, so kert er sich zů den heligen brudern und lidet, das si lident. So kumt inen ze helfe Enoch und Helyas, die nu sint in dem sussen paradyse und lebent da mit sele und mit libe in der selben wunne und essent die selben spise, die Ade was gegeben, eb er da inne were beliben”. (…) 107 “Der engel geleitet Enoch und Helyam us dem paradise. Die clarheit und die wunne, die si nu hant an irme libe, dú můs alle alles da bliben. Als si dis ertrich angesehent, so erschrekent si, als die man tůnt, die das mer ansehent und sich vorhtent, wie si úber komen sollent. So enpfahent si denne irdenschen schin und mussent denne totliche menschen sin. So essent si honig und vigen und trinkent wasser gemischet mit wine und ir geist wirt och von gotte gespiset”. MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 174-175. Book IV – 27. Concerning the End of the Order of Preachers and the Antichrist; Concerning Enoch and Elias [N.A. notas foram omitidas] “The Antichrist’s power is so great that no one is his equal. When the pope can no longer do battle against him, he turns to the holy brothers and suffers what they suffer. Then Enoch and Elijah come to their aid. They are now in sweet paradise, living there in both soul and body in the same bliss and eating the same food that had been given to Adam if he had remained there”. (…) “An angel accompanies Enoch and Elijah from paradise. The radiance and bliss that show on their bodies shall always be preserved. When they behold the earth, they shudder, as men do who look upon the sea and wonder in fear how they are going to get across it. Then they receive earthly appearances and, as a result, become human beings who are mortal. They eat honey and figs and drink water mixed with wine, and their spirits also receive sustenance from God”. “O poder do Anticristo é tão grande que ninguém lhe é equivalente. Quando o Papa não pode mais lutar contra ele, volta-se para os irmãos santos e sofre o que eles sofrem. Então Enoque e Elias vêm ajudá-los. Eles estão agora em doce paraíso, vivendo em ambos, corpo e alma, na mesma felicidade perfeita e comendo a mesma comida que teria sido dada a Adão se ele tivesse permanecido lá”. (…) “Um anjo acompanha Enoque e Elias do paraíso. A irradiante e perfeita felicidade que mostram em seus corpos serão sempre preservadas. Quando eles contemplam a terra, eles estremecem, como os homens que olham para o mar e imaginam com medo como eles conseguirão atravessá-lo. Eles, então, recebem aparências terrestres e, como resultado, 108 tornam-se seres humanos que são mortais. Eles comem mel e figos e bebem água misturada com vinho, e seus espíritos recebem também sustento de Deus”. Obs.: Há de se observar a variação do vocábulo Endecrist presente na edição crítica em médio-alto alemão, de Hans Neumann, para o texto em inglês, Antichrist. Das Ende - o fim, em alemão moderno diferencia-se do prefixo grego anti – contrário, oposto. O personagem do Anticristo, personificação do mal em pessoa, será também, de acordo com Mechthild, o “último” a se autoproclamar Cristo, algo que tem se repetido e pode ser constatado ao longo da História da Igreja. MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990, p 222. “Da nach wisete mir got das ende dirre welte aber, swenne die jungesten brůdere sont gemarteret werden also: Ir har das si niemer sont abegescniden, das ist von eime sunderlichen vorrate des willen gottes; damitte heisset si Endecrist henken an die bome. Da hangent si und sterbent vil schone, wan ir herze das brennet enbinnen von dem sussen himelvúre also sere, als der licham qwelt in der not. Darumbe zwúschent dem troste des heligen geistes und der pine des armen fleisches so scheidet ir sele von irm libe ane alle eisunge der pine”. MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 241-242. Book VI – 15. The Sufferings of Enoch and Elijah, the Last Preachers, and the Wickedness of the Antichrist [N.A. notas foram omitidas] “There upon God again showed me the end of this world, when the last brothers shall be martyred. Their hair, that they shall never cut, has a specific purpose in God’s will: The Antichrist shall command that they be hung up by it onto trees. There they shall hang and nobly die, for their heart burns within them with the sweet fire of heaven as intensely as the body languishes in distress. And so, in the midst of the solace of the Holy Spirit and the pain 109 of the miserable flesh, their soul shall depart from their body with no terror of these sufferings”. “Então outra vez Deus mostrou-me o fim do mundo, quando os últimos irmãos serão martirizados. O cabelo deles, que eles nunca cortarão, tem um propósito específico na vontade de Deus: O Anticristo ordenará que eles sejam dependurados pelos cabelos em árvores. Lá eles serão dependurados e morrerão nobremente, pois seus corações queimam dentro deles com o doce fogo do céu tão intensamente quanto o corpo perece em grande dor. E assim, em meio ao consolo do Espírito Santo e a dor da carne miserável, suas almas partirão de seus corpos sem terror destes sofrimentos”. Obs.: A ordem por parte da Divindade para o não corte dos cabelos assemelha-se às práticas dos nazireus, cujo personagem bíblico notório é Sansão [Juízes 13, v.1-7 – Bíblia de Jerusalém, p. 370]. Quando de sua morte, como herói que vence seus opositores, já havia crescido os seus cabelos, símbolo da força sobrenatural divina e de um voto e/ou aliança que tinha sido quebrado, mas agora restabelecido. Assim também esta ordem dos últimos irmãos que Mechthild menciona, ao permanecer fiel ao voto de nazireu em não cortar os seus cabelos, os torna dignos de receber este “doce fogo do céu”, que os sustentam durante o martírio. Scivias – Livro 3 - Visão Onze (p. 493-511) - Os Últimos Dias e a Queda do Anticristo (Parte) p. 496 10. The Church’s Faith will be in doubt until the witness of Enoch and Elijah. And from there to the width of two fingers above his heel he is in shadow. For, from the time of the persecution the faithful will suffer from the son of the Devil until the testimony of the two witnesses, Enoch and Elijah, who spurned the earthly and worked toward heavenly desires, faith in the doctrines of the Church will be in doubt. People will say to each other with great sadness, “What is this they say about Jesus? Is it true or not?” p. 496 10. A Fé da Igreja será colocada em dúvida até o testemunho de Enoque e Elias. 110 E dali até a largura de dois dedos acima de seu calcanhar ele está em sombra. Pois, a partir do tempo da perseguição o fiel sofrerá por causa do filho do Diabo até o testemunho das duas testemunhas, Enoque e Elias, que desdenharam o terreno e trabalharam em direção aos desejos celestiais, a fé nas doutrinas da Igreja será colocada em dúvida. As pessoas dirão umas às outras com grande tristeza, “O que é isto que eles dizem sobre Jesus? Isto é verdade ou não?” MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990, p 148. “So heisset man die man kiesen, weder si lieber behalten in dem ungeloben die schonen vrowen und ir liebu kint, richtum und ere oder si in cristam geloben in den pfannen wellent sieden und iren lip verlieren. So sprechent die man:’Eya lieben wip und kint, gedenkent nit an mich, mere gedenkent, das ir cristan sint und oppfernt got einen lip, so scheiden wir uns nit’. So bindet man den mannen ir fusse und hende und wirfet si in die pfannen. So sprechent vrowen und kint och: ‘Herre Jhesu, o Marien kint, dur dine liebi so wellen wir gerne liden die selbe not’. So machete man ein gruben vol vúres, da in wirfet man dú kint ind die mutere sint und wirfet uf si fúrholtz und strowe und verbrennet si also”. MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 175. Book IV, 27 (Parte) “Then they are commanded to choose: whether, by denying their faith, they prefer to keep their lovely wives and dear children, their riches and honor or, by keeping their Christian faith, they are willing to cook on the griddles and lose their lives. The men say: ‘Oh, dear wives and children, do not think about me; remember rather that you are Christians and offer your bodies to God. Then we shall not be separated’. Then the men are bound hand and foot and are thrown onto the griddles. The women and children say: ‘Lord Jesus, Child of Mary, for love of you we gladly want to suffer the same torment’. 111 Then a pit filled with fire is made ready. The children and the mothers are hurled into it, and firewood and straw are heaped upon them. Thus are they burned to death”. “Então eles são ordenados a escolher: se, por negarem a fé, eles preferem manter suas esposas amadas e filhos queridos, suas riquezas e honra ou, por manterem sua fé cristã, eles estão dispostos a serem queimados sobre grelhas e perderem suas vidas. Os homens dizem: ‘Oh, queridas esposas e filhos, não pensem sobre nós; lembrem-se ao invés disso que vocês são cristãos e ofereçam seus corpos a Deus. Então nós não nos separaremos’. Então os homens são presos pelas mãos e pés e são lançados sobre as grelhas. As mulheres e crianças dizem: ‘Senhor Jesus, Filho de Maria, por amor a ti nós com prazer desejamos sofrer o mesmo tormento’. Então um poço cheio de fogo é aprontado. Os filhos e as mães são arremessados para dentro dele e lenha e palha são amontoados sobre eles. Assim eles são queimados até a morte”. Scivias – Livro 3 - Visão Doze (p. 513-521) – O novo céu e a nova terra (Parte) p. 515 “He sat upon a throne of flame, glowing but not burning, which floated on the great tempest which was purifying the world. And those who had been signed were taken up into the air to join Him as if by a whirlwind, to where I had previously seen that radiance which signifies the secrets of the Supernal Creator; and thus the good were separated from the bad”. (…) p. 515-516 “And when the judgment was ended, the lightnings and thunders and winds and tempests ceased, and the fleeting components of the elements vanished all at once, and there came an exceedingly great calm. And then the elect became more splendid than the splendor of the sun; and with great joy they made their way toward Heaven with the Son of God and the blessed armies of the angels”. (…) And again I heard the voice from Heaven, saying to me: (…) 2. All creation will be moved and purified of all that is mortal in it And so, at this consummation, the elements are unloosed by a sudden and unexpected movement: all creatures are set into violent motion, fire bursts out, the air dissolves, water 112 runs off, the earth is shaken, lightnings burn, thunders crash, mountains are broken, forests fall, and whatever in air or water or earth is mortal gives up its life. For the fire displaces all the air, and the water engulfs all the earth; and thus all things are purified, and whatever was foul in the world vanishes as if it had never been, as salt disappears when it is put into water. p. 515 “Ele sentou sobre um trono de fogo, brilhante, mas não queimando, o qual pairava sobre a grande tempestade que estava purificando o mundo. E aqueles que tinham sido marcados foram levados no ar para juntar-se a Ele como se através de um redemoinho, para onde eu tinha anteriormente visto aquela glória que significa os segredos do Criador Supremo, e assim os bons foram separados dos maus”. (...) p. 515-516 “E quando o julgamento terminou, os relâmpagos e trovões e ventos e tempestades cessaram, e os componentes efêmeros dos elementos desapareceram todos de uma vez, e então veio uma grande calma transbordante. E, então, os eleitos tornaram-se mais esplêndidos que o esplendor do sol; e com grande alegria eles percorreram o caminho em direção ao céu com o Filho de Deus e com os abençoados exércitos de anjos”. (...) E outra vez eu ouvi a voz do céu, dizendo para mim: (...) 2. Toda a criação sera movida e purificada de tudo o que nela é mortal E assim, nesta consumação, os elementos foram desprendidos por um movimento repentino e não esperado: todas as criaturas são violentamente abaladas, o fogo queima, o ar se dissolve, a água corre, a terra é balançada, relâmpagos queimam, trovões estouram, montanhas são quebradas, florestas caem, e tudo no ar ou água ou terra que seja mortal expira. Pois o fogo desloca todo o ar, e a água engolfa toda a terra, e assim todas as coisas são purificadas, e tudo que foi tolo no mundo perece como se nunca tivesse existido, como o sal desaparece quando é colocado em água. BINGEN, Hildegard von. Gott schauen. Düsseldorf: Patmos, 2001. p.201 “Ich schaute weiter -: Und siehe, alle Elemente und jegliches Geschöpf wurden von einer allesdurchdringenden Bewegung erschüttert. Feuer, Luft und Wasser brachen hervor und 113 lieβen die Erde ins Wanken geraten. Blitze und Donner krachten, Berge und Wälder stürzten: Alles, was sterblich war, hauchte sein Leben aus. Und alle Elemente wurden gereinigt; aller Schmutz entschwand und ward nimmer gesehen”. (…) p. 202 “Da plötzlich flammte Blitzesleuchten vom Osten her auf! Und ich sah in einer Wolke den Menschensohn daherfahren, mit dem gleichen Antlitz, das er auf Erden trug und mit offenen Wunden. Ihn begleiteten alle Chöre der Engel. Der Thron, auf dem Er saβ, war eine Flamme, die in blendendem Glanze leuchtete, ohne zu Brennen. Unter ihm aber began der gewaltige Sturm der Weltenreinigung zu toben…” (…) p. 202-203 “Auch Sonne, Mond und Sterne funkelten nun in voller Leuchtkraft und Schönheit wie der herrlichste Schmuck am Firmament. Und sie standen still, ohne kreisende Bewegung.Sie bildeten keine Scheide mehr zwischen Tag und Nacht. Es war nicht mehr Nacht: Es war Tag. Das Ende war gekommen”. p. 201 “Eu continuei a olhar-: E veja, todos os elementos e cada criatura foram abalados por um movimento que a tudo perpassava. Fogo, ar e água emergiram e deixaram a terra cambaleante. Relâmpagos e trovões rebentaram, montanhas e florestas caíram: tudo, o que era mortal, expirou. E todos os elementos foram purificados; toda a sujeira desapareceu e nunca mais foi vista”. (...) p. 202 “Então repentinamente relâmpagos flamejantes vieram do Oriente! E eu vi em uma nuvem o Filho do Homen vir descendo, com o mesmo semblante que Ele trazia na terra e com feridas abertas. Todos os coros de anjos o acompanhavam. O trono sobre o qual Ele se sentava era uma chama, que queimava em um brilho que cegava, sem se consumir. Sob o trono, porém, o furacão violento de limpeza começou a irromper...” (...) p. 202-203 114 “Também o sol, a lua e as estrelas resplandeciam agora completamente na força de sua luz e beleza como a mais bela jóia no firmamento. E eles permaneceram paradas, sem caminhos circulares. Eles não construíram mais nenhuma fronteira mais entre Dia e Noite. Não houve mais a Noite: Houve Dia. O fim chegara”. MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990. p 302 LVII. Ein wening von dem paradyso “Dis wart gewiset und ich sach, wie das paradys geschaffen was. Siner breiti und siner lengi der vant ich kein ende, da in wirfet man dú kint ind die mutere sint und wirfet uf si fúrholtz und strowe und verbrennet si also”. p. 303 “Da sach ich zwene man inne, das waren Enoch und Helyas. Enoch der sas und Helyas der lag an der erden in grosser innekeit. Do sprach ich Enoch zu. Ich vragete in, wes si lebten na mensclicher nature. Do sprach er: ‘Wir essen ein wenig von den oppfelen und trinken ein wenig des wasseres, das der lichame sine leblicheit behalte, und das grosseste ist dú gottes kraft’. (…) ‘Warumbe hat uch got har bracht?’ ‘Das wir helfer sin der cristanheit und gottes vor dem jungsten tage’. Ich sach zwivalt paradys. Von dem irdenschen teil han ich gesprochen. Das himmelsche ist da oben, das hat das irdensche teil beteket vor allem ungewittere. In dem hohsten teil da sint inne die selen, die des vegevúres nit wirdig waren un doch noch nit in gottes rich waren komen. Si swebent in der wunne als der luft in der sunnen. Herschaft und ere, lon und crone habent si noch nit, eb si in gottes rich koment. Swenne alles ertrich zergat und das irdenische paradys nit gestat, als got sin gerihte hat getan, so sol das himmelsche paradys och zergan; is sol alles in dem gemeinen huse wonen, das zu gotte wil komen. So ensol kein siechhus me wesen; wer in gottes rich komet, der ist vor aller súchete vri. Gelobet musse Jhesus Christus wesen, der uns sin riche hat gegeben”. 115 MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 325. Book VII – 57. A Bit about Paradise [N.A. notas foram omitidas] “This was revealed and I saw how Paradise was constituted. Of its breadth and length I could find no end”. (…) Livro VII – 57. Um pouco sobre o Paraíso [N.A. notas foram omitidas] “Isto foi revelado e eu vi como o Paraíso foi constituído. De sua largura e comprimento eu não pude encontrar o fim”. (...) p. 326-327 “I saw there two men, Enoch and Elijah. Enoch was sitting and Elijah was lying on the ground in great fervor. Then I spoke to Enoch. I asked him whether they were living as humans do. He said: ‘We eat a bit from the apples and drink a little of the water to keep the body alive. But most important is God’s power’”. (…) ‘Why did God bring you here?’ ‘That we might be helpers of Christianity and of God until the last day’. I saw a twofold paradise. I have described the earthly part. The heavenly part is up above and covers the earthly part against all storms. In the highest part are those souls who have no need of purgatory but have not yet come into God’s kingdom. They hover in bliss as does the air in the sun. Power and honor, reward and crown are not yet theirs until they enter God’s kingdom. When the whole earth passes away And the earthly paradise no longer exists; When God has held his judgment, The heavenly paradise shall also pass away. All that come to God Shall dwell in a common house. There shall be no more hospitals for the sick. Whoever enters God’s kingdom Is free of all infirmity. May Jesus Christ be praised Who has given us his kingdom”. 116 “Eu vi dois homens, Enoque e Elias. Enoque estava sentado e Elias estava deitado no chão em grande fervor. Então eu falei com Enoque. Eu perguntei a ele se eles estavam vivendo como os humanos vivem. Ele disse: ‘Nós comemos um pouco das maçãs e bebemos um pouco de água para manter o corpo vivo. Mas o mais importante é o poder de Deus’”. (...) ‘Por que Deus os trouxe aqui?’ ‘Para que nós possamos ser ajudantes da cristandade e de Deus até o último dia’. Eu vi um paraíso duplo. Eu descrevi a parte terrestre. A parte celestial está lá em cima e cobre a parte terrestre contra todas as tempestades. Na parte mais alta estão aquelas almas que não necessitam de purgatório, mas não entraram ainda no reino de Deus. Elas pairam em bem-aventurança como o ar no sol. Poder e honra, galardão e coroa não são delas ainda, até que elas entrem no reino de Deus. Quando toda a terra passar E o paraíso terrestre não mais existir; Quando Deus tiver julgado, O paraíso celeste também passará. Todos que vão a Deus Habitarão em uma casa única. Não existirão mais hospitais para os doentes. Todo aquele que entra no reino de Deus É livre de toda a enfermidade. Que Jesus Cristo seja louvado, Ele que nos deu o seu reino”. 117