a pesquisa sociolinguística nas línguas indígenas brasileiras

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a pesquisa sociolinguística nas línguas indígenas brasileiras
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F E R N A N D O
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A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NAS LÍNGUAS INDÍGENAS
BRASILEIRAS
Letícia Reis de Oliveira (UEMS)
[email protected]
Taís Turaça Arantes (UEMS)
[email protected]
Marlon Leal Rodrigues (UEMS)
[email protected]
Nataniel dos Santos Gomes (UEMS)
[email protected]
RESUMO: Com ascensão das pesquisas linguísticas, muitas vertentes e linhas de pesquisa surgiram ao
longo da trajetória dos estudos científicos em torno da língua. Uma das subáreas da Linguística, hoje em
fase de crescimento, é a Sociolinguística, que nada mais é do que, o interesse de estudar a língua em uso
na sociedade e nas comunidades de fala. Nesse sentido, temos Tarallo como um dos pesquisadores de
grande relevância e que muito contribuiu para a propagação dessa linha de pesquisa, sobretudo pelo livro
A pesquisa sociolinguística que é muito utilizado como um embasamento teórico para esse tipo de
trabalho. Nesse livro, há uma preocupação do autor de expor o que é a pesquisa sociolinguística e como
ela deve ser realizada, além de quebrar pré-conceitos estabelecidos com relação a essa subárea.
Principalmente pelos linguistas e filólogos, que ainda hoje, demonstram certa desconfiança quando se
trata desse tipo de pesquisa, por diversos fatores, um deles é o fato de haver uma banalização relacionada
à sociolinguística. Apesar de Tarallo não ter trabalhado com a pesquisa sociolinguística de línguas
indígenas, nesse artigo daremos exemplos especificamente desse tipo trabalho desenvolvido hoje por
vários sociolinguistas, visto que, a sociolinguística não pensa somente na língua, mas considera os fatores
culturais, históricos e sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística, Tarallo, Língua indígena brasileira.
ABSTRACT: With the rise of linguistic research, many strands and lines of research have emerged over
the course of scientific studies around the language. One of the subfields of linguistics today during
growth, is Sociolinguistics, which is nothing more than the interest of studying the language in use in
society and speech communities. Thus, we have Tarallo as one of the researchers of great importance and
which contributed to the spread of this line of research, especially for his book The sociolinguistic
research as it is used as a theoretical basis for this kind of work here in Brazil. In this book, there is a
concern of the author to expose what is sociolinguistic research and how it should be performed in
addition to breaking pre-established concepts related to this subarea. Mainly by linguists and philologists,
who still demonstrate some suspicion when it comes to this kind of research by several factors, one of
them is the fact that there is a trivialization to sociolinguistics. Although Tarallo not work to
sociolinguistic survey of indigenous languages, this paper will give examples of such work done today by
many Sociolinguists, knowing that the sociolinguistic think not only in language, but considers the
cultural, historical and social factors.
KEYWORDS: Sociolinguistics, Tarallo, Brazilian indigenous language.
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Introdução
A pesquisa sociolinguística teve o seu início com alguns questionamentos feitos
por um dos discípulos de Sausurre, Antonie Meillet, a partir de seus artigos publicados,
foi que mais tarde Labov retoma esses estudos tornando-se um dos precursores dos
estudos sociolinguísticos que ainda hoje serve de base teórica para esse tipo de pesquisa
em todo o mundo.
A sociolinguística é uma das vertentes teóricas da linguística, que pesquisa a
língua, mas com um foco maior nos falantes, no seu uso no seio das comunidades de
fala, outra questão que trata essa teoria é da variação linguística e das mudanças que
ocorrem dentro dessas comunidades linguísticas.
No Brasil, o pesquisador Fernando Tarallo é uma das referências teóricas
utilizadas em pesquisas pelo viés da sociolinguística quantitativa, um de suas principais
publicações é o livro A pesquisa sociolinguística, que serve de base para muitos
trabalhos, pois retoma a questão a contribuição de Labov e trás a aplicação da teoria no
cotidiano da pesquisa.
Nesse sentido, este estudo, visa retomar alguns dos precursores da pesquisa
sociolinguística, e também abordar questões a respeito da contribuição do pesquisador
Fernando Tarallo no Brasil, além disso, pretende-se falar sobre a aplicabilidade dessa
teoria nas pesquisas de línguas indígenas brasileiras. Já que são muitas etnias com
diferentes línguas, formas sociais, além do fato do Brasil ser um país multilíngue
(LEITE & CALLOU, 2004).
1. O surgimento da pesquisa Sociolinguística
1.1 Meillet, William Bright e Labov
Essa vertente dos estudos linguísticos lida basicamente com a variação da
língua. No entanto, para chegarmos à atual conjuntura da realidade da pesquisa
sociolinguística no Brasil, precisamos voltar no tempo e retomar ao seu início e as
importantes contribuições de seus precursores. Na França, Meillet “(...) definiu a língua
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preferencialmente como um fato social.” (CALVET 2002, p. 13), ele aprofundou as
ideias de Saussure, pois buscou explicar fenômenos linguísticos por meio de fatores
históricos e sociais. Uma das ideias de Meillet que serviu de alicerce para Labov foi à
seguinte:
Por ser a língua um fato social resulta que a linguística é uma ciência social, e
o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta da variação
linguística é a mudança social. (MEILLET, 1921 apud CALVET, 2002, p. 16)
Nesse sentido, Labov retomou essa ideia em seus trabalhos, posteriores ao de
Meillet, aprofundou os estudos sociolinguísticos e torno-se um dos precursores que não
só divulgou como também aprimorou as idéias iniciais da pesquisa linguística em
conjunto com os estudos da sociologia. Prova disso, foi o fato de ter participado em
maio de 1963 de uma conferência em Los Angeles, elaborada por William Bright e
outros 25 pesquisadores, o titulo do trabalho que apresentou nessa ocasião foi A
hipercorreção como fator de variação (CALVET ,2002, p. 28- 29). Essa conferência foi
um canal de divulgação das pesquisas sociolinguísticas produzidas até então. Dessa
forma, não poderíamos deixar de citar a contribuição de Bright, o pesquisador afirmava
ser um trabalho árduo tentar definir a sociolinguística, mesmo assim em sua tentativa
ele afirmou: “uma das maiores tarefas da sociolinguística é mostrar que a variação ou a
diversidade não é livre, mas que é correlata às referencias sociais sistemáticas”
(BRIGHT. 1966 apud CALVET 2002, p. 29).
As ideias de Meillet e Bright não foram suficientes para os estudos
sociolinguísticos, ainda havia algumas lacunas que precisavam ser preenchidas. São a
partir das pesquisas desenvolvidas por Labov que as questões passam a ficar mais claras
e “aplicáveis” de fato. Sobre o trabalho desse pesquisador Tarallo afirma:
(...) William Labov quem, mais veementemente, voltou a insistir na relação
entre a língua e a sociedade e na possibilidade, virtual e real, de se
sistematizar a variação existente e própria da língua falada. (TARALLO,
1999, p.7)
Não que os pesquisadores anteriores a Labov não tivessem considerado a relação
da língua e a sociedade, mas foi Labov quem retomou as ideias iniciais. A sua pesquisa
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consistiu em analisar o inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard no ano de 1963, no
estado de Massachusetts, sobre essa introdução a pesquisa sociolinguística quantitativa
e que leva em consideração as variações de uma língua em determinados lugares,
Tarallo aponta (1999) que muitas outros temas foram abordados a partir dos estudos de
Labov, tais como:
(...) vários outros se seguiram: estudos sobre a estratificação social do inglês
falado na cidade de Nova Iorque (1966); a língua do gueto: estudo sobre o
inglês vernáculo dos adolescentes negros de Harlem, Nova Iorque, e estudos
Sociolinguísticos da Filadélfia, entre outros. (TARALLO, 1999, p.7)
Diante disso, percebe-se que a partir da pesquisa de Labov feita por esse viés,
muitas outras sucederam, ampliando assim os estudos sociolinguísticos, não só entre
pesquisadores dos EUA, mas também entre estudiosos de todo mundo, um fator crucial
para que isso ocorresse foi o fato dele ter levantado uma oposição aos estudos
Saussureanos, que foram limitados ao tratar da língua e suas variações relacionadas às
transformações sociais. Diferente de Meillet que não contrapôs as teorias de seu
antecessor Saussure.
A sociolinguística tem como base para os estudos linguísticos a questão da
heterogeneidade da língua, ou seja, ela parte do pressuposto de que a língua é flexível,
ela está em constante transformação, sofre mudanças e variações, algo que não foi
considerado em um primeiro momento por Saussure, que se ateve as questões internas
da língua e não as externas como a sociolinguística prevê. Nesse sentindo, as principais
teorias desse tipo de pesquisa linguística são: variação linguística, mudança linguística,
línguas minoritárias, bilinguismo, contato linguístico entre outras questões que podem
ser abordadas por esse viés.
A teoria da variação linguística se concentra em averiguar quais são as formas
distintas utilizadas para dizer a mesma coisa, ou quando utilizamos uma palavra para
vários sentidos, essas variações podem ocorrer devido a fatores geográficos, como é no
caso do Português brasileiro, que se distingue de uma região para a outra, o Português
da região Sudeste é distinto do Nordeste, que é distinto do Norte, que se diferencia da
região Centro-Oeste e assim sucessivamente. Já a mudança linguística são aquelas
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transformações que ocorrem na língua com o passar do tempo, temos como exemplo o
pronome de tratamento vossa mercê, que passou a ser vosmecê que tornou-se você e
atualmente temos a variante no registro oral cê, que pode ser um indício de nova
mudança, essas alterações na língua não ocorreram de forma rápida, mas de forma lenta
e gradual, de acordo com os usos e registros em documentos escritos.
Diante dessa breve síntese a respeito do desenvolvimento da pesquisa
sociolinguística, seus precursores e o seu principal objeto de estudo, passaremos a
discorrer a respeito das contribuições de Tarallo, por meio de seu livro A pesquisa
sociolinguística, que hoje no Brasil serve de parâmetro para muitos pesquisadores.
2. A pesquisa sociolinguística de Tarallo
No Brasil, além de termos as contribuições teóricas de William Labov, também
temos as de Fernando Tarallo, que aprofundou seus estudos na chamada
Sociolinguística Quantitativa. Em suas primeiras palavras no livro o pesquisador afirma
que um dos objetivos da divulgação de seus estudos é a tentativa de deter o “caos”
linguístico, gerado principalmente pela língua falada (TARALLO, 1999, p. 5). Nesse
sentido, uma das primeiras considerações que podemos fazer a respeito da visão de
Tarallo é de que a Sociolinguística trata do “caos”, daquilo que precisa de uma
explicação, daquilo que ainda está confuso na língua.
Tarallo retoma o modelo de Sociolinguística Quantitativa retomando algo que
Labov já havia apontado em suas pesquisas, essa forma de análise é denominada
quantitativa por operar com números e tratamento estatístico dos dados coletados. O
pesquisador também considera a teoria da variação linguística e ainda aborda a questão
das variantes padrão e não padrão, que segundo ele é algo comum no estudo das
línguas, quase sempre há debates a respeito desses dois opostos linguísticos, e são esses
opostos que nos faz perceber as variantes da língua.
A questão daquilo que é padrão e do não padrão quase sempre tem a ver com o
status social, a língua que predomina é aquela que poucos têm acesso, chamada
“variante de prestígio” (TARALLO, 1999, p.13), já a variante não padrão é aquela
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estigmatizada, no entanto, é aquela que possui a “forma linguística mais forte dentro da
comunidade” (TARALLO, 1999, p. 14). Por esse fator que a sociolinguística entende
que o estudo da língua deve ser feito dentro das comunidades de fala, pois esse falar terá
distinções de uma comunidade para a outra.
A metodologia partirá do objeto de estudo da pesquisa, sobre isso vejamos a
seguinte afirmação:
(...) dentro do modelo de análise proposto neste volume, o objeto – o fato
linguístico – é o ponto de partida e, uma vez mais, um porto ao qual o modelo
espera que retornemos, sempre que encontrarmos dificuldades de análise.
(TARALLO. 1999, p. 18)
Tarallo sugere que o investigador defina primeiro o seu objeto e seus objetivos
para a partir desses pressupostos desenvolver seus estudos metodológicos. A pesquisa
sociolinguística desenvolvida por esse pesquisador foi uma das primeiras no Brasil, na
década de 1980, além disso, foi um dos primeiros trabalhos a abordar a “variação na
sintaxe feita no Brasil” (COELHO et ali, 2012, p. 62).
De acordo com Tarallo, o primeiro passo do pesquisador é ser observador (1999,
p. 20), esse trabalho serve para que o pesquisador se intere mais afundo a respeito da
comunidade de fala, para mais tarde poder interagir com os falantes e obter melhores
resultados. Outro fator importante para a investigação é que a figura do pesquisador seja
o mais natural possível, a coleta de dados deve obedecer à espontaneidade da situação e
dos falantes, isso também deve ser feito com material de coleta sonora adequado e de
qualidade, essa metodologia proposta por Tarallo (1999, p. 21).
Já com relação à seleção de informantes, são aqueles indivíduos que serão
selecionados conforme os critérios estabelecidos e necessários para a pesquisa, o
sociolinguísta chegará à análise da língua utilizada em toda a comunidade linguística a
partir desses falantes, a quantidade de indivíduos se dará conforme o tamanho da
comunidade que está sendo estudada, o que importa é que seja uma quantidade
suficiente para representar o todo.
Outra etapa importante é não revelar aos informantes a comunidade escolhida
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para o desenvolvimento da pesquisa, que o objetivo é coletar fatores linguísticos, é
estudar a língua dessas pessoas, sobre esse fato temos:
Seja qual for a comunidade, seja qual for o grupo, jamais deixe claro que seu
objetivo é estudar a língua tal como usada pela comunidade ou grupo. Se
você inadvertidamente o fizer, ou, mais grave ainda, se o fizer
conscientemente, é muito provável que o comportamento de seus informantes
– já prejudicado pelo uso do gravador e por sua presença – se altere ainda
mais. (TARALLO, 1999, p. 27)
Nesse sentido, o pesquisador precisa estar de certa forma inserido na
comunidade e a par de algumas características linguísticas, para que dessa forma a
investigação flua de forma mais natural possível, de maneira que o informante não
perceba a intenção do pesquisador, que será averiguar questões em sua língua. Outro
cuidado necessário é que o pesquisador não se vislumbre diante da quantidade de dados
coletados e com as opções de análises, é preciso forçar em um tipo de análise específica,
para que sua pesquisa não tome dimensões “astronômicas” (TARALLO 1999, p. 28).
É necessário também estabelecer critérios básicos para a seleção dos informantes
tais como: a escolaridade, a faixa etária e o gênero e separá-los em grupos, a chamada
combinação, pessoas da mesma idade e influenciadas pelos mesmos fatores sociais, por
exemplo: faixa etária de 15 a 29 anos, masculino, com acesso a escola, para então partir
para a interpretação dos dados coletados.
A partir das contribuições metodológicas de Tarallo a cerca da pesquisa
sociolinguísticas, partiremos para a aplicação desse tipo de investigação as línguas
indígenas brasileiras.
3. A Sociolinguística e a sua aplicação nas pesquisas de línguas indígenas
brasileiras
Quando se fala em investigação de línguas indígenas é muito difícil não
pensarmos nos fatores sociais das etnias indígenas e de fato o pesquisador não pode
desconsiderá-los, por isso a união da sociologia a linguística, a sociolinguística
proporciona um tipo de pesquisa que relaciona esses fatores e por isso é bastante
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empregada às investigações de línguas indígenas. No Brasil há cerca de 180 línguas
indígenas distribuídas em várias etnias e comunidades por todo o território nacional.
Segundo Aryon Rodrigues, “(...) os índios no Brasil não são um povo: são
muitos povos diferentes de nós e diferentes entre si (...)” (RODRIGUES 2002, p.17).
Nesse sentido, cabe estudar as línguas indígenas pelo viés da sociolinguística, sabemos
que nem Labov, nem Tarallo utilizaram as ferramentas dessa teoria para esse tipo de
pesquisa, no entanto, ela já é muito aplicada nas pesquisas de línguas indígenas
brasileiras, por isso nos deteremos nesse momento a uso da sociolinguística para
investigação dessas línguas.
No artigo anterior, apontamos a importância das pesquisas das línguas indígenas
brasileiras, pois há uma necessidade de linguistas que se dediquem a esse tipo de
trabalho, para que as línguas de diversas etnias no Brasil não se percam. Inicialmente a
idéia dos primeiros pesquisadores era de que as línguas indígenas fossem unificadas e
condensadas em uma só, hoje já não se tem essa visão simplista, pois se sabe que não
um povo indígena, mas vários povos e cada um com sua particularidade na cultura e na
língua.
Os primeiros estudos linguísticos em línguas indígenas ocorreram da seguinte
forma, veja:
No passado as informações e dados linguísticos sobre as línguas indígenas
brasileiras pertenciam ao registro dos etnógrafos, principalmente no século
XIX, e as obras jesuíticas a um passado ainda mais remoto. Queremos dizer
os primeiros contatos científicos com as línguas indígenas foram feitos
através de missionários nos tempos da colonização, com grande repercussão
para os estudos da atualidade. (GOMES 2009, p.2)
As primeiras pesquisas linguísticas em línguas indígenas foram feitas por
jesuítas que foram aqueles que se “inseriram” na sociedade indígena, nas comunidades,
a fim de compreender língua e estabelecer comunicação com os nativos de alguma
forma. O fato é que devido às grandes quantidades de etnias, o Brasil vive um momento
em que é importante preservar as mais diversas comunidades indígenas e
consequentemente suas línguas. Para isso, a pesquisa de línguas indígenas, a sua
catalogação e descrição são importantes para tal preservação, pois são graças aos
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escritos antigos feitos inicialmente pelos jesuítas e que temos o registro de algumas
línguas que já foram extintas.
Só no estado do Mato Grosso do Sul, estão presentes cerca de sete etnias
indígenas segundo o último levantamento sobre as línguas indígenas brasileiras feito
pelo pesquisador Aryon Dall’Igna Rodrigues em 2013, há o registro das seguintes etnias
nesses estado: os Guató, os Chamacoco, os Kadiwéu, os Kaiwá, os Nhandéva, os Ofayé
e os Teréna e em todo o território nacional elas somam em média 180 línguas, devido a
essa quantidade de etnias pressupomos uma necessidade de pesquisas dessas línguas
para que elas não caiam no esquecimento de seus nativos.
Prevendo essa possível perda de mais línguas foi que a constituição de 1988 foi
implantada com a intenção de amenizar as questões linguísticas dos indígenas e
assegurar a cada etnia o direito de conservar sua língua. A respeito do direito dos
indígenas falarem seus próprios idiomas Leite & Callou (2004) afirmam: “A
constituição de 1988 assegurou às populações indígenas o direito de manter sua
diversidade linguística e cultural, num reconhecimento oficial de ser um país
multilíngue.”
Foi pelo fato de haver inúmeras línguas indígenas brasileiras, que elas foram
divididas em troncos e famílias, a partir das semelhanças que elas apresentam entre si,
sobre essa questão veja:
As línguas presentes nesses trocos ou famílias foram unidas em um mesmo
grupo por meio de comparações linguísticas e das semelhanças que elas
apresentam entre si, muitas vezes, por estarem próximas, ou devido às
guerras entre as tribos, tiveram contato o que causou uma “mistura”
proporcionando essas aproximações linguísticas. (REIS et ali. 2013, p. 95
Os estudos sociolinguísticos de uma língua muitas vezes contemplam não só a
comunidade, suas variações ou mudanças, mas também analisa possíveis empréstimos e
interferências. Um exemplo simples que podemos dar é o fato de haver comunidades
indígenas que estão situadas nas cidades ou muito próximas a elas, como é o que ocorre
no município de Campo Grande – MS, com a aldeia urbana Marçal de Souza. Devido a
sua localização, dentro da cidade, a possibilidade de interferências da Língua
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Portuguesa é muito forte, ainda mais pelo fato dos indígenas utilizarem não só a língua
materna, mas também a segunda língua para se comunicar no dia a dia da vida na
cidade.
Com relação à aplicação da sociolinguística quantitativa na pesquisa de línguas
indígenas é o fato de haver essa preocupação por parte da teoria e consequentemente do
pesquisador de se “infiltrar” no meio da comunidade, vivenciar a cultura e a língua para
que a pesquisa seja bem sucedida e confiável. No caso de um pesquisador não-índio,
esse fator deve ser considerado essencial, ou seja, é necessário que o estudioso se despir
da sua cultura para vestir a do outro, a que interessa para o trabalho, a observação que
conduzirá o pesquisador a um método de entrevista mais eficaz.
Sobre o método de entrevista Tarallo afirma:
A propósito do método de entrevista sociolinguística é o de minimizar o
efeito negativo causado pela presença do pesquisador na naturalidade da
situação da coleta dos dados. (TARALLO, 1999, p.21)
Segundo Tarallo o pesquisador precisa recolher o máximo de informações de
maneira mais natural possível, de forma que o gravador não seja um objeto que
provoque a inibição do informante. Além disso, propiciar uma entrevista que oportunize
que o informante faça relatos, as narrativas geralmente é a forma mais adequada para as
pesquisas de línguas indígenas, sobretudo com os informantes anciãos denominado
Grupo 3 de 46 a 60 anos, por Tarallo (1999).
Outro fator que não pode ser deixado de lado quando trata-se da investigação de
língua indígena é a questão do gênero, pois em algumas etnias a língua é divida entre
termos e usos que somente pertence a gênero feminino, e determinados usos e palavras
que pertencem ao vocabulário masculino.
Também é importante analisar quais são as formas de liderança, como se
estabelece a ordem social dentro da comunidade, pois esse fator também poderá
interferir em questões linguísticas, uma hierarquia social. Apontamos esse fator, pois
não é comum encontrarmos comunidades indígenas em que os falantes da língua
materna são somente as lideranças e os mais velhos.
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Após a coleta dos dados feitos em campo, é chegado o momento de interpretálos para chegar a possíveis conclusões, os grupos de informantes precisam ser
analisados separadamente, pois em toda língua há a distinções entre a fala do homem e
da mulher, ou do idoso com relação ao jovem. De acordo com Tarallo, o papel de
pesquisador não é apenas o de um “detetive’, mas também de “juiz-mediador” (1999,
p.80), sobretudo quando há um impasse a ser resolvido no momento da análise dos
dados, o pesquisador precisa se manter sóbrio e neutro para verificar as questões de
variações ou mudanças linguísticas.
Considerações Finais
A contribuição de Tarallo em seu livro A pesquisa sociolinguística foi o fato de
apresentar de maneira didática questões que muitas vezes invadem a mente do
pesquisador durante a elaboração de um projeto de pesquisa, e a tentativa de sanar
dúvida e apontar caminhos que o próprio autor afirma:
Das batalhas propostas no livro a primeira em que você se engajou foi,
portanto, a de aprender a resolver e mediar as lutas disputadas por adversárias
linguísticas, desmascarando a força e o valor que cada uma goza no sistema
sociolinguístico da comunidade de fala. Ao enfrentar essas pequenas
batalhas, municiando-se da relação entre a língua e a sociedade e propondose a um estudo preciso e detalhado de fatores condicionadores,
encaixamentos e avaliações das variantes, você pode decisivamente apreciar
os dois caminhos distintos trilhados por elas: ou a estabilidade e a
coexistência no sistema, ou a mudança em progresso. (TARALLO. 1999 p.
81)
Nesse sentido, a proposta do pesquisador era apontar caminhos, sobretudo
metodológicos para uma pesquisa sociolinguística de êxito, quando ele fala também do
intuito de “mediar as lutas” seria a luta entre a língua normativa e a falada, que no caso
das línguas indígenas essa disputa não se dá de forma evidente dentro da própria língua,
mas sim na luta entre a língua materna e a segunda língua, a Língua Portuguesa. Outra
contribuição é a clareza metodológica da teoria apresentada pelo pesquisador, além de
deixar claro a finalidade dessa vertente teórica.
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Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
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Edição Especial • Homenageado
F E R N A N D O
T A R A L L O
Talvez haja a seguinte questão: Como aplicar essa teoria a pesquisa de línguas
indígenas brasileiras? A teoria é aplicável em pesquisas de variações linguísticas dentro
de comunidades de línguas indígenas, para averiguar os usos dessas línguas, outra
forma é utilizá-la para verificar as mudanças linguísticas, e também para levantar quais
são as interferências da Língua Portuguesa nessas línguas. Só então a partir dessas
pesquisas averiguar quais fatores colocam essas línguas indígenas em fatores de risco e
por meio desses tipos de pesquisas que revelam soluções ou caminhos para se conservar
a língua entre as gerações.
Referências
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COELHO, I.L. GÖRSKI, E.M. MAY, G.H. SOUZA, C.M.N. Sociolinguística.
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em:<http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&
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LABOV, W. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.
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no Mato Grosso do Sul. Web - Revista SOCIODIALETO. Campo Grande, V.4, N.10,
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RODRIGUES, A. D. Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas
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Acesso em: 10 de março de 2014.
TARALLO, F. A Pesquisa Sociolinguística. 6ª edição. São Paulo: Ática, 1999.
Recebido Para Publicação em 20 de abril de 2014.
Aprovado Para Publicação em 9 de maio de 2014.
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