the brazilian journal of infectious diseases

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the brazilian journal of infectious diseases
BJID 2006; 10 (June)
Volume 10 •
1
ISSN 1413-8670
Supplement 1
•
August 2006
THE BRAZILIAN JOURNAL OF
INFECTIOUS DISEASES
An Official Publication of the Brazilian Society of Infectious Diseases
EDITOR
Anastácio Q. Sousa
I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia
para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
PUBLISHED BY CONTEXTO
APOIO
GlaxoSmithkline Brasil
August 2006
Printed in Brazil
www.bjid.com.br
2
BJID 2006; 10 (June)
THE BRAZILIAN SOCIETY OF INFECTIOUS DISEASES
The Brazilian Society of Infectious Diseases is conducted for scientific purposes, for the advancement
and promulgation of knowledge relevant to infectious diseases.
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2005-2006
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Alagoas - Raquel Guimarães
Amazonas - Eucides Batista da Silva
Bahia - Fernando Badaró
Ceará - Anastácio Queiroz de Sousa
Distrito Federal - Dea Márcia da Silva M. Pereira
Espírito Santo - Carlos Urbano Gonçalves Ferreira Jr.
Goiás - Luiz Antonio Zanini
Maranhão - Graça Viana
Mato Grosso do Sul - Andréa L. de S. Campos
Minas Gerais - Carlos Starling
Pará - Helena Andrade Zeferino Brígido
Paraíba - Luciana Holmes Simões
Paraná - Alceu Fontana Pacheco Jr.
Pernambuco - Martha Maria Romeiro F. Fonseca
Piauí - Kelsen Dantas Eulálio
Rio de Janeiro - J. Samuel Kierszembaum
Rio Grande do Norte - Hênio G. Lacerda
Rio Grande do Sul - Luciano Goldani
Rondônia - André Luis de Freitas Alves
Santa Catarina - Silvia Cristina C. Flores
São Paulo - Hamilton Antônio Bonilha de Moraes
Sergipe - Angela Maria Silva
Tocantins - Hertz Ward de Oliveira
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BJID 2006; 10 (June)
3
THE BRAZILIAN JOURNAL OF INFECTIOUS DISEASES
An Official Publication of the Brazilian Society of Infectious Diseases
EDITOR
Esper Georges Kallas (BR)
Flávia Rossi (BR)
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Guillermo Prada (CO)
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Jefrey Shaw (BR)
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Eduardo Netto (BR)
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The Brazilian Journal of Infectious
Diseases is an official publication of the Brazilian
Society of Infectious Diseases and is published bimonthly by Contexto - Rua Alfredo Magalhães, 04/
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Journal of Infectious Diseases - BJID, Rua Alfredo
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CAPA: Hepatite C. Da direita para a esquerda: corte
histológico 1 = hepatite auto-imune pré-tratamento; corte
histológico 2 = hepatite auto-imune pós-tratamento; corte
histológico 3 = fibrose pré-tratamento; corte histológico 4 =
fibrose pós-tratamento.
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I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia
para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Coordenação
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Organização
Sociedade Brasileira de Infectologia – Comitê de Hepatites
João Silva de Mendonça
Roberto Focaccia
Fernando Lopes G. Junior
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo.
Grupo de Consenso Aline G. Vigani
Ana Teresa Rodrigues Viso
André Cosme de Oliveira
Antonio Alci Barone
Edgard DeBortholi
Edson Abdala
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Evandro S. de Melo
Fátima Mitiko Tengan
Fernando Lopes Gonçales Jr
João Silva de Mendonça
José Carlos Fonseca
José Fernando de Castro Figueiredo*
Marcel Cerqueira*
Marcelo Simão Ferreira
Maria Helena P.Pavan*
Marta Heloísa Lopes*
Neiva S.L. Gonçales
Norma de Paula Cavalheiro
Ricardo S. Diaz
Roberto Focaccia
Rodrigo Angerami*
Umbeliana Barbosa Oliveira
Venâncio Avancini*
* Revisores não participantes da reunião de consenso.
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6
BJID 2006; 10 (June)
I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia
para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Histórico das Hepatites B e Delta
Dr. José Carlos Ferraz da Fonseca (AM)
Epidemiologia da Hepatite B e D e seu Impacto no Sistema de
Saúde
Professora Fátima Mitiko Tengan (HC-FMUSP)
Professor Evaldo Stanislau Affonso de Araújo (HC-FMUSP)
Patogenia da Hepatite B e Delta
Professor Antônio Alci Barone (HC-FMUSP)
Dra. Ana Teresa Rodriguez Viso (HC-FMUSP)
Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B Fulminante e de ReAgudizações (Flare)
Professor Roberto Focaccia (IIER)
Dra. Umbeliana Barbosa Oliveira (IIER)
Terapia da Hepatite B Crônica: Como e Quando? Pacientes
Virgens de Terapia
Professor Evaldo Stanislau Affonso de Araújo (HC-FMUSP)
Professor Antônio Alci Barone (HC-FMUSP)
Abordagem Terapêutica Sequencial dos Pacientes com
Hepatite B Crônica Submetidos a Tratamento Prévio
Professor Fernando L. Gonçales Jr. (UNICAMP)
História Natural da Hepatite B Aguda e Crônica
Professor João Silva de Mendonça (HSPE)
Dra.Aline Gonzalez Vigani (UNICAMP)
Tratamento da Hepatite D
Professor José Carlos Ferraz da Fonseca (AM)
Marcadores Sorológicos da Hepatite B e sua Interpretação
Professora Norma de Paula Cavalheiro (HC-FMUSP)
Professora Neiva S. L. Gonçales (UNICAMP)
Perfis Sorológicos Anômalos, Genótipos e Mutantes do VHB
Professora Neiva S. L. Gonçales (UNICAMP)
Professor Fernando Lopes Gonçales Jr. (UNICAMP)
Aconselhamento a Doadores e Infecção Oculta pelo VHB
Professor José Fernando de Castro Figueiredo (FMUSP –
Ribeirão Preto)
Dr. Rodrigo Nogeuira Angerami (UNICAMP)
Mensuração do HBV DNA
Professor João Silva de Mendonça (HSPE)
Professor Ricardo S. Diaz (UNIFESP)
Co-Infecção: HIV-VHB
Dr. Edgard DeBortholi Santos (IIER)
Professor Roberto Focaccia (IIER)
Dra.Maria Helena Postal Pavan (UNICAMP)
Professor Marcelo Simão Ferreira (UF-Uberlândia)
Prevenção da Hepatite B e Delta
Professora Marta Heloísa Lopes (HC-FMUSP)
Abreviaturas de Instituições
DMIP: Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias
Anatomia Patológica da Hepatite B
Professor Venâncio Avancini Ferreira Alves (HC-FMUSP)
Professor Evandro Sobroza de Mello (HC-FMUSP)
História Natural e Manuseio do Carcinoma Hepatocelular
no Paciente com Hepatite B
Dr.André Cosme de Oliveira (HC-FMUSP)
Professor Marcel C.C. Machado (HC-FMUSP)
Indicações para o Transplante Hepático e Manuseio Pré e
Pós-transplante na Hepatite B
Professor Edson Abdala (HC-FMUSP)
Professora Fátima Mitiko Tengan (HC-FMUSP)
HC FMUSP: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
LIM 47: Laboratório de Investigação Médica 47
FMUSP: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIER: Instituto de Infectologia Emílio Ribas
HSPE: Hospital do Servidor Público Estadual
UNICAMP: Universidade de Campinas
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BJID 2006; 10 (June)
THE
BR
AZILIAN
BRAZILIAN
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JOURNAL
OF
INFECTIOUS
DISEASES
Volume 10 • Supplement 1
1
August 2006
Apresentação
40 H i s t ó r i a N a t u r a l e M a n u s e i o d o
Carcinoma Hepatocelular no Paciente
com Hepatite B
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
2
Histórico das Hepatites B e D
Marcel C. C. Machado, André Cosme de Oliveira
José Carlos Ferraz da Fonseca
6
Epidemiologia da Hepatite B e D e seu Impacto
no Sistema de Saúde
Fátima Mitiko Tengan, Evaldo Stanislau Affonso
de Araújo
11 Patogenia da Hepatite B e Delta
Ana Teresa Rodriguez Viso, Antônio Alci Barone
46 Indicações para o Transplante Hepático e
Manuseio Pré e Pós-Transplante na
Hepatite B
Edson Abdala, Fátima Mitiko Tengan
50 Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B
Fulminante e de Re-Agudizações
(Flare)
Roberto Focaccia, Umbeliana Barbosa
Oliveira
15 História Natural da Hepatite B Aguda e Crônica
João Silva de Mendonça, Aline Gonzalez Vigani
19 Marcadores Sorológicos da Hepatite B e sua
Interpretação
53 Terapia da Hepatite B Crônica: Como e
Quando? Pacientes Virgens de Terapia
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, Antônio
Alci Barone
Neiva S. L. Gonçales, Norma de Paula Cavalheiro
23 Perfis Sorológicos Anômalos, Genótipos e
Mutantes do VHB
Neiva S. L. Gonçales, Fernando Lopes Gonçales Jr.
29 Aconselhamento a Doadores e Infecção Oculta
pelo VHB
José Fernando de Castro Figueiredo, Rodrigo
Nogueira Angerami
57 Abordagem Terapêutica Seqüencial dos
Pacientes com Hepatite B Crônica
Submetidos a Tratamento Prévio
Fernando Lopes Gonçales Jr.
63 Tratamento da Hepatite D
José Carlos Ferraz da Fonseca
67 Co-Infecção HIV-VHB
32 Mensuração do HBV DNA
Marcelo Simão Ferreira,Roberto Focaccia,
Edgard DeBortholi Santos, Maria Helena Postal
Pavan
Ricardo S. Diaz, João Silva de Mendonça
36 Anatomia Patológica da Hepatite B
Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini
Ferreira Alves
72 Prevenção da Hepatite B e Delta
www.bjid.com.br
Marta Heloísa Lopes
BJID 2005; 9 (June)
185
BJID on line
The Brazilian Journal of Infectious Diseases (BJID) is now
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
1
I Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia
para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
A Medicina é uma área da ciência na qual os desafios nunca são fáceis ou menores e, certamente, a Infectologia é uma das
especialidades em que essa assertiva é mais perceptível. Desde a antiguidade lutamos contra infecções bacterianas, virais e
parasitárias, mas sempre temos novos desafios. O surgimento da Aids, as infecções hospitalares e em imunodeprimidos, as
doenças emergentes e re-emergentes, as “velhas” doenças tropicais e a tuberculose estão todas aí a nos ameaçar. Avançamos
ainda nas ferramentas diagnósticas, no melhor conhecimento da interação parasita-hospedeiro e, evidentemente, na terapia,
com medicamentos desenvolvidos de forma moderna, com tecnologias inimagináveis há poucos anos. Tudo isso foi percebido
pela Sociedade Brasileira de Infectologia que constituiu os seus diversos Comitês, entre os quais, o das Hepatites Virais.
As hepatites virais não foram citadas antes de forma proposital para o destaque em separado que merecem. As doenças
crônicas do fígado, mormente as causadas pelas hepatites virais, constituem, na atualidade, a maior causa de transplante
hepático no mundo, acarretam a morte de milhões de pacientes e consomem, em que pese todo o sub-diagnóstico existente,
significativo montante de recursos
econômicos. Assim, somos hoje, como
alguns
dizem,
“aidólogos”,
“hepatitólogos”. Na verdade, as
hepatites são tão relevantes que não
cabem entre os “hepatitólogos” apenas
e, nesse sentido, o Comitê de Hepatites
da SBI deliberou entre suas prioridades
a realização desse I Consenso sobre
Hepatite B. Colegas de larga
experiência e dedicação ao estudo das
hepatites virais e áreas correlatas
realizaram uma discussão profunda,
franca e independente, que resultou em
uma revisão do tema e no Consenso
propriamente dito. Se existem revisões
Grupo do I Consenso da SBI para Manuseio e Terapia da hepatite B (e Delta)
internacionais, as mesmas não
possuem nosso “tempero”, representado não apenas pela profunda erudição do grupo, mas pelo conhecimento de nossa
realidade médica, social e econômica. Pretendemos, assim, contribuir para que a assistência se aprimore e se difunda, auxiliando
a quem necessita, aos portadores da hepatite B.
Essa é a terceira vez que o núcleo desse grupo de consenso se reúne. Nas duas ocasiões anteriores, discutimos o Consenso
da Sociedade Paulista de Infectologia para o manuseio e terapia da Hepatite C. Dessa vez, reforçados por colegas de outros
centros do Brasil e com a força da SBI, nos propusemos a realizar o I Consenso da SBI para o Manuseio e Terapia da Hepatite B
e, em 2007, atualizar o Consenso de Hepatite C, sempre em datas atreladas a um de nossos congressos nacionais ou regionais.
As discussões e o clima fraterno se ampliam a cada reunião. Não foi diferente agora. Nosso desafio futuro sempre é superar e
aprimorar os anos anteriores. No entanto, a exemplo das outras edições, para atingir esse objetivo, mais uma vez tivemos o
decisivo apoio da indústria farmacêutica que, de forma ética, apoiou a reunião dos especialistas e a edição de uma separata no
The Brazilian Journal of Infectious Diseases (BJID), onde publicamos o Proceedings do “I Consenso da SBI para o Manuseio
e Terapia da Hepatite B (e Delta)”. Pelo apoio ético e a não-interferência em nosso trabalho, externamos nosso agradecimento ao
Laboratório GlaxoSmithkline Brasil.
Aos leitores, esperamos que nossas reflexões sejam úteis e, aos pacientes, que lhes traga a possibilidade de uma assistência
médica tecnicamente adequada e a garantia do tão desejado acesso ao médico competente. Boa leitura e até a próxima !
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Comitê de Hepatites da SBI e Grupo de Consenso
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2
Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Histórico das Hepatites B e D
José Carlos Ferraz da Fonseca
Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas- Faculdade de Ciências da Saúde- Disciplina de Doenças
Infecciosas e Parasitárias; Especialista em Hepatologia (Sociedade Brasileira de Hepatologia)
Histórico da Hepatite B
Na história das grandes descobertas da medicina, a
chamada descoberta “acidental” ou “por acaso” é notória e
podemos citar como exemplo a conhecida história da
descoberta da penicilina (Alexander Fleming, 1929). Um outro
exemplo da descoberta “por acaso” na medicina foi a do vírus
da hepatite D (Delta) em 1977 por Mário Rizzetto e cols. A
princípio, ao estudarem por técnicas de imunofluorescência
fragmentos de tecido hepático obtido por biópsia hepática de
pacientes italianos soropositivos para o HBsAg, os autores
identificaram um novo sistema antígeno/anticorpo distinto
do VHB. Estudos posteriores, sejam de caráter experimental
ou de biologia molecular, findaram na descoberta de um novo
agente viral das hepatites, hoje designado de vírus da hepatite
D. Fica patente com os dois exemplos acima citados que as
grandes descobertas da Medicina podem ser produtos finais
de observações inesperadas. Entretanto, o maior louvor
dessas descobertas científicas está na competência dos
técnicos em decifrar tais achados inesperados e explaná-los
corretamente.
Segundo Louis Pasteur, “o acaso favorece apenas as
mentes preparadas” e a descoberta do VHB teve também
caráter puramente acidental ou “por acaso”, como
descreveremos a seguir. Certo dia, em 1964, um geneticista
americano chamado Baruch Blumberg e cols., estudando
anticorpos contra lipoproteínas séricas em pacientes que
tinham recebido transfusão de sangue, ou seja, com objetivos
completamente diferentes dos objetivos iniciais e achados
finais da pesquisa, identificaram no soro pertencente a um
aborígine australiano a presença de um antígeno que reagia
como o soro de dois doentes hemofílicos politransfundidos.
O referido antígeno descoberto foi denominado pelos autores
como Antígeno Austrália (AgAu), em razão da origem da
amostra do paciente e publicado no Journal of the American
Medical Association (JAMA) em 1965, com o título “A New
antigen in Leukemia sera”. A distribuição do AgAu em várias
populações, como reportado no estudo inicial e pioneiro de
Blumberg, revelou os seguintes resultados: de um total de
1704 amostras testadas para o AgAu, 38 (2,3%) foram
positivas, sendo que a maioria foi reativa entre nativos de
Taiwan, 23/3 (13%) e aborígines australianos, 208/12 (5,7%).
Após a descoberta do referido antígeno e de acordo com
próprio Blumberg, um questionamento o deixava perplexo e
uma devida pergunta o deixava preocupado, “What is this
Australia antigen?”.
Inicialmente, Blumberg focando a associação da leucemia
com o AgAu, levantou a hipótese de que a presença de tal
antígeno entre pacientes leucêmicos poderia ser uma
predisposição herdada para leucemia ou um agente causal ou
até um fator predisponente para o desenvolvimento da
leucemia. Estudos subseqüentes sobre o AgAu revelaram uma
alta freqüência deste entre portadores da Síndrome de Down
institucionalizados (30%), quando comparada com pacientes
leucêmicos (10%) e portadores de Down vivendo em casa
(1%). Qual a razão destes achados, já que os portadores da
síndrome de Down eram todos negativos para o AgAu ao
nascimento? Testando amostras de soro dos portadores de
Down, ele verificou que a ALT apresentava níveis
significativos e elevados entre os positivos para tal antígeno,
fato não observado entre os AgAu negativo.
A peça final da ligação entre o AgAu e a hepatite
aconteceu quando Barbara Werner, uma investigadora do
laboratório de Blumberg, desenvolveu quadro clínico e
bioquímico de hepatite aguda. Testada para o AgAu, ela foi
positiva. Previamente, a referida investigadora tinha servido
de controle negativo para o AgAu.
Em 1967, Blumberg e cols. sugeriram pela primeira vez que
a alta freqüência do AgAu no soro de pacientes com hepatite
aguda poderia estar relacionada com um suposto “vírus”
introduzido entre humanos por transfusões de sangue. De
acordo com Blumberg B (2002), tal publicação foi rejeitada
inicialmente e aceita após intensa revisão dos autores. Os
revisores da revista Annals of Internal Medicine informaram
ao autor que os resultados encontrados não eram
convincentes para suportarem a hipótese de que o AgAu
estaria associado à hepatite.
Independentemente dos achados de Blumberg em 1965 e
1967, Prince AM em 1968, isolou um outro antígeno no sangue
durante o período de incubação de uma hepatite póstransfusional. O referido antígeno foi denominado por Prince
de antígeno SH, relativo a hepatite sérica. Posteriormente,
comprovou-se que o antígeno SH de Prince AM era o mesmo
Antígeno Austrália de Blumberg. No mesmo ano da descoberta
de Prince, um outro americano e pertencente a equipe de
Blumberg, chamado Bayer M (citado por Blumberg BS, 2002),
analisou por microscopia eletrônica o soro de um portador
crônico do antígeno Austrália e encontrou numerosas
partículas, algumas esféricas e outras tubulares. As esféricas
mediam cerca de 22nm de diâmetro, enquanto as tubulares
cerca de 22nm de largura e 150 nm de comprimento. Tais
partículas reagiam com o soro dos pacientes convalescentes
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
de hepatite, sugerindo que o AgAu estaria presente na sua
superfície. Estudos posteriores revelaram que as partículas
encontradas por Bayer eram apenas um produto da síntese
em excesso do antígeno de superfície pelos hepatócitos
infectados. Tais partículas seriam, na realidade, invólucros
virais vazios não infectivos.
Finalmente, em 1970, Dane DS e cols. demonstraram por
microscopia eletrônica em soros positivos para o antígeno
Austrália uma terceira partícula de forma esférica e medindo
cerca de 42nm. Em 1971, Almeida J e cols. caracterizaram o que
chamaram de Partícula de Dane, de pacote viral completo do
VHB. A partícula de Dane constituía-se de um invólucro externo
e um núcleo, sendo que o invólucro externo correspondia ao
antígeno Austrália, passando posteriormente a ser designado
de antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg).
A primeira publicação sobre a presença do AgAu no Brasil
deu-se em 1970 por Salzano FM& Blumberg BS. Estudando
amostras de pacientes brasileiros para o referido antígeno, os
autores revelaram uma prevalência de 0,5% entre indivíduos
sadios, O% entre portadores de Hansen, de 4,0% entre
portadores de leucemia, com prevalência total de 0,6% para o
AgAu. Grande parte das amostras estudadas pertenciam a
indivíduos e pacientes nativos de Porto Alegre (RS) e
Florianópolis (SC).
Estudos posteriores confirmaram que a partícula de Dane
de 27 nm representava o virion completo do VHB, sendo
constituída por um ácido nucléico (DNA) e do antígeno central
do VHB (HBcAg). O vírus B foi o primeiro vírus humano
patogêncio a ser seqüenciado. Em 1972, Magnus e Espmark,
utilizando testes de imunodifusão, descobriram antígenos
distintos do HBsAg, que eles chamaram de antígeno e do
vírus da hepatite B (HBeAg), como também seu anticorpo
correspondente (anti-HBe). A presença sérica do HBeAg entre
portadores do VHB foi identificada como um marcador de
replicação viral e de alta infectividade com o HBV-DNA.
Em 1986, estudos dirigidos entre pacientes de origem
italiana e grega revelaram uma rápida e progressiva doença
hepática crônica HBsAg reativa, negativa para o HBeAg e
positiva para o anti-HBe. Os referidos pacientes, apesar de
serem HBeAg negativos, tinham evidências de alta replicação
viral e eram positivas para o HBV-DNA. Em 1989, dois estudos
independentes e realizados entre pacientes anti-HBe positivo
originários de algumas áreas do mediterrâneo, revelaram que
a maior causa da discrepância entre a presença do HBV-DNA
e ausência do HBeAg estaria relacionado com a infecção de
uma cepa variante do VHB incapaz de produzir o HBeAg
(mutante precore 1896).
Novas descobertas com relação a biologia do VHB revelam
que este vírus tem uma diversidade viral complexa e apresenta
diferentes subtipos e genótipos. Diferenças antigênicas no
antígeno de superfície do vírus B (HBsAg) estabelecem quatro
subtipos: adw, ayw, adr, e ayr. Correntemente o VHB é
dividido em oito genótipos (A, B, C, D, E, F, G, H), que são
3
associados com diferentes mutações nas regiões dos genes
pré-core e promoter core basal durante a soroconversão do
HBeAg para anti-HBe. Estudos recentes sugerem que os
genótipos do VHB possam influir na gravidade da doença e
resposta ao tratamento.
Confirmada a relação da descoberta de Blumberg com o
VHB, o próximo desafio dos pesquisadores seria descobrir
uma vacina capaz de prevenir a doença. Uma retrospectiva na
história da descoberta da vacina contra o VHB começa em
1971 com Samuel Krugman. O autor inoculou em crianças
americanas portadoras de deficiência mental da escola
“Willowbrook State School for the Mentally Handicapped,
New York” o soro MS2 (vírus inativado pelo calor de 98°
durante um minuto). Os resultados forma parciais, ou seja,
sem proteção adequada. Entre 1975 e 1976 diversos grupos
de pesquisa publicaram resultados do emprego de uma vacina
mais purificada, de boa tolerabilidade e eficaz. Todavia,
somente em 1981 foi registrada a vacina derivada do plasma
de portadores saudáveis do HBsAg. Estudos randomisados
mostraram que tal vacina era bem tolerada e eficaz, protegendo
os vacinados contra o VHB em 95% dos casos. Finalmente,
em 1986, a vacina derivada de plasma foi substituída pela
nova descoberta da medicina, a vacina contra o VHB produzida
por engenharia genética, até hoje utilizada.
Conhecida a história da descoberta do VHB e os meios de
prevenir a doença que o vírus provoca, fazia-se necessário
encontrar drogas que pudessem atuar sobre a replicação do
vírus e interferissem na patogenia da doença crônica, evitando
assim a progressão para as formas mais graves de doença.
Até o início dos anos setenta, o uso de plantas e infusões de
várias naturezas foram utilizadas no tratamento dos pacientes
portadores da então chamada icterícia infecciosa ou por soro
homologo.
Durante a década de setenta, o uso de corticóide
(prednisona) no tratamento da hepatite crônica de qualquer
etiologia, principalmente ocasionada pelo VHB, fez parte do
arsenal terapêutico em todo mundo. No entanto, estudos
retrospectivos conduzidos em 1974 revelaram que a retirada
abrupta da droga durante o tratamento estava freqüentemente
associada à elevação das aminotransferases e a efeitos
colaterais de média gravidade.
A primeira tentativa científica de tratar pacientes com
hepatite crônica B com drogas de efeito antiviral, tais com alfa
interferon humano leucocitário e interferon humano fibroblasto,
ocorreu no ano de 1976, de acordo com as publicações de
Greennberg HB et al. e Demyter J et al. Os resultados obtidos
nesses dois estudos, apesar de preliminares e do número
pequeno de pacientes estudados, demonstraram que o
emprego do interferon humano leucocitário e fibroblasto
ocasionavam significativa queda dos marcadores de
replicação viral do VHB. O efeito conseguido pelas duas drogas
era temporário. As dificuldades de obter as referidas drogas e
seu custo exorbitante fizeram caí-las em esquecimento
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4
Sociedade Brasileira de Infectologia
temporário. Somente em 1982, com a descoberta do interferon
alfa recombinante, recomeçaram os estudos no tratamento da
hepatite crônica B e o pioneiro nesses estudos foi Schalm SW
em 1982. Entre 1985 e 1987, ensaios controlados com interferon
alfa recombinante no tratamento da hepatite crônica B
revelaram uma resposta virológica por grupo estudados que
variou de 26% a 32%.
Desde os primeiros pacientes tratados com o interferon
alfa recombinante em 1982 e até o presente momento, novas
drogas surgiram e são referenciadas como opção de primeira
linha no tratamento da hepatite crônica B. De acordo com o
ano de aprovação da Federal Drugs Association (FDA), cinco
drogas fazem parte do tratamento da hepatite crônica B:
Interferon alfa recombinate, 1982; Lamivudina, 1988; Adefovir,
2002: Interferon alfa peguilado; 2005; Entecavir, 2005.
Como podemos observar, a história da “hepatite sérica”
ou do próprio VHB, inciou-se em 1895 com o estudo e
publicação de Lürman A dos fatos ocorridos entre
trabalhadores do estaleiro de Breman, na Alemanha. De acordo
com os resultados obtidos no referido estudo (citado por
Freitas J), 191 dos 1289 trabalhadores do porto de Bremen
(Alemanha), que receberam vacina contra a varíola (via
parenteral), preparada a partir de linfa humana, desenvolveram
quadro de icterícia após 2 meses a 8 meses da aplicação.
Provavelmente, pelo período de incubação, o agente
transmissor seria o ainda não descoberto vírus da hepatite B
(VHB). O referido estudo ainda hoje é considerado como um
modelo nos estudos epidemiológicos das hepatites de
etiologia viral.
A descoberta do VHB por Blumberg em 1965, merecido
ganhador do premio Nobel de Medicina (1978) por tal achado,
é considerada como um dos fatos mais importantes da
medicina no último século. Contudo, a história da hepatite B
ainda não pode e nem deve ser considerada como penúltimo
capítulo, já que o número de portadores crônicos do VHB
ainda encontra-se em fase de ascensão, apesar da existência
da vacina há mais de vinte anos.
O que falta, do ponto de vista científico, para que a história
do VHB possa ser concluída? Com certeza, a expansão total e
mundial da vacinação contra o VHB e a descoberta de novas
drogas capazes de destruir ou suprimir o vírus definitivamente.
A junção da medicina profilática e terapêutica seria o suporte
ideal para que possamos num futuro bem próximo, erradicar
totalmente a doença ocasionada pelo VHB e quem sabe,
descrever uma outra história.
Histórico da Hepatite D
Em 1977, Mario Rizzetto et al. descreviam pela primeira
vez um novo sistema imunológico, constituído pelo antígeno
Delta (HDAg) e anticorpo anti-Delta (anti-HD), associado à
infecção pelo VHB. Inicialmente, os descobridores desse
novo sistema denominaram-no de sistema Delta. De acordo
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
com os autores, tal sistema, constituído de antígeno e
anticorpo, seria uma nova variante do VHB ou um novo
agente viral. Nesse mesmo estudo, Rizzetto e cols.
demonstraram que os anticorpos específicos do sistema delta
(anti-delta) eram somente detectados em portadores do
antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg), com
ou sem doença hepática, não sendo positivo dentro do
grupo-controle, nos demais o HBsAg fora negativo. Esses
resultados e os obtidos através de infecções induzidas em
experiência em primatas não humanos confirmaram que a
expressão deste novo agente infeccioso somente ocorria em
indivíduos e animais infectados pelo vírus da hepatite B
(VHB). Estudos posteriores a 1977 revelaram que este novo
agente viral das hepatites poderia ser encontrado em outras
regiões do mundo e que, através de estudos de transmissão
parenteral em chimpanzés, o mesmo era altamente infeccioso.
Em 1983, foi proposta e aceita uma nova nomenclatura para
o agente Delta: vírus da hepatite Delta, previamente
designado de Agente Delta.
Na década de noventa, estudos genéticos e seqüenciais
do genoma do VHD revelam uma alta heterogeneidade deste
vírus, com várias seqüências isoladas, sendo identificados
até o presente momento três genótipos do VHD, diferenciados
e denominados de tipo I, II (IIa,IIb) e III. Em 2002, estudos de
análise do genoma do VHD entre pacientes infectados de
origem africana sugerem a existência de mais três tipos
diferenciados de genótipos do VHD. Cada genótipo do vírus
D apresenta uma distribuição geográfica diferente e doença
hepática associada, sendo o subtipo Ia e tipo III considerados
os mais graves.
A primeira tentativa científica de tratar pacientes com
hepatite crônica D com drogas imunossupresivas (corticóide)
e imunoestimulantes (levamisole), ocorreu no ano de 1983.
Em 1990, estudo piloto e de caráter clínico sugeriu que o
Interferon alfa poderia inibir a replicação do VHD e o controle
da hepatite D em um mesmo grupo de pacientes. Até o presente
momento, o Interferon alfa (IFN) tem sido a única opção
terapêutica no tratamento das hepatites crônicas pelo VHD,
já que o uso de outras drogas antivirais, como a Ribavirina e
Lamivudina, apresentou resultados não satisfatórios.
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6
Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Epidemiologia da Hepatite B e D e seu Impacto no Sistema de Saúde
Fátima Mitiko Tengan1, Evaldo Stanislau Affonso de Araújo2
Professora Assistente da Disciplina de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da FMUSP; Médica do Ambulatório e
Laboratório de Hepatites/LIM 47 DMIP-HC-FMUSP; 2Assistente-Doutor da Divisão de Moléstias Infecciosas e
Parasitárias do HC-FMUSP, Médico do Ambulatório e Laboratório de Hepatites/LIM 47 DMIP-HC-FMUSP
1
Epidemiologia da Hepatite B
Estima-se que mais de 2 bilhões de pessoas no mundo
estão infectadas pelo vírus da hepatite B e que cerca de 360
milhões sofrem de infecção crônica por esse agente.
A incidência da infecção pelo HBV e os padrões de
transmissão variam muito no mundo em diferentes subgrupos
de populações. Este fato é influenciado principalmente pelo
predomínio da idade de aquisição da infecção. A endemicidade
da infecção é considerada alta naquelas partes do mundo
onde pelo menos 8% da população é HBsAg positivo. Nessas
áreas, 70-90% da população geralmente possui evidências
sorológicas de infecção prévia pelo HBV. Quase todas as
infecções ocorrem tanto durante o período perinatal ou
infância precoce, um fato que é responsável pelas altas taxas
de infecção crônica pelo HBV nessas populações. O risco de
infecção pelo HBV continua após os primeiros cinco anos de
vida, mas sua real contribuição para a alta taxa de infecção é
insignificante.
Em áreas altamente endêmicas como a Ásia, África abaixo
do Saara e no Pacífico, as taxas de portador de HBsAg variam
de 8% a 25% e as prevalências de anti-HBs de 60% a 85%.
Assim a exposição ao HBV em áreas endêmicas, medida
sorologicamente, pode aproximar-se de 100%.
Em áreas do mundo com padrão intermediário de infecção
pelo HBV (Europa oriental e central, Oriente Médio,
subcontinente indiano e a Bacia Amazônica), a prevalência
de positividade do HBsAg varia de 1% a 8%, evidências
sorológicas de infecção passada é encontrada em 10-60% da
população e o risco total de tornar-se de tornar-se infectado
pelo HBV é esstimado em 20-60%. Nessas áreas, prevalecem
os padrões mistos de transmissão no lactente, na infância e
no adulto.
Na maioria das regiões desenvolvidas do mundo, a
prevalência da infecção crônica pelo HBV é menor que 1% e a
taxa total de infecção é de 5-7%.
No total, cerca de 45% da população global vive em áreas
de alta prevalência de HBV crônico.
Epidemiologia dos Sorotipos e Genótipos da Hepatite B
O HBV apresenta uma substancial heterogeneidade
genética. Quatro sorotipos da HBsAg chamados subtipos
(adw, ayw, adr e ayr) do HBV foram definidos por dois pares
de determinantes mutuamente exclusivos, d/y e w/r a um
determinante comum a. Pela subdivisão dos quatro maiores
subtipos no meio da década de 70, nove diferentes subtipos
foram identificados. Eles mostram algumas distribuições
geográficas distintas.
O sequenciamento dos genomas virais tornou-se a
ferramenta mais importante utilizada na virologia descritiva e
os dados do sequenciamento são utilizados agora para
reconstruir a história filogenética dos vírus e delimitar os
subtipos genéticos. A análise genética permitiu-nos classificar
o HBV em sete genótipos distintos (A-G) que possuem
diferentes distribuições geográficas e associações com
diferentes grupos de risco para infecção. O genótipo A é
predominantemente encontrado no noroeste da Europa,
América do Norte e África Central; os genótipos B e C são
encontrados predominantemente na Ásia oriental e no sudeste
asiático incluindo China e Japão; o genótipo D é encontrado
principalmente na área do Mediterrâneo, o genótipo E é
predominantemente na África ocidental e, o mais divergente,
genótipo F é encontrado exclusivamente entre as populações
indígenas na América Central e Sul. O genótipo G foi bem
identificado em poucas amostras nos EUA e França. Os
genótipos B, C e D são predominantes no mundo, com uma
estimativa de 240 milhôes de pessoas infectadas com o
genótipo B/C e 40 milhões infectados com o genótipo D. O
genótipo A infecta aproximadamente 3 milhões e o genótipo E
20 milhões de pessoas. O significado clínico dos genótipos
não foi inteiramente avaliado. Alguns dados recentes sugerem
que essas associações entre certos genótipos e a
soroconversão de HBeAg, as mutações virais, gravidade da
doença hepática e a resposta ao tratamento podem existir.
Estudos recentes da Ásia indicam que o genótipo B do HBV
está associado com a soroconversão precoce de HBeAg mais
do que o genótipo C, explicando assim a doença menos
progressiva em pacientes com genótipo B.
Transmissão do HBV
O vírus é encontrado nas mais altas concentrações no
sangue e nos exsudatos serosos. Exposições percutâneas ou
de membranas mucosas ao HBV em sangue contaminado ou
secreções corpóreas derivadas do soro são responsáveis por
praticamente todas as infecções pelo HBV. Embora o HBsAg
tenha sido identificado em uma grande variedade de fluidos
corpóreos, somente o soro, o sêmen e a saliva mostrou-se
contagioso, enquanto o leite materno e a urina permanecem
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Figura 1. Distribuição geográfica da infecção crônica pelo HBV
Figura 2. Distribuição geográfica dos genótipos do HBV
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7
8
Sociedade Brasileira de Infectologia
controversos. A presença de HBeAg no soro está relacionado
com maiores títulos de HBV e maior contagiosidade. Contudo,
as cepas de HBV que possuem mutações na região pré-core
do genoma viral que previnem a expressão de HBeAg
(variantes de HBeAg-negativo/anti-HBeAg-positivo) também
se associaram com a transmissão.
A infecção por fezes, urina, lágrimas, leite materno, bile ou
suco pancreático não foi relatada, embora HBsAg ou as
partículas do HBV tenham sido identificados em tais fluidos a
possibilidade da transmissão por artrópodes que se alimentam
de sangue tem sido discutido, mas nunca provado.
Exposição Percutânea
As exposições de percutâneas que resultaram na
transmissão do HBV incluem a transfusão de sangue ou
derivados de sangue, quipamento contaminado usado para
injeções terapêuticas e outros cuidados de saúde relacionado
procedimentos, uso de droga injetável. Além do mais, os
casos esporádicos da hepatite B associaram-se com tatuagem
e acupuntura. Como o HBV é estável em superfícies
ambientais por mais de 7 dias, a inoculação indireta de HBV
também pode ocorrer através de objetos inanimados.
Nenhuma infecção foi demonstrada em pessoas suscetíveis
expostas à saliva HBsAg-positiva, embora a transmissão a
animais por inoculação subcutânea de saliva tenha sido
demonstrada. A disseminação pessoa-a-pessoa pode ocorrer
em situações que implicam contato interpessoal não-sexual
por longos períodos, como entre contatos domiciliares de
uma pessoa cronicamente infectada; os mecanismos exatos
da transmissão são desconhecidos. Contudo, o freqüente o
contato interpessoal de pele ou membranas mucosas nãointatas com secreções ou sangue, saliva é o veículo mais
provável de transmissão. Por causa da concentração
extremamente alta do vírus no sangue, o número de virions
em montantes até muito pequenos de sangue ou fluidos
corpóreos pode ser bastante alto. Além do mais, a
contaminação de HBsAg de superfícies é comum em casas
de pessoas cronicamente infeccionadas, e o HBV permanece
contagioso por períodos de tempo longos em condições
ambientes.
Transmissão sexual
A transmissão de HBV de pessoas com a hepatite aguda
ou crônica B aos seus parceiros sexuais é uma fonte importante
da infecção, 79 ‘102 e os adultos HBsAg-positivos que se
ocupam na atividade sexual de alto risco estão no alto risco
de transmitir HBV.118’ 119 Contudo, a maior parte de pessoas
com HBV crônico em ¬ os fection não são conscientes que
eles são infeccionados. Essas transportadoras silenciosas são
a fonte mais provável da infecção para por ¬ filhos com
múltiplos parceiros sexuais.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Nos países mais desenvolvidos, inclusive aqueles na
Europa do norte e Ocidental, a maior parte (de 80-85 %) das
infecções agudas da hepatite B ocorrem entre adultos jovens,
que se ocupam no uso 120 de droga de injeção e atividade
sexual desprotegido de alto risco.
Transmissão Horizontal e Vertical
O risco da transmissão horizontal e vertical do HBV foi
bem descrito. Este risco é maior em recém-nascidos de mulheres
HBeAg-positivas e varia de 70% a 90% aos 6 meses da idade.
Aproximadamente 90% destas crianças permanecem
cronicamente infectadas. O risco da infecção perinatal entre
os recém-nascidos de mães HBeAg-negativas varia de 10% a
40%, com 40-70% desses recém-nascidos tornarem-se
cronicamente infectados. Crianças nascidas de mães HBsAgpositivas que não se infectaram no período perinatal
permanecem sob alto risco de infecção durante a infância.
Epidemiologia da Hepatite D
Dados coletados na década de 80 indicaram que menos
que 5% dos portadores HBsAg no mundo estavam
infectados pelo HDV. Como o número de portadores de HBV
estimado na época era de 300 000 000, não menos que 15 000
000 de pessoas deveriam estar infectadas pelo HDV. A
distribuição geográfica da infecção de HDV não acompanhou
aquela do HBV, pois algumas áreas endêmicas para HBV
quase que não tinham HDV. Atualmente, o HDV permanece
endêmico em áreas tropicais e subtropicais. Nas décadas de
1970 e 1980, a infecção pelo HDV ocorreu esporadicamente
na população geral de HBV no mundo ocidental, mas foi
endêmica nas subpopulações de HBsAg que
compartilhavam dos fatores de risco que predispunham à
transmissão do viral.
Três padrões epidemiológicos de infecção pelo HDV foram
descritos: os padrões endêmico e epidêmico e os grupos de
alto risco para aquisição do HDV (Figura 4):
Padrão Endêmico
A infecção pelo HDV era endêmica nas populações que
vivem em torno do mar mediterranean até a década de 1990.
A infecção tendia a ocorrer nos primeiros anos de vida,
afetando principalmente crianças e adultos jovens. A via de
transmissão principal era a propagação através da inoculação
inaparente em pele e mucosa. A transmissão intrafamiliar era
comum e provavelmente associada a hábitos higiênicos
inadequados.
Nas áreas que mantêm endemicidade, a disseminação de
HDV é irregular na região. No Brasil, Kenya e China, bolsões
de infecção foram identificados perto de áreas onde a
prevalência de HDV era insignificante.
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Figura 3. Fatores associados à infecção pelo vírus da hepatite B 1990-2000 (EUA)
Figura 4. Distribuição geográfica da Infecção pelo HDV
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9
10
Sociedade Brasileira de Infectologia
Em áreas endêmicas, o HDV é a causa principal de hepatite
fulminante, especialmente em portador de HBsAg com doença
hepática progressiva é infectado pelo HDV.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Impacto na Saúde Pública do Brasil
Na America do Norte e norte da Europa, o HDV foi
praticamente restrito a grupos de alto risco que compartilham
dos mesmos fatores de risco predisponentes como ser
portador de HBsAg e exposição parenteral aparente ou
inaparente a sangue não fiscalizado ou condições de
promiscuidade e superpopulação.
Usuários de droga intravenosa que compartilham de
agulhas foram considerados vítimas principais da
infecção de HDV no mundo ocidental, com prevalência
na década de 1980 de 17% a 98% e uma presença
consistente do anti-HDV em indivíduos anti-HBs
positivos.
O impacto da Hepatite B crônica no Brasil ainda não se faz
claro. O custo da triagem sorológica entre candidatos a doador
de sangue no Brasil e na rotina diagnóstica do Sistema Único
de Saúde (SUS) atingiu entre 2000 e 2005 a representativa quantia
de R$ 356,5 milhões, ressaltando a relevância da adoção de um
critério seletivo para usar os marcadores sorológicos
diagnósticos. O diagnóstico por Biologia Molecular ainda não
existe no SUS, razão pela qual seu impacto não pode ser avaliado.
Porém, se considerarmos o parâmetro da Hepatite C, o impacto
da Biologia Molecular per se não será tão representativo quanto
a triagem sorológica. O problema gerencial e financeiro decorrerá
da terapia dos casos diagnosticados. O valor unitário do
Interferon convencional e da Lamivudina não é elevado, porém,
o advento de novas terapias, mormente os antivirais, sem um
tempo definido de tratamento, resultará em um impacto
significativo. Uma análise farmacoeconômica poderá demonstrar
se a incorporação dessas tecnologias será custo-efetiva. Um
outro relevante aspecto está associado aos custos do
transplante hepático e a prevenção da infecção maciça do
enxerto. A cirrose por hepatite B é uma das principais indicações
para o transplante de fígado, ocupando a segunda ou terceira
colocação entre as principais indicações. Portanto, pelo todo, a
melhor medida a se considerar é a ampliação do acesso à Vacina
contra a hepatite B, hoje incluída no calendário vacinal básico,
porém, ainda de abrangência modesta entre populações
susceptíveis, como os jovens e adolescentes, que precisam ser
priorizados nas políticas de prevenção.
Epidemiologia Molecular do HDV
Referências Bibliográficas
A análise genética dos isolados de HDV em várias
regiões do globo mostrou que existem, pelo menos, 3
genótipos filogeneticamente distintos agrupados em áreas
geográficas diferentes. O mais disseminado
geograficamente é o genotipo I, que foi identificado na
América do Norte, Europa, Ásia oriental e ocidental e o
Pacífico Sul e está associado com uma grande diversificação
de manifestações crônicas. O genotipo II foi isolado
somente no leste asiático, e pode ser responsável por
algumas das formas mais leves da doença pelo HDV desta
região. O genótipo III é encontrado exclusivamente no norte
da Ámérica do Sul, onde a infecção pelo HDV ocorre em
surtos epidêmicos entre os índios e exibe uma evolução
particularmente grave.
1.
Padrão Epidêmico
A infecção pelo HDV ocorre em surtos epidêmicos em
algumas populações ou indivíduos de alto risco. São descritas
epidemias distintas entre os índios Yupca e Yanomanis na
Venezuela; ambas associadas a uma taxa elevadaa de hepatite
fulminante. Surtos em pequena escala de infecção pelo HDV
foram relacionadas à transmissão nosocomial, tanto em
pacientes fazendo haemodialysis como naqueles com câncer
submetidos à quimioterapia.
Grupos de Alto Risco
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
11
Patogenia da Hepatite B e Delta
Ana Teresa Rodriguez Viso1, Antônio Alci Barone2
Médica do Centro de Referência e Treinamento em DST-AIDS, Doutoranda do DMIP-FMUSP; 2Professor Titular da
Disciplina de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da FMUSP, Chefe da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do
HC-FMUSP e do Ambulatório e Laboratório de Hepatites/LIM 47 do DMIP HC-FMUSP
1
Patogenia da Hepatite B
O vírus da hepatite B (VHB) é um vírus DNA que pertence
à família hepadnaviridae e infecta preferencialmente
hepatócitos. O VHB causa doença hepática de graus de
severidade que podem variar de pessoa para pessoa. Isto
pode dever-se a fatores do hospedeiro, como a resposta inata,
a humoral e a resposta celular [1], como também a fatores
virais, como certos genótipos, mutações VHB e a carga viral
do VHB [2]. Afirma-se que, em algumas situações, possa
ocorrer lesão citopática direta causada pelo VHB [1], embora
menos importante que a resposta imune.
Na infecção pelo VHB, a resposta inata é induzida após a
primeira semana de infecção e é mediada pelas próprias células
infectadas que reconhecem a presença do vírus e respondem
com a produção de interferon tipo I (INF-I) α/β que interfere
na síntese viral por indução de diversas proteínas, como a
Proteína Kinase e a 2’,5’-oligoadenilato sintetase [3,4]. Além
disto, o INFα/β recruta e ativa macrófagos e estes secretam
diversas citocinas como IL (interleucina) 12 e TNF (fator de
necrose tumoral) α que por sua vez ativam células NK (natural
Killer) [4]. Essas células também são ativadas após o
reconhecimento do VHB pelo MHC-I (complexo de
histocompatibilidade maior) e vão agir com destruição da
célula infectada pelo VHB, diretamente ou mediada pela
produção de TNFα e INFγ. As células de Kupffer são
importantes na inibição da replicação do VHB através da
produção de INFα/β, TNFα e INFγ, além do recrutamento de
LT (linfócitos T) e células NK [5]. Os macrófagos e células
dendríticas fagocitam as proteínas virais e as transportam aos
linfonodos regionais para a resposta imune adaptativa, além
disto, produzem diversas quimiocinas que recrutam antígenos
adicionais e células inflamatórias como neutrófilos e LT ao
fígado [1]. Estas células inflamatórias inespecíficas compõem
a as alterações necro-inflamatórias do infiltrado intra-hepático
que coincide com os sintomas e sinais da hepatite aguda e
lesão hepática [1]. A resposta humoral contra o VHB aparece
por volta da décima semana após a infecção e é fundamental
para eliminação do VHB na fase aguda. Ela está associada a
diferentes fases e evolução da infecção por este vírus. Os
anticorpos contra o AgHBe nas fases iniciais da infecção são
sinal de doença auto-limitada, associada a lesão hepática leve,
normalização da atividade das aminotransferases e diminuição
da carga viral do VHB [6]. Anticorpos contra as glicoproteínas
da região S são neutralizados com aparecimento de anticorpos
específicos anti-HBS produzidos por LT e estes estão
associados a proteção contra novas infecções quando títulos
maiores do que 10 UI/mL [1]. Na hepatite B oculta há perda
dos antígenos e anticorpos circulantes antiHBs e/ ou antiHBe
devido a mutações da região core ou pré-core do VHB e
geralmente estes pacientes tem doença hepática mais severa,
maiores níveis de aminotransferases e a carga viral mantémse alta [7,8].
A resposta celular contra o VHB é mediada por linfócitos
T, que são responsáveis pela lesão hepática tanto na fase
aguda como na fase crônica da doença [9]. O VHB fica
quiescente até 4-7 semanas da infecção, quando inicia
multiplicação vigorosa que geralmente é controlada por LT,
tanto CD4+ como CD8+ específicos que podem ser detectados
durante o aumento da replicação viral [10]. Estudos sugerem
que os hepatócitos requerem altas doses de antígenos do
VHB para induzir a produção de INFγ por LTCD8 ativados, já
que na presença de pequenas quantidades de antígenos
AgHBs ou AgHBe os hepatócitos preferencialmente estimulam
a degranulação dos LTCD8+ e há pouca expansão clonal e
pouca apoptose [11]. A diminuição da replicação viral é
observada com o aumento proporcional das transaminases,
que é indicativa de injúria hepática mediada por LT [4, 10]. Os
LTCD4+ reconhecem peptídeos virais resultantes de
fagocitose ou clivagem das proteínas virais apresentados por
MHC-II [1]. Além disto, ativam a diferenciação dos linfócitos
B, contribuem com a indução e manutenção dos LTCD8+
específicos [10] e permitem às células dendríticas ativar os
LTCD8+ efetores. Os LTCD8+ específicos contra VHB
reconhecem peptídeos apresentados por MHC-I derivados
de metabolização de proteínas endógenas e induzem a
apoptose dos hepatócitos infectados, o que é revelado na
histologia como corpúsculos de Councilman [1]. A destruição
de células infectadas pode não ser suficiente para eliminar o
nucleocapsídeo VHB, que é susceptível a ação mediada por
TNFα e INFγ [12]. Pesquisas têm evidenciado que os LTCD8+
específicos contra VHB são detectados no sangue periférico
na infecção aguda antes dos sintomas e aumentam até que
haja redução sérica do DNA-VHB, quando diminuem
mantendo-se, porém, detectáveis após a eliminação viral [13].
A eliminação do VHB na infecção aguda está associada a
uma resposta vigorosa, policlonal e multiespecífica dos
LTCD4+ e CD8+ aos epítopos do VHB [1,9]. Na resposta aguda
auto-limitada a maior parte dos virions do VHB são eliminados
na fase de incubação sem a destruição de células do fígado
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12
Sociedade Brasileira de Infectologia
devido a ação de citocinas antivirais TNFα e INFγ produzidas
pela resposta inata e adaptativa por mecanismo não citolítico
mediado por células não T [14]. Essa resposta pode ser
detectada no sangue periférico nas primeiras semanas de
infecção e precedida de altos níveis de ALT, clearence dos
antígenos AgHBe e AgHBs e síntese de anticorpos
neutralizantes. Isto é seguido por uma amplificação antígenoespecífica do infiltrado intra-hepático que coincide com os
sintomas e sinais da hepatite aguda e lesão hepática [1]. Há
desenvolvimento de anticorpos neutralizantes específicos
contra AgHBs que eliminam os antígenos do VHB e produção
de LT de memória específicos contra o VHB que controlam os
vírus remanescentes ou antígenos residuais e podem ser
importantes no controle da infecção a longo prazo [1,4,9].
Diversos trabalhos com chimpanzés demonstraram que as
manifestações hepáticas da hepatite B aguda ocorrem quando
os níveis de DNA-VHB tornam-se indetectáveis, ou seja, a
lesão resulta da ação dos LTCD4+ e CD8+ bem como da
indução das citocinas como TNFα e INFγ no fígado,
evidenciando o caráter não citopático da doença [15]. Na
resolução da hepatite B aguda há diminuição dos LTCD4+ e
CD8+ específicos no sangue e no fígado [1,9]. Estudos in
vitro demonstraram que com re-estimulação utilizando
peptídeos específicos do VHB os LT se proliferam rapidamente
e produzem citocinas. Este tipo de resposta com LTCD8+
específicos também acontece em pacientes cronicamente
infectados que eliminam o vírus espontaneamente ou com
tratamento [1].
Na fase crônica do VHB, alguns pacientes conseguem
eliminação tardia devido a produção de grandes quantidades
de citocinas e LTCD8+ específicos que diminuem a carga viral
do VHB[1].A persistência do VHB pode estimular
continuamente os LT específicos que por sua vez, previnem
re-infecções, mas a recuperação e proteção contra re-infecções
não estão necessariamente associadas a imunidade perene
[1]. Não se sabe exatamente em quais órgãos o VHB persiste,
mas o vírus já foi detectado em ductos biliares, pâncreas, rins,
pele, cérebro, tecido endócrino e linfonodos. A reativação do
VHB ou a transmissão em indivíduos com anti-HBS positivos
pode ocorrer em casos de imunossupressão como em
transplantes devido à presença de mutações ou a persistência
do cccDNA no núcleo dos hepatócitos. O cccDNA pode
sobreviver a mitose do hepatócito, mas é perdido após 2,6
turnover do fígado [16]. Diversas citocinas interferem na
replicação do VHB. O INFα/β está relacionado à eliminação
do nucleocapsídeo do VHB e a clivagem de proteínas virais,
com desestabilização e degradação do RNA-VHB [17]. Já o
INFδ e TNFα inibem a replicação citoplasmática do VHB e
podem remover o cccDNA do núcleo de células infectadas em
experimentos com ratos [18].
Os pacientes cronicamente infectados que adquirem VHB
na idade adulta geralmente apresentam um defeito na resposta
específica dos LT [19]. Diversos mecanismos têm sido
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
propostos para explicar a disfunção dos LT, como a tolerância
imunológica do fígado, a exaustão dos LT devido a altos níveis
de antígenos AgHBs e AgHBe [12] e a supressão da resposta
pelos LT regulatórios [2]. Uma deficiente resposta T aos
antígenos do VHB poderia reduzir sua apresentação e
favorecer ao escape de reconhecimento do LT efetor. É
possível que insuficientes LTCD8+ ativados não sejam
capazes de eliminar a infecção através da produção adequada
de citocinas, já que diversos trabalhos mostram que os
pacientes cronicamente infectados têm uma resposta T
citotóxica menor dos que os pacientes que eliminam o VHB,
além disto o TNFα e INFγ intra-celulares são produzidas em
maiores quantidades em pacientes que eliminaram o VHB
[20].Apesar da diminuição ou perda da resposta T específica
ao VHB no sangue periférico de indivíduos cronicamente
infectados, clones de LT específicos contra VHB tem sido
isolados em biópsias hepáticas. Há maior proporção de
LTCD8+ no infiltrado intra-hepático de pacientes com menores
níveis séricos de ALT e DNA-VHB do que em pacientes com
altos níveis de ALT e B-DNA [21]. O recrutamento de LT
específicos e inespecíficos pelo fígado está associado a lesão
hepática necro-inflamatória e a progressão da doença crônica
[1].
O tipo de inóculo e a cinética de replicação do VHB podem
induzir a uma grande resposta imune caso o VHB infecte
rapidamente a maioria dos hepatócitos, mas a infecção de
sítios extra-hepáticos pode não ser acessível aos LT
específicos contra o VHB. O escape viral e o aparecimento de
mutações também dificultam o reconhecimento dos epítopos
do VHB. A alta incidência de cronificação na transmissão
vertical do VHB pode decorrer de uma imaturidade do sistema
imune do recém nascido determinando diminuição da ação
dos LT, com menor secreção de TNFα e INFγ no fígado [22],
com uma fase de imunotolerância que pode se prolongar por
décadas permitindo altos níveis de DNA-VHB, agHBe e
transaminases normais. Efeitos imunomodulatórios do AgHBe
podem interferir neste processo, pois este antígeno é
rapidamente secretado no sangue e é tolerado por LT em ratos
trangênicos [23]. Por razões ainda controversas, inicia-se uma
resposta celular que levará a doença hepática mais severa
com maior progressão para cirrose, mesmo com diminuição
dos níveis de DNA-VHB [4].
Patogenia da Hepatite Delta
A hepatite D é causada por um vírus pequeno e defeituoso,
o vírus da hepatite D (VHD), que tem um genoma de RNA, um
antígeno codificado para o VHD (AgHD) e um envoltório de
lipoproteína fornecido pelo VHB, o AgHBs [24]. O genoma do
VHD é circular, de fita única, de tamanho de 36 a 43 nm, com
até 39% de heterogeneidade de sequências, sendo
indentificados inicialmente 3 genótipos, tipos I, II e III [25] e
mais recentemente 7, sendo que uns parecem ser mais
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
patogênicos que outros [26]. A replicação do VHD é limitada
aos hepatócitos e depende da presença do vírus da hepatite
B (VHB) que fornece o envoltório de lipoproteína de seu
antígeno de superfície [27].
A patogenia do VHD é complexa e variável, pois depende de
sua patogenicidade, da interação entre o VHD e o VHB e da
resposta imune do hospedeiro contra ambos os vírus [27,28].
Muito do que se conhece sobre este patógeno deriva de estudos
in vitro usando cultura de células ou estudos experimentais em
chimpanzés e em marmotas (woodchuck), animais capazes de
reproduzir a replicação do VHD e do VHB [29,30].
O receptor do VHD nas células do hospedeiro ainda é
desconhecido, mas sabe-se que a região amino-terminal da
proteína L do envelope do VHB participa da entrada do VHD
na célula hospedeira [30,31]. Após a entrada do VHD nos
hepatócitos, seu RNA é transcrito em RNA complementar e
forma-se AgHD dentro do núcleo. Há duas isoformas do
AgHD, a pequena (S-AgHD) e a grande (L-AgHD) [32]. A SAgHD participa da replicação do VHD-RNA enquanto que
grandes quantidades de L-AgHD suprimem a replicação viral,
além de direcionar os aminoácidos do vírion a interagirem
com os aminoácidos da proteína S do VHB [32]. Na ausência
do VHB a replicação pelo VHD não se completa e, sem
envoltório, o vírion não pode ser liberado da célula. Neste
caso, a infecção pode ser eliminada ou manter-se de forma
inativa (infecção latente). Durante esta fase não há evidência
de hepatopatia e o VHD não pode ser detectado.
O VHD pode causar diretamente lesão hepática durante a
infecção aguda [33], enquanto que na lesão crônica a lesão
predominante é imunomediada [28]. O encontro de autoanticorpos anti-microssomais contra o citoplasma dos
hepatócitos e a presença de infiltrado inflamatório lobular em
hepatite crônica pelo VHD sugerem que a resposta imune ao
VHD contribua para a destruição dos hepatócitos e pior
evolução da doença [24,27].Teoricamente como o VHD é RNA,
a citopatogenicidade teria características semelhantes a esses
vírus. A apoptose parece ser um dos responsáveis pela
citopatotoxicidade deste vírus após estímulo in vitro [34]. O
genótipo do VHB e o nível de replicação do mesmo também
influenciam na expressão da doença hepática causada pelo
VHD. Todos os genótipos do VHD podem ter manifestações
fulminantes na fase aguda, sendo que o II é que menos
frequentemente causa este quadro. O genótipo III foi
relacionado doença hepática mais severa na América do Sul
[2]. A associação entre o genótipo III do VHD e o genótipo F
do VHB foi relacionada a formas mais graves de hepatite na
região da Amazônia Peruana [35].
Quando há infecção simultânea por VHD e VHB (coinfecção) a hepatite aguda geralmente é auto-limitada devido a
alta taxa de eliminação natural do VHB pela resposta humoral
eficiente contra o VHB [10]; exceto em casos de UDI, onde têm
sido relatadas altas taxas de hepatite fulminante. Já a resposta
humoral contra o VHD é ineficiente e a presença de anticorpos
13
contra o VHD não lhe conferem imunidade. No início da
infecção, o VHD se replica rapidamente, mas na infecção crônica,
os novos vírus morrem antes de adequada produção do agHD
e as lesões tendem a ser menos intensas.
Na superinfecção aguda pelo VHD em portador crônico
do VHB a lesão hepática costuma ser mais severa levando
a maior risco de evoluir para hepatite fulminante do que a
co-infecção VHB-VHD [27,33]. A evolução para a
cronicidade ocorre em até 70% dos casos de superinfecção
[27]. Há alta viremia de VHD no início da infecção aguda e
sua manifestação dependerá do estágio de replicação do
VHB. Quando a infecção do VHD ocorre em indivíduo com
ausência de replicação do VHB (agHBE e VHB-DNA
negativos) geralmente a superinfecção pelo VHD tem
evolução lenta para a cronicidade [36]. Por outro laldo,
quando o VHB está em replicação, há maior chance de que
a superinfeção seja mais grave com possibilidade de
desenvolver forma fulminante [36]. Na maior parte dos casos
de superinfecção pelo VHD este suprime a replicação do
VHB e a lesão hepática é essencialmente causada pelo VHD
[27,36].
A erradicação do VHB com o desenvolvimento de antiHBs protege os indivíduos contra a re-infecção pelos VHB e
VHD, mas a erradicação do VHD com a persistência do agHBs
mantém o risco de re-infecção pelo VHD.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
15
História Natural da Hepatite B Aguda e Crônica
João Silva de Mendonça1, Aline Gonzalez Vigani2
HSPE1, Unicamp2
A história natural da infecção pelo vírus da hepatite B
(VHB) caracteriza-se pela variabilidade no seu curso, evolução
e complicações (Figura 1). O curso da doença varia de acordo
com alguns fatores como: idade no momento da infecção,
sexo, estágio da doença no momento do diagnóstico, nível de
replicação viral, status imunológico do hospedeiro, resposta
imunológica do hospedeiro à presença do VHB e concomitante
infecção com outros vírus, especialmente HIV, vírus da hepatite
C e vírus delta.
Figura 1. História natural da infecção pelo VHB
R es oluç ão
Infec ç ão
ag ud a
E s ta biliza çã o
In fec çã o
crônic a
Ó bito
C irros e
com pe ns ad a
C irros e
P rog re ss ão
CHC
Ó bito
C irros e
d es co mp en sad a
3 0-5 0 a nos
Infecção Aguda pelo VHB
O período de incubação da hepatite B aguda varia de 50 a
180 dias, com duração média de 75 dias e caracteriza-se pela
presença do antígeno de superfície do VHB (HBsAg) e
ausência de sintomas. O surgimento de sintomas inespecíficos
como anorexia, náusea, vômitos, fraqueza, intolerância
alimentar, artralgia, desconforto abdominal e febre caracterizam
o período pré-ictérico. No momento em que surgem estes
sintomas inespecíficos ocorre elevação das transaminases e
os anticorpos anti-HBcAg das classes IgM e IgG estão
presentes no soro.
O surgimento de icterícia, hipocolia fecal e colúria
caracterizam o período ictérico que se segue à fase pré-ictérica.
Mas somente 20% dos pacientes com infecção aguda
desenvolvem icterícia clinicamente reconhecida. Na fase
ictérica as transaminases estão muito elevadas no soro,
geralmente maiores que 1.000 UI/L, demonstrando intensa
lesão hepatocítica. O período ictérico pode prolonga-se por
aproximadamente 20 dias e após este período o paciente entra
na fase de convalescença com melhora progressiva da
sintomatologia por um período de 20 a 30 dias.
No início da doença aguda os marcadores de replicação
viral, HBeAg e VHB-DNA, são encontrados em altas
concentrações. O anti-HBc IgM também se apresenta com
títulos elevados neste momento. A partir da resposta
imunológica do hospedeiro ocorre progressivo decréscimo
da replicação viral e redução nestes títulos. Indivíduos com
resposta imunológica suficiente para eliminação do VHB
controlam a replicação viral, caracterizada pela eliminação do
HBeAg e aparecimento do anti-HBeAg, em geral, até o 3º mês
de doença. Cessando a replicação viral ocorrerá o
desaparecimento do HBsAg e, após um tempo variável, surge
o anti-HBsAg, anticorpo neutralizante e indicativo de cura da
infecção. A ausência da soroconversão de HBeAg para antiHBeAg até o 3° mês da doença aguda pode indicar falha do
sistema imunológico em controlar a infecção.
Adultos com infecção aguda pelo VHB desenvolvem
doença auto limitada com resolução do quadro em até 6 meses.
No entanto, uma minoria (1%) evolui para hepatite fulminante
em decorrência da lise maciça, imuno-mediada, dos hepatócitos
infectados. Hepatite fulminante é definida como
desenvolvimento de encefalopatia e coagulopatia até 8
semanas após o início dos sintomas e apresenta altas taxas de
letalidade.
A probabilidade de um indivíduo com infecção aguda pelo
VHB tornar-se cronicamente infectado depende da idade na
qual o indivíduo adquire a infecção. Entre aqueles infectados
na idade adulta, 5% dos imunocompetentes e 20% daqueles
com infecção pelo HIV, tornam-se portadores crônicos do VHB.
Entre os recém-nascidos com infecção perinatal e crianças
infectadas durantes os primeiros anos de vida, 90% e 20-50%,
respectivamente, falham em produzir uma resposta
imunológica eficiente para eliminar o VHB durante a infecção
aguda e evoluem para cronicidade [1].
Infecção Crônica pelo VHB
O início da infecção crônica é caracterizado pela
persistência do HBsAg por um período maior ou igual a 6
meses, altos níveis de VHB-DNA e a presença do HBeAg no
soro (Webster). A hepatite B crônica é uma doença dinâmica,
caracterizada pela interação entre o VHB e o sistema
imunológico do hospedeiro. O paciente com infecção crônica
pelo VHB pode transitar entre doença ativa e inativa,
dependendo da interação “vírus e hospedeiro”. Quando a
resposta imune é suficiente para controlar a replicação viral a
doença estabiliza (fase não replicativa) e o indivíduo torna-se
um portador inativo do VHB. Por outro lado quando a resposta
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16
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imune não é suficiente para controlar a replicação viral a doença
progride com atividade inflamatória e fibrose hepática.
Dentre os indivíduos com infecção crônica
aproximadamente 70% evoluem para estabilização da infecção,
30% apresentam progressão da doença com evolução para
cirrose e deste um quarto desenvolve descompensação
hepática em 5anos e 5 - 10% desenvolvem carcinoma
hepatocelular (CHC) [2].
Hepatite B Crônica em Pacientes Infectados no Período
Perinatal
A história natural de hepatite B crônica em crianças
geralmente é silenciosa e indolente. O curso da infecção
crônica pelo VHB adquirida no período perinatal pode ser
dividido em três fases (Figura 2).
Figura 2. Curso da hepatite B crônica adquirida no período
perinatal
HBV DN A
ALT Serica
HBeAg
Fase de
Im unotolerâ ncia
Anti - HBe
Fase
Im uno
elim inação
Fase Não Replicativa
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
CD4 reagem contra os antígenos virais, estimulando a lise
dos hepatócitos que expressam esses antígenos. Isto promove
dano hepático progressivo e aumento nos níveis de
aminotransferases. Nesta fase o desenvolvimento da resposta
imune pode controlar a infecção ou provocar inflamação
hepática prolongada, fibrose e cirrose. Se a resposta imune
contra o VHB for suficiente para controlar o vírus há aumento
da inflamação hepática associada a soroconversão AgHBe /
anti-HbeAg (definida como perda do HBeAg e presença do
anticorpo Anti-HBeAg), declínio progressivo da replicação
viral (DNA-VHB < 10 5 cópias / mL) e normalização dos níveis
de ALT. Por outro lado, se não ocorrer a soroconversão HBeAg
/ anti-HBeAg, a lise de hepatócitos persiste com intermitente
ou continua elevação de ALT e progressão da hepatite.
Caracterizada por períodos prolongados de inflamação
hepática, progressão da fibrose e desenvolvimento de cirrose.
A transição para a fase não replicativa pode ser rápida ou
prolongada, inclusive podendo ocorrer exacerbações
recorrentes dos sintomas da hepatite aguda.
3) Fase não replicativa. Caso durante a fase de imunoeliminação
ocorra o controle da replicação viral, o paciente entra na fase
não replicativa. Neste período há baixo nível de vírus circulante,
HBeAg indetectável e HBsAg detectável, transaminases
normais e ausência de inflamação hepática. A fase nãoreplicativa pode persistir por anos, no entanto, pode ocorrer
recorrência da hepatite devida à presença de mutantes da região
pré-core do VHB. Nesse casos, ocorre aumento dos níveis de
DNA-VHB no soro (usualmente > 10 4 cópias / mL), atividade
necro-inflamatória, aumento no nível de transaminases séricas,
HBeAg indetectável e Anti-HBeAg presente.
Hepatite B em Pacientes Infectados na Idade Adulta
1) Fase de imunotolerância. Corresponde a fase inicial da
infecção crônica e pode perdurar por 15 a 35 anos. Caracterizase por altos níveis de replicação do VHB, sem doença hepática
ativa. Durante esta fase, HBsAg e HBeAg são encontrados
em altas concentrações no soro e DNA-VHB > 109 cópias /
mL. A lesão hepatocelular na hepatite B crônica é produzida
pela atividade do sistema imunológico, pois o VHB não é
diretamente citopático. Como nesta fase o sistema imune é
tolerante ao VHB, a despeito da alta replicação viral, não há
inflamação hepática e os níveis de transaminases são normais.
Não está completamente elucidado porque o sistema imune
do hospedeiro não reconhece ou não responde à presença do
vírus, mas, provavelmente, isso ocorre pela passagem
transplacentária do HBeAg da mãe para o feto, durante a
gestação.
O curso crônico da infecção adquirida na idade adulta
pode ser dividido em duas fases (Figura 3).
Figura 3. Curso da hepatite B crônica adquirida na fase adulta
HBV DNA
ALT Serica
HBeAg
Fase Replicativa
2) Fase de imunoeliminação. Após a fase de imunotolerância
segue-se a fase de imuoeliminação. Durante esta período o
sistema imunológico reconhece a presença do VHB e células
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Anti - HBe
Fase Não Replicativa
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
1) Fase de imunoeliminação. Corresponde à fase inicial da
infecção crônica com alta replicação viral, necro-inflamação e
fibrose hepática, podendo evoluir para cirrose hepática. Cursa
com a presença do HBeAg no soro, níveis elevados de VHBDNA (> 100.000 cópias/mL), ALT também elevada e
progressão da doença. Nesta fase pode ocorrer a
soroconversão HBeAg / anti-HBeAg, a qual é precedida por
uma queda acentuada nos níveis séricos de DNA do VHB
(de 107 – 1010 para menos de 105 cópias de genoma /mL),
redução dos níveis séricos de ALT para níveis normais e
persistência do HBsAg. Estima-se que 5-15% dos pacientes
com infecção crônica pelo VHB soroconvertem
espontaneamente para anti-HBeAg a cada ano [3]. A
soroconversão usualmente representa a transição da fase
replicativa para a fase não replicativa (“estado de portador
inativo HBsAg”). Alguns fatores como idade, gênero, nível
sérico de ALT e genótipo do VHB influenciam a probabilidade
de soroconversão HBeAg / anti-HBeAg. Em um estudo em
nativos do Alasca com hepatite B, a taxa de soroconversão
entre indivíduos com 0 a 18 anos de idade foi 33%, naqueles
entre 19 e 30 anos, 52% e naqueles entre 31 e 78 anos, 76%
[4]. Liaw [5] demonstrou que 50% dos pacientes com eleveção
do nível de ALT > 5 vezes o valor normal soroconverteram,
no entanto somente 10% daqueles com nível de ALT < 5
vezes o valor normal apresentam esta evolução.
Soroconversão HBeAg / anti-HBeAg também é mais
freqüente em mulheres e naqueles com infecção pelo VHB
genótipo C. Nesta fase também pode ocorrer soroconversão
HBsAg / Anti-HBsAg, mas é raro (< 1% por ano).
2) Fase não replicativa. Caso ocorra parada da replicação
viral, o paciente entra na fase não replicativa e apresentará
evolução mais favorável mesmo apresentando fibrose
avançada. Esta fase é caracterizada pela ausência de HBeAg
no soro e presença de anti-HBeAg, baixos níveis (< 104 cópias
/mL) ou níveis indetectáveis de VHB-DNA e ALT
persistentemente normal. Nesta fase a doença hepática
geralmente não progride e o desenvolvimento de carcinoma
hepatocelular raramente ocorre [6]. Esta fase caracteriza o
portador inativo do VHB e pode persistir ao longo de toda a
vida, porém 10% a 20% dos pacientes podem evoluir com
reversão para o estado de HBeAg positivo e outros 20 a 25%
dos pacientes evoluem com reativação da replicação viral,
pela seleção de mutantes da região pré-core do VHB,
freqüentemente acompanhado por elevações de ALT e
reativação da inflamação hepática, caracterizando a hepatite
B crônica HBeAg negativo [4].
A infecção crônica pelo VHB pode se classificada em duas
categorias, dependendo do status do antígeno e: doença
HBeAg-positiva (VHB tipo-selvagem) e doença HBeAgnegativa (VHB mutante da região pré-core). As duas categorias
podem levar a cirrose e insuficiência hepática.
17
Hepatite B crônica HBeAg-positivo caracteriza-se por altos
níveis de DNA-VHB sérico (105 – 107 cópias/mL) e níveis
aumentados de transaminases. Se não tratados a maioria dos
pacientes nesta categoria mantém altos níveis de replicação
do VHB e necroinflamação hepática a qual é associada com o
desenvolvimento de fibrose, progressão para cirrose e risco
aumentado de CHC.
Doença HBeAg-negativa caracteriza-se por persistente
replicação do VHB (104 – 105 cópias/mL) mas em níveis
inferiores àqueles da doença HBeAg-positiva, níveis
flutuantes de ALT, progressiva necroinflamção e fibrose,
ausência do HBeAg e presença do anti-HBeAg. A replicação
viral é mantida por variantes do VHB, decorrentes de mutações
nas regiões precore ou core promoter do genoma do vírus,
que impedem ou reduzem a produção do AgHBe. Estas
mutações podem ocorrer espontaneamente na fase de
imunoeliminação da infecção crônica pelo VHB ou em
decorrência da reativação da replicação viral. Remissão
espontânea da doença HBeAg negativa é rara. Esta população
de pacientes precisa ser distinguida daqueles indivíduos em
um verdadeiro estado de portados inativo HBsAg, nos quais
os pacientes soroconvertem espontaneamente de HBeAg para
anti-HBeAg sem emergência da forma mutante do VHB.
Hepatite B e “Flare”
O chamado “flare” na infecção crônica pelo VHB é uma
exacerbação aguda da hepatite crônica caracterizada por
grande elevação no nível de ALT sérica, em geral superior a 10
vezes o valor da normalidade, em conseqüência da lise imunemediada dos hepatócitos infectados. É precedida por elevação
do nível circulante de DNA VHB com sucessiva queda destes
níveis. Pode ocorrer precedendo a soroconversão HBeAg /
anti-HBeAg e, também, em resposta à re-emergência da
replicação viral. O “flare” pode ser assintomático e
diagnosticado somente durante o seguimento de rotina.
Embora alguns possam ser acompanhados por sintomas de
hepatite aguda e reaparecimento do anti-HBc IgM, o que pode
levar a um diagnóstico equivocado de hepatite B aguda em
pacientes sem diagnóstico prévio de infecção crônica pelo
VHB.
As conseqüências desse quadro de exacerbação aguda
podem resultar em soroconversão HBeAg / anti-HBeAg, mas
também podem ocorrer múltiplos episódios de “flare” com
progressão acelerada da hepatite e risco aumentado de
desenvolvimento de cirrose. Em pacientes com fibrose hepática
avançada, este quadro de exacerbação aguda pode levar a
descompensação hepática e óbito por necrose maciça.
Hepatite B e Cirrose
A incidência anual de cirrose em pacientes com
infecção crônica pelo VHB varia de 2 a 6%. Alguns
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fatores, incluindo idade avançada, replicação viral
persistente e longos períodos de necroinflamação
hepática, influenciam a taxa de progressão para cirrose
[4]. A média de idade dos pacientes com diagnóstico de
cirrose em estágio inicial é aproximadamente 40 anos.
Chen e colaboradores demonstraram um risco aumentado
de cirrose em indivíduos com DNA VHB ≥ 10 4 cópias /
mL [7]. Pacientes com episódios recorrentes de “flare”
também podem apresentar taxa de progressão mais
acentuada para cirrose.
A taxa de sobrevida, em cinco anos, para pacientes com
cirrose hepática compensada varia de 80 a 85%, já entre
pacientes com cirrose descompensada, essa taxa é
aproximadamente 14% [8].
Hepatite B e Carcinoma Hepatocelular (CHC)
CHC ocorre aproximadamente 30 a 50 anos após infecção
pelo VHB. A incidência anual de CHC, entre pacientes com
infecção pelo VHB e ausência de cirrose, é aproximadamente
0,5%, já naqueles com cirrose varia entre 2 e 6% [9].
Fatores de risco para desenvolvimento de CHC em
pacientes com hepatite B crônica incluem: história familiar
de CHC, infecção na infância pelo VHB, presença de
cirrose (embora CHC possa ocorrer na ausência de
cirrose), consumo crônico de álcool e sexo masculino.A
presença do HBeAg e HBV DNA é associada com
aumento do risco para CHC. Yang [10] demonstrou que
pacientes com alta carga viral do VHB (> 106 cópias /mL)
possuíam um risco 12 vezes superior para desenvolver
CHC quando comparado com aqueles com níveis baixos
de VHB DNA (< 300 cópias / mL), indicando a importância
da replicação viral em determinar o desenvolvimento de
CHC.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
19
Marcadores Sorológicos da Hepatite B e sua Interpretação
Neiva S. L. Gonçales1, Norma de Paula Cavalheiro2
Grupo de Estudos das Hepatites, Disciplina de Moléstias Infecciosas, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências
Médicas-UNICAMP;2Laboratório de Hepatites, LIM 47 Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias, HC/FMUSP
1
Durante o curso da infecção pelo vírus da hepatite B (VHB),
os antígenos virais induzem uma resposta imune específica.
Para uma melhor compreensão dos marcadores sorológicos
que se desenvolvem durante a infecção é necessário
considerar a própria estrutura do vírus (Quadro 1).
O VHB é um vírus hepatotrópico da família Hepadnavirus,
de aproximadamente 42 nm de diâmetro, com um
nucleocapsídeo icosaédrico (27 nm) que contém o antígeno
do core da hepatite B (HBcAg), envolto por um envelope viral
composto de proteínas, lipídeos e carboidratos. Exposto sobre
a superfície do envelope está um mosaico de glicoproteínas
conhecido coletivamente como HBsAg (antígeno de superfície
do VHB). No interior do core está o genoma viral que é
composto por uma fita dupla de DNA circular incompleta
codificada por uma DNA polimerase. Um antígeno viral
adicional, embora não seja um componente estrutural, aparece
no soro durante o curso da infecção pelo VHB e é conhecido
como antígeno e (HBeAg). O gene do core (C) no genoma
viral é subdividido em duas regiões; a região C que codifica o
antígeno c e a região do pré C que codifica o antígeno e.
Assim, os antígenos e e c contém praticamente os mesmos
aminoácidos, porém um acréscimo de 29 aminoácidos na
porção terminal da proteína codificada pela região pré C
(antígeno e) resulta em moléculas com estrutura e
antigenicidade diferentes. A proteína do antígeno c (core)
forma monômeros que resultam no nucleocapsídeo, não
permitindo sua circulação no soro, enquanto que a proteína
do antígeno e é solúvel e secretada pelos hepatócitos
infectados.
A resposta imune em portadores do VHB
imunocompetentes, cedo ou tarde, leva à produção dos
correspondentes anticorpos contra os antígenos virais que
são: anti-HBc, anti-HBe e o anti-HBs. Todos os antígenos e
anticorpos podem ser identificados e utilizados no
diagnóstico, durante o curso da infecção pelo VHB.
A identificação dos constituintes do VHB, nas diferentes
fases evolutivas da infecção, pode ser realizada por testes
sorológicos (pesquisa de antígenos e anticorpos) e
moleculares (pesquisa qualitativa e quantitativa do DNAVHB). Além disto, pode ser realizada a pesquisa dos antígenos
HBsAg e HBcAg no tecido hepático (marcadores virais
teciduais) pela imunohistoquímica.
Os testes mais utilizados no diagnóstico sorológico são
os ensaios imunoenzimáticos (EIA). Estes ensaios são
baseados na imobilização do antígeno ou anticorpo em um
suporte sólido, geralmente no fundo de microplacas. Um
antígeno ou anticorpo complementar, presente na amostra a
ser testada é adicionado por simples aplicação, então este
complexo antígeno-anticorpo é detectado por um outro
antígeno ou anticorpo marcado com enzima. Esta enzima
acoplada ao antígeno ou anticorpo é capaz de catalisar a
reação, quando o substrato é adicionado, produzindo uma
reação de oxidação que gera uma cor. Esta reação colorimétrica
é medida e pode gerar resultados quantitativos ou qualitativos
(reagente ou não reagente).
O período de incubação (PI) do VHB varia de 50 a 180 dias.
Um resultado confirmando a presença do HBsAg indica, na
maioria das vezes, uma infecção pelo VHB. Na prática, todos
os indivíduos HBsAg positivos devem ser considerados
infectantes. Em indivíduos recentemente infectados, o HBsAg
é o único marcador sorológico detectável durante as primeiras
3 a 5 semanas após a exposição, persistindo por um período
variável. O tempo médio para a detecção do HBsAg, após a
exposição, é de 30 dias. Entre 2 a 6 semanas antes do
aparecimento da icterícia, o HBsAg e o HBeAg podem ser
detectados, no soro, indicando a presença do VHB replicante
e infectante. O HBeAg é, portanto, um marcador de replicação
e infectividade do VHB e sua presença, usualmente, se associa
à positividade do DNA do VHB, no soro, com alto risco de
transmissão da infecção. Testes de detecção do ácido nucléico,
com altíssima sensibilidade, podem detectar o DNA do VHB
no soro de uma pessoa infectada, 10 a 20 dias antes da detecção
do HBsAg. Positividade transitória do HBsAg pode ser
observada, 18 dias após vacinação contra a hepatite B, sem
nenhum significado clínico.
O HBcAg é um antígeno intracelular, insolúvel, que não
pode ser detectado no soro. O anti-HBc IgM aparece no
início dos sintomas, até 30 dias após o aparecimento do
HBsAg, ou durante o período que os testes bioquímicos
hepáticos ficam alterados, na infecção aguda. A fração IGM
do anti-HBc pode estar elevada, de maneira intermitente, em
parte dos pacientes com hepatite pelo vírus B crônica,
HBeAg positiva, durante os períodos de reativação da
doença. Em adição, resultados falso-positivos para o antiHBc IgM, podem ocorrer. Porque o valor preditivo positivo
é baixo em indivíduos assintomáticos, para o diagnóstico de
HVB aguda, o teste do anti-HBc IgM só deve ser considerado
em indivíduos com evidências clínicas de HVB aguda ou em
casos que tenham ligações epidemiológicas. O anti-HBc total
geralmente persiste por toda a vida do indivíduo infectado
pelo VHB. O anti-HBc total é considerado um marcador de
infecção pregressa do VHB.
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Quadro 1. Principais padrões sorológicos encontrados na infecção pelo VHB
HBsAg
HBeAg
Anti-HBc IgM
(+)
(+)
(+)
(+)
(-)
(+)
Anti-HBc Total
Anti-HBe
Anti-HBs
Interpretação
(+)
(-)
(-)
(+)
(+)
(+)
(-)
(+)
(-)
(+)
(-)
(-)
HBV crônica (Ag e +)
(+)
(-)
(-)
(+)
(+)
(-)
HBV crônica (Ag e -)
(-)
(-)
(-)
(+)
(+)/(-)
(-)
Janela Imunológica
(-)
(-)
(+)
(+)
(+)/(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
(+)
(+)
HBV pregressa imune
(-)
(-)
(-)
(-)
(-)
(+)
Vacinação Prévia
(-)
(-)
(-)
(+)
(-)
(-)
HVB aguda
(Fase Inicial)
HBV aguda
(Fase Tardia)
HBV aguda
(baixa antigenemia)
HBV pregressa ou
Reação cruzada
Figura 1. Infecção Aguda pelo VHB com curso sorológico típico de recuperação
Sintomas
anti-HBe
HBeAg
Título
anti-HBc Total
HBsAg
0
4
anti-HBs
IgM anti-HBc
8
12
Source: US CDC and Prevention
16
20
24
28
32
36
Semanas de exposição
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
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Figura 2. Curso sorológico típico da progressão da infecção crônica pelo VHB
Aguda
(6 meses)
Crônica
(anos)
anti-HBe
HBeAg
HBsAg
anti-HBc Total
Título
IgM anti-HBc
0
4
8 12 16 20 24 28 32 36
52
Anos
Semanas de exposição
Source: US CDC and Prevention
A presença do HBeAg (positivo) indica replicação ativa do
VHB. Entretanto a sua ausência não pode ser assumida como
ausência de replicação viral, porque em pacientes com mutação
do pré-core ou do core promoter o HBeAg não é detectável. O
aparecimento do anti-HBe geralmente evidencia que o indivíduo
está caminhando para recuperação, pois, é considerado indicativo
de diminuição de replicação viral com conseqüente queda na
infectividade (exceto em mutante pré-core e core promoter).
Em indivíduos que se recuperam da infecção pelo VHB, o
HBsAg é eliminado do sangue, habitualmente dentro de 3 a 4
meses, aumentando progressivamente a concentração do antiHBs no soro. A presença do anti-HBs indica, na maioria das
vezes, imunidade à infecção pelo VHB (exceto em mutações
da região S). Infecção ou imunização com um genótipo do
VHB confere imunidade à todos os outros genótipos. Em
outras ocasiões, o anti-HBs pode ser detectado vários meses
após a administração de imunoglobulina hiperimune (HBIG).
A maioria dos indivíduos que se recuperam de uma infecção
natural apresentam positividade para o anti-HBc e anti-HBs,
enquanto que pessoas imunizadas por vacina contra o VHB,
só apresentarão o anti-HBs positivo (Figura 1).
Nos indivíduos com infecção crônica pelo VHB, o HBsAg
e o anti-HBc persistem positivos, habitualmente, por toda a
vida. Em 0,5 a 2% dos pacientes com infecção crônica, o HBsAg
irá se tornar indetectável, ao longo da evolução da doença, e
o anti-HBs será positivo na maioria destes casos.
Existe um período chamado janela imunológica onde
não se detecta o HBsAg no soro e, também, ainda não
está presente o anti-HBs. Neste período, o diagnóstico
de infecção pelo VHB é evidenciado pela pesquisa do
anti-HBc. O anti-HBc isolado pode ocorrer após a infecção
aguda pelo VHB entre pessoas que se recuperaram, mas
nas quais a concentração do anti-HBs é ainda muito baixa
ou quando ainda o mesmo não foi sintetizado. Também,
aqui, ficam incluídos os casos onde o nível de HBsAg
circulante é muito baixo (menor que 10 8 partículas/mL),
não podendo ser detectado por nenhum ensaio
sorológico comercial. O perfil sorológico será de anti-HBc
isoladamente positivo. Estes indivíduos não eram são
considerados infectantes, mas podem ser fontes diretas
para contaminação percutânea de receptores susceptíveis
as baixas quantidades de vírus (transfusão de sangue,
transplante de órgãos). O DNA do VHB pode ser
detectado no sangue de pelo menos 5% das pessoas com
anti-HBc isoladamente positivos. Habitualmente, à
freqüência de anti-HBc isolado está diretamente
correlacionado com a freqüência do VHB na população.
Em populações com alta prevalência do VHB, o anti-HBc
isolado provavelmente indica infecção prévia, com perda
do anti-HBs. Já, em indivíduos fora de áreas endêmicas,
com baixa prevalência para o VHB, o encontro do antiHBc isolado representa na maioria das vezes resultado
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falso-positivos. A maioria destas pessoas tem uma
resposta primária ao anti-HBs após 3 doses da vacina.
Assim, o anti-HBc pode, ser detectado durante a fase de
antigenemia do HBsAg (fase aguda), na fase intermediária
(janela imunológica) e durante a fase de convalescença e
de imunidade, geralmente, associado ao anti-HBs.
Crianças nascidas de mães HBsAg positivas e que não se
tornaram infectadas, podem apresentar o anti-HBc
detectável por até 24 meses, após o nascimento, por
transferência passiva dos anticorpos maternos
Em pacientes que evoluem para a HBV crônica, o
HBsAg permanecerá detectável, no soro, por mais de 6
meses. Nas HBV crônicas o HBeAg poderá permanecer
reagente por vários anos ou apresentar soroconversão
em um período de tempo variável. A soroconversão é
caracterizada pelo surgimento do anti-HBe com o
conseqüente desaparecimento do antígeno e, associado
a negativação do DNA do VHB no soro (exceto nos casos
de mutação da região do pré-core). A fase de
convalescença da infecção, caracterizada pela perda do
HBsAg e desenvolvimento do anti-HBs, pode ocorrer em
um número restrito de pacientes com infecção crônica pelo
VHB (Figura 2).
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
23
Perfis Sorológicos Anômalos, Genótipos e Mutantes do VHB
Neiva S. L. Gonçales, Fernando Lopes Gonçales Jr.
Grupo de Estudo das Hepatites (GEHEP), Disciplina de Moléstias Infecciosas,
Departamento de Clínica Médica- FCM/UNICAMP
Variações no genoma do vírus da hepatite B (VHB), no
decorrer dos anos, resultaram na emergência de pelo menos
oito genótipos. Os genótipos de A a H são classificados
baseados na divergência de mais de 8% na seqüência de
nucleotídeos do genoma inteiro (Figura 1). Enquanto a
relevância clínica e terapêutica dos genótipos do VHB
continua a ser investigada, evidências se acumulam,
sugerindo que os mesmos podem afetar a história natural
da doença hepática e, provavelmente, possam ter um papel
definido no manuseio de pacientes com hepatite pelo vírus
B (HVB).
O VHB foi inicialmente classificado por sorotipos (a/d e y/
r). Foram identificados, então, 9 sorotipos baseados na
imunoreatividade dos anticorpos para um número limitado de
aminoácidos do antígeno de superfície do VHB. A relação
entre os genótipos do VHB e os sorotipos tem sido
estabelecida, porém, como a genotipagem é baseada na
seqüência inteira do genoma, ela traduz melhor a diferença
que o sorotipo, uma vez que existem os mesmo sorotipos em
distintos genótipos.
O genótipo A é mais freqüente no Noroeste da Europa,
América do Norte, Índia e África Central, enquanto que os
genótipos B e C são encontrados no leste da Ásia e Pacífico.
O genótipo D tem sido detectado no Sudoeste da Europa,
Região Mediterrânea, América do Norte e Índia. O genótipo
E foi descrito no Oeste África, o F na América Central/Sul e
Polinésia, o H na América Central e do Sul, enquanto que o G
tem sido encontrado na França, Alemanha, México e Estados
Unidos. A distribuição do VHB nas várias regiões brasileiras
mostra um maior predomínio do genótipo A (50-89%) seguido
pelo genótipo D (24-38%). Os genótipos C e F são
encontrados em freqüência bem menor (3-4%), a despeito de
algumas revisões internacionais, estabelecerem ser o
genótipo F altamente prevalente no Brasil. Na verdade, sabese que o genótipo F apresenta altas prevalências entre os
ameríndios, principalmente na Amazônia. É importante
lembrar que a distribuição dos genótipos não é estática e
pode variar com o tempo e com as migrações populacionais
(Figura 2).
Métodos para Genotipagem
Existem vários métodos que são disponíveis para a
genotipagem do VHB. Os principais métodos com suas
vantagens e desvantagens estão esquematizados no Quadro
1.
Genótipos e Patogênese
Distintos estudos têm avaliado o impacto dos genótipos
do VHB sobre a patogênese e seguimento clínico da HBV. Foi
observado que os pacientes com infecção pelo VHB, com
genótipo A, apresentam altas taxas de remissão sustentada e
eliminação do HBsAg, e apresentam doença hepática menos
severa que a do genótipo D. O genótipo A também foi
associado a uma melhor resposta terapêutica com o interferon
que outros genótipos, principalmente, quando as cepas virais
são do tipo europeu. Alguns estudos consideram que o
genótipo D está mais associado com as hepatites fulminantes
que os outros genótipos.
Os pacientes infectados com genótipo B apresentam maiores
taxas de soroconversão precoce para o HBeAg que os com
genótipo C. Além disto, mostram um maior índice de soroconversão
espontânea após seguimento prolongado. O genótipo B geralmente
se associa com quadros histológicos menos intensos e com uma
menor taxa de progressão para doença hepática avançada, quando
comparado com o genótipo C. O genótipo C, por sua vez, tem se
mostrado como um fator independente para o desenvolvimento
de carcinoma hepatocelular.
Os dados de comparação de genótipos B e C, foram obtidos
de pacientes asiáticos, com doença transmitida verticalmente,
enquanto que os dados referentes aos genótipos A e D foram
obtidos de pacientes europeus. Análises futuras são
necessárias para assegurar que estes achados se repetem em
populações de diferentes grupos étnicos, com diferentes vias
de transmissão, ou sob diferentes características clínicas e
epidemiológicas. As evidências até agora encontradas não
permitem colocar a genotipagem dentro das decisões rotineiras
para a abordagem e manuseio clínico dos pacientes infectados
pelo VHB. Desta forma, mais informações são necessárias,
para que a genotipagem do VHB se torne um fator relevante
na decisão da terapêutica e no seguimento clínico de pacientes
com hepatite B.
Mutantes do VHB
A freqüência de mutações do VHB tem sido estimada em
aproximadamente 1,4 a 3,2 x 105 substituições/nucleotídeo/
sítio/ano, sendo esta taxa 10 vezes maior que a encontrada em
outros vírus DNA. A taxa de mutação é influenciada
principalmente pela fase clinica da doença, como a
imunotolerância, imunoeliminação, imunossupressão e/ou
transplante e pelo tratamento. Existem populações do VHB
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24
Sociedade Brasileira de Infectologia
Figura 1. Distribuição dos genótipos do VHB de acordo com
árvore filogenética
orangutan
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Figura 2. Distribuição geográfica dos genótipos do VHB
gibbon
AF193863
AF193864
U46935
AJ131573
gorilla
AJ131572
AJ135767
AF160501
98
AF222322
chimpanzee
AB032432
D00220 93
98
94
X69798
89
93
AB032433
E
G
91
78
X75658
X75664
58
F
79
X75657
78
96
97
AB048702
AB048703
99
99
X75663
98
99
83
98
80
100
X97848
D
Z35716
100
X52939
M12906
X75656
91
X02496
AB048705
AB048704
M57663 Z35717
X02763
D00331
A
C
D00330
D00329
B
Quadro 1.
Métodos
Vantagens
Desvantagens
Seqüenciamento Direto
Melhor Método - Padrão Ouro
Detecta novos genótipos ou
recombinação entre eles
Muito caro e trabalhoso
Geralmente difícil de ser realizado em
larga escala em investigação clínica
RFPL
Relativamente fácil de executar
Amplificação por PCR
Mudança em um nucleotídeo pode afetar
a análise
ELISA
Disponível Comercialmente
Fácil de executar e barato
Não requer amplificação por PCR
Ainda não disponível no país
Simples mudança de um nucleotídeo
pode afetar a análise
Sensibilidade reduzida em genótipos
mistos e com baixos níveis de HBsAg
Ainda não disponível no país
Mais caro que os outros métodos
Diferença em um nucleotídeo pode
afetar a ligação e a hibridização da sonda
LIPA
predominantes entre um pool de variantes ou quasispécies.
Estas são mantidas, pela pressão seletiva do sistema imune
do hospedeiro ou por pressão exógena, como a administração
de imunoglobulinas para a hepatite B (HBIg), vacinas e
terapêuticas antivirais.
Entre as principais mutações do VHB, de interesse clínico,
estão as do gene core/pré-core, do core promoter, do gene da
polimerase e da região do envelope.
Mutações da Região Pré-Core e Core Promoter
O HBeAg geralmente é visto como um marcador de
replicação e, no passado, pacientes HBeAg negativo eram
considerados não replicativos para o VHB. Pacientes HBeAg
negativos, com ALT normal, eram considerados como
portadores ‘sãos’ do VHB. Hoje estes pacientes considerados
como portadores inativos do HBsAg. Estudos recentes
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Figura 3. Constituição do genoma do HBV com suas
estruturas gênicas
pré-S1
pré-S2
S
HBsAg
RNA Viral
HBcAg
C
P
HBeAg
DNApolimerase
pré-C
X
Constituição do genoma do HBV com suas estruturas gênicas
mostraram que algumas mutações no genoma do VHB
impedem a secreção do HBeAg mas não impedem a replicação
viral.
A mutação na região pré-core do DNA-VHB que leva a
uma falha na expressão do HBeAg, é uma das mais importante.
Como se sabe, o HBeAg e o HBcAg são produzidos pelo
mesmo gene. Este gene tem dois códons únicos para a síntese
protéica (pré-core e C). O códon pré-core leva à síntese do
HBeAg, e o códon C codifica o HbcAg (Figura 3). Foi descrita
uma mutação na região pré-core, que surge quando o
aminoácido glicina é substituído pelo aminoácido arginina no
nucleotídeo 1896. A análise pela PCR (reação em cadeia da
polimerase) do soro de indivíduos anti-HBeAg reagente que
paradoxalmente exibiam altos níveis séricos de DNA-VHB,
mostrou, após a amplificação da região pré-core que estes
eram incapazes de sintetizar o HBeAg, porque abrigavam
mutantes, tanto em forma pura, como em infecções mistas
com o VHB selvagem. Esta mutação foi associada a quadros
de hepatites fulminantes e às exacerbações de quadros de
hepatites crônicas produzidas pelo VHB, produzindo maiores
graus de morbidade e mortalidade que os observados nas
infecções pelos VHB selvagens. Uma segunda mutação
também conhecida é a mutação dupla básica do core promoter
que envolve duas substituições de nucleotídeos (A1762T e
G1764A), levando a uma queda na regulação da produção do
HBeAg.
Em suma, os quadros hepáticos fulminantes poderiam ser
conseqüentes ao aumento da virulência das cepas mutantes
induzidas pelas alterações na região pré-core e do core
promoter. O desenvolvimento destas mutações da região précore e do core promoter modificam a história natural da hepatite
B, dificultando o diagnóstico de replicação (pela ausência ou
queda do HBeAg no soro) e a terapêutica específica (o tempo
de tratamento aumenta consideravelmente e há menor
porcentual de resposta virológica).
25
A mutação mais comum no pré-core (G1896A) é exclusiva
de pacientes infectados com os genótipos B, C, D, E que
possuem timidina (T) na posição 1858 do pré-core. No
genótipo A o nucleotídeo 1858 é a citosina (C), impedindo a
seleção da mutação G1896A. O mutante que troca a guanina
(G) da posição 1896 por adenina (A) confere um aumento da
estabilidade da estrutura secundária do sinal de encapsulação
só em genótipos que possuem o nucleotídeo T na posição
1858, aumentando assim, a intensidade da doença no fígado.
Isso foi encontrado em pacientes com hepatite ativa ou
hepatite fulminante, porém essa mutação (A1896), também,
tem sido freqüentemente detectada em portadores
assintomáticos HBeAg negativos
Estes mutantes são os principais agentes de hepatite B
crônica em vários países. No Brasil, na região de Campinas,
cerca de 70% dos pacientes HBsAg positivos são HBeAg
negativos, isto é, podem apresentar mutações no core ou no
core promoter. Torna-se imprescindível que se realize a
quantificação do DNA-VHB e se faça a pesquisa de mutantes
do core e do core promoter em todos os pacientes HBeAg
negativos com evidências clínicas de doença hepática em
atividade.
Mutações da Polimerase
Mutações freqüentes e naturais têm sido encontradas na
região da polimerase nos códons 15-18 e 30-41, mas seu
significado e clínico permanece incerto. Entretanto, algumas
mutações da região da polimerase têm afetado diretamente a
resposta ao tratamento com alguns nucleosídeos análogos,
como a lamivudina.
A lamivudina é um nucleosídeo análogo da citosina,
amplamente utilizada na hepatite B. É uma droga altamente
bem tolerada que é um potente inibidor da transcriptase
reversa. O tratamento com a lamivudina pode levar à perda do
HBsAg e ao clareamento do DNA-VHB do soro de pacientes
com infecção crônica. Entretanto, variantes resistentes à
terapêutica podem emergir em pacientes com tratamento
prolongado (50%-60% em 3 anos de tratamento contínuo).
Estas variantes resistentes ocorrem devido a mutações na
tirosina-metionina-aspartato-aspartato (YMDD) da região
responsável pelo sítio catalítico da transcriptase reversa. As
substituições no códon 550 (metionina) pela valina (M550V)
ou por uma isoleucina (M550I) são comumente encontradas
em pacientes sob terapêutica prolongada com a lamivudina.
Em adição, mutações dentro do domínio B da transcriptase
reversa como a F512L ou a L526M, têm sido observadas
durante o tratamento com a lamivudina e o famciclovir.
A não detecção do HBsAg no soro, que não significa
necessariamente soroconversão para o anti-HBs, tem sido
observado em pacientes tratados com lamivudina. Parte da
dificuldade em diagnosticar esta soroconversão é devido a
expressão do gene do HBsAg que está no DNA-VHB
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26
Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Figura 4. Região de mutação de resistência a Lamivudine no gen da polimerase do VHB
Spacer
Proteína Terminal
Transcriptase reversa
RNA-ase H
Mutações de Resistência
a Lamivudine
L
73 80m
V1 L1
1
F G
A
B
integrado no hepatócito. Este é duplicacado por uma
polimerase resistente a lamivudina mais eficiente que a
polimerase não resistente adroga. As partículas subvirais do
HBsAg existem em excesso quando comparadas com a
partícula de Dane. Para diferenciar a ausência do DNA-VHB e
a presença de baixos títulos deste existem algumas dificuldades,
inclusive na sensibilidade dos ensaios utilizados, para
monitoramento da terapêutica. Estudos recentes de pacientes
sob tratamento com lamivudina, indicam que baixos níveis de
DNA-VHB, no soro, podem ser indicativos de soroconversão
para o anti-Hbe. A presença de altos níveis do DNA-VHB,
antes do tratamento, pode indicar o surgimento de cepas com
variantes da polimerase resistentes a diamba.
É importante a identificação precoce dos mutantes YMDD,
que representam apenas uma pequena porcentagem da
população viral, especialmente, porque existe a possibilidade
de incluir outros antivirais efetivos, contra estes mutantes e,
evitar a piora do quadro.
De acordo com os dados disponíveis na literatura é
imprescindível a realização da pesquisa de mutantes induzidos
pelo tratamento em pacientes com evidências de doença
hepática em atividade, na vigência de terapêutica.
Mutações do HBsAg
A imunidade protetora conferida pela vacinação contra a
hepatite B está associada à um anticorpo neutralizante
específico (anti-HBsAg) contra o grupo de antígenos do
determinante “a” (aminoácidos 124-148) que é um epítopo
conservado do VHB. Anticorpos neutralizantes contra o
determinante “a” produzem proteção cruzada contra todos os
subtipos do VHB. O clareamento da infecção pelo VHB está
sempre associado com a soroconversão do HBsAg para o
anti-HBsAg. Entretanto alguns casos esporádicos de falha
na vacinação têm sido observados. O HBsAg e o anti-HBs
C
o
DD 4V
YM M20
D
u
I
344
E
podem ser encontrados no paciente simultaneamente,
indicando insucesso do anticorpo neutralizante. Estudos
revelam que mutações no epítopo protetor do determinante
“a” do HBsAg não permitem o reconhecimento do anticorpo
neutralizante derivado da cepa selvagem, sendo então
considerada uma mutação por escape imune. A mutação mais
comum do determinante “a” é a substituição da glicina pela
arginina no códon 145 do HBsAg (sG145R) ou aspartato para
alanina no códon 144 (sD 144A) (Figura 4).
Observações similares têm sido feitas em pacientes
transplantados hepáticos que receberam tratamento com
imunoglobulina anti-HBs (HBIg) e entre recém-nascidos de
mães HBsAg positivas que receberam HBIg e vacina.
Pelo fato de ocorrer uma sobreposição estrutural dos genes
da região S e da polimerase do VHB, uma mutação no gene da
polimerase pode levar a alterações no epítopo do HBsAg
impedindo sua neutralização. A terapêutica com a lamivudina
pode reduzir mutações no gene da polimerase que podem se
associar a mutações adicionais no determinante ’a’ da proteína
do HBsAg. Em países com alta endemicidade para o VHB e
com programas de imunização universal para este vírus, podem
ocorrer mutantes por escape vacinal que são capazes de
causar infecção em indivíduos já imunizados. Portanto, os
programas de vacinação em massa e o uso da lamivudina, em
larga escala, podem propiciar a seleção destas mutações
combinadas do gene da polimerase e do envelope, com
conseqüente restauração da replicação do VHB. Por isto, é
importante que se utilizem ensaios sorológicos com alta
sensibilidade e com capacidade comprovada de detecção de
mutantes da região S.
O DNA-VHB como marcador virológico da HBV
A quantidade de DNA-VHB no soro é uma medida do
nível de replicação viral. O desenvolvimento e a implementação
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
de ensaios de alta sensibilidade para a detecção do DNAVHB
de alta sensibilidade tem permitido avaliar melhor os pacientes
com infecção pelo VHB, bem como medir a eficácia da terapêutica
utilizada. O Workshop de manuseio de hepatite B do National
Institutes of Health (NIH) recomenda que o tratamento seja
considerado em pacientes com DNA-VHB >105 cópias/mL ou
20.000 UI/mL, utilizando ensaios de não amplificação. Entretanto,
alguns pacientes HBeAg positivos e muitos pacientes HBeAg
negativos apresentam níveis flutuantes de DNA-VHB que estão
abaixo de 105 cópias/mL. Até hoje, não se conhece, realmente,
qual é o valor de corte do DNA-VHB que está diretamente
associado com doença hepática progressiva. Alguns relatos
mostram que pacientes com doença hepática avançada
apresentam níveis persistentes de DNA-VHB menores que
20.000 UI/mL. Desta forma, o significado clínico do nível de
DNA-VHB no soro deve ser analisado junto com aos dados
clínicos presentes em cada paciente.
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29
Aconselhamento a Doadores e Infecção Oculta pelo VHB
José Fernando de Castro Figueiredo1, Rodrigo Nogueira Angerami2
FMUSP-Ribeirão Preto; 2Faculdade de Ciências Médicas-Universidade Estadual de Campinas
1
Os anticorpos contra o core do vírus da hepatite B (antiHBcAg) são os primeiros a serem produzidos após a exposição
ao VHB, estando presentes já na fase aguda da doença e
geralmente persistem durante toda a vida após o contágio. É
usualmente detectado junto com o antígeno de superfície
(HBsAg) nas hepatites B agudas e crônicas e junto com o
anti-HBsAg nas infecções “resolvidas” [1].
A ocorrência do “anti-HBcAg isolado”, isto é, sua detecção
na ausência do HBsAg e do anti-HBsAg, tem sido registrada
em freqüência variável na população, dependendo da
prevalência do VHB na localidade avaliada. Em áreas de baixa
prevalência do VHB tem sido registrado em cifras que variam
de 1 a 4% da população [2]. Entretanto, em áreas com elevada
prevalência, tais como China(70%) e Gana(83,6%), verificamse elevadas taxas de prevalência de anti-HBcAg isolado,
alcançando 2,7% e 12,7%, respectivamente [3]. No Brasil, ao
lado de áreas com prevalência elevada na região Norte, foram
encontrados níveis de 3,3% no Sul [4], de 6% no Sudesten [1]
e de 2,7% no Nordeste [5].
Os casos de “anti-HBcAg isolado” podem ser devidos aos
seguintes fatores: 1) reações sorológicas falso-positivas:
geralmente associadas ao tipo de “kit” utilizado, são mais
freqüentes nas regiões com baixa prevalência da infecção pelo
VHB e devem ser suspeitadas quando ocorrem em títulos baixos
nas reações imunoenzimáticas, com densidade óptica da
amostra próxima ao ponto de corte da reação; 2) fase de “janela
imunológica”: observada nas infecções agudas em resolução,
quando o HBsAg já se negativou e o anti-HBsAg ainda não é
detectado, surgindo algumas semanas depois; 3) expressão de
imunidade tardia: quando os níveis do anti-HBsAg decaem
abaixo do limite de detecção dos testes e o anti-HBcAg
permanece positivo, provavelmente em razão da maior
imunogenicidade do HBcAg; 4) infecção crônica, onde a
positividade do anti-HBcAg pode ocorrer concomitantemente
com uma carga viral baixa do VHB, e o HBsAg não é detectado
pelos métodos sorológicos habituais. Estes casos têm sido
rotulados com “infecção oculta pelo VHB” (IOB) [3,6,7]. Em
Taiwan, onde a cerca de 80% da população adulta apresenta o
antecedente de infecção prévia pelo VHB, estima-se que
aproximadamente 3% dessa população apresentem IOB [8].
Gonçales et. al detectou a presença de VHB-DNA em 4% de um
grupo de doadores de sangue que apresentavam exclusivamente
Anti-HBcAg positivo [9]. Conclui-se, portanto, que as IOBs
são de grande importância epidemiológica - por sua capacidade
potencial de transmissão do vírus [7,10-13], e constituem-se
hoje o maior risco de infecção pós-transfusional pelo VHB em
diversos países [8].
Vários estudos evidenciaram infecção pós-transfusão de
hemoderivados e transplante de órgãos sólidos adquiridos a
partir de doadores anti-HBcAg isolados [3,7,12-14], com taxas
de infectividade alcançando 17% [12]. Observou-se,
entretanto, que hemoderivados contendo ambos anti-HBcAg
e anti-HBsAg positivos apresentariam por sua vez baixa
infectividade [12]. Vale ressaltar que em certas situações nas
IOBs, tanto os anticorpos anti-HBsAg quanto anti-HBcAg
podem estar indetectáveis, sendo o VHB-DNA o único
marcador passível de detecção [3]. Em determinadas áreas de
alta prevalência pela infecção pelo VHB, observou-se através
da detecção de VHB-DNA através do nucleic acid
amplification test (NAT) que 3%-30% de indivíduos com
infecção prévia pelo VHB com HBsAg negativo e de 3%-15%
de indivíduos com anti-HBsAg e anti-HBcAg positivos
mantinham o VHB-DNA circulante [8]. Nalpas et al.
demonstrou a presença de VHB-DNA mesmo em indivíduos
com anti-HBsAg isoladamente positivos [1,15]. A partir das
situações supracitadas fica nítido o significativo papel das
IOBs enquanto potenciais fontes de infecção [15].
Clinicamente, a IOB em indivíduos aparentemente saudáveis
associa-se a quatro condições: 1) recuperação da infecção,
definida pela presença do anti-HbsAg; 2) hepatite crônica, com
infecção relacionada à presença de cepas mutantes não
detectadas pelos testes sorológicos convencionais; 3) hepatite
crônica em portadores em fase assintomáticos que apresentam
anti-HBcAg detectável, com ou sem a presença de anti-HbeAg;
4) hepatite crônica ou portadores assintomáticos que têm no
VHB-DNA o único marcador detectável [3]. Ainda hoje, pouco
se sabe sobre a evolução a longo prazo desses indivíduos.
Como a IOB cursa, na maioria das vezes com viremia baixa
[1,16] - frequentemente com níveis de VHB-DNA < 1000IU/mL
[7] - os pacientes evoluem freqüentemente como portadores
assintomáticos do vírus [10], sem necessidade de tratamento
específico para a hepatite B. No entanto, algumas publicações
sugerem risco aumentado em indivíduos com IOB de progressão
para cirrose [6] e hepatocarcinoma [6] - principalmente quando
em associação com o HCV [17] – e reativação viral em vigência
de imunossupressão [6].
Assim, com o objetivo de aumentar a segurança das
transfusões de sangue, a pesquisa do HBsAg e do anti-HBcAg
é obrigatória nos Bancos de Sangue no Brasil, o que tem
levado a uma considerável taxa de rejeição do sangue doado[5],
além de suscitar discussão sobre o encaminhamento e
aconselhamento do doador com anti-HBcAg isolado.
Estudo recente em doadores de sangue brasileiros com
anti-HBcAg isolado [1] avaliou o resultado da vacinação
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30
Sociedade Brasileira de Infectologia
contra a hepatite B em relação à soroconversão para antiHBsAg e à presença do DNA do VHB. Após três doses da
vacina específica, 90% dos doadores de sangue exibiram níveis
de anti-HBsAg acima de 10mIU/mL. Além disso, todos os
doadores portadores de infecção oculta que foram vacinados
apresentaram, em teste PCR com limite de detecção de 100
cópias de DNA/mL, resultado negativo na pesquisa do DNA
viral, sugerindo a possibilidade da eliminação do estado de
portador oculto do VHB após a vacinação. Tais achados
permitem considerar que o estímulo imunológico
desencadeado pela imunização contra o VHB poderia cursar
tanto com a resolução de IOBs, quanto a soroconversão do
Anti-HBsAg em indivíduos anti-HBcAg isolados.
Atualmente o screening utilizando a detecção combinada do
HBsAg e do anti-HBcAg constitui-se em importante estratégia
na triagem e exclusão de doadores na grande maioria das IOBs
[3,9,18] em diversos países, sobretudo em áreas de baixa
prevalência (< 3%) para o VHB - mostrando-se ineficiente
sobretudo em situações de “janela imunológica” [8]. Entretanto,
em países com elevada prevalência de positividade para o antiHBcAg a utilização deste marcador poderia implicar tanto na
exclusão de vários potenciais doadores - levando a uma eventual
escassez de hemoderivados em várias regiões – como na falha
em bloquear eventuais doadores com IOB – mantendo presente
o risco de infecção pós-transfusional pelo VHB [8]. Como
alternativas, vêm sendo propostos a realização da titulação de
anti-HBsAg [3], avaliação da resposta (titulação de anti-HBsAg)
pós-estímulo com administração de vacina contra hepatite B [1,19]
e a utilização de técnicas de detecção do VHB-DNA em doadores
anti-HBcAg isolados e em outras potenciais situações de IOBs
[3,7,8,15]. Em relação a possíveis técnicas de detecção do VHBDNA, o NAT vem recebendo crescente atenção, já sendo
considerado por muitos autores como a tecnologia a ser utilizada
na rotina sobretudo de países com alta prevalência de infecção
pelo VHB. É mandatório, entretanto, considerar que para vários
países em que a introdução da detecção do VHB-DNA constituirse-ia um avanço na qualidade e segurança dos procedimentos
transfusionais, a introdução de técnicas como NAT não seria
factível, seja pelo custo ou pela carência de estrutura instalada.
Do exposto acima, a identificação de portador do anti-HBcAg
isolado em doadores de sangue implica no estabelecimento de
condutas, viáveis, no sentido de garantir tanto a máxima
segurança aos procedimentos transfusionais, quanto melhor
esclarecer o caso, para eventual tomada de decisão em relação à
infecção oculta pelo VHB. Uma proposta de abordagem desses
pacientes acha-se resumida no algoritmo abaixo da Figura 1.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Figura 1. Abordagem de doadores de sangue
Anti -HBcAg positivo
HBsAg ne gativo
Repetir o Teste
Examinar D.O.
Encaminhar para
Unidade Básica de
Saúde
Positivo
Encerrar o Caso
Realizar Anti -HBsAg
Negativo
Vacinação
(3 doses)
Repetir anti -HBsAg
(após 1 mês da última dose)
Negativo
Encaminhar para
Serviço de
Referência
Quantificar o DNA
do VHB
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Positivo
Encerrar o
caso
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32
Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Mensuração do HBV DNA
Ricardo S. Diaz1, João Silva de Mendonça2
Disciplina de Infectologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo;
2
Hospital do Servidor Público Estadual, São Paulo
1
A dinâmica da infecção pelo vírus da hepatite B (HBV)
pode ser avaliada com o auxílio de parâmetros bioquímicos,
anátomo-patológicos e virológicos. Como parâmetro
virológico, a determinação basal da quantificação do DNA do
vírus da hepatite B (carga viral para o HBV DNA) pode ser um
indicador útil da atividade da doença e pode predizer de forma
acurada a progressão da doença. Além disto é um
determinador de infectividade e da necessidade de instituição
de um tratamento. De forma longitudinal, a avaliação da carga
viral é útil na determinação da resposta ao tratamento e da
possibilidade de emergência de resistência ao tratamento. Deve
se salientar, entretanto, que a carga viral para o DNA do HBV
é somente um dos marcadores com utilidade para a avaliação
longitudinal de um paciente, devendo ser feita conjuntamente
com outros testes laboratoriais para determinação da
patogenicidade e resposta ao tratamento.
Mensuração do HBV DNA no Soro
Pela sua importância, muitos esforços têm sido realizados
para a obtenção de melhores desempenhos destes testes,
principalmente com relação à sensibilidade. Em tempo,
algumas terminologias relacionadas a estes tipos de testes
laboratoriais devem ser conhecidas. A sensibilidade relacionase ao limite inferior de detecção do teste. Já a especificidade
refere-se à habilidade do teste em detectar exclusivamente o
DNA do HBV. A reprodutibilidade supõe que um mesmo teste
quantitativo propiciará o mesmo resultado em uma mesma
amostra quando repetido diversas vezes com o mesmo tipo
de ensaio (intra-ensaio) ou com ensaios diferentes (interensaios), sendo que estes resultados são expressos como
coeficientes de variação. A faixa dinâmica de detecção referese à diferença entre as concentrações máximas e mínimas que
um teste pode detectar. A linearidade é a habilidade de um
teste em fornecer resultados que sejam proporcionais às
concentrações de DNA na amostra. É importante salientar
que o entendimento da metodologia e das características
relacionadas ao desempenho do teste favorece uma correta
interpretação dos resultados.
Os testes para carga viral do HBV licenciados atualmente
nos Estados Unidos e União Européia são os testes da captura
de híbridos (erroneamente chamados de captura híbrida em
nosso meio) da empresa Digene, o PCR Cobas HBV Monitor
da empresa Roche, e o teste Versanti HBV DNA 3.0 que utiliza
a metodologia denominada branched-DNA ou b-DNA da
empresa Bayer.
Os testes comerciais da empresa Digene tiveram na sua
primeira geração o teste denominado “HBV Digene HybridCapture I”, na sua segunda geração o teste “HBV Digene
Hybrid-Capture II” e atualmente a empresa conta com o teste
“Ultra-Sensitive Digene Hybrid-Capture II”. Resumidamente,
no teste da captura de híbridos, o DNA do HBV é desnaturado,
passando de um DNA de fita dupla para um DNA de fita
simples. Em seguida ocorre a hibridização das fitas de DNA
com pequenas seqüências (sondas ou probes) de RNA
complementares a regiões específicas do DNA. Os híbridos
de DNA e RNA são alvos da ligação de anticorpos marcados
e capturados em uma placa. Os anticorpos marcados emitem
luminosidade que é detectada e quantificada. A forca do sinal
luminoso emitido é diretamente proporcional à quantidade de
DNA na amostra.
A metodologia do b-DNA utilizada pelos testes
“VERSANT HBV DNA 1.0” (geração anterior) e “VERSANT
HBV DNA 3.0” (atual) da Bayer também não amplificam o
DNA, mas sim o sinal formado pela ligação do DNA com sondas
alvo. Trata-se de uma técnica de hibridização sanduíche em
fase sólida. Após a desnaturação, o DNA do HBV é capturado
por sondas sintéticas de oligonucleotideos que foram fixadas
em microplacas. Um segundo grupo de sondas conhecidas
como sonda de extensão hibridizam no DNA capturado. Um
terceiro grupo de sondas conhecidas como pré-amplificadoras
hibridiza com as sondas de extensão. Um quarto grupo de
sondas, as amplificadoras, hibridizam com as préamplificadoras, sendo que cada sonda pré-amplificadora pode
hibridizar com 14 sondas amplificadoras. A união entre as
sondas pré-amplidicadoras com as sondas amplificadoras
formam uma estrutura que lembra uma árvore de natal, que
originou o nome “branched-DNA”. Um último grupo de
sondas é composto de sondas marcada, sendo que estas são
conjugadas com a fosfatase alcalina. Um substrato de
fosfatase alcalina quimioiluminescente é adicionada e após
desfosforilada pela fosfatase alcalina, o substrato emite luz
que pode ser detectada por um luminômetro e quantificada
quando comparada a uma curva padrão.
A metodologia da reação em cadeia pela polimerase (PCR)
utilizada pela empresa Roche conta com os testes AMPLICOR
HBV MONITOR (primeira geração) e COBAS HBV MONITOR
(atual). Esta metodologia conta com algumas etapas
fundamentais, onde a primeira delas é a desnaturação que
transforma o DNA com fita dupla em DNA com fita única.
Esta desnaturação é feita aumentando-se a temperatura para
94oC. Uma seqüência de 10-20 pares de base conhecida como
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
oligonucleotídeos iniciadores (primers) une-se de cada lado
da seqüência a ser amplificada. Estes iniciadores são
necessários porque a DNA polimerase requer um iniciador
para sintetizar a nova fita de DNA. A união (anelamento)
destes iniciadores às seqüências de DNA se dá quando
ocorre uma diminuição de temperatura para 50 a 65oC (cada
par de iniciadores conta com uma temperatura de
anelamento ideal dentro desta faixa). A temperatura é então
elevada para 72oC, permitindo que a DNA polimerase se
ligue aos iniciadores e polimerise uma nova fita de DNA
complementar, fase esta conhecida como extensão. Todo
este ciclo é repetido por cerca de 20 a 40 vezes permitindo
assim uma amplificação em escala exponencial do DNA
contido na amostra. Interessante notar que este tipo de
reação química só se possibilitou pelo uso de DNA
polimerases termoestáveis e que não se degradem em altas
temperaturas. A detecção e quantificação são feitas por
hibridação reversa cuja leitura é feita em uma placa de
ELISA. A quantificação é feita a partir da comparação do
resultado obtido da amostra com o resultado obtido de um
controlo interno. O controle interno é um DNA de
quantidade conhecida que é adicionado à reação e coextraido e co-amplificado com a amostra do paciente. Em
tempo, a primeira etapa de manipulação deste teste consiste
na inclusão do controle interno e da amostra do paciente
na reação. Após isto se efetua a extração do DNA contido
na reação, que inclui o DNA do HBV e do controle interno.
Mais recentemente, uma nova metodologia conhecida
como PCR em Tempo Real (Real Time PCR) foi desenvolvida.
Trata-se de uma reação de PCR cuja detecção dos
amplicons (produtos da amplificação) é simultânea à
amplificação. Apresenta como vantagens a alta
sensibilidade, alta capacidade de amplificar grande número
de amostras simultaneamente, baixo risco de contaminação
por produtos de PCR, posto que a reação acontece em tubos
fechados do início ao fim, larga faixa dinâmica de
amplificação, alta precisão e reprodutibilidade, alem de
baixos custos.
No momento, este teste é de
desenvolvimento próprio e fornecido por alguns
laboratórios, devendo, entretanto as metodologias em
tempo real ocupar o lugar de destaque entre as metodologias
para quantificação de ácido nucléico. Provavelmente no
futuro, a maioria das metodologias comerciais relacionadas
a quantificação de acido nucléico devem migrar para as
amplificações em tempo real. O grande desafio e problema
das metodologias de desenvolvimento próprio para PCR
em tempo real é a construção de um controle interno e a
padronização de uma curva externa padrão. Principalmente
sem um controle interno adequado, não se controla
adequadamente para as alterações no desempenho da
extração e amplificação do DNA. Desta forma, se a opção
do clínico for pelo uso desta metodologia a partir de
laboratórios clínicos que desenvolveram o teste, deve-se
33
sempre averiguar sobre a existência do controle interno. A
PCR em tempo real conta com uma sonda que possui em
uma das extremidades o reporter que emite luz e na outra o
quencher que absorve esta luz. Enquanto ocorre a
polimerização, uma enzima associada à polimerase que é
uma exonuclease vai limpando o caminho para a ação da
polimerase e no momento que esta enzima se aproxima da
sonda, ela vai soltando os nucleotídeos um a um desta
sonda, separando fisicamente o quencher do reporter e
permitindo a emissão de luz que pode ser quantificada.
Os testes de carga viral para o HBV pode ter o resultado
relatado em números absolutos ou log10. É normalmente
preferível a interpretação de acordo com o modelo
logarítmico que permite a melhor diferenciação entre as
alterações reais e as alterações relacionadas à
reprodutibilidade do teste. Desta forma, considera-se uma
alteração real aquela que for superior a 0.5 log10, visto que
um teste realizado duas vezes na mesma amostra, no mesmo
dia e pelo mesmo técnico de laboratório, pode ter uma
variação de até 0.5 log10. Outro detalhe relaciona-se ao
fato do exame poder ser relatado em cópias por mL de
amostra ou em unidades internacionais por mL (UI) de
amostra, sendo que esta última é preferível. As UI surgiram
a partir da necessidade de padronização da quantificação,
já que uma amostra tinha resultados consistentemente
diferentes quando se usavam metodologias diferentes.
Foram então introduzidos padrões de HBV DNA da
Organização Mundial da Saúde. Desta forma são
produzidos pelo National Institute for Biological
Standards and Control (NIBSC) controles feitos a partir
de amostras positivas para o HBV DNA com títulos altos
de vírus [1]. Estas amostras foram diluídas em
cripreservativos e liofilizadas e a quantidade de partículas
virais dentro destas amostras foi arbitrariamente definidas
em um valor de 1.000.000 de UI. Este valor não representa,
portanto um número real de partículas virais, mas um valor
arbitrário, como quilograma, por exemplo. Desta forma, as
unidades de Conversão em UI para os testes diferentes é
de 1UI/mL para cada 5,2 cópias de HBV/mL para o teste
Versant HBV DNA 3.0 (bDNA) da Bayer sendo que 1UI/
mL equivale a 5,6 cópias de HBV/mL para o Cobas Amplicor
HBV monitor da Roche. Não existe uma conversão para os
testes de captura de híbridos da Digene.
As novas versões dos testes comerciais melhoraram a
sensibilidade e a faixa dinâmica de detecção dos testes. O
teste de Captura de hibridos I da Digene apresenta a faixa
de detecção de 106 a 108 enquanto que a Captura de hibridos
II apresenta a faixa de detecção entre 105 a 108 e o Ultrasensível II entre 104 a 107. O Versant 1.0 da Bayer detecta
entre 106 a 109, enquanto o Versant 3.0 detecta entre 103 a
107. O PCR da Roche AMPLICOR HBV MONITOR por sua
vez detecta entre 103 a 106 enquanto o COBAS HBV
MONITOR detecta entre 102-105UI/mL. É impressionante
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34
Sociedade Brasileira de Infectologia
o fato de que a faixa dinâmica de detecção da PCR em tempo
real variar entre 101 e 1010.
HBV DNA como Marcador de Progressão e Gravidade de Doença
Sabe-se que de forma geral, os portadores do HBV podem
ser divididos em dois grupos; os HbeAg positivos ou os
HbeAg negativos, estes últimos normalmente apresentando
mutações no promotor pré-core ou core. Os pacientes HbeAg
positivos normalmente apresentam níveis de carga viral
superiores aos dos pacientes HbeAg negativos. Apesar de
não existir uma correlação muito clara entre os níveis de carga
viral para o HBV e progressão da doença entre os pacientes
HbeAg positivos, esta correlação entre carga viral e
progressão pode ser observada de forma mais evidente entre
os indivíduos HbeAg negativos, onde os indivíduos com
carga viral mais elevada tenderam a apresentar uma doença e
lesão hepática mais grave [2].
Como exemplo de correlação entre os níveis de replicação
viral e progressão da doença entre os HbeAg negativos, o
estudo de Germanidis et al. [3] demonstraram que pacientes
com metavir A0A1 apresentaram carga viral de 5,3 +/- 1,6 log10
enquanto que os pacientes A2A3 apresentaram carga viral de
6,2+/-1,3 (p=0,0009). Existem também evidencias de que a
carga viral para o HBV DNA também está relacionada a
soroconversão de HbeAg para anti-Hbe de forma espontânea
ou associadas ao tratamento com interferon [3].
Da mesma forma, Yu et al. [4] demonstraram que para o
genótipo que não seja C, o risco relativo para desenvolvimento
de hepatocarcinoma para os pacientes com carga viral =4.22
log10 era de 1, para os com carga viral entre 4.23–5.90 era de
2.95 (intervalo de confiança entre ou IC entre 1.29–6.75) e os
com carga viral =5.91 o risco era de 6.99 (IC = 2.97–16.49). Já
para o genótipo C, o risco para os portadores de carga viral
=4.22 log10 era de 6.55 (IC = 2.23–19.27), para os pacientes com
carga viral entre 4.23–5.90 era de 13.00 (IC = 4.65–36.31) e para
os com carga viral =5.91 era de 26.49 (IC = 10.41–67.42).
Obviamente, o significado clínico do nível de HBV DNA no
soro deve ser analisado junto aos dados clínicos e outros
dados laboratoriais, tanto pontualmente quanto
individualmente.
HBV DNA e Tratamento
Da mesma forma, recomenda-se que o tratamento seja
considerado em pacientes com HBV DNA >105 cópias/mL
ou 20.000 UI/mL. Considera-se uma resposta adequada ao
tratamento aquela que proporciona uma queda de pelo
menos 1 log10 na carga viral do paciente, sendo a potência
do tratamento proporcional a queda da carga viral para um
determinado paciente e esquema utilizado. A falha de
tratamento primária é aquela onde não existe alteração na
carga viral após a introdução da medicação e a falha de
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
tratamento secundária é aquela onde após um benefício
inicial ocorre um retorno da carga viral aos níveis basais
ou um aumento de pelo menos um log10 do nadir obtido.
Observe que a sustentabilidade da recrudescência (falha
do tratamento) deve ser confirmada por pelo menos 2
mensurações com pelo menos 1 mês de intervalo entre elas.
Sugere-se também, principalmente quando os resultados
não forem relatados em UI, que se acompanhe um paciente
preferencialmente com mensurações de carga viral usando
uma mesma metodologia.
HBV DNA e Resistência aos Antivirais
A carga viral basal para o HBV tem sido correlacionada
como um preditor de emergência de resistência a vários
antivirais; quanto mais elevada a carga viral basal, maior a
chance de desenvolvimento de resistência. Por outro lado,
baixos índices de resistência à lamivudina foram relatados
entre pacientes com alto grau de supressão viral. O mesmo
tipo de resultado foi detectado em estudos cuja intervenção
foi com adefovir. Baseados nestes resultados, pode-se
intuitivamente concluir que altos índices de replicação que
refletiriam a carga viral basal elevada estariam relacionadas a
menor probabilidade de redução efetiva da carga viral na
vigência de tratamento aumentando assim os riscos de
emergência de resistência. De forma semelhante, a
probabilidade de seleção de mutantes resistentes durante o
tratamento é diretamente proporcional a replicação viral
residual na vigência deste tratamento. Assim sendo, as cepas
resistentes seriam mais rapidamente selecionadas dentre
aqueles pacientes em tratamento e com carga viral elevada.
Este tipo de raciocínio joga luz à possibilidade de
intensificação de tratamento com terapia antiviral combinada,
maximizando assim a durabilidade do efeito antiviral.
Considerações Finais
Torna-se evidente que um dos avanços de maior
repercussão na manipulação de doenças infecciosas relacionase ao advento dos testes de análise de ácidos nucléicos. Como
mencionado neste texto, no caso da carga viral para o DNA
do HBV, este teste é essencial para diagnóstico, prognóstico,
decisões terapêuticas e monitoramento de resposta ao
tratamento. Ainda existem limitações dos testes disponíveis,
especialmente relacionados à faixa dinâmica de quantificação
e automação. Outro problema ainda a ser definido inclui as
relações entre entidades biológicas diferentes (genótipos) e
desempenho destes testes, além da relação entre os genótipo
e progressão da doença, padrões de resistência aos antivirais
e resposta ao tratamento. Desta forma, nosso esforço deve
sempre caminhar na tentativa de disponibilização ampla não
só de medicamentos, mas de instrumentos laboratoriais úteis
para abordagem de patologias como a infecção pelo HBV.
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
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36
Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Anatomia Patológica da Hepatite B
Evandro Sobroza de Mello, Venâncio Avancini Ferreira Alves
Divisão de Anatomia Patológica do Hospital das Clínicas de São Paulo/Faculdade de Medicina da USP e Laboratório
CICAP/Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Aspectos Gerais
Inflamação e lesão hepatocitária são as alterações
histológicas essenciais das hepatites de qualquer causa –
no caso das hepatites agudas, estas alterações são
predominantemente lobulares (parenquimatosas), enquanto
nas hepatites crônicas, apesar das lesões lobulares poderem
estar presentes em graus variados, as lesões portais e periportais predominam (Tabela 1). No caso das infecções pelo
VHB, há um largo espectro de alterações histológicas que
podem ocorrer no fígado, desde a hepatite aguda, passando
pelos fenômenos reacionais leves até as formas mais graves,
que incluem as hepatites crônicas com graus variados de
lesão histológica, a cirrose e o carcinoma hepatocelular.
Existe uma relação aproximada dos achados histológicos
no fígado com as fases clínico-sorológicas vistas na história
natural da infecção pelo VHB (Figura 1) [1]. A hepatite aguda
pelo VHB, identificada mais frequentemente nos pacientes
adolescentes e adultos, apresenta os aspectos necroinflamatórios lobulares convencionais das outras hepatites
agudas virais, com fenômenos particularmente proeminentes
de peripolese (linfócitos aderidos à membrana dos hepatócitos)
e de lesão centrolobular. Usualmente não se consegue detectar
os antígenos virais no tecido (AgHBs e AgHBc) por imunohistoquímica nesta fase. Na fase imuno-tolerante, presente nos
pacientes de zonas endêmicas muitas vezes por longos
períodos, as alterações necro-inflamatórias são leves ou
ausentes. Na fase imuno-ativa, pode ser identificada hepatite
crônica de gravidade variável (leve - 24 a 63%; moderada ou
grave - 44 a 63%; cirrose ativa -10 a 24%) [2-4]. Já no estado de
portador crônico inativo, além dos achados sorológicos e
virológicos (AgHBs +, ausência de HBeAg com anti-HBe +,
HBV DNA indetectável ou com baixos níveis no PCR e
transaminases repetidamente normais), a histologia se caracteriza
pela ausência de alterações necro-inflamatórias significativas e
fibrose mínima ou ausente [5,6]. Nesta fase, inclusive, ocorre
regressão das alterações presentes na fase imuno-ativa,
inclusive com melhora gradual da fibrose [7]. O prognóstico
dos portadores inativos é usualmente benigno, mas raramente
pode haver o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular
(CHC) [8], mesmo em pacientes não cirróticos.
O achado histológico mais característico da infecção pelo
VHB, que a distingue de outras causas de hepatite crônica, é
a presença de hepatócitos com citoplasma em vidro fosco
(“ground glass”). Este consiste na presença de proliferação do
retículo endoplasmático liso proliferado abarrotado de antígeno
de superfície do VHB (AgHBs). Por sua vez, a presença de núcleos
pálidos e granulosos (“sanded nuclei”) parece corresponder a
acúmulos do antígeno “core” do nucleocapsídeo (AgHBc).
Outro marcador histológico muito freqüente da hepatite pelo
VHB é a presença de anisonucleose - variação do tamanho e
forma dos núcleos, muitas vezes refletindo-se na presença da
chamada “displasia de grandes células”.
A biópsia hepática, quando indicada, tem várias utilidades
dentro do contexto da infecção pelo VHB: avaliar a necessidade
da terapia antiviral, servir como base para a avaliação da
progressão da doença em biópsias futuras, ajudando nas decisões
terapêuticas, e excluir a presença de cirrose [9]. Uma vez realizada,
sua avaliação inclui a graduação e o estadiamento das lesões de
hepatite crônica, conforme detalhado no protocolo a seguir.
Protocolo de Avaliação Histológica para Biópsias Hepáticas
de Pacientes com Vírus da Hepatite B
Esse protocolo pode ser aplicado às diversas etiologias
de hepatite crônica, inclui, além da hepatite B, vírus da hepatite
C, hepatite auto-imune e, menos freqüentemente, doença de
Wilson ou hepatite medicamentosa. O protocolo está centrado
nos critérios do Consenso Nacional das Hepatites Crônicas,
da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) [10].
1) Tipo de amostra: (biópsia por agulha, biópsia em
cunha,peça cirúrgica de ressecção, outro
2) Tamanho da amostra
Número de espaços-porta na biópsia: _____
3) Variáveis histológicas:
- Fibrose portal:
( ) 0 (ausente)
( ) 1 (discreta, sem formação de septos)
( ) 2 (com septos porta-porta)
( ) 3 (com septos porta-porta e porta-centro, esboçando
formação de nódulos – em “ transformação nodular”)
( ) 4 (cirrose)
- Inflamação portal
( ) 0 (ausente)
( ) 1 (discreta)
( ) 2 (moderada)
( ) 3 (acentuada)
( ) 4 (muito acentuada)
- Atividade peri-portal (atividade de interface)
( ) 0 (ausente)
( ) 1 (presença apenas de “spill over”)
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
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Tabela 1. Principais aspectos histológicos da hepatites aguda e crônica pelo VHB
Hepatite Aguda
Alterações centradas no parênquima
Inflamação (células mononucleares, ativação de células
dos sinusóides e peripolese), regeneração (duplicação
de traves, multi nucleação e mitoses dos hepatócitos)
alterações degenerativas dos hepatócitos (balonização,
corpos apoptóticos e focos de necrose lítica) dispersos no
lóbulo, por vezes mais proeminentes na região centrolobular
Inflamação portal variável pode estar presente, até com “spill
over” (extravasamento linfocitário), mas sem morte hepatocelular (Hepatite de Interface / “necrose em saca-bocados”)
Fibrose ausente
Vidro fosco ausente e Pesquisa Imuno-histoquímica negativa
para AgHBs
Hepatite Crônica
Alterações centradas nos espaços-porta
Atividade lobular, variável, usualmente pouco pronunciada,
mas que pode se tornar importante nas crises de exacerbação –
quando não há fibrose, pode ser difícil distinguir a hepatite
crônica em exacerbação de uma hepatite hepatite aguda com
base puramente histológica.
Inflamação portal com linfócitos, histiócitos e plasmócitos;
Atividade de interface / “necrose em saca-bocados”) está
presente na maioria dos casos. É caracterizada pela presença
de extensão do infiltrado inflamatório portal com “necrose”
dos hepatócitos (na verdade desaparecimento dos hepatócitos
na área do infiltrado, provavelmente por apoptose)
Expansão portal por fibrose pode estar presente em graus
variáveis, com septos até cirrose
Vidro fosco variavelmente presente e pesquisa imuno-histoquímica
positiva para AgHBs
Figura 1. História natural da infecção pelo VHB com destaque para os aspectos histológicos vistos em cada fase da doença
Áreas endêmicas
1-90%
(subclínica)
peri-natal ou
infância precoce
Fase imunotolerante
- HBeAg+ e altos níveis de HBV DNA
- Níveis normais de transaminases
- atividade histológica mínima
Décadas nas regiões endêmicas
(30-50% hepatite aguda ictérica)
Adolescentes e adultos
-sexual
-uso de drogas injetáveis
95-99%
70%
Menos de 10%
Outras áreas
Fase imunoativa
- HBeAg+ e diminuição dos níveis de HBV DNA
- Aumento de transaminases
- aumento da atividade histológica
- hepatite leve 24-42%, moderada a
severa 44-63% e cirrose ativa 10-24%
Meses ou anos
ro
ra
Parte dos pacientes
Fase não replicativa (portador inativo)
Po
um
om
oc
c
u
Hepatite B resolvida
HBsAg- e anti-HBs +
- HBV DNA em níveis muito baixos (soro ou tecido)
- Transaminases e histologia sem alterações
( ) 2 (necrose em saca-bocados discreta – focos ocasionais
em alguns espaços-porta)
( ) 3 (necrose em saca bocados moderada – focos ocasionais
em muitos espaços-porta ou numerosos focos em poucos
espaços-porta)
( ) 4 (necrose em saca-bocados acentuada - numerosos
focos em muitos espaços-porta)
- Atividade parenquimatosa
( ) 0 (ausente)
( ) 1 (tumefação, infiltrado linfocitário sinusoidal e ocasionais
focos de necrose lítica hepatocitária)
HBeAg- e anti-HBe +
- Desaparecimento ou marcada
diminuição dos níveis de HBV DNA
- Normalização de transaminases
- Resolução das alterações histológicas
( ) 2 (numerosos focos de necrose lítica hepatocitária)
( ) 3 (áreas de necrose confluente ocasionais)
( ) 4 (numerosas áreas de necrose confluente ou áreas de
necrose pan-acinar)
- Evidências histológicas de associação com outras condições:
( ) siderose grau ______
( ) marcadores de esteato-hepatite
( ) outros:______
Além da classificação da SBP, dois outros sistemas têm
sido amplamente utilizados em nosso meio: Metavir e de Ishak,
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Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Tabela 2. Equivalência aproximada das classificações mais usadas no estadiamento e graduação das hepatites crônicas
Alteração Arquitetural (Fibrose)*
Atividade Inflamatória**
SBP, 2000 e Ishak, 1995
SBP, 2000
Metavir, 1994
Atividade Periportal
0
1
2
3
4
0
1
2
3
4
Metavir, 1994
Ishak, 1995
0
1 ou 2
3
4 ou 5
6
0 ou 1
0 ou 1
2
2
2
3
3
4
Atividade Parenquimatosa A
0
1 ou 2
0–1
2
3–4
0–2
3–4
0–4
0
1
1
2
3
2
3
3
* na classificação de ISHAK, o escore de fibrose vai até 6, enquanto na METAVIR e na SBP vai até 4. ** correspondendo à atividade periportal e
parenquimatosa independentemente para SBP e ISHAK, e um misto de periportal e lobular para METAVIR; na classificação de METAVIR, o escore
de atividade vai até, 3 enquanto em ISHAK e SBP vai até 4.
descritos em detalhes nas respectivas referências abaixo[11,12].
Uma tabela com a equivalência aproximada desses três sistemas
de classificação está exposta na Tabela 2.
Tipo de Amostra
Para diagnóstico e estadiamento de hepatite, é fortemente
recomendado o uso de amostras obtidas através de biópsia
por agulha, mesmo durante cirurgias abdominais realizadas
por outros motivos [13]. Isso se deve ao fato de que biópsias
em cunha resultam em amostras subcapsulares, que contém
espaços-porta volumosos característicos da região (que
muitas vezes têm septos porta-porta ou em direção à cápsula),
o que torna difícil o estadiamento arquitetural. No caso de
biópsias hepáticas obtidas durante cirurgias abdominais, a
realização da biópsia deve ser no início do ato cirúrgico, para
evitar alterações associadas à manipulação (especialmente
infiltrado neutrofílico sinusoidal).
Tamanho da Amostra
O comprimento mínimo recomendado para uma biópsia
para diagnóstico e estadiamento de hepatite é de 1,5 cm ou 10
espaços porta. Biópsias com dimensões menores que 1,5 cm
na maior parte das vezes resultam em um número menor de
espaços-porta. O uso de agulhas que resultem em amostras
muito finas também deve ser desencorajado, pois limita
seriamente a avaliação arquitetural. Pessoalmente, preferimos
as agulhas Trucut que as agulhas Menghini, em especial
porque as primeiras produzem regularmente espécimes mais
largos, facilitando a avaliação arquitetural. Está muito bem
documentado em estudos recentes que quanto menor a
biópsia, muito mais frequentemente será obtido o diagnóstico
de uma doença hepática leve (quanto menor a biópsia, mais
leve a hepatite, por problemas de amostragem) [14-16].
Associação com Outras Condições
A biópsia hepática tem como uma de suas grandes utilidades
a possibilidade de detecção incidental de outras doenças, que
não a hepatite B. A principal delas nos dias atuais, sem dúvida,
é a presen;ca de esteato-hepatite. Além da esteatose, a presença
de balonização acentuada, corpúsculos de Mallory e,
especialmente, fibrose peri-sinusoidal, são muito indicativos
desta associação. Deve-se destacar, no entanto, que a histologia
não permite diferenciação segura entre esteato-hepatite
alcoólica ou não alcoólica.
Atenção especial deve ser voltada para os casos AgHBe
negativos que apresentam hepatopatia [3] – evidentemente,
esta pode ser uma hepatite crônica por uma variante do vírus B,
mas a biópsia é de grande utilidade para afastar outras doenças
hepáticas, incluindo superinfecção com outros vírus, doen;cãs
metabólicas, hepatopatia alcoólica, hepatotoxicidade por drogas
e hepatite auto-imune. A busca ativa, mais do que o achado
incidental, de um padrão histológico que indique outra etiologia
é essencial nestes casos.
Hepatite B no Transplante
A hepatite B pode evoluir no transplante hepático de forma
muito similar àquela vista no pré-transplante – inicialmente pode
ou não ser identificado um quadro de hepatite aguda (hepatite
lobular) e posteriormente de hepatite crônica estabelecida
(inflamação portal com graus variáveis de fibrose e atividade)
[17]. A severidade e a velocidade de evolução da doença, no
entanto, são consideravelmente maiores do que no prétransplante. A hepatite colestática fibrosante é uma importante
variação clínico-patológica de hepatite B que ocorre no enxerto
hepático e, mais raramente, em outras condições em que há
imunossupressão [18]. Esta é uma variante rapidamente
progressiva e de prognóstico reservado de hepatite que tem
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
um aspecto histológico bastante característico, incluindo fibrose
portal rapidamente progressiva com intensa reação ductular e
bilirrubinostase ductular e canalicular.
Detecção dos Antígenos do VHB no Tecido Através de ImunoHistoquímica
Os vários antígenos do VHB podem ser detectados por
imuno-histoquímica nos cortes histológicos de tecido hepático,
com significados distintos de acordo com o seu padrão de
expressão. O AgHBc é mais freqüentemente identificado no
núcleo dos hepatócitos e reflete replicação viral [19]. Quando
esta replicação é muito alta, este antígeno pode também ser
identificado no citoplasma das células, às vezes com diminuição
gradativa de sua expressão nuclear, fator associado com aumento
da atividade inflamatória [20] e que possivelmente reflete a
presença de maior regeneração celular. Mesmo nos casos de
mutantes pré-core o AgHBc pode ser detectado no tecido, apesar
da ausência de AgHBe no soro. A expressão do AgHBe no tecido
também reflete replicação viral, mas não está claramente associada
à atividade histológica. A expressão do AgHBs é vista no
citoplasma ou menos freqüentemente na membrana celular, e é
sinônimo de infecção. A expressão de membrana do AgHBs tem
forte associação com a presença replicação viral [21], e para
alguns pode ter relação com a produção do vírion completo. Nos
portadores crônicos inativos, em que houve integração viral ao
genoma do hospedeiro, tipicamente há desaparecimento do
AgHBc com expressão variável, freqüentemente abundante, de
AgHBs no citoplasma dos hepatócitos.
Diante de evidências de integração do genoma do VHB ao
do hepatócito infectado em fases mais avançadas de hepatite
crônica, com ativação da expressão do gene X do VHB
(AgHBx), tem crescido recentemente o interesse no estudo
desse gene. A transativação de genes celulares e a inativação
da proteína p53 pela proteína X do VHB são possíveis
mecanismos de indução do carcinoma hepatocelular. Alguns
anticorpos monoclonais têm se mostrado eficientes na
detecção dessa proteína no tecido [22], existindo correlação
direta de sua expressão com o estádio da hepatopatia crônica,
sendo muito mais evidente nos casos de cirrose e carcinoma
hepatocelular do que nos casos de doença leve.
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40
Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
História Natural e Manuseio do Carcinoma Hepatocelular no Paciente com Hepatite B
1
Marcel C. C. Machado1, André Cosme de Oliveira2
Professor Titular da Disciplina de Transplante e Cirurgia do Fígado HC-FMUSP; 2Médico Assistente e Coordenador do
Ambulatório de Tumores Hepáticos da Disciplina de Transplante e Cirurgia do Fígado HC-FMUSP
Mais de 400 milhões de pessoas, incluindo 1,25 milhões
de Norte Americanos, têm hepatite B crônica [1]. Nos EUA, a
infecção crônica pelo vírus da hepatite B é responsável por
quase 5.000 óbitos por ano decorrentes da cirrose e do
carcinoma hepatocelular (CHC) [1]. No Reino Unido 1.500
óbitos por ano são decorrentes do CHC [2].
A estimativa é que um terço da população mundial
apresente evidência sorológica de infecção prévia pelo VHB
e que o vírus cause mais de 1 milhão de mortes anuais [3]. Nos
EUA a incidência de infecção pelo VHB apresentou uma queda
de 14 casos por 100.000 habitantes em 1980, para 3 casos por
100.000 habitantes em 1998 [4].
O CHC é a neoplasia primária mais comum do fígado
ocorrendo em alta freqüência no Sudeste da Ásia e na África
Central, em áreas onde a infecção crônica pelo VHB é o principal
fator de risco para o desenvolvimento do CHC, com uma
incidência de 20 a 25% nos pacientes com VHB, aparecendo
em 90% dos casos em pacientes com cirrose [5].
Na América Latina a incidência de CHC é de
aproximadamente 0,7 a 9,9 casos por 100.000 habitantes por
ano. De acordo com dados sobre mortalidade por câncer no
Brasil de 1999, o CHC ocupava a sétima posição, sendo
responsável por 4.682 óbitos.
Beasley e col., em estudo controlado prospectivo
demonstrou que a incidência anual de CHC em portadores do
hepatite B era de 0.5% e nos pacientes sabidamente cirróticos
era de 2,5% ao ano [6,7].
Sakuma e col. encontraram uma incidência de CHC em
japoneses de 0,4% ao ano [8].
Dentro dos fatores que influenciam o risco de
desenvolvimento de CHC temos [9]:
(1) Sexo. O risco do desenvolvimento de CHC é muito maior
no homem para a maioria das etiologias. Isto é independente
do fato que os homens são mais prováveis de desenvolverem
a hepatite crônica pelo VHB do que as mulheres, com uma
proporção de 1,9:1.
(2) Idade. No Reino Unido a idade média do desenvolvimento
de CHC é 66 anos. Nas áreas de alta prevalência de VHB, o
CHC tem uma distribuição bimodal da idade com picos nas
idades 45 e 65 anos.
(3) Cirrose hepática. Está presente na maioria dos pacientes
com CHC no Reino Unido e na Europa, em 90 a 95% dos
casos. De um modo geral, considera-se que um portador de
cirrose tenha um risco de 5% ao ano de desenvolver CHC e
nos pacientes não-cirróticos ocorre geralmente em jovens
(variante fibrolamelar) e nas pessoas mais idosas
(aparentemente carcinoma hepatocelular de novo,no qual um
grupo de hepatócitos pode dar origem ao tumor).
(4) Etiologia da doença hepática. A infecção crônica pelo
VHB é o fator mais freqüentemente associado ao
desenvolvimento do CHC em todo o mundo sendo que os
mecanismos de desenvolvimento não são totalmente
conhecidos, podendo ser que a injúria crônica – infecção,
inflamação, regeneração e fibrose – levem à cirrose e então
posteriormente ao CHC. No entanto, até 40% dos casos de
CHC pelo VHB não estão associados à cirrose.
O CHC pode ocorrer em pacientes não-cirróticos com
doença viral no fígado, particularmente pelo VHB, onde ocorre
a integração viral direta do DNA no genoma da célula hepática.
Durante a infecção pelo VHB pode ocorrer a incorporação
precoce do seu genoma ao DNA da célula hepática e mesmo a
cura sorológica ou o tratamento eficaz, com o desaparecimento
do VHB-DNA no sangue pode não ser o suficiente para
erradicar este potencial oncogênico [10].
Elevados níveis sanguíneos de VHB-DNA (≥ 10.000
cópias/mL) pode ser também um forte preditor de risco de
desenvolvimento de CHC [11].
Frente a estes fatos, a vigilância é recomendada
principalmente no grupo de pacientes que apresentam um
maior risco de desenvolvimento de CHC (Tabela 1).
Tabela 1. Fatores de risco para desenvolvimento de CHC
Portadores de VHB
Homens asiáticos ≥ 40 anos
Mulheres asiáticas ≥ 50 anos
Todos os cirróticos portadores de VHB
História familiar de CHC
Africanos com mais de 20 anos
Transmissão vertical
Aquisição precoce do VHB (infância)
* Para os portadores do VHB não listados acima, o risco de carcinoma
hepatocelular varia de acordo com a severidade da doença do fígado e
da intensidade da atividade inflamatória hepática. Os pacientes com
concentrações elevadas de VHB-DNA e atividade inflamatória presente
apresentam maior risco para o desenvolvimento de carcinoma
hepatocelular.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
Rastreamento
O rastreamento do CHC nos pacientes com VHB,
principalmente naquela população de risco, deve ser uma
preocupação constante, uma vez que a instituição de um
tratamento precoce aumenta o potencial de cura do mesmo.
A American Association for the Study of Liver Disease
(AASLD) recomenda o rastreamento do CHC a cada 6 meses
nos pacientes de risco e anualmente naqueles de baixo risco.
Diversas formas de rastreamento têm sido propostas e
atualmente a mais utilizada, principalmente na Ásia e Europa,
é a associação da dosagem sanguínea da alfa-fetoproteína e a
realização de ultra-sonografia abdominal.
A alfa-fetoproteína apresenta uma baixa sensibilidade para
o diagnóstico de CHC (45 a 64%), porém tem ainda um grande
papel diagnóstico naqueles pacientes cirróticos com nódulo
hepático e níveis superiores a 200 ng/mL (Tabela 2).
A combinação da alfa-fetoprotéina com a ultra-sonografia
abdominal aumenta as taxas de diagnóstico de CHC, contudo
também elevam os custos e as taxas de falso-positivos. A
American Association for the Study of Liver Disease (AASLD)
[12] sugere a utilização da ultra-sonografia abdominal para o
rastreamento do carcinoma hepatocelular (Figura 1).
Ultra-sonografia Abdominal
A ultra-sonografia abdominal é um método acessível, de
baixo custo e não invasivo. A ultra-sonografia abdominal
apresenta uma sensibilidade entre 65% a 80% e especificidade
acima dos 90% quando usada para o rastreamento do CHC [13].
O aspecto do carcinoma hepatocelular é variável, sendo
que os pequenos geralmente são lesões sólidas
hipoecogênicas, circunscritas, com diâmetros entre 0,6 e 3,0
cm. À medida que o tumor cresce torna-se mais vascularizado,
com áreas de necrose, fibrose e transformação gordurosa,
adquirindo um aspecto heterogêneo (Figura 2).
Tomografia Computadorizada
A tomografia computadorizada, com sensibilidade de
86,6%, permite avaliar algumas características do carcinoma
hepatocelular, como o realce arterial pelo meio de contraste, a
presença de cápsula peritumoral, o realce em mosaico, a
infiltração de gordura, a presença de invasão vascular
(principalmente da veia porta) e de fístulas arteriovenosas
[12] (Figura 3).
Ressonância Magnética
O carcinoma hepatocelular na ressonância magnética
geralmente apresenta hipersinal em T2, sinal variável em T1,
com padrão de realce semelhante à tomografia
computadorizada, apresentando uma sensibilidade de 90%
41
para o diagnóstico de CHC. Diferem dos nódulos regenerativos
que normalmente demonstram hipossinal em T2 e ausência de
realce arterial pós-contraste [12] (Figura 4)
Tratamento do CHC
A American Association for the Study of Liver Disease
(AASLD) [12] sugere que a escolha da terapia deve estar
sempre baseada no estadiamento do tumor no momento do
diagnóstico (Tabela 3) e no grau de disfunção hepática,
determinada pela classificação de Child-Pugh (Figura 5).
Aproximadamente 15-20% dos pacientes são candidatos
a condutas terapêuticas radicais e o restante destes receberão
terapêuticas paliativas ou sintomáticos [14]. A biópsia do
nódulo raramente é necessária e a disseminação pela punção
pode ocorrer em 1 a 3% dos casos, devendo ser evitada quando
a lesão é potencialmente operável [9].
Tratamento do Carcinoma Hepatocelular
Opções de tratamento radical
Ressecção cirúrgica
Transplante de fígado
Alcoolização
Radiofreqüência
Opções de tratamento paliativo
Quimioembolização
Ressecção Cirúrgica e Transplante de Fígado
A ressecção cirúrgica é o tratamento mais eficaz para o
CHC e a primeira opção para aqueles pacientes não cirróticos.
Nos pacientes cirróticos apresenta uma alta morbidade e uma
mortalidade operatória em torno de 10%, também com um alto
risco de recidiva e aparecimento de outros focos no fígado
remanescente que supera os 50% em cinco anos [12,14].
O paciente ideal para a ressecção cirúrgica é aquele com
menos de 70 anos, em bom estado nutricional, com tumor
pequeno, periférico, bilirrubina normal, sem invasão vascular,
plaquetas acima de 100.000 e sem hipertensão portal. Somente
pacientes cirróticos Child-Pugh A são candidatos à ressecção
cirúrgica e ainda assim mais da metade destes evoluirá com
descompensação no pós-operatório, principalmente com
ascite [14].
O transplante de fígado é a única terapia curativa tanto para
o CHC como da cirrose hepática subjacente, evitando assim a
aparição de novos focos de CHC. Está indicado naqueles casos
onde há um nódulo único até 5 cm de diâmetro, ou aqueles com
até 3 nódulos, cada qual destes com até 3 cm de diâmetro, sem
invasão vascular ou doença extra-hepática [12].
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Tabela 2. Trabalhos comparativos de sensibilidade e especificidade da alfa-fetoproteína
Estudo
Sherman
Trevisani
Gambarin-Gelwan
Nguyen
Peng
Cedrone
Limite de alfa-fetoprotéina (ng/mL)
Sensibilidade (%)
Especificidade (%)
20
20
200
400
20
50
20
20
20
64,3
60,0
22,4
17,1
58,0
47,0
63,0
65,0
55,0
91,4
89,4
99,4
99,4
91,0
96,0
80,0
87,0
88,0
Figura 1. Algoritmo sugerido pela AASLD durante o rastreamento do CHC.
< 1,0 cm
1,0 – 2,0 cm
Repetir USG a
intervalos de
3-4 meses
Dois estudos dinâmicos de
imagem (TC/RM)
Estável em
18-24 meses
Aumentando
Padrão
vascular típico
nos dois
estudos
dinâmicos
Padrão
vascular típico
em um estudo
dinâmico
apenas
> 2,0 cm
Um estudo dinâmico
de imagem (TC/RM)
Padrão
vascular
atípico em
ambos estudos
dinâmicos
Padrão
vascular
atípico
Biópsia
Diagnóstico de
CHC
Sem
diagnóstico de
CHC
Outro
diagnóstico
Repetir a
biópsia ou
seguimento
por imagem
Mudança no
tamanho ou no
perfil
Repetir estudo
dinâmico de
imagem ou a
biópsia
Positivo
Negativo
Tratar como carcinoma hepatocelular
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Padrão vascular
típico ou AFP >
200 ng/mL
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43
Figura 2. Ultra-sonografia demonstrando uma lesão heterogêneo (A) e uma lesão hipoecogênica (B).
Figura 3. Tomografia computadorizada demonstrando as fases
sem contraste, arterial, portal e de equilíbrio.
Figura 4. Ressonância magnética com carcinoma
hepatocelular.
Tabela 3. Estadios de performance da OMS
Organização Mundial de Saúde
Estadio 0
Estadio 1
Estadio 2
Estadio 3
Estadio 4
Atividade normal, capacidade de exercer todas as atividades pré-doença sem restrição.
Restrição a atividades mais vigorosas, porém permanece ambulatorial, sendo capaz de trabalhos leves e de
natureza sedentária.
Capaz de cuidar de si próprio, mas incapaz de trabalhar. Ambulatorial e não-acamado em mais de 50% do tempo
Capacidade limitada de cuidar-se; Confinado a cama ou cadeira em mais de 50% das horas diurnas. Ambulatorial
50% do tempo ou menos; Cuidados constantes.
Acamado; Totalmente incapaz; Não consegue cuidar de si próprio; Pode necessitar de hospitalização.
Tabela 4. Sobrevida após quimioembolização
Autor
Bruix et al.
Quimioembolização
Tratamento conservador
Llovet J.M. et al.
Quimioembolização
Sobrevida (%)
1 ano
2 anos
3 anos
77
70
50
49
27
31
81
63
62
26
28
16
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Figura 5. Algoritmo sugerido pela AASLD para tratamento do CHC.
Carcinoma hepatocelular
Estadio 0, Child -Pugh A
Estágio precoce
Único < 2 cm
Estadio 0-2, Child -Pugh A -B
Estágio inicial
Único até 5 cm ou 3 nódulos
até 3 cm, Estadio 0
Estágio
intermediário
Multinodular,
Estdio 0
Estadio > 2, Child -Pugh C
Estágio avançado
Invasão portal, N1,
M1, Estadio 1 -2
Estágio
terminal
3 nódulos ≤3 cm
Único
Pressão portal / bilirrubina
Aumentado
Normal
(s/ varizes de esôfago,
plaquetas > 100.000)
Ressecção
Transplante de
fígado
Invasão portal, N1, M1
Doenças associadas
Não
Sim
Alcoolização
Radiofreqüência
Não
Quimioembolização
Tratamentos Curativos
Novos agentes
Trials controlados randomizados
Injeção Percutânea de Etanol (Alcoolização)
Sim
Sintomáticos
a ressecção cirúrgica e estimada acima dos 50% em três anos
[12].
A alcoolização do nódulo de CHC provoca necrose
coagulativa e trombose vascular transformando o nódulo
tumoral em uma área necrótica avascular. Têm sido
amplamente utilizada pela sua boa tolerância, baixo custo e
facilidade de acesso em qualquer centro hospitalar [14].
Pode ser realizada em nódulos de 3/5 cm, presença de
até 3 nódulos, ausência de ascite, ausência de
coagulopatia grave (TP acima de 40%, plaquetas acima de
40.000), presença de “janela” ultrassonográfica segura
para abordagem do nódulo e ausência de doença extrahepática [12,14].
A eficácia desta técnica varia com o tamanho do
nódulo. Em nódulos com diâmetro igual ou inferior a 3 cm
a resposta completa se obtém em até 80% dos casos. Em
nódulos entre 3 e 5 cm a resposta cai para 50% e é menor
ainda em nódulos maiores. Em pacientes cirróticos
compensados com CHC menores que 5 cm apresentam
uma taxa de sobrevida de 70-80% em três anos e 49-54%
em cinco anos [14].
A recorrência de CHC com a alcoolização é tão alta quanto
Radiofreqüência
Usa-se uma agulha especial, em forma de guarda-chuva,
acoplada a um equipamento que promove a morte das células
tumorais através de lesão térmica. A energia emitida produz
agitação iônica que se converte em calor e quando se alcança
uma temperatura acima dos 50° C se induz necrose coagulativa
mais homogênea e a lesão do tecido cirrótico ao redor é menor,
quando comparada à alcoolização.
Pode ser realizada por via percutânea guiada por ultrasom, por via laparoscópica e também durante cirurgia. Até
quatro lesões de até no máximo 5 cm de diâmetro, rodeadas
por parênquima hepático, situados a mais de 1 cm da cápsula
de Glisson e a mais de 2 cm das veias hepáticas ou da veia
porta podem ser tratados com radiofreqüência [14].
Em tumores menores que 3 cm ocorre uma resposta
completa superior a 90%, ainda com a vantagem de
necessitar de um número menor de sessões do que na
alcoolização [14].
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Quimioembolização
Baseado no fato que o CHC apresenta uma rica
vascularização arterial a quimioembolização intrarterial hepática
é uma opção terapêutica não-radical quando os demais
tratamentos não podem ser empregados.
A cateterização da artéria hepática através da punção
da artéria femural permite a identificação da artéria
nutridora do nódulo e a administração de quimioterápicos
no mesmo, combinados ou não com lipiodol. O lipiodol é
captado seletivamente pelo tecido tumoral, não sendo
captado pelo parênquima hepático. A oclusão
subseqüente da artéria tumoral pode ser realizada com
micropartículas ou gelfoam.
As contra-indicações a quimioembolização são a presença
de invasão vascular, disseminação extra-hepática, trombose
de veia porta, insuficiência renal, ateromatose avançada,
trombose de artéria hepática ou tronco celíaco e massa tumoral
superior à 50% do volume hepático [14].
Atualmente se utiliza a quimioembolização em pacientes
em lista de espera de transplante de fígado com o objetivo de
se evitar o crescimento do CHC, o que poderia impedir a
realização do mesmo [14].
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Indicações para o Transplante Hepático e Manuseio Pré e Pós-Transplante na Hepatite B
Edson Abdala1, Fátima Mitiko Tengan2
Assistente-Doutor e Médico Responsável pelo Ambulatório do Serviço de Cirurgia e Transplante Hepático do HCFMUSP; 2Professora Assistente da Disciplina de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da FMUSP; Médica do Ambulatório
e Laboratório de Hepatites/LIM 47 DMIP-HC-FMUSP
1
O vírus da hepatite B (VHB) é a causa de doença hepática
em 5 a 10% dos pacientes submetidos a transplante de fígado
(Tx) nos centros europeus e americanos [1,2]. Em nosso meio,
corresponde a 8 a 10% dos pacientes em lista de espera para
o Tx, e a 20% dos casos de Tx por hepatite fulminante.
O Tx para a hepatite pelo VHB deve ser discutido sob uma
perspectiva histórica. Os resultados do Tx nestes pacientes
melhoraram significativamente durante as duas últimas
décadas. A melhor evolução se deve à adoção de medidas
profiláticas contra a recidiva da infecção e às possibilidades
terapêuticas com drogas antivirais [1,3]. O risco de recidiva
passou de até 80% para menos de 10%. Os fatores mais
significativos foram, sucessivamente, o uso profilático de
imunoglobulina anti-HBs (HBIG), o advento de análogos
nucleosídeos e nucleotídeos e a combinação de HBIG com
estes antivirais [1,4,5]. Desta maneira, a infecção pelo VHB,
que no início dos anos 90 era tida como uma indicação marginal
ao Tx, é atualmente considerada uma excelente indicação, com
sobrevida do enxerto e do hospedeiro superior a outras
doenças hepáticas, incluindo a infecção pelo vírus da hepatite
C (VHC) [1].
Indicações de Transplante Hepático
Hepatopatia Crônica
O momento para a indicação do Tx depende de
características clínicas e virológicas. A abordagem clínica inclui
um estadiamento (Child-Pugh, MELD ou outro) e indicação
do Tx baseado em probabilidade de sobrevida, considerando
também os dados de sobrevida após o Tx [3]. Entretanto, na
infecção crônica pelo VHB, a variação deste estadiamento
durante o tempo de espera parece ser o fator mais importante
para a decisão sobre o Tx. É bem definido que a presença de
antígeno e (HBeAg) e a detecção de alta carga viral (acima de
105 cópias/mL) pré-Tx estão associadas a maior risco de
recidiva da infecção no enxerto. Consequentemente, surgiu
gradualmente um consenso de que a supressão da carga viral
antes do Tx poderia ser um importante objetivo a ser atingido.
O desenvolvimento de drogas antivirais tem possibilitado o
tratamento de pacientes com cirrose em estágio final,
permitindo atingir este objetivo. Entretanto, este tratamento
pode, em até 6 meses, decorrer em melhora clínica do paciente,
retardando ou mesmo evitando a indicação de Tx. Gera-se,
portanto, muitas vezes a dúvida quanto à indicação de Tx em
pacientes nos primeiros meses de terapia antiviral, com
resposta virológica e ainda sem definição de melhora clínica.
Este dilema torna-se maior em locais com curto período de
espera [1].
Critérios para Inclusão em Lista de Transplante
No Brasil, a inclusão em lista para Tx obedece aos seguintes
critérios mínimos, estabelecidos e publicados em Portaria do
Ministério da Saúde de 14 de maio de 2002 (Portaria MS541)
[6].
1. Cirrose hepática Child-Pugh A, desde que tenham
apresentado uma das seguintes complicações:
a) hemorragia digestiva alta, secundária à hipertensão
portal, em dois ou mais episódios que tenham requerido
transfusão de sangue;
b) síndrome hepatopulmonar com manifestações clínicas;
c) encefalopatia portossistêmica.
2. Cirrose hepática Child-Pugh B ou C, independentemente de
complicações.
3. Carcinoma hepatocelular restrito ao fígado, com nódulo
único de até 5 cm, ou com até três nódulos de 3 cm cada.
O estadiamento por mapeamento ósseo e tomografia de
tórax é obrigatório.
4. Alta suspeita de doença maligna, sem massa tumoral
identificada, com alfa-fetoproteína acima de 250 ng/mL,
ou acima de 100 ng/mL com aumento progressivo em três
dosagens séricas consecutivas.
Distribuição dos Órgãos
A distribuição de fígado de doadores cadáveres, no Brasil,
passou a seguir um critério de gravidade a partir de 30 de
junho de 2006, segundo Portaria do Ministério da Saúde,
publicada em 29 de maio de 2006 (Portaria MS1160) [7]. O
critério adotado é o MELD (Model for End-stage Liver
Disease), que possibilidade avaliação prognóstica em 3 meses
e utiliza, em seu cálculo, parâmetros laboratoriais (bilirrubina,
cretinina e INR).
Hepatite Fulminante
A indicação de Tx na hepatite aguda fulminante pelo VHB
também é frequentemente fonte de incertezas [1]. Deve-se
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
proceder ao Tx quando o risco de óbito supera aquele esperado
para o procedimento. Nestas situações, apesar de não
demonstrado em estudos prospectivos controlados, os dados
publicados sugerem que o tratamento com lamivudina pode ser
benéfico, podendo evitar o Tx [8]. Para a indicação do Tx, no
Brasil, o paciente deve preencher um dos seguintes critérios [7]:
1. Kings College
a) TP>100 segundos ou INR>6,5;
b) Três das seguintes: TP>50 segundos ou INR>3,5, idade
menor de 10 ou maior de 40 anos, duração da icterícia
maior que 7 dias antes do início da encefalopatia,
concentração sérica de bilirrubina > 17,5mg/dL.
2. Clichy: fator V < 30% em maiores de 30 anos, e < 20% em
indivíduos de até 30 anos.
Tratamento do Vírus da Hepatite B em Cirróticos em Lista
para Transplante
O tratamento da infecção pelo VHB em cirróticos
descompesnsados, em lista para Tx, tem dois objetivos: 1)
melhorar a função hepática e, eventualmente, eliminar a
necessidade de Tx; 2) diminuir o risco de recidiva após o Tx.
Nestas duas situações, a chave é manter a supressão viral [1,3].
O interferon não é indicado para cirróticos
descompensados, pelo risco de piora da função hepática
durante um possível “flare” e de complicações infecciosas
[3]. Os antivirais são bem tolerados por estes pacientes, embora
os dados disponíveis sejam principalmente com o uso de
lamivudina. A lamivudina tem-se mostrado eficaz em suprimir
a replicação viral e, em muitos casos, em melhorar a função
hepática. O maior problema do uso da lamivudina é o
desenvolvimento de resistência durante o tratamento
prolongado (até 70% em 4 anos), podendo haver agravamento
da doença hepática nos pacientes que haviam obtido melhora
clínica e aumento do risco de recidiva naqueles submetidos
ao Tx [2,3].
O adefovir tem sido demonstrado como eficaz no
tratamento de cirróticos descompensados com VHB resistente
à lamivudina. No entanto, resistência ao adefovir também tem
sido relatada nestes casos, com maior incidência com o uso
isolado [2,3]. A melhor estratégia para a terapia antiviral dos
casos com resistência à lamivudina parece ser a combinação
de drogas, para diminuir o risco de resistência múltipla e de
descompensação hepática. Embora não haja estudos
controlados, o uso de entecavir e de tenofovir também pode
ser considerado [2,3].
Recidiva da Infecção pelo VHB Após o Transplante – História
Natural
O risco de recidiva da infecção pelo VHB após o Tx
correlaciona-se diretamente com a carga viral pré-Tx. A recidiva
47
pode ser: viral, sorológica (reaparecimento do HBsAg) e
histológica [4]. A positividade do HBsAg após o transplante
é o critério mais comumente utilizado para a definição, e está
geralmente acompanhada por replicação viral. Apesar do
significado clínico da detecção isolada de replicação viral não
estar claro, ela reflete a persistência de infecção subclínica e
pode ser o suficiente para induzir a mudança no esquema
profilático adotado [7].
A incidência de recidiva, sem o uso de profilaxia, varia
conforme o transplante, atingindo cerca de 60% dos pacientes
transplantados por cirrose (80% naqueles com alta carga viral)
e 15% nos Tx por hepatite fulminante [9]. Com as medidas
profiláticas atuais, ocorre em menos de 10% dos pacientes [3].
Profilaxia da Recidiva após o Transplante
Imunoprofilaxia com HBIG
O uso de HBIG foi a primeira medida a mostrar eficácia em
prevenir a recidiva da infecção pelo VHB após o Tx [10]. O
mecanismo exato de ação não é conhecido, mas tem sido
sugerido que a HBIG pode ligar-se ao vírus circulante e evitar
a ligação a receptores dos hepatócitos. Demonstrou-se
também, “in vitro”, que a HBIG pode entrar nos hepatócitos e
ligar-se ao HBsAg, prevenindo a sua secreção celular e de
vírions do VHB [2,3]. Os estudos iniciais constavam de altas
doses de HBIG EV (10.000 UI) na fase anepática, e
ulteriormente doses semanais e mensais, com o objetivo de
manter altos níveis sanguíneos de ant-HBs. Determinou-se
como nível adequado de anti-HBs pelo menos 100 UI/mL. O
sucesso da profilaxia depende da administração de HBIG
indefinidamente[10].
A maior limitação da profilaxia com HBIG isoladamente é o
custo. Adicionalmente, há, com este esquema, até 20% de
recidiva da infecção. A maioria destes casos corresponde ao
desenvolvimento de resistência ao HBIG por mutação do
determinante “a” do antígeno de superfície [1,3].
Profilaxia com Antivirais
A estratégia profilática que se seguiu ao HBIG foi o uso de
lamivudina para diminuir a carga viral antes do Tx, e continuar
sua administração para manter a inibição da replicação viral
após o Tx. Pacientes submetidos a esta medida, no entanto,
apresentam índice de recidiva semelhante aos com HBIG. A
recidiva deve-se basicamente ao desenvolvimento de
resistência à lamivudina, causada por mutações no gene da
transcriptase reversa, mais comumente no domínio C da
polimerase no loco tirosina-metionina-aspartato-aspartato
(YMDD) [1,3,5].
Alguns estudos têm demonstrado eficácia de adefovir,
entecavir ou tenofovir na circunstância de recidiva por
desenvolvimento de resistência à lamivudina. Nestas
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48
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situações, como no paciente cirrótico pré-Tx, a combinação
das drogas parece preferível à simples substituição [2,3].
A perspectiva de manutenção prolongada de profilaxia
com dois antivirais é promissora, podendo possibilitar a
retirada da HBIG em 1 a 2 anos após o Tx, em pacientes sob
imunoprofilaxia [3].
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
O uso de tenofovir também tem se mostrado eficaz
para o tratamento da infecção com vírus resistente à
lamivudina pós-Tx, e estudos com entecavir estão em
andamento [2].
Manuseio do VHB Pré e Pós-Transplante de Fígado –
Recomendações
Profilaxia Combinada com HBIG e Antiviral
Pré-Transplante
A profilaxia combinada com HBIG e antiviral foi o próximo
passo a ser avaliado, e mostrou-se extremamente eficaz. O
protocolo típico inicia-se com antiviral antes do Tx, e após o
Tx associa-se a HBIG. A associação previne o
desenvolvimento de resistência a ambos agentes. Além disto,
proporciona a possibilidade de uso de doses
significativamente menores de HBIG, diminuindo os
inconvenientes de sua administração [1,3]. Protocolos
utilizando profilaxia combinada com baixas doses de HBIG
EV, e mesmo com HBIG IM, têm demonstrado mais de 90%
de eficácia [11,12].
Mantém-se a dúvida, mesmo em pacientes sob profilaxia
combinada, se o HBIG poderia ser suspenso após 1 a 2 anos
do Tx. Alguns estudos têm demonstrado segurança desta
medida. Nestes casos, a carga viral deve ser avaliada a curtos
intervalos de tempo (3 meses). Uma estratégia mais segura
pode ser a substituição da HBIG por uma segunda droga
antiviral, e merece investigação [3,13].
O Papel da Vacina Contra o VHB
A eficaz combinação de análogos nucleosídeos e/ou
nucleotídeos tem desvantagens a longo prazo, como
custo, efeitos colaterais e inconvenientes para o paciente.
Portanto, estratégias para a manutenção da profilaxia,
como a vacina contra o VHB, têm sido investigadas [1,3].
Várias vacinas e estratégias têm sido estudadas. A retirada
da HBIG é necessária para que a vacina possa ter efeito.
Alguns autores têm obtido resposta de anticorpos
significativa, embora outros relatem resultados
desapontadores [14,15]. Esta abordagem, portanto, requer
maior investigação.
Tratamento da Recidiva
Com o desenvolvimento atual das medidas profiláticas,
a recidiva deve ser observada raramente. A abordagem
depende dos antivirais usados previamente. Atualmente, a
maioria dos casos deve corresponder a pacientes com vírus
resistente à lamivudina. O uso de adefovir tem demonstrado
boa supressão viral e benefício clínico. Há um consenso de
que a lamivudina deva ser mantida após a introdução do
adefovir, e de que o tratamento combinado seja mantido
indefinidamente [2,3].
a) Tratar todos os pacientes em lista que apresentarem
detecção de DNA sanguíneo positiva;
b) Iniciar o tratamento com entecavir, adefovir ou lamivudina;
c) Monitorar carga viral a cada 3 meses;
d) Pacientes com desenvolvimento de resistência à
lamivudina: associar adefovir, e manter indefinidamente.
Transplante
a) HBIG IM, 800 a 1000UI, na fase anepática.
Após o Transplante
a) HBIG: manter dose semanal diária (800 A 100UI), IM; depois:
dose mensal ou conforme demanda (se anti-HBs menor
do que 100 UI/mL) por 1 ano;
b) Lamivudina ou outro antiviral: manter o esquema pré-Tx
ou iniciar logo após o Tx para os pacientes que não estavam
em uso;
c) Monitorar carga viral e sorologia a cada 3 meses.
Tratamento da Recidiva
a) Associar antivirais e manter indefinidamente.
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Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B Fulminante e de Re-Agudizações (Flare)
Roberto Focaccia, Umbeliana Barbosa Oliveira
IIER
A HVB fulminante é a principal causa de insuficiência
hepática aguda grave (IHAG) em todo o mundo, sobretudo
nas regiões de maior prevalência de HVB, como Ásia e Europa
Central.
É uma condição clínica de alta morbidade e mortalidade. A
sua abordagem ainda constitui um desafio, necessitando de
suporte de alta complexidade, como Unidade de Transplante
de Fígado.
O conceito de insuficiência hepática aguda foi definido
por Trey e Davidson como um quadro de icterícia, encefalopatia
e coagulopatia. Introduziram os termos de insuficiência
hepática fulminante e subfulminante.
Classificação
A insuficiência hepática aguda é classificada em 03 grupos,
segundo O’ Grady e col. em hiperaguda, aguda e subaguda:
- Hiperaguda: desenvolvimento de encefalopatia dentro de
07 dias após o início da icterícia, com sobrevida de 36%.
- Aguda: aparecimento de encefalopatia entre 8 e 28 dias
após o incio da icterícia, com sobrevida de 7%.
- Subaguda: surgimento de encefalopatia no período de 5 a
26 semanas após o início da icterícia, com sobrevida de
14%.
Apresentação Clínica
As manifestações clínicas iniciais são inespecíficas:
náuseas, vômitos, dor abdominal, desidratação e icterícia.Os
casos de piora da encefalopatia, acidose metabólica e
hipoglicemia devem ser removidos imediatamente para um
Centro de transplante de Fígado. Estes pacientes evoluem
com deterioração clínica rápida e devem ser submetidos à
sedação e ventilação mecânica.
O monitoramento do tempo de protrombina (TP) e da
função renal constituem importantes fatores preditivos do
prognóstico e também de critérios de transplante hepático. A
identificação precoce da piora clínica é fundamental para a
intervenção imediata, aumentando a sobrevida destes
pacientes.
Encefalopatia Hepática
Fisiopatologia
Resulta da falha da biotransformção e excreção de toxinas
que são processadas no fígado. Ocorre principalmente pela
elevação dos níveis plasmáticos de amônia e de outras
substâncias como mercaptanos, ácidos graxos, aminóacidos
de cadeia aromática, substâncias benzodiazepínicas-like, ácido
aminobutírico e alguns metais.
Classificação
Grau I: alteração do ritmo de sono, euforia ou depressão,
desorientação temporo-espacial, ideação lenta.
Grau II: sonolência, agitação, agressão, asterixe.
Grau III: maior sonolência, torpor, confusão mental.
Grau IV: coma, sem resposta aos estímulos.
Os pacientes com encefalopatia grau I e II têm melhor
prognóstico. Nos graus III e IV, os pacientes desenvolvem
edema cerebral, principal causa de óbito nos pacientes com
IHAG.
A deterioração do SNC pode explicar a forma clínica ou
subclínica de atividade epileptiforme, indicando o uso de
anticonvulsivantes, como fenitoína e tiopental.
Edema Cerebral
Cerca de 80% dos pacientes com encefalopatia grau IV
têm edema cerebral, cursando com elevação da pressão
intracraniana (PIC).
As manifestações clínicas são: hipertensão arterial,
bradicardia, alterações na pupila, postura de descerebração,
convulsões e alteração do padrão respiratório.
Tratamento
a) Medidas gerais: todo paciente com encefalopatia grau III
e IV deve ser sedado e submetido à ventilação mecânica.
Estas medidas diminuem a irritação cerebral. Deve-se
manter o decúbito elevado a 30 °, evitar, a medida do
possível, estímulos de aspiração de vias aéreas.
A hiperventilação criteriosa e hipotermia, mantendo a
temperatura corpórea entre 32 a 33°C, também auxiliam no
controle da hipertensão intracraniana.
b) Farmacológico: manitol
inibidores da ciclo-oxigenase 2
N- acetilcisteína
prostaciclina.
C) Monitoramento da PIC: através do implante do catéter de
PIC, Doppler transcraniano, tomografia computadorizada
de crânio, ressonância magnética de crânio e dosagem de
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
lactato cerebral. Nos casos em que a PIC ultrapassa 40
mmHg, têm mau prognóstico. O ideal é manter a PIC abaixo
de 20 mmHg.
Coagulopatia
Na insuficiência hepática ocorre diminuição de
produção e aumento de consumo dos fatores de
coagulação, que são na maioria sintetizados no fígado. O
tempo de protrombina (TP) é um importante marcador de
prognóstico.
Tratamento
Para os casos com hemorragia ativa e/ou instabilidade
hemodinâmica.
- Vitamina K por via intravenosa.
- Plasma fresco congelado.
Os casos mais estáveis não devem ser tratados, para não
perdermos o parâmetro do TP como fator de prognóstico.
Alterações da Circulação Sistêmica
Resultam da diminuição da auto-regulação do tônus
vasogênico, levando à diminuição da resistência vascular
periférica. Ocorre vasodilatação e hipotensão arterial, com
elevação do débito cardíaco. Portanto, alterações
hemodinâmicas tais como as que ocorrem no choque
séptico.
A diminuição do volume intravascular leva à
hipoperfusão tecidual, hipóxia e acidose lática.
Tratamento
-
Monitorar a pressão venosa central (PVC), mantendo em
níveis de 8 a 10 cm de H2O.
Monitoramento invasivo da pressão arterial.
Expansão plasmática com albumina humana: uso
controverso.
Expansão com soluções cristalóides e colóides.
Manter o sódio sérico em níveis normais para diminuir o
risco de piora do edema cerebral.
Uso de drogas vasoativas: noradrenalina, epinefrina.
Monitoramento da artéria pulmonar: catéter de Swan- Ganz.
51
Tratamento
- Expansão plasmática
- Hemodiálise
- Hemofiltração venosa continua: melhor método.
Infecção
O fígado é responsável pela síntese do sistema de
complemento. Na IHAG, encontramos diminuição dos
níveis de C3 e C5, associado à diminuição de opsonização
de fungos e bactérias. Ocorre também disfunção das
células polimorfonucleres e da fagocitose pelas células
de Kupffer, facilitando a translocação bacteriana e a
liberação de citocinas e endotoxinas, TNF-alfa e
interleucina 6.
A infecção pulmonar é a mais freqüente, em torno de 50%
dos casos, segundo Rolando et al.
Em 2º lugar, temos as bacteriemias e em 3º a infecção de
trato urinário. O principal agente infeccioso é Estafilo aureus,
E. coli e fungos (Candida albincans).
Estes pacientes apresentam neutropenia e incapacidade
de apresentar resposta pirogênica e leucocitose frente às
infecções. A antibioticoterapia de largo espectro deve ser
administrada precocemente.
Transplante de Fígado
O transplante hepático ortotópico constitui o tratamento
definitivo da IHAG.
Os critérios estabelecidos do King’s College Hospital são
os seguintes:
- TP > 100 segundos
- Pelo menos 3 dos seguintes critérios:
· Hepatite não A não B ou reação a drogas
· Icterícia acima de 7 dias antes da encefalopatia
· Idade < 10 anos ou > 40 anos
· TP > 50” / INR > 3.5
· Bilirrubina > 17.6 mg/dL
As contra-indicações ao transplante são as seguintes:
- PIC elevada associada a danos cerebrais
- hipotensão refratária
- AIDS (doença)
- doença cardiopulmonar avançada.
Suporte Hepático Artificial
Insuficiência Renal
Ocorre em cerca de 50% dos casos de IHAG. É mutifatorial:
hipovolemia, necrose tubular aguda, isquemia renal e síndrome
hepato-renal. Esta última ocorre principalmente na doença
hepática crônica.
Devido às dificuldades e complexidade que envolvem o
transplante hepático,surgiram opções terapêuticas que
podem ser uma “ ponte “ para o transplante. Tais medidas
melhoram o metabolismo, as funções de síntese e
desintoxicação.
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Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Tais medidas são:
Reagudização da HVB (“Frare”)
Hemodiálise
Plamaferese
Sistema de recirculação de adsorventes moleculares
Perfusão extra-corpórea com hepatócitos humanos ou
porcinos
Transplante de hepatócitos
Representa uma exacerbação aguda da infecção crônica
pelo VHB. È definido como elevação abrupta dos níveis de
ALT, pelo menos 3x os limites basais, associado a altos níveis
de HBV-DNA.
Pode levar à IHAG e morte. Pode ser espontânea ou após
retirada do tratamento farmacológico da HVB crônica, como
acontece na IHAG pela HVB.
Os casos de reagudização espontânea ocorrem mais
freqüentemente com pacientes HBeAg positivos,
precedendo a negativação do HBeAg. Nos pacientes
HBeAg negativos, a exacerbação aguda está associada ao
aumento da replicação viral, e geralmente relacionada à
reativação do HBeAg.
Nos casos ocorridos após a retirada de interferom, a
reagudização pode ser fator preditivo independente de
resposta virológica sustentada em pacientes com altos níveis
de HBV-DNA no pré-tratamento (acima de 100pg/mL)., segundo
Estudo de Nair e Perrillo.
Nos casos de flare após retirada do tratamento com
lamivudina, segundo Estudo de Honkoop e col., a reintrodução
de lamivudina, nos pacientes que apresentaram icterícia,
mostrou benefício.
IHAG pelo VHB (Vírus da Hepatite B)
É a principal causa de IHAG em algumas regiões do
mundo.O quadro clínico da IHAG na infecção aguda é idêntico
aos casos de infecção crônica pelo VHB, portadores crônicos
do HBsAg.
Na infecção crônica, a IHAG ocorre nas seguintes
situações:
- reativação da doença crônica
- perda espontânea do HBeAg com soroconversão para antiHbe
- associação da HVB a outras infecções agudas: HVA, HVC,
HVD.
Na IHAG pelo VHB ocorre resposta imune exacerbada,
levando a rápida eliminação do VHB, desencadeando necrose
hepática maciça.
Os pacientes com HVB crônica que apresentam maior risco
de desenvolver IHAG são aqueles que evoluem com
reativação grave da doença, que pode ser após a retirada do
tratamento farmacológico (interferon ou anti-virais). Ocorre
também naqueles pacientes com doença avançada.
Diagnóstico
Na HVB fulminante, ocorre rápido clareamento viral,
dificultando o diagnóstico etiológico. Nos casos de HVB
aguda,encontra-se altos níveis de anti-HBc IgM. Os outros
marcadores sorológicos, como HBsAg e HBeAg, geralmente
estão negativos. Nestes casos, encontramos apenas o HBVDNA no sangue ou no tecido hepático, pela técnica de PCR
(reação de cadeia de polimerase).
Os níveis de HBV-DNA podem ser baixos ou indetectáveis,
devido à ausência de hepatócitos viáveis que possam
sustentar a replicação viral. Nestes casos, estamos diante da
infecção oculta pelo VHB.
Tratamento com Lamiduvida na Descompensação Hepática
Num Estudo, Chien et al. mostrou que o tratamento com
lamivudina da reagudização de HVB, nos pacientes com níveis
de bilirrubina (Bb) pré-tratamento < 20mg/dL,pode evitar a
fatalidade.naqueles pacientes com níveis de Bb pré-tramento
acima de 20mg/dL, o tratamento com lamivudina não mostrou
benefício.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
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Terapia da Hepatite B Crônica: Como e Quando? Pacientes Virgens de Terapia
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo1, Antônio Alci Barone2
Assistente-Doutor da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do HC-FMUSP, Médico do Ambulatório e
Laboratório de Hepatites/LIM 47 DMIP-HC-FMUSP; 2Professor Titular da Disciplina de Moléstias Infecciosas e
Parasitárias da FMUSP, Chefe da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do HC-FMUSP e do Ambulatório e
Laboratório de Hepatites/LIM 47 do DMIP HC-FMUSP
1
O Vírus da Hepatite B (VHB) possuí duas formas
clinicamente relevantes, selvagem e mutante (pré-core, corepromoter e induzidas pela terapia). Após a infecção, 3 a 5%
dos adultos e até 95% das crianças infectadas vão se tornar
portadores crônicos do VHB e, portanto, potenciais candidatos
à terapia. A hepatite B crônica caracteriza-se pela positividade
do HBsAg por mais de seis meses, HBV-DNA sérico >20.000
UI/mL, ALT/AST persistente ou transitoriamente elevadas e
uma biópsia hepática evidenciando hepatite crônica.De forma
prática, os candidatos à terapia podem ser alocados no
subgrupo Hepatite B crônica HBeAg positivo (HBeAg+ e
Anti HBe -) e HBeAg negativo (HBeAg- e AntiHBe+). Esse
subgrupo pode, ainda, se dividir em HBeAg negativo com
ALT normal (carreador inativo do HBsAg) e HBeAg negativo
com ALT alterada, onde temos as formas mutantes. Tanto o
HBeAg, quanto o HBV-DNA, se correlacionam com replicação
viral que, por sua vez, se associa com a progressão da doença.
Portanto, a razão da terapia é impedir a progressão da doença
pela soroconversão HBeAg+ para HBeAg- e a redução do
HBV DNA .
Terapia da Hepatite B Crônica
O principal objetivo da terapia, como já referido, é reduzir,
e manter baixo, ao menor nível possível, o HBV DNA. Por
conseguinte, obtém-se a melhora histológica e a normalização
da ALT. Nos pacientes HBeAg+, a reversão para negatividade
é ainda mais desejada pois, quando ocorre, está associada a
um benefício duradouro que se mantém após o término da
terapia. A perda do HBsAg é um objetivo raramente atingido.
Um critério a se considerar ao definir o tipo de terapia é a
análise da epidemiologia da população em questão. Em um
paciente com aquisição perinatal – comum em asiáticos – há
um padrão de tolerância imune caracterizado por persistência
do HBeAg, ALT pouco elevada ou normal e HBV DNA
elevado. Alguns podem desenvolver, após décadas, algum
grau de resposta, com elevações persistentes ou intermitentes
de ALT e negativação do HBeAg, sem no entanto, reduzir o
risco de desenvolver uma forma crônica HBeAg-. Um segundo
padrão é caracterizado pela transmissão na infância, pelo
convívio social – padrão Mediterrâneo, Africano. As crianças
apresentam HBeAg+ com ALT elevada e eventual
soroconversão na adolescência. Finalmente, um terceiro
padrão – ocidental – caracteriza-se pela aquisição na vida
adulta e elevados níveis de ALT e HBV DNA, refletindo uma
resposta imune vigorosa, baixo risco de cronicidade e melhor
resposta à terapia.
Embora nem sempre fidedignos e correlacionados com o
grau de lesão hepatocítica, também devemos considerar os
níveis de ALT/AST (em conjunto com o nível de HBV DNA e
a idade) ao definir pela terapia. ALT elevada constituí-se num
preditor de resposta sorológica (perda ou conversão do
HBeAg). Pacientes com ALT normal porém, com HBV DNA ≥
104 UI/mL, em particular se maiores que 35 a 40 anos, devem
ser submetidos a uma biópsia hepática e avaliar o grau de
fibrose e atividade inflamatória presente. Se houver lesão
significativa, merecem tratamento. HBV DNA ≥ 104 UI/mL e
ALT elevada, independentemente da biópsia, merecem terapia.
Vale ressaltar que o limite superior do normal para ALT deve
ser mais baixo que os estabelecidos por várias instituições.
Assim valores de 30 UI/mL para homens e 19 UI/mL para
mulheres são recomendáveis quando se avalia a indicação de
terapia [1].
O nível de HBV DNA relevante deve ser discutido e
considerado. Sabemos que existem flutuações do HBV DNA
ao longo do tempo, porém, o limite de HBV DNA associado
com a progressão da doença é desconhecido - e níveis abaixo
de 20.000 UI/mL podem representar níveis elevados de
cccDNA e HBV DNA intra-hepático, bem como manter o risco
de progressão para o CHC. Há uma correlação direta dos níveis
de HBV DNA – e sua alteração – com marcadores de atividade
da doença (estadiamento histológico, resposta sorológica e
bioquímica). Pacientes HBeAg+ tendem a possuir maiores
níveis de HBV DNA (105 a 108 cp/mL) que pacientes HBeAge,devido as flutuações, pacientes HBeAg- com ALT normal,
deveriam ser monitorados seriadamente para diferenciá-los
entre carreadores sadios ou portadores de hepatite crônica
HBeAg-. A fim de padronizar as medidas, os resultados devem
ser expressos em UI/mL, sendo que cada UI equivale a,
aproximadamente, 5 cópias (5,6 cópias). Assim, um resultado
em cópias/mL deve ser dividido por 5 para sua conversão em
UI/mL.
Finalmente, o genótipo viral pode influenciar na decisão
da terapia. Dados preliminares sugerem que os genótipos A e
B possuem maiores taxas de resposta ao Interferon, em
particular a soroconversão HBeAg do genótipo A após terapia
com Interferon peguilado alfa 2a e maior taxa de perda do
HBeAg após o uso do Interferon peguilado alfa 2b nos
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54
Sociedade Brasileira de Infectologia
genótipos A e B. Os antivirais aparentemente não são
influenciados pelos genótipos. A utilização rotineira da
genotipagem nos parece ainda uma recomendação prematura.
Estabelecidas as questões epidemiológicas, bioquímicas e
virológicas, os esquemas propostos para a terapia,
considerando as drogas licenciadas, encontram-se resumidos
nas Tabelas 1 a 3 e no Fluxograma 1.
Tabela 1. Pacientes HBeAg positivos [adaptado 1]
HBV DNA
ALT
Normal
Normal
≥ 20.000 UI/mL
Elevada
Monitorar a cada 6-12 meses*
Considerar terapia baseado em
biópsia**
Terapia ***
* No primeiro ano a cada 3 meses. ** Biópsia principalmente em
pacientes com mais de 35-40 anos. Se terapia: Interferon ou
PegInterferon. Pacientes com carga viral elevada preferir Adefovir ou
Entecavir. *** Interferon ou PegInterferon. Pacientes com carga viral
elevada preferir Adefovir ou Entecavir.
Tabela 2. Pacientes HBeAg negativos [adaptado 1]
ALT
Recomendação Terapêutica
< 20.000 UI/mL
Normal
≥ 20.000 UI/mL
Normal
≥ 20.000 UI/mL
Elevada
Monitorar a cada 6-12 meses*
(carreador inativo)
Biópsia para definir terapia ou
monitorar ALT**
Terapia ***
* No primeiro ano a cada 3 meses. ** Se terapia: PegInterferon ou
Entecavir, ou Adefovir. ***PegInterferon, ou Entecavir ou Adefovir.
Tabela 3. Pacientes cirróticos [adaptado 1]
HBeAg
+/+/+/-
HBV DNA
< 2.000 UI/mL
Entecavir. Outras drogas estão em desenvolvimento
(Emtricitabina, Tenofovir, Telbivudina, Clevudina) ou podem
ser utilizadas em situações de co-infecção com o HIV,
quando serão discutidas [3-8]. A associação do Interferon
Peguilado alfa-2b com a Lamivudina não foi superior à
monoterapia com Peguilado [9], razão pela qual a associação
não é considerada uma opção na terapia dos virgens de
tratamento. A Tabela 4 faz uma comparação entre os
diferentes medicamentos aprovados para terapia da
Hepatite B.
Recomendação Terapêutica
< 20.000 UI/mL
≥ 20.000 UI/mL
HBV DNA
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Cirrose Recomendação Terapêutica
C*
Monitorar ou tratar
(Adefovir ou Entecavir)
≥ 2.000 UI/mL
C
Adefovir ou Entecavir
Qualquer
Em lista Associação Lamivudina +
detecção
(Tx)
Adefovir (ou Entecavir)
* C=compensada.
Pacientes com mau e bom perfil são definidos de forma
algo subjetiva, sendo os de mau perfil os cirróticos, mais
idosos, portadores de co-morbidades e alta carga viral.
Existem atualmente cinco drogas aprovadas para a
terapia da Hepatite B crônica em pacientes monoinfectados
pelo VHB [2]. São elas o Interferon alfa, o Interferon
Peguilado alfa 2a e os antivirais Lamivudina, Adefovir e
Prevenção da Resistência aos Antivirais
A utilização de antivirais possuí como conseqüência o
potencial aparecimento de resistência ao VHB, conforme
demonstrado na Tabela 5.
A caracterização da resistência se dá pelo incremento
do DNA do VHB – 1 log10 em relação ao nadir obtido –
caracterizando o breakthrough virológico, seguida da
elevação da ALT (breakthrough bioquímico) e,
eventualmente, da reversão dos benefícios histológicos e
progressão e/ou exacerbações da doença hepática. As
mutações associadas à terapia podem ser diagnosticadas
de forma genotípica ou fenotípica, sendo identificadas
mutações na polimerase ou transcriptase reversa viral [1,10].
As principais, são:
YMDD (polimerase): mutação da polimerase viral com
alteração do sítio de atividade, conferindo resistência a
certos antivirais. Induzida por pressão seletiva de análogos
nucleosídeos (p.ex. Lamivudina, Emtricitabina).
Transcriptase reversa: A181V/T e/ou N236T – confere
resistência ao Adefovir; I169, T184, S202, M250 – confere
resistência fenotípica ao Entecavir em pacientes
previamente expostos a Lamivudina e resistentes à mesma.
A prevenção da resistência se dá pela utilização de
agentes potentes com uma elevada barreira genética a
resistência, alteração do esquema se a resposta precoce for
inadequada, evitando-se monoterapia seqüencial e com a
associação de compostos, promissora, se não como sinergia,
potencialmente como estratégia para evitar a resistência.
O aparecimento da resistência pode ser avaliado
precocemente pelo tipo de resposta virológica precoce.
Assim uma queda da carga viral nos primeiros seis meses
de terapia maior que 4 log10 se associa, habitualmente, como
boa resposta e pequena chance de aparecimento de
resistência ao término de um ano, como demonstrado, p.ex.,
com a Telbivudina, mas aplicáveis aos demais antivirais
[11].
A resistência viral é um tema que será objeto de
discussão no próximo capítulo.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
55
Fluxograma 1. Esquema terapêutico a partir do status do HBeAg [3,6]
HBeAg
Positivo
Bom Perfil
Negativo
PegIFN
Entecavir(1) Adefovir(2)
Mau Perfil
IFN
PegIFN
Adefovir
Entecavir
Tabela 4. Comparação entre os medicamentos aprovados para terapia da Hepatite B [adaptado 1]
IFN (vs.
não-terapia)
12-24S
PegIFNa2a
(vs. Lamivudina)
48 sem
Lamivudina
(vs. placebo)
52 sem
Adefovir
(vs. placebo)
48S
Entecavir
(vs. Lamivudina)
48S
Perda HBV DNA
Perda HBeAg
37%(17%)
33%(12%)
25%(40%)
30%(22%) S48
34%(21%) S72
44%(16%)
32%(11%)
67%(36%)
22%(20%)
Soroconversão
HBeAg
18%
27%(20%) S48
32%(19%) S72
16-18%(4-6%)
50% com 5 anos
23%
Sem dado
Não
39%(62%)
38%(34%) S72
Não
41-72%(7-24%)
49-56%(23-25%)
14% a 65% 5 anos
21%(0)
24%(11%)
46% S96
53% S144
12%(6%)
33%S96
46%S144
48%(16%)
53%(25%)
0%1ano,
Parâmetro
Normalização ALT
Melhora histológica
Resistência
Durabilidade da
soroconversão
Terapia tempo-finito
Tolerância
Posologia
Via de administração
21%(18%)
68%(60%)
72%(62%)
0% anos 1 e 2
2% 2 anos,
15% 4 anos
91% na semana 55 82% na semana 24
80-90% em 5 anos
Não disponível
77% aos 37 meses
Sim
Efeitos adversos
5M/dia ou
10M/TIW por
16 semanas
SC
Sim
Efeitos adversos
180 mcg/sem
48 semanas
?
Boa
100 mg dia
?
Boa
10 mg dia
?
Boa
0.5 mg dia
SC
VO
VO
VO
Tabela 5. Aparecimento de resistência aos antivirais [adaptado 1]
Medicamento
Lamivudina
Adefovir
Entecavir (virgem LAM)
Entecavir (LAM prévia)
Ano 1
Ano 2
Ano 3
Ano 4
Ano 5
24%
0%
0%
7%
42%
3%
0%
9%
53%
11%
ND
ND
70%
18%
ND
ND
ND
29%
ND
ND
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56
Sociedade Brasileira de Infectologia
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
57
Abordagem Terapêutica Seqüencial dos Pacientes
com Hepatite B Crônica Submetidos a Tratamento Prévio
Fernando Lopes Gonçales Junior
Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da FCM-UNICAMP, Professor Livre Docente em Infectologia,
Coordenador do Grupo de Estudo das Hepatites, Disciplina de Doenças Infecciosas-Departamento de Clínica Médica,
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
Para tratar-se adequadamente pacientes já experenciados
com hepatite B é necessário estabelecer-se algumas premissas
iniciais.Nos últimos anos várias entidades médicas
internacionais têm patrocinado encontros buscando
estabelecer guidelines para melhor diagnosticar e tratar os
pacientes com infecção crônica pelo virus da hepatite B (VHB.
Estes guidelines têm sido periódicamente revistos, ampliados
e adaptados. Os principais guidelines são o da American
Association of Study of Liver Diseases-AASLD [1], o da
Conferência do National Institutes of Health [2], o Algoritmo
Americano [3] , o Consenso da European Association of Study
of Liver -EASL[4] e o Consenso da Asian Pacific Association
of Study of Liver- APASL [5]. Dada o recente registro de novas
drogas para tratamento da HVB, como o entecavir, por exemplo
o algoritmo de tratamento dos EUA foi recentemente revisado
pelos autores [6] (Tabela 1).
De maneira geral todos os guidelines preconizam que
devem estar presentes uma combinação de alterações
laboratoriais bioquímicas (nível de ALT), sorológicas
(presença ou ausência do HBeAg), moleculares (positividade
e nível plasmático do DNA-VHB) e histopatológicas(grau das
alterações necro-inflamatórias, estágio de fibrose e presença
ou ausência de cirrose).
Na Tabela 2 estão sumarizadas as recomendações básicas
para uma adequada abordagem terapêutica inicial dos
pacientes com hepatite B [1,7].
Como se nota a presença ou ausência do HBeAg e os
níveis de ALT têm um papel fundamental na indicação
terapêutica inicial. Talvez mais do que em outras doenças , na
hepatite B crônica , é muito importante nesta abordagem
terapêutica inicial definir a droga a ser utilizada
(imunomodulador ou antiviral), o tempo de terapia, que pode
sere finito ou infinito e estabelecer um adequado follow-up
buscando manter o paciente sob controle e identificar
possiveis complicações de longo prazo como o carcinoma
hepatocelular , por exemplo.
Diferentemente dos níveis de ALT e da presença ou
ausência do HBeAg , ainda existe muita controvérsia sobre o
real significado prático da pesquisa do DNA-VHB para guiar
a terapêutica. Os guidelines existentes apontam diferentes
níveis do DNA-VHB, por diferente métodos moleculares que
seriam indicativos de início de terapêutica. Para pacientes
HBeAg positivos este cut-off deveria ser de 105 cópias/mL e
para pacientes HBeAg (-) de 104 cópias/mL [3]. Segundo outros
este cut-off deveria ser de 4-5 log10 [7]. Revisão bastante recente
considera que para pacientes HBeAg positivos este corte
seria da ordem de 20.000 UI/mL [6]. Estes autores consideram
que 1 UI/mL seria aproximadamente = 5,6 cópias/mL.
O significado das flutuações dos níveis do DNA-VHB, ao
longo do tempo, seja em pacientes evoluindo naturalmente
ou em pacientes recebendo terapia específica, também tem
sido bastante discutido.A relação entre níveis séricos do DNAVHB e desenvolvimento de hepatocarcinoma foi avaliada em
um estudo recentemente publicado [9]. Neste estudo, realizado
em Taiwan, de base populacional, prospectivo, foram seguidos
3653 pacientes HBsAg (+) por longo tempo. Ao final, observouse que elevadas concentrações séricas do DNA-VHB (≥ 10
000 cópias/mL) são preditivas de carcinoma hepatocelular,
independentemente do HBeAg, da ALT sérica e da presença
de cirrose hepática.Estudos realizados no Senegal também
observaram um maior risco do desenvolvimento de carcinoma
hepatocelular entre portadores do VHB com altos níveis séricos
do DNA-VHB [10]. Baseados nisto, alguns autores começam
a colocar em discussão a possibilidade de tratar-se pacientes
com DNA-VHB elevado no soro, mesmo que não se
acompanhe de elevações de ALT. Por outro lado , as críticas
ao amplo estudo de Taiwan dizem respeito à metodologia
empregada, pois, não houve um seguimento da carga viral do
VHB nos pacientes ao longo do tempo, mas sim, apenas, uma
medida basal inicial [9]. Além disto , com o perfil de resistência
das drogas atualmente disponíveis (antivirais), na verdade,
seriam utlizadas terapias sequenciais que atuando na mesma
enzima, facilitariam a emergência de cepas resistentes em curtomédio espaço de tempo.Consideramos, portanto que no
momento, pacientes que apresentam apenas elevações séricas
do DNA-VHB não devem receber terapêutica até que
disponhamos de outros agentes que associados aos atuais
possam realmente manter uma supressão prolongada do DNAVHB no sentido de diminuir-se a evolução para o carcinoma
hepatocelular.
Na prática clínica , muitas vezes, os pacientes apresentam
peculiaridades que devem ser cuidadosamente avaliadas para
decidir-se sobre o início , a manutenção , a substituição ou a
combinação dos antivirais.Em suma, devem ser tratados:
1. Todos os pacientes com aumentos de ALT > 2 x LSN;
2. Em pacientes maiores de 35 anos, com doença antiga, com
altos níveis séricos da ALT(>104 UI/mL) a biópsia hepática
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Tabela 1. Principais guidelines internacionais para o tratamento da hepatite B
Guideline
Ano
AASLD (EUA)
Conferência do NIH
Algoritmo EUA
EASL (Europa)
APASL (Ásia)
Autores
2001/2004
2000/2001
2004/2006
2003
2003
Lok ASF & MacMahon BJ
Lok ASF et al.
Keeffe EB et al.
de Franchis R et al.
Liaw YF et al.
Referências
1
2
3/ 6
4
5
Tabela 2. Recomendações para tratamento inicial dos pacientes HBeAg (+) (adaptado das referências 6 e 7)
HBeAg
Positivo
Positivo
Negativo
Negativo
Cirrose compensada
HBeAg (+) ou (-)
Cirrose compensada
HBeAg (+) ou (-)
Cirrose descompensada
HBeAg (+) ou (-)
DNA-VHB
> 5 log10 (UI/mL)*
ALT**
Positivo
Positivo
Negativo
Positivo
< 2 000 UI/mL*
= 2 x LSN
> 2 x LSN
≤ 2 x LSN
> 2 x LSN
-
≥ 2 000 UI/mL
-
< 200
-
Recomendações
Não tratar/ monitorar ALT e DNA-VHB a cada 3-6 meses
Tratar (IFNs- ADV-ETV)# LAM ?
Não tratar/ monitorar ALT e DNA-VHB a cada 6-12 meses
Tratar (IFNs- ADV-ETV)***
Tratar ou observar
Preferir ADV ou ETV
Tratar (ADV ou ETV)
Considerar terapia combinada
Tratar (LAM ou ETV +ADV)
Referir para Tx hepático
* 1 UI/mL ≈ 5,6 cópias/mL. **LSN=Limite Superior da Normalidade. *** Lamivudina não deve ser considerada dado o longo tempo de terapia
para pacientes HBeAg(-). #IFNs = interferon convencional ou peguilado; ADV= adefovir dipivoxil; ETV=entecavir; LAM=lamivudina
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
deve ser considerada e se houver doença hepática (fibrose
estagio ≥ 2 ou necro-inflamação significante) os mesmos
devem ser tratados;
Pacientes que em um dado momento apresentarem ALT
normal devem ser monitorados para detectar elevações da
mesma e serem então convenientemente tratados;
Pacientes que apresentarem flutuações dos níveis de ALT
e do DNA-VHB no seguimento, devem realizar biópsia
hepática, sendo indicado tratar os que apresentarem
inflamação moderada/intensa e/ou os que apresentarem
fibrose em ponte ou cirrose;
O entecavir e o adefovir apresentam melhores perfis de
resistência e devem ser preferidos à lamivudina para
terapêutica de longo prazo ou prazo indefinido;
A terapia combinada de lamivudine ou entecavir com o
adefovir teria o benefício de reduzir o desenvolvimento de
resistência à ambas as drogas;
Pacientes com cirrose não devem receber tratamento com
interferon convencional ou peguilado;
Pacientes com cirrose compensada mesmo com pequenas
elevações do DNA-VHB (≥ 2 000 UI/mL) devem ser
tratados, cabendo ao médico a decisão de tratar ou apenas
monitorar os pacientes com DNA-VHB < 2 000 UI/mL;
Todos os pacientes com cirrose descompensda devem
ser tratados mesmo que apresentem ALT normal ou DNAVHB muito baixo;
10. O tempo de tratamento dos cirróticos é longo e totalmente
indefinido.
Quem Seriam os Pacientes Experenciados que Deveriam ser
Tratados ou Tetratados?
Se convenientemente abordados no tratamento inicial a
terapêutica substitutiva , combinada ou sequencial se
justificaria nos não-respondedores aos inteferons, nos não
respondedores aos antivirais e nos que desenvolvem
resistência aos antivirais inicialmente prescritos. A abordagem
a ser discutida aqui é eminentemente clínica , dadas as
dificuldades e a total ausência de testes específicos , no
momento, em nosso meio e na maioria dos países que sejam
rotineiramente utilizados para a tomada de decisões. Na Tabela
3 estão colocados os principais resultados comparando as
drogas aprovadas patra o tratamento da HVB crônica em
pacientes HBeAg positivos. Como a maioria dos pacientes ,
em nossso meio, foram ou estão sendo tratados com interferon
convencional , lamivudina ou adefovir abordaremos as opções
terapêuticas dos pacientes não respondedores ou resistentes
a estes medicamentos.
Quando um paciente recebe tratamento com interferon
convencional ou peguilado e não apresenta resposta
terapêutica deve ser retratado com os antivirais. A escolha
deve ser baseada em algumas propriedades como:
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
59
Tabela 3. Resultados da terapia com os interferons e antivirais nos pacientes HBeAg(+). (adaptado da referência 6)
Parâmetros
Perda do DNA-VHB
Redução do
DNA-VHB
Perda do HBeAg
IFN 12-24 semanas
PEG-IFN α-2a
48 semanas
Lamivudina
52 semanas
Adefovir
48 semanas
Entecavir
48 semanas
37%
-
25%
4,5 log10
44%
-
21%
3.52 log10
67%
6,9 log10
33%
30% (48 sem)
34% (72 sem)
32%
22%
21%
Soroconversão do
HBeAg
18%
27% (48 sem)
32% (sem 72)
16-18%
50% (5anos)
Perda do HBsAg
11-25%
(5 anos)
23%
3% (sem 72)
-
24%
46% (sem 96)
53% (sem144)
12%
33% (sem 96)
46% (sem 144)
-
39%
41-72%
48%
68%
não
38%(sem72)
não
49-56%
14%
69%(5 anos)
53%
0%(1 ano)
2%(2 anos)
15%(4 anos)
72%
0%(2 anos)*
Duração da soroconversão do HBeAg
80-90%
(4-8 anos)
-
77%(3anos)
Tempo de tratamento
definido
Doses
sim
sim
?
91%
(55 semanas)
?
82%
(semana 24)
?
10 MU 3x sem
16-24 semanas
180 mcg/ sem
48 semanas
100 mg
10 mg
0,5 mg
Normalização da
ALT
Melhora histológica
Desenvolvimento
de resistência
2%
Tabela 4. Incidência de resistência do VHB aos antivirais de acordo com o tempo de tratamento (adaptado da referência 6)
Drogas
Lamivudinaa
Adefovirb
Entecavir
Pacientes virgens de tratamentoc
Entecavir
Pacientes resistentes à lamivudinac
Ano 1
Ano 2
Ano 3
Ano 4
Ano 5
24%
0%
42%
3%
53%
11%
70%
18%
29%
0%
0%
?
?
?
7%
9%
-
-
-
(a)Liaw Y.F., et al.Gastroenterology 2000;119:172-80. (b)Hadziyannis S., et al. Hepatology 2005;42:754A. (c) Colonno
R., et al. Hepatology 2005;42:573-4A.
1. a atividade antiviral do composto;
2. a capacidade do mesmo em promover a negativação e/ou
a soroconversão do HBeAg (pacientes HBeAg positivos);
3. a capacidade em promover a negativação ou diminuir os
níveis do DNA-VHB (pacientes HBeAg positivos/
negativos);
4. a capacidade de promover a negativação do HBsAg com
a consequente positivação do anti-HBsAg;
5. a capacidade de normalizar a ALT e promover a melhora
histológica.
Além destas características deve-se buscar drogas que se
associem a um menor desenvolvimento de resistência. As
drogas devem , ainda, serem capazes de induzir uma resposta
terapêutica durável e, se possíivel , apresentarem tempo de
tratamento definido e de preferência serem de baixo custo. É
claro que esta droga ideal não existe na atualidade. A Tabela 3
permite conhecer as qualidades e limitações dos medicamentos
disponíveis. Nota-se que os interferons , embora tenham tempo
de tratamento definido,são capazes de promover 25-37% de
soroconversão. Os que não alcançam a soroconversão para o
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60
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anti-HBeAg (maioria) devem ser retratados com os antivirais
atualmente registrados.
Para pacientes com hepatite B e que são HBeAg negativos
algumas considerações são importantes. Diferentemente do
que ocorre com os pacientes HbeAg (+), para os pacientes
HBeAg negativos não estão bem definidos os end-points do
tratamento.A soroconversão para o anti-HBeAg ,por exemplo
, não pode ser utilizada pela negatividade do HBeAg nestes
pacientes. Inicialmente há uma boa reposta com queda da
carga viral (cerca de 50% dos pacientes), com o DNA-VHB
tornando-se indetectável e com normalização dos níveis da
ALT sérica. A ocorrência de recaídas, no entanto, é bastante
freqüente ao interromper-se a terapêutica após um ano (7090% dos casos). Por isto, nestes pacientes, são necessários
tratamentos longos, talvez pela vida toda. A positividade do
HBsAg deve ser monitorizada anualmente quando se usa
lamivudina, adefovir ou entecavir e ao final da terapêutica
quando se utiliza alguma das formulações do interferon. A
terapia será suspensa nos pacientes que negativarem o
HBsAg. O tempo de terapia com o interferon convencional
tem variado de 6-12 meses, com alguns pesquisadores
recomendando aumentar este período para cerca de 1-2 anos,
no mínimo. Não existem avaliações objetivas sobre estes
intervalos. A toxicidade e os efeitos colaterais são as maiores
dificuldades encontradas para levar-se a cabo estas
recomendações. Neste contexto, ganha força a opção pelos
nucleosídeos/nucleotídeos análogos. A opção pela
lamivudine, que até pouco tempo atrás, era a única
possibilidade traz consigo o problema do desenvolvimento
de resistência do tipo YMDD que chega a 50% após 3 anos de
tratamento. Este é um problema sério porque os pacientes
HBeAg (-) necessitam vários anos de tratamento. O adefovir
dipivoxil se associa à menores taxas de resistência genotípica
(3% após 2 anos) e por isto tornou-se uma melhor opção que
a lamivudine para pacientes HBeAg (-). Em relação ao
entecavir, que é a mais nova opção terapêutica para pacientes
com HVB, não foi observado o desenvolvimento de resistência
viral até 96 semanas em pacientes naives [11]. No entanto,
cerca de 9 % de casos que já eram lamivudine-resistentes
mostraram mutações virais capazes de conferir resistência
genotípica ao entecavir. Estes aspectos devem ser considerado
quando se decide utilizar lamivudine em pacientes com HVB,
particularmente nos casos HBeAg (-) que, via de regra, vão
ser tratados por longos períodos aumentando o risco de
mutações de resistência
A Abordagem da Resistência Antiviral
O desenvolvimento de resistência se associa com a perda
da resposta inicialmente obtida. Do ponto de vista clínico
observa-se : aumento do DNA-VHB , aumento da ALT sérica,
eventual reversão da melhora hepática obtida e ocorrência de
descompensação hepática principalmente nos cirróticos. A
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
doença progredindo pode produzir “flares” intensos de ALT.
A resistência genotípica se caracteriza pela detecção de
mutações na polimerase do VHB, através do sequenciamento
dos produtos da PCR. O breakthrough virológico se
caracteriza por uma elevação no DNA-VHB sérico > 1 log10 em
pacientes sob terapêutica contínua. O breakthrough
bioquímico (flares) se caracteriza por uma nova elevação de
ALT em pacientes sob tratamento que haviam obtido
normalização da mesma. A resistência fenotípica é confirmada
por ensaios baseados em culturas de células ou ensaios
enzimáticos não utilizados rotineiramente [6].
Para evitar-se a resistência antiviral deve-se utilizar agentes
com alta barreira genética para resistência e modificar-se a
terapia se a inicialmente prescrita for sub-ótima. Considera-se
que os pacientes que não obtiverem resposta após 12-24
semanas (negativação do DNA-VHB) devem receber uma nova
droga, isolada ou associada à anterior [6].Deve-se evitar a
monoterapia sequencial e buscar-se usar terapias combinadas
tanto quando possivel.
A resistência à lamivudina é a mais bem estudada (Tabela
4). Costuma ocorrer em todos os pacientes com o passar do
tempo e é particularrmente grave nos cirróticos. Desenvolvese já no primeiro ano e progride rapidamente com a
continuidade do tratamento chegando a ser de 70% por volta
do quarto ano. Clinicamente ocorre elevação da ALT e do
DNA-VHB nos pacientes que estão recebendo a droga.O
sequenciamento detecta as mutações de resistência genotípica
(mais comum é a YMDD). Sabe-se que sómente 8% dos
pacientes que obtém supressão do DNA-VHB, para níveis
menores que 200 cópias/mL após 24 semanas de terapêutica,
desenvolvem resistência à lamivudina comparado com 13%
dos pacientes cuja carga viral decresce para 200-1000 cópias/
mL. A taxa de resistência aumenta para 32% para aqueles cujo
DNA-VHB fica entre 1000-10000 cópias/mL. Observa-se mais
de 64% de resistência à lamivudina nos pacientes com DNAVHB > 104 cópias/mL após 24 semanas de tratamento [12].
Pacientes com resistência à lamivudina podem apresentar
“ flares” de ALT mais intensos e um aumento na morbidade e
descompensações hepáticas após 4 anos de tratamento
continuado com a droga. A fibrose hepática , por sua vez,
tende a se acentuar com o tempo de duração da resistência à
lamivudina, embora possa ocorrer soroconversão para o antiHBeAg numa taxa menor do que a observada nos pacientes
sem resistência [13-16].
O adefovir tem-se mostrado efetivo em suprimir a replicação
do DNA-VHB (DNA-VHB < 1000 cópias/mL) em 79% dos
pacientes com hepatite B crônica, HBeAg negativa tratados
por 144 semanas [17]. Mutações de resistência genotípica ao
adefovir desenvolvem-se mais lentamente que as da
lamivudina, atingindo 3% ao redor do segundo ano (Tabela
4).
Em pacientes tratados com adefovir e que apresentaram
queda do DNA-VHB, para níveis <103 log10 cópias/mL, na
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
semana 48 de terapia , observou-se 4% de resistência na
semana 144. Este baixo porcentual de resistência sobe para
26% nos pacientes cuja carga viral na semana 48 permaneceu
entre 10 3 -106 log10 cópias/mL [18]. O adefovir tem se
mostrado uma droga muito útil parara tratar pacientes com
resistência à lamivudina. O uso sequencial destes agentes,
no entanto, poderia levar a resistência à ambos. Dados
recentes indicam que a combinação de lamivudina e
adefovir se associa a menor desenvolvimento de resistência
a ambas as drogas [6,19-21].Além disto, a adição do ADV à
LAM se associa com uma significante supressão nos níveis
de DNA-VHB nos pacientes com resistência à lamivudina
[12]. Resistência ao ADV não tem sido observada em
pacientes naives tratados com a combinação de ADV mais
emtricitabine ou lamivudina [21,22].Um maior período de
observação é necessário para conclusões mais
aprofundadas.
Em relação ao entecavir, não tem sido detectada resistência
em pacientes naives tratados por até 96 semanas [6,11]. A
resistência ao entecavir, no entanto, tem sido observada em
pacientes com resistência prévia à lamivudina que
desenvolveram mutações do tipo YMDD (cerca de 9%). A
maioria dos rebotes virológicos foi observada em pacientes
sob tratamento que não conseguiram reduzir o DNA-VHB
para < 104 cópias/mL [11].
Em suma, os pacientes com HVB que desenvolvem
resistência à lamivudina devem receber adefovir de
preferência combinado à lamivudina. Em estudo
recentemente publicado, sobre esta questão, os pacientes
com resistência à lamivudina não apresentaram aumentos
significativos da ALT sérica quando a mesma foi substituida
pelo adefovir ou quando foi a ele combinada em seguimento
de um ano [20]. Constatou-se recentemente, em outro estudo
que a combinação de adefovir com lamivudina produz uma
maior e mais consistente inibição do DNA-VHB sérico do
que o adefovir utilizado isoladamente [23]. Assim, pela maior
queda da carga viral , considera-se que a terapia combinada
é capaz de prevenir ou retardar o desenvolvimento da
resistência clínica [6,23] e deve ser fortemente considerada,
principalmente nos pacientes cirróticos. Se na resistência à
lamivudina ,a opção for pelo uso de entecavir , a lamivudina
deve ser descontinuada [6]. No futuro, o tenofovir que
atualmente não está registrado para o tratamento da hepatite
B, pode ser uma boa opção, combinado ou em substituição
à lamivudina.
Se ocorrer resistência ao adefovir, este, também, pode ser
substituído ou associado à lamivudina. O entecavir poderia
substituir o adefovir se não houver resistência prévia à
lamivudina. No futuro, o tenofovir pode ser uma boa opção
nos resistentes ao adefovir.Resistência ao entecavir pode
ser tratada pela combinação ou substituição pelo adefovir
ou pelo tenofovir, se este for registrado para o tratamento da
hepatite B.
61
Conclusão
Finalizando, na HVB crônica devem ser utilizados
agentes capazes de suprimir o DNA-VHB para o menor
nível possivel, para tentar-se prevenir ou pelo menos
retardar a emergência de cepas droga-resistentes.Nos
pacientes HBeAg positivos, tratados com antivirais, se
houver soroconversão para o anti-HBeAg o tratamento
deve ser mantido mais 6 meses e então descontinuado. Se
a soroconversão não ocorrer, o tratamento deve ser mantido
indefinidamente.Os end-points para descontinuar a
terapêutica nos pacientes HBeAg negativos não estão
completamente definidos, por isto a terapêutica deve ser
continuada indefinidamente. Nestes pacientes,sabe-se que
a continuação da terapêutica pode produzir melhora
histológica substancial. Na resistência à lamivudina
,quando se optar pela associação com o adefovir, alguns
consideram deva a mesma ser mantida por pelo menos 3-6
meses para evitar-se a re-emergência das cepas selvagens
que são lamivudina sensíveis. A emergência de resistência
aos antivirais na HVB pode se associar a exacerbações da
hepatite, descompensação e piora da doença hepática. A
criteriosa seleção dos agentes no tratamento inicial e suas
substituições ou combinações à posteriori, são
fundamentais para evitar ou retardar o desenvolvimento
de resistência isolada ou cruzada entre os medicamentos
disponíveis.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
63
Tratamento da Hepatite D
José Carlos Ferraz da Fonseca
Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas - Faculdade de Ciências da Saúde- Disciplina de Doenças
Infecciosas e Parasitárias1. Especialista em Hepatologia (Sociedade Brasileira de Hepatologia)
Partindo do pressuposto que não existe o estado de
portador inativo do vírus da hepatite D (VHD) e que todo
paciente com hepatite crônica D deva ser considerado como
potencial candidato ao tratamento, o sucesso da terapêutica
para a infecção crônica pelo VHD estaria baseado nos
seguintes parâmetros: supressão sustentada da replicação
do VHD, remissão histológica da doença hepática e melhora
do processo clínico. Além do problema da infecção pelo VHD,
deve-se levar em consideração o papel do vírus da hepatite B
(VHB) na resposta deste tratamento, ou seja, qualquer
indicação terapêutica teria que complementar ambos os vírus.
Portanto, a negativação do antígeno de superfície do vírus da
hepatite B (HBsAg) com soroconversão para o anti-HBs teria
um papel importante, imprescindível mesmo, como resultado
final do sucesso no tratamento da hepatite crônica D.
Tratamento da Hepatite D Aguda
O tratamento da hepatite D aguda requer apenas
monitorização dos parâmetros clínicos e bioquímicos de função
hepática. Tal monitoramento teria a finalidade de detectar a
progressão para hepatite fulminante. Se o paciente evoluir
para hepatite fulminante, o transplante hepático é o único
tratamento indicado.
No tratamento das formas fulminantes de hepatite B e Delta
(coinfecção), o Foscarnet (trisodium phosphonoformate) foi
administrado com relativo sucesso em três pacientes, todos
se recuperaram. Esta droga teria um efeito inibitório na
resposta imune e experimentalmente seria capaz de inibir in
vitro a síntese do HBV-DNA. Paradoxalmente, estudos in vitro
revelaram que o Foscarnet não inibiria a replicação do VHD. É
provável que a recuperação dos três pacientes deva ter
ocorrido por outros fatores e não pela ação do foscarnet.
Interferon alfa 2c recombinante foi administrado em nove
pacientes que evoluíram para hepatite fulminante D na
Espanha. Oito morreram e o único sobrevivente evoluiu para
hepatite crônica D e cirrose hepática, apesar de ter sido
prolongado o tratamento com interferon alfa 2c por mais três
meses.
Tratamento da Hepatite D Crônica
Nas formas crônicas de hepatite pelo VHD, a presença do
anticorpo da classe IgM contra o VHD (anti-HD IgM) no soro
estaria associada à replicação viral persistente e à lesão
hepática. Quando reativa, a fração anti-HD IgM pode ser
utilizada como marcador sorológico na monitorização do
tratamento da hepatite crônica D, seja com drogas, como por
exemplo o Interferon, ou pós-transplante hepático. A
negativação do ácido ribonucléico do vírus da hepatite D
(HDV-RNA) e a normalização da ALT ao fim do tratamento
seriam consideradas como resposta virológica e bioquímica ao
tratamento da hepatite crônica D. Todavia, além da negativação
do HDV-RNA e normalização da ALT, a resposta virológica
sustentada ao tratamento estaria baseada na regressão da lesão
hepática, negativação do HBsAg e soroconversão para antiHBs. Não existe até o presente momento qualquer informação
científica sobre a influência dos genótipos do VHD na resposta
terapêutica ao Interferon.
O Interferon alfa tem sido a única opção viável no tratamento
das hepatites crônicas pelo VHD, já que o uso de outras drogas
imuossupressoras (corticóide, azatioprina), imunoestimuladoras
(levamisole) e antivirais, como a Ribavirina, Famciclovir e
Lamivudina apresentou resultados não satisfatórios. Estudos
recentes sugerem que a ineficácia da terapêutica com Lamivudina
entre pacientes portadores de hepatite crônica D deve-se ao fato
da não negativação do HBsAg, apesar da redução da replicação
do VHB que a referida droga ocasiona. O VHD apresenta-se
biologicamente como o único agente satélite e subviral humano
que depende exclusivamente da “função ajuda” provida pelo
ácido desoxirribonucléico do VHB (HBV-DNA) e de seu
respectivo envelope de proteínas, o HBsAg, para completar o
seu ciclo biológico, ou seja, de replicação, de transmissão, de
infectividade, de penetração e replicação exclusiva nos
hepatócitos.
Considerando a rápida progressão da infecção Delta para
a forma crônica de hepatite, o único fator preditivo e
determinante da resposta ao IFN seria o tempo de duração da
infecção por este vírus. Portanto, quanto mais precoce o
diagnóstico e o início da terapêutica com o IFN, melhor o
valor determinante da resposta.
Na tentativa de uma resposta clínica, bioquímica,
histológica e virológica à infecção pelo VHD, altas doses de
IFN foram utilizadas no tratamento da hepatite crônica Delta.
Neste sentido, estudo controlado e realizado com altas doses
de Interferon alfa 2a, 9 milhões de unidades internacionais (9
MUI), três vezes por semana, por um período de sete meses,
revelou que, apesar dos níveis de aminotransferases
apresentarem-se normais durante o seguimento, da não
detectação do HDV-RNA e da melhora histológica (redução
da necrose periportal), a recaída do processo foi um fato
comum após o final do tratamento.
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64
Sociedade Brasileira de Infectologia
Estudos controlados com uso do Interferon alfa 2a (18 MUI/
diariamente) versus 3 MUI (diariamente) indicaram que, nos
pacientes tratados com 18 MUI, ocorreu uma alta freqüência
da normalização da ALT (31%), enquanto, nos pacientes que
receberam 3MUI, a normalização da ALT foi de apenas 12%.
Ao final do tratamento, a diminuição da replicação medida
pela presença do HDV-RNA no soro ocorreu em 31% dos
pacientes que utilizaram a dosagem de 18 MUI e de 25% no
grupo que recebeu 3MUI. Neste estudo, os autores concluem
que o uso do Interferon na dosagem de 18 MUI no tratamento
da hepatite crônica Delta apresenta apenas benefício
transitório.
O uso prolongado do Interferon beta, em pacientes não
respondedores ao Interferon alfa, demonstrou resultados mais
satisfatórios, apesar do número pequeno de pacientes
estudados. Neste estudo, foram tratados cinco pacientes com
esta droga, na dosagem de 6 MUI e nove pacientes com 9
MUI, 3 x semana, intramuscular, durante 12 meses. Os
resultados deste estudo revelaram ao fim do tratamento a
normalização das aminotransferases que ocorreu em 7/9
(77,7%) dos pacientes, ao passo que 2 (22%) negativaram a
fração anti-HD IgM. Um paciente clareou tanto a infecção
pelo VHB como pelo VHD. Não foram observados efeitos
colaterais e, segundo os autores, o Interferon beta em altas
dosagens e por tempo prolongado seria uma nova opção
terapêutica no tratamento da hepatite crônica pelo VHD.
Em crianças portadoras de hepatite crônica Delta e tratadas
com Interferon alfa, os resultados obtidos não diferem dos
resultados encontrados nos adultos, ou seja,
independentemente da dosagem utilizada e do tempo de
tratamento, a resposta foi transitória, sem benefícios em termos
de resposta virológica sustentada ou bioquímica.
Em suma, o tratamento da hepatite crônica Delta com altas
doses de IFN alfa ou beta, seja em adultos ou em crianças,
revelou apenas a normalização das aminotransferases e
diminuição da replicação viral durante o tratamento, com
recaída após o término do tratamento. Por outro lado, estudos
mais atuais revelaram que o uso do Interferon alfa, na dosagem
de 9 MUI, 3x semana e por um tempo de 12 meses (esquema
standard), comparado com doses de 3 MUI, foi capaz de
influenciar a história natural da hepatite crônica Delta, com
melhora acentuada dos aspectos clínicos e histopatológicos,
apesar da contínua replicação do VHD.
O relato científico de um caso na “cura” de uma hepatite
crônica Delta, após 12 anos do uso diário do IFN alfa na
dosagem de 5 MUI, reforçaria o conceito de que, no
tratamento da hepatite crônica pelo VHD, o tempo, o emprego
de altas doses e a continuidade do tratamento seria fatores
importantíssimos na resolução do processo crônico.
Todavia, em razão dos efeitos colaterais desta droga e dos
próprios efeitos patogênicos do VHD, a indicação do IFN
alfa ou beta em altas doses torna-se limitada na hepatite
crônica Delta.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
A literatura e nossa experiência revelam que é notória a
exacerbação aguda do VHD em pacientes com diagnóstico de
hepatite crônica com alta atividade inflamatória e em fase de
cirrotização, quando tratados com altas doses de interferon.
Os pacientes apresentam sinais bioquímicos e clínicos de
descompensação da função hepática, tais como: elevação
acentuada das aminotransfeases, ascite e encefalopatia
hepática crônica. A exacerbação aguda do VHD a altas doses
de Interferon é observada com maior freqüência entre
pacientes que soroconvertem do HBeAg para o anti-HBe
durante a vigência do tratamento. Finalmente, contraindicamos o uso do IFN, independentemente da dose, em
pacientes com hepatite crônica com alta atividade inflamatória
e cirrose hepática estabelecida, mesmo que compensada
clinicamente, em razão do risco de exacerbação do processo
crônico e falência hepática, sendo o melhor caminho a
indicação do transplante hepático.
O tratamento da hepatite crônica pelo VHD com Inteferon
alfa-2b em pacientes com infecção ou não pelo vírus humano
da imunodeficiência (HIV) revelou resultados interessantes.
Utilizando doses de 10 MUI 3x semana por seis meses e doses
adicionais de 6 MUI 3x semana por mais 6 meses, os autores
revelam uma normalização das aminotransferases em 19% dos
pacientes infectados pelo HIV e de 14% em pacientes não
infectados pelo HIV durante o primeiro ano. Dois anos após a
suspensão da terapêutica, um paciente HIV positivo e dois
HIV negativo mostraram resposta sustentada, tanto
bioquímica, (aminotransferases), como virológica e histológica.
Concluem os autores que o Interferon deve ser indicado em
pacientes imunocompetentes coinfectados com o VHD e HIV,
considerando a rápida evolução do VHD para doença hepática
grave.
A alternativa de transplante hepático em paciente com
doença hepática crônica tipo B e Delta resultou em
complicações gravíssimas, inclusive óbitos e reinfecção pelo
VHD. A primeira tentativa de transplante hepático em pacientes
com cirrose Delta foi realizada na Itália. O transplante de fígado
em sete pacientes não foi satisfatório. Destes, dois clarearam
o HBsAg e o HDAg, e, durante o seguimento de 14 e 15
meses, comportou-se clinicamente sem maiores alterações.
Em cinco pacientes foi constatada a recorrência da infecção
pelo VHD com quadro de hepatite em três, um foi a óbito e
outro foi submetido a novo transplante, em razão da reinfecção
pelo VHD. Neste grupo de sete pacientes, antes do transplante
hepático, todos tinham a presença do anticorpo contra o
HBsAg (anti-HBs), em função do uso da imunoglobulina antiHBs e da vacina contra o VHB. Concluem os autores que os
pacientes transplantados com cirrose Delta facilmente
desenvolvem reinfecção pelo VHD.
Contrapondo os resultados iniciais observados na Itália,
estudos mais recentes e de origem francesa revelaram que o
transplante de fígado teria um bom prognóstico entre pacientes
cirróticos infectados pelo VHD, com uma sobrevida de cinco
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
anos em 88% dos transplantados, e uma reativação do HBsAg
em apenas 13,2% dos pacientes, associada à reativação da
infecção pelo VHB + VHD.
A tentativa do uso de novas drogas antivirais, como a
Lamivudina, no tratamento do pré ou pós-transplante hepático
em um paciente infectado cronicamente pelo VHB e VBD
(coinfecção), resultou em resposta não satisfatória por
decorrência da persistência da infecção Delta (anti-HD IgM
reativo), apesar da negativação do HBV-DNA. Mais
recentemente, estudos com a Lamivudina em pacientes com
hepatite crônica Delta, na dose de 100mg dia, via oral e por um
período de 12 meses, indicaram que esta droga é bem tolerada,
com negativação do HBV-DNA em 80% dos casos. Porém, todos
os pacientes tratados permaneciam positivos para o HBsAg e
HDV-RNA ao fim do tratamento, sempre com ALT alterada e
sem remissão do quadro histológico. Relatam ainda os autores
que após suspensão da terapêutica o HBV-DNA voltou a ser
detectado no soro. Finalmente, concluem os autores que a
Lamivudina é um potente inibidor da replicação do VHB.
Contudo, tal droga não teria qualquer atividade capaz de inibir
a replicação do VHD ou impedir a atividade e progressão da
doença em pacientes com hepatite crônica delta. Estudos mais
recentes revelam que a associação da Lamivudina a altas doses
de Inteferon por um período de 16 semanas foi incapaz de
erradicar a infecção pelo vírus da hepatite D, apesar do efeito
supressor da droga sobre o VHB.
Recentemente, Ferenci P. et al. reportaram a manutenção da
resposta virológica sustentada em um paciente com hepatite
crônica D, utilizando o Interferon peguilado alfa-2a, na dosagem
de 180mcg semanal e por um período de seis meses. Antes do
tratamento, o HDV-RNA e anti-HD IgM sérico era positivo,
enquanto para o VHB, o HBV-DNA e a fração anti- HBcIgM no
soro foram negativos. Durante o tratamento e após seis meses
do final do tratamento, o HDV-RNA apresentava-se negativo e
a ALT encontrava-se normal. Um ano após o início de tratamento,
a biópsia hepática revelou “cirrose hepática inativa”.
Estudos experimentais com Clevudine, um novo
nucleosideo análogo e potente inibidor dos hepadnavirus,
revelam que tal droga seria capaz de inibir in vivo a viremia do
VHD entre marmotas infectadas cronicamente.
Finalmente, o uso do Interferon alfa em altas doses, 9 MUI
ou 10 MUI, e utilizado por um longo período, seria o único
agente terapêutico disponível com algum efeito benéfico no
tratamento da hepatite crônica Delta. Tal droga seria capaz de
suprimir a replicação do VHB, favorecendo assim o
clareamento do VHD ou sua passagem para a fase não
patogênica, como também contribuindo para o aumento da
sobrevida dos pacientes e regressão da fibrose hepática.
Conclusão
O tratamento da hepatite crônica D requer uma atenção
maior, em razão da dupla infecção pelos VHB e VHD. A
65
negativação da fração anti-HD IgM (se reativa no início do
tratamento), do HDV-RNA e a normalização da ALT ao fim do
tratamento seriam os parâmetros virológicos e bioquímicos
utilizados na resposta sustentada a terapêutica. Se o paciente
negativar o HBsAg com soro conversão para anti-HBs, a
“cura virológica” deve ser considerada. O Interferon alfa (910 milhões de unidades, 3 x semana) até o presente momento
seria a única droga que teria alguma ação no controle da
infecção crônica pelo VHD. Em decorrência das altas doses
de Interferon utilizadas e do tempo prolongado de tratamento,
esses pacientes necessitam freqüentemente de um seguimento
multidisciplinar e de uma monitorização vigilante,
principalmente relacionado aos efeitos colaterais desta droga.
Um alto e significativo percentual de pacientes com hepatite
crônica D não respondem às drogas utilizadas e disponíveis
no momento no tratamento da hepatite crônica B. Pacientes
infectados pelo VHD e com cirrose hepática estabelecida e
descompensada teriam como única opção de sobrevida o
transplante hepático.
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BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
67
Co-Infecção HIV-VHB
Marcelo Simão Ferreira1,Roberto Focaccia2, Edgard de Bortholi Santos2, Maria Helena Postal Pavan3
1
Universidade Federal de Uberlândia, 2IIER, 3Unicamp
A história natural da hepatite B(VHB) demonstra a evolução
para a cronicidade em 5 a 10% dos indivíduos adultos
imunocompetentes infectados por este vírus. Já nos pacientes
infectados pelo HIV a cronificação desta virose é muito mais
freqüente, cerca de 5 x mais, quando comparados com os
imunoinfectados. A possível razão para esta ocorrência se
deve a defeito de células T associada a infecção pelo HIV. A
polarização para o tipo de resposta TH2 pode resultar na
inibição dos mecanismos de defesa celular específica (ex.
citotoxicicidade, produção de interferon γ e interleucina 2, e o
padrão de proliferação de células T).
Esses pacientes apresentam um aumento da
imunotolerância, devido a baixa contagem de linfócitos T CD4,
uma elevada carga viral e uma atividade citolítica pequena,
apesar de um substancial número de pacientes desenvolverem
severa fibrose e cirrose na presença de mínima atividade
inflamatória [1].
Dados atuais indicam que fatores virais específicos, tais
como a extensão da viremia, genótipos (A-H), ou a emergência
de escapes mutantes não resulta em diferenças entre pacientes
co-infectados HIV-VHB e indivíduos imunocompetentes, no
entanto, Lacombe et al., demonstrou a importância da
genotipagem do VHB no prognóstico e na resposta terapêutica
no paciente co-infectado, definindo o genótipo G como indutor
de uma rápida progressão da fibrose hepatica [2].
Com respeito a importância da genotipagem do vírus da
hepatite B nos indivíduos de comportamento de risco o
genótipo A acomete principalmente homossexuais homens
que tendem a ser HBeAg positivos, sendo o genótipo D
associado aos indivíduos usuários de drogas endovenosas e
portadores do vírus mutante HBeAg negativo [1].
Os pacientes co-infectados HIV/VHB que foram
submetidos ao esquema HAART (Highly Active
Antiretroviral Therapy), alguns desenvolveram uma
hepatite aguda grave, decorrente da restauração imune e a
alta carga viral intra hepática. De forma a se evitar este
fenômeno, o tratamento prévio da hepatite B se mostrou
relevante antes da introdução dos antiretrovirais, e quando
esta abordagem não for possível, na introdução terapêutica
para o HIV, a utilização de medicamentos que ajam em ambos
os vírus, é mandatória [3].
A terapia nos pacientes HIV com hepatite B crônica tem
sido insuficientemente estudada. Muitos dos trabalhos
publicados não foram randomizados, tiveram uma amostragem
pequena, não consideraram os aspectos histológicos dentro
dos parâmetros de resposta terapêutica e foram realizado
principalmente na era pré HAART [3].
Terapêutica da Co-Infecção HIV-VHB
O objetivo primeiro da terapêutica para a infecção da
hepatite B é deter a progressão da doença da doença hepática,
já que a infecção não é irradicável, previnindo o
desenvolvimento da cirrose e hepatocarcinoma. Geralmente
utilizam-se cinco parâmetros diferentes para valorizar o dano
hepático e monitorizar a resposta terapêutica: DNA do VHB
sérico, perfil sorológico com AgHBs, AgHBe, Anti HBe,
alaninoaminotransferases (ALT) e a histologia hepática.
Pacientes com infecção pelo HIV e hepatite B crônica que
apresentam transaminases elevadas são candidatos à terapia
contra VHB. As melhores respostas terapêuticas ao VHB são
atingidas em indivíduos que expressam níveis de carga viral
acima de 105 cópias/mL pela técnica da PCR, presença de
HBeAg, transaminases elevadas e lesão hepática com alta
atividade necroinflamatória.
Uma redução da carga viral em pacientes tratados se
correlaciona com a melhora histológica, soroconversão do
AgHBe ou Ag HBs e redução do risco de desenvolvimento
de resistência aos medicamentos. Na prática clínica, este
objetivo é difícil de ser alcançado devido ao reservatório de
ccc- DNA intranuclear, tanto em hepatócitos, quanto células
extra hepáticas.
Uma proposta para avaliação da indicação do tratamento
da hepatite B em co-infectados pelo HIV é apresentada na
Tabela 1.
Paciente Sem Uso de Antiretrovirais
Interferons
A droga de escolha é o interferon alfa, agente antiviral e
imunomodulador, com administração subcutânea na dose
preconizada para o monoinfectado, 5 milhões de UI/diária ou
10 milhões UI/3xsemana. Pacientes portadores de HBeAg é
recomendado 4 a 6 meses de terapêutica. Os pacientes HBeAg
negativos, devido a incidência deste quadro ser menor, não
se tem estudos que permitam determinar a validade da
utilização deste fármaco, assim como, o tempo de seu uso.
Esta terapêutica é mais efetiva nos indivíduos com altos títulos
de ALT (> 2 x AVN), baixa carga viral (< 107 cópias/mL), HBeAg
positivo e portadores do genótipo A. Estudos em pacientes
co-infectados HIV-HBV são limitados, mas sugerem uma
resposta inferior a esta terapêutica, tendo a possibilidade de
soroconversão de HBeAg para AntiHBe ao redor de 6 a 15 %
quando comparados aos grupos controle e frequentemente o
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68
Sociedade Brasileira de Infectologia
HBV – DNA, assim como, o HBsAg, permanecem detectáveis.
A vantagem na escolha deste tratamento é o tempo pré
estabelecido, do início e término desta terapêutica [4].
O interferon peglado α 2a foi aprovado pela ANVISA para
o tratamento em pacientes com hepatite crônica B HBeAg
negativos, sua administração como monoterapia ou em
associação com a lamivudina foi significativamente mais eficaz
que a monoterapia com a lamivudina em termos de resposta
virológica após 48 semanas de terapêutica, sendo semelhante
os resultados do uso deste interferon quando comparado a
lamivudina usada isoladamente nos pacientes com HBeAg
positivos. Até o momento (julho 2006) não há dados definitivos
do uso do interferon peglado em co-infectados, porém devido
aos resultados encorajadores nos monoinfectados, acreditase ser uma indicação natural, também para os pacientes coinfectados.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
alguma resistência cruzada entre estas duas drogas existe, e
desta forma a melhor eficácia do entecavir poderá ser obtida
em pacientes sem o uso prévio da lamivudina [6].
Adefovir
O adefovir (análogo nucleotídeo) poderá ter sua escolha
preconizada nesta população, principalmente em pacientes
não respondedores ao interferon ou aqueles que apresentem
contra-indicação ou intolerância ao uso do interferon. O
tratamento da hepatite B nesse grupo de pacientes poderá
ser modificado em função da indicação do tratamento para
a infecção causada pelo HIV, tendo a ressalva que o
adefovir possui a possibilidade de indução de resistência
ao tenofovir [7].
Telbivudina / Clevudina
Análogos Nucleosídeos e Nucleotídeos
Os análogos devem ser usados, tanto em pacientes
HBeAg positivos, como HBeAg negativos.
Os análogos nucleosídeos e nucleotídeo, lamivudina e o
tenofovir, respectivamente, são ativos contra os dois vírus,
não sendo indicado em pacientes sem indicação de HAART
devido ao risco do desenvolvimento de resistência precoce
ao HIV.
Estudos utilizando os análogos, têm demonstrado uma
importante queda da carga viral sérica, normalização das
transaminases e melhora histológica, no entanto, os
resultados são desanimadores quanto a obtenção da
soroconversão de HBeAg para AntiHBe, negativação do
HBeAg, negativação do HBsAg e eliminação do cccDNA do
VHB (Tabela 2). Devido a estes fatores, e também, o
desconhecimento do tempo para o surgimento de resistência
do VHB aos análogos, não se tem até o momento dados para
definir o seu tempo de uso. Os análogos nucleotídeos adefovir
e tenofovir possuem a vantagem de suas altas barreiras
genéticas ao desenvolvimento de resistência comparadas com
os análogos nucleosídeos lamivudina e emtricitabina [5].
Entecavir
O Entecavir é um análogo nucleosídeo da guanosina
recentemente aprovado para o tratamento da hepatite B. Esta
droga não possui ação sobre o HIV, não tendo até o momento
nenhum trabalho que demonstrasse resistência cruzada com
outros análogos antiretrovirais, assim como não demonstrou
emergência de mutações de resistência em pacientes virgens
de tratamento após dois anos de tratamento. Esta droga se
apresenta como o fármaco de escolha em pacientes virgens
de tratamento para o HIV, e que por qualquer motivo não está
indicado a terapêutica com interferon. Embora o entecavir aja
em pacientes portadores de vírus lamivudina – resistentes,
A telbivudina ou a clevudina são medicamentos potentes
anti HVB com nenhuma atividade para o HIV. Estes fármacos,
em um futuro próximo, poderão ser de primeira escolha para
pacientes co-infectados ainda virgens de tratamento [6].
Pacientes em Uso de Antiretrovirais
Análogos Nucleosídeos e Nucleotídeos
Lamivudina
A lamivudina, análogo nucleosídeo, que faz parte do
arsenal terapêutico contra o HIV, podem agir sobre o VHB
reduzindo os níveis de DNA séricos e as aminotransferases,
apesar de apresentar níveis baixos de soroconversão para
antiHBeAg, semelhante a maioria dos análogos.
O tempo de tratamento com a lamivudina dentro do
esquema HAART contra o HIV em geral é prolongado,
favorecendo a indução de mutante resistentes a lamivudina.
Em caso de troca do esquema antiretroviral devido a falha de
tratamento para o HIV, deve se manter a lamivudina na dose
de 150 mg/dia associada aos novos antiretrovirais [8].
A ocorrência de mutação YMDD (manifestada pela elevação
das transaminases e o reaparecimento do DNA/VHB nos coinfectados é superior aos monoinfectados, sendo estimado em
20% ao ano. As conseqüências clínicas nos pacientes com
resistência do VHB à lamivudina são desconhecidas. No
entanto, como observado nos pacientes monoinfectados, casos
de evidências de replicação viral nas hepatites B crônicas e
falência hepática têm sido demonstrado nos pacientes coinfectados com VHB resistente à lamivudina [8].
A interrupção da lamivudina pode acarretar uma
exacerbação da atividade inflamatória hepática, por vezes fatal.
Desta forma, sua retirada em pacientes co-infectados deve
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Sociedade Brasileira de Infectologia
imune com contagem de linfócitos T CD4 acima de 350 células/
mm3. A resposta terapêutica da associação de interferon e
lamivudina, aos pacientes não respondedores a monoterapia
com estes fármacos, foi de 12 a 18%. Estudos iniciais na India
com interferon peglado associado à lamivudina atingiu um
patamar de resposta sustentada após 6 meses de tratamento,
possibilitando em um futuro próximo, a introdução deste
esquema terapêutico, aos pacientes não respondedores, aos
diversos esquemas já preconizados [12-14].
Co-infecção HIV-HBV e HAART
Aumentos das enzimas hepáticas nos pacientes co-infectados
HIV-VHB recebendo esquema HAART podem ocorrer por
diferentes causas, sendo necessário o cuidado na avaliação para
discernir as possíveis etiologias para descontinuar ou mudar os
antiretrovirais do regime terapêutico [8].
Primeiro, raros casos de hepatotoxicidade severa (ALT> 5
x AVN), foram publicados, inerente aos antiretrovirais, que se
apresentaram reversíveis após 6 meses do início do esquema
HAART. Pacientes co-infectados possuem um risco maior de
esteatose hepática e acidose lática pelos análogos
nucleosídeos, que pode ocorrer após anos de terapêutica.
Secundo, aumento das enzimas hepáticas podem ocorrer
após a soroconversão do HBeAg, não sendo necessário a
mudança ou interrupção do HAART se isto ocorrer.
Terceiro, a reconstituição imune têm sido uma evidência, após
a introdução do HAART, em alguns pacientes, ocorrendo
elevação das transaminases nos pacientes com hepatite B crônica.
Quarto, ativação ou exacerbação do VHB após
descontinuidade da lamivudina nos esquema HAART, assim
como no surgimento de cepas resistentes a lamivudina.
Quinto, reativação da replicação do VHB independente
da suspensão da lamivudina ou a sua resistência.
Sexto, superinfecção com outros vírus hepatotrópicos
devem ser considerados.
Acompanhamento Ambulatorial dos Pacientes Infectados pelo
HIV, com Relação à Hepatite B
-
realização de sorologia para hepatite B em todos os
pacientes;
se todos os marcadores se mostrarem negativos e enzimas
hepáticas normais, proceder à vacinação para hepatite B;
se todos os marcadores se mostrarem negativos mas as
enzimas hepáticas estiverem elevadas (afastadas outras
infecções por vírus hepatotrópicos, hepatotoxicidade,
etilismo e hepatite aguda pelo VHB) ou no caso de apenas
o anti-HBc se mostrar positivo, submeter o paciente à
realização do DNA do vírus B para afastar quadro de infecção
oculta. Se DNA VHB negativo, proceder à vacinação para
hepatite B. Se DNA VHB positivo, fazer seguimento do
paciente como orientado para paciente HBsAg reagente.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
-
-
se paciente apresentar HBsAg positivo mas enzimas
hepáticas repetidamente normais, repetir sorologia para
hepatite B, além de provas bioquímicas como ALT,
albumina, RNI, bem como dosagem de bilirrubina a cada 3
meses, pesquisar alfa feto proteína a cada 6 meses e realizar
ultrasonografia de abdome no mínimo anualmente.
se paciente apresentar HBsAg reagente e elevação de
enzimas hepáticas, avaliar a possibilidade de:
a) soroconversão (HBeAg para antiHBe ou HBsAg para
anti-HBs) espontânea ou decorrente de restauração
imunológica secundária ao uso de HAART, observar;
b) ativação da doença:
b.1 doença ativa compensada – exame histopatológico
com alterações necroinflamatórias no mínimo
moderadas e/ou imunohistoquímica evidenciando
replicação viral – indicar tratamento;
b.2 doença ativa descompensada – a indicação de
terapêutica deverá ser avaliada, custo-benefício;
c) desenvolvimento de resistência a agente anti-viral
(particularmente à lamivudine por fazer parte de
esquema HAART), há indicação de biópsia hepática
para avaliação de grau de atividade e fibrose. Se
paciente fizer uso crônico de lamivudine (maior que 6
meses) pesquisar presença de mutante YMDD.
Profilaxia
A necessidade de imunização contra o vírus da hepatite B
nos pacientes com HIV é apoiada por diversos fatores: 1)
atualmente é possível que populações de alto risco exponhamse ao HIV antes de desenvolverem imunidade específica ao
vírus B. 2) Há perda acelerada do AntiHBs nos indivíduos
HIV que tiveram soroconversão espontânea 3) existe um risco
aumentado dos co-infectados de tornarem-se portadores
crônicos do vírus B.
A vacina recombinante contra a hepatite B em doses
habituais nos pacientes com HIV promove resultados
inferiores que em indivíduos soronegativos. A resposta
anticórpica à vacina contra a hepatite B nas doses usuais
em adultos com AIDS situa-se entre 20% a 50%, muito inferior
ao observado em indivíduos soronegativos (95%). Este
padrão de resposta é diretamente relacionado a contagem
de linfócitos CD4, tendo um padrão de soroconversão de
70% nos indivíduos com CD4 superior a 500 células/mm3.
Atualmente recomenda-se a quarta imunização (0,1,2,6
meses) e a duplicação da dose e avaliação sorológica pós
vacinação.
Critérios de Inclusão
Semelhante para o monoinfectado. A biópsia hepática é
fundamental na condução do caso, e deve ser realizada
teóricamente em todos os pacientes co-infectados.
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
A indicação para tratamento da hepatite B nesse grupo de
pacientes poderá ser modificada em função da indicação do
tratamento para a infecção causada pelo HIV.
As Tabelas 1 e 2 mostram os resultados das diversas
terapias antivirais realizadas nestes pacientes e as diretrizes
básicas para a condução terapêutica.
A terapêutica dos pacientes co-infectados HIV/VHB e HIV/
VHC têm se tornado de grande interesse por parte dos
infectologistas, pelo aumento da demanda deste pacientes
em seus consultórios e ambulatórios, assim como, aumento
do número de pacientes internados com cirrose e insuficiência
hepática nos hospitais, e até o momento poucos serviços se
prestam para a realização de transplante hepático, ficando os
mesmos sem alternativa terapêutica, evoluindo na sua grande
maioria para óbito.
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Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Prevenção da Hepatite B e Delta
Marta Heloísa Lopes
HC-FMUSP
A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) ocorre quando
há exposição percutânea ou de mucosa de indivíduos
suscetíveis ao sangue ou fluidos corpóreos de pessoas
infectadas.
As fontes mais comuns de exposição são:
• Contato sexual;
• Agulhas contaminadas;
• Sangue ou produtos derivados de sangue contaminados;
• Exposição perinatal a mães infectadas.
Estas fontes de exposição são responsáveis,
respectivamente, pelas transmissões por via sexual, parenteral
e vertical.
A transmissão horizontal, embora muito menos freqüente,
também pode ocorrer entre indivíduos que convivem por
longo tempo com pessoas infectadas pelo VHB [1].
Em regiões onde a infecção pelo VHB é endêmica a maioria
das infecções ocorre por transmissão vertical, de mãe para
filho, no período periparto. Em regiões de baixa endemicidade
as principais vias de transmissão são: sexual (múltiplos
contatos sexuais) e parenteral (uso de drogas ilícitas por via
endovenosa).
Também há risco elevado de transmissão do VHB para
indivíduos suscetíveis que fazem parte dos seguintes grupos:
• Profissionais da área da saúde;
• Profissionais de outras áreas com risco elevado de
contato; com sangue e hemoderivados, como bombeiros,
policiais, etc.;
• Pacientes com hemoglobinopatias ou outras doenças que
necessitam receber sangue e hemoderivados com
freqüência;
• Pacientes em programas de hemodiálise;
• Pacientes com infecção pelo HIV ou Aids;
• Pacientes com doenças sexualmente adquiridas;
• Pacientes com infecção pelo vírus da hepatite C;
• Homens que fazem sexo com homens e homens que fazem
sexo com homens e mulheres;
• Profissionais do sexo;
• Profissionais e pacientes de instituições de saúde;
• Profissionais e internos de instituições corretivas.
As estratégias efetivas para prevenir a infecção pelo VHB
incluem:
• Evitar comportamentos de alto risco;
• Prevenção em relação à exposição a sangue e fluidos
corpóreos;
• Evitar a transmissão materno infantil;
• Imunização ativa pré-exposição;
• Imunização ativa, ou imunização ativa e passiva pósexposição.
Entretanto a proteção ideal consiste na vacinação contra
hepatite B pré-exposição [1].
O uso da vacina contra hepatite B tem sido associado com
acentuada diminuição da incidência de infecção pelo VHB e
de carcinoma hepatocelular, nas áreas onde ela tem sido
amplamente empregada [1].
O vírus da hepatite D é o único membro do gênero
Deltavirus. Na natureza o vírus da hepatite D(VHD) somente
é encontrado em pacientes que também são infectados pelo
vírus da hepatite B (VHB). O VHD não se propaga sem o VHB
[2]. Por este motivo a prevenção da infecção pelo VHD consiste
na prevenção da infecção pelo VHB.
A imunização ativa contra o VHB constitui o melhor
procedimento para a redução da prevalência e incidência da
infecção pelo VHD. Entretanto entre indivíduos portadores
crônicos do VHB, residentes em áreas endêmicas de infecção
pelo VHD, ou pertencentes a grupos de risco, a profilaxia da
superinfecção pelo VHD continua representando um desafio [3].
Profilaxia Pré-Exposição
Vacina Contra Hepatite B
As vacinas contra hepatite B podem ser provenientes de
plasma de pacientes portadores da partícula AgHBs ou
obtidas através da tecnologia de DNA recombinante. As
vacinas contra hepatite B disponíveis atualmente, no Brasil,
são unicamente as produzidas por engenharia genética.
Indicações
O Programa Nacional de Imunização (PNI) brasileiro
recomenda a vacinação universal contra hepatite B a partir do
nascimento, para todas as crianças e adolescentes até 19 anos
de idade.
A primeira dose da vacina contra hepatite B deve ser
aplicada nas primeiras 12 a 24 horas de vida, o que resulta em
alta eficácia na prevenção da infecção transmitida
verticalmente [4].
No Estado de São de Paulo as indicações para vacinação
contra hepatite B gradativamente foram sendo ampliadas e
atualmente estão contemplados com vacinação gratuita
disponível na rede pública [5]:
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I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
• Profissionais que exerçam atividade na área da saúde,
preferencialmente nos cursos de graduação, do setor
público ou privado;
• Policiais civis e militares;
• Podólogos e manicures;
• Tatuadores;
• Auxiliares de necropsia;
• Profissionais de funerárias responsáveis pelo preparo dos
corpos;
• Coletores de lixo hospitalar e domiciliar;
• Carcereiros de delegacias e penitenciárias;
• Profissionais do sexo;
• Pessoas com exposição a sangue de portadores de hepatite
B;
• Comunicantes sexuais de casos agudos de hepatite B;
• Comunicantes domiciliares de portador crônico do vírus
da Hepatite B;
• População institucionalizada;
• População penitenciária;
• Vítimas de abuso sexual;
• Pacientes com risco de transfusão múltipla em virtude de
doença hematológica(hemofilia, talassemia, anemia,
falciforme);
• Pacientes em uso, ou aguardando hemodiálise;
• Pessoas infectadas pelo HIV ou imunocomprometidos;
• Portadores crônicos do vírus da Hepatite C;
• Transplantados;
• Doadores regulares de sangue.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) brasileiro além
da vacinação universal contra hepatite B, para crianças e
adolescentes, também disponibiliza esta vacina, nos Centros
de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), para
indivíduos suscetíveis, com alto risco de aquisição do VHB [6].
Indicações dos CRIEs para vacinação contra hepatite B:
• Vítimas de abuso sexual;
• Vítimas de acidentes com material biológico positivo ou
fortemente suspeito de infecção por VHB;
• Comunicantes sexuais de portadores de HVB;
• Profissionais de saúde;
• Hepatopatas crônicos e portadores do VHC;
• Doadores de sangue;
• Transplantados de órgãos sólidos ou de medula óssea;
• Doadores de órgãos sólidos ou de medula óssea;
• Potenciais receptores de múltiplas transfusões de sangue
ou politransfundidos;
• Nefropatas crônicos/ dialisados/ pacientes com síndrome
nefrótica;
• Indivíduos com convívio domiciliar contínuo com pessoas
portadoras de VHB;
• Pacientes com asplenia anatômica ou funcional e doenças
relacionadas;
73
• Pacientes com fibrose cística (mucoviscidose);
• Pacientes com doença de depósito;
• Imunodeprimidos.
Esquema Vacinal
O esquema habitual de vacinação para indivíduos
imunocompetentes consiste em três doses, com intervalos de
1 mês entre a primeira e a segunda dose e 6 meses entre a
primeira e a terceira dose (0, 1 e 6 meses). Prematuros menores
de 33 semanas ou 2000g deverão receber uma dose extra com
dois meses de idade (0, 1, 2 e 6 meses).
No caso dos candidatos a transplante de órgãos sólidos,
devido à possibilidade do transplante ocorrer a qualquer
momento, propõe-se um esquema acelerado de vacinação
contra hepatite B: 0, 1, 2 e 6 meses e avaliação da necessidade
de uso de dose dobrada de acordo com a situação clínica de
base.
As vacinas contra hepatite B devem ser administradas
por via intramuscular, na região deltóide ou no vasto lateral
da coxa, em crianças pequenas. Não devem ser aplicadas na
região glútea, pois a adoção desse procedimento se associa
com menor imunogenicidade. Excepcionalmente, em pessoas
com doenças hemorrágicas, a via subcutânea pode ser
utilizada.
Imunogenicidade
Três doses de vacina contra hepatite B induzem títulos
protetores de anticorpos (anti-HBs ≥ 10 UI/mL) em mais de
90% dos adultos e jovens sadios, e em mais de 95% dos
lactentes, crianças e adolescentes. A eficácia diminui com a
idade e é menor em maiores de 40 anos, quando se situa em
torno de 40 a 60%. Outros fatores, tais como tabagismo,
obesidade e fatores genéticos ligados a determinados
haplotipos de HLA são associados a resposta inadequada à
vacinação contra infecção pelo vírus da hepatite B.
Teste sorológico pré-vacinal (dosagem de AgHBs) não é
rotineiramente indicado, exceto para gestantes. Teste pósvacinal (dosagem de anticorpos anti-HBs), também não é
indicado para a população em geral, devido à alta eficácia da
vacina [1]. Teste sorológico pós-vacinação, que deve ser
realizado um a dois meses após a última dose, é recomendado
para indivíduos com alto risco de exposição/infecção pelo VHB
e para aqueles nos quais é observada resposta subótima,
incluindo pacientes com insuficiência renal crônica (Quadro 1).
A vacinação de crianças confere imunidade prolongada.
A proteção contra a infecção persiste, mesmo com a queda de
título de anticorpos que ocorre com o passar dos anos.
Usualmente não são recomendadas doses de reforço da vacina
contra hepatite B. Esta vacina também protege contra infecção
pelo vírus da hepatite D, uma vez que este vírus só existe em
pessoas infectadas pelo VHB.
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74
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A imunogenicidade e eficácia da vacina contra hepatite B
em pacientes imunodeprimidos, incluindo HIV/Aids assim
como ocorre nos renais crônicos, são menores do que nos
indivíduos saudáveis. Pacientes imunodeprimidos em geral
(pacientes HIV-positivos [7], pacientes em uso de terapia
imunossupressora) apresentam uma resposta sub-ótima às
doses habituais de vacina contra hepatite B. Doses maiores e
/ ou número aumentado de doses são necessários para indução
de anticorpos em níveis protetores. Por este motivo, são
recomendadas quatro doses de vacina contra hepatite B, com
o dobro da dose habitual e avaliação sorológica pós-vacinação
(Quadros 1 e 2).
Não Respondedores
Indivíduos que apresentam títulos de anticorpos antiHBs < 10UI/mL, medidos 30 a 90 dias após a última dose do
esquema básico de vacinação, são considerados não
respondedores.
Para os não respondedores ao esquema inicial (anti-HBs
< 10 mUI/mL), re-vacinação com 3 doses adicionais é seguida
de níveis protetores de anti-HBs em 30 a 50% dos casos [8].
Se o indivíduo não responder ao segundo esquema de
vacinação é considerado verdadeiro não respondedor. Não
há evidências de que doses adicionais (além das seis dos
dois esquemas básicos completos) sejam capazes de induzir
resposta humoral em pessoas saudáveis que não responderam
após o segundo esquema vacinal completo [9].
É freqüente na prática se deparar com situação diversa da
descrita acima. São indivíduos cujo teste para dosagem de
anti-HBs é negativo, mas foi realizado decorridos mais de seis
meses da terceira e última dose da vacina contra hepatite B.
Não há como saber se este indivíduo é um não respondedor,
ou se respondeu ao esquema básico, mas com a queda de
título de anticorpos que ocorre com o passar dos anos,
negativou a sorologia. Nestes casos propõe-se a conduta
detalhada no Fluxograma 1.
Profilaxia Pós-Exposição
Imunoglobulina Humana Anti-Hepatite B (IGHHB)
A imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHHB) é
obtida de plasma de doadores selecionados, submetidos
recentemente a imunização ativa contra hepatite B, com altos
títulos de anticorpos específicos (anti-HBs).
A IGHHB deve ser administrada na dose de 0,5mL para
recém-nascidos ou 0,06mL/kg de peso corporal, máximo de
5mL, para as demais idades.
A IGHHB deve ser aplicada por via intramuscular, inclusive
na região glútea. Quando administrada simultaneamente com
a vacina contra hepatite B, a aplicação deve ser feita em grupo
muscular diferente.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Pós-Exposição Perinatal
• A imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHHB) deve
ser feita preferencialmente nas primeiras 12 a 24 horas de
vida para recém-nascidos de qualquer peso ou idade
gestacional, filhos de mãe AgHBs positivas. A dose da
imunoglobulina é 0,5mL intramuscular no músculo vasto
lateral e a vacina contra hepatite B deverá ser feita
simultaneamente, na dose de 0,5mL, intramuscular, no
músculo vasto lateral do outro membro. Embora a
vacinação isolada nas primeiras 12 horas após o
nascimento seja altamente eficaz na prevenção da
transmissão vertical do VHB a adição de IGHHB confere
proteção adicional [4].
• Se o perfil sorológico da mãe, em relação ao vírus da hepatite
B, for desconhecido, o recém-nascido deverá ser
imediatamente vacinado contra a hepatite B,
independentemente do peso ou idade gestacional e,
simultaneamente, solicitada a pesquisa do antígeno de
superfície do VHB (AgHBs) materno, indicando-se a
imunoglobulina até o 7º dia de vida se o resultado for
positivo.
• Crianças nascidas de mãe com perfil sorológico
desconhecido para o VHB devem receber só a vacina.
• O aleitamento materno não é contra-indicado para filhos
de mãe AgHBs positivas, se eles tiverem recebido
imunoprofilaxia adequada.
Pós-Exposição Sexual
Vítimas de agressão sexual:
• A imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHHB) e
vacina contra hepatite B devem ser administradas para
pessoas presumidamente suscetíveis (não vacinadas)
expostas, por agressão sexual, a indivíduos sabida ou
potencialmente infectados pelo VHB, o mais precocemente
possível, no máximo até duas semanas após a exposição.
• Se a vítima não for vacinada ou estiver com vacinação
incompleta contra hepatite B, vacinar ou completar a
vacinação.
• Não se recomenda o uso rotineiro de IGHHB, exceto se a
vítima for suscetível e o agressor AgHBs positivo ou
pertencente a grupo de risco (usuários de droga, por
exemplo). Quando indicada, a IGHHB deve ser aplicada o
mais precocemente possível, até no máximo 14 dias após a
exposição.
Comunicantes Sexuais de Casos Agudos de Hepatite B
• Imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHHB) e vacina
contra hepatite B estão indicadas para pessoas suscetíveis
com exposição sexual a pacientes com hepatite B aguda.
Deve-se, entretanto, tentar identificar a situação do exposto
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Sociedade Brasileira de Infectologia
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
Fluxograma 1.
Vacina contra hepatite B
3 doses
Teste sorológico (anti -HBs)
>
< 10 mUI/ml
encerrar
O teste foi realizado há > 6
meses após a última dose?
sim
não
Aplicar 1 dose da vacina
e repetir o anti -HBs 4 a
12 semanas após
> 10 mUI/ml
encerrar
Administrar 2º esquema
(3 doses)
< 10 mUI/ml
Completar 2º
esquema
Repetir o anti -HBs
após 4 a 12 semanas
< 10 mUI/ml
Verdadeiro não respondedor
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>10 mUI/ml
encerrar
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
I Consenso para o Diagnóstico e Manuseio da Hepatite B (e Delta)
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Quadro 3. Recomendações para profilaxia de hepatite B após exposição ocupacional a material biológico*
S ituações Vacinal e
Sorológica do
Profissional de Saúde
Exposto
Paciente - fonte :
AgHBs positivo
AgHbs negativo
AgHbs
desconhecido ou
não testado
Não Vacinado
IGHHB + iniciar
vacinação
Iniciar vacinação
Iniciar vacinação1
C o m v a c in a ç ã o
incompleta (< 3 doses)
IGHHB +
completar
vacinação
Completar
vacinação
Completar
vacinação 1
Nenhuma medida
específica
Nenhuma medida
específica
Nenhuma medida
específica
•
Sem resposta
vacinal após a 1a
série (3 doses)
anti - HBs< 10UI/mL
IGHHB + 1a dose
da vacina contra
hepatite B
ou IGHHB (2x) 2
Iniciar nova série
de vacina (3
doses)
Iniciar nova série
1
de vacina (3 doses)
•
Sem resposta
vacinal após 2 a
série (6 doses)
anti - HBs< 10UI/mL
IGHHB (2x) 2
Nenhuma medida
específica
IGHHB (2x)
•
Testar o
profissional de
saúde:
Testar o
profissional de
saúde:
Testar o
profissional de
saúde:
Se resposta vacinal
adequada: nenhuma
medida específica
Se resposta
vacinal adequada:
nenhuma medida
específica
Se resposta vacinal
adequada: nenhuma
medida específica
Previamente vacinado
(3 doses)
•
Com resposta
vacinal conhecida
e adequada (anti HBs > 10UI/mL)
Com resp osta
vacinal
desconhecida
Se resposta vacinal
inadequada:
IGHHB + 1ª dose
da vacina contra
hepatite B
Se resposta
vacinal
inadequada: seguir
fluxograma 1
2
Se resposta vacinal
inadequada 1 : seguir
fluxograma 1
*
Tanto a vacina quanto a imunoglobulina devem ser aplicadas dentro do período de 7 dias após o acidente, mas, idealmente, nas primeiras 24
horas após o acidente.
1
- Uso associado de imunoglobulina humana anti-hepatite B está indicado se o paciente-fonte tiver alto risco para infecção pelo HBV como:
usuários de drogas injetáveis, pacientes em programas de diálise, contatos domiciliares e sexuais de portadores de AgHBs, pessoas que fazem sexo
com pessoas do mesmo sexo, heterossexuais com vários parceiros e relações sexuais desprotegidas, história prévia de doenças sexualmente
transmissíveis, pacientes provenientes de áreas geográficas de alta endemicidade para hepatite B, pacientes provenientes de prisões e de
instituições de atendimento a pacientes com deficiência mental.
2
- IGHHB (2x) = 2 doses de imunoglobulina humana anti-hepatite B com intervalo de 1 mês entre as doses. Esta opção deve ser indicada para
aqueles que já fizeram 2 séries de 3 doses da vacina, mas não apresentaram resposta vacinal, ou apresentem alergia grave à vacina.
Obs: Para profissionais soronegativos que só realizaram teste sorológico muitos anos após a série vacinal original, uma dose adicional de vacina
deve ser administrada e seguida de retestagem 4 a 8 semanas após. Se a sorologia for positiva o profissional será considerado imune, se negativa
deverá completar o esquema com mais duas doses de vacina.
Fonte 11: Recomendações para atendimento e acompanhamento de exposição ocupacional a material biológico: HIV e hepatites B e C – 2004.
Disponível em < http://www.riscobiologico.org/bioinfo/pdsf/manal_acidentes.pdf > acesso em 16/08/2005
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Sociedade Brasileira de Infectologia
quanto à infecção pelo vírus da epatite B. Caso a pessoa
exposta seja suscetível, estão indicadas a HB e a IGHHB,
aplicadas o mais precocemente possível, no máximo até 14
dias depois da exposição.
Pós-Exposição Ocupacional
Ver Quadro 3.
BJID 2006; 10 (Supplement 1-August)
2.
3.
4.
Situações Especiais
5.
• Imunodeprimidos devem receber IGHHB após exposição
de risco, pois sua resposta à vacinação pode ser
inadequada.
• O uso da Imunoglobulina humana anti-hepatite B para
transplantados de fígado que sejam portadores de AgHBs
está regulamentada pela portaria nº 86, de 05 de fevereiro
de 2002, da Secretaria de Assistência à Saúde.
6.
7.
Referências Bibliográficas
8.
1.
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the hepatites B vaccine. N Engl J Med 2004;351:2832-8.
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practice of infectious diseases / [edited by] Gerald L. Mandell,
John E. Bennett, Raphael Dolin.- 6th ed. Elsevier Inc. 2005.
Fonseca J.C.F. Hepatite D. Rev Soc Bras Med Trp
2002;35:181-90.
Lee C., Gong Y., Brok J., et al. Effect of hepatitis B immunization
in newborn infants of mothers positive for hepatitis B surface
antigen: systematic review and meta-analysis. BMJ
2006;332:328-36.
CVE. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Programa de
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Brasil. Ministério da Saúde.Manual dos CRIEs. Disponível em
http://www.portal.saude.gov.br/portal/svs Acessado em 19/
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Fonseca M.O., Pang L.W., Cavalheiro N.P., et al. Randomized
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patients comparing a Standard dose to a double dose. Vaccine
2005;23:2902-8.
Immunization Action Coalition. “Ask the Experts” Questions
relating to health care workers. Disponível em http://
www.immnize.org/hcw/ate.htm. Acessado em 15/11/2005.
www.bjid.com.br

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