Realidades e Ficções na Formação Analítica

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Realidades e Ficções na Formação Analítica
Realidades e Ficções na Formação Analítica
*Cibele Maria Moraes Di Battista Brandão
Resumo: Em 1912, Freud publicou entre vários artigos sobre técnica o texto “Recomendações aos
Médicos que exercem a psicanálise”, em que responde a uma questão que com frequência devia serlhe feita: como uma pessoa torna-se um psicanalista. Sua resposta foi “pela análise de seus sonhos”.
Com essa colocação rápida e objetiva Freud colocava em cena tanto a importância dos sonhos, a via
régia ao inconsciente, como também pontuava a questão da formação psicanalítica. Como assessorar
o pretendente para estar apto a interpretar seus próprios sonhos? Pois, se conseguisse uma
aproximação ao seu próprio dinamismo inconsciente conseguiria também para o inconsciente do
outro. Com isso desde o princípio Freud enfatizava a participação da própria mente do analista na
composição da dupla, e já apontava que na mente do analista estaria sua maior fonte de aprendizado.
Seu mundo interno seria um instrumento participante no processo analítico, necessitando ser cuidado,
conhecido e disponível para o exercício dessa função. No presente estudo são levantados aspectos
relacionados com as realidades e ficções da trajetória da formação psicanalítica. Para tal são utilizadas
as ideias contidas nesse artigo de Freud e a estória do mito grego de Ícaro e seu desejo de voar para
libertar-se de uma prisão. A análise de um mito traz uma linguagem metafórica rica e podemos pensar
nessa narrativa fazendo uma analogia com a formação psicanalítica por vários ângulos.
Palavras chaves: Formação Psicanalítica, sonho, criatividade, transformação, ética, mito de Ícaro,
desenvolvimento emocional.
Janeiro de 2014.
*Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Realidades e Ficções na Formação Psicanalítica
1. Desenvolvimento Emocional – passagem da realidade psíquica para uma mente capaz de
simbolização.
Em 1912, Freud (1969, p. 149) publicou entre vários artigos sobre técnica o texto
“Recomendações aos Médicos que exercem a psicanálise”, que responde a questão que com
frequência devia-lhe ser feita como uma pessoa se torna um psicanalista. Sua resposta era “Pela
análise de seus sonhos”. Com essa colocação rápida e objetiva colocava em cena tanto a importância
dos sonhos que era a via régia ao inconsciente, como também pontuava a questão da formação
psicanalítica. Como assessorar o pretendente para estar apto a interpretar seus próprios sonhos? Pois,
se conseguisse uma aproximação de seu próprio dinamismo inconsciente conseguiria também para o
inconsciente do outro. Com isso desde o princípio Freud enfatizava a participação da própria mente
do analista na composição da dupla, que na mente do analista estaria sua maior fonte de aprendizado.
Seu mundo interno seria um instrumento no processo, necessitando esse instrumento ser cuidado,
conhecido e disponível para assessora-lo.
Ele acrescenta ainda que também não é possível esse aprendizado ser feito sozinho, sem auxílio
externo. Cito aqui o texto com suas palavras:
“Todo aquele que tome o trabalho a sério deve escolher esse curso, que oferece mais uma
vantagem; o sacrifício que implica revelar-se a outra pessoa, sem ser levado a isso pela doença, é
amplamente recompensado. Não apenas o objetivo de aprender, a saber, o que se acha oculto na
própria mente é muito mais rapidamente atingido, e com menos dispêndio de afeto, mas obter-se-ão,
em relação a si próprio, impressões e convicções que em vão seriam buscadas no estudo de livros e
na assistência a palestras. E por fim, não devemos subestimar a vantagem que deriva do contato
mental duradouro que via de regra, se estabelece entre o estudioso e o seu guia”. Mais adiante Freud
também adverte que se alguém não recorre a análise para aprender sobre si e ter todos os benefícios
que tal condição traz, “correrá o sério perigo de tornar-se perigo também para os outros. Cairá
facilmente na tentação de projetar para fora algumas das peculiaridades de sua própria personalidade,
que indistintamente percebeu, no campo da ciência como uma teoria de validade universal; levará o
método psicanalítico ao descrédito e desencaminhará os inexperientes”.
Cito essa recomendação de Freud com receio de ter nesse contexto uma conotação moralista ou
ameaçadora. Mas, quero reiterar a ideia que recomendando vivamente o submeter-se a análise,
inclusive de tempos em tempos a reanalise, estaríamos pensando no processo não só como a pedra
angular do torna-se analista, mas que o bom uso de um conhecimento que traz subjacente um poder
que se mal usado aquilo que é bom reverte-se em dano. Necessitamos pensar em conjunto sobre as
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questões referentes a esse processo misterioso que é alguém se transformar em um analista. Não
temos respostas certas ou convincentes, mas, a reflexão que trazem já pode ser benéfica.
Não estamos a procura de respostas definitivas e se as tivéssemos poderíamos perder a
vantagem que é levantar questões para refletir principalmente quando estamos reunidos. São
propostas questões que não se busca resposta mas busca-se mais perguntas e mais reflexão.
E isso fertiliza a mente, mais do que a acalma temporariamente com uma resposta superficial e
um saber parcial.
O que queremos é que haja a inserção da mente em um longo e interminável processo de
transformação. E que fique uma convicção de que a mente de um analista é infindável em sua
capacidade de cultivo. Para isso, essa atitude de constante cultivo está implícita que novas investidas
têm que serem feitas, pois é uma mente que sofre muita estimulação, muita solicitação e tem que ser
realimentada. Portanto, não estamos falando somente de membros filiados. Por formação não
entendemos só um período de dedicação, seguido de uma formatura. Estamos falando de processos
constantes para se manter o vigor analítico. A formação não possui respostas prontas. É mais uma
condição de tudo ser buscado pela verdade e não por estatutos.
O analista busca os benefícios desse processo, mesmo quando o busca sem grandes sofrimentos.
Ele se submete a um tratamento por longos anos, às vezes até pensando que não teria tanto o que falar
em tantas sessões na semana. Mas, o privilégio é submeter-se a um método onde estará perto, pelo
processo da dupla, da criatividade e da competência e poderá ver a complexidade da mente e a
importância do trabalho e conjunto. A pessoa deveria buscar a análise porque tem um sofrimento ou
indagações. É preciso ver se ela consegue estabelecer um vínculo com uma pessoa que é transitória
em sua vida, mas que cria condições para ser cultivado uma atitude permanente de busca,
conhecimento e transformação. Ela aprende essa busca constante, por introjetar a atitude que vê em
seu analista. O método abre caminho para um contato com a realidade psíquica que é um pensamento
onipotente e que não leva em conta a realidade. Esse pensamento necessita de evolução para ser capaz
de discriminar os fatos, poder simbolizar e ganhar consciência de si. O que é buscado é o aprender a
pensar.
2. Quem nos procura para formação? Quem procura os que se formam?
O que se passa no mundo interno de uma pessoa que deseja tornar-se, ou melhor, deseja ter a
condição de vivenciar “o vir a ser um psicanalista”?
Penso em um termo introduzido por “Bion”, Bléandonu (1993, p. 162) que na sua grade situa
na fileira D que corresponde, conforme o Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise de David E.
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Zimerman (2001) ao estágio evolutivo da capacidade de pensar das pré-concepções. Sou estimulada
pela ideia frequentemente refletida em diálogos sobre o processo de formação que diz que já trazemos
em nosso interior o psicanalista que podemos vir a ser, se tivermos essa função minimamente
estruturada e desenvolvida.
O processo psicanalítico cria condições para que as funções requeridas de um analista se
expressem. Voltando ao conceito, a pré-concepção designa uma etapa evolutiva na formação da
capacidade de pensar os pensamentos. Como o nome sugere, Bion afirma que todo ser humano nasce
com uma pré-concepção de que algo vai preencher determinada necessidade, como por exemplo, o
seio que vai saciar a fome, outra também universal pré-concepção.
Afirma que a pré-concepção está a espera de uma realização a qual pode ser positiva ou
negativa. No primeiro caso uma pré-concepção do seio materno alimentador e a real presença
amamentadora da mãe concretiza a realização positiva. O segundo ocorre quando a mãe não está
presente. É necessário esclarecer, porém que essa realização negativa quando efetivada
adequadamente é indispensável para passagem a etapa seguinte do pensamento, o da concepção da
fileira E, de acordo com o vocabulário de psicanalise consultado acima que designa o nível de
concepção na gênese da função de pensar. A concepção segue, na grade, à letra D que designa as préconecpções e permite a passagem para letra E, que refere a formação de conceitos. A esse conceito
de pré-concepção eu agregaria um outro descrito por Bion também que é a função psicanalítica da
personalidade conforme vocabulário já citado, encontro como definição que esse refere-se ao fato de
a busca epistemológica ser inata em qualquer indivíduo e que essa pulsão de conhecer as verdades
deve ser desenvolvida no analisando através da análise e da introjeção da função de analisar do seu
analista. Em suma, a função psicanalítica da personalidade designa uma atitude mental profunda em
face da verdade e do conhecimento de si mesmo e é a única que permite uma continuidade da função
auto- analítica. Essa função será importante para se manter a atitude de constante reavaliação e
percepção dos processos mentais mesmo quando o processo analítico nos anos de formação tiverem
terminado.
Unindo esses dois conceitos – o de pré-concepção e o de função psicanalítica da personalidade,
poderíamos reiterar a ideia que trazemos em nosso interior o psicanalista que podemos vir a ser, o
que podemos ser e não o que queremos, e se tivermos essa função permanentemente cultivada. Há
um desejo atávico pela realização dessa função?
Ser psicanalista é uma função que nunca termina, que será desenvolvida nos seguidos anos da
formação. Há uma pré-concepção inata e há uma função a ser desenvolvida. O encontro desse querer
com algo que responde, traz uma realização. Temos então colocado em nossas indagações a questão
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de um desejo que se manifesta, uma função que será aprendida com os pares e com a repetição das
experiências, algo que se realiza.
A esse respeito gostaria de acrescentar um outro vértice para compor as reflexões do que é
importante constar da formação das pessoas que procuram a formação por ter um impulso interno
para tal realização e estariam dispostos a realiza-la através da repetição da experiência. Cito uma
colocação feita por Carmen Mion (2013) em seu trabalho Medo e Paixão na Formação Psicanalítica.
Esse trabalho foi apresentado em Mesa Redonda no Congresso Brasileiro de Psicanálise em Campo
Grande-MS.
“Assim desde Freud, a Formação em Psicanálise transita entre um saber que se pode avaliar
objetivamente, cujos métodos e teorias são objetiváveis e transmissíveis e que inevitavelmente
remetem aos conteúdos e ao campo das ciências; e um outro saber que envolve criatividade, intuição
psicanalítica, uma transformação pessoal que transcende teoria e técnica uma experiência estética que
nos remete ao campo das artes”.
É uma atitude a ser cultivada que envolve não só conhecimento da teoria e método, mas um
projeto de autonomia pessoal fundada numa atitude de interrogação e busca permanente. Uma atitude
que traga até elaboração de sofrimentos pelo contato e esperança renovada na experiência estética.
Envolve um saber que cultiva a criatividade, intuição psicanalítica, transformação pessoal e a
experiência estética. Essa mesma experiência integradora que vemos acontecer no campo das artes
quando o artista consegue realizar uma obra que lhe dá forma a seu sofrimento. Tornar-se algo que
traz ao invés da destruição a noção de possibilidades de renovação e que pode ser apreendido pelo
outro. Por isso a repetição da satisfação estética torna-se necessária, porque salva, renova e
transforma.
3. Como oferecer a Ícaro a condição de continuar ter o desejo de voar, mas com um ponto de
equilíbrio no processo?
Nos mitos encontramos a história da humanidade. Erros e acertos são contados em forma de
estórias fantásticas. Os personagens nos ensinam incríveis lições de vida. Através deles somos vistos
como divinos e frágeis, sábios e tolos.
Conforme citado em Souza Brandão (1991, p. 589), Dédalo, famoso inventor grego,
responsável pela criação do Labirinto de Creta, que abrigava o temido Minotauro, era pai de Ícaro.
Dédalo pensava em um modo de escapar da prisão, junto com seu filho. Percebeu que não teria como
fugir nem por terra nem pelo mar, pois ambos eram dominados pelo rei Minos. Começou então a
reunir as penas que caiam dos pássaros que sobrevoavam a prisão e com elas pretendia construir asas,
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unindo as penas com cera de abelhas. Quando estavam prontas entregou um par ao seu filho Ícaro
com a instrução de que, em seu vôo, tinha que cuidar para não subir tão alto, pois o calor do sol
derreteria a cera, nem tão baixo, pois a umidade do oceano faria com que as penas pesassem
demasiadamente, a tal ponto de não conseguir mais manter-se no ar.
Dédalo voou conforme suas próprias recomendações e conseguiu escapar da prisão. Ícaro, no
entanto, fascinado com a possibilidade de voar foi subindo até um ponto em que a cera da abelha
derreteu e as asas desfizeram-se o que culminou em sua morte no oceano.
A análise de um mito traz uma linguagem metafórica rica e podemos pensar nessa narrativa
fazendo uma analogia com a formação psicanalítica por vários ângulos. As asas são o símbolo da
criatividade e do potencial humano para “voar” o que significa poder crescer, se desenvolver e
alcançar posições mais altas. Dédalo construiu suas asas pena por pena coladas com cera de abelha
que também representam o laborioso trabalho cotidiano das abelhas. A cera da abelha representa o
resultado do trabalho e principalmente o produto obtido por meio desse trabalho de labor cotidiano e
constante. As asas são forjadas com a soma do espírito criativo aliado ao duro trabalho, em perfeita
proporção, ou seja, a visão criativa que se transforma em possibilidade ao ser aliada à experiência
concreta. Mas se não soubermos combinar ambos, nosso voo rumo a liberdade pode ser interrompido
ou trágico.
Ícaro representa aquele personagem que herdou uma grande capacidade, mas não possui a
habilidade para usá-la adequadamente e a esbanja, correndo o risco de que, com seus excessos ser
jogado no extremo oposto. Nesse momento podemos lembrar Goethe (Freud, 1974, p. 188) “O que
herdaste de seus pais, conquiste-o para tê-lo”. Não basta receber, é preciso ter uma condição interna
para manter, possuir e usufruir aquilo que foi herdado.
Outras vezes podemos pensar em Ícaro como alguém de grande talento e potencial, mas que
não se interessa em aprimorá-lo, nem desenvolver-se para utilizar sabiamente sua capacidade.
Outras vezes também pensamos no mito de Ícaro quando encontramos as pessoas que vivem
uma fantasia inatingível. Esses personagens veem suas asas serem derretidas e caem de volta na triste
realidade por esquecerem de conciliar o sonho com o trabalho para concretizá-lo. Outros cometem o
erro oposto ao de Ícaro. O erro de não se permitirem voar alto, ou seja, deixar que a umidade do
oceano lhes sugue o sonho de voar e então deixa a jornada se tornar excessivamente pesada, até o
mar lhes engolir, sem poder sonhar.
Existe um ponto de equilíbrio em nosso processo de desenvolvimento que precisa ser
conquistado. Um ponto de equilíbrio que pode nos colocar na realidade – o voo não pode ser muito
alto e nem muito baixo. Ambos trazem perigo se ficarem nos extremos. Assim como o sol representa
o brilho, a fonte de vida, de alegria, mas que também pode queimar e ao impedir o voo destruir se for
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muito alto. O mar representa os domínios da escravidão, do sofrimento, do fundo do poço. Aqui
aparece um contraste que nos faz refletir: − Não se pode querer subir demais e ficar muito perto do
calor que queima e nem se pode descer demais, ou esconder-se sempre e desaparecer nas profundezas.
4. Criatividade e competência. O que traria hoje uma alta qualidade de Formação
Psicanalítica?
A formação psicanalítica possui duas instâncias; uma mais reservada, privada e transformadora
que é a análise didática. Somente vivenciando essa experiência um membro filiado não se tornaria
analista. Mesmo sendo essa experiência a pedra angular da formação o membro filiado junto de seu
analista criará e manterá viva a potencialidade das quais já é possuidor. O cerne do aprendizado
analítico se faz no interior dessa conjunção única. A partir dai se estabelecerá o principal instrumento
de um analista – sua personalidade em constante desenvolvimento, uma abertura para transformação
e o aprendizado e possibilidade de captar os movimentos da mente, alguns até encobertos. A outra
instância é pública – são os seminários, a convivência com os colegas e a convivência societária.
Essas atividades passam ser estímulos onde os conhecimentos são agregados e discutidos, alicerçados
no saber psicanalítico que traz uma maior compreensão da teoria.
Nesse aspecto público faz parte também a supervisão, que é o lugar onde o analista em formação
irá pensar sobre sua clínica junto de um colega que também trilhou esse caminho. É o lugar onde eles
vão pensar e repensar como a teoria e a prática se articulam. É esse um aspecto fundamental da
formação. A análise é a pedra angular, mas as supervisões, os seminários, o contato institucional é o
que fará a grande diferença em termos de trajetória de um analista. Se considerarmos só a análise
como essencial para a formação poderíamos pensar que um processo bem conduzido levaria, qualquer
pessoa que se submetesse a tal, a exercer o papel de psicanalista. E sabemos que não é assim que as
coisas se passam. A parte pública da formação é a que dará a possibilidade e capacitará o pretendente
a exercer essa função. É o espaço onde poderá ser visto como a teoria está presente na clínica e qual
a relação entre as duas. Faz parte desse processo o membro filiado poder comunicar o que conseguiu
se firmar dentro dele nesse sentido. E ele deverá comunicar isso através de um relatório. Para a
execução dessa etapa da formação gostaria de tecer alguns comentários. Em uma citação de uma fala
de Santo Agostinho feita por Elizabeth Lima da Rocha Barros, em um trabalho publicado na Revista
Brasileira de Psicanálise (1992, p.205-211) ele diz: - “Confessadamente tento estar entre aqueles que
escrevem conforme progridem e que progridem conforme escrevem”. Apesar de não ser fácil escrever
e que nesse ato lidamos com emoções de amor e ódio podemos pensar porque tal ato gera resistências
e medo. Tentando nos aproximarmos desses momentos podemos dizer que as análises pessoais podem
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nos ajudar a ver que a escrita pode nos levar a superação do fantasma da castração e da crítica. E caso
contrário, se não superados, nos colocamos como meros repetidores de conceitos já conhecidos. A
escrita é uma forma de criatividade e articulação que ajuda a nos conhecermos, nos superarmos e
principalmente de nos reconhecermos como autores de um processo criativo dentro de nossa própria
clínica. Passar da palavra falada para a palavra escrita é um processo de transformação. Começa com
a libido sendo investida numa dupla (supervisor-supervisando) que vivencia o processo de
transferência e contratransferência, ou seja, a vivência básica da clínica. Essa vivência traz uma
experiência e uma reflexão sobre o vínculo. Todos esses vínculos trazem em seu cerne o desejo de
maior compreensão e domínio do conhecimento. É comum ouvirmos: − “gostaria de levar para a
supervisão todos os meus casos”. A escolha de um caso colocado a disposição de um processo de
reflexão, abre caminho para novos significados e articulações. Escrever é uma oportunidade de
descobrir sentidos que sem nos determos não perceberíamos. Escrever é sonhar e poder nos
aproximarmos de nós mesmos. Ter a coragem de publicar e comunicar aos pares traz um sentimento
de pertencimento.
E assim damos continuidade ao processo de formação que pelo exposto até aqui falamos de um
desejo interno que leva a essa busca quase como uma necessidade. Essa busca trazendo algum grau
de satisfação abre novas indagações.
Há outro aspecto para considerarmos também. É o aspecto ligado a ética do desenvolvimento,
ou seja, há uma ética relacionada à necessidade e exigência do desenvolvimento para oferecer um
atendimento vivo e transformador ao paciente.
O que é preciso ter, além do desejo de ser analista? Aqui a ética é entendida como levando-se
em consideração o outro, pois caso contrário só seria uma norma de conduta, seria um preceito
moralista. Curiosamente tenho percebido que faz parte de todo Código de Ética das diferentes
profissões o princípio básico de busca pelo desenvolvimento.
Essa busca submetida a uma norma que requer um aprimoramento. Por exemplo, no Código de
Ética do Conselho Regional de Psicologia (2005) temos que “O psicólogo atuará com
responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o
desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática”.
Na Carta de Princípios Éticos adotada pela Febrapsi temos no item B – Para ser ético o
psicanalista precisa ser competente. A competência analítica baseia-se na sensibilidade do analista,
na sua realização das teorias analíticas, no manejo do método e no conhecimento das implicações
éticas que as teorias e o método possuem. Essas implicações não são circunstancias, mas intrínsecas.
A atividade competente do analista implica que haja coincidência entre o conhecimento analítico
aplicado e o comportamento responsável das repercussões que o mesmo possa ter no paciente.
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Depreendemos dai que a busca pela formação analítica além de um desejo interno relacionado
com a transformação de aspectos da mente não consolidados, que geram sofrimento, é esperada
também uma conduta de constante aprimoramento como dever de quem se dispõe a cuidar de outra
mente.
Cibele M. M. Di Battista Brandão
Av. Ida Artêncio Muzzi, № 410
Marília, SP – Cep: 17.502-590 – Brasil
E-mail: [email protected]
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Referências
Bléandonu, Gérard (1993). Wilfred R. Bion: a vida e a obra, 1897-1979. Rio de Janeiro: Imago.
Conselho Regional de Psicologia SP (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível
em: <http://www.crpsp.org.br/portal/orientacao/codigo/fr_codigo_etica_new.aspx>. Acessado em:
15 jan. 2014.
Freud, S. (1974). Totem e Tabu, vol. 13. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
______ (1969). O caso Schreber artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911/1913). Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
Mion, C. (2013). Medo e paixão na formação psicanalítica. Trabalho apresentado em Mesa
Redonda durante o XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise, em 27 de setembro de 2013, Campo
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Rocha Barros, Elizabeth L. (1992). Escrita psicanalítica e prática clínica. São Paulo, Revista
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Zimerman, D. E. (2001). Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre, Artmed.
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