Vertigem Posicional paroxística benigna em idosos

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Vertigem Posicional paroxística benigna em idosos
Vertigem Posicional paroxística benigna em idosos – Antônio Carlos Pereira Barreto Filho
www.geriatriahcusp.org.br
Dr. Antônio Carlos: [email protected]
A VPPB é a causa mais comum de vertigem no adulto (e no idoso).
Seu diagnóstico e tratamento são inteiramente realizados com manobras à beira do leito,
dispensando-se exames complementares e medicações. É uma das poucas doenças não
infecciosas que temos condições de CURAR com tratamento clínico.
Apesar de ter sido descrita por Bárány em 1921, e bem caracterizada por Dix e Halpike em 1952,
sua fisiopatologia só foi estabelecida em 1992; de forma que mesmo os médicos formados neste
milênio não receberam treinamento adequado sobre esta doença.
EPIDEMIOLOGIA A incidência de VPPB na população em geral é estimada em 10-100 casos
novos/100.000/ano. Entretanto, o diagnóstico é feito em cerca de 17% dos pacientes em clínicas
especializadas em tontura.
No Ambulatório Breve do Serviço de Geriatria do HCFMUSP no segundo semestre de 2000, dos
299 idosos que buscaram atendimento geriátrico, 43 apresentavam queixa de tontura, sendo 16
com tontura rotatória (vertigem), e 6 com diagnóstico de VPPB. Nesta série, portanto, um terço
das vertigens eram causadas por VPPB, e 2.0% de todos os idosos buscando atendimento
geriátrico apresentavam o diagnóstico!
QUADRO CLÍNICO Classicamente, o paciente refere tontura ou vertigem em crises de curta
duração (menos de 1 minuto), causada por movimentos da cabeça. Os movimentos mais
comuns são olhar para cima, se abaixar e rolar na cama. O quadro tem início súbito, e as
primeiras crises costumam ser acompanhadas de náuseas e vômitos, quedas, e grande
incapacitação. Com a evolução, os movimentos são instintivamente evitados, e há habituação;
havendo diminuição progressiva dos sintomas. Sem tratamento, o quadro geralmente é autolimitado (provavelmente por habituação neurológica, mesmo com os otólitos presentes), com
duração de semanas a mais de 1 ano. Grande limitação dos movimentos da cabeça ou uso de
anti-vertiginosos podem levar à perpetuação da doença.
Entretanto, o diagnóstico muitas vezes não é fácil. Há uma latência de 1 a 5 segundos entre o
movimento e a vertigem, de forma que alguns pacientes não percebem a associação entre os
dois. A presença de tontura tipo atordoamento após o quadro vertiginoso pode levar o paciente a
descrever a duração da vertigem como de muitos minutos. A associação (muito comum) com
outros tipos de tontura pode levar à descrição da VPPB como a piora de uma tontura de base, e
descrições de "tenho tontura o dia todo" podem encobrir a presença associada da VPPB.
Finalmente, a descrição de tontura ao se levantar, instintivamente atribuída à hipotensão
postural, pode ser manifestação de VPPB.
Este autor encoraja a se suspeitar de VPPB em qualquer tontura ou vertigem em crises ou com
crises de exarcebação, com duração de menos de meia hora, mesmo na vigência de outra
condição ou sintoma que poderia explicar estas crises, dada a grande prevalência da VPPB, e
acima de tudo, a grande perspectiva de diagnóstico e cura.
FISIOPATOLOGIA Deve-se à presença de partículas de carbonato de cálcio (otólitos) flutuando
na endolinfa do canal semicircular posterior, que se desprendem da mácula do utrículo por
razões desconhecidas, e se depositam no CSP por ação da gravidade e movimentos da cabeça
(FIGURA 1). Cerca de um quinto dos pacientes referem antecedente de Trauma Craniano, e 1015% neuronite vestibular prévia; sendo as únicas causas (ou fatores de risco) conhecidos.
Quando o canal semicircular posterior é ativado pelos movimentos já descritos, a presença dos
otólitos aparentemente leva a um sinal disfuncional que causa a vertigem.
DIAGNÓSTICO Usa-se a manobra de Dix-Hallpike (FIGURA 2).
Posiciona-se o paciente previamente na maca sentado, com a cabeça virada 45 graus para o
lado a ser testado, e com os pés voltados à cabeceira da maca, certificando-se que ao se deitar
sua cabeça e porção superior dos ombros saiam para fora da maca. É útil colocar a escada da
maca na posição aproximada onde se espera que o paciente sente, e não no meio dela, evitando
deslocamentos posteriores.
A manobra propriamente dita é deitar o paciente rapidamente, até que sua cabeça penda para
fora da maca, inclinada 30 graus abaixo do plano da cama, e com a cabeça virada 45 graus para
o lado do labirinto testado. É vital explicar para o paciente que se trata de "um teste para
labirintite", que sua cabeça será pendida para fora da cama, e que a manobra poderá resultar
em vertigem. O paciente deve ser orientado a manter os OLHOS ABERTOS uma vez na posição
final, e "olhar longe" (não fixar objeto algum), e o examinador deve prestar atenção para o
surgimento de nistagmo.
A manobra é positiva quando o paciente descreve tontura (que pode ser rotatória ou não),
iniciada após uma LATÊNCIA de um a cinco segundos da manobra (tontura imediatamente após
a manobra deve ser avaliada melhor), e que tenha uma DURAÇÃO de vinte a quarenta
segundos. A presença de nistagmo é necessária para o diagnóstico mas não para a suspeita
diagnóstica (leia abaixo). Se a tontura foi "contínua", mas foi bastante exacerbada nos tempos
descritos, recomenda-se uma prova terapêutica.
IMPORTANTE: se a doença tem manifestação intensa, o paciente pode referir tontura e ter
nistagmo DO OUTRO LADO TAMBÉM, porém estes serão de muito menor intensidade do que
do lado afetado. Existe VPPB bilateral, mas é rara. O tratamento do lado mais intenso leva quase
sempre à negativação da manobra dos dois lados.
A descrição clássica de Dix e Hallpike inclui a presença de NISTAGMO para cima e rotatório
durante a sensação vertiginosa. Se presente, a anotação das características do nistagmo será
importante no seguimento do tratamento, para futura comparação.
Alguns autores insistem na presença do Nistagmo para diagnóstico "de certeza" da VPPB. Nos
Ambulatórios Breve e de Tontura do Serviço de Geriatria do HCFMUSP foram diagnosticados e
tratados com sucesso 14 casos de VPPB em 2000. Apenas metade tinham nistagmo. A metade
sem nistagmo apresentou quadro clínico, tontura nos tempos corretos à manobra de DixHallpike, e remissão da tontura à manobra e dos sintomas com o tratamento. Este autor
considera purismo não considerá-los VPPB (ou pelo menos "suspeita diagnóstica"), e um crime
não oferecê-los tratamento (ou prova terapêutica) dada a sua simplicidade e eficácia. A ausência
do nistagmo pode ser explicada pela não utilização de óculos de Frenzel que evitam a fixação,
ou pela idade dos pacientes.
A descrição clássica também exige a repetição da manobra várias vezes para se verificar a sua
habituação (desaparecimento ou diminuição acentuada do sintoma/nistagmo). Isto NÃO É MAIS
RECOMENDADO, pois a manobra propele otólitos do utrículo para o canal semicircular
posterior, e pode prolongar o tratamento.
IMPORTANTE: o paciente pode ter tontura e nistagmo (invertido) ao SENTAR-SE, pois há
ativação inversa do canal semicircular posterior, portanto deve ser amparado.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Com a manobra de Dix-Hallpike positiva e com a temporização
esperada, há poucos diagnósticos além da VPPB.
Tontura Cervical e Vertigem Posicional Central são os mais importantes. A vertigem e/ou
nistagmo se iniciam imediatamente após a posição de cabeça pendente, e teoricamente duram
todo o tempo da posição. São causados, respectivamente, por sinais aferentes inapropriados da
coluna cervical; e por lesões no tronco cerebral. É importante notar que a tontura da VPPB é
causada pelo MOVIMENTO da manobra de Dix-Hallpike, e não pela posição final. Nestes casos
é o contrário.
Há ainda a VPPB de Canal Horizontal. Esta doença é equivalente à VPPB clássica, mas com
otólitos depositados no canal semicircular lateral (horizontal). O número de casos descritos na
literatura cresce a cada dia. O diagnóstico diferencial perde parte de sua importância devido ao
fato que muitas vezes a VPPB de canal horizontal tem manobra de Dix-Hallpike positiva e
responde à manobra de Epley, além do que há associação entre as duas. O diagnóstico se faz
colocando o paciente deitado, e rodando rapidamente sua cabeça para o lado a ser testado. A
manobra é positiva dos dois lados, mais intensa do lado afetado. O nistagmo se inverte testandose o lado são. A manobra de tratamento é parecida com a de Epley (leia abaixo) mas roda-se a
cabeça do paciente 270 ou 360 graus (a volta completa). A repetição de três manobras por
intervenção também é indicada aqui. É comum o aparecimento de VPPB clássica após o
tratamento, pela migração dos otólitos.
Outros diagnósticos: Insuficiência Vértebro-Basilar e Fístula Perilinfática.
TRATAMENTO Existem várias manobras para o tratamento da VPPB. A mais aceita e utilizada é
a manobra de Epley, por ter substrato fisiopatológico. Ela é chamada Manobra de Reposição
Canalicular, por perfazer a rotação equivalente ao canal semicircular posterior, jogando os
otólitos de volta ao utrículo.
Pacientes com doença cervical avançada ou com obstrução carotídea e/ou vértebro-basilar
importantes têm contra-indicação relativa para a realização da manobra.
A manobra de Epley (FIGURA 3) parte da posição de cabeça pendente obtida após a manobra
de Dix-Hallpike, com a cabeça virada para o lado afetado e a ser tratado. Deve-se esperar a
cessação da vertigem/nistagmo antes de começar. Alguns autores sugerem que o paciente deve
ter permanecido sentado por 10 minutos antes da manobra, para o assentamento dos otólitos.
A manobra consiste em rodar a cabeça do paciente lentamente para o outro lado (alguns autores
falam em 1 minuto para a rotação total), perfazendo 225 graus, até o nariz do paciente apontar
para o chão. O paciente precisará rodar parcialmente o corpo, pois o pescoço sozinho não
permite toda a rotação, por isso certifique-se que há espaço na maca para a rotação para aquele
lado (o paciente deve estar deitado mais próximo da outra borda da maca, oposta à direção da
rotação) e peça para o acompanhante ficar ao lado do paciente para auxiliá-lo no movimento.
Após a rotação, deixa-se o paciente com o nariz apontando para o chão por 10 a 15 segundos, e
em seguida senta-se o paciente, mantendo sua cabeça virada para o lado. Uma vez sentado,
roda-se a cabeça para a frente e inclina-se o queixo para baixo 20 graus, e aguarda-se um
pouco. É comum o paciente sentir tontura durante e/ou após a manobra.
Alguns autores sugerem uma nova realização da manobra de Dix-Hallpike para se verificar o
resultado, e a repetição da manobra de Epley se ainda positiva. Entretanto, isto não é
recomendável pois a manobra de Dix-Hallpike joga os otólitos de volta ao canal semicircular
posterior. Considerando-se finalmente que alguns autores descreveram a necessidade de duas
ou até três manobras na mesma sessão para a negativação do Dix-Hallpike (numa minoria dos
casos), uma recomendação apaziguadora seria a realização de duas ou três manobras de Epley
para todos os pacientes, seguidas, na mesma sessão. É importante notar que ao se realizar pela
segunda ou terceira vez NÃO se deve realizar o Dix-Hallpike, mas sim deitar o paciente MUITO
lentamente até a posição de cabeça pendente, e após a cessação de eventual
vertigem/nistagmo executar-se o Epley. Se na descida prescedendo a terceira manobra o
paciente ainda apresentar vertigem/nistagmo, a execução de mais manobras pode estar
indicada.
IMPORTANTE: após a(s) manobra(s) de Epley, o paciente deve ser orientado para evitar
movimentos bruscos da cabeça por 48 horas, especialmente angular a cabeça para cima e para
baixo e deitar-se ou levantar-se, e se possível não se deitar de costas ou para o lado afetado
neste período, preferindo deitar-se de bruços e com a orelha do lado afetado para cima. Desta
forma, evita-se o retorno dos otólitos removidos. Espera-se que após 48 horas estes já tenham
sido removidos pelo fluxo endolinfático, e após este período o paciente deve ser estimulado a
retornar às atividades habituais, de forma a relatar no retorno a persistência ou não do sintoma.
A reavaliação pode ser após 72 horas, embora alguns advoguem uma semana. Testa-se
novamente o paciente com a manobra de Dix-Hallpike, e se positiva, repete-se o tratamento.
Espera-se a resolução com uma a quatro intervenções.
PROGNÓSTICO A remissão dos sintomas e a negativação do Dix-Hallpike é obtida, segundo a
literatura, em 44-89% dos casos com uma única intervenção. Isto aumenta para até 100% com
mais de uma sessão. No Serviço de Geriatria do HCFMUSP, 14 pacientes tratados no ano de
2000 melhoraram 100% com até 4 intervenções (3 manobras de Epley em cada), sendo que
metade teve total remissão com apenas uma.
A recorrência é relativamente alta, estimada em 15% ao ano. Deve-se orientar o paciente a
procurar novamente o médico na recorrência dos sintomas.
É importante notar que mesmo após o tratamento da VPPB, muitos pacientes permanecerão
com a queixa de tontura, de outras etiologias. A presença da VPPB por meses leva à limitação
das atividades, o que pode levar a uma tontura tipo desequilíbrio, devido ao enfraquecimento da
musculatura postural. Pacientes com vertigem podem passar a se queixar de tontura tipo
atordoamento, que pode restar como uma "sequela" da VPPB após seu tratamento. Advoga-se
nestes casos, além da investigação e diagnóstico de outras causas de tontura, a reabilitação
vestibular – exercícios de estimulação labiríntica que visam a habituação e reestruturação das
vias neurológicas vestibulares; e o treino de marcha com fortalecimento de musculatura postural.
Em casos leves de tontura tipo desequilíbrio e/ou atordoamento que restem como "sequela"
após o tratamento da VPPB, pode bastar a orientação de caminhadas bastante frequentes,
preferencialmente em terreno irregular (com acompanhante se necessário); e o retorno às
atividades habituais de antes da doença, com atenção especial para o retorno aos movimentos
de cabeça que o paciente precisava evitar devido à VPPB.
Antonio Carlos Pereira Barretto Filho
BIBLIOGRAFIA
1. Furman JM Cass SP "Benign Paroxysmal Positional Vertigo" NEJM Nov 18 1999 341: 15901596
2. Herdman SJ "Treatment of Benign Paroxysmal Positional Vertigo" Physical Therapy Vol 70 n.6
June 1990
3. Welling DB Barnes DE "Particle Reposioning Maneuver for BPPV" Laryngoscope 104: Aug
1994
4. Appiani GC Gagliardi M Urbani L Lucertini M "The Epley maneuver for the treatment of Benign
Paroxysmal Positional Vertigo" Eur Arch Otorrhinolaringol (1996) 253: 31-34
5. Fife TD "Recognition and management of Horinzontal Canal benign positional vertigo" Am J
Otol 19(3): 345-51 1998 May
6. Dados não publicados do Ambulatório Breve e Ambulatório de Tonturas do Serviço de
Geriatria HCFMUSP, 2000
FIGURA 1 – LABIRINTO
FIGURA 3 – MANOBRA DE EPLEY
FIGURA 2 – MANOBRA DE
DIX-HALLPIKE

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